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ELAINE CARNEIRO DOMINGUES SANT’ANNA
ANÁLISE DA TRADUÇÃO DAS INTERTEXTUALIDADES
BÍBLICAS REALIZADA NA OBRA
O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA, DE C. S. LEWIS
Dissertação apresentada ao Curso de Mes-
trado do Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Tradução da Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC) como re-
quisito para a obtenção do título de Mestre
em Estudos da Tradução; linha de pesquisa:
Teoria, Crítica e História da Tradução.
Orientador: Prof. Dr. Lincoln P. Fernandes
FLORIANÓPOLIS
2010
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A Deus, Aba Pai
À minha mãe, Eloide, exemplo de amor e paciência.
Às queridas filhas, Carolina, Marina e Tainá,
cores na minha história.
À minha irmã, Eliana, alegria na vida.
Ao Marco, companheiro da travessia.
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução
Dr. Lincoln Fernandes, Dra. Maria Lúcia B. de Vasconcellos e Dr. Markus
J. Weininger, pelos preciosos ensinamentos sobre os Estudos da Tradução.
Ao orientador Dr. Lincoln Fernandes, por ter-me aberto o caminho no curso
de mestrado.
Aos professores Markus Weininger e Ronaldo Lima, pelas sugestões para o
término do trabalho.
A Gabriele Greggersen, por repartir seu conhecimento do autor C. S. Lewis
e pela cooperação.
A Raquel L. Botelho, pelo envio de sua dissertação.
Aos colegas do grupo oncotoproncovo, pelas valiosas trocas de informa-
ções, de idéias, de ajuda e de carinho.
A Sandra Mazutti, pela hospedagem amável, pela amizade boa e sincera e
por, hoje, fazer parte de minha vida.
A Anita e ao Tiago, pela bondade ao me receberem em seu lar.
Ao Pastor Diógenes B. Ramos e a Dra. Silvana de Gaspari, pela ajuda em
minha chegada a Florianópolis.
A Vera de Faria, pelo apoio técnico.
Aos irmãos, por suas orações.
A minha mãe, por ter despertado em mim o amor, a paixão, o gosto pela
leitura, pela poesia, pela ficção; a lembrança de nosso quarto, dividido por
nós três e, ainda, pelas centenas de livros, hoje, é totalmente compreensível.
As minhas filhas, pela enorme compreensão e pelo incentivo.
Ao Marco, pelo apoio constante, por ter-me sempre dado a mão.
A Deus, Leão e Cordeiro, Alfa e Ômega, princípio e fim, pela onipresença
no período de execução deste trabalho; a Ti seja o louvor e a honra e a gló-
ria.
A estrada em frente vai seguindo
Deixando a porta onde começa
Agora longe já vai indo
Devo seguir, nada me impeça;
Por seus percalços vão meus pés,
Até a junção com a grande estrada,
De muitas sendas através
Que vem depois? Não sei mais nada.
J.R.Tolkien, O Senhor dos Anéis
Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou
o que Deus preparou para aqueles que o amam.
1Co 2.9
RESUMO
Esta pesquisa descritiva pretende, em um âmbito mais geral, contribuir
para o campo da Tradução da Literatura Infanto-Juvenil, no Brasil. Para
isso, como objetivo mais específico, investiga a tradução das intertex-
tualidades bíblicas na fantasia de C. S. Lewis, The Lion, the Witch and
the Wardrobe, observando a existência ou não de estratégias constituin-
do um padrão em suas traduções. Os pressupostos teóricos e metodoló-
gicos advêm dos domínios da Tradução de Literatura Infanto-Juvenil, da
Tradução e Análise Textual e dos Estudos de Tradução e Corpora. O
corpus paralelo consiste do texto traduzido O leão, a feiticeira e o guar-
da-roupa, do texto fonte, com um total de 68.058 mil palavras, e das
intertextualidades inseridas em ambos os textos; além desses, ambos os
textos, em papel, são, também, utilizados. Como o texto traduzido é
menos extenso que o texto fonte, cogitou-se a possibilidade de tal fato
dever-se a supressões desses referentes intertextuais. Após a identifica-
ção das intertextualidades no texto fonte e o cotejamento entre texto
traduzido e texto fonte, observou-se que as intertextualidades não foram
omitidas. Pelo contrário, na análise de vinte e três referentes intertextu-
ais, segundo modelo de HATIM e MASON (1990), que considera os
status informacional, intencional e semiótico, observou-se que, pratica-
mente na maioria da tradução dos referentes intertextuais, o tradutor
manteve os três status. Concluiu-se que o tradutor, excluindo-se a possi-
bilidade de exigências editoriais, preservou tais intertextualidades ou por
respeito e consideração aos textos em ressonância com textos bíblicos
ou para alinhar-se à intenção de Lewis que, dentre outras, poderia ser
aquela de uma ação pragmática (HATIM e MASON,1990) concernente
à visão de mundo e aos conceitos cristãos, ou, ainda, a comunicação de
uma “lição ética” cristã (GREGGERSEN, 2006).
PALAVRAS-CHAVE: descritiva; tradução da literatura infanto-
juvenil; strategies; intertextualidade bíblica; estudo de corpora.
ABSTRACT
The general aim of this descriptive research is to contribute to the field
of Translation of Children’s Literature in Brazil. To accomplish this, it
investigates the translation of Bible intertextualities in C. S. Lewis’
fantasy, The Lion, the Witch and the Wardrobe, observing the presence
or not of a pattern, constituted by some strategies, in such translations.
Theoretical end methodological framework are from: Translation of
Children’s Literature, Text Analysis and Translation and Corpus-based
Translation Studies. The parallel corpus consists of the translated text, O
leão, a feiticeira e o guarda-roupa, its source text, with an amount of
68,058 thousand words and the intertextualities in both texts; apart from
these, the paper books are here employed. Since translated text is shorter
than source text, it was considered the possibility of intertextualities
having being omitted in the translation. After confirmation of the pres-
ence ot intertextualities in the translated text and a comparision between
both texts, it was verified that intertextualities were not omitted. On the
contrary, the analysis of the strategies adopted at the translation of 23
intertextualities, considering the informational, the intentional and the
semiotic status (HATIM e MASON,1990), revealed that the translation
retained, in almost all the intertextualities, the three status. The conclu-
sion is that, except in the case of editing demand, the translator may
have preserved the intertextualities due to his respect and consideration
for biblical texts; besides, he may have aimed to align himself with the
possible intention of Lewis of a pragmatic action (HATIM e MASON,
1990) concerning world vision and Christian concepts or, even, to offer
an “ethic lesson” (GREGGERSEN, 2006).
Keywords: descriptive; translation of children’s literature; strategies;
biblical intertextualities; corpus-based.
ILUSTRAÇÕES
Quadros
1. Número de palavras dos capítulos no TT e no TF ........................... 68
LISTA DE ABREVIATURAS
ET – Estudos de Tradução
LIJ – Literatura infanto-juvenil
TF – Texto fonte
TLIJ – Tradução de Literatura Infanto-Juvenil
TT – Texto traduzido
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................. 13
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................... 13
2 OBJETO .......................................................................................... 18
3 OBJETIVOS .................................................................................... 22
4 REVISÃO DA LITERATURA ...................................................... 24
5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ............................................. 29
CAPÍTULO UM
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................. 30
1.1 Considerações Iniciais .................................................................... 30
1.2 A Tradução da Literatura Infanto-Juvenil ...................................... 30
1.3 A Intertextualidade ......................................................................... 34
1.3.1 O texto, a textualidade, a intertextualidade ..................................... 34
1.3.2 A intertextualidade e suas categorias .......................................... 40
1.4 Considerações Parciais ................................................................... 46
CAPÍTULO DOIS
2 O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA ....................... 47
2.1 Considerações Iniciais .................................................................... 47
2.2 Clive Staples Lewis – Vida E Obra................................................. 47
2.2.1 A infância de C. S. Lewis ........................................................... 47
2.2.2 A conversão de C. S. Lewis à fé cristã ........................................ 51
2.2.3 O interlocutor de The Lion the Witch and the Wardrobe e a
dedicatória do autor ................................................................... 52
2.2.4 O contexto sócio-cultural durante a produção de The Lion, the
Witch and the Wardrobe ............................................................ 57
2.2.5 As crônicas de Nárnia ................................................................. 58
2.2.5.1 As crônicas e o texto bíblico .................................................... 60
2.3 Considerações Parciais ................................................................... 62
CAPÍTULO TRÊS
3 CORPUS E MÉTODO .................................................................... 63
3.1 Considerações Iniciais .................................................................... 63
3.2 O Corpus ........................................................................................ 63
3.2.1 A narrativa de ficção The Lion, the Witch and the Wardrobe e
O leão, a feiticeira e o guarda-roupa ........................................ 63
3.3 Procedimentos Metodológicos ....................................................... 66
3.4 Considerações Parciais ................................................................... 67
CAPÍTULO QUATRO
4 ANÁLISE ......................................................................................... 68
4.1 Considerações Iniciais .................................................................... 68
4.2 Número de Palavras do TT e do TF ............................................... 68
4.3 A Intertextualidade Bíblica Formal Ou Genérica Em O Leão, A
Feiticeira E O Guarda-Roupa ........................................................ 69
4.4 As Intertextualidades Bíblicas Em O Leão, A Feiticeira E O
Guarda-Roupa ................................................................................ 74
4.5 Os Procedimentos Na Tradução Das Intertextualidades ................ 98
4.6 Considerações Parciais ................................................................. 119
CONCLUSÃO .................................................................................. 122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 127
ANEXOS ........................................................................................... 135
13
INTRODUÇÃO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A prática de se traduzirem textos pertencentes à literatura infanto-
juvenil é antiga. A obra Robinson Crusoé
1
, de Daniel Defoe, narrativa
originalmente escrita em língua inglesa, por exemplo, foi traduzida para
a língua portuguesa em 1786, em Lisboa (NOVAES, 1981, p. 265). A
narrativa As viagens de Gulliver
2
, por sua vez, foi traduzida, pela pri-
meira vez, em 1822, para o mesmo idioma e, também, impressa em
Lisboa (NOVAES,1981, p. 269). No Brasil, dentre outros tradutores da
Literatura infanto-juvenil, destaca-se Monteiro Lobato que, além de
escritor infanto-juvenil, traduziu, também, inúmeras obras tanto para o
público adulto como para o infanto-juvenil, como, por exemplo,
Mowgli, o Menino Lobo, de Kipling; Pinóquio, de Collodi; Novos Con-
tos de Andersen; Contos de Fadas, de Perrault, Tarzã, de Borroughs,
dentre tantas outras.
No entanto, embora seja prática antiga e intensa em muitos países
ocidentais, incluindo o Brasil, é notório o fato de se dar tão pouca aten-
ção em forma de pesquisa relativa à tradução de textos dessa área. Isso
pode ser constatado inclusive pelo número reduzido de publicações
nesse campo.
FERNANDES (2004), por meio de um mapeamento
3
das pesqui-
sas de tradução nas universidades brasileiras conseguiu identificar dois
trabalhos acadêmicos, cuja abordagem era a da Tradução da literatura
infanto-juvenil. O primeiro deles é uma dissertação de mestrado, pela
Unicamp, de VIEIRA (1998) e o segundo, uma tese de doutorado, de-
fendida na Ufsc, por BORBA (1999), intitulada The Translation of
Wordplay in Alice in Wonderland: A Descriptive and Corpus-Oriented
Study. VANUZZINI (2009), em sua dissertação de mestrado, aponta,
com números
4
, para o paradoxo existente entre o crescimento de publi-
cações tanto de livros infantis como de juvenis e a escassez dos traba-
lhos científicos no mesmo campo. De forma semelhante, ainda, de acor-
1
Segundo NOVAES (1981, P. 260), “ambos os títulos [Robinson Crusoé e As Viagens de
Gulliver], originalmente escritos para adultos [...] transformaram-se, com o tempo e as “adap-
tações”, em duas das mais importantes obras da Literatura Infanto-Juvenil de todo o mundo.”
2
Idem
3
PAGANO et al., 2001 apud FERNANDES, 2004.
4
“Crescimento de 15,18% do setor de livros infantis publicados e de 12,65% da obras juvenis
de 2006 a 2007, no que concerne à distribuição de tulos editados no Brasil, comparada à
literatura adulta que decresceu 4,77% (CBL, 2008, p. 14)”
14
do com pesquisa, no prelo, de VIEIRA (2009), feita no portal de teses e
dissertações da CAPES, cobrindo as interfaces Estudos da Tradução e
Literatura infanto-juvenil, nove trabalhos foram encontrados, sendo seis
dissertações de mestrado e três, de doutorado. Essas pesquisas concen-
tram-se no eixo centro-sul do Brasil e compreendem o período de 2001
até o momento. É possível, assim, perceber um leve crescimento entre as
verificações, no ano de 2004, de três pesquisas, e, em 2009, de seis dis-
sertações de mestrado e três de doutorado (Vide na seção Revisão de
Literatura comentários ou detalhes sobre alguns dos trabalhos aqui cita-
dos). Embora crescente, constata-se a necessidade de mais estudos que
ofereçam subsídios aos tradutores cujo foco é a Tradução da literatura
infanto-juvenil.
Com esta pesquisa, que circulará pela interface entre a Tradução,
incluindo a Tradução de gêneros e a Tradução e análise textual, e que
utilizaa metodologia da Tradução baseada em corpus, espero contri-
buir para o campo em que, tanto em nosso país como em outros, poucos
estudos têm-se realizado o dos Estudos de Tradução da Literatura
Infanto-Juvenil. Esse trabalho descreve o modo como alguns fragmentos
da obra fantástica The Lion, the Witch and the Wardrobe, de C. S. Le-
wis, foram traduzidos para a língua portuguesa intitulada O Leão, a
Feiticeira e o Guarda-Roupa.
Além disso, tal proposta se justifica, também, pela ainda tímida
divulgação da obra de C. S. Lewis, traduzida ao português e lançada no
Brasil em grande parte, já na década de 70, mas retraduzida pela Editora
Martins Fontes e outras editoras, principalmente após o lançamento das
adaptações da série Crônicas de Narnia, das quais O Leão, a Feiticeira
e o Guarda-Roupas foi a primeira a ser escrita, para os cinemas. Embora
a reedição desse livro, que faz parte de uma série de sete volumes, deva-
se também ao sucesso, no início desta década, da série Harry Potter, de
Joanne Kathleen Rowling, pela Editora Rocco, a vasta produção desse
autor é, ainda, pouco divulgada e pesquisada no Brasil, como aponta
GREGGERSEN (1999), em detrimento de sua projeção nos países de
língua inglesa, mas também na Europa. Segundo artigo de Carl E.
OLSON, The Thought and Work of C. S. LEWIS
5
, e de acordo, também,
com artigo publicado na Folha de São Paulo
6
, Lewis é um dos autores
mais vendidos até a atualidade e a série Nárnia alcançou tiragem de
cerca de 85 milhões de exemplares desde sua publicação, iniciada em
1950.
5
De 9.12.2005. Acesso em: 15.01.2009. Disponível em: http://ignatiusinsight.com
6
Folha Ilustrada, p. 4, de 27.03.2004.
15
Um dos destaques das Crônicas é o caráter didático e terapêutico
dos contos de fadas e da imaginação (BOTELHO, 2005, p. 13). Em As
Crônicas de Nárnia é possível perceber a misteriosa capacidade que os
contos de fada têm de captarem a essência humana, permeada pela dor e
pelo sofrimento, e de transformá-la em sabedoria de vida (BOTELHO,
2005).
No que concerne à literatura fantástica inglesa, pode-se dizer que,
no Brasil, houve um movimento peculiar nas publicações tanto do gêne-
ro como da procedência: no final do século passado e início do atual,
deparou-se com um reavivamento das histórias fantásticas que seguiram
o enorme sucesso da série Harry Potter, da escocesa K. Rowling, que
não nega sua influência tanto de C. S. Lewis, quanto de J. R. R. Tolkien,
autor da saga O Senhor dos Anéis, que eram ambos britânicos, amigos e
colegas na cadeira, respectivamente, de Crítica Literária e Filologia em
Oxford. .
Em entrevista com o professor Dr. Carlos E. Fantinati (comuni-
cação pessoal)
7
, ele afirma que, no Brasil, a área de Literatura foi sem-
pre mais ligado às produções literárias francesas em detrimento da Lite-
ratura Inglesa, que é riquíssima e expressiva, tornando-se ela pouco
conhecida entre nós. Entretanto, como em outras partes do mundo, após
o lançamento do primeiro livro da série Harry Potter, o número de pu-
blicações ou reedições de obras britânicas da literatura infanto-juvenil
foi marcante e o sucesso comercial, em nosso país, foi sem precedentes.
A edição da Revista Veja, do dia vinte e seis de abril do ano de
dois mil, em sua seção de livros mais vendidos, apresenta Harry Potter
e a pedra filosofal na primeira posição. A partir dessa data, em, pratica-
mente, todas as semanas, até a de maio de dois mil e seis, essa seção
apresenta não só esse livro bem como os seguintes, da mesma série Har-
ry Potter, na lista dos mais vendidos. Na edição da mesma revista, do
dia dez de maio do ano de dois mil e seis, o livro Harry Potter o enigma
do príncipe apresenta-se em nono lugar, na vigésima semana de apari-
ção, na mesma coluna da revista. Só a partir dessa data é que os volumes
da série deixam de aparecer sucessivamente na referida coluna. Em
vinte de dezembro do mesmo ano, três livros da série ocupavam os três
primeiros lugares de venda
8
.
Ainda, dentro desse movimento, no Brasil, várias obras original-
mente britânicas, como, por exemplo, O Senhor dos anéis e O Hobbit,
7
Ex-docente do Programa de Pós-graduação em Literaturas de Língua Portuguesa da Faculda-
de de Ciências e Letras de Assis, da Universidade Estadual Paulista/UNESP
8
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/071205/p_174.html> Acesso em: 15 out 09
16
de J. R. R. Tolkien, dentre outras, foram traduzidas ou reeditadas. Desde
dois mil e dois, com o lançamento da série nos cinemas, O Senhor dos
Anéis, de Tolkien, passa a figurar em primeiro lugar na lista de seção
supra citada sendo que, no segundo, terceiro e quarto lugares estão ou-
tros três volumes da série Harry Potter .
O livro O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, de C. S. Lewis,
foi reeditado em dois mil e sete, como parte desse movimento editorial.
Em pesquisa recente, no site Fantastic Ficcion
9
, encontraram-se
edições, em língua inglesa, de As Crônicas de Nárnia em múltiplas
variações. Em primeiro lugar, os exemplares em formato capa dura,
que têm um preço mais elevado e que foram publicados entre os anos de
1950 até 2009. Esses volumes foram lançados pelas seguintes editoras:
Harper Collins, BBC Audiobooks, Tethered Camel Publishing, Topeka
Bindery, Bookmart, Harper Collins Canadá, ZonderKidz, Picture Lions
Tandem Library, Thorndike Press, Easton Press, Ted Smart, Demco
Media, Perfection Learning, Programs And Genres, Lion Hudson Plc, G
K Hall & Co, Atheneum, Amereon Ltd, Macmillan, Geoffery Bles,
ABC CLIO Europe. Além desses tipos de livros, há os denominados, em
inglês, paperback e mass market paperback, que são volumes mais
acessíveis ao público, devido ao tamanho e ao tipo de papel empregado,
que possibilitam um preço inferior. Entre os anos de 1950 e 2009, esses
volumes mais baratos foram publicados pelas seguintes editoras: Scho-
lastic, Tethered Camel Publishing, Tree of Life Publishing, HarperCol-
lins Canada, ZonderKidz, Novel Units, Oberon Books, Diamond, Pro-
grams and Genres, Teacher Created Resources, Scholastic New Zealand
Ltd, Dramatic Pub, Lions, Samuel French, Fontana, Collins Education-
al, Ted Smart, Puffin, Collier Books, The Macmillan Company, Puffin
/ Penguin.
Além das edições de livros, o mesmo site aponta as de áudio cas-
setes e CDs, entre os anos de 1987 e 2005.
De acordo com dados da Wikipédia, em vinte e oito de abril de
dois mil e nove, essa série, considerada um clássico da literatura infanto-
juvenil, vendeu cento e vinte milhões de cópias, em quarenta e uma
línguas.
Comprovando o valor não literário como popular da referida
obra, foi criada a versão para os cinemas, de mesmo título, dirigida por
Andrew Adamson, produzida pela Walden Media e distribuída pela
9
Disponível em: <http://www.fantasticfiction.co.uk/l/c-s-lewis/lion-witch-and-wardrobe.htm>
Acesso em: 18 mar 09
17
Disney. Lançado em dezembro de 2005, na Europa e nos Estados Uni-
dos da América, o filme foi um sucesso de bilheteria.
Segundo, ainda, dados da Wikipédia
10
, sua renda bruta foi a se-
gunda maior daquele ano, superando a marca de Harry Potter and the
Goblet of Fire. Nos meses de dezembro de 2005 e janeiro de 2006, O
Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa foi recorde de bilheteria, tanto nos
EUA, como no Reino Unido.
O filme recebeu vários prêmios, dentre os quais, o da Academy
Award, de melhor maquiagem. O DVD do filme atingiu a melhor ven-
dagem, em 2006, nos EUA, quando atingiu a marca de mais de trezentos
e trinta e dois milhões de dólares. Um artigo da Revista Veja, de sete de
dezembro de dois mil e cinco, na seção de cinema, ratifica o primor da
fantasia em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, ao apresentá-la
como uma sensível evocação de temas infantis, como, por exemplo, o
sonho de que, com um pouco de sorte é possível encontrar uma chave
que transportará o mundo da imaginação para a realidade. A articulista
apresenta, ademais, o autor da obra como um “mestre em forjar esse tipo
duradouro e cativante de imagem: o armário à espera de que o decifrem,
a caverna lotada de bricabraques do senhor Tumnus, o lampião aceso em
meio à neve que sinaliza a chegada a Nárnia” (VEJA, 2005).
Assim, ao desenvolver este estudo, cujo foco é a tradução de uma
obra tão difundida, tão conhecida, tão estudada na Europa e nos EUA,
creio poder contribuir para que o valor da tradução de literatura infanto-
juvenil, bem como das pesquisas, dos projetos, voltados, tanto para a
tradução da literatura infanto-juvenil como para a tradução da obra desse
autor, seja mais reconhecido.
10
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Lion,_the_Witch_and_the_Wardrobe_
(film)#Box_office> Acesso em: 06 abr 09
18
2 OBJETO
Como objeto de estudo, esta pesquisa trabalha com a obra The
Lion, the Witch and the Wardrobe, com a tradução O Leão, a Feiticeira
e o Guarda-Roupa, e, mais especificamente, com as intertextualidades
bíblicas existentes na obra original, e as equivalentes na tradução.
Creio ser importante, logo de início, um esclarecimento referente
à questão das ressonâncias bíblicas nas narrativas narnianas. diferen-
tes modos de se ler O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, como, por
exemplo: uma história mitológica, uma grande parábola, um conto de
fadas (GREGGERSEN 2006) e, ainda, um texto que remete, dentre
outros, a temas cristãos. No entanto, o próprio Lewis é bem aberto no
que concerne a essa questão. O autor deixa claro que, ao iniciar suas
escrituras não previu um Aslam/Cristo, porém, o personagem “insistiu
em comportar-se de seu próprio jeito” e, assim, todas as Crônicas rece-
beram esse teor cristão. Um fragmento da obra póstuma Essay Collec-
tion and Other Short Pieces (LEWIS, 2000, p. 527 apud DURIEZ,
2005, p. 45) apresenta a opinião do próprio autor a esse respeito:
Algumas pessoas acham que eu comecei me inda-
gando como poderia transmitir algo sobre o cristi-
anismo para as crianças; depois, fixei no conto de
fadas como um instrumento; em seguida, coletei
informações sobre a psicologia infantil e decidi
para qual grupo etário escreveria; posteriormente,
esbocei uma lista das verdades cristãs básicas e
elaborei “alegorias” para personificá-las. Tudo is-
so é pura fantasia. Afinal de contas, eu não conse-
guiria escrever desse jeito. O processo todo inici-
ou com imagens; um fauno carregando um guar-
da-chuva, uma rainha andando de trenó, um mag-
nífico leão. A princípio não havia nem mesmo
qualquer aspecto cristão neles; esse elemento foi
se introduzindo na história em seus próprios ter-
mos.
Mesmo admitindo essa interpretação, Lewis dá liberdade para
que o leitor não estabeleça tais associações, ao afirmar que, “Se o leitor
não estiver ciente disso, ele ainda pode apreciar as histórias em seu pró-
prio termo; se tiver essa informação, o significado das verdades cristãs
de modo geral fica estranhamente vivo” (DURIEZ (2005, p. 71). No
entanto, embora seja possível fazer a leitura dos textos sem fazer esse
19
tipo de paralelo, principalmente aos que desconhecem o teor da Bíblia,
as intertextualidades também podem ser livremente identificadas, tor-
nando-se, assim, parte do nosso objeto de estudo.
Assim sendo, faz-se importante esclarecer que meu objeto de es-
tudo, a obra O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, pelo fato de se tratar
de um texto polifônico, dialógico, permite uma série razoável de leitu-
ras. Dentre elas, poderia citar, por exemplo, a filosófica, a pedagógica
e a judaica.
Todavia, já que tratarei da tradução das intertextualidades bíblicas reali-
zada no livro em questão, deve-se que ressaltar que minha leitura é rea-
lizada dentro de uma perspectiva cristã, plenamente aceitável dentre as
outras possibilidades, como se verá no desenvolvimento do trabalho.
Feitas essas considerações a respeito das intertextualidades bíbli-
cas (vide Capítulo 1, Seção 3, para maiores informações), volto aos dois
textos, também objetos de estudo: The Lion, the Witch and the Wardro-
be e O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa.
Em 1949, C. S. Lewis, irlandês, professor universitário, primeiro
de Oxford, e no final da carreira, finalmente reconhecido como titular,
em Cambridge, das cadeiras inicialmente de Filosofia e, posteriormente,
de Crítica Literária e Literatura Medieval e Renascentista, escreveu The
Lion, the Witch and the Wardrobe, uma narrativa de ficção, seguida por
outros seis volumes, que constituem a série intitulada Chronicles of
Narnia. A série foi um sucesso nos países de língua inglesa e também
em outros países, com traduções para diversas línguas. Sua publicação
original, sob o título The Lion, the Witch and the Wardrobe, ocorreu em
1950, na Inglaterra, pela William Colins Sons & Co.
Em 1982 a ABU Editora, uma publicadora da Aliança Bíblica
Universitária no Brasil (ABUB), promoveu a primeira publicação com a
tradução de Paulo Mendes Campos, capa de Stephen Lavis e ilustrações
de Pauline Baynes. Esse primeiro volume, elaborado no Brasil, pertence
à série intitulada, em língua portuguesa, As Crônicas de Nárnia. Essa
primeira edição no Brasil inclui a capa com figura, título da obra e nome
do autor, e a contracapa com figura e um fragmento da própria narrativa;
além disso, possui 167 páginas com 47 ilustrações, uma página inicial
com um fragmento da narrativa e dois parágrafos com uma breve expli-
cação a respeito da série Nárnia, conforme se pode observar no Anexo
A. O último desses dois parágrafos sugere os dois pontos de vista sob os
quais as histórias podem ser lidas: como contos de aventuras fantásticas
ou como grandes histórias alegóricas e morais. Além dessa página inici-
al, conforme se observa no Anexo B, uma carta pessoal do tradutor
20
ao editor Osmar Teles, em que o primeiro explica sua demora no traba-
lho e apresenta sua apreciação do livro usando palavras e expressões
como, por exemplo, “livro excelente”, “texto completo”; explica, tam-
bém, o fato de ter tomado algumas liberdades de tradução, visando ao
público-alvo brasileiro. Sugere, ainda, a supressão da carta inicial, escri-
ta por C. S. Lewis para sua afilhada, que, em sua opinião, por meio
dessa carta, poder-se-ia transparecer a idéia, da qual o tradutor discorda-
va, de que o livro não era interessante para adolescentes. Nessa mesma
carta, o tradutor, ademais, ventila os comentários sobre a obra lida por
pessoas de sua família, de idades diferentes, dando um tom apreciativo à
narrativa. Em adição à sugestão e aos comentários, o tradutor propõe ao
Sr. Teles que inclua uma indicação do sucesso do livro no mundo todo e
de suas inúmeras edições. O editor manteve a carta do autor para a afi-
lhada Lúcia, o que, em minha opinião, revela o teor universal e onitem-
poral da história, além da importância do fantástico e a característica
peculiar dessa literatura, de poder ser lida por pessoas de qualquer idade.
Essa edição brasileira traz, ainda, um parágrafo, constante no
Anexo D, com uma breve biografia do autor irlandês, docente nas Uni-
versidades de Oxford e Cambridge, que escreveu poesias e publicou
vários livros. C. S. Lewis, em sua vasta produção, abrange os mais di-
versos gêneros: desde a poesia, a crítica literária, a teologia, até a ficção
adulta e infanto-juvenil.
No Brasil, a obra esteve nas mãos de três editoras: Ediouro
(1980), ABU (1982) e Martins Fontes (1997), segundo o artigo virtual
de GOMES (UFRJ / SUAM)
11
.
Atualmente, As Crônicas de Nárnia são publicadas pela WMF
Martins Fontes, tanto em volumes separados como em um único volu-
me
12
, de capa dura e ilustrações coloridas ou não, de capa mole, sem
ilustrações.
Esta pesquisa empregará tanto os textos em papel, que são a tra-
dução da primeira edição da ABU, de 1982, a edição em língua inglesa
composta por três volumes que integram as sete narrativas e é intitulada
Tales of Narnia, publicada em 1999, pela Diamond Books, como os
textos em português e inglês digitalizados.
A edição em inglês, em papel, possui capa com ilustração refe-
rente à narrativa The Lion, the Witch and the Wardrobe; nesse volume, a
11
Disponível em: <http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)13-19.html> Acesso em: 23
set 09
12
Disponível em: http://www.wmfmartinsfontes.com.br/assunto_mf.asp?Pagina=2&id=11>
Acesso em: 17 mai 10
21
narrativa em foco neste estudo está entre as duas outras crônicas da
série: The Magician’s Nephew e The Horse and His Boy; a parte do
volume com a narrativa aqui pesquisada apresenta, também, a dedicató-
ria de Lewis à sua afilhada, o sumário e possui 162 páginas e 47 ilustra-
ções, que são, da mesma forma que as da edição brasileira, de Pauline
Baynes. A propósito, apresento, no tópico As crônicas de Nárnia, no
Capítulo Dois, a polêmica existente quanto à ordem das sete narrativas
da série e, ainda, no Anexo I, um quadro referente à sequência dos sete
volumes.
Assim, o objeto principal deste trabalho é o texto traduzido e, em
especial, os fragmentos que se apresentam como ressonâncias bíblicas,
dentro de seu contexto, que é a narrativa como um todo. O texto em
inglês também será utilizado especialmente na observação dos fragmen-
tos que ecoam textos da literatura bíblica.
22
3 OBJETIVOS
O tema da pesquisa, “as intertextualidades bíblicas encontradas
no texto original e suas traduções para o português”, desponta como
uma reação à sugestão de KLINGBERG (1986), que indica cinco áreas
potenciais de pesquisa dos Estudos da Tradução na área da Literatura
infanto-juvenil, dentre as quais aquela dos “estudos de como os livros
infanto-juvenis têm sido, de fato, traduzidos, e uma definição dos pro-
blemas encontrados pelos tradutores durante o processo de tradução
desses tipos de livros.” Embora a abordagem de KLINGBERG (1986)
seja mais prescritiva, o que não acontece com o presente trabalho, essa
sugestão é um ponto de partida significativo para a abordagem descritiva
desta pesquisa.
Desse modo, o trabalho tem como objetivo encontrar as intertex-
tualidades bíblicas no texto-fonte
13
, daqui por diante, TF, com base nos
conceitos de alguns teóricos como MAINGUENEAU (2006), KOCH,
BENTES e CAVALCANTE (2007), BEAUGRANDE (2007), dentre
outros, observar se, no texto alvo
14
, ou seja, o texto traduzido, doravan-
te, TT, essas intertextualidades estão presentes e observar como elas
foram traduzidas.
Em relação aos objetivos mais específicos, o trabalho tentará des-
cobrir se o modo como o tradutor lidou com seu texto segue algum pa-
drão específico concernente à tradução de intertextualidades.
Desdobram-se desses objetivos, as seguintes questões:
1. Quais foram os elementos intertextuais vertidos e trazidos
para a tradução?
2. Como eles foram traduzidos, ou seja, é possível detectar al-
guma/s estratégia/s de tradução para as intertextualidades?
3. Em caso positivo, seria possível detectar algum critério pa-
ra as escolhas realizadas pelo tradutor?
No Brasil, é possível encontrar trabalhos que, de uma forma ou
de outra, tocam na questão da intertextualidade nessa e em outras obras
de Lewis. Temos um livro de GREGGERSEN (2006), contendo um
capítulo intitulado A intertextualidade: a Bíblia no conto lewsiano; uma
tese de BOTELHO (2005) que trabalha a intertextualidade em As crôni-
cas de Nárnia e uma breve pesquisa digitalizada de STAFUSSI
15
, cujo
13
Tradução minha de “ST”, ou seja, “source text”, termo empregado por NORD (1991).
14
Tradução minha de “TT”, ou seja, “target text”, termo empregado por NORD (1991).
15
As edições em português de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, de C. S. Lewis. Disponível
em: <http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)13-19.html.> Acesso em: 23 set 09
23
título é O possível diálogo entre o texto bíblico e O Leão, a Feiticeira e
o Guarda-Roupa, de C. S. Lewis. No entanto, nenhuma dessas pesquisas
tem como foco a tradução.
Entretanto, é possível encontrar muitos trabalhos em língua ingle-
sa a respeito das intertextualidades na obra em questão, porém, não vol-
tados à tradução. A revista Meta
16
oferece uma pesquisa no campo da
tradução russa que compara a obra em foco, no meu estudo, e um volu-
me de Harry Potter; no entanto, a pesquisadora direciona seu estudo
para a transferência dos aspectos culturais e ideológicos e não especifi-
camente das intertextualidades.
Assim, após uma definição de intertextualidade, a ser apresentada
no Capítulo 1, seleciono uma amostra desses fragmentos, encontrados
no TF para, em seguida, compará-los com o TT e, em caso positivo,
observo como os mesmos foram traduzidos.
16
INGGS, J. Meta, ano 2003, vol 48, número 1-2, p. 285.
24
4 REVISÃO DA LITERATURA
Esta Fortuna Crítica visa proporcionar aos leitores uma referên-
cia aos artigos, livros e trabalhos acadêmicos que abordem a Tradução
da Literatura Infanto-Juvenil, a fantasia de C. S. Lewis, O leão, a feiti-
ceira e o guarda-roupa e a tradução de intertextualidades. Além disso,
procuro demonstrar, aqui, a relação deste trabalho com alguns outros
que circulam por algumas das mesmas interfaces acessadas pela presen-
te pesquisa.
Para isso, em primeiro lugar, fiz uma busca virtual por trabalhos
que abordassem os três itens apresentados no parágrafo anterior, estuda-
dos concomitantemente, em todos os anos possíveis. Em segundo lugar,
busquei trabalhos que abordassem TLIJ e intertextualidade ou TLIJ e as
fantasias de C. S. Lewis ou, ainda, Tradução e intertextualidade, em um
período mais restrito. Por último, fiz uma busca por trabalhos de Tradu-
ção e Literatura Infanto-Juvenil, também mais restrita, nos últimos anos.
Em âmbito internacional, minha busca se restringiu a alguns ve-
ículos da área dos Estudos da Tradução, como, por exemplo, a revista
Meta, e, ainda, a sites relacionados à obra e à vida de C. S. Lewis e,
também, a publicações de teses e dissertações de algumas universidades.
No cenário brasileiro, pesquisei nas bibliotecas de algumas universida-
des que, reconhecidamente, têm se dedicado também à área da tradução,
bem como utilizei os catálogos de editoras nacionais.
Assim posto, relato a seguir o fruto de minhas buscas.
Entre os anos de 2008 e 2010, que correspondem ao início e
término desta pesquisa, em busca pelas bibliotecas digitais da USP, da
PUC–SP, da UFRGS, da UFMG, do Mackenzie, da UFSC, utilizando as
palavras tradução/intertextualidades, tradução/fantasia, tradu-
ção/literatura infanto-juvenil, tradução/C S Lewis encontrei poucos
trabalhos acadêmicos.
Entre eles, cobrindo as interfaces TLIJ e fantasia, a Biblioteca
virtual da PUC SP dispõe de uma dissertação intitulada Versões de
Alice no País das Maravilhas: da tradução à adaptação de Carrol no
Brasil, de autoria de Cynthia B. Costa, apresentada em setembro de
2008.
Na interface de LIJ e intertextualidade, a mesma biblioteca cita-
da no parágrafo anterior oferece a dissertação O Fantástico Mistério de
Feiurinha, de Pedro Bandeira e Reinações de Narizinho, de Monteiro
Lobato: diálogos intertextuais com os contos de fadas, de Elenir Sarro,
apresentada em junho de 2009.
25
Em pesquisa, igualmente, feita no site da Pós-graduação em Es-
tudos da Tradução da Biblioteca da UFSC, o único trabalho cobrindo as
interfaces tradução, intertextualidade e literatura infanto-juvenil é uma
dissertação de mestrado, de VANUZZINI (2009), cujo título é: Intertex-
tualidades em tradução: no romance infanto-juvenil Tintenherz.
Além dessa minha pesquisa, que se limitou aos últimos três
anos, apresento, na Introdução, constatações de outros três pesquisado-
res, FERNANDES (2004), VANUZZINI (2009) e VIEIRA (no prelo)
concernentes à TLIJ, feitas em âmbito nacional.
A partir da constatação de FERNANDES (2004), presente na
Introdução, que aponta para dois trabalhos, observei que a mesma pes-
quisadora que apresentou a dissertação de mestrado, intitulada Um in-
glês no sitio de Dona Benta: estudo da apropriação de Peter Pan na
obra infantil Lobatiana em 1998, pela Unicamp, defendeu, em 2004,
também pela Unicamp, a tese com o título de Viagens de Gulliver ao
Brasil: estudos das adaptações de Gulliver's Travels por Carlos Jansen
e por Monteiro Lobato (VIEIRA, 2004). O segundo trabalho apontado
por FERNANDES (2004) é uma tese de BORBA (1999), intitulada The
Translation of Wordplay in Alice in Wonderland: A Descriptive and
Corpus-Oriented Study.
Em âmbito internacional, na Revista Meta, entre os anos de
2008 e 2010, não encontrei trabalhos que abordassem temas nas interfa-
ces TLIJ e intertextualidades ou TLIJ e O leão, a feiticeira e o guarda-
roupa. Os dois artigos publicados pela referida revista, no ano de 2008,
cobrem as interfaces TLIJ e contos de fadas. O primeiro, intitulado The
Translator’s New Clothes Translating the dual Audience in Andersen’s
“The Emperor’s New Clothes” é de Jan Van COILLIE (2008). O se-
gundo artigo, de Riitta OITTINEN (2008), é intitulado From
Thumbelina to Winnie-the-Pooh: Pictures, Words, and Sounds in Trans-
lation
Nessa mesma revista, o único trabalho cobrindo as interfaces
TLIJ e O leão, a feiticeira e o guarda-roupa data de 2003. Judith
INGGS (2003), em seu artigo intitulado From Harry to Garri: Strate-
gies for theTransfer of Culture and Ideology in Russian Translations of
Two Fantasy Stories, observa a tradução para o russo da narrativa clás-
sica de Lewis e da moderna, de Rowling, sob os primas culturais e ideo-
lógicos . Esse artigo faz parte das publicações da Revista Meta, de 2003,
que lançou dois números cobrindo o tema Translation for Children, sob
supervisão de Riita Oittinen.
Em relação a trabalhos acadêmicos e publicações virtuais, ainda
no Brasil, concernentes à fantasia de C. S. Lewis, foi possível encontrar
26
um artigo de GOMES
17
, um trabalho de STAFUSSI (2009), uma disser-
tação de mestrado de BOTELHO (2005) e um artigo de GREGGERSEN
(2009).
Além dessas teses, dissertações e artigos, fiz uma pesquisa digi-
tal nas Editoras, procurando tanto as fantasias de C. S. Lewis, como
outras obras suas traduzidas para o português e publicadas no Brasil. O
resultado foi o relatado a seguir.
A Editora Vida Nova publicou, nos últimos anos, seis livros
18
de Lewis. A Editora Martins Fontes oferece quatro livros
19
além de dez
livros de As Crônicas de Nárnia, com variações em volumes separados,
volumes com todas as crônicas, livros com capa mole e com capa dura,
além de dois livros com as capas dos filmes. E a Editora UNESP lançou,
em 2009, um livro intitulado Um experimento na Crítica Literária.
Algumas editoras brasileiras publicaram livros a respeito de C.
S. Lewis e de sua obra, como, a Editora Hagnos, com um volume
20
, a
Editora Mundo Cristão, com dois volumes
21
e a Editora Mackenzie, com
um volume
22
.
No processo de minha pesquisa, pude observar uma crescente
publicação de obras do autor por mim estudado, nesta década e, ainda,
editoras não cristãs, também, aumentando as publicações de obras de
Lewis. De fato, as publicações das editoras que não fazem parte de um
grupo de editoras cristãs
23
como, por exemplo, a Editora Martins Fontes
e a Editora UNESP são as que oferecem as publicações mais recentes.
Ademais, pesquisas de âmbito internacional revelam um grande
volume tanto de publicações de livros como de trabalhos acadêmicos a
17
Disponível em: <http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)13-19.html> Acesso em: 23
set 09
18
A anatomia de uma dor, Cartas a uma senhora americana, Milagres (2006), O grande
abismo, O peso da glória, Oração: cartas a Malcolm e O problema do sofrimento. Catálogo
Editora Vida. Disponível em:www.vidaacademica.net Acesso: 25 jun 10. Esse site não oferece
o ano de publicação de seus livros.
19
Cartas de um diabo a seu aprendiz (2009), Cristianismo puro e simples(2008), , Os quatro
amores (2009). Editora Martins Fontes. Disponível em:
<http://www.wmfmartinsfontes.com.br/search1.asp?WHE=autor_select&WHA=ORWZQSTA
R__0Q8107MP7> Acesso em: 26 jun 10
20
Os bastidores de Nárnia (2006), Devin Brown. Disponível em:
<http://hagnos.com.br/genero.php?id=48> Acesso em: 25 jun 10
21
A biblioteca de C. S. Lewis (2006), O imaginário em As Crônicas de Nárnia (2005). Dispo-
nível em:
<http://www.mundocristao.com.br/produtospesq.asp?pesquisar=c.%20s.%20lewis&secao=Loj
a%20Virtual> Acesso em: 25 jun 10
22
GREGGERSEN (2005), A antropologia filosófica de C. S. Lewis.
23
ASEC é uma Associação de Editores Cristãos no Brasil, com cerca de 60 filiados. Disponí-
vel em: http://editorescristaos.org.br/associados.html Acesso em 15 jun 10
27
respeito de Lewis e de sua obra e, mais especificamente, trabalhos refe-
rentes a O leão, a feiticeira e o guarda-roupa.
Embora haja tantos adeptos à obra de C. S. Lewis e às suas fan-
tasias, há, também, críticas desfavoráveis, principalmente no âmbito
internacional. Aliás, durante todas as décadas após o sucesso inicial das
crônicas, controvérsias e pontos de vista divergentes surgem, de tempos
em tempos.
Parte dessa crítica encontra-se dentro do círculo cristão; uma ala
ataca As Crônicas de Nárnia pela inclusão de figuras mitológicas; outras
o criticam pela presença de Papai Noel. BROWN (2006) aponta para um
site onde Lewis é identificado com um artifício do demônio, e suas crô-
nicas consideradas armas das mais efetivas de Satanás.
Para além desse âmbito mais restrito, uma crítica que não
aceita que Lewis use da fantasia para comunicar conceitos cristãos. Esse
grupo ataca as crônicas por razões diversas. Para alguns elas são sexis-
tas, para outros, racistas e, ainda, “muito inglesas e muito cristãs”
(BROWN, 2006, p. 20).
No jornal inglês The Guardian
24
, do dia três de junho de 2002,
o articulista John Ezard aponta para o discurso do escritor Philip
Pullman, proferido em um festival britânico. Esse escritor foi premiado
no Reino Unido por sua trilogia infanto-juvenil. Em seu discurso, critica
de modo veemente a obra de C. S. Lewis, imputando-lhe a característica
de propaganda religiosa, de racista e de depreciativa em relação a mu-
lheres e meninas. Além do escritor, Peter Hunt, crítico da literatura in-
fanto-juvenil, igualmente, assume uma posição desfavorável às sete
crônicas.
Porém, embora haja críticas às fantasias de Lewis, o mero de
leitores e de vendas dos livros permanece sempre surpreendente. E,
assim, também, o número de admiradores e daqueles que valorizam
essas obras de ficção continua elevado. O mesmo artigo que apresenta a
opinião de Pullman, relativa às crônicas, refere-se aos livros de Nárnia
como “aqueles cujas histórias estão entre as narrativas infanto-juvenis
mais amadas durante os últimos cinqüenta anos” (EZARD, 2002, tradu-
ção minha).
