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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
NEYLA IVANETE GOMES DE FARIAS ALVES BILA
A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL NO COTIDIANO DE
TRABALHO: a propósito da violência no trabalho e ameaça à saúde do trabalhador
NATAL
2008
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NEYLA IVANETE GOMES DE FARIAS ALVES BILA
A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL NO COTIDIANO DE
TRABALHO: a propósito da violência no trabalho e ameaça à saúde do trabalhador
NATAL
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem do Departamento de Enfermagem do Centro
de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Soraya Maria de Medeiros
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Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Bila, Neyla Ivanete Gomes de Farias Alves.
A banalização da injustiça social no cotidiano de trabalho : a propósito da violência no
trabalho e ameaça à saúde do trabalhador / Neyla Ivanete Gomes de Farias Alves Bila.
Natal, RN, 2008.
189 f.
Orientadora: Soraya Maria Medeiros.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências da Saúde. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem.
1. Enfermagem do trabalho Dissertação. 2. Saúde do trabalhador Dissertação. 3.
Violência Dissertação. 4. Condições de trabalho Dissertação. I. Medeiros, Soraya
Maria. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM CDU 613.6(043.3)
NEYLA IVANETE GOMES DE FARIAS ALVES BILA
A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL NO COTIDIANO DE
TRABALHO: a propósito da violência no trabalho e ameaça à saúde do trabalhador
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aprovada e
aceita como requisito para a obtenção do título de Mestre
em Enfermagem.
Aprovada em ______/______/ 2008.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Soraya Maria de Medeiros orientadora
Departamento de Enfermagem da UFRN
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Raimunda Medeiros Germano
Departamento de Enfermagem da UFRN
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Lenilde Duarte de Sá (UFPB)
Departamento de Enfermagem da UFPB
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Jacileide Guimarães
Escola de Enfermagem da UFRN
A Deus, toda honra, e glória, e pelo dom da vida,
sabedoria, saúde e por sua misericórdia e benevolência a
mim concedidas, pois sem Ele nada poderia fazer.
Com amor, ao Meu esposo, companheiro, amigo e amante
Bila Neto, presente em todos os momentos de minha vida,
na alegria e no sofrimento, pela paciência, compreensão,
amor, carinho, cumplicidade e dedicação.
Com amor, aos meus filhos Leonardo e Danilo, pelo
incentivo, compreensão, apoio, resignação, e tolerância
nos momentos estressantes.
AGRADECIMENTOS
A minha mãe Ivanete Tavares, pelas orações intercessórias em meu favor.
A minha orientadora, Professora e Doutora Soraya Maria de Medeiros, primeiramente
por me ter aceitado como orientanda e por me conduzir do princípio ao fim dessa
jornada. Não foi um caminho muito longo, mas foi intenso, com momentos de alegria,
contudo, de aflição, no entanto, na sua sabiência, tranqüilidade e humanidade, sabia
conduzir à direção certa. Sempre dedicada, paciente, compreensiva, amiga, e solidária.
Meu muito obrigada pela confiança, acolhimento, e em especial pelas orientações
valiosíssimas. Que Deus lhe abençoe!
Aos professores da Pós-Graduação de Enfermagem, pelo apoio e contribuições no
aprendizado.
A professora Raimunda Germano, pelos sábios ensinamentos e pelas palavras
carinhosas, confiantes e encorajadoras.
A professora Bertha Enders pela contribuição especial em alguns trabalhos das
disciplinas.
A estagiária do acervo bibliográfico da Escola de Enfermagem Viviane Medeiros, pela
ajuda na revisão das normas no meu projeto de qualificação.
A tia Miriam Lemos, por fazer a revisão do português no meu projeto de qualificação.
Aos professores Francisco Arnoldo, Raimunda Germano e Lore Fortes, por
aceitarem participar da minha banca de qualificação e por ter oferecido contribuições
tão valiosas.
Ao Gerente Regional do INSS em Natal, Edson Renovato, por ter bondosamente me
acolhido e autorizado a realização da pesquisa na Instituição.
Aos colegas trabalhadores entrevistados por aceitarem dar a sua contribuição e por
acreditarem nesse trabalho, sem vocês não seria possível a realização do mesmo. Meus
agradecimentos, com carinho e dedicação!
As bolsistas da Iniciação Científica, Emeline Sena, Wania Harada e Izabel Neves,
pela importante contribuição na etapa de tratamento das informações.
Aos colegas do INSS, João Maria Lopes, Francisco de Assis Cordeiro, Dione
Regalado, Irineu Souza e Djalter Felismino, pela presteza e cordialidade com que
atenderam aos pedidos de informações que necessitei para a realização desta pesquisa.
As amigas Marcília Duarte e Fátima Camara, pelas palavras amigas, de conforto e
ânimo, e pela prontidão em ajudar nos momentos que pedi socorro.
A minha chefe imediata, Francisca Pinto, muito compreensiva, paciente e tolerante
comigo, meus agradecimentos.
Ao meu aluno do curso de graduação de enfermagem da FARN, João Faustino da
Silva Neto, que brilhantemente criou uma arte para embelezar o meu trabalho. Meu
muito obrigada!
A Professora Altamira Medeiros, pela valiosa revisão gramatical e ortográfica de
português de parte deste trabalho.
A Professora Fabiola Barreto, pela valiosa revisão gramatical e ortográfica de
português de parte desste trabalho e tradução do abstract.
A Cristiane Bulhões, pela contribuição na revisão das normas bibliográficas.
A minha irmã Suêrda Ivanete, e meus sobrinhos Ítalo Herbert e Rudson Edson, pela
contribuição na digitalização de documentos e na parte técnica de informática.
As minhas colegas e amigas da turma do mestrado 2007, pela convivência, incentivo,
apoio, carinho, amizade e cumplicidade, nos momentos fáceis e difíceis.
Aos bibliotecários da Biblioteca Central da UFRN Zila Mamede, pela contribuição na
formatação final deste trabalho.
Aos Professores, Doutores Raimunda M. Germano, Lenilde D. de Sá e Jacileide
Guimarães, pela gentileza em participar da banca examinadora da dissertação com suas
contribuições preciosas.
RESUMO
Analisa os fatores que desencadeiam violência pela banalização dos problemas
e das questões da saúde dos trabalhadores em uma instituição pública federal, em
Natal/RN. Analisa as transformações no mundo do trabalho, com seus determinantes
políticos, sociais e econômicos e sua relação com a saúde do trabalhador. Aborda a
violência no ambiente de trabalho e suas implicações na saúde do trabalhador,
enfocando a banalização dos problemas enfrentados por esses trabalhadores como uma
forma de violência no e com o trabalho. Foi utilizada metodologia analítica com
abordagem qualitativa, através da técnica de coleta e análise de informações segundo a
história oral temática, com gravações consentidas de narrativas pessoais, através da
entrevista individual com roteiro semi-estruturado. Na análise dos resultados foram
construídas as categorias empíricas: o cotidiano no ambiente de trabalho e sua
influência na profissão e na vida dos trabalhadores; a violência presente no ambiente de
trabalho e suas conseqüências na vida e na saúde dos trabalhadores; a banalização da
injustiça social, a propósito da violência contra o trabalhador e sonhos divisados, a
propósito da contribuição da enfermagem. Os resultados revelam que o cotidiano de
trabalho desses trabalhadores, apresentam condição ambiental e organizacional
insalubres, caracterizada pela insegurança física e técnica; falta e desqualificação de
recursos instrumentais e humanos; sobrecarga e complexidade do serviço;
distribuição das tarefas e pressão por prazo e produtividade, gerando tensão, conflito e
ansiedade relacionados com os usuários, colegas, superiores, e com a tarefa. No
ambiente de trabalho foram identificadas a violência externa, caracterizada por agressão
física e verbal, sofrimento psíquico e desvalorização do trabalhador e interna,
caracterizada por assédio moral, assédio psicológico, e violência estrutural
ocupacional. Essas formas de violência trazem conseqüências à vida, explicitadas por
fatores de ordem profissional, econômica e moral, e à saúde, por fatores de ordem
biológica, mental e emocional. A banalização da injustiça social no cotidiano de
trabalho foi discutida nos aspectos da banalização dos problemas e das condições de
trabalho, da banalização da saúde, e da banalização da qualificação e valorização
profissional. As expectativas dos trabalhadores apontaram para a necessidade de:
condições de trabalho seguras; treinamentos e assistência técnica; política de atenção a
saúde física, mental e social para os trabalhadores, extensiva à família. Conclui-se que
as condições ambientais e organizacionais dos trabalhadores pesquisados, não oferecem
segurança física e técnica de que os trabalhadores necessitam para a execução de suas
atividades, nem oferecem conforto e bem-estar físico e psíquico. A política que vem
sendo utilizada pela instituição, aponta para a desvalorização e desumanização destes,
acarretando sentimento de insatisfação, frustração e indignação com respeito a
instituição e ao trabalho, acarretando sofrimento e adoecimento físico e mental.
Constatou-se que a forma mais cruel de violência presente no ambiente de trabalho é a
banalização da injustiça social diante dos problemas e saúde desses trabalhadores,
gerando padecimento lento e morte simbólica de seus sonhos e de suas vidas. Portanto
faz-se necessário a implementação de uma política que promova segurança, saúde,
educação integral, valorização e humanização desses trabalhadores.
Palavras-chave: Enfermagem do trabalho. Saúde do trabalhador. Violência. Condições
de trabalho.
ABSTRACT
Analyzes the factors that unleash violence by banalization of the problems and
health questions of workers in a federal public institution, in Natal/RN. It analyzes
transformations in the world of the work, with its politic, social and economic
determinatives and its relation to the worker health. Boarding the violence in the work
enviroment and its implications to the worker health, focusing on the banalization of
problems faced by the workers as a kind of violence in and with the work. It was chosen
an analitic methodology with qualitative approach, through the collection tecnic and
information analyzes according to the thematic oral history, with recorders of authorized
personal narratives, through individual interview with a semi-structured guide. In the
analyzis of results it were made empiric cathegories: the daily work enviroment and its
influence to the worker profession and life; the violence presents in the work
enviroment and its consequences to the worker life and health; the banalization of the
social injustice, due to violence against the worker that broked their dreams concerned
to the nursing contribution. The results revealed the ordinary work of these workers
showing enviromental and organizational unhealthy conditions, caracterized by physical
and tecnical insecurity; absence and disqualification of instrumental and human
supplies; overload and complexity service; bad distribution of the duties and pressure to
the deadline and productivity, producing tension, conflict and anxiety related to the
users, colleagues, superiors and to the duties. In the work enviroment, it were identified
a external violence, caracterized by physical and verbal aggresion, psychic suffering,
worker depreciation; and internal, caracterized by: moral and psychological
molestations and accupational structural violence. These kinds of violence bring
consequences to the life, that is, professional, economic and moral order of factors and
to the health by biological, mental and emocional factors. The banalization of social
injustice during the daily work was discussed in the aspects of banalization of problems
and work conditions, the health, qualification banalizations and professional
valorization. The workers expectatives pointed out to the necessity of: secure conditions
of work; trainning and tecnical assistance; politics of attention to the physical, mental
and social health to the workers and their family. We conclude the enviromental and
organizational conditions of the workers interviewed do not offer physical and tecnical
security that they need to the execution of their activities, neither offer comfort or
physical and psychological satisfactions. The politic the instituition has used points out
to the depreciation and inhumanization of them producing feelings as unsatisfaction,
frustation and indignation related to the institution and the work, bringing suffering and
physical and mental sicking. We noticed the most terrible violence found in the work
enviroment is the banalization of social injustice related do the problems and health of
these workers, producing a slowly debility and simbolic death of their lifes. Therefore,
it is necessary the implementation of a politic that promotes assurance, health and
integral education, valorization and humanization of these workers.
Key words: Nursing work. Workers health. Violence. Conditions to the work.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Apresentação do organograma da instituição cenário do estudo 71
Figura 2 - Organograma da GEXNAT 72
Quadro 1 - Locais de trabalho da pesquisa com suas respectivas localizações e número
de trabalhadores em atividade, número de trabalhadores cedidos e total de
trabalhadores lotados em cada APS 72
Quadro 2 - Setores das APS por categoria 73
Quadro 3 - Número de trabalhadores afastados por motivo de doença e número de dias
de afastamento nos últimos cinco anos, nas APS da GEXNAT 120
Figura 3 - A Violência no contexto do trabalho . 121
Figura 4 - A banalização da injustiça social e a violência 141
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABERGO Associação Brasileira de Ergonomia
AGENCY FACTS Agência Européia para a Segurança e a Saúde no Trabalho
APF Administração Pública Federal
APS Agência da Previdência Social
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CIPA Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CLAD Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CUT Central Única dos Trabalhadores
DATAPREV Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social
DORT Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
DPM Distúrbios Psíquicos Menores
DRT Delegacia Regional do Trabalho
FARN Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte
FETARN Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do
Norte
GEXNAT Gerência Executiva Natal
IEA Associação Internacional de Ergonomia
ILO International Labour Organization
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
LER Lesão por Esforço Repetitivo
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
NOST Norma Operacional de Saúde do Trabalhador
NR Norma Regulamentadora
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial da Saúde
OPAS Organização Pan-Americana da Saúde
PCMSO Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
PIB Produto Interno Bruto
PPRA Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
PREVMÓVEL Agência Móvel da Previdência Social
RJU Regime Jurídico Único
SABI Sistema de Acompanhamento de Benefício por Incapacidade
SESMT Serviço Especializado de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho
SIPEC Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal
SISOSP Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal
SRH/MP Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UTI Unidade de Terapia Intensiva
AFAST. Afastados/Afastamentos
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 16
1.1 OBJETIVOS 24
1.1.1 Objetivo geral 24
1.1.2 Objetivos específicos 24
1.2 JUSTIFICATIVA 25
2 REVISÃO TEÓRICA 28
2.1 MUNDO DO TRABALHO: SUAS ORGANIZAÇÕES E SEUS
DETERMINANTES POLÍTICOS, SOCIAIS E ECONÔMICOS 28
2.2 RELAÇÃO TRABALHO E SAÚDE 35
2.3 IMPACTO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA SAÚDE DO
TRABALHADOR DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL 41
2.4 A VIOLÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES NO AMBIENTE DE TRABALHO E
NA SAÚDE DO TRABALHADOR 48
2.5 A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL NO COTIDIANO DE
TRABALHO COMO UMA FORMA DE VIOLÊNCIA E AMEAÇA À SAÚDE
DO TRABALHADOR 54
3 PERCURSO METODOLÓGICO 64
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 70
4.1 CONTEXTO DO ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DOS ATORES DA
PESQUISA 70
4.1.1 O Cenário da pesquisa 70
4.1.2 Caracterização dos atores 73
4.2 O COTIDIANO NO AMBIENTE DE TRABALHO E SUA INFLUÊNCIA NA
PROFISSÃO E NA VIDA DOS TRABALHADORES 74
4.3 A VIOLÊNCIA PRESENTE NO AMBIENTE D TRABALHO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS NA VIDA E NA SAÚDE DOS TRABALHADORES 93
4.4 A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL: A PROPÓSITO DA
VIOLÊNCIA CONTRA OS TRABALHADORES 122
4.5 SONHOS DIVISADOS: À PROPÓSITO DA CONSTRIBUIÇÃO DA
ENFERMAGEM 142
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 160
REFERÊNCIAS 174
APÊNDICES 184
ANEXOS 187
Quando estiver na cabeceira da cama de seu
paciente, não esqueça de perguntar-lhe onde
trabalha, para saber se na fonte de seu sustento
não se encontra a causa de sua enfermidade.
(Bernardo Ramazzini, século XVII)
16
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo trata da banalização da injustiça social no cotidiano de
trabalho, como uma forma de violência e ameaça à saúde do trabalhador.
Para melhor abordar esta temática, que se partir inicialmente das discussões
sobre as formas de violência no trabalho e como estas afetam a saúde dos trabalhadores.
Serão articulados os conceitos de trabalho, violência no ambiente de trabalho,
banalização da injustiça social como forma de violência no e com o trabalho e a relação
desta com a saúde do trabalhador.
A discussão enfatiza e defende a melhoria nas condições de trabalho, a fim de
prevenir a violência no ambiente em que ele se realiza e promover a saúde do
trabalhador, em um processo de inter-setorialidade, onde haja a participação dos
trabalhadores, dos seus representantes, das instituições governamentais e não
governamentais e da sociedade como um todo.
Desde a criação da humanidade, homem e mulher executam atividades para a
manutenção da vida e cuidados da natureza. Portanto, pode-se afirmar que o trabalho
teve sua origem com o surgimento do ser humano. Ao longo da história da humanidade,
o homem tem fundamentado sua vida social na luta pela sobrevivência através do
trabalho.
Marx (1970; 1984) aborda o trabalho numa concepção negativa, enquanto
princípio da economia política, essência da propriedade privada, que priva o operário e
o predestina a tornar-se membro de uma determinada classe social, distribuindo de
forma discriminativa, entre os indivíduos, o trabalho normal e mental, o lazer e o
trabalho, a produção e o consumo. O trabalho assalariado alienado é uma forma de
negar toda manifestação humana, ainda livre, consciente, produtiva; ele é rebaixado a
fim de satisfazer uma necessidade. Entretanto, para Marx, o trabalho também tem um
sentido positivo, voluntário, consciente, produtivo, vital, como produção da própria
subsistência e da humanidade, intervindo na natureza, de forma a humanizá-la e a
humanizar-se a si próprio. Para Marx, o trabalho é o centro da vida, liberdade,
realização e ao mesmo tempo escravidão, exploração e discriminação.
Segundo a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS, 2002) mais de 45%
da população mundial e cerca de 58% da população acima de dez anos de idade faz
parte da força de trabalho que sustenta a base econômica e material das sociedades que,
de certa forma, são dependentes da sua capacidade laboral.
17
Compreende-se que, além de ser uma necessidade pessoal, econômica e social
do ser humano, o trabalho também pode ser concebido como uma forma de violência
feita a este, quando não respeita os limites e valores de cada um.
Em seu tratado Violência: Ideologia e Política, Denisov (1986) reconhece a
violência como um conceito multifacetário por suas características externas
(quantitativas) e internas (qualitativas). O termo encontra sua expressão concreta no fato
de que indivíduos, grupos, classes e instituições empregam diferentes formas, métodos e
meios de coerção e aniquilamento direto ou indireto (econômico, político, jurídico,
militar) contra outros indivíduos, grupos, classes e instituições, com a finalidade de
conquistar ou reter poder, conquistar ou preservar independência, obter direitos e
privilégios.
A violência se manifesta de diferentes formas e acomete diversos grupos de
pessoas. Em 1996, uma resolução da Assembléia Mundial de Saúde declarou a
violência como um problema de Saúde Pública global, conceituando-a como a
utilização da força ou poder físico de forma intencional, seja por meio de ameaças ou de
fato, de uma pessoa a si mesma ou de outra pessoa contra um grupo ou comunidade que
tenha como conseqüência uma alta possibilidade de causar danos sociológicos,
disfunções, privações ou morte (CONSEJO INTERNACIONAL DE ENFERMERAS,
1998).
A violência é ainda considerada como uma violação dos direitos humanos, pois
sendo eles essenciais a todas as pessoas de uma sociedade, o seu desrespeito traz como
conseqüência sempre uma violência. Considerando que a violência é um problema de
Saúde Pública, acredita-se que deve ser investigada em todas as situações da vida
humana, especialmente no contexto do trabalho.
Neste contexto, vale ressaltar a violência no trabalho, objeto de preocupação do
presente estudo. Galtung (1981) explica esta violência em quatro tipos: violência
estruturalmente condicionada, que se manifesta nas condições precárias de trabalho e
da quantidade insuficiente de trabalhadores, levando a uma imposição de sobrecarga
física e mental; repressão estruturalmente condicionada, evidenciada na negação do
direito de exercer com segurança as atividades e de atuar em um ambiente de trabalho
seguro; alienação estruturalmente condicionada, explicitada pelo empecilho aos
trabalhadores de usufruirem o prazer de uma realização profissional competente e eficaz
e de serem valorizados socialmente junto aos usuários e à sociedade; e violência
18
clássica, revelada nas agressões físicas e verbais de membros da equipe e de seus
usuários.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a origem da
violência no ambiente de trabalho obedece a uma combinação de causas relacionadas às
pessoas, contexto ambiental, condições de trabalho e à interação dos trabalhadores entre
si e com seus empregadores (DI MARTINO, 2002).
No Brasil, a violência no trabalho vem desde o escravismo, onde era
visualizada pela supressão da liberdade, da vontade e do poder de decisão do
escravizado. Embora o sistema de assalariamento, que sucedeu à escravidão, tenha
priorizado o estabelecimento de contrato entre indivíduos não escravos, sua introdução
trouxe uma gestão e a organização do trabalho escravo e suas formas de violências.
Neste sistema, muda-se a forma de sujeição e o trabalhador passa a ser escravo do
próprio trabalho (ROSSO; FREITAS, 2001).
Vale ressaltar que vários aspectos podem interferir na violência ocupacional,
tais como: aspectos pessoais e comportamentais dos trabalhadores (personalidade,
formação); aspectos relacionados ao próprio ambiente de trabalho (estratégia
organizacional, recursos humanos e materiais e sistema de comunicação); aspectos
ligados à clientela; e aspectos sociais.
A competição, a busca exacerbada pela excelência, a polifunção sem
treinamento prévio e mesmo a compensação financeira, a flexibilidade, a exploração, a
precarização do trabalho, qualquer comportamento abusivo que ameace a integridade
física ou psíquica de uma pessoa, desgastando o ambiente de trabalho, o verdadeiras
formas de violência que prejudicam e fragilizam a saúde do trabalhador.
É por intermédio do sofrimento no trabalho que se forma o consentimento para
participar do sistema econômico mundial, entendido como mercado. E quando funciona,
o sistema gera, por sua vez, um sofrimento crescente entre os que trabalham. O
sofrimento aumenta porque os que trabalham vão perdendo gradualmente a esperança
de que a condição que hoje lhes é dada possa amanhã melhorar. Os que trabalham vão
cada vez mais se convencendo de que seus esforços, sua dedicação, sua boa vontade,
seus sacrifícios pela empresa acabam por agravar a situação (DEJOURS, 2000).
Assim, vem a questão, segundo a expressão das motivações subjetivas da dominação:
por que uns consentem em padecer sofrimento, enquanto outros consentem em infligir
tal sofrimento aos primeiros? Proposta por Alain Morice, (apud DEJOURS, 2000).
19
Dejours (2000) define banalização do mal não somente como atenuação da
indignação contra a injustiça e o mal, mas também como um processo que desdramatiza
o mal e mobiliza progressivamente um número crescente de pessoas a serviço da
execução deste, como seus colaboradores.
No presente estudo será abordada a forma de banalização como causadora de
violência ao trabalhador, capaz de gerar o seu sofrimento, doenças e sua morte. O
processo de banalização do mal pelo trabalho produz iniqüidade, injustiça,
desigualdades e sofrimento aos trabalhadores, mediante relações de dominação que se
aplica a estes, no entanto, tal sistema é aceito e aprovado pela maioria dos cidadãos,
passa por razoável e justificável, realista e racional. E ainda é preconizado abertamente
como um modelo a ser seguido no processo de trabalho, em nome do bem, da justiça e
da verdade (DEJOUR, 2000).
A banalização do mal será abordada neste trabalho como a banalização da
injustiça social praticada cotidianamente no ambiente de trabalho e que, em si, se
caracteriza como uma forma de violência, geradora de sofrimento e ameaçadora da
integridade física e mental do trabalhador.
Para ter-se uma visão prática das situações analisadas até o momento, buscou-
se alguns dados estatísticos relacionados a situações de violência à saúde dos
trabalhadores. De acordo com Miranda (2005), dados oficiais sobre a violência no
trabalho, resultantes de estudo realizado pela OIT, constataram que, pelo menos, 13
milhões de trabalhadores, número apenas no continente Europeu, sofreram esse drama.
Os casos relatados pela OIT incluem atos considerados violentos, como: trabalhadores
expostos a riscos de assalto a mão armada em ambiente de trabalho, entre eles os do
comércio, taxistas, bancários; trabalhadores que atuam no atendimento direto ao
público; e trabalhadores na assistência à saúde.
Segundo dados da Central Única dos Trabalhadores (CUT, 2006), estudos
publicados pela OIT mostram uma clara tendência ascendente em prepotência, assédio e
intimidação de trabalhadores, afetando mais de 10% da força de trabalho européia.
Prosseguindo, a violência física e psicológica no local de trabalho está aumentando em
todo o mundo e atingiu níveis epidêmicos em muitos países industrializados. A
violência no trabalho, incluindo prepotência, assédio sexual e agressão física, pode estar
custando entre 0,5% e 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, em
absenteísmo, licenças médicas e menor produtividade.
20
Estatísticas brasileiras demonstram a ocorrência de 387.905 acidentes de
trabalho, dos quais 15.029 pessoas ficaram incapacitadas permanentemente e 2.898
morreram. Do total desses acidentes, 82,6% (320.398) correspondem a acidentes
típicos, ou seja, aqueles ocorridos decorrentes do exercício do trabalho (BRASIL,
2004a).
As doenças que mais afetam os trabalhadores, chegando a ocupar os primeiros
lugares, estão ligadas às novas tecnologias e aquelas representativas da organização do
trabalho, tais como Lesão por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), a fadiga crônica e o estresse (BARRETO,
1998).
Na concepção da saúde do trabalhador, este processo envolve a relação entre
saúde e trabalho, com o objetivo de intervir nesta relação, no sentido da promoção,
proteção e atenção à saúde dos trabalhadores. As intervenções em Saúde do Trabalhador
se pautam na concepção de que a saúde para o trabalho não significa apenas ausência de
doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, mas, principalmente, a transformação dos
processos de trabalho em seus diversos aspectos, na direção não apenas da eliminação
de riscos pontuais que podem ocasionar agravos à saúde, mas também outra inserção do
trabalhador no processo produtivo que seja potencializadora de saúde e de vida
(BRITO; PORTO, 1991).
Desde 1950, a Organização Mundial da Saúde (OMS) traça os seguintes
objetivos para a Saúde Ocupacional ou saúde do trabalho: promoção e manutenção do
bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores; prevenção dos desvios causados
pelas condições de trabalho; proteção contra riscos resultantes de fatores adversos à
saúde; adaptação do trabalho ao homem e cada homem à sua atividade. Os maiores
desafios para a saúde do trabalhador atualmente e no futuro são os problemas de saúde
ocupacional ligados às novas tecnologias de informação e automação, substâncias
químicas e energias físicas, riscos de saúde associados às biotecnologias, transferência
de tecnologias perigosas. Ainda outros agravantes, como envelhecimento da
população trabalhadora, problemas especiais dos grupos vulneráveis (doenças crônicas e
deficientes físicos), incluindo migrantes e desempregados, problemas relacionados com
a crescente mobilidade dos trabalhadores e ocorrência de doenças ocupacionais de
várias origens (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2002).
A Constituição Federal garante o direito ao trabalho, à saúde e à previdência
social, entre outros. Leis, normas e programas têm sido estabelecidos para se promover
21
a saúde física, ambiental e qualidade de vida dos trabalhadores. No entanto, é
constatado que, na prática, a atenção à saúde do trabalhador tem sido mais direcionada
às diversas formas de tratamento, devido à presença de indícios de lesões orgânicas e/ou
funcionais, investindo-se muito mais nessa área do que nas medidas de prevenção de
agravos e de promoção da saúde. As doenças ocupacionais e acidentes de trabalho
continuam marcantes no ambiente de trabalho (BRASIL, 1988).
No contexto das políticas voltadas para a saúde do trabalhador, a
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada na cidade de Brasília, no ano
de 2005, considerada como um momento importante de mobilização social, conseguiu
através das pré-conferências municipais e estaduais formular propostas mais
consistentes, voltadas para a saúde do trabalhador em cada realidade específica. As pré-
conferências contribuíram também para fortalecer as propostas encaminhadas à
Conferência Nacional, como tentativa de unificar questões essenciais, comuns a todos
os trabalhadores do país. A Conferência Nacional deliberou garantias para uma ação
integral e transversal do Estado em relação à saúde dos trabalhadores, a incorporação da
saúde dos trabalhadores nas políticas públicas, a efetivação e ampliação do controle
social em saúde dos trabalhadores (BRASIL, 2005).
Concorda-se que um trabalhador e um ambiente de trabalho saudável são bens
valiosos para o indivíduo e para a comunidade, os quais contribuem não somente para a
saúde deste, mas para a produtividade, a qualidade do produto final do trabalho, a
motivação e a satisfação no trabalho. E, portanto, para a melhoria da qualidade de vida
do indivíduo e da sociedade como um todo (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA
DA SAÚDE, 2002).
Pode-se considerar que as modificações e o avanço das tecnologias nos
ambientes de trabalho tenham sido mais velozes do que a capacidade de adaptação dos
trabalhadores. Desta forma, os trabalhadores continuam sob pressão das novas formas
de gerenciamento e trabalho intenso, exigência de produtividade, da competitividade,
que, como resultado, interferem na sua qualidade de vida, contribuindo para seu
envelhecimento e adoecimento, provocando acidentes e, por fim, a morte.
Sabe-se que o indivíduo passa boa parte do seu tempo útil no trabalho e dele
depende a sobrevivência da sociedade e a sua própria sobrevivência, portanto, a saúde
do trabalhador é pré-requisito para a produtividade e é de suma importância para o
desenvolvimento socioeconômico e sustentável.
22
Portanto, ressalta-se que o ambiente de trabalho deverá proporcionar boas
condições físicas, psicológicas e econômicas para contribuir com o equilíbrio social,
físico e mental do trabalhador.
Entende-se que uma política pública em segurança e saúde do trabalhador
deverá garantir a este um trabalho realizado em condições favoráveis à sua saúde e
melhoria da qualidade de vida. Para ser de forma integral e transversal, deve alcançar
todas as esferas da vida física, mental, social, cultural, ambiental, espiritual,
circunscritos a todos os setores da sociedade, devendo ainda ser controlada e fiscalizada
pelo Estado não somente no setor privado, mas especialmente no setor público, a fim de
garantir o bem do empregado e não apenas o benefício do empregador.
A motivação para a realização do presente estudo partiu da vivência da
mestranda, autora do trabalho, como docente na área de saúde do trabalhador,
inicialmente, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e atualmente na
Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (FARN). Assim
como na qualidade de trabalhadora da Previdência Social, conhecendo e vivenciando os
problemas existentes em seu ambiente de trabalho, além da experiência junto aos
trabalhadores em gozo de benefícios de auxílio-doença, acidente de trabalho e do
serviço de reabilitação profissional previdenciários.
Em sua prática cotidiana, a autora vem percebendo que a injustiça social,
praticada no âmbito do trabalho do serviço público, encontra-se banalizada. Diante
desta situação, a violência se instala no local de trabalho, causando sofrimento físico,
mental e social, acarretando sérios danos à saúde dos trabalhadores. Essa violência,
resultante da banalização dos problemas e das questões da saúde dos trabalhadores, é
capaz de gerar sofrimento nos trabalhadores. Esta situação está cada vez mais presente
nos ambientes de trabalho, causando danos à saúde dos trabalhadores e à sua qualidade
de vida, podendo ainda interferir na vida profissional e pessoal destes.
Nesse contexto, considera-se a necessidade de analisar melhor as causas e as
conseqüências dessa banalização, objetivando a compreensão do fenômeno. Pode-se
ainda contribuiir para estudos e práticas na área da saúde em geral, particularmente na
enfermagem, na perspectiva de colaborar-se para a minimização dos danos, para a
melhoria da saúde dos trabalhadores e o seu melhor desempenho profissional.
Mais especificamente, o objeto deste estudo está direcionado para o
trabalhador de uma instituição pública federal no setor de serviços voltado para a
assistência social aos trabalhadores. Pela inserção da autora nesse órgão, de
23
convergir-se que a sua experiência como enfermeira, educadora e servidora pública
poderá contribuir para uma melhor compreensão e desenvolvimento do estudo, na
medida em que, pela sua constatação, as questões inerentes à saúde dos trabalhadores da
referida instituição encontram-se, algumas vezes, banalizadas.
A autora considera ainda que a pesquisa irá fornecer dados que subsidiarão a
implantação de um Serviço de Saúde que atenda aos trabalhadores não somente do
Estado do Rio Grande do Norte, mas de todo o país, contribuindo para despertar nos
trabalhadores e gestores o exercício na garantia da necessidade de sua colaboração
participativa e consciente em defesa de sua saúde e qualidade de vida de todos os
trabalhadores. A pesquisa também poderá contribuir para a ampliação da prática de
enfermagem na atenção à saúde do trabalhador.
Portanto, ao refletir-se sobre estes problemas, alguns questionamentos são
suscitados: Sabe-se que, no Brasil, o acesso ao trabalho, saúde, educação, lazer, à
distribuição de renda, entre outros, não são igualitários. Neste contexto, vale discutir
sobre as possibilidades e limites da humanização da assistência e da integralização das
ações de saúde para os trabalhadores: Até que ponto estas ações têm promovido a saúde
e a qualidade de vida dos trabalhadores? Como está o controle social pactuado pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) sobre a segurança e a saúde no trabalho nas empresas
públicas federais? Como fica a saúde do trabalhador sem boas condições ambientais de
trabalho e com seus direitos subtraídos? De que forma ocorre a violência e como ela
repercute na saúde do trabalhador? E, considerando as formas de violência no local de
trabalho, o que poderá ser feito com a perspectiva de prevenir essa violência? Como a
enfermagem poderá contribuir para a melhoria da saúde dos trabalhadores que
vivenciam formas diversas de violência no trabalho?
Partindo desses questionamentos, estabeleceu-se as seguintes questões de
pesquisa:
Quais são os fatores que desencadeiam a violência pela banalização dos
problemas e das questões da saúde dos trabalhadores?
Até que ponto a banalização dos problemas e da saúde dos trabalhadores,
sendo em si uma forma de banalização da injustiça social, poderia ser
considerada uma forma emergente de violência no trabalho?
Segundo Graça (1999), muito se tem falado de desemprego e de políticas de
emprego, mas pouco de empregabilidade. Esta empregabilidade dimensiona a
manutenção da capacidade de trabalho ao longo da vida ativa, assim como a melhoria
24
das condições de trabalho, a vigilância, a proteção e a promoção da saúde no trabalho, a
participação e a consulta dos trabalhadores, a reintegração e a reabilitação destes.
Muito se tem falado sobre garantias de condições de trabalho, previdência,
meio ambiente e saúde, porém sabe-se que a prática destas políticas está muito aquém
da teoria. Para que se promova um trabalho que dignifique o homem, que auxilie na
estruturação de uma sociedade, que promova a saúde e a qualidade de vida, é preciso
que se busquem ações e práticas que interfiram na relação entre o trabalho e os sistemas
de produção de saúde através dos espaços de trabalho, como, também, estratégias que
permitam aos trabalhadores exercerem um maior controle sobre o ritmo e intensidade do
seu trabalho. Para que alcancem esses objetivos, é muito importante que os
trabalhadores participem com ações organizadas nos locais de trabalho e com prática
solidária entre eles.
Afinal, o que os trabalhadores precisam, como diz o próprio tema da
Conferência Nacional de Saúde, é “trabalhar sim, adoecer não” (BRASIL, 2005).
1.1 OBJETIVOS
Para a realização deste estudo, foram traçados os seguintes objetivos:
1.1.1 Objetivo geral: Analisar fatores que desencadeiam violência pela banalização
dos problemas e das questões da saúde dos trabalhadores.
1.1.2 Objetivos específicos:
Descrever fatores que desencadeiam a violência no trabalho pela
banalização dos problemas e das questões da saúde dos trabalhadores;
Descrever vivências e impressões de trabalhadores, relacionadas a esses
fatores;
25
Discutir a banalização dos problemas e da saúde dos trabalhadores como
forma emergente de violência no trabalho.
1.2 JUSTIFICATIVA
A opção pelo estudo da saúde do trabalhador deveu-se por considerar que o
trabalho tem significativa importância na vida pessoal, social e econômica do indivíduo
e da comunidade. Estando o ambiente de trabalho presente em boa parte do tempo e da
vida do ser humano, acredita-se poder ser o responsável pelo surgimento de doenças e
acidentes que desfavorecem a saúde e a qualidade de vida do trabalhador. E, portanto,
para que o trabalho contribua com a promoção da saúde dos trabalhadores, é preciso que
dele se extraia proveito não só econômico, mas social, físico e mental, ou seja, é preciso
que contribua de forma saudável para o bem-estar da classe trabalhadora,
principalmente, tornando-o mais humano.
Portanto, decidiu-se estudar a banalização dos problemas e das questões da
saúde dos trabalhadores como uma forma de violência que está presente no trabalho. E
de que forma esta banalização pode causar danos à saúde, interferindo na vida
profissional e pessoal dos indivíduos, bem como da comunidade. Destarte, é preciso
conhecê-la, reconhecê-la e estrategicamente aprender a gerenciá-la, contribuindo para
que deixe de ser uma ameaça à saúde da classe trabalhadora, e favoreça o bom
desempenho profissional.
Acredita-se que, ao longo deste estudo, serão percebidos diversos tipos de
violência relacionados ao trabalho, porém, pretende-se direcionar o foco da pesquisa
àquela violência evidenciada na banalização dos problemas e das questões da saúde
psicossocial e física dos trabalhadores. Para tanto, realce será dado à necessidade de
conscientização dos trabalhadores, gestores e usuários, quanto aos benefícios e
malefícios que o ambiente de trabalho pode produzir na saúde e na qualidade de vida do
indivíduo e da população.
Pretende-se, com este estudo, contribuir para a redução dos afastamentos por
doença relacionados ao trabalho, favorecendo a economia do país; e contribuindo para o
conhecimento e conscientização dos trabalhadores, gestores e seus representantes, no
sentido de que estes possam aprender a administrar situações de violência no trabalho,
26
visando à prevenção e à promoção da sua saúde. Concorda-se que trabalhadores com
saúde e satisfeitos no seu ambiente de trabalho produzem com melhor e maior
qualidade, o que estará contribuindo, também, para a economia do país, e, com certeza,
para a qualidade do atendimento que prestam à comunidade, além de poderem usufruir
de uma existência mais saudável.
Espera-se, ainda, agregar conhecimento sobre os fatores biopsicossociais e
afetivos que constituem a violência no trabalho e suas repercussões na saúde de
trabalhadores. Os dados resultantes poderão, quando publicados, constituir-se em meios
de divulgação acadêmica e, quiçá, fornecer elementos para elaboração de estratégias
capazes de reduzir e minimizar a influência da violência no trabalho em geral.
28
2 REVISÃO TEÓRICA
Passa-se a apresentar o delineamento teórico que orientou esta pesquisa,
abordado em forma de tópicos: 1. As questões referentes ao mundo do trabalho, suas
organizações e determinantes políticos, sociais e econômicos; 2. A relação entre
trabalho e saúde; 3. O impacto das condições de trabalho na saúde do trabalhador do
Serviço Público Federal; 4. A violência e suas implicações no ambiente de trabalho e na
saúde do trabalhador; 5. A banalização da injustiça social no cotidiano de trabalho,
como uma forma de violência e ameaça à saúde do trabalhador.
1.1 MUNDO DO TRABALHO: SUAS ORGANIZAÇÕES E SEUS
DETERMINANTES POLÍTICOS, SOCIAIS E ECONÔMICOS.
A discussão em termo do mundo do trabalho, sua centralidade e as
transformações pelas quais passou ao longo da história, bem como os fatores políticos,
sociais e econômicos que determinaram essas mudanças, inicia-se sob a premissa de que
o trabalho acompanha o homem em toda sua história. Nesse sentido, depreende-se que o
homem extrai dele a sua força e sua sobrevivência.
A palavra trabalho é originária do latim tripalium, que é um instrumento
formado por três paus ponteagudos usados pelos agricultores para bater trigo e milho.
Foi também utilizado pelos romanos para tortura.
Trabalho é um processo participativo entre o homem e a natureza, onde o ser
humano, através da sua ação, impulsiona, regula e controla sua relação com a natureza,
modificando-a e ao mesmo tempo modificando a sua própria natureza (MARX, 1996).
Para Antunes (2003, p. 123),
a história da realização do ser social, muitos já o disseram, objetiva-se
através da produção e reprodução da sua existência, ato social que se
efetiva pelo trabalho. Este, por sua vez, desenvolve-se pelos laços de
cooperação social existentes no processo de produção material. Em
outras palavras, o ato de produção e reprodução da vida humana
realiza-se pelo trabalho. É a partir do trabalho, em sua cotidianidade,
29
que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas
não humanas.
O trabalho é o fazer do homem, portanto, pode ser considerado como categoria
central na sua vida. Esta centralidade se porque, como ser humano, o constitui e, ao
produzir sua existência, está produzindo-se a si mesmo. Para Kantorski (1997), o
homem ao produzir sua própria existência, através do trabalho, constitui formas de
sociabilidade, modos de pensar e de intervir no processo de produção e nas necessidades
sociais para sua própria reprodução enquanto ser.
Também, por revelar uma relação de intercâmbio com a natureza, para garantir
sua sobrevivência, o ser humano estabelece esta afinidade transformando a natureza de
acordo com o seu modo de trabalho e por meio dela também sofre transformações. É,
ainda, através do trabalho que o ser humano se relaciona socialmente com os seus
semelhantes, gerando relações de troca.
Marx (1992) afirma que, ao produzir sua própria existência, os homens entram
em relações sociais determinadas, necessárias, independentes da sua vontade,
desenvolvendo suas forças produtivas materiais, que condicionam o processo de vida
social, política e intelectual.
No desenvolvimento da história humana, a ampliação das fontes de existência
de domínio do homem sobre a natureza mantém relação com as diferentes etapas de
organização e divisão de trabalho, representando formas diversas de propriedade, de
constituição da família e do Estado (ENGELS, 1987).
Pode-se citar, também, enquanto centralidade, que é por meio do trabalho que
o homem se afirma como ser social e cria sua própria identidade. E por fim, faz com
que o homem produza a sua própria história, veiculando o conhecimento e a cultura que
transmite a cada civilização.
Para Kantorski (1997, p. 7),
[...] através da práxis do trabalho dos modos como o homem produz
sua existência e se reproduz socialmente o homem constrói a sua
própria história. [...] o modo de produção da vida material mantém
relação com a cultura dos diversos grupos, os saberes e práticas de que
cada sociedade, em cada época, se utiliza [...].
30
Reconhece-se que, no contexto das mudanças ocorridas no mundo do trabalho,
pode-se dizer que, ao longo da história, este processo tem enfrentado profundas
transformações e muitas crises.
Estudando a reorganização do trabalho no mundo do trabalho, Canterle (2003)
demonstra que na pré-história o homem utilizava sua energia física para executar uma
tarefa, e o trabalho era tido como um bem natural, uma atividade prazerosa. Na
Antiguidade, o trabalho era visto como uma maldição, meio de expiação para os
pecados, algo desprezível, cabendo aos escravos a sua execução. Desta forma, e sob a
influência da nobreza e do clero, se instala a divisão do trabalho: para escravos,
manual/operacional; para os homens livres, trabalho intelectual/racional.
No mesmo estudo, Canterle (2003) afirma que, na Idade Média, o trabalho
passa a ser uma servidão dos homens aos seus senhores, tido como um direito e um
dever árduo, um meio de salvação, onde o homem passa a ser um operador de
ferramentas. E no período que antecede à Revolução Industrial, sob a influência do
comércio mercantilista, o homem organiza seu trabalho de forma a expressar a sua
criatividade.
A civilização se estruturou em função do trabalho humano. Em diferentes
momentos e sociedades, o executor do trabalho desempenhou diversos papéis em sua
existência: usuário da energia física, operador de ferramentas, organizador da produção,
para depois, na era pós-industrial, ser um sintetizador de energia mental, favorecendo a
abstração e a criatividade (CANTERLE, 2003).
Para Canterle (2003), o emprego sempre teve uma conotação de determinada
tarefa e não uma função exercida. O trabalho temporário recebeu nova roupagem, com o
surgimento das indústrias. A grande mudança foi deixar de fazer algo orientado pela
vontade própria, pela natureza, e então ser regido pelo tempo contado, onde o emprego
não permitia a mudança de uma tarefa para outra livremente, nem a possibilidade de
agilizar a sua conclusão para comemorar o tempo livre.
Engels (1987, p. 196-197) afirma que
[...] a civilização é o estágio de desenvolvimento da sociedade em que
a divisão do trabalho, a troca entre indivíduos dela resultante, e a
produção mercantil que compreende uma e outra atingem seu
pleno desenvolvimento e ocasionam uma revolução em toda a
sociedade anterior [...] A escravidão é a primeira forma de exploração,
31
a forma típica da Antiguidade; sucedem-na a servidão na Idade Média
e o trabalho assalariado nos tempos modernos.
