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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Rosemarie Adalardo Filardi
Órgãos Específicos da Administração da Falência
e da Recuperação judicial das Empresas
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Rosemarie Adalardo Filardi
Órgãos Específicos da Administração da Falência
e da Recuperação judicial das Empresas
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
DOUTOR em DIREITO COMERCIAL, sob a
orientação do Prof. Dr. FÁBIO ULHOA
COELHO
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_______________________
Prof. Dr.
__________________________________________
Prof. Dr.
__________________________________________
Prof. Dr.
__________________________________________
Prof. Dr.
__________________________________________
Prof. Dr.
Ao Caio, meu marido por tudo que
representa para mim.
Ao meu filho André, minha alegria e
razão de viver.
Aos meus pais, por uma vida de
dedicação e incentivo.
Ao meu orientador, Fábio Ulhoa
Coelho, com gratidão por todos os anos de convivência
e apoio e a todos aqueles que de alguma forma
contribuíram para que este trabalho pudesse ser
realizado.
RESUMO
FILARDI, Rosemarie Adalardo. Órgãos Específicos da Administração da Falência e da
Recuperação Judicial das Empresas. (Tese de Doutorado em Direito) São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica, 2008.
O presente trabalho tem como objetivo estudar, pormenorizadamente, os três
órgãos criados especialmente para atuar na administração da falência e na recuperação
judicial das empresas no Brasil: o Comitê de Credores, o Administrador Judicial e a
Assembléia de Credores.
A atual lei brasileira de falências e recuperação de empresas lei 11.101/05
alterou substancialmente as funções e a forma de atuação dos órgãos objeto deste
estudo, buscando maior participação dos credores nos referidos processos e inserindo no
sistema o instituto da recuperação judicial das empresas, que visa permitir que empresas
viáveis, porém com dificuldades econômico-financeiras, possam se reerguer e garantir
sua continuidade no mercado, tendo em vista a importância que elas representam na
sociedade moderna. Por outro lado, verificada a inviabilidade da atividade, deve ser a
empresa saneada.
Os objetivos que norteiam a recuperação judicial das empresas encontram-se
previstos no artigo 47 da citada lei e visam, precipuamente, a preservação da empresa, o
estímulo à atividade econômica e a promoção de sua função social.
Desta forma, pretendeu-se demonstrar, com este trabalho, que a atuação conjunta
de todos os órgãos da administração da falência possibilitará alcançar o princípio que
fundamenta o novo regime concursal brasileiro: o princípio da preservação das
empresas.
Palavras-chave: Falência; Credores; Administrador Judicial; Recuperação judicial de
empresas; Preservação de empresas.
ABSTRACT
FILARDI, Rosemarie Adalardo. Specific agencies of Bankruptcy Administration and
Judicial Recovery of Companies. (Doctorate Thesis in Law) São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica, 2008.
The present work has as its aim to study in details the three agencies created
especially for the bankruptcy administration and the judicial recovery of companies in
Brazil: the Creditors Committee, the Judicial Administrator and the Creditors Meeting.
The current Brazilian law on bankruptcy and recovery of companies - law
11,101/05 - altered substantially the functions and the form of action of the agencies
analyzed in this study, aiming at a bigger participation of creditors in the corresponding
proceedings and introducing in the system the judicial recovery of companies which
allows that viable companies facing economic-financial difficulties may be able to
reorganize themselves and guarantee their continuity in the market, taking into account
their importance in modern society. On the other hand, once some activity is considered
unfeasible, the company must be cured.
The objectives guiding the judicial recovery of companies are provided for in
article 47 of the mentioned law and have the specific purpose of preserving the
company, encouraging the economic activity and the promotion of its social function.
In this way, we tried to demonstrate with this work that the joint action of all
agencies connected to the bankruptcy administration will enable to achieve the principle
substantiating the new Brazilian bankruptcy regime: the principle of preservation of the
companies.
Keywords: Bankruptcy; Creditors; Judicial Administrator; Judicial Recovery of
Companies; Preservation of Companies.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................ 9
1. HISTÓRICO DO DIREITO CONCURSAL ................................... 12
1.1. Falência na Antigüidade ...................................................................................... 12
1.2. Falência no Direito Romano................................................................................ 13
1.3. Falência na Idade Média...................................................................................... 17
1.4. Falência no Direito moderno e o Código Comercial de Napoleão...................... 19
1.5. Falência no mundo contemporâneo..................................................................... 20
1.6. Direito Falimentar no Brasil................................................................................ 23
1.6.1. As Ordenações.............................................................................................. 23
1.6.2. Fase imperial ................................................................................................ 27
1.6.3. Fase Republicana.......................................................................................... 29
1.6.4. Decreto-Lei n. 7.661/45................................................................................ 31
1.6.5. A nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas.................................. 33
2. ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA E DA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS EMPRESAS ............................ 36
2.1. Introdução............................................................................................................ 36
2.2. O Juiz no processo de falência e de recuperação de empresas –
algumas anotações .............................................................................................. 38
2. 3. O Ministério Público na falência e na recuperação de empresas –
breves comentários ............................................................................................ 46
2.3.1. Veto ao art. 4º do projeto de lei ................................................................ 46
2.3.2. O Ministério Público e sua intervenção nos processos de falência
e de recuperação judicial de empresas – Há limites para sua
atuação? ................................................................................................... 48
3. COMITÊ DE CREDORES............................................................ 55
3.1. Introdução............................................................................................................ 55
3.2. Instalação............................................................................................................. 56
3.3. Composição ......................................................................................................... 58
3.4. Funcionamento .................................................................................................... 60
3.5. Termo de compromisso ....................................................................................... 61
3.6. Substituição, inclusão ou destituição de seus membros ...................................... 62
3.7. Presidência do Comitê......................................................................................... 64
3.8. Funções................................................................................................................ 65
3.8.1. Funções na recuperação judicial e na falência........................................... 65
3.8.2. Na recuperação judicial ............................................................................. 67
3.9. Quorum de deliberação........................................................................................ 68
3.10. Livro de atas ...................................................................................................... 69
3.11. Inexistência do Comitê de Credores.................................................................. 70
3.12. Remuneração e despesas de seus membros....................................................... 70
3.13. Impedimentos .................................................................................................... 71
3.14. Responsabilidade civil dos membros do Comitê............................................... 72
4. ADMINISTRADOR JUDICIAL .................................................... 74
4.1. Breve histórico..................................................................................................... 74
4.2. A figura do Administrador Judicial em outros sistemas jurídicos –
breves anotações.................................................................................................. 77
4.3. Natureza Jurídica ................................................................................................. 79
4.4. O síndico no Decreto-Lei n. 7.661/45 ................................................................. 80
4.5. O Administrador Judicial nova lei de Falências e Recuperação de Empresas –
Lei nº. 11.101/2005 ............................................................................................ 83
4.5.1. Introdução.................................................................................................. 83
4.5.2. Nomeação .................................................................................................. 83
4.5.3. Termo de compromisso ............................................................................. 91
4.5.4. Substituição e destituição .......................................................................... 92
4.5.5. Impedimentos ............................................................................................ 95
4.5.6. Funções...................................................................................................... 96
4.5.6.1. Função indelegável........................................................................ 96
4.5.6.2. Funções comuns na Falência e na Recuperação Judicial das
Empresas........................................................................................ 98
4.5.6.3. Funções do Administrador Judicial na Falência............................ 99
4.5.6.4. Principais funções na Recuperação Judicial................................ 106
4.5.7 Remuneração ........................................................................................... 107
4.5.7.1. Remuneração na Falência e na Recuperação judicial das
empresas ...................................................................................... 107
4.5.7.2. Disposições comuns .................................................................... 110
4.5.8. Responsabilidade do Administrador Judicial ......................................... 111
4.5.9. Prestação de Contas................................................................................ 112
5. ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES .................................... 114
5.1. Evolução histórica da Assembléia de Credores no Brasil – breve síntese ........ 114
5.2. A Assembléia de Credores na Lei n. 11. 101/2005 ........................................... 116
5.2.1. Noções Introdutórias................................................................................ 116
5.2.2. Regime jurídico aplicável à Assembléia de Credores ............................. 118
5.3. Características....................................................................................................122
5.3.1. Órgão da recuperação judicial e da falência............................................ 122
5.3.2. Órgão colegiado facultativo .................................................................... 124
5.4. Soberania das decisões assembleares e o princípio da preservação da empresa127
5.5. Funções da Assembléia Geral de Credores ....................................................... 135
5.5.1. Função deliberativa ou decisória? ............................................................ 135
5.5.2. Funções específicas na recuperação judicial ............................................ 140
5.5.3. Funções específicas na falência................................................................ 146
5.6. Convocação ....................................................................................................... 147
5.6.1. Competência para a convocação............................................................... 147
5.6.2. Legitimados para requerer a convocação ................................................. 148
5.6.3. Requisitos do edital de convocação.......................................................... 148
5.6.4. Despesas de convocação e realização....................................................... 149
5.7. Trabalhos da Assembléia Geral de Credores..................................................... 150
5.7.1. Presidência e Secretaria............................................................................ 150
5.7.2. Instalação da Assembléia ......................................................................... 151
5.7.3. Ordem do dia e desenvolvimento dos trabalhos....................................... 152
5.7.4. Ata dos trabalhos ...................................................................................... 156
5.8. Representação do credor.................................................................................... 156
5.9. Direito de voto................................................................................................... 163
5.9.1. Princípio da proporcionalidade................................................................ 163
5.9.2. Voto por cabeça – exceção ao princípio geral da proporcionalidade...... 163
5.9.3. Crédito em moeda estrangeira ................................................................. 164
5.9.4. Legitimados para o exercício de voto...................................................... 165
5.9.5. Credores retardatários.............................................................................. 167
5.9.6. Impedidos de votar .................................................................................. 167
5.10. Composição das classes de credores ............................................................... 170
5.11. Quorum............................................................................................................ 171
5.11.1. Quorum de instalação .......................................................................... 171
5.11.2. Quorum de deliberação........................................................................ 173
5.11.2.1. Regra geral – Princípio majoritário ....................................... 173
5.11.2.2. Quorum qualificado............................................................... 175
5.11.2.3. Empate nas votações.............................................................. 176
5.12. Suspensão ou adiamento da Assembléia Geral ............................................... 176
5.13. Quadro sintético............................................................................................... 178
6. CONCLUSÕES .......................................................................... 183
BIBLIOGRAFIA ........................................................................... 195
9
INTRODUÇÃO
O tema escolhido para ser investigado é extremamente atual, tendo em
vista que em 9 de fevereiro de 2005, foi promulgada a Lei n. 11.101, a nova Lei
de Falências e Recuperação de Empresas, que regulamenta os processos de
falência, de recuperação judicial e recuperação extrajudicial das empresas,
revogando o Decreto- Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, que vigorou por
quase sessenta anos em nosso país e que retrata importante mecanismo de
ajustamento do direito e da lei ao perfil da empresa moderna frente à economia
globalizada.
Trata-se de uma Lei que foi sancionada pelo Presidente da República
depois de mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional, cujo projeto
foi enviado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados em 1993.
A nova regulamentação referente aos procedimentos de falência e
recuperação das empresas no Brasil é fruto de diversos anos de estudos, uma vez
que a antiga Lei de Falências, elaborada em outro contexto social, o mais
atendia às necessidades reais do País, mostrando-se obsoleta, sendo, inclusive,
um entrave para o desenvolvimento econômico nacional.
Clamava-se pela urgente alteração da lei falimentar tendo em vista a
competitividade do mercado moderno e as pressões sofridas pelas empresas
diante da globalização da economia.
Na esteira de diversas legislações da atualidade, a Lei 11.101/2005 inseriu
ao sistema pátrio o novo instituto da Recuperação das Empresas, objetivando
propiciar que empresas viáveis, ao passarem por dificuldades econômico-
financeiras momentâneas, tenham possibilidade de recuperação, garantindo,
dessa forma, a sua continuidade no mercado.