Assim, diante das constatações anteriormente apresentadas, até
o término dessa pesquisa, foi possível observar que, em âmbito interna-
cional, um trabalho na área de TLIJ que aborda, também, a obra O
Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Desse modo, minha pesquisa
24
Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/uk/2002/jun/03/gender.hayfestival2002>Acesso
em: 20 jun 10
28
coincide com dois aspectos daquela de INGGS (2003): a TLIJ e a fanta-
sia de C. S. Lewis. Entretanto, nossos trabalhos oferecem diferentes
contribuições para os ET que o primeiro analisa os aspectos culturais
e ideológicos enquanto esta pesquisa observa os procedimentos tradutó-
rios das intertextualidades bíblicas.
No Brasil, minha pesquisa caminha mais próxima de dois traba-
lhos: a tese de doutorado de FERNANDES (2004) e a dissertação de
mestrado de VANUZZINI (2009).
O primeiro converge com minha pesquisa, pois descreve a tra-
dução em obras de ficção da LIJ. No entanto, essa descrição diz respeito
às traduções dos nomes, enquanto a minha descreve a tradução das inter-
textualidades.
A dissertação de VANUZZINI descreve a tradução das intertex-
tualidades em uma obra da LIJ, intitulada Coração de Tinta, da escritora
alemã, Cornélia Funke. Assim, ambas as pesquisas se convergem nesses
pontos. Entretanto, enquanto meu trabalho lida, especificamente, com
intertextualidades bíblicas, aquele observa as intertextualidades em ge-
ral, como, por exemplo, as que ecoam outras obras de ficção, a literatura
tradicional alemã, a fala popular alemã, a poesia alemã, dentre outras.
Assim, com esta pesquisa, espero juntar-me ao grupo pequeno,
porém, crescente, de pesquisadores na contribuição para a área dos ET e,
mais especificamente, da TLIJ.
29
5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Após essa parte introdutória, contendo uma justificativa para a
pesquisa, o objeto, os objetivos e uma revisão da literatura, para respon-
der às questões levantadas, o trabalho foi dividido em capítulos.
O primeiro deles apresenta um arcabouço teórico abordando as
questões da Tradução da literatura infanto-juvenil e uma definição de
intertextualidade para nortear a busca pelas intertextualidades existentes
no TF, bem como uma tipologia e uma categorização concernentes à
intertextualidade.
O Capítulo Dois apresenta um panorama da vida e da obra de C.
S. Lewis, uma visão geral de As Crônicas de Nárnia, um comentário a
respeito do interlocutor da narrativa em estudo e do contexto sócio-
cultural na época da produção desse livro. Esboço ainda, um paralelo
entre as Crônicas e o texto bíblico.
O capítulo seguinte aborda o corpus e o método empregado na
análise dos dados.
O Capítulo Quatro oferece uma análise comparativa entre a ex-
tensão dos capítulos da narrativa em foco no TT e no TF. Além disso,
analisa, também, a obra sob o aspecto intertextual genérico. Em seguida,
analisa os referentes intertextuais em suas relações com os fragmentos
bíblicos. Por último, apresenta as intertextualidades, lado a lado, no TT
e no TF, juntamente com a análise dos procedimentos dessas traduções.
Excetuando-se a Introdução e a Conclusão, os demais capítulos
têm início com uma consideração inicial e finalizam com uma conside-
ração parcial.
Em seguida, a modo de conclusão, discutem-se os resultados da
pesquisa. Por fim, apresentam-se as Referências Bibliográficas e os
Anexos que incluem os textos bíblicos que são indicados como pré-
textos extras e os textos bíblicos citados nas análises a respeito das inter-
textualidades encontradas. Ainda, nos Anexos, a página inicial da
edição em papel, a carta do tradutor ao editor, a dedicatória de Lewis à
sua afilhada, o índice de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, o cote-
jamento entre TT e TF nos capítulos 13 e 14 da obra em foco, um qua-
dro com os números de palavras e caracteres dos dezessete capítulos do
TT e do TF, e um quadro com duas ordens de leitura de As Crônicas de
Nárnia sugeridas pelos editores.
30
CAPÍTULO UM
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Considerações Iniciais
Este capítulo divide-se em duas partes maiores, além das conside-
rações iniciais e parciais. A primeira, após situar a pesquisa na disciplina
de que faz parte, apresenta algumas definições sobre a LIJ. A segunda
parte oferece, também, conceitos de diferentes autores sobre a intertex-
tualidade e os critérios por mim escolhidos para a determinação de um
fragmento como intertextualidade, ou seja, para que o corpus dessa
pesquisa seja estabelecido. Deve-se ressaltar, entretanto, que não se
pretende estabelecer uma abordagem exaustiva a respeito da área da
TLIJ, nem tampouco, da intertextualidade ou de sua tradução, dados os
objetivos do presente trabalho.
1.2 A Tradução da Literatura Infanto-Juvenil
No âmbito geral da disciplina dos Estudos da Tradução, doravan-
te chamado de ET, esta pesquisa vincula-se, segundo mapeamento de
WILLIAMS e CHESTERMAN (2002), a duas áreas de pesquisa: Tra-
dução de gêneros e Tradução e análise textual. Em suas interfaces apre-
sentam-se a Literatura infanto-juvenil, subárea da primeira área acima e
Análise do texto fonte e Comparação de traduções com seus textos de
partida, subáreas da segunda.
No amplo domínio dos Estudos da Tradução, a subárea da Tradu-
ção da literatura infanto-juvenil abarcará os demais domínios; a Análise
do texto fonte fornece os meios para se entender as intertextualidades
previamente observadas no TF, bem como compreender o contexto
histórico e cultural em que a obra original foi produzida, o público-alvo
pretendido na produção do texto, dentre outros aspectos.
Como este projeto é descritivo, recorro, ainda à subárea Compa-
ração da tradução com seu texto de partida, que oferece os subsídios
para se comparar o TF e o TT, e para procurar entender as razões pelas
quais o tradutor fez suas opções ou solucionou seus problemas ou, ain-
da, entender possíveis regularidades do trabalho do tradutor.
Embora a tradução seja parte da literatura, da cultura de inúmeros
países, séculos, pode-se dizer que a disciplina de Estudos da Tradu-
ção é recente. Além disso, o fato de haver poucos estudos na área acar-
reta uma dificuldade de definição das terminologias, dos conceitos, que
31
terminam pouco precisos. OITTINEN (2000, p.2) adverte para a neces-
sidade de se estabelecer definições no tratamento da LIJ.
Atualmente, os ET concentram-se mais em técnicas descritivas
do que nas prescritivas. Alguns pesquisadores apresentam trabalhos que
circulam nas interfaces dos ET e da LIJ e caminham nessa abordagem
descritiva. Dentre eles, SHAVIT (1981), por exemplo, em seu artigo,
trabalha com a descrição dos padrões de comportamento nas traduções
da LIJ para a língua hebraica, anteriormente por ela estudadas e que, em
sua opinião, são comuns, também, em outras culturas; a autora do artigo
explica sua preferência em trabalhar com as traduções em vez de com os
textos fontes, pois, para ela, as normas tradutórias expõem, de modo
mais claro, as restrições impostas a um texto que se encaixa no sistema
da LIJ. É interessante observar que a pesquisadora salienta, ainda, o fato
da existência dessas restrições, em especial, para os textos que, ou mi-
gram da literatura adulta para a infanto-juvenil, ou que servem para os
dois sistemas, adulto e infanto-juvenil.
OITTINEN (1993), ao contrário de Shavit, descreve o processo
de tradução para crianças, relatando, em sua tese de doutorado, as com-
plexidades nele constantes. O conceito bakhtiniano dialógico e as teorias
transacionais de ROSENBLATT (1978 apud OITTINEN, 1993) funda-
mentam a visão de OITTINEN (1993), que apresenta o tradutor como,
antes de tudo, um leitor, responsável pelas leituras dos demais leitores,
ou seja, das crianças e adolescentes, do editor, do autor, dentre outros.
Para a pesquisadora, o tradutor sempre traduz situações e contextos,
incluindo os aspectos de tempo, espaço e cultura. OITTINEN (1993)
destaca ainda a questão, que permeia seu trabalho: Para quem se traduz?
Essa pergunta é importante, também, quando se aborda a tradução de
ficção infanto-juvenil, e a autora vai além, ao questionar se a tradução é
feita para a criança ler ou para ela ouvir a narrativa da história. Além
desse aspecto, a autora enfatiza, ainda, a necessidade de se esclarecer
qual é a “criança-audiência”, quem ela é e como ela é. Aliás, nesse pon-
to, fundamentada nos conceitos piagetianos e vygostkyanos, OITTINEN
(1993) aponta para o fato de que o tradutor, bem como outros estudio-
sos, tem sempre seu trabalho acomodado à própria imagem referente à
criança, ou seja, seu conceito pessoal em relação à infância moldará a
forma como o/a profissional olhará para a criança e traduzirá para ela.
Em consonância com o trabalho de Shavit, OITTINEN (1993) aponta a
questão da responsabilidade do tradutor oferecer ao novo leitor “uma
resposta e um texto novo”, pois, do contrário, seu texto será autoritário e
promotor de alienação. Como Shavit e Klingberg, OITTINEN (1993)
destaca a questão do desrespeito pela infância, sinalizada pelo baixo
32
status da literatura infanto-juvenil. A estudiosa é bem enfática ao tecer
comentários concernentes à tradução da LIJ que, para ela, terá sucesso
quando a leitura do texto for feita tanto de forma analítica como sensí-
vel; em sua opinião, requer-se do tradutor a habilidade de escrever um
texto que não apenas flua em sua leiturabilidade, como também, cumpra
sua função, seja ela qual for. Além disso, OITTINEN (1993), com base
no conceito de “lealdade”, de NORD (1991), comenta a questão da
adaptação.
A autora afirma que o tradutor, ao fazer adaptações, ao comple-
mentar um texto por levar em consideração a língua e a cultura do pú-
blico-alvo, está sendo fiel ao leitor e ao autor do TF, pois, para ela,
quando o autor escreve seu texto, ele, da mesma forma, pensa e faz
adaptações com vistas a seus leitores. Para OITTINEN (1993), ao se
traduzir uma ficção, deve-se considerar os diferentes tipos de público-
alvo, ou seja, de leitores e de ouvintes.
Por sua vez, PUURTINEN (1995) trabalha, da mesma forma que
Shavit, com o produto final da tradução e não com o seu processo. A
pesquisadora lida com as noções de estilo estático e dinâmico na tradu-
ção das construções sintáticas.
O que se destaca, pois, para a perspectiva do trabalho que venho
desenvolvendo é que, em primeiro lugar, mesclo conceitos derivados de
vertentes variadas para o trabalho relativo à TLIJ. Além disso, com refe-
rência ao enfoque dos trabalhos, enquanto Shavit e Puurtinen trabalham
com o TT, meu trabalho se aproxima mais do de Oittinen, que obser-
va o TF e as opções do tradutor na construção do TT.
Além desses teóricos e estudiosos da TLIJ, adoto, neste trabalho,
a visão do próprio C. S. Lewis relativa à LIJ. Em seu artigo intitulado
Sobre as três formas de se escrever para crianças
25
(tradução minha), o
autor discorre sobre uma forma negativa e duas positivas de se escrever
textos infantis. A primeira é aquela em que se procura algo que agrade o
público infantil, mesmo não agradando o autor. A segunda é a escritura
de uma narrativa a partir da mesma narrativa transmitida oralmente a
uma criança, em especial. Aqui, ele exemplifica com os textos de Tolki-
en, Lewis Carroll, Kenneth Grahame. O terceiro modo, por ele adotado, é
o de escrever uma história infantil, por ser ela a melhor forma de arte a
comunicar algo importante que se deseja comunicar. No seu caso, o gêne-
ro escolhido foi o da fantasia. O escritor continua defendendo sua concep-
25
On the Three Ways of writing for children. Disponível em:
<http://campus.huntington.edu/dma/leeper/DM101/Readings/On%20Three%20Ways%20of%2
0Writing%20for%20Children.rtf.> Acesso em 15 fev 09
33
ção da LIJ ao expressar-se como: “quase inclinado a tornar um cânon a
conceão de que uma história infantil ou para crianças que seja apreciada
apenas por criaas é uma hisria infantil ruim. Aquelas que são boas,
duram.
26
(tradução ppria).
Lewis ratifica sua preocupão com a qualidade das histórias infan-
tis, apontando para sua preferência pela fantasia ou pelos contos de fadas,
como a melhor “embalagemem que se pode colocar um conteúdo por
vezes difícil de entender ou alcançar racionalmente. Assim, a fantasia é
um gênero, uma obra de arte que deve receber valor semelhante aos de-
mais gêneros.
Essa sua conceão relativa à produção de narrativas infanto-
juvenis aplica-se, aqui, ao trabalho de tradão da LIJ. O autor, em seu
artigo, continua com três proposições: (i) de que o termo “adulto” deve ser
usado de modo descritivo eo com um valor; as coisas de criança, como,
por exemplo, o temor de ser visto lendo um conto de fadas e o desejo de
crescer são constantes na vida de uma criança, assim, os críticos literários
que usam o termo no sentido valorativo não podem ser adultos (ii) a visão
moderna apresenta um falso conceito do que seja “crescer”; não é neces-
rio deixar de gostar de “coisas de crianças” ao se tornar adulto, porém,
sim, acrescentar a esse gosto outros mais; não é preciso deixar o prazer da
fantasia ao se tornar adulto, mas, sim, apreciar esse e outros neros ou
escritores (iii) de formas renovadas. Segundo Lewis, a associão da fan-
tasia ou dos contos de fadas com a infância é local e acidental; uma fanta-
sia pode ouo ser dirigida a um público-alvo infantil.
Outro fator que não pode ser esquecido, ao se tratar da LIJ, é o da
oralidade. OITTINEN (2000) trata desse aspecto quando define a LIJ
como aquela que pode ser lida pela criaa ou lida por outra pessoa, cri-
ança mais velha ou adulto, para a criança.
Esses autores, por meio de suas conceituações, de seus posiciona-
mentos, demonstram uma valorizão e expressam, de forma veemente,
sua consideração pela infância, bem como pelas histórias infanto-juvenis,
elevando, assim, a LIJ ao mesmo nível de qualquer outra boa literatura ou
obra de arte. A partir desses conceitos e valores, este trabalho assume,
igualmente, um posicionamento de valorização da LIJ.
26
“almost inclined to set it up as a canon that a children's story which is enjoyed only by children
is a bad children's story. The good ones llast.
34
1.3 A Intertextualidade
1.3.1 O texto, a textualidade, a intertextualidade
Para se chegar à conceituação de intertextualidade, foco deste
trabalho, alguns termos devem ser explicitados, como é o caso de texto e
textualidade.
Ao se pensar em análise de textos, dentre as rias correntes teóri-
cas, despontam, no Brasil, as concepções da Linguística Textual, a Teoria
da Enunciação, a Análise do Discurso e a Semiótica. TOLEDO (2006),
em sua breve descrição dessas teorias, apresenta os conceitos adotados por
essas correntes, com referência ao “texto”. Como elemento funcional da
textualidade, essas correntes ora enfatizam a coerência, ora a coeo e a
consisncia, ora a historicidade ou, ainda, a constituição do texto e o
processo de entendimento do texto pelo receptor, a tematização e a figura-
tivização.
Consciente dos diferentes conceitos e definições apresentados pelas
correntes supra-citadas que, em alguns momentos, convergem, em outros
se distanciam, adoto, aqui, as definições de BEAUGRANDE (2007), de
BEAUGRANDE E DRESSLER (2002), bem como de KOCH (2002),
que se complementam; ambos os pesquisadores contribuíram com impor-
tantes trabalhos na área da Linguística Textual. Para BEAUGRANDE
(2007), em um determinado momento, o texto passou a ser concebido
não mais como uma “unidade lingüística” mas como “um evento social,
cognitivo e lingüístico que engendra uma textualidade” (tradução mi-
nha). Ampliando esse conceito, KOCH (2002, p. 9) afirma que texto é o:
[...] lugar de constituição e de interação de sujei-
tos sociais, como evento, portanto, em que con-
vergem ações linguísticas, cognitivas e sociais
(Beaugrande, 1977), ações por meio das quais se
constroem interativamente os objetos-de-discurso
e as múltiplas propostas de sentidos, como função
de escolhas operadas pelos co-enunciadores entre
as inúmeras possibilidades de organização que ca-
da língua lhes oferece [...] construto histórico e
social, extremamente complexo e multifaceta-
do[...]
No tocante à textualidade ou textura, KOCH & TRAVAGLIA
(1997, p. 26-27) afirmam ser:
35
[...] o que faz de uma sequência linguística um
texto e não uma sequência ou um amontoado alea-
tório de frases ou palavras. A sequência é perce-
bida como texto quando aquele que a recebe é ca-
paz de percebê-lo como uma unidade significativa
global [...]
BEAGURANDE e DRESSLER (2002)
27
apresentam, ainda, sete
padrões de textualidade, que são a coesão, a coerência, a intencionalida-
de, a aceitabilidade, a informatividade, a situacionalidade e a intertex-
tualidade que funcionam como princípios constitutivos de uma comuni-
cação textual (p. 12). Para os teóricos, esses critérios se dividem em
duas partes, de acordo com o foco de nossa atenção. Quando se olha
para um texto, pode-se concentrar em sua superfície, onde se observam
a coesão e a coerência ou, também, em tudo aquilo que se encontra sob
essa mesma superfície, onde se estabelecem os cinco demais princípios,
incluindo a intertextualidade.
A coesão e a coerência, centradas no texto, estabelecem opera-
ções “diretamente nos materiais do texto” (p. 14). O primeiro princípio –
a coesão estabelece-se pela sequêncìa das palavras combinadas entre
si, interdependentes, segundo as formas e convenções gramaticais de
cada língua; são os elementos linguísticos que atestam ou não a coesão.
Embora a coesão seja o primeiro padrão de textualidade, ela não é deci-
siva por si para que haja comunicação efetiva. É preciso uma intera-
ção entre a coesão e os outros seis princípios constituintes da textualida-
de. Assim, além dos fatores linguísticos, a textualidade é sustentada,
ainda, por fatores semânticos e cognitivos, que estabelecem a coerência
de um texto. Esses fatores são observados quando o foco se coloca no
objeto da comunicação, ou seja, no texto ou discurso. Desse modo, a
coerência, segundo padrão de textualidade, se estabelece quando se
trabalham as conexões conceituais e cognitivas que fazem parte de um
“mundo textual”.
Os cinco demais padrões configuram-se quando se amplia o olhar
para além das noções centradas no texto, ou seja, para os seus usuários,
sejam os produtores ou os receptores no processo de comunicação.
27
O texto de Introduction to Text Linguistics foi publicado, originalmente em 1981 e reforma-
do digitalmente em 2002. disponível em:
http://www.beaugrande.com/introduction_to_text_linguistics.htm#Foreword. Acesso em:
20.mai.10.
36
O padrão da intencionalidade é referente ao produtor ou a sua ati-
tude concernente ao uso dos constituintes de um texto, de modo a reali-
zar suas intenções, seu objetivo quanto ao texto.
A aceitabilidade, o quarto critério de textualidade, é referente à
atitude do receptor para quem as ocorrências devem constituir um texto
coeso e coerente que seja relevante a esse receptor. Tal atitude é respon-
sável, dentre outros fatores, pelo contexto social e cultural.
O quinto padrão de textualidade, focalizado no conteúdo, é a in-
formatividade, que é referente à extensão esperada ou não, conhecida ou
não das ocorrências. Um texto pode variar entre alta ou baixa informati-
vidade.
A situacionalidade, sexto critério a contribuir com a textualidade,
refere-se aos fatores que tornam um texto relevante pela situação em que
ocorre. Esse padrão afeta até mesmo as formas de coesão, que, de-
pendendo da situação em que o texto ocorre, ele deverá ser mais ou
menos econômico.
Antes de tratar do último padrão de textualidade, é importante
destacar o fato de que, segundo BEAUGRANDE e DRESSLER (2002),
esses princípios definem e criam uma forma de comportamento que
pode ser identificada como comunicante textual. Assim, caso esses prin-
cípios sejam desafiados, essa forma de comportamento sucumbirá, ou
seja, a comunicação poderá ser mais ou menos efetiva e, até mesmo, não
se efetuar. Deste modo, no caso do presente trabalho, o que se pode
subtrair da conceituação do teórico é que, se o emprego do princípio da
intertextualidade, seja no trabalho do criador do texto, do tradutor ou do
leitor, não for bem sucedido, a comunicação textual falhará ou não terá o
sucesso pretendido.
Mas, o que seria, então, a intertextualidade?
Uma tarefa bastante dicil desponta-se, diante da necessidade de se
definir o termo “intertextualidade”. Uma vez mais observo que seria exte-
nuante, bem como desnecessário para meu trabalho exaurir a queso da
“intertextualidade” diante das teorias, dos trabalhos, dos estudos, das
conceituações concernentes a esta noção de Mikhail BAKHTIN (2000),
Julia KRISTEVA (1974), Laurent JENNY (1979), Dominique
MAINGUENEAU (2006), José Ls FIORIN (1999), Ingedore KOCH e
Luís C. TRAVAGLIA (2008), Beth BRAIT (1999), Robert de
BEAUGRANDE e Wolfgang U. DRESSLER (1981), dentre tantos ou-
tros. No entanto, o que se faz necessário para esta pesquisa é uma defini-
ção que delimite meu corpus e me possibilite escolher apenas alguns fra-
gmentos intertextuais, para servirem de objeto a uma análise da tradução.
37
Para delimitar o conceito de intertextualidade e atingir os objetivos
estabelecidos para o presente trabalho, recorro às linhas teóricas dos auto-
res abaixo elencados.
Inicio com MAINGUENEAU (2006), que trabalha na área da A-
lise do Discurso e refere-se à intertextualidade como escolha do nero.
Em seguida, uso os pressupostos de BEAUGRANDE e DRESSLER
(1981), que contribuem com a questão da intertextualidade como um dos
fatores da textualidade. Logo após, tomo o conceito da intertextualidade
stricto sensu de KOCH, BENTES e CAVALCANTE (2007), bem como
sua categorização. Por último, emprego, também, as categorias e tipologi-
as de HATIM e MASON (1990), que trabalham com a intertextualidade e
a tradução.
Dessa maneira, MAINGUENEAU (2006) indica a exisncia da
noção do Livro, ou seja, a existência de um imenso corpus no qual cada
obra seria composta “por uma multiplicidade de outras, cada livro, mani-
festão de um Livro único(MAINGUENEAU, 2006, p. 164). Segundo
esse pesquisador, o autor de tal idéia seria Jorge Luís Borges, que apresen-
ta a idéia do “vasto Livro, um único Livro infinito” (MAINGUENEAU,
2006, p. 164). Em segundo lugar, embora o autor seja consciente da exis-
ncia dessa intertextualidade radical, ele ultrapassa esse limite ao afirmar
que o que é essencial, ao se considerar o surgimento de uma obra, “é o
modo como cada posicionamento gera essa intertextualidade
MAINGUENEAU (2006, p. 165), ou seja, o fato de o autor de uma obra
produzir sua própria identidade. A opção desse autor é fruto de uma ten-
o e sua obra, por conseguinte, se, igualmente, geradora de tensões.
Para o teórico, o criador de uma obra encontra seu espaço, ou seja, posici-
ona-se, não de um modo passivo, em concordância com as outras obras,
porém, por meio da modificação, do rompimento, do afastamento daquilo
que é esperado, do deslocamento, da subversão, por meio de desvios e,
também, de aliaas e reavaliões. Em contrapartida a essa iia, o
mesmo autor aponta para o fato de que “as obras se alimentam não de
outras obras como também de relões com enunciados” (p. 166). Enfim,
segundo o pesquisador, o que define uma obra o é a oão pelo tema,
mas sim, pela forma, ou seja, o posicionamento que o criador reivindica
por meio da escolha de um nero. E que esse gênero não surge ao
acaso ou acidentalmente, porém, é uma parte importante na criação de
uma obra, é preciso considerar o modo como ele é efetuado.
Enquanto MAINGUENEAU (2006) aponta para a intertextualida-
de enfatizando a escolha do gênero, de acordo com BEAUGRANDE e
DRESSLER (1981), a intertextualidade refere-se aos fatores que tornam
a “utilização de um texto dependente do conhecimento de um ou mais
38
textos encontrados anteriormente” (tradução minha p. 38). O autor
exemplifica sua definição com o caso do motorista que lê numa placa de
trânsito que deve diminuir a velocidade pois crianças atravessando a
rua. É certo para o condutor que, posteriormente, haverá outro sinal de
trânsito indicando que ele poderá retomar a velocidade anterior; e é
claro que só se pode “retomar” uma velocidade que estava sendo manti-
da e, em determinado momento, por alguma razão, fora diminuída. Des-
se modo, o sentido e a relevância do sinal “Retome a velocidade” de-
pende do conhecimento do sinal anterior “Diminua a velocida-
de/crianças atravessando a rua” e de se aplicar o conteúdo à situação que
se desenvolve. Na verdade, segundo BEAUGRANDE (1980), a intertex-
tualidade é o fator principal no estabelecimento dos tipos de textos
28
. E
é nesses tipos de textos que as expectativas se formam para todas as
classes de ocorrências linguísticas. Em um tipo particular de texto, a
dependência na intertextualidade pode ser mais ou menos proeminente
ou aparente. É o caso dos textos do tipo paródias, resenhas críticas, ré-
plicas ou relatórios em que o produtor do texto, em geral, precisa con-
sultar, continuamente, o texto prévio, e os receptores, comumente, deve-
rão ter certa familiaridade com o mesmo” (BEAUGRANDE, 1981, p.
38, tradução própria).
Para BEAUGRANDE (1980), ainda, a intertextualidade é refe-
rente aos modos como a produção e a recepção de um texto dependem
do conhecimento que os participantes têm de outros textos e é por meio
de um processo denominado mediação
29
que esse conhecimento se apli-
ca. Quanto maior for o período de tempo e das atividades de processa-
mento entre o uso do texto recente e o uso dos textos anteriores, maior
será a mediação. Além da mediação é, também, outra questão na inter-
textualidade a alusão textual, ou seja, os modos como as pessoas usam
ou se referem a textos muito conhecidos. Para os autores, enquanto na
teoria, qualquer texto possa ser utilizado pelo produtor de outro texto, na
prática, se esse produtor se referir a textos bem conhecidos, o receptor
28
A text type is a set of heuristics for producing, predicting, and processing textual occurrenc-
es, and hence acts as a prominent determiner of efficiency, effectiveness, and appropriateness
(BEAUGRANDE e DRESSLER, 2002). Os tipos de texto são classes de textos que deverão ter
determinadas características para determinados propósitos (tradução minha)
29
“the extent to which one feeds one’s current beliefs and goals into the model of the commu-
nicative situation” .(BEAUGRANDE, 1980. Um exemplo de intertextualidade com pequena
mediação é o da resposta, em uma conversa ou, ainda, a lembrança de um registro, de uma
minuta que acabou de ser lida. No entanto, a mediação mais extensa ocorre mediante uma
réplica ou crítica que é direcionada a textos escritos em um período de tempo mais anteri-
or.(BEAUGRANDE e DRESSLER, 2002, tradução minha).
39
terá muito mais facilidade em reconhecê-los, em acessá-los no momento
da leitura do texto posterior.
Em terceiro lugar, complementando a idéia de Beaugrande, as au-
toras KOCH, BENTES e CAVALCANTE (2007), afirmam que,
Em razão desta necessária presença do outro
naquilo que dizemos (escrevemos) ou ouvimos
(lemos) é que postulamos a existência de uma in-
tertextualidade ampla, constitutiva de todo e qual-
quer discurso, a par de uma intertextualidade
stricto sensu, esta última atestada, necessariamen-
te, pela presença de um intertexto.
Segundo as mesmas autoras ainda, esse processo de intertextuali-
dade ocorre quando um texto apresenta, dentro de seu corpo, “fragmen-
tos de textos efetivamente produzidos, com os quais estabelece algum
tipo de relação”. As autoras fazem referência a JENNY (1979, p. 14),
para quem se pode falar de intertextualidade quando for possível
encontrar “elementos anteriormente estruturados, para além do lexema,
naturalmente, mas seja qual for o seu nível de estruturação”.
Na sequência dos autores anteriormente anunciados, aparecem
HATIM e MASON (1990, p. 29) que, no livro Discourse and the Trans-
lator (1990,), trabalham com os ET e a Linguística. No capítulo sete,
intitulado Intertextuality and Intentionality discutem a intertextualidade
sob o prisma semiótico e afirmam ser ela “uma força que estende os
limites do significado textual” e, além disso, uma condição essencial de
todos os textos. Assim, requer-se, do tradutor, um trabalho meticuloso e
de grande atenção, que ele, em seu processo tradutório, terá que reco-
nhecer, no pré-texto
30
, as referências textuais para, então, transferi-las
para o texto final. Nessa transferência, a interação se dá não apenas entre
um texto com o outro, porém, entre os sistemas de significados dos dife-
rentes textos. Cabe ao tradutor, também, analisar a referência intertextu-
al em termos de sua contribuição para com o texto de chegada. Nesse
processo, o signo que é transferido, leva consigo sua “história discursiva
inteira, incluindo novos valores de signos” e “carrega modificação subs-
tancial de seu código de significação” (p.137, tradução própria). Dessa
forma, o tradutor, ao priorizar a intencionalidade, deverá fazer ajustes,
30
. “pré-textos” são os textos que precederem, que inspiraram, com os quais um determinado
texto posterior àqueles mantém uma relação. Esta é a definição de tipologia da intertextualida-
de, segundo Hatim e Mason, 1990, p. 132. Os mesmos autores apresentam “pré-texto’ como
sinônimo de [texto] “fonte”, p. 133.
40
pois, os diferentes públicos-alvo possuem diferentes sistemas de conhe-
cimentos e crenças utilizados no processamento dos textos. Todas essas
questões são preponderantes ao tradutor diante de decisões a serem to-
madas frente a um referente intertextual. E, nessas tomadas de decisões,
ele poderá considerar categorias de intertextualidade bem como proce-
dimentos já abordados por alguns teóricos.
1.3.2 A intertextualidade e suas categorias
Além da conceituação conferida por Hatim e Mason à intertex-
tualidade, anunciada acima, este capítulo apresenta, em seguida, al-
gumas diferentes tipologias e categorias dos referentes intertextuais,
segundo autores diversos como HATIM e MASON (1990), LEMKE
(1985 apud HATIM e MASON, 1990, pp. 132,133 ), BEAUGRANDE e
DRESSLER (1981 apud HATIM, 1990, p. 127) e KOCH, BENTES e
CAVALCANTE (2007).
Para HATIM e MASON (1990), intertextualidade é o “modo co-
mo relacionamos ocorrências textuais entre si e as reconhecemos como
sinais que evocam áreas inteiras de nossa experiência textual préviae,
ainda, “é por meio da intertextualidade que textos são reconhecidos em
termos de sua dependência relativa a outros textos relevantes.” (p. 120,
tradução própria). Esses “outros” textos são os chamados “pré-textos”,
nomenclatura que adoto neste trabalho.
De acordo com esses autores, a intertextualidade, melhor obser-
vada nos termos de sistemas semióticos de significação, pode ser ativa
ou passiva.
A intertextualidade ativa é aquela que impulsiona ou intensifica
os sistemas de conhecimento e de crenças existentes além ou fora do
próprio texto. Moacir Scliar, escreveu um romance intitulado Manual da
paixão solitária
31
, que narra a história de Tamar, uma jovem israelita a
qual, disfarçando-se de prostituta, tenta enganar o sogro para dele rece-
ber o sêmen, na tentativa de preservar a descendência do marido que
havia falecido. Scliar usou a história bíblica narrada no capítulo trinta e
oito do livro bíblico de Gênesis, utilizando-se de uma intertextualidade
ativa.
Por outro lado, as ligações intertextuais passivas estão dentro do
texto e fazem parte da corrente de coerência interna ao texto. A Bíblia é
fonte de inúmeros exemplos de intertextualidade passiva, que nela ocor-
31
Com esse romance, Scliar recebeu o Prêmio Jabuti 2009 na categoria romance, publicado
pela Editora Companhia das Letras.
41
rem, tanto no interior de narrativas, de parábolas, de poesias, dentre
outros gêneros, como entre os sessenta e seis livros que compõem o
Antigo e o Novo Testamento. Na narrativa de Lucas, no capítulo quinze,
versículos onze a trinta e dois, mais conhecida como a Parábola do filho
pródigo, o filho mais velho, no versículo trinta, diz, “vindo, porém, este
teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste
matar para ele o novilho cevado.” A expressão “desperdiçou os teus
bens com meretrizes” remete ao versículo doze, em que o filho mais
novo pede ao pai a parte da herança que lhe cabe e, também, à expressão
“dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente”, que se encontra
no versículo treze. Já, ao se analisar a Bíblia como um livro
32
, a expres-
são “novilho cevado” é uma intertextualidade passiva, pois, se refere a
vários outros textos bíblicos
33
que tratam dos sacrifícios feitos no tem-
plo, quando, então, se usavam animais como, por exemplo, cabritos,
novilhos e pombas.
Além dessa dupla divisão, os mesmos autores em sua tipologia
34
,
sugerem as seguintes categorias (SEBEOK, 1986 apud HATIM e
MASON, 1990, p. 132): referência, clichê, alusão literária, auto-citação,
convencionalismo, provérbio e meditação, que passo a explicitar abaixo.
Os trabalhos científicos e acadêmicos se utilizam, com muita
constância, da referência, pois fazem sempre esclarecimentos indicando
capítulos, títulos, revelando a fonte a que se referem. Em geral, todos os
trabalhos acadêmicos apresentam, no final, uma Bibliografia, ou seja, as
Referências Bibliográficas. Em sua obra intitulada Lavoura Arcaica,
Raduan NASSAR (1975), ao final da narrativa, apresenta um parágrafo
em que explica as fontes de alguns fragmentos de sua história. O escri-
tor, por meio de exemplos, revela a fonte dos intertextos, iniciando sua
explicação da seguinte forma: “Recurso dispensável, o A. [autor] tam-
bém enxertou no texto na íntegra ou modificados os versos que se
seguem: ‘especular sobre os serviços obscuros da fé, levantar suas partes
devassas, o uso sacramental da carne e do sangue’, pág. 22, de Thomas
Mann...”. Assim, mesmo não sendo um trabalho acadêmico e, sim, um
texto literário, esse paratexto
35
é um exemplo de referência. Em um
32
A blia pode ser considerada um único volume, uma unidade, constando de um começo e
de um fim, como tradicionalmente foi lida e fez parte da imaginação do Ocidente ou, “como
uma pequena biblioteca”, com seus 66 livros diversos. (FRYE, 2004, p. 11)
33
Alguns dos textos que tratam dos animais como oferta de sacrifício: Êxodo 29, 1Crônicas 29.
34
Definição de tipologia para HATIM e MASON (1990): “a relação que o texto mantém com
outros textos que o precederam, que o inspiraram, que o tornaram possível(p. 132, tradução
própria)
35
A text, in the widest sense of the term, is rarely unadorned. It is usually presented in a parti-
cular format - a written, oral, digital, audio-visual or musical one, furnished with always
42
texto de uma página, o autor explica as várias fontes de suas alusões
literárias, numa tentativa de reconhecimento pelos autores das fontes por
ele usadas e, ainda, num processo em que exerce a função metalinguísti-
ca.
Clichê, no mesmo sentido aceito por HATIM e MASON (1990),
é um lugar-comum, “uma fórmula, argumento ou idéia muito conhe-
cida e repisada”
36
, que acaba por enfraquecer uma argumentação, como,
por exemplo, “fechar com chave de ouro”. Em geral, as obras de valor
literário reconhecido não apresentam clichês, a não ser que os usem em
trabalhos de paródia.
A alusão literária é aquela que “cita ou se refere a um trabalho cé-
lebre” (HATIM e MASON, 1990, p. 132), como no caso, ainda, da ela-
boração de Lavoura Arcaica, em que o autor tomou como referência a
parábola bíblica O filho pródigo. VANNUZINI (2009), ao observar a
tipologia oferecida por HATIM e MASON (1990) aponta para o fato de
que:
Os autores não mencionam a questão de se divul-
gar a fonte. É possível inferir, portanto, que a dife-
rença entre referência e alusão literária para os au-
tores (sic) esna divulgação da fonte. Deduz-se
aqui, portanto, que a alusão não cita a fonte.
Neste sentido, eles vão ao encontro com (sic)
Koch, Bentes, Cavalcante (2007), já que elas en-
tendem que a alusão constitui uma menção indire-
ta do intertexto, na qual “não se convocam lite-
ralmente as palavras nem as entidades de um tex-
to, porque se cogita que o co-enunciador possa
compreender nas entrelinhas o que o enunciador
sugerir-lhe sem expressar diretamente” (KOCH;
BENTES; CAVALCANTE, 2007, p. 127). Em
vista disso, a alusão faz parte de uma intertextua-
lidade implícita. (p. 32)
A auto-citação, embora não explicada nem exemplificada por
HATIM e MASON (1990), ocorre quando o texto em foco usa de refe-
illustrations, images, colours, titles, prologues, prefaces, introductions, acknowledgements,
indexes, footnotes, appendices, jacket covers and accompanied by an ensemble of information
outside the text such as an interview with the author, a general or specialist press review, an
advertisement or a previous translation. All these internal and external, textual and extra-
textual elements are known under the heading of paratexts, a term coined by Gerard Genette,
in 1987.
36
Dicionário Aurélio, p. 861.
43
rentes constantes em obras do mesmo autor daquele texto. KOCH,
BENTES e CAVALCANTE (2007) em sua classificação quanto ao
critério do tipo de autoria, apresentam três casos que são: intertextuali-
dade com intertexto
37
alheio, com intertexto próprio e com enunciador
genérico. Em uma intertextualidade com intertexto alheio, a voz de um
outro locutor é inserida no texto, formando, assim, os intertextos; isso
ocorre, por exemplo, nos discursos acadêmicos. Na intertextualidade
com intertexto próprio, as interseções, são elaboradas pelo uso de excer-
tos de textos do próprio autor; nesse caso, o tipo de autoria, que é a pró-
pria, bem como a referência ao autor pode vir explícita ou implícita
38
. O
autor uruguaio Juan Carlos Onetti se utiliza, com bastante freqüência, de
auto-citações, seja pela repetição de nomes e de falas de personagens, de
lugares, de situações, bem como de trechos inteiros de suas obras anteri-
ores (PINTO, 2007). Nos casos em que o enunciador é genérico, os
referentes intertextuais não podem ser atribuídos a nenhum enunciador
em específico; isso ocorre, por exemplo, com os provérbios e clichês.
O outro tipo de intertextualidade a que se referem HATIM e
MASON (1990) é o convencionalismo uma idéia tacitamente aceita e
que, por ter sido tão largamente empregada, não possui mais uma
fonte. É o caso de “no oco do tatu”, expressão usada para designar um
lugar muito distante, longe de tudo; “ter o em duas canoas”, expres-
sando o fato de uma pessoa não se decidir por uma ou outra possibilida-
de de opção. Para TAGNIN (2005, p. 14), esse aspecto, que caracteriza
uma forma peculiar de expressão numa língua ou numa comunidade
linguística pode ser, também, idiomática, como é o caso dessas expres-
sões empregadas aqui como exemplos.
O provérbio para os mesmos pesquisadores é uma “máxima que
se tornou memorável por convenção” (p. 132, tradução própria), como,
por exemplo, os provérbios populares, “não bem que sempre dure,
nem mal que nunca se acabe” e “uma andorinha não faz o verão” ”
39
ou,
o bíblico, “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a
ira”.
A meditação é, segundo HATIM e MASON (1990, p. 132, tradu-
ção própria) “colocar em palavras a experiência hermenêutica de uma
37
Intertexto: “‘texto absorvendo uma multiplicidade de textos, embora centrado num só senti-
do’. A palavra é por vezes utilizada por M. Arrivé, no sentido de ‘conjunto dos textos que se
encontram numa relação de intertextualidade’”, Laurent JENNY (1979, p. 23)
38
“A Intertextualidade só será explícita quando houver citação da fonte da citação no intertex-
to..será implícita quando não houver citação expressa da fonte...” (Koch et al, p. 122)
39
Provérbios retirados do site Frases e provérbios, uma coletânea com as melhores frases e
provérbios. Acesso em 15.10.2009. Disponível em: http://www.fraseseproverbios.com/.
44
pessoa sobre os efeitos de um texto”, por exemplo, a aula que um pro-
fessor ministra a seus alunos, a respeito de um determinado texto. Lewis
foi influenciado por inúmeros nomes pertencentes ao acervo mundial e o
livro intitulado A Biblioteca de C. S. Lewis, de James S. BELL e Antho-
ny P. DAWSON (2006) é um grande e interessante exemplo da intertex-
tualidade do tipo meditação. Essa obra é composta por textos de Lewis
e, antes de cada texto, o nome daquele que influenciou a idéia ou a for-
ma ali expressa aparece, elucidando, assim, o papel de cada autor na
obra do escritor britânico. Desse modo, essa seleção apresenta a medita-
ção feita por Lewis a seus leitores a respeito da filosofia, do pensamen-
to, da ética, da teologia, dentre outros aspectos, de autores como os poe-
tas William Wordsworth,Thomas Eliot, Geoffrey Chaucer, Dante
Alighieri, dos teólogos Tomás de Aquino, Martinho Lutero, do reforma-
dor João Calvino, do filósofo Aristóteles e do físico e matemático Blaise
Pascal, dentre inúmeros outros.
LEMKE (1985 apud HATIM e MASON, 1990, p. 132) acrescen-
ta um critério adicional em sua tipologia intertextual: os relacionamen-
tos estabelecidos, por uma comunidade, entre diferentes grupos de tex-
tos, que podem ser os seguintes: genérico, temático ou de tópico, estru-
tural e funcional.
O genérico seria aquele intertexto que tem como critério básico a
associação a um gênero (HATIM e MASON, 1990, p. 132), como, por
exemplo, quando, em meu trabalho, faço referência a determinados
pesquisadores estou me referindo a seus textos que fazem parte do gêne-
ro trabalho acadêmico. Quando Lewis intitula um de seus poemas de
Paraíso
40
, está fazendo uma ligação ao gênero poesia, desenvolvido por
Dante Alighieri.
A intertextualidade temática ou de tópico poderia ser, no exemplo
de HATIM e MASON (1990), uma referência à bomba de Hisroshima.
No Brasil, quando se refere à intertextualidade, um dos exemplos mais
citados como referente intertextual é a Canção do exílio, de Gonçalves
Dias; alguns dos textos que desse poema se utilizaram, fizeram-no como
referência temática.
O tipo estrutural é o intertexto que, para HATIM e MASON
(1990), apresenta “afinidade de forma”, como, o vocábulo constituído
40
Paraíso, poema de Lewis. Os autores do livro A biblioteca de C. S. Lewis (2006) pesquisa-
ram as influências em Lewis, que incluem Dante Alighieri. A Wikipédia, igualmente, apresenta
o livro. The Great Divorce, uma fantasia de Lewis publicada em 1945 que inclui diversas
fontes de Lewis para esse trabalho., dentre as quais: St. Augustine, Dante Aligheri, John Mil-
ton, John Bunyan, Emanuel Swedenborg and Lewis Carroll. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/The_Great_Divorce>. Acesso em: 08 jun 2010.
45
pela fusão arbitrária de outras duas “smog”, palavra inglesa, que é a
junção de “smoke” com “fog” (p. 133); nesse tipo de exemplo, que seria
um dos processos principais de formação de palavras intitulado de
“composição por aglutinação”, incluir-se-iam vocábulos como vinagre
(vinho mais acre), retilíneo, crucifixo, ambidestro, dentre muitas ou-
tras
41
. Os referentes funcionais são aqueles que, para HATIM e
MASON (1990, p. 133) têm similaridade em termos de objetivos, como,
por exemplo, as formas de se dizer, “desculpe-me”, que poderiam ser:
“perdão”, “mil perdões”, “escusa”, dentre outras.
HATIM e MASON (1990, p. 127), ao tratarem das dimensões
ativa e passiva das intertextualidades, fazem-no em termos de mediação,
conforme já explicitado anteriormente, que podem ser mediação maior e
mediação menor. A mediação maior ocorre quando a distância entre os
pré-textos e o texto atual é grande, por exemplo, pela passagem do tem-
po. A perpetuação do gênero, do tipo de texto é exemplo desse tipo de
mediação para HATIM e MASON (ibid.); o gênero parábola, encontra-
do no texto de Lucas 15
42
, da Vulgata
43
, tradução feita para o latim em
405 dC, continua como parábola na tradução Autorizada para o inglês
44
,
bem como na tradução Revista e Atualizada, para o português
45
, consti-
tuindo, assim, um exemplo de mediação maior. A mediação menor ocor-
re quando há citações ou referências a textos bem conhecidos.
CHESTERTON (2008), ao trabalhar com o tema “contos de fa-
das” em sua obra intitulada Ortodoxia, recorre a uma mediação menor
quando faz referência à Cinderela, à Bela e a fera, à Bela Adormecida.
Portanto, mediação é a extensão com a qual se alimenta as crenças e
alvos de alguém em um modelo de situação comunicativa (HATIM e
MASON,1990, p. 127).