No entanto, as maiores transformações ocorreram a partir da Revolução
Industrial, em especial no século XIX, últimas três cadas, dando ao trabalho um
sentido de mercadoria, sob o determinismo do capitalismo.
Medeiros (2000) estuda a Revolução Industrial em três momentos históricos,
cada uma com suas causas, características, tendências e confrontos.
A Primeira Revolução Industrial ou Revolução do Ferro e do Carvão, ocorrida
na Inglaterra, baseia-se organizacionalmente na produção fabril e no trabalho
assalariado semi-artesanal. Caracterizava-se por jornadas de trabalho intensas e
insalubres, período curto de férias não remuneradas, e exploração do trabalho infantil e
das mulheres. Neste período, foi desencadeado um crescimento econômico e expansão
do consumo, ao mesmo tempo em que foram transformadas as relações sociais do
trabalho e efetivada a divisão do mesmo (MEDEIROS, 2000).
A Segunda Revolução Industrial ou Revolução do Aço e da Eletricidade,
comandada pelos Estados Unidos da América, foi marcada por grande crescimento
econômico e tecnológico, tem base econômica formada pelos chamados trustes, grandes
grupos industriais alinhados aos bancos, formando monopólios que exerciam maior
poder de influência sobre o mercado e fortalecia a economia capitalista. Neste contexto,
surgem novas formas de produção baseadas nas teorias do Taylorismo e do Fordismo,
instalando-se um processo de produção gido, em massa e em série, insalubre,
especializado e não qualificado, comandado por gerentes, reforçando, assim, a divisão
entre trabalho manual e intelectual. Este processo estende-se aos setores do comércio e
produção de serviços (MEDEIROS, 2000).
E por último, a Terceira Revolução Industrial, com berço no Japão, sob a
influência do Toyotismo, tendo por base tecnológica a informática e a automação.
Introduz no processo de trabalho princípios de flexibilização da produção e da
polivalência do trabalhador. Esse processo é orientado pela lógica da oferta e da
procura, provocando o aumento do investimento no sistema produtivo, por outro lado,
fragilizando o vínculo empregatício (MEDEIROS, 2000).
Segundo Kantorski (1997), este último período trouxe mudanças sociais e
políticas ao processo de trabalho, entre elas o trabalho assalariado e a base técnica, e a
divisão deste entre classes sociais, transformando a existência humana e a forma de
32
sentir o trabalho, trazendo, como conseqüências, a precarização do trabalho e o
desemprego.
Entre os fatores determinantes para estas mudanças, destacam-se: o
crescimento econômico dos países industrializados após a Segunda Guerra Mundial; a
globalização da economia; as crises nas taxas de crescimento e do bem-estar social
(TEIXEIRA, 1994).
O século XIX demarca o período do desenvolvimento do capitalismo
industrial, caracterizado pelo crescimento da produção, pelo êxodo rural e pela
concentração de novas populações urbanas. Decorrem problemas, como condições de
vida marcantes, potencialização das condições de alta mortalidade, de uma longevidade
reduzida na duração do trabalho, no emprego de crianças, salários baixos, redução da
moradia, falta de higiene, promiscuidade, esgotamento físico, acidentes de trabalho e
subalimentação (DEJOURS, 1992).
No mundo do trabalho, a globalização traz novas formas de organização do
trabalho e novas tecnologias, provocando prejuízos que têm como uma de suas
conseqüências o aumento do desemprego nos setores produtivos, com a expulsão dos
trabalhadores do mercado de trabalho (MEDEIROS; ROCHA, 2004).
Antunes (2003) considera que, na década de 1980, profundas transformações
ocorreram no mundo do trabalho. O avanço da tecnologia, da automação, da robótica e
da microeletrônica invadem as fábricas, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações
de trabalho e de produção do capital.
Para Antunes (2003), as modificações foram tão intensas, que se pode mesmo
afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise do século, que
atingiu não a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua
subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser.
Neste contexto, o autor refere que
novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a
produção em série e de massa são “substituídos” pela flexibilização da
produção, pela “especialização flexível”, por novos padrões de busca
de produtividade, por novas formas de adequação da produção lógica
do mercado. [...] buscam-se novos padrões da força de trabalho, [...] a
“gestão participativa”, a busca da “qualidade total” são expressões
visíveis [...] em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro
Mundo industrializado. [...] Vivem-se formas transitórias de produção,
[...] no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são
33
desregulamentados, são flexibilizados, de modo a dotar o capital do
instrumental necessário para adequar-se à nova fase (ANTUNES,
2003, p.24)
Em relação ao Brasil, as questões referentes ao mundo do trabalho se inserem
no contexto mundial, por ser um país capitalista periférico, cujo processo de
industrialização tardio e acelerado, somado à incorporação de novas tecnologias, está
sujeito à lógica da divisão internacional do trabalho estabelecida pelos países
capitalistas centrais (DIAS, 1994).
O ideário neoliberalista, estabelecido pelo capitalismo, sustenta esta forma de
sociabilidade, baseado na desregulação da economia, na globalização, na flexibilização
do processo produtivo, na orientação do consumo qualificado baseado em nichos de
mercado, na incorporação desenfreada da tecnologia e na retirada progressiva do Estado
dos setores da esfera dos direitos sociais, como a saúde, a educação e a previdência
social (KANTORSKI, 1997). A esse respeito, merecem destaque as lutas trabalhistas e
sindicais, atuantes desde o século passado, e responsáveis por muitas conquistas sociais
relacionadas à classe trabalhadora.
Para Dejours (1992) os objetivos das lutas operárias são de direito à
sobrevivência e, portanto, à vida, e da construção do instrumento de conquista, ou seja,
da liberdade de organização. Estas lutas inicialmente giram em torno da redução da
jornada de trabalho, depois se estendem para o limite da idade, proteção das mulheres,
duração do trabalho, trabalho noturno e penoso, e repouso semanal. As conquistas são
questionadas por leis, as discussões governamentais são intermináveis, assim as lutas
operárias marcam todo o século.
No entanto, afirma Antunes (2003) que os sindicatos estão se distanciando dos
movimentos sociais classistas e do sindicalismo, que lutavam pelo controle social da
produção, para aderir ao sindicalismo de participação e de negociação, que, de modo
geral, aceita a ordem do capital e do mercado.
A situação do mundo do trabalho na modernidade, sob determinantes
estabelecidos pelo capitalismo, pela ciência e pela tecnologia, suga do homem uma
energia mortal, onde a palavra de ordem é a qualidade total por meio de exigências aos
trabalhadores, no que diz respeito ao aprendizado, à qualificação profissional, à
atualização tecnológica, à certificação profissional e à polivalência.
34
Neste sentido, Antunes (2003) refere que no universo do trabalho, no
capitalismo contemporâneo, além da redução da classe operária industrial tradicional e
do aumento paralelo do trabalho assalariado, ampliado ao setor de serviços, observa-se,
ainda, uma expressiva heterogeneização do trabalho e crescimento da subproletarização,
presentes nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, subcontratato, e
terceirizado, vinculado à economia informal. De maneira mais forte, ainda, expande-se
o desemprego estrutural, que se estende por todo o mundo.
Para Antunes (2003), ao mesmo tempo em que uma tendência para a
qualificação do trabalho, também, de maneira intensa, um processo de
desqualificação dos trabalhadores, que configura a contradição de se superqualificar em
uns ramos e desqualificar em outros.
Por conseguinte, o maior prejudicado nessa história é o homem trabalhador.
Segundo Antunes (2003), as transformações o afetam diretamente, acarretando
metamorfoses no ser do trabalho. Assim, atinge a consciência, a subjetividade do
trabalho e suas formas de representações.
Berlinguer (2004) enfatiza que o trabalho assalariado, em suas implicações
éticas, depreda a força do trabalho, única mercadoria da qual o trabalhador tem posse,
impedindo a sua reprodução e venda. Ao explorar a força de trabalho, ultrapassam-se os
limites físicos da jornada de trabalho, o que acarreta um choque contra os limites
morais, compromete a vida e conduz à morte.
Para este autor, outro fato que causa indignação é a permanência da exploração
pelas relações trabalhistas escravagistas e serviçais, apesar dos progressos e da profunda
discussão atual sobre temas bioéticos e morais na relação entre trabalho e ser humano
(BERLINGUER, 2004).
Dizem que liberdade não se dá, se conquista. O mesmo acontece com relação à
organização do trabalho. É provável que a solução ideal não exista e que, na
organização do trabalho como em tudo mais, seja a evolução, sobretudo, a portadora de
esperança. Considerando o lugar dedicado ao trabalho na existência, a questão é saber
que tipo de homens a sociedade fabrica através da organização do trabalho. Entretanto,
o problema não é, de forma alguma, criar novos homens, mas encontrar soluções que
permitiriam pôr fim à desestruturação de um certo número deles pelo trabalho
(DEJOURS, 1992).
35
A partir deste estudo sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho,
e dos fatores provenientes do capitalismo que determinaram estas mudanças, analisa-se
as conseqüências trazidas à saúde do trabalhador em sua relação com o trabalho.
1.2 RELAÇÃO TRABALHO E SAÚDE.
Nesta parte do estudo faz-se uma breve análise da relação entre o trabalho e a
saúde do trabalhador, desde a antiguidade até a atualidade, e ainda como esta foi afetada
historicamente pelas transformações ocorridas no mundo do trabalho.
Estudos epistemológicos demonstram que a concepção e proposição das ações
médicas não surgem em um simples pensamento, mas originam-se na experiência dos
indivíduos com o mundo material de forma objetiva, através das relações práticas do
homem com as coisas e das pessoas entre si (MENDES, 2007).
Neste sentido, busca-se resgatar, na História, a evolução da relação existente
entre o trabalho e as transformações pelas quais passou e sua implicância na saúde dos
trabalhadores.
Mendes (2007), ao estudar as patologias relacionadas ao trabalho, refere que
desde os papiros egípcios e os textos judaicos se observavam registros das doenças
associadas ao trabalho, e sobre os direitos concebidos aos trabalhadores em virtude
destas doenças, e em prevenção às mesmas; mesmo assim, não havia um interesse pela
saúde/trabalho nos impérios dominantes, uma vez que os trabalhos pesados ou de risco
eram destinados aos escravos.
No mesmo estudo, Mendes (2007) demonstra as referências nos tratados
relativos à saúde, os quais estabelecem a associação do trabalho com o adoecimento e
morte dos trabalhadores, escritos inicialmente por Hipócrates (460-375 a. C.), entre
outros médicos da Grécia antiga até Galeno (129-199 d. C.) no império Romano. Tais
ensinamentos trazem duas preocupações que marcam a medicina do trabalho: a morte
prematura e o índice de anos potenciais de vida.
A partir da Idade Média, sob a influência dos avanços tecnológico e
econômico, surgem novas formas de produção, entre as quais a mineração, a
navegação, a metalúrgica, os artífices, os ouríveres, o comércio e as grandes
construções. Segundo relatos de escritos médicos, dentre eles Georgius Agrícola (1494-
36
1555) e Paracelso (1493-1541), esses avanços trazem graves conseqüências à saúde dos
trabalhadores e aumento da incidência das doenças relacionadas ao trabalho, devido
especificamente à intoxicação por metais, posturas forçadas, trabalho excessivo,
doenças tropicais, inalação de fumaças, acidentes de trabalho e exigência de prazo
(MENDES, 20007).
Para Mendes (2007), a partir do século XVII, crescem as informações sobre os
males tidos como de origem ocupacional, especialmente com as contribuições de
estudos feitos pelo médico docente italiano Bernardino Ramazzini (1633-1714). Este
médico, ao observar e interrogar trabalhadores, posto seu compromisso com essa classe
menos favorecida, constata o impacto social da doença, sistematiza e classifica as
doenças segundo sua natureza e grau de nexo com o trabalho.
Bernardo Ramazzini foi o primeiro a escrever sobre as doenças das diversas
atividades dos trabalhadores. Era estimulado pela compaixão, o sofrimento conjunto, o
sentido da humanidade compartilhado, e pelo reconhecimento e gratidão à contribuição
trazida às suas obras, e tinha o intuito de revelar a dura realidade vivida por estes, a fim
de mitigar e prevenir seus sofrimentos. Trouxe assim muitas contribuições para a
medicina do trabalho e saúde do trabalhador, demostrando a relação entre a doença, sua
causa e determinação social, e a prevenção, favorecendo a ética da virtude do agente e
os conselhos sobre aquilo que se pode fazer (BERLINGUER, 2004).
Sabe-se que o período de maior impacto sobre a vida e a saúde das pessoas se
deu na Revolução Industrial (1760-1850), no qual destacam-se os abalos sociais,
políticos e econômicos que produziram inúmeras conseqüências e graves danos à saúde
dos trabalhadores.
Para Mendes (2007), dentre esses impactos, destacam-se: a mecanização e a
produção industrial em larga escala, voltada para o mercado mundial; o surgimento do
proletariado urbano; a construção de estradas de ferro, locomotivas, vagões, navios e
máquinas industriais, aumentando as jornadas de trabalho e a insalubridade dos
ambientes de trabalho; péssimas condições de trabalho e de vida; contratação de
mulheres e crianças por salários mais baixos e a alta incidência de acidentes graves,
mutilantes e letais.
Desta forma, há que se dar nome aos culpados, e, neste sentido, Mendes (2007)
ressalta a importância das contribuições dos estudos de Percival Pott (1713-1788),
quando identificou o nexo causal entre a exposição a riscos no trabalho e os agravos
37
causados à saúde de trabalhadores, o que pressionou a necessidade de criação de leis
visando à proteção destes.
No entanto, as condições de trabalho e a vida da classe trabalhadora
continuavam precárias, comprometendo a própria produção em virtude dos acidentes e
doenças, o que os impulsionou a uma reação popular, impondo medidas sanitárias. Pela
necessidade de controlar a perigosa força de trabalho pobre, as camadas mais
privilegiadas da sociedade, que se sentiam ameaçadas quanto ao risco que esta situação
trazia ao seu poderio e à sua saúde, pressionaram o poder político a editar normas de
melhoria das condições sanitárias, seguidas de outras leis de melhorias das condições de
trabalho e proteção aos trabalhadores (MENDES, 2007).
Sobre a força de trabalho, Medeiros (2000), analisa esta mercadoria básica no
processo de produção capitalista enquanto solicitada pelo mercado, contudo lhe é
exigido ter saúde necessária para executar o processo de trabalho. Para o capital, a saúde
enquanto suficiente é um componente simples e relativizado da mercadoria força de
trabalho.
No século XIX, a classe operária vivia por assegurar a sobrevivência, onde a
saúde não tinha importância, onde viver é não morrer. As exigências do trabalho e da
vida trazem riscos de sofrimento aos operários, que passam a estados de miséria. Como
resposta social ao perigo, surge o movimento higienista, que, na realidade, preserva
mais a saúde da classe privilegiada em detrimento da classe operária. Além das
preocupações com saúde, este movimento traça objetivos concernentes à restauração da
ordem moral e social nas aglomerações operárias, abaladas pela delinqüência,
bandidismo, violência e prostituição, efeitos da miséria, fome e promiscuidade impostas
àquela classe (DEJOURS, 1992).
Segundo Mendes (2007), neste século são apontados por Auguste Delpech e
Willian Farr (1807-1883) danos à saúde mental do trabalhador, de inconfundível nexo
com o trabalho, dentre eles a fadiga, o envelhecimento precoce e as alterações do
comportamento, abrindo o campo da psicopatologia do trabalho.
A luta toma o eixo da proteção à saúde do trabalhador. Seguem-se elementos
que trazem uma reviravolta na relação homem/trabalho, entre eles: a produção
industrial, produção para a guerra, redução da duração de trabalho nas indústrias de
armamento, desfalque da mão-de-obra, como resultado dos mortos e feridos da guerra e
esforços da reconstrução, e a reinserção dos inválidos na produção. Somam-se a estes a
introdução do taylorismo com sua tecnologia de submissão, disciplinarização do corpo,
38
exigências de tempo e ritmo de trabalho, divisão do trabalho intelectual e manual,
trazendo sérias conseqüências à saúde mental e do corpo (DEJOURS, 1992).
Berlinguer (2004) traça as seguintes considerações sobre os acontecimentos
dessa época: O século XVIII foi acompanhado pela Guerra da Independência
Americana e pela Revolução Francesa, as quais introduziram o conceito de justiça
ligado à idéia de liberdade e direitos naturais do ser humano, direito à vida, à liberdade e
à igualdade, abalando os povos, enriquecendo a cultura e modificando as nações,
especialmente a vida dos trabalhadores. O capitalismo, advindo da revolução industrial
presente no século XIX, marcou a vida dos trabalhadores, incluindo mulheres e crianças
através de sua exploração sem limites, trazendo conseqüências drásticas às condições
sanitárias, de segurança, de danos à saúde e à vida dos trabalhadores, desrespeitando
todos os princípios éticos, morais, sociais e humanos.
No contexto brasileiro, com relação à história da saúde do trabalhador, Mendes
(2007) afirma que esta foi influenciada pelo contexto mundial, passando pela ameaça de
perda da principal força produtiva, a mão-de-obra escrava e operária, o que causaria
prejuízos aos interesses sociais e econômicos da burguesia. Dessa efervescência nasce a
medicina social e higienista, como medida de controle à doença dos trabalhadores e com
o objetivo de garantir a hegemonia do Estado.
Na segunda metade do século XIX, as doenças dos trabalhadores passam a ser
denominadas e associadas a agentes etiológicos específicos dos locais de trabalho e à
regulação das relações de trabalho, especialmente na questão da duração da jornada de
trabalho, do trabalho do menor e das jornadas de repouso, que eram os principais pontos
de conflito entre a produção capitalista e a classe operária. no final desse século, a
relação de trabalho passa a envolver todos os aspectos que causam danos à saúde do
operário, com respeito ao ambiente, aos materiais e produtos usados, ao ritmo e
organização do trabalho, contribuindo de forma notável para o progresso das técnicas
produtivas, das leis e das orientações morais que compõem a saúde e a segurança dos
trabalhadores. Essa evolução teve a influência do movimento dos trabalhadores, de
fatores culturais, econômicos e do comportamento ético dos diversos sujeitos e ações
presentes neste processo (BERLINGUER, 2004).
Para Mendes (2007) a relação trabalho/doença é vista nas duas mãos de
direção, onde o trabalho, com maior influência do seu local de trabalho que do seu
processo, favorece a doença endêmica e/ou importada, prejudicando o trabalho.
39
No contexto econômico e político do pós-guerra, a perda de vidas decorrente
dos acidentes e doenças de trabalho, estes aliados à evolução da tecnologia industrial,
faz com que empregados se sintam insatisfeitos pela ameaça à sua saúde e impotência
da medicina do trabalho em intervir sobre esses problemas. Ao mesmo tempo,
empregadores são ameaçados pela escassez da mão-de-obra produtiva e pelo aumento
dos custos diretos e indiretos dos agravos à saúde. Em resposta a essa situação, surge a
saúde ocupacional, inicialmente com ênfase na higiene industrial, estendendo-se para a
saúde pública (MENDES, 2007).
Neste sentido, Mendes (2007) refere que, nos países industrializados, as
doenças do trabalho se concentraram entre o final do século XIX e século XX,
inicialmente como doenças profissionais, somando-se às doenças relacionadas ao
trabalho, que inúmeros estudos demonstram que o impacto sobre a
morbidade/mortalidade dos trabalhadores dá-se de forma inespecífica e intrometido na
nosologia comum.
Este período da história da saúde dos trabalhadores, estigmatizado pelo
sofrimento físico como conseqüência dos riscos ocupacionais que emergem, é
caracterizado pela luta na prevenção dos acidentes e doenças, portanto, pela saúde do
corpo, que aparece como primeira vítima do trabalho industrial, e que ocupa o lugar de
luta pela sobrevivência (DEJOURS, 1992).
Percebe-se, portanto, segundo demonstram as pesquisas, o quanto as relações
de trabalho têm atingido o trabalhador não somente na esfera física, mas sobretudo na
sua dimensão mental.
O alto nível de exigência e competitividade gera um excesso de trabalho que
traz ao trabalhador uma depressão intensa, resultando em KAROSHI ou morte súbita,
devido à excessiva sobrecarga imposta, que ocasiona uma exaustão global com queima
de todas as reservas físicas e/ou mentais (BARRETO, 1998).
Para Dejours (1992), o sofrimento do trabalhador implica um estado de luta
deste contra forças que o estão empurrando em direção à doença mental e é na
organização do trabalho que devem ser procuradas essas forças.
A esse respeito, Dejours (1992, p. 10) esclarece:
40
[...] entende por organização do trabalho não a divisão do trabalho,
isto é, a divisão das tarefas entre os operadores, os ritmos impostos e
os modos operatórios prescritos, mas também, e sobretudo, a divisão
dos homens para garantir esta divisão de tarefas, representada pelas
hierarquias, as repartições de responsabilidade e os sistemas de
controle.
Portanto, quando a organização do trabalho entra em conflito com o
funcionamento psíquico dos homens, bloqueando as possibilidades de adaptação entre
ela e os sujeitos, emerge o sofrimento patogênico. Assim, o afrontamento do homem
com sua tarefa pode pôr em risco sua vida mental (DEJOURS, 1992).
Ainda para Dejours (2000), a organização do trabalho exerce no homem uma
ação específica com impacto no aparelho psíquico, de onde emerge um sofrimento que
pode ser atribuído ao choque entre sua história individual, portadora de necessidades
fisiológicas e desejos psicológicos, e uma organização do trabalho que o ignora.
Conforme Barreto (1998), as relações de trabalho alicerçadas na pressão da
chefia, autoritarismo, humilhação, assédio sexual, não reconhecimento do trabalho ou
desvalorização deste geram alterações psicológicas e físicas na saúde do indivíduo.
Segundo Dejours (1992), o sofrimento de natureza mental varia de acordo com
o tipo de organização do trabalho. O trabalho repetitivo, as tarefas perigosas, a
sobrecarga física e psíquica geram insatisfação e desgosto em virtude das regras
desestruturadas, repercutindo sobre a saúde física e mental.
No sentido da divisão do trabalho, Dejours (1992) refere que toda tarefa é
susceptível de servir de suporte em um processo de sublimação. Porém, é preciso
reconhecer que a tendência geral à desenfreada divisão do trabalho espelhada no
sistema Taylor e na teoria econômica da força de trabalho compromete as
possibilidades e ao mesmo tempo diminui a escolha deixada à liberdade da tarefa. Neste
contexto, na maioria das tarefas, a exploração passa além da força física, atingindo a
profundeza do aparelho mental.
Entretanto, pode-se inferir que esta (des)organização do trabalho traz danos
muitas vezes irreversíveis à saúde e à vida do trabalhador, sendo uma arma potente e
causadora de violência no ambiente de trabalho.
Outra consideração é feita por Berlinguer (2004), referindo que algumas
doenças são influenciadas por comportamentos pessoais, mas também por
determinantes sociais, culturais e pela indução. Em relação ao trabalho, esse
41
entendimento acentua a tendência de que a culpa pelas doenças e acidentes recai mais
nos trabalhadores do que nas empresas. Neste sentido, a imposição de comportamentos
pessoais considerados saudáveis é uma alternativa mais barata e comprometedora para a
empresa do que a adoção de medidas preventivas técnicas, organizacionais e
ambientais. Conclui-se, portanto, que as estratégias de mudanças comportamentais
devem ser combinadas com práticas eficazes para modificar os fatores organizacionais e
de risco.
Assim, citando Dejours (1992), considera-se que a classe operária lutava pela
sobrevivência quando da duração excessiva do trabalho; pela saúde do corpo quando
das condições de trabalho que o expunham a riscos ambientais, condições precárias de
higiene, segurança e adequação dos postos de trabalho; pela saúde mental, resultante da
organização do trabalho, no que se refere à divisão do trabalho e da tarefa, das questões
de hierarquia e comando, das relações de poder e responsabilidade, que impõem
sofrimento mental aos envolvidos.
Traçadas as considerações sobre os efeitos causados na relação
homem/trabalho/saúde, provenientes de um turbulento processo de produção que sofre
influências políticas, sociais e econômicas do sistema capitalista, segue-se a análise
dessa relação no trabalho do serviço público, população alvo deste estudo.
1.3 IMPACTO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA SAÚDE DO
TRABALHADOR DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
A partir deste momento, trata-se da relação de trabalho e saúde no serviço
público federal, enquanto atividade atingida pelo processo de reestruturação produtiva,
desencadeado pelo capitalismo e pela globalização.
Houve um avanço no crescimento do setor de serviços, a partir do início do
século XX, determinando atualmente, nos países desenvolvidos, mais de 50% dos
postos de trabalho. E este crescimento apresenta uma diversidade de atividades e de
modos de produção que demonstram uma influência taylorista e fordista ao longo de sua
história, e, no presente, pelo uso da informática e automação microeletrônica (PIRES,
1999).
42
Além de experimentar os impactos causados por estes novos meios de
produção globalizados, o trabalhador do serviço público também está exposto a outras
formas de (des)organizações do e no trabalho.
Para Lancman et al (2007), a lógica dos modelos organizacionais aplicados às
instituições públicas tem desenvolvido estratégias para adoção de diversas formas de
enxugamento dos quadros, que incluem programas de demissão voluntária, a não
reposição de trabalhadores afastados por adoecimento ou aposentadoria.
Apesar de vivenciarem relações menos instáveis de trabalho, os profissionais
do setor público estão expostos a outras formas de instabilidade e precarização do
trabalho, tais como: privatização; demissão voluntária; não reposição de trabalhadores;
terceirização; crescimento da demanda de serviços, diminuindo a capacidade de atendê-
la, dificultando o desenvolvimento da sua atividade e comprometendo a qualidade do
atendimento; deterioração das condições de trabalho e da imagem desse trabalhador,
responsabilizado pelas deficiências do serviço público e por possíveis crises financeiras;
instabilidade política e de planejamento; acúmulo de funções; mudanças constantes na
organização do trabalho; falta de capacitação e de serviço de atenção à saúde
(LANCMAN et al, 2007).
Segundo Sennett (1999), os profissionais do setor público estão ainda expostos
às instabilidades ocasionadas por oscilações políticas, administrativas e de
planejamento, que trazem situações de descontinuidade de projetos em curso; alterações
da qualidade e quantidade da demanda dos serviços ofertados; acúmulo de funções;
mudanças na organização do trabalho ou na natureza das ações de atenção, gerando
choque quanto ao sentido que o trabalhador tem em relação ao desenvolvimento do seu
trabalho.
E, ainda, com o aumento da demanda pelos serviços, ocorre uma diminuição da
capacidade de serviço em atendê-la, o que dificulta o desenvolvimento da atividade dos
trabalhadores, além de comprometer a qualidade do atendimento (LANCMAN et al,
2007).
Referindo-se ao Estado brasileiro, Pires e Gelbcke (2001) afirmam que este
está abrindo caminho para a precarização do trabalho quando da desregulamentação dos
direitos trabalhistas garantidos pela Constituição de 1988 e pela redução de
investimentos na saúde e na educação, destacando-se ações que se refletem no serviço
público, entre elas: a desvalorização dos salários, ocasionando a exclusão social;
redução da jornada de trabalho atrelado à redução dos salários; planos de demissão
43
voluntária; redução do acesso ao seguro-desemprego; contratação de pessoal não
qualificado e com relação de trabalho precária.
Neste contexto, Pierantoni (2001) refere que a reforma administrativa tem
como consenso a quebra de monopólios estatais, a redução do quadro de funcionários
públicos, a implantação de uma política de controle de qualidade total do aparato do
Estado, a implantação de uma gerência capacitada para competir no mercado, a
terceirização, e o investimento em tecnologias novas em detrimento da organização do
trabalho.
Dejours (1992), referindo-se às condições materiais do trabalho, cita que, nas
tarefas ditas de execução, o trabalhador se encontra impedido de executar seu trabalho
corretamente, constrangido por métodos e regulamentos incompatíveis entre si. Essa
forma de precariedade das condições de trabalho, aliada à dificuldade de convivência
com os colegas de trabalho, traz prejuízo à vida cotidiana privada desse trabalhador.
Portanto, o servidor público intermedia as esferas do público e do privado em
uma sociedade, onde os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos, cabendo às
esferas públicas, e sobremaneira aos seus trabalhadores, em contato direto com os
usuários, sofrerem o impacto das deficiências do Estado no contato com a população e
fazerem valer os interesses desta em uma sociedade, onde esses cidadãos esperam
privilégios e a satisfação de suas necessidades (ARENDT, 2005).
Para Medeiros et al (2006, p. 4),
os trabalhadores dos serviços públicos, inseridos em um contexto
socioeconômico neoliberal, vêm paulatinamente sofrendo as
conseqüências da redução do seu poder aquisitivo. [...] constata-se
atualmente nos trabalhadores do serviço público uma frustração pela
falta de material, o que exige uma maior capacidade de improvisação
desses trabalhadores para a realização de procedimento, deixando-os
insatisfeitos [...]. Esses elementos somados podem desencadear o
sofrimento no cotidiano desses trabalhadores.
Em meio a estas situações de precarização e instabilidade em suas condições de
trabalho, o trabalhador do serviço público está exposto ao sofrimento, quando da
insatisfação profissional, pessoal, social e psicológica por ela causadas.
Dejours (1992) estabelece que as condições desfavoráveis de trabalho põem o
trabalhador em risco de acidente, doenças profissionais, aumento do índice de
44
mortalidade, diminuição da expectativa de vida, entre outros. Refere ainda que,
enquanto nas condições de trabalho o corpo é atingido, na organização do trabalho, a
mente torna-se o alvo; portanto, más condições de trabalho prejudicam o corpo e a
mente do trabalhador.
Nos últimos anos, a política praticada pelo governo federal, com relação ao
servidor, causou a este grande perda do poder aquisitivo. Tal fato, somado ao aumento
do desemprego de outros membros desse núcleo familiar, obrigou a realização de cortes
drásticos no orçamento familiar com a conseqüente redução da qualidade de vida e
saúde de todo o núcleo (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO
NORTE, 2003).
A respeito da saúde dos trabalhadores, a CUT (2000) menciona que as
dificuldades e problemas em relação à saúde destes refletem diretamente as mudanças
nas políticas de administração e gerenciamento de recursos humanos, que, por sua vez,
interferem na organização e nos ambientes de trabalho, fatores fundamentais para a sua
saúde.
Ainda, em relação à saúde do trabalhador do serviço público, Domingues et al
(2006) referem no Manual para os serviços de saúde dos Servidores Públicos Civis
Federais, que esta tem como objetivo a promoção e proteção da saúde destes, por
intermédio de desenvolvimento de ações de vigilância dos riscos, dos agravos e da
organização e prestação da assistência aos trabalhadores, através de procedimentos de
diagnóstico, tratamento e reabilitação de forma integrada.
No mesmo documento, o autor afirma:
A vigilância à saúde do servidor compreende uma atuação contínua e
sistemática, ao longo do tempo, no sentido de detectar, conhecer,
pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes dos
agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho,
em seus aspectos tecnológico, social, organizacional e
epidemiológico, com a finalidade de planejar, executar e avaliar
intervenções sobre esses aspectos, de forma a eliminá-los ou controlá-
los. [...] centrada na relação da saúde com o ambiente e os processos
de trabalho e desta com a assistência, calcada nos princípios da
vigilância em saúde, para a melhoria das condições de vida e saúde da
população (DOMINGUES et al, 2006, p. 16).
45
O trabalhador brasileiro conta também com a proteção da Constituição Federal
(Brasil, 1988), expressa textualmente em seu Art. 7º, Inciso XXII, que estabelece a
garantia da redução de riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde,
higiene e segurança.
E ainda do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das
autarquias e das fundações públicas federais, em seu Art. 230, da Lei nº. 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, regulamentada pela Lei nº. 9.527, de 10 de dezembro de 1997, com
redação dada pela Lei nº 11.302 de 2006, no que concerne:
A assistência à saúde do servidor, ativo ou inativo, e de sua família
compreende assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica
e farmacêutica, terá como diretriz básica o implemento de ões
preventivas voltadas para a promoção da saúde e será prestada pelo
Sistema Único de Saúde SUS, diretamente pelo órgão ou entidade
ao qual estiver vinculado o servidor, ou mediante convênio ou
contrato, ou ainda na forma de auxílio, mediante ressarcimento parcial
do valor despendido pelo servidor, ativo ou inativo, e seus
dependentes ou pensionistas com planos ou seguros privados de
assistência à saúde, na forma estabelecida em regulamento (BRASIL,
1990a).
No contexto dos trabalhadores da Previdência, da Saúde, e da Assistência
Social, que formam a Seguridade Social, segundo a CUT (2000), estes m vivido um
dilema em relação às suas condições de trabalho. Enquanto trabalham para servir e
produzir serviços públicos, estão sendo desvalorizados, expostos a um ambiente
desfavorável, com riscos e agravos a doenças, e sem perspectivas de verem efetivados
seus direitos e anseios mais elementares.
Dados estatísticos apresentados pela Coordenação Geral de Seguridade Social
e Benefícios do Servidor, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do
Planejamento (BRASIL, 2007a), apresentam as seguintes situações em relação aos
servidores públicos federais:
Quantidade de Servidores Ativos, Inativos da União em 1991 e 2004
respectivamente. Ativos: 981.904 / 964.328; e inativos: 802.903 / 978.
597;
Incidência média de doença profissional por 1000 servidores, por
unidade da federação, chega a um percentual máximo de 20% no Estado
46
do Mato Grosso do Sul, e mínimo de 9,08% no estado de Alagoas,
apresentando o Estado do Rio Grande do Norte um percentual de
11,89%;
Incidência de doenças profissionais, por órgão, por 1000 servidores da
previdência apresentou o percentual de 18,35% em uma média máxima
de 20%;
Ocorrência de afastamento do trabalho por 1000 servidores perfaz uma
média de 25,92%;
Dentre as doenças que mais apresentaram afastamento estão, entre
outras, as lesões por esforço repetitivo, depressão, alcoolismo/droga e
lesões, outros tipos de lesões;
Dentre os problemas de saúde relacionados com o trabalho, na percepção
do servidor, por 1000 servidores estão o cansaço/estresse, a ansiedade, o
desânimo, a irritação, a tristeza e dificuldade de dormir;
Índice de satisfação dos servidores públicos, quanto às horas de sono e de
lazer (por 1000), varia de ótimo a péssimo, com maior índice no
indicativo bom e regular;
Satisfação do Servidor, quanto à Rotina de Trabalho (por 1000), em
relação aos itens atividades executadas, horário de trabalho, quantidade
de trabalho, relacionamento com a chefia, relacionamento com os
colegas, condições de trabalho e distância casa/trabalho, varia na ordem
apresentada de bom, como nota máxima, havendo um equilíbrio entre
ótimo e regular, e em poucas situações apresenta nota péssima;
Dos servidores públicos federais, 42,11% perceberam que o número de
funcionários, por setor, não é compatível com a atividade desenvolvida;
Servidores se sentem sobrecarregados quanto às atividades
desenvolvidas, conforme opinião de 40,29%;
Entre os servidores, 25,41% não se sentem capacitados a desenvolver
suas atividades; e 15% têm a percepção de que o seu trabalho é
monótono;
Evolução de aposentadoria por invalidez dos servidores de 1999 a 2004
atingiu uma média de 500 a 2500, chegando aos previdenciários na
média de 1500;
47
Número de aposentados por invalidez (nº. absolutos), por órgão, chega
ao máximo no Ministério da Saúde com 9.826 servidores, seguido do
INSS com 3784 servidores;
Evolução das Aposentadorias de 1999 a 2004 foi de 83% para as
aposentadorias por invalidez e de 22,65% para as demais.
Diante deste quadro, pode-se sentir a situação do trabalhador do serviço
público no que diz respeito às suas condições de trabalho e saúde, e da necessidade da
criação de um serviço que preste uma assistência diante dessas situações, até então não
existente.
A este respeito, surge a preocupação do governo federal em criar um serviço,
ainda não implementado, que atenda às necessidades apresentadas e promova a saúde
desses trabalhadores. Assim, o Decreto nº. 5.961, de 13 de novembro de 2006,
estabelece no art. 1º: Fica instituído, no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da
Administração Federal - SIPEC, o Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor
Público Federal - SISOSP, com a finalidade de uniformizar procedimentos
administrativo-sanitários na área de gestão de recursos humanos e promoção da saúde
ocupacional do servidor” (BRASIL, 2006a).
Segundo Dejours (2004), o reconhecimento no trabalho é um elemento
primordial no processo de construção da identidade. A dinâmica do reconhecimento
acontece de duas formas: a primeira, é o reconhecimento de utilidade, realizada pelos
níveis hierárquicos superiores e pelos usuários do serviço oferecido; a segunda, é o
julgamento estético, realizado pelos pares, aqueles que conhecem as especificidades do
trabalho e podem avaliar o esforço do trabalhador na sua realização, independente dos
resultados alcançados. Esse reconhecimento ou a falta dele é fundamental no
desenvolvimento da identidade dos indivíduos e na transformação do sofrimento,
gerado pelo trabalho, em prazer.
De posse dessa análise que a literatura comprova, surge a indagação a respeito
do futuro servidor público na sua relação de trabalho, de saúde e de vida, e da qualidade
na prestação desses serviços, comprometidos por esses determinantes físicos, sociais,
políticos e organizacionais. Pode-se afirmar que o Servidor Público Federal caminha
para uma categoria em extinção, haja vista que o Serviço Público Federal está em
direção da privatização.
Após traçar estas considerações sobre os impactos do sistema de produção
capitalista globalizado na interface das condições de trabalho e saúde do servidor
48
público federal, discorre-se a seguir sobre as formas de violência que assolam os
ambientes de trabalho, em especial as provenientes das más condições trabalhistas.
1.4 A VIOLÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES NO AMBIENTE DE TRABALHO E
NA SAÚDE DO TRABALHADOR
Passa-se a abordar a questão da violência na vida humana e no ambiente de
trabalho, bem como suas implicações na saúde do trabalhador.
A OMS (2002) define a violência como o uso intencional da força física ou do
poder, real ou por ameaça, contra a própria pessoa, contra outra pessoa, ou contra um
grupo ou comunidade que pode resultar, com alta probabilidade, em morte, lesão, dano
psicológico, alterações do desenvolvimento ou de privação.
Domenach (1981) chama de violência ao uso de uma força, aberta ou oculta,
cuja finalidade é obter de um indivíduo, ou de um grupo, algo que não quer permitir
livremente.
No aspecto legal, distinguem-se violências dolosas e culposas quando se
estabelece no art. 18 do Código Penal, Lei nº. 7.209, de 11 de julho de 1984, que o crime
é considerado doloso quando o agente prevê o resultado ou assumiu o risco de produzí-
lo, e culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia (BRASIL, 1984).
Nota-se nestas definições que a violência pode ter uma dimensão física ou
psicológica, real ou oculta, autodirigida, interpessoal ou coletiva, fatal ou gradativa,
intencional ou negligente.
Para Soares (2005, p. 245), a palavra violência possui vários sentidos:
Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha,
um olhar que desrespeita, um assassinato cometido com as próprias
mãos, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, a
indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com os idosos, a
decisão política que produz conseqüências sociais nefastas [...] e a
própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca
catástrofes.
49
Assim, pode-se considerar a violência em sentidos e formas diversos: contra
gênero, etnia, raça, por questões ideológicas, sociais. Estas, marcadas pelo capitalismo,
vêm atingindo todas as camadas e eixos da sociedade, em especial nos países do terceiro
mundo, afetando a segurança, a consciência coletiva e a convivência social, destruindo a
integridade física e mental dos indivíduos, em particular na relação homem/trabalho,
quando o homem, vendo-se privado dos seus direitos, vê-se, também, excluído.
Discorrendo sobre as raízes da violência, a OMS (2002) refere que não existe
um fator que, por si só, explique porque uma pessoa tem comportamentos violentos e
outra não. A violência é um problema complexo, enraizado na interação de muitos
fatores: biológicos, sociais, culturais, econômicos e políticos. Alguns fatores de risco
podem ser privativos de um tipo determinado de violência, no entanto é mais freqüente
que os tipos diversos de violência compartilhem vários fatores de risco.
Analisando as causas e origem da violência no contexto do Brasil, Boff (2000)
traça seis caminhos: raízes históricas, raízes culturais, raízes políticas, raízes
psicossociais, raízes individuais, raiz estrutural do desejo humano.
A violência tem origem histórica marcada por um processo de invasão,
conquista e colonização, organizada através da imposição de uma cultura de valores e
poder que trouxe revolta e frustração, agravada pela escravidão e exclusão social de um
lado, e, de outro, por uma sociedade urbana livre, cuja relação com o Estado se dava por
meio de movimentos operários e sindicais, onde os primeiros eram torturados,
reprimidos, e mortos (BOFF, 2000).
Para Boff (2000), essas raízes da nossa história formam uma sociedade injusta
e criam uma estrutura de violência social presente na mentalidade política dominante,
que discrimina, maltrata e escraviza a classe dominada, contradizendo a legitimidade de
um Estado de Direito, que seria fruto de um pacto social de cidadania.
Os dominadores históricos impuseram ao povo uma cultura de poder
dominante, através do uso da violência como forma de manter esta dominação e de
docilidade para garantir a hegemonia. Desta forma, obriga-se o povo a atitudes de
submissão pela sobrevivência, ainda que traindo sua própria história; de rebelião,
resistência e clandestinidade, gerando perseguição, prisão, tortura e morte; ou do
disfarce, adaptando-se sua forma de sobrevivência para preservar a identidade (BOFF,
2000).
Prosseguindo, Boff (2000) afirma que o conflito entre o capital e o trabalho
origem a uma luta de classes com a dominação do poder e a exclusão de grande parte da
50
população, gerando, assim, violência nos campos: econômico, pelos baixos salários e
privatização da verba pública; político, pelo favorecimento de cargos públicos aos
partidos que dão sustentação ao governo, pelos sindicatos que trabalham contra o
interesse dos associados, e pela guerra no campo sem reforma agrária e sem organização
participativa; cultural, pelo desprezo à cultura popular e dominação da cultura de massa
e globalizada imposta pela mídia; religioso, pelo não respeito à liberdade religiosa, e
folclorização da piedade popular; educacional, pelo analfabetismo conseqüente da
exclusão escolar e desvalorização docente; e sanitário, pela falta de assistência à saúde
do povo.
A classe dominante, acobertada pela corrupção, acredita que tudo pode e que é
impune, originando a violência sobre a classe dominada, que absorve esse caráter
violento, injusto e desigual, e usa de violência para se defender, por si mesma, para
garantir a sobrevivência e recuperar o que lhe foi negado ou expropriado. Esse processo,
de origem psicossocial, geralmente é uma reação lógica do inconsciente, como uma
busca de compensação e até de vingança pelo mal de que foram vítimas (BOFF, 2000).
Boff (2000) discute a origem da violência e agressividade individual e coletiva,
segundo a visão de Freud, como uma resposta da dramaticidade da vida humana movida
pela luta entre a vida e a morte, e de Lorentz, como instinto de proteção à vida.
Considera, ainda, a origem da violência, enquanto estrutura do desejo humano, como
mola que impulsiona o homem para buscar as transformações e o novo, sendo, portanto,
a raiz de tudo.
Estas raízes marcam a existência atual através de uma cultura do medo, da
corrupção, das organizações criminais, inclusive no mercado e dentro do próprio
Estado, que, para se efetivar, corrompe a imprensa, a justiça, as autoridades e a política.
Mesmo não se fazendo mais sacrifícios como antes, hoje ainda existem mecanismos
sacrificialistas e perversos, mantendo a violência através de sistemas de auto-regulação,
como os praticados por instituições, quando punem, excluem e eliminam quem não se
ajusta a elas. Pode-se citar, como exemplo maior, o sistema econômico e de mercado,
que exclui e mata quem é fraco e não faz parte dele (BOFF, 2000).
No Informe mundial sobre a violência e a saúde, a OMS classifica a violência
quanto à natureza e segundo o autor dos atos violentos. A primeira está subdividida em:
física, sexual, psicológica e relacionada à privação e abandono. A segunda subdividiu-se
em: violência dirigida contra si mesmo, a exemplo do suicídio e auto-agressão;
violência interpessoal, infligida por outro indivíduo ou grupo de indivíduos, ocorrida
51
entre pessoas da família, parceiros, e comunidade; e violência coletiva, infligida por
grupos maiores, de forma social, política e econômica, como os Estados, grupos
políticos organizados, grupos de milícias ou organizações terroristas
(ORGANIZACION MUNDIAL DE LA SALUD, 2002).