10
A importância das empresas é inquestionável, sendo certo que delas
decorre uma multiplicidade de interesses visto que exercem um papel de extrema
importância na sociedade, pois além de movimentarem a economia, como fonte
produtora de riquezas, arrecadam tributos e garantem a manutenção de empregos.
Assim, a nova lei surge guiada por princípios que devem ser buscados
pelos operadores do direito, bem como por todos os envolvidos nos processos
falimentares e de recuperação das empresas. A norma busca, essencialmente,
alcançar o princípio da preservação das empresas, princípio este que deve se
sobrepor aos interesses individuais dos credores a fim de viabilizar a recuperação
da atividade que se encontra em crise.
A Lei n. 11.101 visa, portanto, por meio de regras mais eficazes, a
manutenção da empresa, porém, quando a inviabilidade da atividade resta
demonstrada, não outro caminho a ser seguido: a falência precisa ser
decretada para evitar maiores danos sociais, uma vez que não se deve recuperar
uma atividade a qualquer custo, somente quando há perspectivas de viabilizar seu
reerguimento.
Referida lei revitalizou certos órgãos da administração da falência e da
recuperação das empresas, atribuindo maiores funções e poderes, como a
Assembléia de Credores e o Comitê de Credores, assim como alterou alguns
aspectos relativos ao Administrador Judicial.
Desse modo, pretende-se com este trabalho fazer uma abordagem acerca
dos órgãos específicos da falência e da recuperação judicial das empresas,
analisando a Assembléia de Credores, o Comitê de Credores e o Administrador
Judicial nos termos da atual Lei de Falências, tecendo alguns comentários
críticos sobre cada um deles.
11
No primeiro capítulo, a fim de compreender a evolução histórica e a
importância dos referidos institutos, far-se uma breve análise da evolução
normativa brasileira em relação à matéria.
No segundo capítulo serão feitos alguns comentários sobre a atuação do
Juiz e a intervenção do órgão ministerial na falência e na recuperação judicial das
empresas, que, por estarem inseridos na estrutura do Estado (Poder Judiciário e
Poder Executivo, respectivamente), não participam, exclusivamente, nos
referidos feitos. Assim, são órgãos da administração da falência e da recuperação
judicial das empresas de forma abrangente.
Prosseguindo neste raciocínio, serão analisados os órgãos criados por lei
para atuar somente na falência e na recuperação judicial, e, por esta razão, são
denominados como órgãos específicos, sendo eles: o Comitê de Credores, o
Administrador Judicial e a Assembléia de Credores.
No terceiro capítulo, serão observadas as funções e forma de atuação do
Comitê de Credores e, na seqüência, a figura do Administrador Judicial será
tratada com detalhamento, fazendo uma síntese do histórico deste auxiliar do Juiz
até chegar ao momento atual do direito falimentar brasileiro.
Por derradeiro, o órgão mais polêmico será abordado, a Assembléia Geral
de Credores, delineando seus contornos na nova sistemática e questionando sua
atuação e soberania de suas decisões.
12
1. HISTÓRICO DO DIREITO CONCURSAL
1.1. Falência na Antigüidade
Inicialmente, os povos antigos adotavam como regra para o não
cumprimento de uma obrigação pelo devedor que este respondesse com o próprio
corpo pela dívida, pois este era a garantia dos credores (e não seu patrimônio),
podendo ser escravizado e até morto para tanto.
Na Índia, com o Código de Manu, se o devedor não cumprisse sua
obrigação, seu credor poderia submetê-lo ao trabalho escravo, porém, sem
excessos brutais. Ainda, a dívida era acrescentada de 5% se o devedor a
confessasse, e de 10% se a negasse. Mas, se ele pertencesse à casta superior, a
dívida poderia ser paga em parcelas, de acordo com as suas possibilidades
1
.
No Egito antigo admitiu-se a escravidão por dívidas. Porém, tal
penalização foi logo substituída pela execução sobre os bens do devedor. Apesar
dessa evolução, se os bens do devedor fossem insuficientes para solver a dívida,
era permitido que, falecendo este, o credor tomasse seu cadáver como penhor,
para privá-lo das honras fúnebres, coagindo os parentes e amigos a resgatar o
corpo do devedor, pagando a dívida
2
.
Entre os judeus não havia coação sica do devedor, em razão do dever de
caridade, pois o rico deveria dar atenção ao pobre. O devedor, no entanto,
poderia, ele mesmo, se sujeitar ao credor, conforme o livro da Bíblia
1
Rubens Requião. Curso de Direito Falimentar, 17. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 6-7.
2
Idem. Op. cit., p. 7.
13
Deuteronômio (15,12), porém, apenas por seis anos, devendo o credor liberá-lo
no sétimo
3
.
Contudo, a respeito de execução de dívidas, a influência mais importante
se deu na Grécia. A regra era de que o devedor devia servidão pessoal ao credor,
quando da não satisfação da dívida. Isto não acontecia apenas quando o devedor
“se vendia” ao credor, mas também, quando não respeitava a condenação judicial
que lhe imputava a obrigação de pagar. Nesse caso, o credor podia vender o
devedor ou matá-lo. Porém, o legislador Solon ordenou a liberação de todos
aqueles presos por dívidas, e proibiu a que os corpos dos devedores pagassem
pelas suas obrigações
4
.
1.2. Falência no Direito Romano
Muitos autores afirmam que a origem do instituto da falência encontra-se
no Direito Romano. A manus iniectio era uma das cinco ões previstas, na
época das legis actiones, surgindo, assim, o processo de execução. Neste
momento, ou seja, no direito quiritário (fase mais primitiva do Direito Romano),
a execução era pessoal, isto é, feita sobre o próprio corpo do devedor, que era
repartido em tantos pedaços quantos fossem os credores.
Tal execução era feita da seguinte forma: se o devedor não cumprisse a
condenação judicial, em trinta dias, e ninguém o afiançasse em igual prazo,
estaria sujeito ao cárcere privado, executado pelo credor, por sessenta dias e,
durante a prisão, estaria disponível a trabalho escravo ou à apregoação em feiras
públicas. Se, depois de levado a pregão por três vezes, a dívida fosse paga ou
ninguém a solvesse para o devedor (parentes, ou amigos), seria condenado à pena
de morte. Caso houvesse pluralidade de credores, o insolvente seria esquartejado.
3
Rubens Requião. Op. cit., p. 7.
4
Ibidem. p. 7
14
Porém, segundo Manoel Justino Bezerra Filho, tal pena nunca foi
efetivada, por ir contra os costumes públicos, e o que realmente ocorria é que o
devedor era vendido como escravo, dividindo-se o preço de venda entre os
credores. Mas, se muitos fossem os credores, ainda assim, o corpo do devedor
poderia ser repartido entre eles, ou se estes preferissem, vendiam o devedor ao
estrangeiro (“além do Tibre”), conforme determinação da Lei das XII Tábuas
5
.
Esclarece Rubens Requião
6
que, neste momento, prescindia-se da atuação
estatal, que o credor tinha o poder de fazer justiça com as próprias mãos,
sujeitando o devedor inadimplente. Mas foi com a Lei das XII Tábuas que se
delineou a execução singular e coletiva.
Ainda como execução pessoal, para os romanos, havia a possibilidade de
se firmar um contrato (nexus) em que o devedor poderia obstar o início da
execução, mas, para tanto, deveria prestar serviços ao credor como escravo até a
satisfação de toda a dívida
7
.
Porém, tal tipo de execução evoluiu, passando a ser proibida, permitindo-
se apenas a execução sobre o patrimônio (e não mais a pessoal), surgindo daí a
Lex Poetelia Papiria, que introduziu a execução judicial. Manoel Justino Bezerra
Filho
8
esclarece que esta evolução da execução pessoal para a patrimonial
ocorreu em todos os sistemas de direito, de uma forma geral, sendo que os bens
do credor passaram a servir de garantia para os credores e não mais o seu corpo.
O problema ocorria quando a execução era coletiva (e não singular), ou
seja, quando havia diversos credores. Neste caso, seria necessário estabelecer um
concurso entre eles para se fazer a correta divisão do patrimônio do devedor, na
5
Manoel Justino Bezerra Filho, Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas Comentada, 3. ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 31.
6
Op. cit., p. 7.
7
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 31-2.
8
Ibidem. p. 32.
15
parte que caberia a cada um. Da necessidade da execução coletiva é que surge o
início do direito falimentar, já que a falência, em si, é uma execução coletiva
9
.
Assim, tem-se o chamado venditio bonorum, em que “os bens do
executado eram alienados a uma pessoa, considerada por ficção semelhante ao
sucessor herdeiro, que os recebendo, se obrigava a pagar aos credores,
oferecendo-lhe um determinado rateio, em percentual, para satisfação dos
créditos”
10
.
Rubens Requião
11
ensina que tal sistema permitiu muitas fraudes, sendo
substituído pelo da missio in bona, sob supervisão e controle de um pretor, que
nomeava curador (curator bonorum) que passava a administrar os bens do
devedor. Entretanto, a missio in bona era autorizada pelo magistrado e permitia
todos os credores a entrar na posse dos bens do devedor, mediante petição do
pretor, seguindo-se de sua venda, conforme as devidas formalidades. Assim
como na falência brasileira, o devedor o perdia a propriedade de seus bens,
mas apenas a sua administração, que passava a um curator, nomeado pelo
magistrado.
Se após a imissão na posse dos bens do devedor não se seguisse sua venda
por decreto do pretor, os credores deveriam cuidar e zelar do patrimônio,
anunciando publicamente a arrecadação dos bens por edital (libeli) na frente da
casa do devedor ou onde este exercia suas atividades. Decorrido o prazo de trinta
dias, se o devedor fosse vivo e, quinze dias, se fosse morto, o pretor convocava
os credores a eleger um magister (semelhante ao síndico, hoje, Administrador
Judicial), a quem competia tomar todas as providências para o sucesso da venda
do patrimônio do devedor, além de estabelecer as regras de alienação. Nestas
regras constavam o passivo e o ativo do devedor, a indicação dos bens e dos
9
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 32.
10
Rubens Requião. Op. cit., p. 8.
11
Cf. entendimento de Rubens Requião, no entanto, dependia da confissão da dívida, da fuga, ou
da ausência do devedor.
16
créditos, os privilégios e a porcentagem que o adquirente deveria pagar a cada
credor. No dia marcado para a venda, o magister adjudicava os bens ao
comprador que tivesse oferecido a maior proposta (semelhante a uma venda
pública)
12
.
Este procedimento não impedia que ao devedor fosse atribuída a infâmia,
e ele perdia seus direitos civis, sendo considerado morto. O mesmo ocorria ao
devedor que fugia.
Havia, ainda, outro procedimento, para o devedor atingido pelo imprevisto
dos negócios, denominado bonorum cessio, e era regulado pela Lex Julia.
Permitia-se ao devedor insolvente, sem culpa, que abandonasse seus bens em
favor dos credores, saldando suas vidas (semelhante à concordata preventiva).
No entanto, o devedor deveria comprovar que não pretendia prejudicar seus
credores. Os bens cedidos eram vendidos em massa, mas foi posteriormente
permitido que o curator (administrador da venda) o fizesse em lotes, repartindo
entre os credores o produto da venda. a classificação dos créditos era efetuada
pelo magistrado, através da prova dos direitos e privilégios pelos credores. A
cessão podia ocorrer judicial ou extrajudicialmente, ou de forma amigável
13
.
Assim, quando se envolviam diversos credores, estes eram tratados em conjunto,
no concursum creditorum.
Observa-se que, no entanto, esses institutos eram aplicados a qualquer tipo
de devedor, e não apenas ao devedor comercial, pois o Direito Romano não fazia
qualquer distinção a este respeito, o que ocorre na Idade Média, quando o
Direito Comercial surge como uma disciplina distinta.
12
Rubens Requião. Op. cit., p. 9.
13
Ibidem. p. 9-10.
17
Por fim, acrescenta Waldo Fazzio Júnior
14
que, na última fase do Direito
Romano, “já surgiam a administração da massa, a assembléia de credores, a
classificação dos créditos, a revogação dos atos fraudulentos do devedor e a regra
essencial da par conditio omnium creditorum.