Além desses autores e suas tipologias, KOCH, BENTES e
CAVALCANTE (2007) categorizam uma intertextualidade como implí-
cita, explícita e implícita genérica. O intertexto implícito, segundo as
autoras (p. 30) é aquele introduzido no próprio texto, sem qualquer
menção explícita da fonte como, por exemplo, as paráfrases, os provér-
bios, os ditos populares, os textos literários, os jornalísticos, os publici-
41
Definição e exemplos de Curso de gramática aplicada aos textos, de Ulisses Infante, Editora
Scipione, 1996.
42
Vulgata, Lucas 15.3: “et ait ad illos parabolam istam dicens”
43
A Vulgata, segundo Wikipedia, “é uma tradução para o latim da Bíblia escrita em meados
do século IV por São Jerónimo, a pedido do Papa Dâmaso I, que foi usada pela Igreja Católica
e ainda é muito respeitada.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Vulgata)
44
Versão autorizada, Lucas 15.3: “And he spake this parable unto them, saying…”
45
Versão Revista e Atualizada, tradução de João F. de Almeida: “Então, lhes propôs Jesus esta
parábola...”
46
tários, dentre outros. Nesse caso, é importante que o leitor depreenda o
pré-texto, pois, caso contrário, a leitura será empobrecida (KOCH,
BENTES e CAVALCANTE, 2007, p. 35). A intertextualidade é explíci-
ta quando, “no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto, isto é,
quando outro texto ou fragmento é citado, é atribuído a outro enunciador
(KOCH, BENTES e CAVALCANTE, 2007, p. 28), como aqueles intro-
duzidos por expressões do tipo, “De acordo com...”; as traduções são
também exemplos de intertextos explícitos. A intertextualidade implícita
genérica ocorre, de acordo com as autoras acima, quando não se é possí-
vel atribuir o segmento de texto introduzido a um determinado enuncia-
dor, isto é, o intertexto pertence ao repertório de uma comunidade, como
é o caso dos provérbios, dos ditos populares e dos clichês.
Dadas todas essas abordagens teóricas dos autores citados, devo
esclarecer que, a partir deste momento, trabalho com as intertextualida-
des strictu sensu, ou seja aquelas que se confirmam pela presença de um
intertexto. Essas intertextualidades são consideradas sinônimos de refe-
rentes intertextuais. Além disso, considero intertextualidades bíblicas os
fragmentos que pela forma/tema ou apenas pelo tema apresentam para-
lelos com textos bíblicos, ou seja, algum tipo de relação que extrapole o
lexema. E, ainda, todo referente intertextual pode ser ativo ou passivo,
referência, clichê, alusão literária, auto-citação, convencionalismo, pro-
vérbio ou meditação, genérico, temático ou de tópico, estrutural ou fun-
cional, implícito, explícito e implícito genérico.
1.4 Considerações Parciais
Nesse Capítulo Um, apresentaram-se conceitos e definições de
alguns autores que têm se destacado na TLIJ; seus trabalhos caminham
em uma abordagem mais descritiva e, enquanto alguns dão ênfase ao
TT, outros enfocam ambos o TF e o TT, como é o caso desta pesquisa.
Fiz uma abordagem, ainda, à questão da valorização da criança e do
adolescente, bem como da LIJ, que deve receber o mesmo mérito das
demais artes. A LIJ é compreendida aqui como um tipo de arte, um gê-
nero que, quando produzido de modo primoroso, com qualidade, pode
ser apreciado ou, lido, por todos aqueles que se deleitam com esse tipo
de arte, sejam crianças, adolescentes ou de qualquer outra faixa etária.
Ademais, nesse capítulo delimitei os conceitos de texto, de textualidade
e de intertextualidade.
Isso posto, no Capítulo Dois apresento alguns aspectos a respeito
da vida e da obra de C. S. Lewis e, mais especificamente, sobre sua
narrativa de ficção que é foco dessa pesquisa.
47
CAPÍTULO DOIS
2 O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA
2.1 Considerações Iniciais
A leitura de outros textos de Lewis, sejam livros, poemas ou tra-
balhos acadêmicos disponíveis digitalmente, contribui grandemente para
a compreensão da trajetória da vida do autor, de sua infância e adoles-
cência, de seus valores, de sua visão de mundo, de seu perfil como ho-
mem, profissional, pesquisador, ateu e cristão.
Em meio a sua produção, destaco os seguintes livros: Surpreen-
dido pela Alegria (1998), uma autobiografia publicada em 1955; Mila-
gres (2006), uma introdução à pesquisa histórica; Oração: cartas a
Malcom (2009), publicação póstuma que trata dos temores e das fraque-
zas dos seres humanos; A Abolição do homem (2005), cujo tema é a Lei
Natural e Cartas do diabo a seu aprendiz (1964), obra em que predomi-
na o uso da ironia, a respeito das vicissitudes do homem às tentações e
propostas do diabo, dedicada a seu amigo Tolkien. Além dessas leituras,
as demais seis Crônicas complementaram a compreensão da obra em
foco neste estudo.
Igualmente valorosas são as observações de livros que tratam da
variada obra desse pensador, dentre os quais destaco: o inglês, Manual
Prático de Nárnia (DURIEZ, 2005) e o brasileiro, Pedagogia cristã na
obra de C. S. Lewis (GREGGERSEN, 2006).
Desse modo, a partir de leituras desses textos, entre outros, apre-
sento, neste capítulo, um resumo da vida e da produção de C. S. Lewis,
na tentativa de entender melhor o contexto sócio-histórico-cultural de
sua época o que, consequentemente, facilita a busca de intertextos na
narrativa por mim estudada, que, a compreensão da vida e do pensa-
mento do autor pode cooperar para a leitura de suas obras. Além disso,
apresento aqui, também, uma análise que oferece uma visão de intertex-
tualidade entre As Crônicas de Nárnia e os textos bíblicos.
2.2 Clive Staples Lewis – Vida e Obra
2.2.1 A infância de C. S. Lewis
Clive Staples Lewis foi o filho caçula de Albert, um advogado, e
Florence ou Flora, mulher instruída e de ótima formação. Ele cresceu
junto ao único irmão mais velho, Warren, parceiro de brincadeiras, de
48
conversas e de criação de narrativas de aventuras. Seu avô paterno era
engenheiro e evangélico e o materno, clérigo. Nasceu em Belfast, em
novembro de 1898 e, aos três anos de idade resolveu que seu nome era
Jack e este foi seu apelido ao longo de toda a vida. Em sua autobiogra-
fia, Surpreendido pela alegria (LEWIS, 1998), descreve-se como o
“produto de longos corredores, cômodos vazios e iluminados pelo sol,
sempre dentro de uma casa silenciosa, de porões a serem explorados de
forma solitária, barulhos distantes de encanamentos de água e de cister-
nas, e do som do vento sob os tijolos. E também, de uma infinidade de
livros.” (LEWIS, 1998).
Sua família era próspera e, como outras do mesmo vel, foi pri-
vilegiada pelo crescimento intenso e pelo progresso econômico da cida-
de e da região de Belfast, no início do século XX. O porto de Belfast
comportava o trânsito de embarcações de grande porte, como o Oceanic,
o maior
navio e o Titanic. Seu pai era um homem de “temperamento
compulsivo e emocionalmente imprevisível” (DURIEZ, 2005, p.21) ao
passo que sua mãe era: “analítica (tinha se formado em lógica), acolhe-
dora e equilibrada” (idem). Ambos os pais eram protestantes e, por isso,
Jack cresceu como participante da igreja que freqüentava com a família,
todos os domingos. Entretanto, sua visão crítica relativa ao tipo de cris-
tianismo que via na igreja tirou-lhe o gosto por essa corrente religiosa,
sentimento que perdurou até a fase adulta. Para o jovem estudante e,
posteriormente professor universitário, os cultos eram pouco inspirado-
res. O cristianismo era para ele destituído de vida, e tal leitura era muito
mais fruto de um cristianismo nominal, de costume, do que uma afirma-
ção de e os cultos eram, na verdade, uma demonstração semanal de
que não eram católicos.
A avaliação que Lewis fazia de sua infância era a de uma vida re-
pleta de alegria comum, rotineira, ou, em suas próprias palavras, um
período de “felicidade monótona e prosaica” (LEWIS, 1998, p. 16). Sua
ama, Lizzie Endicott, lhe contava histórias de “duendes e potes enterra-
dos de ouro, as sagas de Cuchulain, o desafio de Ulster, e da Daoine
Sidh, e as narrativas dos povos dos reinos encantados e seus mundos
imortais, a ilha das Maçãs e Tir-Na-nong, a Terra da Juventude.”
(DURIEZ, 2005, p. 22).
Muito cedo começou a apreciar a leitura de histórias e poesias e
contos de fantasia. Lia e admirava a beleza dos livros de Beatrix Potter,
com seus bichos falantes, bem como os de outros autores. Ele e o irmão
eram grandes amigos e passavam muitas horas desenhando e escrevendo
juntos. Jack preferia as histórias de cavaleiros e cavalaria, bem como de
49
animais vestidos enquanto o irmão se divertia com os trens e as máqui-
nas a vapor.
Durante anos, entretiveram-se com a criação de uma história, em
que se mesclavam os temas medievais e modernos e que se passava em
um mundo imaginário, a Terra dos Animais falantes, mais tarde, mes-
clada a imagens da Índia, muito apreciada por Warren e que eles decidi-
ram chamar de Boxen. Em 1905, foram viver em Little Lea, no condado
de Down, numa casa grande e cheia de livros, “personagem principal de
minhas histórias”, segundo o próprio Lewis (DURIEZ 2005, p.21). Essa
casa fora planejada pelos pais dos meninos e ficava num local estratégi-
co, pois, ao norte avistavam-se os campos que chegavam até o Lago
Belfast e as montanhas da costa de Antrim, ao sul estavam as colinas
Hollywood Hill, onde os meninos, quando maiores, costumavam cami-
nhar. Tal cenário foi muito propício à criação da terra de Nárnia.
A segurança, a vida calma e de rotina dos meninos terminou
quando, em 1908, sua mãe faleceu. Os dois irmãos se tornaram mais
próximos um do outro, porém, mais distantes do pai, que acreditava não
estar em condições psíquicas de cuidar dos filhos depois da perda de sua
amada esposa. Foram, então, enviados a um internato onde sofreram
muito, pois, as condições em que o ensino e a vida das crianças transcor-
riam, sob a tutela de um diretor cruel, eram deploráveis. Segundo avali-
ação dos vizinhos da escola, o diretor era insano. Ali, naquele lugar, o
menino tentou viver uma vida cristã, prometendo a si mesmo orar todas
as noites, entretanto, deixando-se distrair pela preocupação de não estar
orando de modo correto. Jack permaneceu nessa escola até o dia em que,
por falta de alunos, encerrou suas atividades. Depois de passar alguns
meses em outra escola e dela sair devido a problema de saúde, foi para
uma terceira, chamada Cherbourg. Nessa última ele progrediu em seus
estudos com rapidez e se sentiu mais confortável. Em seguida, cursou o
Ensino Médio em Malvern College.
A partir da análise de DURIEZ (2005), fica muito evidente a li-
gação entre a infância de Lewis, os locais onde viveu, as narrativas ou-
vidas e As crônicas de Nárnia. Ele aponta, por exemplo, o condado de
Down, com sua vida rural, onde se encontravam os contos narrados pela
ama dos meninos, como a inspiração para a terra de Nárnia; a referência
à existência de uma “Terra da Juventude” em sua crônica O sobrinho do
Mago; a semelhança entre a descrição feita por Lewis da mãe sua
“Atlântida segura... uma formidável ilha continental de tranqüilidade...”
(DURIEZ 2005, p. 21) e o castelo de Cair Paravel no alto da colina, que
é descrito no capítulo dezessete de O leão,a feiticeira e o guarda-roupa,
em frente do qual havia “areia e pedras, pequenas poças de água salga-
50
da, algas, cheiro de mar e ondas azuis e verdes a perder de vista.”
(DURIEZ , p. 21); o guarda-roupa, canal de passagem para o outro
mundo, ou seja, a terra de Nárnia, pode ter sido inspirado em um antigo
guarda-roupa de carvalho, forte, feito à mão pelo avô de Lewis . Nos
dias de chuva forte, em que as crianças podiam ficar dentro de casa,
usavam esse guarda-roupa como esconderijo. Essa brincadeira foi re-
lembrada por Claire Clapperton, uma prima de Jack que costumava
freqüentar a casa dos tios. As crianças escutavam as histórias de aventu-
ras narradas por Lewis, enquanto permaneciam no escuro (DURIEZ
2005, p. 26). Além disso, Lewis, posteriormente, conheceu as obras de
George MacDonald e de E. Nesbit, onde guarda-roupas utilizados
como passagem para outros mundos (idem).
O segundo capítulo de The Lion, the Witch and the Wardrobe,
descreve o momento em que Lúcia entra no guarda-roupa que está em
uma sala vazia da casa do professor e de repente, encontra-se com o
fauno, habitante de Nárnia.
Após algumas horas em companhia do fauno, a menina retorna,
pela porta do guarda-roupa, para a sala do professor episódio assim
narrado, “[...] Lúcia [...] deu um salto para fora do guarda-roupa e se viu
na mesma sala vazia do início de toda aquela aventura. Fechou bem a
porta e olhou em redor, toda ofegante. Chovia ainda.” (LEWIS, 1982, p.
26).
No capítulo três, Lúcia, ao tentar convencer os irmãos a respeito
da existência de Nárnia, por onde se chegaria através do guarda-roupa,
diz o seguinte, “é um guarda-roupa mágico [...] O nome da terra é Nár-
nia.” (LEWIS, 1982, p. 28).
Ainda, no mesmo capítulo, o narrador conta que enquanto os dias
estavam lindos, as crianças brincavam ao ar livre, nadando no riacho,
pescando, subindo em árvores, deitando-se no bosque e Lúcia não esta-
va feliz. Porém, os dias transcorreram, “até que chegou um novo dia de
chuva.” (LEWIS, 1982, p. 29).
É interessante observar a semelhança entre as brincadeiras e con-
tações de histórias de aventuras dentro do armário grande e forte na casa
do menino que aconteciam nos dias de chuva, e essa narrativa de O leão,
a feiticeira e o guarda-roupa. A chuva, longe de ser mero detalhe, era
fundamental para que o armário se tornasse um atrativo divertido.
C. S. Lewis cresceu cercado de diferentes “mundos”, mas tam-
bém pela cultura cristã, já que sua família participava de uma igreja, e o
avô materno, ministro presbiteriano, era um pregador apaixonado. As-
sim, o menino Jack (apelido dado a si mesmo, enquanto ainda criança),
embora, posteriormente, tivesse se afastado do convívio na igreja e de
51
sua fé cristã, teve intenso contato com a Bíblia e com suas histórias que,
indubitavelmente, continuaram a fazer parte de seu repertório literário.
A Bíblia também fala sobre mundos diferentes do mundo real. No
livro de João, no capítulo oito, quando Jesus está defendendo sua mis-
são, apresenta-se como a luz do mundo e afirma que aqueles que o se-
guirem não andarão nas trevas, porém, terão a luz da vida. Jesus, nesse
texto, dirigia seu discurso aos escribas e fariseus. No versículo vinte e
três do mesmo capítulo, o nazareno prossegue dizendo, “Vós sois de
baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu deste mundo não
sou.” (João 8.23) É possível perceber aí, que Jesus, mesmo se dizendo
cidadão de outro mundo, tinha o poder de circular pelo mundo terreno.
E no capítulo nove, Jesus, quando se revela ao cego que por ele
havia sido curado afirma, “Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que
os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos” (João 9.39).
Pedro, em sua segunda carta afirma que os que crêem nas promessas de
Deus esperam por “novos céus e nova terra” (2Pedro 3.13). No capítulo
vinte e um do livro de Apocalipse, João, o escritor que se encontrava
exilado na ilha de Patmos, relata parte de sua visão: “Vi novo céu e nova
terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram...” (Apocalipse
21.1).
2.2.2 A conversão de C. S. Lewis à fé cristã
Lewis graduou-se na universidade de Oxford, com méritos e dis-
tinções em literatura grega e latina, filosofia e história antiga e em lín-
gua inglesa. Logo em seguida à sua formatura, foi contratado como
professor assistente de filosofia pelo período de um ano, na mesma fa-
culdade. Entretanto, permaneceu nessa condição durante trinta anos.
Logo no início de seu trabalho na universidade, conheceu J. R. R.
Tolkien, de quem se tornou amigo e com quem discutia de modo pro-
fundo teologia, filosofia e a política educacional inglesa. Mas o que os
uniu mesmo foi a paixão pelas narrativas míticas. Mas, ou quem sabe,
precisamente por sua amizade intensa, faziam ardorosas críticas mútuas
sobre as próprias produções poéticas e as narrativas míticas.
A amizade entre os dois escritores foi crescente e a argumentação
de Tolkien, um católico apostólico romano, relativa à verdade da
cristã e à imaginação foi um ponto forte para a conversão de Lewis ao
cristianismo. De acordo com DURIEZ (2005, p.36), o argumento de
Tolkien de que os Evangelhos bíblicos tinham todas as melhores quali-
dades da mitologia pagã, com a característica exclusiva de que os even-
tos realmente ocorreram na história documentada, foi fundamental para
52
essa tomada de decisão de Lewis, ocorrida em vinte e oito de setembro
de 1931. Para Tolkien, imaginação e razão não são excludentes, nem
contraditórios, e se encontram ou convergem de maneira extraordinária,
ou quem sabe, única, na narrativa de histórias imaginativas.
Lewis, recapitulando um argumento de Tolkien, afirma que, “Pa-
ra ser um verdadeiro cristão, devemos tanto aceitar o fato histórico como
também receber o mito (embora tenha-se tornado um fato) com a mesma
aceitação imaginativa que devotamos a todos os mitos.” (TOLKIEN
apud DURIEZ, 2005, p. 37). Após essa mudança de perspectiva e de sua
conversão ao cristianismo, Lewis começou a prestar mais atenção nas
suas atitudes cotidianas, principalmente no seu relacionamento com os
outros. Coincidentemente ou não, foi também que a sua imaginação
desabrochou e começou a sentir o desejo de se dedicar mais e mais à
narrativa de histórias imaginativas.
2.2.3 O interlocutor de The Lion the Witch and the Wardrobe e a dedi-
catória do autor
No excerto de um livro a respeito da vida de C. S. Lewis,
SAYER
46
, o autor, observa que muitas pessoas que conheciam Lewis
ficaram admiradas ao saberem que o estudioso escrevera um livro para
crianças. A idéia de escrever uma história infanto-juvenil lhe ocorrera
em 1939, entretanto, o escritor completou O Leão, a Feiticeira e o
Guarda-Roupa dez anos depois. Para melhor entendermos a obra, im-
portante observar ainda que, durante a época da guerra, algumas crian-
ças ficaram hospedadas na casa de Lewis, em Oxford. Certo dia, uma
delas, interessada em um antigo guarda-roupa, perguntou se ela poderia
entrar nele e se havia algo atrás do móvel. Além disso, desde pequeno,
ele amara as leituras das obras da autora Nesbit. Por coincidência ou
não, em um de seus livros havia um guarda-roupa que também servia de
passagem para um mundo mágico. Ao observar as crianças deportadas
para a sua cidade e casa, ele, teve a idéia de escrever para elas e sobre
elas, já que elas pareciam ter uma imaginação muito pobre que se soma-
va ao problema de lerem pouquíssimo.
Além disso, a dedicatória de C. S. Lewis à sua afilhada pode es-
clarecer alguns pontos importantes. Numa primeira leitura, observa-se
que Lewis escreveu sua narrativa em 1950 visando um público-alvo
infantil. Sua intenção de atingir crianças com seu texto é bem clara na
46
S.d.; Disponível em: <www.cbn.com/special/Narnia/excerpts/jack_IntoNarnia.aspx> Acesso
em 28 out 09
53
carta inicial escrita por ele para Lucy Barfield, cuja primeira frase é a
seguinte: “Escrevi esta história para você...” (LEWIS, 1982)
47
Quatro anos antes da morte de Lucy Barfield, afilhada do escritor,
um artigo intitulado The Lion, the Witch and the Real Lucy, escrito por
Nicholas Roe, professor da Universidade de St Andrews, na Escócia, foi
publicado pela revista The Times; nesse excerto, o autor revela que Lucy
foi uma das três crianças adotadas pelo casal Barfield, que não podia ter
filhos. Owen Barfield e Lewis se conheceram enquanto cursavam a
universidade de Oxford, sendo que Owen se tornou tutor de Lewis. Le-
wis era muito amigo da família Barfield, enviava dinheiro às crianças e
lhes pagava as mensalidades das escolas. Owen participou, por um perí-
odo, das reuniões do grupo The Inklings
48
, que incluía, dentre outros,
Tolkien. Porém, eles também tinham suas divergências, principalmente
após a conversão de Lewis, que o primeiro era antroposofista. Esse
debate é discutido no livro “The great War”
49
.
Lucy nasceu em Carlisle, na Escócia; era uma criança muito viva
que desejava ser bailarina, para o que treinava arduamente. Quando
ainda jovem, descobriu-se que tinha esclerose múltipla. Mesmo após a
doença, lecionou balé e música. Casou-se, mas seu esposo faleceu, devi-
do a um enfarto, doze anos depois. Num determinado momento, Lucy
ficou impossibilitada de andar, foi hospitalizada e, em 1990 mal conse-
guia falar.
Durante os anos difíceis de sua vida, a moça recebeu muitas car-
tas de crianças. Algumas, pensando que Lucy fosse a personagem da
narrativa, escreviam-lhe perguntando sobre suas aventuras e muitos
adultos que tinham conhecimento de sua doença escreviam-lhe desejan-
do melhora.
Dessa forma, Lucy, durante seus trinta e oito anos de luta contra a
doença e de solidão pelo confinamento devido a seu mal, teve um alen-
to, por meio das cartas recebidas, conseqüentes da dedicatória literária
de C. S. Lewis. Ela faleceu no dia três de maio de dois mil e três, no
Royal Hospital for Neurodisability, em Londres.
Lewis sempre dedicou seus livros a algum amigo e, com exceção
de um volume, cada uma de As Crônicas de Nárnia foi dedicada a uma
criança.
47
“I wrote this story for you…” (p. 176, tradução própria). Vide Anexo C.
48
Nome de um grupo de escritores que se reunia em um pub, um tipo de bar inglês, de Oxford
para conversar a respeito de produção de textos, literatura, etc.
49
Conf. cartas da coletânea C . S. Lewis’s “Great War” with Owen Barfield, English Literary
Studies Monograph Series, no. 14 Victoria, British Columbia: University of Victoria, 1978.
54
Em sua dedicatória de The Lion the Witch and the Wardrobe,
Lewis ainda apresenta uma curiosidade ao terminar de escrever o li-
vro: Lucy seria mais velha, quando o livro fosse lançado. Então, ele
especula, se ela ainda poderia estar interessada em contos de fadas.
No início da criação da primeira crônica para crianças, a afilhada
Lucy tinha cerca de doze anos. Quando o livro foi publicado, ela já tinha
quase quinze. Não se sabe se ela nutria algum gosto por contos de fadas,
já que não há publicação alguma a esse respeito.
Em um excerto de um livro de Devin BROWN (2006)
50
, a respei-
to da dedicatória, o autor aponta para um outro momento, na última das
crônicas, A última batalha (1956), em que Lewis supõe que os jovens,
em certo momento da vida, podem achar que estão muito maduros
para Nárnia, considerada coisa de criança. Nessa parte do livro, Susana
está falando para seus irmãos que suas aventuras em Nárnia foram ape-
nas “brincadeiras divertidas que nós fizemos quando éramos crianças”
(LEWIS apud BROWN, 2006, tradução própria)
Entretanto, observando um pouco mais atentamente a dedicatória,
é possível dizer que Lewis tinha como objetivo um público não apenas
infantil, mas, também, adulto. Após afirmar que, talvez, Lucy estaria
numa idade em que não se costuma gostar dos contos de fadas, ele apre-
senta uma opção – haverá um momento na vida da menina, quando esta-
bem mais velha, em que será “velha o suficiente para começar a ler
contos de fadas novamente.” (LEWIS, 1991, p. 176)
Embora aponte para a possibilidade de jovens ou pessoas se acha-
rem adultas demais para lerem contos de fadas, ele é bem crítico com
respeito a essa atitude esnobe de desprezo a esse tipo de literatura. Ele é
enfático ao afirmar que um conto de fadas de boa qualidade é apreciado
por todas as idades e que um livro que vale a pena ser lido apenas na
infância, não vale a pena ser lido de forma alguma e em nenhuma fase
da vida. Mesmo tendo dedicado suas crônicas às crianças, o autor afirma
que não pretendeu escrever algo que estivesse fora da atenção adulta.
De fato, suas crônicas tiveram e tem um público infantil e adulto,
o que pode ser comprovado pelos inúmeros trabalhos científicos a res-
peito das crônicas, bem como das participações em fóruns via internet
de grupos que conversam a respeito dessa obra de Lewis.
Digna de nota ainda é a observação de BROWN (2006) com res-
peito a essa hipótese de se ser velho demais para ler contos de fadas – de
que a experiência pessoal de Lewis, concernente a essa questão, ecoa
50
Inside Narnia: a Guide to Exploring The Lion, the Witch and the Wardrobe, de Devin
Brown, Baker Publishing Group.
55
tanto na fala de Susana, em A última batalha (1956), apontada acima,
quanto na dedicatória de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, feita a
Lucy.
E no terceiro volume da trilogia espacial do autor, publicada cin-
co anos antes do início de As crônicas de Nárnia, intitulado That Hide-
ous Strenght (1945)
51
, uma passagem em que Mark Stoddard, o per-
sonagem central, um adulto, está pernoitando em um hotel do interior.
Ali Mark encontra um livro antigo que era de uma série de histórias
infanto-juvenis, que “ele havia parado de ler quando criança, pois,
quando completou dez anos de idade estava no meio da história e sentiu-
se envergonhado de ler histórias para crianças”
52
(tradução própria). E,
naquele momento, adulto, a personagem ficou feliz por poder termi-
nar de ler todos os volumes.
Essa questão de não haver idade especial para se ler contos de fa-
das é recorrente por todas As crônicas de Nárnia. Como observa o pes-
quisador BROWN (2006), sobre o segundo livro da série, o personagem
Caspian gosta de contos de fadas, porém, seu tio Miraz o critica, dizen-
do que contos de fadas são histórias para bebês e que ele está na idade
de apreciar aventuras. E para pôr fim definitivo à história, despede a
babá que era quem contava tais “fantasias” a Caspian. Entretanto, no
final da guerra entre Caspian e Miraz, a Guerra da Libertação, Miraz é
derrotado e Caspian se junta, de novo a sua babá.
Lewis conta que aos dez anos de idade lia contos de fadas escon-
dido, pois sentia vergonha disso, porém, aos cinqüenta, lia-os aberta-
mente.
Dessa forma, após essas constatações, ao se pensar em destinatá-
rio ou em público-alvo, creio ser possível afirmar que C. S. Lewis dese-
jou encontrar, como receptores de suas crônicas, todos aqueles que fos-
sem capaz de, independentemente da idade, divertirem-se e apreciarem
os contos de fadas bem escritos. Embora dedicasse As Crônicas de Nár-
nia às crianças, ele não pensava em alguma faixa de idade específica,
mas na capacidade que alguns seres humanos têm de se permitirem ser
os receptores de toda a beleza e magia encontradas no mundo da fantasia
e dos contos de fadas e de apreciá-los; é provável, também, que pensasse
51
Os três volumes dessa trilogia de ficção científica, que trata do problema do bem e do mal, e
cujo público-alvo é o adulto, são: Para além do Planeta Silencioso, Perelendra Viagem a
Vênus e Aquela força medonha (dois volumes). Foram publicados pela Editora Europa-
América, em Portugal, nos anos de 1984, 1991 e 1992.
52
“which he had begun to read as a child but abandoned because his tenth birthday came when
he was half way through it and he was ashamed to read it after that” (2003: 358). We are told,
“Now, he chased it from volume to volume till he had finished it. It was good.”
56
nas pessoas que desenvolviam o gosto pelo gênero da fantasia ou da
ficção.
MAGALHÃES (2005), em sua obra O imaginário em As crôni-
cas de Nárnia
53
, narra o efeito do desenho O Leão, a Feiticeira e o
Guarda-Roupa, assistido em um momento de sua infância, quando não
era um cristão. Aponta para o fato de a história ter ficado “tão profun-
damente gravada na memória, que acabou entrando em minhas aventu-
ras imaginárias” (MAGALHÃES, 2005, p. 15). Para ele a mensagem
cristã subliminar entrou em seu inconsciente e cooperou para que, poste-
riormente, ele fizesse sua opção pela cristã. Para Magalhães, as pro-
messas veiculadas por textos bíblicos falam de um suprimento espiritual
que pode ser comunicado por figuras e metáforas. Para o autor, figu-
ras como as metáforas, constantes tanto das mensagens de Jesus como
das descrições do céu, ao serem veiculadas, apelam para a imaginação e
exigem mais dela da parte do receptor, do que da razão. Por esse motivo,
é imprescindível apontar-se para o valor da imaginação como meio de
expressão dos próprios anseios superiores e para “interpretar o supri-
mento que preencherá o vácuo existente” (MAGALHÃES, 2005, p.16)
no próprio ser. Seu trabalho a respeito do imaginário e sua descoberta
sobre o valor do mesmo fê-lo voltar à infância e, também, constatar que
a transmissão dos valores cristãos, ou seja, a pregação do evangelho
envolve, dentre outros fatores, a tentativa de se despertar a criança
adormecida que em cada pessoa. O autor faz referência ao texto bí-
blico de Lucas, no capítulo dezoito, em que Jesus afirmou que aquele
que não compreender o Reino como uma criança o faz, dele não poderá
participar
54
.
Dentre os amigos do círculo dos Inklings, houve divergências
quanto à produção das narrativas narnianas: Tolkien fez forte crítica à
Nárnia, quanto a alguns pontos. Para o escritor, avesso à alegoria, os
“contos de fadas deviam ser escritos para pessoas adultas, não para cri-
anças.” (DURIEZ 2005, p. 46). Roger Lancelyn Green, outro amigo e
crítico da literatura infantil, foi, porém, altamente favorável à série Nár-
nia; esse amigo, ao ler os primeiros manuscritos a ele entregues por
Lewis, percebeu a beleza das histórias, que o impressionaram e, desde
então, passou a motivar o trabalho do escritor.
Após esse comentário a respeito da dedicatória feita por Lewis à
sua afilhada, poder-se-ia sugerir que Lewis escreveu, sim, sua fantasia
53
São Paulo: Mundo Cristão, 2005.
54
Lucas 18.17: “Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança
de maneira alguma entrará nele.”
57
para crianças. Porém, para ele, a criança tinha uma dimensão diferente
daquela usual na sociedade de então e até hoje, em geral, conectada
apenas à idade relativa ao número de anos vividos. Ele tinha a mesma
concepção de Jesus, de que um adulto pode e deve se tornar uma criança
para ingressar em “outros mundos”. Assim, é provável que Lewis diri-
gisse seus textos de fantasia aos interlocutores crianças, porém, inde-
pendente de suas idades.
2.2.4 O contexto sócio-cultural durante a produção de The Lion, the
Witch and the Wardrobe
A Inglaterra, na primeira metade do século XX, presenciou e par-
ticipou de períodos conturbados, principalmente, pela ocorrência das
duas Grandes Guerras. Embora vitorioso na Segunda Guerra, o preço
pago pelo Reino Unido foi muito alto, com suas perdas econômicas e
humanas. Várias cidades, dentre as quais Londres, foram parcialmente
destruídas pelas bombas inimigas. Entretanto, por volta de 1950, seu
sistema econômico estava restabelecido, com a cooperação dos Esta-
dos Unidos.
Nos anos anteriores ao início da Segunda Guerra, muitos judeus
tentavam sair dos países dominados pela Alemanha nazista, porém, não
eram aceitos pelas outras nações. Depois daquela noite que ficou conhe-
cida como "Kristallnacht" (a noite do cristal), em que judeus foram ví-
timas de grande violência, o mundo teve certeza de que a vida dessas
pessoas seria de constante tortura nos países dominados por Hitler. No
entanto, embora as fronteiras se fechassem para esse povo, após um
apelo do British Jewish Refugee Committee, a Grã Bretanha se abriu
para que crianças com idade entre dois e dezessete anos fossem abriga-
das em seu território. O governo exigiu que uma taxa de cinqüenta libras
fosse paga, referente a cada criança, o que foi arrecadado entre o próprio
povo britânico. Quase dez mil crianças chegaram na Inglaterra, proveni-
entes da Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia, em trens, cujos vagões
eram lacrados com as crianças dentro e que, posteriormente, ficaram
conhecidos como Kindertransport. Noventa por cento dessas crianças
eram judias e a maioria nunca mais reencontrou sua família. Elas de-
sembarcavam com uma etiqueta no peito em estações de onde eram
distribuídas pelos orfanatos, escolas, fazendas, famílias da Inglaterra, da
Escócia, do País de Gales e da Irlanda. Esses locais e famílias foram
reunidos por meio do trabalho de organizações beneficentes e organiza-
ções cristãs. Algumas das crianças foram acolhidas e tratadas como
filhos e outras, como empregados.
58
Além disso, quando a Segunda Guerra Mundial foi deflagrada,
um milhão e meio de crianças que moravam em Londres haviam sido
retiradas da cidade e levadas a regiões no interior do país. Essa retirada
teve início às cinco horas e trinta minutos de uma manhã poucos dias
antes do início da guerra, em agosto de 1939. No dia primeiro de setem-
bro do mesmo ano a Alemanha invadiu a Polônia e teve início a guerra.
Várias das crianças foragidas, bem como adultos, se refugiaram no The
Kilns, a casa onde Lewis morava com seu irmão, a Sra. Moore, mãe de
um amigo morto em combate anterior, e sua filha Maureen. Junto às
muitas pessoas que viveram nessa casa durante os anos de guerra, estava
um bebê de apenas seis meses.
Foi nesse momento e nesse contexto que Lewis teve a idéia de
escrever uma história para crianças. No entanto, esta idéia foi deixada de
lado durante dez anos até ser retomada e iniciada a escritura de The
Lion, the Witch and the Wardrobe, em que as quatro crianças irmãs
conhecem uma nova terra onde vivem inúmeras aventuras. Essas crian-
ças da fantasia estavam, igualmente, hospedadas em uma enorme casa,
no interior da Inglaterra, que pertencia a um professor solteirão. De
qualquer modo, essas eram, de forma muito semelhante à situação co-
nhecida na vida real por Lewis, crianças em uma terra estranha, com
uma língua e cultura estranha.
Quanto à religião, a Inglaterra, na época de Lewis, era predomi-
nantemente cristã, sendo a Igreja Anglicana aquela considerada oficial,
da qual o rei ou rainha era membro, com o poder de designar o arcebis-
po e os bispos da Igreja. Muitos dos trinta e nove artigos que dirigem os
princípios norteadores da Igreja da Inglaterra estão baseados em diver-
sas confissões reformadas, incluindo a de Lutero. Acima desses princí-
pios, a igreja Anglicana adota como sua regra de e prática a Bíblia.
Dessa forma, é bem fácil perceber que o povo inglês tinha um grande
contato com as idéias e os assuntos bíblicos em meados do século XX,
período em que As Crônicas de Nárnia foram compostas.
2.2.5 As crônicas de Nárnia
Muito que se comentar a respeito de As crônicas de Nárnia.
No entanto, faço, neste item, apenas uma breve descrição dos volumes e
de sua sequência.
Segundo DURIEZ (2005), o tempo em nosso mundo é diferente
daquele em Nárnia, razão pela qual, as sete crônicas que compõem a
série inteira acontecem em cerca de cinqüenta anos no século XX, en-
quanto o período narniano coberto pela série é de dois milênios e meio.
59
certa divergência entre editores, leitores e estudiosos concer-
nente à ordem dos livros (vide Anexo I). De acordo com o período nar-
niano, a ordem seria a seguinte: O Sobrinho do Mago (LEWIS, 2003);
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa (LEWIS, 1982); O Cavalo e
Seu Menino (LEWIS, 2003); Príncipe Caspian (LEWIS, 2003); A Via-
gem do Peregrino da Alvorada (LEWIS, 2003); A Cadeira de Prata
(LEWIS, 2003) e A Última Batalha (LEWIS, 2003). No entanto, os
livros foram publicados na seguinte ordem: O Leão, a Feiticeira e o
Guarda-Roupa (LEWIS, 2003); Príncipe Caspian (LEWIS, 2003); A
Viagem do Peregrino da Alvorada (LEWIS, 2003); A Cadeira de Prata
(LEWIS, 2003); O Cavalo e Seu Menino (LEWIS, 2003); O Sobrinho
do Mago (LEWIS, 2003) e A Última Batalha (LEWIS, 2003).
Em Príncipe Caspian (LEWIS, 2003), as quatro crianças retor-
nam à Nárnia para ajudar Caspian, o autêntico herdeiro do trono, que
está sofrendo sob o domínio do tirano Miraz. A Viagem do Peregrino da
Alvorada (LEWIS, 2003) narra a procura dos sete lordes de Nárnia, que
estavam desaparecidos e a busca pelo País de Aslam no Fim do Mundo;
essa talvez seja a história que mais se assemelha à outras Teodisséias,
como a Odisséia, de Homero.
A Cadeira de Prata (LEWIS, 2003) trabalha com o reconhe-
cimento e percepção no evento de enganações e ilusionismo.
Para Lewis, a literatura imaginativa cria uma percepção simbólica
da realidade (DURIEZ , 2005) e, conectado à percepção, está o reconhe-
cimento, e a conscientização da realidade. E isso acontece de forma
especialmente clara nessa Crônica.
Nessa narrativa, o príncipe Rilian, devido a uma arma da feiticei-
ra, é mantido em um estado de amnésia e, uma vez ao dia, durante uma
hora, quando sua consciência retorna, ele permanece amarrado a uma
cadeira prateada, o que o impede de agir.
Na Crônica seguinte, O Cavalo e Seu Menino (LEWIS, 2003),
Shasta, que fora criado por um pescador pobre, desconhece sua verda-
deira origem – era filho de um rei mas tem o desejo estranho de viajar
para as terras do norte, sua terra originária.
em O Sobrinho do Mago (LEWIS, 2003), que viria a se tornar
a primeira Crônica de Nárnia por ordem da cronologia narniana, é nar-
rada, de forma ímpar, segundo alguns teólogos, a gênese daquele mun-
do, movida não apenas pelo Verbo, como no relato bíblico, mas pelo
canto de Aslam.
Embora essa idéia esteja presente em todas as sete crônicas, nessa
obra em especial, destaca-se o tratamento dado ao bem e ao mal. Esse
60
último é apresentado como sendo mais antigo do que o mundo e é nessa
narrativa que a criação de Nárnia por Aslam é revelada.
Finalmente, a Última Batalha (LEWIS, 2003) apresenta o térmi-
no de Nárnia e o início da Nova Nárnia. Nessa obra, que descreve a
tirania moderna e seus efeitos sobre as pessoas e a terra, é possível per-
ceber a influência de Revolução dos Bichos (ORWELLS, 1945).
Assim, o leão Aslam é, ao mesmo tempo, o criador, redentor e
consumador de Nárnia. Várias pessoas humanas entram para esse e ou-
tros mundos de formas diversas: através de uma lagoa, de um guarda-
roupa, de anéis mágicos e pelo chamado de uma trompa mágica.
Ao longo das sete crônicas, o primeiro evento que se dá em nosso
mundo é o nascimento do professor Kirke, em 1888 d.C. e a última
ocorrência é um acidente envolvendo um trem de Bristol, cidade inglesa,
que causa a morte de quase todos os Amigos de Nárnia, ou seja, aquelas
pessoas inglesas que, em um ou outro momento, estiveram nas terras de
Nárnia, participando de determinados acontecimentos. Segundo
DURIEZ (2005, p. 139), todo o processo ocorrido durante as sete crôni-
cas, culminando no fim de Nárnia, “acaba sendo um início e não um
fim, pois a nova e mais esplendorosa Nárnia é revelada, associada que
está à real ou espiritual Inglaterra, reunindo humanos e animais falantes
para sempre”.
2.2.5.1 As crônicas e o texto bíblico
Don KING (1984) faz uma interessante relação entre As Crônicas
de Nárnia e os sete pecados capitais. Ele explica que, com base no texto
bíblico da Primeira Carta de João, no capítulo cinco, versículos dezes-
seis e dezessete, Gregório o Grande, que viveu entre os anos de 540 e
605, desenvolveu uma lista dos sete pecados capitais que são: orgulho,
avareza, luxúria, inveja, glutonaria, ira e preguiça. Embora todos os sete
livros trabalhem com vários desses pecados, cada volume da série enfa-
tiza um deles.
Em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, Edmundo é atraído pe-
la feiticeira por meio do turkish delight (doce de goma) e acaba traindo
os próprios irmãos; o menino é dominado pelo pecado da gula, cuja base
está no livro de Efésios capítulo três, versículo dezenove e, sendo um
traidor, pelas leis de Nárnia, corre o risco de perder a própria vida.
A luxúria é enfatizada em Príncipe Caspian (LEWIS, 2003). En-
tretanto, KING (1984) sugere que ao tratar desse pecado, Lewis o faz no
sentido da luxúria em geral, considerando que seu público seria o infan-
to-juvenil; por meio da personagem Miraz, que suprime a verdade em
61
seu governo, o escritor demonstra o efeito que a luxúria, quando im-
pregnada nos líderes, pode ter sobre uma sociedade. Ao se preocupar,
em primeiro lugar, com o próprio poder e autoridade e depois disso
com o bem estar do próprio povo, é de se esperar a desintegração de
uma sociedade. Assim, o autor desse artigo acredita que Lewis emprega
o termo luxúria não no sentido de imoralidade sexual, porém, de desejo
ardente, sentimento que leva à exploração de outras pessoas. O articulis-
ta baseia seu argumento em uma análise feita por Lewis do poema me-
dieval Psychomachia, de Prudentius. Ali, Lewis traça um comentário a
respeito do vocáblulo luxúria que teria o significado moderno de apro-
veitador ou, explorador.
Em A Viagem do Peregrino da Alvorada (LEWIS, 2003), Lewis
destaca a questão da avareza por meio de Eustáquio, personagem ego-
cêntrica e completamente egoísta e o efeito desse mal sobre o indivíduo,
que se torna inútil para si mesmo e para a sociedade.
A Cadeira de Prata (LEWIS, 2003) apresenta os efeitos danosos
da preguiça que, aqui, é mais ligada àquela espiritual. Num paralelo com
o texto de Deuteronômio capítulo seis, versículos seis a nove, no qual
Deus dá os Mandamentos a seu povo, Aslam estabelece leis – os Sinais -
que podem ou não ser obedecidas, lembradas, seguidas. A personagem
Jill pouco a pouco vai deixando de pronunciar os Sinais e, à medida que
os esquece, vai perdendo sua devoção a Aslam.
O orgulho é a característica de três personagens chaves em O Ca-
valo e Seu Menino (LEWIS, 2003). Bree, o cavalo que quer sempre ter
destaque diante das pessoas; a princesa, que, embora em situação de
perda de status, tem uma alta consideração por si própria e por sua posi-
ção, usando as pessoas, a despeito das conseqüências. O príncipe Raba-
dash é o exemplo supremo do orgulho, por meio de quem Lewis revela
o poder destruidor de tal problema, conforme Provérbios dezesseis,
versículo dezoito.
A natureza mortal da ira é apresentada em O Sobrinho do Mago
(LEWIS, 2003); por meio da personagem Jadis, que decreta o eterno
inverno em Nárnia, o escritor revela a frieza introduzida pela ira nos
relacionamentos e na vida e o quanto esse sentimento se aprofunda,
congelando as raízes das ações de reciprocidade entre os seres humanos.
Quando a feiticeira imita o Satã de Milton, na cena da tentação
em Paraíso Perdido (MILTON, 1960), Lewis leva os leitores a perceber
que a raiva, a ira incontrolável é outra forma de cegueira, que desvia os
olhos da verdade e dirige o ser ao egoísmo, expresso por meio da vin-
gança e da cólera. Essa é, quem sabe, um dos maiores pecados de Eustá-
quio em A viagem do Peregrino da Alvorada (LEWIS, 2003) e do Prín-
62
cipe, em A Cadeira de Prata (LEWIS, 2003), quando sob o efeito da
magia maligna da feiticeira verde.
Em A Última Batalha (LEWIS, 2003) o poder devastador da in-
veja, único dos sete pecados capitais constantes em Os dez mandamen-
tos (Êxodo 20.17), é apresentado e discutido. Ali, Shift, um macaco
deseja ocupar o lugar de Aslam, o rei de Nárnia pois, assim, possuiria
honra e poder. Para isso o personagem se utiliza de estratégias engana-
doras e finge ser o único intermediário entre Aslam e o povo. A conse-
qüência de tal ardil, iniciado pela inveja, é o impacto social, espiritual e
físico nesse reino. Com isso, Lewis ilustra o poder destruidor que a in-
veja pode ter no contexto de Nárnia.
Portanto, por meio do trabalho de KING (1984), é possível per-
ceber vários temas que dialogam com proposições desenvolvidas na
Bíblia.