Para a OMS (2002), a violência tem causado grande impacto nas pessoas,
repercutindo em vidas perdidas e prejuízos para a saúde. Como problema de saúde
pública, deve ser investigada cientificamente para que se possam empreender ações
preventivas e sensibilizar a população, sem a qual, pouca pressão pode ser exercida. É
necessário que as pessoas reconheçam o problema e reajam diante dele.
Calcula-se que, em 2000, 1.6 milhão de pessoas morreram por atos violentos.
Neste mesmo ano, as taxas das mortes devidas à violência no conjunto dos países de
baixa e média rendas foram mais de duas vezes superiores a dos países da renda
elevada, embora os números variem entre as regiões, inclusive dentro do próprio país. A
maioria dos atos violentos não é mortal; tem como conseqüências lesões, transtornos
mentais e reprodutivos, doenças de transmissão sexual e outros problemas. Os efeitos na
saúde podem durar anos, e às vezes consistem em disfunções físicas ou mentais
permanentes. Além do tributo ao sofrimento humano, a violência impõe custos sociais e
econômicos que, embora difíceis de quantificar, são consideráveis (ORGANIZACION
MUNDIAL DE LA SALUD, 2002).
No contexto do local de trabalho, objeto de preocupação do presente estudo, o
conceito de violência contra o trabalhador envolve insultos, ameaças e agressão física
ou psicológica por parte de agentes exteriores à organização, incluindo clientes, e
constitui um risco para a saúde, segurança e bem-estar desse trabalhador
(VIOLENCE..., 2002).
Tomando como ponto de partida a idéia de violência como algo que pode
causar distúrbios ao homem por obstaculizar a sua auto-realização, ou seja, a satisfação
de suas necessidades básicas, materiais e não materiais, Galtung (1981) classifica a
violência de forma geral, em: clássica, pobreza ou estrutural, repressão e alienação.
Neste sentido, Galtung (1981) explica esses quatro tipos de violência, presentes
no ambiente de trabalho, da seguinte forma: Violência clássica, revelada nas agressões
físicas, verbais ou psicológicas de colegas e usuários; Violência estruturalmente
condicionada, revelada na privação das necessidades básicas, que se manifesta nas
condições precárias de trabalho e na quantidade insuficiente de trabalhadores, levando a
uma imposição de sobrecarga física e mental; Repressão estruturalmente condicionada,
52
ou intolerância repressiva, evidenciada na negação do direito de exercer com segurança
as atividades e de atuar em um ambiente de trabalho seguro; Alienação estruturalmente
condicionada, ou tolerância repressiva, revelada nas privações de necessidades
superiores e é explicitada pelo empecilho aos trabalhadores de usufruirem o prazer de
uma realização profissional competente e eficaz e de serem valorizados socialmente
junto aos usuários e à sociedade.
Para este autor, os mecanismos parecem ser sempre os mesmos para os três
tipos de violência estrutural: exploração, divisão vertical do trabalho, fragmentação, e
marginalização do trabalhador.
Ribeiro (1999), em relação ao contexto do trabalho, refere-se à violência
explícita, caracterizada pelos dois primeiros ciclos do desenvolvimento e da crise do
capitalismo, com predominância de doenças ocupacionais, acidentes de trabalho e
precárias condições sociais e de vida, mostrando a projeção da violência das relações
sociais no trabalho, que acarreta a morbidade/mortalidade da classe trabalhadora. Essa é
seguida pela violência oculta, sutil, abrandada, ocultada, enquanto modos de morrer e
adoecer do trabalho no ciclo atual do capitalismo, predominantemente financeiro e
especulativo.
Esse último tipo de violência caracteriza-se pela presença de novas tecnologias;
pela flexibilização da produção, fusão de empresas, e globalização dos mercados e
capital; pela produção e comercialização de bens de consumo, arte e lazer, redução de
impostos e taxas para as empresas e diminuição dos investimentos e encargos públicos;
pela desregulamentação das relações do capital com o trabalho, e afastamento do Estado
como intermediador, e desqualificação do trabalho (RIBEIRO, 1999).
Barreto (2003) compara a violência no ambiente de trabalho a um vírus
insidioso que corrompe o biológico e gera mais sofrimento que as alterações provocadas
por microorganismos e bactérias. Para esta autora, esta forma de violência se materializa
em intimidações, ironias, menosprezo e humilhação do transgressor perante todos, como
forma de impor controle e manter a ordem.
O impacto e custo da violência no trabalho são considerados em diferentes
níveis. No nível individual, quando o sofrimento que resulta da violência traz a
desmotivação, perda da confiança, baixa da auto-estima, depressão e raiva, ansiedade e
irritabilidade. No nível do local de trabalho, quando pela exposição contínua de riscos, é
gerada uma violência que leva ao rompimento das relações interpessoais,
desestruturação da organização do trabalho, redução da eficiência, da produção e da
53
qualidade do produto e imagem da empresa. No nível social, quando trazem custos em
relação ao cuidado com a saúde, reabilitação, reintegração, deficiência e invalidez dos
trabalhadores, cujas capacidades foram afetadas, e desemprego, momento em que eles
se vêem excluídos do trabalho (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION,
2002).
Em seu estudo Violência, saúde e trabalho, Barreto (2003) evidenciou que a
humilhação revela-se como uma das formas sutis de violência mais poderosas nas
relações de trabalho. Esta desperta no humilhado um sentimento de dor, causado pela
ironia, difamação, rejeição e rebaixamento, que contagia o coletivo através do
sentimento de medo, disseminando em ambos uma paralisação dos sentimentos que
envolvem o sentido da vida e da razão de viver. Transforma o ambiente de trabalho em
um lócus de desprazer, tristeza, sofrimento e desconfiança, sentimentos que se estendem
muitas vezes ao ambiente familiar e às relações com os amigos.
Diante dos fatos expostos, pode-se afirmar que a violência causa danos à saúde
dos trabalhadores, afetando sua integridade física e psíquica. Na maioria dos casos,
essas agressões são descaracterizadas ou omitidas da sua relação com o trabalho.
Segundo Lancman et al (2007), a subnotificação mascara dados da violência no
trabalho, interferindo na criação de políticas de prevenção e atendimento às vítimas,
especialmente no caso das agressões verbais, que correm o risco de ser consideradas
banais.
Utilizando-se de uma citação de Dejours, Lancman et al (2007) referem que o
não reconhecimento da violência como conseqüência das relações de trabalho, assim
como da inteligência que desenvolve para trabalhar apesar do risco e do medo, acabam
vitimando duplamente os trabalhadores.
Neste sentido, é estabelecido e imposto um modus operandi sem distinção e
respeito à diversidade e limites individuais, desapropriando o conhecimento coletivo, o
saber, a organização científica do trabalho, a liberdade de invenção, e de adaptação
espontânea intelectual e cognitiva do homem ao trabalho, o que traconseqüências
mais graves à integridade do aparelho psíquico, somando-se à saúde do corpo
(DEJOURS, 1992).
Nesta organização científica do trabalho, influenciada pelo taylorismo,
desaparece o homem do trabalho, o artesão, e surge o operário instrumentalizado, pois
divide e isola a coletividade do trabalho, confrontando-a individualmente sob uma
pressão rígida e inflexível em nome da produção. Pela individualização, quebram-se as
54
responsabilidades e o saber, anulam-se as defesas coletivas, banaliza-se o sofrimento de
um trabalhador e de outro (DEJOURS, 1992).
A partir destas considerações a respeito das formas de violência infligidas aos
trabalhadores, e da não priorização de suas repercussões na saúde e no seu sofrimento,
passa-se a analisar a banalização da injustiça social no trabalho, enquanto forma de
violência aos trabalhadores.
1.5 A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL NO COTIDIANO DE
TRABALHO, COMO UMA FORMA DE VIOLÊNCIA E AMEAÇA À SAÚDE
DO TRABALHADOR
Por fim, será discutida a banalização dos problemas enfrentados pelos
trabalhadores do serviço público federal e no que diz respeito à sua saúde, entendida
como uma forma de violência no e com o trabalho.
Convém ressaltar algumas definições sobre os termos usados neste estudo,
entendidos como conceitos chaves. A banalização é definida como ato ou efeito de
banalizar, tornar comum; e a injustiça social, como falta de justiça, ou omissão,
deixando de dar a cada um o que por direito lhe pertence dentro de uma sociedade
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL, 1994).
Esclarecidos estes termos, pode-se afirmar que banalização da injustiça social é
uma atitude ordinária e injusta, portanto desumana, de negar o direito individual ou
coletivo, de não dar o devido valor ou importância a algo ou a alguém.
A Constituição da República Federativa do Brasil (1988), visando assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça enquanto valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundamentada na harmonia social e
comprometida com a ordem interna e internacional, estabelece os seguintes princípios:
Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Título II, Cap. I, Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos: Art. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
55
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” (BRASIL, 1988,
p.15).
Cap. II, Dos Direitos Sociais: “Art. 6
o
São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, p. 20).
Da Ordem Social, Título VIII, Cap. I, Disposição Geral: “Art. 193. A ordem
social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e
a justiça sociais (BRASIL, 1988, p. 115).
Cap. II, Da Seguridade Social, Seção I, Das Disposições Gerais: “Art. 194 A
seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988, p.
115).
Seção II, Da Saúde: Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL,
1988, p. 117).
Reconhece-se que a Lei é ampla e os direitos são por ela assegurados, contudo,
no cotidiano das pessoas e no que se refere às relações de trabalho, observa-se o seu
descumprimento, na prática.
Ainda com relação aos direitos dos indivíduos e à satisfação de suas
necessidades, Barreto (1998, p.13) faz a seguinte consideração:
O indivíduo privado dos direitos coletivos de cidadania como saúde,
educação, cultura, lazer, trabalho, transformados esses direitos em
uma questão da intimidade, subjetividade, de sua competência e
privacidade. [...] A satisfação destas necessidades é possível em uma
sociedade que valorize homens e mulheres e que tenha como princípio
a eqüidade, a autonomia, a justiça, a solidariedade e a verdade.
Entende-se que a negação desses direitos ora referidos, é uma forma de praticar
a injustiça social e, portanto, cometer uma violência contra o indivíduo.
56
Utilizando-se de um pensamento de Dom Helder Câmara, onde este afirma
que, em todos os grupos, as injustiças são uma violência, e que podem e devem ser
consideradas em todos os grupos como a primeira de todas as violências, Mertens
(1981) considera que a partir desta violência inicial e primordial cria-se uma espiral de
violência, como um círculo vicioso, no qual uma violência acarreta outra. De tal
maneira que é neste momento em que afirmam a violência de classe, onde os oprimidos
criam praticamente uma sociedade na qual se apoderam dos valores morais oficialmente
reservados aos não violentos.
De todas as pragas que suscitam a violência e algumas vezes lhe servem de
fundamento, uma mais mortífera, que é a chamada violência por omissão ou
violência silenciosa. Esta é produto de uma estrutura social que se traduz em fome,
enfermidades e humilhação, que se reflete nas estatísticas sobre a expectativa de vida,
mortalidade infantil, freqüência de epidemias, entre outras. Há tanta violência na forma
como cada nação trata suas classes desfavorecidas, como a que ocorre em um assalto.
Esta expressão mostra um mundo em que a violência manifesta sua onipresença em
todos os planos, por meio de injustiças e desigualdades que penhoram e comprometem
toda estrutura social (MERTENS, 1981).
Diante da análise feita a respeito da injustiça social como uma forma de
violência ao ser humano, pode-se inferir que esta pode produzir no ser humano
sensações de sofrimento, tristeza e dor, de natureza física e emocional e afetiva.
Tomando como ponto de partida a idéia de violência como algo evitável que
obstaculiza a auto-realização humana, a satisfação de suas necessidades de
sobrevivência, sociais, políticas, de liberdade, de trabalho, e de socialização, Galtung
(1981) analisa sobre o que pode significar fazer dano a um homem quando não se
satisfaz suas necessidades. Neste caso, produzir-seou algum tipo de desintegração
humana, ou, mais cedo ou mais tarde, e de modo geral, algum tipo de desintegração
social, simplesmente porque a não satisfação das necessidades, algumas delas garantidas
nos direitos humanos, através de suas próprias lutas e conquistas, pode dar lugar a
distúrbios somáticos e sociais.
Segundo concepções convencionais, a violência gera o sofrimento de quem a
suporta, sendo esse sofrimento junto com a dor o limite de um processo, que, se não
tiver retorno, resulta na morte (DEJOURS, 2000).
Objetiva-se com esta exposição introduzir a discussão deste tema no contexto
do ambiente de trabalho, e em especial o descaso diante dos problemas e da saúde dos
57
trabalhadores, que os faz sofrer e adoecer, pois a sua banalização configura um ato de
violência.
Vitorino (2005) aborda o sofrimento no trabalho enquanto psíquico e moral,
traduzidos respectivamente como: assédio psicológico e assédio moral.
Para este autor, o assédio psicológico significa encadeamento, ao longo de um
período de tempo bastante curto, de planos ou ações hostis consumadas, expressas ou
manifestadas por uma ou várias pessoas até chegarem a uma terceira o objetivo. Neste
sentido,
[...] o assédio psicológico no trabalho tem como objetivo intimidar,
diminuir, reduzir, nivelar, amedrontar e consumir a vítima, emocional
e intelectualmente, com o fim de eliminá- la da organização ou de
satisfazer a necessidade insaciável de agredir, controlar e destruir,
normalmente apresentada pelo perseguidor, que se aproveita da
ocasião que lhe oferece a situação organizacional particular
(reorganização, redução de custos, burocratização, mudanças
vertiginosas, etc.) para canalizar uma rie de impulsos e tendências
psicopáticas. [...] Desse modo, produzem-se alterações emocionais e
da personalidade que afetam sua esfera de relações sociais e
familiares. Tudo isso afeta também a qualidade de seu trabalho e sua
eficácia, sendo assim proporcionados novos argumentos ao
assediador, para continuar justificando sua agressão à vítima e
incrementando perversamente a percepção pública de que se trata de
um castigo merecido por parte dela (VITORINO, 2005, p. 13-14).
o assédio moral é a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e
constrangedoras, repetitivas e prolongadas no trabalho e no exercício de suas funções,
estando mais presentes em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, onde
predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, do(s)
chefe(s) dirigida ao(s) subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o
ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego (VITORINO,
2005). Dessa forma,
[...] a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do
trabalhador de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade
e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e
mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa,
desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível,
58
porém concreto, nas relações e condições de trabalho (VITORINO,
2005, p. 15-16).
Por assédio, Hirigoyen (2003) define como toda e qualquer conduta abusiva
que se manifesta principalmente por comportamentos, palavras, atos, gestos, e escritos
que possam resultar em dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou
psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de
trabalho.
A guerra psicológica no ambiente de trabalho agrega o abuso de poder e a
manipulação perversa, dos dois fenômenos que, depois de certo tempo de evolução do
conflito, geram fobia recíproca: ao ver a pessoa que ele detesta, surge no perseguidor
uma raiva fria, e desencadeia-se na vítima uma reação de medo (VITORINO, 2005).
Ao traçar uma relação entre sofrimento e trabalho, Dejours (2000) se refere ao
sofrimento dos que trabalham, enquanto sofrimento ignorado, e denomina como formas
típicas deste sofrimento: o medo da incompetência, a pressão para trabalhar mal e a falta
de reconhecimento.
Por medo da incompetência, este autor refere que acontece quando é
impossível, nas situações comuns de trabalho, cumprir os objetivos da tarefa
respeitando as instruções e procedimentos determinados pelas organizações por razões
decorrentes da complexidade da realidade. Como esta complexidade é ignorada pelos
detentores do poder dentro das organizações, a incompetência é atribuída ao
trabalhador, que passa a sofrer pelo medo de não ser capaz de enfrentar situações nas
quais exigem muita responsabilidade (DEJOURS, 2000).
A pressão para trabalhar mal ocorre quando o trabalhador sabe o que deve
fazer, mas não faz porque é impedido pelas pressões sociais do contexto do trabalho,
como competição entre os colegas, falta de cooperação, ambiente social desfavorável,
falta de recursos materiais e tecnológicos, isolamento, sonegação de informações e
medo de ser excluído. Nas tarefas ditas de execução, essas contradições são bastante
evidentes e o trabalhador é impedido de realizar seu trabalho corretamente, pressionado
por métodos e regras conflitantes com os valores do trabalho bem feito e o senso de
responsabilidade e ética profissional (DEJOURS, 2000).
Ao se referir à falta de esperança de reconhecimento, este autor demonstra que,
mesmo que consiga vencer os obstáculos impostos pela falta de condições técnicas e
sociais no trabalho, à custa de esforços para fazer o melhor, o que exige concentração da
59
personalidade, da inteligência e investimento, o trabalhador recebe como recompensa a
indiferença e a falta de reconhecimento, acarretando um sofrimento nocivo à sua saúde
mental, visto que desestabiliza a identidade do indivíduo, o sentido e a motivação no
trabalho (DEJOURS, 2000).
Desprovidos de suas aptidões intelectuais e cognitivas pela organização
científica do trabalho, os operários perdem sua personalidade e emergem em uma
vivência e sofrimento que, dependendo do poder de descarga e de alívio de cada um e
da organização do trabalho, serão capazes de provocar um dano mental de maior ou
menor intensidade (DEJOURS, 1992).
As relações entre operário e patrão ocorrem primeiramente pela dominação
mental daquele através da organização do trabalho, e depois pela ocultação de seus
desejos quando da imposição desta organização, as quais vão desde o comportamento
livre até o comportamento esteriotipado. Por comportamento livre entende-se um
padrão comportamental como uma tentativa de transformar a realidade circundante,
conforme os desejos próprios do sujeito. Por outro lado, o comportamento produtivo é
esteriotipado pela organização autoritária do trabalho que anula e invisibiliza este
comportamento e esconde o sofrimento do operário, que se encontra ocupado em
garantir a produção (DEJOURS, 1992).
Segundo Dejours (1992), o começo do sofrimento é marcado pela certeza de
que este nível de insatisfação não pode diminuir, quando o trabalhador usou o máximo
de suas capacidades intelectuais, psicoafetivas, cognitivas e de adaptação, quando a
relação homem/organização do trabalho está bloqueada, e se esgotaram todos os seus
meios de defesa contra as exigências físicas e mentais. Quanto mais a organização do
trabalho é rígida, mais acentuada é a divisão do trabalho, menor é o conteúdo
significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo, aumentando
correlativamente o sofrimento.
Para Berlinguer (2004), no mundo do trabalho, persiste o aumento do descaso
com os sentimentos, com a saúde, segurança e com a vida, especialmente das classes
sociais e de trabalhadores menos qualificados. Por esse descaso, ignoram ou
subnotificam os casos de acidentes e doenças, seja por causas específicas, seja por
causas psicossociais.
-se o nome de banalização a este descaso diante dos problemas, dos
sentimentos, do sofrimento, da dor e da saúde dos trabalhadores, e que pode ser vista
como uma forma de violência que produz malefícios às suas vidas.
60
A banalidade do mal é analisada, por Dejours (2000), à luz da psicodinâmica
do trabalho, a partir da definição de banalização do mal referida por Hannah Arendt
como uma suspensão ou supressão da faculdade de pensar que pode acompanhar os atos
de barbárie ou, de forma mais geral, o exercício do mal.
Por banalização do mal entende-se não somente a atenuação ou indignação
contra a injustiça e o mal, mas, também, o processo que desdramatiza o mal e mobiliza
progressivamente um grande número de pessoas a serviço da execução do mal, como
colaboradores (DEJOURS, 2000).
Compara-se a este conceito, a definição de violência simbólica apresentada por
Bourdieu (2007), ao referir-se a esta como forma invisível de repressão apoiada muitas
vezes em crenças e preconceitos coletivos, que induzem o indivíduo a ter uma visão e
assimilação do mundo em que vive, segundo modelo do discurso dominante, de forma a
naturalizá-la.
A esse respeito, Bourdieu (2007) produz o seguinte entendimento:
Violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas
próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente
simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais
precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última
instância, do sentimento. Essa relação social oferece uma ocasião
única de apreender a lógica da dominação, exercida em nome de um
princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante
quanto pelo dominado, de uma língua, de um estilo de vida, de uma
propriedade distintiva, emblema ou estigma (Bourdieu, 2007, p. 7-8).
Para Bourdieu e Passeron (1982), todo poder de violência simbólica, isto é,
todo poder que chega a impor significações como legítimas, mascarando as relações de
força entre os grupos ou as classes constitutivas de uma formação social que estão na
base deste poder arbitrário, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica,
a essas relações de força.
Desta forma, os dominados empregam condições construídas do ponto de vista
dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as de tal modo ser vistas como
naturais, podendo levar a uma espécie de autodepreciação ou até de autodesprezo
sistemático (BOURDIEU, 2007).
61
Como exemplo de violência simbólica, Bourdieu e Passeron (1982) citam a
Ação Pedagógica enquanto imposição por um poder arbitrário de uma cultura arbitrária,
onde o propósito está definido no fato de que ela convém a toda formação social,
entendida como sistema de relação de força e de sentido entre grupos ou classes.
No contexto do trabalho, este processo encontra colaboradores e está inserido
em um sistema de gestão empresarial que vem ganhando terreno nos serviços, na
Administração do Estado, e em outros setores. Tem por base a utilização metódica da
ameaça e uma estratégia eficaz de distorção da comunicação, que gera adversidade,
pobreza, e miséria para uma grande parcela da população, devido ao crescimento da
nação e ao desenvolvimento da sociedade neoliberal que têm como objetivo o lucro e o
poderio econômico (DEJOURS, 2000).
O processo de banalização do mal pelo trabalho produz iniqüidade, injustiça,
desigualdades e sofrimento aos trabalhadores, mediante relações de dominação que se
aplicam a estes; no entanto, tal sistema é aceito e aprovado pela maioria dos cidadãos,
passa por razoável e justificável, realista e racional; e ainda é preconizado abertamente
como um modelo a ser seguido no processo de trabalho, em nome do bem, da justiça e
da verdade. Portanto, este processo é capaz de atenuar a consciência moral em face do
sofrimento infligido a outrem e de criar um estado de tolerância do mal (DEJOUR,
2000).
Sob a ótica da psicopatologia do trabalho, este processo é centrado na
dominação e na injustiça praticadas em relações de trabalho socialmente desiguais,
transformando o trabalho em um laboratório de experimentação e aprendizado da
injustiça, da iniqüidade, e da alienação, tanto para os que são vítimas quanto para os que
são beneficiários (DEJOURS, 2000).
Barreto (1998) chama a atenção para a síndrome da desorganização
caracterizada por novos métodos de gestão associados a novas tecnologias e
reorganização do capital que surgiram nos últimos anos, provocando desemprego,
pobreza, e disciplina dos corpos dos trabalhadores, transformando-os em máquinas ou
seres dóceis e submissos. A esta expropriação do trabalho, da cultura, da educação, das
emoções e do corpo, a autora acrescenta a expropriação da saúde, a banalização do
sofrimento e da dor de milhares de trabalhadores que ao adoecerem perdem o valor tal
qual mercadoria, que perde o tempo de validade , ficando temporariamente desativados
ou definitivamente desvalorizados.
62
Tendo em vista as considerações traçadas, pode-se inferir que a força humana
de trabalho tem sido utilizada unicamente como mercadoria para benefício dos que dela
obtêm lucro econômico ou político, sendo por eles expropriada e banalizada, a despeito
de qualquer fenômeno que venha a atingir a vida profissional, social, pessoal, física ou
mental daqueles que a exercem, mas que sobre ela não têm o domínio, contudo dela
esperam obter recompensa.
A verdadeira viagem da descoberta não é
achar novas terras, mas ver o território
com novos olhos.
(Marcel Proust)
64
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de um estudo do tipo analítico, com abordagem qualitativa, que teve
como objetivo geral analisar a banalização dos problemas e das questões da saúde dos
trabalhadores, como formas de violência presentes no trabalho. A abordagem qualitativa
trabalha com a profundidade das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à quantificação humana (MINAYO, 2004).
Para a execução do presente estudo, utilizou-se a técnica de coleta e análise de
informações através da história oral temática, considerando sua importância na narrativa
dos trabalhadores, verificando as alterações na saúde desses em relação às
manifestações de violência em seu ambiente de trabalho.
Segundo Meihy (2002), história oral consiste em gravações premeditadas de
narrativas pessoais, feitas diretamente entre o entrevistador e o entrevistado. Destina-se
a recolher testemunhos, promover análises de processos sociais do presente e facilitar o
conhecimento do meio imediato.
Meihy (2002) afirma que, na história oral temática, os detalhes da história
pessoal do narrador apenas interessam na medida em que revelam aspectos úteis à
informação temática central. Utiliza-se para a sua realização uma entrevista prolongada,
em que combinam roteiros centrados em um tema, com observação e relatos
introspectivos de lembranças e relevâncias, através da interação do pesquisador com o
sujeito pesquisado, trazendo uma maior riqueza aos resultados dessas informações.
Nesta perspectiva, o entrevistado é a testemunha dos acontecimentos, ou seja, o
ator social dos fatos presentes vivenciados em seu ambiente de trabalho, que, pela
realização da entrevista centrada no tema deste estudo, irão levar à compreensão do
mesmo.
Para Meihy (2002), determinados passos conduzirão a pesquisa, a saber: tema,
justificativa, definição da colônia, formação da rede, entrevista, transcrição,
conferência, uso e arquivamento.
O estudo foi desenvolvido no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
Gerência Executiva Natal (GEXNAT), no Rio Grande do Norte, instituição Pública
Federal do Ministério da Previdência Social.
Inicialmente foi definida a colônia, que se refere à população-alvo constituída
pelos trabalhadores de nível intermediário, lotados nas Unidades de atendimento desta
65
GEXNAT, sob o regime estatutário em atividade formal, reconhecida pelo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), e com relato de história de sofrimento por violência
desencadeada pela banalização dos problemas e das questões de saúde no ambiente de
trabalho. Os membros que compõem a colônia foram constituídos por uma rede que foi
delimitada a partir do ponto zero, ou seja, o primeiro entrevistado que conhecia a
história do grupo e serviu como guia para indicar outros componentes, os quais, por sua
vez também apontaram outros colegas que passaram por situações semelhantes à sua. O
momento de cessar as entrevistas foi sinalizado pela saturação e repetição das respostas,
conforme orientação das pesquisas do tipo qualitativa.
A coleta de informações aconteceu no período de 22 de julho a 01 de setembro
de 2008, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFRN, através do
parecer n
o
090/2008, protocolado sob o n
0
037/08 (ANEXO A), e da autorização formal
da instituição (ANEXO B e C).
Para coleta das informações, foi usado o instrumento de pesquisa de entrevista
individual com roteiro semi-estruturado, contendo questões norteadoras, a partir de
perguntas geradoras capazes de captar o discurso dos entrevistados enquanto
importantes ao conhecimento do objeto (APÊNDICE B). Acrescentou-se, ainda,
informações estatísticas a respeito de contratações, afastamentos e aposentadorias por
doença e morte, buscadas nas fichas médicas dos trabalhadores nos seus locais de
trabalho, bem como no setor de recursos humanos.
Para Meihy (2002), as questões devem ser contextualizadas e seguir uma
ordem de importância capaz de inscrever os tópicos principais em análises do
colaborador.
Segundo Triviños (1987), a entrevista tem propósitos bem definidos,
permitindo a coleta de informações a partir de questionamento básico, apoiado em
teorias e pressupostos de estudo. A utilização do roteiro semi-estruturado na entrevista
possibilita a que os questionamentos sejam ampliados com base nas próprias respostas
dos informantes, permitindo que os mesmos participem da elaboração do conteúdo da
pesquisa.
Como parte de uma das etapas do projeto, a entrevista é composta de três fases:
pré-entrevista, entrevista e pós-entrevista. A pré-entrevista corresponde à fase de
preparação do encontro em que se dará a gravação. Após esta fase e marcados data,
local e horário, acontece a entrevista. Aos momentos que seguem este passo, entre a
66
transcriação e a conferência, -se o nome de pós-entrevista, quando são estabelecidos
novos contatos necessários para a continuidade do processo (MEIRY, 2002).
Com base nestas orientações, iniciou-se a coleta das informações após ser
testado o instrumento em uma instituição pública municipal de previdência, momento
em que foram corrigidas algumas falhas detectadas neste. A partir do contato prévio
com os colaboradores, foram estabelecidos local e horário para a realização das
entrevistas, apresentado-se a autorização da instituição, fornecida cópia do Parecer do
CEP, e esclarecidos todos os procedimentos, objetivos, finalidade e importância do
estudo, bem como garantidos o anonimato, ausência de ônus e desistência do
colaborador a qualquer momento da pesquisa.
Por ocasião da realização das entrevistas, foi disponibilizado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para ser assinado pelo colaborador e
fornecida cópia do mesmo, conforme preconiza o Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde (APÊNDICE A). Foi solicitada também a autorização para gravação
do depoimento por meio de um equipamento de MP4.
O caderno de campo foi utilizado para registrar as observações nas entrevistas
e na evolução do projeto. Meiry (2002) sugere que esse caderno funcione como um
diário íntimo, onde se devem anotar os contatos, os estágios para se chegar aos
colaboradores, como ocorreu a gravação, e eventuais incidentes de percurso.
Com isso, investigou-se o fenômeno da banalização das condições de trabalho
e de vida dos trabalhadores, como forma de violência presentes no trabalho desses
indivíduos, a partir do ponto de vista dos mesmos, obtendo informações fidedignas que
condizem com o objeto estudado.
Para Meihy (2002), a parte operacional do projeto inclui a especificação da
operação e o detalhamento da entrevista, conforme especificado, seguidos da
transcrição, conferência, arquivamento e uso dos dados.
Para a abordagem das narrativas das vivências e impressões dos trabalhadores
sobre a violência no trabalho, também foi utilizada a técnica de história oral temática
(MEIHY, 2002), através da transcrição e conferência das informações, onde foram
identificados e analisados os principais indicadores referentes aos riscos potenciais e
situações de dano provenientes da exposição à violência por parte dos trabalhadores.
Após a coleta das informações, procedeu-se à transcrição, que segundo Meihy
(2002), consiste na mudança do estágio oral para o escrito, que no primeiro momento se
de forma fiel à narrativa. Posteriormente, corrigiu-se os abusos gramaticais e as
67
palavras repetidas para uma melhor visibilidade do tema, que faz parte da textualização,
segunda etapa, caracterizada como a reorganização cronológica das entrevistas,
seguindo uma lógica do texto, onde as idéias foram privilegiadas em detrimento da
transcrição de um discurso, respeitando-se os critérios de percepção do leitor.
Posteriormente procedeu-se à transcriação onde houve interferência da autora e
a conferência dos textos, esta última em concordância com o colaborador. A última
etapa da transcrição é chamada de transcriação, comprometida com o texto recriado em
sua plenitude, após ter sido refeito, combinado com o colaborador, a fim de legitimá-lo
no momento da conferência (MEIHY, 2002).
Por conferência entende-se o momento em que, já trabalhado o texto, em sua
versão final, é disponibilizada uma cópia para o colaborador autorizá-lo (MEIHY,
2002). No ato da conferência três dos entrevistados solicitaram algumas alterações no
conteúdo das entrevistas, o que foi realizado.
A partir desta etapa, optou-se por denominar os colaboradores de
trabalhadores, por entender-se que o estudo reflete empiricamente a sua narrativa. A fim
de ocultar suas identidades, esses trabalhadores foram identificados com nomes de
heróis da bíblia, por serem considerados, pela autora, exemplos de fé, de obediência, de
testemunho e de esperança em uma vida plena. São eles: Abel, Enoque, Noé, Abraão,
Isaque, Jacó, José, Moisés, Gideão, Sansão, Rute, Sara, Ana, Noemi, Ester, Raquel,
Maria, Vasti, Joquebede, e Marta.
As informações foram categorizados de acordo com o objetivo proposto,
através do referencial de análise temática segundo Minayo (2004), que aborda como
uma descoberta de núcleos de sentido evidenciados a partir dos temas que compõem
uma comunicação, cuja presença e/ou freqüência apresentam significado para o objetivo
analítico do estudo.
Neste sentido, sistematizaram-se as narrativas, agrupando-as por temática, as
quais foram organizadas com base na análise das informações coletadas que referendam
o objeto de estudo deste trabalho. Fez-se a interpretação das falas a partir das
convergências e divergências nas respostas, o que possibilita a visão mais convergente
da totalidade dos entrevistados, bem como as dissonâncias nas narrativas que diferiram
da maioria.
Para a apresentação e discussão dos resultados, agregaram-se as informações,
segundo categorias empíricas, definidas da seguinte forma: o cotidiano no ambiente de
trabalho e sua influência na profissão e na vida dos trabalhadores; a violência presente no
68
ambiente e suas conseqüências na vida e na saúde dos trabalhadores; a banalização da
injustiça social: a propósito da violência contra o trabalhador e sonhos divisados: a
propósito da contribuição da enfermagem.
A análise foi realizada a partir destas categorias, considerando trechos
simbólicos das falas dos entrevistados, como tradução de seus sentimentos e posturas
em cada item abordado, dialogando com os autores de referência do estudo: Barreto
(1998, 2003), Berlinguer (2004), Bourdieu (2007), Brasil (1975, 1978, 1988, 1990,
2001, 2002, 2004, 2006, 2007), Carneiro (2006, 2008), Dejours (1992, 2000), Galtung
(1981), Haag et al (2001), ILO (2002), Lancman et al (2007), Medeiros et al (2006),
Vitorino (2005), entre outros.
Mais do que o gesto, interessa como ele foi
recebido. Mais do que a palavra, nos
influencia como ela foi ouvida. Mais do que o
fato, vale onde, como e quando ele nos tocou.
(Lya Luft, senhora de preciosa poesia)
70
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Passa-se a apresentar e discutir os resultados obtidos na pesquisa em
consonância com os estudos teóricos.
4.1 CONTEXTO DO ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DOS ATORES DA
PESQUISA
Inicialmente será apresentado o cenário onde se deu o estudo, bem como as
características dos atores que compõem a população alvo.
4.1.1 O cenário da pesquisa
A pesquisa foi realizada nas Agências de atendimento da Previdência Social
(APS) da cidade de Natal/RN. APS Natal Centro, Natal Ribeira, Natal Sul, Natal
Nazaré, Natal Norte, pertencentes à Gerência Executiva Natal, parte integrante do
Instituto Nacional do Seguro Social, órgão público federal do Ministério da Previdência,
com estrutura organizacional demonstrada no organograma apresentado na figura 1.
71
Figura 1 - Apresentação do organograma da instituição cenário do estudo.
Fonte: Regimento Interno INSS
A Gerência Executiva Natal (GEXNAT) está vinculada à Gerência Regional
Pernambuco, tem sede à Rua Apodi, 2150, bairro do Tirol, em Natal/RN e abrange as
APS Natal Centro, Natal Ribeira, Natal Sul, Natal Nazaré, Natal Norte, Parnamirim,
Ceará-Mirim, João Câmara, Santo Antônio, Santa Cruz, Currais Novos e Agência
Móvel. No prédio sede funcionam os serviços de: Gerência e Benefícios; as seções de
Reconhecimento Inicial de Direitos; Revisão de Direitos; Manutenção de Direitos;
Comunicação social; Recursos humanos; Gerenciamento de Benefícios por
Incapacidade; Orçamento, Finanças e Contabilidade; Logística, Licitação e Contratos e
Engenharia; e de Atendimento, conforme demonstra organograma apresentado na figura
2. A GEXNAT tem um quadro funcional total de 516 trabalhadores, estando 11 deles
cedidos a outros órgãos.
72
Demonstram-se no quadro 1 as APS onde se realizou a pesquisa com
respectiva localização na cidade e quadro de trabalhadores.
Local de trabalho
Localização
Trabalhadores
em atividade
Cedidos
Total de
trabalhadores lotados
APS Natal Centro
Bairro Tirol
Zona Centro
53
5
58
APS Natal Ribeira
Bairro Ribeira
Zona Leste
36
0
36
APS Natal Norte
Bairro Igapó
Zona Norte
22
0
22
APS Natal Sul
Bairro L. Seca
Zona Sul
38
0
38
APS Natal Nazaré
Bairro Nazaré
Zona Oeste
43
0
43
Quadro 1- Locais de trabalho da pesquisa com suas respectivas localizações e número
de trabalhadores em atividade, número de trabalhadores cedidos e total de trabalhadores
lotados em cada APS
Fonte: Seção de Recursos Humanos da GEXNAT/INSS
No quadro 2 apresenta-se o demonstrativo dos setores em funcionamento nas
APS, por categoria.
Gerência
Executiva
Figura 2 - Organograma da GEXNAT
Fonte: Seção de atendimento da GEXNAT
73
FUXOGRAMA ATUAL DOS SETORES DAS APS POR CATEGORIA
Recepção/Triagem
Auto Atendimento
Atendimento Simples
Atendimento Especializado:
Benefício
Receita Previdenciária
Retaguarda
Apoio Administrativo
Suporte de Atendimento:
Supervisão de Atendimento
Supervisão de Informática
Perícia Médica
Serviço Social
Reabilitação
Arquivo
Quadro 2 - Setores das APS por categoria
Fonte: Seção atendimento da GEXNAT/INSS
4.1.2 Caracterização dos atores
Participaram deste estudo vinte trabalhadores de nível intermediário, dos quais
dez ocupam o cargo de agente administrativo, quatro de técnico do seguro social, dois
de datilógrafo, um de agente de saúde, dois de agente de vigilância e um de agente de
portaria. Atuam nos setores de atendimento, retaguarda, apoio administrativo e suporte
de atendimento das APS, atendendo direta ou indiretamente ao público. Dois desses
trabalhadores exercem a função de chefia e supervisão.
Esses trabalhadores estão igualmente distribuídos entre o sexo masculino e
feminino, com faixa etária entre 41 a 63 anos de idade, caracterizando um quadro de
trabalhadores na fase adulta de meia idade a idoso. E o tempo de serviço varia de 20 a
30 anos, a maior parte deles na área de benefício da previdência social. Essas
informações vêm demonstrar uma situação de experiência profissional bem como de
proximidade à aposentadoria.
Uma vez que o ensino médio é exigido como nível de escolaridade para os
cargos ocupados, todos possuem esse grau de escolaridade, entretanto, quatro desses
trabalhadores possuem nível superior incompleto e sete, superior completo.
74
4.2 O COTIDIANO NO AMBIENTE DE TRABALHO E SUA INFLUÊNCIA NA
PROFISSÃO E NA VIDA DOS TRABALHADORES
Embora não seja objeto deste estudo analisar o cotidiano de trabalho,
considerou-se pertinente conhecer o dia-a-dia dos trabalhadores desta pesquisa no seu
ambiente de trabalho, com o intuito de facilitar a compreensão da complexidade das
situações de violência nesse ambiente, bem como a questão da banalização da injustiça
social enquanto forma de violência e ameaça à saúde deles.
Nesse sentido, considera-se significante ressaltar a importância da organização
do trabalho na relação entre trabalho e saúde, que por sua vez encontra-se prejudicada
por um processo de trabalho precário, estabelecido pelas mudanças advindas do
capitalismo.
Dejours (1992), ao articular a relação saúde-trabalho, assevera que enquanto a
luta pela sobrevivência acusava uma duração de trabalho excessiva, a luta pela saúde
do corpo denunciava as condições de trabalho, e o sofrimento mental culpava a
organização de trabalho.
Considera-se importante explicar que esse autor denomina como condição de
trabalho a natureza do ambiente de trabalho relacionado aos agentes físicos, químicos,
biológicos, às condições de higiene, de segurança e às características ergonômicas do
posto de trabalho. E por organização de trabalho designa a divisão do trabalho, o
conteúdo da tarefa, o sistema hierárquico, as relações de poder, o controle sobre o ritmo
do trabalho, as questões de responsabilidade, entre outros (DEJOURS, 1992).
Dessa forma, pode-se afirmar que os processos de trabalho, provenientes de um
local de trabalho e de uma organização de trabalho débeis, podem comprometer a força
produtiva e favorecer a doença.
Traçadas as considerações, passa-se a analisar os seguintes itens relacionados
ao cotidiano do trabalho: tempo no trabalho e atividades exercidas; jornada de trabalho
e o cansaço físico e mental; influência na vida profissional; influência na vida pessoal;
segurança e domínio no exercício das atividades; situações de ansiedade, conflito e
tensão no e com o trabalho e realização no e com o trabalho.
75
Tempo no trabalho e atividades exercidas...
A maior parte do atendimento das APS é feito no período das 07h30min às
13h30min, horário em que se concentra o maior número de trabalhadores e maior
freqüência de usuários. Portanto, a carga horária diária de trabalho é de seis horas. No
entanto, seis dos trabalhadores entrevistados afirmaram que, dependendo da demanda de
atendimento e serviços, necessita ultrapassar essa carga horária. Vale ressaltar que os
trabalhadores que exercem alguma função de chefia ou supervisão, sempre extrapolam a
carga horária estabelecida.
São seis horas de trabalho. Agora, vez por outra eu extrapolo, porque
fica serviço pendente. [...] e às vezes chego até antes do horário e
começo a agilizar aquilo que ficou pendente que é para ver se dá conta
do serviço. (Abraão)
Normalmente são seis horas de trabalho, mas aí vai muito da demanda
[...]. (Noé)
Como chefe de benefício, eu não tenho, exatamente horas de trabalho
[...] eu nunca saio antes das três horas da tarde. (Ester)
Quatorze dos trabalhadores entrevistados, portanto a maioria, atua nos setores
de atendimento e retaguarda, na área de Benefício, que compreende atividades de
habilitação, concessão, atualização, perícia médica e análise de processo de revisão e
recurso. Quatro desses trabalhadores fazem o serviço de apoio administrativo, protocolo
e arquivo, e dois deles ocupam funções de supervisão.
Nessa conjuntura, chama-se a atenção não apenas para a duração da jornada de
trabalho, conquanto haja trabalhadores que em determinadas situações a extrapolem,
todavia é a magnitude dessa jornada e complexidade das atividades que se pretende
enfatizar.
Segundo Dejours (1992) o trabalho repetitivo, taylorizado, no qual se exerce
uma organização rígida, domina as horas durante o trabalho, desapropria o saber,
amordaça a liberdade de organização, reorganização ou de adaptação do trabalho.
76
Segundo considerações feitas por Berlinguer (2004), ao se explorar a força de
trabalho, os limites físicos da jornada de trabalho são extrapolados, chocando-se com os
limites morais, podendo comprometer a vida do trabalhador.
Dessa forma, pode-se afirmar que embora a jornada de trabalho seja
considerada tolerável em termo de tempo no trabalho, a intensidade, as complexidades e
as exigências existentes na execução das atividades, tornam esse tempo trabalhado
cansativo e às vezes improdutivo, conforme afirma um dos entrevistados.
[...] trabalho a manhã inteira [...] às vezes são mais de seis horas. Se
você quer conseguir fazer mais de um processo tem que ficar até a
noite, virar a noite [...]. (Ana)
Nesse sentido, a intensidade do trabalho em atenção, concentração, cuidado
redobrado e nível significativo da tensão podem potencializar a carga mental do
trabalho. Desse modo, de se questionar quanto às conseqüências do cansaço físico e
mental que essa jornada pode acarretar aos trabalhadores. Esse contexto será analisado
no item subseqüente.
Jornada de trabalho e o cansaço físico e mental...
Os trabalhadores que atuam na área de Benefício, seja no atendimento ao
público, na análise de processos, ou na supervisão, nomeiam suas atividades como
cansativas física e mentalmente, porém o cansaço mental segundo eles é mais
habitual que o físico.
Os fatores apontados como causa desse cansaço englobam ergonomicamente as
dimensões relacionadas ao local do trabalho ou condição de trabalho e o contexto da
atividade ou organização do trabalho.
No que diz respeito às condições de trabalho, foram apresentados pelos
trabalhadores, principalmente, problemas relacionados aos sistemas de trabalho e à
pressão por parte do público.
77
A jornada de trabalho é muito cansativa porque na hora que você
trabalha atendendo ao público, com esse sistema que se usa aqui, que
é um sistema muito lento, um sistema que não tem precisão nas
informações, aí a gente fica muito cansado [...]. (Abel)
Com certeza essas atividades são cansativas física e mentalmente
porque você atende ao público, então fica aquele pessoal
pressionando, olhando para você. Você tem aquele tempo para
atender. (Noemi)
Segundo Dejours (2000), a relação entre sofrimento e trabalho mostra que os
trabalhadores são vítimas de sofrimento no trabalho relacionado à adaptação, à
ideologia da empresa, às exigências do mercado, e às relações com os clientes,
particulares ou públicos.
Ao estudar o estresse no trabalho, Ballone (2002) menciona que o tipo de
desgaste emocional a que os trabalhadores estão sujeitados habitualmente, são fatores
determinantes de doenças. Ambientes insalubres e falta de ferramentas adequadas são
apontados como fatores da desorganização no ambiente ocupacional, podendo colocar
em risco a ordem e a capacidade de rendimento do trabalhador. Dessa forma, pode-se
entender que a convivência com os clientes e com o instrumental de trabalho, por estar
inapropriada a realização do trabalho, tem acarretado cansaço físico e mental a esses
trabalhadores.