1.3. Falência na Idade Média
Na Idade Média, passou a haver o deslocamento da iniciativa da execução
dos credores para a autoridade pública (ainda não existia Estado como entidade
homogênea). Desta forma, a direção o concursum creditorum, antes feita pelos
próprios credores, passou a ser efetuada e disciplinada pelo Estado,
condicionando a atuação dos credores à disciplina judiciária. Assim, passou-se a
dar ênfase à autoridade do Juiz
15
, devendo os credores habilitar-se em juízo,
onde se processava a arrecadação dos bens do devedor, e o Juiz que tinha a
função de zelar pela guarda e venda partilhava o produto entre os credores
16
.
Segundo Manoel Justino Bezerra Filho, foi na Idade Média que surgiram
os primórdios do direito comercial, decorrentes dos usos e costumes das
corporações de ofício, estabelecendo-se os delineamentos do direito falimentar.
Porém, aqui a falência ocorria, ainda, para o devedor comercial e para o devedor
civil. De qualquer forma, o devedor era visto como um fraudador, recebia duras
sanções penais e perdia todo seu patrimônio
17
, pois a falência era considerada um
delito
18
. Tal repressão penal visava coibir os abusos cometidos pelos devedores
desonestos
19
.
14
Waldo Fazzio Júnior. A nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, São Paulo: Atlas, 2005, p.
22-1.
15
Ecio Perin Junior. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas, 3. ed., rev., ampl. e atual.,
São Paulo: Método, 2006, p. 32.
16
Amador Paes de Almeida. Curso de Falência e Recuperação de Empresa, 22. ed., São Paulo: Saraiva,
2006, p. 6.
17
Op. cit., p. 33.
18
Ruben Ramalho. Curso Teórico e Prático de Falências e Concordatas, 3. ed., São Paulo: Saraiva,
1993, p. 8.
19
Op. cit., p. 11.
18
Em decorrência disso, afirma Waldo Fazzio Júnior, o devedor, para se
eximir, acabava fugindo. Por ser tal ação tão comum entre os devedores, a fuga
passou a ser um pressuposto do estado de falência
20
. Assim, da execução da
sentença de devedor insolvente foragido, havia duas formas de missiones in
possesionem, expressas em dois decretos. O primeiro decreto, do cônsul,
procedia-se a missio in bona de cognição sumária, na qual os credores assumiam
a custodia et defensio rerum. Aqui o devedor ainda podia resguardar seus bens,
satisfazendo os credores. Senão, a requerimento dos credores era expedido o
segundo decreto, em que eram examinados os créditos e estabelecidos os
privilégios, nomeando-se o curator bonorum (administrador de bens) que vendia
os bens, sendo o produto rateado entre os credores, conforme as preferências
21
.
Em função disso, surgiu uma forma de concordata, em que a autoridade
pública homologava um acordo amigável feito com a maioria dos credores.
Chegou-se, inclusive, a permitir ao devedor um salvo-conduto para retornar e
efetuar a concordata.
Informa, ainda, Ricardo Negrão, que a Itália foi o berço do instituto
falimentar moderno. Chegou a influenciar o direito francês, que as cidades
italianas e francesas mantinham intenso comércio
22
. Acrescenta Waldo Fazzio
Júnior que as primeiras regras que constituíram o instituto da falência, como
execução patrimonial, surgiram de um estatuto da cidade de Verona, no início do
século XIII
23
.
Rubens Requião
24
, por sua vez, esclarece que em diversas legislações
(como a germânica), durante este período, havia a regra de que o primeiro credor
que procedia à penhora tinha prioridade no pagamento, pois adquiria com isso
20
Op. cit., p. 23.
21
Op. cit., p. 11.
22
Ricardo Negrão. Manual de direito comercial e de empresa, São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 33.
23
Op. cit., p. 23.
24
Op. cit., p. 11.
19
um direito real. Mas, no direito francês, com o Code de 1673, o princípio do
direito romano de igualdade entre os credores dominou o processo falimentar.
1.4. Falência no Direito moderno e o Código Comercial de Napoleão
Na Idade Moderna surge o Estado como entidade política e jurídica, que
passou a interferir na disciplina das relações de crédito, inclusive nos casos de
insolvência/falência. Apenas aos Estados passou-se a atribuir o poder-dever de
impor sanções, e a insatisfação obrigacional passou a ter sede no Judiciário. “A
liquidação do patrimônio do devedor passou a ser assegurada pelos organismos
judiciais encarregados de aplicar a lei”
25
.
Em 1807, Napoleão Bonaparte promulgou o Código Comercial francês,
que adotou certas idéias sobre direito falimentar, espalhando-as,
conseqüentemente, por todo o Ocidente, influindo no direito português, e
também, no direito brasileiro. O Código Comercial de Napoleão restringiu a
falência ao devedor comerciante
26
. No entanto, essa legislação mostrou-se severa
e intolerante contra os comerciantes falidos, que continuavam a ser considerados
como criminosos, o que foi amenizado pela legislação de 1832, segundo Rubens
Requião, em razão das idéias humanísticas e liberais
27
.
Ecio Perin Junior
28
esclarece que, no período dos séculos XVIII a XIX,
havia duas modalidades de sistemas falimentares: 1) Sistema Franco-Italiano: a
falência tinha caráter exclusivamente comercial; 2) Sistema Anglo-Saxônico: a
falência alcançava qualquer tipo de devedor, comercial ou não.
25
Waldo Fazzio Júnior, Op. cit., p. 24.
26
Ecio Perin Junior, Curso, Op.cit., p. 33.
27
Rubens Requião, Op. cit., p. 12.
28
Op. cit., p. 34.
20
1.5. Falência no mundo contemporâneo
No início do século XX, um maior interesse do Estado no instituto da
falência. O aumento dos negócios faz com que os comerciantes se organizem em
empresas comerciais, formadas por uma ou várias pessoas, para a produção e a
circulação de bens e serviços. Assim, algumas atividades econômicas e
financeiras mais importantes para o Estado passam a ser submetidas a
procedimentos mais céleres, como a liquidação forçada ou extrajudicial e a
intervenção administrativa
29
.
Com a evolução da economia, o interesse dos credores passa a ter maior
relevância; assim, procurou-se cada vez mais coibir as fraudes através do
aperfeiçoamento das normas, em diversos países. Rubens Requião afirma que o
instituto da falência foi um dos que mais sofreram desgastes por confrontar com
a realidade dos fatos
30
. Assim, surge o instituto da concordata preventiva, na
Bélgica, e também se aperfeiçoa a concordata suspensiva.
Ainda, para coibir fraudes, fortaleceu-se o direito penal falimentar.
Ademais, procurou-se tornar o procedimento mais simples e rápido, evitando a
diluição do patrimônio do falido pelos fraudadores. O instituto da falência entra
em crise, obrigando o Estado a afastá-lo de diversas atividades econômicas e
financeiras, cujas empresas passam a ser submetidas a ouros procedimentos.
Conforme pontua Rubens Requião, isto ocorre porque a falência e a concordata
“se revelaram estreitos para atender aos vultosos interesses, privados e públicos,
envolvidos nas grandes empresas modernas, que manipulam poderosos valores
econômicos e sociais”
31
. A falência passa a se preocupar com a permanência da
empresa, e não apenas com a sua liquidação judicial.
29
Eduardo Pragmácio de Lavor Telles Filho. Falência: das civilizações antigas à sociedade pós-moderna,
in Universo Jurídico, 30 nov. 2000. Disponível em
http://www.uj.com.br, acessado em 20 ago. 2007.
30
Op. cit., p. 12.
31
Ibidem, p. 12.
21
Com a ocorrência de duas guerras mundiais, graves crises industriais e
desastres financeiros no século XX, passou-se a valorizar a concordata como
modo preventivo ou suspensivo do estado de liquidação. As leis de suspensão de
pagamento favoreciam o empresário honesto e infeliz nos negócios, com as
concordatas dilatórias e remissórias judicialmente obtidas
32
.
Exemplo disso é como se deu a resolução dos problemas advindos da
quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Houve uma maior intervenção estatal
na resolução das dívidas dos devedores e na resolução das crises das empresas.
Não havia mais diferença entre os comerciantes capazes e incapazes, importando
a falência, portanto, não apenas na liquidação do patrimônio do devedor, mas na
manutenção da empresa, evitando o desequilíbrio na ordem econômica
33
.
Uma maior participação do Estado tornou-se necessária em razão das
crises econômicas das empresas, que isto repercutia nas empresas públicas,
sociedades estatais e instituições financeiras. Ademais, passa a ter maior
relevância o lado social de empresa. Assim, passou a ser necessário um desfecho
mais construtivo para tais crises, necessitando estabilizar o mercado e atender aos
interesses econômicos da coletividade
34
.
Destarte, nos Estados Unidos, em 1867, surgiu, com a Lei de Companhias
Ferroviárias o primeiro procedimento de recuperação empresarial, com regras a
respeito de prevenção de liquidação de tais companhias, mediante planos de
reorganização e composição de débitos. Em 1898 este procedimento passou a
atingir outras pessoas jurídicas, através do Bankruptcy Act. Em 1938 o Chandler
Act alterou aquela legislação, incluindo as sociedades anônimas insolventes no
rol das pessoas jurídicas que poderia realizar o processo de reorganização
corporativa, que pretende proteger a empresa da ruína, permitindo a
32
Waldo Fazzio Júnior. Op. cit., p. 25.
33
Eduardo Pragmácio de Lavor Telles Filho, Falência, cit., in Universo Jurídico, disponível em
http://www.uj.com.br, acessado em 30 nov. 2000.
34
Waldo Fazzio Júnior. Op. cit., p. 25-6.
22
reorganização administrativa, afastando a concordata preventiva, o que se faz
necessário para o superamento de seus débitos
35
. No entanto, para a aplicação
deste procedimento, a empresa deveria demonstrar por que seu caso não se
aplicava ao da concordata, não sendo assim um processo substitutivo desta.
Ainda nos Estados Unidos, uma lei de 1952 passou a permitir que a
Securities and Exchange Comission, representante do governo federal, pudesse
requerer ao Juiz que qualquer processo de concordata ou falência fosse
transformado em reorganização corporativa, quando se tratasse de sociedade
anônima. A principal decorrência da aplicação deste sistema é a perda da
administração da empresa pela diretoria, que passa a um trustee (semelhante ao
síndico, hoje, Administrador Judicial) nomeado pelo Juiz e sem qualquer vínculo
com a empresa devedora. Sua função é elaborar o plano de reorganização da
empresa, que deve ser submetido ao Juiz após a aprovação pelos credores e
acionistas. Se o plano não é homologado ou não é cumprido, o processo torna-se
falimentar. Porém, uma vez cumprido o plano e reorganizada a sociedade, a
empresa deve requerer em juízo sentença declaratória do encerramento do
processo
36
. Hoje, está consolidado o Bankruptcy Code
37
.
Em França, também houve mudanças no processo falimentar visando à
recuperação de empresa e sua sobrevivência, como pretendeu a legislação
Ordennance n. 67.800, de 1967. Tal sistema se aplica tanto ao comerciante como
ao não comerciante. Foi instituído um processo de suspensão provisória das
ações e execuções e de apuração coletiva do passivo, semelhante ao processo de
reorganização corporativa do direito norte-americano. Este instituto alcança
qualquer pessoa jurídica de direito privado, não a comerciante, desde que
organizada em forma de empresa e o seu desaparecimento causasse perda à
economia nacional ou regional, podendo ser evitado em condições compatíveis
35
Rubens Requião. Op. cit., p. 13.
36
Ibidem, p. 13-14.
37
Waldo Fazzio Júnior. Op. cit., p. 26-7.
23
com o interesse dos credores. A situação do devedor é apreciada pelo tribunal,
que decide soberanamente
38
.
