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B574m BEZERRA, Dinarte Varela.
1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução:
a narrativa como ato socialmente simbólico/Dinarte
Varela Bezerra/ Natal, 2008.225p.
Orientador: José Antonio Spinelli Lindoso.
Tese (doutorado) – UFRN/CCHLA
1. Sociologia da Cultura. 2. Sociedade Paraibana – narrativa
3. Revolução de 30 – Paraíba. I. Título.
UFPB/BC CDU 3160.7(043)
1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução:
a narrativa como ato socialmente simbólico
Dinarte Varela Bezerra
Tese apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação do
Prof. Doutor José Antonio Spinelli Lindoso.
Natal - 2008
Para Margarete e Beatriz
meus grandes e e-ternos amores.
E para dona Josefa (in memoriam).
Por que só a Revolução de 30, na Paraíba, permanece sob
tratamento puramente literário e continua sendo contada na
estreita faixa do maniqueísmo representado pelos dois
extremos: o monstro amarrado no poste para ser apedrejado e o
santo, intocável, dentro de uma redoma de vidro.
José Joffily
Há muitas formas de dizer a verdade. Talvez a mais persuasiva
seja a tem a aparência de mentira.
José Américo de Almeida
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO
Sim, ainda, a Revolução de 30.....................................................................................10
CAPÍTULO I
A Revolução de 30 e os artefatos culturais..................................................................23
CAPÍTULO II
1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução: a narrativa como
ato socialmente simbólico...........................................................................................42
2.1. Resoluções romanescas.........................................................................................81
2.2. Resoluções dramatúrgicas...................................................................................112
2.3. Resoluções filmicas.............................................................................................118
CAPÍTULO III
A pedra do reino e o inconsciente político da revolução............................................124
3.1. A pedra do reino e os modos de produção textual:
a ideologia da forma...................................................................................................128
3.2. A tematização do bem e do mal...........................................................................147
3.3. Realismo e desejo: Quaderna e a questão do desejo............................................165
CAPÍTULO IV
O nome da cidade: Parahyba, capital João Pessoa, Paraíba, capital...?......................183
Considerações finais...................................................................................................207
Referências.................................................................................................................213
RESUMO
Este trabalho argumenta em defesa do inconsciente político da
Revolução de 1930, tese que, necessariamente, passa pela relação que
sociedade paraibana mantém com esse seu passado e como este
passado através da narrativização alcança na atualidade a liberação de
uma verdade reprimida e oculta. E mais, como a parcialidade
ideológica gerou o ressentimento político sob a forma do pensar dos
adversários na perspectiva do bem e do mal, revelando a contradição
social insolúvel da revolução. Esse processo abrange as variadas
formas de narrativas, dos produtos da cultura de massa à produção
literária, e sob a perspectiva metodológica apontada por Fredric
Jameson, todos os textos literários ou culturais podem e devem ser
lidos como resoluções simbólicas de verdadeiras contradições políticas
e sociais. No caso da Paraíba, teremos resoluções que visam a verdade
sobre: os motivos que causaram a morte de João Pessoa, a adulteração
e publicidade da correspondência amorosa entre João Dantas e Anayde
Beiriz, o oficialmente declarado suicídio de João Dantas – o homem
que assassinou João Pessoa; acontecimentos esses que relacionam a
Paraíba à Revolução de 1930.
Palavras-chave: narrativa, inconsciente político, Revolução de 30
ABSTRACT
This work is an attempt to show that the ideological conflict that has been
developed by the hegemony of the 1930 Revolution historical events in Paraíba,
conceptually turned into an insoluble social contradiction. It ocurred due to
imaginary or formal resolutions of the literature that ended up by altering the
epistemological rules of the relation between fiction and reality. The present work
is based on „The unconscious politics: a narrative as a socially symbolic act“,
book in which all the literary or cultural texts can and should be read as symbolic
resolutions to insoluble social contradictions. From string to contemporary
literature this phenomenon has been registered by the several ways of textual
production turning the 1930 Revolution into one of the main elements which
guides the political scene of Paraíba. The ideological groups still centered on the
political resentment and committed to a political conflict forged the existence of
two historical truths: one which suits the „liberais“, the winners, and another
which suits the „perrepistas“, losers of the 1930 conflict.
This work argues in favour of the unconscious politics of the 1930 Revolution.
This thesis considers necessarily the relation that the Paraibana society maintains
with its past and how this past reaches in the present the liberation of a hidden and
repressed truth through its narrativization.
Beyond that, how the ideological partiality generated the political resentment
through the way of thinking of the rivals under the perspective of the good and
evil reveals its insoluble social contradiction. Process which comprehends varied
narrative forms of the mass culture products and literary production, as in the
methodological perspective pointed by Fredric Jameson that all literary or cultural
texts can and shall be read as symbolic resolutions of true political and social
contradictions. In the case of Paraiba we will have resolutions that search for the
reasons which caused the death of João Pessoa: forgery and publicity of love
letters, dispute over the official version of suicide commited by João Dantas, the
man who assassinated João Pessoa.
Keywords: narrative, unconscious politics, 1930 Revolution.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a algumas pessoas e instituições que tornaram possível
este trabalho:
Ao Professor José Antonio Spinelli, que, com paciência, soube lidar com
minha ansiedade e conduzir a orientação do trabalho.
Ao professores João Emanuel Evangelista e Willington Germano, que
acompanharam a evolução deste trabalho desde a disciplina Seminário de Tese ao
exame de qualificação, por suas observações e contribuições pertinentes.
A Ricardo e Ana, José David, Lula Mousinho, Zé Luis, Derval, Galdino,
Josinaldo Malaquias, José Flávio, Cida e Jaldes, Jozenaldo, Fabiana, Geraldo, Otânio,
Maria Célia, Graça Amaro, Alômia, Edmilson, Raí, Glória, Bertrand, Silvana e Ricardo
Araújo, Henrique França, Marcelo Sobral e aos bibliotecários do setor de Processos
Técnicos da Biblioteca Central da UFPB, amigos, colegas e conhecidos incentivadores
desta minha peleja.
A todos os colegas do Departamento de Comunicação Social e Turismo
da UFPB, pelo bom ambiente acadêmico e luta por um departamento melhor.
A CAPES, por ter cedido uma bolsa do extinto programa PICDT, sem a
qual a pesquisa teria sido muito mais difícil.
A Beatriz e Margarete pelo amor e gratidão de uma vida em comum.
10
INTRODUÇÃO
Outubro/Novembro de 1930
Sim, ainda, a Revolução de 30
11
INTRODUÇÃO: Sim, ainda, a Revolução de 30.
O conteúdo já é concreto, na medida em que é, essencialmente, experiência
social e histórica, e podemos dizer que nossa operação interpretativa ou
hermenêutica o que o escultor disse de sua pedra, que bastava remover todas
as porções excrescentes para que a estátua surgisse, já latente no bloco de
mármore.
Fredric Jameson
A Revolução de 30 é uma fonte inexaurível de narrativas. Quando se
pensa que nada mais se poderia dizer diante do muito que já foi dito, alguma coisa ainda
resta, como uma lacuna que solicita uma última palavra para ser preenchida, tal qual o
inconsciente que necessita da linguagem para se expressar como pensamento. É através
da interpretação política dessas narrativas que o inconsciente é liberado, e funda-se a
hipótese do nosso trabalho: a Revolução de 30 como uma contradição social insolúvel.
A produção das narrativas referentes à Revolução de 30, na Paraíba, é
bastante singular. Ela se funda numa cadeia de informações (significantes) que
permanecem em constante conflito com o conteúdo (significado), gerando o sintoma de
uma contradição que ao passar dos anos foi se reproduzindo e se constituiu em um
sistema de valores que, mediado pelas narrativas que a linguagem contempla como
representação do mundo, sejam elas jornalística, literária, dramatúrgica ou
cinematográfica, rompe o silêncio e comunica à sociedade uma realidade que
permanecia reprimida e oculta. A realidade reprimida e oculta que as narrativas
ficcionais, através de suas resoluções imaginárias, trazem à superfície do texto
questionando o saber sobre a Revolução de 30, atitude que serve de campo fértil a
contradição que se apresenta e se reproduz em diversas obras, autores e épocas
diferentes, expressando, assim, um saber em contraposição aos discursos históricos e
historiográficos que consagraram a verdade da Revolução de 30 como um domínio da
12
memória a serviço dos vencedores. É esta relação que contradição entre a realidade e a
ficção que mantém o embate ideológico sempre revigorado e vivificante como elemento
norteador do imaginário, e a Revolução de 30, indubitavelmente, continua a empolgar o
debate político na Paraíba. Ao contrário do que já se havia afirmado, a Revolução de 30
ainda não acabou. Ela sobrevive no debate que vem sendo travado sobre o nome da
capital paraibana, troca simbólica que alinha a Paraíba ao movimento da Aliança
Liberal e, em seguida, à revolução. Revolução
1
que sobrevive pela relação que a
sociedade mantém com seus artefatos culturais e pelo ressentimento que diversos
agentes sociais manifestam em suas mensagens hostis, que se apresentam como
contradição nos discursos ideológicos, fomentando o debate sobre a verdade que seus
discursos encerram no processo de formação hegemônico na política e na cultura.
São por estas frestas que a hipótese de nosso trabalho se inscreve ao
demonstrar, mais do que argumentar, como a Revolução de 30 tornou-se ao longo dos
anos em uma contradição social insolúvel. Esse conceito será construído segundo as
recomendações que compõem o inconsciente político, modelo interpretativo proposto
por Fredric Jameson no livro do mesmo título e que inspira o aporte teórico
metodológico da nossa tese.
A interpretação política das narrativas, articulada por Fredric Jameson
como ato socialmente simbólico, constitui o modelo teórico para uma nova
hermenêutica: o inconsciente político. O método é concebido como uma tomada de
posição teórica e política em oposição às abordagens pós-estruturalistas dominantes nas
universidades estadunidenses. Na argumentação de Jameson, o inconsciente político
não é uma teoria de apoio aos métodos já existentes, como o psicanalítico, o mítico-
crítico, o estilístico, o ético ou estrutural, mas sim aquele “horizonte absoluto de toda
1
O que aconteceu em 1930, não foi uma revolução no sentido político do termo, mas uma convenção na
troca da facção de classe na administração do Estado.
13
leitura e de toda interpretação,”
2
postura que Jameson justifica ao afirmar: “nada existe
que não seja social e histórico – na verdade, de que tudo é, “em última análise,”
político. ”
3
Ele instaura a estratégia interpretativa do inconsciente político e pressupõe o
processo interpretativo e sua forma de apropriação do objeto:
nunca realmente abordamos um texto de imediato, em todo seu
frescor como coisa em-si mesma. Em vez disso, os textos se nos
apresentam como o “sempre-já-lido”; nós os apreendemos por meio
de camadas sedimentadas de interpretação prévias, ou – se o texto é
absolutamente novo – por meio de hábitos de leitura sedimentado e
categorias desenvolvidas pelas tradições interpretativas de que somos
herdeiros.
4
O ato interpretativo, na perspectiva crítica de Jameson, exige a
decifração alegórica, e nele o texto interpretado é re-escrito por um determinado código
mestre presente a sua própria textualidade, com a finalidade de agrupar o que existe de
ideológico no objeto. Uma vez interpretado, ele pode denunciar as formas de opressão
de um sistema cultural dominante. Produzem-se, assim, explicações e conhecimento
acerca da realidade social no seu contexto histórico-cultural, conferindo visibilidade à
prática interpretativa, pois é somente “quando trazemos para a superfície do texto a
realidade reprimida e oculta dessa história fundamental, que a doutrina de um
inconsciente político encontra sua função e sua necessidade.”
5
A narrativa ocupa o ponto principal na teoria do inconsciente político,
pois é em torno dela que Jameson reestruturou a problemática da ideologia, do
inconsciente, do desejo, da representação, da história e da produção cultural, por
considerá-la responsável pela principal atividade ou instância central da mente
humana
6
. O resultado é o estabelecimento da linguagem como ato essencialmente
2
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de
Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992. p. 15.
3
Ibidem, p.18.
4
Ibidem, p.9.
5
Ibidem, p.18.
6
Ibidem, p.13.
14
simbólico, ideologicamente explicitando a relação dos textos com a produção material
da realidade e com os valores ideológicos que lhe conferem representação na vida dos
indivíduos e sua relação imaginária com o real. Mesmo que a noção de real se insurja
contra a representação, é pela simbolização da linguagem que a história é representada.
A resolução para esta problemática, na proposição teórica de Jameson, está na
reformulação crítica do conceito de causalidade expressiva, atribuída a Louis Althusser,
segundo o qual a História como causa ausente é um processo sem sujeito e sem telos:
A devastadora negatividade da fórmula althusseriana é enganosa à
medida que pode prontamente ser assimilada aos temas polêmicos de
uma legião de pós-estruturalismos e pós-marxismos contemporâneos,
para os quais a História, aqui tomada no mau sentido – a referência a
um “contexto” ou a um “campo”, um certo mundo real externo, a
referência, em outras palavras, ao próprio tão criticado “referente” –,
é simplesmente mais um texto entre outros, algo encontrado nos
manuais de história e na apresentação das seqüências históricas tão
amiúde chamadas de “história linear”. O que a própria insistência de
Althusser na História como causa ausente deixa claro, mas que está
ausente da fórmula canônica, é que ele nem de longe chega à
conclusão tão em voga de que, se a História é um texto, o referente
não existe. Portanto, propomos a seguinte formulação revisada: que a
História não é um texto, ou uma narrativa, mestra ou não, mas que
como causa ausente, é-nos acessível apenas sob a forma textual, e que
nossa abordagem dela e do próprio Real passa necessariamente por
sua textualização prévia, sua narrativização no inconsciente político
7
.
É na mente do indivíduo que o real, como instância da representação
imaginária ou simbólica, é estruturado como linguagem homóloga ao próprio
inconsciente que está sempre pronto para processar as mensagens desejadas ou
permitidas pelo significante a tomar a forma textual, simbólica.
A atividade hermenêutica do inconsciente político pode ser adotada em
horizontes semânticos distintos para a interpretação dos textos literários ou culturais
percebidos como reajuste ou performance da consciência, processo onde a linguagem
tem a função de mediação nos confrontos políticos que visam superar a contradição que
7
Ibidem, p.31.
15
os discursos ideológicos apresentam em três horizontes metodológicos convergentes
que organizam o inconsciente político:
três molduras concêntricas, que marcam uma ampliação do sentido
do campo social de um texto por meio das noções, em primeiro
lugar, de história política, no sentido estrito do evento pontual e de
uma seqüência semelhante a uma crônica dos acontecimentos ao
longo do tempo, e, em seguida, da sociedade, no sentido agora
menos diacrônico e sujeito ao tempo de uma tensão e de uma luta
constitutivas entre as classes sociais, e, por fim, da História agora
concebida em seu mais amplo sentido de seqüência de modos de
produção e da sucessão e destino das várias formações sociais
humanas, da vida pré-histórica a qualquer tipo de História futura que
nos aguarde.
8
O sentido fundamental de um texto, no argumento acima, observa
Anderson, possui uma hierarquia “que vai do fundamental ao superficial: econômico
social político.”
9
E Jameson começa com a caracterização deste último horizonte
semântico ou interpretativo, chamando a atenção para o fato de que é somente nele, o
estritamente político:
que a história é reduzida a uma série de eventos pontuais e de crises
ao longo do tempo, à agitação diacrônica do ano-a-ano, os anais
semelhantes a crônicas da ascensão e queda dos regimes políticos e
dos modismos sociais, e a apaixonada imediatez das lutas entre os
indivíduos históricos –, que o “texto”, ou objeto de estudo, tenderá a
coincidir com a obra literária individual ou o artefato cultural.
10
É neste horizonte que a história factual tomada como texto individual ou
literário é interpretada como ato simbólico, concebida como resolução imaginária que
busca resolver os conflitos reais da sociedade que perduram ao longo do tempo. Essa
produção textual ou forma do ato estético é também considerada em “si mesmo
ideológico e a produção da forma estética ou narrativa deve ser vista como um ato
8
Ibidem, p.68.
9
ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999.p. 145.
10
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de
Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992. p.70.
16
ideológico em si próprio, com a função de inventar “soluções” imaginárias ou formais
para contradições sociais insolúveis.”
11
O conceito de contradição assume a forma da aporia ou de antinomia.
Sendo esta última a que estabelece a categoria fundamental de contradição, Jameson
recomenda o esquema semiótico de Greimas que utiliza a combinação das oposições
binárias, que possuem entre si relações hierárquicas entre contrários, contraditórios e
de implicação.
12
O uso desse esquema possibilita a organização do uso ideológico das
oposições binárias ou antinomias. Esta articulação permite que uma consciência em seu
limite ideológico possa ser descrita e sua atuação rastreada, marcando “os pontos
conceituais além dos quais essa consciência não pode ir, e entre os quais está
condenada a oscilar
13
.” Essa operação de mapeamento é denominada de fechamento
ideológico, e direciona-se:
fortemente para o lado avesso ou impensé ou nondit, em suma, para o
próprio inconsciente político do texto, de modo que os seus semas
dispersos deste – quando reconstruídos segundo este modelo de
fechamento ideológico – nos direcionam insistentemente ao poder
informativo das forças ou contradições que o texto busca, em vão,
controlar ou dominar (ou manipular...), totalmente.
14
Pode-se também articular conceitualmente este horizonte político pelos
conflitos coletivos nos quais a burguesia apresentou-se como protagonista em oposição
à oligarquia latifundiária ou ainda pela rivalidade das forças transnacionais do
capitalismo e do comunismo, assim como os vários tipos de nacionalismo que ambas
forças representam.
11
Idem, p.72.
12
GREIMAS, A. J. O jogo das restrições semióticas. In: Sobre o sentido: ensaios de semiótica. Tradução
de Ana Cristina Cruz Cezar e outros. Petrópolis: Vozes, 1975. pp.126-143.
13
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de
Valter Lellis Siqueira São Paulo: Ática, 1992. p.43.
14
Ibidem, p.44.
17
É neste horizonte que o campo simbólico, com seus recursos textuais, sob
a máscara das palavras, oculta suas alegorias, suas metáforas, para poder desnudar o
Outro – que é o objeto de que se fala através de fábulas, sátiras, dramas, tragédias – e
desafia a história e a denuncia como manipulação política na construção de uma
realidade que por muito tempo manteve uma outra reprimida que, por sua vez,
encontrou na ficção uma das formas privilegiadas trazer esta realidade reprimida à
superfície do texto, fazendo da narrativa um ato socialmente simbólico na criação de
novas possibilidades interpretativas. A abertura que é vetada à historiografia fechada e
mortificada pelo cânone oficial.
É na perspectiva deste horizonte metodológico que as resoluções
imaginárias para os acontecimentos políticos que desembocaram na Revolução de 30
serão articuladas como atos simbólicos. Essas resoluções consolidam a revolução como
um dos acontecimentos mais significativos eventos do País no século XX e o mais
importante já acontecido no “sublime torrão” paraibano, permanecendo a freqüentar o
seu imaginário. A afirmativa é bastante plausível, dada a vasta produção de narrativas
que os artefatos culturais que nos contemplam com suas resoluções simbólicas sobre a
Revolução de 30 na Paraíba. Muitos desses artefaos exprimem a verdade ficcional de
forma tão realista – tal a intensidade e consistência das narrativas –, que as resoluções
imagiárias acabam por rivalizar coma verdade da história, numa relação que fomenta o
surgimento da contradição social da revolução; o confronto entre as verdades originadas
pelas narrativas de ficção (literatura, cinema e dramaturgia) e a história é um embate
que organiza esforços entre historiadores, escritores, críticos literários, jornalistas com a
função de distinguir o que é a verdade na ficção e a verdade na história, recolocando nos
trilhos a verdade verdadeira da história oficial.
18
No conjunto das verdades em conflito, encontram-se os motivos para a
morte de João Pessoa, do assalto à residência de João Dantas, da publicação de sua
correspondência particular no jornal A União. Desconfia-se que as cartas dando
conhecimento de posse de dinheiro público pela família Dantas foram forjadas ou
adulteradas, assim como, principalmente as cartas amorosas atribuídas a João Dantas e
Anayde Beiriz, afixadas na Delegacia de Polícia. Tem-se ainda a conflituosa versão de
suicídio do homem que matou João Pessoa, João Dantas, na Penitenciária do Recife.
Conflitos que permanecem como alvo de resoluções simbólicas pelos artefatos culturais,
para em seguida ganhar, pela crítica, o debate político sobre o que foi verdade e o que
permanece como não-verdade. Essas resoluções encontram-se articuladas no segundo
capítulo, 1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução: as resoluções
imaginárias, abrangendo os subitens 2.1, as resoluções romanescas, 2.2, resoluções
dramatúrgicas e 2.3, as resoluções fílmicas.
A narrativa como ato socialmente simbólico corresponde a uma ação
física que deixou de ser concretizada no mundo real e que se realiza plenamente na
esfera da ficção, visando uma determinada realidade, através de resoluções imaginárias.
No nosso caso, as resoluções imaginárias têm como preocupação fundamental o destino
da Paraíba sob o signo da revolução, abordagem que deve ser apreendida como uma
ação ideológica, cuja mensagem deve atingir um objetivo específico: a contradição.
Através do segundo horizonte – o social –, o texto literário, ou cultural,
apreendido como discurso coletivo, ou de classe, é transformado em expressão de
pouco mais que uma parole individual ou enunciado ideológico tomado como a menor
unidade inteligível proferido em atenção ao antagonismo das classes ou grupos sociais
em oposição. Essa unidade mínima discursiva Jameson chamou de ideologema,
conceito que corresponde a uma:
19
formação anfíbia, cuja característica estrutural essencial pode ser
descrita como uma possibilidade de se manifestar como uma pseudo-
idéia- um sistema conceitual ou de crença, um valor abstrato, uma
opinião ou um preconceito ou como uma protonarrativa, uma espécie
de fantasia de classe essencial em relação aos “personagens coletivos”
que são as classes em oposição”
15
Nesta perspectiva, Jameson enfatiza o dialógico, processo que permite a
reabilitação das culturas marginalizadas ou não hegemônicas ao desvelar que a
existência de uma cultura genuína só existe no campo da ideologia e na universalização
dos sistemas conceituais. Elaboração que tende, neste diálogo de classes, a perpetuar
apenas uma voz, a voz da classe ou do segmento hegemônico. A organização do
discurso hegemônico dá forma ao elástico conceito de ideologema.
A apreensão dos ideologemas, afirma Jameson, pode assumir a aparência
de um sistema filosófico ou de texto cultural. Como analista, Jameson iniciou o
inventário desses ideologemas ao identificar: “aquele ideologema fundamental do
século XIX que ele nomeou de a “teoria” do ressentimento e ao desmascarar a ética
binária entre o bem e o mal como uma das formas fundamentais do pensamento
ideológico da cultura ocidental”.
16
É o pensamento simbólico que expressa como
aquele sujeito diferente de mim pode ser pensado como o mal por colocar em risco a
minha existência. O trabalho de identificação dos ideologemas permanece em aberto, e
a tarefa de identificá-los e registrá-los, caso ainda não tenham sido identificados, cabe
aos analistas dos estudos culturais.
Sob esta perspectiva, abordamos na primeira parte do capitulo dois, as
antinomias verdade/mentira no processo de construção do conhecimento sobre a
Revolução de 30 como parte constitutiva do saber historiográfico e ficcional. Tal
conflito mobiliza a sociedade em busca de soluções, que acaba, porém, por repetir as
15
Ibidem, p.80.
16
Ibidem, p.80.
20
mensagens ideológicas dos discursos que reproduzem o sintoma da contradição, ou
seja, a verdade da ficção como um sistema de valores que objetiva furar o bloqueio do
saber dominante na política e cultura.
Ainda no capitulo dois, abordamos, como reflexo do espelho do
ressentido, o uso ético da antinomia do bem e do mal na demarcação ideológica das
identidades que representam os grupos envolvidos nos conflitos de 30. E, no subitem
3.2, A tematização do bem e do mal, do capítulo três, veremos como o bem e o mal são
utilizados no sistema literário de Suassuna ao explorar a representação dos liberais e
perrepista através da cultura popular.
Com o terceiro horizonte, nomeado por Jameson como – ideologia da
forma –, a História é concebida como a sucessão dos vários modos de produção nas
diversas formações sociais. Esse horizonte é caracterizado de forma absoluta,
totalizadora e transcendente aos demais horizontes:
é antes a unidade abrangente de um único código que elas têm que
compartilhar e que assim caracteriza a unidade mais ampla do sistema
social. Este novo objeto – código, sistema de signos ou de produção
de signos e códigos – torna-se assim um índice de uma entidade a ser
estudada, que transcende em muito os anteriores, referentes ao
estritamente político (o ato simbólico), ao social (o discurso de classe
e o ideologema), e a este objeto que propusemos designar como o
“histórico”, no sentido mais amplo da palavra. Aqui, a unidade
organizadora será o que a tradição marxista chama de modo de
produção
17
.
17
Ibidem, p.81.
21
Jameson parte do pressuposto de que o desenvolvimento histórico-social
dá-se de modo sincrônico, de forma que vários modos de produção coexistem sob o
predomínio de um deles. O texto literário ou cultural pode ser interpretado mediante “as
mensagens específicas emitidas pelos vários sistemas de signos que coexistem em um
dado processo artístico, bem como na formação social geral.”
18
A ideologia da forma é determinada na apreensão da contradição
determinante das mensagens específicas emitidas pelos vários sistemas de signos que
coexistem em um dado processo artístico, bem como na formação social geral.”
19
A
contradição neste horizonte é apreensível como um campo de forças em que a dinâmica
de distintos sistemas de signos é registrada em um mesmo processo textual, e como
lembra nos lembra Jameson:o que chamamos de um “modo de produção” não é um
modelo producionista, e isto sempre vale dizer.”
20
No capítulo três, O inconsciente político e o romance A pedra do reino,
que essa orientação metodológica, a ideologia da forma, será abordada ao seguirmos a
historicização do gênero romanesco como forma narrativa. Processo didático e
paradigmático que faz do romance do paraibano um gênero único e inclassificável que
navega entre os gêneros da cultura erudita e o romanesco popular de pura diversão e
distração dos contadores de casos. O romance de Suassuna possui uma força
extraordinária de produção textual que chega a ser compulsiva. É incrível como a
narrativa de forma não linear livremente se associa a uma lógica interna produzindo
novo sentido a cada ida e vinda de seu caleidoscópio narrativo. Ao piscar dos olhos,
pode-se perceber um Suassuna tão arcaico quanto moderno. Arcaico por simular uma
18
Ibidem, p.90.
19
Ibidem, p.90.
20
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio.Tradução de Maria Elisa
Cevasco. São Paulo: Ática, p.402.
22
instituição narrativa antiga, genuína como forma de relação social com um narrador que
conta sua história a ouvintes cara a cara, relação sobrevivente das sociedades arcaicas
que não dominavam o código da escrita. Prática que resiste em nossa sociedade, apenas
como registro da memória popular
21
. Relação que vem se deteriorando com o avanço da
mercantilização da literatura e da cultura que resultou no livro impresso que não carece
mais da presença do contador de história. Portanto, a experiência com o romance
tornou-se um ato individual, realçando o moderno na reorganização textual que gera
uma estética e um ato genuinamente histórico com discussões acerca do capitalismo.
No primeiro capítulo, temos a recepção dos artefatos culturais e a relação
que eles mantêm com a sociedade que a retratam. No último capítulo, a discussão sobre
o nome da cidade – João Pessoa – volta à cena como um código ideológico que serve
para manter a Revolução de 30 sempre em debate e a imaginação em pleno fervor. Por
isso, sim, ainda, a Revolução de1930.
21
Como relata Altimar Pimentel em Presença do romanceiro peninsular no Brasil: “Tia Beta possui o
dom do fascínio. Encantou-nos com sua sabença de romances, xácaras, contos populares e tanta coisa
mais que dos seus 71 anos guardou. Com ela salvou-se acervo inestimável de cultura do povo, que ela
transmite com uma alegria apaixonante.” Jornal da Paraíba. Campina Grande, 17 Jun. 2001. Vida e arte.
P.4.
23
Capítulo I
1 – A Revolução de 30 e os artefatos culturais
24
Capítulo I
A Revolução de 1930 e os artefatos culturais
As palavras vivem séculos; as atitudes também. No entanto,
quando as palavras designam atitudes, os séculos se tornam
mais complexos.
Mário Benedetti
As sociedades constroem suas narrativas pela importância dos
acontecimentos que as consagram no desenvolvimento histórico-cultural, conferindo-
lhes identidade. A capital paraibana – João Pessoa – é o registro de um campo
semântico que fundou uma época que não reconhece seu lugar no passado.
A Revolução de 1930 está sempre no presente com a representação de
seus nomes e seus símbolos cívicos, seus monumentos, seus edifícios, suas praças,
como uma escritura da Revolução de 30, pois o espaço como produto social reflete as
ideologias, e, como tal, a capital paraibana, que sempre esteve à mercê das
reestruturações políticas, nos relata seus acontecimentos histórico-políticos e
econômico-sociais, como exercício do poder humano.
Mudanças espaciais foram desencadeadas no processo apologético em
torno de João Pessoa, a capital será renomeada com seu nome oficialmente a 04 de
setembro de 1930. A praça comendador Felizardo Toscano de Brito também foi
rebatizada com o nome de João Pessoa e, no centro dela, um monumento ao “mártir” da
revolução, construído de corpo inteiro em bronze e granito, de autoria de Umberto
Cozzo.
O processo de narrativização da Revolução de 30 na Paraíba nos relata a
história de uma guerra civil: a revolta de Princesa e o assassinato de João Pessoa,
25
presidente (governador) do Estado da Paraíba (1928-1930). Acontecimentos que para
muitos serviram como estopim para a deflagração da Revolução de 30, e este último
acontecimento permanece como o mais importantes do século passado, por envolver de
forma especial a Paraíba, colocando-a no cenário nacional, e está encalacrado na
memória e na produção cultural paraibana.
A Revolta de Princesa visava a intervenção federal no governo da
Paraíba, atitude que pode ser compreendida como manobra política do coronel José
Pereira e seus aliados, os Pessoa de Queiroz, parentes de João Pessoa. Estes
construíram um vasto império mercantil, como representantes dos interesses de várias
multinacionais, que abrangia a importação de farinha de trigo, os negócios do ramo da
indústria automobilística ao ramo do petróleo, com o próprio José Pereira representante
da Esso na cidade de Princesa. Os Pessoa de Queiroz controlavam, pelo porto do
Recife, a exportação da produção primária do Nordeste como o açúcar, peles e algodão.
Império que começaria a ruir com a reforma tributária de João Pessoa. Foi no contexto
do conflito armado entre a milícia particular do coronel José Pereira e a Polícia Militar
paraibana que ocorreu o assassinato de João Pessoa, a 26 de julho de 1930, por João
Dantas, aliado de José Pereira, na cidade do Recife.
Alega-se como justificativa para este crime a série de reportagens
divulgadas pelo jornal A União, órgão oficial do governo, no período de 22 a 26 de
julho de 1930, com seguinte título: “Revelando a alma tortuosa dos conspiradores
contra a ordem e a dignidade de nossa terra.” E como subtítulo: “A policia appreendeu
armas e sensacionaes documentos na residencia do sr. João Dantas. Uma reportagem
impressionante”
22
. Os documentos apreendidos na invasão da residência de João
Dantas implicaram a sua família em desvio de verbas federais e, particularmente, João
22
Mantemos a grafia de época.
26
Dantas e Anayde Beiriz no mais famoso escândalo político e sexual na Paraíba, devido
a “um caderninho, o qual jamais poderá ser revelado de público por encerrar tendências
mais vis de um doente sexual.
23
A resposta imediata, tida como vingança, foi o
assassinato de João Pessoa por João Dantas.
Matérias tidas como impressionantes, ainda hoje freqüentam as páginas
da imprensa paraibana em calorosos debates para se saber se existiram ou não, entre os
“sensacionaes documentos”, as cartas amorosas do homem que matou João Pessoa
trocada com a Anayde Beiriz, então, sua noiva.
Outros jornais coadjuvantes, mas não menos importantes com atuação na
Paraíba, em 1930, fazem parte da promoção das idéias revolucionárias. Entre eles estão
o Jornal do Norte – político e noticioso –, de propriedade de Café Filho, que veio a
Paraíba para promover a campanha da Aliança Liberal
24
, e ficou até a eclosão do
movimento de 30; outro, o Correio da Manhã – jornal de livre opinião –, que tinha
como redator-chefe Aderbal Piragibe e O Liberal, todos estes seguindo a orientação da
Aliança Liberal. Dos jornais perrepistas, apenas se sabe da existência do jornal O
Norte, que foi empastelado por não fazer a defesa das mudanças políticas pretendidas
por João Pessoa, e outro em Campina Grande. Em pesquisa, não encontramos nenhum
exemplar daquela época, diferentemente dos jornais liberais, encontrados como
facilidade.
Logo após a morte de João Pessoa, os jornais liberais se empenharam em
pregar a derrubada dos governos de Washington Luiz e de Álvaro de Carvalho, vice de
João Pessoa, que assumira o governo da Paraíba e que, não querendo se juntar aos
23
Comentários de Ademar Vidal em João Pessoa e a Revolução de30. Rio de Janeiro:Graal, 1978.p.248.
Mas em O incrível João Pessoa, edição de 1931, a página 242, Adhemar Vidal comenta sobre os
documentos: “Alguns foram publicados. Outros jamais poderão ser revelados de publico porque encerram
as tendências mais vis de um lúbrico e de um doente mental.”
24
Coligação política que concorreu à presidência da república em chapa encabeçada por Getúlio Vargas
com João Pessoa na vice-presidência, perdendo as eleições para Júlio Prestes e Vital Soares. Depois do
assassinato de João Pessoa, a Aliança Liberal é rearticulada com o objetivo de tomar o poder pela força.
Vitoriosa , ficou conhecida como Revolução de 30.
27
revolucionários, tornou-se um sujeito indesejado à frente de uma maioria que
conspirava a revolução. Como veremos mais adiante, Álvaro de Carvalho irá resistir a
sancionar os projetos que tratavam da mudança do nome da capital paraibana e da
bandeira do Estado. Essas mudanças são articuladas pelo Jornal do Norte e o Correio
da Manhã.
O Jornal do Norte mobiliza a juventude em concurso para estudantes,
com a seguinte pergunta: “O que foi para a Mocidade o governo do dr. João Pessoa?”
Concurso este, no início, dirigido apenas às moças da Escola Normal e do Colégio
Nossa Senhora da Neves, sendo logo reivindicada a participação dos rapazes do Lyceu
Paraibano. Entretanto, quem ganhou o concurso foi a normalista Izabel de Almeida
Albuquerque, com a resposta que conseguiu resumir o absoluto sentimento dos
paraibanos: “Foi tudo, porque não há religião sem Deus nem pátria sem João Pessoa”.
Este sentimento religioso é mobilizador e ostensivo.
A presença das mulheres paraibanas é marcante. Elas se empenham nas
campanhas em apoio à mudança do nome da capital, formando uma prestimosa
commissão de senhoras e senhoritas da nossa mais alta sociedade que está promovendo
o movimento nesse sentido.”
25
Contribuem ainda para a mudança da Bandeira e Hino
do Estado, na arrecadação de dinheiro para ereção de monumentos e na veneração de
João Pessoa junto ao Altar da Pátria, monumento no qual todos os Estados estão
representados em homenagem ao morto. Comovida, uma grande parte dos jornais no
país acentua com grande repercussão a dolorosa morte do “apostolo, heroe e martyr”
João Pessoa, mas é no jornal Correio da Manhã, através das matérias especiais do
jornalista e Deputado Federal Raphael Côrrea de Oliveira
26
, que encontramos o uso
25
Correio da Manhã, 20 de agosto de 1930.
26
O jornalista e Deputado Federal Raphael Côrrea de Oliveira, quatro dias após a morte de João Pessoa,
publica artigo enaltecendo-lhe o caráter e, com oportunismo, prega a Revolução Liberal: “João Pessoa
28
político da morte de João Pessoa, relacionando-a às questões de caráter nacional, do
porto de Cabedelo (PB) ao Distrito Federal (RJ). A responsabilidade sobre a morte de
João Pessoa é atribuída ao presidente Washington Luiz
27
, como pregou o deputado
Lindolfo Collor da Tribuna da Câmara dos Deputados para espanto do plenário:
“Presidente da República, que fizeste do presidente da Paraíba?”
Estava aí configurada a importância de João Pessoa, transformar-se em
bandeira para a revolução, a oportunidade que faltava para se justificar a tomada do
poder:
Até hoje, por razões ideológicas dos vencedores de 1930, ou por
motivos locais e de interesse próprio, João Pessoa tem sido elevado a
fator fundamental de um processo renovador intenso na Paraíba, além
de ser apresentado como elemento determinante da Revolução de
outubro. Num e noutro caso, apressadamente, não podemos acentuar
demasiadamente e nem menosprezar a sua presença, mas, encará-la
objetivamente dentro de cada um dos casos. Seu papel na Revolução
de 30 é epidérmico, [...] ponderável é o fato do qual participa
involuntariamente: seu assassinato e a posterior repercussão. Sua
morte é devido a razões pessoais, mas é denunciada como produto da
política anti-Aliança Liberal, o que galvaniza novamente o processo
conspiratório, processo que estava em declínio....Mas no caso
particular, além destes recursos, legais e de força, são usados outros
instrumentos, que muitas vezes chegam até a vilania pessoal, como é
o caso de João Pessoa, quando publica cartas amorosas e íntimas de
João Dantas - para espanto geral, no próprio Diário Oficial. É este
incidente que provoca o assassinato do Governador e que servirá de
pretexto para a Revolução de outubro, pois, propositadamente,
procura-se confundir a morte de João Pessoa com a política federal de
Washington Luis.
28
caiu invencível, ele só, dentro da tempestade que devasta a dignidade brasileira. Bela figura de tragédia,
homem - expoente das energias mais vivas de uma época – perfil singular de lutador consciente e sereno
ele morre redimindo o Brasil do aviltamento a que o reduziram os ladrões, os bêbados e os devassos que
se apoderaram da República. O exemplo desse sacrifício repontará amanhã em frutos da Revolução
vitoriosa, o sol da liberdade iluminando a paz de um povo que ressurgiu do banho de sangue.”
Originalmente publicado no Diário da Tarde em 30.07.1930 e republicado pelo jornal A União sessenta e
sete anos depois, por ocasião do retorno dos restos mortais de João Pessoa e de sua esposa à Paraíba, em
26 de julho de 1997, conservando o título original do artigo: A hiena e seu último cadáver. Vide também,
Barbosa Lima Sobrinho em A verdade sobre a Revolução de outubro – 1930. São Paulo: Alfa - Omega,
1983, p.127.
27
Não! O criminoso está no Catete!” Manchete do jornal Correio da Manhã, edição de 02 de agosto de
1930.
28
CARONE, Edgar. João Pessoa – Objetividade histórica em torno de um fenômeno apologético.
Horizonte. João Pessoa, Ano 3, n.8, p. 296-301, jul./set.1978.
29
Da Parahyba ao Rio de Janeiro, João Pessoa morto torna-se ator de um
grande espetáculo, para o qual foi compulsoriamente convidado para representar o papel
de “redemptor do Brasil”, “o inolvidável”, “o grande e bravo João Pessoa”, “o santo
civil paraibano”, “o apostolo, propheta e messias”, que chegou ao ponto de “doar a vida
em holocausto à nação
29
”, numa espécie de suicídio altruísta que o consagrou como
mártir das liberdades democráticas no Brasil. O corpo de João Pessoa, ao chegar na
capital da República, será recebido por discursos emotivos e objetivos na conquista das
massas:
– No esquife que aí vedes, não está o corpo de um grande cidadão,
mas o cadáver da Nação!João Pessoa (...) tu és o pendão vermelho da
nossa revolta! (...) Mirai este esquife! Morrei por este homem que por
vós morreu!(...) Vós, gaúchos e mineiros, vinde cumprir a vossa
promessa! O povo está disposto a morrer pela liberdade! (...)
Ajoelhe-se a multidão para deixar passar o cadáver deste cristo do
civismo. E que se erga, depois, para ajustar contas com os judas que o
traíram e punir os que o executaram! O presidente da Paraíba é
transformado em mártir da revolução.
30
João Pessoa foi transformado em mártir da revolução, e na Paraíba esta
realidade permanece sob a cultura oficial. João Pessoa, mais do que mártir, foi
santificado na tradição de formação dos heróis republicanos, perspectiva anunciada
pelos relatos bibliográficos que começaram imediatamente após seu assassinato. Os
primeiros relatos surgem sob a pena de Ademar Vidal, secretário no Governo João
Pessoa, que publicou, ainda em 1930, O incrível João Pessoa, no qual relata o empenho
do governo no crescimento econômico do Estado, o processo eleitoral, a morte de João
Pessoa e sua participação no episódio do assalto à casa de Dantas, estopim para o último
acontecimento. Nos anos seguintes, sob a perspectiva apologética, Vidal escreve Do
grande presidente (1931)
31
e 1930: história de João Pessoa e da revolução na Paraíba
29
Qualidades empregadas pelos jornais A União, Jornal do Norte e Correio da Manhã em várias edições.
30
Discurso de Mauricio de Lacerda, citado por Domingos Meirelles, em 1930: os órfãos da revolução.
Rio de Janeiro: Record, 2006. p.532.
31
O número entre parênteses corresponde ao ano de publicação.
30
(1933)
32
. Livros que serviram de publicidade para a revolução e construção de João
Pessoa como herói e mártir. Em 1978, ano em que se comemorou o centenário de
nascimento de João Pessoa, os títulos acima são agrupados em uma única obra: João
Pessoa e a Revolução de 30, publicado pela editora Graal.
Em A campanha de Princesa, 1930 (1944), livro reportagem de João
Lelis, correspondente do jornal A União no front sertanejo, a cronologia da guerra civil
paraibana é narrada em seu dia-a-dia. Costuma-se dizer, exagero à parte, que este livro
está para a revolução de 30 na Paraíba como o livro de Euclides da Cunha, Os Sertões,
está para a Guerra de Canudos.
Publicada sob o selo do centenário de nascimento de João Pessoa, temos
a organização do historiador José Octávio de Arruda Mello, obra intitulada João
Pessoa Perante a história: textos básicos e estudos críticos, organização significativa e
indispensável devido à vasta referência textual de caráter histórico e ficcional. Mas, não
obstante a visão anti-maniqueísta e de conjunto do organizador, algumas obras de
ficção que tratam da revolução sob a perspectiva dos vencidos, ou identificadas aos
perrepistas, como Fretana (1936), de Carlos Dias Fernandes, ...a Seara de Caim, de
Rosalina Coelho Lisboa (1952), A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-
volta (1971) e História do rei degolado: ao sol da onça Caetana (1977), ambos de
Ariano Suassuna, não foram selecionadas para compor a coletânia de textos.
Contribuindo para a historiografia de 1930, José Octávio de Arruda
Mello ainda nos traz A revolução estatizada: um estudo sobre a formação do
centralismo em 30, onde, sob a perspectiva do desempenho político de João Pessoa à
frente do governo da Paraíba, o autor antevê a centralização do Estado brasileiro sob a
Revolução de 30. Obra vastamente documentada fornece-nos elementos para a
32
Livros publicados pela Imprensa Oficial.
31
compreensão da Revolução de 30 na Paraíba. E ainda temos, sob a coordenação de
Mello, o livro João Pessoa, a Paraíba e a Revolução de 30: exposições e debates do II
Seminário Paraibano de Cultura Brasileira (1979).
A livre expressão, para os defensores da Aliança Liberal na justificativa
de seus atos na tomada do poder republicano, era ampla, geral e irrestrita, suas
publicações eram editadas pelas gráficas da imprensa oficial, enquanto aos perrepistas –
seus adversários –, restava o silêncio, ou, quando tinham suas obras publicadas,
acabavam sendo recolhidas pelo Estado, tornando-se clandestinas, como aconteceu com
o livro que justifica Porque João Dantas assassinou João Pessoa, de Joaquim Moreira
Caldas, publicado em 1936, no qual a versão para os “suicídios” do assassino de João
Pessoa, João Dantas, e seu cunhado Augusto Caldas é desacreditada pelo registro
fotográfico de Louis Piereck. Livro que só chegou à segunda edição em agosto de 2005
e a respeito do qual cronista Wellington Aguiar diz só haver injúrias e calúnias,
principalmente ao inimigo dos Dantas, João Pessoa
33
. Diferentemente do livro de
Virgilio de Mello Franco, Outubro, 1930 (1931), que em menos de um ano alcançou
sua quarta edição e que já se apresenta como registro vigilante em preservar a verdade
dos acontecimentos em defesa dos liberais.
A revolta de Princesa: uma contribuição ao estudo do mandonismo local
(Paraíba, 1930), dissertação de Inês Caminha Lopes Rodrigues, publicação de 1978,
constitui-se em uma obra fundamental para compreender particularmente a revolta de
Princesa e a problemática coronelística na cultura paraibana.
Uma obra que nos chama a atenção é Agora, a verdade sobre os fatos de
1930, de autoria de Manuel Duarte Dantas, publicado em 1979, “sob a inspiração” da
comissão do Centenário de nascimento de João Pessoa. O autor aproveita-se das
33
AGUIAR, Wellington. O herói João Pessoa. Correio da Paraíba. João Pessoa, 02. Ago. 2007.
Caderno2. p.7.
32
resoluções simbólicas dos romances sobre 30 para consubstanciar sua opinião em
defesa dos “vencidos”, sobretudo os romances não selecionados no livro João Pessoa
perante a história, como Fretana, ...ASeara de Caim. Constitui-se, ainda, como fonte
para a argumentação de Manuel Duarte Dantas, o romance: Tempo de Vingança (1970),
de Virginius da Gama e Melo, considerado por Arruda Melo como alinhado
ideologicamente ao perrepismo.
Outro escritor que fez uso da ficção literária na justificativa de seus
argumentos é Joaquim Inojosa, em A República de Princesa (José Pereira X João
Pessoa - 1930), obra publicada em 1980, onde afirma que, em se tratando da morte de
João Dantas, nem o romance d’A pedra do reino
34
aceitou a lenda do suicídio
propagada pelos membros da Aliança Liberal, e em nota contesta José Joffily em
Revolta e revolução: cinqüenta anos depois (1979), afirmando que não passa de ficção
a versão de que teria sido Anayde Beiriz, noiva de João Dantas, a pessoa que entregou
o bisturi para que ele se matasse. Aliás, o escritor José Joffily utiliza-se de obra de
ficção para ilustrar seus argumentos históricos. À página 209, em Revolta e revolução,
cita o romance de Rosalina Coelho Lisboa, ...A Seara de Caim, para mostrar a
conjuntura caótica que a Paraíba mergulhou nos idos de 1930. E recomenda cautela aos
futuros leitores das memórias de José Américo de Almeida porque, afirma Joffily, elas
estão recheadas de pedantismo e de efeitos literários. Inojosa, ao rebater a narrativa
histórica de Joffily, ultrapassa a tênue linha aristotélica que separa as narrativas dos
historiadores, que contam aquilo que foi, para acreditar na narrativa dos poetas, que
conta a história que poderia ter sido, desvalorizando a literatura do memorialista Joffily.
Nesta situação, ambas as narrativas – historiográfica e ficcional – trazem a aura e o
vestígio da verdade.
34
Doravante, simplesmente A pedra do reino.
33
Esta situação é provocada pelas resoluções simbólicas das narrativas
ficcionais para fatos históricos que permanecem causando controvérsias. Como A
mansão da Praça Bela Vista (1972), de Carmem Coelho de Miranda Freire, que, na
visão de José Octávio de Arruda Mello, é romance demais para ser História e História
demais para ser romance”.
35
Seria um híbrido na relação contraditória existente entre a
história e ficção.
O chamado da terra (1975), de Fernando Silveira, é outro romance que
traz resoluções acerca da morte de João Dantas e, implicitamente, responsabiliza os
revolucionários pela morte do perrepista. Neste romance, o sertão nordestino, sob a
promessa do programa liberal revolucionário, será transformado em um paraíso
terrestre.
Baruque (1980) é o romance autobiográfico de Osias Gomes, que
substituiu Celso Mariz na direção do jornal do governo paraibano A União. É sob sua
direção que este jornal publicará as cartas de João Dantas, supostamente tratando de
desvios de verbas federais. Entretanto, Osias Gomes, simplesmente nada comenta a
respeito desse episódio. Contudo, sua opinião pode ser encontrada nos prefácios de
algumas obras como Campanha de Princesa (1930), livro reportagem de João Lélis,
publicado em 1940, que trata da guerra civil paraibana, e o romance A mansão da Praça
Bela Vista.
Em 1976, W.J.Solha publica, pelo jornal Correio da Paraíba,
Américo foi princeso no trono da monarquia: ensaio com estrutura de romance policial
ou vice-versa. Este romance, tomado como um ensaio psicanalítico, busca, no romance
de José Américo de Almeida de 1928, A bagaceira, estabelecer relações com a
revolução de 30. Em Shake-up (1992), José Américo aparece como personagem
35
MELO, José Octávio de Arruda, João Pessoa Perante a História. João Pessoa: A União, 1978, p.25.
34
misturada a três outras personagens Shakespeareanas: Brutus, Macbeth e Hamlet, e
admite o autor, que a reputação do intelectual José Américo de Almeida sairia arranhada
no processo de 30.
Mais recentemente, outros romances foram publicados. O primeiro,
Concerto para paixão e desatino: romance de uma Revolução brasileira (2003), de
Moacir Japiassu, tendo como personagem principal José Américo de Almeida no
enfrentamento ético sobre a morte na revolução. O segundo, de autoria de Aldo Lopes
de Araújo, O dia dos cachorros (2005), narra a resistência ao cerco de Princesa, posta
de dentro para fora da guerra civil paraibana. Ainda, 1930: a história de uma guerra
(2005), de Sebastião Lucena, é uma obra que claramente faz a defesa dos perrepistas
paraibanos.
E quando menos se espera, surgem
36
dois romances, Boa terra de ódios
(2007), de Paulo Fernando Craveiro, que inicia a trama de seu romance com a morte de
João Pessoa e a transforma em marco das resoluções na vida das personagens que vai e
volta reaparecem, seja na morte dos amantes, do possível amante ou do marido infiel
pela esposa, na Confeitaria Glória. A morte assombra as personagens do romance, como
a memória da revolução costuma assustar os viventes paraibanos. E, ainda nesse mesmo
ano de 2007, surge Roliúde, de Homero Fonseca, que apresenta a escatológica História
de presepada e heroísmo na Revolução de 30, contada por Bibiu, narrador das
peripécias.
O topônimo da capital paraibana, João Pessoa, em um futuro distante,
torna-se um enigma devido a ausência de referências históricas e conhecimento sobre o
homem que lhe dá o nome. Essa é a temática do conto A imaginação dos antigos, de
36
E mais recentemente foram publicados os seguintes livros relacionados ao tema: 1930: seis versões e
uma revolução – História oral da política paraibana (1889-1940), de Eduardo Raposo e Discurso e
memória em Ariano Suassuna, de Guaraciaba Michelleti..
35
autoria de Arturo Gouveia, no livro O mal absoluto (1996). Em Sonho de feliz cidade
(2007), João Pessoa é tomada como tema de concurso público sob a responsabilidade da
empresa Sebo Cultural, a organização de textos é uma reflexão sob os diversos aspectos
políticos e culturais da cidade.
As biografias vêm ocupando um lugar de destaque no mercado editorial
paraibano, principalmente aquelas que possuem algo de não autorizado como João
Pessoa: uma biografia (2000) e, em seguida, João Dantas: uma biografia (2002),
ambas de autoria de Fernando Melo; a primeira, em segunda edição esgotada, e a
segunda, em primeira edição, também esgotada. A biografia de João Pessoa sofreu
grande embate por parte do historiador Wellington Aguiar, pelos “erros” e “lapsos” na
interpretação que se propõe a perpetuar mentiras, principalmente no que diz respeito à
condução da política paraibana; e a biografia de João Dantas, além da capa desta obra
insinuar que existe um busto dele em praça pública ser um acinte à história, contém
elogios demais ao homem que matou João Pessoa:
O livro do jornalista Fernando Melo sobre o advogado João Dantas é
um trabalho válido para se conhecer mais sobre a identidade, até
então obscura, do assassino do presidente João Pessoa. Mas daí
transformar em herói quem disparou três tiros, à queima roupa, num
homem sentado –e desarmado – enquanto conversava com amigos
numa confeitaria é um verdadeiro disparate
37
.
Em resposta, como havia prometido, Wellington Aguiar publica João
Pessoa: o reformador (2005), para desfazer, segundo ele, as mentiras históricas,
contadas por Fernando Melo, que lançou várias suspeitas sobre o mito João Pessoa:
enriquecimento ilícito, desmandos administrativos e autoritarismo exacerbado nas
decisões, rompendo com os interesses privados dos coronéis na administração pública.
Bem biografado é José Américo de Almeida. Dois títulos foram
publicados sobre o autor de A bagaceira; o primeiro, de autoria de José Rafael de
37
JUREMA, Abelardo. Biografia. Correio da Paraíba. João Pessoa, 25. Jul.2002. Caderno2. p.6.
36
Meneses, José Américo, um homem do bem comum (1967), e o segundo, José Américo
de Almeida: a saga de uma vida (1987) de Joacil de Brito Pereira. Além das
publicações: Memórias de José Américo: o ano do nego (1968) e Eu e eles (1970), do
próprio José Américo. Ainda, o longo depoimento dado por ele a Aspásia Camargo,
Eduardo Raposo e Sergio Flaksman, em O nordeste e a política: diálogo com José
Américo de Almeida (1984).
Encontramos também na Literatura de Cordel, José Américo: ministro
das secas e pai da Bagaceira e D. Ariano Suassuna, senhor das iluminogravuras,
biografias de autoria de Manoel Monteiro. E João Dantas e Anayde Beiriz: vidas
diferentes, destinos iguais (1985), relato biográfico concedido a Maria de Lourdes Luna
por José Américo de Almeida.
A publicação do livro organizado pelo médico e jornalista Marcus
Aranha, Anayde Beiriz, a panthera dos olhos dormentes (2005), trata de resgatar a
memória da protagonista de grandes paixões, através da correspondência trocada com o
ex-noivo Heriberto Paiva. A preocupação desta organização é mostrar a existência de
Anayde Beiriz antes de 1930, contudo, a preocupação maior ainda é o encontro deste
livro com a verdade. No entanto, sem confirmar com dogmatismo esse encontro,
argumentou o coordenador da obra: “finalmente, talvez seja o surgimento da verdade.”
38
Este compromisso com a verdade se mantém em Mulheres Símbolos (2007), obra de
Joacil de Britto Pereira, que traça perfis biográficos de mulheres que marcaram a cena
política e cultural paraibana como Anayde Beiriz, Carmem Coelho de Miranda Freire,
Rita Villar Suassuna e Rosalina Coelho Lisboa, todas estas marcadas pela vivência da
revolução, entre outras mulheres de grande expressão na cultura brasileira.
38
ARANHA, Marcus. Outra face de Anayde Beiriz. Jornal da Paraíba, 13 Fev.2005. Vida e arte, p.5.
37
A Revolução de 30 também é representada na dramaturgia. O primeiro
texto a abordar o tema foi Um sábado em 30 (1964), de autoria de Luiz Marinho,
encenada sob a direção de Waldemar Oliveira. Ainda na década de sessenta, Paulo
Pontes, escreveu Parai-bê-a-bá, espetáculo teatral no qual narra o processo civilizatório
da conquista paraibana e demonstra a resistência dos paraibanos na luta contra o
governo do presidente Washington Luís e a articulação política da revolução através de
seus códigos secretos. No final da década de 70, Carmem Coelho de Miranda Freire
adapta o próprio romance, A Mansão da Praça Bela Vista para teatro com o título
Cifrado 110, que, em 1998, é remontada sob a direção de Tarcísio Pereira, agora com o
título mudado para João Pessoa e a Revolução de 30, mantendo a mesma perspectiva
ideológica do romance.