Um dos trabalhadores entrevistados mencionou como forma de empecilho para
a execução do trabalho, a suspensão deste para a busca de processos, por não haver um
trabalho de apoio, como por exemplo, de atuação de estagiários. Essa busca implica em
seu deslocamento do setor onde trabalha para outro, acarretando carga física e tempo de
trabalho perdido. Outro trabalhador demonstrou que o desgaste físico e intelectual
alcançado ao longo dos anos de vida e trabalho contribuiu para a ocorrência do cansaço
físico e mental.
Referentes à organização do trabalho, os trabalhadores apontaram que o
cansaço físico e mental é causado pela falta de instruções e de apoio para o
desenvolvimento de suas atividades; a complexidade e dinâmica da legislação,
dificultando o seu entendimento; o estabelecimento de prazos e cobrança para a
execução do trabalho; exigência constante do raciocínio lógico matemático para cálculo
de valores pagos aos benefícios e a diversificação, complexidade, demanda e acúmulo
de serviços. As falas a seguir abordam essas causas.
78
Essas atividades são cansativas física e mentalmente porque dentro do
serviço público nós não contamos com o apoio de ninguém. [...] Tem
pessoas que assimila mais rapidamente um serviço, outros não
assimilam tanto, outros resolvem na hora, toma decisão, tem poder de
decisão. Então o que eu acho é justamente isso, porque nós
dependemos de muitas pessoas para atender um segurado. (Rute)
Quando esses trabalhadores indicam que suas atividades se tornam cansativas
pela falta de apoio, referem-se ao fato de se sentirem solitários, desamparados técnica e
administrativamente, no encontro de soluções para as dificuldades enfrentadas no e com
o trabalho.
Ao referir-se à fadiga como uma doença do trabalhador, Barreto (1998),
assegura que esta resulta da falta de criatividade do trabalho e da incorporação do
trabalho fragmentado gerador de desinteresse e desconhecimento, levando à diminuição
da subjetividade, perda da capacidade psíquica, física e cansaço geral.
Esse trabalho é cansativo nem tanto fisicamente, mas mentalmente é
muito cansativo. Cansativo porque você tem que estar sempre
atualizado na legislação [...]. E agora principalmente uma ação do
governo que obriga o servidor a trabalhar em determinado tempo [...].
A legislação é muito dinâmica, muda praticamente todo dia, isso leva
o servidor a cometer erros administrativos involuntariamente, então, é
uma situação difícil para quem está em uma condição dessa. (Noé)
Para esses trabalhadores, interpretar a legislação previdenciária que suporte
ao seu trabalho é uma tarefa cansativa mentalmente, por esta ser bastante complexa e
sofrer constantes alterações, podendo levá-los a cometer erros administrativos
involuntariamente, por desconhecimento ou atualizações de novas normas sobre a área
de atuação.
Essas atividades, não diria fisicamente, mas mentalmente são muito
desgastantes porque a cobrança é muito grande e realmente, ao final
do dia, ao final da semana ou quando a gente está chegando às
vésperas das férias, aí a gente está quebrado. (Sansão)
É muito tumultuado, é muito caso, é muito diversificado. Atendo todo
tipo de segurado, todo tipo de problema que vem na agência [...].
79
Atendo da manutenção, concessão, tudo! Com certeza essas atividades
são cansativas física e mentalmente [...]. (Ester)
Essas atividades são cansativas mais mentalmente que físicamente.
Cansa porque cada processo é um raciocínio diferente, é um trabalho
diferente do outro. (Raquel)
O estabelecimento de prazo e o acúmulo e complexidade do serviço foi outro
fator apontado como causa desse cansaço, desgastando-os mentalmente.
Para constatação desse estado, ressaltam-se as considerações de Dejours (1992)
quando propõe que um conteúdo ergonômico de trabalho inadaptado à estrutura física e
mental do homem origina não sofrimento somático de determinismo propriamente
físico, mas também mediante o comprometimento do aparelho mental. Pode-se, então,
atribuir ao conteúdo ergonômico proposto pelo autor a organização e condição de
trabalho que ao se encontrarem em situação inadequada ao condicionamento físico e
mental dos trabalhadores, acabam por impor sofrimento ao corpo e à mente destes.
As exigências intelectuais, motoras ou psicossensoriais da tarefa, somadas ao
conteúdo, ritmo e modo operatório do trabalho, presentes na organização do trabalho,
são condições que podem desfavorecer a adequação entre a organização do trabalho e a
estrutura mental do trabalhador. Por isso, diante de uma organização de trabalho,
concebida por um serviço especializado e regras desestruturadas, há uma carga de
trabalho psíquica, que gera insatisfações e sofrimentos, cujos efeitos repercutem na
saúde mental do trabalhador (DEJOURS, 1992).
Mediante tal organização de trabalho e de um contexto de sofrimento sico e
mental apresentados, faculta-se induzir que esses fatores podem ocasionar influência no
desempenho profissional, bem como na vida pessoal.
Influência na vida profissional...
Ao serem argüidos sobre a influência do seu trabalho, mediante todas as
condições apresentadas em sua vida profissional, os trabalhadores entrevistados
alegaram que o fato de atender ao público, tendo que lidar com situações e exigências
diversas, desgasta-os física e emocionalmente. Segundo eles, a esse estado, somam-se
80
os fatores internos do trabalho, tais como: necessidade de constante atualização para a
observância adequada da legislação; medo de cometer erros administrativos; falta de
apoio no exercício profissional e precariedade dos recursos estruturais, técnicos e de
pessoal.
Na vida profissional, interfere na medida em que a gente não consegue
ter um rendimento, que seja palpável. Devido a uma série de
problemas, dentre eles estruturais, problemas que passam pelo
material, problemas que passam pela informática, pela falta de pessoal
em número insuficiente. (Sansão)
Atrapalha no próprio trabalho. Sob pressão, acho que ninguém
consegue trabalhar. Eu sempre implorei a chefia da agência, eu não sei
a quem mais, uma equipe, duas pessoas mais para você discutir o
assunto, porque lei, legislação você interpreta de um jeito, o outro
interpreta de outro e você quer um apoio. Você quer uma segurança
que você está certa, você está caminhando certo. O medo, isso
atrapalha o trabalho da gente, atrasa o trabalho inclusive. (Ana)
Em um estudo sobre os trabalhadores do setor público, Lancman et al (2007)
constataram que esses trabalhadores têm sofrido um choque ao sentirem a sensação que
o desenvolvimento do seu trabalho perdeu o sentido. Esse conflito se devido a
estarem expostos a inconstâncias ocasionadas por variações de ordem política,
administrativa e de planejamento. Além dessas causas, esses trabalhadores ainda estão
sujeitos a alterações da qualidade e quantidade da demanda dos serviços prestados,
somados ao acúmulo de funções e mudanças nas organizações de trabalho.
A esse respeito, Dejours (1992) aponta que as competências reais do
trabalhador quando da adaptação do conteúdo da tarefa, pode colocar o sujeito em
situação de subemprego de suas capacidades ou, ao contrário, em situação muito
complexa, levando-o ao risco de um fracasso. Nesse sentido, pode-se propor que as
dificuldades práticas na realização das tarefas interferem no desempenho das atividades
profissionais, muitas vezes causando sensação de inutilidade e frustração ao trabalhador.
Dessa forma, pode-se considerar que essas situações têm prejudicado a vida
profissional do trabalhador estudado, na medida em que não proporciona condições
seguras e favoráveis de exercê-la. Essas situações além de influenciar a vida
profissional têm repercussões na sua vida pessoal, conforme se observa no item que se
segue.
81
Influência na vida pessoal...
Observou-se também a interferência das condições de trabalho na vida pessoal,
fato apontado pelos trabalhadores entrevistados como dificultador na realização das
necessidades individuais e familiares, tendo em vista o comprometimento do tempo
livre para resolução de questões pessoais devido ao longo período dedicado ao trabalho
Quando nós chegamos do trabalho em casa a gente desaba isso
tudo. Se a gente sai contrariado, chateado, então é o local de desabafo
[...] os meus filhos sofrem com isso. (Rute)
Bom, na vida pessoal, atrapalha e muito! Porque a partir do momento
que você leva esse problema, essa preocupação para casa, você
atrapalha e mexe com a sua família. Até no final de semana você está
nervosa, você está preocupada pensando na segunda-feira, como é que
você vai resolver. Na realidade você não tem final de semana mais!
(Ana)
Tem porque a gente passa mais tempo aqui no trabalho do que mesmo
fora do trabalho. [...] influencia demais, porque tem dia que a gente
não tem nem como raciocinar direito, até sonha de noite com os
processos de benefício. [...] A gente esquece inclusive da família.
(Ester)
[...] eu passo uma parte muito grande do tempo aqui dentro. E fico
com a manhã muito pequenina para fazer minhas coisas pessoais. E a
noite eu saio daqui muito cansada [...] quando eu chego em casa de
noite, eu não faço mais nada! (Marta)
A esse respeito, Dejours (1992) mostra que o trabalho repetitivo ou trabalho
taylorizado que tem como objeto o aumento da produtividade , cuja organização
rígida domina a vida durante as horas de trabalho, invade também o tempo fora deste.
Contaminado pelo comportamento produtivo da organização do trabalho, o trabalhador
conserva a mesma pele e cabeça. Dessa forma, despersonalizado no trabalho,
permanecerá despersonalizado em casa, não conseguindo dissociar o tempo e o
comportamento entre o trabalho e fora deste, para o qual exigiria uma nova adaptação e
aprendizado.
82
É importante ressaltar que não se pode desvincular a vida dentro do trabalho,
da vida fora deste, um traz influência sobre o outro. É necessário, portanto, buscar-se
um equilíbrio para que essa interferência seja mais positiva que negativa.
Acredita-se ser importante mencionar que houve referência por parte de quatro
dos entrevistados não achar suas atividades cansativas física e mentalmente, bem como
não sofrer influência destas no desempenho de sua vida profissional e pessoal. Observa-
se que desses trabalhadores somente um trabalha na área de Benefício, os demais
operam nos setores de arquivo, protocolo e apoio administrativo. Observa-se, também,
que todos atribuem domínio e satisfação na execução das atividades que desenvolvem.
A fala abaixo retrata com propriedade essa condição.
Essas atividades [...] para outra pessoa pode ser que sejam cansativas,
para mim não é porque eu me identifico com isso aqui. Eu gosto muito
de arquivar. Olhe eu trabalhava antes em habilitação eu pedi para sair,
e justamente para vir para me refugiar e aqui eu achei ideal, meu
refúgio, aqui eu faço o que eu gosto. [...] fazendo o que você gosta
você é realizado [...] Porque eu faço o que eu gosto, eu tenho a certeza
que eu faço bem feito. (Enoque)
Assim sendo, faculta-se ao prazer e qualificação no exercício do trabalho como
fatores preponderantes para a realização profissional e para uma extensão positiva desta
na vida pessoal dos trabalhadores.
Uma vez que se observou que a interferência na vida profissional e pessoal está
mais representada nos trabalhadores que atuam nos serviços de Benefícios, importa
fazer uma ressalva: o setor de benefícios tem essa característica de tensão, porque
trabalha com interesses muitas vezes conflitantes, tais como, o interesse do trabalhador
por ser atendido em seus direitos e o interesse do capital, através da empresa
empregadora dos trabalhadores estudados.
A mediação entre capital e trabalho, no Brasil, historicamente vem sendo
exercida pelo papel do Estado, em todas as suas instâncias reguladoras, nos níveis
nacional, regional e local. Porém, no atual mundo do trabalho, com o chamado Estado
mínimo no contexto da política neoliberal, o Estado vem passando parte de suas
responsabilidades para o mercado.
83
Nesse sentido, a própria concepção de Benefícios para o trabalhador também
vem mudando. E essas mudanças por si trazem tensões, desconfortos e
descontentamentos para todos os trabalhadores, constituindo-se mais uma causa de
tensão para os trabalhadores da previdência que estão intermediando os direitos
daqueles por meio de seu trabalho. Essas situações de tensão, de ansiedade e de conflito
com as quais os trabalhadores deste estudo lidam, serão posteriormente analisadas.
Segurança e domínio no exercício das atividades...
Por considerar fator preponderante para o exercício profissional, questionou-se
aos trabalhadores entrevistados sobre o domínio e a segurança necessários para a
realização de suas atividades. Todos os trabalhadores da área de Benefícios demonstram
uma insegurança acentuada no exercício de suas atividades profissionais, fato para o
qual atribuíram as seguintes causas: grande número de informações necessárias para a
execução do trabalho, pela complexidade e mudanças constantes da legislação
previdenciária; insuficiência de treinamentos e a possibilidade de fraude por parte da
documentação apresentada pelo usuário.
Domínio ninguém pode afirmar que tem. [...] Porque eu já disse que a
legislação é muito dinâmica, e ela altera. [...] Segurança também
ninguém tem, por conta disso [...] e a gente tem que estar sempre
estudando, então isso é um complicador na função. Se você não tem o
domínio, porque uma mudança rápida, você não vai ter segurança
nunca. Você supostamente está trabalhando em uma legislação que
talvez já tenha sido superada por outra. Então [...] dentro do INSS, no
âmbito da gerência, no âmbito do Brasil, ninguém pode dizer que tem
segurança no que está fazendo [...] e isso é um complicador na vida de
qualquer servidor. Você não sabe o que está fazendo, você não sabe o
que pode acontecer com você. (Noé)
Não tenho a segurança não [...] Desde que eu entrei aqui, eu aprendi
sozinha. Primeiro com ajuda dos meus colegas [...] Os cursos que
fazem eu não considero bons. Por que se faz curso quando tem que
fazer um trabalho [...] em uma semana você aprende a teoria [...] que
não é tão simples. E depois você vai para a prática. [...] Eu aprendi,
“aos trancos e barrancos”, na marra porque eu tinha que aprender! Eu
tinha que fazer! (Ana)
84
Não, [...] porque a gente não tem treinamento diário, e outra coisa, a
gente fica sendo pressionado a atender mais gente. [...] E eu não me
sinto segura, porque a legislação muda praticamente todo dia. (Noemi)
[...] totalmente segurança é um pouco complicado, porque as coisas
mudam muito e existem formas também do segurado burlar as coisas.
Totalmente segura eu não me sinto não! Conhecimento a gente tem
porque a gente lê, tem a legislação, mas cem por cento segura, sempre
tem um pouquinho que a gente vai, olha de novo [...] existe um
pouquinho de insegurança no trabalho. (Ester)
[...] eu acho que quase 90% dos servidores não tem domínio de nada.
Porque hoje você faz uma coisa, amanhã já chega uma ordem de
serviço contrariando aquela coisa. Principalmente os processos rurais,
você não tem domínio, você não tem confiança, porque os sindicatos
fazem um documento fraudulento e vai cair para cima de quem? Do
funcionário. E você não tem estrela na testa e nem é mágico para saber
se aquele documento é fraudulento ou não. (José)
Eu passei 15 dias de férias, quando eu cheguei tinha mais de 30 novas
informações sobre o meu trabalho [...] orientações técnicas sobre o
meu trabalho. Então, [...] muda muito. Eu me sinto segura, assim, uma
segurança insegura. Que não é completa. Você sabe a regra geral, mas
quando passa para os detalhes... Então, eu [...] pergunto muito aos
colegas. (Marta)
Nesse contexto, importa ressaltar que no trabalho, o conhecimento se dá a
saber ao indivíduo essencialmente pela defasagem indomável entre a organização
imposta do trabalho e a organização que afronta ao domínio do trabalho. De fato,
independente da organização do trabalho e da concepção, é impossível, nas situações
comuns de trabalho, desempenhar os objetivos da tarefa respeitando escrupulosamente
as imposições, instruções e procedimentos (DEJOURS, 2000). Segundo esse autor, em
situações de trabalhos comuns, habitualmente verificam-se incidentes e acidentes cuja
origem, nem sempre fraudulenta, nunca se consegue entender e que abalam e
desestabilizam os trabalhadores com mais experiência. Nessas situações, os
trabalhadores não têm como saber se suas falhas são devidas à sua incompetência ou a
anomalias do sistema técnico.
Percebe-se que a pressão e o medo advindos desses fatos que causam
insegurança no e com o trabalho, são fatores contributivos para o mau desempenho
profissional. Desse modo, pode-se entender que qualificação e aperfeiçoamento técnico
e instrumental úteis a cada profissão, importam ser requisito prioritário nos processos de
trabalho.
85
A seguir serão analisadas as circunstâncias em que se manifestam a ansiedade,
tensão e conflito, como conseqüência das causas apontadas enquanto dificultadoras para
a realização profissional, bem como pessoal.
Situações de ansiedade, conflito e tensão no e com o trabalho...
Nas questões interpeladas como causa de ansiedade, conflito e tensão dividem-
se as ocorrências arroladas nas respostas dos entrevistados a situações condicionadas no
trabalho e com o trabalho.
Quanto às causas referidas como condição arroladas no trabalho, os
trabalhadores entrevistados acusaram principalmente as questões relacionadas à
clientela, tais como grande demanda, agressão física e moral e a documentação ilegítima
apresentada por estes, impedindo-os de se realizarem no trabalho. Quatro desses
trabalhadores apontaram o relacionamento e a falta de ética entre colegas de trabalho
como causa de conflito.
Sim, eu fico, às vezes, muito tensa. Até porque o segurado, às vezes,
agride a gente! [...] Então eu me sinto pressionada. (Noemi)
[...] umas três vezes, saí daqui direto para o hospital devido a conflito
com o cliente. E uma delas eu fiquei internado, por grosseria mesmo
do segurado que chegou me desacatando, e eu passei mal, tive que ser
atendido no hospital. [...] não tive nenhum apoio assim de imediato da
chefia. (Jacó)
Muitas! Porque a gente trabalha em um órgão pagador de benefícios.
Então, muitos segurados querem tirar proveito disso, então eles trazem
documentos que não são legítimos. (Marta)
[...] tem conflito, porque você está analisando coisas [...] você detecta
que foi um erro [...] a grande maioria são os segurados com as formas
e formas de fraudar a previdência. Ai existe sempre uma tensão
porque você tem que passar aquela informação para o segurado e você
não sabe qual a reação que ele vai ter. E a gente teme até pela vida,
pois você não sabe com quem você está lidando, [...] o servidor
público, ele está com a corda no pescoço 24 horas. (Noé)
Eu notei que era uma ansiedade com relação ao atendimento. Nesse
dia eu estava atendendo o público. Era sempre um atrás do outro,
sempre chamando e isso eu notei que ficava assim, embaçado, era
86
como se fosse uma bolha, a gente olhava e via como se fosse umas
bolhas. eu acho que era um problema de ansiedade que eu estava.
(Moisés)
Ao estudar a exposição à violência no trabalho de agentes de trânsito Lancmam
et al (2007) relatam que o contato direto com o público torna os trabalhadores mais
vulneráveis a conflitos e revoltas muitas vezes destinadas à instituição que representam.
Essa situação cria no trabalhador um sentimento de conflito de identidade entre a
importância, a legitimidade e a credibilidade que atribuem ao seu trabalho e a falta de
reconhecimento social. Pode resultar, ainda, no receio de exposições e vulnerabilidades,
fazendo com que ele sinta medo no trabalho, causando muitas vezes um desgaste
psíquico e o absenteísmo.
Comparando as considerações dos autores acima com as situações relatadas
pelos entrevistados, comprova-se que os trabalhadores do serviço público encontram-se
em condições favoráveis a situações de conflito e tensão pelo seu contato com os
usuários. Circunstâncias que, em grande parte, podem ser favorecidas pelas condições
impróprias que dispõem no exercício profissional, bem como pelo descontentamento
que a população apresenta por parte do sistema governamental, usando como forma de
retaliação o desacato a estes trabalhadores.
O atrito maior, às vezes, realmente é com os colegas, embora você se
controle. Esse controle eu não sei o que acarreta na nossa saúde. [...]
Você vai guardando isso para você. [...] As pessoas ultrapassam o seu
limite. E isso aconteceu pouco tempo comigo. De pessoas
ultrapassarem o limite e você segurar. [...] Então, eu trabalho com
medo de acontecer de novo. (Ana)
No que diz respeito à relação com os colegas de trabalho, observa-se na fala do
trabalhador um sentimento de opressão e ansiedade, que chega a causar uma aversão ao
seu ambiente de trabalho. A esse respeito, Dejours (2000) afirma que as pressões sociais
do trabalho impedem o trabalhador de executar o seu trabalho, mesmo sabendo o que
deve fazer. Além disso, enfrenta obstáculos criados pelos colegas, em um ambiente
social muito ruim, onde cada um trabalha por si, sonegando informações e prejudicando
87
a cooperação. Métodos e regulamentos incompatíveis entre si constrangem o
trabalhador e o impedem de executar o seu trabalho.
Ainda no mesmo questionamento e por parte das teses relacionadas com o
trabalho, os entrevistados assinalaram como causas de tensão, conflito e ansiedade as
falhas no sistema, a complexidade e divergência nas informações e legislação
previdenciárias, a falta de apoio da instituição para realização do trabalho, e a escassez
de recursos humanos.
Os trabalhadores ainda ressaltaram que esses problemas trazem sérias
conseqüências, causando prejuízo ao exercício do trabalho, pela insegurança e
vulnerabilidade funcional, ocasionando, na maioria das vezes, o constrangimento que
eles têm por serem levados a responder administrativamente e até criminalmente,
quando acusados de agir de contra a Previdência, situações que têm causado
doenças e morte a esses funcionários.
[...] eu ficava muito ansioso devido ao medo de errar e de ser pego
na frente em uma auditoria, de ir para uma policia federal como uma
vez fui. [...] você tem medo de ir para a Polícia Federal [...] porque o
ser humano é passível de erros [...] você errando infelizmente não tem
como pedir desculpa, errou pronto é consumado. (Enoque)
Houve uma situação de um processo que a instituição me prejudicou
porque o sistema não fez adaptação do que aconteceu [...] eu fui
penalizado com advertência. Não verificaram minha vida funcional
dos 20 e poucos anos [...] nem ligaram para isso. Ainda jogaram um
processo administrativo criminal para a Polícia Federal [...] eles
mandaram um comunicado que eu tinha que pagar aquele débito que
gerou no benefício [...]. fiquei muito doente, estressado.
Bloquearam minha senha imediatamente [...]. Sem ser julgado, sem
analisar o processo direito, fizeram logo minha condenação. [...] a
gente pensa assim até em fazer besteira. [...] E até um colega que
estava no processo, [...] na hora que ele foi habilitar o benefício, a
senha dele estava bloqueada. ele disse que era inútil, que ficou
inútil! Ficou doente, e chegou a falecer. (Abel)
devido a informações diferenciadas. Quando você trabalha em um
setor, todos os funcionários daquele setor têm que falar uma mesma
linguagem. [...]. Você sempre entra em atrito com o segurado, porque
o colega lhe jogou contra ele. [...] É o conflito que existe justamente
de opiniões, de atendimento. Tensões existem. Porque quando você
não está fazendo o que você quer, então tudo de ruim existe, todo
sentimento passa na sua cabeça. Quando de manhã você levanta,
coloca o para fora da sua casa, você diz: eu vou para o trabalho,
pronto, ali começa a aparecer na sua mente, você luta, briga com você
mesma [...] e você tem que ter muito cuidado para isso não influir
tanto na sua vida pessoal, mais infelizmente isso ocorre. (Rute)
88
Ansiedade e tensão. E tensão é permanente, porque você não tem
segurança no trabalho. [...] só deveres e obrigações, direito nada.
Porque você trabalha no dia-a-dia, arriscado a qualquer momento
responder qualquer inquérito, se você não tem respaldo de nada. É
como o INSS quer: ver quantidade e não qualidade. Sem treinamentos
adequados, sem nada a fazer para instruir melhor o funcionário. (José)
A gente trabalha [...] com a bomba na mão. Benefício é trabalhar com
a bomba na mão. (Gideão)
Percebe-se, nas falas, que a organização de trabalho à qual esses trabalhadores
estão expostos exerce uma pressão por quantidade e perfeição do trabalho, que estão
incompatíveis com as condições oferecidas para a sua realização. Essa situação tem
causado tensão, conflito e tamanha ansiedade a esses trabalhadores, que tem tornado
insuportável o processo de trabalho destes e, como conseqüência maior, tem tirado a
saúde e a vida destes.
Analisando os fatores que contribuem para situações de estresse relacionadas
ao trabalho, Ballone (2002) afirma que entre eles se encontram os fatores intrapsíquicos
pertinentes ao serviço, tais como: sensação de insegurança e insuficiência profissional,
pressão para comprovação de eficiência e até mesmo a impressão freqüente de estar
cometendo erros. Ainda a esse respeito, este autor considera a sobrecarga proveniente
de fatores como urgência de tempo, responsabilidade excessiva, falta de apoio,
expectativas excessivas em si mesmo e nos outros, como causas do estresse patológico
no ambiente de trabalho.
Fernandes (2005), em sua dissertação de mestrado, teve como objetivo analisar
as repercussões do estresse ocupacional na vida cotidiana do enfermeiro, introduzido em
seu processo de trabalho, em uma instituição hospitalar pública. A autora obteve como
resultado que em relação à concepção do seu processo de trabalho, as enfermeiras
apresentam um sentimento de incompletude e impotência por não conseguir realizar
uma assistência com qualidade ao paciente. Quanto ao fenômeno do estresse
ocupacional, foi reconhecida a existência e a relação com o trabalho realizado,
definindo-o em especial como a sensação de estar no limite, na iminência do
descontrole e cansaço físico e mental. Desse modo, foram identificados como principais
estressores presentes no cotidiano de trabalho, as condições precárias de trabalho, a
sobrecarga de trabalho e a excessiva jornada de trabalho.
89
E quanto às conseqüências do estresse ocupacional na vida cotidiana, o mesmo
trabalho aponta que principalmente a irritabilidade, a intolerância e a impaciência com a
família e no ambiente de trabalho; os conflitos e desgastes nas relações interpessoais; a
insensibilidade e mecanicismo na relação com os pacientes; ao sentimento de
impotência; a falta de tempo para si mesma, para a família e para o lazer. Quanto ao
nexo causal entre processo de trabalho e adoecimento, as principais queixas encontradas
foram quanto a problemas cardiovasculares e de coluna. Portanto, conclui-se que o
estresse ocupacional decorrente de um processo de trabalho hospitalar, marcado por
condições precárias de trabalho e pelo aumento da jornada de trabalho tem fortes
repercussões no cotidiano profissional e pessoal das enfermeiras (FERNANDES, 2005).
A esse respeito, Dejours (2000) mostra que diante das condições oferecidas na
organização de trabalho, o trabalhador fica exposto a uma situação psicológica assaz
penosa, conflitantes com os valores do trabalho aprimorado, o senso de
responsabilidade e a ética profissional. Dessa forma, fonte freqüente de sofrimento no
trabalho é quando o trabalhador é constrangido a executar mal o seu trabalho. Portanto,
por trás das vítimas o sofrimento dos que temem não satisfazer, não ser capaz de
atender às imposições da organização do trabalho, tais como imposições de ritmo, de
horário, de formação, de informação, de aprendizagem, de diplomação, de experiência,
de rapidez e de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos.
Em consonância às argumentações desses autores foram constatadas nas falas
dos trabalhadores entrevistados, que eles se sentem pressionados diante da imensa
demanda, das determinações de prazos para atendimento com visão de produtividade e,
em particular, do esmero na produção do trabalho, sem, contudo, ofertar-lhes condições
propícias para tal. Essas circunstâncias os fazem trabalhar inseguros e com medo.
Faz-se mister ressaltar a questão do medo nesse contexto. O medo aumenta
com a ignorância, ou seja, quanto maior for o desconhecimento do trabalhador em
relação ao seu trabalho, mais esse trabalhador terá medo. Esse medo apresenta-se por
situações novas de e no emprego e em relação a sua polivalência. Para o trabalhador, o
medo e a apreensão são fatores de risco permanente, uma vez que o torna vulnerável ao
surgimento de conflitos intrapsíquicos, e, portanto, a angústia (DEJOURS, 2000). Essa
questão será mais discutida no item referente às conseqüências da violência na vida e
saúde do trabalhador. Vale ressaltar que o medo, a insegurança e a angústia podem
desencadear ou agravar doenças psicossomáticas tais como doenças respiratórias, de
pele, circulatórias, gastrointestinais e renais.
90
Findas essas considerações, passa-se a analisar outra conjuntura de muita
relevância para a minimização do sofrimento do trabalhador na sua relação de trabalho,
a realização que este tem no e com o seu trabalho.
Realização no e com o trabalho...
Sabe-se que a realização no e com o trabalho oferece uma melhoria da
qualidade de vida não profissional, mas pessoal e social e, especialmente, um maior
benefício à saúde do trabalhador. Diante dessa afirmação, indagou-se aos trabalhadores
quanto à questão da realização profissional.
Segundo Dejours (1992) na relação do trabalho, a aspiração do sujeito em
relação à satisfação com o trabalho envolve a significação do trabalho que importa nas
suas relações com os desejos ou as motivações do trabalhador em relação ao seu
trabalho.
Doze dos entrevistados responderam negativamente quanto à realização
profissional, justificado pela falta de estímulo e a insatisfação com o trabalho, além da
cobrança pela eficiência e eficácia.
[...] eu não me sinto porque de uns anos para nós da previdência
social estamos sendo obrigados a trabalhar nos setores que não
queremos e não nos sentimos bem. E eu gosto de trabalhar à vontade
[...] mas eu quero entrar feliz e sair feliz. E isso não está acontecendo.
Estou trabalhando hoje em um setor obrigada [...] e eu não tenho mais
condições de trabalhar com o público. Sabe assim uma coisa que me
cansa? [...]. Eu estou trabalhando com a faca nos peitos. (Rute)
[...] até hoje não consegui obter êxito. Êxitos que viessem a me
satisfazer com o trabalho. [...] Eu pelo menos não me sinto satisfeito
nessa função. Trabalho nela, como eu disse, por uma imposição da
legislação, sou servidor público e não posso recusar trabalho, então
estou aqui, fazendo o que faço, mas sinceramente não estou satisfeito
profissionalmente com isso. (Noé)
De forma alguma. Para eu me sentir talvez realizada, eu teria que
aprender muito mais. Eu teria que ter um apoio [...] de um setor
superior nosso [...]. De eu precisar de um aprendizado [...] e eles me
darem esse apoio. Eu estou precisando de retorno. [...] eu aprendo
91
sozinha. [...] Eles dizem para você se virar. É assim que eu aprendi
desde o início. (Ana)
Não! Porque você é muito pressionada, muito cobrada. E você não
tem nenhum estímulo, ninguém te elogia, cobrança. [...] Eu vou
responder um processo de uma coisa que eu fiz certo, e vou ter que
responder por que eles acham que eu errei. Aí quer dizer, passo a noite
sem dormir, um dia dorme, outro dia não dorme e é isso aí. (Noemi)
Não. Eu queria fazer, sei lá, alguma coisa que me desse prazer de
fazer! Me desse satisfação. É um trabalho rotineiro, repetitivo, que
não dá mais satisfação. A gente trabalha porque tem que fazer mesmo,
tem que trabalhar, tem que cumprir essa tarefa. (Jacó)
Eu estou vindo de uma fase muito ruim. Inclusive fiquei meio
depressivo. Eu cheguei ao meu limite na função que eu estava [...] e
realmente eu achei que eu não estava mais servindo. Eu fiquei meio
sem esperança. É tanto que eu propus sair do setor [...] porque eu
estava realmente, sem o mínimo para prosseguir ali. (Sansão)
Ressaltaram ainda a insegurança no exercício das funções geradas pela falta de
qualificação e apoio por parte da instituição, que ao invés de ajudá-los fornecendo
cursos e um suporte para dúvidas e/ou questões mais polêmicas, pune seus
trabalhadores, quando estes por alguma limitação cometem algum erro.
Realizado entre aspas [...]. A gente veste a camisa, mas a instituição
não tem um setor de qualidade de serviço. Quando você erra alguma
coisa, condena logo você, não faz nem auditagem correta, eles vêm
logo pressionando, joga você em um processo administrativo, penal
não administrativo [...] aí a gente fica nessa situação de um estresse
muito grande na vida da gente. (Abel)
Se não fossem esses imprevistos [...]. Você hoje é apenas um
funcionário do dia-a-dia. Você não tem treinamento adequado para
aquela função que você exerce. [...] E com isso respondi processos
administrativos, sendo inocente. Tive que pagar advogado. No
Ministério Público e na Polícia Federal você chega como um
marginal. [...] de para cá, eu estou doente, com pressão alta,
nervoso, depressivo. [...] Você ser julgado, condenado e executado e
ainda punido com 30 dias de afastamento sem salário. (José)
Medeiros et al (2006) certificam que a dificuldade de imprimir sentido no e
com o trabalho, devido suas cruciais condições, acarreta insatisfação por parte do
trabalhador. Essas precárias condições em relação ao serviço público têm gerado
92
sofrimento aos seus trabalhadores, uma vez que se sentem impotentes em relação à
qualidade do serviço que prestam ao cliente, como também insatisfação no trabalho e
rompimento no seu processo de trabalho.
O sentido do trabalho para Barreto (2003) constitui um processo complexo que
resulta de uma conjuntura de interações e construções sociais que abrangem o campo da
auto-realização, da independência, da valorização e da sobrevivência. Para essa autora,
o trabalho significa o núcleo central na vida do ser humano, sendo identificado
simbolicamente pela dignidade, responsabilidade, capacidade, competitividade e força,
reafirmando-se, concomitantemente, sua identidade social e sua existência individual.
Retomando a discussão sobre a satisfação no trabalho, percebemos que Dejours
(2000), avalia que o reconhecimento dos que trabalham revela-se decisivo na dinâmica
da mobilização individual da inteligência e da personalidade no trabalho, ou seja, pela
motivação no trabalho. Para ele, quando a qualidade do trabalho é reconhecida, também
os esforços, as angústias, as dúvidas, as decepções, os desânimos ganham sentido. Não
podendo gozar dos benefícios da realização e alcançar sentido na sua relação com o
trabalho, o trabalhador se desestabilizado em relação a sua identidade e
personalidade e, portanto, reduzido ao seu sofrimento psicopatógico.
Dos entrevistados, oito responderam positivamente, ou seja, afirmam estar
realizados com o trabalho. Observa-se uma relação com o gosto, o prazer na tarefa que
realizam. Um dos entrevistados alega ser um trabalho assistencial e, portanto
gratificante, e outro acredita ter alcançado uma boa condição profissional que o satisfaz.
Hoje me sinto realizado com o meu trabalho. Porque eu trabalho com
gosto, porque eu trabalho no que eu gosto de fazer. (Enoque)
Sinto-me realizado com meu trabalho sim. Porque eu acho que eu
consegui uma façanha, mesmo sem aquela formação toda, passei em
um concurso público e me considero bem empregado. (Isaque)
Eu trabalho na Previdência porque eu gosto. Porque eu acho que é
um serviço muito gratificante. Porque muitas vezes a gente está
fazendo uma coisa que é boa para as pessoas que a gente está
atendendo. [...] Quando a gente faz uma coisa que a gente sabe que
aquilo é bom para alguém, é gratificante o trabalho. (Raquel)
Ah, com certeza! [...] Sou mesmo! Graças a Deus! [...] É bom a pessoa
trabalhar quando está gostando do que faz. [...] eu não me identifico
com a parte de Benefício, então, quando eu vejo o pessoal
93
preocupado, que muda muito de lei, muitos problemas, eu penso: Ai,
graças a Deus! (Joquebede)
Neste sentido, a importância do trabalho, pode ser reconduzida pelo indivíduo
ao plano da edificação de sua identidade, traduzido efetivamente por um sentimento de
alívio, de prazer, às vezes de leveza da alma, até mesmo de elevação, de realização do
ego e de sustentação para a saúde mental (DEJOURS, 2000).
Traçadas essas considerações, pode-se deduzir que um trabalhador que
encontra no e com o trabalho a identificação dos seus desejos e realizações, encontrará
motivação e satisfação para a sua efetivação como profissional e ser humano, gozando
de melhor saúde e qualidade de vida.
4.3 A VIOLÊNCIA PRESENTE NO AMBIENTE DE TRABALHO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS NA VIDA E NA SAÚDE DOS TRABALHADORES
Por ser parte do objeto deste estudo, na categoria alusiva à violência no
ambiente de trabalho, buscou-se identificar os fatores que desencadeiam a violência pela
banalização dos problemas e das conseqüências trazidas à saúde dos trabalhadores
entrevistados.
Nesse sentido, questionou-se quanto ao entendimento dos trabalhadores em
relação à violência advinda de fatores internos e externos ao ambiente de trabalho e
quanto a terem sido vítimas de alguma forma de violência, bem como se lhes havia
ocasionado ou agravado alguma doença. Baseado nessas duas condições, sistematizou-
se a análise dessa categoria, pontuando-a nas etapas violência externa, violência interna
e conseqüências à vida e à saúde, as quais se passam a analisar.
Classificou-se inicialmente como violência externa, aquelas originadas de
fatores externos ao ambiente de trabalho. Como violência interna, os tipos de violências
originadas de fatores internos ao ambiente de trabalho. Posteriormente dividiu-se a
violência externa em três tipos: agressão física e verbal, oriunda dos usuários,
sofrimento psíquico, oriundo do contato com o sofrer e desvalorização do trabalhador,
originada pela falta de reconhecimento do funcionário. Dividiu-se também a violência
94
interna em três tipos: assédio moral, por parte dos colegas e superiores, assédio
psicológico, por parte da instituição e violência estrutural ocupacional, por parte da
organização do trabalho.
Vale ressaltar que dois colaboradores ao serem indagados sobre a violência no
ambiente de trabalho, associaram somente a fatores externos por agressão advindas do
usuário, embora tenham narrado ter sofrido conseqüências na vida e na saúde advindas
de outras formas de violência, em especial pela acusação processual por erro
administrativo. Nesse sentido, percebe-se que certa tendência, por parte dos
trabalhadores entrevistados, de caracterizar a violência somente pela agressão física ou
verbal.
Nessa conjuntura, buscou-se relacionar as formas de violência identificadas
neste estudo com a classificação de violência relacionada ao trabalho. Segundo Galtung
(1981), fica assim dividido: violência clássica, quando por agressão física, verbal ou
psicológica; violência estruturalmente condicionada, quando pelas condições precárias
e sobrecarga de trabalho; repressão estruturalmente condicionada, quando pela
supressão do direito a segurança no e com o trabalho e alienação estruturalmente
condicionada, quando pelo impedimento da realização e valorização profissional.
Neste estudo são utilizados além dos conceitos de violência segundo Galtung
(1981), os conceitos de violência simbólica segundo Bourdieu (2007), assédio
psicológico e assédio moral segundo Vitorino (2005).
Violência de origem externa...
A Agência Européia para a segurança e a saúde no trabalho (Violence..., 2002)
mostra que a violência no trabalho engloba normalmente ofensas, ameaças ou agressões
físicas e psicológicas por parte do público externo, incluindo usuários, contra aquele
que se encontra trabalhando, constituindo assim um risco para a segurança, saúde e bem
estar dos trabalhadores.
Corroborando com a afirmação anterior, ao identificarem a violência advinda
de fatores externos ao ambiente de trabalho, os trabalhadores entrevistados
especificaram a agressão física e verbal por parte do usuário, causadas pela insatisfação
e/ou pela espera relacionadas ao atendimento e a burocracia. Os trabalhadores alegaram
95
a falta de segurança e proteção no e com o trabalho como agravantes da exposição a
esse tipo de violência, conforme demonstram as falas a seguir.
O cliente quando vem para ser atendido, ele quer ser atendido rápido.
E como a demanda é muito grande e as pessoas procuram demais a
instituição, então eles ficam revoltados! [...] Às vezes, é o sistema que
está lento. [...] a gente não tem condições de trabalhar. Não oferecem
uma segurança, um apoio para as pessoas trabalharem [...] e isso
também faz com que muitas vezes os clientes fiquem revoltados. [...]
Eu fui vítima de violência! De a pessoa querer atirar uma pedra de
paralelepípedo em mim. [...] de verbalmente dizer que eu sou ladrona,
que eu roubei [...]. E a gente leva muito nome de ladrão. (Sara)
Eu sofri uma violência muito grande [...] atendendo um segurado, a
esposa dele veio pedir uma informação, eu dei a informação. Ela tinha
até procuração dele. [...] Com dois, três dias depois ele chegou à
instituição dizendo que estava armado. [...] Disseram para eu me
esconder que tinha uma pessoa querendo me matar. eu fiquei até
assustado [...]. (Abel)
O segurado que, às vezes, te trata mal, que chama a gente de ladrão.
Como se a gente tivesse culpa de algumas coisas que acontecem. Eu
me sinto pressionada. fui vítima de violência verbal [...] do
segurado. Um dia desses aí, chegou um [...] querendo que a gente
atendesse uma pessoa que era trabalhadora rural. Só, que a pessoa não
tinha os documentos. Então, eu disse que não podia atender e ele
começou a agredir, dizer que a gente não sabia fazer nada [...] Acabou
me deixando nervosa e eu não consegui fazer mais nada. E também de
a pessoa chegar e a gente dar entrada no Benefício e não ter direito,
eles dizem que para os ladrões têm, como aqui no INSS tem um monte
de ladrão. Quer dizer chamando a gente de ladrão. (Noemi)
Eu vejo mais essa questão da violência externa. De chegar segurado
aqui insatisfeito, e querer descontar toda a raiva que ele tem [...] em
quem está na linha de frente, quem está atendendo. E algumas vezes
houve, não comigo, agressões verbais e, por muito pouco, não teve
agressão física. Eu considero o que aconteceu comigo que eu tive que
ser hospitalizado, uma forma de violência. Foram, acho que três vezes
que eu me lembre, eu tive que sair daqui direto para procurar um
atendimento médico. Teve uma que foi a mais grave de todas [...]. Eu
fui provocado o tempo todo, o cara me chamou para brigar, para sair
na tapa com ele. E eu fiquei aqui passando mal. (Jacó)
A violência eu acho que é em relação ao segurado, que, às vezes é
agressivo e o funcionário não tem meio de se proteger. Às vezes,
chega até quase a agressão física mesmo [...]. E a gente não tem
proteção! (Maria)
E o mais perigoso, quem ameaça mais a gente, não é nem o segurado,
é o atravessador às vezes. (Gideão)
96
Galtung (1981) classifica este tipo de violência como clássica, ou seja,
revelada nas agressões físicas, verbais ou psicológicas de colegas ou usuários, a qual
pode causar danos ao trabalhador por ser barreira à satisfação de suas necessidades
materiais e não materiais.
Abordando essa forma de violência, Lancman et al (2007), ao estudar
exposição à violência no trabalho de agentes do setor público, verificaram que esses
trabalhadores estão mais vulneráveis a agressões físicas e morais por parte da clientela.
Dentre as causas apontadas para esse tipo de violência, encontra-se especialmente o
contato direto com o usuário sem nenhuma proteção. Também se mencionou que as
irregularidades praticadas por terceiros, a omissão da empresa quanto aos fatores de
proteção do trabalhador, falta de procedimento padrão, defesa jurídica e atendimento
especializado quando são vitimados, propicia essa violência. Como agravante
constatou-se também o receio que esses trabalhadores têm de vir a ser alvo de novas
agressões.
Esses autores definem, ainda, que a potência traumática dessa violência, a
impotência dos trabalhadores diante delas e o sofrimento que elas provocam, trazem
danos físicos e psíquicos aos trabalhadores. No entanto, chama-se a atenção para o fato
de que a agressão verbal pode evoluir para uma agressão física ou ter a mesma intenção
desta, ou seja, contestar os projetos do outro, atingí-lo, matá-lo de forma simbólica.
Dessa maneira, os efeitos psíquicos que ela causa, podem estar associados ao medo, e à
ameaça da agressão, ainda que não se concretize fisicamente.
Nesse sentido, importa observar a violência simbólica, violência suave,
insensível, invisível a suas próprias vítimas, exercida basicamente pelos canais
meramente simbólicos da comunicação e do conhecimento, ou melhor, do
desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento
(BOURDIEU, 2007).
Ao fazer-se uma relação entre as experiências relatadas pelos trabalhadores e
as teorizações analisadas, pode-se compreender que a agressão física e verbal pode
atingir visivelmente a saúde física e psíquica dos trabalhadores. E o que é mais
inquietante, que a instituição que esses trabalhadores representam, para a qual deveria
teoricamente ser destinada essa violência, é apontada como facilitadora dessa violência
e omissa na prevenção e cuidados relacionados às suas vítimas, aos seus trabalhadores.