Ainda, em França, com a Lei n. 84/148, de 1984, regulou-se a prevenção e
composição amigável das dificuldades das empresas, seguida da lei redressement
et liquidation judiciaires (1985), dirigida ao saneamento e reorganização das
empresas em crise. E, 1994, surge a Lei n. 94-475/94, que “reforça os meios
preventivos da insolvência, simplifica procedimentos, moraliza os planos de
recuperação e traz medidas mais eficazes no sentido de assegurar os direitos dos
credores”
39
.
Por fim, cabe mencionar que na Espanha, com o advento da Lei n. 22, de 9
de julho de 2003, buscou-se superar a diferença de instituições concursais para
comerciantes e não comerciantes, flexibilizando o procedimento de insolvência,
instituindo convênio entre credores e o devedor, com base num plano de
viabilidade
40
.
Assim, percebe-se que uma grande tendência mundial nos sistemas
jurídicos atuais em buscar a realização de créditos com a reorganização das
empresas devedoras, sendo que a falência se destina somente às atividades
irrecuperáveis.
1.6. Direito Falimentar no Brasil
1.6.1. As Ordenações
O Direito Falimentar, no Brasil, iniciou-se no período colonial, em que se
aplicava a legislação do reino de Portugal, que se apresentava por meio de
Ordenações.
38
Rubens Requião. Op. cit., p. 14.
39
Waldo Fazzio Júnior. Op. cit., p. 27.
40
Ibidem, p. 27.
24
Nas primeiras Ordenações, as Ordenações Afonsinas
41
, encontram-se
regras de Direito Civil e de Direito Comercial sem a diferenciação sistemática
como hoje conhecemos em nossos códigos. Nelas admitia-se a prisão do devedor
pelo não-pagamento da dívida (impontualidade). A prisão poderia ser efetuada
pela Justiça (Estado) e, em alguns casos, pelo próprio credor prejudicado.
As Ordenações Manuelinas
42
, conforme esclarece Rubens Requião,
regulavam também o concurso de credores, que ocorria quando os bens do
devedor não eram suficientes para solver todos os seus débitos. Porém,
prevalecia o princípio da prioridade do direito do credor que promoveu primeiro
a execução. ainda a regra de que no período de um mês, após a quebra do
devedor, os credores não podiam fazer nenhuma diligência, execução ou
penhora. Se não fossem encontrados bens suficientes para solver as dívidas, o
devedor era preso, ficando assim até que pagasse o que devia. Mas, era-lhe
facultado fazer a cessão de bens para evitar a prisão.
Por fim, têm-se as Ordenações Filipinas
43
, que vigoraram no Brasil
durante o período colonial, sendo a que mais influiu no direito falimentar
brasileiro, em razão do desenvolvimento das atividades mercantis na colônia.
Nessas Ordenações, em que a falência adquiriu caráter comercial, regras mais
claras acerca da falência, havendo, inclusive, a distinção entre falência dolosa,
culposa e a sem culpa, com penalidades para cada caso (como morte, degredo,
entre outras) e até a possibilidade de “reorganização da empresa” em caso de
falência sem culpa.
O devedor, condenado por sentença transitada em julgado, era executado e
seus bens penhorados. Se os bens não fossem suficientes para a condenação, o
41
O início da sua vigência é desconhecido, mas a doutrina, como Ricardo Negrão, adota para tanto o ano
de 1447, que seria o ano de sua aprovação, tendo vigorado até 1521, quando foi revogada pelas
Ordenações Manuelinas.
42
Op. cit., p. 15-16.
43
As penalidades encontram-se no Livro V, Título LXVI, que reproduziu uma lei de 8 de março de 1597.
25
devedor era preso, ficando em cárcere até que pagasse. Mas, fazendo a cessão de
bens, seria solto. A cessão de bens poderia ser feita por quem: a) tinha muita
fazenda, o que dava segurança de garantia aos seus credores, mas que por um
infortúnio, sem culpa sua, a fazenda fosse diminuída ou perdida, não podendo
mais pagar; ou b) declarou em contrato aos credores que o tinha fazenda ou a
tinha obrigado a outrem. Havia, também, aqueles a quem era proibido se fazer
cessão: burlões, inliçadores, falidos, revéis em ação de cobrança, devedores à
Fazenda Real, condenados a pagamento que alienaram seus bens após
condenação
44
.
Diversos alvarás foram expedidos durante a vigência das Ordenações
Filipinas. Dentre eles, destaca-se o de Marquês de Pombal, editado
imediatamente após um terremoto em Lisboa, o que prejudicou sensivelmente a
economia da metrópole. As modificações realizadas visaram a falência
fraudulenta, impondo diversas penalidades como morte e degredo. Foram
especificados legalmente diversos tipos de fraude na quebra
45
.
O Alvará foi considerado como marco decisivo no direito falimentar
brasileiro, eis que introduziu um “originalíssimo e autêntico processo de falência,
nítida e acentuadamente mercantil, em juízo comercial, exclusivamente para
comerciante, mercadores ou homens de negócio”, como bem observou Waldemar
Ferreira.
Além da instituição de penalidades, o Alvará regulou também a falência
culposa e a inocente. Assim, os comerciantes que por culpa perdessem seus bens,
incorreriam nas mesmas penas, mas não seriam considerados ladrões públicos e
nem eram punidos com a morte, mas apenas com degredo
46
.
44
Rubens Requião. Op. cit., p. 16.
45
Idem. Op. cit., p. 16-17.
46
Ibidem, p. 17.
26
os comerciantes que quebravam sem culpa sua não eram punidos
penalmente, porém, deviam confessar a quebra, na Junta, esclarecendo os seus
motivos verdadeiros e entregando lá as chaves de seu estabelecimento, seus
livros e papéis, descrevendo todos os seus bens. Deveria apresentar ao menos um
Diário, senão a quebra era tida como fraudulenta. Então, a Junta nomeava dois de
seus deputados para que, juntos com o Procurador e o Escrivão do Juízo da
Conservadoria do Comércio, fossem ao estabelecimento do falido, levantando
um inventário de seus bens (móveis, de raiz e de crédito). Ao fim de 10 dias
deviam entregar à Junta, para que esta pudesse comprovar as causas da quebra.
Então, um homem de negócios da praça de Lisboa, abonado, era nomeado, e a
ele se entregavam os bens do inventário, como fiel depositário do Juízo. Ele não
podia dispor dos bens a não ser por mandados expedidos pela mesma Junta. Sua
primeira obrigação era publicar na Gazeta a quebra do falido, para que qualquer
interessado pudesse recorrer à Junta, propondo nela as ações que tivesse ou as
denúncias que quisesse. Então, a Junta verificaria se a quebra foi ou não
fraudulenta ou dolosa. Se constatasse que sim, os autores eram remetidos para o
Juiz Conservador do Comércio, que pronunciava e mandava prender os culpados.
Mas se de boa-fé o falido, estabeleciam-se as preferências pelas prioridades das
penhoras ou hipotecas. E, não obstante as cessões que o falido tivesse feito nos
20 dias anteriores à quebra (= termo legal), os bens móveis do falido eram
vendidos em 30 dias por meio de leilão, cuja ocorrência devia ser publicada na
Gazeta da Corte. Para os bens imóveis, haveria a mesma publicação e seriam
expedidas cartas de diligência pelo Juiz Conservador para serem vendidos em
praça no prazo de 60 dias. Os créditos eram arrecadados da mesma forma que se
cobravam as dívidas do Fisco. Quando todo patrimônio fosse reduzido a
dinheiro, os dois Deputados prestavam contas ao Juiz Conservador, este que, por
sua vez, procedia de plano, efetuando a partilha do produto. Por fim, o falido era
considerado civilmente morto, para, depois de extintas suas obrigações,
“ressuscitar”
47
.
47
Rubens Requião. Op. cit., p. 17-21.
27
1.6.2. Fase imperial
Nesta época, a primeira legislação a respeito do direito falimentar se
com a Lei 30, de outubro de 1823, que determinou que se aplicaria a legislação
de Portugal sobre falência. Ou seja, observava-se a Lei da Boa Razão,
implementada pelo Alvará de 1769, que também determinava a aplicação
subsidiária de leis de outras nações civilizadas. Por causa disso, afirma Rubens
Requião, aplicou-se amplamente o Código Comercial de Napoleão, decorrendo
disto a grande influência do direito francês no direito brasileiro
48
.
Em 1850 promulgou-se o Código Comercial, que vigorou a a
Proclamação da República e dedicou uma parte ao instituto falimentar,
denominada “Das quebras”. Este diploma legal previa, para caracterização da
falência, o sistema da cessação de pagamentos. Não era prevista a concordata
preventiva, apenas a suspensiva da falência. Ademais, havia o sistema de
contrato de união, em que os credores, após a instauração do processo,
dispunham em conjunto sobre a forma de liquidação, em não sendo apresentada
proposta de concordata.
Após a instrução do processo os credores eram reunidos em assembléias
em duas ocasiões: i) o Juiz fazia relatório sobre o estado da falência, apresentava
lista dos credores devidamente qualificados e seus créditos, propondo a
nomeação de uma comissão para verificá-los; ii) a comissão verificadora
apresentava pareceres, e não ocorrendo dúvida sobre os credores, estes passavam
a deliberar sobre a concordata, que o era admitida se o falido fosse julgado
com culpa ou fraude, ou já tivesse obtido este benefício
49
.
Para a concordata ser concedida, deveria ter sido aprovada na assembléia
por credores com pelo menos a maioria em mero, independentemente do seu
48
Rubens Requião. Op. cit., p. 21.
49
Ibidem, p. 21-22.
28
comparecimento a esta, e dois terços do valor de todos os créditos sujeitos aos
efeitos da concordata. Isto foi alterado pela Lei n. 3.065, de 1882, por iniciativa
de Visconde de Mauá, passando a ser necessário para obter concordata a maioria
dos credores que comparecessem à assembléia.
Ecio Perin Junior
50
esclarece que o Código Comercial recebeu muitas
críticas, pois este concedia muita autonomia aos credores, na organização da
falência, diminuindo o papel do Juiz, que se resumia a homologar as decisões dos
credores tomadas nas assembléias-gerais.
Assim, várias alterações ao Código Comercial, a respeito de falências,
foram feitas, até que em 1866 o então Ministro da Justiça Joaquim Nabuco
apresentou projeto, inspirado na legislação belga, que tratava dos processos de
falência, pois, o que se tinha até então não dava proteção aos credores, que o
processo era “lento, complicado, dispendioso, importando sempre a ruína do
falido e o sacrifício do credor”.
Algumas das inovações apresentadas foram as seguintes: instituição de
liquidadores juramentados nomeados pelo governo; nomeação de liquidadores
juramentados do curador-fiscal que deveria administrar a falência; função de
depositário passa a ser dos liquidadores; simplificação do processo de verificação
dos créditos; introdução da concordata por abandono.
Este projeto foi substituído por outro, em 1879, e foi convertido no
Decreto Legislativo n. 3065, de 6 de maio de 1882.
50
Op. cit., p. 37.
29
1.6.3. Fase Republicana
Com a proclamação da República, o governo passou a se preocupar mais
em elaborar uma legislação falimentar, o que culminou no Decreto n. 917, de
1890, que modificou a parte de falências do Código Comercial, modernizando o
instituto, passando a ser o critério para a caracterização da insolvência não mais a
cessação do pagamento, mas sim a impontualidade e a realização de atos de
falência
51
.
Não obstante, parte da doutrina, como Miranda Valverde e Carvalho de
Mendonça, critica tal Decreto, pois, apesar deste ter introduzido meios
preventivos à decretação da falência, como a concordata preventiva, a moratória,
a cessão de bens e o acordo preventivo extrajudicial, deu aos credores abuso de
vantagens (supremacia do interesse dos credores) e aos devedores o benefício da
impunidade (pois não havia condenação por crime falimentar)
52
, o que causou
diversas fraudes.