2.3 Considerações Parciais
Além das intertextualidades ocorridas no campo temático, Lewis,
ao trabalhar na tessitura de sua narrativa, apropriou-se, também, de as-
pectos formais recorrentes nos livros bíblicos dentre os quais um é apre-
sentado no Capítulo Quatro.
Após uma breve apresentação da vida do autor, de suas Crônicas
de Nárnia, do contexto de produção das crônicas, da aproximação entre
as crônicas e os textos bíblicos, exponho, no capítulo seguinte, o corpus
e o método.
63
CAPÍTULO TRÊS
3 CORPUS E MÉTODO
3.1 Considerações Iniciais
O Capítulo Três apresenta o corpus e a metodologia empregada na ob-
servação desse corpus. Esta pesquisa não contempla uma metodologia
baseada em corpus no que tange, especificamente, a busca das intertex-
tualidades no TF e a observação de suas traduções no TT. A conceitua-
ção de intertextualidade fundamenta-se, principalmente, no tema e não
na forma (Vide Capítulo Um, Seção 1.3.2); por essa razão, não foi pos-
sível o emprego de uma metodologia especificamente baseada em cor-
pus. Entretanto, o trabalho de observação inicial e de análise foram faci-
litados pelo uso dos textos digitalizados, pela possibilidade de contagem
de palavras, de uma comparação mais exata entre capítulos e fragmentos
entre o TT e o TF, razão pela qual apresento o presente estudo como
sendo baseado em corpus.
3.2 O Corpus
O trabalho utiliza como corpus a tradução digitalizada, com
30.555 palavras e o texto fonte, também digitalizado, com 37.503 pala-
vras e, dentro desses textos, mais especificamente, as intertextualidades
bíblicas. Além dos textos digitalizados, a tradução editada em papel
possui 167 páginas e 47 ilustrações e a edição em inglês, 162 páginas e
as mesmas 47 ilustrações. O livro brasileiro é menor que o inglês, de
forma que tanto o tipo de letra como as ilustrações possuem dimensões
reduzidas em relação ao último.
Logo no início do trabalho, ao observar a diferença de extensão,
pela verificação do número de palavras de ambos os TT e TF, decidi
buscar a razão dessas diferenças que poderia envolver, também, a não
tradução de alguns referentes intertextuais bíblicos. Tanto o quadro
como o cotejamento dos dois capítulos estão expostos nos Anexos.
3.2.1 A narrativa de ficção The Lion, the Witch and the Wardrobe e O
Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa
Segundo MANLOVE (apud BROWN 2006, p. 58) o título do li-
vro em questão, um tanto estranho, é, também, como a própria história,
uma mescla mágica de “ingredientes distintos”. O leão, um ser do reino
64
animal; a feiticeira, personagem constante nos mundos mágicos; e o
guarda-roupa, um objeto tão comum no dia-a-dia da maioria dos seres
humanos são três coisas muito diversas, reunidas em um único título.
Com isso, Lewis já sugere um pouco daquele amálgama que será obser-
vado em sua narrativa impedindo ao leitor uma visão ou posição fixa,
pré-determinada, ou pré-estabelecida. Para Brown, o livro é como “uma
meia de Natal cheia de objetos variados e misteriosos, todos colocados
juntos em um recipiente” (BROWN, 2006).
O volume, foco de meu estudo, foi o primeiro a ser escrito e pu-
blicado. A narrativa é apresentada em terceira pessoa, por um narrador
que, às vezes, conversa com o leitor, como, quando, no capítulo dezesse-
te, diz, “Como você vê, a história está quase acabando”. Além disso,
nesse volume como em todas as crônicas, o narrador não assume, o
tempo todo, a perspectiva divina da onisciência; em vários momentos,
seu ponto de vista é um pouco limitado, como, por exemplo, no capítulo
dezessete, quando afirma que não sabe dizer onde Aslam arrumou co-
mida para tanta gente. Essa perspectiva torna o narrador mais atraente,
como um bondoso tio, que não se impõe de forma autoritária ou superi-
or, porém, se expressa de modo honesto e direto, recebendo, assim, a
confiança de seus sobrinhos (DURIEZ 2005, p. 108). A presença do
narrador nos transmite confiança, segurança, conforme aponta Francis
SPUFFORD (apud DURIEZ 2005):
A voz do autor nos livros de Nárnia explicava de
maneira amável as coisas para que as crianças pu-
dessem ler... Era uma voz atrativamente certeira,
que em si emprestava uma solidez maravilhosa às
estrelas e linguiças de Nárnia, de modo que elas
reluziam em suas esferas e inchavam em suas cas-
cas, mas nunca se expressou com um afastamento
adulto... a voz era tão veemente quanto você. Ela
respirava tão fundo quanto você; ela se regalava
como você fizera na idéia de se estender no ar
como um sofá enquanto as nuvens passavam de-
baixo como carneiros pastando em um extenso
campo azulado.
Assim, esse narrador conta a história de quatro irmãos, dois me-
ninos e duas meninas, chamados Susana, Lúcia, Pedro e Edmundo, que
foram levados para o casarão de um professor, no interior da Inglaterra,
numa fuga aos perigos dos ataques aéreos decorrentes da Segunda
Grande Guerra.
65
Ali, as crianças se divertem, explorando a antiga casa. E, logo nos
primeiros dias, durante uma brincadeira de esconde-esconde, Lúcia, a
caçula, entra em um antigo guarda-roupa e, através dele, chega a outro
mundo chamado Nárnia. Nessa terra, um contexto bem diferente daque-
le em que viviam as crianças, uma mescla de situações incomuns e
familiares, de elementos divergentes, que, em geral, não têm relação
alguma entre si; por isso, Nárnia é uma mistura do real e do fantástico,
“do contemporâneo e do medieval, da infância e da ‘velhice’, do secular
e do religioso” (MANLOVE, 1987 apud BROWN, 2006, p. 59).
Ali, Lúcia leva os outros irmãos para Nárnia, onde muitas aventu-
ras se passam; Nárnia, que foi enfeitiçada pela Feiticeira Branca, não
sabe mais o que é a primavera, pois ali, reina o inverno constante, e
“nunca chega o Natal”. Todos sofrem sob as constantes ameaças da
feiticeira, que transforma os que a ela não se sujeitam em estátuas de
pedra.
Em um determinado momento da narrativa, Aslam, o leão espe-
rado para resgatar aquela terra das mãos da feiticeira, sinais de que
está chegando. Com sua aproximação gradativa, tem início uma trans-
formação na paisagem local: a neve começa um processo de degelo,
deixando os galhos das árvores se revelarem e os rios começarem a
borbulhar e a correr, o sol aparece, lançando seus raios dourados por
entre as árvores, o nevoeiro se desfaz, descortinando o azul do céu, as
flores desabrocham, colorindo o cenário, os pássaros reiniciam seus
cantos, levando a alegria aos habitantes.
Por fim e por vontade do leão, as quatro crianças são convidadas
e têm a oportunidade de ajudar Aslam, o verdadeiro rei daquele país, a
salvar a terra de Nárnia e se tornam, também, legisladores ali. Após um
tempo de reinado, retornam, inesperadamente, pelo mesmo guarda-
roupa, à casa do professor, que, para a surpresa das crianças, acredita em
toda sua história.
O título do TF foi traduzido pelo procedimento
55
da versão
(FERNANDES, 2004, p. 111). E, como se pode observar, pelo número
de palavras apresentado no tópico Procedimentos Metodológicos, o TT
é mais curto que o TF.
55
FERNANDES (2004) apresenta, em sua pesquisa, os seguintes procedimentos na tradução
de nomes: versão, cópia, transcrição, substituição, recriação, supressão, adição, transposição,
substituição fonológica e convencionalidade (tradução minha).
66
3.3 Procedimentos Metodológicos
Em primeiro lugar, faço uma comparação entre o TT e o TF, ob-
servando os números de palavras de cada texto e, em seguida, de cada
capítulo. Logo depois, seleciono dois capítulos do TT e do TF que con-
tenham as maiores e as menores diferenças entre os números de pala-
vras, para um cotejamento.
Em seguida, seleciono fragmentos do TF que, com base nas espe-
cificações teóricas do Capítulo 1, podem ser reconhecidos como inter-
textualidades bíblicas e categorizo cada uma dessas intertextualidades.
Apresento, junto a cada um desses referentes intertextuais pelo menos
um texto bíblico, ou seja, os pré-textos (HATIM e MASON 1990, p.
133) com o qual o fragmento oferece paralelo e faço um comentário a
respeito do fragmento bíblico, com vistas à compreensão de sua relação,
seja ela formal/temática ou apenas temática, com o excerto do TF.
Quando outros textos bíblicos que, de igual modo, confirmam tal
compatibilidade formal/temática ou temática, estão apontados logo
abaixo do comentário.
Em seguida, observo se essas intertextualidades foram traduzidas
e, todas as que foram traduzidas são colocadas lado a lado com as mes-
mas intertextualidades no TF.
Por último, antes de uma conclusão, descrevo, com base nos pro-
cedimentos sugeridos por HATIM e MASON (1990, p. 136), como o
tradutor lidou com as intertextualidades bíblicas e, dessa forma, verifico
se, dentro dos limites da traduzibilidade, o tradutor preservou o status
semiótico, a intencionalidade e a coerência.
Assim, dispondo-se os passos metodológicos acima mencionados,
em ordem alfabética, tem-se o seguinte:
a. Comparação entre o TT e o TF: qual é o número de palavras de
cada texto?
b. Nova contagem do número de palavras: quantas palavras
em cada um dos 17 capítulos?
c. Seleção do capítulo do TT e do TF com menor diferença entre
o número de palavras.
d. Seleção do capítulo do TT e do TF com maior diferença entre o
número de palavras, para mais e para menos, em ambos os TT e TF.
e. Cotejamento entre os capítulos do TT e do TF indicado em c
os fragmentos que não aparecem no TT são marcados com alguma cor.
f. Cotejamento entre os capítulos do TT e do TF indicados em d –
os fragmentos que não aparecem no TT são marcados com alguma cor.
g. Busca pelas intertextualidades bíblicas no TF.
67
h. Busca, dentre os textos bíblicos, daqueles que se apresentem
como possíveis pré-textos
i. Categorização de cada intertextualidade.
j. Busca, dentre os fragmentos coloridos, por intertextualidades
bíblicas.
k. Busca no TT das mesmas intertextualidades ou referentes inter-
textuais, encontrados em g.
l. Disposição das intertextualidades bíblicas do TT e do TF lado a
lado.
m. Descrição da tradução de cada intertextualidade bíblica.
n. Conclusão do trabalho
3.4 Considerações Parciais
Este Capítulo Três apresentou o corpus que é composto tanto dos
textos digitalizados como dos textos impressos. Dado o foco da pesqui-
sa, não analiso os paratextos, encontrados nos textos impressos, como,
por exemplo, as capas, as figuras, as cores das figuras, os títulos dos
capítulos, os textos das contracapas, dentre outros. Esses elementos, por
certo, contribuiriam para maior compreensão da obra; ao se considerar a
figura do editor, um estudo dos paratextos poderia contribuir, também,
para uma percepção da obra traduzida. Entretanto, alguns desses para-
textos constam dos Anexos.
Embora meu foco sejam as intertextualidades bíblicas, incluo na
metodologia a observação dos fragmentos do TF que são constantes ou
não do TT; isso se pois essa observação pode contribuir para a com-
preensão do modo como o tradutor lidou com o texto todo e, por conse-
guinte, com as intertextualidades bíblicas; com essa observação torna-se
possível, em uma análise, compreender se houve discrepâncias entre os
procedimentos tradutórios das intertextualidades e dos demais elementos
do texto.
Feitas essas considerações passo a análise dos TT e TF.
68
CAPÍTULO QUATRO
4 ANÁLISE
4.1 Considerações Iniciais
Este capítulo apresenta, primeiramente, uma análise comparativa
entre a extensão dos capítulos, por meio da contagem de palavras. Em
seguida, analiso a relação entre a abordagem de MAINGUENEAU
(2006) referente ao posicionamento genérico e a escolha de Lewis pelo
nero narrativo em forma de U (FRYE, 2004). Logo após, apresento
vinte e três fragmentos do TF e os intertextos blicos, apontando, assim
para as intertextualidades. Depois disso, essas vinte e três intertextualida-
des são dispostas lado a lado com seus correspondentes do TT para que se
possam observar os procedimentos adotados na tradução. Antes das Con-
siderações Finais, faço um comentário da tradão do vocábulo crônica,
empregado na tradução do título da rie Nárnia e, ainda, da abordagem
de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa como uma parábola.
4.2 Número de Palavras do TT e do TF
Nesta seção, apresento, em números, os textos completos, tanto
TT como TF e, ainda, a contagem de palavras que demonstra as diferen-
ças mais notáveis num cotejamento entre TT e TF.
No total, o TT possui 30.555 palavras e o TF possui 37.503 pala-
vras.
O Quadro I, nos Anexos, demonstra o número de palavras de ca-
da capítulo, tanto do TT como do TF. No entanto, apresento a seguir,
um fragmento do Quadro 1, contendo apenas o número de palavras dos
capítulos que apresentaram as maiores diferenças entre TT e TF.
Obsevando-se um fragmento do Quadro 1, apresentado no Anexo
F, encontra-se o seguinte:
CAPÍTULO
NÚMERO DE PALAVRAS
DIFERENÇA
TT TF
8 2174 2301 127
13 3533 2287 -1246
14 1739 2286 547
Quadro 1 Número de palavras dos capítulos no TT e no TF
69
Em uma análise apenas dos números de palavras, é possível ob-
servar alguns dados. Em primeiro lugar, o capítulo oito é o que apresen-
ta a menor diferença, de 127 palavras, entre os números de palavras dos
TF e TT. Em seguida, observa-se que a maior diferença, de 1246 pala-
vras a mais no TT apresenta-se no capítulo treze. Entretanto, esse é o
único capítulo com maior número de palavras no TT. Todos os demais
apresentam o TF mais longo que o TT. Por último, observa-se que, ex-
cetuando-se o capítulo treze, o capítulo quatorze é o que apresenta a
maior diferença entre os números de palavras, sendo que o TF possui
547 palavras a mais que o TT.
Após essas observações, faço um cotejamento entre o TT e o TF
dos capítulos que apresentaram as maiores diferenças para mais e para
menos em ambos os TT e TF. Essa verificação tem o objetivo de enten-
der quais foram os fragmentos do TF que não aparecem no TT para,
posteriormente, quando se definirem as intertextualidades encontradas
no TF, observar se algumas delas fazem parte dessas supressões. Ambos
os cotejos se encontram na íntegra nos Anexos G e H.
4.3 A Intertextualidade Bíblica Formal ou Genérica em O Leão, a
Feiticeira e o Guarda-Roupa
Dado o contexto, tanto da biografia do autor como sua obra, bem
como por algumas observações a respeito de As crônicas de Nárnia,
passo a refletir sobre o texto objeto desta pesquisa como forma narrati-
va. Para isso, investigo a intertextualidade bíblica e a estrutura da narra-
tiva em U, de acordo com as considerações de FRYE (2004) no capítulo
sete, intitulado “Mito II Narrativa”, de sua obra O Código dos Códi-
gos: A Bíblia e a literatura.
56
.
Em primeiro lugar, com base nas formulações de
MAINGUENEAU (2006) referentes ao posicionamento genérico, apre-
sentadas no Catulo 1, é possível constatar que Lewis adota um posicio-
namento, tanto ao incluir a obra blica, como parte de uma memória,
como também, definindo seu trajeto pessoal, sua própria identidade como
uma “sombra projetadapelos textos blicos com seus temas e suas for-
mas.
É interessante observar a consonância entre a idéia de Lewis
57
e
aquela de MAINGUENEAU (2006). O primeiro deixa muito claro que
56
Frye, Northrop, traduzido por Flávio Aguiar e publicado pela editora Boitempo, 2004.
57
“The third way, which is the only one I could ever use myself, consists in writing a children's story
because a children's story is the best art-form for something you have to say: just as a composer
70
escreveu uma história infantil, do gênero fantástico, por achar que esta
seria a melhor forma de arte a comunicar algo importante. Para
MAINGUENEAU (2006), semelhantemente, um poeta não é um homem
que exprime sentimentos atras de um poema, mas um homem para
quem “os sentimentos a exprimir” o indissociáveis do investimento de
certosneros poéticos” (p. 174).
Antes de iniciar propriamente esta seção, parece ser interessante
observar, conforme mencionado no Capítulo 1, que a intertextualida-
de para MAINGUENEAU (2006), adquire uma nuance um pouco dife-
rente, ou seja, a da ênfase na forma. A ênfase para o autor é colocada no
modo como cada posicionamento gera a intertextualidade, ou seja, o
autor assume uma posição desejada por meio da escolha do gênero para
sua obra. Assim, o gênero, que é coincidente com o gênero de outras
obras, gera ou é gerado por meio de uma intertextualidade. Essa inter-
textualidade que se por meio do gênero seria, para o teórico, radical.
FRYE (2004) faz uma análise da estrutura do livro bíblico de Juízes em
que, do mesmo modo que em outras histórias bíblicas, várias narrativas
se enquadram num myhtos ou numa história que se repete: o da aposta-
sia e da restauração. A partir desse processo, uma estrutura narrativa se
deriva a narrativa em forma de U. Nesse formato, após a apostasia
segue-se uma queda, em seguida um arrependimento após o qual acon-
tece uma ascensão e uma liberação que chega ao mesmo nível do início
da história. Na literatura, esse formato de narrativa em U é recorrente na
comédia. Para o autor, aliás, a Bíblia como um todo, vista como a “divi-
na comédia”, encaixa-se em uma estória em forma de U, em que um
homem, no início de Gênesis, perde a árvore e a água da vida e recebe-
os de volta no final do Apocalipse.
FRYE (2004) apresenta, ainda, seis relatos, ilustrando, assim, es-
se formato de narrativa em U, com suas ascensões e suas quedas. Após a
queda de Adão, a primeira apresentada pelos relatos bíblicos, chega-se à
história de Noé, com a catástrofe ocorrida quase total extinção dos
seres humanos em decorrência da inundação causada pela chuva in-
cessante. Surge, então, Abraão, o primeiro exemplo de ascensão, a quem
a Terra Prometida é oferecida. Essa é a era dos patriarcas, que tem seu
término do final do livro de Gênesis. O povo de Israel encontra-se nesse
período no Egito, onde é oprimido, o que o leva a buscar uma libertação
might write a Dead March not because there was a public funeral in view but because certain musical
ideas that had occurred to him went best into that form”. On the Three Ways of writing for
children. Disponível em:
<http://campus.huntington.edu/dma/leeper/DM101/Readings/On%20Three%20Ways%20of%2
0Writing%20for%20Children.rtf.> Acesso em 15 fev 09
71
que acontece por meio de Moisés, sob cuja liderança atravessa o mar, e
vive no deserto e de Josué, que o guia até a Terra Prometida.
O livro de Juízes narra os ataques dos invasores, dentre os quais
os filisteus. Davi, o rei, que sucede Saul, o primeiro rei de Israel, é quem
dirige o povo israelita em sua terceira ascensão. O livro de I Samuel
relata o reinado de Saul, com seus sucessos, sua queda, sua morte e o
levantamento de Davi cujo reinado é seguido pelo de Salomão. Depois
desse último, de acordo com o Primeiro Livro dos Reis, o reino é dividi-
do. As doze tribos, descendentes dos doze filhos de Jacó, dividem-se em
duas partes. De um lado está a tribo de “Judá”, fiel ao rei Davi, que
talvez tenha absorvido, também, a de Benjamin e que constituíram o
reino de Judá e as dez tribos que se separaram, chamadas de “Israel”,
que formaram o reino do norte. Em 722 o reino do norte foi destruído
pela Assíria e o reino do sul, recuperou-se após a destruição, então, da
Assíria. E a história prossegue com Nabucodonosor, rei da Babilônia,
que mantém o povo judeu no cativeiro. O Livro de Esdras relata a histó-
ria do povo judeu entre 538 a.C. e 457 a.C.. Esse período tem início com
a conquista da Babilônia por Ciro, que permitiu que os judeus deixas-
sem a Babilônia, local de seu exílio e retornasse para sua terra e recons-
truísse o templo de Jerusalém, a quarta ascensão. A queda seguinte
aconteceu como consequência de perseguições dos judeus não heleniza-
dos que culminou na Revolta dos Macabeus. Esse era o nome de uma
família que se estabeleceu no poder e deu início a uma dinastia real e
sacerdotal que perdurou até 63 a.C. quando teve início o domínio roma-
no, que acontece no tempo do Novo Testamento. Segundo FRYE
(2004), nesse instante, da sexta libertação, têm início as divergências
entre judeus e cristãos quanto ao significado de libertação. Os primeiros
crêem que em 135 d.C. iniciou-se um exílio que talvez perdure até os
dias atuais. O cristianismo vê na figura de Jesus a libertação final.
Nessa sequência de mythoi de eventos históricos, “todos os pon-
tos altos e os pontos baixos da seqüência estão relacionados metafori-
camente uns aos outros em sua categoria” (p. 208). Assim, os pontos
altos do “U”, como o Éden, a Terra Prometida, Jerusalém, o Templo
reconstruído, o reino espiritual de Jesus e o Messias do judaísmo “são
sinônimos de morada da alma”; sob a imagética cristã, correspondem ao
Reino de Deus, pregado por Jesus. Assim também, os pontos baixos da
estrutura do “U”, como, por exemplo, o Egito e a Babilônia são, na for-
ma espiritual, um único lugar e os agentes responsáveis pelas tragédias,
como Faraó, Nabucodonozor, Nero, são uma mesma pessoa. Abraão,
Moisés, Josué, os Juízes, Davi e Salomão, personagens responsáveis por
72
libertações do povo de Israel são protótipos do Messias, o libertador
final.
A pesquisadora Raquel BOTELHO, em seu trabalho intitulado A
intertextualidade bíblica nas Crônicas de Nárnia de C. S. Lewis
58
,
sugere que As Crônicas de Nárnia são, da mesma forma que a Bíblia,
uma “divina comédia” (FRYE, 2004) com suas narrativas em forma de
U.
A pesquisadora faz uma análise, fundamentando-se no trabalho
de Frye, da estrutura narrativa das crônicas, de seus heróis, de sua histó-
ria com seus reis e rainhas, ascensões e quedas até o fim que é narrado
no volume intitulado A Última Batalha.
A autora inclui em sua análise o simbolismo presente na terra de
Nárnia que faz contraste com as terras ao seu redor, que são Calormânia
e Telmar. Além desse aspecto, a autora destaca alguns dos inimigos do
reino de Nárnia dentre os quais estão a Feiticeira Branca, presente no
volume aqui estudado, bem como dos libertadores que, até o final das
crônicas, são as crianças e o leão Aslam. Além disso, Botelho aponta
para um “lugar físico/espiritual definitivo, ou seja, Nárnia, onde todos
os animais viveriam para sempre” (BOTELHO 2005, p. 67).
A criação de Nárnia se a partir de uma canção entoada pelo
leão no livro Os anéis mágicos (Lewis, 1984, pp. 80-89), posteriormente
intitulado O Sobrinho do Mago (1997), pela Martins Fontes, e essa é
uma terra bonita, agradável, semelhante ao próprio Jardim do Éden,
apresentado no livro do Gênesis. Nárnia é aquilo que FRYE (2004)
denomina de “morada da alma”. As expressões “Filhos de Adão e Filhas
de Eva” empregadas por Lewis referem-se àqueles que, a partir da cria-
ção governarão Nárnia. A pesquisadora destaca, com respeito às expres-
sões referentes aos humanos, que, “Essas frases usadas por Lewis para
se referir aos seres humanos denotam o pano de fundo teológico das
histórias e sua crença de que o homem e a mulher caíram de um estado
primordial de inocência. Elas também ressaltam a humanidade das cri-
anças”. (p. 69)
Os lugares malditos na imagética bíblica representados, de modo
metafórico pelo Egito, pela Babilônia e por Roma, têm, de igual modo,
58
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbite-
riana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, em 2005.
73
sua representação em Nárnia, por meio de Calormânia e Telmar. Esses
tipos de lugares, segundo FRYE (2004), estão no ponto mais baixo e é
neles que as dificuldades, as infelicidades ocorrem.
O ano de 898, de acordo com a cronologia de Narnia (ver Anexo
I) marca o fim do primeiro período de paz de Nárnia, com a chegada de
Jades, a Feiticeira Branca, que retorna do Norte e faz com que essa terra,
a partir do ano 900, viva sob um inverno constante e sem fim.
Ao longo desse período o terror e o medo são os sentimentos pre-
dominantes todos os habitantes de Nárnia, sejam eles os animais falantes
e os não falantes,; as árvores falantes ou os anões e demais seres mitoló-
gicos. É então que os humanos deixam de viver nesse país.
A partir do ano de 1014 daquela cronologia, a história é narrada
no volume O Leão a Feiticeira e o Guarda-Roupa, no qual Aslam, de
modo “profético” anuncia seu papel de salvador, de receptor do próprio
mal sobre si ao se tornar um substituto do menino Edmundo, o traidor,
por quem o leão oferece sua própria vida. Nesse volume Aslam ressusci-
ta e vence a batalha contra a Feiticeira Branca. E o inverno tem fim no
país onde tanto tempo não se sentia o calor do sol e nem se podiam
apreciar as cores brilhantes da natureza até então dominada pelo frio e
pelo branco da neve.
Em Nárnia, os períodos de paz e de guerra, as ascensões e as
quedas e seus habitantes, as árvores, os animais, os anões, da mesma
forma que o povo judeu, são subjugados e vivem, até mesmo, escondi-
dos em cavernas.
BOTELHO (2005) conclui afirmando que:
Como se pode concluir da seqüência das narrati-
vas, a estrutura em U está presente nAs Crônicas
de Nárnia assim como nas narrativas bíblicas. As
histórias começam em um estado eufórico, pas-
sam a um estado disfórico e finalmente voltam ao
seu estado inicial. Ao se analisar (sic) os pontos
altos e baixos da seqüência de narrativas, consta-
ta-se que estes (sic) pontos estão relacionados me-
taforicamente. Como já foi dito anteriormente, os
pontos altos estão ligados a Nárnia e simbolizam a
morada da alma, enquanto os pontos baixos das
narrativas estão ligados às terras que cercam Nár-
nia e seus povos e representam a perdição. (p. 72)
Assim, da mesma forma que a Bíblia, com sua estrutura em for-
mato de U e com suas inúmeras narrativas menores que são parte dos
74
momentos de queda ou de ascensão do povo judeu encontra-se em O
Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, um volume, dentro da grande
narrativa de As crônicas de Nárnia. Sua narrativa também apresenta o
momento baixo, que seria relacionado à perdição da alma, representado
pelo inverno constante, pela presença da Feiticeira Branca e o momento
alto, ou seja, a morada da alma, que se pela presença de Aslam e do
reinado de Lúcia, Susana, Edmundo e Pedro, após a vitória sobre a Fei-
ticeira Branca.
Feita essa análise da estrutura da narrativa sob a visão de FRYE
(2004) da forma em U, e constatada sua semelhança formal com narrati-
vas bíblicas, apresento, as intertextualidades bíblicas com alguns co-
mentários relativos aos referentes bíblicos e, em seguida, os procedi-
mentos usados na tradução das mesmas.
4.4 As Intertextualidades Bíblicas em O Leão, a Feiticeira e o Guar-
da-Roupa
A seguir, com base no Capítulo 1, que descreve a intertextualida-
de como strictu sensu, confirmada pela presença de um intertexto, que,
pela forma/tema ou apenas pelo tema apresente paralelo com algum
texto bíblico, podendo ser classificada como ativa ou passiva, implícita,
explícita ou implícita genérica, e referência, clichê, alusão literária, au-
to-citação, convencionalismo, provérbio ou meditação, apresento alguns
dos referentes intertextuais encontrados em The Lion, the Witch and the
Wardrobe.
Esses referentes intertextuais estão dispostos de acordo com sua
ordem no decorrer da narrativa, numa seqüência numerada e com mar-
cação da página onde ele se encontra. Nessa seqüência, determina-se,
em primeiro lugar, se o referente é ativo ou passivo. Em segundo lugar,
se é implícito, explícito ou implícito genérico. Logo após, se é genérico,
temático, estrutural e/ou funcional. Em seguida, se é referência, clichê,
alusão literária, auto-citação, convencionalismo, provérbio ou medita-
ção.
Além disso, apresento, em formato itálico, um fragmento bíblico
relacionado ao referente intertextual; os negritos são meus, chamando a
atenção para palavras ou expressões a serem destacadas por se apresen-
tarem como sinais apontando para seu pré-texto (HATIM e MASON
1990, p. 133). E, quando mais de um texto que se relaciona com o
texto analisado, as demais citações do livro bíblico, capítulo e versícu-
lo/s estarão logo abaixo do texto bíblico transcrito. Os nomes dos livros
bíblicos podem estar abreviados, de acordo com a lista de abreviações
75
apresentada nas Bíblias pesquisadas. A referência contém o nome do
livro bíblico, em seguida o número do capítulo e, após um ponto, o nú-
mero do versículo ou versículos. Os textos bíblicos em língua inglesa
são retirados da versão King James [Rei James] (KJV), opção feita pela
razão de ser essa, na primeira metade do século XX, a versão usada
pelos membros da Igreja Anglicana, como era, provavelmente, o caso de
Lewis. Um texto histórico, disponível na Wikipédia
59
, sobre as diversas
versões da Bíblia afirma, com relação à Versão Autorizada que, “Uma
terceira fase da Bíblia em ngua inglesa vai de 1611 até a metade do
século XX. Nessa fase, a Bíblia Rei James era a principal Bíblia para os
falantes de língua inglesa.” Os textos em língua portuguesa são oriundos
da Bíblia SHEDD (BS) encadernada cuja tradução, revista e atualizada,
é de João Ferreira de Almeida.
As páginas indicativas dos textos dos livros em estudo, tanto no
português como no inglês fazem parte dos textos digitalizados, que fo-
ram por mim numerados.
Quando há um comentário relativo ao referente, situa-se logo
após as citações bíblicas.
A seguir, encontram-se, então, as intertextualidades bíblicas e
seus pré-textos.
I. DIMENSÃO DIVINA E HUMANA DE TEMPO
p. 7: “"What I said," answered Lucy."It was just after breakfast when I
went into the wardrobe, and I've been away for hours and hours, and had
tea, and all sorts of things have happened."
"Don't be silly, Lucy," said Susan. "We've only just come out of that
room a moment ago, and you were there then."
p. 14: “"That is the very thing that makes her story so likely to be true,"
said the Professor. "If there really is a door in this house that leads to
some other world (and I should warn you that this is a very strange
house, and even I know very little about it) If, I say, she had got into
another world, I should not be at all surprised to find that the other
world had a separate time of its own; so that however long you
stayed there it would never take up any of our time.
59
“A third phase of the English Bible ran from 1611 to the middle of the twentieth century. In
that phase, the King James Bible was the primary bible of people speaking English.” Acesso
em 16.12.2009. Disponível em: http://www.2011trust.org/resources/history/mulvey/
76
2 Pe 3.8: But, beloved, be not ignorant of this one thing, that one day is
with the Lord as a thousand years, and a thousand years as one day.
(KJV)
A questão da dimensão do tempo em O Leão, a Feiticeira e o
Guarda-Roupa é aquela característica de contos de fadas, de narrativas
de ficção: diferente do tempo no mundo dos humanos. Na narrativa,
muitas horas ou mesmo muitos anos correspondem a apenas um simples
minuto ou a alguns minutos do planeta Terra. O próprio professor Kirk,
personagem da obra em foco, em conversa com três dos irmãos, chama a
atenção para esse fato. Essa conversa entre o professor e Susana, Pedro e
Edmundo acontece quando os irmãos o procuram, pois não acreditam
nas histórias contadas por Lúcia sobre sua estada em outra terra. Um dos
pontos que os fazem desacreditar da história de Lúcia é que ela diz que
passou várias horas nesse outro lugar; entretanto, as três crianças sabem
que a irmã ficou apenas alguns poucos minutos dentro do guarda-roupa.
Embora, como já dito, a dimensão de tempo diferente daquela dos
humanos não ocorra apenas nas histórias de Lewis, esse aspecto pode,
também, apontar para o tema do tempo, discutido pelo apóstolo Pedro,
em sua segunda epístola, em que trata, dentre outros temas, daquele da
existência de novos céus e de uma nova terra. O contexto é aquele em
que havia pessoas que desconsideravam a existência de outras terras e
outros céus que terminaram com o dilúvio. Assim, Pedro procura adver-
tir seu público-alvo a não ser cego quanto à futura vinda de Cristo e à
instituição de um novo Reino, onde havejustiça. Após tal advertência
é que Pedro afirma que o tempo para Deus é totalmente diverso do tem-
po que se conhece no presente.
Dessa maneira, o contexto de ambos os discursos, do professor
Kirk e de Pedro pode-se dizer, guardam semelhança. Por essa razão é
possível visualizar uma intertextualidade ativa, implícita, temática e
alusão literária.
II. PERSONAGEM EDMUNDO
p. 13 “Up to that moment Edmund had been feeling sick, and sulky, and
annoyed with Lucy for being right, but he hadn't made up his mind what
to do. When Peter suddenly asked him the question he decided all at
once to do the meanest and most spiteful thing he could think of. He
decided to let Lucy down.”
Gênesis 8.21: And the LORD smelled a sweet savour; and the LORD
said in his heart, I will not again curse the ground any more for man's
77
sake; for the imagination of man's heart is evil from his youth; neither
will I again smite any more every thing living, as I have done. (KJV)
Em Gênesis 6.13, Deus diz a Noé que dará cabo de toda a huma-
nidade “porque a terra está cheia da violência dos homens”. Ezequiel
7.3-4 destaca essa violência do homem com palavras como “abomina-
ções”: “e te julgarei segundo os teus caminhos, e farei cair sobre ti todas
as tuas abominações. Os meus olhos não te pouparão, mas porei sobre ti
os teus caminhos, e as tuas abominações estarão no meio de ti.” Dentre
os vários textos bíblicos que tratam da corrupção do homem, há, por
exemplo, o de Romanos 4.15, que destaca a ira, o 7.7 que destaca a co-
biça; o texto de 2 Timóteo 3.2 destaca o egoísmo e a avareza; o Salmo
10.7, que descreve o ímpio e fala de enganos desse tipo de pessoa;
Oséias 10.2 fala sobre o coração falso; Provérbios 11.17 trata da conse-
quência para o homem cruel. Desse modo, inúmeros textos bíblicos
apontam para vários problemas característicos do ser humano.
Essas mesmas marcas fazem parte do caráter de Edmundo. Per-
cebe-se, por meio dos diálogos e das falas mais bruscas que esse menino
é um personagem menos dócil que os demais irmãos. No desenrolar da
história ele prova, de fato, sua índole má, seu caráter mais negativo, que,
eventualmente, irá se revelar como mentiroso e traidor, um tipo “Judas”.
Ele será, no final da história, o protótipo do homem pecador, receptor do
ato expiatório de Jesus. Passo a passo, o menino vai se embrenhando em
um caminho de transgressão que, inicialmente parece ser bom e agradá-
vel, porém, no final quase o leva à morte bem como à de seus irmãos.
Em primeiro lugar, ele vai decaindo, por sua própria maldade e, posteri-
ormente, pelo abuso da Feiticeira que percebe tanto seu caráter fraco
como sua inocência. Ele engana os irmãos e os faunos e os trai. Como
observa Brown (2006), Edmundo, do mesmo modo que MacBeth, “tor-
na-se cada vez pior antes de retroceder”. No entanto, na experiência de
Edmundo, há um momento de “retomada da consciência” (DURIEZ
2005, p. 103), que ocorre quando o personagem identifica a verdadeira
natureza da Feiticeira Branca e se junta aos irmãos, a Aslam e aos de-
mais habitantes de Nárnia, que lutavam pela libertação e restauração de
sua terra.
Vários textos anunciam o temperamento e o caráter de Edmundo.
Lúcia ficou encantada ao encontrar Nárnia; no entanto, o narrador afir-
ma sobre Edmundo que “não lhe agradava nada estar sozinho naquele
lugar estranho, deserto e frio” (p. 8). Brown indica algumas característi-
cas de Edmundo como a desconfiança, seu pedido de perdão mais pelo
temor e solidão que por arrependimento, sua tendência ao egoísmo e à
intimidação, e sua falta de autenticidade.
78
Esse personagem pode levar o leitor, com um repertório bíblico, a
fazer uma associação com o homem ímpio, descrito em alguns textos
bíblicos ou, até mesmo, com o ser humano dialético, também descrito
em alguns trechos bíblicos (Rm 7.18-19). De fato, uma das peculiarida-
des de Lewis é seu modo de lidar com o bem e com o mal sem, contudo,
ser maniqueísta.
Dessa forma, é possível fazer uma leitura deste trecho da obra de
Lewis, que apresenta o personagem Edmundo como uma intertextuali-
dade ativa, implícita, temática e alusão literária.
III. SON OF ADAM, DAUGHTER OF EVE
p. 3: “"Excuse me I don't want to be inquisitive – but should I be right
in thinking that you are a Daughter of Eve?"
"My name's Lucy," said she, not quite understanding him.
"But you are forgive me you are what they call a girl?" said the
Faun.
"Of course I'm a girl," said Lucy.
"You are in fact Human?"
"Of course I'm human," said Lucy, still a little puzzled.
"To be sure, to be sure," said the Faun. "How stupid of me! But I've
never seen a Son of Adam or a Daughter of Eve before.
Dt 32.8: When the Most High divided to the nations their inheritance,
when he separated the sons of Adam, he set the bounds of the people
according to the number of the [...] (KJV)
Gn 1.26; 6.2; Ez 2.1; 3.17; 30.21; 20.3; Dn 7.13; Pv 8.31; Mt 4; 25; 9.6;
8.20; Mc 9.31; 2.10; Lc 3.37-38; 9.44; 6.5; Jo 3.14; Ap 9.31; 2.10
A palavra hebraica para “homem” é “adão”, o termo genérico pa-
ra humanidade que se torna um nome próprio, Adão. A Bíblia apresenta
os primeiros seres humanos como Adão e Eva, que, num determinado
momento da criação, são colocados num jardim a ser por eles cultivado
e guardado; além dessas funções, devem, ainda, dar nomes a todos os
seres viventes, sejam as aves dos céus, os animais domésticos e os sel-
váticos. Mais ainda, de acordo com o primeiro capítulo de Gênesis,
Deus, após abençoar o homem, ordena que ele sujeite a terra e domine
sobre todos os animais.
Os tronos de Nárnia, por determinação de Aslam, podem ser
usados pelos representantes da raça humana, tratados de modo formal
como “filhos de Adão” ou “filhas de Eva”. Isso reflete uma hierarquia,
de acordo com DURIEZ (2005), que Nárnia é também a terra dos
79
animais falantes e não falantes e, também, dos seres mitológicos. Além
do tema, o próprio léxico e frase aqui– Eve,son of Adam – são sinais que
apontam para um pré-texto bíblico.
Esse fragmento da obra de Lewis é classificado, nesta pesquisa,
como uma intertextualidade ativa, implícita, temática e alusão literária.
IV. ETERNO INVERNO
p. 3, 4: “"Meanwhile," said Mr Tumnus, "it is winter in Narnia, and
has been for ever so long, and we shall both catch cold if we stand here
talking in the snow. Daughter of Eve from the far land of Spare Oom
where eternal summer reigns around the bright city of War Drobe, how
would it be if you came and had tea with me?"”
Gn 8.22: While the earth remaineth, seedtime and harvest, and cold and
heat, and summer and winter, and day and night shall not cease. (KJV)
O intertexto se faz em oposição ao bíblico, em que Deus dá verão
e inverno. Há um contraste entre o inverno de Nárnia, que parece não ter
fim e as estações variadas da terra. A existência das diferentes estações,
dentre outros aspectos, é indicação de ordem do universo. Desse modo,
se houver interferência no ciclo da natureza e não mais houver sementei-
ra e ceifa, frio e calor, verão e inverno, primavera e outono, dia e noite,
luz e escuridão, a vida não poderá se prolongar. O texto de Gênesis 8.21
-22 se relaciona com o do profeta Isaías 54.8 em que Deus fala aos seus
filhos dizendo, “num ímpeto de indignação, escondi de ti a minha face
por um momento; mas com misericórdia eterna me compadeço de ti, diz
o Senhor, o teu Redentor. Porque isto é para mim como as águas de
Noé; pois jurei que as águas de Noé não mais inundariam a terra, e as-
sim jurei que não mais me iraria contra ti, nem te repreenderia”. Assim,
Lewis toca na questão da harmonia existente na terra e na perversão
desse mesmo mundo, que gera, também, o desequilíbrio ambiental.
Jadis, em um outro volume das crônicas, é a Feiticeira Branca,
que volta para Nárnia no exato momento da criação do mundo e, pouco
a pouco, seu poder, que congela e petrifica, vai crescendo até que amal-
diçoa a terra com um inverno perpétuo, e, ainda pior, sem Natal. É por
meio da feiticeira que a harmonia do país de Nárnia começa a se deteri-
orar.
Desse modo, o tema da desarmonia do universo, consequência de
um domínio egoísta, de forma invertida, ressoa o tema bíblico da har-
monia, de uma natureza perfeita em seus ciclos; e, assim, pode-se dizer
que há uma intertextualidade ativa, implícita, temática e alusão literária.
80
V. NARRATIVA DA TRANSFORMAÇÃO DE ÁGUA EM VINHO
p. 4: “He had wonderful tales to tell of life in the forest. He told about
the midnight dances and how the Nymphs who lived in the wells and the
Dryads who lived in the trees came out to dance with the Fauns; about
long hunting parties after the milk-white stag who could give you wish-
es if you caught him; about feasting and treasure-seeking with the wild
Red Dwarfs in deep mines and caverns far beneath the forest floor; and
then about summer when the woods were green and old Silenus on his
fat donkey would come to visit them, and sometimes Bacchus himself,
and then the streams would run with wine instead of water and the
whole forest would give itself up to jollification for weeks on end. "Not
that it isn't always winter now," he added gloomily
Jo 2.9: When the ruler of the feast had tasted the water that was made
wine, and knew not whence it was: (but the servants which drew the
water knew;) the governor of the feast called the bridegroom, And saith
unto him, Every man at the beginning doth set forth good wine; and
when men have well drunk, then that which is worse: but thou hast kept
the good wine until now. (KJV)
O texto bíblico de João 2.1-11 narra uma festa de casamento rea-
lizada em Caná da Galiléia, da qual Jesus, sua mãe Maria e cinco discí-
pulos participaram. Foi nessa festa, um evento social, que Jesus, ser
humano, fez seu primeiro milagre, revelando-se a si mesmo, a seu ofício
messiânico e manifestando a glória de Deus. Festas de casamento, em
geral, se prolongavam por sete dias e eram momentos de alegria e rego-
zijo. GREGGERSEN (2006) aponta para a visão bíblica de Lewis con-
cernente aos prazeres, que, nesse texto de João é representado pelo vi-
nho. Para a autora, embora essa bebida represente o prazer e a vida,
figura, também, como símbolo do furor de Deus, em Ap 19.15, da pros-
tituição e da corrupção, em Ap 17.2. A estudiosa de Lewis observa que
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa oferece uma visão equilibrada
do prazer, na medida certa, que, embora o vinho remeta à idéia de
festa, de alegria, o apóstolo Paulo, em Ef 5.18, exorta os fiéis a não se
embriagarem com o vinho, porém, a se encherem do Espírito de Deus.
De qualquer modo, a água transformada em vinho na festa em
Canaã pode ter sido uma fonte, ampliada por Lewis, ao unir o mesmo
processo de modificação de um recurso natural em um produto humano
o vinho com a alegria das festas ocorridas nas florestas de Nárnia,
durante o verão, que duravam semanas e das quais Sileno e Baco parti-
cipavam com os habitantes locais.
81
Esse excerto pode ser, assim, indicado como uma intertextualida-
de ativa, implícita, temática e alusão literária.
VI. “VER ESTE DIA”
p. 21 “"Here we are, Mrs Beaver," said Mr Beaver, "I've found them.
Here are the Sons and Daughters of Adam and Eve" and they all went
in.
The first thing Lucy noticed as she went in was a burring sound, and the
first thing she saw was a kind-looking old she-beaver sitting in the cor-
ner with a thread in her mouth working busily at her sewing machine,
and it was from it that the sound came. She stopped her work and got up
as soon as the children came in.
"So you've come at last!" she said, holding out both her wrinkled old
paws. "At last! To think that ever I should live to see this day!"”