Em 1980, a comédia também se faz presente em O dia em que deu
elefante, de Marcos Tavares e, em meados da mesma década, Domingo Zeppelin, de
Marcos Vinicius, obra que tem como temática a necessidade de dinheiro para a
conspiração da chamada Revolução de 30. Em 1992, Paulo Vieira escreve Anayde, a
peça de maior sucesso sobre o tema, na qual a protagonista é resgatada “como pivô de
um crime passional que abalou a República de 30”
39
, drama inspirado nas obras de José
Joffily, Revolta e Revolução: cinqüenta anos depois (1979) e Anayde: paixão e morte na
Revolução de 30 (1980).
O cinema paraibano de expressão documentarista inaugurou a temática
da Revolução de 30 com O Homem de Areia (1980), de Vladimir Carvalho, trazendo
relatos de José Américo de Almeida sobre a revolução e sua vida política depois dela. O
documentário conta com depoimentos de seus adversários na trama de 30, inclusive de
Ariano Suassuna como representante das famílias Dantas e Suassuana, no qual inocenta
39
Costa, João. Fernando resgata heroína: Anayde exorciza fantasma da Revolução de 30 num mês de
maus presságios. Correio da Paraíba. João Pessoa, 02. Ago.1992. Caderno3. p.4.
38
José Américo de Almeida como um dos interessados na morte de João Suassuna, seu
pai, deputado e antecessor de João Pessoa no governo da Paraíba. Além do depoimento
de Aloísio Pereira, representante da família Pereira. Sobre a violação da residência de
João Dantas, Suassuna considerou um ato de ignomínia, “uma baixeza fora do comum e
a publicação das cartas dele, o doutor José Américo nada teve haver com isso.” E
responsabiliza João Pessoa pelas publicações das cartas no jornal do Governo, A União.
E mais recentemente, O senhor do castelo (2007), direção de Marcus
Vilar, em comemoração aos 80 anos de Ariano Suassuna, no qual podemos encontrar
parte do seu depoimento já registrado em O Homem de Areia e o retorno à cidade de
Taperoá, contando sua infância e sua participação nas cavalhadas.
Na bitola super-8, Jomard Muniz de Brito, pelo Núcleo de Cinema
Indireto, produziu os filmes Esperando João e Paraíba Masculina X Feminina Neutra,
nos quais poemas de Anayde Beiriz e de outros poetas sobre Anayde Beiriz servem de
narrativa. O próprio diretor das películas fala a respeito das múltiplas Anaydes:
Sete personagens à espera de um amor ou pelo menos, um
expectador. Anayde/Glória: a prisão familiar implodindo angústias.
Anayde/Juanito: a alegria picante ou o chorinho luxuriante.
Anayde/Neta-Paulo: entrecruzamento de solidão com revolta.
Anayde/Lu: a poesia e seus desejos perversos: seria a escravidão da
política maior do que a escravidão do amor? Anayde/Perequete:
entre a dor e o delírio, a decepção e a violentação, a tragédia do
erotismo político. Anayde/Conceição: a voz da narradora enquanto
consciência possível de todos os impasses. Sete Anaydes: fragmentos
de um roteiro amoroso.
40
Outra película a tratar do tema é Parahyba, Mulher Macho(1984), de
Tizuka Yamasaki, obra que mais tarde iria ser acusada de propagar mentiras históricas,
quando, na verdade, a cineasta registra parte do imaginário que a memória paraibana
resguardou da trágica personagem, Anayde Beiriz – às vezes “endeusada” e muita
outras vezes aviltada.
40
Depoimentos de Jomard Muniz de Brito para Wills Leal em O discurso cinematográfico dos
paraibanos: a história do cinema na/da Paraíba. João Pessoa: A União, 1989. p.255.
39
Na música temos o registro de Domingos de Azevedo Ribeiro, que em
1978 publica João Pessoa e a música, uma coletânea dos hinos que animaram os
comícios liberais e depois embalaram a revolução. E não podemos esquecer o famoso
baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, Paraíba, feito sob encomenda para a
campanha de Argemiro de Figueiredo ao governo do Estado em 1950, com referências à
revolução e ao Estado da Paraíba em 1930, a condição de mulher guerreira, macho,
como anunciou, anos mais tarde, o título da película assinada por Tizuka Yamasaki.
Outras canções dedicadas a João Pessoa, Getúlio Vargas, João Dantas, e até à mulher do
Coronel José Pereira, podem ser observadas no apanhado do Cancioneiro da Paraíba
(1993), organização de Idelette Fonseca dos santos e Maria de Fátima B. de M. Batista.
Na Literatura de Cordel, Luiz Nunes publica A Morte de João Pessoa e a
Revolução de 30 (1978). Mais uma vez a violação da correspondência particular de João
Dantas é dada como motivo para assassinato de João Pessoa. Mas este não inaugura a
temática da revolução no cordel, muito provavelmente os anônimos A grande guerra de
Princesa: sua independência por José Pereira e a Revolução de Princesa informavam o
povo sobre a guerra de 1930. Outro sem data de publicação é o Poema épico de 30, de
Leonel Coelho. E mais outro cordel que não registra data de publicação é A verdade de
1930, do poeta, jornalista e diretor teatral João Dantas, um homônimo do outro João,
que assassinou João Pessoa. E por último, Anayde, a história de uma mulher que foi na
vida ultrajada (2008), de Piedade Farias, publicação do Coletivo Cultural Anayde
Beiriz, que organiza o Movimento Paraíba Capital Parahyba, que reivindica a mudança
do nome da cidade.
Como podemos constatar, a Revolução de 30 tornou-se, por excelência,
tema dos artefatos culturais paraibanos, encalacrando-se na produção cultural; da
literatura de cordel ao romance pós-moderno; da produção cinematográfica documental
40
à ficção comercial e experimental em película super-8 e, na dramaturgia, percorre da
comédia à tragédia, abrangendo, assim, diversos sistemas de signos na produção textual,
uns sobreviventes de culturas arcaicas e outros antecipatórios. Entretanto, podemos
adiantar que o motivo para o tratamento literário e ou ficcional que se vem dando à
Revolução de 30 na Paraíba é motivado pela necessidade que se tem em resolver as
questões que ficaram em aberto. Como elas não foram resolvidas na realidade, a
sociedade se pôs a imaginar resoluções que visam superar esta realidade que foi se
reproduzindo e se constituindo em contradição. Inclusive, pela forma de se pensar os
agentes desta história, com cada grupo pensando o adversário como o lado do mal e a si
próprio como o lado do bem, revela o processo dos discursos ideológicos em suas
unidades mínimas ou ideologemas, que, por sua vez, tendem a revelar outra formação
de contradição social insolúvel que envolve os grupos sociais na disputa política pela
reivindicação da verdade.
A produção simbólica foi o mecanismo político encontrado para romper o
silêncio imposto aos vencidos –, liberando a versão de uma realidade que estava sendo
reprimida e abafada pela oficina da cultura oficial na fabricação do conhecimento
histórico e político da Revolução de 30 na Paraíba –, cujas resoluções imaginárias no
embate político pela hegemonia da revolução ganham status de verdade. Pouco importa
então a argumentação de que a ficção é um produto da imaginação, uma alteridade
arrebatada da realidade, que não é a verdade da realidade do mundo, pois ela serve de
argumento ideológico na contra argumentação do mundo estruturado pelos vencedores.
Os artefatos culturais paraibanos trazem em seu conteúdo resoluções
imaginadas que podem e devem ser interpretadas como atos simbólicos para questões
que permanecem sem respostas plausíveis, como os motivos que levaram João Dantas a
assassinar João Pessoa, a morte de João Dantas na Penitenciária do Recife –, se houve
41
suicídio ou assassinato –, a participação de José Américo de Almeida na conspiração de
1930, que permanecem como objeto de discussão na sociedade e encontram nas
narrativas resoluções para essas questões que ainda hoje continuam a dividir a
sociedade.
As respostas para tais questões revelam o inconsciente político como
instância do oculto e do reprimido da Revolução de 30 na Paraíba. Resoluções marcadas
por profunda significação e conteúdo político, daí o motivo da Revolução de 1930
continuar recebendo o tratamento literário como questionamento de uma realidade que
permaneceu reprimida e oculta por muito tempo, a qual o inconsciente político tende a
liberar. Entretanto, a interpretação da verdade da obra ficcional foi rompida e ganhou
status de verdade do mundo real, memória e documento, mímesis do inconsciente que
volta a sofrer repressão e ocultação no embate ideológico a respeito da realidade vivida
e experimentada na Paraíba, conflito que projeta os sintomas de uma contradição social
insolúvel. A tarefa do inconsciente político requer a exploração das veredas que
conduzem à interpretação política dos artefatos culturais como ato socialmente
simbólico, desvelando a força motriz das narrativas e suas implicações sociais e
históricas, a qual transformou a Revolução de 30 neste rico e inesgotável filão narrativo.
42
Capítulo II
O cavaleiro Diabólico, ilustração do romance A pedra do reino, p.160
1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução: a narrativa
como ato socialmente simbólico
2.1 – Resoluções romanescas
2.2 – Resoluções dramatúrgicas
2.3 – Resoluções filmicas
43
Capítulo II
1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução: a narrativa
como ato socialmente simbólico
As grandes coisas exigem silêncio ou que delas falemos com
grandeza: com grandeza significa: com cinismo e inocência.
Nietzsche
A Revolução de 1930 apresenta a singularidade de uma realidade indomável
cuja história política foi transformada em narrativas que se repetem e parecem não ter
fim. Seus agentes históricos espectrais rondam a sociedade, como se, num momento
inesperado, fossem revelar suas consciências como feridas que sangram rasgadas pelo
tempo, que nem as mortes fizeram sarar. Ao contrário do que se espera da distância do
tempo, essas narrativas se mostram nitidamente vivas em discursos calorosos,
apaixonados, querelantes, beligerantes e contraditórios, refazendo-se e impregnando a
imprensa paraibana, os romances, os trabalhos acadêmicos e outros relatos na produção
do conhecimento, como se buscassem furar um bloqueio ideológico arraigado por uma
outra práxis narrativa que tenta desesperadamente reprimir a realidade histórica que
brotou da conjuntura de 1930 e por muito tempo permaneceu abafada e reclama por ser
ouvida, revelando, por fim, o seu inconsciente político.
A argumentação em defesa da existência do inconsciente político da
Revolução de 1930 passa pela demonstração da relação que a sociedade paraibana
mantém com o seu passado e como este passado alcança na atualidade a categoria de
uma contradição social. Processo esse que abrange as variadas formas de narrativas e
suas resoluções imaginárias, tomadas como atos simbólicos, atitudes ideológica que
visam superar a contradição existente entre o que a historiografia registra como verdade
44
factual e sua “substituição” pela verdade imaginária das narrativas de ficção, atitude que
as conduzem como ato simbólico.
A narrativização da Revolução de 30 pelo inconsciente político encontra na
literatura uma de suas formas mais apuradas. É por meio das narrativas ficcionais que a
relação com o passado histórico retorna como conteúdo reprimido, aparentando algo
não intencional:
Comecei então a tentar escrever aquele romance que depois se
chamou A pedra do reino. Eu fiz várias versões e uma delas eu dei
para minha irmã ler. Ela olhou para mim e disse: “Ariano, você já
percebeu que a morte do padrinho de Quaderna é a morte de João
Dantas? ’’ Isso eu não tinha percebido, era uma coisa que veio do meu
subconsciente. João Dantas foi assassinado, cortaram a cabeça dele no
terceiro andar da casa de cultura. O padrinho de Quaderna morre num
ambiente fechado, elevado, até hoje ninguém sabe direito como foi.
João Dantas também. Até hoje muita gente fala que ele se suicidou,
tem gente que diz que foi assassinato. Eu nem tinha percebido quando
eu vi sem querer, os Quadernas eram os Suassuna e os Garcia Barreto
eram os Dantas. Depois que descobri isso, eu acentuei isso, mas ainda
deixando no campo da ficção, e o Romance d’ A pedra do reino saiu
desse jeito
41
.
O romance de Ariano Suassuna é uma obra que está visceralmente
ligada aos desdobramentos da Revolução de 30, assim como a vida do autor marcada
pela morte de seu pai, o deputado federal João Suassuna, assassinado na cidade do Rio
de Janeiro, antiga Capital da República, em 09 de outubro de 1930, data que encalhou
na memória do filho para sempre, dia no qual concluiu a primeira parte da trilogia do
romance de título tão imenso e grandioso quanto a obra documental. Falamos do
romance A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, que tem como objetivo
a reconstrução do universo psíquico do escritor, promover a catarse através do discurso
ficcional que se desvela como potência de uma verdade, traz o sentido do testemunho a
respeito dos acontecimentos históricos, relacionando-os aos males deles provenientes:
41
LACERDA, Daniela. Cavalgadas de Ariano ao Sol da Literatura. Jornal do Commercio, Recife,
15.Jun.1997. Especial. p.5, c.9.
45
A Pedra do Reino, por exemplo, que, conforme falei antes, me ajudou a
aceitar melhor o assassinato do meu pai. Eu não disse: “Vou escrever
um livro para poder perdoar os assassinos do meu pai.” [...] Certo,
passei por muitos problemas na infância, mas muita gente também
passou nem por isso se tornou escritor. Acredito que todos aqueles
acontecimentos contribuíram para eu ser escritor. [...] Quando fui
escrever A Pedra do Reino, eu estava querendo escrever um livro, um
romance que expressasse meu universo interior, no qual eu me
realizasse só isso.
42
O objeto histórico transforma-se em matéria prima simbólica como
exigência do inconsciente político ou uma “incursão no subterrâneo” de seu
inconsciente que funde autor e personagem, realidade e ficção, com a finalidade de
expor a vida como conteúdo de suas resoluções imaginárias, sem deixar margens para
dúvidas do que trata a obra:
– Eu já disse a Vossa Excelência que, talvez, meu depoimento só
possa ser entendido, em todas as suas implicações, por aqueles que,
como nós Garcia-Barretos e Quadernas, estivermos, em 1930, “do
lado do Mal, da mentira, da injustiça e da vilania”, segundo a visão
do genial Osias Gomes. Talvez, alias, Sr. Corregedor, meu
depoimento se dirija somente a mim mesmo e a minha família,
àqueles que foram atingidos, como eu, pela morte de meu Pai e pela
degolação de meu Padrinho. E mais ainda, Sr. Corregedor: talvez
tudo que eu diga, tudo que estou tentando alinhar aqui aos poucos,
tenha validade somente para mim mesmo. Talvez tudo isso seja
somente uma busca desesperada que eu empreendo sobre minha
identidade, tentando dar algum sentido à sangrenta desordem que,
desde minha infância, envolveu e despedaçou minha vida
43
.
É no encontro do sujeito com a arte que a vida redimensiona o sentido da
existência para tratar do destino do sujeito na compreensão dos fenômenos político-
sociais. Particularmente, na Paraíba, a Revolução de 30, podemos dizer que foi uma luta
fratricida, resultante das contradições dos blocos oligárquicos no poder, como diz
interpretação de José Joffily: “A luta de 1930, na Paraíba, não foi, portanto um conflito
42
Ariano Suassuna em Cadernos de Literatura Brasileira. Instituto Moreira Salles. Nº. 10. 2000. p.41.
43
SUASSUNA, Ariano. Histórias d’o rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da onça Caetana. Rio
de Janeiro: J.Olympio, 1977. p. 85.
46
entre ricos e pobres, entre opressores e oprimidos, entre latifundiários e camponeses.
Nada disso. Foi uma luta entre dois grupos oligárquicos.”
44
Sobre essa questão, a narrativa suassuniana registra opinião equivalente
ao do historiador da seguinte da seguinte maneira:
Aqui na Paraíba, para desgraça nossa, a Revolução se misturou às
bárbaras vinditas familiares sertanejas, unindo-se os ódios ancestrais
e as divisões de sangue a tudo o que o Poder tem de fatídico e
perigoso!
45
Fala-se de grupos que possuíam interesses políticos e econômicos
divergentes no que dizia respeito às reformas política e tributária postas em execução no
governo de João Pessoa. A primeira excluiu a indicação de João Suassuna ao cargo de
deputado federal na chapa do Partido Republicano da Paraíba. A retirada do nome de
Suassuana deu-se a titulo de renovação política do Partido, mas o critério de renovação
não foi aplicado ao parente de João Pessoa, Carlos Pessoa, mantido candidato a
reeleição, motivando o processo dissidente entre os partidários de José Pereira e João
Pessoa, e João Suassuna acabou por ser eleito pela oposição. A reforma tributária
proposta por João Pessoa visava a centralização do comércio na capital paraibana com a
entrada e saída de mercadorias no Estado pelo porto de Cabedelo:
Desde longa data, quase todo o comércio do sertão da Paraíba, onde o
poder aquisitivo era superior ao do litoral, abastecia-se nas firmas
atacadistas de Recife, cujo porto assegurava o intercâmbio com
fornecedores nacionais e estrangeiros. Inconformado com essa
dependência, em detrimento do Tesouro Estadual e dos comerciantes
44
JOFFILY, José. Revolta e revolução: cinqüenta anos depois. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1979. p.143.
Existe também interpretação heterodoxa: de Iremar Bronzeado “[...] parte da hiperbolização
propagandística de um fato histórico menor – o levante de 30 – sedicioso, inconstitucional, de bastada
legitimidade, responsável, ao fim e ao cabo, pelo advento da nefasta noite ideológica da ditadura
Vargas, porta de entrada para o estatismo autoritário, na assimilação troncha do nazifascismo europeu.
Este, de cambulhada vertente leninista do marxismo intelectualóide, deu como resultado esse caldo de
cultura oligofrênico, indigesto e retrógado do terceiromudismo ressentido, que dominado pela ideologia
da aldeia tribal, ameaça deixar o Brasil fora do incontornável circuito global do progresso e da
produção. Essa foi a herança do putsch de 30.” O Norte, João Pessoa, 16 Abr.1997.Opinião. p.3.
45
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 200.
47
paraibanos, João Pessoa promoveu o reaparelhamento do porto de
Cabedelo e adotou uma política tributária que deslocava para a
capital paraibana a fonte de abastecimento de todos os produtos
manufaturados e primários. Além da deterioração dos termos de
intercâmbio comercial – matérias-primas de baixo preço trocadas por
produtos industrializados cada vez mais caros – eram estes
superonerados pelos intermediários importadores de Recife. Além da
queda o coice. E João Pessoa resolvera libertar sua terra dessa
dependência – que se chamaria hoje de “terceiro mundo” – dentro da
própria pátria
46
.
Segundo Inojosa, a reforma tributária paraibana tinha o propósito de
forçar as firmas que mantinham relações comerciais com os sertanejos a abrir filiais na
capital, em detrimento do comércio realizado no sertão com as famílias Pereira e
Pessoas de Queiroz. Reforma que sofreu represálias, e a mais conhecida resultou no ato
unilateral de independência do município de Princesa em Território Livre, seguida da
Guerra Civil paraibana.
Um jogo de ação e reação com conspirações, assassinatos e, por fim, a
revolução que conduziu as forças urbanas à vitória como um novo poder político em
oposição às oligarquias. Acontecimentos que não serão esquecidos e se transformarão
em mágoas e ressentimentos. Sentimentos negativos cuja transformação em resoluções
imaginárias permitem a catarse, cuja função subjetiva tranqüiliza o sujeito,
recompondo-lhe sua estruturação psíquica, como bem observação Cyro de Andrade
Lima, citado por Ariano Suassuana em nota ao seu romance História d’o rei degolado:
A pedra do reino nunca me pareceu uma simples história, um relato,
como Germana disse a respeito do outro romance. Tudo aquilo sempre
me pareceu uma espécie de sonho ou pesadelo – ou melhor, uma
espécie de tentativa que Ariano vem fazendo para mergulhar no seu
próprio subconsciente e exprimir, sob uma forma poética, o universo
dilacerado dele.
47
46
JOFFILY, José. Revolta e revolução: cinqüenta anos depois.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 230-
231.
47
SUASSUNA, Ariano. Histórias d’o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: ao sol da Onça
Caetana.Rio de Janeiro:J.Olympio, 1977. p. 133.
48
A realidade criada pelo inconsciente nos oferece pela literatura as
alternativas às realidades do mundo como resoluções imaginárias, produtos das
resoluções simbólicas ou subtexto que, visando à realidade da história, libera a verdade
reprimida dentro da ficção. Problemática que deveria ficar circunscrita e resolvida no
âmbito da própria narrativa ficcional ou da arte, mas que extrapola a realidade da ficção,
e às vezes a verdade da ficção é apreendida na compreensão da verdade histórica da
revolução, como recomenda Manuel Duarte Dantas:
leiam a “SEARA DE CAIM”, da exma. sra. D. Rosalina Coelho
Lisboa Larragoite e verão como era a política do sr. Epitácio
Pessoa”
48
,“Brasileiros dignos e honestos, leiam “Fretana”, de Carlos
Dias Fernandes;(...) “Tempo de vingança”, de Virginius da Gama e
Melo e se edifiquem sobre essa ridícula e acanalhada Revolução
de1930 (Destaque do autor)
49
.
Os artefatos culturais possuem uma continuidade narrativa que os
qualifica como atos socialmente simbólicos ao incitar os possíveis leitores a tomar
conhecimentos da “verdade” de 30, por sua verossimilhança com o real, tanto pelo lado
perrepista, quanto pelo lado liberal, como se afirmassem que a verdade da narrativa
ficcional fosse tão ou mais verdadeira que a narrativa historiográfica - afinal a ficção
serve como libelo para o escritor poder escrever sobre a verdade mentindo.
Na peça Anayde, por exemplo, espetáculo dirigido por Fernando
Teixeira, as resoluções imaginárias, na interpretação da crítica especializada, são
realçadas, enfatiza substancialmente o vínculo da dramaturgia com esse passado
histórico reprimido, que sempre volta à superfície da realidade, como se isto estivesse
sendo feito pela a primeira vez, num ato original:
Acho que os revolucionários propostos por Paulo Vieira em Anayde
atuam como testemunhas e como o coro grego que anunciam a
tragédia - dando, inclusive, as informações históricas - como quem
48
DANTAS, Manuel Duarte. Agora, a verdade sobre os fatos de 1930..João Pessoa, Secretaria da
Educação e Cultura; Diretoria Geral de Cultura, 1979. p.59.
49
Ibidem, p.199.
49
mandou arrombar a casa de João Dantas e expor suas cartas íntimas,
diz o crítico teatral Everaldo Vasconcelos.
50
Os artefatos culturais trazem como subtexto informações históricas que
mantêm relação fortemente ativa com o fato histórico, mas seu conteúdo deve ser
interpretado como atos simbólico que não pode mudar a realidade histórica. Entretanto,
a relação entre o que é real e o que é ficção está sempre por romper a fronteira sutil da
palavra, e expõe a crise de representação que o real vem sofrendo ao se tomar as
resoluções imaginárias como verdade histórica:
A Literatura, ao transpor o real para a ficção, vale-se da prerrogativa
de fantasiar, de contar os fatos com sensacionalismo. A encenação
romanceada, no cinema e no teatro, aceita e compreendida pelos
intelectuais, não conta com o mesmo entendimento por parte dos mais
jovens e pela comunidade menos esclarecida. O filme PARAHYBA
MULHER MACHO, da cineasta Tisuka Yamasaki, e a peça
ANAYDE BEIRIZ, de Ednaldo do Egito (sic) têm seu valor como
arte, porém não retratam as personalidades de João Dantas e sua
Noiva. Não tenho compromisso com a história e nem elementos para
polemizar a respeito do que tem sido divulgado pela mídia. A tarefa
fica para os nossos memorialistas, que os temos da melhor qualidade.
Desejo, tão somente, depois de alguma reflexão, oferecer um
depoimento, calcado no que me foi, por José Américo, relatado com
muita emoção (Destaques da autora).
51
O inconsciente político manifesta-se também pelo que se tenta
desesperadamente reprimir: o compromisso político com a história oficial, além da
incerteza que as narrativas ficcionais lançam sobre a verdade hegemônica do
pensamento dominante, produziram deformações na esfera da cognição e na
(re)produção do conhecimento, gerando dúvidas sobre o que pode ser verdadeiro ou
não, tanto na narrativa historiográfica quanto na ficcional. Contudo, a falta de
entendimento sobre o significado das resoluções imaginárias trazidas pelos produtos
culturais como fantasia, imaginação, ou superdimensionamento dos fatos, não procede
50
João Costa, Fernando resgata heroína Anayde, exorciza fantasmas da Revolução de 30num mês de
maus presságios. Correio da Paraíba. João Pessoa, 02 ago.1995. Caderno3. p.2.
51
LUNA, Lourdes. João Dantas-Anayde Beiriz: vidas diferentes, destinos iguais. O Norte, João Pessoa,
01 ago.1993. Reportagem. p.4.
50
necessariamente das “comunidades menos esclarecidas” ou do “povo”. Pelo contrário, a
iniciativa em não definir o status de ficção das obras é justamente de quem a autora
afirmar ter o entendimento de que a literatura não precisa ser submetida a teste de
verdade por se saber “fantasiosa”. Infelizmente não é o que se constata no comentário
W.J. Solha, sobre o conteúdo de seu romance Shake-up:
No meu livro eu pego algumas coisas shakespereanas e misturo com o
que aconteceu em 1930 de forma natural. Por exemplo, o Macbeth de
Shakespeare começa com o personagem sufocando uma rebelião
contra o rei que irá assassinar. E José Américo o que faz? Ele vai
sufocar uma rebelião de Princesa e depois tramar uma conspiração
para assassinar João Pessoa [...] E a figura do cultuado intelectual e
escritor José Américo de Almeida sai com alguns arranhões.
52
A ficção na compreensão de W.J. Solha soa tão natural quanto a História
que reivindica para si a pretensão de dizer a verdade
53
. Essa ambigüidade percorre todas
as veredas da realidade imaginada como ato simbólico no desejo de romper a fronteira
da ficção na defesa da realidade histórica. Com isso, as resoluções imaginadas acabam
criando embaraço para o exercício da crítica literária, que, amiúde, acaba explicitando a
52
AZEVEDO, Carlos. A escrita pós-moderna de Solha. Correio da Paraíba, João Pessoa, 18 out.1995.
Caderno2, p.1.
53
Há cerca de duzentos anos, a ideia de que a verdade era feita e não descoberta começou a dominar a
imaginação européia. A Revolução Francesa mostrara que todo vocabulário das relações sociais e todo
espectro das instituições sociais podiam ser substituídos quase de um dia para o outro [...] Mais ou menos
pela mesma altura, os poetas românticos mostravam o que acontecem quando a arte é pensada já não
como imitação mas sim como autocriação do artista. Os poetas reclamavam para a arte o mesmo lugar na
cultura que tradicionalmente ocupado pela religião e pela filosofia, o mesmo lugar que o Iluminismo tinha
reclamado para a ciência. O precedente estabelecido pelos românticos deu inicialmente plausibilidade à
sua pretensão. O papel efectivo dos romances, dos poemas, dos quadros, das estátuas e dos edifícios nos
movimentos sociais conferiram-lhe ainda maior plausibilidade De então para cá essas duas tendências
reuniram as suas forças e alcançaram uma hegemonia cultural. Para maior parte dos intelectuais
contemporâneos, as questões dos fins, por oposição aos meios – questões acerca do modo de dar sentido à
vida de cada um ou a comunidade de cada um – são questões para a arte ou para a política, ou para
ambas e não para a religião, para a filosofia ou para a ciência.” Richard Rorty em Contingência, ironia e
solidariedade. Lisboa: Presença. 1992. p.23. Idéia sobre a verdade a e função da arte que é bastante
semelhante a idéia de Hannah Arendt desenvolvida Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva,
1992. p.287. Diz: “A época moderna, que acredita não ser a verdade nem dada nem revelada, mas
produzida pela mente humana.” Em Fredric Jameson no Inconsciente político. São Paulo: Ática,
1992.p.64: “toda literatura tem que ser lida como uma meditação simbólica sobre o destino da
comunidade.” A arte produzida sobre a Revolução de 30, de forma especial, na Paraíba vem cumprindo
esta função de dar sentido à vida de alguns escritores ao debater o destino da comunidade paraibana sob o
signo da Revolução de 30.
51
relação ambígua da arte com a cultura demarca os limites da imaginação literária na
recriação do fato histórico:
A história conta o que é, a poesia, o que poderia ser, diz Aristóteles.
Pois bem, com Shake-up, Solha não faz história, faz poesia. Sua
versão se tece dentro dos parâmetros livres da literariedade,
recambiando a matéria histórica num procedimento pessoal e criativo
onde o grave se torna risível, a tragédia, comédia.
54
Observe-se como a resolução imaginada por um determinado artefato
cultural pode cumprir uma função ideológica específica em desmascarar uma estrutura
de poder que detém a posse da verdade:
– É que até hoje, Sr. Corregedor, todas as palavras que têm sido
escritas sobre a Guerra Sertaneja, principalmente na parte da
Revolução de30, são também palavras de parcialidade e paixão;
diferentes da minha porque partidas do outro lado, mas, de qualquer
modo de parcialidade e paixão! E com outra diferença das minhas:
como Vossa Excelência acaba de ver, eu começo por confessar minha
paixão e parcialidade. Os do lado de lá começam por atribuir a si
mesmos a mais perfeita das imparcialidades e posse da verdade
histórica. Não entendo como não lhes ocorre esta dúvida, tão humana,
de que bem podem eles estar enceguecidos pelo sofrimento, ou pelo
ressentimento, e confundindo assim, sem querer, o que eles apenas
sentem como a verdade. Ora, Sr. Corregedor, quando se vai fazer um
julgamento, são necessários, para julgar os Réus, um Juiz, um
Advogado e um Acusador. Nos livros saídos até hoje sobre “o
inesquecível ano de 1930”, esses escritores do outro lado querem nos
colocar como Réus sem direito a defesa; e querem ser, eles mesmos,
ao mesmo tempo Acusadores e Juizes. Agora, sendo minhas palavras
registradas neste Depoimento que estou dando, pela primeira vez, vai
soar a voz de nosso lado. Por mais parcial e amargamente ressentido
que seja meu depoimento, terá ele a vantagem de obrigar os outros a
aceitar o que eles tentaram evitar até agora. Deste momento em diante,
passo a falar como defensor de meus mortos. Os do outro lado, serão
os Acusadores (Destaques do autor).
55
A realidade da ficção que se destaca na observação como verdade no
comentário de que até então: “Não existe, presentemente, nenhum livro escrito sobre os
54
BARBOSA FILHO, Hildeberto. Solha não faz história, faz poesia. O Norte, João Pessoa, 16 mar.1997.
Show, p.6.
55
SUASSUNA, Ariano. História d’o rei degolado nas caatingas do Sertão: ao sol da Onça Caetana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 84.
52
acontecimentos de 30 na Paraíba, por um perrepista e muito menos por um escritor
independente.”
56
O que temos visto algumas vezes são os escritores do outro lado,
tecendo comentários e divulgando a verdade dominante sobre personagens perrepistas
que o narrador apresenta-se para fazer a defesa
57
. Mas como se costuma justificar
citações longas pela necessidade, no nosso caso, ela tornou-se necessária por denunciar
a estratégia da escrita dominante, relacionando as antinomias da Revolução à sua
contradição fundamental: a construção e a posse absoluta da verdade por parte dos
liberais. E ainda, sob o bem e o mal, na perspectiva articulada por Jameson resulta na
teoria do ressentimento ou no exercício de uma ética de exclusão. A contradição é
apreendida por essas unidades mínimas e paradigmáticas do discurso ideológico:
bem/mal, verdade/mentira, conceitualmente chamadas de ideologemas. Pares que
projetam a contradição primordial da revolução, revelando o traço de uma totalidade
social que delimita o julgamento relacional de sujeitos e grupos sociais em oposição a
outros. Um sujeito, ou um grupo social, não é inerentemente mal, mentiroso ou injusto,
não necessariamente por sê-lo, mas sim por representar uma ameaça à existência do
Outro, e por pensar diferentemente deste Outro. Pensamento que funciona e atua como
um código através destas unidades mínimas que faz da Revolução de 1930 na Paraíba,
um eterno retorno:
diz o genial Osias Gomes que, naquele ano terrível de 1930, ele e seus
amigos não precisavam perguntar “onde estava a Justiça” ou “onde
56
Editorial Jornal da Paraíba, Campina Grande, 12 fev. 1972. Claro que em 1972 já existiam alguns
livros em defesa dos perrepistas paraibanos, como por exemplo, o livro de Caldas, Gastão Cardoso,
Ribeiro Coutinho e os romances de Dias Fernandes, Coelho Lisboa e Suassuna.
57
AGUIAR, Wellington. Anayde sem corpo. Correio da Paraíba, João Pessoa, 01 mar.2005. Caderno2,
p.3.
AGUIAR, Wellington. Quem era João Dantas. Correio da Paraíba, João Pessoa, 09 jun.2005. Caderno2,
p.6.
LUNA, Lourdinha. João Dantas, Anayde Beiriz, vidas diferentes, destinos iquais. O Norte, João Pessoa,
01 ago.1993. Caderno2, p.4.
LUNA, Lourdinha. João Dantas, Anayde Beiriz, vidas diferentes, destinos iquais. O Norte, João Pessoa,
22 ago.1993. Caderno2, p.4.
LUNA, Lourdinha. Anayde Beiriz. Correio da Paraíba, João Pessoa, 18 fev. 2005. Opinião, p.6.
LUNA, Lourdinha. Ainda Anayde Beiriz. Correio da Paraíba, João Pessoa, 11 mar.2005. Opinião, p.6.
53
estava a verdade, porque todos eles, “dominados pela fascinação
consciente” do Presidente João Pessoa – “cidadão incomparável cujos
inimigos não puderam vencer nem pela morte” – sabiam que era do
lado dele que estavam a Justiça, a “verdade” e o Bem. Entendo,
portanto, Sr. Corregedor, que para as pessoas que pensam como o
genial Osias Gomes, nós, Garcia-Barrettos e Quadernas, estávamos
em 1930, do lado da injustiça, da mentira, da covardia e do mal; em
suma, do lado de todos aqueles que, de acordo com as palavras do
próprio Osias Gomes, tiveram suas atitudes marcadas pelo “ferrete da
traição e da vilania”. [...] fascinado como era pelas figuras de meu Pai
e meu Padrinho, era do lado deles que eu julgava estarem a Verdade, a
Justiça e o Bem. O lado de Osias Gomes e da família Pessoa era,
portanto, o lado do Mal: era “o outro lado”, o lado dos que mataram e
malsinaram meus mortos.
58
As resoluções imaginárias funcionam como uma reação, uma réplica, um
subtexto relacionado à realidade concreta, com a produção da narrativa considerada
como um ato simbólico, elas não devem modificar a realidade, mas reproduzir a
contradição, ou seja, explorar ao máximo o uso da linguagem ao modelar o discurso
ideológico pelas oposições binárias e projetar a contradição social:
como uma “solução” imaginária para essa contradição real, uma
resposta simbólica à inquietante questão como meu inimigo pode ser
pensado como o mal (ou seja, como um ser diferente de mim e
marcado por uma diferença absoluta, quanto aquilo que é
responsável por ele ser assim caracterizado é simplesmente a
identidade de sua conduta com a minha – pontos de honra, desafios,
testes de força – que ele reflete como uma imagem no espelho
59
.
Impossível resolver a questão do reflexo ideológico. Somente pela
linguagem, o discurso ideológico será resgatado, reproduzido a contradição social em
sistemas de valores moldados à necessidade de cada grupo, pressionando o adversário
com seu sistema de valores na (re)produção do conhecimento e na forma relacional de
pensar, como na justificativa da conduta dos revolucionários ao explicitar suas
58
SUASSUNA, Ariano. História d’o rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 82-83.
59
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de
Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992. p. 119.
54
diferenças com o inimigo, impulsionados para a luta na defesa do que julga ser o bem e
a liberdade:
A campanha da Alliança Liberal foi um episódio similar ao da
independencia, ao da libertação dos escravos e maior do que o
da Republica. Pela sua extensão e profundidade, não foi um
movimento político, mas uma crise de opinião, uma reacção
nacional, uma transformação social. Só os cegos não viram na
sombra da lucta o madrugar de uma nova jornada. A
ignorancia e cupidez dos governos, nos municípios, nos
Estados, na União, tinham alluido os alicerces da vontade
popular, afastando a cooperação dos bons, impondo o
predomínio dos maus (Destaques nossos).
60
Os bons fizeram a revolução e esmagaram os maus, separaram o joio do
trigo. Mas pouco tempo depois, a benevolência dos revolucionários subordinaria a
sociedade a uma realidade mais violenta, autoritária e sombria: o Estado Novo. Mas
perceba-se que a justificativa de Oswaldo Aranha para a revolução manifesta-se como
um valor abstrato, uma opinião, um sistema de crença que esvazia o significado político
de luta de classes pelo poder de Estado. Por isso, podemos pensar que a interrogação
literária do personagem Arésio Garcia-Barreto é uma resposta simbólica com a função
de desmistificar o discurso ideológico como justificativa para a tomada do poder
político, essa entidade abstrata que se manifesta, no caso da Revolução de 30, na
formalização do Estado como força na organização social:
Por que seria eu obrigado a procurar ser bom? Por que seria eu
forçado a contrariar meu sangue, impedindo-me de ser cruel, de
desejar o Poder [...]Eu tenho ódio a esses hipócritas que se dizem
partidários do bem e da justiça, da verdade e da bondade, e no
entanto se envilecem no conforto, envilecendo também os filhos,
que se habituam a adotar a humildade por covardia, a bondade por
fraqueza, e o amor à pobreza por incapacidade de assaltar o poder e o
dinheiro!
61
60
ARANHA, Oswaldo. A’ guisa de prefacio In: FRANCO, Virgilio A.de Mello. Outubro, 1930.Rio de
Janeiro: Scmidt, 1931.p.15.
61
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p.538.
55
As resoluções imaginárias na arte e na literatura são a resposta à realidade
de 30, como contradição do enredo e da práxis social na busca dos sujeitos por
resoluções objetivas para problemas ideológicos e de identidade na disputa pelo poder
entre os liberais e perrepistas, facções de classe que se engalfinharam pelo controle do
Estado. Disputa essa que excluiu aquele que pensa diferente do rebanho.
As resoluções imaginárias criam possibilidades no discurso político, como
por exemplo, o ressentimento, essa espécie de ímã no jogo do inconsciente que vai,
volta, tudo vê, tudo sabe da ação e reação do Outro ressentido:
Há uns três anos, saiu uma matéria na revista Veja sobre a Paraíba.
Uma matéria paga pelo Governo do Estado. Não tem nenhuma
referência a mim. A princípio achei que seria porque só estaria
fazendo referência aos mortos. Mas não. Depois pensei que
colocariam apenas os que não saíram do Estado, mas não. José Lins
do Rêgo viveu a vida todinha fora da Paraíba e ninguém nunca ligou,
e estava lá presente. Tinha referência a Sivuca. Todas as referências
muito justas. Mas acho que eu era a única pessoa que não estava
mencionada. Há um livro, A literatura na Paraíba: ontem e hoje, onde
há uma série de estudos sobre artistas da Paraíba e não tem nenhuma
referência a mim. Estão todos lá, menos eu.
62
A ausência do ressentido Ariano Suassuna é o reflexo da memória do Outro
que alimenta e justifica suas queixas na tentativa de “apagá-lo”, excluí-lo da história
cultural paraibana, já que representa um signo perrepista, um indivíduo que possui toda
carga ideológica da velha ordem republicana. A atitude ressentida é identificada com a
postura de pequenos gestos no cotidiano.
Outro exemplo, dessa vez partindo do escritor quando foi indicado para
disputar o título de “Paraibano do Século XX”: Ariano Suassuna renunciou à sua
62
SUASSUNA, Ariano. O socialismo continua sendo a utopia neste final de século. Correio da
Paraíba, João Pessoa, 22 mar.1992. Caderno 3. p.5. No livro citado pelo escritor, A literatura na
Paraíba: ontem e hoje. Publicação da Fundação Casa de José Américo, 1989, tem da organizadora da
obra, Idelete Fonseca dos Santos e estudiosa da obra de Suassuna, o seguinte trabalho: Roteiro para a
leitura do romance d’A pedra do reino de Ariano Suassuna. 89-103 pp. Muito provavelmente o escritor
quisesse se referir a obra João Pessoa perante a história, organizada por José Octávio, mas como o
ressentido não ousa dizer o nome do seu ressentimento, daí uma referência trocada.
56
candidatura em favor do poeta Augusto dos Anjos, uma atitude que foi vista como “um
gesto de grandeza em nome do poeta maior
63
” por uns, mas considerada por outros
como um ato político para derrotar o inimigo histórico da família Suassuna, João
Pessoa, outro candidato de expressão ao título de paraibano do século. Sobre o fato,
comentaram: “Os partidários do teatrólogo Ariano Suassuna, liderados pelo próprio
Ariano que veio a João Pessoa, recomendaram o voto útil em Augusto dos Anjos, cuja
liderança João Pessoa ameaça de muito perto.
64
A vingança do ressentido se dá através da ficção e de pequenas
intervenções políticas no cotidiano. A vitória de Augusto dos Anjos ao título de
“Paraibano do Século XX” muito provavelmente se deu pelo apoio do escritor
Suassuna ao poeta. No entanto, é na literatura que os ressentidos usam sua força de
expressão, sobressaindo-se numa recriação da realidade histórica da Revolução de 30,
na Paraíba, que perdura no tempo. Podemos ainda constatar que não é somente em
Ariano Suassuna, mas também em Carlos Dias Fernandes, as resoluções imaginárias são
de puro ressentimento. Em relação ao autor de Fretana, opina o senhor Wellignton
Aguiar:
Um dos primeiros atos de João Pessoa ao assumir a presidência do
Estado foi determinar a suspensão definitiva do pagamento que era
feito, mensalmente, ao jornalista Carlos Dias Fernandes. Este se
achava, desde 1925, morando no Rio de Janeiro, mas continuava
recebendo, como se aqui estivesse, a gratificação correspondente ao
cargo de diretor de A União, que havia exercido. Dias Fernandes ficou
uma fera. Jamais perdoou João Pessoa. Mais tarde, ao escrever o livro
Fretana, atacou cheio de ressentimento o governante paraibano.
Mesmo João Pessoa já morto, ainda assim o foliculário não teve
coragem, em suas venenosas páginas, de dar-lhe o nome verdadeiro.
Trocou-o por outro que inventou.
65
63
COSTA, William. Um gesto de grandeza em nome do poeta maior. A União. João Pessoa, 27 mar.
2001. Social. Dois, p. 15.
64
BOTELHO, Hélia. Ariano. A União. João Pessoa, 25 mar. 2001. Social. Dois, p. 20.
65
AGUIAR, Wellington guiar. A Velha Paraíba nas Páginas dos Jornais. Correio da Paraíba. João
Pessoa, 16. Jul. 1996.
57
Realmente, no romance de Carlos Dias Fernandes, encontramos
resoluções desabonadoras ao já consagrado herói e mito João Pessoa, mas o grande
personagem a sair arranhado é José Américo de Almeida. É possível, mas não deve ter
sido este o motivo para que na segunda edição do romance Fretana, sob a tutela da
Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, o capítulo que trata da alegoria política
tenha sofrido um pequeno erro na enumeração das páginas e o vocabulário do escritor
tenha sido atualizado. Trata-se, decerto, de uma deuterose da cultura sobrevivente de
1930 na tentativa de obstruir a interpretação, mesmo que ficcional, de quem sobreviveu
à “pequenina e doida” Paraíba. Entretanto, as resoluções imaginárias do romance de
Carlos Dias Fernandes ainda surtem seus efeitos, e um grande defensor do “inolvidável”
João Pessoa, ataca o escritor, que, já morto, não pode se defender e o senhor Wellington
Aguiar comete a mesma injustiça que denunciou. E mais uma vez, a narrativa
romanesca não recebeu o status de ficção. Podemos desconfiar que alguma verdade
deva existir nas páginas “venenosas do mau jornalista”?
Um dos acontecimentos que povoam o imaginário paraibano é quanto o
assalto realizado pela polícia paraibana à residência de João Dantas, acontecimento tido
como responsável pelo assassinato de João Pessoa e que permanece sendo interrogado
ao longo do tempo sem perspectiva de resposta, constituindo assim um desafio à
História, registro que continua provocando polêmica:
O assalto à casa de João Dantas e os fatos entrelaçados causaram a
tragédia da Confeitaria Glória. Faz 67 anos e permanecem as
interrogações: quem determinou a invasão? Quem na polvorosa
escolheu as cartas para divulgação? Quem as levou ao jornal? Quem
falsificou os seus textos? Quem autorizou as publicações? Percebe-se
que foram vários infratores, impondo-se identificá-los para que, ao
menos, recebam de per si a repulsa da história.
66
66
MADRUGA, Newton. Assalto à casa de João Dantas. O Norte, João Pessoa, 24 Jul, 1997. Opinião, p.2.
Três anos antes as questões elencadas pelo jornalista apresentavam-se em menor número em outro artigo,
Rixa fatal, no mesmo jornal e página: “Faz 64 anos e permanecem as indagações: quem se apoderou das
cartas do assalto? Quem falsificou seus textos, quem autorizou a divulgação? Fatos esses que agravaram o
58
Quem seriam os responsáveis pela invasão à residência de João Dantas?
Os próprios auxiliares do governo João Pessoa, como José Américo de Almeida, que foi
conspirador em 30 e depois ministro, governador, senador e quase candidato à
presidência da república, caso Getúlio Vargas não tivesse golpeado a democrática
Revolução Liberal, instaurando o Estado Novo em 1937? Ou seria Osias Gomes, o
jornalista, diretor do jornal A União, que sabia como ninguém interpretar a vontade de
João Pessoa? Ou até mesmo o próprio João Pessoa, a quem todos estavam
subordinados? Mas quem falsificou o texto das cartas, transformando o que poderia ser
“ridículas cartas de amor” em rumoroso escândalo sexual, adulteração que permanece a
inspirar o imaginário da sociedade? Segundo Mello, a invasão, a pedido de Ademar
Vidal, realizada pelo Delegado Manuel Morais, não foi um ato fortuito, mas resultado
do acirramento da guerra civil de Princesa e da obsessão de João Dantas em criar uma
segunda frente de luta partindo de Natal para ocupar a capital paraibana que estava
desguarnecida, liquidando o governo paraibano, na tentativa de causar a intervenção
federal desejada pelos revoltosos. Se o objetivo era impedir a expansão geográfica da
guerra civil e salvaguardar o Governo paraibano, a ação surtiu efeito, mas a
continuidade da ação com a publicação da correspondência do revoltado Dantas,
liquidou o governante. Este último acontecimento, na opinião de Mello, não se sustenta
como explicação para o assassinato de João Pessoa:
Por meio da utilização desses elementos chega-se a compreensão
mais adequada do desenlace de vinte e seis de julho que por meio da
pretensa publicação das cartas intimas por A União, e a existência (?)
de diário secreto de Dantas para cuja leitura na delegacia o órgão
oficial remetia a população, na única nota íntima e passional da longa
serie de reportagens de julho de 1930.
clímax da rixa para a tragédia do dia 26 de julho de 1930. Os mandantes à invasão à casa dos Dantas,
ocultaram-se até hoje no anonimato.”
59
Pela conjugação dos aspectos acima alinhados torna-se frágil a
tentativa de limitar-se o assassinato de João Pessoa a um caso pessoal
ou (sic) passional: por ventura disputava a mesma mulher?
67
Todos os acontecimentos estão interligados como causa e efeito: João
Pessoa deseja sobrepor os interesses públicos aos interesses privados dos oligarcas.
Estes armam a reação e conspiram contra o Governo João Pessoa, iniciando a guerra
civil. A família Dantas é perseguida pelo Governo, alguns parentes são presos, suas
propriedades depredadas. Dantas intensifica articulação em levar a guerra civil a
capital. Por ordem de Ademar Vidal, a residência de João Dantas é depredada, suas
correspondências são publicadas em A União, e cartas ou anotações, por ferir a moral
pública, são expostas na Delegacia de Polícia, para quem quiser ver. Dantas mata João
Pessoa, a quem responsabilizou por tal afronta. O movimento da Aliança Liberal
ressurge como revolução, Dantas é assassinado. Vitoriosa,a revolução, Vargas assume
o governo do país e dele só sairá depois da II Guerra Mundial. Causa e efeito. Ação e
reação. Não podemos quantificar quantas notas deverão ser publicadas na imprensa
para ofender a honra de alguém. Para Dantas foram muitas, e todas elas com objetivos
políticos, inclusive a morte de João Pessoa. Com ela, a guerra em Princesa teve fim, e
muitos a consideram o marco glorioso da revolução de 30. Como deixar de considerar a
atitude humana um ato político, sabendo que tudo que existe é social e histórico – como
afirma Jameson –, que tudo é, em última análise, na verdade, político.
68
Inclusive a
negação sobre as anotações amorosas feitas por Dantas, como ajuíza Mello:
Como ninguém até hoje confessou haver lido ou visto esse diário,
que não teria passado, quando muito, de uma caderneta de notas, a
professora Terezinha Pordeus, pesquisando o assunto concluiu por
67
MELLO, Jose Octávio de Arruda. A revolução estatizada: um estudo sobre a formação do centralismo
em 30. João Pessoa: UFPB, 1992. p.346.
68
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São Paulo:
Ática, 1992. p. 18.
60
sua inexistência, creditando-o à exaltação que propende à criação de
mitos nos momentos de maior fermentação social
69
.
Como saber que tal diário não passaria, quando muito, de uma caderneta
de notas, se tais anotações nunca existiram? Entre polêmicas e questionamentos,
encontram-se os que contestam a existência das cartas amorosas, de tórrida paixão,
Anayde Beiriz e João Dantas, como Maria de Lourdes Luna, ex-secretária de José
Américo de Almeida, que, em entrevista ao jornalista Severino Ramos, afirmou
taxativa:
Essas cartas nunca existiram. Nunca. Absolutamente não existiram.
Sabe que cartas foram essas? Segundo José Américo e os historiadores
mais isentos, eram cartas dos constituintes de João Dantas. Tratavam
de natureza profissional [...] Não eram cartas de amor.
70
(grifos
nossos).
Quem seriam esses sujeitos mais isentos, em se tratado de questões
ideológicas? Paradoxalmente, contrariando a opinião dos historiadores mais “isentos”,
Wellington Aguiar, um dos mais ferrenhos defensores de João Pessoa e da história
política da Revolução de 30 na Paraíba, protesta a versão da inexistência das cartas
amorosas, mesmo afirmando nunca terem sido publicadas:
junto aos documentos encontrados em um cofre no escritório de João
Dantas havia “cartas íntimas” que não foram publicadas n’ A UNIÃO
por conterem fatos imorais. “Mesmo assim, os jornais publicaram que
as cartas íntimas estavam à disposição do povo paraibano na
Delegacia”.
71
69
MELLO, Jose Octávio de Arruda. A revolução estatizada: um estudo sobre a formação do centralismo
em 30. João Pessoa: UFPB, 1992. p.379-380. Nota de fim de página nº 10.
70
Biu Ramos entrevista Lourdinha: As cartas de João Dantas nunca existiram. O Norte, João Pessoa, 07
Jan.,1996. Especial, p.7, c1.
71
Declaração de Wellington Aguiar a Augusto Magalhães em reportagem intitulada: Remexendo na
História. Correio da Paraíba, João Pessoa, 28 jan., 1996. Caderno Dois, p.1.
61
Entretanto, em outra oportunidade, Wellington Aguiar, sem qualquer
justificativa plausível, afirma que tais cartas nunca existiram, contrapondo-se ao seu
discurso anterior. Torna-se então, um historiador “isento”, em defesa do depoimento de
José Américo de Almeida dado à sua secretária particular. Como se fosse possível
escrever a História sem ideologias, o historiador nega sua anterior afirmativa da
existência das “cartas íntimas”, acusando o filme Parahyba Mulher-Macho de inventar
essa não-verdade, como se antes da obra de ficção, já não existisse esta conturbada
discussão sobre a invenção da verdade histórica:
A verdade é que se criou no Brasil uma mentira histórica [...] A
mentira histórica é a coisa mais difícil de combater. É o caso de se
dizer que estas cartas de Anayde Beiriz, que nunca teve seu nome
citado, uma vez sequer, naquelas publicações. Nenhuma vez. Foi uma
mentira histórica que tomou asas graças ao filme de dona Tisuka
Yamasaki, que, apesar de ter sido um filme de ficção, contém
absurdos que não se admitem.
72
Compartilhando da primeira versão defendida por Wellington Aguiar
para este episódio das cartas, outro historiador, José Joffily, testemunha ocular dos
acontecimentos de 1930, em tom de autocrítica por se deixar fanatizar pela política
traçada pela Aliança Liberal, comenta o seguinte:
Poucos sabem que o advogado João Dantas assassinou o presidente,
sozinho, à luz do dia, em lugar público, em represália pela campanha
de difamação sofrida pela imprensa oficiosa. Arrombado pela polícia
o apartamento de João Dantas e apreendido seu arquivo particular foi
tudo publicado com exceção (por imperativo de decoro) de papéis que
ficaram em exposição na Delegacia de Polícia da Capital. Bem me
lembro, quando, a caminho do Colégio Pio X onde estava concluindo
o ginásio, entrei numa fila, com outros estudantes, para ler sonetos
extravagantes e páginas confidenciais do diário do fogoso advogado.
Fanatizados pela Aliança Liberal, todos nós achávamos muito natural
aquela violência policial (Grifo do autor.).
73
72
Biu Ramos entrevista Wellington: É difícil desfazer uma mentira histórica. O Norte, João Pessoa, 28
jul. 1996. Especial, p.7.
73
JOFFILY, José. Fatos e versões. Londrina: Gráfica Londrina, 1976, p. 7-9.
62
Neste depoimento de Joffily, a coerção ideológica da prática política
naturaliza a violência praticada contra a família Dantas
74
, e dada como certa a existência
das “cartas” ou “notas” amorais.
75
O que teria motivado a exposição desses papéis na
Delegacia de Polícia? Esta questão sobre a existência ou não de tais cartas de João
Dantas com “a narrativa de actos amoraes pelo mesmo praticado” vem sendo debatida
desde a publicação do livro Porque João Dantas Assassinou João Pessoa, de Joaquim
Moreira Caldas, em 1936. Acontece que, desde 1934, vem se negando a existência
destas cartas, conforme o registro da declaração de Adhemar Vidal por Caldas:
Antes de prosseguirmos, façamos uma estação neste ponto para
pormos a calva a mostra dessa armadilha de que compunha a
mantilha que na Parahyba vivia atacando a dignidade de João
Dantas, não escolhendo meios nem processos, sendo todos elles
aproveitados e utilizados. Hoje, o ex-chefe da policia do Sr. João
Pessôa, sr. Adhemar Vidal, um dos redactores da folha injuriosa, “A
UNIÃO”, vem declarar que, “as taes notas redigidas pelo próprio
punho do espião com a narrativa de actos amoraes e que ficaram na
policia à disposiçao de quem quizesse ver, “nunca existiram” (“A
Imprensa”- 22 de maio de 1934). Quererão, caros leitores melhor
libello contra essa gente que tanto malsinava João Dantas
?
76
A existência das cartas amorosas de João Dantas não foi uma “invenção”
do filme de Tizuka Yamazaki, Parahyba, mulher mancho, como anuncia Wellington
Aguiar. Confrontando os que nunca viram ou leram, ou que leram mas continuam a
negar a existência das narrativas amorais dos atos praticados por João Dantas, José
74
Eu acho que João Pessoa sabia da ordem para publicar. E eu teria feito a mesma coisa, que era para
acabar moralmente com os adversários.” Esta é a opinião de Wellington Aguiar em entrevista concedida
a Biu Ramos. Vide nota 56.