Dessa forma, em 1902 sancionou-se a Lei n. 859, que reformou o Decreto
anterior, visando acabar com as fraudes. Esta reforma concentrou-se no tocante
aos síndicos (administradores da massa falida), de modo a evitar o conluio entre
credores e devedor, acabando com as fraudes e abusos. Assim, aqueles passam a
ser nomeados fora dos quadros da falência, ou seja, não mais pelos credores, mas
sim, pelo Juiz
53
, dentre os nomes de uma lista organizada pelas Juntas
Comerciais
54
. Porém, este diploma legal sofreu duras críticas. Além de o
Ministério Público ser quase excluído do processo, também os 40 inscritos na
lista, no Distrito Federal conhecidos por “Ali-Babá e os 40 ladrões”, em razão de
51
Ruben Ramalho. Op. cit., p. 9.
52
Op. cit., p. 14.
53
Ruben Ramalho. Op. cit., p. 9.
54
Rubens Requião. Op. cit., p. 23.
30
suas tortuosas atividades
55
. Por este motivo, diversos Estados baixaram
legislações próprias em algumas matérias.
Em 1908 foi promulgada a Lei n. 2.024, cujo projeto foi de Carvalho de
Mendonça, e vigorou até 1929, quando o Decreto 5.746 entrou em vigor.
Destacam-se as seguintes inovações, conforme Ricardo Negrão
56
:
(i) submissão das sociedades anônimas à falência;
(ii) introdução de rito breve para as falências sumárias de
pequeno passivo;
(iii) regulamentação da falência das concessionárias de obras ou
de serviços públicos;
(iv) inserção do MP como curador de massas falidas, devendo
ser notificado de todos os atos quando sua assistência fosse útil
em prol da ordem pública;
(v) proibição de o MP requerer falência;
(vi) proibição de o MP receber comissões ou porcentagens por
conta da massa falida;
(vii) fixação do critério da impontualidade e de alguns atos
indicativos de falência como caracterizadores da quebra, da
mesma forma que permaneceu previsto no Decreto-lei
7.661/45;
(viii) nulidade de certos atos praticados pelo devedor anteriores
à falência, tal qual tipificado no Decreto-lei 7.661/45;
(ix) divisão do processo falimentar em duas fases: informação
e liquidação, dando liberdade ao Juiz na escolha de síndicos
quando não houvesse credores que aceitassem o encargo;
(x) a escolha de até três síndicos, conforme o valor da massa,
entre os maiores credores;
(xi) unificação dos procedimentos de verificação e classificação
de créditos num ato, definindo a inclusão e a classificação
dos créditos, conforme permaneceu no Decreto-lei 7.661/45;
55
Rubens Requião. Op. cit., p. 23.
56
Op. cit., p. 15.
31
(xii) duas concordatas: a preventiva e a concordata na falência,
tal qual no Decreto-lei 7.661/45;
(xiii) instituição de certos princípios para a concessão da
concordata, como a não-validade da concordata que sacrificasse
os credores mais que a liquidação da falência, e a possibilidade
de embargos dos credores dissidentes e sua rescisão.
Rubens Requião
57
esclarece que tal lei não obteve sucesso porque para
tanto seria necessário que sua execução fosse fiscalizada e garantida pelos juízes,
o que não ocorreu.
Assim, em razão da crise econômica instaurada pela Primeira Guerra
Mundial, a referida Lei foi revista pelo Decreto n. 5.746, de 1929, com o intuito
de aperfeiçoá-la para que funcionasse do modo como deveria. Diminuiu-se,
portanto, o número de síndicos de três para apenas um e instituiu-se uma
porcentagem sobre os créditos para a concessão de concordata
58
.
1.6.4. Decreto-Lei n. 7.661/45
Na época do Estado Novo, que concentrou os poderes na mão do Estado,
surgiu a preocupação de se ajustar um sistema falimentar que se adequasse a esta
filosofia, o que deu origem ao Decreto-Lei n. 7.661/45.
Com este diploma surgiram diversas inovações: reforçou-se o poder do
Juiz, diminuindo a influência dos credores, que praticamente terminou com a
assembléia de credores; a concordata (preventiva e suspensiva) deixou de ser um
contrato, para tornar um benefício concedido pelo Estado, através do Juiz ao
devedor infeliz e honesto”
59
.
57
Op. cit., p. 24.
58
Ecio Perin Junior, Curso, Op. cit., p. 39.
59
Rubens Requião, Op. cit., p. 24.
32
Assim, referido diploma legal elimina na administração da falência a
figura do liquidatário. Isto porque, o processo de falência compreende duas fases:
na primeira, investiga-se a vida econômica do falido e o exame da sua conduta no
exercício profissional; na segunda, cuida-se da solução patrimonial da falência.
Ambos os períodos, entretanto, se desenvolvem na unidade do processo da
falência, cuja administração não deve ser dividida.
Dessa forma, fortalece-se a função do síndico, ampliando-lhe os deveres e
assegurando-lhe a estabilidade. Conforme o referido autor, “tais medidas oneram
o titular do cargo, mas o exercício deste constitui dever do comerciante em
beneficio do interesse coletivo do comércio, onde estão integrados os seus
próprios interesses”.
Ademais, como anteriormente citado, foi muito diminuída a atuação da
assembléia de credores, sendo que esta situação causaria prejuízos pois a
concordata não é mais objeto de votação. Somente haveria motivo para a
assembléia de credores quando estes queriam deliberar sobre a forma de se
realizar a liquidação, e nesse caso, havia previsão para a sua intervenção.
Como as leis anteriores, o Decreto-Lei n. 7.661/45 necessitou de reformas,
tendo sido atualizado no tocante à reorganização econômica da empresa e a sua
manutenção no meio social. Assim, deixou de ser, o Instituto da Falência, um
meio de liquidação com o encerramento das atividades da empresa. Houve uma
preocupação maior com a função social da empresa diante da sociedade, e, com o
auxílio que o novo Direito Concursal daria para a obtenção dessa função inerente
a qualquer propriedade privada.
33
1.6.5. A nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas
A Nova Lei de Falências teve sua origem no Projeto de Lei n. 4.376 de
1993. Esta Lei teve por objetivo adequar o instituto da falência à realidade
econômica e social vivida no País. Assim, passou-se a preocupar mais com a
função social da empresa e sua recuperação do que apenas com a liquidação e
encerramento de suas atividades, seguindo a esteira da grande parte das
legislações modernas da atualidade.
Como algumas alterações e inovações mais significativas na Lei
11.101/2005, de interesse para este trabalho, é possível mencionar:
(i) Inserção no sistema do novo instituto denominado recuperação de
empresas em dois formatos: judicial e extrajudicial (possibilita o devedor
negociar as suas dívidas com os principais credores e aprovar um plano de
pagamento de seus débitos, de acordo suas condições reais, fora dos tribunais),
deixando a concordata de existir em suas duas espécies: preventiva e suspensiva.
Vale lembrar que no sistema atual, se o devedor for microempresário ou
empresário de pequeno porte, a recuperação judicial segue rito simplificado.
Agora deve ser verificada a viabilidade da atividade que se pretende recuperar
por meio da apresentação de um plano de recuperação por parte do devedor, ao
passo que para obter a concordata bastava o devedor empresário preencher certos
requisitos legais, e, então, lhe era concedido o “favor legal” pleiteado.
(ii) A realização do ativo pode ser feita logo após a arrecadação dos bens,
com sua juntada aos autos da falência, quando se inicia a venda dos bens, nos
termos do art. 139 da atual lei, diferentemente do que ocorria no Decreto-Lei
7.661/45, em que a venda poderia ocorrer após o término da fase cognitiva.
Há, ainda, uma ordem de preferência legal para a venda dos bens na falência,
qual seja, (a) alienação da empresa com a venda de seu estabelecimento em
bloco; (b) alienação da empresa com a venda de unidades isoladamente; (c)
34
alienação em bloco dos bens que integram o estabelecimento; alienação dos bens
individualmente considerados. Além desta novidade, a inserção de diferente
modalidade de alienação, que é o pregão, uma forma híbrida. A escolha da
melhor forma e da modalidade de venda cabe ao Juiz e o mais ao
Administrador Judicial.
(iii) A participação do Ministério Público foi modificada, uma vez que não
mais a obrigatoriedade de sua intervenção em todos os processos de que seja
parte ou interessada a massa falida, tampouco participa do pedido de falência,
sendo que, somente em algumas situações específicas a lei impõe sua atuação,
como, por exemplo, em qualquer modalidade de alienação de bens, na falência o
Ministério Público deve ser intimado sob pena de nulidade do ato praticado.
Ocorre a extinção do inquérito judicial de outrora e o Ministério Público é
intimado, ao verificar constatação de indício de crime, ameaça de lesão ao
patrimônio público ou infração à lei, e promoverá a ação penal correspondente ou
requererá abertura de inquérito policial, ocorrendo, nestes casos, sua intervenção.
(iv) Altera-se a denominação do antigo síndico para Administrador
Judicial, que pode ser pessoa física ou jurídica, que tem a atribuição de
administrar os bens do devedor, em liquidação judicial, ou auxiliá-lo na
administração, durante a reorganização, uma vez que sua autonomia foi reduzida
em certos aspectos como a escolha da forma de alienação dos bens na falência,
que atualmente cabe ao Juiz mas no Decreto-Lei 7.661/45 cabia ao síndico. Além
disso, o administrador passa a ser considerado credor extraconcursal, cujo
pagamento de sua remuneração será feito antes dos demais credores. Também se
adota critério diferente para a forma de sua remuneração, conforme previsão do
art. 24 e parágrafos.
(vi) A ordem de classificação dos créditos é modificada, inclusive os
créditos derivados da legislação do trabalho (agora limitados a 150 salários
mínimos por credor) e decorrentes de acidente de trabalho encontram-se na
35
mesma classe para recebimento de créditos; Por outro lado, os credores com
garantia real, na atual sistemática, preferem aos credores tributários. Importante
inovação foi a criação dos créditos extraconcursais.
(vii) O procedimento de verificação de créditos sofre grandes mudanças,
sendo que o próprio falido deve apresentar, em princípio, a lista de credores. Se o
credor não concordar com o valor ou classificação do seu crédito, ou se ainda não
teve incluído seu crédito na lista, deve apresentar divergências e/ou habilitação
ao Administrador Judicial, e não ao Juiz, como ocorria na lei anterior. Ao ser
republicada a lista pelo Administrador Judicial, o credor, se for o caso, pode
impugná-la, desta vez perante o Juiz. Somente após o julgamento de todas as
impugnações porventura apresentadas, será publicada uma derradeira lista de
credores pelo Administrador Judicial, e será consolidada como quadro geral de
credores.
(viii) A propositura da ação revocatória somente será utilizada nos casos
dos atos revogáveis e o prazo decadencial é de um ano contado da sentença
declaratória da falência, sendo que a lei atribui legitimidade para sua propositura,
tanto ao Administrador Judicial, qualquer credor ou, ainda, o Ministério Público.
36
2. ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA E DA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS EMPRESAS
2.1. Introdução
Antes de iniciar o estudo de cada órgão específico da falência e da
recuperação judicial das empresas, necessário se faz tecer algumas observações
preliminares.
Primeiramente, acerca da matéria, tem-se que
órgão é vocábulo de origem latina (organum, instrumento) que
designa originariamente qualquer meio empregado à execução
de alguma coisa. Na terminologia do direito administrativo,
tanto pode indicar uma instituição legalmente organizada em
função de certa ordem de serviços, como a pessoa ou o grupo de
pessoas a que se incumbe o exercício de determinadas funções,
que se cometem às instituições ou às pessoas jurídicas, sejam de
direito público, sejam de direito privado, uma vez que a
administração é o complexo de órgãos aos quais se confiam
funções administrativas
60
.
Marcello Caetano
61
explica que:
O órgão faz parte da pessoa coletiva (pessoa jurídica),
pertencente ao seu ser, exatamente como acontece com os
órgãos da pessoa humana. É através dos seus órgãos que a
pessoa coletiva conhece, pensa e quer. O órgão não tem
existência distinta da pessoa; a pessoa não pode existir sem
órgãos. Os atos dos órgãos são atos da própria pessoa e tudo
60
Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 56, coord. R. Limongi França, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 346.