Jo 8.56: Your father Abraham rejoiced at the thought of seeing my day;
he saw it and was glad (KJV)
Lc 2.25-35
“Este dia”, que tantos esperaram, remete ao dia em que Cristo
viria à terra, em forma de homem, dia tão esperado por uma nação intei-
ra, a de Israel. HOWARD (apud CHAMPLIN, s.d.) observa que o texto
bíblico acima refere-se a Gênesis 17.17 em que Abraão, após o anúncio
de Deus de que lhe daria um filho por meio de Sara, sua esposa, se pros-
trou, com o rosto em terra e se riu ou se regozijou ao pensar em Sara,
com a idade de noventa anos, engravidando. Eventualmente, esse filho
nasceu e foi chamado de Isaque, de quem Cristo descendeu. A maneira
como Abraão viu o dia de Cristo recebe interpretações diversas, seja por
observação real, por visão profética, por meio das profecias a ele anun-
ciadas (Gn 15.4; 17.17; 18.10). Quanto à expressão “meu dia”, da mes-
ma forma, muitas interpretações têm sido feitas, como o nascimento de
Cristo, a morte de Jesus, o segundo advento de Cristo, os tempos do
Messias, ou seja, o fim da antiga dispensação antes de sua vinda e o
começo da nova era “o ‘dia escatológico’ que raiou nos corações,
quando o Logos tomou carne humana” CHAMPLIN (s.d.).
Em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, a Sra Castor, da
mesma forma que Abraão e, também, que Simeão (Lc 2.25-35), excla-
ma, com muita alegria, no momento em que o ser humano (ou, no
caso de Abraão, antevê) por meio do qual a salvação, por eles esperada,
se efetuará. Simeão, que recebera a promessa de que viveria até ver o
Salvador, no momento em que o bebê Jesus, declara, numa oração,
82
que pode morrer, pois, “os meus olhos viram a tua salvação” (Lc
2.30).
O tema da alegria e da razão de se viver para ver a chegada do
tão esperado salvador pode ser, então, uma intertextualidade ativa,
implícita, temática e alusão literária.
VII. JESUS, O LEÃO DE JUDÁ
p. 23 “"Aslan a man!" said Mr Beaver sternly. "Certainly not. I tell you
he is the King of the wood and the son of the great Emperor-beyond-the-
Sea. Don't you know who is the King of Beasts? Aslan is a lion the
Lion, the great Lion."”
Ap 5.5: And one of the elders saith unto me, Weep not: behold, the Lion
of the tribe of Judah, the Root of David, hath prevailed to open the book,
and to loose the seven seals thereof. (KJV)
O texto bíblico acima remete ao capítulo quarenta e nove de Gê-
nesis, em que Jacó, antes de morrer, juntou seus doze filhos com o obje-
tivo de abençoá-los; fez predições a respeito de cada um deles, por meio
de declarações anunciadas naquele momento. Os versos 8 e 9 se referem
a Judá como leãozinho. Judá, nome hebraico, significa “Esta vez louva-
rei ao Senhor” (Gn 29.35) e, no futuro, de acordo com SHEDD (1997),
as demais tribos teriam razões para exaltar e louvar essa tribo, que
tanto Davi e sua dinastia como o Messias seriam descendentes de Judá
(Is 11.1, Mt 1.1-17). Mateus capítulo um, versículo dezessete revela que
houve quatorze gerações desde Abraão até Davi, outras quatorze desde
Davi até o exílio e, ainda, quatorze do exílio na Babilônia até Cristo, o
leão da tribo de Judá.
Dessa forma, o paralelo entre o texto bíblico e o texto de Lewis se
estabelece por meio da figura do Leão e, por conseguinte, da função que
em ambas as narrativas esse leão desempenha – de salvador digno de ser
louvado. Além disso, a própria palavra leão é grafada com inicial mai-
úscula no texto bíblico em inglês
60
e, também, no texto de Lewis.
Assim, pode-se admitir uma intertextualidade ativa, implícita,
temática e alusão literária.
60
A Interlinear Hebrew Greek English Holly Bible (1980) esclarece que, tanto no hebraico
como no grego, todas as letras são maiúsculas, de acordo com o pensamento dos usuários da
língua inglesa quanto à maiúscula/minúscula.
83
VIII. NASCIMENTO DE CRISTO
p.5: “.. never Christmas"
Is 9.6: For unto us a child is born, unto us a son is given: and the gov-
ernment shall be upon his shoulder: and his name shall be called Won-
derful, Counseller, The mighty God, The everlasting Father, The Prince
of Peace. (KJV)
Mt 1.16, 18; 2.1; Lc 1.35; Jo 16.21; Rm 4.13; Gl 4.23; Hb 11.39;
2Pe.3.4
O texto acima, de Isaías, é uma profecia referente ao nascimento
de Cristo, o Messias divino-humano, que nasceria por meio de uma
virgem e que seria o próprio Deus todo-poderoso, que estabeleceria seu
trono sobre toda a terra e que salvaria não apenas os israelitas, bem co-
mo os habitantes de outras terras, chamados de gentios; essa profecia foi
proferida cerca de 700 a.C. O nascimento de Cristo deu início a um
novo calendário, cujo ponto central é a provável data desse nascimento.
A narrativa de Lucas sobre o nascimento de Jesus chama a criança de
“Filho de Deus”, termo cuja aplicação é mais ampla que o nome “Cris-
to”. De acordo com CHAMPLIN (s.d.), ao uso desse termo nas Escritu-
ras encontram-se as seguintes relações: de Jesus identificado com o
personagem profético do Messias davídico do Antigo Testamento, de
uma relação especial entre Jesus e Deus Pai, como indicação da natureza
divina de Jesus, da perfeita união com o Pai; além disso, “embora essa
expressão tenha sido aplicada ao Messias davídico, posteriormente as-
sume qualidades transcendentais e se torna um título de Jesus Cristo,
com o intuito de indicar a sua natureza divina” (CHAMPLIN, volume 2,
p. 16). Embora o vocábulo “Natal” tenha explicações controversas, num
âmbito mais geral, que creio ser o empregado por Lewis, ele significa a
celebração cristã ou o período em que se comemora o nascimento de
Cristo, tão ou mais esquecido nos nossos tempos, do que nos tempos de
C.S. Lewis.
Desse modo, a relação aqui sugerida se por meio do tema. E a
intertextualidade pode ser classificada como ativa, implícita, temática e
alusão literária.
IX. JESUS É O FILHO DE DEUS
p. 23 “"Aslan a man!" said Mr Beaver sternly. "Certainly not. I tell you
he is the King of the wood and the son of the great Emperor-beyond-
84
the-Sea. Don't you know who is the King of Beasts? Aslan is a lion
the Lion, the great Lion."”
Ap 2.18: And unto the angel of the church in Thyatira write; These
things saith the Son of God, who hath his eyes like unto a flame of fire,
and his feet are like fine brass […] (KJV)
Jo 3.16; 1 Jo 4.14,15
O texto bíblico apresenta Cristo como parte de uma trindade divi-
na e como o Deus-Filho do Deus-Pai. Jesus é parte de um relacionamen-
to.
Assim também, Aslam não é sozinho, porém, embora seu pai não
apareça, sabe-se de sua existência, pela afirmação do Sr. Castor a respei-
to dessa filiação a um grande Imperador.
Atesta-se, dessa forma, uma intertextualidade ativa, implícita,
temática e alusão literária.
X. TENTATIVA DO INIMIGO DE ENGANAR COM A OFERTA
DE ALIMENTO; NARRATIVA DA SERPENTE E DE EVA
p. 10,11: “"Son of Adam, I should so much like to see your brother and
your two sisters. Will you bring them to see me?"
"I'll try," said Edmund, still looking at the empty box.
"Because, if you did come again bringing them with you of course
I'd be able to give you some more Turkish Delight. I can't do it now,
the magic will only work once. In my own house it would be another
matter;"
[...]
"It is a lovely place, my house," said the Queen. "I am sure you would
like it. There are whole rooms full of Turkish Delight, and what's
more, I have no children of my own. I want a nice boy whom I could
bring up as a Prince and who would be King of Narnia when I am gone.
While he was Prince he would wear a gold crown and eat Turkish De-
light all day long; and you are much the cleverest and handsomest
young man I've ever met. I think I would like to make you the Prince -
some day, when you bring the others to visit me."”
Gn 3.1-6: Now the serpent was more subtil than any beast of the field
which the LORD God had made. And he said unto the woman, Yea, hath
God said, Ye shall not eat of every tree of the garden? And the woman
said unto the serpent, We may eat of the fruit of the trees of the garden:
But of the fruit of the tree which is in the midst of the garden, God hath
85
said, Ye shall not eat of it, neither shall ye touch it, lest ye die. And the
serpent said unto the woman, Ye shall not surely die: For God doth
know that in the day ye eat thereof, then your eyes shall be opened, and
ye shall be as gods, knowing good and evil. And when the woman saw
that the tree was good for food, and that it was pleasant to the eyes, and
a tree to be desired to make one wise, she took of the fruit thereof, and
did eat, and gave also unto her husband with her; and he did eat. (KJV)
Mt 4.3
Em uma nota homilética a respeito de Gênesis 3.1, SHEDD
(1997) explica que nem o homem nem Deus é “autor do pecado, pois ele
é algo que vem de fora, mediante a serpente” que é Satanás, de acordo
com 2 Co 11.14; Ap 12.9 e 20.2. Da mesma forma que Eva, Edmundo é
tentado pela oferta de uma comida, tema explorado anteriormente
nesta pesquisa. O menino fica muito admirado com o poder da feiticeira
de fazer surgir, por meio de mágica, com sua varinha, o manjar turco,
que mais se assemelha ao doce por nós chamado de goma. Esse tipo de
tentação aparece, também, no texto de Mateus em que Jesus, após um
jejum de quarenta dias e quarenta noites, é tentado por Satanás que lhe
diz, “Se tu és filho de Deus manda que estas pedras se transformem em
pães”. Aqui, o tentador procura provocar Jesus a fazer um milagre que
alimentaria tanto o orgulho como a fome física. CHAMPLIN (s.d.)
explica que a base da tentação seria o egoísmo, que Jesus mostraria
seu poder para satisfazer a própria fome. Para o teólogo, a tentação de
Eva, em princípio, foi a mesma: ter conhecimento como Deus. A feiti-
ceira, além de usar a gula do menino, apela para a vaidade pessoal, cha-
mando-o de “o mais inteligente e o mais bonito”, para o poder, que ele
teria na posição de príncipe herdeiro da rainha, bem como para o egoís-
mo, que o menino, mesmo tendo sido advertido pela irmã, quanto ao
perigo da feiticeira, se deixa ser seduzido e se dispõe a entregar os pró-
prios irmãos. GREGGERSEN (2006) sugere que o processo de sedução
desenvolvido pela feiticeira para com Edmundo remete à narrativa bíbli-
ca dos gêmeos Esaú e Jacó; ali, o primeiro, para matar a fome, troca sua
herança por um prato de lentilhas. Jacó, enredado pela mentira, caracte-
rística de Lúcifer, chamado de “pai da mentira”, copia o modelo quando,
fingindo ser o irmão, engana o próprio pai e recebe dele a bênção que
seria de Esaú. E, como conseqüência, o destino de uma nação inteira é
marcado por esse ato. Edmundo quase põe a perder toda a possibilidade
de salvação da terra de Nárnia, o que não ocorre pela intervenção de
Aslam.
Assim, os temas da tentação, da sedução, do engano, da gula, da
fraqueza humana se evidenciam na leitura desse fragmento da narrativa
86
de Lewis, apontando para uma intertextualidade ativa, implícita, temáti-
ca e alusão literária.
XI. O NOME DE CRISTO CAUSA SENTIMENTOS DIVERSOS
NAS PESSOAS/ FORÇA E PODER DO NOME DE CRISTO
p. 20 e 26: “…At the name of Aslan each one of the children felt some-
thing jump in its inside. Edmund felt a sensation of mysterious horror.
Peter felt suddenly brave and adventurous. Susan felt as if some deli-
cious smell or some delightful strain of music had just floated by her.
And Lucy got the feeling you have when you wake up in the morning
and realize that it is the beginning of the holidays or the beginning of
summer.”
[…]
“For the mention of Aslan gave him a mysterious and horrible feeling
just as it gave the others a mysterious and lovely feeling.”
Dt 28.58: If thou wilt not observe to do all the words of this law that are
written in this book, that thou mayest fear this glorious and fearful
name, THE LORD THY GOD [] (KJV)
Jr 10.6; Ex 5.3; 2Co 2.16; Pv 18.10; Is 30.27; 56.6; Am 6.10; At 3.16;
4.12; Fp 2.9; 2Tm2.19
Desde o livro de Gênesis (12.8; 13.4), o nome do Senhor é trata-
do como algo de muito valor e importância e é invocado em determina-
das situações, diante do altar onde, no período da narrativa, se faziam
expiações e ofertas a Deus. Quando Moisés, conversando com o próprio
Deus, lhe pergunta como deveria dizer o nome de Deus quando fosse
conversar com o povo, a resposta é: “Disse Deus a Moisés: EU SOU O
QUE SOU, Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me
enviou a vós outros” (Ex 3.13). Ainda, ao tratar do próprio nome, em
conversa com Moisés, Deus diz: “apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó
como Deus Todo-Poderoso; mas pelo meu nome, O Senhor, não lhes fui
conhecido” (Ex 6.3). SHEDD (1997) explica que “Todo-poderoso”, em
hebraico, El Shaddai, era o nome usado pelos habitantes do Oriente
Médio para se referirem ou caracterizarem Deus e que “Senhor” foi o
“nome específico revelado a Moisés quando lhe foram dadas as promes-
sas da Salvação. Em geral, essa última forma apresenta o Deus que se
relaciona com os seres humanos, bem como sua revelação e sua graça,
enquanto “Deus” aponta para o Todo-poderoso dos céus e da terra e a
origem de toda criação. Dessa forma, é interessante observar que a ques-
tão do nome de Deus é algo muito importante. Os demais textos que
87
servem de referência, citados após aquele de Deuteronômio, tratam do
poder, da fortaleza, da supremacia (Fp 2.9) desse nome. Outros textos
fazem, ainda, uma ligação entre o nome do Senhor e a sua ira (Is 30.27)
e até mesmo do perigo de se pronunciar o nome do Senhor em determi-
nadas situações (Am3.16). A segunda carta a Timóteo, capítulo dois,
versículo dezenove, aponta, por exemplo, o dever que a pessoa que pro-
fessa o nome do Senhor tem de se afastar da injustiça (2Tm 2.19).
Por essas razões é que o nome de Deus, e, paralelamente, o de
Aslam causavam reações, sensações e sentimentos diversos naqueles
que o ouviam ou o pronunciavam. Subtrai-se, daí, uma intertextualidade
ativa, implícita, temática e alusão literária.
XII. a. A PROFECIA DA VOLTA DE CRISTO; b. SALVAÇÃO
POR MEIO DE UM SÓ, O REI E IMPOSSIBILIDADE DE
SALVAÇÃO PELO PRÓPRIO HOMEM
p. 23: “"Aslan?" said Mr Beaver. "Why, don't you know? He's the King.
He's the Lord of the whole wood, but not often here, you understand.
Never in my time or my father's time. But the word has reached us that
he has come back. He is in Narnia at this moment. He'll settle the
White Witch all right. It is he, not you, who will save Mr Tumnus."
a.Mt 24.30: And then shall appear the sign of the Son of man in heaven:
and then shall all the tribes of the earth mourn, and they shall see the
Son of man coming in the clouds of heaven with power and great glory.
(KJV)
Is 60.1-22; Ap 21.1-6
b.Is 43.11: I, even I, am the LORD; and beside me there is no saviour.
(KJV)
45.21;55.3; Os 13.4; At 4.12; Ap 7.10; 19.1
O livro de Gênesis relata a entrada do pecado no mundo, por
meio da desobediência, quando surge, então, a necessidade de salvação
e de regeneração do homem. A salvação, que se por meio do nasci-
mento de Cristo e de seu sacrifício expiatório, é, de diferentes maneiras,
anunciada desde os primeiros livros do Antigo Testamento. sal-
mos, narrativas históricas, profecias, dentre outros gêneros, que anunci-
am a vinda de Jesus, como homem; esses diferentes textos anunciam,
também, seu sacrifício, única maneira de o homem reaproximar-se de
seu criador.
88
O texto de Mateus, bem como inúmeros outros, proclama o retor-
no de Cristo, que não mais virá como uma criança, porém, cheio de
poder e muita glória.
No texto de Lewis, o Sr. Castor explica às crianças que Aslam é o
Rei, o Senhor da floresta, e quem “daria um jeito” na feiticeira. Além
disso, ele salvaria o Sr. Tumnus. Paira no ar a notícia de que Aslam
voltará. O tema do retorno de Cristo, e da salvação da natureza e do ser
humano é comum a ambos os textos, o bíblico e o lewsiano, podendo,
assim, observar-se uma intertextualidade ativa, implícita, temática e
alusão literária.
XIII. PROFECIA DE QUE A SALVAÇÃO VIRIA POR MEIO DE
UM HOMEM, QUE SE ASSENTARIA NO TRONO
p. 23: “When Adam's flesh and Adam's bone
Sits at Cair Paravel in throne,
The evil time will be over and done.
Mt 19:28: And Jesus said unto them, Verily I say unto you, That ye
which have followed me, in the regeneration when the Son of man shall
sit in the throne of his glory, ye also shall sit upon twelve thrones, judg-
ing the twelve tribes of Israel.
Sl 132.11; Lm 5.19; Ap 20.4; 22.1
Diversos textos bíblicos, tanto do Antigo como do Novo Testa-
mento, por meio de profecias trabalham com o tema de Jesus Cristo
como homem e, também, de seu retorno como um rei, que, portanto, se
assentará em um trono.
Além do tema, outro aspecto chama a atenção ao se refletir a res-
peito desse fragmento da narrativa de Lewis. Quando o Sr. Castor está
explicando às crianças sobre quem é o Aslam, ele se recorda de alguns
antigos versos rimados, como esse aqui apresentado, que é um poema. O
Salmo 132.11 também trabalha com o mesmo tema, e, é sabido que os
salmos eram musicados e altamente poéticos, embora não rimados
que a poesia hebraica não se forma pela rima, porém, pela repetição de
pensamento numa cláusula paralela (SHEDD 1997, p.771). Ao dividir
os Salmos, esse mesmo autor citado coloca o Salmo 132.1 na catego-
ria dos Salmos Reais, ou seja, daqueles que cantam e declaram a realeza
de Deus. Assim, do mesmo modo que o Salmo declara, por meio de
poesia a realeza profética, o texto narniano também usa o mesmo gênero
poético para fazer tal declaração.
89
Pode-se observar, assim, uma intertextualidade ativa, implícita,
temática/estrutural, e alusão literária, além da intertextualidade estabele-
cida pelo gênero.
XIV. CRISTO ELIMINARÁ O MAL, O SOFRIMENTO E A
TRISTEZA
p. 23: “…Wrong will be right, when Aslan comes in sight, At the sound
of his roar, sorrows will be no more, When he bares his teeth, winter
meets its death, And when he shakes his mane, we shall have spring
again. You 'II understand when you see him."”
Ap 21.4: And God shall wipe away all tears from their eyes; and there
shall be no more death, neither sorrow, nor crying, neither shall there
be any more pain: for the former things are passed away. (KJV)
Sf 3.15
Os versos acima são declamados, ou cantados, pelo Sr. Castor
durante uma conversa com as quatro crianças. Nessa conversa, os cinco
discutem sobre o paradeiro do Sr. Tumnus que, provavelmente, foi
transformado em estátua na casa da feiticeira. Em determinado ponto da
conversa, o Sr. Castor afirma que “Aslam está a caminho” (LEWIS,
1982). Essa é a primeira vez que as crianças escutam falar de Aslam. É
então que o Sr. Castor repete o poema aqui apresentado que, segundo
ele, é velho e costuma ser cantado pelo povo de Nárnia. Esses versos
assemelham-se a uma profecia
61
, pois proclamam um fato certo que
acontecerá em um futuro.
O texto bíblico de Apocalipse é escrito a partir de uma visão ou,
como o próprio livro anuncia, uma revelação de Jesus para que João,
autor do livro, anunciasse aos homens as coisas que num futuro próximo
iriam acontecer. O propósito desse livro é anunciar a pessoa de Cristo
como o Redentor do mundo, como conquistador do mal. O texto do
profeta Sofonias (3.15), de modo semelhante, prevê o dia em que o Se-
nhor estará no meio do povo, aniquilando o mal.
Desse modo, é possível observa um paralelo entre os contextos
do discurso, e o tipo de texto, que é o profético. Portanto, observa-se,
aqui, uma intertextualidade ativa, implícita, temática e alusão literária
61
Profecia, segundo HOUAISS (2009) significa: “predição do futuro que se crê de inspiração
divina, vaticínio; anúncio de um acontecimento futuro feito por conjetura.
90
XV. A TRAIÇÃO DE JUDAS
p. 25: “Everyone stared in amazement. "Don't you understand?" said Mr
Beaver. "He's gone to her, to the White Witch. He has betrayed us
all."”
“"Then mark my words," said Mr Beaver, "he has already met the White
Witch and joined her side, and been told where she lives. I didn't like to
mention it before (he being your brother and all) but the moment I set
eyes on that brother of yours I said to myself 'Treacherous'. He had the
look of one who has been with the Witch and eaten her food.”
Lc 6:16: And Judas the brother of James, and Judas Iscariot, which
also was the traitor. (KJV)
Jo 13.1-11; 13.21-30; 18.2; Mc 3.19
Judas foi um apóstolo escolhido por Jesus para com ele andar e
que constituiria o grupo dos discípulos que, no futuro, seria o alicerce da
igreja (Ef 2.20). O texto de João, capítulo 13 narra uma ceia, que ante-
cedeu a Festa da Páscoa, em que Jesus lavou e enxugou os pés dos dis-
cípulos, num simbolismo do batismo de Cristo na cruz, que “lavaria” o
ser humano. Durante esse acontecimento, o discípulo Pedro que, anteri-
ormente não queria que Jesus se humilhasse, lavando seus pés, ao en-
tender que esse ato o unia a Jesus, pediu que, então, não somente seus
pés, como também suas mãos e sua cabeça fossem lavadas. Jesus, então,
lhe diz que aquele que se banhou precisa lavar os pés e, logo em
seguida, completa com as palavras: “Ora, vós estais limpos, mas não
todos”. E o narrador completa, afirmando, “Pois ele sabia quem era o
traidor”. Judas fazia parte de um grupo seleto, que andava, comia e be-
bia com Jesus, que ouvia as histórias, as parábolas, as exposições do
mestre e que presenciava a bondade e o amor de Cristo pelos homens,
mulheres e crianças que o procuravam, bem como seus milagres. Judas
tinha um mau caráter e, segundo João 12.1-8, era falso e ladrão. Na ceia
acima mencionada, o narrador relata que Satanás entrou em Judas, que
logo saiu daquela reunião e foi atrás dos guardas a quem delatou Jesus.
Edmundo, um dos quatro humanos a entrar em Nárnia, poderia se
sentar em um dos quatro tronos e participar do estabelecimento da paz
ali naquela terra. No entanto, caiu no assédio da Feiticeira Branca traiu
os próprios irmãos e colocou em grande risco o destino da floresta e de
todos os seres que ali habitavam.
A traição se apresenta como tema paralelo nos dois textos aqui
comparados, estabelecendo-se uma intertextualidade ativa, implícita,
temática e alusão literária.
91
XVI. DESEJO DE PODER, DE GRANDEZA E GANÂNCIA E A
CORRUPÇÃO DO SER HUMANO, CAUSADA PELO
PODER
p.27: “"When I'm King of Narnia the first thing I shall do will be to
make some decent roads." And of course that set him off thinking about
being a King and all the other things he would do and this cheered him
up a good deal. He had just settled in his mind what sort of palace he
would have and how many cars and all about his private cinema and
where the principal railways would run and what laws he would make
against beavers and dams and was putting the finishing touches to some
schemes for keeping Peter in his place…”
Hc 1.11: Then shall his mind change, and he shall pass over, and offend,
imputing this his power unto his god.(KJV)
Jó 21.7; Pv 1.11-19
Jr 45.5; Mt 6.19-21 (relação por oposição)
Lewis apresenta neste trecho a tendência humana ao desejo de
poder (e de abuso do poder!), de grandeza, e, ainda, ao egoísmo. O nar-
rador, neste mesmo parágrafo afirma ter certeza de que Pedro, em meio
ao frio e à solidão, poderia até ter desistido de procurar a feiticeira; no
entanto, não desistiu pois foi seduzido pela imaginação de sua vida
no momento em que seria um rei. Esse desejo de ser rei levou-o à trai-
ção, a atitudes negativas e à culpa pela própria traição.
Vários textos bíblicos apontam para essas mesmas características
humanas apontadas no parágrafo anterior e aquele de Habacuque 1.11
indica o estado de culpa em que chega o ser que abusa do poder, como
se pode mais facilmente perceber, pela Nova Versão Internacional, em
inglês: “Then they sweep past like the wind and go on— guilty men,
whose own strength is their god”.
Desse modo, é possível entrever, aqui, uma intertextualidade ati-
va, implícita, temática e alusão literária.
XVII. A PRESENÇA SOLENE DE DEUS E O TEMOR DE SE
OLHAR PARA ELE
p. 37: “But as for Aslan himself, the Beavers and the children didn't
know what to do or say when they saw him. People who have not been
in Narnia sometimes think that a thing cannot be good and terrible at the
same time. If the children had ever thought so, they were cured of it
92
now. For when they tried to look at Aslan's face they just caught a
glimpse of the golden mane and the great, royal, solemn, overwhelming
eyes; and then they found they couldn't look at him and went all
trembly.”
Ex 3.4-6: And when the LORD saw that he turned aside to see, God
called unto him out of the midst of the bush, and said, Moses, Moses.
And he said, Here am I.
5
And he said, Draw not nigh hither: put off thy
shoes from off thy feet, for the place whereon thou standest is holy
ground. Moreover he said, I am the God of thy father, the God of Abra-
ham, the God of Isaac, and the God of Jacob. And Moses hid his face;
for he was afraid to look upon God. (KJV)
Gn 28.16-17; Ed 9.15
Esses dois excertos se assemelham pelo tema, que ambos des-
crevem seres Deus e Aslam cheios de autoridade, cujas presenças
despertam sentimentos de temor, embora se saiba que são um seres
bons; ambas as narrativas demonstram que era difícil olhar para esses
seres, embora se conhecesse sua bondade. Deste modo, é possível ob-
servar uma intertextualidade ativa, implícita, temática e alusão literária.
XVIII. PRIMOGENITURA
p. 38: "That, O Man," said Aslan, "is Cair Paravel of the four thrones, in
one of which you must sit as King. I show it to you because you are the
first-born and you will be High King over all the rest."
Sl 89.27: Also I will make him my firstborn, higher than the kings of
the earth. (KJV)
Gn 25.31; 27.36;43.33; Cl 1.15
A questão da primogenitura é recorrente nos textos bíblicos, e se
inicia em Gênesis 25.31, com a narrativa de Esaú e Jacó, quando o pri-
meiro vende seu direito de primogenitura em troco de um prato de lenti-
lhas. Em algumas culturas, como na judaica, a primogenitura é uma
posição especial de honra e prerrogativa reservada ao filho mais velho.
De acordo com o texto bíblico, o filho mais velho tinha direito à porção
dobrada de tudo que o pai possuía (Dt 21.17).
Quando Aslam conversa, em particular, com Pedro, ele, de certa
forma, está colocando Pedro em uma posição privilegiada, por ser o
único ou o primeiro a receber essa informação. Além disso, o leão é bem
claro ao indicar a posição especial de Pedro, como rei sobre tudo e to-
93
dos. Ainda, ambos os textos oferecem uma ligação entre primogênito e
rei.
Por essas razões é que afirmo a possível leitura do texto de Lewis
como uma intertextualidade ativa, implícita, temática/estrutural, e alusão
literária.
XIX. SANGUE E ALIANÇA
p. 42: “"Tell you?" said the Witch, her voice growing suddenly shriller."
Tell you what is written on the very Table of Stone which stands beside
us? Tell you what is written in letters deep as a spear is long on the fire-
stones on the Secret Hill? Tell you what is engraved on the sceptre of
the Emperor-beyond-the-Sea? You at least know the Magic which the
Emperor put into Narnia at the very beginning. You know that every
traitor belongs to me as my lawful prey and that for every treachery I
have a right to a kill."
"Oh," said Mr Beaver. "So that's how you came to imagine yourself a
queen – because you were the Emperor's hangman. I see."
"Peace, Beaver," said Aslan, with a very low growl.
"And so," continued the Witch, "that human creature is mine. His life is
forfeit to me. His blood is my property."
"Come and take it then," said the Bull with the man's head, in a great
bellowing voice.
"Fool," said the Witch with a savage smile that was almost a snarl, "do
you really think your master can rob me of my rights by mere force? He
knows the Deep Magic better than that. He knows that unless I have
blood as the Law says, all Narnia will be overturned and perish in fire
and water."
Lv 17.11: For the life of the flesh is in the blood: and I have given it to
you upon the altar to make an atonement for your souls: for it is the
blood that maketh an atonement for the soul.. (KJV)
Ex 24.8; 29.12; Lv 16.14; Jo 6.53; Hb 10.29; Mc 15.29; Lc 22.6;
Ap 12.11
De acordo com as Escrituras bíblicas, não é possível haver expia-
ção pelo pecado sem o sacrifício de uma vida, que, em seus textos, era
representada, de forma visível, pelo sangue. Assim, a apresentação do
sangue oferecia prova, aceitável diante de Deus, de que uma vida havia
sido sacrificada. O ato de derramamento de sangue de Jesus satisfez as
condições, para sempre, que a justiça divina, segundo a Bíblia, requer
para a salvação dos seres humanos. João, autor do texto de Apocalipse
94
12.11, após relatar a peleja ocorrida nos céus entre Miguel com seus
anjos e o grande dragão e a serpente (que é Satanás), afirma que “Eles,
pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da pala-
vra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram
a própria vida.”
O conto de Lewis usa o mesmo elemento – o sangue como pre-
ço para a traição. Cada vez que alguém cometer um ato de traição, uma
vida deverá ser tirada, como pagamento pela falta. Isso é uma lei de
Nárnia, que está gravada em diversos locais importantes. E, caso não
haja o sacrifício de uma vida, a terra de Nárnia perecerá sob o fogo e a
água. A feiticeira, nesse excerto, está cobrando a execução dessa lei,
pois Edmundo agiu de forma traiçoeira e, portanto, é preciso que pague
com a sua vida.
Assim, observa-se uma intertextualidade ativa, implícita, temática
e alusão literária.
XX. SERIA JESUS UM ESPÍRITO/FANTASMA?
p. 43: "You're not – not a –?" asked Susan in a shaky voice. She couldn't
bring herself to say the word ghost.
Luke 24:37: But they were terrified and affrighted, and supposed that
they had seen a spirit. (KJV)
O livro bíblico de Lucas e de João narram o momento em que Je-
sus, após ter ressuscitado, aparece no meio de seus discípulos, que esta-
vam dentro de uma casa, com as portas trancadas, que tinham medo
dos judeus. Em um determinado momento, Jesus apareceu no meio de-
les, deixando-os ao mesmo tempo surpresos e atemorizados, pois, pen-
savam estar vendo um espírito, ou, um fantasma, de acordo com algu-
mas traduções, como, aquela da Nova Versão Internacional: “They were
startled and frightened, thinking they saw a ghost.
Susana e Lúcia, no momento em que escutam um barulho fortís-
simo, correm para o lado em que está a Mesa de Pedra, onde o leão foi
morto. Vêem, então, a mesa partida em dois pedaços, de fora a fora,
porém, Aslam não está mais ali. Uma das meninas pergunta se aquilo
seria mágica e, para sua grande surpresa, uma voz por detrás delas res-
ponde que aquilo era mais mágica. É então que elas se voltam e vêem
Aslam, totalmente restaurado, balançando sua juba enorme. Nesse mo-
mento é que Susan balbucia e não consegue completar a frase com a
palavra que gostaria de dizerghost. E, então, o narrador conta ao leitor
que a menina não conseguiu pronunciar tal palavra.
95
O momento em que ambas as cenas se passam, pós-ressurreição,
o estado emocional dos personagens, de medo, tristeza, dentre outros
aspectos, oferece semelhanças entre os dois textos, de modo que, é pos-
sível observar uma intertextualidade ativa, implícita, temática, e alusão
literária.
XXI. CHORO DAS MULHERES PELA MORTE DE JESUS
p. 46: “As soon as the wood was silent again Susan and Lucy crept out
onto the open hill-top. The moon was getting low and thin clouds were
passing across her, but still they could see the shape of the Lion lying
dead in his bonds. And down they both knelt in the wet grass and kissed
his cold face and stroked his beautiful fur what was left of it and
cried till they could cry no more. And then they looked at each other
and held each other's hands for mere loneliness and cried again; and
then again were silent.”
Jo 20.11: But Mary stood without at the sepulchre weeping: and as she
wept, she stooped down, and looked into the sepulcher […] (KJV)
Lc 23.28
Os quatro Evangelhos bíblicos confirmam a presença de mulheres
durante o acontecimento da crucificação, da morte e da ressurreição de
Jesus. O livro de João, capítulo 20, relata que dentre essas mulheres,
Maria “permanecia junto à entrada do túmulo, chorando”. A multidão já
não mais estava no local onde o corpo de Jesus estava, porém, Maria
retornou ao sepulcro, de madrugada, enquanto ainda estava escuro.
A narrativa de Lewis apresenta as duas meninas, Susan e Lucy,
escondidas, chorando pela sua morte. De modo semelhante ao da narra-
tiva bíblica, as meninas permanecem perto do local onde jaz o leão.
Além disso, o cenário da crônica descreve o momento como sendo noi-
te.
Portanto, é possível detectar uma intertextualidade ativa, implíci-
ta, temática e alusão literária.
XXII. MILAGRE DE JESUS PROVENDO ALIMENTO PARA
MULTIDÕES
p. 53: “How Aslan provided food for them all I don't know; but
somehow or other they found themselves all sitting down on the grass to
a fine high tea at about eight o'clock.”
96
Mt 14.17: But Jesus said unto them, They need not depart; give ye them
to eat. And they say unto him, We have here but five loaves, and two
fishes. He said, Bring them hither to me. And he commanded the multi-
tude to sit down on the grass, and took the five loaves, and the two fish-
es, and looking up to heaven, he blessed, and brake, and gave the loaves
to his disciples, and the disciples to the multitude. And they did all eat,
and were filled: and they took up of the fragments that remained twelve
baskets full. (KJV)
Mc 6.38; Lc 9.13; Jo 6.9
Esse jantar em Nárnia ocorre no capítulo final da narrativa, após
o término da batalha final, em que a feiticeira e seus seguidores são
derrotados. O cenário é o de um campo, num local alto. um grande
número de seres vivos, que participaram da batalha. Após o término da
batalha, Edmundo e muitos outros seguidores de Aslam estão gravemen-
te feridos. Lúcia, que tem em mãos um licor precioso, que fora presente
do Papai Noel, começa a tratar dos enfermos e a curá-los, usando seu
licor, enquanto Aslam devolve a vida às estátuas. Durante meia hora os
dois trabalham incessantemente. Ali, onde passarão a noite, tomam essa
refeição, providenciada por Aslam.
O cenário dos textos bíblicos aqui citados é, também, o de um
campo, pois os seguidores de Jesus se assentam sobre a relva verde. Há
uma multidão reunida, que deseja ouvir Jesus e, também, receber sua
cura. O texto de Lucas 9.11 afirma que Jesus, “socorria os que tinham
necessidade de cura”. O momento é, também, o anoitecer.
Portanto, apresenta-se, aqui, uma intertextualidade ativa, implíci-
ta, temática e alusão literária.
XXIII. A RESSURREIÇÃO DE JESUS
p. 47: They walked to the eastern edge of the hill and looked down. The
one big star had almost disappeared. The country, all looked dark grey,
but beyond, at the very end of the world, the sea showed pale. The sky
began to turn red. They walked to and fro more times than they could
count between the dead Aslan and the eastern ridge, trying to keep
warm; and oh, how tired their legs felt. Then at last, as they stood for a
moment looking out towards the sea and Cair Paravel (which they could
now just make out) the red turned to gold along the line where the sea
and the sky met and very slowly up came the edge of the sun. At that
moment they heard from behind them a loud noise a great cracking,
deafening noise as if a giant had broken a giant's plate.
97
"Oh, Aslan!" cried both the children, staring up at him, almost as much
frightened as they were glad. "Aren't you dead then, dear Aslan?" said
Lucy.
"Not now," said Aslan.
"You're not – not a – ?" asked Susan in a shaky voice. She couldn't bring
herself to say the word ghost. Aslan stooped his golden head and licked
her forehead. The warmth of his breath and a rich sort of smell that
seemed to hang about his hair came all over her.
"Do I look it?" he said.”
Mt 28.5-6: And the angel answered and said unto the women, Fear not
ye: for I know that ye seek Jesus, which was crucified. He is not here:
for he is risen, as he said. Come, see the place where the Lord lay.
(KJV)
Mc16.1-8; Lc 24.1-10; Jo 20.1
A narrativa bíblica encontrada nos quatro primeiros livros do No-
vo Testamento apresenta os momentos que sucederam a morte de Cristo,
até aquele de sua ressurreição. Além do tema, em consonância com o
fragmento de Lewis, encontram-se alguns outros aspectos, dentre eles, o
barulho ensurdecedor, da narrativa de Lewis e o terremoto, da narrativa
bíblica, a presença das meninas, velando o corpo de Aslam e a presença
das mulheres, ao lado do túmulo de Jesus. Além disso, o texto narniano
revela duas meninas amedrontadas, diante do leão, agora, ressuscitado, e
o texto de Marcos, revela que as mulheres que foram ao túmulo “fugi-
ram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e de assombração”
(Mc 16.8). Além dessas, outras semelhanças, algumas das quais serão
descritas posteriormente, podem ser identificadas nesses textos.
Portanto, por meio do tema, desses outros detalhes identificados
no parágrafo anterior, pode-se identificar uma intertextualidade ativa,
implícita, temática, e alusão literária.
Assim, até aqui, o trabalho se constituiu no reconhecimento de re-
ferentes intertextuais e na observação da ligação desses referentes com
seus pré-textos. Vinte e três intertextualidades bíblicas foram destacadas
e observou-se que todas funcionam como ativas, pois revolvem, no lei-
tor, “conhecimentos e sistemas de crença que vão além do próprio texto
(HATIM e MASON, 1990, p. 125) de Lewis, alcançando textos bíbli-
cos. Além disso, em suas relações com os outros textos, pertencem à
categoria da alusão literária, já que se referem, que ecoam textos de uma
obra renomada, célebre, que é a Bíblia. Mais ainda, ao se refletir a res-
peito dos relacionamentos estabelecidos entre textos, esses referentes
intertextuais se colocam na categoria temática ou de tópico, pois resso-
98
am temas ou tópicos de narrativas bíblicas. E, por último, são implícitos
já que o autor não faz referência ou citação explícita dos textos bíblicos;
alguns desses referentes são mais fáceis de serem reconhecidos e outros,
apresentam-se de modo mais sutil.
4.5 Os Procedimentos na Tradução das Intertextualidades
No tópico anterior, por meio de vinte e três excertos, cada um de-
les categorizados como uma intertextualidade ativa, alusão literária,
temática ou de tópico e implícita, procurei exemplificar uma possível
aproximação do texto de Lewis com o texto bíblico.
Para descrever os procedimentos adotados ao traduzir esses refe-
rentes intertextuais bíblicos, observo a questão do “espaço intertextu-
al”
62
de HATIM e MASON (1990, tradução minha). Estes autores suge-
rem que entre o grupo de ocorrências do pré-texto e o do texto alvo
um espaço. É nesse espaço, ou seja, nessa área semiótica, que se encon-
tram os caminhos utilizados pelos signos intertextuais e é nesse espaço
que os leitores avaliam o status semiótico do referente intertextual. Isso
posto, os autores sugerem as seguintes questões cujas respostas poderão
formar a base de uma tradução inter-semiótica de referentes intertextu-
ais: (i) Qual é o status informacional de um referente na transação co-
municativa (aspectos do campo, do modo, do tom, do tempo, do lugar,
etc)? (ii) Qual é o status intencional do referente em questão como ação?
e (iii) Qual é o status semiótico do referente como um signo de “intera-
ção”com os outros signos? (HATIM e MASON, 1990, tradução minha).
Os teóricos esclarecem que a primeira questão aborda a forma do signo
intertextual, a segunda, refere-se à função
63
do signo e a última, lida
com a prioridade de uma sobre a outra na produção do signo. No entan-
to, é sobre a entidade do signo como construto que a decisão final recai.
Desse modo, torna-se primordial observar e/ou descrever se o tradutor
faz ou não mudança na forma, no conteúdo ou nas duas e, ainda, caso
haja mudanças, em que proporção as mesmas ocorrem.
Com base nesse modelo dos autores citados, procuro, a seguir,
descrever, a partir dessas perguntas, que aspectos do referente intertex-
tual ou, do signo, o tradutor reteve e quais ele retirou, se o tradutor prio-
rizou a informação ou a intenção, além de manter ou não a coerência.
Portanto, essa descrição será feita tendo em vista dois grupos de elemen-
62
Intertextual space, p. 134.
63
HATIM e MASON (1990, p. 135) empregam, neste tópico, os vocábulos
function e content como sinônimos.
99
tos (p. 134) sendo que o primeiro contém aqueles do sistema linguístico
de fato - palavra, sentença, frase e seqüência frasal e o segundo, que
inclui unidades do sistema semiótico como o gênero textual, o gênero
discursivo e a tipologia textual.
Seguindo parte do modelo sugerido pelos mesmos autores, apon-
tamos os seguintes procedimentos a serem analisados nos referentes
coletados:
1) Retenção do status semiótico, ou seja, da disposição do texto
(das relações sintático-semióticas);
2) Retenção da intencionalidade;
3) Retenção dos dispositivos linguísticos que sustentam a coerên-
cia;
4) Preservação, se possível, do status informacional;
5) Preservação, se possível, do status extra-linguístico, ou seja, da
disposição gráfica (posição das ilustrações, formatos de letras: itálico ou
não, negrito ou simples, tamanho de margens etc.) com vistas ao públi-
co-alvo.
Assim, apresento abaixo, a seqüência numerada em algarismos
romanos, vinte e três referentes intertextuais no TT, em ordem de sua
aparição na narrativa, os mesmos referentes no TF, a numeração de 1 a
5, relativa ao modelo descrito no parágrafo anterior, e as letras S ou N,
para “sime “não”, dependendo de o tradutor ter ou não retido ou pre-
servado os elementos ou status.
Creio ser importante esclarecer que, embora apresente SIM e
NÃO, vocábulos bem definidos, ao classificar os referentes intertextu-
ais, a intenção aqui é de apenas facilitar a análise que não seria sob uma
perspectiva binária. Na verdade, se fosse caracterizar os referentes em
um eixo de cor cujos extremos fossem o preto e o branco, é possível que
muito deles se posicionassem num cinza chumbo ou num gelo ao invés
de nos extremos. Em alguns referentes, alguns procedimentos foram,
apenas em parte, modificados.
I. DIMENSÃO DIVINA E HUMANA DE TEMPO
TT TF
– Exatamente o que eu disse. En-
trei no guarda-roupa logo depois
do café. Fiquei fora muito tempo,
tomei chá... Aconteceram muitas
outras coisas.
“"What I said," answered Lucy.
"It was just after breakfast when I
went into the wardrobe, and I've
been away for hours and hours,
and had tea, and all sorts of
things have happened."
100
– Não fique bancando a boboca,
Lúcia – disse Susana. – Saímos da
sala agora mesmo e você ainda
estava lá.
"Don't be silly, Lucy," said Su-
san. "We've only just come out of
that room a moment ago, and you
were there then."
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
O tradutor manteve o status semiótico (1), reteve a intencionali-
dade (2), reteve os dispositivos linguísticos (3), preservou o status in-
formacional (4) e preservou o status extra-linguístico (5).
II. PERSONAGEM EDMUNDO
TT TF
Até aquele instante, Edmundo
tinha-se sentido mal disposto,
mal-humorado, aborrecido com
Lúcia, porque ela estava certa:
mas não tinha resolvido o que
fazer. Porém, diante da pergunta
de Pedro, decidiu fazer a coisa
mais mesquinha e mais ordinária
de que se poderia ter lembrado.
Decidiu humilhar Lúcia..
Up to that moment Edmund had
been feeling sick, and sulky, and
annoyed with Lucy for being
right, but he hadn't made up his
mind what to do. When Peter
suddenly asked him the question
he decided all at once to do the
meanest and most spiteful thing
he could think of. He decided to
let Lucy down.
1 S (em parte)
2 S (em parte)
3 S
4 S
5 S
Nesse fragmento, a tradução retém o status semiótico (1) que o
tradutor mantém a prioridade do conteúdo sobre a forma, comunicando
a idéia do desenvolvimento do sentimento negativo na personagem Ed-
mundo. No entanto, o tradutor faz opções morfológicas diferentes,
101
que o original apresenta a conjunção “and” duas vezes, ligando termos
semelhantes que são “sick”, “sulky”, “annoyed”; ao usar uma conjunção
coordenativa aditiva, Lewis dá a idéia de algo sendo acrescentado, cres-
cente, até parar, no momento em que uma conjunção coordenativa ad-
versativa surge, o “but”. O tradutor preferiu usar vírgulas, o que, em
geral, é mais comum na língua portuguesa, mesmo que a idéia seja de
adição, e usou a mesma adversativa “mas”.