75
Outro testemunho, que podemos tomar como verdadeiro, sobre o episódio sobre a apreensão e
existência destas cartas “amorais” de João Dantas, é o depoimento de Álvaro de Carvalho, que assumiu o
governo da Paraíba com a morte de João Pessoa, no livro Nas vésperas da revolução, 1978. p.147, ele
afirma: “(...)a apreensão de cartas de sua família e de um diário de suas aventuras amorosas, feita á
revelia de João Pessoa, “por amigos oficiosos do governo”, conforme ele próprio mo disse, sem que lhe
perguntasse.(...) as cartas foram publicadas por ordem do Presidente e o “Diário” ficou exposto na
redação d’A União, então órgão oficial, e aí, andou de mão, em mão, para mostrar o estofo moral do
“bandido” que o redigira.Tive-o em mão e lhe apreciei as minúcias, indignas de um Casanova, por
excesso de realismo.”
76
CALDAS, Joaquim Moreira. Porque João Dantas Assassinou João Pessoa. Rio de Janeiro: Artes
Graphicas, s/d, p. 72. Ou, mais recentemente, vide a segunda edição pela Manufatura, 2005. p.81.
63
Américo de Almeida mostra a verdade inconveniente: “um dia violaram o domicilio de
João Dantas e os seus arquivos, e deram publicidade a umas cartas amorosas muito
indiscretas. Isso acirrou muito os ânimos: ele teve que deixar a Paraíba e foi residir em
Recife.
77
E logo em seguida denuncia o “amigo oficioso do governo” responsável por
este erro: “ foi Ademar Vidal. Muita gente me atribuía essa responsabilidade porque eu
era secretário de segurança. Mas hoje todos já sabem que foi ele.”
78
Estas afirmações
de José Américo de Almeida põem por terra o conhecimento professado pelos
defensores de que tais cartas, anotações e escritos amorais nunca existiram e que não
deram publicidade a eles. No entanto, essa postura do revolucionário está condenada ao
fracasso por não estar coadunada à lógica da deformação sistemática que sofreu e vem
sofrendo a realidade histórica da Revolução de 30 na Paraíba. Aliás esta afirmativa de
José Américo de Almeida, confirmando a publicização da correspondência amorosa de
Dantas e Beiriz, chega até a ser ocultada por quem diz escrever a história de 30 caucada
na memória do revolucionário.
Com que objetivos se tenta a esconder a verdade que todos vêem, mas
que poucos admitem? Seria não comprometer moralmente os revolucionários
paraibanos como José Américo de Almeida, Ademar Vidal e Osias Gomes, entre outros,
que se beneficiaram com o assassinato de João Pessoa, principalmente no uso político
deste fato como processo para deflagrar a Revolução? Seria negar a justificativa do
assassinato de João Pessoa por João Dantas como uma atitude moral de revide à invasão
e divulgação de sua privacidade? Ou seria uma disputa pela estratégia de legitimação
na construção da verdade com um valor absoluto que foi se dissolvendo, criando outras
possibilidades, para outros horizontes interpretativos na compreensão do fenômeno que,
77
Depoimento de José Américo de Almeida a Aspásia Camargo e outros em O nordeste e a política:
dialogo com José Américo de Almeida. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1984. p. 161.
78
Idem, p.163.
64
vai e volta, mobiliza o espírito paraibano e continua a dividir a sociedade com recursos
retóricos para velhas questões.
O embate pela posse da verdade histórica ou a hegemonia dos acontecimentos
históricos sobre a Revolução de 30 na Paraíba acabou gerando, entre os grupos
envolvidos e defensores eventuais ideológicos no conflito, uma cultura particular na
qual ficção e realidade se imbricam dialeticamente, formando um continuum no qual a
revolução parece estar sendo vivida atemporalmente. Os debates se sucedem, versões
são contestadas, as vozes que protestam contra a história oficializada são abafadas,
marginalizadas e combatidas, resguardando a imagem dos paraibanos que fizeram a
Revolução. A prática ideológica do conhecimento, neste caso, é coletiva. O pensamento
está aparelhado por alguns trabalhadores culturais que se encarregam de responder com
intensa satisfação intelectual às questões cognitivas de qualquer ordem. Todos estão
atentos a qualquer opinião que venha a divergir do receituário que tenta se firmar como
hegemônico e mantêm um eterno monitoramento acerca desses fatos históricos, como,
por exemplo, na manifestação de Maria de Lourdes Luna, que não aceita a leitura feita
por Celso Furtado, em entrevista à revista Playboy, sobre a existência das tais cartas. O
economista afirma que “O crime que vitimou João Pessoa foi por vingança [...]Um dia
João Dantas teve sua casa invadida, retiraram papéis privados dele e publicaram cartas
que escreveu para uma amante.” Maria de Lourdes Luna rebate o economista nos
seguintes termos:
Nada mais falso. O fato já foi provado exaustivamente. A
correspondência lá encontrada era de seus constituintes e outros
documentos ligados a sua atividade partidária e profissional. Que
qualquer pessoa desinformada aceite uma versão fantasiada ainda se
tolera, mas um cidadão do mundo, culto e cultuado por muitos, insistir
em numa afirmação revogada é estarrecedor.
79
79
LUNA, Maria de Lourdes Lemos. Mentiras Históricas. O Norte, João Pessoa, 21 Ab. 1999. Opinião.
p2,
65
A tentativa de revogar a história pela fantasia apresenta-se como
persuasão retórica na tentativa de silenciar o oponente. Embasado na publicação do
jornal A União, datada de 26 de julho de 1930, sob o título de Perfeito tipo de
degenerado, temos confirmação de que a correspondência foi dada a conhecimento
público:
No cofre de marca “torpedo” encontrado no quarto do bacharel João
Dantas a policia achou notas redigidas pelo próprio punho do espião
com a narrativa de actos amoraes pelo mesmo praticados. Taes notas
não podem ser publicadas porque offendem ao decoro comum. Mas
quem quizer vel-las o póde fazer na polícia.
80
Mesmo com reprodução dessa nota nos livros João Pessoa, o
reformador, de Wellington Aguiar, e A Revolução estatizada, de José Octávio, nega-se
a existência das cartas
81
, a estratégia de negação busca a adequação ideológica à visão
dominante. Mas quando não se pode mais ocultar a realidade por argumentos racionais,
afirma-se que o desaparecimento de toda documentação apreendida na ação policial foi
proveniente do medo do delegado de plantão de uma assombração, um poltergeist,
fenômeno típico literário do realismo mágico:
De repente, veio-lhe a idéia de como ocupar o resto do expediente.
Abriu o cofre e retirou o remanescente ali guardado após a irrupção à
casa de João Dantas. [...] Não terminou de rever a primeira carta,
enviada por um constituinte do Rio Grande do Norte, quando um
vento inesperado, furioso, soprando pelas fechaduras, adentrou o
gabinete e, derrubando um tinteiro, entornou alguns papéis. As
janelas, sem serem tocadas, batiam com violência e toda força fora
inútil na tentativa de fechá-las. O quadro com a efígie de João Pessoa
despencou-se sem ter quebrado a alça que o prendia a parede, nem o
vidro e a moldura [...] Ao tentar desesperadamente pegar as folhas
espalhadas pelo chão, estas alçaram vôo em direção teto. Eram textos
voadores. [...] Acudiu-lhe então de fazer uma promessa a Nossa
Senhora do Desterro e imediatamente o que era inacessível foi
descendo e se amontoando no assoalho [...] Traga-me uma lata vazia,
disse apenas. Dentro dela o delegado atirou, despedaçado o arquivo
macabro e, atendo fogo, livrou-se do compromisso com a Santa e a
história da Paraíba perdeu elementos de grande valia para certificar
80
Vide também em João Pessoa, o reformador, 2005.p.287.
81
Vide Barbosa Lima Sobrinho em A verdade sobre a Revolução de outubro-1930, capítulo XIII – O
caso da Paraíba. 114 -129 pp. A existência das cartas também é confirmada.
66
uma fase agitada do seu passado. O que aconteceu foi natural ou
sobrenatural?
82
É uma justificativa que nem a ficção ousara imaginar. No entanto, mais
inverossímil do que torná-la “sobrenatural” é a tentativa de dizê-la revogada, como se
pudessem determinar o que devemos ou não conhecer. Esta atitude é insustentável.
Quando a realidade torna-se injustificável, só na literatura fantástica ou no sobrenatural
podemos encontrar as explicações, já que ela não requer comprovações e retiramos de
nossa responsabilidade o acontecido. O problema é que beiramos o irracionalismo na
história da Revolução de 30. Tudo parece literatura, fantasia, como justificava de
Anayde Beiriz às amigas chocadas com seus contos que narravam relacionamentos
amorosos de moças com homens casados: “é só literatura. É só literatura.”
83
E tudo
parece mesmo ser só literatura. Só que a literatura aparenta ser a verdade e o certo; a
história, ficção, a verossimilhança. A verdade da ficção está à espera de razão?
O sistema de antinomias da Revolução de 30 como expressão sintomática de sua
contradição social manifesta-se pelas oposições binárias que caracterizam a construção
do conhecimento como verdade única e definitiva, assim como, no itinerário do
ressentimento no uso ideológico das oposições binárias do bem e do mal, que a disputa
gnosiológica vai engendrar no pensamento ou na linguagem como estratégia de
legitimação da ação dos homens. O uso ideológico dessas ‘unidades mínimas’ na
articulação das lutas ideológicas atua como um código que mantém a Revolução de 30
numa função mobilizadora da sociedade para atitudes de hostilidade e coerção para com
aqueles que agem e ousam pensar diferentemente uns dos outros. A conseqüência deste
82
LUNA, Lourdinha. João Dantas – Anayde Beiriz, vidas diferentes, destinos iguais. O Norte, João
Pessoa, 22 Ago.1993. Reportagem. p.4.
83
Vitória Chianca em depoimento a João Costa, publicado em Fernando resgata heroína Anayde, e
exorciza fantasmas da Revolução de 30 num mês de maus presságios. Correio da Paraíba. João Pessoa,
02 ago.1992. Caderno3. p.2.
67
conflito de opiniões gerou o reconhecimento de duas verdades, uma atrelada aos
defensores da Aliança Liberal e outra em defesa dos perrepistas paraibanos. A
contradição gerada por sistemas de antinomias tem por conseqüência a (re)produção de
sua problemática sem nunca chegar a uma solução final. A contradição sobrevive pela
parcialidade e paixão geradas pelo atores sociais na demarcação e delimitação de suas
identidades enquanto grupos sociais antagônicos e dogmáticos, na argumentação em
defesa de seu quinhão ideológico, sua doxa e sua aceitabilidade racional.
Seguiremos o itinerário da construção destas verdades, que desemboca
na existência de outra verdade, antagônica ao sistema dominante. Mas qual a
necessidade deste reconhecimento? A narrativa ficcional teria alguma influência no
reconhecimento desta nova verdade? A memória teria a função de salvaguardar a
“verdade do fato histórico”? O ressentimento teria sido imprescindível para que a
controvérsia sobre o ano de 1930 adentrasse ao século XXI como fiel depositário da
memória que não deseja o esquecimento, mas sempre reativar a memória do adversário?
A apreensão da história como nós a conhecemos dá-se através de textos,
essa produção simbólica através da qual as relações humanas são mediadas, objetivando
as relações de poder que narram os acontecimento de acordo com a conveniência das
classes sociais ou segmentos de classe, ocultando ou fazendo calar aqueles que atentam
contra a dominação e reprodução de seus interesses. Com a vitória da Revolução de 30,
os liberais buscam construir suas narrativas e, através delas, estabelecer a verdade,
como se pode constatar na inquietação de Virgilio de Mello Franco que esclarece, em
advertência ao leitor, o objetivo consciencioso de sua argumentação na prevenção de
futuros problemas: “escrevendo e publicando este livro, outro fim não tive senão o de
fornecer uma contribuição pessoal para que mais tarde não se falseie a História. Fiz
bem? Fiz mal? O futuro dirá.”
84
84
FRANCO, Virgilio A. de Mello. Outubro, 1930. 4ª edição. Rio de Janeiro: Schmid, 1931. p.10.
68
Os possíveis “falseadores” da história de 30, na polidez e quase
desinteressada atitude teleológica do autor de Outubro, 1930, podem ser todos os que
contestem a sua contribuição e saber histórico da revolução. Adhemar Vidal,
diferentemente de Virgilio de Mello Franco, de forma objetiva dá nome aos
“falseadores”. Estes, segundo o autor do O incrível João Pessoa, eram os perrepistas
paraibanos que tinham como “arma favorita a mentira. Mentiam a granel.
Desavergonhadamente.”
85
Entretanto, no entender de José Joffily, falta a Adhemar
Vidal isenção por ele esar comprometido com a administração do governo João Pessoa
(1928-1930)
86
e, acrescentamos, comprometido com o episódio que culminou com o
assassinato de João Pessoa, a devassa à residência de João Dantas. Mesmo que anos
depois Adhemar Vidal, em entrevista, tenha afirmado que um dos responsáveis pela
morte de João Pessoa tenha sido José Américo de Almeida, “porque queria ser o líder
nordestino perante o presidente do Brasil Washington Luís (Sic)”
87
, a negação para esta
afirmativa é dada pela leitura das obras do próprio Adhemar Vidal do período em que
sua voz uníssona desejava silenciar o passado:
E não concordo por um motivo muito simples, porque a História
contraria quase tudo que o jornalista escreveu [...] Lendo O incrível
João Pessoa e 1930 - História da Revolução na Paraíba e João Pessoa
e a Revolução de 30, este último publicado em 1978, todos eles do
escritor Adhemar Vidal, não se encontra absolutamente nada sobre o
assunto.
88
Não é a história que contraria a versão apontada pelo jornalista, mas a
interpretação do próprio Adhemar Vidal que se refaz da tutela dominante do senhor e
aponta a vontade de poder de José Américo de Almeida
89
. A interpretação das obras por
85
Vidal, Adhemar. O incrível João Pessoa. Rio de Janeiro: Universo, 1931. p.64. Ou em João Pessoa e a
Revolução de30. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 71.
86
JOFFILY, José. Revolta e revolução: cinqüenta anos depois. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.p.67.
87
JUNIOR, Franto. Paraíba, capital Paraíba. O Norte, João Pessoa, 26 jul.1995. Show, p4.
88
SALVIANO, Violeta de Brito Lyra. Verdade histórica. O Norte, João Pessoa, 10 ago.1995. Show, p4.
89
Com polidez no fascículo 36 de Paraíba, nomes do século: Ariano suassuna, José Nunes profetizou ,
sem indicar interessado na morte de João Pessoa, que: “os acontecidos naquele nefasto ano de 1930, na
Paraíba, ainda vão render pesquisas, pois a morte de João Pessoa não foi apenas por motivos políticos
69
parte da então presidente da Fundação Casa de José Américo, Violeta de Brito Lyra
Salviano, toma o conhecimento histórico ou a concepção de verdade pelo caráter de
antiguidade em uma leitura canônica, como se as obras produzidas pelos homens em
justificativas de suas ações ou de outrem fossem inquestionáveis, o conhecimento
estagnado e a história impossível de ser reexaminada e o erro reparado. Assim, a
linguagem como constituição da verdade acaba por recorrer à crença metafísica de que a
verdade é divina:
Faço minhas as palavras do jornalista: não devemos esconder a
verdade. Nunca, Deus a ama fortemente. Não é ético, nem
bonito, nem de bom tom acusar gravemente alguém que não
pode mais se defender porque já se encontra do outro lado, com
a VERDADE das VERDADES (Destaques da autora).
90
Respeito à memória dos mortos é o programa que sempre se exige
quando os argumentos não rendem o suficiente convencimento em defesa daqueles
sujeitos de boas qualidades, elevadas virtudes morais e caráter irretocável que fizeram a
Revolução de 30. Mas tal atitude não se observa por parte dos defensores dos liberais de
30:
Os “iniciados” não aceitam a verdade científica segundo a qual o
povo é quem faz a História. Daí a campanha de calúnias e
agressões contra o historiador José Joffily que não foi respeitado
nem depois de morto, porque enfrentou obscurantismo e disse a
verdade.
91
A verdade que José Joffily apresenta acerca da Revolução de 30 revela a
existência de uma discrepância entre os fatos e a versão oficial; os interesses pessoais
como alguns historiadores oficiais buscam mostrar para as novas gerações, mas motivada por intriga
palaciana de políticos sequiosos de poder.”
90
SALVIANO, Violeta de Brito Lyra. Verdade histórica. O Norte, João Pessoa, 10 ago.1995. Show, p4.
91
BATISTA, Oduvaldo. Provincianismo. O Norte, João Pessoa, 22 ago.1995. Show, p.4.
70
sobreexcederam-se à verdade dos acontecimentos e, conseqüentemente, vem a
necessidade de uma revisão
92
. Proposição que Joffily executa ao tomar posição contra o
dogmatismo e a mistificação criados em torno de João Pessoa, avaliando a guerra de
Princesa atrelada aos interesses dos sertanejos
93
contrariados pela reforma tributária
iniciada por João Pessoa, revisando o conceito de revolução, a participação do povo
neste episódio histórico, aceitando a versão de suicídio para a morte de João Dantas,
mas reconhece que não está neutro nesta polaridade ideológica que não admite
imparcialidade, e manifestando a certeza de que definitivo mesmo somente a
permanência do debate e a verdade provisória. Daí a multiplicidade de versões, ou no
mínimo duas versões sobre este determinado assunto, com cada uma defendendo
interesses específicos das facções que representam a verdade como uma necessidade
política.
A representação ideológica da verdade é de uma consciência bem
informada. Ela abrange a filosofia, a religião, o mito, a moral e a apropriação do mundo
em ruínas, abandonado pelo inimigo em fuga. Apropriação que, através das abstrações
do pensamento, mistifica e oculta a elaboração da atividade mental e sua relação
imaginária com o real:
quando me pesava a responsabilidade de dirigir “A União”, órgão
oficial do Estado, no fragor da tormenta, e assim o dever de interpretar
o pensamento do grande governo de João Pessoa. Trabalhávamos com
alma. Não precisávamos perguntar a esse tempo, “onde está a justiça”
como Sócrates a seus discípulos, nem “onde está a “verdade” como
Pilatos a Jesus, porque estavamos dominados pela fascinação
consciente deste vulto hercúleo, cujos inimigos não poderam vencer
nem pela morte, antes fugiram em pânico diante de seu corpo
inanimado. Identificados com o sonho que transfigurava o espírito
desse cidadão incomparável – de tornar a Paraíba imensa e feliz – e,
depois, com a selvagem bravura com que lhe defendeu a autonomia,
92
JOFFILY, José. Revolta e revolução: cinqüenta anos depois. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.33.
93
Japiassu em seu romance Concerto para paixão e desatino, faz uma comparação de riqueza pela
quantidade de automóveis que “Princesa estava apinhada deles. Havia bem uns vinte, quase o mesmo
número da capital. E por quê? Por causa da riqueza do “Território Livre”, muito mais pernambucano que
paraibano e, por tal razão, inimigo da política econômica de João Pessoa. O Porto do Recife estava cada
vez mais próspero, inchado de mercadoria que iam e vinham, à vontade dos tubarões capitaneados pelos
Pessoas de Queiroz, de quem Zé Pereira tornara-se amicíssimo. Cabedelo ao contrário, era ancoradouro
de acanhado porte, a implorar reformas e verbas que o Governo Federal negava aos opositores.“ p. 131.
Realidade do porto paraibano que, tirando a oposição a oposição do Governo, continua a mesma.
71
nunca nos abateu um só momento de desanimo no exercício das mais
duras funções.
94
Com quem está a verdade? O que é a verdade? Mas para que serve a
verdade? Roteiros. Questionamentos; roteiros.
A verdade é João Pessoa morto, a verdade está possuída no corpo morto
de João Pessoa. Mas, sendo causa, sobre que efeito servem esta verdade e esta morte?
A verdade pertence aos representantes da Aliança Liberal e não aos
perrepistas. O velho regime acabou e novos totens foram erguidos na oficina da história.
As engrenagens não param; a produção alcança um salto de qualidade na construção e
justificativa de uma realidade mais feliz, que, sonhando com um grande futuro, é
intocável. Seria um crime de lesa-pátria questionar a causalidade que proporcionou a
concepção de verdade e justiça dos liberais da Aliança. Encontrar uma maneira para se
opor ao monopólio da verdade sobre 1930 é intervir na realidade social. Uma das
possibilidades de expressar ideologias é pela forma estética. A escolha do ato estético, é
sabidamente, em si próprio ideológico. O ato estético foi a opção que muitos
escolheram para responder às questões relacionadas à Revolução de 30. Entre eles,
Ariano Suassuna, que a respeito de sua obra, vai logo informando: “Um escritor é um
mentiroso: A pedra do reino, 630 páginas, nada do que tem lá é verdade. Tudo mentira!”
95
E como ficção deve permanecer.
Ariano Suassuna expressa a obra de arte como mentira e não gosta do
mentiroso que prejudica os outros ou que mente para exaltar suas ações; gosta de certo
tipo de mentiroso, o que mente de forma gratuita, “o mentiroso que ama a mentira pela
mentira, como obra de arte, com esse eu simpatizo. Porque ele, como é uma pessoa que
94
GOMES, Osias. A história dêste livro. In: LÉLIS, João. Revolta de Princesa (1930). João Pessoa. A
União, 1940, p. 13.
95
SUASSUNA, Ariano. Aula magna. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1984. p.33.
72
como nós não se satisfaz com o real, cria um novo universo.”
96
O escritor, assim como
o mentiroso insatisfeito com a realidade, não parte do nada. A produção ficcional tem
como matéria prima o real que é transformado pelas abstrações do trabalho intelectual,
em um mundo mais favorável ao criador, no qual o narrador de seu romance só diz o
que ele pode provar ou o que viu acontecer
97
. A ficção se coloca a serviço da verdade
98
,
como podemos constatar na resolução imaginada por Ariano Suassuna para responder
conceitualmente a uma das questões colocadas por Osias Gomes
99
:
“— E a verdade?” Disse Arésio.
“— Ah, a pergunta de Pilatos!” Disse Adalberto sem sorrir –“Chama-
se verdade Arésio, uma afirmação com a qual mais de um homem
concorda. Quanto maior o número desses homens, maior a
importância dessa verdade. O resto é confusão e sonho dos idealistas!
Assim como não existe verdade em si, também não existe falsidade
em si. Uma Falsidade é somente um choque de verdades.”
100
A legitimidade da verdade por uma maioria é a legitimidade da dominação
política sobre uma minoria, cuja negação é possibilitada pelo relativismo. A verdade
parece ser uma escolha pessoal e possui um caráter pragmático e orgânico, a verdade é
subordinada aos interesses de uma classe social ou a serviço dos grupos que a compõem
em disputa pelo poder, um pensamento, um saber. Formulações interpretativas vão
sendo elaboradas sobre o objeto, mas se mantêm em rota de colisão e efetivamente
colidem. Outra observação sobre o diálogo das personagens no romance de Suassuna é
quanto às formulações sobre o conceito de verdade que projeta a contradição –
96
Idem, p.35-36.
97
Vide às paginas 48, 140, 184 e 495 do romance A pedra do reino, de Ariano Suassuna.
98
Gustavo Corção em O Globo, edição de 11 Dez.1971, interpretando o sentido ético do Romanceiro
comenta: “(...) o Romanceiro, longe de ser uma cultura simplesmente menor, medida em côvados de
progresso técnico ( ...) tem em comum com os mais altos momentos da história humana esta invariante
procura da Verdade e do Bem. Suassuna certamente prefereria, a tão ostensivas pomposas categorias, os
termos “genuíno” ou “autentico” que são apelidos da Verdade; e não me contestara se eu disser que
através de todas as desconcertantes refrações éticas o Romanceiro revela sempre a procura de um valor
que é outro apelido do Bem.”
99
Vide referência relativa a nota de número 46, página 31, na qual, de forma mais clara, esta questão é
debatida pelas resoluções do romance História d’o rei degolado.
100
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 533-534.
73
ideologema – em prototeoria, uma opinião abstrata construída a partir da relação com a
categoria modo de produção:
As afirmações do meu livro - entre as quais a mais importante talvez
seja essa da verdade como coisa estabelecida socialmente pela maioria
- são incontestáveis, porque o testemunho de todos os homens
comprova que, no tempo da selvageria, havia um número de verdades
infinitamente inferior ao de agora, com a Civilização e o seu
desenvolvimento. E isso era de esperar: porque é a organização
econômica total e absoluta que produz a organização das verdades
parciais num todo indiscutível. Será da organização e da semelhança
de todas as verdades num todo comum que decorrerá a paz entre
todos. Essa, aliás, é a razão do sucesso sem precedentes que o
Socialismo, todo baseado no fundo econômico, vem tendo na Rússia,
por mais que você zombe dela!
101
A estrutura econômica de uma dada formação social não só determina como a produção
de bens materiais é executada como meio de subsistência, mas incorpora todas as
dimensões da vida social em qualquer época ou circunstância da vida política e cultural
de uma sociedade, como a produção do conhecimento desta formação social, até
mesmo como necessidade da existência deste modo de produção em particular,
condiciona a forma como a produção do saber é disseminada, de forma única, sem
pluralismo de idéias, unificando interesses sob a ordem social desejada.
Quando pensamos que se trata da Revolução Russa, temos a
Revolução de 1930 com a produção da verdade estabelecida pela maioria, resultante da
identidade da representação ideológica que unifica as vontades ao criar condições para
que o homem possa responder às suas necessidades, como uma convenção social para
que a vida social torne-se possível com a eliminação dos adversários e suas idéias
contrárias ao governo. Uma espécie, então, de contrato social ou pacto moral, mas não
entre inimigos, e sim entre os iguais com o objetivo de ocultar realidades.
101
Ibidem, p.534.
74
Os revolucionários de 1930 tramaram as atitudes do governante João
Pessoa e como resultado obtiveram a sua morte, e, com efeito, descreveram-no superior
aos outros homens, mas como mártir ainda não chegou a herói histórico. Contudo, o
que se escondeu por trás das tantas virtudes e moral elevada do homem que, em
holocausto, doou a vida à nação? É este altruísmo, senão a representação de uma
história manchada de sangue por obrigações e vinganças que as boas coisas trazem para
o progresso do homem. Daí a necessidade de não se ousar questionar ou não se
responder às questões morais que foram determinantes para o assassinato de João
Pessoa: a invasão à residência de João Dantas e a série de reportagem sobre os supostos
documentos que comprovavam desvios de dinheiro público.
Claro que todos desejam a verdade, mas não suas conseqüências
desagradáveis. E dentre as conseqüências está a possibilidade de ter que lidar com a
mentira, negá-la, quase chegando à obsessão por esta mania de verdade: “O
pesquisador Wellington Aguiar já catalogou 43 “erros” e “lapsos” na biografia de João
Pessoa escrita pelo jornalista Fernando Melo. Aguiar promete esquadrinhar todo o texto
para evitar que equívocos sejam perpetuados.
102
Atitude de conhecedor da verdade,
exerce sobre outras narrativas um poder que exige retificações, como se ele fosse a
consciência representativa da história:
Ao detectar erro histórico, historiador Wellington Aguiar escreveu
carta a Fernando Morais, autor do livro “Chatô, o Rei do Brasil”. Eis a
íntegra: Sei que é grande jornalista. No entanto, como conhecedor que
sou da história da Paraíba, encontrei no excelente “Chatô, o Rei do
Brasil” alguns erros. O pior deles está à página 218. A morte de João
Pessoa não foi uma tragédia passional, como o senhor afirma. Pelos
seguintes motivos: 1) A invasão do sobrado onde morava João Dantas,
deu-se cerca de dois meses antes do conhecido crime, e não apenas
quatro dias antes como se lê em seu livro. 2) Não havia ali qualquer
carta de amor e muito menos de Anayde Beiriz e/ou de João Dantas.
3) Jamais foi encontrada nenhuma fotografia destes, muito menos
“dos dois nus em poses eróticas”, como está em seu texto. O senhor
por certo colheu tais inverdades no filme Parahyba mulher macho, de
Tizuka Yamasaki, película comercial feita com o objetivo de ganhar
102
ANÍSIO, Ricardo. Polêmica. Correio da Paraíba, Paraíba, 13.jun. 2000. Caderno2. p.2, c1.
75
muito dinheiro. E que motivou um processo contra Tizuka, movido
por dona Helena Beiriz, irmã de Anayde. O filme não merece dos
historiadores o menor crédito..[...]Esperando que o destacado
jornalista faça, por amor à verdade, as necessárias retificações na
próxima impressão de Chatô, o Rei do Brasil, subscrevo-me com
admiração pelo seu brilhante trabalho.
103
Questionamentos acerca da vida pública do ex-governador paraibano, sob
quaisquer aspectos, recaem sobre o inquiridor como grande artilharia, sendo vetada
qualquer participação que não seja para elogiar o desempenho do administrador
extemporâneo, seu amor aos pobres e humildes, aos presidiários e a tantos outros
desvalidos que dará a gênese do populismo no exercício da política. Entretanto, torna-se
necessário trazer esta realidade reprimida para o debate, denunciando a repressão
daquilo de que não se quer abrir mão, a supremacia sobre a (re)produção do
conhecimento:
Na história da Revolução de 1930, os acontecimentos que envolveram
a Paraíba e, em particular, o assassinato do presidente João Pessoa,
ainda hoje são transmitidos em duas versões. Há a versão dos liberais
e há a versão dos perrepistas. As novas gerações, que não
participaram dos acontecimentos e sabem apenas o que lêem e o que
ouvem, não têm condições de fazer um juízo imparcial e sereno. Para
cada afirmativa de um liberal, há uma negativa de um perrepista. E
vice-versa.
104
A disputa ideológica pela hegemonia da verdade histórica é tão visceral e
dogmática que, visando desacreditar a versão não-oficial sobre 1930, acaba-se por
desacreditar os registros da história oficial, feitos por quem fez a revolução. Afinal, a
negatividade das versões, paradoxalmente, acaba por anular o juízo que se possamos
fazer sobre a História. O choque de versões é necessariamente aquela retextualização
prévia do inconsciente político, que torna a história somente acessível sob a forma
103
Morte de João Pessoa: Aguiar detecta erro em “Chatô”. Carta publicada no jornal Correio da Paraíba,
Paraíba, 12. nov.1995 Cultura & Lazer. p.7, c.1/4.
104
Editorial. A União, João Pessoa, 26. jun.1997.
76
textual. E este choque de verdades é o ideologema fundamental da contradição que
envolve o sujeito e o objeto cognoscível da Revolução de 30.
Essa disputa entrelaça o ressentimento histórico pelo encobrimento dos
fatos, como, por exemplo, o não reconhecimento dos assassinatos de João Dantas e João
Suassuna como vingança pelo assassinato de João Pessoa. E quanto às novas gerações
não terem a capacidade de fazer juízo “imparcial e sereno”, isso é falacioso. O motivo
para se negar o direito das gerações de interpretar os acontecimentos da Revolução de
30 é a impossibilidade de controlar o processo cognitivo e a produção de valores que
não estejam comprometidos com os interesses do grupo dominante e a conseqüente
consubstanciação dos pontos de vista dos adversários na relação de poder, como na
interpretação de Marcus Odilon, considerada heterodoxa
105
:
Há uma grande deformação histórica na figura política e humana do
presidente assassinado. Tudo em João Pessoa foi acaso. Seu tio deu-
lhe um lugar no Tribunal de Contas e mais tarde, um estado. Realizou
uma obra de fachada que lhe rendeu fama de bom administrador [...]
O “Négo”, que hoje ostenta a Bandeira da Paraíba, não é expressão
sua. É frase que em seus lábios colocou o tio Epitácio. Sua rebelião
contra o Presidente Washington Luiz foi apenas o resultado do
cumprimento de vontade alheia. Os discursos, as atitudes melhores
do governo, dizem ser de seu Secretário – José Américo. Sua morte
puro acaso. Tem-se no Sul a impressão generalizada que João Pessoa
morreu nas mãos de um sicário, braço armado pelos seus inimigos.
Nada disso. É preciso conhecer a verdadeira versão dêste crime
político, um dos poucos das páginas da história do Brasil.
106
É quase impossível, numa disputa ideológica, não se ter a contestação do
outro lado na produção do conhecimento, seja perrepista ou liberal. Afinal, a ideologia é
relacional, e deverá existir o Outro lado desta relação para que possa existir o processo
ideológico, e ser “imparcial e sereno” exige a camuflagem do posicionamento
ideológico sobre as versões históricas existentes, seja a dominante ou a dominada, ou
seja, as versões liberal e perrepista, respectivamente, para os fatos acontecidos ou
105
Vide José Octávio em João Perante a história. João Pessoa: A União, 1978.p.205-207.
106
COUTINHO, Marcus Odilon Ribeiro. Poder, alegria dos homens. Filipéia de Nossa Senhora das
Neves ( João Pessoa) : A Imprensa, 1965. p.30-31.
77
inventados. O posicionamento, por mais imparcial e sereno que seja, acaba quase
sempre por favorecer a versão dominante, portanto, difícil de aceitar a imparcialidade
sob a máscara da neutralidade ideológica e ainda tentar coibir a manifestação das
consciências, pois a manifestação sobre a Revolução de 30 e seus agentes não é uma
tarefa de uma categoria específica de profissionais. Pelo contrário, esclarecer os pontos
obscuros do passado histórico-cultural é tarefa da sociedade, assim como continua a ser
tarefa da sociedade denunciar a opressão sob quaisquer aspectos ou estágio da vida
social:
Estão repelindo o obscurantismo de certa igrejinha que não admite a
“intromissão” de jornalistas, que não escritores, no debate sobre o
“Bravo Filho do Sertão”. A Paraíba tem umas coisas engraçadas na
área do jornalismo. Sem ninguém saber como nem por que, certos
assuntos vão ficando privativos de determinados figuras, chegando ao
cúmulo de se estranhar que um outro profissional, fora da igrejinha,
ouse incursionar sobre assunto para o qual não esteja devidamente
“autorizado”. Trocando em miúdos, se o tema em questão é História, o
debate nas páginas de nossa imprensa só é permitido a certos
“iniciados”. Se alguém tenta furar o bloqueio, as reações são imediatas
e persistentes.
107
As reações tentam levar ao constrangimento quem questiona a versão dos
Liberais, que vão logo avisando: Na verdade, tudo não passa de blá, blá, blá. Conversa
jogada fora. Perda de tempo. Um bom prato para os ociosos e os teóricos de ocasião. No
entanto, mais uma vez, hão de voltar ao obscurantismo, o habitar dos pobres de espírito
e de mentes estéreis.”
108
Ao contrário do que se possa afirmar dos “pobres de espíritos
e das mentes estéreis” acima mencionados, o que se pretende é abafar as manifestações
de fantasias e desejos imaginários que os sujeitos possam construir sobre a sociedade e
a história da Paraíba que emerge de 1930, independente das versões estabelecidas.
Corroborando com o pensamento sobre as mentes estéreis desenvolvido por Oswaldo
Jurema, está o historiador José Octávio cuja opinião é a de que:
107
BATISTA, Oduvaldo. Provincianismo. O Norte. João Pessoa, 22 ago.1995. Show. p4.
108
JUREMA, Oswaldo. Balaio de jias. O Norte. João Pessoa, 16 Mar.1997. Opinião. p2.
78
Isso de ficar discutindo se João Dantas suicidou-se ou foi
assassinado
109
, se João Pessoa estava ou não armado
110
na Confeitaria
Glória, se a poetisa Anaíde Beiriz era noiva, namorada ou amante de
João Dantas, e, ainda o número de passos que medeavam entre a sede
do Governo e o escritório de João Dantas, é absolutamente irrelevante
e corresponde a um tipo de debate que, não levando a nada, não mais
possui razão de ser. Com sua habitual veemência, Wellington Aguiar
fulminou essas questiúnculas evocando o grande historiador inglês
Maccauley e lembrando que tal constitui “o lixo da história”, isto é, o
acidental, o circunstancial
111
, o que só pode ser colocado pelos que
não possuindo a História, compreensão mais alta, se deixam embair
pelas aparentes novidades de suas “pesquisas” como se estivem
descobrindo a pólvora.
112
O posicionamento teórico é reflexo de uma tomada de decisão ideológica
e política dos agentes sociais, ele determina a função de cada um deles, regulamentando
a coerção que se pode exercer sobre o objeto no confronto entre as forças antagônicas
na investigação, divulgação e apropriação das informações
113
, visando influenciar a vida
da comunidade através de suas interpretações dirigidas e de ocultação.
109
O fato é que não mais se questiona, mas se tem certeza de seu assassinato: Um fato, porém,
permanece obscuro, cercado por um manto de mistério que nem o mais ousado inquiridor resolveu
desafiar: qual foi a verdadeira participação de José Américo no assassinato de João Pessoa e na morte de
Dantas, sangrado como um animal na cadeia pública de Recife? (...) Seja como for falta alguém em trinta.
As peças não se encaixam o jogo não se completa. Seria esse alguém José Américo?” Questionou Marcos
Tavares em artigo, Falta alguém em trinta. Jornal da Paraíba, Campina Grande, 26. JUL. 2003. Cidades.
p.3.
110
Essas questões de somenos sempre acabam voltando, como no artigo de Marcus Aranha, Heróis
paraibanos: “Sinceramente, não sei se é herói o sujeito que leva três tiros de revólver, com uma pistola
automática no bolso traseiro das calças, sem lançar mão dela para se defender.” Correio da Paraíba.
João Pessoa, 29 Jul. 2007. Caderno A.p.9.
111
Circunstancial como um possível roubo de um chapéu de manilha, que, tendo por suspeito o adversário
de João Pessoa, torna-se de grande valor histórico:O caro José Gayoso me confirmou o roubo de João
Dantas, em novembro de 2003[...] Disse-me que o elegante chapéu era de estimação de seu pai [...] sabe-
se que depois João Dantas tentou desmentir o fato, mas ele é verdadeiro. Daí por que narrei a história na
edição de 18-11-2003, em minha coluna nesta folha [...] E no livro “João Pessoa, o Reformador”, recordei
tudo à página 292.” Wellington Aguiar em Quem foi João Dantas? Correio da Paraíba. João Pessoa, 09
Ago.2007. Caderno2. p.6.
112
OCTÁVIO, José. Em torno da Revolução de 30. O Norte. João Pessoa, 24 Out.1980. Segundo
Caderno. p.2.
113
Wellington Aguiar em debate com Lourdes Luna em Remexendo na História: o “assanhamento” de
Anayde, Correio da Paraíba, edição de 28 de janeiro de 1996, desacredita a oralidade como fonte
histórica: “Com o intuito de prevalecer a verdade esclarecemos: 1) A História não é feita de conversas de
vizinhos e comadres, como pensa D.Lourdes, mesmo porque a chamada tradição oral é algo precário que
não se deve invocar como prova definitiva do que se afirma.” Porém, a tradição oral possui validade para
o que ele afirma para comprovar o “assanhamento” de Anayde Beiriz e João Dantas: “Aluizio costa, ainda
vivo, filho do professor Sizenando Costa, conta, para quem quiser ouvir, nas salas da sede central do
Cabo Branco, que estava na Bica com alguns colegas da época quando viram João Dantas agarrado com
79
É a partir desse “lixo” que historiadores mais isentos irão produzir a
riqueza histórica paraibana; é com ele que se vai deformar a realidade histórica e, de
suas camadas mais profundas, forjar as mediações sociais; é com a produção em defesa
desse lixo ideológico que alguns intelectuais no gozo do “intimismo à sombra do poder”
114
irão se projetar e ocupar cargos públicos no âmbito da cultura local; é com base nele
que as relações simbólicas com o real serão formuladas; É com esse lixo que o
inconsciente político da Revolução de 30 irá ser preenchido e falará através dele, como
um espectro, à sociedade sobre um conflito ideológico não acabado, mas em contínuo
processo, tal qual a verdade que dele brota ao reintroduzir na ordem social a realidade
transgredida. Enfim, é com esse mesmo lixo que se fará a riqueza histórica da Paraíba.
Visto que a sociedade paraibana tornou-se incapaz de resolver suas contradições no real,
o inconsciente político elabora e projeta através da linguagem
115
, sua superação,
tornando-se produto e produtor dessa história. É com o espelhamento dessa produção de
bens simbólicos, que temos as formas ideativas da prática cultural, a tentativa de mudar
a consciência cognitiva que resultou da Revolução de 1930.
Anayde Beiriz. Quando notou que os meninos estavam olhando para o casal, num pulo de gato João
Dantas pegou Aluízio e Franquinha pela gola e deu um trocado para eles irem embira, dizendo que aquilo
não era coisa para menino ver.” O Norte, João Pessoa, 28 Jan. 1996. Especial. p.11. Só o falar ideológico
é verdadeiro na tradição oral.
114
Ao comentar um livro de autoria de José Octávio, escreveu Wellington Aguiar: “escrito pelo
historiador oficial José Octávio, assim conhecido nos meios universitários por escrever sempre elogiando
os poderosos.” Correio da Paraíba. Notas da província – 1. João Pessoa, 03 Abr. 2008. Caderno2. p.6. O
ideológico também se manifesta através da solidariedade de classe, como na confissão de Wellington
Aguiar: “Fico triste ao ver alguém de origem pobre escrever contra João Pessoa.” Correio da Paraíba.
Ignorância e coronelismo. João Pessoa, 03 Abr. 2008. Caderno2. p.6.
115
A defesa de um museu para alojar os espólios da Revolução de 30 é motivo para se reintroduzir
questões impertinentes à sua história, como a idéia de que a história paraibana só gira em torno de 1930,
que o museu represente apenas a facção vitoriosa, tornando-se o museu João Pessoa, como reivindicou o
sobrinho neto de João Pessoa, Fernando Milanez (em AGUIAR, Wellington. Museu. Correio da Paraíba.
João Pessoa, 05 Ago.2003. Caderno2. p3), e questões transgressoras, como os objetos que nele teremos,
como: o revólver usado pelo pistoleiro Manoel Alves de Souza no assassinato do deputado João
Suassuna, o bisturi com o qual assassinaram João Dantas e Augusto Caldas. Escreveu muito sutilmente
Marcus Aranha no seu artigo Bendito museu, para o jornal Correio da Paraíba. João Pessoa, 26
Ago.2007. Política. p.9. Acrescento, quem sabe se não teremos neste museu os escritos amorais de João
Dantas. Quem sabe?
80
O inconsciente político, com sua função de resgatar a realidade reprimida
pelas demandas da ocultação ideológica – seja no todo, nas particularidades ou na
superfície desta realidade denominada Revolução de 30 –, transferiu para os artefatos
culturais a incumbência de recriar a história dando feitio de verdade às suas resoluções
imaginárias de alto teor simbólico. A recepção da arte que trata destas resoluções
simbólicas e o debate político mediado pela imprensa recrudescem as posições
ideológicas na sociedade ao ponto de se colocar em dúvida as certezas históricas: “há
quem diga que os Dantas, historicamente, têm razão
116
”. Como bem identifica Josinaldo
Malaquias:
A Revolução de 1930 é um dos temas mais controvertidos que, no
perpassar de 76 anos, continua, na Paraíba, sendo objeto das mais
acirradas polêmicas nas quais duas correntes se digladiam. A
primeira, de cunho saudosista, fanático e intolerante à critica, mitifica
a figura de João Pessoa como protagonista do citado fato histórico,
numa propositura fundamentalista que choca o mais fervoroso
discípulo de Alá. A segunda, açula a ira dos partidários do ex-
presidente emitindo juízos e opiniões sobre a irrelevância deste que
na opinião desses críticos, só é detentor de tanto heroísmo pela pena
de biógrafos oficiais.
117
O processo de narrativização do inconsciente político é retomado como
uma busca de sentido que visa superar e, às vezes, aprofundar as contradições deixadas
por esse passado que encontra nas resoluções simbólicas das narrativas em geral a
função e necessidade de um inconsciente político da Revolução de 30, que,
paulatinamente, vem questionando e mudando a mentalidade paraibana a respeito da
história da Revolução de 30. Essa é a realidade que buscaremos demonstrar pela relação
dos homens com a produção de narrativas e na sua relação com o espaço que
representam: a cidade e seus símbolos, assim como os questionamentos que o
116
Wellington Aguiar citando e combatendo essa injúria no artigo. Rubens e a História. Correio da
Paraíba. João Pessoa, 22 Fev. 2005. Caderno2. p.3.
117
MALAQUIAS, Josinaldo. Orfandade revolucionária. João Pessoa, 18 Mar. 2006. Caderno2. p6.
81
inconsciente político reclama das velhas e das novas gerações, visto que o texto
simbólico faz a mediação dos interesses das forças sociais que utilizam a cultura como
instrumento ideológico, reproduzindo na comunidade novos sujeitos desta relação
obsessiva dos paraibanos com a Revolução de 1930.
2.1 – Resoluções romanescas
Se a ciência é um processo de transformação, a ideologia quando o
inconsciente se fixa nela, é um processo de repetição.
Alain Badiou
As resoluções romanescas como narrativas manifestas do inconsciente
político expressam com liberdade o que antes era considerado um tabu, um segredo para
poucos sobre a conjuntura paraibana de 1930. As resoluções simbólicas das obras
ficcionais aos poucos vêm minando o saber historiográfico ao comunicar à sociedade o
que até então se escondia estruturado no discurso de verdade que a história consagrou.
Questionamentos cada vez mais se fazem presente à sociedade, mantendo vivo o debate
acerca da verdade dos acontecimentos. Como um saber oculto que as alegorias possuem
ao expressar o mundo apropriado pela estética, acaba-se por desvelar a verdade, um
saber constituinte das narrativas de ficção constantemente reprimido pelo saber
constituído da historiografia. Conhecimento que se constrói imanente à história de 1930.
O primeiro romance a tratar da realidade da Revolução de 30 é Fretana
(1936), de Carlos Dias Fernandes. Obedecendo às intenções de uma alegoria, o autor na
ficção, se encarrega de mascarar o que deseja desvendar. Este jogo de esconde-mostra
começa quando informa o processo que acabou por indicar João Pessoa ao cargo de
presidente do Estado da Paraíba, por exclusiva vontade do tio Epitácio Pessoa. O Jaime
82
Villôa, personagem da ficção romanesca é, por analogia, o próprio João Pessoa/Jayme
que é sinônimo de morte e Villôa, de vilão ou rima de Pessoa. O criticado processo
eleitoral que escolheu Jayme para governar o Estado é o mesmo que colocou João
Pessoa no Palácio da Redenção:
Microlandia pacata e rural experimentou dias terríveis de sobressalto e
perplexidade no govêrno aziago de Jayme, sem compostura, sem
preparo, sem capacidade moral para o mandato que lhe outorgou o tio
e o eleitorado panurgico sanccionou com a sua subserviencia. Não
houve amigo nem partidário leal e desprendido da família Villôa que
não provasse decepções e injustiças daquelle ferrenho magistrado,
sem commedimento, sem ternura, sem tolerância. Contra a geral
expectativa do Partido sabujo que o elegeu, Jayme atrahiu à sua
confiança a carcomido Lazaro Lameira, que sempre o desdenhara e o
insultara nas suas diatribes do “Corsario”, que timbravam em
assignalar como “ladrões os Villôas
118
que não eram assassinos.”
119
A Capital paraibana em 1930, de característica rural e pacata, com o
governo João Pessoa, a eleição presidencial e sua posterior morte, conheceu a violência
como uma onda avassaladora, atingindo os perrepistas e suas propriedades, canaviais,
jornais, além de acentuar a fuga dos perrepistas paraibanos.
A personagem Lazaro Lameira, que, na ficção de Carlos Dias Fernandes
surge em meio às acusações à família Villôa, é José Américo de Almeida, que, como é
sabido, sempre combateu a família Pessoa em defesa do tio, Monsenhor Walfredo Leal,
destronado da política por Epitácio Pessoa. Contudo, José Américo de Almeida fora
convidado para formar o secretariado do governo João Pessoa. Se o convite foi uma
surpresa, outra maior foi a aceitação de participar do governo, justificada pela promessa
do governador em “dar uma vassourada” na podridão acomodada pelo mandonismo dos
118
Marcus Aranha em Memórias de 30 divulga o pagamento de mais de 28 contos de réis a diversas
firmas de propriedade de parentes de João Pessoa, confirmando que ele praticava o nepotismo e a
corrupção denunciada por Joaquim Moreira Caldas.” Correio da Paraíba. João Pessoa, 15 Jan. 2006.
Caderno2. p. 5.
119
FERNANDES, Carlos Dias. Fretana. Rio de Janeiro: Alba Oficina Gráfica, 1936.p. 210-211.
83
coronéis na política local,
120
atitude que o levaria à morte
121
no terreno movediço que
seria seu governo.
A premonição sentida pelo Presidente Konder, de Santa Catarina, será
relembrada por Japiassu em Concerto para paixão e desatino:
Joca só falava em moralizar, destruir os corruptos, desarmar
jagunços. Corina recordava um jantar em sua casa, no Rio de Janeiro,
para festejar a vitória; Adolfo Konder, presidente de Santa Catarina,
havia comentado, apreensivo: “João Pessoa precisa tomar cuidado,
refrear um pouco o temperamento; desse jeito, será deposto ou
morto”. Ela lembrava muitíssimo bem disso. José Américo repetia
advertências e deixou-a alarmada, certa vez, ao segredar-lhe: “Nosso
presidente corre muito risco na Paraíba, ao não saber distinguir as
relações particulares dos compromissos públicos. Num político, essas
atitudes podem ser fatais”.
122
A literatura traz para a ficção a realidade histórica, reproduzindo os
discursos reais, e, como visa, levanta novas possibilidades interpretativas. A narrativa
de Carlos Dias Fernandes vê a participação de Lazaro Lameira/José Américo no
Governo de João Pessoa a arquitetura de uma vingança política:
Urgindo-lhe alguém que lhe assessoriasse os dispauterios juridicos e
grammatgicaes, prefiriu Jayme o adjutório de um adversario, para se
forrar ao conselho dos intimos, que lhe conheciam a ignorância e a
versatilidade. Mas resvalando nas mãos de dolorosas de Lameira,
rolara nas mãos da morte, taes seriam as práticas de perfidia e
maldade a que induziria esse pusilânime Torquemada, sequioso de
vingança, estrábico de ambição. Lameira guardava comsigo as
mágoas, recusas e humilhações que trouxera a derrota do tio, quando
se atrevera este a enfrentar Protasio no prélio das urnas
123
120
CAMARGO, Aspásia. RAPOSO, Eduardo, Raposo. FLAKSMAN, Sérgio. O nordeste e a política:
diálogo com José Américo de Almeida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.115.
121
“Embora pertencente a família extremadamente “política”, João Pessoa seria apenas “a-político”, mas
quase o “anti-político”, formando do quadro geral do Pais idéia sombria, achando “tudo podre”, a
reclamar “vassourada em regra” de alto a baixo, tamanho o ardor “reformista” que, ouvindo-o, o
Governador Vitor Konder, de Santa Catarina, ficara a matutar, de si para consigo: tentasse levar a cabo o
programa de “renovação” acabaria “deposto ou morto...” PÔRTO, Costa. Os tempos de Lima
Cavalcanti.Apud: Octávio, José. In: João Pessoa perante a história: textos básicos e estudos críticos.
João Pessoa: A União, 1978, p.50. O que viu José Américo de Almeida foi pressentido pelo governador
de catarinense.
122
JAPIASSU, Moacir.Concerto para paixão e desatino. São Paulo. Francis, 2003. p.162.
123
FERNANDES, Carlos Dias. Fretana. Rio de Janeiro: Alba Oficina Gráfica, 1936. p.211.
84
Carlos Dias Fernandes coloca a personagem de José Américo de Almeida
como grande articulador político, manipulador e altamente consciencioso de sua função
na administração do governo João Pessoa:
Chamando a si toda orientação e superintendência da política do
Estado, Lameira era, em verdade, o chefe politico do Estado,
deixando ao fútil Villôa uma simples autonomia administrativa, ainda
assim, muito influenciada pelas cautelosas conveniências do
maquiavélico inspirador.
124
Instigado por José Américo de Almeida na vontade política de varrer a
podridão da Paraíba, João Pessoa, inábil na condição política do episódio de renovação
da Câmara Federal, acirrou a disputa interna partidária ignorando a representação
política sertaneja aliada do coronel José Pereira. Esteio da oligarquia Pessoa no Estado,
José Pereira se viu obrigado a lançar a candidatura independente de João Suassuna para
deputado federal. O recrudescimento da tensão e a ruptura política com o governo João
Pessoa estavam em marcha, mas não antes da tentativa de reconciliação com promessas
que não seriam cumpridas:
Jayme, que não só faltou aos assumidos compromissos como
desencadeou guerra de exterminio ao correlegionario sobranceiro aos
dislates e destemperos das suas resoluções. Abriu-se, então, uma
verdadeira lucta de sangue entre o parédro municipal desconsiderado
e o chefe do governo, sendo mister armar uma expedição contra o
digno insurrecto, que appelou para as armas, no intuito de defender a
sua hombridade e sua communa, das injunções cada vez mais
ostensivas e propositadas do leviano governador
125
.
O coronel José Pereira não reconhece mais a autoridade administrativa
do governo João Pessoa e a cidade de Princesa torna-se independente, Território Livre.
A dissidência política abre suas frentes: a guerra civil paraibana, a guerra tributária e a
guerra na imprensa:
Accendera-se nessa intecorrencia uma viva polemica entre o jornal do
governo e o advogado Sotero Veiga, descendente de duas das
124
Ibidem, p.212.
125
Ibidem, p. 214.
85
prestigiosas famílias sertanejas, cujas deuteroses se honravam na sua
cultura, na sua fidalga polidez, no seu pendor para as lettras
jornalisticas, que, sem prejuiso das lyricas, logravam um accentuado
fulgor nas exercitações de seus cálamo. Jayme Villôa era o acirrador
satanico das diatribes, que appareciam nas acanalhadas colummas do
orgão official.
126
O resultado deste embate na imprensa foi e continua sendo o motivo de
muita discussão. Foi a partir dele que a morte aproximou-se de João Pessoa. A
caracterização da personagem Sotero Veiga corresponde ao perfil de João Dantas, que
havia deixado a Parahyba e se exilado em Recife devido às hostilidades de que vinha
sendo alvo por parte do governo paraibano, como se lê no romance Fretana:
Este, colhido nos guantes de um ineluctavel ridículo, mandou
imprimir aos doestos um tom personalíssimo, no qual foi envolvida a
propria noiva do brioso contendor. Ainda não satisfeito da
mesquinhez desse ultraje e como estivesse homisiado Sotero na
capital visinha, ordenou Villôa o arrombamento do seu domicilio,
onde se violou a sua secretária, dentro da qual se encontravam cartas
intimas do brilhante causidico á eleita do seu amor, á futura
companheira de seu destino.
127
A narrativa de Carlos Dias Fernandes confirma que a correspondência
amorosa foi dada ao conhecimento público, ratificando a notícia divulgada pelo jornal A
União: A sacratissima correspondência foi dada em papulo á curiosodade pública, na
redacção do jornal do govêrno, que não se pejou de chamar para ella a attenção dos
leitores”.
128
Na verdade, a população não teve a curiosidade satisfeita na redação do
jornal A União, mas na Delegacia de Polícia. Aqui, pode-se registrar um erro narrativo
que, posteriormente, justificou a inexistência da correspondência..
Esta atitude do governo João Pessoa em expor a correspondência de João
Dantas funcionou como ato vingativo, na intenção de ferir a honra moral do seu inimigo
126
Ibidem, p. 215-216.
127
Ibidem, p. 214.
128
Ibidem, p. 216.