Outro fato preocupante e digno de nota é a questão da falta de seriedade que se
tem pelas agressões verbais, por não causarem danos aparentes as suas vítimas. No
97
entanto, percebeu-se nessa pesquisa que essas agressões ao serem relatadas, denotam
uma carga de danos morais que provocam humilhação e sofrimento aos trabalhadores
entrevistados, o que conseqüentemente prejudica a saúde deles. A essa realidade, de
se enfatizar o risco maior de naturalização dessa forma de violência, o que pode
acontecer por parte da instituição, do trabalhador, do cliente e até da sociedade. E ainda,
por não acarretar, na maioria das vezes, prejuízos aos interesses da instituição e sim ao
trabalhador, passa despercebida.
Os trabalhadores entrevistados também relataram como causa de agressão por
parte do usuário que estes
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embora em busca do seu direito, não têm um bom trato
com o trabalhador agiram dessa forma, muitas vezes, devido a sua condição social e
intelectual e ainda por motivos de doença, ou questões burocráticas que dificultam o
atendimento. E ainda aqueles que, mesmo sem estarem assegurados pelo direito, ao
verem seus pedidos serem negados, desacatam o trabalhador público no exercício de sua
função.
[...] na divulgação de resultados [...] dá muito indeferimento, isso gera
aquela insatisfação, e aí nessa insatisfação a gente que está ali na linha
de frente, é quem escuta todo xingamento, todo desapontamento, e a
decepção das pessoas. (Abraão)
[...] se você, às vezes, não consegue resolver um problema para um
segurado, a pessoa não vem saber por que você não conseguiu. Ela
vem, talvez por estar também estressada, agredindo você, sendo
grosseiro com você. Como se você fosse nada. Então isso acontece
quase todos os dias. Por isso, hoje, eu estou me dando o direito de me
reservar, ficando em um cantinho, quietinha, até por certo medo de
sofrer essa agressão. (Ana)
Também acontece de pessoas doentes, eles vêm tão doentes, tão
perturbados, que eles nos agridem mesmo! Agride com palavras e
tudo. (Ester)
E com relação ao segurado, já observei, também, muita violência. [...]
problema de segurado com pagamento, que chega querendo quebrar,
jogar coisa [...]. Se tiver muita gente, muita espera, o pessoal fica
naquela ansiedade para ser atendido e começa a ficar exaltado. [...]. Eu
já fui vítima de violência externa no meu trabalho [...]. Já sofri ameaça
[...]. Violência mesmo, o pessoal ameaçando matar. [o segurado] Não
teve direito ao Benefício, gerou a discussão e a pessoa prometeu voltar
para se vingar. (Moisés)
A gente trabalha o tempo inteiro com essa violência. [...] uma clientela
de pessoas muito carentes, e também, com uma clientela que quer de
todo jeito, claro não é todo mundo, um Benefício. Então isso, às
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vezes, a gente está atendendo, tentando dar o melhor, e eles vêm
super-armados [...] aquela agressão verbal [...]. Comigo aconteceu
de não ter uma informação de um segurado [...] ele fazia um trabalho
aqui de intermediário [...] e esse homem começou a me perseguir. Eu
vinha trabalhar com medo, porque um homem que não era um
delicado era um homem grosseiro, e assim, eu passei por uma situação
muito chata nessa época. (Marta)
Nas circunstâncias abordadas nessas falas, faculta-se fazer uma associação com
as raízes psicossociais da violência abordadas por Boff (2000), que atribui ao desejo de
compensação enquanto fator psicossocial originador de violência. Nesse sentido, ao
serem tratados de forma injusta e desigual pela classe dominante, os dominados,
inspirados naqueles, usam a violência como uma forma de defesa, de garantia da
sobrevivência e de cobrança do que lhes foi tirado. E ainda, segundo a psicanálise,
como uma resposta do inconsciente, em busca de compensação e ade vingança pela
moléstia a qual foram vitimados.
Dessa forma, mais uma vez os trabalhadores do setor público, ainda que, por
vezes, incluídos na classe dos dominados, por intermediarem o campo público diante
dos interesses individuais e coletivos do usuário, sofrem o impacto dessa violência.
Pode-se ainda identificar uma segunda e terceira formas de violência de origem
externa referidas por dois dos entrevistados: o sofrimento psíquico causado pelo contato
com pessoas doentes e carentes sem muitas vezes ter condição de atendê-las e a
desvalorização do trabalhador quando pela falta de credibilidade a estes atribuída pela
mídia.
Olha, a violência no trabalho, eu acho que a gente sofre,
principalmente psíquico, porque a gente tanta coisa assim, tanta
necessidade, o pessoal tão carente. [...] Porque a Previdência, ela
também é social e se depara com muita coisa que a gente não pode,
não tem condição. (Ester)
Para entender essa fala à luz da teorização, remete-se à explicação de Dejours
(2000) a respeito da percepção do sofrimento infligido a terceiros, o qual implica uma
participação do sujeito que percebe no sofrer, no padecer, com a conotação sentir,
experimentar, situações que geram dor. Para ele, perceber o sofrimento do outro
provoca uma experiência sensível e uma emoção, ou seja, um processo afetivo.
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Portanto, diante da narrativa do trabalhador entrevistado e em consonância com
a argumentação de Dejours (2000), pode-se compreender que diante da sensibilidade do
trabalhador que percebe o sofrimento de outrem, é possível a presença de um
sentimento de impotência gerando desencanto, desilusão, desesperança no sentido do
trabalho e amargura, que pode se constituir como uma violência à saúde psíquica deste.
Esses sentimentos em relação ao outro, a alteridade, de alguma maneira tem
uma raiz no sentimento de identificação dos trabalhadores entrevistados, quanto a sua
própria situação vivenciada. Isso fica claro quando esses trabalhadores queixam-se de
situações que para eles, significam sofrimento por injustiça.
Nós previdenciários temos uma forma de violência, que é bem
plausível e que a gente todo dia, que é a da mídia. Essa é muito
cruel! Nunca é mostrado o sacrifício do servidor, nunca é mostrada a
falta de condição de trabalho, a falta de um salário realmente
compatível. (Sansão)
Pode-se estabelecer uma relação da fala acima com as referências dos seguintes
autores, Galtung (1981), Dejours (2000) e Lancman et al (2007), no que se refere à falta
de reconhecimento e desvalorização do trabalhador enquanto forma de violência
praticada a este.
Na classificação de Galtung (1981) a alienação estruturalmente condicionada
é a forma de violência estrutural capaz de impedir a auto-realização no trabalho e sua
valorização junto aos usuários e a sociedade. Dessa forma, ressalta-se a marginalização
do trabalhador.
Do ponto de vista do reconhecimento no e com o trabalho, Dejours (2000)
descreve que os que trabalham, na maioria das vezes, esforçam-se para fazer o melhor,
usando sua energia, paixão e investimento pessoal, pelo que esperam o reconhecimento
justo. Quando seu trabalho passa despercebido ou é negado, acarreta um sofrimento que
prejudica à sua saúde mental, por desestabilizar o referencial em que se apóia a sua
identidade.
Nesse sentido, dentre as relações de instabilidades e precariedades a que os
profissionais do serviço público estão expostos, como forma de violência no seu
trabalho, Lancman et al (2007) tratam da deterioração da imagem do trabalhador e sua
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responsabilização pelas deficiências dos serviços e crises existentes nas instituições
públicas.
Desse modo, detecta-se que o trabalhador sofre violência advinda de fatores
externos ao seu trabalho quando pela agressão física e verbal infligidas a estes, quando
pelo contato e sensibilização com a dor alheia, quando pela sensação de julgamento
injusto em relação à credibilidade que lhe é atribuída. A partir de então, passa-se a
analisar a violência oriunda de fatores internos ao ambiente de trabalho.
Violência de origem interna...
Ao introduzir a análise da violência relacionada às causas originadas
internamente pelo ambiente de trabalho, passa-se a revelar nas narrativas dos
trabalhadores entrevistados a primeira das formas de violência apontadas por estes
trabalhadores, o assédio moral por parte de colegas e superiores. Segundo as falas
desses trabalhadores, esse tipo de violência está caracteriza pelas seguintes causas:
acusações de dolo e fraude levando o trabalhador a responder administrativamente e
muitas vezes criminalmente , inclusive com punição e advertência; imposição de
poder, perseguição, maus tratos contra o trabalhador, e negação do direito de defesa do
trabalhador, por parte da instituição.
Em consonância com as especificações referidas pelos trabalhadores
entrevistados e ao observar suas narrativas em resposta ao questionamento sobre a
violência interna no trabalho, vale ressaltar as considerações a respeito do assédio moral
relatadas por Vitorino (2005), ao estudar o sofrimento moral. Para ele, assédio moral é a
exposição repetida e prolongada dos trabalhadores a situações de humilhação e
constrangimento no seu ambiente de trabalho e no exercício de suas atividades,
presentes nas relações autoritárias e desiguais, através de condutas desumanas e aéticas,
comprometendo as relações de trabalho.
Nas falas a seguir, pode-se perceber as causas referidas pelos trabalhadores ao
se reportarem às acusações de dolo e fraude que os levam a responder processos
administrativamente e muitas vezes criminalmente, inclusive com punição, advertência
e negação dos seus direitos de defesa.
101
Eu acho que a violência vem também junto com assédio moral. E a
instituição trabalha muito com isso, e ninguém tem nem como
questionar algumas coisas [...] jogam um processo correndo todas as
instâncias, como vai para a procuradoria, então eles mesmos lá nem
ligam para o funcionário. [...] eles fazem uma violência interna com a
gente, que a gente não tem nem palavras, nem como medir essa
violência que eles fazem com a gente. (Abel)
Violência para mim considero o fato de um dia quando respondi um
processo administrativo disciplinar injustamente. [...] eu tenho dado
tudo! Eu trabalho aqui com alma e corpo, com tudo! [...] O INSS não
te às condições de fazer uma defesa de uma forma correta. As
pessoas que vão julgar você, às vezes, não entendem daquela coisa ali.
E a pessoa nunca mais passa a ser visto como anteriormente. A partir
daí as pessoas acham que porque você respondeu um processo
administrativo, é porque fez alguma coisa errada. [...] Então isso eu
acho grave e essa coisa eu não vou esquecer. (Isaque)
Eu fui vítima de um tipo de violência no ambiente de trabalho, que
foi o caso de eu ter sido acusada do que eu não fiz, do que eu não
cometi, e daí, até eu provar que eu não tive culpa, eu passei por sérios
problemas. Senti-me ruim, péssima! Pensei até de abandonar o
trabalho [...] me senti muito violentada, me senti a última das
criaturas. Sofri muito com isso! [...] Então, mais de uma vez eu
compareci ao Ministério Público. [...] uma das vezes, um delegado
achou que eu tinha culpa e eu fui responder um processo na Justiça
Federal. (Ester)
[...] Também é uma violência quando a auditoria pega os processos, e
depois, não chama nem a gente para saber por que foi feito daquele
jeito. [...] teve o caso do processo que me chamaram na Polícia
Federal e depois disso aí, eu sofri tanto! [...] Depois de quatro anos eu
gastei mais de 2.000 reais com advogado, naquele tempo [...] Isso foi
uma forma de violência grande que eu sofri no trabalho. Foi a maior!
[...] depois, mandaram um documento quase como que fosse eles me
pedindo desculpa. [...] E por que demoraram quatro anos? Porque tive
que constituir advogado para me defender de uma coisa que eles
podiam ter visto logo? (Raquel)
[...] Porque era a instituição que estava me acusando de prática de
irregularidade e eu sabia que eu não tinha praticado. Eu fui vítima de
uma dessas pessoas que querem se dar bem com os benefícios do
INSS [...] E o INSS alega que eu cometi um erro que eu não cometi,
até hoje. fui suspensa, chegou ao ponto de eu até pagar uma
penalidade de suspensão de cinco dias [...] eu não tinha a menor
condição de identificar a fraude [...] ele [o segurado] mascarou os
documentos dele, e trouxe os documentos todos autenticados em
cartório [...] Isso é agressivo com todo mundo. Isso é uma violência.
(Marta)
Vale ressaltar aqui a importância de se estabelecer um paralelo entre a
violência mencionada e a classificação de Galtung (1981) quanto ao que ele
102
denomina de repressão estruturalmente condicionada, apontada pela negação do direito
de segurança ao trabalhador em seu ambiente de trabalho e no exercício de suas
atividades.
Percebe-se, ainda, nos trabalhadores entrevistados, um sentimento de
menosprezo, de humilhação, de impotência e de indignação provocados pelas injustiças
que a instituição pratica contra eles e um sentimento de vergonha, de perda da
idoneidade diante dos colegas. Para esses trabalhadores, essa é a pior das violências e a
que gera mais sofrimento.
Observam-se, nas falas seguintes, outras causas apontadas pelos trabalhadores
entrevistados, como violência interna por assédio moral, tais como: supressão dos
direitos, imposição de poder e perseguição contra o trabalhador por parte das chefias e
maus tratos por parte dos colegas de trabalho.
Foi uma violência muito grande em termo de eu querer terminar o
nível superior com bolsa de estudo, e dizerem que eu não podia me
inscrever porque eu respondia processo, eu acho que isso foi uma
violência maior do que aquele homem que queria me matar. (Abel)
A essa categoria de causas pode-se fazer uma relação com a alienação
estruturalmente condicionada, explicada por Galtung (1981) como sendo a privação das
necessidades superiores, que no trabalho é direcionada ao bloqueio enfrentado pelos
trabalhadores de se realizarem profissionalmente e de serem valorizados socialmente.
[...] não conseguir entender alguma coisa e, passar o que eu passei é
uma violência [...] eu não conseguir aprender e a pessoa falar que eu
tenho que aprender e não procurar saber o motivo por que você não
está aprendendo. [...] Eu estava me sentindo muito cansada, sem
capacidade de continuar [...] e fui obrigada a continuar [...]. (Ana)
Eu Já fui vítima de violência [...] Eu trabalhei em uma agência [...] O
chefe da APS era uma pessoa que não era honesto por completo [...] E
ele quis que eu desse a minha senha a ele. Ele queria que eu [...]
fizesse o que ele mandava [...] simplesmente esse chefe da APS me
boicotou o que pôde. (Rute)
Eu já vi um lance de colega nosso com uma amiga [...] aí eu achei que
ele foi violento com ela, mas eu defendi. Ele era de outro posto e veio
aqui discutir com uma colega [...] E essa pessoa agora me tirou do
PREVMÓVEL, [...] porque ele guardou daquele tempo que eu falei,
103
eu discuti com ele, aí quando ele assumiu o PREVMÓVEL me tirou, e
eu acho que foi isso, certeza. (Gideão)
Porque hoje você pensa que agressividade, é alguém te dar uma tapa
na cara [...] eu sofri agressão de um colega [...] a pessoa me tratou
rispidamente. [...] De eu ter que ir para copa e chorar, chorar, chorar
muito! A vontade que eu tinha era de nunca mais voltar aqui. Se eu
pudesse, me aposentaria hoje. Porque eu venho trabalhar sem vontade
alguma, sem ânimo algum, sem estímulo algum. (Ana)
[...] em relação à violência interna, também tem a falta de ética dos
colegas [...] outro dia uma colega que chegou, aqui mesmo na agência,
na frente do segurado e perguntou: Porque você prejudicou o
segurado? Não fez assim? (Raquel)
Às vezes eu noto violência em questão ao assédio moral,
indiretamente, uma colega dizer uma piada. [...] e eu vejo que a pessoa
fica criticando outro colega. [...] Fica dizendo aquelas piadas, que eu
acho que em parte, não deixa de ser uma violência. Acontece direto
isso aqui no nosso ambiente de trabalho. (Moisés)
É possível identificar as causas referidas nas falas acima com a violência
clássica, conceituada como uma forma de violência que se revela pelas agressões
físicas, verbais ou psicológicas de colegas ou usuários (GALTUNG, 1981).
A segunda forma de violência apresentada pelos trabalhadores entrevistados
como sendo originada por fatores internos ao ambiente de trabalho foi o assédio
psicológico. Para esse tipo de violência, os trabalhadores enumeraram as seguintes
causas: pressão por um atendimento cronometrado com exigência de quantidade e
qualidade, cobrança de produtividade e imposição de tarefas.
Quanto ao assédio psicológico, constitui o conjunto de ações agressivas
práticas, expressas ou manifestadas por uma ou mais pessoas até alcançarem a vítima,
intimidando-a, diminuindo-a, amedrontando-a e, por fim, eliminando-a da organização
do trabalho (VITORINO, 2005).
A violência que está mais pontuada hoje é [...] quando você é exigido
a cumprir a sua atividade em um determinado tempo em busca de uma
qualidade entre aspas. [...] você faz as coisas sem aprimorar [...] em
detrimento de um tempo. você está sofrendo uma agressão moral
muito grande, você trabalha sobre uma tensão muito grande [...]
Porque não servidor suficiente para atender a demanda. Então, o
governo exige, espreme a laranja até não poder mais, quando fica
um baguaço o servidor é largado [...] todos nós estamos sofrendo
isso, independente da idade. Pode ser um funcionário novato ela
sente, já entra aqui no INSS esperando um próximo concurso para
104
sair, porque a pressão é muito grande. [...] E essa violência passa
muitas vezes despercebida, quando a gente conta a saúde foi, e
culpar a quem? (Noé)
A pressão para você atender aquele segurado em tanto tempo, a
pressão para você ser perfeito e não poder errar. [...] Acredito que seja
uma grande violência. (Enoque)
Agora uma coisa também que eu acho que pesa muito é essa questão
de você ter esse horário limitado, que você chama a pessoa pelo
painel, você tem digamos 30, 40 minutos para atender uma
aposentadoria. [...] Não é possível! [...] Para fazer o trabalho bem
feito, você tem que ter tempo suficiente e ter segurança naquilo que
está fazendo. (Abraão)
Outra seria a cobrança pura e simples, porque sempre houve muita
cobrança! [...] E é cobrado de forma cruel, seca. As determinações são
de cima para baixo e nossa resposta nunca chega lá em cima, e quando
não damos resultado, uma nova cobrança vem, realmente, de forma
indubitável. (Sansão)
[...] ser pressionada pelo chefe para atender mais, porque ela quer que
a gente atenda o máximo que puder! [...] Eu me sinto pressionada.
(Noemi)
E, às vezes, também no setor de trabalho, tem chefia [...] que exige de
você aquilo que você não pode dar mais. É como eu disse: quer ver a
quantidade, não a qualidade. (José)
A violência [...] não é aquela que você foi agredido com pancada.
Mas a violência que marca você, que está dentro de você, marca
dentro de você. É das piores que tem. Aquelas que vêm devagarzinho,
e que atinge lá dentro de você, que ninguém nota aquela violência que
você está sentindo ou está recebendo. (Abel)
Percebe-se uma semelhança entre as causas apontadas nesse tipo de violência
observada no discurso dos trabalhadores entrevistados, com as causas referidas por
Galtung (1981) ao descrever a violência estruturalmente condicionada. Esse autor
revela que esse tipo de violência é causado pela privação das necessidades básicas, que
se reproduz pelas condições precárias de trabalho e pela sobrecarga física e mental
especialmente quando da quantidade insuficiente de trabalhadores. Esse aspecto é
sempre assinalado nas falas dos trabalhadores quando se trata do acúmulo de trabalho,
das filas de atendimento e da pressão que sofrem para conseguir atender a toda a
clientela.
Compreende-se, ainda, que esse tipo de violência reproduz a violência
simbólica que, segundo Bourdieu (2007), é doce e quase sempre invisível. Ele mostra
105
que a força simbólica é uma forma de poder exercida sobre os corpos, diretamente,
como uma mágica, sem repressão física, que se torna possível com o apoio de um
trabalho prévio necessário para operar uma transformação duradoura dos corpos e
produzir as disposições permanentes que ela desencadeia e desperta. E e ainda uma ação
transformadora mais poderosa por se exercer, nos aspectos mais essenciais, de maneira
invisível e insidiosa, através da insensível familiarização com um mundo físico
simbolicamente estruturado e da experiência precoce e prolongada de interações
permeadas pelas estruturas de dominação.
Nesse sentido, é possível inferir que os trabalhadores ao estarem sendo
submetidos a uma jornada de trabalho intensa física e mentalmente, por uma imposição
institucional, sentem-se pressionados física e psicologicamente a aturem de forma
eficiente e eficaz. Percebe-se, ainda, que esse tipo de pressão, sutilmente, vai domando
o corpo e a mente do trabalhador, ao passo que acaba se tornando uma forma natural de
trabalho apontada como a forma correta. Assim se configura a dominação da classe
trabalhadora pela dominação da força institucional. E o que é mais grave, aquele que
não se enquadra nessa condição, constitui-se o trabalhador-problema para a instituição.
Um terceiro tipo de violência de origem interna no ambiente de trabalho
referida pelos trabalhadores desta pesquisa foi classificado como violência estrutural
ocupacional e está relacionada à (des)organização do trabalho. Como causas para esse
tipo de violência foram apontadas a falta de organização e divisão do trabalho; a
precariedade das condições de trabalho; a falta de segurança profissional e o
desinteresse no atendimento da valorização do trabalhador.
A violência que eu vejo dentro do meu ambiente de trabalho é
justamente a imposição para uns e para outros não. Digamos que você
mostre um pouco de competência, então tudo vem para você executar,
aquele colega que não está nem aí, a chefe [...] deixa para [...]
aqui não existe a organização, uma divisão igual. (Rute)
Agora eu acho que uma forma de violência muito clara é o excesso de
trabalho. Isso aí é uma violência que aparentemente pode não chocar a
princípio, mas aquilo ali, aquele acúmulo, ele vai tirando a gente do
rio. Porque a gente fica em casa imaginando, tem que tirar isso, tem
que fazer aquilo. [...] Então, eu me vi, em muitas ocasiões assim,
dando o meu expediente além do normal para ver se tirava aquele
excesso de trabalho [...]. (Abraão)
[...] a questão de você ter que tirar uma quantidade grande de
processos quando às vezes você não tem nem tempo durante o seu
106
período normal, devido ao atendimento ao público. Isso daí também, a
gente fica muito pouco a vontade quando tem muita coisa para fazer.
[...] Agora fica a cobrança: olha aquele processo, quando é que você
vai tirar? (Abraão)
E a violência que eu sinto é o estresse de não poder atender a tudo e a
todos da forma que seria mesmo necessário. [...] muitas vezes eu me
sinto assim, tão atordoada, com tanta coisa, com tanta gente, que é um
estresse que a gente passa. (Ester)
Nesses relatos, os informantes demonstram a falta de organização e divisão do
trabalho e a precariedade das condições de trabalho como causa de violência, em
consonância com a categoria de violência estruturalmente condicionada, manifestada
nas condições precárias de trabalho e na insuficiência de trabalhadores, levando a uma
imposição de sobrecarga física e mental (GALTUNG, 1981).
[...] a gente trabalha aqui no INSS, com um no INSS e outro na
Polícia Federal. Isso é assim, um temor constante que a gente tem! [...]
a legislação muito complicada, muito detalhista, muda muito, e
qualquer deslize da gente [...] fica aqui como que sem defesa. [...] E eu
me senti, assim, muito desamparada. (Marta)
A esse respeito, acrescenta-se a falta de segurança profissional enquanto causa
de violência, traça-se a comparação com a repressão estruturalmente condicionada,
também chamada por Galtung (1981) de intolerância repressiva, por negar ao
trabalhador o direito de atuar de forma segura e em um ambiente seguro.
[...] a violência que eu vejo é a não observância por parte das chefias
das qualidades e competência de cada servidor. (Isaque)
Nesse relato, o trabalhador indica como causa de violência interna na
organização do trabalho, o desinteresse no atendimento de sua valorização. Nesse
sentido, Galtung (1981) aponta para a alienação estruturalmente condicionada ou
tolerância repressiva, que manifesta as privações das necessidades superiores e do
prazer de usufruir de uma realização e valorização profissional por parte dos
trabalhadores.
107
Nos três tipos de violência estrutural analisadas por Galtung (1981), quais
sejam: a) Violência estruturalmente condicionada; b) Repressão estruturalmente
condicionada e c) Alienação estruturalmente condicionada se evidencia a exploração, a
divisão vertical do trabalho, a fragmentação e a marginalização do trabalhador.
Por fim, entende-se que um trabalho que não oferece condições ambientais,
estruturais e organizacionais seguras e apropriadas à capacidade física e mental do
trabalhador, pode ser um agente de violência contra este e conseqüentemente um
transtorno à sua vida profissional, pessoal e à saúde. Assim sendo, caminha-se para a
descoberta dessas conseqüências a partir da análise proferida na próxima parte.
De acordo com a análise feita nessa categoria, construiu-se um diagrama
(figura 3, p. 121), em que foram dispostos os tipos e as categorias empíricas,
relacionando-as às vias operatórias da violência no contexto do trabalho investigado
nesta pesquisa, e ainda ao referencial teórico dos autores Bourdieu (2007), Galtung
(1981), e Vitorino (2005).
Conseqüências na vida e na saúde...
Toda violência causa efeitos às vezes passageiros, porém, muitas vezes deixa
seqüelas irreversíveis na vida do ser humano. Segundo a OMS (2002), em sua maioria,
as ações de violência praticadas não são mortais, no entanto, trazem conseqüências tais
como: lesões, transtornos mentais e reprodutivos, doenças sexualmente transmissíveis,
doenças metabólicas, endócrinas e degenerativas, entre outras.
Ao estudar a relação entre saúde, violência e trabalho, Barreto (2003) constata
a existência de uma forma de violência não mensurável e sutil que se consolida por
meio de intimidações, menosprezo, ironias e humilhação do transgressor perante todos,
buscando a imposição de ordens e o controle. Assim como a violência e o assédio moral
constituem-se em um vírus traiçoeiro que destrói o corpo e gera sofrimento ao
trabalhador.
Nesse contexto, questionou-se aos trabalhadores entrevistados sobre as
conseqüências trazidas à sua vida e saúde, advindas das diferentes formas de violência
por eles experimentadas em seu trabalho. Dessa forma, eles explicitaram conseqüências
108
de ordem profissional, social, econômica e moral, além de transtornos relacionados à
saúde física, biológica, mental e emocional.
A primeira classe de conseqüências, que provocaram danos à vida profissional,
social, econômica e moral desses trabalhadores, segundo eles, se deve ao fato de terem
respondido processo administrativo e judicial, acusados de erro doloso ou culposo
contra a instituição. Eles alegam ter passado por dificuldades diversas em virtude de
terem enfrentado essa situação, apontada anteriormente por eles como uma forma de
violência.
Segundo os trabalhadores, essas dificuldades compreendem: problemas de
ordem financeira por terem que custear honorários advocatícios para constituir suas
defesas; pressão psicológica por aguardar julgamento do processo; danos morais, por
serem acusados injustamente de terem cometido uma fraude contra a previdência,
inclusive repercutindo sobre a sua integridade diante dos colegas; danos pessoais
quando suprimidos os direito de deslocamento para outro setor e de gozar as férias,
além do prejuízo às relações pessoais e familiares e sentimento de insegurança,
desmotivação e medo em relação ao seu trabalho. As falas abaixo identificam esses
problemas:
Essa violência trouxe muito prejuízo para minha vida [...] porque eu
fiquei um ano sob a pressão desse processo [...] Isso aí, eu vi na
ditadura militar. Pode ler naquele livro que fala das torturas da época
da ditadura militar se não era desse jeito. E o que eu sofri foi tortura
psicológica, durante um ano e um mês. [...] não pude tirar minhas
férias. Se eu fosse viajar eu tinha que comunicar a auditoria, ou a
corregedoria, era tipo uma prisão domiciliar que eu estava [...] Era
um pesadelo! [...] Sei que foi esse tempo todinho nessa tortura, que eu
chamava a tortura mental. (Marta)
[...] ficava pensando: meu DEUS seque eu vou cair na auditoria,
quando é que será eu vou voltar na Polícia Federal, aí fica naquilo. [...]
diante dessas pressões que eu sentia que eu sofria [...] isso refletia em
casa, no meu dia-a-dia, [...] E eu senti que isso aí mexeu muito comigo
[...]. (Enoque)
Eu acho que não vai ser nunca mais como era antigamente. Isso influi
na vida pessoal. [...] Por exemplo, se eu tiver que pedir transferência
para outro órgão [...] eles ficam sem querer mandar você, porque você
respondeu um processo administrativo. Você fica como se estivesse
em observação para o resto da vida. (Isaque)
Por conta do processo administrativo, fiquei com minhas senhas
bloqueadas. [...] cumpri a penalidade e voltei a trabalhar, crente que
109
estava ótima. [...] Depois que eu vi assim as coisas do processo eu
fiquei muito ruim. [...] sabe quando você vai entrando num buraco? E
cada dia eu me sentindo mal. Quando eu ficava em casa me arrumava
para vir para o trabalho, quando ia saindo começava a chorar, achando
que eu ia morrer antes de eu chegar aqui. [...] tudo em função do meu
trabalho. [...] isso aqui é o meu palco. [...] E de repente uma coisa
dessas que não foi só um assovio, lhe arrancou do palco e lhe jogou lá
na lama. [...] Porque assim eu sempre fico aqui nesse trabalho, meus
colegas todos vêm tirar dúvida comigo [...] E daí, eu achava que eu
tinha perdido isso, entendeu? Essa coisa da integridade. [...] foi um
sofrimento tão grande, diante dos seus colegas. [...] E você
trabalhando ali com medo, porque tudo que eu vou fazer agora eu fico
pensando nisso. [...] mas esse medo [...] eu vou conseguir superar se
Deus quiser. (Marta)
Diante desses relatos, é possível compreender a argumentação de Barreto
(2003) ao assegurar que a densidade e a intensidade provenientes dos modos de
produção e gestão do capital e dos modos de viver em sociedade evocam circunstâncias
de conflitos de classe e interpessoais, que revelam a desapropriação da vida e da saúde
dos trabalhadores precoce e suavemente.
Em seu estudo Violência, trabalho e saúde, uma jornada de humilhações,
Barreto (2003) revela que a freqüência e periodicidade das repreensões, cobranças,
ameaças, intimidações, constrangimentos e humilhações na relação dos subordinados
com os seus superiores, transforma o ambiente de trabalho em um lócus de desprazer,
tristeza, sofrimento e desconfiança entre os pares. Por vezes, essas humilhações sofridas
no ambiente de trabalho, reproduzem-se e permitem que esses conflitos transbordem nas
relações familiares e sociais.
Nesse sentido, vale lembrar as considerações de Vitorino (2005) a respeito do
assédio psicológico e moral, analisados na categoria anterior desse estudo. O assédio
psicológico no trabalho tem por objetivo intimidar, diminuir, reduzir, nivelar,
amedrontar e consumir a vítima, emocional e intelectualmente com a finalidade de
excluí-la da organização. Portanto, além de produzir alterações emocionais e de
personalidade, afeta também na qualidade e eficácia do trabalho, que se estendem à
esfera das relações sociais familiares.
Por assédio Moral entende-se a humilhação repetitiva e duradoura que interfere
na vida do trabalhador, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e
sociais, que além de provocar danos à saúde podem evoluir para a incapacidade
laborativa, e ainda a morte (VITORINO, 2005).
110
Neste sentido, Barreto (2003) afirma que ser alvo de ironias entre os amigos
dói mais que o próprio castigo e se constitui em um ato devastador e deprimente, e
somente auto-reafirma o sentimento de fracasso. Nenhum trabalhador quer ser alvo de
falação. Um processo de humilhação e difamação representa a dor para a pessoa
humilhada, sustentando e mantendo o medo neste, configurando, portanto, um processo
calamitoso para o trabalhador e para o coletivo.
Para Dejours (1992), as condições de trabalho e processo produtivo, os ritmos e
turnos impostos, as longas jornadas de trabalho e as relações competitivas entre os pares
e os grupos, demonstram o sofrimento do trabalhador. Tal situação pode ser atribuída ao
choque entre sua história individual, carregada de projetos, esperanças e desejos, e uma
organização de trabalho que os ignora.
Ainda a esse respeito Barreto (2003), mostra que o sentimento de humilhação é
o mesmo que inutilidade, incapacidade, inferioridade, fracasso. Esse sentimento impede
a vivência normal, impondo novos modos de organizar a vida, transformando a
existência do trabalhador e bloqueando sua capacidade de responder insensivelmente às
infidelidades do meio. Dessa forma, traz danos ao trabalhador no seu âmbito
biopsicossocial.
Comparando as considerações desses autores com as falas dos trabalhadores, é
presumível a presença de assédio moral e psicológico nas relações de trabalho,
causando o sofrimento e a humilhação. Além disso, causou um impacto e um custo
deveras desastroso à vida desses trabalhadores nas esferas pessoais, sociais, econômicas
e profissionais, sem falar na saúde, assunto que será discutido posteriormente. Dessa
forma, configura-se o estabelecimento de sentimentos de insatisfação, de medo e
insegurança presentes nas falas seguintes, que retratam com veemência estas
considerações.
Durante muito tempo todo processo que ficava na minha mão eu tinha
que ver, rever, consultar. Insegura! Sem condição! [...] Deixou-me
seqüelas [...] Insegurança [...] Depois desse episódio que eu passei
respondendo na justiça, tenho certeza que eu não sou mais a mesma
pessoa. (Ester)
Fiquei insegura em muitas coisas. Quando vou atender um rural, fico
com medo! [...] fiquei quatro anos naquela expectativa [...] gastei mais
de 2.000 reais e duraram quatro anos esse sofrimento! E foi um
sofrimento grande! Ainda hoje eu tenho pesadelo! (Raquel)
111
[...] quando eu fui obrigada a responder o processo administrativo. [...]
fiquei com trauma enorme em habilitar Benefício. (Maria)
[...] eu estou me sentindo hoje outra pessoa, devido a eu ter
respondido esses processos administrativos [...] isso daí me deixou
muito abalada que até hoje eu não estou mais no setor de habilitação,
estou em outro serviço. [...] fiquei meio desgostosa. E estou esperando
o resultado [...]. (Vasti)
[...] a vontade de não trabalhar aqui é enorme, mas a necessidade [...]
De ontem para hoje a minha tristeza foi muito grande, porque hoje eu
sabia que eu teria que entrar em uma Agência da Previdência Social,
sentar e trabalhar, sem vontade alguma, sem estímulo algum [...].
(Ana)
Pode-se iniciar a análise dessa conjuntura, referindo-se a Dejours (2000)
quando aponta as vítimas de sofrimento no trabalho. Para ele, o trabalhador sofre por
não alcançar as imposições das organizações de trabalho, incluindo as de conhecimento
de informação e de formação necessárias a sua atuação profissional. Nesse sentido, fica
comprometido o domínio do saber, gerando a insegurança e medo da incompetência,
advindos de uma organização de trabalho cujas normas e procedimentos obstaculizam o
cumprimento fidedigno das tarefas.
Portanto, o medo de ser incompetente de não estar à altura ou de não ter
capacidade de enfrentar favoravelmente as situações incomuns ou incertas no trabalho,
as quais exigem mais responsabilidade, é fonte de dúvida e causa de sofrimento ao
trabalhador. A essa situação soma-se o conflito com os valores de um trabalho bem
feito, o senso de responsabilidade e a ética profissional (DEJOURS, 2000).
Nesse sentido, faz-se necessário trazer uma definição de medo, segundo
Espinosa (1992 apud Barreto, 2003): o medo é uma tristeza inconstante, brotada
também da imagem de uma coisa duvidosa, que envolve o sentido da própria vida e a
razão de viver. Diante dessa afirmação, a autora mostra que o medo imobiliza, deixa os
trabalhadores inseguros.
Outra vertente do medo apontada por Dejours (1992) é a ignorância, seja pelo
conhecimento consciente do risco, seja pelo desconhecimento dos métodos para
prevení-lo. Neste sentido, a prevenção vem da qualificação profissional, do saberes
necessários ao fazer. “O medo, seja proveniente de ritmos de trabalho ou ritmos
originários das más condições de trabalho, destrói a saúde mental dos trabalhadores de
112
modo progressivo e inelutável, como o carvão que asfixia os pulmões do mineiro com
silicose” (DEJOURS, 1992, p. 74).
Ao fazer uma análise desta conjuntura na relação das falas dos trabalhadores
com os autores, pode-se perceber que as incertezas nas condições de trabalho geram
insegurança, medo e insatisfação no e com o trabalho, e, portanto, sofrimento que atinge
o corpo e a alma destes trabalhadores. Dessa forma, passa-se a abordar as conseqüências
trazidas à saúde dos trabalhadores desta pesquisa.
Então a maioria está doente, são pessoas com uma idade já perto de se
aposentar e sofrendo uma pressão desse tipo, e a gente tem observado
que os servidores estão adoecendo. [...] Nós temos agora dois colegas
na UTI. No ano passado morreram dois com ataque cardíaco. Sem
contar os que estão em Benefício, que estão em vias de se aposentar
agora, pouco tempo, porque não tem mais condições de trabalhar
[...] E sob pressão, você sabe que mentalmente a pessoa não consegue.
A maioria tem problema cardíaco, problema emocional, de depressão,
por conta dessa atividade que é angustiante, e a gente sabe qual é o
motivo. (Noé)
A saúde dos trabalhadores parece ter sido o principal alvo atingido pelas
diversas formas de violência advindas do seu trabalho. Diversas doenças ocupacionais
ou relacionadas ao seu trabalho, adquiridas e/ou agravadas por este, foram referidas
pelos trabalhadores, quando questionados sobre os prejuízos ocasionados à sua saúde
como conseqüência das formas de violência das quais foram vítimas em seu ambiente
de trabalho. Nesse contexto, vale ressaltar algumas considerações com relação à saúde
do trabalhador.
Os trabalhadores podem adoecer e morrer por causas relacionadas ao trabalho,
como conseqüência da profissão, ou pelas condições desfavoráveis em que seu trabalho
é realizado (BRASIL, 2001). Utilizando a classificação proposta por Schilling em 1984,
o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001) resume as doenças segundo sua relação com o
trabalho, as quais se dividem em três grupos: doenças profissionais, que tem o trabalho
como causa necessária; doenças comuns relacionadas ao trabalho, que tem o trabalho
como fator contributivo, mas não necessário; e doenças comuns que tem o trabalho
como provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida
(BRASIL, 2001).
113
Os fatores de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores existentes no
ambiente de trabalho ou relacionados a este, podem ser classificados em cinco grupos:
físicos, caracterizado pelo ruído, temperaturas extremas, radiações, vibrações, entre
outros; químicos, caracterizado pelos agentes e substâncias químicas; biológicos,
caracterizados pelas bactérias, vírus, e parasitas; ergonômicos e psicossociais,
decorrentes da organização e gestão de trabalho e mecânicos e de acidentes, ligados ao
arranjo físico, proteção das máquinas, ordem, limpeza e sinalização do ambiente, e
outros que podem levar a risco de acidente (BRASIL, 2001).
O Ministério da Saúde traça diretrizes para o estabelecimento da relação
etiológica ou nexo causal entre a doença e o trabalho, ou seja, entre a doença e uma
situação ou ambiente de trabalho. São elas: natureza da exposição, especificidade da
relação causal e a força da associação causal, tipo de relação causal com o trabalho,
grau ou intensidade da exposição, tempo de exposição, tempo de latência, registros
anteriores, e evidencias epidemiológicas (BRASIL, 2001).
E ainda classifica as doenças relacionadas ao trabalho em: doenças infecciosas
e parasitárias; neoplasias; doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos; doenças
endócrinas nutricionais e metabólicas; transtornos mentais e do comportamento;
doenças do sistema nervoso; doenças dos olhos e anexos; doenças do ouvido; doenças
do sistema circulatório; doenças do sistema respiratório; doenças do sistema digestivo;
doenças da pele e do tecido subcutâneo; doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo e doenças do sistema gênito-urinário (BRASIL, 2001).
Portanto, ao se reconhecer a instalação de uma doença apresentada por um
trabalhador enquanto ocasionada ou agravada pelo e com o seu trabalho, é necessário ter
conhecimento dessas informações introduzidas, quais sejam: classificação das doenças
segundo sua relação com o trabalho; riscos existentes ou relacionados ao trabalho,
capazes de causar doenças ou danos ao trabalhador; classificação das doenças
relacionadas ao trabalho; existência da relação doença/trabalho, ou causa/efeito, e quais
os princípios que estabelecem essa relação.
Os trabalhadores entrevistados identificaram em suas narrativas as seguintes
doenças ou disfunções: sintomas específicos de cefaléia e insônia, Lesões por Esforço
Repetitivo dentre elas a tendinite, gastrite, estomatite, diabetes, nódulos de mama,
hipertensão, cardiopatias, alteração na visão, alteração da homeostase, labirintite,
depressão, estresse, alterações das funções mentais relacionadas à emoção, aos juízos,
114
aos sonhos, ao comportamento e a atenção, transtornos de ansiedade, transtorno fóbico
ansioso, transtorno do pânico, e outros transtornos mentais não especificados.
[...] eu tive que ser hospitalizado [...] acho que três vezes que eu me
lembre eu tive que sair daqui direto para procurar um atendimento
médico. [...] E eu fiquei aqui passando mal. (Jacó)
Eu tenho uma gastrite emocional, mas que consigo controlar. [...] Mês
passado eu tive uma contrariedade muito grande aqui, por conta disso
eu tive uma hemorragia muito grande no intestino e fui parar no
hospital. (Rute)
[...] em virtude de um problema de saúde, eu tive que tomar vários
remédios. [...] tive que ser internada [...]. Custou-me o que eu não
tenho para pagar [...] tive uma hepatite medicamentosa, porque os
remédios são muito fortes. Eu tive uma estomatite que feriu da
garganta à boca, a língua, tudo, por conta dos remédios. (Ana)
Eu acho que não vai ser nunca mais como era antigamente. Isso influi
na saúde. [...] As doenças agravaram, e muito! Eu não sei nem como é
que eu estou aqui ainda! Tomo remédio controlado, sou diabético,
hipertenso [...] sistema nervoso, então isso agravou muito. (Isaque)
Eu não tinha nada até [...] quando eu respondi esse processo
administrativo. [...] sou doente de para cá. Eu tenho doença crônica
do coração, tenho arritmia cardíaca, pressão alta, [...] tomo três
comprimidos de 50 miligramas por dia. E tem dia que eu tomo 4, 5.
[...] E o problema no braço também, uma inflamação, que eu não tinha
isso. (José)
Por ficar mais que 5 horas diante de uma tela de computador. [...] no
final do expediente você está com a vista como se tivesse uma porção
de pontinhos luminosos. E eu fui uma vítima disso, porque no ano
de 2001 eu freqüentei o Hospital de olhos quase que diariamente. Eu
tive um problema no olho esquerdo muito sério, que me acarretou em
um tratamento muito delicado, onde eu tive que me afastar da empresa
e, no final das contas, culminou em duas operações que eu tive que
fazer, de catarata e de miopia, em cada olho [...]. E nessa história de
ficar totalmente absorvido na tarefa de atender bem ao público, e
esquecer-se do próprio corpo, eu contraí um problema de uma hérnia
hiatal [...] por conta de que eu não comia no horário. [...] e eu
engordei [...] vieram uma série de conseqüências que acabaram
abalando a minha saúde. Para minha diabete, engordar é grave porque
aumenta a taxa de glicose, de colesterol, e de triglicérides. E de lá para
cá eu não consegui mais conter [...]. (Abraão)
Eu nunca tinha sentido nada! Mas, desde esse tempo meus ouvidos
doem! [...] eu peguei labirintite [...] É falar que eu tenho vontade de
chorar! Não é doença, não? Fiquei doente [...] o médico disse que eu
estava com labirintite grave. Eu tive uma crise de vômito [...] ainda
vivo em tratamento, nunca parei, nunca fiquei boa. E parece que não
115
fica bom nunca! E nunca tinha tido nada. Nunca sentia nem dor de
cabeça. E foi isso! Eu só culpo esse problema [...]. (Raquel)
Dessa forma, traçando um paralelo entre esta relação ao longo da história do
trabalho, Dejours (1992) afirma que a classe operária lutava pela sobrevivência quando
da duração excessiva do trabalho; pela saúde do corpo quando das condições de
trabalho que o expunham a riscos ambientais, condições precárias de higiene, segurança
e adequação dos postos de trabalho; pela saúde mental, resultante da organização do
trabalho, no que se refere à divisão do trabalho e da tarefa, das questões de hierarquia e
comando, das relações de poder e responsabilidade, que impõe sofrimento mental a
estes.
Adquirida aqui foi bursite, tendinite e gastrite que eu não tinha.
Estresse e Insônia. (Noemi)
Para minha saúde teve conseqüência porque infelizmente eu tenho
uma tendinite que ela se desenvolveu [...] Já passei dois anos de
licença médica [...] tomo injeção, faço fisioterapia para ir convivendo.