Na frase seguinte, o original usa “When”, uma conjunção subor-
dinativa temporal, sugerindo tempo, enquanto o tradutor opta por “Po-
rém”, uma conjunção coordenativa adversativa. Além disso, a tradução
extinguiu o advérbio “suddenly” que, expressa circunstância de tempo e,
em sua função de advérbio, caracteriza o processo verbal a tomada de
decisão de Edmundo. Aparentemente, não me parece que o conteúdo
tenha ficado tão alterado na tradução. DURIEZ (2005) comenta a ques-
tão da retomada de consciência, que é uma instância importante da cate-
goria do reconhecimento. O reconhecimento é um momento chave na
visão de Lewis e de Tolkien. Segundo DURIEZ (2005, p. 104), “conec-
tado à modelagem imaginativa da percepção temos o reconhecimento. A
premissa por trás do reconhecimento é que vivemos em um mundo mo-
delado por histórias”. Esse reconhecimento se dá no momento em que se
percebe que “alguém está dentro de uma história de algum tipo” (p.
105). A retomada da consciência tem implicações teológicas e era um
dos temas preferidos de Lewis. Mais adiante, em O Leão, a Feiticeira e
o Guarda-Roupa, Edmundo, depois de trair os próprios irmãos, retoma-
a consciência ao perceber quem, de fato, a feiticeira é. Mais ainda, a
expressão “all at once”, da mesma forma que “suddenly”, relaciona-se
com o modo repentino de uma tomada de decisão por parte de Edmun-
do. Se levarmos em conta esse aspecto, talvez, possamos dizer que o
tradutor não reteve totalmente a intencionalidade (2).
A tradução retém o dispositivo lingüístico (3), o status informaci-
onal (4) e o status extra-linguístico (5).
III. SON OF ADAM, DAUGHTER OF EVE
TT TF
Desculpe, não quero bancar o
intrometido, mas você é uma
Filha de Eva? Ou estou engana-
do?
Meu nome é Lúcia disse ela,
"Excuse me I don't want to be
inquisitive but should I be right
in thinking that you are a Daugh-
ter of Eve?"
"My name's Lucy," said she, not
102
sem entender direito.
– Mas você é, desculpe, o que
chamam de menina?
– Claro que sou uma menina –
respondeu Lúcia.
– Então é de fato humana?
Evidente que sou humana!
disse Lúcia, bastante admirada.
É claro, é claro – disse o fauno.
Que besteira a minha! Mas eu
nunca tinha visto um Filho de
Adão ou uma Filha de Eva.”
quite understanding him.
"But you are forgive me you
are what they call a girl?" said the
Faun.
"Of course I'm a girl," said Lucy.
"You are in fact Human?"
"Of course I'm human," said Lucy,
still a little puzzled.
"To be sure, to be sure," said the
Faun. "How stupid of me! But I've
never seen a Son of Adam or a
Daughter of Eve before.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), também, por meio do di-
álogo.
Retém, ainda, a intencionalidade (2), que seria, dentre outras, a de
revelar, posteriormente, a salvação da terra de Nárnia por meio de hu-
manos, o que, no contexto bíblico, seria Jesus – homem; além disso, fica
bem explícita também, a intenção do autor de expor a possibilidade de
se mesclar seres humanos com animais falantes em um mesmo mundo,
num “amálgama de coisas distintas” (BROWN, 2006, p. 58).
Quanto aos dispositivos linguísticos (3), o tradutor os retêm, ex-
ceto pelas vírgulas usadas no lugar do hífen na primeira e terceira fala.
O status informacional (4), da mesma forma que no TF, não é ex-
plícito no TT, que ambos usam apenas “Filha de Eva” e “Filho de
Adão”, sem quaisquer outras informações a respeito das expressões. No
entanto, o leitor em cujo repertório conste a história cristã da formação
do mundo, poderá ir além.
A tradução preserva o status extra-linguístico (5).
103
IV. ETERNO INVERNO
TT TF
Mas em Nárnia
m-
pre inverno, e muito tempo.
Aliás, vamos apanhar um resfria-
do se ficarmos aqui conversando
debaixo da neve. Filha de Eva das
terras longínquas de Sala Vazia,
onde reina o verão eterno da bela
cidade de Guarda-Roupa, que tal
se a gente tomasse uma xícara de
chá?
“Meanwhile," said Mr
Tumnus, "it is winter in Narnia,
and has been for ever so long, and
we shall both catch cold if we
stand here talking in the snow.
Daughter of Eve from the far land
of Spare Oom where eternal
summer reigns around the bright
city of War Drobe, how would it
be if you came and had tea with
me?"
1 S (em parte)
2 S
3 S
4 S
5 S
Meanwhile, em português, na função de advérbio, seria, de acor-
do com o dicionário Barsa: entretanto, entrementes, por enquanto, en-
quanto isso. A opção no TT é pelo vocábulo sempre. Assim, a tradução
retém o status semiótico (1), exceto por essa palavra.
A tradução retém a intencionalidade (2), bem como os dispositi-
vos linguísticos (3) que sustentam a coerência.
O status informacional (4) no TT, da mesma forma que no TF, foi
expresso, porém, não de modo evidente, que não fica explícita a idéia
de intertextualidade temática de haver inverno quando uma determi-
nada terra é dominada pela Feiticeira e de que, quando a mesma terra
está sob o domínio de Aslam, há primavera também.
O tradutor preservou o status extra-linguístico (5).
V. NARRATIVA DA TRANSFORMAÇÃO DE ÁGUA EM VINHO
TT TF
Sabia histórias maravilhosas da
vida na floresta. Falou das danças
da meia-noite; contou como as
ninfas, que vivem nas fontes, e as
dríades, que vivem nos bosques,
He had wonderful tales to tell of
life in the forest. He told about
the midnight dances and how the
Nymphs who lived in the wells
and the Dryads who lived in the
104
aparecem para dançar com os
faunos. Falou das intermináveis
caçadas ao Veado Branco, branco
como leite, que, se for apanhado,
permite que a pessoa realize todos
os desejos. E dos banquetes, e dos
bravos Anões Vermelhos procu-
rando tesouros nas minas profun-
das e nas grutas. Depois falou do
verão, quando os bosques eram
verdes e o velho Sileno vinha
visitá-los num jumento enorme, e,
algumas vezes, até o próprio Baco.
Então corria vinho nos riachos,
em vez de água, e toda a floresta
ficava em festa durante semanas. –
Infelizmente agora é sempre in-
verno acrescentou o fauno, tris-
temente.
trees came out to dance with the
Fauns; about long hunting parties
after the milk-white stag who
could give you wishes if you
caught him; about feasting and
treasure-seeking with the wild
Red Dwarfs in deep mines and
caverns far beneath the forest
floor; and then about summer
when the woods were green and
old Silenus on his fat donkey
would come to visit them, and
sometimes Bacchus himself, and
then the streams would run with
wine instead of water and the
whole forest would give itself up
to jollification for weeks on end.
"Not that it isn't always winter
now," he added gloomily.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3) que aqui, é a palavra “instead”, retém, em
parte, o status informacional (4) e preserva o status extra-linguístico (5).
O termo good news, em geral, é traduzido para os textos bíblicos
como “boas-novas”; ao leitor que tem conhecimento bíblico, o termo
logo remeterá às boas-novas anunciadas na Bíblia. Porém, o tradutor
preferiu, conscientemente ou não, a expressão “notícias maravilhosas”,
não retendo, dessa forma, a intencionalidade.
VI. “VER ESTE DIA”
TT TF
Chegamos, Sra Castor disse o
marido. – Chegaram os Filhos e as
Filhas de Adão e Eva.
"Here we are, Mrs Beaver," said Mr
Beaver, "I've found them. Here are
the Sons and Daughters of Adam
and Eve" – and they all went in.
105
Logo ao entrar, a atenção de Lú-
cia foi despertada por um som
metálico, e a primeira coisa que
viu foi a Sra Castor, uma velhinha
de ar bondoso, sentada de linha na
boca, trabalhando a valer na má-
quina de costura. Era de que
vinha o som. Parou com o trabalho
e levantou-se.
Ah, chegaram finalmente!
disse ela, juntando as patas enru-
gadas. Finalmente! E pensar que
eu ainda iria viver para ver este
dia!
The first thing Lucy noticed as
she went in was a burring sound,
and the first thing she saw was a
kind-looking old she-beaver sit-
ting in the corner with a thread in
her mouth working busily at her
sewing machine, and it was from
it that the sound came. She
stopped her work and got up as
soon as the children came in.
"So you've come at last!" she
said, holding out both her wrin-
kled old paws. "At last! To think
that ever I should live to see this
day!"
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
Quanto ao status semiótico, o TF dá prioridade ao conteúdo sobre
a forma, que não apresenta forma idêntica a nenhum dos dois textos
bíblicos a que alude. O texto de Jo 8.56 apresenta my day e o Cântico de
Simeão, em Lc 2.30 é, “porque os meus olhos viram a tua salvação”.
No entanto, o tradutor reteve a prioridade do conteúdo sobre a forma (1).
A intencionalidade (2), o dispositivo lingüístico (3), o status informaci-
onal (4) e o extra lingüístico são, também, mantidos.
VII. JESUS, O LEÃO DE JUDÁ
TT TF
Aslam, um homem! – disse o
Sr. Castor, muito sério. Não,
não. Não lhes disse eu que ele é o
Rei dos Bosques, filho do grande
Imperador de Além-Mar? Então
não sabem quem é o rei dos ani-
mais? Aslam é um leão... o Leão,
o grande Leão!
"Aslan a man!" said Mr Beaver
sternly. "Certainly not. I tell you
he is the King of the wood and the
son of the great Emperor-beyond-
the-Sea. Don't you know who is
the King of Beasts? Aslan is a
lion – the Lion, the great Lion."
106
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3); o status informacional (4) é acompanha o
mesmo do TF, ou seja, as informações para que se chegue ao texto bí-
blico estão bem difusas. O texto bíblico que apresenta Cristo como leão
é o de Ap 5.5. De fato, Jesus teria que pertencer à linhagem de Davi, de
acordo com vários textos do Novo Testamento (Mt1.1,20; 9.27; 12.23;
15.22; 20.30; 21.9, 15; 22.43,45, Rm 1.3; 2Tm 2.8). Além desses textos,
as tradições judaicas, de igual modo, apontam para o fato de ser o Mes-
sias um descendente do Rei Davi, razão pela qual Cristo era chamado de
Rei. CHAMPLIN (sem data, vol 6, p. 453) observa que, na qualidade de
leão da tribo de linhagem real, Cristo tem muito poder e pode realizar
qualquer tarefa que lhe seja determinada, inclusive aquela de ser o Ca-
beça de todos os homens, bem como de abrir o selos do livro de Apoca-
lipse. Desse modo, Lewis não preserva as informações contidas no pré-
texto, muito embora apresente Aslam como o grande Leão e o rei dos
animais.
O texto da tradução de 1982, impressa, apresenta uma diferença,
pois uma das vezes em que o vocábulo “leão” é usado, é com letra mi-
núscula, enquanto no texto digitalizado ele está mais próximo do TF,
com maiúscula. O Sr. Castor, continuando sua explicação sobre a figura
do leão, diz: “[...] Então não sabem quem é o rei dos animais? Aslam é
um leão...aquele leão, o grande Leão!” (LEWIS, 1982, p. 73).
Quanto ao status extra-linguístico (5), Lewis, bem como o tradu-
tor, preservou o caráter escatológico do texto de Apocalipse, que os
animais de Nárnia, em especial os faunos, sempre fizeram comentários
e contavam histórias sobre o dia em que o leão Aslam retornaria para
resgatar sua terra do inverno sem fim e das mãos da feiticeira, dando
início a um novo ciclo, a uma nova era. O fato de Lion e Leão serem
impressos com letra maiúscula imprimem um caráter superior à perso-
nagem de Aslam.
107
VIII. NASCIMENTO DE CRISTO
TT TF
nunca Natal never Christmas
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), que é o da relação entre
conteúdo e forma. Nenhum texto bíblico contém a palavra “Natal”. No
entanto, a cultura cristã usa o vocábulo para indicar tanto o nascimento
de Jesus Cristo como o momento de celebração desse fato, a festa alusi-
va ao mesmo acontecimento. Embora haja controvérsias quanto ao uso
do termo, à celebração, à data específica, o que importa, aqui, é que o
vocábulo “Natal” ou Christmas carrega o tema vinculado ao nascimento
de Cristo, que parece ser aquele aludido por Lewis ao empregar tanto
esse termo como a figura de Papai Noel.
Assim, a tradução retém a intencionalidade (2), o dispositivo lin-
güístico (3), o status informacional (4) e preserva o status extra-
linguístico (5).
IX. JESUS É O FILHO DE DEUS
TT TF
– Aslam, um homem! – disse o
Sr. Castor, muito sério. – Não,
não. Não lhes disse eu que ele é o
Rei dos Bosques, filho do grande
Imperador de Além-Mar? Então
não sabem quem é o rei dos ani-
mais? Aslam é um leão... o Leão,
o grande Leão!
“"Aslan a man!" said Mr Beaver
sternly. "Certainly not. I tell you
he is the King of the wood and
the son of the great Emperor-
beyond-the-Sea. Don't you know
who is the King of Beasts? Aslan
is a lion the Lion, the great
Lion."
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
108
Exceto pelo uso de uma pergunta retórica, opção do tradutor, a
tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o disposi-
tivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status extra-
linguístico (5).
X. TENTATIVA DO INIMIGO DE ENGANAR COM A OFERTA
DE ALIMENTO; NARRATIVA DA SERPENTE E DE EVA
TT TF
– Filho de Adão, gostaria muito de
conhecer seu irmão e suas irmãs.
Você é capaz de trazê-los aqui
para uma visita?
Posso tentar disse Edmundo,
olhando ainda para a caixa vazia.
Porque, se voltar aqui e trouxer
seus irmãos, vou dar-lhe mais
manjar turco. Agora é impossí-
vel, porque o poder mágico só tem
efeito uma vez. Se fosse em minha
casa seria diferente.
[...]
Minha casa? Ah, é um lugar
maravilhoso! Você iria gostar
muito de lá, tenho certeza.
salas e salas cheias de manjar
turco. E, imagine só, eu não tenho
filhos! Quem me dera ter um me-
nino para educar como príncipe, e
que fosse, depois da minha morte,
rei de Nárnia. Enquanto fosse
príncipe, havia de usar uma coroa
de ouro e comer manjar turco o
dia inteirinho. Nunca vi um meni-
no tão inteligente e bonito como
você. Sou capaz de fazê-lo prínci-
pe, um dia, quando conseguir que
os outros me façam uma visita.
“"Son of Adam, I should so much
like to see your brother and your
two sisters. Will you bring them
to see me?"
"I'll try," said Edmund, still look-
ing at the empty box.
"Because, if you did come again
bringing them with you of
course I'd be able to give you
some more Turkish Delight. I
can't do it now, the magic will
only work once. In my own house
it would be another matter;"
[...]
"It is a lovely place, my house,"
said the Queen. "I am sure you
would like it. There are whole
rooms full of Turkish Delight,
and what's more, I have no chil-
dren of my own. I want a nice
boy whom I could bring up as a
Prince and who would be King of
Narnia when I am gone. While he
was Prince he would wear a gold
crown and eat Turkish Delight all
day long; and you are much the
cleverest and handsomest young
man I've ever met. I think I would
like to make you the Prince -some
day, when you bring the others to
visit me."”
1 S (em parte)
109
2 S (em parte)
3 S
4 S
5 S
A tradução retém em parte o status semiótico (1). Creio que o lei-
tor de língua inglesa reconheça, sem qualquer problema, o doce gelati-
noso, coberto com açúcar, chamado de turkish delight. No entanto, a
tradução literal para “manjar turco” ao invés de “goma”, forma como
esse doce é conhecido no Brasil ou, pelo menos, no Estado de São Pau-
lo, onde o livro foi publicado dá prioridade à forma e não ao conteúdo.
Quanto à intencionalidade, embora o leitor do texto em português
não tenha problema em perceber a questão da gulodice, e do fato de
Edmundo ser seduzido pela Feiticeira Branca, por meio de um doce, não
pode perceber que a oferta era a de um doce comum e bem conhecido
por uma criança. Por essa razão, parece que a tradução não retém, em
parte, a intencionalidade (2). Em pesquisa eletrônica, foi possível encon-
trar, para esse tipo de goma, algumas variações como: doce goma, doce
de goma e doce de goma árabe. Ainda, por meio de leituras de sites, em
língua inglesa, sobre alimentos, é provável que o doce Turkish delight
fosse comum na época de 1950.
O tradutor reteve os dispositivos linguísticos (3), reteve o status
informacional (4) e preservou o status extra-linguístico (5).
XI. O NOME DE CRISTO CAUSA SENTIMENTOS DIVERSOS
NAS PESSOAS/ FORÇA E PODER DO NOME DE CRISTO
TT TF
...Ao ouvirem o
nome de A
s
lam
,
os meninos sentiram que dentro
deles algo vibrava intensamente.
Para Edmundo, foi uma sensação
de horror e mistério. Pedro sentiu-
se de repente cheio de coragem.
Para Susana foi como se um aro-
ma delicioso ou uma linda ária
musical pairasse no ar. Lúcia
sentiu-se como quem acorda na
primeira manhã de férias ou no
princípio da primavera.”
At the name of Aslan
each
one of the children felt something
jump in its inside. Edmund felt a
sensation of mysterious horror.
Peter felt suddenly brave and
adventurous. Susan felt as if some
delicious smell or some delightful
strain of music had just floated by
her. And Lucy got the feeling you
have when you wake up in the
morning and realize that it is the
beginning of the holidays or the
beginning of summer.
110
1 S (em parte)
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém, em parte, o status semiótico (1), a intenciona-
lidade (2), o dispositivo lingüístico (3).
O status informacional (4) é preservado; entretanto, como no TF,
a intertextualidade é bem menos explícita e é somente pelo conteúdo
que leva o leitor é levado a pensar na força do nome de Deus.
A tradução preserva o status extra-linguístico (5).
Para causar a sensação gostosa, alegre, de liberdade, de brincadei-
ras ao ar-livre, característica do período de verão na Inglaterra e em
países muito frios, o tradutor optou pelo uso de primavera ao invés de
verão. Talvez pelo caráter mais romântico, mas colorido, mais alegre
que o termo nos sugere. Essa foi, de fato, a única mudança feita quanto
ao léxico.
XII. a. A PROFECIA DA VOLTA DE CRISTO; b. SALVAÇÃO
POR MEIO DE UM SÓ, O REI E IMPOSSIBILIDADE DE
SALVAÇÃO PELO PRÓPRIO HOMEM
TT TF
Aslam?! exclamou o Sr. Cas-
tor. Então não sabem? Aslam é
o rei. É o verdadeiro Senhor dos
Bosques, embora muito
esteja ausente. Desde o tempo do
meu pai e do meu avô. Agora
chegou a notícia de que vai voltar.
Neste momento mesmo está em
Nárnia. Ele dará um jeito na Fei-
ticeira Branca, não se preocupem.
Ele, e não vocês, meus filhos,
de salvar o Sr. Tumnus.
"Aslan?" said Mr Beaver. "Why,
don't you know? He's the King.
He's the Lord of the whole wood,
but not often here, you under-
stand. Never in my time or my
father's time. But the word has
reached us that he has come back.
He is in Narnia at this moment.
He'll settle the White Witch all
right. It is he, not you, who will
save Mr Tumnus."
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
111
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2).
Quanto aos dispositivos linguísticos (3), o tradutor troca Why por
“Então”, He’s the King é traduzido por “Aslam é o rei”, He has come
back por “vai voltar”, no entanto, a coerência é mantida por meio dos
demais dispositivos. O tradutor reteve o status informacional (4) e pre-
servou o status extra-linguístico (5).
XIII. PROFECIA DE QUE A SALVAÇÃO VIRIA POR MEIO DE
UM HOMEM, QUE SE ASSENTARIA NO TRONO
TT TF
Quando a carne de Adão
,
Quando o osso de Adão,
Em Cair Paravel,
No trono sentar,
Então há de chegar
Ao fim a aflição.
When Adam's flesh and Adam's
bone
Sits at Cair Paravel in throne,
The evil time will be over and
done.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status
extra-linguístico (5).
XIV. CRISTO ELIMINARÁ O MAL, O SOFRIMENTO E A
TRISTEZA
TT TF
O mal será bem quando Aslam che-
gar,
Ao seu rugido, a dor fugirá,
Nos seus dentes, o inverno morrerá,
Na sua juba, a flor há de voltar.
Wrong will be right, when Aslan
comes in sight,
At the sound of his roar, sorrows
will be no more,
When he bares his teeth, winter
meets its death,
And when he shakes his mane, we
shall have spring again.
112
– Quando vocês virem Aslam, hão de
entender tudo.
You 'II understand when you see
him."
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), os
dispositivos lingüísticos (3), o status informacional (4) e preserva o
status extra-linguístico (5).
XV. A TRAIÇÃO DE JUDAS
TT TF
Todos arregalaram os olhos, es-
pantados. Não estão entenden-
do? Foi encontrar-se com ela, a
Feiticeira Branca. Traiu-nos a
todos.
Everyone stared in amazement.
"Don't you understand?" said Mr
Beaver. "He's gone to her, to the
White Witch. He has betrayed us
all."
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), os
dispositivos linguísticos (3), exceto o pronome He, que no português
não é necessário nesse tipo de frase. A tradução retém o status informa-
cional (4 e preserva o status extra-linguístico (5).
XVI. DESEJO DE PODER, DE GRANDEZA E GANÂNCIA E A
CORRUPÇÃO DO SER HUMANO, CAUSADA PELO
PODER
TT TF
"
Quando eu for o rei
minha pri-
meira medida vai ser mandar
construir estradas decentes!" Daí,
passou naturalmente a imaginar-
“"
When I'm King of Narnia
the
first thing I shall do will be to
make some decent roads." And of
course that set him off thinking
113
se rei, a pensar nas mil e uma
coisas que haveria de fazer. Sen-
tiu-se até mais animado. Escolheu
o tipo de palácio que mandaria
construir; decidiu de quantos
carros precisava; imaginou todos
os pormenores de seu cinema
particular; estabeleceu por onde
deviam passar as principais linhas
de estrada de ferro; pensou nas
leis que enviaria ao Parlamento
contra os castores e as drogas de
seus diques... Dava os últimos
retoques a algumas medidas in-
dispensáveis para enquadrar Pe-
dro [...]
about being a King and all the
other things he would do and this
cheered him up a good deal. He
had just settled in his mind what
sort of palace he would have and
how many cars and all about his
private cinema and where the
principal railways would run and
what laws he would make against
beavers and dams and was putting
the finishing touches to some
schemes for keeping Peter in his
place […]”
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status
extra-linguístico (5).
XVII. A PRESENÇA SOLENE DE DEUS E O TEMOR DE SE
OLHAR PARA ELE
TT TF
Quanto ao próprio Aslam, nem as
crianças, nem os castores soube-
ram o que fazer ou dizer, ao vê-
lo. Quem nunca esteve em Nárnia
há de achar que uma coisa não
pode ser boa e aterrorizante ao
mesmo tempo. Os meninos enten-
deram logo. Pois, quando tenta-
ram olhar para Aslam de frente,
conseguiram ver de relance a
juba de ouro e uns grandes olhos,
But as for Aslan himself, the
Beavers and the children didn't
know what to do or say when
they saw him. People who have
not been in Narnia sometimes
think that a thing cannot be
good and terrible at the same
time. If the children had ever
thought so, they were cured of it
now. For when they tried to look
at Aslan's face they just caught a
114
régios, soleníssimos, esmagado-
res.
glimpse of the golden mane and
the great, royal, solemn, over-
whelming eyes.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status
extra-linguístico (5).
XVIII. PRIMOGENITURA
TT TF
– Aquilo, ó humano, é Cair Para-
vel, dos quatro tronos, num dos
quais você há de sentar-se como
rei. É o primeiro a vê-lo por ser o
primogênito; e será o Grande
Rei, acima de todos os outros.
"That, O Man," said Aslan, "is
Cair Paravel of the four thrones,
in one of which you must sit as
King. I show it to you because
you are the first-born and you
will be High King over all the
rest."
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status
extra-linguístico (5).
XIX. SANGUE E ALIANÇA
TT TF
Falar-lhe da Magia Profunda?!
Eu?! disse a feiticeira, numa
voz ainda mais aguda. Falar-lhe
do que está escrito nessa Mesa de
Pedra aí ao lado? Falar-lhe do que
"Tell you?" said the Witch, her
voice growing suddenly shriller.
"Tell you what is written on the
very Table of Stone which stands
beside us? Tell you what is writ-
115
está escrito em letras do tamanho
de uma espada, cravadas nas pe-
dras de fogo da Montanha Secre-
ta? Falar-lhe do que está gravado
no cetro do Imperador de Além-
Mar? Se alguém conhece tão bem
quanto eu o poder mágico a que a
Imperador sujeitou Nárnia desde
o principio dos tempos, esse al-
guém é você. Sabe que todo trai-
dor, pela lei, é presa minha, e que
tenho direito de matá-lo!
Ah! disse o Sr. Castor.
estou entendendo por que foi que
você se arvorou em rainha... Você
era o carrasco-mor do Imperador!
Calma, Castor, calma – disse
Aslam, em voz baixa e arrastada.
Portanto continuou a feiticei-
ra, essa criatura humana me
pertence. A vida dela me perten-
ce. Tenho direito ao seu sangue.
Então venha bebê-lo, se for
capaz disse o Touro que tinha
cabeça de homem.
Débil mental! disse a feiticei-
ra, com um riso de fúria que era
quase um grunhido. Está tão
convencido assim de que o seu
senhor me pode privar dos meus
direitos pela força? Ele conhece
bem demais a Magia Profunda
para atrever-se a isso. Sabe que, a
não ser que eu receba o sangue
a que a lei me direito, toda a
terra de Nárnia será subvertida
e perecerá em água e fogo.
ten in letters deep as a spear is
long on the fire-stones on the
Secret Hill? Tell you what is en-
graved on the sceptre of the Em-
peror-beyond-the-Sea? You at
least know the Magic which the
Emperor put into Narnia at the
very beginning. You know that
every traitor belongs to me as my
lawful prey and that for every
treachery I have a right to a kill."
"Oh," said Mr Beaver. "So that's
how you came to imagine your-
self a queen because you were
the Emperor's hangman. I see."
"Peace, Beaver," said Aslan, with
a very low growl.
"And so," continued the Witch,
"that human creature is mine. His
life is forfeit to me. His blood is
my property."
"Come and take it then," said the
Bull with the man's head, in a
great bellowing voice.
"Fool," said the Witch with a
savage smile that was almost a
snarl, "do you really think your
master can rob me of my rights by
mere force? He knows the Deep
Magic better than that. He knows
that unless I have blood as the
Law says, all Narnia will be
overturned and perish in fire
and water."
1 S
2 S
3 S
116
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), embora o vocábulo pro-
priedade seja trocado por tenho direito. A intencionalidade (2), o dispo-
sitivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status ex-
tra-linguístico (5).
XX. SERIA JESUS UM ESPÍRITO/FANTASMA?
TT TF
– Aslam! Aslam! – exclamaram as
meninas, espantadas, a olhar para
ele, ao mesmo tempo assustadas e
felizes. – Você não está morto?
– Agora, não.
– Mas você não é... um... um ...?
Susana, trêmula, não teve a cora-
gem de usar a palavra "fantasma".
Aslam abaixou a cabeça dourada e
lambeu-lhe a testa. O calor de seu
bafo era de criatura viva.”
"Oh, Aslan!" cried both the chil-
dren, staring up at him, almost as
much frightened as they were
glad. "Aren't you dead then, dear
Aslan?" said Lucy.
"Not now," said Aslan.
"You're not – not a – ?" asked
Susan in a shaky voice. She
couldn't bring herself to say the
word ghost. Aslan stooped his
golden head and licked her fore-
head. The warmth of his breath
and a rich sort of smell that
seemed to hang about his hair
came all over her.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
O tradutor manteve o status semiótico (1), reteve a intencionali-
dade (2), reteve os dispositivos linguísticos (3), preservou o status in-
formacional (4), da mesma forma que o escritor no TF e preservou o
status extra-linguístico (5), embora o TT use as aspas Para dar destaque
ao vocábulo fantasma.
117
XXI. CHORO DAS MULHERES PELA MORTE DE JESUS
TT TF
Quando tudo se acalmou, Susa-
na e Lúcia foram para o alto
descoberto da colina. Ainda era
possível distinguir, apesar das
nuvens delicadas que ocultavam
a lua, o vulto do Leão, que jazia
morto nos grilhões. Ambas se
ajoelharam na relva molhada,
beijaram o rosto frio de Aslam,
acariciaram seu bonito pêlo o
que ainda restava dele e cho-
raram amargamente, até que
não puderam mais. Olhando
uma para a outra, deram-se as
mãos, porque se sentiam sós, e
choraram de novo. Depois
voltaram a calar-se.
As soon as the wood was silent
again Susan and Lucy crept out
onto the open hill-top. The moon
was getting low and thin clouds
were passing across her, but still
they could see the shape of the
Lion lying dead in his bonds. And
down they both knelt in the wet
grass and kissed his cold face and
stroked his beautiful fur – what
was left of it and cried till they
could cry no more. And then
they looked at each other and held
each other's hands for mere lone-
liness and cried again; and then
again were silent.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
O tradutor manteve o status semiótico (1), embora acrescente a
palavra amargamente, que enfatiza o verbo chorar. A tradução reteve a
intencionalidade (2), reteve os dispositivos linguísticos (3), preservou o
status informacional (4), da mesma forma que o escritor no TF e preser-
vou o status extra-linguístico (5).
XXII. MILAGRE DE JESUS PROVENDO ALIMENTO PARA
MULTIDÕES
TT TF
Não sei dizer onde
Aslam a
r-
ranjou comida para aquela
gente toda. O fato é que às oito
horas estavam todos sentados na
relva, para uma excelente refei-
How
Aslan provided food for
them all I don't know; but some-
how or other they found themselves
all sitting down on the grass to a
fine high tea at about eight o'clock
118
ção.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), a intencionalidade (2), o
dispositivo lingüístico (3), o status informacional (4) e preserva o status
extra-linguístico (5).
XXIII. A RESSURREIÇÃO DE JESUS
TT TF
Foram ao extremo da colina e
olharam para baixo. A grande
estrela solitária desaparecera.
Toda a paisagem da terra tinha
um ar cinzento-escuro; mas, para
além, muito longe, no fim do
mundo, o mar brilhava, pálido.
Havia tons róseos no céu. Anda-
ram para lá e para cá, inúmeras
vezes, do corpo morto de Aslam
ao sopé da colina. Em certo mo-
mento, ficaram imóveis a olhar
para o mar e para o castelo de
Cair Paravel, que agora come-
çaram a distinguir. E enquanto ali
estavam, no lugar em que a terra
se acaba e o mar começa, o ver-
melho tornou-se dourado, e o Sol
começou a surgir devagarinho.
Foi quando ouviram um grande
barulho, um barulho ensurdecedor
de uma coisa que estala, como se
um gigante acabasse de quebrar
um prato gigantesco.
– Aslam! Aslam! – exclamaram
as meninas, espantadas, a olhar
They walked to the eastern edge
of the hill and looked down. The
one big star had almost disap-
peared. The country, all looked
dark grey, but beyond, at the very
end of the world, the sea showed
pale. The sky began to turn red.
They walked to and fro more
times than they could count be-
tween the dead Aslan and the
eastern ridge, trying to keep
warm; and oh, how tired their legs
felt. Then at last, as they stood for
a moment looking out towards the
sea and Cair Paravel (which they
could now just make out) the red
turned to gold along the line
where the sea and the sky met and
very slowly up came the edge of
the sun. At that moment they
heard from behind them a loud
noise a great cracking, deafen-
ing noise as if a giant had broken
a giant's plate.
"Oh, Aslan!" cried both the chil-
dren, staring up at him, almost as
119
para ele, ao mesmo tempo assus-
tadas e felizes. – Você não está
morto?
– Agora, não.
much frightened as they were
glad. "Aren't you dead then, dear
Aslan?" said Lucy.
“Not now,” said Aslan.
1 S
2 S
3 S
4 S
5 S
A tradução retém o status semiótico (1), omitindo apenas a pala-
vra dear. Retém, também, a intencionalidade (2), o dispositivo lingüísti-
co (3), o status informacional (4) e o status extra-linguístico (5).
4.6 Considerações Parciais
Essas intertextualidades, apontadas no tópico As intertextuali-
dades bíblicas em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, são, con-
forme exposto em capítulo anterior, aquelas por mim observadas a
partir da definição estabelecida nesta pesquisa para a intertextualidade
bíblica.
No entanto, muitos outros pesquisadores trabalham mais especi-
ficamente, ou de passagem, com essa questão em O Leão, a Feiticeira e
o Guarda-Roupa. Dentre os estrangeiros, cito BROWN
64
(2005), que
afirma que, “Embora O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa não seja
uma alegoria [...], os paralelos bíblicos são óbvios’” (p. 325) e DURIEZ
65
(2005), quando aponta para o fato de que “Lewis combina imagens da
Bíblia, da mitologia clássica e das terras do norte, da literatura inglesa e
européia e dos contos de fadas irlandeses.” (p. 59). Dentre os autores
nacionais que trabalham com o mesmo autor, MAGALHÃES (2005), ao
discorrer sobre “a incursão de Lewis na imagem celeste” (p. 125), afir-
ma que nessa fantasia seu autor “conta sobre crianças que tiveram um
simples guarda-roupa como portal de acesso à terra gica de Nárnia,
representação do céu [...]”(p. 126). E GREGGERSEN (2006) em seu
64
Devin Brown é professor de inglês no Asbury College, em Lexington, no Kentucky; em suas
aulas, trabalha com Lewis e sua ficção. Devin Brown (2006), p. 383.
65
Colin Duriez, que mora em Keswick, no noroeste da Inglaterra, é escritor, editor e palestran-
te sobre tópicos referentes a C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien e trabalha em tempo parcial como
orientador na Universidade de Lancaster.
(<http://web.mac.com/colinduriez/iWeb/Site/About%20Me.html>)
120
livro Pedagogia Cristã na obra de C. S. Lewis, esclarece que considera
“o conceito da intertextualidade [...] como uma das possibilidades de
aproximação do conto de Lewis, a qual [...] permite relacionar uma série
de alusões que o autor faz a várias passagens antológicas das Escrituras
Sagradas” (p. 11).
Portanto, alguns dos referentes intertextuais por mim apontados
coincidem com os estudados pelos autores supra-citados, tanto no
texto em foco como no pré-texto bíblico. A ressurreição de Aslam,
como um exemplo entre outros, é comparada à ressurreição de Cristo
tanto em meu trabalho bem como no de GREGGERSEN (2006, p. 71).
Outros referentes coincidem no pré-texto, porém, diferem no TF;
GREGGERSEN (2006, p. 70) cita um diálogo entre as crianças em que
se percebe a preocupação de Susana quanto a, um dia, conseguir ver
Aslam; esse fragmento é vinculado ao pré-texto bíblico encontrado em
Lucas 2.30, que narra a alegria de Simeão ao receber o menino Jesus no
templo; essa mesma passagem com a história de Simeão foi associada
por mim ao texto da página 21 do TF, quando a senhora Castor as
crianças e exclama: “think that ever I should live to see this day!”.
Ainda, no processo de comparação com trabalhos dos estudiosos
citados nos parágrafos anteriores, algumas das intertextualidades apre-
sentadas em meu trabalho não são indicadas por estes autores e inú-
meros outros referentes intertextuais apontados por esses pesquisadores,
que não por mim. Além disso, não dúvida de que as numerosas pu-
blicações concernentes às obras e à vida de C. S. Lewis apresentam um
vasto número de intertextualidades que tanto ecoam fragmentos bíbli-
cos, como textos do próprio autor, de outros escritores e de clássicos da
literatura universal.
Além dessa consideração relativa à visão que vários autores têm
das intertextualidades bíblicas na obra em foco, creio ser importante,
ainda, destacar dois pontos.
O primeiro é concernente à designação empregada às sete narra-
tivas: Crônicas de Nárnia.
O vocábulo “crônica” é uma tradução literal que, no português
brasileiro, poderia causar certa estranheza. Isso se daria pelo fato de
“crônica” ser um gênero literário bem definido e com características
peculiares em nosso país. Em inglês, o substantivo chronicle, segundo o
Dicionário Webster (p. 322, tradução minha), significa: (i) “um relatório
histórico de fatos ou eventos, gravados segundo a ordem dos aconteci-
mentos; (ii) “uma história”. O Dicionário Aurélio (p. 405) oferece,
igualmente, esses significados, dentre outros, à palavra “crônica”. Entre-
tanto, em geral, quando se fala em crônica nos meios literários, no Bra-
121
sil, refere-se à uma narrativa curta, cujo tema é algum acontecimento do
cotidiano e muitas vezes escrita para ser veiculada em jornais.
A fantasia O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, embora intitu-
lada como uma crônica, pode, também ser considerada uma parábola.
Marco A. D. SANT’ANNA (1998), em sua tese de doutoramento, apon-
ta para várias definições de diversos teóricos. Dentre os mesmos,
TAVARES (1978 apud SANT’ANNA, 1998), ao definir o termo, afir-
ma que “Nas parábolas, os ensinamentos procuram ser mais profundos e
menos pragmáticos como nas duas outras espécies alegóricas [fábula e
apólogo]”. MASSAUD (1985 apud SANT’ANNA, 1998) afirma que
“[...] a parábola comunica uma lição ética por vias indiretas ou símbo-
los. Numa prosa altamente metafórica e hermética, veicula-se um saber
apenas acessível aos iniciados [...]”. Ao trabalhar com as parábolas bí-
blicas e modernas, SANT’ANNA (1998) conceitua o termo como:
“forma narrativa, curta, alegórica, diferente da fábula e uma forma de
épos” e discute as funções didáticas e confrontativas desse gênero.
Quanto à sua extensão, a obra em foco distancia-se, praticamente,
em todos os conceitos, dos teóricos de uma parábola, que sua narrati-
va se estende, na tradução, ao longo de 167 páginas. Entretanto, ela
preenche os demais requisitos, podendo ser considerada, como afirma
GREGGERSEN (2006), “uma grande parábola protagonizada por seres
humanos com a intenção de comunicar por caminhos diretos ou simbó-
licos uma lição ética” (p.15). Em seu livro intitulado Pedagogia cristã
na obra de C. S. Lewis (2006, p. 11), a pesquisadora aponta para a gran-
de contribuição da obra do autor na área da educação e, nesse livro,
propõe-se a mostrar “como um conto infantil pode apresentar e mesmo
constituir-se em um ‘modelo’ ou um parâmetro educacional solidamente
enraizado em uma visão de mundo e em uma teologia coerente com
ela”.
122
CONCLUSÃO
Diante dos vinte e três exemplos de intertextualidades e de suas
traduções, retorno às questões formuladas no estabelecimento dos obje-
tivos dessa pesquisa.
Os objetivos do presente estudo eram encontrar as intertextuali-
dades bíblicas no TF, observar se no TT essas intertextualidades esta-
vam presentes e, em caso positivo, analisar os procedimentos de suas
traduções. Além disso, diante dos procedimentos observados, procurar,
se possível, detectar algum critério para as escolhas realizadas pelo tra-
dutor.
Em primeiro lugar, todas as vinte e três intertextualidades propos-
tas como tal foram traduzidas. Em segundo lugar, elas foram traduzidas
de um modo literal, bem próximo do original, quer seja no tema, quer na
forma. O procedimento ou o padrão do tradutor foi o da literalidade.
O tradutor, em geral, reteve sequências nos textos classificados
como intertextualidades, mantendo, com isso, o status semiótico.
Antes de concluir a respeito de um possível critério para essa op-
ção do tradutor, ou seja, a de traduzir todas as intertextualidades man-
tendo-as o mais próximo possível do TF, abro um parênteses para refle-
tir a respeito das preocupações de Lewis com a formação das crianças.
Tal reflexão parece contribuir para se entender a ocorrência das intertex-
tualidades bíblicas e, ainda, da opção do tradutor pela literalidade.
bem no final da narrativa O Leão, a Feiticeira e o Guarda-
Roupa, o professor faz a seguinte exclamação: “Céus! O que é que estão
ensinando às crianças na escola?”. Embora muito se discutam o/s objeti-
vo/s de Lewis, ao escrever suas fantasias, é inegável o caráter didático
de suas narrativas de ficção, razão pela qual possamos nos referir a essa
obra como uma parábola. O escritor preocupava-se com o ensino, já que
teceu comentários a respeito da educação das crianças que foram hospe-
dadas na mesma casa em que vivia, em Oxford. Além disso, o escritor e
professor preocupava-se com o fraco desenvolvimento da imaginação
das crianças, com a educação das mesmas. É claro que Lewis argumenta
em seu An Experiment in Criticism (1961) que “a literatura existe para
dar prazer aos leitores e que os livros, portanto, devem ser julgados pelo
tipo de leitura que produzem” (DURIEZ , 2005, p. 149). No entanto,
suas narrativas, que abordam temas éticos, filosóficos, ecológicos, den-
tre outros vários, são escritas de um modo agradável e propiciam ao
leitor o contato com essas questões. É bem possível que, se não fosse
por meio de seus textos, parte desse público jamais se aproximaria de
tais conteúdos. DURIEZ (2005, p. 113) aponta para essa característica
123
de Lewis observando que suas narrativas, com seus temas, conceitos e
imagens, abrangem tanto os aspectos morais e espirituais como o literá-
rio, e que as idéias abordadas pelo escritor circulam pelo mundo medie-
val, antigo e moderno. Além disso, o mesmo crítico faz uma apreciação
pela particularidade de Lewis que, sendo um acadêmico, foi capaz de
transformar essas idéias, que fazem parte de um contexto erudito e difí-
cil para muitos leitores, em histórias “concretas e tangíveis” que são As
crônicas de Nárnia.
Quanto ao universo espiritual, encontram-se, em Nárnia, vários
elementos espirituais ou transcendentais da vida humana pertencentes
aos temas trabalhados por Lewis. Eles complementam, com grande for-
ça e de modo distinto, suas preocupações filosóficas e teológicas. Lewis,
como dito anteriormente, achava que a maneira “mais natural de ex-
primir espiritualidade e verdade sobre a natureza da realidade” era por
meio da narração de histórias (DURIEZ, 2005).
Assim, o escritor emprega, de forma primorosa, esse caráter didá-
tico em suas narrativas. E, talvez sua opção pelo uso das intertextualida-
des fosse pela certeza de que, com elas, poderia ser melhor compreendi-
do. E o emprego das intertextualidades em O Leão, a Feiticeira e o
Guarda-Roupa, adotado por Lewis com tanta maestria, remete ao argu-
mento de JENNY (1979, p. 48) em que afirma que,
[...] Se o sujeito é verdadeiramente esse ser mu-
mificado vivo pelos códigos sociais que cercam o
seu quotidiano, que melhor ferramenta haverá do
que a intertextualidade, para quebrar a argila dos
velhos discursos? A intertextualidade deixa de ser
aproveitamento bem educado, ou citação da
Grande Biblioteca, para se tornar estratégia da
mistura; e estendem-se, para fora do livro, a todo
discurso social. Trata-se de construir à pressa téc-
nicas de destruição, para responder à omnipresen-
ça dos emissores que nos alimentam com o seu
discurso morto (mass media, publicidade, etc). É
necessário fazer delirar os códigos já não os su-
jeitos - e qualquer coisa se rasgará, se libertará:
palavras sob palavras, obsessões pessoais. Nasce
uma outra palavra, que escapa ao totalitarismo dos
media, mas conserva o seu poder, e se volta contra
os velhos mestres.
124
Para JENNY (1979), a intertextualidade tem muito significado e
é, sempre, de grande valor. O uso desse recurso seja qual for o objetivo
“corresponde sempre a uma vocação crítica, lúdica e exploradora”. É
exatamente isso que observamos no livro em foco neste estudo Lewis
emprega uma rica intertextualidade bíblica, pois, deseja comunicar sua
visão de mundo, “abrir caminhos para outros mundos”
(GREGGERSEN, 2006), transmitir idéias éticas, espirituais, virtudes e
valores.
Essas considerações feitas acima são, para mim, relevantes, ao
analisarmos os procedimentos tradutórios utilizados nos fragmentos
apresentados referentes às intertextualidades bíblicas. Conforme ex-
posto no início dessa seção, dentre os vinte e três referentes intertextu-
ais, todos são traduzidos de modo bem próximo ao original.
Vários dos referentes intertextuais em que se poderia pensar que a
tradução não preservou o status informacional, de fato, o tradutor fez
exatamente o mesmo que o escritor, já que o status informacional existe,
pois, de outra forma não seria possível identificar os fragmentos como
intertextualidades; alguns desses textos remetem a outros textos bíbli-
cos, porém, de modo bastante sutil, chegando a parecer que não in-
formação nem por parte do autor do TF nem do tradutor. Isso é o caso,
por exemplo, dos intertextos I, VII, XI, XII, XV e XVI. No entanto, na
verdade, seja de modo consciente ou não, o texto de Lewis oferece pis-
tas, muito tênues e, assim, permite que se façam relações com outros
textos bíblicos. Por essa razão não seria apropriado afirmar que não
informação tanto por parte do autor como do tradutor. De fato, essas
informações se dão, como mencionado, por meio de indícios que, de
tão leves, parecem nem existir.