86
político. Ato este que teve como conseqüência o assassinato de João Pessoa, pois, se
utilizando da mesma matriz vingativa, João Dantas obedeceu às regras de certo código
de honra sertanejo, no qual a honra ultrajada gera dívida de sangue paga com a morte do
ultrajador, reação presente nas sociedades rurais arcaicas, como no sertão nordestino:
E’ de vêr a profunda, a revoltada indignação que essa vilania
despertou no ánimo intrepido de Sotero, creado, desde o berço, no
mais perseverante desvello pelos deveres da honra, pelos recatos da
familia, e do lar. Quando lhe chegou ao Recife a nova acabrunhadora,
escreveu Sotero a á sua gentil promettida, dizendo-lhe que haveria de
lavar com sangue a clamosidade daquela mácula.
129
O conteúdo das cartas de João Dantas é novamente resgatado pela ficção
no romance Concerto para paixão e desatino (2003), de Moacir Japiassu, comprovando
que tal assunto sempre encontra espaço no inconsciente político da sociedade – por mais
que não se queira admitir sua existência –, e corretamente reproduzindo a verdade, já
que as cartas não foram publicadas:
“Seu doutor, um primo meu, que mora em Recife, disse que leu as
cartas da amante; o jornal publicou”, intrometeu-se, sob o olhar de
reprovação da mulher. Libânio levantou o vozeirão: “É mentira do
seu primo, amigo velho! A União não publicou porra nenhuma! E
sabe por quê?” Por causa da putaria, da esculhambação, da fodelância
que existe em cada linha das cartas! Quem leu, e eu li, ficou
impressionado com o sem-vergonhismo da amante. E com o perdão
da palavra, uma linguagem muito cabeluda, a senhora me perdoe a
franqueza, dona!”
130
No romance de Japiasssu, a fidelidade histórica é cultuada de maneira
convincente, como se o autor fizesse pouca questão de que mais tarde seu romance
fosse acusado de conter história demais para ser considerado um romance:
O secretario encontrou, ainda, um caderninho, “o qual jamais
poderá ser revelado de público por encerrar tendências mais vis
de um doente sexual”. Propalava-se ainda, e à sorrelfa, segundo
o jornal, que o recheio da secreta obra eram cartas íntimas que
129
Ibidem, p. 216.
130
JAPIASSU, Moacir. Concerto para paixão e desatino: romance de uma Revolução brasileira. São
Paulo: Francis, 2003. p.98.
87
o intrépido advogado havia trocado com uma professora, sua
amante. Chama-se Anayde Beiriz, filha de um tipógrafo do
próprio jornal. Adversário de João Pessoa, desde antes das
eleições de março, sentindo-se perseguido, Dantas homiziara-se
em Olinda, onde cevava o ódio em artigos contra o presidente
da Paraíba, publicados no Jornal do Commercio, de Recife.
131
No romance de Japiassu existe a preocupação com os motivos da morte
de João Pessoa. Morrer pela ação furiosa de um amante louco, por causa de uma casa
arrombada, não faz justiça à grande e importante figura de João Pessoa perante a
história:
– Doutor, raciocine comigo: se João Dantas disse que matou por
causa do arrombamento do escritório dele, que matou porque
tentaram desmoralizá-lo, com o apoio de nosso irmão João Pessoa,
ele apenas está escondendo os reais objetivos do assassinato. E tem
ainda o mais grave de tudo: o senhor não acha que o presidente, a
mais importante bandeira da revolução, ficaria mal perante o
movimento, perante a história, como vitima de amante maluco? Não
seria melhor para o país que se pretende melhorar que uma de suas
mais ilustres figuras tivesse sido morta em meio à sórdida trama
política de um regime falido? Responda doutor, responda com a
sinceridade que todos nós reconhecemos no seu caráter.
132
Como se percebe, as possibilidades para o assassinato de João Pessoa são
apresentadas ora como complô dos perrepistas, ora como conspiração dos
revolucionários. Contudo, significativo no romance de Japiassu é o diálogo que a
personagem José Américo mantém com Isaías, como se este fosse a própria consciência
do revolucionário a falar sobre o lado obscuro da alma humana:
“Uma coisa me intriga”, disse, finalmente; “como é que um rapaz tão
novo, responsável, culto, criado por um padre de excelente formação
intelectual, é capaz de torturar um ser humano, uma pessoa que ele
nem conhece? Isto é coisa que atrai minha curiosidade, não apenas
como homem e secretário de Segurança Pública, mas principalmente,
porque sou um escritor, costumo lidar com os desvãos da alma, você
me entende. Me diga uma coisa: você se considera um sujeito
perverso?
– Não, doutor, não me considero. Eu li um bocado de coisa lá no
Oiteiro: história, filosofia, literatura. Devorei tudo que havia sobre a
131
Ibidem, p.86.
132
Ibidem, p311
88
Inquisição. Fiquei pensado: se todos esses padres, bispos, cardeais,
matavam sem nenhuma piedade, e se é verdade que são íntimos de
Deus, então...
– Mas em todo canto, em todos os setores da vida, existe gente boa e
gente ruim, você não acha?
– Mas se eram, todos, homens da religião, da “revelação”, deviam
ser “gente boa”, né mesmo? E o que aprontavam não era normal, o
senhor sabe mais do que eu.[...] esse negócio de que os homens são
iguais é conversa fiada; se tem gente de primeira categoria neste
mundo, como o senhor, por exemplo, é também verdade que a
maioria absoluta é tudo gente ruim, desclassificada. Essa canalha, o
senhor me desculpe falar assim, essa canalha não merece
consideração; é tudo lixo da pior espécie.
– Esses “lixos” você até mataria, se pudesse...
– Mataria, sim senhor; ah, se mataria! É tudo gente que não vale
nada, doutor, gente como este jornalista que tá preso aqui embaixo.
Um sujeito sem dignidade!
José Américo suspirou. Há dias sentia-se um pouco tenso, e uma
conversa como aquela piorava seu estado. Achava-se mergulhado até
o pescoço num movimento para salvar o Brasil e, a esta altura, ter
que pensar se o sacrifício valeria a pena... Pessoas de primeira
categoria estariam a trabalhar para os “lixos” que falava Isaías!
133
Quando falamos que José Américo conversava com sua consciência é por
que o relato biográfico que a personagem de José Américo traça de Isaías é semelhante
ao seu perfil biográfico; ex-seminarista, sobrinho de um homem religioso (Monsenhor
Valfredo Leal, ex-governador da Paraíba - 1905/1908), com o qual morou algum tempo
na capital paraibana. Mas o dilema ético-moral é a legitimidade de se poder matar em
uma revolução, problema que pode ter atormentado o próprio revolucionário em 1930.
Outro romance que trata da invasão à casa de João Dantas e da sua
correspondência é o recente O dia dos cachorros (2005), de autoria de Aldo Lopes. O
narrador comenta sobre o episódio:
Eles reviraram tudo, meteram as mãos em gavetas, armários, estantes,
até no cofre. Mas de tudo o que fora surrupiado – notas promissórias,
jóias, cheques e algum dinheiro – nada lhe causou mais prejuízo do
que o sumiço de duas coisas bem pessoais: um álbum de fotografias e
um diário. O álbum não era um álbum qualquer, porque nos retratos
ambos apareciam em trajes menores e por vezes sem trajes de espécie
alguma, sem folhas de parreira ou um molambo qualquer que lhe
cobrissem as vergonhas. Assim, nessas condições, eles foram vistos
133
Ibidem, p.315
89
pelos corredores do Palácio, era o álbum passando de mão em mão
pelos gabinetes.
Da mesma forma que o álbum, o diário não era um diário qualquer,
sua folhas revelavam uma intimidade avassaladora. Nele, o bico-de-
pena do jovem bacharel jorrava a impressão gala das noites azuis,
noites de taças abundantes, de espartilhos, meias e corpos em
desalinhos.
134
Acredita-se ainda que a invasão da casa de João Dantas tinha ainda por
objetivo o resgate de notas promissórias com prazo de vencimento já ocorrido, além de
verificar a existência de armas, um bom argumento para quem trava uma guerra e tem
escassez de material para vencer a contenda.
No tocante à morte de João Pessoa por João Dantas, na ficção de Carlos
Dias Fernandes, o assassino apresenta-se ao inimigo desconhecido para que o futuro
morto saiba quem o está matando e porque vai morrer: “Disse-lhe quem era – “eu sou
Sotero Veiga” – e despejou-lhe a carga mortal.”
135
Já no palco central dos desdobramentos do assassinato de João Pessoa,
José Américo é o sujeito que comandará as homenagens a João Pessoa, como a
mudança dos símbolos cívicos e o nome da cidade, atendendo assim aos interesses
revolucionários. Na narrativa de Carlos Dias Fernandes, Frederico Pestana, o narrador
de Fretana, esclarece que as homenagens prestadas a João Pessoa estavam escondendo
os verdadeiros interessados na sua morte, que, paradoxalmente, seriam seus próprios
correligionários, principalmente José Américo de Almeida :
Insinuou elle aos amigos da Assembléa, convocada
extraordinariamente, em vista da subita successão presidencial, a
mudança das armas do Estado, revogando, assim, os fastos da
Historia, em descompassada homenagem á inexpressibilidade política
do supposto “martyr das liberdades publicas” como entraram a
pregoar Villôa os pescadores daquellas turvas aguas de prenuncio
revolucionario, os quaes foram os verdadeiros algozes da pobre
victima.
136
134
ARAÚJO, Aldo Lopes. O dia dos cachorros. Recife: Bagaço, 2005.p.205.
135
FERNANDES, Carlos Dias. Fretana. Rio de Janeiro: Oficinas Alba.1936 . p. 217.
136
Ibidem, p. 218.
90
Suspeita semelhante encontra-se em Zé Américo foi princeso no trono
da monarquia, ensaio com estrutura de romance policial, ou vice-versa (1984), obra na
qual o narrador é o próprio autor W. J. Solha , que diz que José Américo desejava a
morte de João Pessoa:
Ministro – eu lhe disse – O senhor queria a morte de João Pessoa.
O velho se exaltou, os dentes cerrados, gritando:
Mas isso é uma inverdade histórica! Eu estava a trezentos
quilômetros daqui quando ele foi assassinado! (Destaque do autor)
137
Para esclarecer o interesse de José Américo na morte de João Pessoa,
W.J. Solha reproduz o diálogo em que o primo de José Américo de Almeida, José Leal,
mantivera com Getúlio Vargas no início da campanha da Aliança Liberal, recriando a
resolução do romance de Carlos Dias Fernandes de que os algozes de João Pessoa
foram seus correligionários. A solução encontrada por Solha é o registro da existência
deste inconsciente, que busca reiterada vezes reafirmar sua posição ideológica nas
construções ficcionais que visam a realidade:
“Getúlio queria saber se, NO CASO DE DESAPARECIMENTO DE
JOÃO PESSOA, HAVIA ALGUÉM NA PARAÍBA CAPAZ DE
SUBSTITUÍ-LO, MANTENDO A MESMA LINHA”.
- Há - respondeu José Leal.
- MAS QUEM? - Disse Getúlio
- UM PRIMO MEU, SECRETÁRIO DO GOVERNO.
- DERA O MEU NOME (Destaque do autor).
138
O interesse de Getúlio Vargas na morte de João Pessoa é motivo de
reflexão do José Américo de Almeida personagem de Japiassu:
Getúlio era suficientemente astucioso para aproveitar-se do dinheiro
de bandidos, tomar o Poder à frente de uma revolução popular e
depois meter todos na cadeia. Os que o conheciam cevavam salutar
137
SOLHA,W.J. Zé Américo foi princeso no trono da monarquia: ensaio com estrutura de romance
policial ou vice-versa. Rio de Janeiro: Codecri, 1984. p.139. Este diálogo integra o relato memorial de
José Américo de Almeida, publicado em O ano do nego, 1968.p.278.
138
Ibidem, p. 139.
91
desconfiança. Agora, ao andejar do pensamento habituado à
literatura, ao romance, a ficção, enfim, José Américo via-o como
mandante do assassinato de João Pessoa!
Donde o absurdo, o disparate? Afinal, que impressões teriam
marcado Batista Luzardo, depois daquele encontro funesto com o
presidente da Paraíba em Tambaú? José Américo não testemunhou
tudo? Digamos que, na volta a Porto Alegre, Luzardo Batista tenha
dito ao chefe: “Olha, não podemos contar com João Pessoa; ele me
disse que prefere mil vezes Júlio Prestes a uma revolução”. Depois de
mais uma baforada no charuto, Getúlio responderia: “Está bem,
façamos a revolução sem ele...”. Isso nunca, jamais! Getúlio era
muito homem para permanecer umas duas horas em absoluto silêncio
e depois dizer ao correligionário: “Então, está na hora de nos
livramos desse fardo; cuide disso. Depois chamaremos Assis
Chateaubriand, que botará seus jornais em ação para transformar o
cadáver de João Pessoa na bandeira da revolução.
139
O objetivo era fazer da Paraíba o estopim da revolução, tramada por
Juarez Távora e outros conspiradores, adiada por duas vezes. Enquanto isso, o nome da
capital, bandeira do Estado são dados em homenagem àquele que mesmo morto ajudou
a construir a nova ordem. E quando se pedia morte aos assassinos perrepistas, José
Américo discordava: “É a elite alinhada ao que as massas têm de pior, esses instintos de
barbárie”. Analisou: “A Paraíba não precisa de vingança, mas de uma bandeira que o
corpo do presidente pode e deve representar.”
140
Era a própria imaginação da
personagem que tramava o real da ficção. Na realidade do mundo, João Pessoa
assassinado, a imprensa seguiu o roteiro que a ficção denuncia como construção da
realidade. João Pessoa foi transformado em mártir. Vitoriosa a revolução, José Américo
é alçado aos cargos de interventor da Paraíba e ao cargo de governador-geral do norte,
indicando e dando posse a outros interventores nos Estados do norte e nordeste
141
, e
principalmente, instaurando a oligarquia mais longeva da Paraíba, sob sua direção
política.
139
JAPIASSU, Moacir. Concerto para paixão e desatino. São Paulo. Francis, 2003. p. 262.
140
Idem, p.204.
141
Sobre a intervenção revolucionária no Rio Grande do Norte vide Getúlio Vargas e a oligarquia
potiguar: 1930/1935 de José Antonio Spinelli, UFRN, 1996.
92
Como não poderia deixar em branco o espaço dedicado à repetição do
inconsciente político na trama, Solha, como investigador criminal, interroga os
suspeitos na tentativa de averiguar as suspeitas e descobrir os responsáveis pela
publicação das cartas apreendidas e o mandante do grave delito, ouvindo entãoo
depoimento dos envolvidos. Uma testemunha do caso, Osias Gomes, diretor de A União
em 1930, responsabiliza João Pessoa pela autorização das matérias publicadas no jornal
do governo:
Fui à casa de Osias Gomes, diretor de “A União” na época, e ele me
garantiu:
Eu recebi ordens do Presidente, que foi pessoalmente à redação
recomendar-me a publicação das cartas. Inclusive eu o alertei do
perigo, mas ele insistiu nesse ponto e nada pude fazer.
142
Em seguida, Solha interroga José Américo de Almeida, que transfere
para Adhemar Vidal – Secretario de Segurança Pública na ocasião –, a responsabilidade
pela invasão:
– Vou logo lhe dizer quem foi o culpado - declarou-me José Américo,
nervoso com toda aquela conversa – Foi o Adhemar Vidal. Ele
ocupava interinamente o cargo de Secretário da Segurança enquanto
eu lutava a trezentos quilômetros daqui. Odiava João Dantas, que
sempre lhe desferia piadas de seu jornal.
143
Adhemar Vidal, por sua vez, informa que mandou a polícia averiguar a
suspeita de violação à residência de João Dantas. Verificado o acontecido, encontrando
armas e documentação, apreendeu documentos por achar que ali se escondia um
astucioso espião perrepista, justificou.
144
A publicação das cartas dando notas de
corrupção pela família Dantas só aconteceu dias depois. Por fim, Solha chega à
conclusão de que a campanha promovida pela imprensa tinha um objetivo: jogar João
Pessoa contra João Dantas, que, moralmente sem saída, seria o instrumento utilizado
142
SOLHA,W.J. Zé Américo foi princeso no trono da monarquia: ensaio com estrutura de romance
policial ou vice-versa. Rio de Janeiro: Codecri, 1984. p. 144.
143
Ibidem, p.144.
144
VIDAL, Ademar. João Pessoa e a Revolução de30. Rio de Janeiro: Graal, 1978.p.248.
93
para matar João Pessoa, acendendo o estopim da Revolução e, assim, abrindo o
caminho de José Américo para o poder.
Em Fretana, é dito que os interessados na morte de João Pessoa foram
seus correligionários, mas não há outros comentários sobre como se deu o complô dos
partidários da Aliança Liberal e seus objetivos. W.J. Solha, que já inalou a podridão
desta história vai além e esmiúça:
– Bem, eu acho que... bastaria provocar alguém para...eliminá-lo por
nós, alguém de uma das famílias inimigas de César Cláudio – alguém
dos Dantas ou Suassunas – dando preferência ao... João Dantas,
evidentemente... que além de ser o mais... esquentado da raça, é
cunhado do deputado federal João Suassuna...
– É – Cássio disse macio – Mas como?
– Bem... o João Dantas tem guardado no cofre do escritório dele, na
Rua Direita, cartas da amásia e um diário em que ele conta tudo que
já fez com ela.
Um dos vultos disse, alerta:
– Como você sabe?
– Serviço Secreto, Trebônio – e, a Cássio – Basta uma busca da
polícia... que está nas minhas mãos agora.... para que tenhamos
essas... cartas obscenas e esse diário imoral (junto com outros papéis
que o incriminam como colaborador do Coronel Chicó Pereira)... e
publicá-los na primeira página de “A União” amanhã mesmo.
145
E continua desta vez com a segunda parte do plano, narrando o que se
espera como conseqüência desta ação:
Vou ser didático para ser bem claro: lembro aos nobres colegas que
João Dantas – perseguido pelo Presidente – está homiziado em
Recife... e que o Presidente vai viajar sozinho para lá amanhã, depois
da sessão da assembléia, apesar de toda a minha insistência e da tia
Alda de que não deve cutucar o Cão com vara curta indo a
Pernambuco e ainda mais sem escolta, além de valhacouto de João
Dantas, a “Venérea Brasileira é reduto dos Pessoa de Queiroz, que
nos odeiam tanto que além de nos combaterem com o “Jornal do
Commercio” , patrocinaram todo aquele exército de Princesa. Bem:
aí estaríamos com a faca e o queijo nas mãos: escândalo feito, João
Dantas enlouquecido e com razão ( “A União” está com uma tiragem
enorme no Recife, por causa desse vai-não- vai da Revolução) – e o
Presidente desguarnecido por perto,
–...macho todo – disse Casca.
–...macho todo... quem não vê que a honra da amante insultada será
lavada com sangue? E aí, o que teremos? : o candidato a Vice-
Presidência da República – derrotado fraudulentamente a 1º de março
145
SOLHA, J.W. Shake-up. João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraíba, 1996, p.67.
94
– agora assassinado por um dos maiores figurões do PRP! Resultado:
Revolução!
146
Essas tramas ficcionais, independente do tempo e da orientação
ideológicas de seus autores, revelam as resoluções imaginadas pelo inconsciente
político da revolução, que repelem aquilo que a historiografia não está disposta a
reavaliar. Daí a opção ideológica pela forma narrativa do romance, para poder ir mais
longe e além das formas consagradas da narrativa dos historiadores da verdade
implacável ao questionamento de qualquer ordem.
Enquanto isso, o debate sobre a validade da verdade na narrativa
ficcional vai abrindo espaço, e muitos admitem a existência de duas verdades, mas qual
é a verdadeira? A da historiografia ou da literatura? Existe uma opção correta? Se
ambas se cruzam na explicação dos acontecimentos? Na verdade não devemos descartar
as versões que as formas de produção do conhecimento trazem a respeito o assunto em
pauta, já que o conhecimento representa uma consciência temporal e ideológica.
Portanto, o uso que se faz das narrativas como meio para objetivar a realidade oculta do
mundo dispensa o seu sentido historiográfico ou ficcional
Era claro que esse complot político tinha o propósito de levar, “COM
INSIDIOSA BRANDURA”, o presidente João Pessoa para “as
incontinências e desvarios,” isto é, “impelí-lo” contra os adversários
mais poderosos e mais violentos que lhe dessem destino. Impeliram-
no contra o desembargador Heráclito Cavalcante, pondo-o em
disponibilidade, o que não lhe deu fruto; depois, contra os JUIZES
DE DIREITO-CHEFES POLÍTICOS, que também não reagiram;
contra os seus poderosos e valentes primos Pessoas de Queiroz, que
“insinuaram a José Pereira, o assassínio” do presidente, que
igualmente não deu fruto...; enfim, apelaram para o “pundunoroso”
Dr. João Duarte Dantas – “cabra macho”, Virgínius da Gama e Melo,
“Tempo de Vingança”, “que como já enumerei, suportou misérias e
acabou atirando na “pobre vítima”!
A finalidade?
Produzir a “emoção coletiva” que fizesse deflagrar a revolução
militar (Destaques do autor).
147
146
Ibidem, p. 67-68.
147
DANTAS, Manuel Duarte. Agora, a verdade sobre os fatos de 1930. Secretaria de Educação e Cultura
do estado da Paraíba: João Pessoa, 1979. p.187.
95
A subjetividade da criação estética em analogia com o subtexto histórico
dá-nos a verdade como acontecimento que extrapola a relação arte-verdade e verdade da
arte como expressão do sujeito:
Tudo me levava a crer que João Dantas funcionara para José Américo
de Almeida como Pirunga para Lúcio. Ou como o cavalo-de-campo, de
vaquejada, que, espicaçado, não tem mais quem o segure, levando
consigo Dagoberto, que monta mal, para o fundo de precipício. João
Dantas me parecia ter sido, na verdade - usando a linguagem do
candomblé – o “cavalo” de que outro espírito se servira, para destruir
João Pessoa.
148
A morte de João Pessoa, em Zé Américo foi princeso no trono da
monarquia, segue quase a mesma narrativa de outros romances:
ninguém reparou no vulto que veio dos fundos, do lado do elevador,
até que ele parou diante do Presidente, apontou a arma e gritou:
– Eu sou João Dantas!
“João Pessoa, que não o conhecia de vista ou conhecia mal, recebeu o
primeiro tiro no peito, quase Á QUEIMA-ROUPA, e cruzou os
braços, sem proferir uma palavra. Foi derreando, escorregou da
cadeira e deixou pender o corpo, até cair no chão. Ainda foi alvejado
com um segundo tiro que lhe atravessou os pulsos. Nem teve tempo
de olhar: foi tudo um segundo.”
E estava tudo acabado(Destaque do autor)
149
João Pessoa estava morto, mas o caminho de José Américo ao poder
ainda permanecia obstruído por Álvaro de Carvalho, que assumiu a presidência da
Paraíba, e por outros vice-presidentes. Para ir se livrando deles, era preciso tirar do
caminho Álvaro de Carvalho, seu maior obstáculo. Este último, porém ao dificultar as
homenagens a João Pessoa, ao se posicionar contrário à mudança do nome da capital – ,
que acabou aceitando por pressão política –, ao negar-se a aceitar a bandeira rubro-
negra, vetando o projeto aprovado pela Assembléia Legislativa, enfureceu as massas e
deu aos políticos o motivo para conspirar sua derrubada da Presidência da Paraíba, já
148
SOLHA, W.J. Zé Américo foi pricenso no trono da monarquia: ensaio com estrutura de romance
policial ou vice-versa. Rio de Janeiro: Codecri, 1984. p.147
149
Ibidem, p.151.
96
que ele não aceitava as mudanças e nem tampouco o processo revolucionário da Aliança
Liberal.
Em Shake-up (1996), segundo romance de W.J. Solha que trata
literariamente da Revolução de 30, é aproveitado o ensaio Zé Américo foi princeso no
trono da monarquia. No romance pós-moderno de Solha, a bricolagem é o recorte para
as resoluções sobre a morte de João Pessoa, que, em Shake-up é, a personagem César
Cláudio Pessoa Duncan, assassinado por conspiração dos revolucionários de 30,
semelhante à morte de César no senado romano, assassinado por seus pares:
Enquanto os outros se armam à frente de César Cláudio, Donato
Metelo rodeia-o por trás, avança às pressas para sua nuca com as mãos
em garra, segura-lhe a gola e puxa-a baixando-a, travando-lhe os
braços. Aí arrasta-o para fora da trincheira da tribuna e Casca Macedo
é fotografado vindo também pelas costas do Presidente e cravando-lhe
a lâmina clavícula abaixo [...] César Cláudio mete a mão no interior
do paletó, atrás da Lugan, sente o coldre vazio! Vira-se no momento
em que, para espanto de sua alvíssima camisa, leva no peito o tiro da
própria arma, que vê na mão de Távora! [...] O Tenente aponta,
urgente, a arma dourada para a cabeça de César Cláudio, mas tem de
esperar para o disparo, pois o Presidente é atacado simultaneamente
pelos flancos e pela frente, sendo cortado nos braços, nas mãos e no
rosto, num irromper de urros e zurros, as escleróticas arregaladas,
facas espelhando, sangue a esguichar, narinas se dilatandos, dentes
rangendo, rasgando [...] vêm mais agressores à chacina, ele os vê
chegando com chuços, navalhas, canivetes, peixeiras!(Destaque do
autor)
150
Seguindo o ritual trágico, o golpe de misericórdia será executado pelo
próprio José Américo de Almeida, que na alegoria não pode ser outro senão Américo
Bruto
151
, o secretário mais admirado por César Cláudio/João Pessoa:
É solene o momento em que Américo Bruto se aproxima dele com a
ponta nua do punhal perfeito, envolve os ombros de César Cláudio
com o braço esquerdo, endireita-lhe o corpo [...] e o esfaqueia várias
vezes no baixo ventre. Várias vezes, várias vezes, várias vezes. (Um
cavalo negro, sem olhos nem boca nem ouvidos corre pelo meio da
treva). Baixando-se, Américo Bruto desencrava a faca do ventre da
vítima num último puxão... e deixa César Cláudio tombar como um
150
SOLHA, J.W. Shake-up. João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraíba, 1996, p.109-110
151
Como anunciou o autor de Shake-up em entrevista intitulada Solha mistura José Américo e Brutus em
romance, concedida a Klivia Nóbrega ao jornal. Correio da Paraíba. João Pessoa, 12 Abr. 1992.
Caderno3. p.3.
97
quadrúpede no solo. Recua ao assistir ao volume, a forma da mão
direita do tio se estirando, singrando sob o forro de seda do paletó
revirado, e reaparece aberta [...] tremendo num ultimo espasmo... até
que finalmente ela se afrouxa [..] e pende morta.
152
No texto de Solha, ficção e História se fundem e condensam as
resoluções simbólicas sobre a morte de João Pessoa. As várias versões para a morte de
João Pessoa são misturadas, do fato histórico às resoluções literárias. Na primeira
versão, o assassino de João Pessoa é José Américo de Almeida/Américo Bruto, que
tinha interesse na morte de João Pessoa, como informa o jornalista Franto Junior,
reportando a entrevista de Ademar Vidal. A segunda possibilidade apresenta a
necessidade política de seus correligionários – assim como em Fretana – , foram todos
e nenhum, o coletivo não possui rosto. A terceira, o assassinato de João Pessoa pelo
homem que disparou a carga mortífera, João Dantas:
irritando o povo e lhe tirando ainda mais o juízo entre tantas contra
informações e loucuras: o Presidente fora assassinado pelo Américo
Bruto - que era seu filho! – enquanto dormia! O Presidente fora
massacrado por todos os deputados na Assembléia! O Presidente fora
morto por João Dantas na Confeitaria Glória, em Recife!
153
O motivo para a morte de João Pessoa, em Shake-up, não difere das
resoluções de outros romances, a não ser pela certeza de que César Cláudio Pessoa
Duncan seria assassinado:
...numa armadilha insidiosa em que cairia dentro de poucas horas no
Recife, para onde estaria corajosamente viajando agora, sozinho, e
onde seria fatalmente assassinado por João Dantas... face a ignomiosa
busca em seus escritórios, levada a efeito pela polícia política do Sr.
Dr. Américo Brutus!... e à inda mais vergonhosa publicação de
suas cartas pessoais pelo jornal “A União”, sem qualquer
consulta do presidente! ( Destaque nosso)
154
152
, SOLHA, J.W. Shake-up. João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraíba, 1996, p. 111-12
153
Ibidem, p. 144-5.
154
Ibidem, p. 138.
98
Ainda, em Shake-up, o que poderia ser um erro, torna-se acerto, já que o
romance de W.J. Solha é um passeio pelo inconsciente estético da revolução, a
bricolagem de resoluções de outros romances navega sem esgotar as possibilidades para
a morte do presidente João Pessoa.
A versão em A Mansão da Praça Bela Vista (1972), de Carmen Coelho
de Miranda Freire, difunde, seguindo a orientação da Aliança Liberal, a versão de
conspiração perrepista para o assassinato de João Pessoa. Coloca a atitude de Dantas
como um caso pessoal devido às reportagens publicadas em A União, além de colocar
um novo elemento nesta intriga, um espião que informava ao coronel José Pereira sobre
os planos do Governo, ressaltando as qualidades do governante:
– Luís, acredita que houve “complot”?
– Claro que sim, Isabel, João Dantas sozinho não poderia matá-lo.
– Pois, penso que não. Acho que foi um caso pessoal. João Dantas se
viu desmoralizado! Você viu o que “A União” publicou? Esses
amigos políticos... Havia, também, muita intriga dos falsos amigos de
João Pessoa.
– Você leu sobre um dos que freqüentavam o Palácio e avisava Zé
Pereira de tudo? O nome dele está por extenso n’ “A União”. É uma
vergonha.
– Eu não aceito a idéia de “complot”.
– Você, Isabel, se não for perrepista, é PERRÉ!
– Ora, Luís, ninguém mais do que eu admirava João Pessoa, não vi
ainda um homem com tantas qualidades reunidas. Mas... a verdade e a
justiça era o que João Pessoa pregava!
Luís deu uma gargalhada e despediu-se de Isabel.
155
Em O chamado da terra (1975), de Fernando Silveira, o complô é
retratado como um boato:
Boatava-se, não sem insistência, que os perrepistas tramavam o
assassinato de João Pessoa, assegurando-se que já alguém havia
partido de Teixeira com a incumbência de fazê-lo...
156
155
FREIRE. Carmen Coelho de Miranda. A mansão da Praça Bela Vista. João Pessoa: A União, 1977, p.
107-8
156
SILVEIRA, Fernando. O chamado da terra: uma tragédia sertaneja. João Pessoa: O Norte, 1975, p. 90
99
Esses romances reproduzem o boato do Jornal do Norte,
157
dirigido por
Café Filho, segundo o qual um dos perrepistas acusado de conspirar a morte de João
Pessoa, teria sido seu antecessor no governo da Paraíba, João Suassuna (1924-1928).
Poucos acreditam a versão de complô perrepista anunciada pelos liberais
158
, tal qual a
versão suicídio para a morte do homem que assassinou João Pessoa, como jocosamente
trata a interpretação de Japiassu para o romance Concerto para paixão e desatino:essa
história de que João Dantas e seu cunhado se mataram na cadeia é tão verdadeira quanto
o Pavão Misterioso!”
159
O autor de O Chamado da terra, Fernando Silveira, dispõe em sua
narrativa a discussão sobre o destino de João Dantas e Augusto Caldas sob a revolução
em duas possibilidades. Na primeira, os presos deveriam ser julgados por juízes
honestos e imparciais para responder por seu crime, conforme o direito de defesa; a
segunda é que seja aplicada ao assassino de João Pessoa a lei do sertão dente por dente,
olho por olho, morto por mortos. Por este comentário, um dele argumenta:
Segundo ouço dizer esta revolução tem uma finalidade: salvar o
Brasil da falência moral e arrancá-lo das garras da tirania. Tirania?
Não creio que exista [...] Se matarem esses homens, Alexandre, não
haverá salvação. Ouça bem o que lhe digo: se isso acontecer,
estaremos convencidos que esta revolução, afinal não terá sido senão
uma farsa”!
160
157
“Os Srs. J. Suassuna e Juvenal Lamartine estão seriamente implicados no complôt que armou o braço
de João Dantas. Jornal do Norte, Parahyba, 26 ago., 1930. Café Filho depois chegaria a presidência do
Brasil, depois do suicídio de Vargas.
158
“João Dantas era primo de minha mãe e quando ele assassinou João Pessoa disseram eu meu pai tinha
sido o mandante e João Dantas apenas o executor. É uma história que hoje nem o pessoal do outro lado
acredita. Existem depoimentos de muitas pessoas importantes, dentre elas o ministro José Américo de
Almeida.” Informou Ariano Suassuna em entrevista a Biu Ramos.
O Norte. João Pessoa, 21 Abr. 1996.
Especial. p.9.
159
JAPIASSU, Moacir. Concerto para paixão e desatino: romance de uma revolução brasileira. São
Paulo: Francis, 2003. p.335.
160
SILVEIRA, Fernando. O chamado da terra: uma tragédia sertaneja. João Pessoa: O Norte, 1975,
p290-291.
100
Questionamentos quanto ao duplo suicídio são relatados de acordo com
a cena encontrada na cela dos prisioneiros na Penitenciária do Recife:
Mas, porque caíra da cama? Por que aquela extravagante posição de
“plantar bananeira” no trágico momento da morte? A impressão que
se tem é de que ali foram jogados, já mortos. E por que somente de
meias enquanto o outro de sapatos e meias?Teria sido tão mais
simples que estivessem descalços e de pijamas! Porém, o que mais
estarrece é o fato de haver sido João Dantas – conforme aquele
Departamento – quem degolou Augusto Caldas.... Teria sido ele,
realmente, forças suficientes para golpear o cunhado a quem amava e
a quem proclamava inocente? Mesmo temendo uma possível
represália da parte das “tropas revolucionárias paraibanas” que se
haviam assenhoreado do Recife e da Detenção, haveria por certo no
mais íntimo da consciência desse homem a convicção de que a
inocência do cunhado seria provada e ele, finalmente, libertado...
161
Ambos os homens teriam sido mortos? A hipótese dos assassinatos de
João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas, na Penitenciária do Recife, parte das
imagens registradas por Louis Peirreck, que ironicamente cometeu suicídio tempo
depois. Essas fotografias de Augusto Caldas e João Dantas por Pierreck aconteceram
em duas oportunidades: a primeira cena com os presos trucidados, aparentando sinais de
luta corporal; a segunda, com os mortos serenos e muito bem arrumados. A comparação
entre as imagens sugere a hipótese de homicídio duplo, conforme podemos averiguar
em livro de Joaquim Inojosa, República de Princesa. Esse episódio também narrado em
História d’o rei degolado:
(...) passado um certo tempo, um fotógrafo confessou que tinha
batido secretamente um retrato do corpo e publicou-o no jornal:
estava todo machucado, cortado e sangrento, com um corte aberto na
testa ao que parece por uma cacetada(...)Contavam depois que, na
detenção, invadida pela Polícia paraibana, os Soldados, com suas
fardas amarelas, diziam a João Dantas: – “Nós vamos levá-lo para a
Paraíba, e lá você vai ser sangrado a canivete pelas mulheres e pelas
moças da Escola Normal!” Ele, calmo e altivo, respondia somente: –
“Paciência! Que é que eu posso fazer? Eu queria ver essa valentia de
vocês era diante de mim solto e com um revólver na mão.”
162
161
Idem, p. 294.
162
SUASSUNA, Ariano. História d’o rei degolado nas caatingas do Sertão: ao sol da Onça Caetana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1977. p.122.
101
Os nomes dos supostos assassinos de João Dantas só seriam conhecidos
do público pouco mais tarde. A revelação aconteceu na entrevista com o Coronel
Manuel Arruda de Assis, realizada por Dorgival Terceiro Neto, publicada no jornal O
Norte, em 1990. De acordo com a memória do Coronel, que marchou sobre a cidade do
Recife em 1930, o assassinato de João Dantas aconteceu da seguinte maneira:
(O tenente) Ascendino (Feitosa) fitou João Dantas e disse “sabe que
vai morrer bandido”? ‘Ele, incontinenti, sem titubear respondeu: -
‘Está com sede de sangue, pode saciar’. O Xadrez foi aberto. João
Dantas reagiu. Luiz de Goes apontou a carótida do preso ao soldado
João da Mancha, que meteu o bisturi.
163
Assim, as resoluções simbólicas trazidas pela literatura cumprem a
função de materializar para a realidade do mundo o que a sociedade não conseguiu
resolver. Como se trata de ficção, tudo permanece aparentemente intocável no real, pois
mesmo que algumas das resoluções simbólicas passem da verossimilhança da ficção à
verdade testemunhal, elas não se sustentam e continuam como um espectro a assombrar
a sociedade paraibana. E todos aqueles que fizeram a vitória da Revolução de 30
continuam glorificados como heróis de nossa gente. Isso pelo lado liberal, porque pelo
lado perrepista os heróis são os defensores do Território Livre de Princesa, como João
Dantas e João Suassuna, mortos a mando da família Pessoa, na opinião do jornalista
Marcus Aranha, heróis assassinados por vingança,
164
vítimas da guerra civil paraibana,
163
NETO, Dorgival Terceiro. Gente de Ontem, Histórias de Sempre. João Pessoa: Itacoatiara, 1991, p.89
164
“Em 30, também sangraram abundantemente João Suassuna e João Dantas. Heróis assassinados a
mando de quem?” Perguntou Marcus Aranha em Heróis paraibanos. Correio da Paraíba. João Pessoa,
29 Jul.2007. Caderno A. p.9. Sobre a morte de João Suassuna, Ariano, ainda na entrevista concedida a
Biu Ramos, esclareceu que o assassinato de seu pai, assim como o “suicídio” de João Dantas foi por
vingança pela morte de João Pessoa. Como a vingança é de ordem pessoal, durante anos suspeito-se de
Joaquim Pessoa, equívoco desfeito por Antonio Pessoa Filho ao confidenciar que o autor intelectual do
crime foi Aristharco Pessoa, irmão de João Pessoa. Eis o mandante, respondendo a interrogação de
Marcus Aranha. Vide Dorgival Terceiro Neto em artigo Viúva de João Suassuna reconstitui fatos de 1930
e sua longa caminhada. In: Gente de ontem histórias de sempre. João Pessoa: Itacoatiara, 1991. 31-48 pp.
102
a Guerra de Princesa. Personagens presentes na narrativa romanesca de Suassuna, cuja
função purgativa recupera a memória de seus mortos, fazendo dos acontecimentos de
1930 assunto de sua narrativa. Como bem observou a diligente irmã do autor, Germana
Suassuna , a morte de João Dantas é a morte do padrinho de Quaderna:
Foi só quando Germana me disse aquilo que eu me dei conta de que a
morte do padrinho de Quaderna, aquela morte impossível de ser
cometida, em quarto fechado, era a morte de João Dantas. Ele morreu
aqui, na Detenção, que hoje é a Casa de Cultura. (...) João Dantas foi
encontrado com a garganta cortada, na cela do terceiro andar da
Detenção. Até hoje a gente tem certeza que ele foi assassinado e o
outro lado diz que foi suicídio. Depois que Germana me falou aquilo,
eu acentuei os detalhes para aproximar as duas mortes e fiz essa
versão que vocês conhecem
165
.
As indagações sobre a morte de João Dantas aparecem no Folheto IV
O caso do fazendeiro degolado – no romance A pedra do reino:
Pergunto: e agora? Como é que meu Padrinho foi degolado num
quarto de pesadas paredes sem janelas, cuja porta fora trancada por
dentro, por ele mesmo? Como foi que os assassinos ali penetraram,
sem ter por onde? Como foi que saíram, deixando o quarto trancado
por dentro? Quem foram esses assassinos?
166
As resoluções simbólicas de Ariano Suassuna aproximam explicitamente
a história de 1930 à realidade de sua ficção. Ao tratar os acontecimentos históricos
como um subtexto de sua ficção, a história permanece ativa, trazendo à superfície do
texto a realidade reprimida da morte de João Dantas, que não teria suportado as
A versão contada por Antonio Pessoa Filho é confirmada em Raimundo Onofre, o amigo do rei, autoria
de Gilvan de Brito, Edições Trevo: João Pessoa, 2001. p.222.
165
Ariano Suassuna, em Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Sales. Nº 10 – Novembro
de 2000. p.28. Vide nota de número 32.
166
SUASSUNA. Ariano. A pedra do reino e o príncipe do sangue-do-vai-e-volta. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1976, p.27.
103
humilhações, conforme o bilhete
167
deixado pelo “suicida” que se encontrava preso na
Penitenciária do Recife e “aparecera” degolado tal qual o padrinho de Quaderna:
Vinha-me à lembrança a frase que meu Padrinho, Dom Pedro
Sebastião Garcia-Barreto, pronunciava de vez em quando, em 1930,
quando entrou em luta contra o Presidente João Pessoa, na “Guerra
de Princesa”:
– Meu brio não suportará humilhações!
Mas meu Padrinho tinha terminado, poucos meses depois com a
garganta cortada (...). Cheguei mesmo a murmurar para mim,
formulando em voz baixa o meu programa:
– Meu brio suportará todas as humilhações que forem necessárias!
(...) acabarei o inquérito, não preso e degolado como meu bisavô e
meu Padrinho, mas sim vivo e solto, para contar a minha história e a
história do rapaz do cavalo branco!
168
Em outras palavras, o voto de Quaderna segue o programa dos
ressentidos que encontram no sofrimento a força necessária para afirmar que a vergonha
é dos que humilham e vergonhoso seria rende-se à humilhação. Continuar vivo, mesmo
com o brio ultrajado, tem objetivos, e um deles é desatar o “nó” da versão de “suicídio”
para a morte de João Dantas-Dom Pedro Sebastião Garcia-Barreto, armada pelos
revolucionários. Para tanto, basta puxar o fio de Ariadne. Uma das pontas é encontrada
nas resoluções simbólicas do Folheto LI, O crime indecifrável, no qual o narrador, ao
ser interrogado pelo Juiz corregedor, refuta todas as possibilidades para a morte do
Padrinho, inclusive a versão que coincide com a versão oficial da morte de Dantas na
Penitenciária do Recife:
Então, foi suicídio!
– A natureza dos ferimentos afastava essa possibilidade, Sr.
Corregedor: naquele lugar inacessível, meu tio, cunhado e Padrinho,
Dom Pedro Sebastião, foi encontrado, ainda quente e sangrando,
poucos momentos depois de ter sido assassinado. Tinha levado várias
cacetadas na cabeça, estava degolado, com a garganta cortada, e
terrivelmente esfaqueado em todo o corpo, sendo que o ferimento que
167
A versão oficial para a morte de João Dantas é suicídio, conforme bilhete encontrado debaixo de seu
travesseiro: “Mato-me de consciência serena e ânimo firme porque estou entregue a bandidos e meu brio
não suporta humilhações. João Duarte Dantas. Detenção de Recife, em 6/10/30.”
168
SUASSUNA. Ariano. A pedra do reino e o príncipe do sangue-do-vai-e-volta. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1976, p194.
104
golfava mais sangue era naturalmente o da garganta. No entanto, ele
estava só, e não havia, na torre, nenhum rastro, nenhum sinal dos
assassinos! (Destaques nossos)
169
Uma das pontas desconsidera a versão de suicídio, e na segunda, como
aponta no Folheto LXIX – A estranha aventura do cavalo concertante –, em meio a
uma assembléia, como geralmente acontece nos romances policiais, o desfecho para o
caso do assassinato de João Dantas:
“– [...] na “Guerra de Doze”, fazia sua estréia nas lutas e insurreições
sertanejas, o filho de um dos Chefes, João Duarte Dantas, aquele
mesmo que depois, em 1930, mataria o Presidente João Pessoa,
cometendo o magnicídio que deflagrou a Revolução de1930! Sei que
aqui, nesta ilustre Assembléia, existem pessoas inatacáveis, que foram
correligionárias desses dois Chefes revoltados! Não me refiro aos
presentes, que sempre estiveram ao lado da Lei e não aprovaram a
Revolução de1912!”
– “O senhor está enganado!” – disse o Coronel Joaquim Coura,
imediatamente. - “O senhor falou aí, que foi, sempre correligionário
dos Pessoas. Eu, ao contrário, fui sempre adversário deles. Aqui na
Vila, segui sempre os Garcia-Barrettos, desde muito moço, desde o
Barão do Cariri, Pai do Nosso Chefe, Pedro Sebastião Garcia-Barreto,
degolado em 1930 pelos agentes do Governo da Paraíba!”
170
O artifício da ficção desvela, potencialmente, a verdade oculta sobre os
autores da morte de João Dantas/Pedro Sebastião Garcia-Barreto, assassinado por
agentes da Polícia Militar Paraibana a serviço do governo revolucionário da Paraíba,
moralmente responsável pela vingança
171
revolucionária “exigida” pelo povo paraibano
em honra do “invencível”, “grande” e “malogrado” presidente João Pessoa, que em tão
169
Ibidem, p. 292-3
170
SUASSUNA. Ariano. A pedra do reino e o príncipe do sangue-do-vai-e-volta. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1976, p. 433.
171
Como no romance de Cyro Martins, Gaúchos no obelisco:Oswaldo Aranha pôde começar, lento,
medindo as palavras, a fronte larga impondo-se à multidão. Após salientar que o país vivia uma hora histórica e não
desejando que a massa saísse desapontada dali, o tribuno exclamou: "Mais hoje, mais amanhã será vingada a morte
de João Pessoa!” Delírio. O povo pedia armas.” (
Porto Alegre, Movimento, 1984, p. pág. 34) A promessa de
Osvaldo Aranha seria cumprida, os perrepistas paraibanos João Dantas, autor dos disparos que matou
João Pessoa, e João Suassuana acusado de conspirar com esta morte, foram assassinados. Antes outro
gaúcho já havia intuido: “Quando em 1930 o Congresso Nacional proclamou a vitória eleitoral do
candidato de Washington Luís, Tibério Vacariano berrou na Praça de Antares: “Fomos esbulhados! Esses
ladrões só nos podiam vencer em eleições fraudulentas! Agora só há um caminho: a revolução.” Érico
Veríssimo, Incidentes em Antares. Porto Alegre: Globo, 1971. p. 40.
105
pouco tempo de governo fez mais pela Paraíba que muitos governantes com quatro ou
quiçá oito anos de mandato.
A morte mais dolorosa de todas que trata o escritor Suassuna em suas
resoluções simbólicas, principalmente no romance História d’o rei degolado, é o
assassinato do seu pai, João Suassuna, episódio que funde memória e ficção. É neste
momento que o inconsciente político se faz presente e projeta a transgressão simbólica
ao transferir a memória para a ficção, rompe o equilíbrio que rege a arte. Confessando
seu “erro” na produção do romance, diz Suassuna:
O Rei Degolado seria a primeira parte do romance que iria continuar
A pedra do reino, mas aí voltou a dolorosa carga biográfica. O tom do
romance não é o tom do Quaderna falar. É um pouco de memória
minha e um pouco de memória de meu pai... Tudo aquilo ali do meio
pro fim, não era mais Quaderna. Era a infância de Ariano Suassuna. É
um erro, do ponto de vista da ficção. É um erro por isso eu desisti. Foi
um dos motivos de desistir de escrever os poemas de O Rei Degolado,
foi porque eu vi que isso tava errado.
172
A passagem da verossimilhança para a realidade do mundo foi uma
necessidade do inconsciente. Mais do que informar ou confessar aos possíveis leitores
seu erro, o escritor confirma a suspeita de que sua narrativa busca mais do que o
entretenimento. Ela se ergue como um monumento à verdade. Da memória irrompe o
testemunho do privado para nos dar a dimensão do sofrimento do real:
Apavorados, corremos para a sala da frente, e, chegando lá, eu vi uma
cena que nunca mais se apagará da minha memória, por mais que eu
me esforce para isso; minha mãe, sustida por tia Filipa, era quem
estava uivando daquela maneira, os gritos, os soluços e desespero não
cabendo direito em sua garganta sufocada e no seu coração que foi ali
de uma vez para sempre dilacerando [...] O que mais me abalou,
porém, foi ver meu irmão Manuel, coitado, chorando e puxando seus
pobres cabelos, num desespero adulto, horrível de ver, nele [...]
“Dinga, mataram o Pai da gente!” De fato, o homem chamado Miguel
tinha matado meu Pai, no Rio, perto do Riacho do Elo. Os jornais do
Governo falavam com hostilidade de Justino Quaderna [...] O dia de
sua morte era prenúncio do outro, do terrível dia 24 de Agosto de
1930, quando a obra do ódio e da Morte Caetana se completou; e, no
bolso de meu Pai, a Polícia encontrou uma carta em que ele se
172
SUASSUNA, Ariano. Cavalgadas de Ariano ao Sol da Literatura. Jornal do Commercio. Recife, 15
Jul.1997. Especial. p.4.
106
despedia de nós, uma carta terrível, digna e desesperada, que
acompanha para sempre meu sangue, meu choro e tudo o que, para
mim, existe de terrível e sagrado no mundo.
173
A memória resgata o passado para o presente. A história é recontada ao
documentar as experiências, vividas no período revolucionário, que deixaram marcas
profundas na memória do escritor, emoções que o aprisionam ao passado pela
incapacidade de esquecer as circunstâncias e as causas que a conjuntura de violência
quase jacobina impôs aos perrepistas paraibanos, ou ao grupo de poder que disputava o
controle do Estado paraibano, dividido entre as oligarquias sertanejas, representadas por
José Pereira, Dantas e Suassuna, e as oligarquias do litoral, representadas por João
Pessoa:
Trinta não é somente um número; 30 é o nome de uma Revolução; o
nome de ano glorioso, sangrento e terrível; um tempo no qual nós,
sertanejos, não podemos passar sem ouvir de novo o estralejar das
balas nos tiroteios, sem sentir de novo o gosto de sangue, do ódio e do
sofrimento, assim como o terror das fugas noturnas e dos cercos
implacáveis. Aqueles que ouvem o nome ‘Princesa’ e evocam, mesmo
sem querer, tanto uma Mulher coroada, como – e mais ainda! – a
épica Cidade sertaneja, encravada no alto de uma Serra áspera e
pedregosa, Reino onde José Pereira, aliado a minha família, resistiu,
vitorioso, a um cerco de oito meses, naquele mesmo ano de 30.
Aqueles que não podem ouvir a palavra ‘Detenção’ sem evocar,
imediatamente, a imagem de dois homens deitados, cobertos de
sangue, com as mãos inertes e as gargantas cortadas. Aqueles que não
podem ouvir as palavras ‘Riacho do Elo’ ou ‘Onça Malhada’, porque
sabem que, na encruzilhada desses dois lugares, existe uma pedra ou
uma parede, onde se encostou a mão ensangüentada de um sertanejo
valente, ferido de morte pelas costas.
174
É na altivez que a voz do escritor se sobrepõe ao narrador Quaderna ao
rememorar quando ele próprio e seus familiares encontraram a Moça Caetana, a
visagem da morte, disfarçada em agentes da Polícia Militar:
minha Mãe reagiu e foi isso que nos salvou. Ela gritou para o bando
de assassinos: – “Vocês pensam que eu ainda tenho alguma coisa a
173
SUASSUNA. Ariano. História d’o rei degolado nas Caatingas do Sertão: romance armorial e novela
romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p.123.
174
Ibidem, p.80-81.
107
perder? Já mataram meu marido, já mataram meu irmão, com que é
que eu me importo mais?” O Tenente assustado pela violência da
reação dela, perguntou: – “Quem é a senhora? Com quem é que eu
estou falando?” Tia Filipa quis tapar a boca de minha Mãe para que
ela não revelasse nosso nome, mas Mamãe afastou violentamente a
mão dela e gritou: – “Sou a viúva de Justino Quaderna, bando de
assassinos! E puxem, todos, para fora de minha casa!” Houve um
momento em que nós não sabíamos para onde ia pender o fio do
destino, com toda aquela turba de gentalha embriagada e sedenta de
sangue em nossa sala. De repente, o Oficial baixou a vista,
envergonhado: fez uma espécie de continência ao extremo infortúnio
daquela mulher que, poucos momentos antes, todos queriam matar, e,
dando uma ordem seca aos soldados, saíram da nossa casa
175
.
A memória
176
apropria-se da história pelo ficcionismo, libertando o que
antes estava aprisionado na esfera do privado e do íntimo dos Suassuna. A reação é uma
atitude dos injustiçados, a revolta dos ressentidos como aqueles que não têm nada a
perder a não ser o direito à indignação e à revolta, porque tudo já lhes foi retirado,
restando-lhes a denúncia dos males causados pelos vencedores; como uma ferida difícil
de cicatrizar, o passado fica a espera para novamente entrar em cena com a dor
177
que a
experiência política proporcionou em 1930, à espera do perdão. Mas perdoar seria um
reconhecimento de fraqueza de quem já sofreu bastante, uma atitude pouco nobre para
quem não se considera covarde. Perdoar os assassinos do Padrinho e do Pai é assuntado
pelas resoluções imaginadas por Ariano Suassuna, e tal possibilidade surge no diálogo
entre Quaderna e o marido de Maria Safira, Pedro Beato que o questiona acerca do
perdão para os assassinos de seu pai e de seu padrinho, que sabemos ser,
respectivamente, João Suassuna e João Dantas:
175
Ibidem, p.p.124-125.
176
“O relato de Quaderna segue fielmente as lembranças do autor comenta Idelette Muzart Fonseca dos
Santos: [...] Suassuna não efetua nenhuma adaptação do relato à idade do narrador: Quaderna com 33
anos no momento do assassinato de João Pessoa, pode dificilmente cantar, sem compreender, o hino de
Princesa”. Esta referência diz respeito ao episódio narrado em O rei degolado: [...] para mostrar a essa
gente quem somos nós e quem é seu Pai, vamos todos cantar o hino do Sertão, o Hino de Princesa! Eu
estava assombrado, sem entender bem o que era aquilo, mas cantei com meus outros irmãos, a pleno
pulmões[...] Suassuna deixa transparecer claramente o olhar do menino que era, e que conserva
lembranças fragmentárias e confusas daqueles dias dramáticos. Vide Em demanda da poética popular:
Ariano Suassuna e o movimento armorial. p.101.
177
Falar sobre o pai traz sempre uma grande carga emocional, o escritor diz que tentou reconstruir a
imagem mítica do pai para por no lugar do assassinado e nega-se a continuar o assunto na entrevista
concedida ao Jornal do Commercio em 15 de junho de 1997, porque estava se sentido machucado demais.
108
– Me diga uma coisa, por exemplo: você já perdoou os assassinos de
seu Pai? Já perdoou os assassinos de seu Padrinho?
– Sei não, Pedro! – respondi baixando a cabeça, porque nunca fizera
a mim mesmo uma pergunta direta nesse sentido. – Perdoar é coisa
dura, difícil e complicada! Uma vez vi meu amigo Eusébio Monturo
dizer uma frase que me impressionou muito a esse respeito. Ele deu
um tapa na cara de um inimigo, dizendo depois que tinha feito isso
para poder perdoá-lo! Ele queria primeiro provar a si mesmo que não
era por fraqueza e covardia que perdoava!
178
Como perdoar, se a dor ainda se faz presente por não se render ao código
vingativo do sertão? Como perdoar sem se tornar um fraco, senão escrevendo sua dor
como uma vingança, retornando o passado, reverenciando seus mortos e suas lutas,
como no enaltecimento da proclamação do município de Princesa em Território Livre
pelo coronel José Pereira Lima:
aquele mesmo Fidalgo sertanejo que em 1930, se rebelara contra o
Governo, tornando-se Rei-guerrilheiro de Princesa, proclamando a
independência do município com hino, selo, bandeira, constituição e
tudo, subvertendo o Sertão da Paraíba à frente de seu exército de
2.000 homens de armas, numa guerrilha heróica que o governo do
Presidente João Pessoa em vão tentou vencer com sua polícia.