(Rute)
Eu tenho tendinite adquirida aqui com uma LER [...] de tanto digitar
muitos anos. Quase todos os dias eu amanheço com os dedos da
mão inchada [...] fiz tratamento, já usei medicamento, mas volto a
trabalhar e digitar novamente, e isso repete. (Jacó)
E o outro seria o problema físico que foi a tendinite que começou,
realmente de forma cruel, em razão da péssima condição de
disposição dos móveis que não são ergonômicos. Muito pelo
contrário, são verdadeiras máquinas de tortura. E isso agravou de
forma, muita séria. Inclusive houve afastamento, eu tive que ir para
fisioterapia [...]. (Sansão)
[...] sou uma pessoa acometido de tendinite, eu tenho problema, passei
muito tempo trabalhando na linha de frente e para cumprir aquele
prazo, tinha que digitar muito rápido e sem uma prevenção por parte
da administração [...] Hoje eu me sinto incapacitado para fazer um
trabalho de linha de frente que tenha que trabalhar muito com os
braços. (Noé)
a LER, todo digitador tem. [...] doença agravada [...]. se foi
negócio de pressão alta [...] eu acho também que é esse negócio de
tensão. (Gideão)
116
Ao estudar a relação trabalho/saúde Berlinguer (2004) mostra que no final do
século XIX a relação de trabalho passa a envolver todos os aspectos que causam danos a
saúde do operário, com respeito ao ambiente, a materiais e produtos usados, a ritmo e
organização do trabalho. Dejours (1992) se refere a relação de trabalho regida pelo
modelo taylorizado, científico, contínuo, habitual, como forma de produzir, sob o ponto
de vista da produtividade, e que não respeita o equilíbrio do corpo humano, como sendo
incompatível com a saúde física e mental dos trabalhadores.
[...] um estresse, um cansaço mental muito grande, fora do meu limite.
Eu estava muito cansada, [...] eu sempre tive muita depressão. [...] a
depressão é uma doença que sabe quem tem, ainda mais quando
vem de um trabalho. (Ana)
Isso, até hoje eu tenho seqüela, porque eu fiquei muito nervosa, chorei
muito, passei por muitos problemas. Até chegar a conclusão, eu passei
realmente, tudo de ruim no trabalho. Passei noites sem dormir. [...]
Então, até hoje eu não tenho condições de falar muito que eu fico
emocionada. [...]. Por conta disso eu acho que agravou problema de
pressão. [...] ansiedade, tudo isso agravou mais [...] Eu fiquei muito
doente. Até depressão eu tive. Então, certeza como só me fez mal isso.
(Ester)
[...] eu me sentia ansioso [...] eu ficava explosivo, mais tenso,
vulnerável a estourar a qualquer momento, ficava como se fosse uma
granada, uma bomba chiando prestes a explodir a qualquer momento.
[...] e eu acredito que também é conseqüência, até hoje eu tenho isso
[...]. (Enoque)
[...] a gente fica nervoso porque a gente sai daqui com a cabeça desse
tamanho. [...] Acho que no INSS está [...] todo mundo doente aqui no
INSS. Está todo mundo doido aqui [...] Porque a gente está nervoso,
tem dia que eu vejo gente chorando [...]. (Gideão)
Porque eu estou com medo [...] a gente fica com medo até de
trabalhar, e doente, porque na hora que você tem medo de fazer
alguma coisa, é uma doença. Eu acho que é uma doença que é
incurável, e machuca muito a gente. (Abel)
Muito, A gente fica tensa, a gente fica com medo. [...] eu fui
discriminada! [...] Eu fui muito humilhada. Causou problema a saúde,
demais mesmo. (Sara)
Todo dia tenho dor de cabeça. E o nervosismo constante. E teve um
tempo que eu estava até com síndrome do pânico. Falava em INSS, eu
dormia e acordava pensando naquilo, até esse processo ser resolvido.
Hoje eu estou doente [...]. (José)
117
Eu tive problemas de estresse, quando eu fui obrigada a responder o
processo administrativo. [...] Realmente eu tive um estresse muito
grande [...]. (Maria)
Essa violência trouxe muito prejuízo para minha saúde. [...] estou
falando aqui normalzinha porque estou medicada. Porque eu fiquei um
ano sob a pressão desse processo. [...] Eu queria morrer [...] eu
chorava feito uma louca [...] Eu fiquei extremamente fragilizada. [...]
Quase que morro. [...]. Aí eu fiquei muito mal. [...] Cada vez que eu ia
era uma crise nervosa que eu tinha. [...] Eu vou ficando ansiosa,
tive até um pouco assim de síndrome de pânico. Ficava com medo de
ir para os cantos. [...] entrei no medicamento [...] Fui para a
casa da minha irmã, porque eu não tinha a menor condição de ficar em
casa sozinha, tinha ficado muito depressiva. [...] Estou medicada [...]
Estou fazendo terapia. (Marta)
Segundo Dejours (1992), a satisfação do trabalhador além de corresponder ao
conteúdo do trabalho, corresponde paralelamente a uma satisfação com o exercício do
corpo, no sentido físico e mental. A inadequação do conteúdo da tarefa com as
necessidades e com a personalidade do trabalhador causam danos primeiramente ao
corpo e depois ao aparelho mental.
[...] eu tive um período que quando eu entrava aqui no local de
trabalho, eu mudava completamente! Eu ficava nervoso, eu ficava
pavio curto, eu explodia, tudo me chateava [...] Fiz tratamento com
psicólogo. Tive depressão. E passei uma fase assim, muito pesada
mesmo. Chegando ao trabalho aqui eu passava mal. Quando ia atender
ao público, eu me transformava! Uma pessoa simplesmente se dirigia
para pedir uma informação aquilo, era uma coisa, eu não conseguia
me controlar! Eu me transformava completamente e às vezes tapava,
assim não conseguia, tremia, não conseguia raciocinar [...]. (Jacó)
[...] eu estava entrando em um processo depressivo porque eu não
conseguia me realizar mais. Isso seria um problema psicológico, para
mim estava ficando complicado, estava ficando grave, e muito
decepcionado com o trabalho. (Sansão)
Dessa forma, o sofrimento inicia-se pela certeza de que esse nível de
insatisfação não pode diminuir quando o trabalhador usou o máximo de suas
capacidades intelectuais, psicoafetivas, cognitivas e de adaptação, quando a relação
homem-organização do trabalho está bloqueada e se esgotaram todos os seus meios de
defesa contra as exigências físicas e mentais (DEJOURS, 1992).
118
Eu tive aborto, por causa disso. Eu nunca disse a ninguém. Passei
muita coisa. Eu tenho problema de mama, eu tive nódulo. Mas, às
vezes, também, é problema por causa de estresse e já tirei vários [...] E
a última, por sinal, eu fiquei em uma depressão muito grande, porque
disseram que iam tirar a minha mama [...]. (Sara)
[...] de tanta pressão que eu recebi, hoje quando vou para a linha de
frente, entro em pânico, fico muito tenso, não consigo raciocinar
direito. [...] eu era um paciente em potencial para adquirir uma
síndrome de pânico [...]. Eu tenho uma hipertensão que foi
caracterizada pelo médico que é emocional. Já por causa dessa tensão
que a gente recebe na linha de frente, no atendimento ao público
direto. [...] até hoje tomo a medicação para hipertensão por conta disso
aí. [...] fruto dessa ação sobre-humana que a gente é colocado a
trabalhar. (Noé)
Segundo Dejours (1992), não pode haver a divisão corpo/mente, porque o
aparelho mental não é um compartimento dissociado do organismo. De modo que a
violência da organização do trabalho pode, mesmo na ausência de nocividade no
ambiente de trabalho, produzir doenças somáticas e não apenas psíquicas, como por
exemplo em atividades de automação e de escritório, nos quais o esforço físico
encontra-se deduzido e a exigência do trabalho volta-se para as capacidades mentais.
Em consonância com todas as falas e referências utilizadas nesse contexto, faz-
se um paralelo com os níveis de impacto e custo resultantes da violência no trabalho
segundo a International Labour Organizacion (ILO). Desta forma, são considerados no
nível individual, quando o sofrimento traz a desmotivação, perda da confiança, baixa
auto-estima, depressão e raiva, ansiedade e irritabilidade; no nível do local de trabalho,
quando pela exposição contínua de riscos, leva ao rompimento das relações
interpessoais, desestruturação da organização do trabalho, redução da eficiência, da
produção e da qualidade do produto e imagem da empresa; no nível social, quando
trazem custos em relação ao cuidado da saúde, reabilitação, reintegração, deficiência e
invalidez e desemprego dos trabalhadores, afetando suas capacidades e excluindo-os
(INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZACION, 2002).
Costa (2005), em sua tese de doutorado, teve como objetivo apreender e
analisar as formas de violência operantes no mundo do trabalho de enfermagem em um
serviço de emergência e urgência clínica de uma instituição hospitalar pública. Por meio
do estudo, constatou-se que a violência no contexto do trabalho de enfermagem em
emergência e urgência clínica, opera por duas vias distintas, estrutural/institucional e
119
comportamental/relacional que se explicam pelos quatro tipos de violência conforme
classificação de Galtung (1981).
Assim, a autora conclui que os quatro tipos de violência identificados por
Galtug (1981), desencadeiam e perpetuam violências menores, tais como: práticas
profissionais traumatizantes, omissões, negligências, imperícias, atendimento
fragmentado, informações parciais ou negadas, indiferença ao sofrimento e a dor, baixa
auto-estima, dentre outras. As violências estruturais e comportamentais ainda são
apoiadas e fortificadas pelas pequenas violências praticadas no cotidiano, tornando-se
assim um ciclo vicioso. Costa (2005) concluiu ainda que os trabalhadores de
enfermagem e da saúde necessitam entender os modos operatórios dessas violências,
para enfrentá-las, a fim de romper o processo e favorecer sua auto-realização
profissional e humana.
Faz-se importante ressaltar que dois dos entrevistados admitiram não ter
adquirido nenhum tipo de problema na sua vida ou saúde que esteja relacionado ao
trabalho. Contudo, observa-se que um deles também não expôs situações de violência
sofridas no ambiente de trabalho, enquanto que o outro sofreu agressão moral por parte
do usuário. Em um dos casos, houve relato de estresse devido às dificuldades
enfrentadas no percurso casa-trabalho.
Ao final desta análise, pode-se compreender a influência que a condição e
organização de trabalho exercem sobre o corpo e a mente dos trabalhadores. Muito
embora o ambiente de trabalho no setor público seja aparentemente saudável, e acredite-
se não haver muitos riscos ambientais, percebe-se que o único risco aparente,
relacionado a uma organização de trabalho ergonomicamente nociva ao trabalhador,
está gerando violência que causa impactos à vida e à saúde dos seus trabalhadores nos
níveis individual, local e social.
Para corroborar a nocividade dessa relação trabalho-saúde, buscaram-se,
através da seção de Recursos Humanos da GEXNAT, alguns dados estatísticos no
contexto da pesquisa, ao que se referem às aposentadorias por invalidez, óbitos e
afastamentos por motivo de doença. No âmbito de toda Gerência Natal, nos últimos
cinco anos, sete trabalhadores aposentaram-se por invalidez e trinta e nove vieram a
óbito por doença. Com relação aos afastamentos por doença dos trabalhadores das APS
da GEXNAT que serviram de campo para a pesquisa, traça-se um demonstrativo no
quadro a seguir.
120
APS
PERÍODO
PERÍODO
Período
Centro
Sul
Nazaré
Ribeira
Norte
TOTAL
N
o
Trab
afast
N
o
dias
afast
N
o
Trab
afast
N
o
dias
afast
N
o
Trab
afast
N
o
dias
afast
N
o
Trab.
afast
N
o
dias
afast
N
o
Trab.
afast
N
o
dias
afast
N
o
Traba
fast
N
o
dias
afast
2004
13
221
06
196
18
528
09
287
01
29
47
1261
2005
14
714
11
346
14
460
09
163
00
00
48
1683
2006
17
355
17
322
10
324
12
690
02
20
58
1711
2007
18
483
19
537
14
267
12
303
02
19
65
1609
2008
19
846
25
689
12
239
16
322
03
115
75
2211
Tot
al
81
2619
78
2090
68
1818
58
1765
08
183
293
8475
Quadro 3 - Número de trabalhadores afastados por motivo de doença e número de dias
de afastamento nos últimos cinco anos nas APS da GEXNAT.
Fonte: Fichas médicas dos trabalhadores nas APS/GEXNAT/INSS
Diante desse quadro, pode-se perceber que nos últimos cinco anos, somente
nesses locais de trabalho especificados, onde foi realizada a pesquisa, houve um número
total de duzentos e noventa e três trabalhadores afastados por doença e um número total
em dias de afastamentos de oito mil quatrocentos e setenta e cinco. Essa situação
demonstra uma incidência significativa de adoecimento dos trabalhadores, bem como
um prejuízo funcional e econômico para a Instituição.
Após tornarem-se conhecidos todos os problemas e dificuldades vivenciadas
pelos trabalhadores desta pesquisa, bem como as formas de violência por eles
experimentadas, e ainda o sofrimento advindo desse processo, passa-se a analisar o
tratamento que tem sido dado a essas formas de violência e suas conseqüências na vida
e saúde dos trabalhadores, por parte do empregador.
121
Violência externa originada por
fatores externos ao ambiente de trabalho
Violência interna originada por fatores
internos ao ambiente de trabalho
Parte do usuário. Causas:
insatisfação e espera
relacionadas ao atendimento e
a burocracia, condição social e
intelectual, doença, questões
burocráticas, e o indeferimento
do pedido. Agravantes: falta de
segurança e proteção.
Parte do
sofrimento.
Causas:
contato com
pessoas
doentes e
carentes sem
muitas vezes
ter condição de
atendê-las.
Parte da
mídia.
Causas:
falta de
credibilidade
atribuída aos
trabalhadores.
Parte da Instituição, colegas e
superiores. Causas: acusações de
dolo e fraude levando o trabalhador
a responder administrativamente e
criminalmente, inclusive com
punição e advertência; imposição de
poder e perseguição contra o
trabalhador; maus tratos; negação
dos direitos à defesa e supressão dos
direitos.
Parte da Instituição e
dos superiores.
Causas: pressão por
um atendimento
cronometrado com
exigência de
quantidade e
qualidade, cobrança
de produtividade e
imposição de tarefas.
Parte da organização do
trabalho. Causas: falta de
organização e divisão do
trabalho; precariedade das
condições de trabalho;
falta de segurança
profissional e desinteresse
no atendimento da
valorização do
trabalhador.
Agressão
física e verbal
Sofrimento
psíquico
Desvalorização
do trabalhador
Assédio
moral
Assédio
psicológico
Violência
estrutural
ocupacional
Violência clássica,
quando por agressão
física, verbal ou
psicológica (Galtung,
1981).
Violência estruturalmente
condicionada, quando pelas
condições precárias de
trabalho e sobrecarga física e
mental (Galtung, 1981).
Repressão estruturalmente
condicionada, quando pela supressão
do direito a segurança no e com o
trabalho (Galtung, 1981).
Alienação estruturalmente
condicionada, quando pelo impedimento
da realização profissional competente e
eficaz e valorização junto a sociedade
(Galtung, 1981).
Violência simbólica, sentido
de ser ignorada e não se
atribuir a ela o perigo e
danos que pode trazer as
vítimas (Bourdieu, 2007).
Violência simbólica, sentido de
poder exercido pelos dominantes
sobre os dominados,
transformando-se em forma
natural de trabalho (Bourdieu,
2007).
Assédio moral, exposição dos
trabalhadores a situações de
humilhação e constrangimento,
de forma repetida e prolongada
(Vitorino, 2005).
Assédio psicológico, conjunto
de agressões expressas ou
manifestadas a fim de intimidar,
diminuir e amedrontar a vítima
(Vitorino, 2005).
Figura 3 A Violência no contexto do trabalho
122
4.4 A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL: A PROPÓSITO DA VIOLÊNCIA
CONTRA OS TRABALHADORES
Como parte dos objetivos deste estudo, investigou-se a banalização dos
problemas e da saúde dos trabalhadores desta pesquisa, como forma emergente de
violência no trabalho. Diante desse questionamento, buscou-se conhecer como se a
resolutividade, por parte da instituição, em solucionar os problemas advindos do
trabalho e sua repercussão na vida profissional, pessoal, social e na saúde dos seus
trabalhadores.
Desse modo, os trabalhadores foram entrevistados a respeito da existência de
algum programa ou serviço que atenda ao trabalhador diante dos problemas por eles
enfrentados, particularmente na questão da sua valorização, segurança e saúde. Todos
responderam que não ação alguma por parte da instituição a esse respeito.
Mencionaram que em tempos passados, houve um setor de medicina social que oferecia
atendimento médico, psicológico e social. E com relação à qualificação profissional,
houve relatos da existência de um setor de treinamento, todavia, questionam sobre a
eficácia dos serviços por ele oferecidos.
Para efeitos de pesquisa, dividiu-se a análise em três pontos: a banalização dos
problemas e das condições de trabalho; a banalização da saúde e a banalização da
qualificação e valorização profissional. Vale salientar que denomina-se de banalização
da injustiça social um ato ordinário e injusto, portanto desumano, de negar o direito
individual ou coletivo, de não dar o devido valor ou importância a algo ou a alguém.
Dejours (2000), ao analisar a banalização do mal pelo trabalho se reporta a um
sistema de gestão empresarial copiado nos serviços e administração do Estado, o qual se
baseia na utilização metódica da ameaça e em uma estratégia eficaz de distorção da
comunicação. Diz, ainda, que esse sistema coopera com o desenvolvimento da
sociedade neoliberal, gerando adversidade, miséria e pobreza para grande parcela da
população, enquanto que os países não param de crescer. Isso ocorre porquanto o
neoliberalismo gera injustiça e sofrimento em nome da racionalidade estratégica, que
consiste em selecionar pessoas para condená-las à exclusão social e política, e em
especial à miséria. Por outro lado, usa de ameaças contra os que continuam a trabalhar
valendo-se do poder de expropriá-los do seu trabalho e de cometer contra eles injustiças
em menosprezo da lei, e por vezes com ajuda desta.
123
Dejours (2000) assegura que o capitalismo neoliberal continua
fundamentalmente centrado na dominação do trabalho, cujas relações são
principalmente relações sociais de desigualdade, em que todos se confrontam com a
dominação e a experiência da injustiça. Assim, a violência e a injustiça começam a
gerar, antes de tudo, um sentimento de medo e sofrimento de quem a suporta, sendo a
dor e o sofrimento o marco de um processo cujo ponto de não retorno é a morte.
Por isso, considera-se a banalização da injustiça social, como uma forma de
violência aplicada aos homens, em especial nas relações de trabalho, trazendo-lhes
sofrimento, doença e morte. Portanto, partindo desse pressuposto, buscou-se identificar
esse processo de banalização nas situações de trabalho abordadas nesta pesquisa, diante
das narrativas dos trabalhadores entrevistados, as quais passaremos a analisar.
A banalização dos problemas e das condições de trabalho...
Quanto aos problemas que enfrentam e a atenção que a instituição dispensa
como forma de cuidado à sua resolução, as falas dos trabalhadores entrevistados
denunciam:
E na resolução dos nossos problemas, que eu saiba não existe, porque
quando eu tive o problema de meu processo, disseram para eu
procurar um advogado [...] se um segurado me atingisse, tinha um
setor, entre aspas, que é a procuradoria, mas ninguém sabe que eles só
são envolvidos com o serviço deles. E sobre o funcionário, que eu
saiba, não existe. Se existe está escondido, ninguém sabe, ninguém
ouviu falar que existe isso. (Abel)
[...] mas sobre esses problemas [...] não existe. Existe mais para punir
e não para ajudar o funcionário, [...] jamais surge para amenizar, para
dizer que você está errado, para dizer como é certo, não tem. (Enoque)
Por que inclusive aqui dentro da instituição, nós não temos no setor de
recursos humanos, um setor de assistência social. [...] um promotor
público, nós não temos. (Rute)
No local de trabalho a gente não tem nenhuma informação, não tem a
quem buscar, não tem uma assistente social para fazer um
atendimento. Se você quiser, tem que procurar fora do seu trabalho.
124
Orientação nenhuma! Isso é terrível dentro do local de trabalho, isso é
que tem levado muitos a óbito [...]. (Noé)
Voltado para o servidor, não é do meu conhecimento. Acredito que
não exista. Nunca vi nenhum colega ser tratado por esse problema que
eu passei. (Jacó)
Não tenho conhecimento de nenhum programa que nos ajude. Até
advogado particular a gente tem que pagar porque a instituição,
conhecendo o funcionário [...] eu acho que o funcionário teria direito a
um advogado, um procurador, para nos defender. Nada! Eu não tive
apoio nenhum da instituição, de nada. Nem psicológico, nem nada!
Nenhum! (Ester)
Não conheço. Nunca ouvi falar. Nem sequer uma ajuda para defender
[...]. Eu mostrei o processo para os procuradores [...] que é que eles
podiam fazer por mim. Ninguém me ajudou! eu fui procurar o
advogado. [...] Mas, fui acusada e isso me agravou sim, agravou. E
não tinha como não sentir, não é? (Raquel)
Não tem! Umas das ineficiências muito grande da previdência é a falta
de atenção ao servidor. Tanto para dar apoio quando ele vai responder
a esse tipo de processo, quanto na saúde. (Maria)
A gente não pode ser deixado assim simplesmente de lado, ficar
produzindo. E o lado humano? E o lado da qualidade no trabalho? E a
própria pessoa que executa? Em relação à resolução dos problemas,
que eu saiba não existe nada para isso. [...] de uns tempos para a
gente começou a ter reuniões na última sexta feira de cada mês [...]
elas servem para que a gente possa dizer da insatisfação, do que está
sentindo. [...] Porque diante de tanta coisa que aconteceu, é
impossível que as pessoas não tenham sensibilidades para acordar em
relação à urgência dessa questão de a gente estar sempre sendo bem
assistido. [...] para não sacrificar tanto a gente na linha de
atendimento, para que a gente não possa ser escravo do trabalho, e sim
a gente executar aquilo com prazer, com satisfação. (Abraão)
Nessa conjuntura, Dejours (2000) ratifica que as relações de trabalho enquanto
relações sociais de desigualdade, de dominação e de injustiça, podem tornar-se um
laboratório de experimentação e aprendizado da injustiça e da iniqüidade para as suas
vítimas que, nesse caso, são os trabalhadores.
O mal diz respeito a todo tipo de injustiça cometida deliberadamente e
manifestada publicamente, com relação à discriminação e manipulação nas funções de
trabalho, assim como ao desprezo, a grosseria, a ameaça, a chantagem e a insinuação
contra o trabalhador. E à banalização pode-se atribuir as etapas desse processo, capaz de
abrandar a consciência moral em face do sofrimento conferido ao outro e de criar uma
circunstância de tolerância do mal (DEJOURS, 2000). Desse modo, esse autor relata,
125
ainda, que não há diferença entre a banalização do mal do sistema neoliberal e a
banalização no sistema nazista. Em ambos identifica-se um processo capaz de
enfraquecer a consciência moral em face do sofrimento infligido a outrem e de criar um
estado de tolerância do mal. No caso do neoliberalismo, o objetivo são os lucros e o
poderio econômico, que utiliza como instrumentos a força e o poder, por meio da
intimidação, como forma de racionalização da violência.
o estudo de Vitorino (2005) a respeito do sofrimento moral e psíquico,
enquanto banalização pela organização e sociedade, mostra que existe uma concepção
de que a lei é do mais forte e de que o homem mais admirado é aquele que sabe usufruir
de tudo ao máximo e sofrer o mínimo possível. No entanto, em qualquer dos casos, faz-
se pouco caso das vítimas, que passam por fracas ou pouco espertas e, com o pretexto
de respeitar a liberdade do outro, podem ser levados a ficar cegos diante de situações
graves. Para ele, essa forma de tolerância consiste em abster-se de intervir nas ações e
nas opiniões de outras pessoas, ainda que essas ações ou opiniões pareçam
desagradáveis ou até moralmente censuráveis. Esse tipo de agressão perversa consiste
justamente em uma invasão progressiva do território psíquico do outro.
Percebe-se que essa forma de tratamento banal que se aplica ao padecimento
das vítimas de sofrimento por problemas advindos das relações de trabalho, sem dúvida
pode ser atribuída como uma forma de violência deveras maléfica ao trabalhador. A
esse respeito Mertens (1981), compara a violência no trato da nação para com as classes
menos favorecidas, à violência praticada em um assalto, demonstrando a manifestação
da violência por meio da injustiça e desigualdade social, ao que este autor denomina de
violência silenciosa ou por omissão.
Nesse caso, aplica-se a alusão de Bourdieu (2007) a respeito da violência
simbólica enquanto relação em que os dominantes impõem sobre os dominados
categorias construídas do ponto de vista destes às relações de dominação, fazendo com
que essas sejam vistas como naturais, podendo levar a uma autodepreciação ou até
autodesprezo sistemáticos.
Outra causa da insatisfação narrada pelos trabalhadores entrevistados em
relação à instituição são as condições desfavoráveis tanto em relação ao ambiente de
trabalho quanto à realização das tarefas.
126
Nós vivemos em uma repartição, em um país que o governo não olha
para nós, somos descriminados. [...] Tem dia que nós chegamos aqui e
não tem impressora. Isso já é um estresse, [...] e não pode chamar
porque o contrato daquela acabou. Não tem papel, o computador
quebrou. [...] tem dia que temos que comprar água, nós já compramos
café. [...] Nós não temos condições nenhuma. [...] os banheiros são
uma imundície, são nojentos. [...] porque o material de limpeza é da
pior espécie que tem. [...] trabalho no terceiro andar, quando quero ir
ao banheiro eu vou ao quarto andar, porque é um andar da
DATAPREV, e são outros que administram [...]. Você chega a um
computador desses, está imundo de poeira, eu tenho rinite alérgica, e
tem dia que eu só falto morrer. (Rute)
A aplicabilidade da legislação, em si já é uma coisa muito trabalhosa,
e a gente nem sempre tem como lê, não para parar e ler. Até as
versões que são implantadas nos sistemas, a gente tira a cópia, mas
não lê, porque não tem tempo. E às vezes a gente passa até por cima
de uma coisa que pode prejudicar a gente na frente. [...] O sistema
SABI é um sistema muito bom, mas ao mesmo tempo tem falhas
gritantes que deixam agente muito pouco a vontade em relação a
certas atividades que a gente faz aqui. [...] Às vezes também tem
escassez de material. Os grampeadores são uma calamidade, a gente
nem sempre tem material bom para acompanhar isso daí. Às vezes
falta envelope, carimbo [...]. (Abraão)
Mas o sistema novo, não esse sistema que desde que eu entrei es
aqui. Desde que eu entrei não! [...] foi bem depois, mas desde que
mudou é esse [...] Você faz uma revisão [...] depois da revisão pronta
manualmente, você tem quinhentos mil problemas no sistema e isso aí
passa a manhã. Você sai com os nervos à flor da pele, você chega em
casa, briga com as filhas, briga com quem tiver na frente! Porque você
chega fora de si em casa. É um problema sério isso! Até dar um
problema de coração e morrer. Aí morre e a instituição continua.
(Ana)
o setor de informação que é da instituição, fez um Call Center.
Contratou uma empresa e usou o sistema da internet. Se você usar o
sistema da internet, você faz os negócios em um minuto, dez
segundos, é tão rápido [...]. Agora o da instituição é um programa que
é lento, grande, você entra em várias pastas [...] para preencher várias
coisas. O de fora é mais rápido do que o que está dentro, um programa
ultrapassado. Então, a instituição não liga para a gente não. (Abel)
A esse respeito, Dejours (1992) comenta que apesar da adaptação trabalho-
homem, as condições de trabalho continuam sendo de uma dureza espetacular. Além
disso, as condições materiais do trabalho nos setores de execução de serviço têm seus
métodos e regras incompatíveis com a perfeita execução das tarefas.
Pode-se também observar a congruência no estudo de Fernandes et al (2002)
para identificar possíveis associações entre condições de trabalho e saúde de agentes
127
penitenciários de Salvador, onde obtiveram-se os seguintes resultados na regressão
logística: ambiente de trabalho psicologicamente inadequado, condições infra-
estruturais insuficientes foram associados positivamente com distúrbios psíquicos
menores (DPM) e com queixas de saúde.
A esse respeito Dejours (2000) ressalta que o sofrimento do trabalhador
resultante das condições de trabalho, aumenta na proporção em que este se encontra
impedido de satisfazer às expectativas criadas no plano material, afetivo, social e
político. A insatisfação pertinente à pressão sofrida por produzir mais e em tempo
determinado é também relatada pelos entrevistados.
A gente tem uma reunião para melhorar a situação, para a gente
saber como é que está a agência. Aí dizem: o mais importante é
atender, atender, atender. (Abel)
A coisa pior que existe é a pressão sendo exercida. Que a gente tem
que executar o serviço a gente tem, isso é um fato. Agora assim,
aquela pressão [...], isso mal estar, uma insatisfação muito
grande, isso tira a gente do sério. (Abraão)
Abriram uma tal de agenda que você faz um atendimento por tempo,
você trabalha por tempo [...] se você vai atender com um tempo
marcado, como é que você vai dar um bom atendimento se você está
preocupado com o tempo? Você tem tantos minutos para atender as
pessoas [...] isso é uma afronta muito grande para os funcionários,
porque ele está ali preocupado em atender a pessoa mais rápido
possível, para jogar a pessoa fora. Se você atendeu ou não [...] o
negócio é terminar o tempo [...] é uma coisa que prejudica muito o
atendimento da instituição. (Abel)
[...] jogam uma estatística, está ruim e você tem que cumprir com
esses prazos, independente do que você vai fazer, do que você vai
sofrer, do que você vai provocar. (Sansão)
Desse modo, Dejours (1992) aponta mais uma vez para o operário macaco de
Taylor que, segundo o ponto de vista do trabalho produtivo, não respeita o equilíbrio
fisiológico do corpo humano e, portanto, não respeita a economia da saúde física e
mental. Parece patente a falta de recursos humanos, situação que tem trazido aos
trabalhadores em atividade não constrangimento, mas adoecimento pela carga sobre-
humana de trabalho que tem sido a eles imposta.
128
É que ninguém não es nem aí. Então a instituição está em uma
situação de os funcionários ficarem soltos. Abre concurso para entrar
uma pessoa, quer dizer, entra uma pessoa não, entram cinco pessoas
para o Rio Grande do Norte todinho. Isso ocasiona é um cansaço.
(Abel)
Mas do jeito que a coisa está, mais de 12 anos, o governo tem que
fazer um concurso para repor o que tem e não consegue repor,
porque além das aposentadorias normais por tempo de serviço, a
grande maioria das aposentadorias por invalidez, e não consegue
repor e a tendência é piorar. Quando eles não repõem, os outros que
ficam terão que dar conta do serviço, e mais aposentadoria por
invalidez tem. (Noé)
A quantidade de servidores na instituição está reduzido, e aí está
matando a gente de cansaço. A gente não tem uma carreira de
previdência, estamos aí trabalhando todo mundo solto. Não tem futuro
nenhum. Os novatos que passaram no novo concurso estão todos
estudando para sair, porque eles sabem que aqui está sem futuro. Não
tem um plano de cargos e salários, está todo mundo aqui jogado, é
cobrança. o tempo passa e futuramente o que a gente vai ter? Uma
aposentadoria, e doente, sem ter condições nenhuma de sobreviver.
(Abel)
Analogicamente a essas narrativas Lancman et al (2007) analisam em seu
estudo sobre a violência no ambiente de trabalho dos agentes de trânsitos, que os
trabalhadores do setor público encontram-se em situação de exposição a enxugamento
dos quadros, não reposição de trabalhadores afastados por adoecimento e
aposentadorias, crescimento da demanda de serviços, deterioração das condições de
trabalho, falta de capacitação, o que leva à diminuição da capacidade de
desenvolvimento e qualificação de suas atividades.
Para comprovar estatisticamente essa situação, buscou-se por meio da Seção de
Recursos Humanos da GEXNAT conhecer a relação entre os trabalhadores aposentados
e novos contratados nessa Gerência, instituição contexto da pesquisa, onde encontramos
as seguintes informações: o número
de trabalhadores aposentados nos últimos cinco
anos foi de quarenta, enquanto o número
de trabalhadores contratados no mesmo
período foi de setenta e um, incluindo dicos peritos, analistas e técnicos
previdenciários.
Embora o número de trabalhadores contratados seja de um e meio
aproximadamente para cada trabalhador aposentado, aponta-se algumas situações que
somadas às aposentadorias, inverteria essa proporção: trabalhadores cedidos a outros
órgãos, trabalhadores afastados por motivo de saúde, entre outros. A categoria médico-
129
perito não fez parte da pesquisa, todavia compõe essa estatística. Além disso, a pesquisa
foi desenvolvida com os trabalhadores de cinco APS enquanto que os trabalhadores
contratados foram distribuídos por todos os órgãos que fazem parte da GEXNAT. Pelos
motivos expostos, não como estabelecer o critério de desproporção entre as
contratações e a defasagem de trabalhadores. Desta forma, pode-se mensurar essa
situação enquanto prática de violência estruturalmente condicionada, segundo classifica
Galtung (1981), pelas condições precárias de trabalho e imposição de carga física e
mental.
Pode-se ainda medir o custo e impacto dessa violência no trabalho, como sendo
de nível local, pela desestruturação das condições e organização do trabalho, redução da
eficiência, da produção e da qualidade do produto e imagem da empresa e mesmo do
trabalhador (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2002).
Portanto, pode-se entender essa banalização ora discutida como um propósito
da violência e ameaça à saúde do trabalhador. Com essa consideração, passa-se a
analisar as narrativas dos trabalhadores entrevistados a respeito da banalização na
atenção à sua saúde.
A banalização da saúde...
Acredita-se que a temática saúde em sua relação com o trabalho e como
conseqüência da violência presente no e com o trabalho tenha sido satisfatoriamente
discutida nas categorias anteriormente abordadas. Portanto, importa ressaltar na
presente abordagem, o descaso, a desatenção com a saúde dos trabalhadores, como
forma de violência praticada contra a vida destes.
Nesse sentido, ao serem questionados sobre a existência de algum setor ou
programa vigentes na instituição em que trabalham que vise ao cuidado e à prevenção
da saúde, os trabalhadores entrevistados, unanimemente, admitiram não haver
atualmente qualquer tipo de ação a esse respeito.
130
Que eu tenha conhecimento, não. Se tem, até agora não convidaram a
gente para participar. Disseram que a gente tinha que fazer exercício
antes de começar. Só que, cadê, que ninguém faz? (Noemi)
Nenhuma! Tudo que aconteceu comigo, o médico te dá à licença, você
volta como se nada tivesse acontecido, vai trabalhar e ponto final. Não
existe um trabalho, chamar você uma vez por semana, no mínimo, e
conversar com um profissional ou tentar o que está errado com
você. Não tem nada, na realidade você chega, toma mais trabalho.
(Ana)
A realidade é que não existe nada! pelo contrário. [...] se eu adoecer
hoje não tenho cobertura nenhuma [...] Eu sou obrigado a ir para a
rede pública ou plano particular, e a partir daí, apresentar o laudo
desse médico de fora [...] Mas nós não temos nada que venha a influir
para melhoria da gente. (Isaque)
E relacionado à saúde, também acho que não. Não tem mais nenhum
médico de setor de pessoal, nem de recursos humanos. (Jacó)
Não tem não. Inclusive no dia que eu estava muito depressiva eu fui
ao setor médico, GBENIN, e o médico lá me falou que eu fosse
procurar um psiquiatra. [...] falei que eu me expus muito a esse
problema e estou sentindo um ruído dentro da minha cabeça. [...] eu
falando que eu achava que era emocional, ele disse que não tem nada
a ver, me mandou ir para um otorrino, em último caso é que ia se
pensar sobre a possibilidade de algo emocional. Ele sabendo todo o
problema que eu estou passando. Mas eu fui. Graças a Deus eu tenho
meu planozinho de saúde. (Marta)
Estou com 26 anos de Previdência, e se tem, até hoje não é do meu
conhecimento. [...] Quando nós partimos para o nosso plano de saúde,
que deixa muito a desejar, digamos, que quer fazer sessões com um
terapeuta, não é conveniado aqui em Natal, então como é que você
fica? [...] é fé em DEUS e pé na tábua. (Rute)
Confirmando as narrativas, busca-se demonstrar a situação da política de
atenção à saúde do servidor público federal do Brasil apresentada por Carneiro (2008)
no XIII Congresso Internacional do Centro Latinoamericano de Administración para el
Desarrollo (CLAD) sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, em Buenos
Buenos Aires - Argentina, no ano de 2008. Este autor afirma que a falta de uma política
de saúde articulada pela Administração Pública Federal desde a aprovação do Regime
Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações
Públicas Federais permitiu que os Ministérios e os demais órgãos que compõem o
Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) instituíssem serviços de
saúde com estruturas físicas, organizacionais e critérios periciais bastante diferenciados.
131
Dessa forma, na atualidade da Administração Pública Federal (APF) existem
situações de órgãos sem qualquer atuação na área de saúde, outros que desenvolvem
algumas ações, mas apresentam limitações de recursos e ainda os órgãos com serviços
muito bem estruturados, porém ociosos. E ainda nos órgãos que possuem serviços de
saúde, a maioria realiza perícia sem o desenvolvimento de ações de promoção ou
desenvolvem essas ações de forma pontual e isolada. Existem, assim, poucas exceções
de serviços com padrões de excelência na área de perícia, de promoção e de assistência
à saúde do servidor (CARNEIRO, 2008).
A saúde dos trabalhadores, mais valiosa posse concedida aos seres humanos,
está sucateada, entregue à sorte, como proclamam os entrevistados nas falas seguintes,
quase que expressando um pedido de socorro.
Com relação ao trabalho médico ocupacional não temos nenhum,
orientação nenhuma. As cadeiras em termos de ergonomia, não
funcionam, elas são todas desgastadas. Problema de coluna, problema
de pressão, é um terror trabalhar no serviço público hoje,
principalmente no INSS que tem uma clientela, que tem uma
ansiedade muito grande. Para viver em um país que não tem emprego
suficiente para todo mundo, as pessoas buscam o INSS como a bua
de salvação, acaba o servidor pagando por isso aí. Às vezes a pessoa
não tem direito aquele Beneficio e descarrega em cima do servidor, e
isso é uma grande causa de doença ocupacional hoje no INSS. (Noé)
Sei que tem muitos colegas que vivem adoecendo, outros se
enfartando, mas é por causa da insegurança que está dentro da
instituição. A gente não tem mais segurança dentro da instituição. [...]
As pessoas passam, às vezes, nem um bom dia para o funcionário.
Muita chefia que tem um poder de chefia, nem um bom dia dá. E a
gente sente. (Sara)
[...] nós somos seres humanos e nós também ficamos doentes. [...] Um
segurado perguntou na agência quando eu estava doente, se eu morrer
quem eles iam colocar no meu lugar. Nós não temos substitutos, quer
dizer, por enquanto, eles vão procurar treinar outras pessoas nos
trabalhos. (Ana)
[...] se a instituição quisesse, a gente era mais protegido. Se ela tivesse
interesse. É porque a gente não significa nada para eles. [...] O
funcionário doente não vai produzir mais do jeito que produzia. Não é
bom para uma instituição ter um monte de funcionário doente. Porque
eu acho que todos que passam por essa, não fica mais do mesmo jeito
que era não. Não fica mais a mesma pessoa não, de jeito nenhum.
(Raquel)
[...] era um sonho meu trabalhar no INSS. No antigo INPS. Mas,
que hoje, passados 24 anos a gente as doenças, os problemas de
132
saúde que vão se acarretando, a LER, essa questão de depressão no
trabalho. Poxa, eu pedi tanto a Deus por um emprego desses, um
emprego fixo, um expediente corrido, com uma garantia de
estabilidade, e de repente eu estou aqui. Tem dias que não dá a
mínima vontade de vir trabalhar. E fica pensando em se afastar.
Pensando até tomar atitudes radicais como pedir demissão [...] E tenho
conhecimento de outras pessoas, de outros colegas [...] que está
passando pelas mesmas coisas que eu já passei. De cara a gente
identifica que a pessoa está estressada, que está cansada, que está
precisando de alguma ajuda, de um apoio, de um tratamento. (Jacó)
[...] tem muitos colegas da gente que esadoecendo, muitos estão
morrendo em conseqüência do trabalho. Hoje mesmo nós temos
aqui uma colega da gente [...] está de licença [...] uma doença
ocasionada pelo trabalho. Ela pegou uma LER [...] disso
apareceram outras doenças no cotovelo dela e no ombro. [...] Fora isso
acontece problema de estresse, e outros problemas. (Moisés)
Todo mundo do INSS, os funcionários, não tem um que não seja
estressado, a maior parte. quem está entrando agora, esse pessoal
novo. (Gideão)
[...] nós sabemos que são muitos colegas doentes, vários problemas
físicos, psicológicos. [...] não existe ergonomia nos nossos móveis.
Isso está aleijando o pessoal! É a coluna, são os braços. E à medida
que você vai ficando doente, isso vai influenciando no trabalho e se
não tiver alguém para consertar isso aí, você vai continuar e a
tendência é diminuir a qualidade do serviço, diminuir a qualidade de
vida. (Sansão)
Segundo Carneiro (2008), nos últimos anos, o investimento na área de saúde do
servidor público ficou à disposição do entendimento individual de cada gestor, os quais
estabeleceram diferentes prioridades às atividades de saúde desenvolvidas, não
existindo, portanto, qualquer tipo de relação estruturada entre os órgãos que firmassem
acordos mútuos de cooperação, incluindo a participação dos órgãos centrais de controle
de recursos humanos. Esse autor aponta ainda que a inexistência de um sistema de
informações de notificação dos agravos à saúde dos servidores públicos do Brasil,
dificulta o dimensionamento das questões relacionadas à saúde do servidor. Além disso,
a área de Recursos Humanos dos órgãos que compõem o Sistema de Pessoal Civil da
Administração Federal ressente-se de políticas articuladas que resultem em impactos
positivos sobre a saúde dos servidores. As questões relacionadas com a saúde dos
servidores, via de regra, não se constituem prioridades.
Segundo Cavalcante et al (2006), a política de saúde do trabalhador no Brasil,
enquadra-se em um contexto em que as políticas sociais estão subordinadas às políticas
133
econômicas que em geral visam a servir ao Estado e este mantém a estrutura social
vigente, marginalizando e excluindo a classe trabalhadora.
Nessa perspectiva, o estudo de Carneiro (2006) sobre a saúde do trabalhador
público na Prefeitura de São Paulo, revela que o serviço público investe mais no
controle individual do absenteísmo que nas ações coletivas de saúde. Essas ações
aparecem como experiências isoladas, produzindo pouco impacto e padecendo da
descontinuidade administrativa, que caracteriza boa parte das políticas públicas. Os
setores responsáveis pelas áreas de perícia, assistência médica, saúde e segurança
(promoção à saúde) no setor público, em geral, são separados administrativamente, o
que dificulta a elaboração de políticas de saúde mais amplas para o servidor.
A legislação atual de saúde do trabalhador, do Ministério do Trabalho e
Emprego, da Previdência Social, da Saúde e da Vigilância Sanitária, não faz diferença
de direitos entre o trabalhador regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o
servidor estatutário, ao mesmo tempo em que atribui poder de fiscalização sobre as
unidades públicas. No entanto, existe evidente descompasso entre as iniciativas no setor
privado e no público, pois o que o Estado exige em termos de saúde e segurança do
trabalho, não se cumpre em relação aos servidores estatutários (CARNEIRO, 2006).
As narrativas dos trabalhadores que se seguem, revelam uma revolta muito
grande pela desativação do setor de medicina social existente na instituição, o qual era
responsável pelo cuidado da saúde física e mental deles, mais uma confirmação da
banalização com que é tratada a questão da saúde dos trabalhadores.
Existia um setor de medicina social, para a saúde do servidor, em
função de tratamento da doença, não de tratamento psicológico. Não
existe mais prevenção [...] porque a instituição tem muito pessoal
alcoólatra. E a instituição teve um período que fez um grupo de
alcoólicos anônimos [...] mais disseram que era prejuízo e o pessoal
abandonou, e até hoje não tem treinamento em si para esse tipo de
doença nem nada, porque a instituição não liga muito não. (Abel)
Não existe. muito tempo atrás existiam uns exames periódicos que
se realizava de dois em dois anos, mas isso não resolvia muito, era
para detectar se realmente o cara estava doente [...] relacionado à
atenção a saúde não tem! (Enoque)
teve, isso foi uma coisa que o governo tirou. Eu acredito também
que já por falta de servidores. Tiraram os médicos que atendiam
especificamente os servidores e colocaram-nos para trabalharem nos
postos. [...]. Existe muita aposentadoria precoce por problemas de
134
saúde. (Noé)
algum tempo atrás, a gente tinha de dois em dois anos uma
avaliação médica [...] no meu entendimento expressava, digamos
assim, o cuidado que a instituição tinha no lidar com os funcionários.