Embora não seja possível saber se houve alguma instrução ou
exigência do editor, com base na observação das vinte e três intertextua-
lidades comparadas, é fato que o tradutor buscou uma proximidade com
o TF, no que diz respeito às intertextualidades. Isso é observado diante
das estatísticas de ambos os textos completos em que se percebe, por
exemplo, pelo número de palavras que o TF é maior que o TT. Enquanto
o primeiro apresenta 37.503 palavras, a tradução apresenta 30.557 pala-
vras, ou seja, cerca de dezoito por cento a menos. Em geral, o que se
observa nas traduções é que os textos traduzidos da língua inglesa para o
português do Brasil apresentam um resultado inverso, ou seja, o texto
em português possui mais palavras que o texto em inglês. No entanto,
nesse livro dá-se o oposto, com exceção do capítulo 13, em que o núme-
ro de palavras no texto em português é maior que aquele no inglês. A
pergunta que daí advém é a seguinte: Haveria alguma recomendação do
125
editor quanto a uma economia no tamanho do texto? Tentativas minhas
de obter uma resposta a essa questão foram frustradas, já que emails por
mim enviados às editoras Ediouro e ABU, primeiras a publicarem As
crônicas de Nárnia, não foram respondidos. Em conversa online com o
senhor Griffin, editor da ABU na época da publicação do texto em foco,
tampouco se elucidou se houve alguma recomendação ao tradutor.
A partir do estudo sobre o autor, é certo que Lewis desejava que
leitores desfrutassem do prazer e da fruição por meio da leitura de suas
narrativas fantásticas. Entretanto, como decorrência da pesquisa sobre o
autor, sua obra, trabalhos de outros pesquisadores a respeito do mesmo
autor e de suas obras, a possibilidade de se considerar o texto em foco
como uma parábola, tomo a liberdade de supor que Lewis desejava,
também, que os mesmos leitores entrassem em contato com uma reali-
dade cristã, oferecida pelos textos bíblicos.
É possível, por meio dos procedimentos adotados pelo tradutor,
constatar que os referentes intertextuais não foram prejudicados mesmo
com o enxugamento do texto. O tradutor, embora tenha omitido muitos
advérbios, adjuntos adverbiais, orações, verbos dicendis e outros verbos,
conjunções, vocativos dentre outros itens, não suprimiu, de forma algu-
ma, palavras, expressões ou fragmentos que deixassem fora de seu texto
excertos do texto de Lewis que oferecem a possibilidade de uma relação
com algum texto bíblico. O tradutor, tampouco, lidou com seu texto
permitindo qualquer tradução que prejudicasse um referente intertextual
bíblico. Nem por isso poder-se-ia dizer que o tradutor fez seu trabalho
de modo literal, por simples facilidade. Muito pelo contrário, em sua
carta ao editor (vide Anexo B), o tradutor afirma: “Tomei umas poucas
liberdades que me pareceram aconselháveis para o leitor brasileiro”.
Assim, é possível perceber a preocupação do tradutor com o público-
alvo de seu texto.
Penso ser importante relembrar, aqui, que a dimensão semiótica é
poderosa para reforçar atitudes sociais (HATIM e MASON, 1990) e,
nessa dimensão, apresenta-se a intertextualidade. Por meio da intertex-
tualidade, o texto de Lewis reflete, dentre outros aspectos, alguns con-
ceitos fundamentais na cultura cristã. Como já afirmado, Lewis não
pretendia obrigar seu leitor a uma única leitura. No entanto, esses temas
oferecidos como uma opção de leitura são de extrema importância em
sua narrativa.
No trabalho de tradução do texto de Lewis, pela observação da
tradução das intertextualidades, poder-se-ia sugerir que o tradutor, seja
por opção pessoal ou por exigência do editor, conseguiu reter esses te-
126
mas, sem explicitá-los ou escondê-los, porém, muito próximo daquilo
que o próprio Lewis criou em seu texto.
Portanto, tais considerações me levam a pensar que o tradutor, ao
manter esse padrão de proximidade com o TF pode ter pretendido garan-
tir, o máximo possível, a transmissão dos conceitos e das idéias cristãs
oferecidos por Lewis por meio dos intertextos bíblicos ou, ainda, que ao
lidar com textos que se referem a um texto sensível, sua opção tenha
sido a de proximidade com o original, pelo respeito ao sagrado.
Assim, este trabalho encerra-se com a consciência de que, embo-
ra tenha tratado de um tema praticamente inexplorado nos ET a tradu-
ção da intertextualidade na LIJ – o campo ainda é bem vasto.
Creio que, a partir desta pesquisa, outros caminhos podem ser
pensados para pesquisas posteriores cobrindo as interfaces da fantasia na
LIJ e a Tradução.
Poder-se-ia observar, por exemplo, as estratégias de tradução das
demais intertextualidades, ou seja, as não bíblicas, e compará-las com a
tradução das intertextualidades apontadas neste trabalho.
INGGS (2003), conforme já apresentado na seção Revisão da Li-
teratura, comparou a transferência da cultura e da ideologia na tradução
russa de um dos volumes de Harry Potter e em O leão, a feiticeira e o
guarda-roupa. Esta seria outra opção: uma pesquisa das mesmas obras
traduzidas para o português.
Além disso, frente à manutenção total da ideologia cristã e da cul-
tura inglesa na tradução da obra em foco para o Português, poder-se-ia
pesquisar a recepção das crônicas entre o público infanto-juvenil, que
forneceria dados referentes ao sucesso ou não dessas obras entre o pú-
blico brasileiro.
Outra pesquisa poderia, ainda, observar a tradução de The Lion,
the Witch and the Wardrobe, fantasia infanto-juvenil, com audiência
ambivalente (COILLIE, 2008 apud SHAVIT,1986).
Bem, como se pode observar, os caminhos que se apresentam
nessa área são múltiplos. No entanto, é hora de fechar o guarda-roupa.
127
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135
ANEXOS
ANEXO A – Primeira página
O LEÃO, A FEITICEIRA
E O GUARDA-ROUPA
- Tudo perfeito. Vai ser formidável! O velhi-
nho deixa a gente fazer o que quiser! disse
Pedro a Susana, Edmundo e Lúcia. De fato, o
velho professor parecia não ligar muito para as
crianças, e elas resolveram se divertir na enor-
me casa antiga, longe da cidade grande.
Resolveram explorar a casa. Havia corredo-
res compridos, muitos quartos desabitados,
uma série de salas, todas cobertas de livros de
alto a baixo, e um quarto inóspito enorme, on-
de existia um imenso guarda-roupa. “Que
será que há dentro de um guarda-roupa tão
enorme?” pensava Lúcia.
Enquanto ela se metia entre os casacos, dei-
xando que eles lhe afagassem o rosto, ela no-
tou que estava pisando em qualquer coisa ma-
cia e fria. Caía-lhe em cima uma coisa leve e
macia, e ela percebeu que estava no meio de
um bosque, à noite, e que havia neve sob os
seus pés, enquanto outros flocos tombavam do
ar. Lúcia chegara na terra mágica de Nárnia.
Esta é a primeira história da fabulosa série de
Nárnia, estranho reino onde desenrola constan-
te luta entre o bem, representado pelo leão As-
lam, e o mal, controlado por uma feiticeira e
seus adeptos.
Estas imaginativas histórias podem ser lidas
sob dois pontos de vista: como contos de aven-
turas altamente fantásticas, ou como grandes
histórias alegóricas e morais.
136
ANEXO B – Segunda página: Carta do tra-
dutor ao editor
Sr. Osmar Teles
Até que enfim! Duas viagens me impediram de
trabalhar mais depressa. O livro é excelente. O
texto é completo. Tomei umas poucas liberdades
que me pareceram aconselháveis para o leitor bra-
sileiro. Talvez deva ser eliminada a carta inicial
do autor para a sobrinha: dá uma idéia de que o li-
vro não é interessante para adolescentes o que
não é verdade. Na minha casa foi lido com muito
prazer por um rapaz de dezessete anos, uma moça
de dezenove e uma senhora de muitos. E por um
velho dromedário, que viu no livro um oásis no
deserto. Acha que o título não é muito atraente?
Seria bom, de qualquer forma, indicar o sucesso
do livro no mundo inteiro, numerosas edições etc.
Com um abraço,
PAULO MENDES CAMPOS
137
ANEXO C – Dedicatória
PARA LÚCIA BARFIELD:
Minha querida Lúcia:
Comecei a escrever esta história para você, sem
lembrar-me de que as meninas crescem mais de-
pressa do que os livros. Resultado: agora você es-
muito grande para ler contos de fadas; quanto o
livro estiver impresso e encadernado, mais cresci-
da estará. Mas um dia virá em que, muito mais ve-
lha, você voltará a ler histórias de fadas. Irá bus-
car este livro em alguma prateleira distante e sa-
cudir-lhe o pó. Aí me dará sua opinião. É provável
que, a essa altura, eu esteja surdo demais para
poder ouvi-la, ou velho demais para compreender
o que você disser. Mas ainda serei o seu padrinho,
muito amigo,
C. S. LEWIS
138
ANEXO D – Quinta página
A VIDA DO AUTOR:
Nasceu em Belfast, Irlanda. Por mais de trinta
anos, foi membro e professor do Magdalen Colle-
ge”, em Oxford. Conservou este posto até tornar-
se professor de Literatura Medieval e Renascen-
tista, na Universidade de Cambridge. Seus dois
primeiros livros foram de poesia e publicados sob
o pseudônimo de Clive Hamilton. Mais tarde, pu-
blicou vários livros, principalmente relacionados
com assuntos literários e teológicos. Para a litera-
tura infantil C. S. Lewis escreveu, em sete volu-
mes, a história sobre a terra mágica de Nárnia, que
começou com The Lion, the Witch and the War-
drobe (O leão, a feiticeira e o guarda-roupa). A
medalha de Carnegie, para o melhor livro infantil,
foi conferida a Lewis pela obra The Last Battle,
mas era, obviamente, uma homenagem a toda a
série Nárnia.
139
ANEXO E – Sexta página
ÍNDICE
1. Uma Estranha Descoberta ......................... 9
2. O que Lúcia encontrou ............................. 16
3. Edmundo e o Guarda-roupa ..................... 27
4. Manjar Turco ........................................... 35
5. Outra Vez do Lado de Cá......................... 43
6. Na Floresta ............................................... 52
7. Um Dia com os Castores.......................... 60
8. Depois do Jantar ....................................... 71
9. Na Casa da Feiticeira ............................... 81
10. O Encantamento começa a quebrar-se .... 92
11. A Aproximação de Aslam ..................... 101
12. A Primeira Batalha de Pedro................. 111
13. Magia Profunda na Aurora do Tempo .. 120
14. O Triunfo da Feiticeira.......................... 129
15. Magia ainda mais profunda de antes
da Aurora do Tempo ............................. 139
16. O que aconteceu com as Estátuas ........ 148
17. A Caçada ao Veado Branco .................. 158
140
ANEXO F – Quadro 1: O leão, a feiticeira e o guarda-roupa em nú-
meros de palavras
CAPÍTULO
NÚMERO DE PALAVRAS
DIFERENÇA
TT TF
1 1289 1607 318
2 1808 2268 460
3 1471 1820 349
4 1749 2204 455
5 1650 2066 416
6 1563 1830 267
7 2024 2491 467
8 2174 2301 127
9 2012 2389 377
10 1950 2390 440
11 1930 2422 492
12 1696 2239 543
13 3533 2287 -1246
14 1739 2286 547
15 1804 2238 434
16 1845 2212 367
17 2052 2446 394
Quadro 1 Número de palavras dos capítulos no TT e no TF
141
ANEXO G CAPÍTULO 13 Cotejamento entre TT e TF, com
marcações para fragmentos omitidos
TT TF
DEPOIS de andar mais do que
imaginava que alguém fosse capaz
de andar, Edmundo parou; parou
por ordem da feiticeira, num vale
escuro.
Deixou-se cair sem forças e ficou
imóvel, cara no chão, nem se im-
portando com o que pudesse acon-
tecer, contanto que o deixassem ali
deitado. Tão cansado estava que
não sentia nem fome nem sede.
– Agora, Majestade, não adianta. Já
devem estar na Mesa de Pedra –
disse o anão desanimado.
– Talvez o lobo fareje onde esta-
mos e nos traga notícias.
– Boas não podem ser.
– Quatro tronos em Cair Paravel. E
se só três forem ocupados? A pro-
fecia não se cumprirá.
– Que importância tem isso, agora
que Ele chegou? – O anão não
tinha coragem de pronunciar o
nome de Aslam na presença de sua
senhora.
– Pode ser que não fique aqui mui-
to tempo. E então... cairíamos em
cima dos três em Cair Paravel.
Now we must get back to Edmund.
When he had been made to walk
far further than he had ever known
that anybody could walk, the Witch
at last halted in a dark valley all
overshadowed with fir trees and
yew trees. Edmund simply sank
down and lay on his face doing
nothing at all and not even caring
what was going to happen next
provided they would let him lie
still. He was too tired even to no-
tice how hungry and thirsty he was.
The Witch and the dwarf were
talking close beside him in low
tones.
"No," said the dwarf, "it is no use
now, O Queen. They must have
reached the Stone Table by now."
"Perhaps the Wolf will smell us out
and bring us news," said the Witch.
"It cannot be good news if he
does," said the dwarf.
"Four thrones in Cair Paravel," said
the Witch. "How if only three were
filled? That would not fulfill the
prophecy."
"What difference would that make
now that He is here?" said the
dwarf. He did not dare, even now,
to mention the name of Aslan to his
mistress.
"He may not stay long. And then –
we would fall upon the three at
Cair."
142
– Seria melhor conservar este como
refém – disse o anão, chutando
Edmundo.
– Para que os outros venham salvá-
lo? – replicou a feiticeira, com ar
desdenhoso.
– Então o melhor é fazer logo o que
se tem a fazer.
– Gostaria que fosse na Mesa de
Pedra e não aqui. É o lugar ade-
quado. Essas coisas sempre foram
feitas lá.
– Longe ainda está o dia em que a
Mesa de Pedra voltará a servir para
o fim que lhe convém – disse o
anão.
– É verdade – concordou a feiticei-
ra. – Assim sendo, vamos à coisa...
Nesse momento, um lobo precipi-
tou ao encontro deles, rosnando:
– Estão na Mesa de Pedra com Ele.
Mataram o capitão Maugrim. Vi
tudo, escondido. Foi um Filho de
Adão. Fuja! Fuja!
– Fugir, isso nunca! Convoque todo
o meu povo aqui.
Chame os gigantes, os velhos lobos
e os espíritos das árvores que estão
no nosso lado. Reúna os vampiros,
os duendes, os ogres, os minotau-
ros. Chame os vulpinos, as bruxas,
os espectros, as almas dos cogume-
los bravos. Vamos lutar.
Ah! Não tenho ainda a minha vara?
Com ela não transformei as hostes
deles em estátuas de pedra? Agora
vá. Tenho um trabalhinho a fazer
"Yet it might be better," said the
dwarf, "to keep this one" (here he
kicked Edmund) "for bargaining
with."
"Yes! And have him rescued," said
the Witch scornfully.
"Then," said the dwarf, "we had
better do what we have to do at
once."
"I would like to have it done on the
Stone Table itself," said the Witch.
"That is the proper place. That is
where it has always been done
before."
"It will be a long time now before
the Stone Table can again be put to
its proper use," said the dwarf.
"True," said the Witch; and then,
"Well, I will begin."
At that moment with a rush and a
snarl a Wolf rushed up to them.
"I have seen them. They are all at
the Stone Fable, with Him. They
have killed my captain, Maugrim. I
was hidden in the thickets and saw
it all. One of the Sons of Adam
killed him. Fly! Fly!"
"No," said the Witch. "There need
be no flying. Go quickly. Summon
all our people to meet me here as
speedily as they can. Call out the
giants and the werewolves and the
spirits of those trees who are on our
side. Call the Ghouls, and the Bog-
gles, the Ogres and the Minotaurs.
Call the Cruels, the Hags, the Spec-
tres, and the people of the Toad-
stools. We will fight. What? Have I
not still my wand? Will not their
ranks turn into stone even as they
come on? Be off quickly, I have a
143
na sua ausência.
O bruto fez um sinal com a cabeça,
deu meia volta e se foi.
little thing to finish here while you
are away."
The great brute bowed its head,
turned, and galloped away.
– Ora, mesa não temos... Espere
aí... O mais prático é atá-lo ao tron-
co de uma árvore.
Edmundo sentiu-se agarrado bru-
talmente e forçado a manter-se de
pé. O anão amarrou-o fortemente a
uma árvore. À vista de Edmundo, a
feiticeira abriu o manto, deixando
aparecer dois braços nus, aflitiva-
mente brancos. E só os viu porque
eram mesmo muito brancos, mas
não distinguiu quase mais nada, tal
era a escuridão que reinava.
– Prepare a vítima. O anão desabo-
toou a camisa de Edmundo. Pegan-
do o menino pelos cabelos, puxou-
lhe a cabeça para trás, forçando-o a
levantar o queixo. Edmundo ouviu
um ruído esquisito ... zzz...
zzz...zzz... A princípio não conse-
guiu perceber o que era, mas depois
compreendeu que alguém estava
afiando uma faca.
E ouviu gritos que vinham de todas
as direções... um repicar de cascos,
um tatalar de asas... e um grito
agudo da feiticeira... Reinava em
torno a maior confusão. Alguém o
desatava da árvore. Vozes vibrantes
e bondosas falavam com ele...
"Now!" she said. "We have no
table – let me see. We had better
put it against the trunk of a tree."
Edmund found himself being
roughly forced to his feet. Then the
dwarf set him with his back against
a tree and bound him fast. He saw
the Witch take off her outer mantle.
Her aRomanoss were bare under-
neath it and terribly white. Because
they were so very white he could
see them, but he could not see
much else, it was so dark in this
valley under the dark trees.
"Prepare the victim," said the
Witch. And the dwarf undid Ed-
mund's collar and folded back his
shirt at the neck. Then he took
Edmund's hair and pulled his head
back so that he had to raise his
chin. After that Edmund heard a
strange noise – whizz – whizz –
whizz. For a moment he couldn't
think what it was. Then he realized.
It was the sound of a knife being
sharpened.
At that very moment he heard loud
shouts from every direction – a
drumming of hoofs and a beating of
wings – a scream from the Witch –
confusion all round him. And then he
found he was being untied. Strong
arms were round him and he heard
big, kind voices saying things like –
144
– Deitem-no... Dêem-lhe um pouco
de vinho... Beba isso... Coragem!...
Não é nada...
E havia outras vozes: "Quem agar-
rou a feiticeira?" "Pensei que você
a tivesse agarrado"... "Sumiu de-
pois que soltou o facão"... "Corri
mas foi atrás do anão"... "Quer
dizer que ela fugiu?"... "Ei, o que é
aquilo? Ah, não é nada, apenas um
tronco caído". Foi quando Edmun-
do perdeu os sentidos.
"Let him lie down – give him some
wine – drink this – steady now –
you'll be all right in a minute."
Then he heard the voices of people
who were not talking to him but to
one another. And they were saying
things like, "Who's got the Witch?"
– "I thought you had her." "I didn't
see her after I knocked the knife
out of her hand – I was after the
dwarf – do you mean to say she's
escaped?" "A chap can't mind eve-
rything at once – what's that? Oh,
sorry, it's only an old stump!" But
just at this point Edmund went off
in a dead faint.
Os centauros, os unicórnios, os
veados e os pássaros (que forma-
vam o batalhão enviado por Aslam
no capítulo anterior) puseram-se a
caminho, de regresso à Mesa de
Pedra, levando consigo o menino.
Mas teriam ficado se pudessem ter
visto o que aconteceu em seguida
naquele vale.
O silêncio era absoluto. A lua co-
meçava a brilhar. Se você estivesse
lá, teria visto o luar banhar um
velho tronco de árvore e uma rocha
arredondada. E, se continuasse a
olhar, teria pouco a pouco notado
qualquer coisa de estranho no tron-
co e na rocha. O tronco era pareci-
díssimo com um homem baixo e
gordo, agachado no chão.
Veria o tronco caminhar ao encon-
tro da pedra e a pedra sentar-se e
Presently the centaurs and unicorns
and deer and birds (they were of
course the rescue party which
Aslan had sent in the last chapter)
all set off to go back to the Stone
Table, carrying Edmund with them.
But if they could have seen what
hApocalipsepened in that valley
after they had gone, I think they
might have been surprised.
It was perfectly still and presently
the moon grew bright; if you had
been there you would have seen the
moonlight shining on an old tree-
stump and on a fair-sized boulder.
But if you had gone on looking you
would gradually have begun to
think there was something odd
about both the stump and the boul-
der. And next you would have
thought that the stump did look
really remarkably like a little fat
man crouching on the ground. And
if you had watched long enough
145
começar a conversar com o tronco.
Porque eram, muito simplesmente,
a feiticeira e o anão.
Fazia parte dos poderes da feiticei-
ra dar às coisas a aparência daquilo
que não eram. Tivera bastante pre-
sença de espírito para fazer uso
desse dom no instante em que o
facão lhe saltou das mãos.
you would have seen the stump
walk across to the boulder and the
boulder sit up and begin talking to
the stump; for in reality the stump
and the boulder were simply the
Witch and the dwarf. For it was
part of her magic that she could
make things look like what they
aren't, and she had the presence of
mind to do so at the very moment
when the knife was knocked out of
her hand. She had kept hold of her
wand, so it had been kept safe, too.
Quando as crianças acordaram na
manhã seguinte, tendo dormido na
barraca sobre boas almofadas, ou-
viram a Sra. Castor dizer que Ed-
mundo estava salvo e fora trazido
ao acampamento altas horas da
noite. Conversava agora com As-
lam. Tomaram café e saíram todos,
e viram Aslam e Edmundo passe-
ando, lado a lado, sobre a relva
úmida. Não é preciso dizer para
você (e o fato é que ninguém ou-
viu) o que Aslam dizia. Fique sa-
bendo que foi uma conversa da
qual Edmundo jamais se esqueceu.
Quando os outros se aproximaram,
Aslam voltou-se e, acompanhado
por Edmundo, foi ao encontro de-
les.
– Aqui está o quarto Filho de Adão.
E... bem... não vale a pena falar do
que aconteceu. O que passou, pas-
sou.
Edmundo apertou a mão de todos,
repetindo: – Desculpe... E cada um
respondia: – Deixe isso pra lá!
When the other children woke up
the next morning (they had been
Salmoeeping on piles of cushions
in the pavilion) the first thing they
heard – from Mrs Beaver – was
that their brother had been rescued
and brought into camp late last
night; and was at that moment with
Aslan. As soon as they had break-
fasted they all went out, and there
they saw Aslan and Edmund walk-
ing together in the dewy grass,
apart from the rest of the court.
There is no need to tell you (and no
one ever heard) what Aslan was
saying, but it was a conversation
which Edmund never forgot. A, the
others drew nearer Aslan turned to
meet them, bringing Edmund with
him.
"Here is your brother," he said,
"and – there is no need to talk to
him about what is past."
Edmund shook hands with each of
the others and said to each of them
in turn, "I'm sorry," and everyone
said, "That's all right." And then
146
Todos queriam dizer alguma coisa,
para que não ficasse a menor dúvi-
da de que tudo estava bem outra
vEzequiel – alguma coisa muito
natural e trivial – mas ninguém
conseguiu lembrar-se de nada para
dizer. Mas não tiveram tempo de se
sentir embaraçados: um dos leo-
pardos chegou e disse para Aslam:
everyone wanted very hard to say
something which would make it
quite clear that they were all
friends with him again – something
ordinary and natural – and of
course no one could think of any-
thing in the world to say. But be-
fore they had time to feel really
awkward one of the leopards ap-
proached Aslan and said,
– Senhor, está aí um emissário
inimigo que implora audiência.
– Mande-o aqui.
Daí a pouco o leopardo voltou com
o anão da feiticeira.
– A que vens, Filho da Terra? –
perguntou Aslam.
– A Rainha de Nárnia e Imperatriz
das Ilhas Desertas deseja salvo-
conduto para vos falar sobre um
assunto que tanto interessa a vós
como a ela – disse o anão, na ponta
da língua.
– Ah! Rainha de Nárnia! – comen-
tou o Sr. Castor. – Mas é muito
cara-de-pau!...
– Calma, Castor – disse Aslam. –
Todos os títulos serão restituídos a
quem de direito. Não vale a pena
discutir por enquanto. – E, voltan-
do-se para o anão: – Diga a sua
senhora que o salvo-conduto está
concedido, sob a condição de ela
deixar a vara mágica debaixo da-
quele grande carvalho.
Aceita a condição, dois leopardos
acompanharam o anão, para ver se
tudo seria feito conforme o combi-
nado. – E se ela transformar os
"Sire, there is a messenger from the
enemy who craves audience."
"Let him Apocalipseproach," said
Aslan.
The leopard went away and soon
returned leading the Witch's dwarf.
"What is your message, Son of
Earth?" Asked Aslan.
"The Queen of Narnia and Empress
of the Lone Islands desires a safe
conduct to come and speak with
you," said the dwarf, "on a matter
which is as much to your advantage
as to hers."
"Queen of Narnia, indeed!" said Mr
Beaver. "Of all the cheek –"
"Peace, Beaver," said Aslan. "All
names will soon be restored to their
proper owners. In the meantime we
will not dispute about them. Tell
our mistress, Son of Earth, that I
grant her safe conduct On condition
that she leaves her wand behind her
at that great oak."
This was agreed to and two leop-
ards went back with the dwarf to
see that the conditions were proper-
ly carried out. "But supposing she
turns the two leopards into stone?"
whispered Luck to Peter. I think the
147
leopardos em estátua de pedra?
murmurou Lúcia para Pedro. Acho
que os leopardos tiveram a mesma
idéia. Estavam completamente
arrepiados, de rabo em pé, como
um gato na presença de um cão
estranho.
– Não tenha medo – cochichou
Pedro. – Ele sabe o que faz.
Same idea had occurred to the
leopards themselves, at any rate, as
they walked cuff their fur was all
standing up on their backs and their
tails were bristling- like a cat's
when it sees a strange dog.
"It'll be all right," whispered Peter
In reply. "He wouldn't send them if
it weren't."
Pouco depois, era a própria feiticei-
ra que aparecia no alto da colina,
dirigindo-se sem hesitar para junto
de Aslam. Os três, que nunca a
tinham visto, sentiram um frio na
barriga quando a olharam de frente.
Alguns animais começaram a ros-
nar. Embora fizesse um sol magní-
fico, todos se sentiram gelados de
repente. As únicas pessoas que
pareciam estar absolutamente à
vontade eram Aslam e a própria
feiticeira. Estranho espetáculo: um
rosto dourado e um rosto nevado...
tão perto um do outro. Não que a
feiticeira olhasse Aslam bem de
frente. A Sra. Castor não deixou de
reparar nisso.
– Há um traidor aqui, Aslam! –
declarou a feiticeira. Todos os pre-
sentes entenderam. Mas Edmundo,
depois da conversa pela manhã e de
tudo o mais, não deu bola. Conti-
nuou simplesmente a olhar para
Aslam. Estava esnobando a feiticei-
ra, e com razão.
– Não foi bem a você que ele ofen-
deu – disse Aslam.
A few minutes later the Witch her-
self walked out on to the top of the
hill and came straight across and
stood before Aslan. The three chil-
dren who had not seen her before
felt shudders running down their
backs at the sight of her face; and
there were low growls among all
the animals present. Though it was
bright sunshine everyone felt sud-
denly cold. The only two people
present who seemed to be quite at
their ease were Aslan and the
Witch herself. It was the oddest
thing to see those two faces – the
golden face and the dead-white
face – so close together. Not that
the Witch looked Aslan exactly in
his eyes; Mrs Beaver particularly
noticed this.
"You have a traitor there, Aslan,"
said the Witch. Of course everyone
present knew that she meant Ed-
mund. But Edmund had got past
thinking about himself after all he'd
been through and after the talk he'd
had that morning. He just went on
looking at Aslan. It didn't seem to
matter what the Witch said.
"Well," said Aslan. "His offence
was not against you.”
148
– Já se esqueceu da Magia Profun-
da? – perguntou a feiticeira.
– Digamos que sim – replicou As-
lam, solenemente. – Fale-nos da
Magia Profunda.
– Falar-lhe da Magia Profunda?!
Eu?! – disse a feiticeira, numa voz
ainda mais aguda. – Falar-lhe do
que está escrito nessa Mesa de
Pedra aí ao lado? Falar-lhe do que
está escrito em letras do tamanho
de uma espada, cravadas nas pedras
de fogo da Montanha Secreta?
Falar-lhe do que está gravado no
cetro do Imperador de Além-Mar?
Se alguém conhece tão bem quanto
eu o poder mágico a que a Impera-
dor sujeitou Nárnia desde o princi-
pio dos tempos, esse alguém é
você. Sabe que todo traidor, pela
lei, é presa minha, e que tenho
direito de matá-lo!
– Ah! – disse o Sr. Castor. – Já
estou entendendo por que foi que
você se arvorou em rainha... Você
era o carrasco-mor do Imperador!
– Calma, Castor, calma – disse
Aslam, em voz baixa e arrastada.
– Portanto – continuou a feiticeira,
– essa criatura humana me perten-
ce. A vida dela me pertence. Tenho
direito ao seu sangue.
– Então venha bebê-lo, se for capaz
– disse o Touro que tinha cabeça de
homem.
– Débil mental! – disse a feiticeira,
com um riso de fúria que era quase
um grunhido. – Está tão convenci-
do assim de que o seu senhor me
pode privar dos meus direitos pela
força? Ele conhece bem demais a
"Have you forgotten the Deep
Magic?" asked the Witch.
"Let us say I have forgotten it,"
answered Aslan gravely. "Tell us of
this Deep Magic."
"Tell you?" said the Witch, her
voice growing suddenly shriller.
"Tell you what is written on the
very Table of Stone which stands
beside us? Tell you what is written
in letters deep as a spear is long on
the fire-stones on the Secret Hill?
Tell you what is engraved on the
sceptre of the Emperor-beyond-the-
Sea? You at least know the Magic
which the Emperor put into Narnia
at the very beginning. You know
that every traitor belongs to me as
my lawful prey and that for every
treachery I have a right to a kill."
"Oh," said Mr Beaver. "So that's
how you came to imagine yourself
a queen – because you were the
Emperor's hangman. I see."
"Peace, Beaver," said Aslan, with a
very low growl.
"And so," continued the Witch,
"that human creature is mine. His
life is forfeit to me. His blood is my
property."
"Come and take it then," said the
Bull with the man's head, in a great
bellowing voice.
"Fool," said the Witch with a sav-
age smile that was almost a snarl,
"do you really think your master
can rob me of my rights by mere
force? He knows the Deep Magic
better than that. He knows that
unless I have blood as the Law
149
Magia Profunda para atrever-se a
isso. Sabe que, a não ser que eu
receba o sangue a que a lei me dá
direito, toda a terra de Nárnia será
subvertida e perecerá em água e
fogo.
– É verdade! – disse Aslam. – Não
posso negá-lo.
– Oh! Aslam! – sussurrou Susana,
ao ouvido do Leão. – Não podemos
nós... quer dizer, isto é, não vai
acontecer nada, não é? Não se pode
dar um jeito nessa Magia Profun-
da?
– Enfrentar o poder mágico do
Imperador? – Aslam voltou-se para
ela, com o rosto ligeiramente car-
regado. E ninguém mais tocou
naquele assunto.
says, all Narnia will be overturned
and perish in fire and water."
"It is very true," said Aslan. "I do
not deny it."
"Oh, Aslan!" whispered Susan in
the Lion's ear. "Can't we – I mean,
you won't, will you? Can't we do
something about the Deep Magic?
Isn't there something you can work
against it?"
"Work against the Emperor's Mag-
ic?" said Aslan, turning to her with
something like a frown on his face.
And nobody ever made that sug-
gestion to him again.
Edmundo fitou Aslam o tempo
todo. Sentia-se sufocado e pergun-
tava a si mesmo se devia dizer
alguma coisa: compreendeu que
não devia dizer coisa nenhuma, só
esperar e cumprir o que lhe fosse
ordenado.
– Afastem-se – disse Aslam. –
Preciso falar a sós com a feiticeira.
Foram momentos terríveis de longa
espera. Que estaria o Leão a com-
binar? Lúcia disse apenas "Oh,
Edmundo!", e começou a chorar.
Pedro, de costas para os outros,
olhava o mar distante.
Cabisbaixos, os castores davam a
mão um ao outro. Os centauros,
nervosos, batiam com os cascos no
chão. Por fim todos se acalmaram e
foi um silêncio daqueles de ouvir
Edmund was on the other side of
Aslan, looking all the time at
Aslan's face. He felt a choking
feeling and wondered if he ought to
say something; but a moment later
he felt that he was not expected to
do anything except to wait, and do
what he was told.
"Fall back, all of you," said Aslan,
"and I will talk to the Witch alone."
They all obeyed. It was a terrible
time this – waiting and wondering
while the Lion and the Witch
talked earnestly together in low
voices. Lucy said, "Oh, Edmund!"
and began to cry. Peter stood with
his back to the others looking out at
the distant sea. The Beavers stood
holding each other's paws with
their heads bowed. The centaurs
stamped uneasily with their hoofs.
150
zumbido de abelha, esvoaçar de
passarinho e sussurrar de brisa na
folhagem. E a conversa continuava.
Finalmente ouviu-se a voz de As-
lam. – Venham todos. Tudo resol-
vido. Ela renunciou ao direito que
tinha ao sangue de Edmundo. Pela
encosta, ouviu-se um ruído, como
se todos tivessem começado a res-
pirar ao mesmo tempo. Foi um
pipocar de opiniões.
A feiticeira, com uma expressão de
feroz alegria, já estava se afastando
quando parou e disse:
– Mas quem me garante que a pro-
messa será cumprida?
– Raaaa-a-aarrgh! – rugiu Aslam,
erguendo-se do trono. E suas fau-
ces ficaram escancaradas. O rugido
rimbombou. A feiticeira, atônita,
agarrou a saia e fugiu como se
tivesse a vida em perigo.
But everyone became perfectly still
in the end, so that you noticed even
small sounds like a humble-bee
flying past, or the birds in the forest
down below them, or the wind
rustling the leaves. And still the
talk between Aslan and the White
Witch went on.
At last they heard Aslan's voice.
"You can all come back," he said.
"I have settled the matter. She has
renounced the claim on your broth-
er's blood." And all over the hill
there was a noise as if everyone
had been holding their breath and
had now begun breathing again,
and then a murmur of talk.
The Witch was just turning away
with a look of fierce joy on her face
when she stopped and said,
"But how do I know this promise
will be kept?"
"Haa-a-arrh!" roared Aslan, half
rising from his throne; and his great
mouth opened wider and wider and
the roar grew louder and louder,
and the Witch, after staring for a
moment with her lips wide apart,
picked up her skirts and fairly ran
for her life.
151
ANEXO H – CAPÍTULO 14 – Cotejamento entre TT e TF, com
marcações para fragmentos omitidos
TT
TF
O triunfo da feiticeira
LOGO que a feiticeira desapare-
ceu, Aslam disse: – Temos de
abandonar este lugar imediatamen-
te, porque vai ser utilizado para
outra coisa. Acamparemos esta
noite na margem do Beruna.
Todos estavam ansiosos, é claro,
para conhecer os termos do acordo.
Mas a expressão de Aslam era tão
severa, e o rugido que soltara res-
soava ainda de tal modo nos ouvi-
dos de todos, que ninguém teve
coragem de interrogá-lo.
Depois de uma refeição ao ar livre,
no cimo da encosta, ajudaram a
desarmar a barraca real e a arrumar
as coisas. Antes de duas horas es-
tavam a caminho, rumo nordeste,
avançando a passo moderado, pois
o lugar para onde iam não era lon-
ge.
The Triumph of the Witch
A soon as the Witch had gone
Aslan said, "We must move from
this place at once, it will be want-
ed for other purposes. We shall
encamp tonight at the Fords of
Beruna."
Of course everyone was dying to
ask him how he had arranged
matters with the Witch; but his
face was stern and everyone's cars
were still ringing with the sound
of his roar and so nobody dared.
After a meal, which was taken in
the open air on the hill-top (for
the sun had got strong by now and
dried the grass), they were busy
for a while taking the pavilion
down and packing things up.
Before two o'clock they were on
the march and set off in a north-
easterly direction, walking at an
easy pace, for they had not far to
go.
Aslam explicou a Pedro seu plano
de campanha: – Logo que termine
suas tarefas por aqui, a feiticeira
deve voltar para o seu castelo e
preparar-se para resistir a um cerco.
Talvez você possa cortar-lhe o
caminho, impedindo que ela che-
gue lá, mas também pode ser que
não. Aslam continuou a expor dois
planos diferentes de batalha: um
During the first part of the jour-
ney Aslan explained to Peter his
plan of campaign. "As soon as she
has finished her business in these
parts," he said, "the Witch and her
crew will almost certainly fall
back to her House and prepare for
a siege. You may or may not be
able to cut her off and prevent her
from reaching it." He then went
152
para atacar a feiticeira e sua gente
no bosque; outro para assaltar o
castelo. Aconselhou Pedro sobre a
melhor maneira de conduzir as
operações, dizendo coisas assim:
"Deve colocar os centauros em tal
parte", ou "Não esqueça suas senti-
nelas". Por fim, disse Pedro:
– Mas você ficará comigo, Aslam.
– Nada posso prometer – retrucou
Aslam, e continuou a dar suas ins-
truções
on to outline two plans of battle –
one for fighting the Witch and her
people in the wood and another
for assaulting her castle. And all
the time he was advising Peter
how to conduct the operations,
saying things like, "You must put
your Centaurs in such and such a
place" or "You must post scouts
to see that she doesn't do so-and-
so," till at last Peter said,
"But you will be there yourself,
Aslan."
"I can give you no promise of
that," answered the Lion. And he
continued giving Peter his instruc-
tions.
Na segunda etapa da viagem, foram
Susana e Lúcia que lhe fizeram
companhia. Aslam, entretanto,
quase nada falou, dando-lhes a
impressão de estar muito triste.
Chegaram a um ponto onde o vale
se alargava e o rio corria num leito
amplo e pouco fundo. Era o Passo
do Beruna. Aslam deu ordem para
que acampassem do lado de cá.
Pedro observou:
– Não seria melhor o lado de lá?
Ela pode atacar-nos à noite.
Aslam, que parecia preocupado
com outra coisa, levantou a cabeça,
sacudiu a juba soberba, e disse:
Hum! Que foi? Pedro repetiu a
pergunta.
– Não! – disse Aslam, com voz
indiferente, como se aquilo não
tivesse a mínima importância. –
For the last part of the journey it
was Susan and Lucy who saw
most of him. He did not talk very
much and seemed to them to be
sad.
It was still afternoon when they
came down to a place where the
river valley had widened out and
the river was broad and shallow.
This was the Fords of Beruna and
Aslan gave orders to halt on this
side of the water. But Peter said,
"Wouldn't it be better to camp on
the far side – for fear she should
try a night attack or anything?"
Aslan, who seemed to have been
thinking about something else,
roused himself with a shake of his
magnficent mane and said, "Eli?
What's that?" Peter said it all over
again.
"No," said Aslan in a dull voice,
as if it didn't matter. "No. She will
not make an attack tonight." And
153
Ela não ataca esta noite. – E soltou
um profundo suspiro, acrescentan-
do em seguida: – De qualquer mo-
do, foi bem pensado. Só que não
vale a pena. E continuaram a armar
as tendas.
then he sighed deeply. But pres-
ently he added, "All the same it
was well thought of. That is how
a soldier ought to think. But it
doesn't really matter." So they
proceeded to pitch their camp.
Nessa noite, a tristeza de Aslam
projetou-se em todos os outros.
Pedro não se sentia bem ao lem-
brar que ia assumir sozinho a res-
ponsabilidade da batalha. Fora um
grande choque o fato de Aslam
não prometer estar presente. A ceia
foi silenciosa, muito diferente da
refeição da noite passada ou da-
quela mesma manhã. Era como se
os dias felizes, que mal tinham
começado, já chegassem ao fim
Aslan's mood affected everyone
that evening. Peter was feeling
uncomfortable too at the idea of
fighting the battle on his own; the
news that Aslan might not be there
had come as a great shock to him.
Supper that evening was a quiet
meal. Everyone felt how different
it had been the previous night or
even that morning. It was as if the
good times, having just begun,
were already drawing to their end.
Susana nem conseguiu dormir,
inquieta. Depois de muito tempo
acordada, virou-se e ouviu Lúcia
suspirar.
– Você também não consegue
dormir, Lu?
– Não. Achei que você estava
dormindo.
Tenho um pressentimento horrível,
Susana, como se qualquer coisa
estivesse para acontecer com a
gente.
– É mesmo? Eu também.
– É alguma coisa com Aslam. Ou
algo pavoroso está para acontecer
com ele, ou é ele que vai fazer
algo assim.
This feeling affected Susan so
much that she couldn't get to sleep
when she went to bed. And after
she had lain counting sheep and
turning over and over she heard
Lucy give a long sigh and turn
over just beside her in the dark-
ness.
"Can't you get to sleep either?"
said Susan.
"No," said Lucy. "I thought you
were aSalmoeep. I say, Susan!"
"What?"
"I've a most horrible feeling – as if
something were hanging over us."
"Have you? Because, as a matter
of fact, so have I."
"Something about Aslan," said
Lucy. "Either some dreadful thing
is going to hApocalipsepen to him,
or something dreadful that he's
154
– Esteve preocupado o dia inteiro,
Lúcia! Ele disse que não poderá
estar conosco na batalha. Será que
está pensando em ir embora esta
noite?
– Onde ele está agora? Na barraca?
– Acho que não.
– Susana! Vamos procurá-lo.
– Está bem, vamos. É melhor do
que ficar acordada.
going to do."
"There's been something wrong
with him all afternoon," said Su-
san. "Lucy! What was that he said
about not being with us at the
battle? You don't think he could
be stealing away and leaving us
tonight, do you?"
"Where is he now?" said Lucy. "Is
he here in the pavilion?"
"I don't think so."
"Susan! Let's go outside and have
a look round. We might see him."
"All right. Let's," said Susan; "we
might just as well be doing that as
lying awake here."
Muito de mansinho, as duas meni-
nas foram abrindo caminho entre
os que dormiam e saíram da tenda.
O luar estava claro e reinava silên-
cio.
Susana agarrou-se ao braço de
Lúcia de repente: – Lá! No extre-
mo oposto do acampamento, onde
começavam as primeiras árvores, o
Leão dirigia-se lentamente para o
bosque. Sem trocar palavra, elas
foram atrás.
Aslam afastou-se do vale e conti-
nuou a andar. Parecia seguir o
mesmo caminho que tinham per-
corrido durante o dia, quando vie-
ram da Mesa de Pedra. Foi se
guindo sempre, levando-as ora
para lugares escuros, ora para
outros banhados de luar. Os pés
das meninas estavam úmidos de
orvalho. Aslam tinha uma aparên-
Very quietly the two girls groped
their way among the other sleepers
and crept out of the tent. The
moonlight was bright and every-
thing was quite still except for the
noise of the river chattering over
the stones. Then Susan suddenly
caught Lucy's arm and said,
"Look!" On the far side of the
camping ground, just where the
trees began, they saw the Lion
slowly walking away from them
into the wood. Without a word
they both followed him.
He led them up the steep slope out
of the river valley and then slghtly
to the right – apparently by the
very same route which they had
used that afternoon in coming
from the Hill of the Stone Table.
On and on he led them, into dark
shadows and out into pale moon-
light, getting their feet wet with
the heavy dew. He looked some-
155
cia diferente. Cabeça baixa, cauda
caída, caminhava devagar, como
se estivesse muito cansado. Ao
atravessarem uma clareira, onde
não havia sombras nas quais pu-
dessem esconder-se, as meninas
viram-no parar e olhar em volta.
Não adiantava fugir, então elas
foram ao seu encontro.
– Crianças, por que estão me se-
guindo?
how different from the Aslan they
knew. His tail and his head hung
low and he walked slowly as if he
were very, very tired. Then, when
they were crossing a wide open
place where there were no shad-
ows for them to hide in, he
stopped and looked round. It was
no good trying to run away so they
came towards him. When they
were closer he said,
"Oh, children, children, why are
you following me.
– Não conseguimos dormir – disse
Lúcia, sentindo que não era preci-
so dizer mais nada.
– Por favor, deixe-nos ir com você,
a qualquer lugar... – implorou
Susana.
– Bem... – E Aslam pareceu refle-
tir. – Vou gostar de ter amigos esta
noite. Podem vir... desde que me
prometam parar quando eu lhes
disser, e me deixem depois conti-
nuar sozinho.
– Obrigada, muito... Prometemos!
"We couldn't sleep," said Lucy
and then felt sure that she need say
no more and that Aslan knew all
they had been thinking.
"Please, may we come with you –
wherever you're going?" asked
Susan.
"Well –" said Aslan, and seemed
to be thinking. Then he said, "I
should be glad of company to-
night. Yes, you may come, if you
will promise to stop when I tell
you, and after that leave me to go
on alone."
"Oh, thank you, thank you. And
we will," said the two girls.
A marcha prosseguiu: o Leão entre
as duas meninas. Como andava
devagar! A grande cabeça real ia
tão baixa que o nariz quase roçava
a relva. A certa altura tropeçou e
deixou escapar um gemido.