179
A bandeira do Território Livre de Princesa é descrita pelo narrador d’O
dia dos cachorros, autoria de Aldo Lopes, como “um retângulo amarelo com fundo azul
e uma estrela de cauda em forma de arco-íris. Acima, nos cantos superiores do
retângulo, havia uma flor algodão e outra de mandacaru.”
180
E, diferente da
simbolização da rubro-negra, luto e sangue, a “bandeira de Princesa era outra coisa,
bandeira luminosa, sensual, pulsava vida, luz e alegria.”
181
178
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 245.
179
Ibidem, p.25.
180
ARAÚJO, Aldo Lopes de. O dia dos cachorros. Recife: Bagaço, 2005. p.167.
181
Ibidem, p. 167.
109
Uma conclusão importante na narrativa suassuniana é a condensação que
confirma: “Hoje eu sei perfeitamente que Princesa, Canudos, a Serra do Rodeador, A
pedra do reino, tudo aquilo foi um sítio da molesta, um cerco danando, uma Tróia só”
182
, que por sua vez aponta para o assentimento de que fazemos parte de uma única e
imensa história entre opressores ou dominantes, oprimidos ou dominados que compõem
a história da luta de classes em todos os tempos e lugares. E 1930 foi apenas o
prosseguimento desta história entre os grupos políticos que se lançaram em mais um
conflito pelo controle do Estado, oprimindo um segmento de sua mesma classe que
possuía objetivos diferentes na administração do Estado, que mais tarde iria oprimir
com maior eficiência toda sociedade com a ditadura Vargas, conhecida como Estado
Novo. Recrudescimento político que duraria até 1945.
Interessante é observar que somente sob o Estado Novo foi que o Estado
de São Paulo prestou homenagem a João Pessoa, celebrada em placa: “Ao vulto imortal
de João Pessoa, símbolo dos nobres princípios de brasilidade, a embaixada paulista
rende o culto da juventude solícita ao ofertar o sangue em holocausto à felicidade da
nação. S. Paulo 25/1/1939.”
No romance Boa terra de ódios, de Paulo Fernando Craveiro, a morte de
João Pessoa é um ato de vingança motivado pelo assalto à residência de João Dantas,
seu assassino e a publicação de suas cartas íntimas e poemas trocados com Anayde
Beiriz, sua amante. A morte de João Pessoa foi “um assassinato límpido, documento
com fé pública”.
183
João Dantas e Anayde Beiriz estão vingados. O ódio do matador
deixa claro que a vingança foi executada por quem sofreu a injúria. A antevisão de sua
182
Pode-se ler a mesma sentença em SUASSUNA. Ariano. História d’o rei degolado nas Caatingas do
Sertão: romance armorial e novela romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1977. “isso da Ilíada, de Canudos, de Doze, de Princesa, de trinta, tudo isso é uma Tróia só” p.
115.
183
CRAVEIRO, Paulo Fernando. Boa terra de ódios. Recife: Nossa Livraria, 2007. p.11.
110
morte física é a metáfora de sua ressurreição moral: “João Dantas toma e retoma o
fôlego. Já se vê igualmente morto na memória de sua morte. Sexta-feira, 3 de outubro
de 1930. Depois será um nome colocado em uma lápide. João. João que é ele e não o
outro João.”
184
Voltando às resoluções, Em Boa terra de ódios, o uso político da morte
de João Pessoa é relacionado ao uso político de outras duas mortes. A primeira morte
remete ao nazismo:
Paulus recorda que o chefe de Propaganda do Partido Nacional
Socialista, Josef Goebbels, aproveitara o momento de tensão nacional
para transformar Wessel em mártir do nazismo. Do mesmo modo que
a revolução brasileira tirara proveito da morte de João Pessoa para
intensificar o movimento das ruas, Goebbels organizara um funeral
público acompanhado por mais de trinta mil pessoas em Berlim
185
.
A morte de João Pessoa reascendeu a chama conspiratória dos gaúchos e
mineiros, o corpo embalsamado de João Pessoa em peregrinação pelo país clama em
discurso pela revolução. Perdeu-se a eleição, mas não a possibilidade de tomar o poder
pela força, força que emanou da morte, da tragédia que ainda hoje faz chorar os
paraibanos a cada 26 de julho, dia que a memória consagra à revolução na Paraíba,
homenagem ao seu morto mais ilustre.
A segunda morte é aquela que irá deflagrar a Primeira Grande Guerra:
“Paulus torna a pensar em mortes [...] na morte de Franz Ferdinand e na morte de João
Pessoa, assassinado na Confeitaria Glória do Recife, o político que foi o arquiduque
Franz Ferdinand da Revolução de 1930.”
186
O assassinato e a objetividade no uso das mortes como ato político é
uma atitude de classe mais comum do que se possa imaginar. Uns ganham o Estado,
184
Ibidem, p.12.
185
Ibidem, p. 153.
186
Ibidem, p.226. Em 26 de julho de 1931, ao recordar um ano da morte de João Pessoa, em A União,
Mauricio de Lacerda, sob o título de A saravejo Brasileira, comparaou: “ A Parahyba representou no caso
brasileiro o papel de Servia no caso europeu. É das nações pequenas e torturadas que as grandes
dominadoras recebem o golpe mortal no seu poderio.”
111
outros ganham ou perdem eleições por tentar ou assassinar o adversário. Passa o tempo,
mas as formas de chegar ao poder permanecem tão antigas quanto a existência dos
homens na terra, apesar de alguns avanços consideráveis da prática democrática
burguesa em aperfeiçoar e tentar perpetuar sua dominação política ou de poder,
inclusive no uso afirmativo da cultura.
Em Roliúde, de Homero Fonseca no capítulo “História de presepada e
heroísmo na Revolução de 30”, o narrador, encarregado de entregar mensagem secreta
que delatava o ataque dos revolucionários vindo de João Pessoa para a cidade do Recife,
resolve esquecer a tarefa e cair na farra e no prazer:
A gente já estava na segunda garrafa de cana e no segundo pratinho
de passarinha, quando a natureza fez um chamado urgente. Corri pro
banheiro, e quando estava nos finalmente, vi que o gancho na parede
onde se pendurava o papel de embrulho pra se fazer a higiene tava
vazio. Era só o que faltava. Eu já ia me resignando com o estado de
sujice, quando me lembrei da carta com a mensagem secreta no
bolso. E, como se diz no quartel, dei-lhe destino. “Barco perdido,
bem carregado.” Voltei pra farra com aquelas nobres companhias,
dali saindo para uma pensão na Rua do Rangel, onde vadiei a tarde
toda com uma das damas e depois dormi feito pedra, sem ter idéia de
que lá fora, nas rua, a revolução estava acontecendo...
187
Subjugado o Comando Militar do Recife pela força revolucionária,
vitória da revolução, a imprensa, glorificando a atitude heróica do narrador, destaca:
Ao sabotar a entrega da referida correspondência urgente e
ultraconfidencial, dando-lhe destino correto e justo, o obscuro
soldado do 21º BC desempenhou papel fundamental para a
consecução dos objetivos do glorioso movimento empalmado
nacionalmente pelas mãos justas e aguerridas do grande comandante
Getúlio Dornelles Vargas. O modesto soldado pernambucano merece,
pela mais acendrada justiça, figurar no panteão dos heróis de 1930 ao
lado dos artífices da vitoriosa Revolução. O nome deste Danton dos
trópicos é Bibiu
188
.
A lição que tiramos da intrépida aventura de Bibiu na Revolução de 30, é
a seguinte: entre o que aconteceu e o que foi dado publicidade, existe uma grande
187
FONSECA, Homero. Roliúde. Rio, de Janeiro: Record, 2007. p.82.
188
Idem, p.84.
112
diferença, como se o fato não existisse, o que existe concretamente é apenas a
interpretação política, de fato.
2.2 - Resoluções dramatúrgicas
Na dramaturgia, a Revolução de 30 faz sua estréia no ano de outro golpe
de Estado, 1964, com Um sábado em 30, texto de Luiz Marinho e direção de Waldemar
de Oliveira. A preocupação maior é com o fim do movimento revolucionário e
ansiedade pelo retorno do filho que luta em defesa dos liberais:
-- Essa revolução não chega ao fim do mês! Questão de dias... a nossa
causa está ganha! Não vê lá pelo Rio Grande do Sul, como andam as
coisas? O menino anda por aqueles mundos... Êle é matreiro... deve
andar fazendo das suas por lá!...
– Não! Não creio! (...) Êle está prêso ou morto!
189
Nessa peça, a morte de João Pessoa é dada como prenúncio da revolução,
e uma das personagens vê a notícia de divulgação da viagem do presidente paraibano ao
Recife como uma ironia da sorte: “... Por ironia da sorte, na mesma manhã do
assassinato, a “UNIÃO” trazia publicado todo o programa da festa, a passeata, o
itinerário, os oradores... ”
190
Entretanto, a personagem não diz, por ironia, de quem foi a
sorte, se do morto ou do matador.
A ação dos perrepistas em Um sábado em 30 resume-se em bater nos
membros do cordão encarnado de um pastoril por representar a cor vermelha dos
liberais. Os liberais são representados com um caráter solidário até para com seus
inimigos. Isso é visto quando um soldado perrepista desgarrado de seu pelotão, ferido, é
tratado pela família liberal. A peça acaba com o retorno do filho como herói de guerra e
prometendo para a mãe não mais se meter em aventuras épicas.
189
MARINHO, Luiz (Org.). Um sábado em 30. Recife: Imprensa Universitária/UFPE, 1968.p.37.
190
Ibidem, p.51.
113
Paraibê-a-bá (1968), de Paulo Pontes, é um grande painel a respeito do
Estado da Paraíba, uma espécie de “cultura e opulência da Paraíba”. A peça tem início
com a narração da conquista pelos europeus, seus produtos de exportação, suas riquezas
minerais. E também seus problemas econômicos e sociais, como, por exemplo, a crise
da economia agro-exportadora e da sujeição do Estado às oscilações e necessidades do
mercado externo, e a seca, transformando os pequenos fazendeiros em colonos e em
contingente do êxodo.
Acerca da Revolução de 30, a peça Paraibê-a-bá explica a insurgência
da Paraíba no processo eleitoral:
A adesão da Paraíba à coligação mineiro-gaúcha significa o meu
desejo de cooperar na tarefa de regeneração dos processos políticos
do país. Sei que este gesto de autonomia trará para o meu pequeno
Estado muitas dificuldades, porquanto, vencedor ou vencido sua
situação será de simples espectador, uma vez que são diminutas suas
contribuições para o erário nacional.
191
A atitude do governante paraibano em aderir à chapa da Aliança Liberal
terá como conseqüência a declaração do município de Princesa em território livre da
administração estadual e, em seu bojo, a guerra civil paraibana, pejorativamente
denominada de a “Revolta de Princesa,” comandada pelo Coronel José Pereira de Lima,
concluída com o assassinato de João Pessoa. Em Parai-bê-a-bá não se informa os
motivos do assassinato, mas traz o laudo dos tiros desferidos por João Dantas:
O trajeto da bala fez-se da direita para a esquerda, de baixo para cima
e de traz para adiante, atingindo João Pessoa na região glútea. Foi
atirada por um revólver Colt. Tanto poderia ter sido atirada da mesma
arma como por outras armas do mesmo calibre que estivessem
carregadas com munição idêntica. Laudo de 26 de Julho de 1930.
(PAUSA) – No dia três de outubro estava vitoriosa a Revolução
Liberal e deposto Washington Luiz.
192
191
PONTES, Paulo. Paraibê-a-bá.. Mimeo. Teatro de Arena da Paraíba. João Pessoa, 1968. p. 58-59.
192
Idem, p.62.
114
A morte de João Pessoa foi imprescindível para a Aliança Liberal
rearticular suas forças e conquistar o poder do Estado através de uma revolução que aos
poucos se transformaria em um projeto pessoal de poder, conduzido por Getúlio Vargas
até 1945.
O dia em que deu elefante (1985), de autoria de Marcus Tavares,
premiada em primeiro lugar no concurso de textos teatrais da Secretaria de Educação e
Cultura do Estado da Paraíba, tem sua ambientação em um restaurante de estação
ferroviária, e seus personagens são membros de uma família que sofre com a repressão
dos perrepistas e dos liberais, apanhando de ambos os lados.
Domingo, Zeppelin, de autoria de Marcus Vinicius, é outra peça
premiada, com o Prêmio Serviço Nacional de Teatro. Neste drama histórico os
discursos inflamados do cônego Matias Freire são destacados na pregação
revolucionária:
Paraibanos! Hoje é domingo... Zeppelin... Zeppelin, para quem não
sabe! Mas hoje não vai ter missa, pois eu estou lá em condições de
rezar missa!... Hoje eu vou falar e quero que vocês me
escutem!Vocês mesmo viram tudo o que aconteceu agora por aqui! É
esse o clima político do Brasil de hoje! A violência destronou a
razão e a arbitrariedade tomou o lugar da justiça! Nossas leis
estão sendo desobedecidas e desobedecidas por quem deveria ter a
obrigação de defendê-las: por aqueles que estão instalados no poder,
passando por defensores do povo!(PAUSA) Há pouco tempo, João
Pessoa foi morto pelas balas da reação! E agora mais um inocente foi
sacrificado, tudo em nome de um sistema que, não fosse pela
violência que utiliza, já teria desmoronado, tão carcomido que está!
(ZÉ OTÁVIO ENTRA EM CENA) E esse estado de coisas,
paraibanos, só poderá mudar quando a voz do povo começar a ecoar
de todo o Brasil, para que possa ser ouvida em todos os quadrantes
em que essa república velha esteja deixando suas marcas!(Destaques
nossos)
193
193
VINICIUS, Marcus. Domingo, Zeppelin. Apud Octávio, José. João Perante a história. João Pessoa:
A União, 1978.p.179-180.
115
No discurso, os ideologemas tende à reprodução na defesa da ação
política. A República Velha já havia desmoronado, pouco faltava para a instauração de
uma nova ordem republicana também surgida pela violência e pela arbitrariedade na
pregação revolucionária de justiça para todos. É o momento dramático e da
interpretação da realidade vivida pelas personagens.
Em Anayde, espetáculo de 1992, o objetivo não era necessariamente a
história da Revolução de 30 , mas resgatar a história amorosa de Anayde Beiriz e João
Dantas durante os acontecimentos que desembocaram na Revolução, conforme declarou
o autor, Paulo Vieira: Não me interessou contar a História política, mas sim a história
de um amor se debatendo com os conflitos políticos. Citações políticas não me
agradam, pois quem conhece a história sabe, e quem não conhece não precisa
conhecer.
194
Tarefa talvez impossível, de informar que não era necessariamente
preciso conhecer a história da Revolução de 30 para se assistir ao drama histórico.
Entretanto, escrever essa história é um ato político, seja ficção ou documento. Mas é
preciso esclarecer do que se trata. Calcada precisamente nesta preocupação, a atriz que
encarnou Anayde Beiriz, Ana Luisa Camino enfatizou que algumas pessoas se
informam a respeito da vida de Anayde e vêm ao teatro conferir se o documentário está
exato ou não. Não estou fazendo documento, mas ficção.”
195
Este sobreaviso surte
pouco ou nenhum efeito sobre o público que deseja confrontar a “verdade ficcional”
com a “verdade histórica”.
194
Declaração de Paulo Vieira, dada ao jornalista João Costa, publicada em: Fernando resgata heroína
Anayde, exorciza fantasmas da Revolução de 30 num mês de maus presságios. Correio da Paraíba. João
Pessoa, 02 ago.1995. Caderno3. p.2.
195
Declaração de Ana Luisa Camino, dada ao jornalista João Costa, publicada em: Fernando resgata
heroína Anayde, exorciza fantasmas da Revolução de 30 num mês de maus presságios. Correio da
Paraíba. João Pessoa, 02 ago.1995. Caderno3. p.2.
116
Na opinião do crítico Everaldo Vasconcelos, as resoluções simbólicas da
peça Anayde informam quem mandou invadir a residência de João Dantas e quem
mandou expor a correspondência trocada com Anayde Beiriz. O debate através da
imprensa contou com a participação da ex-secretária de José Américo de Almeida que
alertou sobre a confusão que os artefatos culturais fazem em torno da história. Contou
também com a participação de José Joffily, que saiu em defesa do diretor e do autor de
Anayde, e conseqüentemente de suas obras que deram sustentação histórica à peça:
Não foi fácil, há 10 anos atrás, resgatar a memória da intelectual
paraibana Anayde Beiriz, então repudiada pela família cristã e
tradicional da nossa terra
196
. Logicamente os dois professores não se
propuseram a realizar um documentário, procuraram, apenas como
notáveis poetas sensibilizar o imaginário do povo de nossa terra. Talvez
acreditando que toda lenda tem um fundo histórico, assim como toda
história tem um fundo lendário.
197
A satanização de Anayde Beiriz pela moral sexual converteu-se em um
imaginário espetacular. Familiares são convocados para opinar sobre as resoluções que
tratam do seu relacionamento amoroso. Ialmita Grisi, sobrinha da intelectual paraibana,
pondera:
A família sente de um jeito, as pessoas falam o que querem sobre
uma pessoa que não conheceram de perto. Com o passar dos anos
essa imagem vai ser muito deturpada. As pessoas colocam a idéia de
sexo em demasia, hoje não seria nada demais é lógico, mas devemos
mostrar a Anayde de 30.
198
196
parece que foi ontem, quando contava vinte e poucos anos de idade e já lecionava na Escola da
Colônia de Pescadores de Cabedelo, que se iniciou o romance com João Dantas. Ambos solteiros e sem
outros compromissos. Não se deixavam bloquear pelas injunções da mesquinha mentalidade que então
reinava no seio da "melhor sociedade", society que, malgrado todas as tragédias e transcorridos 50 anos,
permanece em sua intolerante vigilância. É o caso daquela ilustre Senhora de reconhecidas virtudes
cristãs, mas atacada da incurável cegueira do sectarismo que continua amaldiçoando o relacionamento do
casal: João Dantas não tinha noiva e sim amantes.” Vide JOFFILY, José. Revolta e Revolução: 50
anos depois. 1979. p. 272.
197
JOFFILY, José. Dois Notáveis Poetas A União, João Pessoa, 27 set.1992. Opinião. p2.
198
Depoimento de Ialmita Grisi concedido a Chico Noronha em Anayde - há 62 anos ela morria. Hoje
sua sobrinha quer passar a limpo a História, Correio da Paraíba. João Pessoa, 22 out. 1992. Caderno3.
p.4.
117
Um relato de quem conheceu a Anayde de 1930 foi deixado por Oswaldo
Pessoa, em 1987, a revista Retrospectiva, opinião que difere do imaginário social
paraibano:
Conheci sim senhor. Ela não era a pessoa que pintam. Era uma moça
muito boa, aplicada, uma pessoa formidável. Eu só vim saber que ela
namorava com João Dantas em 1930. Era muito retraída e não era
uma prostituta de maneira nenhuma, mas sim uma moça decente,
direita e boa.
199
Desta Anayde, “moça decente, direita e boa” pouco se tem notícia, mas o
que se faz é comparar as personagens, a Anayde do filme de Tizuka Yamasaki com a
Anayde idealizada para o teatro:
É notório que Anayde passou a frequentar o universo histórico da
memória paraibana a partir de 1984, dada a preocupação de José
Joffily Filho, produtor do Filme de Tizuka, Parahyba, Mulher
Macho. Já o espetáculo Anayde, dirigido por Fernando Teixeira
tenta mostrar uma mulher que luta pelo seu amor sem 'frivolidades'.
É a história de uma mulher que descobre uma grande paixão que
acaba em morte de um presidente de Estado, que ela envereda pela
tragédia a ponto de entregar um bisturi para João Dantas na prisão
para que ele se mate. Esse drama é o que conta para o elenco do
Grupo Bigorna.
200
Diferentemente do filme de Tizuka Yamasaki, no qual João Dantas é
assassinado, na peça a morte de João Dantas é por suicídio, tal qual a versão sustentada
por José Joffily em Revolta e revolução.
Outra resolução em Anayde diz respeito à visão dos anarquistas sobre a
revolução, conferindo-lhe função de classe social:
Imagine que se conseguíssemos sublevar os cangaceiros de Zé
Pereira para a nossa causa. Faríamos de Princesa o quartel-general do
nosso exército: cangaceiros, agricultores, pescadores, e todos os
infelizes explorados pelo capital, um exército de esfarrapados
carregando gloriosamente a bandeira da anarquia, marchando
heroicamente para o Catete, para derruba a corrupção e a burguesia e
implantar finalmente neste país a liberdade... imagine quando esse dia
chegar, quando neste país já não houver fome e injustiças...
201
199
Apud João Costa, em Fernando resgata heroína Anayde, exorciza fantasmas da Revolução de 30 num
mês de maus presságios. Correio da Paraíba. João Pessoa, 02 ago.1992. Caderno3. p.2.
200
João Costa, Fernando resgata heroína Anayde, exorciza fantasmas da Revolução de 30 num mês de
maus presságios. Correio da Paraíba. João Pessoa, 02 ago.1992. Caderno3. p.2.
201
Fala da personagem anarquista Rafael em Anayde, UFPB/PRAC/NTU. p.18.
118
A atuação da personagem João Dantas, no conflito, é denunciada como
uma marionete, um burguês decadente, “um boneco, um João Redondo, um testa de
ferro nas mãos dos capitalistas, dos latifundiários.”
202
E João Pessoa um deslumbrado
com o poder que herdou do tio Epitácio Pessoa, na manutenção hegemônica do poder
oligárquico no Estado da Paraíba. Um homem impulsivo, de caráter ditatorial, que
desagradou a todos aqueles que dispunham de algum poder, seja político ou econômico,
ou ambos, como o Deputado José Pereira, aliado da oligarquia Pessoa, que contrário a
reforma financeira no Estado pretendida por João Pessoa, decretou a independência
administrativa do município de Princesa, evento que ficou conhecido pejorativamente
como a Revolta de Princesa, só acabada com a morte de João Pessoa por João Dantas.
2.3 – Resoluções fílmicas
O filme Parahyba, mulher macho não teve boa acolhida na Paraíba por
dois motivos. O primeiro, a erotização do romance entre os protagonistas Anayde Beiriz
e João Dantas, ao retratar o imaginário social a respeito das personagens. Essa resolução
imaginária resultou em processo judicial contra a diretora Tizuka Yamasaki, no qual
familiares de Anayde Beiriz exigiram retratação pública devido às cenas de sexo que,
segundo eles, denegriram a imagem da personagem histórica. O segundo, a opção que
se fez para a morte de João Dantas: assassinato e não pela versão de suicídio na
Penitenciária do Recife, diferentemente do que apregoa a narrativa histórica de José
Jofilly, a qual o filme Parahyba, mulher macho está baseado.
202
Idem, p.47.
119
O que se pode constatar nas críticas do filme de Tisuka Yamasaki é a
ausência de uma compreensão de uma personagem além das provocações da sua
sexualidade que expunha a libido para uma sociedade que fingia negar sua existência,
cujos mecanismos libidinais serviram para investimentos ideológicos.
O filme revela uma Anayde Beiriz pouco conhecida, uma mulher em
defesa do voto feminino e do voto secreto, defensora de novas formas de se governar.
Vejamos o diálogo em uma das cenas entre Anayde Beiriz e João Dantas:
Anayde Beiriz: ... é uma vergonha. Que país é o nosso que não tem
voto secreto e nem voto feminino?[...] Vocês perrepistas ficam aí
apavorados porque surge um governo com novos métodos. Não se
preocupe, o povo desta terra vota nas pessoas e não nos partidos. [...]
Ah, João, você não gosta de discutir política comigo? Por quê?[...]
Você sabia que as tropas de João Pessoa estão partindo para Princesa
para garantir as eleições?
João Dantas: Sim, só que não vai adiantar nada, o coronel Zé Pereira
garante seu eleitorado em Princesa.
Anayde Beiriz: Com voto de cabestro ou com método de
cangaceiros?
João Dantas: o que você entende de política para ficar dizendo
mentiras. [...] Pois fique sabendo que algumas famílias mandam no
sertão há mais de século e não é qualquer um que vai mudar muita
coisa não.
Anayde Beiriz: Posso não entender de política. Não tenho brasão de
família para defender, mas tenho opinião própria e não preciso de
coronel nenhum para dizer o que eu tenho que fazer (Anayde é
esbofeteada por João Dantas)... Moleque de recados do coronel Zé
Pereira.
Não era somente o poder político secular das famílias sertanejas que
estava sendo ameaçado. Na opinião da personagem João Dantas, o governo João Pessoa
estava por arruinar a economia paraibana:
João Dantas: Anayde, eu não quero discutir isso com você. Mas
procure entender pela última vez, os problemas econômicos e
políticos que estão vivendo minha família e todos os sertanejos é uma
questão de honra, é um compromisso de sangue. [...] Essa nova
administração que você falou aí, tá causando a ruína de uma rica
região que é o celeiro da Paraíba.
120
Anayde Beiriz: Celeiro da Paraíba ou de Pernambuco? Aliás, de dois
ou três pernambucanos.
Por ironia, esses pernambucanos eram parentes de João Pessoa,
empresários da firma J. Pessoa de Queiroz & Cia, que dominava todo o comércio com o
sertão paraibano, e cujos interesses econômicos foram prejudicados pela reforma
tributária proposta por João Pessoa, que rompeu processo de complementaridade da
economia pernambucana. O apoio dos Pessoa de Queiroz ao coronel José Pereira dá-se
pela manutenção do domínio de exportação das mercadorias do sertão paraibano por
Pernambuco, e, convulsionando o interior da Paraíba a partir de Princesa, visa a pôr fim
ao governo João Pessoa através de uma intervenção federal.
A informação da intervenção federal em Parahyba, mulher macho é dada
pela personagem de José Américo de Almeida, que aproveita a oportunidade para
convidar João Pessoa a fazer a revolução, reeditando a Aliança Liberal:
José Américo: Washington Luís já não esconde mais sua proteção aos
revoltosos. A intervenção no Estado já uma certeza. Excelência, o
país encontra-se num impasse que tende a uma saída radical. Apoiar
os mineiros e gaúchos e lutar por uma Revolução nacional.
João Pessoa: prefiro dez guerras de Princesa a uma revolução.
A intervenção federal não chega a tempo de salvar João Pessoa,
assassinado no Recife. A revolução que ele não desejou é realizada em seu nome e
honra, tornando-se um exemplo na luta contra o poder político secular das oligarquias.
Já Anayde Beiriz, na voz do narrador repentista do filme de Tisuka Yamasaki, antevê
um futuro para a memória da personagem que se suicidou em 22 de outubro de 1930:
Dos terremotos que abalaram o país
se enxerga a luz da chama de Anayde Beiriz
das lições do passado fica um exemplo guardado
fica um rosto, fica um nome
é algo que permanece
121
que a memória não esquece
o pó da terra não come.
Anayde Beiriz também é um mito que povoa o imaginário paraibano,
registrado em poemas como o de Vanildo Brito, Pavana para Anayde Beiriz que refaz o
percurso histórico da exposição de sua correspondência com João Dantas à perseguição
à sua memória pela sociedade:
I
Anayde Beiriz, o tempo é cego
e cegos seus escuros labirintos,
mas não desfez o itinerário certo
da verdade sepulta sob os mitos
da História. O teu martírio
retorna agora resgatado à Sorte:
salgado pranto redivivo
no sudário da morte.
(Não choremos, Amiga, que o silêncio
em breve será música no tempo).
II
Nós vemos-te Anayde quase impúbere
em torno à tua sina acorrentada,
seres ferida pelos ódios rudes
das multidões incendiárias;
vemos também teus íntimos segredos
que com tanto desvelo acalentaste,
devassados e expostos nos roteiros
maledicentes da cidade;
e vemos-te por fim, transfigurada
lutando a tua derradeira luta:
seres alvo do escárnio da canalha
sofrendo a dor de alheias culpas.
mas nós não vemos teus perseguidores
embuçados que estão nos descaminhos;
nem quem te fez provar o fel da morte
122
e maldizer o teu destino.
(Estanquemos o pranto, que o silêncio
Já floresceu nesta pavana antiga).
III
Anayde Beiriz, a mão do tempo
refez a tua face peregrina.
não mais te cala o frio esquecimento.
agora, és fábula menina.
203
O esquecimento já não faz parte memória histórica e político-cultural da
fabulosa personagem Anayde Beiriz que empresta seu nome à biblioteca, à escola
pública municipal e ao diploma concedido pela Assembléia Legislativa da Paraíba às
mulheres que prestaram reconhecidos serviços em favor da mulher paraibana. É a mão
do tempo refazendo a verdade?
As demonstrações das resoluções simbólicas forjadas pelos bens
culturais buscam liberar a realidade da Revolução de 30 que permanece reprimida. Os
artefatos culturais, quando trazem essa realidade para a esfera da ficção como
necessidade e função do inconsciente político, a verdade da narrativa ficcional acaba
por confrontar a verdade da historiografia, instaurando, assim, a contradição
fundamental desta história que se arrasta até a atualidade. As resoluções simbólicas se
repetem porque estas questões
204
carecem de soluções reais, mas que não são tomadas,
fazendo-se necessária a intervenção do inconsciente político, esse instrumento que cada
203
Poema publicado no Correio das Artes. Ano LII, Nº. 18. Agosto de 2001. Suplemento literário do
jornal A União.
204
“Anayde, que hoje se tenta fantasiar como uma Jezebel provinciana, era uma moça de sonhos, poetisa
de poucos méritos, uma mulher de coração ardente que doou sem reparos a Dantas. Suas cartas
íntimas,suas confissões amorosas, serviram de chacota a uma sociedade pequena, miúda, provinciana. Seu
amor foi considerado pecaminoso e ela, recolhida a um convento de freiras, envenenou-se para fugir da
vida. Augusto, preso com Dantas, foi surrado, humilhado e, por fim degolado com uma navalha. O
cangaceiro Antonio Silvino ouviu e relatou os gritos injuriosos de Dantas contra seus matadores e os
pedidos de clemência e piedade. Tudo em vão. Os dois foram trucidados pelo ódio liberal que trocou não
só o nome de nossa Parahyba como cometeu esses dois crimes infames contra esses dois inocentes.”
Marcos Tavares em Os mortos esquecidos. Jornal da Paraíba. Paraíba, 26 Jul. 2007. Cidades. p.3.
123
vez mais se faz presente na cultura paraibana como elemento questionador e subversivo
dessa realidade.
Não é por acaso que no dia que se comemora o aniversário da morte de
João Pessoa (26 de julho) já podemos ler em jornais paraibanos que existem outros
mortos que não devem ser esquecidos, como Anayde Beiriz, Augusto Caldas e João
Dantas, personagens de uma realidade trágica que os artefatos culturais vêm
reabilitando. A narrativa dos artefatos culturais tornou-se importantes porque carregados
de ideologias reabrem os enfoques da história da Revolução de 30 como um fenômeno
não acabado, cuja verdade é um processo em andamento.
124
Capítulo 3
A pedra do reino e o inconsciente político da revolução
3.1 – A pedra do reino e os modos de produção textual: a ideologia da
forma
3.2 – A tematização do bem e do mal
3.3 – Realismo e desejo: Quaderna e a questão do desejo
125
Capítulo III
A pedra do reino e o inconsciente político da revolução
Sou um contador de histórias, e só sei
pensar em torno de acontecimentos concretos.
Ariano Suassuna
A perspectiva deste capítulo busca estabelecer o significado do uso
ideológico dos gêneros literários e sua historicidade como conteúdo literário,
estabelecendo corolário com o objeto “Revolução de 30” no romance A pedra do reino.
O conceito de gênero aqui será mediado pela organização das mensagens que
caracterizam os sistemas de signos em distintos modos de produção textual que
coexistem na obra, alguns relativamente antigos e outros que lançam suas mensagens de
emancipação à humanidade. Chamamos a atenção para o uso ideológico que as
manifestações da cultura popular exercem no esquema literário de Suassuna, na
organização do esquema alegórico e para a interpretação política que ele nos oferece ao
articular as antinomias do bem e do mal.
A visão marxista da História, descrita por Fredric Jameson n’O
inconsciente político como paradigma do romanesco
205
, faz com que tenhamos
esperança de uma guinada do homem para a liberdade na realização de um futuro
redentor. Ideal que nos informa que somos apenas um capítulo, uma nota de rodapé,
um fragmento de uma única e grande narrativa histórica. Fragmentos que o romanesco
205
“se se objetar que o marxismo é um paradigma “cômico” ou “romanceado”, que vê a História pela
perspectiva redentora de uma liberação máxima, devemos observar que as mais poderosas realizações da
historiografia marxista – das próprias narrativas de Marx da Revolução de1848 até estudo de Charles
Bettlheim da experiência revolucionária soviética, passando pelos ricos e variados estudos canônicos da
dinâmica da Revolução de1879 – permanecem como visões da Necessidade histórica no sentido aqui
implícito.” Vide JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente
simbólico. São Paulo: Ática, 1992.p.92-93.
126
captura em seu ritmo histórico como conteúdo e substância como uma liberação de
anseios utópicos e meditação sobre a comunidade.
Os estudos de gênero, segundo Jameson, são justificados pela crítica
literária marxista pela função que o gênero ocupa como mediador na análise “diacrônica
da história das formas e da evolução da vida social
206
”, consubstanciando o destino da
comunidade e a liberação dos vários discursos marginalizados que poderão, mais tarde,
ser descritos como modos de gêneros.
Conceitualmente, os gêneros, diz Jameson: “são instituições literárias ou
contratos sociais entre um escritor e um público específico, cuja função é especificar o
uso correto de um determinado artefato cultural.”
207
A interpretação correta das
mensagens genéricas dos artefatos culturais é a apreensão de seus conteúdos em defesa
de seus objetivos, sejam eles quais forem. Mas não é somente isso, não se trata de
apenas apreender algo do significado ideológico e do destino do romanesco como
gênero, mas também, para além dessa perspectiva, começar a perceber o uso dialético
da própria história literária dos gêneros.”
208
Seguindo esta perspectiva, a partir da
proposição teórica de Frye, Jameson historiciza o romanesco em sua redefinição
conceitual como “satisfação de anseios ou fantasia utópica”, potencializador da
transformação da realidade do mundo comum, e, por objetivo, tem a restauração de um
Paraíso perdido ou a antecipação de um reino futuro, no qual a vida será eterna e livre
das imperfeições como fome, doenças, exploração pelo trabalho. Contudo, essa possível
transformação da realidade não se dará sem luta, este embate ocorrerá entre “os reinos
superior e inferior, entre o céu e o inferno ou entre o angélico e o demoníaco ou
206
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São Paulo:
Ática, 1992.p.92-93.
p.106.
207
Ibidem, p.107.
208
Ibidem, p. 110.
127
diabólico”
209
, conteúdo que se ocupa a narrativa mágica ou fantástica, e
necessariamente o herói assumirá as características de um Messias celestial e seu
inimigo a imagem e semelhança de seu opositor, será o Diabo, o representante do mal,
do mundo inferior, do Inferno, no conflito plurissecular do bem contra o mal, com um
mundo tentando dominar o outro. Como, por exemplo, na promessa de Sinésio, o
alumioso, o rapaz do cavalo branco, o ressuscitado que traria um Reino de glória,
beleza, justiça e grandeza para os nordestinos. Tematização que se transforma em
ideologema do bem e do mal, antinomia que no caso do romance A pedra do reino será
representada pelo conflito entre o campo e a cidade, caracterizado como hegemonia do
urbano sobre o rural, que serve como mensagem sócio-simbólica que nos informa que a
mudança política é um processo social inacabado:
Um gênero é essencialmente uma mensagem sócio-simbólica, ou, em
outros termos, que a forma é imanente e intrinsecamente uma
ideologia em si mesma. Quando essas formas são reapropriadas e
remodeladas em contextos sociais e culturais bastante diferentes, essa
mensagem persiste e deve ser funcionalmente avaliada sob a nova
forma
210
.
A produção estética e sua forma narrativa é uma escolha ideológica, a
variedade de gêneros em uma mesma estrutura textual deve manter ativa relação com o
Real e a produção do conhecimento histórico e ideológico. Relação que denota o
romance como “um ato simbólico que deve reunir ou harmonizar paradigmas narrativos
heterogêneos, que possuem seu significado ideológico próprio, específico e
contraditório.”
211
O romance A pedra do reino é paradigmático no entrelaçamento de
gêneros distintos coexistentes na obra. Estratégia que mantém a história imanente em
209
Ibidem, p. 111.
210
Ibidem, p.140.
211
Ibidem, p.143.
128
relação aos modos diacrônico e sincrônico em permanente diálogo, tencionando a obra
para um “gênero” inventado como o próprio autor explica:
Não sei, então, se meu romance Quaderna, O Decifrador, depois de
concluído, será um relato ou uma exigência, uma novela disforme e
desagradável ou uma epopéia frustrada, um monstruoso, tedioso e
pouco divertido romance picaresco ou uma novela de cavalaria, uma
alegoria povoada de miragens ou, como disseram Cyro de Andrade
Lima e Hermilo Borba Filho, uma espécie de Divina Comédia
sertaneja povoada de mitos e pesadelos – uma “incursão no
subterrâneo”. Não fui eu que escolhi nem sua forma nem seu tamanho,
nem seu modo de narrá-lo: tudo isso me foi sendo imposto aos poucos
pelo próprio universo da obra, de modo que, à falta de uma explicação
melhor, dou essa – trata-se de uma lumiara, disforme e bruta como as
enigmáticas lumiaras de pedra do sertão.
212
E se o romance do paraibano contemplar todas essas possibilidades,
teremos a coexistência de vários modos de produção textual no romance de Suassuna, e
analisá-lo sob a perspectiva metodológica da ideologia da forma não é enquadrá-lo
conceitualmente, mas demonstrar a historicização dos gêneros na narrativa romanesca
como conteúdo do próprio romance.
3.1 – A pedra do reino e os modos de produção textual: a ideologia da forma
O sujeito, a origem, é sempre mascarado pela linguagem, por
sua própria representação, condenado também por ela a se
tornar o (próprio) objeto de sua reprodução.
J. Goldstein
O romance A maravilhosa desaventura de Quaderna, o decifrador e a
demanda novelosa do reino do sertão, é uma trilogia. O primeiro volume é o romance
212
SUASSUNA, Ariano. Nota ao leitor. In: Histórias d’o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: ao sol
da Onça Caetana.Rio de Janeiro:J.Olympio, 1977. p.135.
129
d’A pedra do reino. Este é um romance
213
falado, afirmação que se observa pelo
método aplicado à narrativa do romance por Dom Pedro Dinis Quaderna, que se dirige
aos brasileiros em confissão sobre os processos políticos que participou de forma direta
ou não, e que só contou o que viu acontecer ou pode provar, tal qual como explica o
método de Heródoto, no qual se preserva a experiência recente da história pelos sentidos
da visão e audição. O romance de Suassuana é a memória relembrada pela fala,
comunicada pela escrita, um memorial como o narrador nos diz sobre o romance: “é
mais um Memorial que dirijo à Nação Brasileira, à guisa de defesa e apelo, no terrível
processo em que me vejo envolvido.
214
Muitos pensam que a oralidade é característica
apenas de quem não domina o código da escrita ou das sociedades primitivas. Afirmam
os medievalistas que, a partir do século XII, as obras escritas são elaborações eruditas
da oralidade. A linguagem, seja ela oral ou escrita, surgiu da necessidade da relação
entre os homens. Ela é um produto social, assim como os gêneros que até os séculos
XVIII e XIX eram aristocráticos – como a tragédia, a novela de cavalaria e o
romanceiro, ou popular – como a comédia, a novela picaresca e o romanceiro. O
romance como gênero narrativo, como hoje se entende, é o gênero que ascendeu na
cultura juntamente com a burguesia.
As canções de gesta, origem do romanesco, gênero restrito às cortes para
diversão da aristocracia no século XVI, torna-se objeto do gosto do povo, incluindo os
já consagrados temas das gestas militares e os poemas heróicos da classe dominante e
os temas de amor.
Importado para o Brasil pelos colonizadores, os romances, já ao gosto
popular, serão classificados em marítimos, novelescos, aventuras, históricos, mouriscos
213
A propósito, o romance designa a manifestação do romanceiro popular, através da produção daqueles
pequenos livros da chamada Literatura de Cordel, diferentemente do termo novel, em inglês.
214
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. José Olympio: Rio de Janeiro, 1976.p.5.
130
e religiosos. Registros que permanecem sendo coletados pelos estudiosos da arte
popular
215
.
A relação entre o erudito e o popular na cultura é conflituosa pelos
produtos desta última emanarem sintomas de uma ideologia conservadora, como os
folhetos da literatura de cordel, que, calcada na tradição do romanceiro popular, acaba
reproduzindo o sistema de signos dominantes de sociedades arcaicas com a
representação de reis, princesas, barões e cavaleiros. E não a sua consciência de classe.
Mas o inconsciente político acaba por projetar resoluções imaginárias embaraçosas para
a classe exploradora, geralmente a “princesa”, a filha do poderoso acaba por se
apaixonar pelo oprimido ou este acaba “desfolhando a folha dela”, como veremos mais
adiante.
O folheto, ou a literatura de cordel, é um vestígio de um modo de
produção textal proveniente de uma sociedade arcaica, mas que se encontra ainda em
atividade, com seu sistema de signos e suas mensagens em plena reverberação no século
XXI. Continua sendo emitido e continuará por muito mais tempo, para desgosto
daqueles que desprezam e dizem ser a arte popular de mau gosto. Mas a oralidade
continua a se apresentar com guardiã da memória e da consciência dos humildes:
As coisas e histórias velhas influem muito para o progresso da
poesia: as histórias passadas recordam a memória imortal dos
antístites e antepassados, revivendo na memória do Poeta, que depois
se faz chegar ao ouvido do mais rude o toque da memória dos tempos
idos!
216
No romance A pedra do reino, por ser um romanceiro no qual os gêneros
se imbricam dialeticamente, do ponto de vista interpretativo já ideológico em si próprio,
a literatura de cordel é tomada como ato simbólico predominante no sistema literário de
215
Como informa o estudioso da cultura popular Altimar Pimentel em Presença do romance peninsular no
Brasil. Jornal da Paraíba. Campina Grande, 17 Jun. 2001. Cultura. p.4.
216
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. José Olympio: Rio de Janeiro, 1976.p. 179.
131
Suasuana, como objeto cultural. Fixa-se no romance como forma de produção textual e
contradição, cujas mensagens genéricas se fazem notar através das referências às
ilustrações dos folhetos de cordel, da divisão do livro em cinco livros, dos capítulos
folhetos, e outros aspectos que se juntam a estes como conteúdos internos no romance,
como o roubo de poemas e os folhetos anônimos de sensualidade
217
. E, logo na página
de rosto seguinte ao título, um resumo capaz de causar interesse ou “água na boca” dos
possíveis leitores e, principalmente, compradores. Como, por exemplo, assim:
Romance-enigmático de crime e sangue, no qual aparece o misterioso
Rapaz do Cavalo Branco. A emboscada do Lajedo sertanejo. Notícia
d’A pedra do reino, com seu Castelo enigmático, cheio de sentidos
ocultos! Primeiras indicações sobre os três irmãos sertanejos, Arésio,
Silvestre e Sinésio! Como seu pai foi morto por cruéis e
desconhecidos assassinos, que degolaram o velho Rei e raptaram o
mais moço dos jovens Príncipes, sepultando-o numa Masmorra onde
ele penou durante dois anos! Caçadas e expedições heróicas nas
serras do Sertão! Aparições assombratícias e proféticas! Intrigas,
presepadas, embates e aventuras nas Catingas! Enigma, ódio, calúnia,
amor, batalhas, sensualidade e morte.
218
Eis o resumo erudito do romance A pedra do reino no estilo da literatura
popular brasileira, o cordel medieval. Por isso, o romance de Suassuna pode e deve ser
interpretado como instrumento que revitaliza este modo de produção de mensagens
arcaicas na criação da realidade do mundo, cuja contradição não deve ser vista pela
relação entre arte popular e erudita, mas pelo emprego dos gêneros como parte
constitutiva do diálogo entre as classes e o romance como elemento deste discurso
ideológico:
É, Quaderna! – disse Clemente com frieza. – Nós já conhecemos a
sua admiração embasbacada por José de Alencar, pelos cantadores
que infestam nossas feiras, e por essas famílias sertanejas que vivem
se matado entre si, envolvendo o Povo em suas vinditas e
atrapalhando com isso a Revolução! Mas a Esquerda não aceita nada
disso! Não aceita os cantadores, porque eles deviam colocar a
Arte deles a serviço do Povo, desmistificando e denunciando a
217
Ibidem, p.70-72.
218
Ibidem, p. 2.
132
sociedade feudal do Sertão e a miséria que o Povo sofre! No
entanto, em vez disso, os Cantadores fazem o jogo dos senhores
feudais sertanejos, poetizando a vida do Sertão e enchendo nossas
estradas e Catingas de reis, condes e princesas, assim com
milagres, assombrações, coisas mágicas, religiosos e
obscurantistas da mais diversa natureza![...] Olhe, Quaderna, vou
comentar só um, como exemplo! Outro dia, eu li um desses horríveis
“folhetos” [...] foi uma coisa mais alienada que já vi. Começava o
Cantador dizendo que “no Reino do Pajeú”, em Pernambuco, morava
“um honesto fazendeiro”. Chamar o fazendeiro de honesto já era
ruim! Mas, além disso, o “honesto fazendeiro” era ainda, “pai de uma
Princesa, que era alva como os lírios e honesta como a pureza”! Alva
é dado como elogio! E, como já não bastasse, o desgraçado do
Cantador aceita os padrões morais da classe dominante, e elogia a
filha do opressor! Mas a coisa vai além! Sendo o tal “honesto
fazendeiro” o “Rei do lugar” (imagine!), morava ali por perto “um
Negro cangaceiro”, cujo costume era “deflorar as donzelas”. Um
dia, vendo a tal “Princesa” filha do “Rei fazendeiro”, o Negro
resolve “desfolhar a folha dela” Pois bem: com esse enredo
armado, o peste do cantador toma o partido do fazendeiro e da moça,
e volta toda sua antipatia contra o Cangaceiro negro, ao lado do qual
deveria estar, por solidariedade racial e por coerência na luta de
classes! Agora pergunto: o que é que a Esquerda pode fazer com
cantadores como esse e com Cangaceiros aliados aos poderosos,
Quaderna?(Destaques nossos)
219
A resposta para esta questão colocada por Clemente é que, antes de
parecer um alinhamento à classe dominante, o folheto parece mais uma vingança
simbólica à toda ordem de humilhação que o homem do povo é submetido pelo poder
econômico. Mesmo que o autor do folheto dê razão ao fazendeiro, a vingança
imaginária está consumada. No romance de Suassuna a resposta só será dada no
emblemático Folheto LXXIX – O emissário do cordão encarnado, como ressentimento
entre as classes com a vida incerta, correrias e perseguições:
Sabe que esse é o preço que terá de pagar para poder possuir
mulheres com as quais, antes, não poderia nem sonhar, as filhas de
gente poderosa, lindas e orgulhosas, que passeavam os olhos por ele
sem aos menos o avistarem, como se ele não existisse, e que agora o
vêem, com espanto, terror e perturbação, vestido com sua armadura
de couro e com as insígnias de prata de sua realeza, aparecendo
diante delas não mais como um ser ignorado e desprezado, mas como
o temeroso Senhor de sua honra e seu destino, o Emissário de uma
vida cruel, selvagem, errante e guerreira, fascinadora e terrificante
220
.
219
Ibidem, p. 215-216.
220
Ibidem, p.526.
133
A acusação de Clemente já foi vivida por Suassuna em debate com um
grupo de intelectuais de esquerda no Recife. Para eles, sua literatura pregava o
conformismo
221
por ter os cantadores populares, no repertório reis, princesas, e toda
representação alegórica do sistema medieval, queriam provar que o escritor russo
Dostoievski, por quem o autor tem admiração, era obscurantista e reacionário, assim
como ele.
Suassuna apresenta sua defesa da cultura popular argumentando que sua
produção constitui-se em uma poética libertária ao reinventar o mundo, processo tão
legítimo quanto o realismo encontrado na literatura de Dostoievski. Mas a diferença em
nossa visão encontra-se especificamente pela maneira que estas formas foram
produzidas, cada uma simboliza uma forma especial de produção textual, uma pertence
arcaicamente ao povo, outra pertence à cultura burguesa já dominante e a última forma
sob o socialismo, antecipa o próximo modo de produção de textual:
Sustentava, como sustento, primeiro que é exatamente a liberdade
poética de reinventar e recriar o mundo que faz o encanto e a força
dos folhetos nordestinos, tão realistas por outro lado. Quanto a
Dostoievski, eu mostrava como o romance é uma herança típica da
cultura burguesa e como, apesar disso, na obra de Dostoievski (ou na
de Gógol e de Tolstoi) pulsa o sangue do grande Povo russo, de um
modo que os falsos romances populares e operários dirigidos e
fracassados do realismo socialistas em vão tentaram alcançar.
222
O importante é percebermos que o conceito de arte defendido já não é
imitação da realidade, mas recriação, reinvenção do mundo, tão importante quanto as
221
“No Recife, certa vez, alguns jovens escreveram uma série de artigos destinados por um lado, a acusar
os Cantadores e poetas populares nordestinos por não serem suficientemente progressistas, por povoarem
seus folhetos de Reis, de Princesas filhas de fazendeiros, Condes, barões e Cavaleiros; e por outro lado, a
provar que Dostoievski era obscurantista e reacionário. A escolha era feita a dedo, para me fazer raiva,
porque eles tinham conhecimento do meu entusiasmo pelo Romanceiro popular nordestino como pela
obra de Dostoievski.” Ariano Suassuna em A arte popular no Brasil. Jornal do Commercio. Recife, 16
Jul. 1995. Caderno C. p.10.
222
SUASSUNA, Ariano. A arte popular no Brasil. Jornal do Commercio. Recife, 16 Jul. 1995. Caderno
C. p.10.
134
referências relativas ao desenvolvimento da vida social, política e intelectual, que,
segundo Marx, é condicionando pelo modo de produção.
A realidade mágica, fantástica e realista da Literatura de Cordel pertence
a um mundo que a civilização técnica não conseguiu desencantar de todos os seus
mistérios. A relação entre cultura e civilização denuncia o estágio social da comunidade,
em particular o caso do nordeste brasileiro
223
como um espaço que convive com
variados modos de produção que acabam por influenciar a reprodução da vida material,
política e intelectual e, como reflexo, determinam a forma da produção artística. Estas
formas arcaicas sobrevivem nos mais diferentes processos de criação cultural, mas não
devem ser mera reprodução da realidade, mas recriação, reinvenção abstrata da
realidade, como ilustra os produtores de cultura popular, os poetas e seus códigos
narrativos que lhe dão identidade conceitual:
Existe o Poeta de loas
224
e folhetos, e existe o cantador de repente.
Existe o Poeta de estro, cavalgação e reinaço, que é capaz de escrever
os romances de amor e putaria
225
. Existe o Poeta de sangue, que
escreve romances cangaceiros e cavalarianos.
226
Existe o Poeta de
ciência, que escreve os romances de exemplo
227
. Existe o Poeta de
pacto e de estrada, que escreve romances de esperteza e quengadas
228
.
Existe o Poeta de memória, que escreve os romances jornaleiros e
passadistas e finalmente, existe o Poeta de planeta, que escreve os
romances de visagens
229
, profecias e assombrações.
230
223
“Uma coisa é o tempo sociológico, outra coisa é tempo real, o tempo do calendário. Aqui no Brasil
estamos vivendo, de acordo com o calendário, o fim do século XX. Mas se vocês pegarem a estrada
pavimentada daqui pra Taperoá, no meio da estrada vocês ainda estão no século XX, por causa do
pavimento. Mas se pararem o carro, furarem o pneu, e entrarem 40 ou 50 metros, vão encontrar o século
XVIII ou XVII. O camponês brasileiro está vivendo como no século XVIII.” SUASSUNA, Ariano. Aula
magna. Editora da UFPB: João Pessoa, 1994. p.38. A realidade das relações sociais na produção do
século XVIII, como o trabalho escravo, ainda sobrevive na realidade brasileira do século XXI, mantido
pelos fazendeiros desonestos que conservam este resquício de modo de produção antigo, politicamente
legal até o Segundo Império dos Bragança no Brasil. Realidade que não está restrita ao Brasil, mas
presente em várias regiões do mundo.
224
Vide A pedra do reino à pagina 362.
225
Vide A pedra do reino à página 56, o Romance da filha do Imperador do Brasil. E ainda às páginas
68-71.
226
Vide A pedra do reino a página 59 com o romance a História de Carlos Magno e os doze pares de
França.
227
Vide A pedra do reino à página 63.
228
Vide A pedra do reino à página 72 com a história de João Malasarte.
229
Vide A pedra do reino às páginas 158-159.
230
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. José Olympio: Rio de Janeiro, 1976.p.183-184.
135
Todos esses gêneros do romanceiro popular nordestino compõem o
conteúdo da obra de Suassuna, A pedra do reino, que, didaticamente, coloca e decifra a
historicidade dos gêneros explicitando, para uso do leitor através do (meta)comentário,
que uma forma popular pode ser reescrita em forma erudita em sua evolução:
o romance já foi “uma forma de Poesia sem canto”. Depois, passou a
designar as “narrativas em Prosa”. Mais tarde, ainda, os romances
“aparecem sob forma de sátiras, de alegorias, de fabulários que se
acompanhavam de cantos joviais e obscenos”. Modernamente, diz ela
é “importante o romance inspirado pelos novos métodos de instrução
criminal, o enredo para a pista do assassinato “se faz sempre pelo
grande Decifrador” e a história termina sempre com “a Virtude
recompensada e o Crime punido”.
231
(Destaques do autor)
A operação de historicizar o romance como forma teria a função
ideológica de encobrir o alinhamento do romance com a causa perrepista. Contudo, por
uma imposição da própria obra que toma os gêneros como necessidade do próprio
conteúdo na écriture dos acontecimentos de 30, em todas as possibilidades que o gênero
romance historicamente oferece:
– com a história da morte do meu Padrinho, eu poderei fazer um
“romance de instrução criminal” pra homem nenhum botar defeito! A
história tem todas as qualidades. Primeiro, é terrivelmente cruel. Ora,
O Doutor Amorim diz que “a Tragédia e a Epopéia podem tirar seus
heróis do seio dos grandes criminosos para, ao lado das suas
atrocidades, fazer brilhar comoventes virtudes”.
232
A relação entre os gêneros eruditos e populares correspondem à
correlação de classe, enquanto a tragédia e epopéia servem ao padrinho-João Dantas, os
gêneros da cultura popular servem à interpretação dos movimentos políticos do povo,
como função de fixar o espaço e as imagens que reforçam a memória de sua
descendência:
na pedra do reino, a parte das degolações e da batalha era um
romance cangaceiro e cavalariano. Mas a primeira, começo de tudo,
fora uma “quengada” de meu tio-avô, o primeiro Rei, João Antonio,
231
Ibidem, p.181.
232
Ibidem, p.181.
136
que armara um laço tão genial quanto os de João Malasarte, tendo
como material, somente duas pedrinha um folheto com a profecia
sobre El-Rei Dom Sebastião, e erguendo, sobre alicerces tão pobres,
todas aquelas grandezas e monarquias.