61
Marcello Caetano. Manual de direito administrativo, Lisboa: Coimbra Editora, 1965, p. 154.
37
quanto diz respeito às relações entre os diversos órgãos da
mesma pessoa coletiva tem caráter meramente interno.
Em virtude da complexidade envolvida nos processos falimentares e de
recuperação judicial das empresas, torna-se indispensável a criação de uma
estrutura organizacional administrativa para que tais processos possam alcançar
um resultado satisfatório.
Nesse sentido, a lei prevê a participação de cinco órgãos que integram a
estrutura administrativa da falência e recuperação judicial, quais sejam: o Juiz, o
Ministério Público, o Comitê de Credores, o Administrador Judicial e a
Assembléia de Credores. Alguns deles, por fazerem parte da organização do
próprio Estado, já existem independentemente da falência ou da recuperação
judicial; outros, no entanto, como o Comitê de Credores, o Administrador e a
Assembléia de Credores, são órgãos criados especificamente para auxiliar o Juiz
no bom andamento dos processos mencionados.
O Juiz, nos processos em referência, possui atribuições bem extensas,
sendo que algumas delas, inclusive refogem à sua competência funcional,
abrangendo funções de caráter administrativo necessitando, portanto, de
colaboradores para que o auxiliem durante os processos de falência e recuperação
judicial das empresas.
Assim, serão feitas algumas observações sucintas acerca da atuação do
Juiz e do órgão ministerial nos processos em questão, uma vez que integram os
órgãos da administração da falência e da recuperação judicial das empresas. E, na
seqüência, tendo em vista que a Lei n.11.101/2005 renovou o direito concursal
falimentar em diversos aspectos referentes aos órgãos específicos que atuam na
falência e na recuperação judicial (Comitê de Credores, Administrador Judicial e
a Assembléia de Credores), cada um deles será analisado individualmente e de
forma detalhada, por serem eles objeto do presente estudo.
38
2.2. O Juiz no processo de falência e de recuperação de empresas –
algumas anotações
As inovações da nova Lei de Falências, conforme já comentado, tem como
objetivo tornar mais céleres os processos falimentares bem como tentar manter a
célula produtiva em funcionamento, a fim de beneficiar seus empregados,
credores e a própria comunidade em que está inserida, tendo, portanto, um forte
cunho social. Os dois procedimentos em questão, a falência e a recuperação
judicial das empresas, têm, necessariamente, sua tramitação realizada por meio
do Poder Judiciário, nos termos previstos na Lei n. 11.101/2005.
Assim, na falência e na recuperação judicial de empresas, o Juiz tem
ampla atuação, presidindo e dirigindo o processo e, ao mesmo tempo,
supervisionando a atuação do Administrador Judicial. As deliberações ocorridas
na Assembléia Geral de Credores passam por seu crivo, concede a recuperação
judicial e decreta a falência. Ademais, efetua o controle da legalidade durante
todo o processo, a fim de resguardar os direitos das partes.
A atual lei em vigor incentiva a participação dos credores de forma
intensa, quer no processo falimentar, quer na recuperação de empresas,
acompanhando os feitos e interagindo por meio das deliberações assembleares
ou, ainda, na constituição do Comitê de Credores conforme será analisada a
questão no capítulo seguinte, mas isto o significa, a meu ver, que o Poder
Judiciário deva deixar as decisões mais importantes de uma Assembléia
totalmente nas mãos dos credores.
Oportuno mencionar aqui entendimentos variados do Poder Judiciário
referentes à questão das decisões da Assembléia de Credores, conforme o que se
segue:
39
O Juiz Alexandre Lazzarini
62
, da 2ª Vara de falências e recuperações
judiciais da comarca da Capital, entende que o papel do Juiz na nova fase do
nosso direito falimentar é o de “analisar os requisitos previstos em lei, não
adentrar no mérito da viabilidade econômica da empresa. Ao Juiz, cabe verificar
se as informações prestadas pela empresa estão em ordem ou não sendo que o
mérito dessas informações tem de ser analisado pelos credores”.
O Desembargador Manoel Pereira Calças, da mara Especializada de
Falências e Recuperações Judiciais do Estado de São Paulo, decidiu, no Agravo
de Instrumento n. 461.740-4/4-00, que “a nova Lei de Falências tornou maior a
atuação dos credores no processo, mas não transformou o Juiz em chancelador
das deliberações assembleares”, entendendo que mesmo tendo sido rejeitado o
plano apresentado pela devedora, não impedimento para que o Juiz permita
que a empresa formule novo plano para ser apreciado pelos credores, tendo em
vista o disposto no art. da Lei de Introdução ao Código Civil. O
Desembargador Lino Machado acompanhou o raciocínio do relator, no caso em
que o Tribunal de Justiça de Estado de São Paulo permitiu que a Parmalat
apresentasse novo plano, mesmo após o primeiro ter sido rejeitado pelos
credores.
Por seu turno, o Juiz Luiz Roberto Ayoub, da Vara Empresarial do
Estado do Rio de Janeiro, acabou exercendo um papel importante ao julgar o
processo de recuperação judicial da Varig, uma vez que a nova lei de falências
estava em vigor pouco tempo e ele teve que interpretá-la da melhor forma
possível para reerguer a empresa.
Referido magistrado, como se pode verificar de suas decisões, ressalta que
o objetivo da lei é manter, sempre que possível, ativa a atividade empresarial da
instituição que beira a falência, defendendo justamente que o extermínio da
62
Entrevista concedida à Aline Pinheiro.
Revista Consultor Jurídico, 7 out. 2007. Disponível para consulta na rede mundial de computadores, no
endereço: http://conjur.estadao.com.br/static/text/60183,1.
40
mesma deve acontecer quando seu funcionamento se mostrar nocivo à
sociedade. Do contrário, a todos interessa a sua existência.
No mesmo sentido, o Juiz especializado em falências da comarca da
capital paulista, Alexandre Lazzarini, em entrevista concedida à revista
Consultor Jurídico, em outubro de 2007, defende a função social da empresa,
prevista no art. 47 da nova Lei. No entanto, esclarece que, apesar de complexa, a
rejeição de um eventual pedido de falência dos credores pode sim ocorrer,
dependendo das circunstâncias de cada caso.
Para finalizar, apresento minha discordância ao posicionamento de que
não cabe ao Juiz entrar no mérito das decisões da Assembléia de Credores, mas
simplesmente verificar sua legalidade.
Afirmar que o cabe ao Juiz analisar a viabilidade econômico-financeira
da companhia em crise, por ser tal função própria da Assembléia de Credores, me
parece um grande equívoco.
Ora, como bem esclarece o Desembargador Manoel Pereira Calças
Rebouças, o Juiz não é um mero homologador de decisões de assembléias de
credores, mas deve observar a finalidade da lei, conforme preceitua o art. da
LICC: na aplicação da lei, o Juiz atendeaos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum”.
Primeiramente deve ser analisada a finalidade da norma bem como os
princípios que a norteiam e, neste ponto, abro um espaço para fazer alguns
comentários sobre a interpretação das normas e sua importância.
O Estado visa solucionar os conflitos de interesses, estabelecendo
comandos abstratos e genéricos baseados em hipóteses que, possivelmente,
podem ocorrer na vida comunitária, ou seja, regras disciplinadoras de condutas.
41
O direito posto disciplina a conduta humana, sendo que para tanto, as
normas jurídicas utilizam-se de palavras, signos lingüísticos que devem, em
princípio, expressar o sentido daquilo que deve ser. Entretanto, o uso corrente de
uma palavra para designar um fato nem sempre coincide com seu significado
normativo. O legislador, ao elaborar uma norma, utiliza palavras do cotidiano
empregando-lhes, porém, um sentido técnico, próprio ao fim a que se destina,
restando, sempre, uma ligação com o sentido comum, daí o surgimento das
dificuldades entre as diversas significações das palavras, para a correta
compreensão do significado das normas.
A dogmática hermenêutica cuida da determinação do sentido das normas,
tendo em vista a decidibilidade de conflitos e, nesse sentido, Carlos
Maximiliano
63
ensina que o aplicador da norma deve extrair tudo o que dela
existe, pois “interpretar é determinar o sentido e o alcance das expressões do
Direito”.
Entretanto, o caráter genérico e abstrato das normas exige dos que irão
aplicá-la ou mesmo observá-la, uma operação de inteligência e definição de seu
sentido e alcance, pois, neste momento, o exegeta perceberá que em grande parte
das vezes as normas presentes no ordenamento jurídico não são claras e precisas
o bastante para impedir as controvérsias.
Ademais, os fatos da vida raramente são atingidos por uma única regra de
direito isolada, o ordenamento jurídico emana diversos comandos que incidirão
sobre o mesmo evento, fazendo com que a sua identificação se torne uma tarefa
63
“A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para
determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. As leis positivas são formuladas em termos
gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem norma, em linguagem clara e precisa, porém
ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto
abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o
conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva;
e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que
na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das
expressões do Direito” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro:
Revista Forense, 1998, p. 1).
42
complexa, uma vez que entre a regra contida na norma e os fatos da vida não
uma equivalência fria e estática. Isto ocorre porque o direito se ocupa de fatos
gerados pela conduta do ser humano, que decorre de valores éticos, morais e
sociais. Assim, para entender uma norma jurídica que buscar e compreender o
valor que motivou o legislador a proteger determinado interesse.
Carlos Maximiliano
64
, neste sentido, assevera que
interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo,
atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento
exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão;
extrair de frase, sentença ou norma, tudo que a mesma contém.
Prosseguindo seu raciocínio, referido autor esclarece que essa é uma
difícil tarefa atribuída ao intérprete, que além de proceder à análise deve proceder
também à reconstrução da norma (síntese). Para a consecução de seu objetivo,
deve examinar o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo a fim
de alcançar uma visão geral do conjunto: deve, ainda, lançar mão da comparação
com outros dispositivos da mesma lei e de outras leis diversas; incumbe-lhe
indagar os fins da norma inserida naquele contexto e dentro do sistema visto de
maneira global; ao final deste trabalho, o exegeta conseguirá determinar o
alcance da norma jurídica.
Escolas variadas procuram descobrir métodos de interpretação das
normas, sendo que uma não se sobrepõe à outra, uma vez que todas contribuem,
de alguma maneira, para o aprimoramento da exegese jurídica. Assim, vários são
os métodos de interpretação apresentados pela hermenêutica para a interpretação
da norma jurídica, recaindo a escolha somente em relação àqueles que interessam
ao estudo em questão, sendo eles:
64
Op. cit., p. 9.
43
(i) Interpretação literal ou gramatical que examina as palavras que
compõem a norma jurídica;
(ii) A interpretação sistemática – que enxerga o ordenamento jurídico
como um todo que o permite fracionamentos em compartimentos de regras
estanques em virtude de sua natureza orgânica, devendo o intérprete comparar o
dispositivo objeto de seu estudo com outras normas do sistema, observando as
relações com os demais princípios e normas existentes. É de fundamental
importância que se descubra, por meio da exegese sistemática, qual o princípio
ou quais os princípios que informam o ordenamento jurídico como um todo.
(iii) A interpretação histórico-evolutiva procura o passado da norma
jurídica e analisa a sua evolução no decorrer dos tempos.
(iv) A interpretação teleológica procura analisar a origem e finalidade das
leis bem como as necessidades sociais que lhes originaram. Tendo em vista que
as normas tutelam interesses, é certo que esses interesses tutelados representam
um fim a ser alcançado, e, como adverte Recaséns Siches
65
:
No hay norma jurídica que non deba su origen a una finalidad,
a un propósito, y que no responda a un motivo práctico. El
criterio o medida que sirve para juzgar el derecho no es un
criterio absoluto de verdad, sino que es un criterio relativo de
finalidad.
Para completar estes comentários sobre a interpretação das normas e os
métodos de sua aplicação, oportunas as palavras do filósofo Karl Engish
66
, que,
de forma clara, sintetiza como deve ser interpretada uma norma jurídica:
65
Recaséns Siches. Introducción al estudio del derecho, México, 1972, p. 220-1.