Não sei por que motivos tiraram. (Abraão)
Não é de meu conhecimento que existe. [...] na previdência social,
tinha, criaram um programa, mas, não é executado. Nenhuma APS.
Porque a chefia não determina de verdade, todo dia, 11 horas, paramos
15 minutos para fazer alongamento, relaxamento. Fez-se um dia, de
para cá nada mais. (José)
[...] nosso setor de saúde foi desmontado. Achou-se que era
desnecessário. Foi uma coisa, realmente, estúpida que fizeram, porque
a gente ficou sem assistência nenhuma. Nós tínhamos assistência
psicológica e nós tínhamos um quadro de serviço social que se
aproximava da gente, e hoje nós não temos ninguém. Então, não existe
uma preocupação com a saúde. Realmente é algo que é desprezado de
forma lastimável. (Sansão)
É fato que a assistência à saúde dos trabalhadores públicos federais realizada por
meio de rede própria de unidades e profissionais de saúde foi uma opção da
Administração Pública Federal. Conforme Carneiro (2008), após visitas aos serviços de
saúde dos órgãos públicos federais do Distrito Federal, bem como pesquisas realizadas,
observou-se que isso ocasionou a constituição de serviços de saúde pulverizados, com baixa
eficácia e, na maioria dos casos, com escassos recursos materiais e humanos. Dessa forma,
a política de atenção à saúde dos servidores proposta pelo governo preo incremento das
ações de saúde relacionadas ao trabalho e a concessão de um benefício para o custeio
parcial do plano de saúde assistencial, promovida por meio de contratos com operadoras
privadas de plano de saúde, convênios com operadoras de autogestão ou auxílio.
O Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais bem como a
Constituição Federal prevêem a assistência e promoção à saúde dos trabalhadores, através
de ações do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, segundo Carneiro (2008), os
órgãos públicos federais optaram por possibilitar o acesso a planos de saúde com
operadoras de autogestão por meio de convênios ou com a iniciativa privada por meio de
contratos. Nesse sentido, a existência de um sistema de saúde universal para os brasileiros,
inclusive para os servidores federais e o financiamento de planos de saúde coloca,
aparentemente, uma contradição entre o Estado, como prestador de serviços que constrói
políticas públicas para toda a população e como empregador que opta por convênios ou
contratos com operadoras de planos de saúde privados.
135
Vale ainda ressaltar as considerações de Dejours (1992), ao tratar da atuação
do aparelho psíquico na economia psicossomática em uma relação trabalho-saúde. O
aparelho psíquico é o responsável por representar e fazer triunfar as aspirações dos
sujeitos, pela produção de satisfações concretas, ou seja, da proteção à vida, ao bem-
estar físico, biológico e nervoso, isto é, à saúde do corpo, contribuindo dessa forma para
a economia psicossomática.
No nível social, o impacto da violência no trabalho é considerado, quando traz
custo em relação ao cuidado com a saúde, reabilitação, deficiência e invalidez entre
outros (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2002). Ao que se atribui a
expropriação do direito à saúde ao efeito da dominação simbólica que se exerce não na
lógica pura das consciências cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de
avaliação e de ação constitutivos dos habitus e que fundamentam, aquém das decisões
da consciência e dos controles da vontade, uma relação de conhecimento profundamente
obscura a ela mesma (BOURDIEU, 2007).
Ao analisar-se a banalização como uma forma de violência, observemos a
respeito do que pode significar fazer mal ou causar um dano ao homem:
[…] puede sostenerse que si no se satisface la necesidad se producirá
o bien algún tipo de desintegración humana (somática en los primeros
casos, humana en los casos de necesidades sociales), o bien habrá,
tarde o temprano y en general, algún tipo de desintegración social,
simplemente porque la no satisfacción de las necesidades puede dar
lugar a disturbios (GALTUNG, 1981, p. 97).
Ainda pode-se conferir à banalização da saúde dos trabalhadores como um
propósito de violência praticada aos trabalhadores baseado na classificação de violência
estruturalmente condicionada. Segundo Galtung (1981), esse tipo de violência está
revelado na privação das necessidades básicas, manifestada nas condições precárias,
entre outras situações.
Nesse sentido, pode-se entender que a falta de uma política de atenção à saúde
do trabalhador que busque a economia psicossomática na concretização dessas
aspirações, conseqüentemente trará maior comprometimento do aparelho psíquico do
sujeito e, portanto, pode-se configurar também como uma forma de violência ao
trabalhador.
136
A banalização da qualificação e valorização profissional...
Os trabalhadores entrevistados demonstram também insatisfação quanto ao
papel do setor de recursos humanos, onde está inserido o treinamento, pela falta de
valorização humana, social e profissional do trabalhador.
Tem um setor de treinamento, mas a gente sabe que o treinamento
vem verba final de ano. faz um curso para [...] usar o dinheiro. [...]
só para dizer que fez, porque eu não acredito que durante um ano, uma
aula, um treinamento de um dia e meio dois dias, você vai fazer um
tratamento de anos [...]. (Abel)
Não existe isso, para nós não. Às vezes, fazem um treinamento, mas,
uma vez perdida! (Sara)
Porque, antigamente havia treinamento, a gente era levado para uma
praia distante, onde a gente ficava dois, três dias, uma semana, isso de
certa forma desapareceu [...]. Mas por último veio esse sobre a
qualidade de vida que me deixou muito feliz, eu gostei muito.
(Abraão)
[...] o setor de recursos humanos do INSS, meramente operacional.
Eles pagam seu salário, não vi outra coisa. (Marta)
Hoje, o que nós temos somos apenas nós mesmos para trocarmos idéia
ou desabafarmos, uns com os outros [...]. (Sansão)
Desse modo, encontra-se apoio nas considerações de Antunes (2003) ao
apresentar o modo de produção capitalista, cuja lógica destrutiva aponta para a redução
quantitativa da força de trabalho, expansão e ampliação da classe trabalhadora
assalariada do setor de serviços e decréscimo desse setor. Nesse sentido, constata-se um
efetivo processo de intelectualização e qualificação do trabalho manual, compatível com
o avanço tecnológico, para uma parte da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que
se desqualifica e desespecializa outros. Percebe-se, então, que parte dessa gica
capitalista destrutiva presente nos setores de serviços públicos parece ser a de
desqualificação e mesmo subproletarização da classe trabalhadora, conseqüentemente,
sobre ela cairá a responsabilidade e a culpa pela desqualificação dos serviços prestados
apontando para o fim deles e, portanto, maior lucratividade para o capital (ANTUNES,
2003).
137
Para os trabalhadores, é motivo de desagrado a falta de treinamento,
aperfeiçoamento e conhecimento técnico necessários para o exercício profissional,
negligenciados pela instituição, comprometendo a segurança e domínio do trabalho.
Faz duzentos anos que eu fui para uma reunião técnica de três dias
para discutir. Como eu lhe falei em 15 dias a gente recebe 30
orientações diferentes. Recentemente, foram onze manuais de
Benefício ou doze que saíram, [...] Doze Orientações Internas saíram,
nós nunca fomos participar de uma reunião, de um grupo de estudo, de
nada disso. Chega e vai ficando, porque não dá tempo. (Marta)
Não liga muito para os funcionários, joga você sem treinamento. [...]
Quando eu entrei não estudei a legislação, porque eu entrei para uma
coisa e fui fazer outra. Eu sou datilógrafo, o que eu vou fazer? A
parte de datilografia hoje acabou. Eu não tenho um serviço para fazer.
Eu estou desviado de função. Faço coisa que não é para fazer, como
analisar processo, que eu não sou analista [...]. Eles colocam agente de
portaria para trabalhar como analista. Isso é uma coisa que prejudica a
vida de todo mundo. [...] você fazer uma análise de um processo como
datilógrafo ou como agente de portaria se tem um analista que está em
outro setor. (Abel)
Às vezes eu estou falando uma língua, o colega aqui do lado está
dando uma informação completamente diferente. [...] Se eu estou aqui
no posto de Benefício, falando uma língua, a auditoria falando outra, a
corregedoria falando outra, a diretoria de atendimento falando outra,
como é que o INSS pode cobrar tanto da gente em termos de perfeição
do serviço, se no mesmo órgão, a diretoria de atendimento está
dizendo que a gente tem que analisar um Benefício rural em 30
minutos? Então, está havendo uma desintegração dessa repartição.
Porque está todo mundo falando de coisas, ninguém na verdade, os
próprios gestores disso aqui, não se entendem. (Marta)
Nesse contexto, importa ressaltar a explicação de Dejours (2000) a respeito da
banalização do mal enquanto processo no qual um comportamento excepcional,
habitualmente reprimido pela ação e comportamento da maioria, pode edificar-se como
norma de conduta ou valor. Pressupondo, portanto, a criação de condições específicas
para obter o consentimento e a cooperação de todos nessas condutas e em sua
valorização social. Essa limitação da capacidade de pensar está associada à tendência de
dependência em relação às instruções, ao comando, à proteção conferida pelos papéis
assinados. Sem as ordens que regulam seu mundo e não somente seus atos, o indivíduo
fica desconcertado e indeciso.
138
Dessa forma, é possível insinuar que ao se limitar a capacidade de crescimento
intelectual e profissional dos trabalhadores, limita-se a sua capacidade de pensar e agir,
ou melhor, reagir diante da injustiça, do sofrimento e violência a que são vítimas. Por
isso, os trabalhadores tornam-se dependentes do sistema, emergindo neles o sentimento
de estagnação, autodesvalorização, desesperança, desânimo e conseqüente sofrimento
psíquico.
Por isso, a indignação ainda é o sentimento dos trabalhadores frente à falta de
valorização e reconhecimento em relação à importância e utilidade do seu trabalho para
a instituição e para a população. O respeito e apoio de que eles necessitam para lhes
conferir valor, tem sido negligenciado em função do tratamento desumano que a eles
tem sido dispensado por parte do poder público e da sociedade.
[...] o servidor público não é aquela pessoa que está trabalhando sem
fazer nada. Muitas vezes é capacho mesmo da população, que pisa,
esperneia, bate em cima do servidor. Nunca se ênfase ao que o
servidor faz, quais são as suas atividades, quais são as suas angústias,
quais são os problemas que eles atravessam? Somos humanos como
qualquer um, temos nossas necessidades e temos nossas fraquezas.
Mas, para o povo não, nós somos os super-homens, que temos salários
de marajá, e na verdade não é nada disso. Somos humanos, os salários
fracos, a rede de saúde no Brasil é deficitária, muitos não nem tem
plano de saúde, porque não pode mais pagar plano de saúde e a
dificuldade que a gente vê é essa. (Noé)
[...] eu não fiquei desamparada? Jogada assim procurando? Procurei
ajuda, quem ia me ajudar. [...] fui procurar quem? A própria
instituição para me ajudar. Ninguém me ajudou. [...] porque isso
não acontece só no Rio Grande do Norte, deve ser no país inteiro esse
sofrimento. (Raquel)
[...] Eu acho que cada dia que passa, sabe um passarinho que você vai
cortando a asa dele para ele não voar? Eu me sinto muito assim sabe?
[...] A gente tem que às vezes ser assim, ter muito cuidado para não
aparecer porque isso às vezes causa problemas também. Eu fico bem
quietinha aqui no meu canto viu, sem falar muito, fazendo o que eu
posso, mas eu sei que eu poderia fazer muito mais. (Marta)
[...] a gente sente falta de haver uma estrutura, nesses termos, de poder
ouvir o servidor, de poder assistí-lo de forma que lhe desse confiança,
que pudesse lhe recuperar em um momento ruim. De redirecionar,
muitas vezes, quando você está em uma atividade, você não está se
dando bem ali, mas você é obrigado a ficar porque não tem outra e
isso é muito cruel. (Sansão)
139
Em consonância com esses relatos, os resultados do estudo de Tavares (2003)
sobre o sofrimento no trabalho entre servidores públicos federais classificam a
representação social do sofrimento no trabalho em três grupos: elementos constitutivos,
representados pelas injustiças no ambiente de trabalho, não reconhecimento pelo
trabalho e estagnação profissional, entre outros; elementos moderadores, representados
pelo aprendizado no trabalho, entre outros; e expressões do sofrimento, representadas
pelo sentimento de autodesvalorização, desesperança, desalento, e adoecimento somato-
psicológico, entre outros. Esses resultados evidenciaram que as categorias de sofrimento
no trabalho mantêm relação com a frustração das necessidades humanas e das
expectativas profissionais dos servidores.
Destarte, configura-se a presença da alienação estruturalmente condicionada
como forma de violência presente nessas relações de trabalho. Galtung (1981) mostra
que esse tipo de violência, a tolerância repressiva, evidencia as privações de
necessidades superiores e especificamente no impedimento aos trabalhadores de
gozarem de uma realização profissional competente e eficaz e de serem valorizados
socialmente.
Do mesmo modo, também se podem tecer analogias com a violência simbólica
de Bourdieu (2007), no que diz respeito expressamente à ruptura com todas as
representações espontâneas e às concepções espontaneístas de uma ação como não-
violenta, impondo-a como legítima. Dependência de que é testemunha diretamente a
substitubilidade das relações de força entre os grupos ou as classes constitutivas de uma
formação social, cuja base do poder arbitrário é a condição da instauração da imposição
e da inculcação de um arbitrário cultural segundo um modo arbitrário de imposição e de
inculcação.
Assim, a maior indignação diz respeito ao descaso e desvalorização com que a
instituição trata seus trabalhadores, quando revelam em seus relatos que se sentem
apenas como um número para a instituição, algo descartável, que quando perde a
serventia, é jogado fora, é colocado de lado. Para eles, a política utilizada pela
instituição no trato com o funcionário é de total desamparo, desrespeito e humilhação.
Uma política de (des)humanização e (des)valorização do trabalhador. Observou-se que
um número significativos dos entrevistados, ao narrarem as experiências negativas que
foram vitimados no e com o trabalho, externam uma carga sentimental e emocional
bastante comprometida, através de momentos de choro e desabafo. Percebeu-se que eles
aproveitaram a oportunidade de serem ouvidos, para expressar todo o sentimento de
140
frustração, revolta, descontentamento e sofrimento que resguardavam dentro de si em
relação à instituição.
Destarte, acredita-se que ao se desvendar esses sentimentos, juntamente com o
sofrimento imposto pelos critérios e padrões do discurso dominante, surgirá a esperança de
novos caminhos para uma desnaturalização desse padecimento e dessa relação de
dominação. Quiçá esse quadro pudesse ser conduzido para uma política de humanização e
valorização, de melhoria das condições de trabalho, vida e saúde para esses trabalhadores.
Nesse contexto, diante dos resultados apresentados, construiu-se um diagrama
(Figura 4), o qual apresenta as etapas da banalização da injustiça social descritas no
ambiente de trabalho dos trabalhadores desta pesquisa, e sua relação com a violência
segundo referencial teórico de Galtung (1981) e ILO (2002). No capítulo seguinte, passa-se
a tecer as considerações finais e sugestões possíveis para se alcançar essa tão sonhada
política.
141
A banalização da
injustiça social no
cotidiano de trabalho
A banalização dos problemas e das condições de
trabalho: resolução problemas; condições desfavoráveis no
trabalho, tanto no que diz respeito a realização das
atividades, quanto as apresentadas no ambiente de trabalho;
da pressão por produção e prazo, somadas a sobrecarga de
trabalho trazidas com a escassez de recursos humanos
A banalização da saúde: falta de um
serviço que atenda essa necessidade;
desativação do setor de medicina social;
adoecendo em virtudes das más condições
ergonômicas relacionadas ao trabalho, e essa
falta de cuidado por parte da instituição
A banalização da qualificação e valorização profissional:
faltam a valorização humana, social e profissional do
trabalhador, pelo setor de recursos humanos, negligência na
questão do treinamento, aperfeiçoamento e conhecimento
técnico; falta de valorização e reconhecimento pela importância
e utilidade do seu trabalho por parte do poder público e da
sociedade
Nível individual , quando o
sofrimento traz a
desmotivação, perda da
confiança, baixa auto-estima,
depressão e raiva, ansiedade
e irritabilidade (ILO, 2002).
Nível local, pela desestruturação
das condições e organização do
trabalho, redução da eficiência,
da produção e da qualidade do
produto e imagem da empresa e
mesmo do trabalhador (ILO,
2002).
Nível social, o impacto da
violência no trabalho é
considerado quando traz custo em
relação ao cuidado com a saúde,
reabilitação, deficiência e invalidez
entre outros (ILO, 2002).
Violência estruturalmente condicionada,
quando pela privação das necessidades
básicas e pelas condições precárias e
sobrecarga de trabalho física e mental
(Galtung, 1981).
Repressão estruturalmente
condicionada, quando pela supressão do
direito a segurança no e com o trabalho
Galtung, 1981).
Alienação estruturalmente
condicionada, quando pelo
empedimento da realização e
valorização profissional (Galtung,
1981)
FIGURA 4 A banalização da injustiça social e a violência
142
4.5 SONHOS DIVISADOS: A PROPÓSITO DA CONTRIBUIÇÃO DA
ENFERMAGEM
Neste trabalho buscou-se desvendar os problemas, as dores, e os sofrimentos
dos colaboradores, igualmente, conhecer seus desejos e expectativas com o intuito de
propor alternativas que visem a enfatizar e defender a melhoria nas condições de
trabalho, a fim de prevenir a violência no ambiente em que ele se realiza na perspectiva
de promover a saúde do trabalhador. Nesse contexto, insere-se a discussão sobre a
contribuição da enfermagem à saúde do trabalhador.
Como cidadão, todo trabalhador tem garantias estabelecidas pela Constituição
Federal de 1988, que no seu artigo 7
o
inciso XXVII, trata sobre a redução de riscos no
ambiente de trabalho por intermédio das normas de segurança, saúde e higiene
(BRASIL, 1988). Além disso, o trabalhador público federal, gerido pelo Regime
Jurídico Único (RJU) através da Lei 8.213/90, goza de prerrogativas e direitos
estabelecidos por essa lei no que diz respeito à segurança e saúde no trabalho, através do
controle e pagamento de adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou
penosas; assistência à saúde, à seguridade social e à qualificação profissional (BRASIL,
1990a).
É papel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio do Programa
Segurança e Saúde no Trabalho, proteger a vida, promover a segurança e saúde do
trabalhador. Por conseguinte, instituiu através da Portaria 3.214/78, a normatização da
segurança e saúde no trabalho segundo Normas Regulamentadoras (NR), as quais
devem ser aplicadas a todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores
como empregados, seja regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), seja pelo
RJU (BRASIL, 1978). É também parte das atribuições do MTE, através das Delegacias
Regionais do Trabalho (DRT), fiscalizar os ambientes de trabalho e garantir a
implementação dessas normas.
Nesse sentido, requereu-se aos trabalhadores entrevistados promulgar suas
expectativas quanto à melhoria das condições de trabalho, momento em que foram
desvendados seus sonhos e vislumbrados seus anseios, os quais se passa a revelar aqui,
a partir das narrativas destes trabalhadores.
O que seria dos seres humanos se lhe tirassem o direito de sonhar? Os sonhos
conferem o desejo de aspirar e lutar por dias melhores. E na relação do trabalho, os
143
sonhos simbolizam o anseio de conquistar condições de trabalho dignas, compatíveis
com a segurança, a saúde e a satisfação profissional e pessoal do trabalhador.
Dessa forma, dividiu-se essa categoria em três partes: Condições de trabalho
seguras, em que será tratado o direito à segurança no trabalho, e a políticas de
capacitação, humanização, acolhimento e, portanto, valorização do trabalhador; saúde
como horizonte vislumbrado, quando será discutido o direito à saúde e a uma política de
promoção desta e, por fim, uma contribuição da enfermagem, quando seanalisado o
papel da enfermagem na contribuição para a garantia e promoção desses direitos.
Condições de trabalho seguras...
A luta por condições ambientais e organizacionais de trabalhos seguras e
favoráveis acompanhou a classe trabalhadora ao longo de sua história. No entanto, nos
dias atuais ela continua lutando por segurança no e com o trabalho.
[...] Falar logo pela segurança. A instituição não tem nem um
equipamento, uma porta giratória. Botou um lá, um negócio [...]. Que
dizem que se você entrar com um material metálico ele acusa. Eu fiz
um teste, passei com uma chave de roda do carro. [...] entrei na
instituição com a chave, e essa máquina nem buzinou [...] imagine
uma pessoa com uma faca, um revolver! (Abel)
A NR 9 estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação do
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), visando à preservação da saúde
e da integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e
conseqüente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a
existir no ambiente de trabalho (BRASIL, 1978).
Segurança no trabalho sugere condições de trabalho propícias a um
desempenho profissional. Nessa direção, os trabalhadores assinalam ainda para a
resolução dos problemas enfrentados com a complexidade dos sistemas operacionais, da
legislação, do atendimento, do material e dos equipamentos que oferecem suporte ao
trabalho.
144
Um sistema mais sofisticado, porque o sistema é lento, sistema
ultrapassado. [...]. Você não confia naquele programa, a gente tem
dúvida daquilo ali. E a legislação muda muito, deveria mudar menos.
A Constituição veio de 88 e sem alteração, e a legislação da
Previdência muda todo dia. (Abel)
[...] eu acho que a instituição teria que ter mais cuidado nessa parte
dos sistemas que a gente interage diariamente, para que a gente possa
executar uma tarefa digna, plena e totalmente voltada para o êxito. [...]
Eu acredito que se houvesse um jeito de a legislação ser mais flexível,
mais ágil nas mudanças [...]. Então é necessário que haja uma
padronização de atendimento, onde fosse unificado o que a gente
fizesse aqui [...] em qualquer parte do estado, ou até mesmo do Brasil.
Porque a legislação sendo única, e a lei é uma para todos, a gente teria
condições de fazer isso, porque não haveria a menor possibilidade
de a gente incorrer nesse erro. (Abraão)
E que tivesse um serviço de proteção para a gente [...]. E, chamasse
mais o sindicato e esses donos de terra que ficam dando declaração a
torto e a direito [...] Fazer um trabalho mais de campo [...] tivesse uma
assessoria para defender a gente. Um serviço médico para nos
acompanhar e uma assessoria jurídica para nos proteger. [...] E com os
presidentes dos sindicatos, fosse feito um trabalho em cima deles que
eles têm que ser mais éticos no trabalho deles, evitava muito isso, de
problema para funcionário. (Raquel)
E outra coisa, mudar a nossa informática! É péssima! (Ana)
Eu gostaria que pelo menos dessem condições de nós trabalharmos.
[...] falta impressora, falta computador, falta água, falta café [...] falta
melhorar na limpeza [...]. (Rute)
E também a parte de material. A gente também às vezes tem escassez
de material. [...] Uma melhor assistência nessas atividades para que a
gente possa executar tudo a tempo e à hora. Agora livre da pressão
[...]. (Abraão)
Essa situação é prevista pela NR 4 que estabelece a criação de Serviços
Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) nas
empresas privadas e públicas, cuja finalidade é promover a saúde e proteger a
integridade do trabalhador no local de trabalho. E ainda pela NR 5, que estabelece a
criação da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), a qual tem como
objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar
compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da
saúde do trabalhador (BRASIL, 1978).
Desse modo, pode-se fazer uma comparação com a definição de ergonomia
criada pela Associação Internacional de Ergonomia (IEA), que apresenta a Ergonomia
145
enquanto estudo das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas,
e a aplicação de teorias, princípios, dados e métodos à projetos, com a finalidade de
otimizar o bem-estar humano e o desempenho global do sistema. O estudo da
ergonomia contribui para o planejamento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de
trabalho, produtos, ambientes e sistemas de modo a torná-los compatíveis com as
necessidades, habilidades e limitações das pessoas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
ERGONOMIA, 2007).
Desta feita, a questão passa a ser a segurança com o trabalho que implica
qualificação. Nesse sentido, os trabalhadores almejam treinamentos que possam torná-
los capazes de atuar de forma segura e eficiente.
A questão da intensificação na parte de treinamento principalmente no
que diz respeito às mudanças na legislação, e a gente sendo informado
isso a tempo. (Abraão)
E cursos de informática também, treinamento no sistema. Mas o
sistema novo, não esse sistema que desde que eu entrei está aqui. [...]
falta investir! Tantos nos funcionários como nos maquinários. (Ana)
Com certeza mais treinamento. Porque tem vezes, essas medidas que
vêm, jogam para a gente aprender [...]. (Vasti)
Eu acho que a gente tem que se profissionalizar. Ser tratado como um
profissional. Ter treinamentos, reuniões técnicas. Ter
acompanhamento do que a gente es fazendo, ter grupos de
discussões. Tem uma dúvida, você leva aquele assunto para o grupo
discutir. (Marta)
[...] uma carreira de previdência [...] um plano de cargos e salários
[...]. (Abel)
Os trabalhadores entrevistados ao mesmo tempo anelam por uma assistência
técnica que os capacite a executar o seu trabalho de forma adequada a fim de prevenir
falhas e evitar punição injusta.
Antes que tivesse uma auditoria, chamasse a chefia daquele posto que
o funcionário trabalha e perguntasse quem é aquele funcionário de
verdade, se aquele funcionário é correto ou incorreto com as suas
obrigações [...] com as suas atividades. [...] Muita coisa é para ser
resolvida na própria agência. Se o funcionário fez aquilo porque não
146
sabia ou porque não tinha consciência daquilo que fez, então é para
ser resolvido na própria agência. E culpar quem deu o documento
falso. Não o funcionário. [...] eu acho que em toda agência, toda APS,
era para ter um de plantão, tudo passar por ele, o que a gente tivesse
dúvida, ele es aqui para nos orientar. E tivesse uma auditoria
preventiva, não punitiva. (José)
Em primeiro lugar, quando a auditoria analisar o processo, analisasse
a condição das agências, como estavam agora com essa história de
trabalhar cronometrado. De dar de conta em tanto tempo um processo
que eles não sabem que tamanho é, nem o que é que tem nele.
(Raquel)
Ter uma espécie assim de um trabalho, muita gente chama de
auditoria preventiva. Seria um trabalho de um grupo que
acompanhasse, mesmo que fossem não todos os processos [...] eu acho
também que talvez fizesse até parte desse grupo de saúde do
trabalhador, seria uma intervenção de vez em quando assim, com um
trabalho de dinâmica, de integração da equipe local, e das equipes
como um todo. (Marta)
O principal documento que disciplina as capacitações no âmbito do INSS é o
Manual das Ações de Capacitação e Desenvolvimento de Recursos Humanos, o qual
está fundamentado legalmente pelo Decreto 5.707/2006, pela Resolução
148/INSS/DC/2004, e pela Resolução 179/INSS/DC/2004, entre outros, e aprovado
pela Orientação Interna nº 19 INSS/DIRRH/2004 (BRASIL, 2006b)
O Decreto 5.707/2006 institui a Política e as Diretrizes para o
Desenvolvimento de Pessoal da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional, e tem como algumas de suas finalidades a melhoria da eficiência, eficácia e
qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão, o desenvolvimento permanente
do servidor público e a divulgação e gerenciamento das ações de capacitação (BRASIL,
2006b).
Dentre as diretrizes apresentadas pelo Decreto 5.707/2006, encontram-se:
assegurar o acesso dos servidores a eventos de capacitação interna ou externamente ao
seu local de trabalho; incentivar e apoiar as iniciativas de capacitação promovidas pelas
próprias instituições, mediante o aproveitamento de habilidades e conhecimentos de
servidores de seu próprio quadro de pessoal; estimular a participação do servidor em
ações de educação continuada, entendida como a oferta regular de cursos para o
aprimoramento profissional, ao longo de sua vida funcional; incentivar a inclusão das
atividades de capacitação como requisito para a promoção funcional do servidor nas
carreiras da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e assegurar a
147
ele a participação nessas atividades; oferecer e garantir cursos introdutórios ou de
formação, respeitadas as normas específicas aplicáveis a cada carreira ou cargo, aos
servidores que ingressarem no setor público, inclusive àqueles sem vínculo efetivo com
a administração pública; avaliar permanentemente os resultados das ões de
capacitação e elaborar o plano anual de capacitação da instituição, entre outras
(BRASIL, 2006b).
Dessa forma, entende-se que é direito do trabalhador do setor público federal, a
capacitação e o aperfeiçoamento, necessários ao seu desenvolvimento profissional.
Entende-se, ainda, que é dever da instituição oferecer essa política.
Outro fator que implica em um trabalho seguro e confortável é a divisão do
trabalho e a sua liberdade na execução. Assim, os trabalhadores reivindicam a
ampliação do quadro funcional, com capacidade de atender a demanda do serviço,
distribuição igualitária de tarefas, satisfação na realização do serviço, rotatividade nos
setores e suficiência do tempo gasto na execução do trabalho, livre de pressão. A
efetivação desses aspectos contribuirá com o contentamento e realização no trabalho.
Deveria ter mais servidores. [...] um trabalho de pesquisa, de
entendimento, saber como é que vocês estão aqui, umas reuniões. [...]
Deveria ter um concurso, fazer um estudo para saber quantos
funcionários faltam, e contratassem essa quantidade para diminuir o
peso e o cansaço dos funcionários. [...] ajudasse mais os funcionários
em termos de [...] diminuir a quantidade de processo. [...] Fazer uma
entrevista com os servidores, se você está gostando do seu setor, se
você queria mudar para outro local. (Abel)
[...] ter mais gente trabalhando para dividir essa carga. Porque você
dividindo a carga com outras pessoas, fica mais fácil de você levar o
barco. [...] contratasse mais gente para trabalhar, eu acho que era uma
válvula de escape [...]. (Noé)
E essa questão de que as atividades fossem distribuídas de tal maneira,
que ninguém fosse prejudicado, onde todos participassem de tudo e
que assim não houvesse sobrecarga nem para uns e nem para outros.
[...] desde que a gente tenha condições de fazer isso, de executar isso.
Sem pressões, e de olho na saúde. (Abraão)
[...] Outra coisa também que eu acho que deveria haver, não sei se a
gente chama uma reciclagem [...] eu trabalho aqui dez anos [...] a
gente vai ficando muito visada [...]. Eu acho que eles deviam mexer
mais com a gente, rodízio entendeu? A gente tem que ser mais
incentivada, mais estimulada [...]. (Marta)
148
A ergonomia é instituída pela NR 17 e visa estabelecer parâmetros que permitam
a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos
trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e
desempenho eficiente. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao
levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às
condições ambientais do posto de trabalho, e à própria organização do trabalho
(BRASIL, 1978).
Portanto, nas condições de trabalho, englobam-se a carga física, o mobiliário, a
postura, e os equipamentos. Nas condições ambientais de trabalho estão presentes o
ruído, a temperatura, a velocidade do ar, a umidade, que podem estabelecer o conforto
do ambiente de trabalho. E na organização do trabalho, apresentam-se as normas de
produção, o modo operatório, a exigência de tempo, a determinação do conteúdo-tempo,
ritmo de trabalho e o conteúdo das tarefas (BRASIL, 1978).
Dentre os objetivos traçados pela OMS para a saúde dos trabalhadores, estão a
proteção contra riscos ambientais decorrentes de causas desfavoráveis à saúde,
prevenção das irregularidades causadas pelas condições de trabalho e adaptação da
atividade ao trabalhador e deste ao trabalho. Além disso, um ambiente de trabalho
saudável e um trabalhador que goze de saúde, poderá trazer benefícios individuais e
coletivos, não somente para a saúde e qualidade de vida destes, mas também para a
motivação, satisfação produtividade e qualidade do trabalho (ORGANIZACÃO PAN-
AMERICANA DA SAÚDE, 2002).
A integração e o trabalho em equipe são agentes contributivos para a eficácia e
a eficiência de um trabalho e a conquista de um trabalhador fortalecido. Todavia, de
se buscar um espírito de colaboração, humanização e conscientização desses
trabalhadores e um ambiente de trabalho animador. de se ressaltar, também, o valor
que o reconhecimento pelo trabalho possibilita ao trabalhador, a sua realização
profissional e pessoal.
[...] se cada um fizesse a sua parte, se colocasse no lugar do colega, no
lugar do outro [...] coleguismo e amizade são coisas para toda a vida
[...]. De as pessoas mudarem, de as pessoas amadurecerem, as pessoas
passarem a viver e se colocar no lugar do próximo, viver o seu
problema, sem julgar [...]. (Rute)
149
[...] para mim é isso, é integração de equipes [...] Então, a gente tinha
que falar assim uma língua parecida. (Marta)
Que as pessoas, as chefias, as pessoas responsáveis, olhassem, dessem
mais valor aos funcionários, aqueles que trabalham. Desse mais
atenção, desse mais apoio, desse um agradecimento, uma palavra
amiga [...]. Eu gostaria muito que as coisas mudassem aqui dentro.
Que as pessoas fossem mais humanas e que as pessoas fossem mais
amigas, que as pessoas fossem mais sinceras umas com as outras. Que
as pessoas gostassem de trabalhar [...]. (Sara)
Eu acho que o que deveria ser feito era eles criarem um departamento
de valorização do servidor, para ver o bom servidor, aqueles que
produzem. (Isaque)
Esses relatos apontam para uma política de relações pessoais, humanização, e
acolhimento entre os trabalhadores e superiores.
Em relação ao termo humanizar, aplica-se, aqui, o conceito de humanização de
Betts (2003?) que define humanizar como a garantia da dignidade ética à palavra, na
concepção de ouvir as palavras do outro e receber palavras de reconhecimento, ou seja,
é o uso da comunicação através da linguagem de forma perceptível. Assim, necessita
perceber a dor, o sofrimento, o prazer do outro.
Nesse contexto, pode-se ainda tomar como base a Política Nacional de
Humanização do Ministério da Saúde, que entende por humanização a valorização dos
diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde (trabalho), os quais
sejam os usuários, os trabalhadores e gestores. Devendo essa política ser norteada por
valores como autonomia e protagonismo dos sujeitos, co-responsabilidade entre eles,
estabelecimento de vínculos solidários e participação coletiva no processo de gestão
(BRASIL, 2004b).
Além disso, um outro conceito que se aplica é o acolhimento, considerado,
aqui, como a arte de interagir, construir coisas em comum, descobrir nossa humanidade
mais profunda na relação com os outros e com o mundo real. Acolhimento é uma
relação interpessoal, é ser solidário, é se colocar no lugar do outro para avaliar seu
sofrimento. Dessa forma, relação é uma palavra chave para o acolhimento. Somente
quando compreendemos e vivemos as relações entre as pessoas, as coisas e os
fenômenos é que somos pessoas educadas e, portanto, realizamos o acolhimento. Logo,
acolher é um ato pedagógico (BRASIL, 2002b).
150
Por educação, utiliza-se o conceito de Václav Havel, presidente da república
Checa, definindo por educação a capacidade de perceber as conexões ocultas dos
fenômenos. Educar é antes de tudo um ato de ensinar a percepção das relações humanas,
das interações, ato este que em se tornado compreensível pode diminuir sentimentos de
incerteza, e medo (BRASIL, 2002b).
Destarte, pode-se afirmar que uma relação de trabalho acolhedora e humana,
tem práticas de segurança, qualificação técnica, relações interpessoais e valorização do
trabalhador, visando seu bem-estar e sua saúde.
Saúde como horizonte vislumbrado...
Gozar de saúde é o desejo de todo trabalhador. Logo, é mister instituir práticas
que favoreçam e conduzam a essa condição, entre elas, atendimento multiprofissional
em atenção à saúde física, mental e social do trabalhador e familiares.
A instituição devia ter um setor de medicina social, uma psicóloga, até
uma sala que tivesse massagem. Ou então, antes do atendimento a
gente fazer um alongamento, ensinar a gente a fazer alongamento.
(Abel)
Devia ter tipo assim, umas palestras, algumas coisas para se soltar,
porque a gente fica aqui muito tenso. No trabalho devia ter alguma
coisa para você se desligar um pouco daquela tensão, se soltar um
pouco [...]. Se tivesse pelo menos uns psicólogos [...] pelo menos uma
pessoa para você conversar e jogar um pouco aquela tensão fora.
(Enoque)
[...] Eu acho que se voltasse a ter aqueles exames periódicos, tivesse
um médico à disposição [...] pelo menos alguém para orientar. Olhe
você está fazendo isso, isso e isso, tenha calma e tal, uma ajuda
psicológica ao servidor e mais ainda para a família, porque muitos
saem daqui com esse problema todinho e descarregam em casa [...].
Se trabalhassem a vida do trabalhador em si, trabalhassem a família do
trabalhador também [...]. (Noé)
Essa questão da assistência, desse exame médico periódico, eu
acredito que isso é uma coisa que a instituição não pode abrir mão
de maneira nenhuma, a gente tem que passar por isso que é para ver
como é que anda a saúde da gente. (Abraão)
151
[...] um psiquiatra, um psicólogo, não médico para atender
segurado, mas para atender os seus funcionários. [...] porque a gente
precisa de atendimento também. Nós somos seres humanos e nós
também ficamos doentes. (Ana)
Gostaria que tivesse apoio. Um setor de serviço social, que
acompanhasse a gente, que verificasse para ver se a gente está com
algum problema de saúde. (Noemi)
Gostaria que fosse criado algum programa, alguma maneira de ajudar
as pessoas. [...] está precisando de alguma ajuda. De um apoio, de um
tratamento. (Jacó)
Eu desejaria o seguinte, que o colega que passasse o que eu passei
tivesse toda a assistência. A gente sabe que existem as pessoas, que
não trabalham corretamente, que essas pessoas realmente tivessem a
punição devida. [...] Mas, que fosse visto de outra forma e que tivesse
um acompanhamento da instituição. E com relação à saúde, que a
gente tivesse um acompanhamento de um psicólogo. Tivesse uma
assistência [...] acompanhamento, de um profissional, psicólogo, de
um médico do trabalho [...]. (Ester)
Tivesse acompanhamento de psicólogo, tivesse esse período para a
gente fazer um relaxamento, que isso é importante, e que a gente
tivesse mais direito [...]. (José)
De imediato, recriar esse quadro de saúde que havia. Dar-lhe uma
estrutura realmente compatível com as nossas necessidades [...] não
existe ergonomia nos nossos móveis. Isso está aleijando o pessoal! É a
coluna, são os braços. E à medida que você vai ficando doente, isso
vai influenciando no trabalho e você, se não tiver alguém para
consertar isso aí, você vai continuar e a tendência é diminuir a
qualidade do serviço, diminuir a qualidade de vida. (Sansão)
Eu acho que deveria ter, realmente, um programa relacionado a isso
aí. Se preocupar com o ambiente de trabalho, com as condições de
trabalho. Principalmente, tem muitos colegas da gente que está
adoecendo, muitos estão morrendo em conseqüência do trabalho.
(Moisés)
[...] um lugar para a gente se reunir, e de vez em quando a gente fazer
um treinamento, a gente fazer uma terapia, é bom. Eu acho que toda
semana, de vez em quando sair um grupo, passar um fim de semana
em um lugar, reunir para a gente conversar, isso falta, é bom. [...]
Hoje vamos conversar, esquecer negócio de Benefício vamos fazer
outra coisa diferente aqui, isso falta. E muito! E evitava muita
doença, muito estresse [...]. (Gideão).
A constituição Federal, Artigo 196, prevê a saúde como direito de todos e
dever do Estado, garantido por intermédio de políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
152
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Um outro
fator é que a Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 determina as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, além do funcionamento dos serviços de saúde,
cujas ações inclui a saúde do trabalhador (BRASIL, 1990b).
Desse modo, universalidade, eqüidade e integralidade são os princípios que regem
o Sistema Único de Saúde (SUS). Por Universalidade entende-se, a saúde como direito de
cidadania de todas as pessoas e dever do Estado em assegurar esse direito; por eqüidade
entende-se, tratar igualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior e,
por integralidade entende-se considerar a pessoa como um todo, atendendo a todas as
suas necessidades, portanto, integrar as ações de promoção, prevenção, tratamento e
reabilitação e promover a articulação com outras políticas públicas (BRASIL, 1990b).
Buscando explicar a integralidade, Alves (2005) afirma que esse princípio
contrapõe-se à abordagem fragmentária e reducionista dos indivíduos. O olhar do
profissional, nesse sentido, deve ser totalizante, com apreensão do sujeito
biopsicossocial. Seria, assim, caracterizada pela assistência que procura ir além da
doença e do sofrimento manifesto, buscando apreender necessidades mais abrangentes
dos sujeitos. Em conformidade com o princípio da integralidade, a abordagem do
profissional de saúde não deve se restringir à assistência curativa, buscando dimensionar
fatores de risco à saúde e, por conseguinte, a execução de ações preventivas, a exemplo
da educação para a saúde (ALVES, 2005).
A saúde do trabalhador engloba um conjunto de atividades que se destina, através
de ações de vigilância epidemiológica e sanitária, à promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores assim como à reabilitação dos acometidos por agravos relacionados ao
trabalho (BRASIL, 1990b).
Na assistência à saúde do trabalhador, o Ministério da Saúde formula a Portaria
3.120/98, que inclui o trabalhador como campo de atuação e atenção à saúde, através de
ações de vigilância em saúde do trabalhador (BRASIL, 1998a). Formula, ainda, através da
Portaria 3.198/98, a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (NOSTSUS/98), que
estabelece procedimentos para orientação e instrumentalização das ações e serviços de
saúde do trabalhador no SUS (BRASIL, 1998b).
Através do Ministério do Trabalho, o trabalhador também conta com as Normas
regulamentadoras que estabelecem o cuidado com a saúde e a segurança no trabalho. Dentre
elas encontram-se a NR 7, que institui a obrigatoriedade de elaboração e implementação
para todos os empregadores e instituições do Programa de Controle Médico de Saúde
153
Ocupacional (PCMSO), que tem como objetivo promover e preservar a saúde dos
trabalhadores; e a NR 5, outra norma que regulamenta a saúde do trabalhador através da
implementação da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), cujo objetivo é
a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar
compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da
saúde do trabalhador (BRASIL, 1978).
E ainda, a assistência à saúde dos trabalhadores do setor público está prevista
na Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990 em seu artigo 230 (BRASIL, 1990a),
através da implementação de ações preventivas voltadas para a promoção da saúde que
deverá ser prestada pelo SUS, diretamente pelo órgão ou entidade ao qual estiver
vinculado o servidor, ou mediante convênio ou contrato.
Dentre as políticas direcionadas para a saúde do trabalhador, importa fazer
referência às Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador. No ano de 2005, após
propostas deliberadas pelas conferências estaduais e municipais aconteceu a III
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, cujas deliberações visam a garantir
uma ação integral e transversal do estado em relação à saúde dos trabalhadores;
incorporar a saúde dos trabalhadores nas políticas públicas; efetivar e ampliar o controle
social em saúde dos trabalhadores (BRASIL, 2005).
Diante de todos esses preceitos que garantem a promoção e a assistência a saúde
do trabalhador, e de um quadro preocupante em relação à saúde dos trabalhadores do setor
público federal, bem como a falta de um serviço que atenda a essa necessidade, o Ministério
do Planejamento, por força do Decreto nº. 5.961/2006, instituiu o Sistema Integrado de
Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal (SISOSP). Esse sistema tem a
finalidade de uniformizar procedimentos administrativo-sanitários na área de gestão de
recursos humanos e promoção da saúde ocupacional do servidor (BRASIL, 2006a).
É mister apresentar dois conceitos bem discutidos nesse contexto que são de
relevada importância para a área de saúde dos trabalhadores: Promoção e Vigilância à
Saúde. Entende-se por Vigilância à Saúde uma forma de pensar e agir que tem como
objetivo a análise permanente da situação de saúde da população e a organização e
execução de práticas de saúde adequadas ao enfrentamento dos problemas existentes.
As estratégias de intervenção da vigilância na atenção básica resultam da combinação
de ações de vigilância, promoção da saúde, e prevenção e controle de doenças e agravos
(MENDES, 1996).
154
A Vigilância à Saúde do trabalhador envolve ações de assistência as vítimas de
acidente e doença profissional e do trabalho, estudos, pesquisas, avaliação dos riscos e
agravos, informação ao trabalhador e a entidade sindical sobre riscos e agravos,
avaliações ambientais e exames profissionais. Tem por finalidade o controle de riscos e
agravos, prevenção de acidentes, e promoção da saúde do trabalhador (BRASIL,
2007b).