233
Prosseguindo com os gêneros, o narrador relaciona o passado histórico à
história mais recente e relaciona-os com os acontecimentos d’A pedra do reino,
relatados pela forma da cultura oficial de Antonio Áttico de Souza, a experiência social
de Canudos, por Euclides da Cunha, incorporando-os á sua própria genealogia:
descobri que todos os Reis cujas vidas são narradas na História
da Civilização tinham historiadores que escreviam sobre as
vidas deles, umas espécies de Epopéias chamadas “Crônicas” e
onde vinha a relação de tudo quanto era crime e safadeza que
eles tinham praticado. Foi assim que fiquei de novo
orgulhosíssimo, vendo que os Reis sertanejos, antepassados
meus e de Sinésio, tinham tido Cronistas nas pessoas de seis
geniais escritores brasileiros - Varnhagen, Pereira da Costa,
Sebastião de Vasconcelos Galvão, Antônio Áttico de Souza
Leite, Euclydes da Cunha e o Comendador Francisco Benício
das Chagas!
234
O mesmo procedimento se constata na história da civilização ou nas
tragédias e dramas históricos de William Shakespeare.
E como o romance de Suassuna está sempre se refazendo e o debate
acerca dos gêneros no romance A pedra do reino vai se construindo como objeto da
narrativa romanesca, é através dos debates interpretativos entre seus preceptores que
outros romances vão sendo trazidos à obra de Suassuna, constituindo a fortuna
histórico-crítica do romance. O primeiro desse preceptoress é Clemente Hará de
Ravasco Anvérsio, negro, filósofo, bacharel em direito, historiador e comunista, de
esquerda, que indica a Quaderna a leitura do romance Os Cangaceiros (1914) de Carlos
Dias Fernandes:
233
Ibidem, p.75.
234
Ibidem, p. 376.
137
onde se traçam análises sociológicas magistrais sobre o fenômeno
social do Cangaço, visto ali, como “injustiça do capital”. É toda uma
humanidade sertaneja que desfila por ali: poderosos, humilhados,
grandes, pequenos fazendeiros, Vaqueiros, soldados de polícia,
Cangaceiros, almocreve...
235
Ele é logo interrompido pelo segundo preceptor, Samuel Wandernes,
branco, bacharel em direito, pesquisador heráldico e integralista, de direita, reverso na
concepção ideológica, na visão e concepção de mundo de Clemente, que indica outra
romance do mesmo autor, porém é logo rechaçado:
– Se os Cangaceiros é literatura de beira-de-estrada, A Renegada é
literatura de alcova e safadeza da Zona da Mata, Samuel! Em A
Renegada, a única coisa que me interessa é que se mostra, ali, o
homossexualismo e certas formas de amor pervertido entre Emília
Campos e seu marido, o velho e impotente Desembargador Palma!
Isso me interessa por dois motivos. Primeiro, mostra as chagas
causadas pelo ócio dos ricos e pelo mofo das alcovas
burguesas!Depois porque os desviados sexuais são no fundo,
revoltados contra a sociedade! (...) É verdade que um tanto
inconseqüente, como também é inconseqüente a revolta do
Cangaceiro! Mas, de qualquer maneira, tanto o Cangaceiro como o
homossexual são, no fundo, dois agentes da Revolução!
236
As referências à bestialidade, satiríase, frigidez, homossexualidade
masculina, lesbianismo e incesto, na obra de Suassuana, colocam-na como precursora
na representação da moderna psicopatologia no romance, a exemplo das interpretações
de alcovas nos romances de Alencar, Lucíola, ondepersonagens possuía dupla
personalidade, “a de anjo casto e a jumenta no cio”
237
, e O Sertanejo, com o amor
indefinido de Arnaldo Louredo por Dona Flor. Além das próprias personagens de A
pedra do reino.
O sátiro Quaderna, que teve sua iniciação sexual com as cabras da Tia,
não poderia deixar passar em branco esta oportunidade de galhofa:
235
Ibidem, p.148.
236
Ibidem, p. 149.
237
Ibidem, p.412.
138
– Tá, Clemente, com essa eu não contava! – disse eu, espantado –
Nunca pensei que dar o rabo fosse uma forma de guerrilha! Mas se
você fosse fazer um romance, era assim que faria? Era seguindo Os
Cangaceiros, de Carlos Dias Fernandes, e mostrando a revolta desses
guerrilheiros, juntamente com uma porção de homossexuais
revoltados no fundo?
238
A pergunta de Quaderna esconde um segredo, ele deseja descobrir como
os dois outros membros da Academia de Letras dos Emparedados do Sertão da Paraíba
pretendem fazer a obra para conseguir o titulo de gênio da raça brasileira que todos eles
escondem como desejo. O primeiro a exemplificar como seria esta obra é Clemente em
contestação à idéia de Samuel de que a obra que iria revelar o gênio brasileiro deveria
ter como conteúdo a conquista do Brasil pelos ibéricos e o progresso da cultura
mediterrânea e a fé católica. A mesma que Clemente denuncia como decadente, de
promover a propriedade privada e de pregar a superioridade da raça branca européia.
Este romance, na concepção de Clemente, caso este “gênero frívolo” lhe interessasse,
seria:
um romance social e filosófico-revolucionário, centralizando a ação
em torno daquele que, para mim, foi o grande herói do Brasil, Zumbi,
O Rei Negro da Republica Popular dos Palmares! O estabelecimento
dessa República na pedregosa “Serra da Barriga” e seu assédio pelos
Brancos, é um feito tão importante quanto “A Retida dos dez mil” ou
como a “Guerra de Tróia”! Aliás, foi assim que o episódio ficou
conhecido na História do Brasil, como a “A Tróia Negra dos
Palmares”
239
Sob o título A Trágica desaventura do Rei Zumbi dos Palmares, o
romance
240
é narrado, empolgando Quardena de tal maneira que ele faz um romance
versado e rimado. Samuel, que se mantém em acirrada concorrência com Clemente,
anuncia sua idéia sobre o romance que escreveria, uma:
epopéia da conquista do Brasil, com os heróicos fidalgos brasileiros a
perseguirem o sonho do El-Dourado místico!É como uma heróica
238
Ibidem, p.149.
239
Ibidem, p.150.
240
Vide Folheto XXXII, do romance A pedra do reino, página 151.
139
novela de cavalaria, em que a Cavalaeiro do Brasil, buscasse nesta
Nova-Tule da nossa Pátria, o Santo Cálice da Esmeralda, a Esfera
Armilar de Ouro, o Santo Graal da nossa Raça!
241
A discussão sobre gênero permeia todo o romance d’A pedra do reino
na perspectiva narrativa de feitura do próprio romance, falando para o leitor de que
“havia dois tipos de romance: o “versado e o rimado” ou em poesia: o “desversado e
desrimado” ou em prosa”.
242
Para mais adiante conciliar o popular e o erudito, unindo
em um só romance as duas formas apresentadas:
É por isso que eu não me abalara, ainda há pouco, quando os dois
discutiam se a “Obra da Raça” deveria ser em prosa ou em verso: o
romance conciliava tudo! Para tornar a coisa ainda mais segura,
resolvi estremear, na minha narrativa em prosa, versos meus e de
poetas brasileiros consagrados: assim, além de condensar, no meu
livro, toda a Literatura brasileira, faria meu Castelo sertanejo a única
obra ao mesmo tempo em prosa e em verso, uma obra completa
modelar e de primeira classe![...] mas agora era a palavra autorizada
de Carlos Dias Fernandes que garantia ser o romance a verdadeira
Epopéia atual!(Destaques nossos)
243
Esta relação se mantém com a elucidação do “centro de enigma e
sangue” do enigmático assassinato de Dom Sebastião Garcia-Barreto, degolado em
circunstância misteriosa, foco narrativo de Quaderna. E como sempre vale a pena
lembrar, o assassinado aí referido, como já sabemos, trata-se de João Duarte Dantas, o
magnicida. É através deste episódio que o romance será construído:
Depois, meu Padrinho foi degolado dentro dum quarto sem Janelas,
cuja porta ele mesmo trancara por dentro. Assim, a morte dele tem
todas as características do “grande Crime indecifrável” que a genial
Albertina Bertha considera indispensável aos grandes “romances de
instrução criminal.”
244
241
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. José Olympio: Rio de Janeiro, 1976.p.163-164.
242
Ibidem, p.56.
243
Ibidem, p.147.
244
Ibidem, p.181.
140
A proposição do conteúdo narrativo de Quaderna sofre contestações
preconceituosas de classe tanto do representante da esquerda quanto do representante da
direita integralista:
– Uma Epopéia! Era o que faltava! – zombou Samuel. – Vá ver que
Quaderna anda pelos cantos é conspirando, para fazer uma! Sobre o
quê, meu Deus? Será sobre essas bárbaras lutas sertanejas que andou
metido? Não se meta nisso não, Quaderna! Não existe coisa de gosto
pior do que aquelas estiradas homéricas, cheias de heróis cabeludos e
cabreiros fedorentos, trocando golpes em cima de golpes, montados
em cavalos empastados de supor e poeira, a ponto de a gente sentir,
na leitura, a catiga insuportável de tudo!
245
As personagens da epopéia de Quaderna reúnem os destroços da
realidade feia do mundo, e da injustiça social que resultou nessa “turba de gentalha
mameluca, faminta, rebelada, cruel, áspera e ensangüentada, impura mas não sem
grandeza, que é o meu Povo de vaqueiros, Cantadores, beatos e Cangaceiros
246
.” São os
heróis empoeirados das estradas sertanejas que chegam à mais alta literatura. A
concepção de romance por Samuel realça aquela irônica situação do único gênero que
ao ser narrado denuncia como está sendo feito, liberando intencionalmente o processo
narrativo como tema de seu conteúdo. Realidade que pode ser observada pelo sarcástico
comentário de Clemente, representante da esquerda, em profundo tom realista: “– E
como charadista Quaderna nunca perdeu a esperança de ver o Sertão novamente posto
em guerra por sua família, será essa “guerra” que trará “a obra” entre seus destroços!
247
A guerra sertaneja a que se refere Clemente, e que trará a obra genial
quadernesca, é composta pela variação histórica da Serra do Rodeador, em Pernambuco
245
Ibidem, p.146.
246
SUASSUNA, Ariano. História d’o rei degolado nas caatingas do Sertão: ao sol da Onça Caetana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 67.
247
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. José Olympio: Rio de Janeiro, 1976. p. 181.
141
(1819), e outros três episódios históricos acontecidos na Paraíba nos anos de 1912, 1926
e 1930. O primeiro episódio é a guerra de 1912, no período da chamada política de
salvação do norte contra as oligarquias, “quando os Garcia-Barretos e outros chefes
sertanejos importantes do antigo do tempo do Império, organizaram uma tropa de 1.200
homens armados e tomaram seis cidades, aqui no Sertão da Paraíba.”
248
Episódio
semelhante às incursões bárbaras com arruaceiros tomando as cidades e pondo as
autoridades em fuga:
Está ainda em nossa memória a lembrança das cenas de saque, de
sangue, de violência contra a vida e a propriedade, de assalto à honra
e ao pudor, cenas levadas a cabo aqui, em nossa Vila, pela Coluna
dos revoltosos daquele ano, [...]assaltando e tomando Monteiro, São
Tomé, Taperoá, Patos, Soledade e Santa Luzia do Sabugi.
Assaltaram, ainda, a sétima, a Vila Real de São João do Cariri,
preparando, assim, a tomada de Campina Grande, quando o Exército
interveio e os revolucionários de 1912 foram desbaratados.
Lembrem-se de que essas coisas não são episódios isolados, pois, na
“Guerra de Doze”, fazia sua estréia nas lutas e inssurreições
sertanejas, o filho de um dos Chefes, João Duarte Dantas, aquele
mesmo que depois, em 1930, mataria o Presidente João Pessoa,
cometendo o magnicídio que deflagrou a Revolução de1930!
249
A família Dantas, uma das famílias épicas que conquistaram o sertão
paraibano, conforme Crônica dos Garcia-Barretos, e ainda metida em combates
guerreiros. O segundo episódio trata do confronto da Coluna Prestes na cidade de
Piancó, sertão da Paraíba, e a morte do organizador da resistência, Padre Aristides, em
1926. Sendo o sujeito que dá nome à Coluna o herói saído do povo:
em 1926, passou pelo Sertão da nossa pequenina e gloriosa Paraíba,
ensangüentando o solo sagrado da nossa terra com o sangue dos
mártires, dos Sacerdotes, das pessoas ordeiras e pacatas. Que o diga o
sangue do Padre Aristides Ferreira Leite, degolado em Piancó pela
“Coluna Prestes”, juntamente com outros heróicos defensores da
honra sertaneja. Mas, naquele ano de 1926, o nefando Luís Carlos
Prestes agitava o Brasil não ainda em nome do Comunismo, mas sim
movido por um ideal de certa forma elogiável, aquele mesmo ideal
que veio se corporificar e legitimar, depois, na gloriosa e vitoriosa
Revolução de1930
250
.
248
Ibidem, p. 271.
249
Ibidem, p.433.
250
Ibidem, p.429.
142
E por último, 1930 com a Guerra de Princesa e a Revolução de 30. As
observações de Samuel e Clemente tornam-se realidade na manifestação do desejo de
Quaderna ao confessar que ele busca unir os movimentos da pedra do reino à guerra
civil paraibana:
–Ah, quer dizer que o senhor reconhece, formalmente, que a
insurreição de Princesa seria, para o senhor, um novo episódio dA
pedra do reino! E provavelmente, quando Sinésio apareceu por aqui,
montado em seu cavalo branco, era tudo isso o que o senhor tinha em
mente, procurando unir os Sertanejos para nova sedição contra as
autoridades...
– Sr. Corregedor, o que eu queria mesmo, confesso, era ser
Imperador do Sertão e do Brasil, para me tornar Gênio da Raça
Brasileira. Agora, que para isso eu queria unir o movimento dA pedra
do reino com a Revolução de Princesa e a Demanda Novelosa que
empreendemos com Sinésio, isso eu queria!
251
Esta escolha tem uma razão, o autor quer documentar os acontecimentos
que ficaram à margem da história com seus heróis populares tratados como bandidos,
como Zumbi, Antonio Conselheiro, Luis Carlos Prestes, todos perseguidos pelo poder
estabelecido, incluindo nesta situação o coronel José Pereira, o rei guerrilheiro. Isso por
terem partido em defesa dos interesses do povo, na visão do narrador, como a Coluna
Prestes, a Aliança Nacional Libertadora. Ao tratar de sua epopéia e suas personagens
Ariano Suassuna esclarece:
Essa Obra é fundamentalmente e antes de tudo uma epopéia [...] Uma
epopéia que não se limitasse a examinar somente os Heróis saídos
das famílias poderosas mas que estendesse o conceito de Herói e das
famílias trágicas e épicas às famílias ilustres pertencentes à
aristocracia do povo; e também uma Epopéia e Novela de Cavalaria
que, examinando a sociedade a todos os níveis, partisse das casas-
fortes da “Aristocracia do couro”, do sertão, para chegar até as
mulheres, os almocreves e os tangerinos de gado das empoeiradas
estradas sertanejas, isto é, que unisse aos outros, já referidos, o
espírito realista, crítico e satírico das novelas picarescas
252
.
251
Ibidem, p.378.
252
SUASSUNA, Ariano. Nota ao leitor. In: História d’o rei degolado nas caatingas do Sertão: ao sol da
Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p.129.
143
É por possuir o espírito realista que Suassuna põe os conflitos sociais em
combates épicos, a exemplo da Guerra de Princesa, foco principal de sua narrativa, que
desce aos detalhes em seus desdobramentos políticos, insinuando que a morte do
padrinho e o desaparecimento do filho dele estão atrelados à perseguição política:
Dom Pedro Sebastião, aliado aos Dantas, da Serra do Teixeira, e ao
Coronel José Pereira, Senhor da Vila da Princesa Isabel – centro
principal da “Guerra de Princesa” – era uma das principais colunas
sertanejas da rebelião contra o presidente João Pessoa! Começaram,
então imediatamente, a correr boatos que atribuíam a morte do velho
Rei e a desaparição de seu filho, Dom Sinésio, o Alumioso, a motivos
políticos.
253
O desaparecimento de Sinésio, o Alumioso, pode ser uma referência ao
messianismo sebastianista, assim como ao exílio do Coronel José Pereira Lima pelo
sertão nordestino, escondendo-se em cavernas e grutas da região, disfarçado de
vendedor de redes para não chamar muito a atenção das polícias, mas sempre
levantando suspeitas; dizia-se a seu respeito que se ele não fosse José Pereira era com
certeza a alma dele. José Pereira ora aparecia instruindo os sertanejos baianos sobre
como emboscar Lampião, caso este fosse atacar a cidade na qual eventualmente estava
de passagem, ora, confundido com Luis Carlos Prestes, ora tido como preso. Depois
dado como morto. E finalmente, em 1936, voltou a Princesa, anistiado.
José Pereira, na opinião de Dorgival Terceiro Neto, foi “capaz de tudo
por sua terra e seu povo, com imenso sacrifício de seus haveres, perdendo quase tudo
para não permitir que seu torrão natal não fosse violado.”
254
Bem parecido com a
personagem Sinésio, o Alumioso, sujeito da utopia e da justiça que irá “fazer a desgraça
dos ricos e a felicidade dos pobres aqui do Sertão!”
255
Como se transformasse o Sertão,
253
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976. p.295/6
254
TERCEIRO NETO, Dorgival. Gente de ontem histórias de sempre. João Pessoa: Itacoatiara, 1991.
p.104. Também publicado pelo jornal O Norte em 08 de agosto de 1990.
255
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 487.
144
terra de escassez, em abundância, numa terra maravilhosa, à imagem de um certo país
chamado São Saruê, mostra-nos uma das faces do sertão, o Paraíso. Desta maneira, a
prisão de José Pereira representava mais que um prêmio para os revolucionários já
instalados no poder, mas que não conseguiram derrotá-lo quando ele estava entronado
no reino de Princesa:
o Presidente João Pessoa, primeiro, e depois de seu assassinato, os
seus seguidores mais fanáticos - como o Interventor Antenor
Navarro, por exemplo – sabiam que o Prinspo Alumioso era uma
vítima e refém precioso perante os Sertanejos rebelados da gloriosa
“Guerra de Princesa”. Por isso, queriam conservá-lo prisioneiro,
como elemento de intimidação e triunfo para a derrota dos partidários
dele!
256
O registro da história do Brasil pelos romances de Clemente e Samuel é a
visão do Brasil real e do Brasil oficial, respectivamente, que se prolonga por todo o
romance A pedra do reino, que na perspectiva de Suassuna representa a visão de mundo
que a esquerda e a direita têm do Brasil datado no ano de 1938, tempo
257
indicado no
romance. No plano da obra, Quaderna identifica essa postura como um princípio.
Clemente sendo de esquerda, sua obra só teria citações da esquerda. Samuel, sendo de
direita, só traria também citações da direita, seriam ambas obras incompletas, pois
estaria faltando o conflito das visões de mundo da esquerda e da direita. A obra de
Quaderna seria completa, porque teria textos tanto da esquerda quanto da direita
brasileiras.
256
Ibidem, p. 297.
257
O tempo é uma mera formalidade humana, “A Pedra saiu em 1971 e a ação se passa em 1938; pois
bem: a certa altura no livro, um jovem padre, ligado ao arcebispo, é assassinado. Este era um drama
vivido pelos jovens padres ligados a Dom Hélder Câmara, não tinha nada a ver com a década de 30.
Então, aquilo não é um romance rural, a Taperoá que aparece ali não é só Taperoá, é Recife, qualquer
cidade do mundo” Ariano Suassuna em entrevista aos Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto
Moreira Sales. Número 10, novembro de 2000.p.35. O episódio referido por Suassuna pode ser conferido
n’A pedra do reino, página 259.
145
Por isso, como sua visão de mundo não é caolha, isto é, possuindo a
visão das classes em conflito, a narrativa quadernesca é o “único gênero que permitia
unir, num livro só, um enredo, ou urdidura fantástica do espírito”, uma “narração
baseada no aventuroso e no quimérico” e um poema em verso, de assunto heróico. ”
258
Sendo um gênero único, logo um gênero novo, transcende todos os outros, na opinião
de Rachel de Queiroz, que, em prefácio d’A pedra do reino, disse que só a força do
hábito em rotular “faz a gente insistir na tentativa de situar o livro dentro de um gênero
– pois que então fique como romance.”
259
E, por força da rotulagem, essa necessidade
de conceituar as coisas, o tal gênero novo é um “Romance heróico-brasileiro, ibero-
aventuresco, criminológco-dialético e tapuio-enigmático de galhofa e safadeza, de amor
legendário e de cavalaria épico-sertaneja.”
260
Um romance popular-erudito, satírico,
cavalariano e picaresco. Mas para produzir este romance como um gênero novo,
Quaderna busca na esfera intelectual a técnica já tentada por Paulo Honório
261
, a divisão
do trabalho, e, assim, resolver seus problemas relativos ao processo da escrita:
Mas por que o senhor diz que escreverá essa obra graças a mim?
[...]
– Assim que recebi a intimação de Vossa Excelência e soube que
Margarida ia servir de secretária aqui, vi que minha grande
oportunidade era essa! Como o inquérito é sobre a história de Dom
Pedro Sebastião, o nosso Rei degolado do Cariri, eu darei meu
depoimento em pé, andando pra lá pra cá na sala como estou fazendo
agora sem incomodar o cotoco. Tirando, depois, certidão por certidão
de cada depoimento, obterei, escrito, por Margarida, no fim, o
material bruto da Epopéia. Daí em diante, o resto é fácil, e eu passarei
a perna nos meus dois mestres e rivais, escrevendo a obra de gênio,
decisiva para o Brasil, que eles não puderam nem poderão fazer.
262
258
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 147.
259
QUEIROZ, Rachel de. Um romance picaresco? In: SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino e o
príncipe do sangue do vai- e-volta. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p.XI.
260
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 342.
261
Paulo Honório, narrador do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos.
262
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976, p. 277.
146
Um pergunta, outro responde e Margarida escreve as falas; o diálogo. E
mais uma vez temos a oralidade como fonte tradicional do romance e esta se tornou
uma forma de expressar sua visão de mundo, como se buscasse nesta forma uma
oposição à cultura oficial. Ao ser decodificada para a escrita, a oralidade do romanceiro
popular é assimilada pela cultura erudita, contudo a tradição oral sobrevive na tradição
escrita e se abre em múltiplas possibilidades de intertextualidades. Relações que se
entrecruzam na repetição da cultura popular, cultura erudita; cultura oficial, cujo
resultado é um gênero novo que renasce do arcaico ao rememorar o passado político
cultural. A origem é renovada e objetivamente transformada no romanceiro popular-
erudito d’ A pedra do reino, que deu como ”resultado romances” interessantes, com
heroísmos, safadezas, batalhas, castelos amorosos e perigosos, amores legendários,
gargalhadas, putarias e outras coisas divertidas e boas de ler. ”
263
Mas toda essa
diversidade esconde objetivos políticos. Um deles é o cumprimento da promessa do
narrador em não morrer degolado como o bisavô e o padrinho, permanecendo vivo para
contar sua história e a do rapaz do cavalo branco. Outro é a função de juiz que o
narrador pede aos leitores que exerçam, mas somente aqueles:
que não tomaram diretamente parte na Tragédia-epopéica de 1930 –
como Margarida, o senhor e os nobres Senhores e belas Damas, que,
um dia, lerem minha Epopéia – estes sim, terão autoridade e força
moral para serem os nossos Juízes.
264
O Suassuna biográfico tenta envolver o leitor. É a presença do autor
implícito que, particularmente, pede algo estranho ao leitor, o julgamento do processo
histórico. Isto serve para demarcar o processo ideológico que o romance Quaderna, o
decifrador é portador: a Paraíba de 1930 e seu contexto político, a eleição presidencial
263
Ibidem, p.137.
264
SUASSUNA, Ariano. História d’o rei degolado nas caatingas do Sertão: ao sol da Onça Caetana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 84.
147
com João Pessoa candidato a vice-presidente, a dissidência político-sertaneja, a guerra
de Princesa e assassinatos políticos. Tudo isso é característica de uma cultura particular
de difícil esquecimento, como observou o jornalista João Lelis ao tentar justificar a
cultura de ressentimento como subproduto de que este processo político é fiador:
Os lutadores, no sul, passada a refrega, passa o amúo, o ódio, a
inimizade. Aqui no norte, não. A cousa fica remoendo, até que lá um
dia por um pretexto de somenos, uma palavra até, a cousa estoura, de
parte a parte, muitas vezes sob outros aspectos, mas sempre por causa
das mesmas origens.
265
E tudo volta a se repetir, a discussão sobre o nome da cidade, a bandeira,
os erros históricos na interpretação inconveniente que põe sob suspeita a verdade dos
homens, como se eles se envergonhassem das atitudes humanas na luta pelo poder
político. E tudo se repete seguindo o roteiro do inconsciente político que une os
acontecimentos históricos paraibanos à história brasileira, às narrativas ficcionais que
assumem o desejo de verdade, contradição que se prolonga nesta história.
3.2 – A tematização do bem e do mal
A exploração da temática do ideologema do bem e do mal, caracterizado
pela simbolização do conflito entre o campo e a cidade, demarca a consolidação do
modo de produção capitalista e suas relações sociais. A Revolução de 1930 como
mensagem sócio-simbólica que caracteriza a passagem da sociedade brasileira agrária
para urbano industrial. Realidade que está sedimentada no pensamento de Suassuna:
Anos depois, eu pegava os jornais e lia que a Revolução de 30 tinha
sido uma luta do Brasil arcaico, rural, representado pelo meu pai,
contra o Brasil moderno, urbano, representado pelo João Pessoa. Ou
Seja: o lado mau, o lado ruim, contra o lado bom – e meu pai, dentro
desta idéia, era o mal. Para mim, então a invasão de Princesa pela
polícia paraibana se transformou na invasão de Canudos pelos
republicanos. Aí pensei: preciso reagir, tomar a posição contrária; o
urbano é que é ruim, e não o rural. Eu não tinha visão suficiente para
265
LELIS, João, A campanha de Princesa. João Pessoa: A União, 1940. p.6.
148
notar que havia uma diferença que não permitia comparar a guerra de
Princesa com a guerra de Canudos. Em Canudos, o Brasil urbano e
privilegiado se lançou contra o arraial popular; no caso de Princesa,
eram privilegiados da cidade contra privilegiados do campo. Quando
percebi isso, entrei em crise.
266
A organização do conflito rural-urbano no sistema literário de Suassuna
apreende os grupos conflitantes, simbolizados pelo confronto entre as classes,
representados por dois partidos: o “Partido fidalgo-popular, sertanejo e verde-azul dos
Dantas de um lado, e o Partido negro-vermelho, republicano, positivista e burguês dos
Pessoa do outro.
267
As cores dos partidos remetem ao processo histórico. As cores negro-
vermelha dos Pessoa relacionam-se diretamente ao movimento da Aliança Liberal,
registradas na bandeira do Estado da Paraíba, já as cores verde-azul dos Dantas
registram o verde da bandeira anterior e o azul da cavalhada, do cordão cristão em luta
contra o vermelho dos mouros. Quanto aos filiados aos partidos, percebe-se a oposição
das classes. Pelo lado dos Pessoa, os comerciantes burgueses e as classes médias
formadas por funcionários públicos; o partido dos Dantas, “verde-azul, é formado pelos
Senhores - de- terra, unidos ao Povo que trabalha no campo.”
268
Como gênero mágico, a tematização critica o estilo de vida burguesa em
suas maldades em explorar e maltratar o povo, o que é maléfico, sobrenatural e satânico,
transformando-se em conflito plurissecular entre Deus e o Diabo:
O fato é que Deus e o Demônio estão em toda parte – mas assumem
faces diferentes de acordo com os lugares em que são invocados. Na
cidade, exceto entre os pobres, Deus é um sopro tênue, abstrato e
sentimental, que não convence mais ninguém, no qual ninguém mais
acredita; e o Diabo é apenas um burguês gordo, corrompido e
266
Ariano Suassuna em entrevista aos Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Sales.
Número 10, novembro de 2000.p.40.
267
SUASSUNA. Ariano. História d’o rei degolado nas Caatingas do Sertão: romance armorial e novela
romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p.15.
268
Ibidem, p.16.
149
corruptor, que bebe nos fins de semana para esquecer as maldades
que cometeu nos outros dias.
269
O sistema de injustiças sociais é aperfeiçoado cotidianamente pela
burguesia corrupta que habita as cidades como demônios em manifestação de sua
consciência que as transforma em inferno. O princípio da cidade é ser mau:
Já o demônio das cidades é o pai dos burgueses ricos e dos
funcionários públicos de caráter mesquinho, vendidos, subornados e
corrompidos, de má-consciência, degradado no mofo das repartições,
no inferno
promíscuo e equívoco, na vida noturna e dissipada
dos salões e das ruas.
270
Reverter a condição desfavorável de exploração e dominação requer
práticas astuciosas do povo, como, por exemplo, as trapaças e espertezas de Pedro
Malasarte, João Grilo e outros tipos populares. Exemplos que a cultura popular registra
como resistência à produção e reprodução da vida social. O exemplo de uma
experiência concreta, na apropriação do dinheiro excedente do burguês, é justificado por
Quaderna, nos seguintes termos:
Dom Antonio Moraes era do lado do Diabo! Apesar disso,
tranqüilizei Teodoro. Disse que ele podia, sem remorso, aceitar a
encomenda de Gustavo Moraes, pois era até bom, para nós que algum
dinheiro pertencente ao lado do Mal e do Diabo, passasse para uma
pessoa que, como ele estava do lado do Bem e de Deus.
271
Teodoro está do lado do bem e de Deus por defender o lado de Quaderna
e Sinésio contra o lado do mal, o lado de Arésio e do próprio Antonio Moraes, na
disputa pelo espólio do velho rei, Dom Pedro Sebastião, que é objeto de desejo de quase
todos os envolvidos, além da tentativa de descobrir o suposto tesouro enterrado, que
compõe parte da herança deixada pelo pai de Sinésio e Arésio, Dom Pedro Sebastião
Garcia-Barreto.
269
Ibidem, p.66.
270
Ibidem,
p.67.
271
Ibidem,
p.383.
150
Se existe o Diabo da cidade, existe também o Diabo do Sertão que é a
Besta-Fera, o demônio, a Besta Bruzacã, muito parecido com as causas climáticas que
acicatam o povo sertanejo. Mas o Diabo do sertão, diferente dos Diabos das cidades,
pertence a Deus, mesmo que a aparência espacial desse sertão não corresponda à
imagem idealizada do Paraíso. Só as subjetividades do criador e da criatura justificam,
como uma variação do antagonismo social que determina a realidade:
Pois bem: o sertão-desértico é do Deus terrível, as cidades são do
Diabo gordo. As pessoas que vendo a nossa terra seca, áspera, pobre
e pedregosa, cingida por muralhas brutais de granito, duvidam, por
isso, que o sertão seja de Deus, não sabem nada acerca de Deus, que
é muito maior e mais estranho do que se pensa. Deus é parecido com
o Sertão, e é por isso que a Saga que ele escreveu – uma História dos
homens – é tão sangrenta, risadeira, áspera, desumana e
desembandeirada
.
272
A história que Deus escreveu para a humanidade é uma epopéia com
muita ação, guerras, combates épicos, diásporas; retiradas homéricas, roteiro que o
homem vem seguindo nos detalhes, aliás, como reconheceu o inquisidor Joaquim
Cabeça-de-Porco:
a própria História não passa de uma narrativa sombria, enigmática e
sangrenta, para usar as palavras que o senhor usou em relação à morte
do velho Rei e a vida de seu sobrinho Sinésio, o rapaz do cavalo
branco! Passe uma vista pela História do Brasil: são massacres,
infortúnios, incestos, morticínios, guerras, calamidades e desgraças de
todo tipo!
273
Criador e criatura desenvolveram semelhante concepção de história, a
diferença é que um escreve e o outro é a linha torta desta escrita, como o povo na
relação de poder entre os partidos dos senhores-de-terra e da burguesia urbana, a que
também pode ser visto pela antinomia esquerda-direita. Mas o “Deus terrível” e
sertanejo não acolhe a passividade diante da vida, nem tampouco é indiferente ou
272
Ibidem,
p.66
273
Ibidem, p. 620.
151
piedoso. O sertanejo, forte como a natureza que o cerca, rebela-se contra a opressão
pelo roteiro de Deus e põe-se em revoltas, levantes e guerras:
Epopéia exige ações guerreiras, como, por exemplo, cercos, retiradas
épicas e combates sangrentos. Ora, as pessoas da História brasileira e
sertaneja que fazem essas coisas, segundo Clemente, são sempre da
Esquerda e do povo!
A Direita das cidades, a “Burguesia
urbana” (para usar a expressão do genial Epanimodas Câmara), o
que quer é viver tranqüilamente, roubando, na vida pacata e ordeira
de quem já está bem instalado e só deseja mesmo é a ordem pra poder
furtar mais á vontade
274
. Já a Esquerda, o povo, principalmente no
Sertão, tem sido desordeiro como o Diabo! É verdade que Clemente
não aceita essa parte que eu vou dizer agora, mas para mim, como
Epopeieta o que mais me entusiasma é que o Povo sertanejo, em
suas desordens, tem se aliado sempre com os fidalgos fazendeiros
contra a Burguesia.
275
(Destaques nossos)
O confronto ideológico entre o campo e a cidade simboliza o declínio do
poderio econômico das oligarquias sertanejas, e como conseqüência a transferência do
poder político para as mãos dos “burgueses capitalistas e republicanos”
276
, planejadores
e organizadores da cidade, “baseada, no progresso, no trabalho e na máquina
277
. Mas o
Deus-sertanejo não abandonou seu povo, e em seus devaneios visionários,Quaderna vê
o Deus vingativo expulsando os capitalistas do sertão:
Cantemos ao Deus de Fogo do Sertão, porque ele manifestou
gloriosamente seu poder, precipitando no Mar as máquinas e as
empresas, os engenhos infernais dos Estrangeiros e traidores,
castigando a força e o opróbrio dos Poderosos que nos oprimiam e
274
Sobre o roubo ordeiro e calvinista dos burgueses, Ariano Suassuna na Licença ou moralidade da
Farsa, em A farsa e a preguiça brasileira, comenta: “Todos sabem que os brasileiros ingênuos que vão à
Suíça, à Inglaterra, à Suécia, à Alemanha ou aos Estados Unidos voltam candidamente convencidos de
que aquelas aparências puritanas de lá significam, mesmo honestidade, e não hipocrisia. Não têm olho-de-
gavião para enxergar a grande roubalheira organizada, em que, por exemplo, a grande indústria faz, de
propósito, peças frágeis que, no interior de fortes máquinas, quebram-se continuamente e continuamente
têm que ser substituídas. Os nossos pequenos furtos latinos e mestiços não são nada, comparados com
essa vasta ladroagem, que não fomos propriamente nós, Povos morenos do mundo, que planejamos e
organizamos. Porque essa, sim, é a grande ladroeira, a que dá, verdadeiramente, lucros fabulosos. Os que
a praticam, bem podem se dar ao luxo de, na Suíça, levar à Delegacia da esquina os pacotes que
esquecemos, de, nos Estados Unidos, cantar salmos aos domingos, na Igreja, de organizar um Correio
perfeito com o inglês etc.” In: SUASSUNA, Ariano. Farsa da boa preguiça. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1979. xiii. Hoje a burguesia já não quebra somente peças, quebra países em seu aperfeiçoado
sistema financeiro.
275
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.282.
276
SUASSUNA. Ariano. História d’o rei degolado nas caatingas do sertão: romance armorial e novela
romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.p.62.
277
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.p.196.
152
exaltando o Sertão, com sua coragem, suas pedras, seus espinhos,
seus cavalos e seus Cavaleiros!
278
O sertão na obra de Suassuna aparece como espaço de contenção do
capitalismo, com a Guerra de Princesa, logo transformada em “passo inicial, paraibano
e sertanejo da Revolução de 30 – Revolução que iria imprimir ao Brasil os rumos em
que ainda hoje ele se encontra.”
279
O ambiente político que se encontrava o país era tenso. Os paulistas em
1932 iniciando sua guerra constitucionalista. A Revolução Comunista de 1935, por
iniciativa da Aliança Nacional Libertadora, comandada por Luís Carlos Prestes,
fracassara, com os comunistas sendo presos ou exilados. E a 10 de novembro de 1937, o
presidente Vargas dera um golpe de Estado, suspendendo as garantias constitucionais,
instaurando severa censura e o Tribunal de Segurança Nacional. Por isso, a situação era
de perseguições, ódios e ressentimentos, ambições e inveja.
Clemente, discordando dos rumos que o Brasil havia tomado, não muda
de país, resolve seguir os passos libertários do coronel José Pereira, funda uma nova
república: “Não aceitando eu, no Brasil, as instituições feudais e burguesas do regime
político reacionário e medieval que nos domina, resolvi proclamar hoje, no meu terreno
e na minha casa, a República Popular do Brasil.
280
(Destaque do autor)
A fundação da República Popular do Brasil, por Clemente, começa logo
com a apropriação do território que ocupa a República, uma das propriedades do
narrador. Era o comunismo chegando, diria Samuel.
Mas como se percebe nos discursos da narrativa suassuniana, o embate
entre o rural e o urbano é a luta simbolizada pela dominância de um modo de produção
sobre outro, do escrito sobre o oral, com a dominância do modo de produção burguês
278
Idem, p.461.
279
SUASSUNA. Ariano. História d’o rei degolado nas Caatingas do Sertão: romance armorial e novela
romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p.11.
280
Ibidem, p.52.
153
que faz desmoronar o poderio das oligarquias sertanejas na economia e na política. É a
vitória dos demônios gordos dos burgueses sobre o mundo secular sertanejo. O código
escrito dos burgueses sobrepujando o oral das sociedades arcaicas. Mas é ao mesmo
tempo uma relação de resistência política pela cultura popular.
Outra relação que se faz presente da antinomia do bem e do mal se dá
através das manifestações dos folguedos populares, pela extensão ideológica como
representação política que esse par pode exercer.
A dualidade entre o bem e mal e sua simbologia na cultura popular não
se distancia do caráter religioso, como na Cavalhada que divide os competidores em
dois partidos: o azul, de Nossa Senhora e o Encarnado, de Cristo, mas “Tia Filipa que
era devota de Nossa Senhora da Conceição, era do Azul, me disse, logo, que não fosse
nessa conversa não, porque o Cordão Encarnado era do Diabo.”
281
E o como o “Diabo é
um revoltado do Partido Negro-Vermelho”
282
, e encarnado é o vermelho da Aliança
Liberal, e que está na bandeira e simboliza a presença dos Pessoa, dos burgueses
republicanos, e funcionários públicos, logo, o mal está do lado dos Pessoa. Já o cordão
azul, da divindade celeste de Nossa Senhora, é a cor do partido dos Dantas e dos
sertanejos, portanto, só pode representar o lado do bem, o lado dos Dantas, Garcia-
Barreto e Pereira.
A divisão do trabalho empreendida pelo narrador para escrever o
romance bem que poderia ser entendida como uma artimanha – e na verdade não deixa
de ser, ao colocar representantes da burguesia para trabalhar para ele. Mas pode ser
percebido como aversão ao estilo de vida burguesa obsedada pelo trabalho em
detrimento do não-trabalho, o ócio. O maravilhoso como antagonismo de classe
fundamenta-se na realização crítica da sociedade pelo excesso, criando um mundo ao
281
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.61.
282
Ibidem, p.464.
154
contrário. Neste mundo às avessas podemos encontrar a fartura de alimentos ou o
maravilhoso alimentar; o sexual e o ócio, contemplados como assuntos que a religião
trata como pecados capitais, como dizemos hoje; a gula, a luxúria e a preguiça. Todos
bem praticados e registrados em irreverentes versos dos clérigos medievais
283
.
O ócio maravilhoso no romance A pedra do reino apresenta-se como
uma ideologia contra o trabalho, que nos devaneios de Quaderna assume restrições
devido à sua descendência real:
Proibidos pelo consuetudinário-fidalgo da família, nenhum Quaderna
tem patrão nenhum que exija de nós as obrigações e os trabalhos que
têm os industriais, os comerciantes e outros desgraçados e danados
Burgueses com vocação de burro de carga! Todos nós só temos
profissões livres, ociosos e marginais de Fidalgos!
284
Até mesmo quando a função do trabalho exige uma postura formal, o
ócio permanece como destaque de sua atividade principal. Perceba que, em 1924, o
político em prestigiosa ascensão, eleito para governar a Paraíba foi João Suassuna.
Quaderna, ainda que recebendo salário pelo exercício de ser ocioso, considera a
remuneração inapropriada por ser insuficiente para o Rei do Sete-Estrelo do Escorpião:
Mas em 1924, com a ascensão do prestígio político de meu Padrinho,
terminei nomeado Bibliotecário, Tabelião e Coletor, o que me
proporcionou um ócio remunerado de fidalgo de toga, ainda
insuficiente, porém já mais consentâneo com meu sangue
real
285
(Destaque nosso).
A hostilidade ao trabalho permanece sob a coerência de rivalidade do
mundo rural em conflito com o mundo urbano, rivalidade que vai extinguido o modo de
vida que Quaderna insiste em salvar, um mundo que ficou para trás:
283
Versos que podem ser conferidos em tradução, introdução e nota em livro de Maurice van Woensel,
Carmina Burana [Canções de Beuern]. São Paulo: Ars Poetica, 1994. 215p.
284
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p 311.
285
Ibidem, p.129.
155
jamais consentir que nenhum de nós exercesse “qualquer profissão
vil de Burguês”, com diz Samuel. Lembrei-me de que todos nós,
filhos de meu Pai, éramos um pouco Vaqueiros, caçadores,
Cantadores, etc. Podíamos, portanto, nos manter, todos, meio
ociosos, meio criminosos, meio vagabundos e donos de nossas
ventas, como todos os Fidalgos e Cavaleiros que se prezam! Era o
único jeito de nos mantermos à altura da nossa linhagem, numa
sociedade em que sobram poucas profissões-nobres, na estreita
margem de atividades que a propriedade rural deixa
286
.
A liberdade do homem em escolher uma finalidade para o seu trabalho
parece ser uma das questões para o sentido da vida de Quaderna. Satisfação que
encontra na interação da práxis da vida social objetiva e consciente de estar criando um
valor de troca pelo seu trabalho, mas com a liberdade de continuar sendo dono de sua
própria venta, um homem livre das regras do trabalho, que faz do trabalho um ato de
resistência à cultura oficial:
Um dia, procurei o Comendador e sugeri a ele que introduzisse, no
jornal, uma página literária, charadística e zodiacal[...]A única coisa
que eu queria em troca disso, era a permissão de, trabalhando à noite,
fora do expediente normal, eu e meus irmãos imprimirmos folhetos e
romances que Lino Pedra-Verde venderia na feira, rachando o lucro.
Vendo a possibilidade de melhorar o jornal sem gastar nada, o
Comendador concordou imediatamente. Foi assim que começamos a
trabalhar na Gazeta. Eu não estou, de fato, trabalhando para o
Comendador, e sim para mim mesmo, porque a página é um
suplemento separado e independente do jornal eu sou o Diretor
soberano dela. Por seu lado, meus irmãos trabalham para mim e não
para o Comendador É por isso que aumentei meu prestígio de
intelectual e Acadêmico sem arranhar, sequer, meu privilégio de
fidalgo!
287
(Destaque do autor)
O convencimento de produção de valores de uso interage na constituição
de novas finalidades do trabalho na resistência e na práxis cultural. Nas apresentações
das cavalhadas, o pagamento pelo espetáculo, em seu devaneio de fidalgo, Quaderna
considera um tributo de classe à sua diversão:
286
Ibidem, p.311.
287
Ibidem, p. 311-313.
156
De fato, nós fazemos as Cavalhadas é somente para nos divertir
ociosamente, fidalgamente, e para imprimir na imaginação do Povo
taperoaense as nossas imagens gloriosas de Cavaleiros do Sertão.
Agora, se a Prefeitura, por conta dela, ainda por cima resolve pagar
nossa fidalga diversão, ótimo![...] dia 1º de junho de 1935, estavam
os meus doze irmãos prediletos ganhando o dinheiro da Prefeitura.
Não porém para trabalhar, com obrigações plebéias de burgueses, e
sim para se divertirem numa Cavalhada ociosa, gloriosa e guerreira
de Fidalgos-sertanejos, com bandeira e tudo!
288
A organização e exibição da cavalhada fazem parte do ser do narrador, é
seu modo de se opor à ordem estabelecida pelo trabalho duro, desumano e organizado
para acumulação de capital. O seu desejo é o ócio, a diversão e o prazer, diferente da
vida burguesa idealizada na virtude e puritanismo:
Ah, esses negociantes e usurários do mundo! Querem nos moldar à
imagem deles, a nós, Povos morenos dos paises quentes, nós, os
ardentes, os que ainda temos a capacidade de ser felizes, de fruir a
vida, num mundo em que isso vai ficando cada vez mais raro! Eu
gostaria que eles nos deixassem fruir de nossa Vida, que eles
consideram suja, e enfrentar a nossa Morte que eles consideram
irracional! Ficassem para lá, com sua riqueza amontoada por séculos
de trabalho estúpido e tenaz, com seu poderio acumulado em
máquinas e dinheiro, com seus ideais de puritanos de higiene e
virtudes hábitos! Mas não eles precisam nos vender seus produtos,
para acumular mais dinheiro!”
289
O pagamento seria uma espécie de cooptação, mas que não funciona,
porque ele faria a cavalhada de qualquer maneira por representar o estilo de vida com o
qual se identifica. Nada mal, afinal o que o narrador exterioriza é uma espécie de
doação em memória do mundo que agoniza no tempo, no qual os fazendeiros
nordestinos sertanejos se sentiam e eram tratados como reis, tal o poder absoluto que
dispunham socialmente, ditando as relações produtivas semelhantes à servidão e às
relações sociais de vassalagem, tal a concentração de renda em mãos de poucos e a
pobreza para muitos. Realidade que propicia o surgimento e recebimento de narrativas
288
Ibidem, p.313.
289
Ibidem, p. 525.
157
fabulosas dos messianismos variados. O excesso pode ser sentido como a superação de
um anseio em uma região de escassez como a nordestina, na qual a fome sempre foi
sentida em vários estágios do desenvolvimento social. A propósito da seca de 1932 no
sertão e da fome acentuada como conseqüência dela, Quaderna, ao narrar a acolhida e
alimentação aos retirantes por seus familiares, ouve do inquisidor Joaquim Cabeça-de-
Porco: com má cara, disse lá do seu canto: – Omita, de seu depoimento, esses
pormenores vergonhosos. O governo da Revolução, com o qual o senhor não simpatiza,
já conseguiu debelar essas chagas que envergonham a Paraíba.” A culpa pela causa da
fome quase é debitada na conta dos adversários do governo. Mas é possível sofrer a seca
sem ter que passar fome se não fosse o capitalismo um sistema injusto e contraditório
que degrada o meio ambiente e mata os trabalhadores pelo trabalho que oferece aos
homens, como:
Aquele Caboclo, cassaco da cana-de-açúcar, sabe que o rio,
contaminado, está cheio de doenças mortais que vão inchá-lo por fora
e comer suas entranhas por dentro, entupindo seu coração de depósitos
calcários de bichos estranhos ao sangue humano. Ele sabe de tudo
isso, porque, todo dia, vê seus companheiros inchando e morrendo
assim. Mas acha que, na sua vida miserável e sem perspectivas,
primeiro só acha o que comer entrando no rio; e depois sabe que tem
poucas alegrias iguais ao puro e selvagem prazer do banho de meio-
dia, estando ele cansado e suado do calor do Sol. Aquele outro, que é
Sertanejo, sabe que será morto, se escolher a vida livre das Catingas,
as correrias do Cangaço. Mas sabe também, que, enfrentado essa vida
incerta e essa morte certa, terá direito ao que nunca teve: uma vida
sem dono, uma vida de Senhor e sem trabalho escravo. [...] Todos
esses são homens de Raça fidalga, degredados e degredados numa
vida de ignomínia, inferior a eles. Quem teria o direito de acusá-los e
incriminá-los [...] Quem teria o direito de reprovar a escolha que eles
fazem, condenando-os em nome dos ideais desses Povos tristes e
duros de Burgueses (Destaques nossos).
290
Nesta visão, o cangaço aparece como a revolta do servo contra o senhor,
uma revolta contra as injustiças do trabalho burguês, contra a ordem capitalista, contra a
290
Ibidem, p.526.
158
opressão à liberdade do homem. Mas para Clemente é um incentivo ao ócio – a preguiça
–, uma ameaça ao desenvolvimento industrial do Brasil: “enquanto vocês vivem com
esses sonhos de “fidalgos ociosos e maltrapilhos”, as nações industriosas vão passando
à nossa frente, dominando-nos! ”
291
Diante da produção, o ócio é um perigo para
qualquer tipo de sociedade, porque o ócio é um anseio utópico de liberdade que tem no
país imaginário de São Saruê
292
ou da Cocanha, o exemplo de uma sociedade livre que
mete medo por ser:
potencialmente problemática por desconhecer qualquer forma de
autoridade. Para o clero, católico ou protestante, aquela terra sensual
e irreligiosa exemplificava o lado negativo da natureza humana. Para
a burguesia dinâmica e ambiciosa, aquele país de vadios e
preguiçosos poderia exercer uma influência nefasta aos espíritos
simples de artesão e camponeses [...] as rebeliões tinham certos
atrativos da Cocanha: os saques possibilitavam aos excluídos a
abundância sempre sonhada; rompimento dos laços servis no campo
e empregatícios na cidade significava ociosidade e liberdade, também
muito desejadas
293
.
Os versos sobre o país imaginário Cocanha é literatura subversiva na
aurora da modernidade, resoluções como um guia para a liberdade do homem,
contestação da ordem política, religiosa e comportamental que tenta livrar o homem de
todo peso e condicionamento social, uma sociedade anárquica, uma contra ideologia à
ordem vigente e à opressão. Agora imaginem uma religião que prega justamente isso, os
prazeres da Cocanha não depois da morte, mas em vida do fiel. Ela existe, é A Igreja
Católico-Sertaneja que, na visão de Quaderna, é uma religião completa, com função
ideológica de totalidade:
o judaísmo e o cristianismo dos santos, mártires e profetas, levam ao
Céu, mas são religiões severas e incômodas como o Diabo! O
Maometanismo, pelo contrário, é uma religião deleitosa: permite que
291
Ibidem, p.177.
292
Cordel de SANTOS, Manoel Camilo dos. Viagem a São Sar, s.l. [Campina Grande], A Estrela da
Poesia, s/d[1947].
293
FRANCO JUNIOR, Hilário. Cocanha: várias faces de uma utopia. Cotia: Ateliê 1998. p.11.
159
a gente mate os inimigos e tenha muitas mulheres, que coma e beba o
que quiser. Em compensação, é danada para levar ao inferno! A
Igreja Católico-Sertaneja é a única religião do mundo que é bastante
“judaica e cristã” para levar ao Céu e, ao mesmo tempo, bastante
“moura” para nos permitir, aqui logo, os maiores e melhores prazeres
que podemos gozar neste mundo velho de meu Deus!
294
Resumindo, o programa do catolicismo-sertanejo é garantia do “bom
comer, bom beber e o bom fuder.
295
” O bom comer, antes de parecer gula, revela sua
posição de classe, é comida em quantidade e variedade: “a sala de café, que veio farto,
com muito leite, cuscuz com manteiga, tapioca salgada, inhame, macaxeira, queijo de
coalho e de fazenda
296
, e à noite, a ceia com “canja de rolinhas, pato assado, carne-de-
sol com farofa, jerimum com leite, e, coroando tudo, uma umbuzada,
297
e nada de
trabalho como convém ao ócio fidalgo de Quaderna, seu desejo é entregar-se à “gula, ao
vinho, às mulheres e aos combates guerreiros
298
·
No maravilhoso sexual não existem regras para o prazer, n’A
pedra do reino, de tudo se tem um pouco; bestialismo: “eu, à medida que me punha
taludo e me iniciava com as cabras de minha tia.” Seja na iniciação sexual de Quaderna
ou na denúncia que ele faz:
um dia, de tarde, fui chegando lá, eu ouvi uma voz dizendo assim,
entre as bananeiras e o muro: –“Ah, minha filha, se você não tivesse
o pé redondo, agora eu lhe dava um par de sapatos!” Cheguei perto,
e, quando vi, era Marculino Arapuá que estava fudendo uma burra
minha!
299
E caso acontecido com Dona Carmem Gutierez, conforme conta:
294
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.453.
295
Ibidem, p.447-8.
296
Ibidem, p. 82.
297
Ibidem, p. 88.
298
Ibidem, p. 445.
299
Ibidem, p. 286.
160
Quando eu me virei, o cachorro tinha se agarrado em minha cintura
com as patas dianteiras. As patas traseiras estavam no chão, e o
senhor não imagina situação embaraçosa em que fiquei quando de
repente, ele começou a fazer, com as ancas, uns movimentos
estranhos em direção às minhas pernas e aos meus quadris! Ficou
assim um bom pedaço de tempo, sem me soltar mas também sem me
morder com aquela posição e aqueles movimentos estranhos![...]
quando ele me soltou meu primeiro pensamento foi: “Atrevido desse
jeito esse cachorro não pode ser daqui
.
300
O comendador Monteiro, outro personagem do romance, comenta a
respeito do caso: “agora é um fim de mundo, minha senhora Dona Carmem, e os
cachorros de hoje em dia não respeitam mais ninguém, são todos influenciados pelo
comunismo!
301
Na visão do comendador o comunismo é o apocalipse. E receituário
ideológico para todos os males e justificativas.
O maravilhoso encontra-se nas poções mágicas para a consumação dos
desejos, como o vinho litúrgico do catolicismo-sertanejo, que possui o poder de pôr em
suas mãos as mulheres desejadas: “se o senhor o beber sozinho, pensando numa mulher,
ela se entrega, na visagem, e o senhor pode gozá-la como quiser. A coisa não passa
disso e, quando o senhor acorda, está livre e desimpedido – a mulher não sofreu nada e
nem soube de nada também.”
302
Outro tema são as relações proibidas como o incesto,
ato que pode ser verificado no folheto LXVI d’A pedra do reino, – A filha noiva do pai,
ou amor, culpa e perdão
303
, relatando a paixão de Antonio Moraes pela filha Genoveva,
ou ainda pelos personagens Gabriel e Luciana, e depois o mesmo Gabriel com a filha
que teve com Luciana, Leonor, sendo, portanto, pai e avô ao mesmo tempo.
304
Dessas intricadas relações sexuais surgem graus de parentesco
fantásticos, como o que envolve os personagens Quaderna e Dom Pedro Sebastião
300
Ibidem, p. 422.
301
Ibidem, p.423.
302
Ibidem, p.604.
303
Vide A pedra do reino, página 389.
304
Vide A pedra do reino, página 262.
161
Garcia-Barreto que: “era, ao mesmo tempo, meu tio, meu padrinho e meu cunhado. O
que não era de espantar, num homem que era tio dele mesmo!