66
Karl Engish. Introdução ao pensamento jurídico, trad. J. Baptista Machado, 6. ed., Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1988, p. 148-9.
44
Até aqui comprovamos, de preferência em face do caso prático,
a natureza e o processo da actividade interpretativa.
Apreendemos de um modo imediato a interpretação gramatical,
a sistemática, a teleológica e a histórica, enquanto métodos de
dominar uma questão jurídica duvidosa . Não devemos, porém,
permitir que o nosso horizonte se encolha. Não por amor da
árida teoria apenas, mas, antes, a fim de em nós despertarmos
uma compreensão dos preceitos jurídicos que é altamente
frutuosa para toda a nossa atitude em face do Direito, importa
que nós juristas, ao interpretar, transcendamos o horizonte
visual do simples prático e nos esforcemos por alcançar uma
compreensão de puro plano espiritual-cultural. Poderemos
também dizer que não se trata apenas daquilo a que o jurista
do quotidiano chama <<interpretação>>, mas ainda uma
verdadeira e omnímoda compreensão num sentido mais
elevado, mesmo que esta nos arraste para uma posição
filosófica, histórico-cultural ou política.
Após esta breve digressão, retorna-se à questão da norma posta, a lei
falimentar que suscita dúvidas e para tanto, devem ser utilizados, a meu ver, os
métodos de interpretação antes abordados, sistemático e teleológico, a fim de
proceder à análise da lei para se chegar ao seu real alcance e sentido.
Dispõe o art. 56, § 4º, e art. 73, III da nova Lei que, caso a Assembléia
Geral de Credores rejeite o plano apresentado pelo devedor, o Juiz deverá
decretar a falência.
De seu turno, Fábio Ulhoa Coelho
67
, atento para esta questão,
67
Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial, 7. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 240.
45
explica que o modelo brasileiro da recuperação judicial é
vulnerável porque, ao manter a vinculação entre o
indeferimento do benefício e a decretação da falência, cria o
ambiente propício ao nascimento “da indústria da Recuperação
Judicial”. O credor, na assembléia-geral em que estiver em
votação o Plano de Recuperação Judicial, tenderá a aprovar
qualquer rabisco malfeito, porque se não o fizer, o Juiz terá que
decretar a falência do devedor
.
Neste ponto, penso que o magistrado o está obrigado a decretar a
falência quando o plano foi rejeitado. Deve ele verificar a viabilidade de
recuperação efetiva da empresa e, levando em conta os fins sociais da norma bem
como os objetivos, ou seja, estar atento ao disposto no art. 47 da lei de falências,
aprovar o plano caso viável (utilizando-se de parecer formulado por órgão
competente, nos termos sugeridos no Capítulo 5, momento em que esta questão
será melhor elucidada) ou, ainda, determinar que a devedora apresente plano
alternativo para que os credores deliberem em Assembléia (novamente tendo em
vista a viabilidade que foi verificada pelo órgão antes mencionado), então abrirá
nova possibilidade para os credores debaterem sobre o plano e dar uma chance à
requerente.
Conforme anteriormente defendido, a manutenção do funcionamento da
empresa é de interesse de toda a comunidade, desde que, obviamente, não seja
simplesmente uma forma de a empresa retardar uma falência inevitável, neste
caso, a solução será diversa e a empresa deve ser saneada.
A possibilidade de o devedor apresentar plano alternativo, uma vez
rejeitado o primeiro, em princípio não prejudica ninguém. Prejuízo poderia
haver, caso fosse desperdiçada a oportunidade de novo plano de recuperação ser
avaliado pelos credores e lhes aprouvesse. Dessa forma, a manutenção da
atividade poderia ocorrer e, como conseqüência, o princípio da preservação da
46
empresa estaria sendo respeitado, cumprindo os objetivos da lei com o perfeito
equilíbrio entre os diversos interesses que refletem das atividades empresárias.
2. 3. O Ministério Público na falência e na recuperação de empresas –
breves comentários
2.3.1. Veto ao art. 4º do projeto de lei
Em 9 de fevereiro de 2005, entrou em vigor a Lei n. 11.101 (a nova Lei de
Falências), que regulamenta os processos de falência, recuperação judicial e
extrajudicial, tendo sido sancionada pelo Presidente da República depois de mais
de dez anos de tramitação no Congresso Nacional.
Desta forma, com a entrada em vigor da nova Lei de Falências, uma das
questões surgidas refere-se à intervenção do Ministério Público nos processos
falimentares e de recuperação de empresas.
Ocorre que a Lei de Falências revogada (Decreto-Lei n. 7.661/45), em seu
art. 210, dispunha:
O representante do Ministério Público, além das atribuições
expressas na presente lei, será ouvido em toda ação proposta
pela massa ou contra esta. Caber-lhe-á o dever, em qualquer
fase do processo, de requerer o que for necessário aos interesses
da justiça, tendo o direito, em qualquer tempo, de examinar
todos os livros, papéis e atos relativos à falência e à concordata.
Em decorrência de previsão legal expressa, o Ministério Público atuava de
forma efetiva por meio das denominadas promotorias de massas falidas, seus
órgãos de execução, que acabaram se especializando em matéria falimentar,
contando, inclusive, com apoio de peritos e contadores para dar maior suporte
47
aos trabalhos realizados, sendo que os curadores de massas falidas atuavam como
custos legis e como parte.
Inclusive, se a referida instituição não fosse intimada pessoalmente a
intervir como custos legis, acarretaria a nulidade do processo, independentemente
de ele estar tramitando no juízo falimentar ou em outro juízo qualquer.
O dispositivo legal antes mencionado outorgava força ao Ministério
Público para que a instituição pudesse exercer atividade ampla e diversificada.
Enfim, as atribuições e intervenções do Ministério blico, como se pode
perceber, eram bastante consideráveis no processo falimentar, inclusive, sua não-
intervenção causaria a nulidade do processo.
O art. do referido projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
encaminhado ao Presidente da República para sanção era praticamente a
reprodução do art. 210 do Decreto-Lei n. 7.661/45, determinando, como outrora,
obrigatória a intervenção do Ministério Público em qualquer processo de
recuperação judicial ou de falência, e ainda nas ações em que a massa falida
fosse parte, quer como autora, quer como ré, conforme segue:
Art. 4º. O representante do Ministério Público intervirá nos
processos de recuperação judicial e de falência.
Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o
representante do Ministério Público intervirá em toda ação
proposta pela massa falida ou contra esta.
No entanto, supra citado artigo do projeto de lei foi vetado pela
Presidência da República, cujas razões abaixo se transcreve:
48
O dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – Decreto-Lei n
.
7.661, de 21 de junho de 1945, que obriga a intervenção do
parquet não apenas no processo falimentar, mas também em
todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que
irrelevantes, eg. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as
de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc.,
sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância
institucional.
Importante ressaltar que no autógrafo da nova Lei de Falências
enviado ao Presidente da República são previstas hipóteses,
absolutamente razoáveis, de intervenção obrigatória do
Ministério Público, além daquelas de natureza penal.
Pode-se destacar que o Ministério Público é intimado da
decretação de falência e do deferimento do processamento da
recuperação judicial, ficando claro que sua atuação ocorrerá
pari passu ao andamento do feito. Ademais, o projeto de lei não
afasta as disposições dos arts. 82 e 83 do Código de Processo
Civil, os quais prevêem a possibilidade de o Ministério Público
intervir em qualquer processo, no qual entenda haver interesse
público, e, neste processo específico, requerer o que entender de
direito.
2.3.2. O Ministério Público e sua intervenção nos processos de falência
e de recuperação judicial de empresas – Há limites para sua
atuação?
Coloca-se a seguinte questão: O Ministério Público deve intervir em todos
os processos de falência e recuperação judicial de empresas bem como em toda
ação proposta pela massa falida ou contra ele, nos termos do mencionado art.
do projeto de lei, a despeito do veto que sofreu?
Duas possibilidades surgem diante da questão proposta, mas
primeiramente, vale lembrar que o art. 127, caput, da Constituição Federal de
49
1988 dispõe que o Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Assim, verifica-se que a Carta da República de 1988 ampliou o campo de
atribuição do Ministério Público e, em decorrência disso, vem se aparelhando
para melhor desempenhar sua missão constitucional, atuando como guardião do
ordenamento jurídico, dos direitos indisponíveis e da própria ordem democrática.
Hugo Nigro Mazzilli
68
ensina que as funções institucionais do Ministério
Público devem ser iluminadas pelo zelo de um interesse social ou individual
indisponível, ou, então, pelo zelo de um interesse difuso ou coletivo.
A primeira corrente, defendida pelo Ministério Público, tendo em vista a
diminuição de sua participação nos feitos falimentares, alega diversos motivos,
mas, essencialmente, que as razões do veto eram insubsistentes e revelam pouco
conhecimento do trabalho do órgão ministerial na área falimentar, somente
encontrando respaldo em alguns doutrinadores, que eram contrários a uma ampla
atuação do Parquet nos processos de falência
69
, entendendo que sua intervenção
dificultava e acabava fazendo com que o processo se tornasse moroso.
Em síntese, a intervenção do Ministério Público nestes processos, sob esta
ótica, deve ser sempre ditada pelo interesse público, evidenciado pelas suas
repercussões no ordenamento jurídico e econômico. Inclusive, o fundamento da
intervenção do Ministério Público no processo de falência e de recuperação
judicial das empresas é o interesse público, uma vez que a necessidade de
68
Hugo Nigro Mazzilli. O Ministério Público na Constituição de 1988, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 49.
69
Trajano de Miranda Valverde, expressa sua opinião: “O sistema de nossa lei, fazendo intervir no
processo de falência o representante do Ministério Público é, assim, perfeitamente aceitável e
produziria ótimos resultados não fora a extensão das atribuições e as incursões indevidas desse
representante em quase todos os atos do processo de falência, tornando-o moroso e dispendioso para as
partes, sem nenhuma vantagem para a justiça” (Comentários à Lei de Falências, 4. ed., Rio de Janeiro:
Forense, v. 1, p.
387. No mesmo sentido C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, 13. ed.,
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 124).
50
tutela do crédito, da pública, economia pública, do tratamento paritário dos
credores envolvidos nos processos em referência, bem como a manutenção da
atividade produtiva.
Seguindo este raciocínio, Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo publicou Recomendação aos membros do Ministério Público
70
, no sentido
de que “continuem ou passem a oficiar nos autos de falências, pedidos de
recuperação judicial ou extrajudicial e ações em que sejam partes ou interessadas
empresas em recuperação ou falidas”.
Assim, como guardião do fiel cumprimento da lei e velando pelos
interesses indisponíveis envolvidos, o Ministério Público deve atuar em prol dos
interesses públicos que refletem ou decorrem das atividades privadas, sendo
fulminados de nulidade os atos praticados nos referidos processos sem a
intimação e, conseqüente intervenção.
Por outro lado, alguns doutrinadores entenderam salutar
71
o veto ao art.
do referido projeto de lei, não obstante a contribuição que sempre foi dada pelo
Parquet, por meio de suas Curadorias de Massas Falidas, tendo em vista a
celeridade que deve nortear os processos de falência e de recuperação de
empresas na nova lei.
Newton de Lucca
72
afirma, ainda, ser o elenco que prevê a atuação do
Ministério Público nos processo em questão bem extenso e, portanto, a
participação do órgão ministerial deve ocorrer somente nos casos expressos na lei
especial ou quando houver interesse público relevante.
70
Aviso de 15-2-2005 – N. 070/05.
71
Newton de Lucca. Comentários à nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências, coords.
Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 101-2. No mesmo
sentido: José Marcelo Martins Proença, Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de
Empresas, coord. Rubens Approbato Machado, São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 71.
72
Op. cit., p. 102.