– Aslam! Aslam querido! – disse
Lúcia. – O que há? Por que não
nos diz o que tem?
Forward they went again and one
of the girls walked on each side of
the Lion. But how slowly he
walked! And his great, royal head
drooped so that his nose nearly
touched the grass. Presently he
stumbled and gave a low moan.
"Aslan! Dear Aslan!" said Lucy.
"What is wrong? Can't you tell us?"
156
– Está doente, Aslam querido? –
perguntou Susana.
– Não. Estou triste. Estou só. Po-
nham as mãos na minha juba, para
que eu sinta que vocês estão aqui,
e caminhemos assim.
Foi assim que as meninas fizeram
o que, sem licença dele, jamais
teriam tido a coragem de fazer;
ainda que o desejassem ardente-
mente, desde o primeiro instante
em que o viram... Enfiaram as
mãos frias na juba farta, acarician-
do-a, e foram andando ao lado
dele. Repararam que subiam a
encosta do monte sobre o qual
estava a Mesa de Pedra. Chegaram
à última árvore antes da clareira.
Aslam parou e disse:
– Crianças, vocês ficam aqui.
Aconteça o que acontecer, fiquem
bem escondidas. Adeus!
"Are you ill, dear Aslan?" asked
Susan.
"No," said Aslan. "I am sad and
lonely. Lay your hands on my
mane so that I can feel you are
there and let us walk like that."
And so the girls did what they
would never have dared to do
without his permission, but what
they had longed to do ever since
they first saw him – buried their
cold hands in the beautiful sea of
fur and stroked it and, so doing,
walked with him. And presently
they saw that they were going with
him up the slope of the hill on
which the Stone Table stood. They
went up at the side where the trees
came furthest up, and when they
got to the last tree (it was one that
had some bushes about it) Aslan
stopped and said,
"Oh, children, children. Here you
must stop. And whatever happens,
do not let yourselves be seen.
Farewell."
As duas meninas choraram copio-
samente (embora mal soubessem o
motivo), agarraram-se ao Leão,
deram-lhe beijos na juba, no nariz,
nas patas, nos grandes olhos tris-
tes. Depois, ele se afastou e foi
sozinho para o alto da colina. Es-
condidas nas últimas moitas, Su-
sana e Lúcia ficaram espiando.
Vou lhe contar o que elas viram.
Uma imensa multidão estava reu-
nida em torno da Mesa de Pedra.
And both the girls cried bitterly
(though they hardly knew why)
and clung to the Lion and kissed
his mane and his nose and his
paws and his great, sad eyes. Then
he turned from them and walked
out on to the top of the hill. And
Lucy and Susan, crouching in the
bushes, looked after him, and this
is what they saw.
A great crowd of people were
standing all round the Stone Table
157
Embora o luar clareasse tudo,
muitos traziam tochas, que ardiam
com sinistras chamas vermelhas e
fumo negro. Que bicharada! Ogres
de dentes monstruosos! Lobos!
Homens com cabeça de touro!
Espíritos de árvores más e de plan-
tas venenosas! Não falo de outros
seres porque, se fizesse isso, as
pessoas adultas não o deixariam
ler este livro: vulpinos, bruxas,
íncubos, fúrias, horrores, espec-
tros, sátiros, lobisomens... Estavam
ali todos os que eram do partido da
feiticeira, convocados pelo lobo.
No centro, em pé junto da mesa,
estava a própria feiticeira.
No momento em que viram o
enorme Leão dirigir-se para elas,
aquelas criaturas soltaram uivos e
grunhidos de terror. Até a feiticeira
pareceu por um instante paralisada
de medo. Mas dominou-se e deu
uma selvagem gargalhada.
– O louco! O louco está chegando!
Amarrem bem o louco!
and though the moon was shining
many of them carried torches
which burned with evil-looking
red flames and black smoke. But
such people! Ogres with mon-
strous teeth, and wolves, and bull-
headed men; spirits of evil trees
and poisonous plants; and other
creatures whom I won't describe
because if I did the grown-ups
would probably not let you read
this book – Cruels and Hags and
Incubuses, Wraiths, Horrors,
Efreets, Sprites, Orknies, Wooses,
and Ettins. In fact here were all
those who were on the Witch's
side and whom the Wolf had
summoned at her command. And
right in the middle, standing by
the Table, was the Witch herself.
A howl and a gibber of dismay
went up from the creatures when
they first saw the great Lion pac-
ing towards them, and for a mo-
ment even the Witch seemed to be
struck with fear. Then she recov-
ered herself and gave a wild fierce
laugh.
"The fool!" she cried. "The fool
has come. Bind him fast."
Lúcia e Susana pararam de respi-
rar, aguardando o rugido de Aslam
e o ataque ao inimigo. Mas nada!
Quatro bruxas, rindo zombeteiras
(a princípio, a uma certa distância,
receosas de cumprir sua missão),
aproximaram-se dele. – Amarrem
o louco, já disse! As bruxas corre-
ram para ele com um uivo de
triunfo, ao verem que não oferecia
Lucy and Susan held their breaths
waiting for Aslan's roar and his
spring upon his enemies. But it
never came. Four Hags, grinning
and leering, yet also (at first)
hanging back and half afraid of
what they had to do, had ap-
proached him. "Bind him, I say!"
repeated the White Witch. The
Hags made a dart at him and
158
resistência. Anões e macacos ma-
lignos chegaram de todos os lados
para ajudá-las. Deitaram o Leão de
costas. Amarraram-lhe as quatro
patas, gritando e dando vivas,
como se tivessem cometido um ato
de bravura. Claro que, se o Leão
quisesse, uma patada seria a morte
para eles. Mas ficou quieto, mes-
mo quando os inimigos rasgaram a
sua carne de tanto esticarem as
cordas. Depois, começaram a ar-
rastá-lo para o centro da mesa.
shrieked with triumph when they
found that he made no resistance
at all. Then others – evil dwarfs
and apes – rushed in to help them,
and between them they rolled the
huge Lion over on his back and
tied all his four paws together,
shouting and cheering as if they
had done something brave,
though, had the Lion chosen, one
of those paws could have been the
death of them all. But he made no
noise, even when the enemies,
straining and tugging, pulled the
cords so tight that they cut into his
flesh. Then they began to drag him
towards the Stone Table.
– Alto! – disse a feiticeira. – Pri-
meiro, cortem-lhe a juba! Uma
gargalhada mesquinha ressoou
quando um ogre, de tesoura na
mão, avançou e se pôs de cócoras
junto da cabeça do leão. Zip, zip,
zip – a tesoura rangia, e montes de
caracóis dourados tombavam ao
chão. O ogre afastou-se, e, do
esconderijo, as meninas puderam
ver o rosto de Aslam, pequenino e
tão diferente sem a juba! Os inimi-
gos também notaram isso:
– Vejam: não passa de um gatão!
– E é disso que a gente tinha me-
do?
Rodearam Aslam, zombando dele
a valer: – Miau! Miau! Coitadinho
do bichano! Quantos camundon-
gos você papou hoje? Quer um
pires de leite, bichinho?
"Stop!" said the Witch. "Let him
first be shaved." Another roar of
mean laughter went up from her
followers as an ogre with a pair of
shears came forward and squatted
down by Aslan's head. Snip-snip-
snip went the shears and masses of
curling gold began to fall to the
ground. Then the ogre stood back
and the children, watching from
their hiding-place, could see the
face of Aslan looking all small and
different without its mane. The
enemies also saw the difference.
"Why, he's only a great cat after
all!" cried one.
"Is that what we were afraid of?"
said another.
And they surged round Aslan,
jeering at him, saying things like,
"Puss, Puss! Poor Pussy," and,
"How many mice have you caught
today, Cat?" and, "Would you like a
159
saucer of milk, Pussums?"
– Que audácia! – disse Lúcia, com
lágrimas correndo pelo rosto. –
Perversos! Malvados! Passada a
primeira impressão, a cara tosqui-
ada de Aslam parecia-lhe ainda
mais valente, mais bela e mais
resignada do que nunca.
– Amordacem-no! – gritou a feiti-
ceira. Mesmo agora, quando lhe
punham a focinheira, uma dentada
dele bastaria para decepar, pelo
menos, as mãos de dois ou três. Ao
vê-lo amordaçado e amarrado, os
mais covardes ganharam ânimo.
Por instantes, as meninas nem
sequer conseguiram vê-lo, rodeado
como estava por aquela horda
infernal, que lhe batia, dava ponta-
pés, cuspia-lhe em cima, insultava-
o.
Por fim a turba ficou cansada. E o
Leão, amarrado e amordaçado, foi
arrastado para a Mesa de Pedra,
puxado por uns, empurrado por
outros. Era tão grande que, mesmo
depois de o terem arrastado até lá,
só com o esforço de todos foi pos-
sível içá-lo e colocá-lo em cima da
mesa. Depois, amarraram-no e
apertaram-lhe outra vez as cordas.
– Covardes! Covardões! – soluça-
va Susana. – Será possível que
ainda tenham medo dele?
"Oh, how can they?" said Lucy,
tears streaming down her cheeks.
"The brutes, the brutes!" For now
that the first shock was over, the
shorn face of Aslan looked to her
braver, and more beautiful, and
more patient than ever.
"Muzzle him!" said the Witch.
And even now, as they worked
about his face putting on the muz-
zle, one bite from his jaws would
have cost two or three of them
their hands. But he never moved.
And this seemed to enrage all that
rabble. Everyone was at him now.
Those who had been afraid to
come near him even after he was
bound began to find their courage,
and for a few minutes the two girls
could not even see him – so thick-
ly was he surrounded by the whole
crowd of creatures kicking him,
hitting him, spitting oil him, jeer-
ing at him.
At last the rabble had had enough
of this. They began to drag the
bound and muzzled Lion to the
Stone Table, some pulling and
some pushing. He was so huge
that even when they got him there
it took all their efforts to hoist him
on to the surface of it. Then there
was more tying and tightening of
cords.
"The cowards! The cowards!"
sobbed Susan. "Are they still
afraid of him, even now?"
160
Logo que acabaram de amarrar
Aslam à Mesa de Pedra (mas tão
amarrado que mais parecia um
novelo), fez-se silêncio. Quatro
bruxas, aos quatro cantos da mesa,
erguiam seus fachos. A feiticeira
desnudou os braços, como fizera
na noite anterior com Edmundo.
Depois, começou a afiar o facão.
Quando o brilho do facho caiu
sobre ele, Susana e Lúcia acharam
que o facão era de pedra e não de
aço, e tinha uma forma esquisita e
nada agradável.
Por fim a feiticeira aproximou-se.
Parou junto da cabeça do Leão.
Seu rosto vibrava e contorcia-se de
ódio. O dele, sempre calmo, olha-
va para o céu, com uma expressão
que não era nem de ira, nem de
medo, um pouco triste apenas. Um
momento antes de desferir o golpe,
a feiticeira inclinou-se e disse,
vibrando com a voz:
When once Aslan had been tied
(and tied so that he was really a
mass of cords) on the flat stone, a
hush fell on the crowd. Four Hags,
holding four torches, stood at the
corners of the Table. The Witch
bared her arms as she had bared
them the previous night when it
had been Edmund instead of
Aslan. Then she began to whet her
knife. It looked to the children,
when the gleam of the torchlight
fell on it, as if the knife were made
of stone, not of steel, and it was of
a strange and evil shape.
At last she drew near. She stood
by Aslan's head. Her face was
working and twitching with pas-
sion, but his looked up at the sky,
still quiet, neither angry nor afraid,
but a little sad. Then, just before
she gave the blow, she stooped
down and said in a quivering
voice,
– Quem venceu, afinal? Louco!
Pensava com isso poder redimir a
traição da criatura humana?! Vou
matá-lo, no lugar do humano, co-
mo combinamos, para sossegar a
Magia Profunda. Mas, quando
estiver morto, poderei matá-lo
também. Quem me impedirá?
Quem poderá arrancá-lo de minhas
mãos?
Compreenda que você me entre-
gou Nárnia para sempre, que per-
deu a própria vida sem ter salvo a
vida da criatura humana. Consci-
ente disso, desespere e morra.
"And now, who has won? Fool,
did you think that by all this you
would save the human traitor"
Now I will kill you instead of him
as our pact way and so the Deep
Magic will be appeased. But when
you are dead what will prevent me
from killing him as well? And
who will take him out of my hand
then?
Understand that you have given
me Narnia for ever, you have lost
your own life and you have not
saved his. In that knowledge, des-
pair and die."
161
As meninas não chegaram a ver
exatamente este último momento.
Tinham tapado os olhos.
The children did not see the actual
moment of the killing. They
couldn't bear to look and had cov-
ered their eyes.
162
ANEXO I – Quadro 2 As Crônicas de Nárnia: Ordem de Leitura
Ordem de Publicação Ordem Cronológica
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-
Roupa
O Sobrinho do Mago
Príncipe Caspian
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-
Roupa
A Viagem do Peregrino da Alvora-
da
O Cavalo e seu Menino
A Cadeira de Prata Príncipe Caspian
O Cavalo e seu Menino
A Viagem do Peregrino da Alvora-
da
O Sobrinho do Mago A Cadeira de Prata
A Última Batalha A Última Batalha
Quadro 2 As Crônicas de Nárnia: Ordem de Leitura
163
ANEXO J – Textos bíblicos citados no CAPÍTULO TRÊS:
CORPUS E MÉTODO, nos seguintes tópicos:
a) As intertextualidades bíblicas em O leão, a feiticeira e o guarda-
roupa
b) Os procedimentos na tradução das intertextualidades
a) As intertextualidades bíblicas em O leão, a feiticeira e o guarda-
roupa:
I. DIMENSÃO DIVINA E HUMANA DE TEMPO
Ezequiel 7.3-4: Now is the end come upon thee, and I will send mine
anger upon thee, and will judge thee according to thy ways, and will
recompense upon thee all thine abominations. And mine eye shall not
spare thee, neither will I have pity: but I will recompense thy ways upon
thee, and thine abominations shall be in the midst of thee: and ye shall
know that I am the LORD.
Romanos 4.15: Because the law worketh wrath: for where no law is,
there is no transgression.
Romanos 7.7: What shall we say then? Is the law sin? God forbid. Nay,
I had not known sin, but by the law: for I had not known lust, except the
law had said, Thou shalt not covet.
2 Timóteo 3.2: For men shall be lovers of their own selves, covetous,
boasters, proud, blasphemers, disobedient to parents, unthankful, unho-
ly […]
Salmo 10.7: His mouth is full of cursing and deceit and fraud: under his
tongue is mischief and vanity.
Oséias 10.2: Their heart is divided; now shall they be found faulty: he
shall break down their altars, he shall spoil their images.
Provérbios 11.17: The merciful man doeth good to his own soul: but he
that is cruel troubleth his own flesh. The merciful man doeth good to his
own soul: but he that is cruel troubleth his own flesh.
164
Romanos 7.18-19: For I know that in me (that is, in my flesh,) dwelleth
no good thing: for to will is present with me; but how to perform that
which is good I find not. For the good that I would I do not: but the evil
which I would not, that I do.
III. SON OF ADAM, DAUGHTER OF EVE
Gênesis 1.26: And God said, Let us make man in our image, after our
likeness: and let them have dominion over the fish of the sea, and over
the fowl of the air, and over the cattle, and over all the earth, and over
every creeping thing that creepeth upon the earth[…]
Gênesis 6.2: That the sons of God saw the daughters of men that they
were fair; and they took them wives of all which they chose.
Ezequiel 2.1: And he said unto me, Son of man, stand upon thy feet, and
I will speak unto thee.
Ezequiel 3.17: Son of man, I have made thee a watchman unto the house
of Israel: therefore hear the word at my mouth, and give them warning
from me
.
Ezequiel 30.21: Son of man, I have broken the arm of Pharaoh king of
Egypt; and, lo, it shall not be bound up to be healed, to put a roller to
bind it, to make it strong to hold the sword.
Ezequiel 20.3: Son of man, speak unto the elders of Israel, and say unto
them, Thus saith the Lord GOD; Are ye come to inquire of me? As I live,
saith the Lord GOD, I will not be inquired of by you.
Daniel 7.13; […] saw in the night visions, and, behold, one like the Son
of man came with the clouds of heaven, and came to the Ancient of days,
and they brought him near before him.
Provérbios 8.31: Rejoicing in the habitable part of his earth; and my
delights were with the sons of men.
Mateus 4. 25: And there followed him great multitudes of people from
Galilee, and from Decapolis, and from Jerusalem, and from Judaea,
and from beyond Jordan.
165
Mateus 9.6: But that ye may know that the Son of man hath power on
earth to forgive sins, (then saith he to the sick of the palsy,) Arise, take
up thy bed, and go unto thine house.
Mateus 8.20: And Jesus saith unto him, The foxes have holes, and the
birds of the air have nests; but the Son of man hath not where to lay his
head.
Marcos 9.31: For he taught his disciples, and said unto them, The Son of
man is delivered into the hands of men, and they shall kill him; and after
that he is killed, he shall rise the third day.
Marcos 2.10: But that ye may know that the Son of man hath power on
earth to forgive sins, (he saith to the sick of the palsy,)
Lucas 3.37-38: Which was the son of Mathusala, which was the son of
Enoch, which was the son of Jared, which was the son of Maleleel,
which was the son of Cainan,
[38] Which was the son of Enos, which was the son of Seth, which was
the son of Adam, which was the son of God.
Lucas 9.44: Let these sayings sink down into your ears: for the Son of
man shall be delivered into the hands of men.
Lucas 6.5: And he said unto them, That the Son of man is Lord also of
the sabbath.
João 3.14: And as Moses lifted up the serpent in the wilderness, even so
must the Son of man be lifted up […]
Apocalipse 2.10: Fear none of those things which thou shalt suffer:
behold, the devil shall cast some of you into prison, that ye may be tried;
and ye shall have tribulation ten days: be thou faithful unto death, and I
will give thee a crown of life.
IV. ETERNO INVERNO
Gênesis 8.21 -22 : And the LORD smelled a sweet savour; and the
LORD said in his heart, I will not again curse the ground any more for
man's sake; for the imagination of man's heart is evil from his youth;
neither will I again smite any more every thing living, as I have done.
166
While the earth remaineth, seedtime and harvest, and cold and heat, and
summer and winter, and day and night shall not cease.
Isaías 54.8: In a little wrath I hid my face from thee for a moment; but
with everlasting kindness will I have mercy on thee, saith the LORD thy
Redeemer.
V. NARRATIVA DA TRANSFORMAÇÃO DE ÁGUA EM VINHO
João 2.1-11: And the third day there was a marriage in Cana of Galilee;
and the mother of Jesus was there: And both Jesus was called, and his
disciples, to the marriage. And when they wanted wine, the mother of
Jesus saith unto him, They have no wine. Jesus saith unto her, Woman,
what have I to do with thee? mine hour is not yet come. His mother saith
unto the servants, Whatsoever he saith unto you, do it.And there were
set there six waterpots of stone, after the manner of the purifying of the
Jews, containing two or three firkins apiece. Jesus saith unto them, Fill
the waterpots with water. And they filled them up to the brim. And he
saith unto them, Draw out now, and bear unto the governor of the feast.
And they bare it.When the ruler of the feast had tasted the water that
was made wine, and knew not whence it was: (but the servants which
drew the water knew;) the governor of the feast called the bridegroom,
And saith unto him, Every man at the beginning doth set forth good
wine; and when men have well drunk, then that which is worse: but thou
hast kept the good wine until now.This beginning of miracles did Jesus
in Cana of Galilee, and manifested forth his glory; and his disciples
believed on him.
Apocalipse 19.15: And out of his mouth goeth a sharp sword, that with it
he should smite the nations: and he shall rule them with a rod of iron:
and he treadeth the winepress of the fierceness and wrath of Almighty
God.
Apocalipse 17.2: With whom the kings of the earth have committed for-
nication, and the inhabitants of the earth have been made drunk with the
wine of her fornication.
Efésios 5.18: And be not drunk with wine, wherein is excess; but be
filled with the Spirit;
167
VI. “VER ESTE DIA”
Lucas 2.25-35: And, behold, there was a man in Jerusalem, whose name
was Simeon; and the same man was just and devout, waiting for the
consolation of Israel: and the Holy Ghost was upon him. And it was
revealed unto him by the Holy Ghost, that he should not see death, be-
fore he had seen the Lord's Christ. And he came by the Spirit into the
temple: and when the parents brought in the child Jesus, to do for him
after the custom of the law, Then took he him up in his arms, and
blessed God, and said ,Lord, now lettest thou thy servant depart in
peace, according to thy word: For mine eyes have seen thy salvation,
Which thou hast prepared before the face of all people; A light to light-
en the Gentiles, and the glory of thy people Israel. And Joseph and his
mother marvelled at those things which were spoken of him. And Simeon
blessed them, and said unto Mary his mother, Behold, this child is set
for the fall and rising again of many in Israel; and for a sign which shall
be spoken against;(Yea, a sword shall pierce through thy own soul al-
so,) that the thoughts of many hearts may be revealed. And, behold, the
word of the LORD came unto him, saying, This shall not be thine heir;
but he that shall come forth out of thine own bowels shall be thine heir.
Gênesis 17.17: Then Abraham fell upon his face, and laughed, and said
in his heart, Shall a child be born unto him that is an hundred years
old? and shall Sarah, that is ninety years old, bear?
Gênesis 18.10: And he said, I will certainly return unto thee according
to the time of life; and, lo, Sarah thy wife shall have a son. And Sarah
heard it in the tent door, which was behind him.
VII. JESUS, O LEÃO DE JUDÁ
Gênesis 29.35: And she conceived again, and bare a son: and she said,
Now will I praise the LORD: therefore she called his name Judah; and
left bearing.
Isaías 11.1: And there shall come forth a rod out of the stem of Jesse,
and a Branch shall grow out of his roots:
Mateus 1.1-17: The book of the generation of Jesus Christ, the son of
David, the son of Abraham. Abraham begat Isaac; and Isaac begat
Jacob; and Jacob begat Judas and his brethren;And Judas begat Phares
168
and Zara of Thamar; and Phares begat Esrom; and Esrom begat Aram;
And Aram begat Aminadab; and Aminadab begat Naasson; and Naas-
son begat Salmon; And Salmon begat Booz of Rachab; and Booz begat
Obed of Ruth; and Obed begat Jesse; And Jesse begat David the king;
and David the king begat Solomon of her that had been the wife of
Urias; And Solomon begat Roboam; and Roboam begat Abia; and Abia
begat Asa; And Asa begat Josaphat; and Josaphat begat Joram; and
Joram begat Ozias; And Ozias begat Joatham; and Joatham begat
Achaz; and Achaz begat Ezekias; And Ezekias begat Manasses; and
Manasses begat Amon; and Amon begat Josias; And Josias begat
Jechonias and his brethren, about the time they were carried away to
Babylon: And after they were brought to Babylon, Jechonias begat
Salathiel; and Salathiel begat Zorobabel; And Zorobabel begat Abiud;
and Abiud begat Eliakim; and Eliakim begat Azor; And Azor begat
Sadoc; and Sadoc begat Achim; and Achim begat Eliud; And Eliud be-
gat Eleazar; and Eleazar begat Matthan; and Matthan begat Jacob;
And Jacob begat Joseph the husband of Mary, of whom was born Jesus,
who is called Christ. So all the generations from Abraham to David are
fourteen generations; and from David until the carrying away into Bab-
ylon are fourteen generations; and from the carrying away into Babylon
unto Christ are fourteen generations.
VIII. NASCIMENTO DE CRISTO
Mateus 1.16: And Jacob begat Joseph the husband of Mary, of whom
was born Jesus, who is called Christ.
Mateus 2.1: Now when Jesus was born in Bethlehem of Judaea in the
days of Herod the king, behold, there came wise men from the east to
Jerusalem […]
Lucas 1.35: And the angel answered and said unto her, The Holy Ghost
shall come upon thee, and the power of the Highest shall overshadow
thee: therefore also that holy thing which shall be born of thee shall be
called the Son of God.
João 16.21: A woman when she is in travail hath sorrow, because her
hour is come: but as soon as she is delivered of the child, she remem-
bereth no more the anguish, for joy that a man is born into the world.
169
Romanos 4.13: For the promise, that he should be the heir of the world,
was not to Abraham, or to his seed, through the law, but through the
righteousness of faith.
Gálatas 4.23: But he who was of the bondwoman was born after the
flesh; but he of the freewoman was by promise.
Hebreus 11.39: And these all, having obtained a good report through
faith, received not the promise […]
2Pedro.3.4: And saying, Where is the promise of his coming? for since
the fathers fell asleep, all things continue as they were from the begin-
ning of the creation.
IX. JESUS É O FILHO DE DEUS
Jo 3.16: For God so loved the world, that he gave his only begotten Son,
that whosoever believeth in him should not perish, but have everlasting
life.
1 João4.14,15: And we have seen and do testify that the Father sent the
Son to be the Saviour of the world. Whosoever shall confess that Jesus is
the Son of God, God dwelleth in him, and he in God.
X. TENTATIVA DO INIMIGO DE ENGANAR COM A OFERTA
DE ALIMENTO; NARRATIVA DA SERPENTE E DE EVA
Mateus 4.3: And when the tempter came to him, he said, If thou be the
Son of God, command that these stones be made bread.
Gênesis 3.1: Now the serpent was more subtil than any beast of the field
which the LORD God had made. And he said unto the woman, Yea, hath
God said, Ye shall not eat of every tree of the garden?
2 Coríntios 11.14: And no marvel; for Satan himself is transformed into
an angel of light.
Apocalipse 12.9: And the great dragon was cast out, that old serpent,
called the Devil, and Satan, which deceiveth the whole world: he was
cast out into the earth, and his angels were cast out with him.
170
Apocalipse 20.2: And he laid hold on the dragon, that old serpent,
which is the Devil, and Satan, and bound him a thousand years,
XI. O NOME DE CRISTO CAUSA SENTIMENTOS DIVERSOS
NAS PESSOAS/ FORÇA E PODER DO NOME DE CRISTO
Jeremias 10.6: Forasmuch as there is none like unto thee, O LORD;
thou art great, and thy name is great in might.
2Coríntios 2.16: To the one we are the savour of death unto death; and
to the other the savour of life unto life. And who is sufficient for these
things?
Provérbios 18.10: The name of the LORD is a strong tower: the right-
eous runneth into it, and is safe.
Isaías 30.27: Behold, the name of the LORD cometh from far, burning
with his anger, and the burden thereof is heavy: his lips are full of in-
dignation, and his tongue as a devouring fire […]
Isaías 56.6: Also the sons of the stranger, that join themselves to the
LORD, to serve him, and to love the name of the LORD, to be his serv-
ants, every one that keepeth the sabbath from polluting it, and taketh
hold of my covenant […]
Amós 6.10: And a man's uncle shall take him up, and he that burneth
him, to bring out the bones out of the house, and shall say unto him that
is by the sides of the house, Is there yet any with thee? and he shall say,
No. Then shall he say, Hold thy tongue: for we may not make mention of
the name of the LORD.
Atos 3.16: And his name through faith in his name hath made this man
strong, whom ye see and know: yea, the faith which is by him hath given
him this perfect soundness in the presence of you all.
Atos 4.12: Neither is there salvation in any other: for there is none oth-
er name under heaven given among men, whereby we must be saved.
Gênesis 12.8: And he removed from thence unto a mountain on the east
of Bethel, and pitched his tent, having Bethel on the west, and Hai on
171
the east: and there he builded an altar unto the LORD, and called upon
the name of the LORD.
Gênesis 13.4: Unto the place of the altar, which he had made there at
the first: and there Abram called on the name of the LORD.
Filipenses 2.9: But I trust in the Lord Jesus to send Timotheus shortly
unto you, that I also may be of good comfort, when I know your state.
Isaías 30.27: Behold, the name of the LORD cometh from far, burning
with his anger, and the burden thereof is heavy: his lips are full of in-
dignation, and his tongue as a devouring fire […]
2Timóteo 2.19: Nevertheless the foundation of God standeth sure, hav-
ing this seal, The Lord knoweth them that are his. And, Let every one
that nameth the name of Christ depart from iniquity.
XII. a. A PROFECIA DA VOLTA DE CRISTO; b. SALVAÇÃO
POR MEIO DE UM SÓ, O REI E IMPOSSIBILIDADE DE
SALVAÇÃO PELO PRÓPRIO HOMEM
a.
Isaías 60.1-22: Arise, shine; for thy light is come, and the glory of the
LORD is risen upon thee. For, behold, the darkness shall cover the
earth, and gross darkness the people: but the LORD shall arise upon
thee, and his glory shall be seen upon thee. And the Gentiles shall come
to thy light, and kings to the brightness of thy rising. Lift up thine eyes
round about, and see: all they gather themselves together, they come to
thee: thy sons shall come from far, and thy daughters shall be nursed at
thy side. Then thou shalt see, and flow together, and thine heart shall
fear, and be enlarged; because the abundance of the sea shall be con-
verted unto thee, the forces of the Gentiles shall come unto thee. The
multitude of camels shall cover thee, the dromedaries of Midian and
Ephah; all they from Sheba shall come: they shall bring gold and in-
cense; and they shall shew forth the praises of the LORD. All the flocks
of Kedar shall be gathered together unto thee, the rams of Nebaioth
shall minister unto thee: they shall come up with acceptance on mine
altar, and I will glorify the house of my glory. Who are these that fly as
a cloud, and as the doves to their windows? Surely the isles shall wait
for me, and the ships of Tarshish first, to bring thy sons from far, their
silver and their gold with them, unto the name of the LORD thy God,
172
and to the Holy One of Israel, because he hath glorified thee. And the
sons of strangers shall build up thy walls, and their kings shall minister
unto thee: for in my wrath I smote thee, but in my favour have I had
mercy on thee. Therefore thy gates shall be open continually; they shall
not be shut day nor night; that men may bring unto thee the forces of the
Gentiles, and that their kings may be brought. For the nation and king-
dom that will not serve thee shall perish; yea, those nations shall be
utterly wasted. The glory of Lebanon shall come unto thee, the fir tree,
the pine tree, and the box together, to beautify the place of my sanctu-
ary; and I will make the place of my feet glorious. The sons also of them
that afflicted thee shall come bending unto thee; and all they that des-
pised thee shall bow themselves down at the soles of thy feet; and they
shall call thee, The city of the LORD, The Zion of the Holy One of Isra-
el. Whereas thou hast been forsaken and hated, so that no man went
through thee, I will make thee an eternal excellency, a joy of many gen-
erations. Thou shalt also suck the milk of the Gentiles, and shalt suck
the breast of kings: and thou shalt know that I the LORD am thy Saviour
and thy Redeemer, the mighty One of Jacob. For brass I will bring gold,
and for iron I will bring silver, and for wood brass, and for stones iron:
I will also make thy officers peace, and thine exactors righteousness.
Violence shall no more be heard in thy land, wasting nor destruction
within thy borders; but thou shalt call thy walls Salvation, and thy gates
Praise. The sun shall be no more thy light by day; neither for brightness
shall the moon give light unto thee: but the LORD shall be unto thee an
everlasting light, and thy God thy glory. Thy sun shall no more go
down; neither shall thy moon withdraw itself: for the LORD shall be
thine everlasting light, and the days of thy mourning shall be ended. Thy
people also shall be all righteous: they shall inherit the land for ever,
the branch of my planting, the work of my hands, that I may be glorified.
A little one shall become a thousand, and a small one a strong nation: I
the LORD will hasten it in his time.
Apocalipse 21.1-6: And I saw a new heaven and a new earth: for the
first heaven and the first earth were passed away; and there was no
more sea. And I John saw the holy city, new Jerusalem, coming down
from God out of heaven, prepared as a bride adorned for her husband.
And I heard a great voice out of heaven saying, Behold, the tabernacle
of God is with men, and he will dwell with them, and they shall be his
people, and God himself shall be with them, and be their God. And God
shall wipe away all tears from their eyes; and there shall be no more
death, neither sorrow, nor crying, neither shall there be any more pain:
173
for the former things are passed away. And he that sat upon the throne
said, Behold, I make all things new. And he said unto me, Write: for
these words are true and faithful. And he said unto me, It is done. I am
Alpha and Omega, the beginning and the end. I will give unto him that
is athirst of the fountain of the water of life freely
b.
Isaías 43.11: I, even I, am the LORD; and beside me there is no saviour.
Isaías 45.21: Tell ye, and bring them near; yea, let them take counsel
together: who hath declared this from ancient time? who hath told it
from that time? have not I the LORD? and there is no God else beside
me; a just God and a Saviour; there is none beside me.
Isaías 55.3: Incline your ear, and come unto me: hear, and your soul
shall live; and I will make an everlasting covenant with you, even the
sure mercies of David.
Oséias 13.4: I will ransom them from the power of the grave; I will re-
deem them from death: O death, I will be thy plagues; O grave, I will be
thy destruction: repentance shall be hid from mine eyes.
Atos 4.12: Neither is there salvation in any other: for there is none oth-
er name under heaven given among men, whereby we must be saved.
Apocalipse 7.10: And cried with a loud voice, saying, Salvation to our
God which sitteth upon the throne, and unto the Lamb.
Apocalipse 19.1: And I saw heaven opened, and behold a white horse;
and he that sat upon him was called Faithful and True, and in right-
eousness he doth judge and make war.
XIII. PROFECIA DE QUE A SALVAÇÃO VIRIA POR MEIO DE
UM HOMEM, QUE SE ASSENTARIA NO TRONO
Lamentações 5.19: Thou, O LORD, remainest for ever; thy throne from
generation to generation.
Apocalipse 20.4: And I saw thrones, and they sat upon them, and judg-
ment was given unto them: and I saw the souls of them that were be-
headed for the witness of Jesus, and for the word of God, and which had
174
not worshipped the beast, neither his image, neither had received his
mark upon their foreheads, or in their hands; and they lived and reigned
with Christ a thousand years.
Apocalipse 22.1: And he shewed me a pure river of water of life, clear
as crystal, proceeding out of the throne of God and of the Lamb.
Salmo 132.11: The LORD hath sworn in truth unto David; he will not
turn from it; Of the fruit of thy body will I set upon thy throne.
Salmo 132.1: LORD, remember David, and all his afflictions […]
XIV. CRISTO ELIMINARÁ O MAL, O SOFRIMENTO E A
TRISTEZA
Sofonias 3.15: The LORD hath taken away thy judgments, he hath cast
out thine enemy: the king of Israel, even the LORD, is in the midst of
thee: thou shalt not see evil any more.
XV. A TRAIÇÃO DE JUDAS
João 13.1-11: Now before the feast of the passover, when Jesus knew
that his hour was come that he should depart out of this world unto the
Father, having loved his own which were in the world, he loved them
unto the end. And supper being ended, the devil having now put into the
heart of Judas Iscariot, Simon's son, to betray him; Jesus knowing that
the Father had given all things into his hands, and that he was come
from God, and went to God; He riseth from supper, and laid aside his
garments; and took a towel, and girded himself. After that he poureth
water into a bason, and began to wash the disciples' feet, and to wipe
them with the towel wherewith he was girded. Then cometh he to Simon
Peter: and Peter saith unto him, Lord, dost thou wash my feet? Jesus
answered and said unto him, What I do thou knowest not now; but thou
shalt know hereafter. Peter saith unto him, Thou shalt never wash my
feet. Jesus answered him, If I wash thee not, thou hast no part with me
.Simon Peter saith unto him, Lord, not my feet only, but also my hands
and my head.
10: Jesus saith to him, He that is washed needeth not save to wash his
feet, but is clean every whit: and ye are clean, but not all.For he knew
who should betray him; therefore said he, Ye are not all clean.
175
João 13.21-30: When Jesus had thus said, he was troubled in spirit, and
testified, and said, Verily, verily, I say unto you, that one of you shall
betray me. Then the disciples looked one on another, doubting of whom
he spake. Now there was leaning on Jesus' bosom one of his disciples,
whom Jesus loved. .Simon Peter therefore beckoned to him, that he
should ask who it should be of whom he spake. He then lying on Jesus'
breast saith unto him, Lord, who is it? Jesus answered, He it is, to whom
I shall give a sop, when I have dipped it. And when he had dipped the
sop, he gave it to Judas Iscariot, the son of Simon. And after the sop
Satan entered into him. Then said Jesus unto him, That thou doest, do
quickly. Now no man at the table knew for what intent he spake this unto
him. For some of them thought, because Judas had the bag, that Jesus
had said unto him, Buy those things that we have need of against the
feast; or, that he should give something to the poor. He then having
received the sop went immediately out: and it was night.
João 18.2: And Judas also, which betrayed him, knew the place: for
Jesus ofttimes resorted thither with his disciples.
Marcosc 3.19: And Judas Iscariot, which also betrayed him: and they
went into an house.
Efésios 2.20: And are built upon the foundation of the apostles and
prophets, Jesus Christ himself being the chef corner stone […]
João 12.1-8: Then Jesus six days before the passover came to Bethany,
where Lazarus was which had been dead, whom he raised from the
dead. There they made him a supper; and Martha served: but Lazarus
was one of them that sat at the table with him .Then took Mary a pound
of ointment of spikenard, very costly, and anointed the feet of Jesus, and
wiped his feet with her hair: and the house was filled with the odour of
the ointment. Then saith one of his disciples, Judas Iscariot, Simon's
son, which should betray him, Why was not this ointment sold for three
hundred pence, and given to the poor? This he said, not that he cared
for the poor; but because he was a thief, and had the bag, and bare what
was put therein. Then said Jesus, Let her alone: against the day of my
burying hath she kept this. For the poor always ye have with you; but
me ye have not always.
176
XVI. DESEJO DE PODER, DE GRANDEZA E GANÂNCIA E A
CORRUPÇÃO DO SER HUMANO, CAUSADA PELO
PODER
21.7: Wherefore do the wicked live, become old, yea, are mighty in
power?
Provérbios 1.11-19: If they say, Come with us, let us lay wait for blood,
let us lurk privily for the innocent without cause: Let us swallow them
up alive as the grave; and whole, as those that go down into the pit: We
shall find all precious substance, we shall fill our houses with spoil:Cast
in thy lot among us; let us all have one purse: My son, walk not thou in
the way with them; refrain thy foot from their path: For their feet run to
evil, and make haste to shed blood. Surely in vain the net is spread in
the sight of any bird. And they lay wait for their own blood; they lurk
privily for their own lives. So are the ways of every one that is greedy of
gain; which taketh away the life of the owners thereof.
Jr 45.5: And seekest thou great things for thyself? seek them not: for,
behold, I will bring evil upon all flesh, saith the LORD: but thy life will I
give unto thee for a prey in all places whither thou goest.
Mateus 6.19-21: Lay not up for yourselves treasures upon earth, where
moth and rust doth corrupt, and where thieves break through and steal:
But lay up for yourselves treasures in heaven, where neither moth nor
rust doth corrupt, and where thieves do not break through nor steal: For
where your treasure is, there will your heart be also.
XVII. A PRESENÇA SOLENE DE DEUS E O TEMOR DE SE
OLHAR PARA ELE
Gênesis 28.16-17: And Jacob awaked out of his sleep, and he said, Sure-
ly the LORD is in this place; and I knew it not .And he was afraid, and
said, How dreadful is this place! this is none other but the house of God,
and this is the gate of heaven.
Esdras 9.15: O LORD God of Israel, thou art righteous: for we remain
yet escaped, as it is this day: behold, we are before thee in our trespass-
es: for we cannot stand before thee because of this.
177
Deuteronômio 21.17: But he shall acknowledge the son of the hated for
the firstborn, by giving him a double portion of all that he hath: for he is
the beginning of his strength; the right of the firstborn is his.
XIX. SANGUE E ALIANÇA
Êxodo 24.8: And Moses took the blood, and sprinkled it on the people,
and said, Behold the blood of the covenant, which the LORD hath made
with you concerning all these words.
Êxodo 29.12: And thou shalt take of the blood of the bullock, and put it
upon the horns of the altar with thy finger, and pour all the blood beside
the bottom of the altar.
Levítico 16.14: And he shall take of the blood of the bullock, and sprin-
kle it with his finger upon the mercy seat eastward; and before the mer-
cy seat shall he sprinkle of the blood with his finger seven times.
João 6.53: Then Jesus said unto them, Verily, verily, I say unto you,
Except ye eat the flesh of the Son of man, and drink his blood, ye have
no life in you.
Hebreus 10.29: Of how much sorer punishment, suppose ye, shall he be
thought worthy, who hath trodden under foot the Son of God, and hath
counted the blood of the covenant, wherewith he was sanctified, an un-
holy thing, and hath done despite unto the Spirit of grace?
Marcos 15.29: Of how much sorer punishment, suppose ye, shall he be
thought worthy, who hath trodden under foot the Son of God, and hath
counted the blood of the covenant, wherewith he was sanctified, an un-
holy thing, and hath done despite unto the Spirit of grace?
Lucas 22.6: And he promised, and sought opportunity to betray him unto
them in the absence of the multitude.
Apocalipse12.11: And they overcame him by the blood of the Lamb, and
by the word of their testimony; and they loved not their lives unto the
death.
178
XXI. CHORO DAS MULHERES PELA MORTE DE JESUS
Lucas 23.28: But Jesus turning unto them said, Daughters of Jerusalem,
weep not for me, but weep for yourselves, and for your children.
XXII. MILAGRE DE JESUS PROVENDO ALIMENTO PARA
MULTIDÕES
Marcos 6.3: Is not this the carpenter, the son of Mary, the brother of
James, and Joses, and of Juda, and Simon? and are not his sisters here
with us? And they were offended at him
Lucas 9.13: But he said unto them, Give ye them to eat. And they said,
We have no more but five loaves and two fishes; except we should go
and buy meat for all this people.
João 6.9: There is a lad here, which hath five barley loaves, and two
small fishes: but what are they among so many?
XXIII. A RESSURREIÇÃO DE JESUS
Marcos 16.1-8: And when the sabbath was past, Mary Magdalene, and
Mary the mother of James, and Salome, had bought sweet spices, that
they might come and anoint him. And very early in the morning the first
day of the week, they came unto the sepulchre at the rising of the sun.
And they said among themselves, Who shall roll us away the stone from
the door of the sepulchre? And when they looked, they saw that the
stone was rolled away: for it was very great. And entering into the sep-
ulchre, they saw a young man sitting on the right side, clothed in a long
white garment; and they were affrighted. And he saith unto them, Be not
affrighted: Ye seek Jesus of Nazareth, which was crucified: he is risen;
he is not here: behold the place where they laid him .But go your way,
tell his disciples and Peter that he goeth before you into Galilee: there
shall ye see him, as he said unto you. And they went out quickly, and
fled from the sepulchre; for they trembled and were amazed: neither
said they any thing to any man; for they were afraid.
Lucas 24.1-10: Now upon the first day of the week, very early in the
morning, they came unto the sepulchre, bringing the spices which they
had prepared, and certain others with them. And they found the stone
rolled away from the sepulchre. And they entered in, and found not the
179
body of the Lord Jesus. And it came to pass, as they were much per-
plexed thereabout, behold, two men stood by them in shining garments:
And as they were afraid, and bowed down their faces to the earth, they
said unto them, Why seek ye the living among the dead? He is not here,
but is risen: remember how he spake unto you when he was yet in Gali-
lee, Saying, The Son of man must be delivered into the hands of sinful
men, and be crucified, and the third day rise again. And they remem-
bered his words, And returned from the sepulchre, and told all these
things unto the eleven, and to all the rest. It was Mary Magdalene, and
Joanna, and Mary the mother of James, and other women that were with
them, which told these things unto the apostles.
João 20.1: The first day of the week cometh Mary Magdalene early,
when it was yet dark, unto the sepulchre, and seeth the stone taken away
from the sepulchre.
b) Os procedimentos na tradução das intertextualidades
VII. JESUS, O LEÃO DE JUDÁ
Mateus 1.1,20: But while he thought on these things, behold, the angel
of the Lord appeared unto him in a dream, saying, Joseph, thou son of
David, fear not to take unto thee Mary thy wife: for that which is con-
ceived in her is of the Holy Ghost.
Mateus 9.27: And when Jesus departed thence, two blind men followed
him, crying, and saying, Thou Son of David, have mercy on us.
Mateus 12.23: And all the people were amazed, and said, Is not this the
son of David?
Mateus 15.22: And, behold, a woman of Canaan came out of the same
coasts, and cried unto him, saying, Have mercy on me, O Lord, thou Son
of David; my daughter is grievously vexed with a devil.
Mateus 20.30: And, behold, two blind men sitting by the way side, when
they heard that Jesus passed by, cried out, saying, Have mercy on us, O
Lord, thou Son of David.
Mateus 21.9, 15: And the multitudes that went before, and that followed,
cried, saying, Hosanna to the Son of David: Blessed is he that cometh in
180
the name of the Lord; Hosanna in the highest. And when the chief
priests and scribes saw the wonderful things that he did, and the chil-
dren crying in the temple, and saying, Hosanna to the Son of David;
they were sore displeased,
Mateus 22.43,45: He saith unto them, How then doth David in spirit call
him Lord, saying, If David then call him Lord, how is he his son?
Romanos 1.3: Concerning his Son Jesus Christ our Lord, which was
made of the seed of David according to the flesh;
2Timóteo 2.8: Remember that Jesus Christ of the seed of David was
raised from the dead according to my gospel […]
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