305
Quaderna explica este
nó de parentesco, esclarecendo que a sua mãe era irmã de Dom Pedro Sebastião Garcia-
Barreto, seu Padrinho, que se casou com sua irmã, Joana Quaderna, sobrinha dele
mesmo. A inspiração do escritor seria o próprio coronel José Pereira, que se casou com
uma sobrinha. O que não chega a ser um escândalo sexual porque se casaram, mas por
certo estigmatizado, mas nem tanto quanto João Dantas e Anaide Beiriz, porque livres
das convenções da época, abrasam-se no “pecado da carne”, na luxúria de um amor
terrível, de fazer inveja a quem via no corpo da mulher a diabolização dos pecados e da
morte pela fornicação. Pecado que guarda o corpo de Maria Safira, a possessa, ao
recuperar a “homência” de Quaderna, adormecida pelo chá de cardina. Para os
inquisidores da velha moral sexual só restava a pregação da continência para a salvação
da alma à espera do Paraíso. A virilidade de Quaderna é recuperada por uma porção
mágica, Maria Safira é o efeito, Quaderna, como um quase clérigo medieval, relaciona a
energia sexual à produção poética:
E, agora, como ia ser, eu sem homência? Só me restava o caminho e a
consolação da Poesia [...] resolvi ser Poeta! Mas logo aí, surgiria
outro problema. [...] Eu teria que ser, também e principalmente, poeta
de estro [...] Fui ao Dicionário Prático Ilustrado, e, lá, encontrei que
estro era sinônimo de “inspiração, engenho poético, fogo da
inspiração, desejo sexual, cio, cavalgação e reinaço”! Não havia mais
dúvida: era o Dicionário – livro consagrado, indiscutível e oficial –
que me garantia o que os verdadeiros Poetas-Reis, os poetas de
reinaço, eram os que possuíam, como uma coisa só, o fogo da
inspiração zodiacal, a ciência do engenho poético e o cio da
homência do sangue, no sol astrológico dos Planetas! Fiquei
desesperado: porque, agora, além de não poder mais fazer
cavalgação em cima de mulher nenhuma, não poderia mais reinar no
meu Reino e castelo sertanejo, fazendo meu romance de cavalgação,
bandeiras, reinaço e cavalarias! Cheguei a pensar em dar um tiro na
cabeça. Foi Lino quem me salvou, falando-me pela primeira vez do
vinho que, escondido de nós, meu Pai fabricava e vendia
secretamente e cuja receita deveria estar nos cadernos que ele tinha
deixado. Encontrei a receita, e o vinho me restituiu a minha
305
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p. 270.
162
homência, fazendo de mim, ao mesmo tempo, o único Poeta
completo, genial e régio, que existe no Mundo! É que modéstia à
parte, Sr. Corregedor, nosso vinho dA pedra do reino é a beberagem
do Poder, da Fortuna do dom-profético e do Amor!
306
Na narrativa maravilhosa sexual, para ser fiel ao cristianismo-sertanejo,
ao se beber do vinho da pedra do reino, é-se transportado para receber as recompensas
da vida, onde o corpo não serve ao trabalho, mas para o prazer, lugar que só pode ser o
Paraíso, uma das faces do sertão, lugar que nos dá a sensação de tranqüilidade e paz
interior às quais desejamos retornar, mesmo sem nunca ter ido ou imaginado:
bosque, sertanejo, sagrado e deleitoso, feito de juremas, angicos,
baraúnas, urtigas e favelas. Ali, o licor verde-vermelho pinga de todas
as frondes, como gotas de esmeraldas e rubi incendiadas pelo topázio
do Sol. É um bosque cheio de mel e abelhas cor de ouro, espanejando
luz e pólen fecundante. Um bosque onde esvoaçam concrizes
aurinegros e saíras que parecem jóias. Um bosque povoadas de
cascavéis e cobras-corais, assim como de mulheres de longos cabelos.
Em todo canto, há corolas vermelhas e odorantes, cactos e urtigas,
lianas coleantes e cheias de espinhos, favelas eriçadas de folhas
causticantes e espinhosas, coralinas e mulungus de flores vermelhas,
canafístulas e paus-d’arco de flores amarelas. Tudo isso nos impele,
rendidos e embriagados, para o seio e o ninho de mulheres viçosas,
macias e enleantes, mulheres cujo corpo é, como um bosque, com
colinas rijas e suaves dos peitos, e o negro concriz negro-vermelho
pregado de asas abertas na entrada da fonte, com a casa-das-abelhas e
o mel e a corola - mulheres que nós possuímos na sombra verde e
umbrosa das árvores e moitas, salpicados como estamos pelo orvalho,
deitados na areia fina e cheia de cristais, ouvido o som da água que
corre sobre os seixos e vendo em cima, nas frondes agitadas
suavemente pela verde ventania, pomos e pomas que reluzem à brasa
incendiada e coada entre os ramos da luz do Sol.
307
A crítica dos gêneros longe de ser um mero exercício de literatura, como
elemento de seu próprio conteúdo, o processo de produção literária corresponde a um
determinado modo de produção econômico, e os gêneros narrativos ou literários são
considerados partes constitutivas destes modos de produção que coexistem na
306
Ibidem, p.601-602.
307
Ibidem, p.605.
163
sociedade, questões que aproximam a problemática do sujeito e a formação da
consciência produzida historicamente, que nos informam o compromisso do escritor
com as causas da comunidade e o destino do homem na sociedade que o abriga, com
suas lutas contra a opressão e conquista da liberdade.
A discussão dos gêneros literários é também a discussão de um sintoma
que assume o romance como objeto de desejo, não só do narrador, mas também de seus
mestres Clemente e Samuel, que querem escrever a obra fundamental para o Brasil. O
romance assume a forma de mercadoria no aspecto social. Afinal será o romance que
trará a história do narrador e a história do rapaz do cavalo branco, a história da guerra de
Princesa juntamente com a história da pedra do reino, que trará ao narrador o
reconhecimento social e a glória de ser coroado gênio da raça brasileira por ter escrito
uma obra fundamental para o povo brasileiro.
Como objeto de desejo, o romance de Suassuna é marco e castelo
308
sertanejo ontológico da cultura popular que finca raízes na cultura erudita do
modernismo. A obra é produzida como desejo e vontade que funcionam como uma
promessa de registrar a história e a cultura do povo, e desejo ideológico de incluir a
história familiar dos Dantas e Suassuna como documento de cultura e de barbárie.
Documento de cultura porque registra com realismo a grandeza e a miséria do povo
brasileiro que, não podendo resolver as contradições sociais em que vive, transporta o
contexto social e experimenta através da cultura a resolução imaginária conveniente,
como observa Maximiano Campos, em posfácio d’A pedra do reino, a respeito de
Suassuna e a relação que mantém com seus personagens: “Suassuana distribui nos seus
cangaceiros, vaqueiros, cantadores, nos homens e mulheres do povo que, às vezes,
308
Os cantadores constroem seus castelos alicerçados pelas palavras, daí a substituição do nome que a
obra assume poeticamente, podendo ser ainda chamada de fortaleza e marco. Vide A pedra do reino, p.
68.
164
cansados da miséria e da fome, se vestem de reis e rainhas nos espetáculos populares.”
309
E de barbárie porque o registro da história é a ação sombria dos homens, o lado
obscuro da sociedade civilizada, como a vingança, esse sentimento hostil que muitas
vezes somos tentados a cultivar:
Houvera a primeira fase, cuja crispação mais sangrenta fora o
assassinato do velho e austero Rei, morto por degola. Surgia, agora,
outra fase, a daquele enigmático Valete de Copas brotado do sangue
dele e que abria a nova rodada do jogo. Encerrava-se a fase do crime,
ia começar a da Vingança implacável.
310
A vingança não ia começar, ela já estava em processo. O romance estava
concluído, mas a vingança não chegara ao fim. Sua mensagem hostil ao movimento da
Aliança Liberal é sentida e seu conteúdo abafado, reprimido. Romance esquecido por
autor de organização sobre a revolução, e por isso, não fora selecionado para um dos
seus trabalhos historiográficos. Outro opina, dizendo que o romance A pedra do reino é
muito enfadonho, e quando começa a lê-lo acaba adormecendo. A vingança implacável
é um privilégio da memória do ressentido por algo que não foi permitido executar, mas
na imaginação nada é esquecido e tudo é possível, inclusive matar, como para
Quaderna, matar para ele, só na literatura, como uma resolução imaginada para eliminar
um inimigo. O ressentido, não o sujeito trágico, é dramático. Mas nada disso é assumido
pelo autor, tudo é de responsabilidade do narrador, como uma imposição narrativa que
consagra o romance:
tentando desfazer certos equívocos a respeito do meu pretenso
“realismo mágico” – que, na América Latina de fala espanhola, o
“realismo mágico” era mais mágico do que realista, enquanto no
Brasil ele era mais realista do que mágico. No livro Cem anos de
solidão, a narrativa é feita pelo próprio autor que, dessa forma,
assume as “mágicas” do enredo. Já no Grande Sertão: Veredas e no
Romance d’A pedra do reino, a ação é narrada por um personagem –
309
CAMPOS, Maximiano. A pedra do reino. In: SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1976. p. 630.
310
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.616.
165
Riobaldo ou Quaderna – o que aproxima mais o universo romanesco
da realidade, pois o que existe de mágico, nele não é contado pelo
autor, vem da crença, da imaginação ou delírios do narrador,
conforme o caso.
311
A responsabilidade sobre a realidade simbólica do romance também deve
ser resolvida no conteúdo da própria trama narrativa, como uma resolução interna do
próprio romance a fim de evitar o fechamento ideológico, introduzindo, em meio das
várias mensagens, aquelas que não devem ser logo percebidas como elemento
puramente ideológico, como necessidade do sujeito, conforme o caso, como expressão
do ser.
3.3 – Realismo e desejo: Quaderna e a questão do sujeito
O desejo de Quaderna em escrever um romance tem como função na
discussão dos gêneros literários a tarefa histórica de decodificar os paradigmas
narrativos
312
herdados de modos de produção arcaicos e a sobrevivência de seus
costumes na nova programação da vida e do trabalho sob o capitalismo. E a
311
SUASSUNA, Ariano. Notas do autor. In: História d’o rei degolado nas Caatingas do Sertão:
romance armorial e novela romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio,
1977. p.132.
312
Compõem a fortuna crítica romanesca de Suassuna os seguintes folhetos e romances: Abecê de Jesuíno
Brilhante; Alonso e Marina ou a força do amor; A prostituta do céu; A afilhada de monsenhor Agnelo ou
o castelo do amor; A donzela Teodora; A história de João Malasarte; A renegada; A Ilíada; A odisséia ;
A corte de Provença, O mosteiro de Nîmes e A guerra dos Camisardos; A última corrida de toiros em
Salvaterra; Cantiga de la Condesa; Castelo perigoso; Desafio de Francisco Romano com Inácio da
Catingueira; descrição das mulheres por seus sinais; Dom Quixote; Divina comédia; Fausto; História de
Carlos Magno e os doze pares de França; História de Alonso e Marina; História de um velho que brigou
72 horas com um cabaço sem chegar no fundo e sem lascar as beiras; História do valente Vilela;;
Lucíola; Memórias de um sargento de milícias; O encontro de Antonio Silvino com o valente Nicácio; O
assassino da honra, ou a louca do jardim; O homem da rua do fogo; Os campos do sertão; O sertanejo;
Os cangaceiros; O diabinho da mão furada; Os lusíadas; O reino da pedra fina; Romance do valente
Vilela; Romance da filha do imperador do Brasil; Roberto do Diabo; Romance da Onça Malhada;
Romance de dona Silvana; Vida, aventura e morte de Lampião e Maria Bonita e Vida, paixão e morte,
símbolos e sinais de nosso senhor Jesus Cristo.
166
conseqüente crítica do novo modo de vida trazido pela burguesia como causalidade do
processo de dissolução dos grupos oligárquicos, confronto que se acentua com a
chegada dos representantes da nova classe, como podemos ver na crítica de Quaderna:
Antônio Moraes, rico usineiro pernambucano que, tendo resolvido
botar uma indústria na Paraíba, precisara dos minérios do Cariri e
começara, lá um dia, a comprar terras aqui. Depois, fora tomando
gosto pelo lugar, “onde ainda se mantinha o estilo de vida patriarcal”.
E fora, aos poucos, estendendo suas garras de gavião sobre tudo,
entre nós; de modo tal que, ao açambarcar o algodão, o gado e os
minérios de toda a nossa zona, espalhara entre nós um terror quase
supersticioso, diante de seu poder, da sua fortuna, de sua capacidade
de aniquilar os rivais, de espalhar o infortúnio, de esmagar os que se
interpunham entre ele e o domínio total do Cariri – este Sertão onde
até 1930, exercera o poder, também muito grande mas muito
diferente, do nosso velho Rei, Dom Pedro Sebastião Garcia-Barreto!
313
Junto a esta questão que estabelece a dominação capitalista sobre o
sertão, outra questão colocada é a relação entre literatura e historicidade, que é
explicitamente enunciada por Quaderna:
eu, apesar de partir “da realidade rasa e cruel do mundo”, como
Clemente, dou também razão a Samuel, quando diz que, na Arte, a
gente tem que ajeitar um pouco a realidade que, de outra forma, não
caberia bem nas métricas da Poesia.
314
Esta função é percebida pelos modos de narrar a realidade histórica e
social no que diz respeito à ordenação dos fatos, ações e a inteligibilidade da razão
histórica na sucessão dos acontecimentos. A narrativa se apodera da experiência
humana da qual o próprio romance é portador em suas formas de expressão na ruptura
dos limites da realidade social e política; na pretensão de enunciar verdades na
interpretação ou recriação da realidade, o romance pode fazer tudo por gozar de
liberdade arbitrária e absoluta da imaginação, por isso, o romancista pode ir mais longe
que o historiador em suas verdades. Mesmo que o romance seja considerado um
313
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.301.
314
Ibidem, p.22.
167
simulacro e a realidade inacessível, o romance exprime o desejo de mudança ao negar a
realidade empírica que lhe deu origem, como acontece com Quaderna, um sujeito que
vive em negar a realidade, que não aceita sua origem e manipula sua biografia, desejoso
de solidificar sua posição de classe e genialidade na feitura de um romance fomentador
de discórdias da história política da Revolução de 30, situação que mescla o desejo da
ficção com o desejo da realidade do escritor Suassuna, condição que confere ao
romance reflexo realista e a satisfação de um anseio do escritor ressentido. Nos
devaneios, o suporte para a manipulação da realidade, Quaderna utiliza-se de inúmeras
referências historiográficas
315
:
De qualquer modo, eu já tinha os dados para fazer meu Romance-
epopéico, tendo como centro e enigma de crime e sangue a degolação
de meu padrinho e pai-de-criação [...] fazendo, de “folheto em
romance e de romance em folheto,” uma espécie de Sertaneida,
Nordestíada ou Brasiléia, parecida com a do Senador Augusto
Meira
316
.
Os dados, como já sabemos, são referentes aos registros das famílias
Garcia-Barreto e Quaderna, que, também como já sabemos trata-se, respectivamente,
das famílias Dantas e Suassuna na história da Paraíba, ao modo do capítulo Crônica
dos Garcia-Barretos
317
, como se para afirmar que o registro da história também pode
ser feito utilizando-se de gêneros literários, a exemplo da “crônica epopéica” intitulada
Memória sobre a Pedra Bonita, ou Reino Encantado, na Comarca de Vila-Bela,
315
Quaderna é um leitor voraz, além dos romances eruditos e populares do Cordel que lhe serve de base
para feitura de seu romance, a literatura histórica que lhe confere provar o que viu acontecer é composta
das seguintes obras: Antologia nacional de Carlos de Laet; Apontamentos para a história territorial da
Paraíba de João de Lyra Tavares; Brasileis: epopéia nacional brasileira de Augusto Meira; Compêndio
narrativo do peregrino da América de Nuno Marques Pereira; Datas e notas para a história da Paraíba
de Irineu Pinto; Dicionário corográfico da Paraíba de Coriolano de Medeiros; Estudos Alemães de
Tobias Barreto; História da civilização de Oliveira Lima; História do Brasil de Frei Vicente Salvador;
História Geral do Brasil de Venhagen; Os sertões de Euclides da cunha e; Subsídios para a história do
município de Taperoá de Epaminondas Câmara;
316
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.185.
317
Livro II, Os emparedados, folheto XXIII, p.110 do romance A pedra do reino.
168
Província de Pernambuco (1874), de Antonio Attico de Souza Leite, narrativa
fundamental, na qual a genealogia sangrenta e real de Quaderna tem origem:
Ora, o ilustre Acadêmico, com toda sua aversão, não ocultou um fato
fundamental para as monarquias e outras glórias quadernescas: meu
bisavô foi visto, mesmo, nA pedra do reino, trazendo à cabeça a
sagrada coroa de coro e prata que é a verdadeira Coroa do Brasil e
que é a mesma que ainda hoje eu possuo!
318
A posse de objetos da realeza simboliza alegoricamente o desejo do
sujeito em busca de unidade psíquica e reconstituição do ego. A unidade psíquica de
Quaderna se dará no momento em que ele, possuindo os objetos da realeza, possa ter
sua identidade reconhecida pelos símbolos que ostenta. E seu ego será restaurado
quando seu romance acastelado, sua Fortaleza e Marco, estiver concluído e esclarecido
a história do seu Padrinho degolado e de Sinésio, seu filho desaparecido. E o sujeito, no
final, surgirá completo como rei e poeta, o gênio da raça brasileira. Enquanto isso não
acontece, segue Quaderna com o pescoço a prêmio, seja pela morte física ou intelectual,
navegando entre dois mundos, aquele que deseja para si e o outro que renega:
Ora, o senhor já sabe que meu maior desejo, desde que nós
Quadernas, perdemos a terra e a Coroa, era exatamente conseguir
nova oportunidade de Trono, para, com isso, me entregar à gula, ao
vinho, às mulheres e aos combates guerreiros, tornando-me um
homem poderoso, desejado e temido. Eu não queria me tornar um
rico vulgar e sem imaginação, como o comendador Basílio Monteiro,
porque, com meu sangue fidalgo, nunca dei para ser burguês. Meu
sonho sempre foi o de ser um daqueles grandes Senhores,
Cangaceiros e Príncipes que apareciam nos folhetos. Era arriscado.
Mas se eu me tornasse Gênio da Raça Brasileira, poderia alcançar
tudo isso sem matar ninguém e também sem ter minha garganta
cortada, destino de todo Guerreiro que se preza.
319
Os temas de hereditariedade e situação familiar equivalem
simbolicamente à situação sócio-histórica. A falência econômica da família de
318
Ibidem. p.45.
319
Ibidem, p.445- 446.
169
Quaderna, a lembrança do padrinho como um guerreiro e sua morte ao costume do
cangaço, data um período de violência característico da cultura épico-sertaneja. Morte e
falência econômica que simbolizam o declínio do Ancién Regime, primeiro período
republicano apelidado de República Velha, que Quaderna não só não rejeita como
herança política, mas que, destronado de seus privilégios políticos provenientes da
derrubada do regime oligárquico pela burguesia urbana que ascendeu ao poder
republicano com a Revolução de 30, deseja reconquistar o trono. E isso pode ser
percebido pelo investimento libidinal como metáfora de desejo em recuperar o prestígio
político que, agora, passa pelo reconhecimento intelectual e na satisfação do anseio
sexual que encontra no imaginário e no simbólico das narrativas arcaicas, sobreviventes
do modo de produção anterior, a vida que ele gostaria de ter tido, mas que só é possível
nos folhetos, como um desejo irrealizável:
Dos folhetos havia dois que me impressionavam muito: eram a
História de Carlos Magno e os Doze Pares de França e O Rei
Orgulhoso na Hora da Refeição. Pela leitura deles, eu via que os
Heróis parece que só faziam Três coisas, na vida: porque, quando não
estavam na mesa comendo e bebendo vinho, estavam, ou na estrada,
brigando, montados a cavalo, armados de espadas e com bandeiras
desfraldadas ao vento, ou então na cama, montados em alguma
Dama, trepando senhoras e donzelas desassistidas. Vida era aquela, a
vida dos Cangaceiros medievais como Roberto do Diabo, ou como
dos Guerreiros sertanejos como Jesuíno Brilhante, homens vestidos
de Armaduras de couro, armados de espadas compradas em Damasco
ou no Pajeú, bebendo vinho de Jurema e Manacá, vencendo mil
batalhas e sempre aptos a possuir mil mulheres.
320
O desejo irrealizado de Quaderna é o investimento libidinal que
impregna as narrativas ideológicas como representação alegórica das classes sociais
321
.
A vida antes da dominação burguesa, com seu mundo do trabalho, pulsava com maior
vigor, o mundo aparentemente desordenado era domando por uma força selvagem de
320
Ibidem, p.446.
321
JAMESON, Fredric.O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São Paulo:
Ática, 1992.p.190.
170
satisfação dos instintos ou pulsão dos anseios, diferente do ideal de virtude e
puritanismo burguês. Mas como um fantasma, reaparece como fantasia, e por isso a
situação é repetida diversas vezes em resoluções diferentes da narrativa. O desejo de
Quaderna, aliado da velha estrutura política, é fazer retornar o passado e viver seus dias
de glória, mas isto é impossível. Esse tempo está morto, e só poderá ser vivido com o
sujeito narrando a si mesmo. Por isso, Quaderna se apresenta impotente para mudar a
realidade e se refugia nas representações do mundo anterior, cuja virilidade é
recuperada para o pecado pela diabólica Maria Safira, a mulher de olhos verdes abissais.
A impotência de Quaderna não é somente originária da “porção mágica” do chá de
cardina que tomou para se tornar inteligente, mas pela falência econômica causada pela
perda da terra, dividida pelo excesso sexual do pai:
meu Pai caiu na gandaia, emprenhando tudo quanto foi filha de
morador que facilitasse, e esses meus irmãos bastardos nos levaram,
de novo, à ruína. Meu Pai era carinhoso com todos, e dava a cada um
seu pedaço de terra, de modo que o domínio ficou todo fragmentado,
para indignação de Tia Filipa, que só chamava os bastardos de “os
filhos das molecas”.
322
Vigor sexual do pai, frouxidão do filho. Esta questão pode ser
interpretada como uma questão de economia, cuja energia sexual não pode ser gasta, ela
está sendo reinvestida para recuperar o domínio político da família, representado pela
recuperação da Fazenda “As maravilhas”, e para isso Quaderna se empenha e passa a
utilizar de estratagemas poucos louváveis para conseguir dinheiro, mas como se fosse
um segredo, mas que não despercebido:
Por que é que você vive vendendo seu sangue e sua alma, botando
casa-de-recurso, inventando tudo quanto é de história, comprando e
vendendo o que não presta, fazendo tudo o que é possível para
arranjar dinheiro? Você pensa que não se sabe? É porque você quer
recuperar a fazenda “As Maravilhas”, a terra que foi de seu Pai!
Agora eu lhe pergunto: por que essa ânsia de ter terra? Essa terra só
322
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.116.
171
vai trazer a você preocupações, sofrimentos e ocasiões para fazer o
mal, a você mesmo e aos outros! Você vai ter que maltratar,
espezinhar, oprimir e humilhar os pobres! Agora veja: se o simples
fato de você se vestir de Rei terminou humilhando e insultando os
outros aqui na rua, imagine o que você não vai fazer, sendo Rei e
barão de sua terra, mesmo.
323
O problema colocado por esta questão relaciona-se ao regime anterior à
Revolução de 30, a tirania e libertinagem dos coronéis: a ideologia da violência e as
mudanças sociais em curso, mas a nova classe precisa que os membros valorosos do
regime anterior se convertam ao novo modo de vida, que sucumbido o anterior, possa
aparecer pela união das classes com todo poder e vigor de transformação:
Quanto a Arésio, é o selvagem do qual você já tem notícia, apesar de
nuca tê-lo visto, não é isso? Não digo assim por antipatia a ele. Pelo
contrário! Para falar a verdade, tenho admiração e orgulho por aquilo
que, em Arésio, mostra a força e a violência ancestral dos Senhores e
Cavaleiros que foram os troncos da nossa Aristocracia! Por mim, o
casamento dele com minha irmã se fará!”
324
O homem selvagem é a classificação dada na relação do burguês
civilizado com esse Outro que representa a sociedade do passado, incompreensível para
os novos sujeitos da história, uma época que está ficando à margem, mas ainda assim
necessária, como a função que Arésio irá representar na transição para a cultura
burguesa.
Arésio é o tipo de sujeito que em período de mudanças é assediado pelos
representantes das classes, seja pelo burguês ou pelo comunista, se bem que com
interesses diferentes. O burguês aparentemente deseja se apossar das riquezas da terra
que serão herdadas por ele e do seu vigor de homem selvagem, e o comunista o deseja
para que com sua violência possa esmagar o inimigo antagônico de classe e “vingar os
escorraçados, fazendo justiça aos oprimidos!”
325
Isso acontece porque o perfil de
323
Ibidem, p.246.
324
Ibidem, p.402-403.
325
Ibidem, p.517.
172
Arésio é o de soldado, guerreiro, cuja personalidade tem predisposição para “ a
violência, o egoísmo, os perigos, a sensualidade e a lascívia, para as rixas violentas e
para as orgias, podendo praticar os maiores excessos, e chegar até os crimes de
sangue”.
326
A opção de Arésio é pela classe de Antonio Moraes, o burguês
inventariante e administrador da herança que está em litígio, sendo reivindicada também
por seu irmão Sinésio. A tentativa de cooptação de Arésio, por Adalberto Coura para o
comunismo e a Revolução termina justamente com um ato de violência e libertinagem
de Arésio, que seqüestra a noiva de Adalberto, Maria Inominata, a quem já havia
tentado seduzir, sendo reprimido pelo irmão da moça, também um selvagem para
Arésio. O desejo, pela força, será consumado:
Arésio, puxando o revólver, deu com ele uma pancada violenta na
cabeça de Adalberto, que caiu tonteado. A outra mão dele continuava
fechada, como um anel de ferro, em torno do braço de Maria
Inominata. [...] Quando o professorzinho acordar lembre a ele aquelas
palavras de Santo Agostinho [...] Os rapazes pagãos violavam as
moças e mulheres cristãs que, habituadas à morna castidade dos
maridos e noivos, também cristãos, ficavam terrivelmente
perturbadas diante daquela sensualidade poderosa e brutal, tão cheia
de novidades e tão sem escrúpulos. Iam, então, depois de violadas e
possuídas de todos os modos, procurar o Santo, com remorso por
terem gozado daquela maneira nunca antes experimentada e nunca
tão intensa. Santo Agostinho absolvia todas elas, dizendo que não
tinham culpa de que o corpo estremecesse involuntariamente e
barbaramente ao ser solicitado de modo tão violento e acariciador, no
que tinha de mais íntimo. Pois você diga isso ao professorzinho.
Hoje, a noiva dele talvez não chegue a sentir muito o que confessar,
porque o sofrimento da primeira vez impeça o prazer, se bem que eu
esteja disposto a fazer tudo para que isso não aconteça. Mas como
pretendo guardá-la comigo ainda por uma semana, telegrafarei depois
a ele, para que Santo Agostinho absolva Maria de seus estremeços
327
.
Seria este o tipo de amor entre João Dantas e Anayde Beiriz? Um amor
pagão que, descrito em atos pormenorizados, causou repugnância da sociedade cristã
que o considerou pecaminoso, mas que esqueceu a ignomínia com que as cartas, diários
ou cadernetas foram conseguidos, por um ato ilegal do governo, além da estrondosa
326
Ibidem, p. 436.
327
Ibidem, p.544.
173
publicidade que o diário amoroso ganhou. A atitude de Arésio como aliado da
burguesia demonstra que a pouca virilidade de Adalberto é a fragilidade comunista
como força social para a insurreição. Não podemos esquecer que a Aliança Nacional
Libertadora havia fracassado em 1935, e serviu como um dos motivos para instauração
do Estado Novo em 1937, obrigando os comunistas ao exílio, aqueles que conseguiram
escapar da prisão e da tortura do Estado Novo. A impotência de Adalberto está
relacionada à sua filiação de classe, e, alegoricamente, representa a impossibilidade dos
comunistas brasileiros em mudar a sociedade pelo processo revolucionário.
Paradoxalmente, mesmo se aliando à burguesia e ao curador de sua herança, Arésio
mantém-se fiel ao estilo de vida aristocrático sertanejo, com as filhas dos moradores
facilitando ou não, ele as possui sexualmente. Entretanto, o que está em movimento é a
consolidação do modo de produção capitalista na substituição das posturas diante do
mundo que se apresenta, não mais de prazer, mas de trabalho e consumo, o mundo
burguês, o qual estabelece novos conceitos e um sistema de valor que tende a
desembocar em uma sociedade de consumo capitalista e um novo ritmo histórico:
Então, a pretexto de salvar-nos dessa vida de ignomínia e dessa morte
desonrosa, vêm nos corromper e nos roubar. Vendem-nos, ao mesmo
tempo, os produtos para nossa higiene e os ideais de um mundo
organizado à base da poupança burguesa, da mealha do trabalho duro,
desumano e organizado. Mas tudo que eles possuem e querem nos
passar são os frutos apodrecidos da impotência para o prazer, para a
alegria, para a felicidade animal e selvagem. Esses Povos de
comerciantes, os mais tristes do mundo, nascidos e criados entre o
frio, o escuro e a severa infelicidade dos ideais puritanos, querem nos
impingir suas receitas de vida a nós, Povos morenos, criados ao Sol!
Como é que poderão, nunca, nos entender?
328
A questão a entender é a seguinte: como o modo de vida burguês estéril e
impotente, ou seja, como o mais fraco conseguiu triunfar sobre um modo de vida mais
328
Ibidem, p. 525.
174
forte, potente e selvagem? De outra maneira, como a sociedade mercantilista conseguiu
triunfar sobre um meio cheio de hostilidade para o seu desenvolvimento? A solução
está na combinação de valores da aristocracia, como na união da energia selvagem do
tipo apresentada por Arésio, com a latente força de (re)produção burguesa de Genoveva,
filha do curador de sua herança. É por uma combinação dos semas sexuais, como
polaridades, um positivo e potente, Arésio, com outro negativo, Genoveva, burguesa e
potencialmente apta para a reprodução, que a representação da história empírica dá-nos
a resposta. Outra possibilidade de respostas com relação às classes é a união entre
Clemente, comunista, potencialmente apto, com uma aristocrata frígida, não
conseguindo por isso combinar as energias para a reprodução, e permanece estéril. Uma
combinação utópica na restauração do antigo regime é a união de Quaderna e Maria
Safira, mas falta-lhes legitimidade, ela por já ser casada, e ele por ser rei de um império
imaginário. E outra que não daria certo de jeito nenhum seria a união de Sinésio, o
alumioso, irmão de Arésio, com Clara Swedson, ele por ser ausente, e ela por ter feito
um juramento proibitivo ao sexo e, portanto, à reprodução:
tanto faz que eu seja noiva ou não! Casada ou Solteira, casada com
Sinésio ou com qualquer outro, eu só daria a ele, ou a esse outro, o
amor coríntio, que é puro e casto e que, portanto, pode ser dividido
sem magoar ou ferir ninguém!”(Destaque do autor)
329
A repressão ao prazer do corpo, o apelo à virgindade e a continência
seria para salvaguardar o corpo do pecado da carne que conduz à morte eterna. O corpo
são é o corpo puro, livre do pecado do sexo, cheio de virtudes, para o amor mais
sublime, aquele no qual os amantes não se tocam. O corpo é apenas uma ferramenta de
admiração na produção burguesa.
329
Ibidem, p.410.
175
Para sobreviver no mundo hostil e para não ter a mesma morte que o
Padrinho, Quaderna se sujeita às humilhações que seu brio julgar necessárias para
cumprir com o juramento de escrever o romance contando sua história. Como estratégia
de sobrevivência, escrever um livro rompe o secular código de honra sertanejo que pede
a eliminação do inimigo por vingança de morte, como aconteceu com João Dantas por
ter eliminado João Pessoa, que teve seu pescoço degolado. Desenvolver este programa
de vingança contando a história faz de Quaderna confessadamente um covarde, mas
permanecer vivo no ambiente hostil não pode ser considerado um ato de bravura? Se
não, qual ou quais são as questões que este ato elege, que ele, mesmo a contragosto,
sai em defesa da honra:
Não podia eu permitir que Tia Filipa descobrisse um covarde seu
sobrinho predileto, [...] Não podia consentir, também, que minha Tia
terminasse amargamente sabedora de que ela própria, uma mulher,
tinha mais coragem do que os homens da família, o que a teria
matado de desgosto. Por isso, quando surgia uma questão qualquer
em que segundo os códigos particulares dela, estava empenhada a
“honra dos Quadernas”, lá ia eu. Apavorado, a contragosto,
procurando me fazer o mais parecido possível com a imagem que ela
guardava de mim.
330
O comportamento de Quaderna quanto às questões de heroísmo, honra e
coragem, é como poeta, que ele vai resolvê-las sob a forma simbólica, na literatura
331
. A
coragem para ele nunca foi uma virtude cortejada, ela só aparece quando reivindicada
para satisfação da tia, Filipa, uma “mulher-macho da gota serena”. Nesses arroubos de
coragem sob a supervisão da tia, ele se descobre entre “preocupado e orgulhoso como
covarde que era, tinha fama de valente.”
332
A coragem de Quaderna é a obediência ao
330
Ibidem, p. 50.
331
Vide A pedra do reino, folheto XXXVIII, O caso da cabeçada involuntária. P.189-193.
332
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.192.
176
medo de uma pena maior do que o que possa acontecer na ação que ele por ventura
venha a ser intimado a executar:
Eu, covarde como sempre fui, estava aterrorizado, julgando que se
reacendera a Guerra da Coluna e que íamos emboscar alguma tropa
inimiga que passaria por ali [...] Pensei em correr, em desertar, como
tinha visto tanta gente fazer em 1912 e 1926. Mas, se eu tinha medo
da guerra, tinha ainda mais de meu Padrinho, de modo que fiz das
tripas coração e fiquei
333
.
A satisfação de Quaderna não está em falar a verdade se confessando
covarde, ou por ser devoto da máxima que prega ser melhor um covarde vivo do que um
herói morto, mas sim em tirar proveito das situações adversas, onde, para muitos,
inclusive para ele, o motivo de vergonha passava a ser motivo de orgulho. Enfrentar o
medo é como uma viagem ao Inferno, é uma provação e tanto. Algumas destas
situações:
Antes eu ficava danado da vida quando alguém falava nessa filho-da-
putice nossa. Mas lá um dia, numa discussão, Samuel declarou que
isso de bastardia não tem a menor importância nessas coisas de
fidalguia e linhagens reais, tanto assim que os Braganças,
descendentes de Dom João I e Nuno Álvares Pereira, são várias vezes
bastardos e filhos de padres! Depois daí, fiquei descansado e perdi a
vergonha.
334
Realmente, em se tratado de adultério, a monarquia sempre se comportou
exemplarmente, não em evitá-lo, mas em praticá-lo. Sendo assim, Quaderna estava se
saindo bem, mas nem tanto quanto seu pai que gerou mais de vinte filhos bastardos.
Outra situação acontece quando o promotor descobre que logo após a morte do
Padrinho, Quaderna se apropria de um anel do velho Rei. Este objeto desperta o
333
Ibidem, p.565.
334
Ibidem, p.309.
177
interesse e a cobiça porque o anel é o símbolo da realeza, e a posse deste objeto pode
conferir ao portador a transmissão de direito na sucessão do trono como uma espécie de
documento que expressa a vontade política do soberano antecessor. Ao ser interrogado
sobre o anel e como ele o teria conseguido, Quaderna sofre um ataque epilético, e
quando retorna do desmaio comenta:
De vez em quando, caio no chão, escumando pela boca e mordido de
cachorro da molesta! Mas como já disse, não tenham vergonha por
mim, não, porque isso é até motivo de orgulho, uma vez que é o
mesmo “mal sagrado” de um Príncipe de sangue brasileiro, o
Impostor Dom Pedro I, e de um Poeta genial, Dom Joaquim Maria
Machado de Assis!
335
Mal que também acometia outro grande escritor, o russo Dostoievski.
Como se vê, Quaderna consegue mesmo na adversidade encontrar um motivo para se
orgulhar, até dos bárbaros crimes cometidos pelos seus antecedentes reais dA pedra do
reino:
Ora, eu pensei assim: “Se esse Rei da França falsificava dinheiro, que
é que tem se meus antepassados, reis do Povo Brasileiro, degolassem
mulheres, meninos e cachorros? Crime por crime, os da minha
família foram muito menos chinfrins, porque degolar pessoas é muito
mais monárquico do que passar dinheiro falso!”
336
Nessas questões Quaderna não deixa de ter razão. E ter razão é a
necessidade de honra para Quaderna, que “vive apurando quem tem razão! Como se o
fato de ter razão pudesse servir para alguma coisa!”
337
Para o poeta, serve para não
sentir vergonha ou constrangimento pelo seu processo de reordenamento psíquico e
seus anseios, que não são colocados como necessidade do individuo, mas como algo
335
Ibidem, p.370-371.
336
Ibidem, p. 374.
337
Ibidem, p.248.
178
natural pertencente ao gênero humano. Só que ele se coloca como pertencente a um
gênero particular como Rei e poeta, e esses registros imaginários vão preparando o
leitor para a inquestionável sagração de Quardena, como gênio do povo brasileiro.
A Outra questão concernente, mas que não é necessariamente
componente do desejo, embora importante na constituição do sujeito, é a partilha da
herança que representa o pai ausente. A morte do patriarca é o momento de
desagregação familiar e a divisão da sociedade, representa a convulsão social.
Objetivamente, a ordem simbólica confere ao sujeito o reconhecimento de sua
identidade no mundo. Um dos momentos de tensão no romance de Suassuna dá-se com
a chegada de Sinésio Garcia-Barreto, escoltado pelo advogado Pedro Gouveia, Luiz do
Triângulo e o cigano Praxedes para reivindicar sua parte na herança. Oportunidade na
qual o povo pobre e deserdado, infeliz e desgraçado do sertão esperava por acreditar em
Sinésio como o sujeito que traria a felicidade e a justiça para todos. E não é sem
fundamento que os defensores de Arésio e Sinésio representam a divisão de classes na
sociedade. Na defesa de Arésio ficaram a burguesia urbana e a aristocracia rural, nas
pessoas de Antonio Moraes e o Comendador Basílio Monteiro. Já os partidários de
Sinésio eram:
os almocreves, os cambiteiros, os ciganos, as lavadeiras, os
vaqueiros, os cabras-do-eito, as mulheres-Damas, os fazedores de
chapéu de palha, os Cavaleiros, os cabras-do-rifle, as Fateiras, os
Cangaceiros.
– Enfim, eram recrutados entre o Povo, a ralé sertaneja, não é isso? –
interrompeu o Corregedor, meio impaciente.
338
338
Ibidem, p.301.
179
A chegada de Sinésio marca o tempo de agitações: neste mesmo dia o
rapaz do cavalo branco sai ileso de um atentado cuja conspiração, desconfia-se, deve-se
aos partidários de Arésio com o seu consentimento
339
; os partidários de Sinésio abrindo
fogo contra seus adversários e, ainda neste momento, se tem a invasão da cidade por
uma horda de ciganos, que foi tomada por uma coluna avançada que o Cavaleiro da
Esperança havia mandado para mais uma vez subverter o sertão, como já havia feito
com a famosa Coluna Prestes, em 1926. E, mais uma vez, as autoridades entregam a
cidade à própria sorte. Medo de Sinésio e seu bando? Medo da revolução? Os
partidários de Arésio, abrigados na sacristia da igreja, avaliam a situação, tentando
entender o que era aquela coluna que invadiu a cidade e quais eram seus objetivos. Para
o Comendador Basílio, tratava-se de uma revolta comunista, havia o boato de que Luis
Carlos Prestes havia entrado no Brasil com o nome falso de Antonio Vilar com o
objetivo de transformar o país em República Soviética. E esta República Comunista
começaria pelo Sertão do Cariri:
os rebeldes que invadiram, hoje, a nossa Vila, sob disfarce de uma
tribo de Ciganos. Ciganos armados? Ciganos que, segundo corre na
rua, reagiram a bala contra uma emboscada na estrada? E está
provado que o plano deles deu certo! Tanto assim que a Polícia fugiu,
deixando os nossos lares e as nossas casas de comércio expostas à
sanha dos salteadores! A essa altura, estamos à mercê deles! Não
existe mais autoridades constituídas, não existe mais Prefeito, não
existe mais Delegado, não existe mais Polícia, não existe mais Juiz de
Direito, não existe mais nada! O nosso Prefeito, agora, é Luiz do
Triângulo! O Delegado, é o Cigano Praxedes! O Juiz de Direito é o
Doutor Pedro Gouveia! A nossa lei, é a do Trabuco dos cangaceiros!
Uma República comunista está instaurada em Taperoá.
340
A conjuntura vivida era de medo do comunismo. Luís Carlos Prestes
voltara do exílio, entrando no país incógnito com o nome de Antonio Villar, e deveria
339
Vide A pedra do reino, folheto LXII, O atentado misterioso. P.342-358.
340
SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.434.
180
permanecer na clandestinidade. O Partido Comunista Brasileiro dominava a frente
democrática da Aliança Nacional Libertadora, e através dela planejava chegar ao poder,
e optou-se então pelo levante revolucionário com um programa de cunho
antiimperialista e antifundiário. A Revolução comunista poderia estourar a qualquer
momento:
Todo mundo sabe que ele e seus companheiros estão conspirando na
sombra, preparando uma Revolução para, talvez ainda neste nosso
ano de 1935, tomar o Poder e instaurar uma República soviética em
nossa pátria. O fantasma vermelho do Comunismo ameaça-nos por
todos os lados. Os cidadãos pacatos não podem mais trabalhar porque
os comunistas e revoltados de toda natureza inventam, a toda hora,
greves, picuinhas, agressões e atentados de todos os tipos para
perturbar o progresso e o trabalho produtivo e ordeiro.
341
O sonho de revolução é o desejo utópico de mudança social em
Clemente, Quaderna e Adalberto Coura, cada um com programas que assumem a
função do sujeito histórico. Clemente e Adalberto se completam, ambos pensam a
Revolução pelo modelo clássico com um banho de sangue dado pelo povo explorado e
atos terroristas: “O Brasil só será de fato independente quando derrotar o imperialismo
lá fora, e a reação aqui dentro!
342
O internacionalismo de Clemente chama a atenção
para a situação mundial, informando que a Áustria foi anexada à Alemanha,
denunciando a Guerra civil espanhola com o povo espanhol sendo massacrado pelas
tropas do general Franco, a nacionalização das empresas estrangeiras de petróleo pelo
presidente do México, o esquerdista Lázaro Cárdenas. E do México o pedido de revolta
do povo cubano contra o imperialismo. Clemente vê nesta conjuntura o início da
revolução na América Latina. Adalberto Coura também defende um banho de sangue
revolucionário para o Brasil ser um país forte e poder enfrentar e derrotar o
341
Ibidem, p.429.
342
Ibidem, p.511.
181
imperialismo. Mas no Brasil a situação não está desfavorável para um revolução,
Getúlio Vargas já havia instaurado o Estado Novo e posto na ilegalidade a Aliança
Nacional Libertadora e o partido Integralista de Plínio Salgado. Enquanto isso, Osvaldo
Aranha, o submisso lacaio do imperialismo, mandou uma mensagem ao povo e ao
governo dos Estados Unidos, considerada um verdadeiro ato de vassalagem. Como
Quaderna não deseja banho de sangue, nem dado pelo presidente nem tampouco por um
chefe revolucionário, seu modelo de revolução é um desejo imaginário que une a
experiência de Canudos, como república popular de justiça, à beleza fidalga; montaria e
bandeira e a verdade de esquerda e autocrática, todos devendo obedecer a Quaderna,
Príncipe e Sumo Pontífice da Igreja Católico-Sertaneja. O único que parece levar a
revolução como um objetivo é Adalberto, mas lhe falta base social. Clemente, como
disse Eusébio Monturo, trai o povo e a revolução quando se exibe no palanque “feito
um lacaio, ao lado dos senhores feudais do Sertão
343
Quaderna continua sendo interrogado e narra a expedição em busca do
tesouro supostamente deixado pelo pai de Sinésio e Arésio – amealhado pela exploração
de pedras preciosas em associação com Edmundo Swendson – até o momento de
tomada de posições das tropas de Sinésio, ocupando o tabuleiro, e Arésio, ocupando a
rua. Mas, quando se pensa que o confronto entre os irmãos que representam as classes
vai acontecer em desfecho guerreiro, o depoimento de Quaderna chega ao fim, já é
noite, e o jogo da narrativa vingativa e implacável terá que esperar o próximo
movimento dos jogadores em suas crispações guerreiras:
O senhor não vai negar que haveria certa originalidade em eu propor
tudo isso que propus com minha narração, em colocar o pessoal todo
naquela expectativa, com a briga iniciada, os partidários de Sinésio
343
Ibidem, p.318.
182
dum lado, os de Arésio noutro, e depois deixar tudo aí, em suspenso,
como no fim dos romances de José de Alencar
344
.
Nobres Senhores e Belas Damas, o que fica em aberto não é a obra, mas
o entendimento da obra pelo leitor naquela relação social concreta, objetiva na
transmissão de narrativa oral entre o (poeta ou) cantador de histórias e seu público
ouvinte, que segue o foco narrativo, que imagina e também julga a história que ouve.
Por isso, Quaderna conclui que: “terminara minha Epopéia, minha obra de pedra e cal,
edificando, no meio do Reino, o Castelo e Marco sertanejo que tinha sido o sonho de
toda a minha vida.”
345
Vida que também reflete a vida e desejo do autor.
A obra de Quaderna está concluída, o sujeito surge triunfante como sua
identidade simbólica em sua glória de artista finalmente reconhecida no mundo dos
adultos, e seu sucesso social garantido com sua coroação como Rei. Agora, Quaderna já
não tem mais necessidades para desejar, seus anseios estão satisfeitos, seus sonhos
consolidados e a identidade recuperada. Ele é um sujeito completo.
344
Ibidem, p.619.
345
Ibidem, p.622.
183
Capítulo 4
O nome da cidade: Parahyba, capital João Pessoa, Paraíba, capital...?
184
Capitulo IV
O nome da cidade: Parahyba, capital João Pessoa, Paraíba, capital...?
Lá do alto da colina,
uma cidade e seu rio.
– Nossa senhora das Neves?
Filipéia? Frederica?
Que nome melhor lhe fica?
Que dirá dela a Coroa?
Será quando Parahyba?
Quando será João Pessoa?
346
O poder de nomear as coisas é um exercício de poder que emana da
língua, uma dominância ideológica que reflete a historicidade do objeto. O espaço,
como produto social, está à mercê dos acontecimentos políticos. Aqui no Brasil, o
processo de produção social do espaço, a partir da conquista portuguesa, passa a ter a
referência do poder secular religioso, e a formação social que surge exprime este
sentido. O povoamento nascido cidade por ordem real, em homenagem à santa do dia,
recebe o nome de Nossa Senhora das Neves (05 de agosto de 1585/1588) e, a cada
reestruturação política, uma nova designação do espaço retratava com pertinência
expressiva o novo poder. Foi assim que, para homenagear o unificador dos tronos
ibéricos, a cidade passou a se chamar Filipéia de Nossa Senhora da Neves (1588/1634).
Em seguida, no período da ocupação holandesa, a cidade, para prestar outra
homenagem, desta vez ao Príncipe de Orange, foi denominada Frederica (1634/1654).
Reconquistada pelos brasileiros, a cidade foi novamente renomeada, desta vez com o
nome de Parahyba (1654/1930), e, inaugurando a República Nova, sob os auspícios da
Aliança Liberal, a cidade foi rebatizada em nome do seu último conquistador, João
346
SOUTO, Jomar Morais de. Itinerário Lírico de João Pessoa. João Pessoa: UFPB, 1994.p. 29.
185
Pessoa (1930/?), “o super-homem da nacionalidade brasileira.”
347
A cada mudança, diz
Horácio de Almeida, o nome da cidade era assinalado por um banho de sangue
348
.
Esta última mudança
349
dar-se-á sob uma articulada correlação de forças
avassaladora da Aliança Liberal na Paraíba, que em poucos dias de campanha
consolidou a mudança do nome da capital Parahyba para João Pessoa. Processo que
desencadeou a mudança da bandeira e colocou em questão a mudança do hino do
Estado. Vários artigos com o mesmo titulo Parahyba, Capital João Pessoa,
arregimentavam apoio institucional e demonstravam que a iniciativa da mudança do
nome da cidade encontrava apoio não apenas em todo o Estado da Paraíba, mas no país
inteiro. Era uma das maneiras mais justas para se homenagear João Pessoa, dar o seu
nome à capital paraibana, iniciativa que:
encontrou carinhoso acolhimento no Instituto Historico e Geográfico
da Parahyba e em toda população do Estado e em diversos pontos do
Paiz. É justo, pois, que a nossa Assembléa Legislativa, patrocine tão
sublime causa, como sincero pleito a sagrada memória do heroi-
martyr que implantou na terra brasileira o mais edificante dos
exemplos
350
.
A proposição logo se transformou em projeto de lei. Aprovado, a
mudança do nome da capital Parahyba para João Pessoa transformou-se em ato político
contra o governo de Washington Luis que havia autorizado a intervenção federal do
Território Livre de Princesa ocupação por tropas do Exército Brasileiro, logo depois do
assassinato de João Pessoa. A mudança do nome da capital serviu para mandar um aviso
ao governo federal do que estava por vir:
Ella chegou a ser um aviso bem definido ao sr. Washington Luis para
que esse despota fique sabendo de uma vez por toda que isto aqui não
é um burgo podre que se dê de presente a uma malta de bandidos. A
347
João Pessoa, assim chamado por Café Filho em Minha Prece, artigo publicado no Jornal do Norte,
edição de 26 de agosto de 1930.
348
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. João Pessoa: UFPB, 1978. p. 100.
349
Dizem que a idéia de homenagear João Pessoa, dando seu nome à cidade, partiu do poeta Américo
Falcão.
350
Parahyba, capital João Pessoa. Correio da Manhã. João Pessoa. 22 Ago. 1930.
186
Parahyba viverá por si, digna e altiva como a fez e deixou João
Pessôa, Ou morrerá na defesa de sua liberdade. Esqueça de nós o
banditismo do Cattete. Procure outra victima para seus crimes [...]
Mas não queira o sr. Washington Luis augmentar a cadeia do nosso
martyrio... È um aviso. E quem avisa...
351
Outra proposição que estreitou ainda mais a relação da Paraíba com o
movimento da Aliança Liberal foi à idéia de também mudar a bandeira do Estado,
dando-lhe as cores vermelha, da Aliança, e o preto, o luto pela morte de João Pessoa.
Acrescida ao centro, a inscrição NEGO, significando a atitude de rompimento do
governante paraibano com candidatura defendida por Washington Luis:
A Parahyba que já deu nome aurifulgente de seu maior bemfeitor á
nossa formosa Capital, precisa de uma bandeira nova. Precisa de uma
bandeira que lembre a acção e a morte de João Pessoa, que
corporifique o momento de magoa e de indignação intensos que
vivemos [...] precisa de uma bandeira vermelha e preta, que lembre a
Alliança Liberal, a revolta que lavra em todos os espiritos, a dor que
campeia em todos os corações. Dê-se, pós, ao povo, como o povo
justamente quer, uma bandeira que mereça o seu ardor e o seu culto.
352
O Projeto de Lei instituindo a bandeira rubro-negra para o Estado, de
iniciativa do deputado Generino Maciel, aprovado pelo Assembléia Legislativa, é
vetado
353
pelo então governador Álvaro de Carvalho. Considerado um ato anti-político,
tal atitude se contrapunha às opiniões dos amigos, aos interesses revolucionários e à
351
Parahyba, capital João Pessoa. Correio da Manhã. João Pessoa. 02 Set. 1930.
352
MENEZES. Meira de. Não há lugar para a bandeira antiga. Correio da Manhã. João Pessoa. 07 Set.
1930.
353
Eis a argumentação para o veto: “Usando das atribuições que me confere o art.2 da Constituição do
Estado e, considerando que o projeto nº.6 é, em suas linhas gerais como nas suas minúcias da sua
organização, uma simples criação de partido; considerando que a bandeira de qualquer Estado é antes de
tudo, um símbolo da vida normal, uma síntese ideal das aspirações coletivas ou da ambiência em que
envolve a alma do povo que a elege; considerando que a frase inscrita na bandeira que ele cria não é
histórica nem figura no telegrama em que o presidente João Pessoa negou à candidatura Júlio Prestes;
considerando que –nego- desacompanhado de qualquer explicação é, por si só, incompreensível e encerra
um grito de puro negativismo, resolvo vetar este projeto, devolvendo-o à assembléia, para que se
cumpram os dispositivos constitucionais que regem o caso. João Pessoa, 23 de Setembro de 1930. (a)
Álvaro Pereira de Carvalho.” Vide Álvaro de Carvalho em Nas vésperas da revolução e memórias. João
Pessoa, Acauã: 1978. p.66.
187
tirania das massas
354
. Mas um ato consciencioso que, às vésperas da revolução, serviu
de argumento para seus adversários no seio do próprio governo exigirem sua renúncia
ao cargo que ocupava em substituição a João Pessoa. No romance Fretana, de Carlos
Dias Fernandes, o motivo para tais homenagens tem por objetivo conspirar a derrubada
do governador Álvaro de Carvalho, que tem o sugestivo nome de Candido Cedro. Para
isso, contava-se com a certeza da rigidez ética e moral do governante, que trabalharia a
favor das necessidades dos conspiradores para ascender José Américo de Almeida,
personagem Lazaro Lameira, ao poder do Estado:
Ou Candido sancionava a resolução Legislativa, mentindo às
convicções, violando a logica jurídica, abjurando o seu honroso
passado, ou lhe opporia veto, caindo, dest’arte, nas crispadas
garras dos sectarios enfuriados. Deu-se como era de se esperar,
a segunda hypothese: Cedro vetou, Cedro agiu como se
esperava; Cedro Salvou o nome de Microlandia; continuou a
estirpe dos seus grandes homens e foi apeado do poder, mas
sem conspurcar na lama de uma infima apostasia as asas do seu
idealismo. Estavam, pois, retirados do caminho de Lazaro os
dois maiores obices: o Presidente, seu sucessor. O intruso,
adversario de ambos, por dissídio politico, com renhidos
entreveros na imprensa partidária, tornara-se senhor do terreno,
onde podia desdobrar, sósinho, o amarfanhado rolo das suas
inominaveis tramóias.
355
Em resposta ao veto do governador paraibano, a cidade amanheceu
rubro-negra,
356
engalanada com a bandeira que se tornou simbólica da suprema dor do
povo pela morte de João Pessoa, o herói de nossa gente. O veto foi derrubado pela
grande maioria dos deputados. A aprovação da bandeira rubro-negra do Nego começou
a acenar o ocaso político de Álvaro de Carvalho.
354
Era preciso não ter opinião. Para dominar as massas é necessário saber sofrer-lhe a tirania. E eu
resisti-lhes em nome da consciência individual. Politicamente fiquei só. [...] Ali, nos cafés, na imprensa,
na rua, já pregavam abertamente a revolução.” Álvaro de Carvalho em Nas vésperas da revolução e
memórias. João Pessoa, Acauã: 1978. p. 121-122.
355
FERNANDES, Carlos Dias. Fretana. Rio de janeiro: Alba, 1936.p.218-219.
356
“E o povo para demonstrar a sua solidariedade aos deputados liberaes cobriu a cidade de bandeiras
vermelhas [...] estas bandeiras que symbolisam a renovação moral e material da nossa terra, serão
brevemente, o acesso dos opprimidos convocado a nacionalidade para o combate decisivo ao
mercenarismo político.” A Parahyba coberta de bandeiras vermelhas. Correio da Manhã. João Pessoa.
27 Ago. 1930.
188
O romance O dia dos cachorros, talvez seja o primeiro a tecer
comentário a respeito da nova bandeira rubro-negra. A interpretação é semelhante à
justificativa de Meira de Carvalho de relembrar a morte e o luto por João Pessoa, como
se a Paraíba estivesse condenada a viver um luto eterno:
Bem diferente, pois, da bandeira de uma certa província de bosta do
Brasil, de onde o preto e o vermelho –luto e sangue– davam-lhe um
aspecto funerário, como se a bandeira do Inferno, bandeira de fogo e
breu. E depois havia ainda aquele nomezinho ridículo, aquele tal de
“nego” que inventaram de escrever no luto, como se tal bandeira
tivesse sido pensada para ficar eternamente no banzo do meio-pau
357
.