O Processo de Promoção à Saúde foi preconizado na I Conferência
Internacional de Saúde, com a produção da Carta de Ottawa, em que ficou estabelecido
que a promoção à saúde envolve condições sócio-econômicas como emprego, renda,
habitação, infra-estrutura adequada às necessidades humanas, ecossistema estável,
alimentação, justiça social, educação, capacitação da comunidade para atuar na
melhoria da qualidade de vida e saúde global (CARTA DE OTAWWA, 1986).
Tratando-se da promoção da saúde na concepção da saúde do trabalhador, esta
compreende a relação saúde-trabalho, que tem como objetivo a promoção, proteção e
atenção à saúde dos trabalhadores. As intervenções em saúde do trabalhador direcionam
para a transformação dos processos de trabalho em seus diversos aspectos, não apenas
da eliminação de riscos pontuais que podem ocasionar agravos à saúde, mas também no
processo produtivo com a finalidade de potencializar a saúde e a vida (BRITO; PORTO,
1991).
Após análise das expectativas dos trabalhadores entrevistados, na direção da
esperança apontada pelos preceitos legais que regem os direitos sociais dos cidadãos e
em especial dos trabalhadores, há de se encontrar uma forma de contribuir com a
realização desses benefícios. Desse modo, passa-se a discorrer sobre o compromisso
social da enfermagem em busca do exercício da cidadania de trabalhadores em seus
aspectos individual e coletivo.
Uma contribuição da enfermagem...
Ao interrogarem-se os trabalhadores desta pesquisa, verifica-se a constância de
um padecimento por parte deles em amargurar tamanho sofrimento ocasionado pelo
trabalho, da mesma forma em que se vêem entregues a própria sorte. Assim sendo,
esperam que por meio deste trabalho, fomente-se na instituição um sentimento de
155
humanização e valorização para com aqueles que a conduzem com esmero e dedicação:
os trabalhadores.
Eu queria acrescentar que gostei muito porque isso aqui é bom que a
gente desabafa uma coisa que está dentro da gente assim, que a gente
não tem nem oportunidade, que a instituição não faz um trabalho
desses [...]. (Abel)
Eu queria acrescentar se possível disso aí, viesse algo para ajudar a
gente. (Enoque)
Eu acho que é um trabalho importante que você está fazendo, espero
que seja usado pela administração. [...] e que esse trabalho seja
publicado realmente para as pessoas verem lá fora, que o servidor
público não é aquela pessoa que está trabalhando sem fazer nada. [...]
Espero que realmente, que esse trabalho que você particularmente
esteja fazendo seja um trabalho que tenha publicidade, e que a gente
consiga ver uma luz no fim do túnel, porque hoje está tudo escuro.
(Noé)
Eu teria que, agora nesse momento agradecer a você, o fato de ter me
dado essa oportunidade, porque esse trabalho nunca tinha sido feito,
em momento algum na previdência. E você fazendo esse trabalho, vai
trazer a tona toda essa situação, e isso eu acredito que beneficiar, e
muito, aqui a nossa condição que é sofrida. Mas que eu louvo a sua
atitude de pegar esse tema da Previdência e ter a coragem de levar
adiante, isso é maravilhoso! E eu acredito que quando esse seu
trabalho chegar ao final, que ele for divulgado aqui, com certeza ele
repercutirá muito bem. (Abraão)
Gostaria de agradecer, [...] a pessoa que esnesse trabalho [...] que
por meio dele a gente tivesse êxito em alguma coisa, que melhorasse
[...] porque eu acho que a Previdência Social teria condição sim, de
melhorar alguma coisa nesse sentido, para os funcionários. (Ester)
É muito interessante esse trabalho que está sendo feito por você. [...] e
espero que ele possa trazer para o dirigente da nossa instituição
previdenciária, um pouco de sensibilidade, para ele acordar que nós
somos seres humanos, não somos simplesmente máquinas. (Sansão)
O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, em seus princípios
fundamentais, define a enfermagem como uma profissão comprometida com a saúde do ser
humano e da coletividade, através da atuação na promoção, proteção, recuperação da saúde
e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais (CONSELHO FEDERAL
DE ENFERMAGEM, 2007).
156
De acordo com Araújo (1991), uma das características da prática da
enfermagem é a inserção de seus agentes em todos os momentos do processo de
trabalho em saúde. A Enfermagem do Trabalho caracteriza-se por um conjunto de
ações educativas e assistenciais que visam a interferir no processo trabalho-saúde-
adoecimento, tendo em vista a promoção e valorização do ser humano (HAAG;
LOPES; SCHUCK, 2001).
Vale ressaltar, ainda, a definição, segundo Picaluga (1983 apud HAAG;
LOPES; SCHUCK, 2001), do processo trabalho-saúde-adoecimento como resultante da
complexa dinâmica de interação das condições gerais de vida, das relações de trabalho e
do controle que os próprios trabalhadores executam para interferirem em suas próprias
condições de vida e trabalho.
Segundo Haag, Lopes e Schuck (2001), a enfermeira compõe a equipe de saúde
do trabalhador com a prestação da assistência e cuidados de enfermagem a
trabalhadores, promovendo e zelando pela sua saúde contra os riscos ocupacionais,
atendendo os doentes e acidentados, visando ao seu bem estar físico e mental, como
também planeja, organiza, dirige, coordena, controla e avalia a atividade de assistência
de enfermagem, nos termos da legislação reguladora do exercício profissional.
Os campos de atuação da enfermagem do trabalho compreendem atividades
assistenciais, desenvolvendo cuidados e ações que visam atender às necessidades de
proteção e recuperação da saúde dos trabalhadores; administrativas, através de ações de
planejamento, organização, direção, coordenação e avaliação da atividade de
enfermagem e de suas funções técnicas e auxiliares; educativas, por intermédio de ações
relacionadas com a educação para a saúde dos trabalhadores, para prevenção de
acidentes e doenças e orientação para um estilo de vida saudável, assim como educação
continuada da equipe de integração, participando da elaboração e desenvolvimento de
trabalhos nas áreas afins, intercâmbio técnico com instituições de classe e de saúde,
consultoria de enfermagem para melhoria da saúde dos trabalhadores e de pesquisa,
promovendo estudos de pesquisa no âmbito do processo de trabalho/saúde/adoecimento
que contribua para o conhecimento e a prática profissional (HAAG; LOPES; SCHUCK,
2001).
Legitimamente a enfermeira faz parte dos SESMT legalizada por meio da
Portaria do Ministério do Trabalho n
o
3.460/75, vinculado a gradação de risco e número
de empregados do estabelecimento (BRASIL, 1975).
157
Na saúde coletiva, por meio do Programa de Saúde da família (PSF), parte
integrante das políticas públicas de saúde do SUS, o enfermeiro compõe a equipe de
saúde do trabalhador através das seguintes ações: programar e realizar ações de
assistência básica e vigilância; realizar investigações em ambiente de trabalho e
domicílio; realizar entrevista em saúde do trabalhador; notificar acidentes e doenças;
planejar e participar de atividades educativas (BRASIL, 2002a).
No âmbito da atenção aos trabalhadores do setor público federal, além da rede
de assistência do SUS, o SISOSP prevê a atuação do enfermeiro como parte integrante
da equipe multiprofissional de saúde, atuando de forma a: realizar acolhimento do
trabalhador a fim de prepará-lo para os procedimentos e exames devidos; supervisionar
e capacitar serviços auxiliares e técnicos de enfermagem; elaborar e participar de
programas de promoção à saúde do trabalhador; fazer encaminhamentos para os
serviços de saúde; prestar esclarecimentos quanto à concessão de licença para
tratamento de saúde, perícia médica, reabilitação profissional e outros; promover
atividades educativas de promoção e prevenção das patologias mais incidentes no
trabalho e na região; realizar visitas domiciliares, hospitalares e ao local de trabalho
para buscar subsídios para estudo de caso em análise; realizar grupos de gestantes e
dependentes químicos juntamente com a equipe; participar da consolidação de dados de
atendimentos diários e mensais, entre outras (BRASIL, 2006a).
Para abranger a saúde coletiva, o trabalho de enfermagem tem se diversificado
indo desde o cuidar, seja do indivíduo, família e grupo da comunidade, passando pelas
ações educativas, administrativas, até a participação no planejamento em saúde
(ALMEIDA et al, 1991).
As atribuições de enfermagem do trabalho no campo da pesquisa incluem
participar de estudos e pesquisas sobre os riscos de doenças ocupacionais, com o
objetivo de diminuir o índice de morbidade/mortalidade; participar de estudos
epidemiológicos com o objetivo de manter o diagnóstico da comunidade trabalhadora
atualizado, para fins de subsidiar o estabelecimento de medidas de prevenção e proteção
à saúde e participar dos trabalhos de investigação de surtos epidemiológicos no local de
trabalho e na comunidade (HAAG; LOPES; SCHUCK, 2001).
Portanto, considerando-se a concepção da prática da enfermagem, pode-se
afirmar que possui elementos e subsídios próprios e um vasto campo de ações e
interação. A enfermagem utiliza conhecimentos científicos e metodológicos em seu
saber e ação. A enfermagem é ainda uma arte por estar caracterizada no cuidado com o
158
ser humano e com o ambiente. Dessa forma, importa que essas condutas sejam
edificadas também em valores éticos, morais e humanos, voltados à qualidade da
assistência e de uma prática educativa, sensível e acolhedora.
Diante do perfil empírico constatado, será apresentado um plano estratégico de
ações como forma de sugestões no momento das considerações finais, o qual deverá ser
encaminhado à instituição na qual foi realizada a pesquisa e aos trabalhadores que dela
participaram, bem como à sua representação sindical.
Contudo, espera-se que através desta pesquisa, ofereça-se uma relevante
contribuição para o trabalho e a arte da enfermagem, e para a segurança e saúde dos
trabalhadores enquanto pesquisa da área temática de enfermagem em saúde do
trabalhador. Sobretudo, espera-se contribuir com as esperanças dos trabalhadores
entrevistados, a qual seja: uma condição de trabalho menos sofrida e mais humana.
Respondendo às perguntas iniciais quando da problematização desta pesquisa,
momento no qual a autora se indagava como a enfermagem poderia contribuir para a
melhoria da saúde de trabalhadores que vivenciaram formas de violência em seu
cotidiano de trabalho, considera-se que:
1) Como questão inicial, o fato em si de se admitir que essas formas de
violência existem e explicitá-las, trazendo à luz da avaliação empírica embasada por um
referencial teórico consistente, já é um primeiro passo para o diagnóstico, planejamento
e execução de atividades voltadas para a prevenção de riscos e agravos à saúde do
trabalhador;
2) Refletir sobre as possibilidades de contribuição da enfermagem no
atendimento à saúde do trabalhador;
3) Elaborar sugestões para a instituição e para a enfermagem.
Essas sugestões poderão orientar a implementação e manutenção de ações de
enfermagem voltadas para a saúde do trabalhador.
A terra não precisa ser um vale de lágrimas.
Ela pode transformar-se num lar comum,
onde fogo e óleo para todos ao redor da
mesma mesa, a desfrutar da conviviabilidade
humana e da bondade de todas as coisas.
(Leonardo Boff)
160
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo analisa a banalização da injustiça social como forma de
violência, enquanto prática presente no ambiente de trabalho, e ainda a relação e
impacto que esses fatores causaram ao mundo do trabalho e à saúde dos trabalhadores,
em especial do trabalhador do setor público federal.
O trabalho é condição central na vida do ser humano porque através dele o
homem produz sua existência, sua subsistência e as relações sociais. No entanto, a
globalização acompanhada pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia aliados à
ordem capitalista neoliberal transformaram o mundo do trabalho de um artesanato de
prazer e realização em uma indústria de sofrimento, doenças, dor, desilusões, injustiça e
exclusão social.
Com o intuito de enfatizar as informações essenciais reveladas nas análises
efetuadas sobre os fatores que desencadeiam a violência pela banalização dos problemas
e das questões da saúde dos trabalhadores de uma instituição pública federal de seguro
social no Estado do Rio Grande do Norte, foram construídas algumas considerações a
fim de centrar o objeto estudado em uma dimensão política e social, ética e humana,
para tornar possível a busca de possíveis mudanças.
Dessa forma, resgatou-se a vivência dos trabalhadores desta pesquisa em seu
cotidiano de trabalho, as formas de violência presentes no ambiente de trabalho deles e
as conseqüências trazidas por essas formas de violência na saúde e na vida destes
trabalhadores. Buscou-se também, caracterizar a banalização da injustiça social como
forma emergente de violência no trabalho, bem com as expectativas destes
trabalhadores com relação a possíveis melhorias em seu ambiente de trabalho.
Contemplando os objetivos deste estudo, em resposta às questões de pesquisa,
e considerando as análises e discussões realizadas, produziram-se quatro categorias
empíricas a saber: o cotidiano no ambiente de trabalho e sua influência na profissão e na
vida dos trabalhadores; a violência presente no ambiente de trabalho e suas
conseqüências na vida e na saúde dos trabalhadores; a banalização da injustiça social; a
propósito da violência contra o trabalhador e sonhos divisados: a propósito da
contribuição da enfermagem.
No contexto do cotidiano no ambiente de trabalho e sua influência na profissão
e na vida dos trabalhadores, constatou-se que os trabalhadores entrevistados possuem
161
uma jornada de trabalho de seis horas diárias. No entanto, em virtude da demanda de
atendimento e serviços, por vezes é necessário extrapolar essa carga horária. Por se
tratar de uma instituição de seguro social, a maioria dos trabalhadores atua no setor de
Benefícios, enquanto que os demais exercem atividades de apoio e administração a esse
serviço.
As atividades desenvolvidas no setor de benefícios desencadeiam cansaço
físico e mais freqüentemente cansaço mental, devido aos fatores de condições e
organizações de trabalho desfavoráveis. As principais causas do cansaço relacionadas às
condições de trabalho são a inadequação dos sistemas instrumentais de trabalho, as
pressões exercidas pelos clientes por um atendimento ágil e a falta de um trabalho de
apoio para localizar documentos necessários ao trabalho, fazendo com que sejam
interrompidas as atividades para a realização desta tarefa.
Com relação à organização do trabalho, o cansaço é causado principalmente
pela falta de instruções e apoio técnico para o desenvolvimento de suas atividades; pela
complexidade e dinâmica da legislação que embasa os procedimentos, dificultando o
seu entendimento e aplicação; pelo estabelecimento de prazos e cobrança para a
execução do trabalho, que estão além das condições físicas e mentais destes
trabalhadores e pela complexidade, demanda e acúmulo de serviços, impossibilitando-
os de seu cumprimento.
A influência negativa no desempenho profissional, ocasionada pelas condições
de trabalho se dá pelo desgaste físico e emocional, ocasionado pelas exigências diversas
do atendimento ao público, somados a outros fatores internos do ambiente de trabalho
como falta de recursos estruturais, técnicos e de pessoal, e a necessidade de constante
atualização para a observância adequada da legislação, pois a falta de conhecimento
adequado desta leva a incorrer em erro administrativo, o que tem ocasionado o medo no
trabalho.
Essas condições de trabalho influem na vida pessoal, uma vez que dificultam a
realização das necessidades individuais e familiares, que dedicam longo período de
tempo ao trabalho comprometendo o tempo livre para a resolução dos problemas
pessoais.
Os trabalhadores do setor de Benefícios apresentam insegurança acentuada
para com o exercício de suas atividades, devido ao grande número de informações de
que necessitam dispor para a execução do seu trabalho, pela complexidade e mudanças
constantes da legislação, pela insuficiência de treinamentos e pela possibilidade de
162
fraude por parte da documentação apresentada pelo usuário. Esse clima de insegurança
presente no setor de Benefício, pressionados pelo trabalho, geram tensão e medo nos
trabalhadores, contribuindo para o mau desempenho profissional.
Existem situações de ansiedade, conflito e tensão no ambiente de trabalho dos
trabalhadores desta pesquisa, as quais estão relacionadas às condições e organizações
deste. Como condição de trabalho, as causas que desencadeiam a ansiedade, o conflito
e a tensão são a grande demanda, as agressões físicas e morais e a documentação
ilegítima apresentadas por parte da clientela, somados à falta de ética e relacionamentos
conflitantes e opressores por parte dos colegas.
Como organização de trabalho, a ansiedade, o conflito e a tensão são causados
pelas falhas apresentadas nos sistemas operacionais, pela complexidade e divergência
nas informações e na legislação previdenciária, pela falta de apoio por parte da
instituição para a realização do trabalho e pela escassez de recursos humanos. Essas
causas trazem conseqüências e prejuízo ao exercício do trabalho, pela insegurança,
medo e vulnerabilidade funcional que elas provocam, ocasionadas pelo exercício de
pressão por prazo, produção e perfeição do trabalho e pela responsabilização
administrativa e criminal de dolo e contra a Previdência sem, contudo, ser-lhes
ofertado condições propícias para tal. Essa situação tem levado muitos trabalhadores a
doenças e até a morte.
Os fatores responsáveis pela falta de realização profissional dos trabalhadores
entrevistados englobam as situações de cobrança pela eficiência e eficácia, a
insatisfação e falta de estímulo com o trabalho, a insegurança gerada pela falta de
qualificação e apoio técnico por parte da instituição, que ao invés de promover
capacitação e educação dos trabalhadores, pune os mesmos quando por limitação
cometem erros.
Os trabalhadores dos serviços de apoio administrativo, que não atuam na área
de Benefícios, em sua maioria não associaram suas atividades ao cansaço físico e
mental, a influência delas no desempenho da vida profissional e pessoal, nem a
insegurança para a realização das atividades. Além disso, demonstram gosto, satisfação
e completude com o seu trabalho, motivos pelos quais se sentem realizados
profissionalmente.
Na dimensão da violência presente no ambiente de trabalho e suas
conseqüências na vida e na saúde dos trabalhadores, comprovou-se que foram
identificados no ambiente de trabalho dos trabalhadores desta pesquisa dois grupos de
163
violência: a violência externa, aquelas originadas de fatores externos ao ambiente de
trabalho; e a violência interna, aquelas originadas de fatores internos ao ambiente de
trabalho.
O grupo da violência externa apresentou três tipos subgrupos: agressão física e
verbal, sofrimento psíquico e desvalorização do trabalhador. O primeiro tipo, agressão
física e verbal, é oriundo dos usuários, e tem como causas: a insatisfação e espera
relacionadas ao atendimento e à burocracia, à condição social e intelectual, à doença, às
questões burocráticas e o indeferimento do pedido. Esse tipo de violência é agravado
pela falta de segurança e proteção no e com o trabalho.
O segundo tipo, o sofrimento psíquico, é oriundo do contato como sofrimento
alheio e tem como causas o contato com pessoas doentes e carentes sem muitas vezes
ter condição de atendê-las. O Terceiro tipo, a desvalorização do trabalhador, é oriundo
da mídia e causado pela falta de credibilidade atribuída aos trabalhadores.
O grupo da violência interna apresentou três subgrupos: assédio moral, assédio
psicológico e violência estrutural ocupacional. O primeiro tipo, o assédio moral, parte
da Instituição, dos colegas e superiores e tem como causas as acusações de dolo e fraude
levando o trabalhador a responder administrativamente e criminalmente, inclusive com
punição e advertência; a imposição de poder e perseguição contra o trabalhador; os
maus tratos e a negação dos direitos à defesa e supressão dos direitos.
O segundo tipo, o assédio psicológico, parte da Instituição e dos superiores e é
causado pela pressão por um atendimento cronometrado com exigência de quantidade e
qualidade, cobrança de produtividade e imposição de tarefas. O terceiro tipo, violência
estrutural ocupacional, parte da organização do trabalho e tem como causas a falta de
organização e divisão do trabalho, a precariedade das condições de trabalho, a falta de
segurança profissional e o desinteresse no atendimento da valorização do trabalhador.
uma certa tendência por parte de alguns dos trabalhadores entrevistados em
caracterizar a violência somente pela agressão física ou verbal. Os trabalhares do setor
público, ao intermediarem o campo público diante dos interesses dos usuários, sofrem o
impacto dessa violência que embora causadora de danos à saúde física e psíquica, é
facilitada pela instituição que se omite na prevenção e cuidados de suas vítimas. Em
particular a agressão verbal, por não causar danos aparentes, passa despercebida e tende
a ser naturalizada, no entanto, denotam uma carga de danos morais que trazem
sofrimento e humilhação a esses trabalhadores. As condições ambientais, estruturais e
organizacionais do trabalho inseguras e inapropriadas à capacidade física e mental
164
destes trabalhadores, caracterizam-se como forma de violência e transtorno à sua vida
profissional, pessoal e à sua saúde.
As conseqüências pelas diferentes formas de violência identificadas no
ambiente de trabalho dos trabalhadores desta pesquisa incidem em suas vidas,
explicitadas por fatores de ordem profissional, econômica e moral, e à sua saúde física,
biológica, mental e emocional.
As conseqüências que provocam danos à vida advêm da acusação de erro
doloso ou culposo contra a instituição, levando-os a responder processos
administrativos e muitas vezes criminais, e repercutem em dificuldades para esses
trabalhadores, tais como: problemas de ordem financeira, por terem que custear
honorários advocatícios para constituir suas defesas; pressão psicológica, por aguardar
julgamento do processo; danos morais, por serem acusados injustamente de terem
cometido uma fraude contra a previdência, inclusive repercutindo sobre a sua
integridade diante dos colegas; danos pessoais, quando suprimidos os direitos de
deslocamento para outro setor e de gozar as férias, além do prejuízo às relações pessoais
e familiares e sentimento de insegurança, desmotivação e medo em relação ao seu
trabalho.
Ficou evidenciado também o sofrimento, humilhação e medo sentidos por
esses trabalhadores em virtude dessas conseqüências, além da insegurança na realização
das atividades.
A saúde dos trabalhadores desta pesquisa foi a categoria que apresentou
maiores conseqüências pelas diferentes formas de violência presentes no seu ambiente
de trabalho. Somente dois dos trabalhadores entrevistados admitiram o ter sofrido
nenhuma conseqüência à sua saúde ocasionada por violência sofrida no ambiente de
trabalho. Um deles também não afirmou ter sofrido violência e o outro expôs um relato
de agressão moral por parte do usuário.
Foram identificadas nas narrativas dos trabalhadores as seguintes doenças ou
disfunções: sintomas específicos de cefaléia e insônia, lesões por esforço repetitivo
dentre elas a tendinite, gastrite, estomatite, diabetes, nódulos de mama, hipertensão,
cardiopatias, alteração na visão, alteração da homeostase, labirintite, depressão, estresse,
alterações das funções mentais relacionadas à emoção, aos juízos, aos sonhos, ao
comportamento e a atenção, transtornos de ansiedade, transtorno fóbico ansioso,
transtorno do pânico e outros transtornos mentais não especificados. As informações
estatísticas buscadas nas fichas médicas dos trabalhadores nas APS da GEXNAT
165
abordadas nesta pesquisa comprovam esses achados. Os números revelam que o total de
trabalhadores afastados por doença e o total de dias de afastamentos nos últimos cinco
anos, constituem, respectivamente, duzentos e noventa e três trabalhadores e oito mil
quatrocentos e setenta e cinco dias.
Embora sendo o setor público um ambiente de trabalho aparentemente
saudável em relação à presença de riscos ambientais, pontuando-se o risco ergonômico
como único aparente, a influência que a condição e organização de trabalho exercem
sobre o corpo e a mente dos trabalhadores entrevistados está gerando violência e
causando impactos à vida e à saúde desses trabalhadores nos níveis individual, local e
social.
Na conjuntura da banalização dos problemas e da saúde dos trabalhadores
desta pesquisa, como forma emergente de violência no trabalho, ficou constatado,
segundo relato de todos os trabalhadores entrevistados, não haver qualquer ação por
parte da instituição com respeito à resolutividade dos problemas por eles enfrentados, e
na questão da valorização, segurança e saúde dos trabalhadores. Esses trabalhadores
informaram que no passado, houve um setor de medicina social que oferecia
atendimento médico, psicológico e social. E ainda, com relação à qualificação
profissional, mencionaram a existência na seção de recursos humanos de um setor de
treinamento, todavia, questionam a eficácia dos serviços por ele oferecidos.
Deu-se o nome de banalização da injustiça social para essa situação, a qual foi
definida por um ato ordinário e injusto, portanto, desumano, de negar o direito
individual ou coletivo, de não dar o devido valor ou importância, a algo ou a alguém,
constituindo uma forma de violência aplicada aos homens, em especial nas relações de
trabalho. Dessa forma, para se proceder a análise desta conjuntura, fez-se necessário
dividi-la em três pontos: a banalização dos problemas e das condições de trabalho, a
banalização da saúde e a banalização da qualificação e valorização profissional.
A banalização dos problemas e das condições de trabalho que os trabalhadores
desta pesquisa enfrentam e a falta de atenção por parte da instituição para sua resolução
ocasionam sofrimento e padecimento a esses trabalhadores, caracterizando-se, assim,
como uma violência deveras maléfica ao trabalhador. Outro fator apontado foi a
banalização das condições desfavoráveis no trabalho, tanto no que diz respeito à
realização das atividades quanto às apresentadas no ambiente de trabalho.
Também foi identificada uma insatisfação desses trabalhadores diante da
pressão por produção e prazo, somadas à sobrecarga de trabalho trazidas com a escassez
166
de recursos humanos, acarretando não só constrangimento aos trabalhadores, como
também o seu adoecimento. Informações estatísticas apresentadas pela Seção de
Recursos Humanos da instituição contexto da pesquisa demonstraram que a quantidade
de trabalhadores contratados nos últimos cinco anos foi proporcionalmente superior a de
trabalhadores aposentados no mesmo período. No entanto, essas informações
correspondem a números gerais de trabalhadores de toda a gerência Natal, sem,
contudo, considerar as categorias, os trabalhadores cedidos e os afastados por motivo de
licença, o que certamente inverteria essa proporção.
Do mesmo modo, a instituição tem demonstrado descaso e desatenção para
com a saúde dos trabalhadores desta pesquisa, pela falta de um serviço que atenda a essa
necessidade, caracterizando a banalização da saúde e, portanto, a violência praticada
contra esses trabalhadores. Os trabalhadores entrevistados apresentam um sentimento de
revolta e indignação pela desativação do setor de medicina social que existiu no passado
e demonstram que a sua saúde está sucateada, entregue a própria sorte.
Muitos trabalhadores estão adoecendo em virtude das más condições
ergonômicas relacionadas ao trabalho, e essa falta de cuidado por parte da instituição
somente contribui para agravar a situação. Desta forma, conclui-se que a falta de uma
política de atenção à saúde do trabalhador, no sentido da promoção e prevenção e que
vise a economia psicossomática na concretização dessas aspirações trará,
conseqüentemente, maior comprometimento do aparelho psíquico do sujeito, e, portanto,
configura-se como uma forma de violência ao trabalhador.
A banalização da qualificação e valorização profissional foi caracterizada pelos
trabalhadores entrevistados pela demonstração de insatisfação quanto ao papel do setor de
recursos humanos, por faltar com a valorização humana, social e profissional do
trabalhador. A isso, acrescentou-se a negligência na questão do treinamento,
aperfeiçoamento e conhecimento técnico ofertados pela instituição e necessários ao
exercício profissional desses trabalhadores, comprometendo a segurança e o domínio do
trabalho.
Outro fator que causa a indignação desses trabalhadores é a falta de valorização
e reconhecimento quanto à importância e utilidade do seu trabalho por parte do poder
público e ainda por parte da sociedade. A esse respeito, concluiu-se que a lógica
capitalista presente nos setores de serviços públicos, da subproletarização e da
desqualificação da classe trabalhadora, limita a sua capacidade de crescimento
167
intelectual e profissional, limitando, por conseguinte, a sua capacidade de pensar e agir
diante da injustiça, da banalização do sofrimento e da violência aplicada a estes.
O tratamento conferindo a esses trabalhadores, segundo eles, é de desamparo,
desrespeito e humilhação, além de ser desumano, fazendo-os sentirem-se como algo
descartável, apenas um número para a instituição. O sentimento desses trabalhadores
para com a instituição que trabalham é de frustração, revolta e descontentamento,
atribuídas a essa política de des(humanização) e des(valorização) utilizada por ela.
No contexto das expectativas e da contribuição da enfermagem na atenção aos
sonhos divisados, constatou-se que por ocasião das expectativas, observou-se nos
trabalhadores entrevistados o desejo de vislumbrar dias melhores, tratamento mais justo
e mais humano. Desta forma, necessário se faz buscar uma discussão em torno dos
direito sociais de cidadania, que visem alcançar os sonhos e propor alternativas capazes
de defender a melhoria nas condições de trabalho, a fim de prevenir a violência no
ambiente em que ele se realiza e promover a saúde desses trabalhadores. Assim, a
análise se deu em torno de condições de trabalho seguras, da saúde como horizonte
vislumbrado, e da contribuição da enfermagem para esses trabalhadores.
Com relação à segurança nas condições de trabalho, a análise foi delineada em
duas direções: segurança no trabalho e segurança com o trabalho. Na direção da
segurança no trabalho, os trabalhadores entrevistados assinalaram para a necessidade de
segurança física e na resolução dos problemas enfrentados com a complexidade dos
sistemas operacionais, da legislação, do atendimento, do material e dos equipamentos
que oferecem suporte ao trabalho. Nesse sentido, aponta-se para as Normas
Regulamentadoras, que estabelecem a obrigatoriedade da elaboração e implementação
de programas e serviços, visando à preservação da saúde e da integridade dos
trabalhadores. No entanto, o que parece não funcionar é a aplicabilidade e fiscalização
desses preceitos, em especial no setor público.
Na discussão da segurança com o trabalho, os trabalhadores entrevistados
apontaram para a necessidade de treinamento e assistência técnica capazes de promover
a qualificação profissional e capacitar os trabalhadores para atuar de forma segura e
eficiente, a fim prevenir falhas e evitar as punições injustas em decorrência dos erros
administrativos. Nesse sentido, assinala-se às regulamentações que estabelecem ações
de capacitação de recursos humanos, cujas diretrizes apontam para a promoção de
capacitação dos trabalhadores.
168
Outro ponto relacionado à segurança e conforto no trabalho reclamado pelos
trabalhadores entrevistados foi a questão da divisão do trabalho e da liberdade na sua
execução. Por isso, os trabalhadores requisitaram um quadro funcional capaz de atender
à demanda do serviço, a distribuição igualitária de tarefas, maior satisfação na
realização do serviço, rotatividade nos setores e suficiência de tempo gasto na execução
do trabalho, sem pressão. A esse respeito, apontou-se para a falta de aplicabilidade das
Normas Regulamentadoras onde se estabelece parâmetros que permitem a adaptação
das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de
modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.
Outros fatores observados nas falas dos trabalhadores entrevistados diz respeito
à integração e o trabalho em equipe, ao espírito de colaboração, à humanização e
conscientização dos trabalhadores, a um ambiente de trabalho animador, ao
reconhecimento pelo trabalho e à realização profissional e pessoal. Logo, aponta-se para
uma política de relações humanas, humanização, acolhimento e educação permanente
para os trabalhadores, pois a realização desses aspectos contribuirá para uma relação de
trabalho segura, acolhedora e humana, e uma valorização do trabalhador, visando a seu
bem-estar e saúde com o contentamento e realização profissional e pessoal no trabalho.
Na análise da saúde sob a visão de um horizonte a ser deslumbrado, optou-se
por discutir o direito à saúde e a uma política de promoção desta. Logo, os trabalhadores
entrevistados anseiam por uma política de atenção à saúde física, mental e social para os
trabalhadores, extensiva à família. Política essa, que está garantida constitucionalmente
por Leis e Normas nos sentido de promover e preservar a saúde do trabalhador. No
entanto, mais uma vez chama-se a atenção à aplicabilidade desses preceitos, pois na
realidade muitos deles não se efetivam na prática, situação que ficou comprovado com
relação aos trabalhadores desta pesquisa.
Diante dessa situação de padecimento e sofrimento ocasionada pelo trabalho
apresentada pelos trabalhadores entrevistados e da esperança que depositaram neste
estudo, no sentido de fomentar na instituição um sentimento de humanização e
valorização para com seus trabalhadores, optou-se por mostrar o papel da enfermagem
na contribuição para a garantia e promoção desses direitos. É atribuição da enfermagem
inserir-se nas políticas sociais e estar comprometida com a saúde do ser humano e da
coletividade, atuando em ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da
saúde, conforme regulamenta o código de ética dos profissionais de enfermagem.
169
Especificamente a enfermagem também está inserida na área da saúde do
trabalhador, através de ações educativas e assistenciais que visam a interferir no
processo trabalho/saúde/adoecimento, tendo em vista a promoção da saúde e
valorização do ser humano. Desse modo, a enfermeira também compõe os serviços de
atenção à saúde do trabalhador, como SESMT e SISOSP. Contudo, espera-se que por
meio dessa discussão, se ofereça uma relevante contribuição para a enfermagem e para a
segurança e saúde dos trabalhadores, sobretudo espera-se alcançar as expectativas dos
trabalhares entrevistados uma condição de trabalho menos sofrida e mais humana.
Conclui-se nesta pesquisa que as condições ambientais e organizacionais de
trabalho dos trabalhadores pesquisados não oferecem a segurança física e técnica de que
eles necessitam para a execução de suas atividades, não oferecem conforto e bem-estar
físico e psíquico, portanto, não contribuem para a integridade profissional, moral, da
saúde do corpo e da mente desses trabalhadores. Além disso, a política que vem sendo
utilizada pela instituição para com a segurança e saúde desses trabalhadores aponta para
a desvalorização e desumanização destes. Dessa forma, constatou-se que os
trabalhadores dessa pesquisa apresentam um acentuado sentimento de insatisfação,
frustração e indignação com respeito à instituição e ao seu trabalho, pela forma
desrespeitosa e injusta com a qual vêm sendo (des)tratados, o que acarreta o sofrimento
e adoecimento físico e mental destes.
Diante dessa análise e a partir das expectativas e frustrações referidas pelos
trabalhadores entrevistados, decorre-se a seguir algumas propostas e/ou sugestões de
mudanças, a saber:
- Segurança: instalação de equipamento detector de metal como forma de
proteção coletiva, objetivando condições de trabalho mais seguras a fim de proteger o
trabalhador da violência externa e interna;
- Assistência à saúde física e mental: Implantação do SISOSP ou criação de
setor de medicina social com atendimento multiprofissional para os trabalhadores e
família;
- Prevenção de doenças: execução de exercícios no início da jornada de
trabalho, como ginástica laboral e estabelecimento de intervalos de tempo destinados
para que o trabalhador faça uma pausa no seu trabalho, alongue-se, caminhe,
170
implantação de programas e massagens de relaxamento, exames periódicos,
cumprimento das normas para aquisição de móveis ergonomicamente projetados;
- Assistência social: escuta sensível aos problemas dos trabalhadores,
oferecimento de apoio e ajuda na resolução dos mesmos, extensivo à sua família;
- Assistência jurídica: disponibilidade de advogados, procuradores, para
atuarem em defesa do trabalhador quando necessário;
- Auditoria educativa preventiva: criação de serviço de auditagem com vistas a
um trabalho educativo e não punitivo, através da análise de processos e orientação de
serviços antes da sua execução, levando em consideração a vida profissional e moral do
trabalhador, bem como as reais condições que dispõem para execução de seu trabalho, a
fim de coibir erros e evitar fraudes;
- Resolutividade dos problemas: tentativa de resolução dos problemas que
envolvem inquérito administrativo na via institucional, seguindo a instância hierárquica
da chefia imediata a presidência da instituição, evitando o envolvimento do trabalhador
com a defensoria pública ou policial, salvo comprovada má fé do mesmo;
- Aperfeiçoamento dos sistemas: criação de sistemas mais ágeis, resolutivos e
precisos, a fim de tornar o serviço mais dinâmico e com menos possibilidade de incorrer
em erros;
- Reposição do quadro funcional: contratação e preparo de trabalhadores em
número suficiente para repor o quadro deficitário e afastamentos;
- Legislação e normas: socialização de conhecimento e acesso às mudanças na
legislação e nas normas instrutivas a fim de não dificultar o aprendizado e a execução
do serviço;
- Sobrecarga de serviço: buscar uma estratégia para diminuir o represamento de
processos e serviços, evitando sobrecarga de serviço, com o estabelecimento de
programas de contratação de novos trabalhadores;
- Divisão de trabalho: distribuição igualitária de tarefas e responsabilidades
entre os trabalhadores de cada serviço com a finalidade de evitar sobrecarga nos
serviços e, conseqüentemente, nos trabalhadores;
- Pesquisa laboral: promover um estudo entre os trabalhadores a fim de
conhecer suas dificuldades, necessidades e expectativas, especialmente relacionadas ao
trabalho;
171
- Desvio de função e plano de cargos e salários: desfavorecer o desvio de
função e discutir planos de cargos, carreiras e salários com a perspectiva de crescimento
profissional para todos, como saída coletiva da categoria;
- Exigência de tempo: planejar o atendimento com tempo suficiente a fim de
desfavorecer a tensão e a insegurança na execução da atividade, e promover mais
conforto ao trabalhador;
- Lazer e bem-estar: Criação de um local próprio e acessível a todos os
trabalhadores, que promova um trabalho social e recreativo objetivando a descarga
física e mental das tensões e favoreça o entrosamento entre os trabalhadores;
- Trabalho cooperativo: trabalho em equipe com participação colaborativa dos
trabalhadores na execução de suas atividades;
- Condições de trabalho: provimento e manutenção de material de consumo e
permanente e condições favoráveis a execução das atividades;
- Questões relacionadas ao ambiente de trabalho, limpeza e higiene: promover
limpeza e higienização dos banheiros, equipamentos e local de trabalho, ajudando assim
a prevenir doenças e promover conforto e bem-estar dos trabalhadores;
- Valorização do trabalhador: criar programa de valorização e reconhecimento
do trabalhador;
- Padronização de normas e atendimento: planejamento e execução de normas
e procedimentos padrões para todos os serviços e atendimentos, a fim de evitar
desentendimentos entre os executores e entre estes e os usuários;
- Educação permanente: planejamento e monitoração de uma política de
educação permanente para os trabalhadores com treinamentos e profissionalização, a
fim de promover reuniões técnicas com grupos de discussões para acompanhamento e
orientações das inseguranças específicas dos serviços e promover treinamentos na área
de legislação, informática, relações humanas e qualidade de vida, para uma melhor
qualificação do trabalhador;
- Direitos: respeito aos direitos dos trabalhadores, de defesa, de trabalho, de
vida e de saúde;
- Trabalho de campo: Desenvolver um trabalho em parceria com a Federação
dos Trabalhadores da Agricultura Seção RN (FETARN) a fim de promover um
acompanhamento junto aos sindicatos de trabalhadores rurais em relação à emissão de
documentação verídica a fim de evitar fraudes e comprometimento do serviço dos
trabalhadores da Previdência;
172
- Rotatividade: Proporcionar a rotatividade dos trabalhadores a fim de
possibilitar a qualificação e o comprometimento igualitário entre os trabalhadores.
Conclui-se, ainda, que as diversas formas de violência que se mostraram
presentes no ambiente de trabalho desses trabalhadores, como também a violência mais
cruel a banalização da injustiça social diante dos problemas e saúde destes
trabalhadores têm provocado um padecimento lento e a morte simbólica de seus
sonhos e de suas vidas.
Destarte, acredita-se que se estabelecidas as mudanças propostas, elas poderão
contribuir para atender aos anelos e necessidades do trabalhador, a melhoria das
condições de trabalho, a prevenção da violência, a valorização e promoção da sua saúde.
A plenitude da vida é buscada por todos os seres humanos através de uma visão
holística da saúde enquanto bem-estar social, físico e mental. de se acreditar em um
futuro melhor, mais humano e mais digno para trabalhadores, enfermeiros, profissionais
de todas as áreas. Não se pode desistir da luta pela justiça social e pelo exercício da
cidadania, para que se possa continuar buscando a garantia aos direitos e à
sobrevivência.
Por fim, faz-se referência ao texto bíblico que inspirou a autora a buscar a
simbologia usada para identificar os trabalhadores desta pesquisa, os heróis bíblicos da
fé: “Ora, a é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não
vêem” Hebreus, 11:1(BÍBLIA,1993).
A verdadeira educação consiste em obter o
melhor de si mesmo. Que outro livro se
pode estudar melhor do que o da
Humanidade?
(Ghandi)
174
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Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, 2005.
Como o homem é, acima de
tudo, construtor de futuros, ele
é,acima de tudo, um enxame de
esperanças e medos.
(Ortega y Gasset)
APÊNDICES
184
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
Convido você a participar da pesquisa A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL NO
COTIDIANO DE TRABALHO: a propósito da Violência no trabalho e ameaça à saúde do trabalhador”
que será acompanhada pela Profª Dra. Soraya Maria de Medeiros, do Curso de Pós-graduação Mestrado
em Enfermagem da UFRN e pela mestranda Neyla Ivanete Gomes de Farias Alves Bila. Sua participação
é voluntária, o que significa que você poderá desistir a qualquer momento, retirando seu consentimento,
sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade.
Essa pesquisa procura analisar a banalização da injustiça social no cotidiano de trabalho dos servidores
lotados nas Agências da Previdência Social nesta cidade, como uma forma de violência e ameaça à saúde
do trabalhador, com a finalidade de enfatizar e defender a melhoria nas condições de trabalho, prevenir a
violência nestes ambientes e promover a saúde do trabalhador. Vo será submetido a gravações
premeditadas de narrativas pessoais, através de entrevista individual com roteiro semi-estruturado e
anotações no caderno de campo.
Não haverá riscos com sua participação, somente benefícios uma vez que poderá contribuir para a
prevenção da violência no ambiente de trabalho e melhoria das condições de trabalho. Se você tiver
algum gasto que seja devido à sua participação na pesquisa, você será ressarcido, caso solicite. Em
qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você terá
direito a indenização.
Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome o será identificado em nenhum momento. Os
dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados será feita de forma a não identificar
os voluntários.
Você ficará com uma cópia deste Termo e toda a dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá
perguntar diretamente no Departamento de Enfermagem, Campus Universitário em Lagoa Nova
Natal/RN ou pelo telefone 3215-5301. Dúvidas a respeito da ética dessa pesquisa poderão ser
questionadas ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN no endereço Praça do Campus Universitário em
Lagoa Nova, CEP: 59072-970 ou pelo telefone 3215-3135.
Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos e benefícios
envolvidos e concordo em participar voluntariamente da presente pesquisa.
Natal, _______ de __________ de 2008
_________________________________________
Sujeito da Pesquisa
__________________________________________
Pesquisadora responsável
185
APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA TRABALHADORES
PARTE I
Nº da ENTREVISTA: __________________
DATA DA ENTREVISTA: ___/___/___
NOME DO ENTREVISTADO: ____________________________________________
SETOR DE TRABALHO: ____________________________
FUNÇÃO: ____________________________________
IDADE: _______________
SEXO: ( ) F ( ) M ( )
TEMPO DE SERVIÇO: ______________________________
ESCOLARIDADE: __________________________________
INICIO DA ENTREVISTA: _______________
TÉRMINO DA ENTREVISTA:_____________
PARTE II
Inicialmente será feito uma pergunta geradora, após a exposição espontânea do
informante, o entrevistador observará o que não ficou explicitado devidamente e
contemplará com as questões seguintes.
1) Descreva como é seu dia-a-dia no ambiente de trabalho?
- Quantas horas você trabalha por dia?
- Quais as atividades que você realiza direta e indiretamente no seu trabalho?
- Você considera suas atividades cansativas física e mentalmente?
- Sua jornada, rotina e ambiente de trabalho têm influência sobre sua vida profissional e
pessoal? Por quê?
- No exercício de suas atividades cotidianas, específicas ao desempenho de suas
funções, você tem segurança, domínio do conhecimento e dos procedimentos de sua
responsabilidade? Por quê?
- Você se sente realizado(a) com o seu trabalho? Por quê?
- No exercício de suas atividades você se depara com situações de ansiedade, tensão, e
conflito?
2) O que você entende por violência, interna e externa, presentes no ambiente de
trabalho?
- Formas/tipos
- Você foi vítima de alguma forma de violência no ambiente de trabalho? Como
aconteceu?
- Quais as conseqüências dessa violência no exercício de seu trabalho, na sua vida
pessoal, e para a sua saúde?
3) Em decorrência dessas formas de violência você adquiriu ou teve agravada alguma
doença?
- que tipo e causa provável?
4) Fale sobre os programas e serviços existentes na instituição em que você trabalha
voltados para a atenção à saúde do trabalhador e para a resolução dos problemas
enfrentados pelo mesmo no e com o trabalho?
- existência e resolutividade.
5) O que você desejaria que fosse feito para melhorar estas condições?
A humanidade está numa
encruzilhada. Ela tem de
escolher entre a lei da selva e a
lei da humanidade.
(Gandhi)
ANEXOS
187
ANEXO A
188
ANEXO B
189
ANEXO C
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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