As mudanças simbólicas continuam em andamento, para completá-las
falta algo, mas não está muito difícil de realizar o objetivo de unificar a representação
ideológica:
o sr. João Mauricio de Medeiros lembra com muito proposito e muita
opportunidade que a Parahyba renovada, tendo nova bandeira, devia,
também ter um hymno novo[..] que melhor reflectissem o sentimento
da coletividade parahybana nesta hora de dôr, de luto e de heroismo.
Seria, por certo, uma composição com motivos emocionaes da
bandeira rubro-negra, notas agudas e imperativas, estrofes
flammejantes de bravura e revolta, traços profundos da mentalidade
parahybana no instante maximo de seu nobre e destemeroso
sacrificio.
358
Não foi o hino paraibano que trouxe para reflexão da comunidade a
realidade paradigmática de dor, luto, heroísmo e revolta, mas o Hino a João Pessoa
359
,
que o retrata como um fenômeno passageiro
360
e que parece reviver o mito sebastianista
357
ARAÚJO, Aldo Lopes. O dia dos cachorros. Recife: Bagaço, 2005. p.167.
358
OLIVEIRA, Raphael Corrêa de. O hymno parahybano. Correio da Manhã. João Pessoa. 14 Set. 1930.
359
Hino a João Pessoa, música de Eduardo Souto e versos de Oswaldo Santiago, cantado por Francisco
Alves. Em 25 de setembro de 1930, o jornal Correio da Manhã noticiou: “Esta alcançando em todo paiz
grande sucesso, o hymno a João Pessoa (...) o novo hymno foi hontem pela primeira vez ouvido nesta
Capital na “Casa Odeon”, que recebeu um disco de amostra e fez immediatamente um grande pedido,
para attender a innumeras encommedas.”
360
Hino a João Pessoa: ”Lá no Norte um herói altaneiro/ Que da Pátria o amor conquistou/ Foi um vivo
farol que ligeiro/ Acedeu e depois se apagou/ João Pessoa, João Pessoa/ Bravo filho do sertão/ Toda
pátria espera um dia / A tua ressurreição/ João Pessoa, João Pessoa/ O teu vulto varonil/ Vive ainda, vive
ainda/ No coração do Brasil... Outros hinos embalaram a revolução como o Hino as mulheres paraibanas,
hino de Princesa, Hino Juarez Távora, entre outros, registro realizado por Domingos de Azevedo Ribeiro
em João Pessoa e a música, encontramos todo repertório da revolução.
189
da ressurreição
361
. Fez grande sucesso. Mas com a Revolução vitoriosa e com tanta
coisa de ordem prática para se fazer, algumas questões tornaram-se questiúnculas diante
dos problemas da nação. No entanto, a Paraíba havia se transformado em palco de
enfretamento e principal opositor ao governo central, e as mudanças acontecidas na
Paraíba serviram para rearticular os conspiradores da Aliança Liberal. Os
acontecimentos paraibanos ou a eles relacionados foram o rastro de pólvora que se
alastrou, convocando
362
os demais estados que compuseram a Aliança Liberal para a
ação
363
. A Revolução será consolidada em outubro de 1930. E na Paraíba o programa
estético da Revolução tem continuidade. A Praça João Pessoa receberá, em homenagem
ao homem que empresta o nome à capital paraibana, um opulento monumento de
autoria de Umberto Cozzo.
Retratos de João Pessoa adornam os lares, e fivelas com sua esfinge em
cintos ilustram os umbigos dos paraibanos
364
. João Pessoa tornou-se uma mercadoria
pronta para o consumo político a serviço da Revolução e manipulação das massas. A
Paraíba, antes, pequenina e boa, era agora, pequenina e doida. E a Paraíba continua a
ostentar em seu espaço e espírito a representação do seu passado conspiratório que
361
Na coluna do jornalista Cláudio Humberto, João Pessoa, já ressuscitado, escuta em família e entre
amigos o hino em sua homenagem póstuma em Gramofone impertinente – Poder sem pudor: “O refrão de
um hino em todo o País, em 1930, dizia “João Pessoa, João Pessoa, bravo filho do sertão”. Orgulhoso, o
homenageado comprou um gramofone e chamou os amigos e a família pra ouvir a música. O problema é
que o disco estava arranhado e empacou no final da estrofe: – Bravo filho, bravo filho, bravo filho... Sem
entender de disco ou de gramofone, João Pessoa ordenou a mulher: – Leve as meninas lá para dentro, esse
troço está querendo dizer um palavrão...” Correio da Paraíba. João Pessoa, 15 Nov. 2007. Brasil.. p.5.
Erro histórico do qual Wellington Aguiar solicitará reparação?
362
A epopéa da libertação brasileira ha de ser escrpta e realisada pelo povo do norte cançado de soffrer
no abandono e na humilhação em que vive. O deputado João Neves não se enganou quando disse que a
luz do nordeste illumina o Brasil. O soldado e o povo nortista seguindo a estrada que lhes abriu o
heroísmo de João Pessoa cumprirão o seu dever e salvarão o Brasil na hora que todas as energias lhes
faltarem.” A luz que vem do Norte. Correio da Manhã. João Pessoa. 01 Out. 1930.
363
“O Rio Grande tem extraordinarias responsabilidades neste momento e a maior dellas é dar o golpe
seguro sobre a tyrania. Confiemos um pouco e cuidemos de nós... O Rio Grande cumprirá a sua palavra.”
Café Filho em O presidente ficou como matuto entre gente grande. Jornal do Norte. João Pessoa, 23 set.
1930. Antes disso, o Senador Flores da Cunha, protestando contra a ação do governo central na Paraíba,
havia declarado: “Basta de palavras. Nesta altura dos acontecimentos, só comprehendo uma attitude; é a
ação. Precisamos agir.” Discurso divulgado no jornal Correio da Manhã. João Pessoa. 03 Set. 1930.
364
Como anunciado nos Jornais Correio da Manhã e Jornal do Norte: “Fivelas para cintos de homens
com o retrato do presidente João Pessoa. Vende “A cearense”. Avenida Beurepaire Rohan,100”
190
desembocou na Revolução de 30 e nos deu um Brasil moderno. Mas é de suas entranhas
ideológicas, da exacerbada representação Liberal da Revolução de 30 no campo
imagético da cidade e da experiência cotidiana da realidade que une a Paraíba ao
inconsciente político da revolução lança sua rede de significantes na organização de
estratégias discursivas para continuar a disputa ideológica, ação que se repete como
sintoma do reprimido, cujo resultado é a liberação da ordem simbólica que se manifesta
na forma de fenômenos culturais como o nome da cidade e os símbolos cívicos que lhes
servem de códigos, como apregoa o historiador Wellington Aguiar: A idéia não é nova
nem original. De vez em quando, um ou outro político mergulhado no ostracismo
resolve aparecer e procura a imprensa para propor a substituição do nome da cidade.
365
Nestas últimas três décadas, a lista de quem argumenta em favor da
mudança do nome da cidade volte ao topônimo anterior ou outro qualquer tem
aumentado, justificando-se que a troca do nome aconteceu “num clima de forte carga
emocional que num processo relâmpago se mudou o nome da capital para João
Pessoa.
366
Mas a história também é feita com emoção, e o pedido de mudança seria a
manifestação da negatividade que o atual nome provoca, tanto é que existem
proposições de nomes que não estejam relacionados à representação dos grupos
oligárquicos, como Cabo Branco
367
, uma denominação que, na opinião daqueles que
fazem a Organização Não-Governamental Parahyba Verdade, não está marcada por
rancores ou ódios da tragédia de 1930 – além de ser um nome muito atrativo, que possui
365
AGUIAR, Wellington. Nome que honra. A União. João Pessoa, 29 Jul. 1978.
366
LUCENA JUNIOR, Alberto. Paraíba, capital Cabo Branco. A UNIÃO. João Pessoa, 26 Mai. 2001.
Idéias. p.21.
367
ARANHA, Carlos. Paraíba. Capital: Cabo Branco? O Norte. João Pessoa, 30 Ago. 1995. Show.
p.2.Outros jornalistas opinaram em suas colunas, como, William Costa: “Cabo Branco,eis uma boa
opção.” A UNIÃO, em 14 de março de 1999. Ou ainda em 5 de março de 2006, em artigo Troco sangue e
luto por cores matinais, no jornal O Norte defendendo um possível plebiscito, reafirma: “ Cabo Branco é
a minha opção.”
191
uma energia positiva
368
. Ou Sanhauá
369
. Outro nome que permanece sendo sempre
lembrado é Paraíba (do Norte), topônimo que resistiu por mais de dois séculos à política
paraibana. Entretanto, existe outra proposição de nome para a cidade que tenta unir o
inconciliável:
Paraíba, capital São João. Com a mudança, resolveríamos vários
problemas. Para os que idolatram a memória do presidente
assassinado, o nome João permaneceria. E canonizado! Os familiares
de João Dantas, até hoje injuriados com a homenagem feita à vítima,
seriam contemplados, já que a mudança também guardaria uma
referência ao nome de quem apertou o gatilho contra o coração dos
Pessoa. A Capital seria beneficiada já que deixaria de ser ringue de
uma disputa tão jeca quanto bisonha, e de quebra ainda ganharia o
marketing anual que é feito para divulgar “o maior João do mundo”
que acontece em Campina. São João para a capital. A idéia está
lançada
370
.
A designação atual João Pessoa, indubitavelmente, encontra-se com
maior força política. Em 1999, um deputado estadual paraibano, embasado no artigo 82,
que trata das ações transitórias da Constituição do Estado da Paraíba, o qual determina
que: “O Tribunal Regional Eleitoral realizará consulta plebiscitária a fim de saber do
povo de João Pessoa qual o nome de sua preferência para esta cidade.” Para quem
defende a mudança do nome da cidade, o plebiscito seria uma oportunidade democrática
de resolver esta disputa que se arrasta aos dias atuais. Entretanto, a posição contrária a
que se atenda o que recomenda a Constituição Estadual, pelos defensores de João
Pessoa, justificada pela urgência de se resolver as carências do Estado, como problemas
de ordem “moral e material.”
371
E o alto custo para a realização do plebiscito pelo
Tribunal Regional Eleitoral sempre foi considerado proibitivo, cerca de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais), um valor muito elevado para um Estado que carece
368
PARAHYBA VERDADE. Quando a cidade completa 422 anos. Correio da Paraíba. João Pessoa, 05
Ago. 2007. Política. p.7.
369
BRONZEADO, Iremar. Sanhauá é teu nome. O Norte. João Pessoa, 19 Mar. 1999. Opinião. p.7.
370
GALVÃO, Walter. São João pra capital. Correio da Paraíba. João Pessoa, 27 Ago.2003. Caderno2.
p.3.
371
MACHADO, Jório. João X Jampa. O Norte. João Pessoa, 19 Mar. 1999. Opinião. p.7.
192
de educação, segurança pública, saúde, moradia e emprego para o povo
372
. Mas para
quem deseja ver o plebiscito realizado, o negócio é encontrar alternativas que ponham
por terra a má vontade política dos “pessoistas” na contra-argumentação orçamentária.
O gasto com o plebiscito para mudar o nome da cidade seria quase inexistente,
colocando a pergunta plebiscitária “no programa das urnas eletrônicas de João Pessoa,
quando do pleito municipal, como manda a Constituição Estadual.”
373
Contudo,
pergunta-se:
Será que João Pessoa ficará mais bonita com o novo nome? Os
turistas começarão a fluir dadivosamente a nossa capital e ao estado
pela simples nomenclatura? As indústrias terão novo atrativo e
incentivo com o novo vocábulo? Com certeza as coisas continuarão
do mesmo jeito (...) O debate está aberto nos jornais e rádios.
Aguardemos o rumo dos acontecimentos. Mais uma vez acreditamos
no esmorecimento do assunto. Um plebiscito talvez cale para sempre
as vozes contestantes. Seria o selo da história
374
.
Pensar desta forma é ter que responder em que melhorou a vida dos
paraibanos ao se trocar o nome da cidade de Parahyba para o nome do político de
Umbuzeiro? Ou ainda culpar o atual nome João Pessoa pelo atraso econômico porque
passa a Paraíba? São questões que não se sustentam, apenas se desviam das questões
relativas ao resquício do poder oligárquico pela descendência que impera na tradicional
ocupação de cargos públicos ou eletivos. Assim, mudar o nome da cidade acaba sendo
tomado por uma questão sem importância, como apregoam os “pessoistas” que tentam
passar a opinião deles como se fosse também a opinião do povo
375
. Entretanto, este tipo
de argumento não cala mais o “povo”:
372
TEIXEIRA, Antonio Edílio Magalhães. O verdadeiro plebiscito. O Norte. João Pessoa, 16 Mar. 1999.
Opinião. p.7.
373
Proposição de Arael Meneses citado por Rubens Nóbrega em Custos do plebiscito. Correio da
Paraíba. João Pessoa, 23 Jan. 2008. Política. p.4.
374
MARTINS, Joaquim P. Paraibense... Correio da Paraíba. João Pessoa, 19 Mar. 1999. Opinião. p.2.
375
“A idéia é de quem quer aparecer (...) Em nossa opinião ou na opinião geral do povo, os defensores
dessa mudança deveriam exercer os mandatos para os quais foram eleitos cuidando dos problemas
cruciais da população. (...), o melhor para o momento é acabar com essa polêmica tola que não leva a
193
Ora, se realmente fosse uma questão de menor importância – como
dizem alguns – volta e meia, não retornaria à boca do povo. Desde
que me entendo por gente que escuto esse dilema “mudar ou não
mudar o nome da cidade” – eis a questão. Então por que não
solucionar isso de uma vez por todas? Vamos escutar a voz do povo e
ver o que ele deseja, aí, sim, se encerrará o assunto.
376
Não se deseja necessariamente acabar com esta situação, pois o que interessa
mesmo é apenas a retomada do debate acerca do nome da cidade e a história da
Revolução na Paraíba, visto que não se pode discutir a mudança do nome da cidade sem
se debater a revolução e seus agentes:
Passados setenta e sete anos ainda se pretende uma mudança de nome
por absoluto incômodo pessoal sem que se observe em nenhum
momento ser movimento oriundo da massa, do povo, da choldra, da
população [...] Por favor, deixem João Pessoa em paz, ambos o
estadista e a Capital.
377
Como esquecer o que foi tecido pela memória histórica nestes setenta e
sete anos, se os seus agentes não saíram de cena e a realidade simbólica do passado se
reproduz tanto no reforço daqueles que pedem a mudança do nome da cidade, quanto
dos “pessoistas” que vêem no debate sobre o nome da cidade uma ofensa à memória do
morto. A história vive sendo reescrita o tempo todo pela repetição de um tempo que
parece circular, mas são os argumentos reprimidos que retornam quando os que
defendem a mudança do nome da cidade dizem que não estão se posicionando contra a
figura do homenageado como estadista, administrador extemporâneo, ou contra o valor
histórico do político ou do homem João Pessoa ético e de moral elevada, mas só estão
sendo contra a representação negativista da história como tragédia – como foi
nada”. ARAÚJO, José Jacinto de. Mudar o nome da capital. O NORTE. João Pessoa, 09 Abr. 1999.
Opinião. p.7.
376
Liana Espínola de Carvalho, citada por Carlos Pereira em O nome da capital. O Norte. João Pessoa, 16
Ago. 2003. Opinião. p.6.
377
AQUINO, Carlos Pessoa de. João Pessoa. . Correio da Paraíba. João Pessoa, 13 Nov. 2007. Opinião.
p.6 .
194
construída na Paraíba de 1930 – , como se desconhecessem que a história é resultado,
em sua grande maioria de acontecimentos trágicos. Todos expõem suas mágoas e dores,
acrescentando seus pontos. Os “pessoistas” vêem neste debate sobre o nome da cidade o
ressentimento perrepista, coisa de quem quer aparecer, coisa de quem não conhece a
história paraibana, coisa de político querendo projeção midiática. Contudo, a defesa
predileta de alguns historiadores é criticar aqueles que pedem a mudança do nome da
Capital paraibana, e não a crítica que eles tecem:
Vez que outras figuras menores, querendo aparecer na mídia,
propõem a mudança do nome da Capital. O texto recente do sr.
Bertrand Lira
378
sobre o assunto, publicado neste jornal, trouxe porém
uma inovação: ele deu duas vergonhosas babadas no poderoso Ariano
Susassuna. Na certa quis agradá-lo servilmente, tentando obter
proteção e amizade do inimigo rancoroso do Presidente João Pessoa.
Alguns sabem o motivo de tal ódio.
379
Expor opinião que não sirva para a manutenção do status quo é sofrer uma
condenação moral e intelectual, já quem pensa diferente, ou seja, iqual, possui um
juízo de quem conhece a fundo a História da Paraíba (...). Possuidor de profunda
cultura”
380
, ou “paraibano de alto nível intelectual
381
”. E como não poderia deixar de
ser, quem se manifesta contra o estabelecido, não passa de ”figuras menores (...) sempre
se posicionando contra João Pessoa e cometendo erros clamorosos de História da
Paraíba.”
382
Elogiar quem defende João Pessoa não é bajulação e nem tampouco
servilismo voluntário de quem enunciou tais sentenças. Trata-se da relação desse
escritor com o mundo e com o conhecimento sobre o mundo que o gerou como
378
LIRA, Bertrand. Devolvam o nome Paraíba à cidade do Cabo Branco. Correio da Paraíba. João
Pessoa, 25 Fev. 2006. Caderno2. p.6 .
379
AGUIAR, Wellington. João Pessoa, ontem, hoje, sempre. Correio da Paraíba. João Pessoa, 02 Mar.
2006.Caderno2. p.6 .
380
AGUIAR, Wellington. João Pessoa:opiniões dos grandes. Correio da Paraíba. João Pessoa, 16 Mar.
2006. Caderno2. p.6.
381
AGUIAR, Wellington. João Pessoa e Agassiz. Correio da Paraíba. João Pessoa, 07 Fev. 2008.
Caderno2. p.6.
382
Ibidem
195
indivíduo. Contudo, qual o motivo para a devoção visceral? Interesses da classe
dominante que o elegeu para fazer a defesa de seus valores na sociedade:
O que move Wellington Aguiar é, antes de tudo, o amor pela
verdade, o seu compromisso com os seus ideias de justiça, de
democracia, de ética e de respeito ao interesse público (...) Hoje é
tempo de agradecer a Wellington Aguiar. Mas não apenas em nome
da família Pessoa. Esse agradecimento vai em nome de todos os
paraibanos a um homem que tem dedicado a sua vida a garantir a
integridade da nossa história, a elevar a nossa auto-estima , a
refrescar a nossa memória e a não permitir que os algozes da
democracia, os detratores da verdade, os inimigos da Paraíba
confundem a opinião pública, transformando vilões em heróis e
heróis em vilões
.
383
Debater as mudanças ocorridas na história da comunidade a partir da
revolução, não acaba o regime democrático. Pelo contrário, a democracia se fortalece na
comunidade, trazendo-se à tona o que antes não era permitido. Querer o debate histórico
sobre as causas que mudaram o nome da cidade não é detratar a verdade e nem
tampouco confundir a opinião pública, mas fazê-la ir além da opinião publicada. É
trazer a opinião do povo para o debate para que o herói possa derrotar o vilão, pois no
debate democrático tudo deve acabar bem, até mesmo quando nossas proposições são
rejeitadas. Sendo resultado da maioria, mesmo que consideremos a maioria equivocada,
o resultado terá sido fruto do debate e da argumentação e, portanto, legítimo.
O debate sobre a mudança do nome da Capital nunca arrefece, dos jornais
paraibanos a polêmica é transferida para a rede mundial de computadores,
384
regressando à imprensa. Prossegue assim, o itinerário do inconsciente político, e, como
no passado, depois do debate sobre o nome da cidade, o próximo passo é sobre outra
mudança, desta vez a bandeira rubro-negra:
383
JUREMA, Abelardo. As razões de uma paixão. Correio da Paraíba, João Pessoa, 28 Jul. 2005.
Caderno2.p.8.
384
ARANHA, Carlos. Nome e plebiscito (João Pessoa é polêmica na Internet). Correio da Paraíba, João
Pessoa, 15 Jul. 2006. Caderno2.p.4. A mediadora desta polêmica é a revista eletrônica SE TOQUE,
editada por Henrique Magalhães.
196
Primeiro foi a proposta de mudança do nome da cidade de João
Pessoa para Filipéia ou outro qualquer. Não deu certo. Agora a
idéia é mudar radicalmente a bandeira da Paraíba para uma
mais colorida, menos ‘down’(...) Desta vez quem sabe, a idéia
seja absorvida
385
.
Ironicamente, a argumentação em defesa das mudanças que marcaram a
sociedade em 1930 é, agora, utilizada na contra argumentação:
A nossa bandeira é um mausoléu, um símbolo fúnebre com a marca
da vingança e a palavra-chave do negativismo e da discórdia: Nego.
(...) a vida dos paraibanos nestes últimos 55 anos, foi influenciada
negativamente por um símbolo sombrio que traduz mágoa, tristeza e
contrariedade
386
.
Convidado a opinar sobre a mudança da bandeira paraibana, Ariano
Suasssuna informa que na bandeira rubro-negra existem dois erros; o primeiro é a
palavra Nego, e o segundo é a sobreposição de cores, que não é permitida pelas leis
heráldicas. Contornando os problemas políticos, mas não esquecendo, o escritor
recomendou as seguintes modificações, mantendo a mesma simbologia originária da
tragédia de 30:
Pelo que me dizem, o preto é luto pela morte do presidente João
Pessoa. O vermelho do sangue derramado ou qualquer coisa. Então,
eu sugeri que continuasse o preto e o vermelho, separasse com uma
linha de ouro, amarelo, para modificar esse erro heráldico. E sugeri
para fazer uma homenagem ao presidente João Pessoa o símbolo da
família Pessoa, que são seis crescentes de ouro, colocados em pares.
(...) A sugestão que eu fiz lá, morreu lá mesmo. Ninguém levou pra
frente
387
.
A proposição de Suassuna é realmente boa para completar a representação
de dominação da oligarquia Pessoa na Paraíba, identificando o espaço como um
385
VEIGA, Gisa. Bandeira da Paraíba pode mudar. O Norte. João Pessoa, 23 Mar. 1997. Política. p.7.
386
MARINHO, Armando Nóbrega. A poesia do Nego. O Norte. João Pessoa, 02 Nov. 1995. Show. p.2. E
ainda sobre esse debate relacionado à bandeira rubro-negra da Paraíba, temos: Do Nego aos arranha-céus,
no jornal O Norte, em 16 de abril de 1997o do mesmo autor da Poesia do Nego; de Irene Dias Cavalcanti,
Nego. Correio da Paraíba, em 12 de abril de 1992.
387
Ariano Suassuna em entrevista a Helder Moura. Correio da Paraíba. João Pessoa, 30 Nov. 1997.
Domingo. p.11-12 .
197
domínio privado e não público, como reconhece a epígrafe logo aos pés do monumento
ao governante paraibano: “A João Pessoa a Paraíba”. A João Pessoa não só a capital,
mas todo o Estado, uma doação pelo merecimento em transformar uma Paraíba
pequenina em um grande exemplo de luta em defesa da autonomia e da democracia
federativa.
Então, assim como em relação à cidade, que permanece recebendo
proposições de nomes, também se levanta o movimento pela mudança da bandeira do
Estado, como propôs o ex-presidente da Assembléia Legislativa da Paraíba, Inaldo
Leitão, querendo mudar a bandeira rubro-negra, “down”, para uma bandeira mais
alegre. Mas como ninguém levou a idéia à frente, a proposição acabou esquecida.
Como incursão do inconsciente político, o debate acerca da mudança do
nome da Capital acaba sempre por encontrar uma oportunidade para vir à tona,
realidade que vai e vem como uma sensação de déjà vu. Uma dessas possibilidades foi
em entrevista concedida pelo prefeito da Cidade que, questionado sobre a mudança do
nome da capital, não tergiversou:
O prefeito Ricardo Coutinho não acha nada de mais que o plebiscito
sobre o nome da Capital seja submetido aos pessoenses (...) Na
conversa de ontem, ele surpreendeu: disse com todas as letras que
não concorda com o nome de João Pessoa como capital da Paraíba.
Cuidou de deixar claro que nada tem contra a figura do homem
público que sucedeu João Suassuna, mas revelou concordar com o
estigma de ódio e rancor que preservam estas homenagens.
388
Alertado pelo jornalista que o entrevistava sobre a reação que sua opinião a
respeito do plebiscito poderia causar, o prefeito declara saber do problema, mas afirma
que sua opinião acerca desta questão é pública e que o plebiscito é uma forma
democrática para resolver se o povo da cidade muda ou não o nome da capital. Ele
388
ALMEIDA, Agnaldo. Vamos mudar o nome? O Norte. João Pessoa, 07 Ago. 2007. Política. p.5.
198
ressalta, no entanto, este assunto não será uma prioridade de sua gestão: “Não vou
transformar isso no grande debate do município e nem polemizar.”
389
Reafirmar o que já havia sido dito acaba sendo a tarefa para não se prolongar
a questão com uma polêmica imprópria para o momento:
Secretário adjunto de articulação política da Prefeitura, o ex-
vereador Fernando Milanez ficou feliz ao saber que o prefeito
Ricardo Coutinho não estaria patrocinando a idéia do plebiscito
para mudança do nome da Capital. Sobrinho neto de João
Pessoa, Milanez reagiu com indignação às primeiras notícias
sobre o assunto, “mas jamais acreditei que o prefeito pudesse
estar por trás dessa iniciativa que vai contra a história da cidade
que o elegeu”.
390
A polêmica que, consubstanciada pela ordem do tempo, tornou-se cíclica e
atravessa gerações de paraibanos. Aliás, no entendimento de Wellington Aguiar:
Já está por findar a temporada de mudança do nome da Capital. Pois
essa história de dar outra designação à cidade é cíclica, sim.
Promovida sempre por dois ou três energúmenos, que não conhecem
a História da Paraíba, tal campanha vem e vai sem maior importância
.
391
Talvez por conhecer e por ter a certeza de que a história em seu processo
pode ser mudada, independente das posições fossilizadas do pensamento autoritário e
arrogante desse ou daqueles indivíduos que não aceitam o debate acerca do político e
que divergem com a indignação por essas polêmicas, é que o objeto importa ao
inconsciente como uma questão desnecessária:
Os políticos paraibanos parecem não ter o que fazer. A Paraíba com
tantos problemas graves para resolver, principalmente a questão do
desemprego e do empobrecimento assustador da população, e nossas
lideranças políticas se deixam envolver num festival de besteiras,
trazendo para a discussão política o tema da mudança do nome da
cidade de João Pessoa. Eles dão, assim uma prova do elevado grau de
389
POLÊMICA – Prefeito diz que qualquer mudança no nome de João Pessoa deverá passa pela
realização de uma consulta com a população. O Norte. João Pessoa, 07 Ago. 2007. Política. p.4.
390
JUREMA, Abelardo. Reação. Correio da Paraíba. João Pessoa, 08 Ago.2007. Caderno2. p.8.
391
AGUIAR, Wellington. João Pessoa, nome que nos honra. Correio da Paraíba. João Pessoa, 16 Ago.
2007. Caderno2. p.6.
199
indulgência política e tentam contra a memória de um homem, que
junto com Getúlio Vargas, defendeu as idéias que estruturam o Brasil
como Estado e como nação.
392
É como se o passado demorasse a chegar e o presente ficasse prisioneiro
desta situação psíquica, na qual mudam-se os atores mas os argumentos resistem ao
tempo e se inscrevem na história como uma instituição cultural fundada na dimensão do
inconsciente político. O nome da cidade e os símbolos cívicos servem de códigos
ideológicos aos argumentos na representação textual da realidade que incomoda, é
reprimida, esvaziada, e torna-se uma sombra que nos acompanha segredando aos
ouvidos que está pronta para voltar a incomodar, fugindo ao controle, querendo ser
importante como uma questão pública querendo uma solução definitiva:
A estética negativista, o parti pris, o sorumbatismo de nossas insígnias
incomodam e preocupam. É ingenuamente cínica a afirmação de que
há coisas mais importantes para se discutir. Tudo é importante na
perspectiva orgânica da busca da perfeição. Como asseverou o poeta
luso, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Urge a
formação de um comitê de luta pela mudança dos símbolos cívicos do
nosso Estado, com o objetivo de apressar o que, algum dia, de
qualquer forma, terá que ser feito.
393
Nesta querela dos símbolos o que incomoda é a representação do Outro.
A temática do eterno retorno acontece porque os símbolos e o nome da cidade estão
atrelados à fração vitoriosa da Revolução de 30. Quase tudo de significativo na capital
paraibana leva a marca da disputa política, e a referência ao grupo oligárquico da
família Pessoa e ao seu representante maior João Pessoa, esse nome que representa o
poder que celebra uma época. Mas o que expressará o povo
394
quando “intimado” para
opinar em plebiscito sobre o nome da cidade? Será João Pessoa? Paraíba... Que nome
392
CARVALHO, João Manoel de, A indulgência dos políticos. Contraponto. João Pessoa, 09 Ago.2007.
Política. p.5.
393
BRONZEADO, Iremar. A querela dos símbolos. O Norte. João Pessoa, 26 Abr. 1997. Opinião. p.3.
394
Em pesquisa de opinião pública realizada pelo jornal O Norte /Brasmarket, em resposta à pergunta
“Você é a favor da mudança do nome da Capital paraibana”? Entrevistados 500 pessoas, o não obteve
92,6%, o sim: 5,6% e outros: 1,8%. Conforme matéria de Gisa Veiga em Pessoense é contra mudança,
em O Norte. João Pessoa, 21 Mar. 1999. Política. p.3.
200
melhor lhe fica? Se a cidade em que se mora possui um nome que não agrada, não mude
de cidade, mude o nome dela.
O inconsciente político está sempre a espreitar o cotidiano, e, quando
menos se espera, eis que tudo recomeça:
Vale lembrar que somos a única capital brasileira com o prenome e
nome de um político local. Florianópolis quase disfarça a
homenagem ao ilustre presidente alagoano. Por outro lado, a nossa
bandeira rubro-negra não nos deixa esquecer o ocorrido há mais de
sete décadas. Não há como negar que as atuais denominação e
bandeira foram escolhidas em momento se não de ódio, pelo menos
de paixões exacerbadas
395
.
O motivo para não se esquecer dos acontecimentos ocorridos a mais de
sete décadas é que a disputa política envolvendo os grupos oligárquicos encontrou
outras maneiras de continuar a disputa ideológica, o âmbito da cultura, meio pelo qual o
inconsciente político se consolidou na perspectiva de ruptura ou de manutenção da
materialidade das homenagens que a memória se manifesta no controle dos
monumentos, símbolos, datas e rituais. Assim, o inconsciente político espreita o
cotidiano visando rotas de fuga da realidade opressora para a liberdade que se deseja;
para o debate político, para a mudança, para o devir histórico, tão certo como o passar
dos dias:
395
REGO FILHO, Antonio Serafim. Parahyba. Correio da Paraíba, 13 Set. 2007. Opinião. p.6. E como
não poderia deixar de acontecer, a resposta para esse artigo chega, a 27 de setembro de 2007, por
Wellington Aguiar em Resposta a um professor – 1, no mesmo jornal, no qual informa a todos nós que no
artigo de Antonio Serafim contem erros históricos. E como o artigo de Aguiar vem enumerado,
esperamos outros comentários a respeito do artigo do professor, ou comentários sobre a opinião de Cícero
Caldas Neto sobre a Bandeira do artigo publicado no Correio da Paraíba, em 20 de setembro de 2007. A
disputa pelo nome da cidade e seus símbolos continua em Resposta a um professor – 2 e Resposta a um
professor – 3, publicados no jornal Correio da Paraíba em 04 e 11 de outubro de 2007. Neste último
compara as mudanças ocorridas na França de 1789 à “Revolução de 30”, as mudanças relativas ao
vocabulário nas relações sociais,como a substituição da bandeira, hino, as imagens etc, mas quanto ao
ideário a distancia é maior do que o tempo que as separam. Mas a cantilena permanece a mesma sobre as
mudanças do nome da velha cidade paraibana: “A velha França nunca pensou em trocar seus símbolos
maiores, todos surgidos “no calor da emoção.” Enquanto isso, os bobos daqui continuam escrevendo
besteiras, na maioria das vezes tentando aparecer...” A respeito da relação dos homens com a capital
paraibana, inclusive sobre a querela que o atual nome suscita, vide o livro de Rossana Honorato, A cidade
entrevista, UFPB, João Pessoa, 1999. 396p.
201
se não se muda o nome da cidade em 2008, se muda em 2010, 2015, ou
mais. Mas que muda, muda! Pois essa coisa vai se tornar uma luta. Os
fatos e as fotos da Paraíba de 1930 mostram que não houve “luta” que
mudasse o nome da capital de nosso Estado. Houve sim, muita baderna,
quebra-quebra, incêndios, humilhações, torturas, assassinatos e
diáspora. E o pior, só uma versão oficial, a dos vencedores, não houve
uma Anne Frank que deixasse um diário. Mas, mesmo sem ele, a
Verdade está vindo à tona e todos serão conscientizados
396
.
O vaticínio do jornalista aponta para a iminência do conflito, mas recua e
o arremete para o futuro, volta para o subterrâneo da sociedade para sobreviver e
retornar sempre provocativo, a semear vento à espera da tempestade, a querer
conscientizar a todos de uma história inconclusa que se arrasta como fogo na trilha de
pólvora da verdade cujos estilhaços atingirão a todos nós um dia. Verdade que nunca
demorou a chegar, ela sempre esteve a serviço da política e refugiada na arte. E a cidade
atrelada à verdade política da Aliança Liberal é um texto que se decifra no debate entre
membros da família Pessoa e José Plácido de Oliveira, que fez a seguinte interpretação
do monumento a João Pessoa que se encontra na praça do mesmo nome:
Monumento trabalhado pelo escultor fascista italiano Umberto
Cozzo. Nesta obra vê-se o ex-presidente à frente, tendo à sua
retaguarda estátuas de homens extremamente corpulentos,
alguns empunhando o cabo de sabres punhais, usados na
Alemanha por nazistas, na Itália por fascista e no Brasil por
integralistas. Esses vultos humanos ali representados pelas
estátuas são membros da denominada “Raça Ariana” naquela
época sonhada por Adolfo Hitler, para governar o mundo. Por
que o ex-presidente João Pessoa, em estátua, encontra-se ao
lado de nazistas?
397
A resposta para este questionamento é que se encontra ali o reflexo da
estética dominante da década de 30, que espalhou sua ideologia por uma grande parte
do mundo. A resposta para a pergunta não deve ser dada fora da esfera política, assim
como a interpretação estética da obra. Outras referências ao nazismo na Paraíba
396
ARANHA, Marcus. Sem Anne Frank. Correio da Paraíba, 16 Set. 2007. Opinião. p.9.
397
OLIVEIRA, José Plácido de. Defensor de João Pessoa, O Norte, João Pessoa, 13 de Abr. 1995. Show.
p.4.
202
poderiam ser encontradas, caso o ex-governador Antonio Mariz não tivesse ordenado a
retirada de um assoalho do Palácio da Redenção decorado por suásticas. Mas outra
referência pode ser vista: trata-se da águia nazista em alto relevo que decora a parede
lateral da igreja matriz na cidade de Rio Tinto.
Nesse confronto inadiável, escolha as armas que lhe convier: a espada
ideológica da política ou a pena crítica da estética? Ou ambas as opções, pois este
confronto continua com os defensores do status quo querendo, sobre os escombros do
passado, determinar o certo e o errado no que é de uso ideológico.
Que as forças sociais comprometidas em revogar ou não o nome da
capital paraibana e os símbolos que atrelam a Revolução de 30 à Paraíba ponham seus
blocos na rua
398
e façam a devolução dos fastos da história, e que o nome da cidade
resulte da necessidade dos homens em sua nova identidade com o espaço que ocupa. O
irônico é que, seja qual for o resultado desta questão, a disputa pelo nome da cidade em
restituição de um nome da cidade, do passado ou outro qualquer, parte da necessidade
da própria história dos homens na busca de unidade psíquica com a comunidade como
algo que foi esquecido, cujas referências buscassem outros significantes. Necessidade
que se inicia com o processo simbólico da Revolução de 30, construído pela
maquinação política para distribuição e consumo de uma verdade, que já não legitima e
nem reproduz a história política da Revolução de 30, este marco de mudança política e
social que instaurou um novo modo de vida, o urbano. Aporia que, no embate político,
produziu processos ideológicos que sobrevivem pela repetição inconsciente, este vai-e-
vem, às vezes sério, outras vezes humorado, mas que não perde a ternura provocativa:
“Se nosso burgo tivesse o nome dela, seria mais agradável. Parahyba, capital Anayde.
398
Automóveis circulam na cidade com adesivos, um em defesa da proposição da mudança de nome da
capital: Nossa cidade João Pessoa merece nome melhor, e outro invoca a permanência com: João
Pessoa para sempre.
203
Feminina, mulher macho...
399
Contudo, o fato é estritamente político na tentativa de
juntar os cacos desta história com novas resoluções simbólicas, enquanto a relação entre
o nome da cidade e o poder oligárquico parece se regozijar ao perceber que tudo que
lhe aparece à frente é espelho.O problema é que no jogo do inconsciente político as
associações se somam e tudo é recolocado freqüentemente pelo ressentimento, sem
muito saber, com muita apropriação e desfaçatez:
De vez em quando, ouvem-se vozes apregoando a mudança do nome
da Capital do Estado da Paraíba. Desejam que seja substituído o
nome João Pessoa por outro qualquer, de acordo com a preferência
do pretendente. Não sabemos a motivação dessa pretensão. Muitos
atribuem a intenção da mudança pleiteada a motivos de natureza
político-partidária ainda da época em que o Chefe do Governo da
Paraíba, o Presidente João Pessoa era vivo: seriam mágoas
acumuladas em algumas famílias, que foram transmitidas aos
descendentes até a nossa época
400
.
Ariano Suassuna é um desses descendentes descontentes, já que
dificilmente se refere à Capital paraibana pelo novo topônimo. Entretanto, o ressentido
não deve demonstrar o efeito que a lembrança do nome João Pessoa lhe provoca, e o
refúgio que o guarda é a tradição do nome passado: Porque quando eu nasci o nome
era Paraíba e eu não ia abandonar um nome tradicional, que tinha trezentos anos, e que
tiraram para botar o nome de uma pessoa ao sabor das paixões do momento. Não, eu
chamo Paraíba.
401
Resolução esta que é levada para o seu romance
402
.
O argumento das mágoas acumuladas continua a servir para atacar quem
possui grau de parentesco com os atores sociais envolvidos no conflito de 30 e
atualmente está engajado no movimento que reivindica a mudança do nome da capital.
O acusado de guardar ódio a João Pessoa, por Wellington Aguiar, é o ressentido e
399
ARANHA, Marcus. Lau Siqueira na janela. Correio da Paraíba, 28 Out. 2007. Opinião. p. 9.
400
FREIRE, Carmem Coelho de Miranda. O nome da Capital. O Norte. João Pessoa, 24 Nov.1994.
Show. P.3.
401
Ariano Suassuna em entrevista a Biu Ramos, jornal O Norte . João Pessoa, 21. Abr. 1996.p.7.
402
“[...] diziam que, depois de raptado, Sinésio fora levado para a Cidade da Paraíba, capital do nosso
Estado...”.SUASSUNA, Ariano. A pedra do reino. Rio de Janeiro. J. Olympio: 1976.p.297.
204
rancoroso vereador Flávio Eduardo Maroja Ribeiro-Fuba, do Partido Socialista
Brasileiro, “porque seus avós foram obrigados a pagar impostos, coisa que nunca
haviam feito.”
403
Mas isto não é só. Em outra oportunidade, Wellington Aguiar alia a
idéia de mudar o nome da cidade ao retorno das antigas estruturas da velha sociedade
oligarca: “O vereador fuba é também contra a Revolução de 30, que trouxe para o Brasil
a legislação trabalhista, o voto secreto, o voto da mulher, a justiça eleitoral, a
industrialização. Nunca vi ninguém tão moço com idéias tão velhas.”
404
Ora, o fato de se querer mudar o nome da cidade
405
não implica querer
modificar em nada a estrutura da sociedade. A questão é que a necessidade política da
relação de poder instaurada em 1930 se encontra fragilizada, gasta pelo uso ideológico.
A atual denominação já cumpriu sua função histórica ao contribuir com o nascimento da
República Nova e suas conquistas sociais, mas nada mais justo deixar o povo escolher o
nome da cidade pelo plebiscito que poderá manter João Pessoa, inclusive ou voltar a ser
o tradicional Parahyba. Possibilidade que se instaura com o lançamento do Movimento
Paraíba Capital Parahyba, iniciativa do Coletivo Cultural Anayde Beiriz na busca da
identidade que estabelece o retorno do tradicional nome: Parahyba.
Mas, talvez, toda essa campanha promovida pelo vereador não passe de
uso político visando a sua reeleição. Se se quer resgatar a memória da paraibana, não
podemos acreditar na pregação dos versos finais do cordel Anayde:
403
AGUIAR, Wellington. Vereadorzinho mentiroso. Correio da Paraíba. João Pessoa, 15 Jan. 2008.
Caderno 2.p.6.
404
AGUIAR, Wellington. Moço de idéias velhas. Correio da Paraíba. João Pessoa, 17 Jan. 2008.
Caderno 2.p.6.
405
A cidade de São José do Rio do Peixe, localizada no extremo oeste do Estado da Paraíba, pelo decreto-lei
estadual nº 50, de 26 de maio de 1932, aprovado pelo decreto estadual de nº 284, datado de 03 de Junho
de 1932, passou a denominar-se Antenor Navarro em homenagem ao interventor revolucionário de 30,
morto em acidente. Mas pelo ato das disposições constitucionais transitórias, constituição estadual
promulgado em 05 de outubro de 1989, o município de Antenor Navarro voltou a sua denominação
anterior: São João do Rio do Peixe.
205
Pra ressaltar Anayde
E sua memória imortal
É necessário, acredite
Uma correção formal:
Mudar o nome João Pessoa
Resgatando PARAHYBA
Para nossa Capital
406
.
Salvaguardar a memória dos “vencidos” não passa necessariamente pela
mudança do nome da cidade, mas pelo reconhecimento formal de algumas questões
morais, principalmente o assalto à residência de João Dantas, a execração pública
decorrente desta ação sofrida por Anayde Beiriz, que a levou cometer suicídio. Caberia
um pedido formal de desculpa por parte do Estado paraibano, e, ainda, o
reconhecimento de que João Dantas morreu pelas mãos dos agentes da polícia política
paraibana no processo que envolve a chamada Revolução de1930. Enquanto isso, o
nome da cidade continua a mediar a relação de poder entre as elites políticas na Paraíba,
que pouco interesse desperta no povo. Mas no futuro muito distante depois de
resolvidas as contradições do capital, resolvidos os problemas do desemprego,
educação, saúde, fome, violências, guerras, marginalidade, inclusão dos trabalhadores
no lucro das empresas e etcetera, como narrado no conto A imaginação dos antigos, o
nome da capital paraibana volta a ser questionado: “ Por que o nome de um homem na
cidade de João Pessoa? Quem foi João Pessoa?”
407
As respostas neste futuro para estas questões do passado são escassas:
– Desde que me formei como historiador que procurava um sentido
para o nome da nossa cidade. Tudo era escasso. O que aprendi
ultimamente é que João Pessoa foi um líder político daqui
assassinado em Recife, em 1930. Ele tinha brigas políticas e pessoais
com um tal de João Dantas, que o assassinou friamente numa tal de
Confeitaria Glória.
O estudante não ficou satisfeito:
406
FARIAS, Piedade. Anayde: a história de uma mulher ultrajada. Coletivo cultural Anayde Beiriz. s.l.,
s.d.
407
GOUVEIA, Arturo. A imaginação dos antigos. In: O mal absoluto. São Paulo: Iluminuras, 1996. p.99.
206
– O senhor acha, professor, que existe verdade nisso? Como pode
um homem matar friamente outro, confundindo questões políticas e
pessoais?
408
O debate sobre o nome da cidade, no futuro, é interrompido
abruptamente, não porque haja o retorno dos problemas estruturais do capitalismo,
como desemprego, etc, como se argumenta atualmente, mas porque as perguntas no
debate são muitas, o tempo é curto e outros debates sobre o nome da cidade hão de vir.
Verdade, outros debates virão. Afinal, o nome da cidade vem funcionando como um
código que reabre a temporada de debates sobre a Revolução de 30 na Paraíba.
408
Idem, p. 99.
207
Considerações finais
208
5 – Considerações finais
Ver bem não é ver tudo: é ver o que os outros não vêem.
José Américo de Almeida
O processo simbólico da Revolução de 1930 que tem origem no
inconsciente político representa o que está ausente enredado por significantes que
tramam uma ordem imaginária que manifesta sua história e cultura. Nesta situação,
nenhum outro acontecimento desperta tanto a atenção, na Paraíba, quanto a Revolução
de 30, e não é somente porque a morte do homem que empresta seu nome para a capital
ajudou a deflagrá-la, mas porque se vive uma espécie de mito, a crença de que
acontecimentos relacionados a este pequeno Estado influenciaram positivamente no
destino do país, acelerando as conquistas de direitos sociais e o desenvolvimento
econômico. Contudo, a vivência deste legado de desenvolvimento econômico pouco
chegou à Paraíba, que continua periférica ao capitalismo no Brasil e sofre as
conseqüências do modelo de desenvolvimento desigual e combinado.
Atualmente, mais uma vez, vive-se a tentativa de desfazer-se da aura
deste mito de origem que a conjuntura histórica construiu na Paraíba, mudando o nome
da capital e a bandeira do Estado, símbolos que estão intimamente ligados à Aliança
Liberal e à Revolução de 30. A reivindicação se baseia na argumentação de que o
topônimo João Pessoa e a bandeira rubro-negra, interpretados como morte, luto e
profundo negativismo não atraem investimento de capital de nenhuma ordem, nem
tampouco para o potencial turístico do Estado. Como se a responsabilidade pelo atraso
econômico da Paraíba não fosse uma questão de interesse do capital e ele não
209
respeitasse as leis de desenvolvimento às quais o país está subordinado, mas porque a
cidade ostenta pura e simplesmente o nome de João Pessoa.
Outra argumentação dá-se pelo questionamento de que as mudanças
ocorreram sob forte emoção, como se este sentimento não fosse um fator que
interferisse e não causasse outro tipo de emoção na política: o ressentimento, sentimento
que serve de contra argumentação para aqueles que defendem a atual denominação,
utilizando-o como condenação moral para quem reivindica a mudança do nome da
capital. Mas é este (res)sentimento que acaba por promover as narrativas sobre a
revolução e faz germinar suas contradições. A primeira delas floresce pela parcialidade
que brota da luta pela verdade que prolifera na historiografia, na imprensa, e pelas
resoluções imaginárias das narrativas de ficção, por onde também florescem verdades.
A contradição surge do embate destes dois sistemas de valores, com a verdade das
resoluções imaginárias corroendo a verdade historiográfica, ao ponto de se admitir a
existência de duas verdades: uma atrelada ao sistema de valores do bloco dos liberais de
30, e outra verdade aos perrepistas paraibanos. Parcialidade assumida por Suassuna em
sua narrativa, que objetiva, pelo exemplo, mostrar que a parcialidade é também um
sentimento que é compartilhado pelo outro lado desta história. Exemplo que reflete o
discurso do inconsciente, reativo, cujo objetivo é atingir esse Outro da relação do
ressentimento.
Não há como negar que o ressentimento como um ato do inconsciente
político, um valor negativo, acabou por dinamizar uma prática político-social que se
reflete na produção da cultura com os artefatos culturais cumprindo a missão ideológica
de legitimar a estrutura de poder estabelecida com a Revolução de 30, e de outros, mais
especificamente as narrativas de ficção, que expressam uma afirmação simbólica que
210
abala o convencimento do saber histórico ao lançarem dúvidas quanto aos motivos que
deflagraram a revolução, à participação dos ícones revolucionários como José Américo
de Almeida, à mitificação de João Pessoa, ao suicídio de João Dantas – visto como uma
ação que acoberta seu assassinato. Questões conflituosas que causam mal-estar na
Paraíba como distorções ideológicas promovidas pelas resoluções imaginárias, como no
romance de 1936 de Carlos Dias Fernandes, Fretana. Ou, ainda, os romances Concerto
para paixão e desatino (2003), de Japiassu, Zé Américo foi princeso no trono da
monarquia (1984) e Shake-up (1995) de W. J. Solha podem ser interpretados não como
uma escolha moral, mas como adesão a um dos grupos envolvidos no conflito que se
arrasta pela solidariedade ideológica.
Como uma nostalgia que serve aos fins ideológicos no romance A pedra
do reino (1971), Suassuna, embasado na tradição, faz de sua narrativa romanesca um
dos documentos mais expressivos de cultura para resolver de forma imaginária os
problemas reais da sociedade decorrentes do assassinato de João Pessoa – o suposto
suicídio de João Dantas e outro assassinato, este mais sentimental por se tratar de seu
pai, João Suassuna. Esses assassinatos foram ambos perpetrados como vingança pela
morte de João Pessoa. Podemos considerar A pedra do reino uma obra marcada pelo
ressentimento e pela memória; romance dedicado a João Suassuna, a José Pereira e João
Dantas, entre outros, que Suassuna considera mártires, santos e guerreiros de seu mundo
mítico sertanejo. E como tal, converteu-se em um gesto em defesa dos vencidos, cujas
mensagens reverberam como ideologema, assim como os demais artefatos que trazem
em suas resoluções simbólicas alternativas para a verdade dos fatos ocorridos em 1930.
Desde logo, o inconsciente político da revolução anuncia, amiúde, as variações de uma
verdade através da estrutura ficcional.
211
As resoluções imaginárias têm a função catártica para a sociedade diante
da pressão exercida pelo poder oficial em reprimir interpretações divergentes para os
acontecimentos relacionados à participação da Paraíba no movimento de 30. Catarse
que toma de assalto as páginas da impressa, inquirindo a participação dos liberais
paraibanos, a exemplo de José Américo de Almeida. Alguns artigos refletem as
resoluções imaginárias, decerto, por elas possuírem estratégias de conhecimento e
subjetividade como as potencialidades da verossimilhança de seu conteúdo. Tanto é que
alguns intelectuais se servem das resoluções imaginárias para consubstanciar suas
idéias, outros nem sequer tomam conhecimento da existência de algumas narrativas por
elas serem ostensivamente contrárias à oficialidade dos fatos. Esta relação de
parcialidade mantém a Revolução de 30 em processo de renovação.
O fato é que a renovação tem como participação as personagens liberais,
só que na perspectiva de revisão, justamente pelo coletivo cultural que faz campanha
visando à mudança do nome da capital, João Pessoa, argumentando que houve uma
ruptura histórica, uma descontinuidade no nome que a tradição consagrou: Paraíba.
Entretanto, não podemos esquecer que o nome da cidade sempre esteve sob a influência
da correlação das forças políticas na (re)estruturação do poder. Paradoxalmente, o nome
da cidade João Pessoa está relacionado tanto às estruturas do poder oligárquico quanto
as estruturas do poder republicano que surge com o movimento liberal de 1930.
Outra personagem histórica de que vem sofrendo constantes ataques é
José Américo de Almeida, cuja defesa vem sendo realizada com muita competência por
Lourdes Luna, ex-secretária do escritor, inclusive, ocultando o que ela julgou não ser
verdadeiro nos depoimentos concedidos pelo próprio escritor.
212
Ironia é o fato de que a produção de novos artefatos culturais tendo
João Pessoa como personagem central estão sendo prometidos pelo coletivo cultural que
faz campanha pela mudança do nome da capital, fato que em anos anteriores era o
inverso: a ação dos vencidos é que era analisada pelos aliados dos vencedores.
O retorno à origem seria a oportunidade que se esperava para revisar os
acontecimentos que desembocaram na revolução. Revisão lenta e gradual, na qual já se
reconhece a existência de duas versões para a verdade da revolução na Paraíba. E as
resoluções imaginárias provavelmente desempenharam função importante neste
reconhecimento, afinal, as narrativas possuem estratégias de conhecimento e
subjetividade para explorar as potencialidades da verossimilhança de seu conteúdo,
desestrutura a objetividade da verdade da história, cujo jogo de acusações de verdades,
não verdades e o ódio redivivo do ressentimento vêm alimentando a revolução como
uma contradição social insolúvel que tem nas resoluções imaginárias a escritura que
necessariamente libera o inconsciente político da Revolução de 30.
213
REFERÊNCIAS
Romances
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Janeiro: J. Olympio, 1953.592p.
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SUASSUNA, Ariano. História d'o rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da onça
Caetana - Romance armorial e novela romançal brasileira. Rio de Janeiro: José
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AGUIAR, Wellington. É difícil desfazer uma mentira histórica. O Norte, João Pessoa,
28 jul.1996. Especial, p.11.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa tinha 50 anos quando presidiu a Paraíba. Correio da
Paraíba, João Pessoa, 26 jul. 1997. Caderno2, p.2.
AGUIAR, Wellington. O grande João Pessoa. Correio da Paraíba, João Pessoa, 13
ago. 2002. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Cartas de Anayde Beiriz? Correio da Paraíba, João Pessoa, 30
jul.2002. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. História da Paraíba. Correio da Paraíba, João Pessoa, 17
dez.2002. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa. Correio da Paraíba, João Pessoa, 05 ago.2003.
Caderno2, p.5.
AGUIAR, Wellington. Exemplo magnífico. Correio da Paraíba, João Pessoa, 06
jan.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. A semana da bala. Correio da Paraíba, João Pessoa, 13
jan.2004. Caderno2, p.3.
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AGUIAR, Wellington. Paulo Pontes e João Pessoa. Correio da Paraíba, João Pessoa,
20 jan.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Saudosista dos tempos feudais. Correio da Paraíba, João
Pessoa, 27 jan.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Por que Palácio da Redenção. Correio da Paraíba, João Pessoa,
10 fev.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa e os presidiários. Correio da Paraíba, João Pessoa,
17 fev.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa e a educação. Correio da Paraíba, João Pessoa, 24
fev.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. O romance da Revolução de 30(I). Correio da Paraíba, João
Pessoa, 23 mar.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. O romance da Revolução de 30(II). Correio da Paraíba, João
Pessoa, 30 mar.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. O romance da Revolução de 30(III). Correio da Paraíba, João
Pessoa, 06 abr.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa teve amante? Correio da Paraíba, João Pessoa, 13
abr.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Expondo a verdade. Correio da Paraíba, João Pessoa, 27
abr.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa e a velhinha. Correio da Paraíba, João Pessoa, 11
mai.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Belo e abandonado. Correio da Paraíba, João Pessoa, 15
jun.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Getúlio e João Pessoa (I). Correio da Paraíba, João Pessoa, 31
ago. 2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Getúlio e João Pessoa (II). Correio da Paraíba, João Pessoa, 07
set. 2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Getúlio e João Pessoa (III). Correio da Paraíba, João Pessoa, 14
set. 2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. A cidade e Ricardo. Correio da Paraíba, João Pessoa, 12 out.
2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Rebeldia da Capital. Correio da Paraíba, João Pessoa, 02
nov.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Celso Furtado e João Pessoa. Correio da Paraíba, João Pessoa,
07 dez.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Filipéia, nome de bajulação. Correio da Paraíba, João Pessoa,
21 dez.2004. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. O hino de 1930. Correio da Paraíba, João Pessoa, 11 jan.2005.
Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. João Pessoa e o turismo. Correio da Paraíba, João Pessoa, 18
jan.2005. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Rubens e a História. Correio da Paraíba, João Pessoa, 22
fev.2005. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Anayde sem corpo. Correio da Paraíba, João Pessoa, 01
mar.2005. Caderno2, p.3.
AGUIAR, Wellington. Carta ao Governador. Correio da Paraíba, João Pessoa, 31
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