51
Menciona-se, para conferência, o rol previsto na lei falimentar os
momentos em que o Ministério Público será obrigatoriamente intimado a
intervir:
(i) O Ministério Público, por força do art. 8º, caput, pode apresentar
impugnação à lista de credores publicada;
(ii) O art. 19, caput, disciplina que o Ministério Público tem legitimidade
para pedir a exclusão outra classificação ou a retificação de qualquer crédito nos
casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou,
ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão
no quadro geral de credores;
(iii) Art. 22, § se o relatório apresentado pelo Administrador Judicial
apontar qualquer responsabilidade penal;
(iv) Art. 30, § o Ministério Público pode requerer ao Juiz a
substituição de Administrador Judicial nomeado em desacordo com a lei;
(v) Art. 52, V quando o Juiz defere o processamento da recuperação
judicial;
(vi) Art. 59, § interposição de agravo contra a decisão que concede a
recuperação judicial;
(vii) Art. 99, XIII – quando o Juiz decreta a falência;
(viii) Art. 104, VI – obter informações com o falido sobre circunstâncias e
fatos que interessem à falência;
52
(ix) Arts. 130 e seguintes – propositura de ação revocatória;
(x) Art. 142, § 7 º na alienação dos bens do falido em qualquer das
modalidades (intimação pessoal sob pena de nulidade);
(xi) Art. 143 impugnação relativa à alienação dos bens do falido em
qualquer das modalidades;
(xii) Art. 154, § 3º – na prestação de contas do Administrador Judicial;
(xiii) Art. 187, § o Ministério Público deve ser cientificado quando
houver indício de prática de qualquer dos crimes previstos na Lei 11.101/2005.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria A. Nery
73
esclarecem que a regra
prevista no art. 82, inciso III, do CPC “deixa aberta a possibilidade de o
Ministério Público intervir nas demais causas em que há interesse público”.
Quando a lei expressamente determina a intervenção não se
pode discutir ou questionar a necessidade de ela ocorrer. A
norma ora comentada somente incide nas hipóteses concretas
onde a participação do Ministério Público não se encontra
expressamente prevista na lei. Caberá ao Ministério Público e
ao Juiz a avaliação da existência ou não do interesse público
legitimador da intervenção do Parquet.
Apesar do auxílio que o Ministério Público tem prestado em sua atuação
nos processos falimentares, não me parece conveniente ele ter que ser intimado
para todos os atos processuais bem como atuar em todas as ações em que a massa
falida fora autora ou ré, de forma necessária, sob pena de nulidade.
73
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado, 5. ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 503.
53
Esta situação não se coaduna com um dos princípios informadores da nova
lei em vigor, o princípio da celeridade, como acentua o relator do Projeto de Lei,
o senador Rames Tebet
74
: “é preciso que as normas procedimentais na falência e
na recuperação das empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-
se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca
o seu curso”.
O fato de ter sido vetado o art. do projeto da Lei de Falências não
limita, por si só, a atuação do Ministério Público nos processos em questão, uma
vez que sua intervenção encontra respaldo constitucional (art. 127) e legal (art.
82, II) determinando que o Ministério Público deve intervir em todas as causas
em que interesse público evidenciado pela natureza da lide, objetivando
salvaguardar os interesses coletivos e difusos, bem como preservar a ordem
pública.
Assim, quando ficar evidenciado interesse público relevante merecedor de
amparo e guarida nos processos de recuperação judicial de empresas e de
falências, sem dúvida o órgão ministerial deve intervir.
Vale lembrar que a atual lei falimentar tipificou novas condutas
criminosas, sendo que o Ministério Público é o titular da ação penal, nos termos
do art. 187, caput, ou, se entender necessário, requisitará abertura de inquérito
policial, uma vez que não há mais o inquérito judicial previsto no revogado
Decreto-Lei 7.661/45.
Caso referido órgão não apresente denúncia no prazo legal, qualquer
credor habilitado ou o Administrador Judicial poderá oferecer ação penal privada
subsidiária da pública, no prazo decadencial de seis meses.
74
Rames Tebet. Parecer 534, de 2004, sobre o Projeto de Lei da Câmara 71, de 2003, (n. 4.376, na Casa
de origem) de iniciativa do Presidente da República, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial, a
falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade econômica regida pelas leis
comerciais e dá outras providências. Publicado no Diário Oficial em 10-6-2004, p. 17.856-17.941.
54
que existir uma adequação na ação do Ministério Público no que tange
ao processo falimentar, bem como aos procedimentos especiais regulados na
nova Lei de Falências, para que este atue em compatibilidade com o perfil da
instituição e as funções previstas na Constituição Federal, sem excessos, a fim de
compatibilizar todos os interesses envolvidos.
55
3. COMITÊ DE CREDORES
3.1. Introdução
A Lei n. 11.101/2005 incentiva a participação dos credores no decorrer do
processo falimentar bem como no de recuperação judicial empresas. Esta
participação ocorre, especialmente, por meio de dois órgãos: o Comitê de
Credores e a Assembléia Geral de Credores. A estes órgãos é que se deve o
aumento dos direitos e participação dos credores nos processos falimentares e de
recuperação de empresas, garantindo uma maior eficiência, confiabilidade e
transparência aos procedimentos
75
.
Alguns autores acreditam que o Comitê de Credores não é nova criação da
lei atual, pois encontra suas raízes no Decreto-Lei 7.661/45, que trazia
mecanismos para que os credores pudessem liquidar ou administrar a massa
falida (arts. 122/123), mediante requerimento ao Juiz. Porém, este instituto não
encontrou aplicação prática, uma vez que não houve interesse econômico para
tanto
76
77
.
De qualquer forma, o Comitê delineado na atual lei de falências tem
objetivos e funções bem traçadas, o que talvez possibilite maior participação dos
credores nos processos de falências e recuperação de empresas.
O Comitê de Credores é órgão de existência não obrigatória sendo que
sua constituição depende da atuação da Assembléia Geral de Credores. Ainda,
75
Sílvia Fráguas. Comitê de Credores na Lei n. 11.101/2005, Unaa/Brasil. Acessado em 28.11. 07.
76
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 100.
77
Ecio Perin Junior. O Administrador Judicial e o Comitê de Credores no Novo Direito Concursal
Brasileiro, in Direito Falimentar, Op. cit., p. 187.
56
qualquer classe de credores da Assembléia poderá deliberar sobre a constituição
do Comitê, sem necessidade de concordância das demais.
Paulo F. C. Salles de Toledo
78
esclarece que nos processos de menor
complexidade, será desnecessária sua constituição. Fábio Ulhoa Coelho
79
posiciona-se no mesmo sentido do referido autor, pontuando que o Comitê de
Credores deverá ser instaurado quando a complexidade e o volume da massa
falida ou da empresa em recuperação judicial o requerer. Assim, a constituição
ou não do Comitê dependerá de cada caso, evitando-se burocracia e despesas
desnecessárias.
De fato, em algumas recuperações judiciais e falências de empresas de
grande porte o Comitê de Credores tem sido constituído, porém, nem sempre de
forma plena
80
.
Dessa forma, os credores devem sopesar os benefícios em constituir
referido órgão com os custos necessários para sua instalação e funcionamento.
Verificando que é justificável e importante sua existência, devem decidir os
credores por sua constituição. Como regra, o os credores que decidem sobre a
constituição do Comitê, porém, na falência, é possível que o Juiz, ao proferir a
sentença declaratória da falência, determine sua instalação.
3.2. Instalação
78
Paulo F.C. Salles de Toledo. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 2. ed., rev. e
atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72.
79
Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 2. ed., rev.,
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 72.
80
A Folha de S. Paulo, em seu caderno Dinheiro em setembro de 2005, trouxe reportagem entitulada
“Comitê de Credores da VARIG é formado sem os trabalhadores”. Segundo a reportagem, a escolha foi
dos próprios trabalhadores, como forma de protesto à decisão judicial supracitada, na qual fora
restringida a representação dos sindicatos a seus associados. Assim, sem prejuízo da instalação e, o
Comitê fora formado apenas por duas classes de credores, a saber, a INFRAERO e o Fundo de Pensão
Aerus (dos funcionários da Varig), estando ausente o representante da primeira classe dos credores, os
trabalhistas, o que, conforme apresentado, não interfere no desenvolvimento dos trabalhos. (Disponível
no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u100750.shtml ).
57
Nos termos do art. 26 da nova Lei de Falências, o Comitê de Credores será
constituído por deliberação de qualquer uma das classes de credores na
assembléia-geral, sendo que a falta de indicação de representante de qualquer
uma das classes não impede tampouco prejudica sua constituição. Assim, como
regra, é na Assembléia Geral de Credores que ocorre a eleição dos membros do
Comitê em cada uma das classes de credores, bem como de seus suplentes. Neste
ponto, é possível afirmar que a Assembléia Geral de Credores é órgão
hierarquicamente superior ao Comitê por ter como competência deliberar, tanto
na falência como na recuperação judicial, sobre a constituição do referido órgão e
a escolha e substituição de seus membros.
No entanto, a Lei prevê a possibilidade do próprio Juiz do processo
falimentar ou de recuperação judicial nomear o representante e os suplentes de
classe que ainda não tiveram sua representação no Comitê, independentemente
da realização de Assembléia de Credores, quando houver o requerimento
subscrito por credores que representem a maioria dos créditos de uma classe
81
.
Observa-se que, na eleição dos suplentes, é salutar que se estabeleça a
hierarquia entre eles, ou seja, primeiro e segundo suplentes, para não restar
dúvidas sobre quem substituirá o titular no caso de impedimento ou ausência.
Fábio Ulhoa Coelho
82
entende que, caso a hierarquia não haja sido determinada,
ter-se-á que o primeiro suplente será aquele com crédito de maior valor.
81
Maria Odete Duque Bertasi. Administrador Judicial Comitê e Assembléia de Credores na Lei de
Recuperação de Empresas e Falência, in Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de
Empresas, Op. cit., p. 132.
82
Comentários, Op. cit., p. 73.
58
3.3. Composição
O Comitê de Credores terá a seguinte composição, conforme estabelece o
art. 26 da Lei:
(i) um representante indicado pela classe de credores com direitos reais de
garantia ou privilégios especiais, com dois suplentes;
(ii) um representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com
dois suplentes;
(iii) um representante indicado pela classe de credores quirografários e
com privilégios gerais, com dois suplentes.
Paulo F. C. Salles de Toledo
83
alude a um problema de técnica legislativa:
durante a tramitação do projeto da nova Lei de Falências, mudou-se a
composição das classes de credores na Assembléia Geral de Credores, porém, o
mesmo não foi feito quanto ao Comitê de Credores. Dessa forma, há duas
diferentes composições de classes de credores (arts. 26 e 41), ficando a dúvida
sobre qual delas se aplicar. O autor sugere que se desconsidere a composição
trazida na lei para o Comitê, utilizando-se daquela enumerada para a Assembléia
de Credores. Explica que, apesar de a lei não trazer palavras inúteis, estar-se-á
interpretando de forma sistemática a norma, considerando sua finalidade.
De fato, esta situação confusa que acabou permanecendo na lei, causará,
sem dúvida, conflitos entre os credores, uma vez que no Comitê encontram-se na
mesma classe os credores com garantia real e privilégio especial, sendo que na
Assembléia, os credores com privilégio especial estão inseridos juntamente com
os credores quirografários, com privilégio geral e subordinados. Ressalta-se,
83
Comentários, Op. cit., p. 72-3.
59
ainda, que estes últimos não podem compor o Comitê, pois a lei não os
mencionou no artigo 26.
O representante do Comitê poderá ser qualquer credor pertencente a
alguma daquelas classes ou pessoa física ou jurídica estranha ao quadro de
credores, sendo, porém, vedado à mesma pessoa representar mais de uma classe,
já que isto ocasionaria diversos conflitos entre as classes
84
.
Observa-se que não obrigatoriedade de indicação de representante para
todas as classes. O Comitê funcionará normalmente com o número de classes que
indicaram um representante, mesmo que seja apenas uma delas.
Ecio Perin Junior
85
critica a rigidez da estrutura da representação das
classes no Comitê, uma vez que esta pode não refletir a realidade da composição
do passivo, pois se houver uma escolha política na eleição de seus membros,
pode ocorrer eventual fraude. Sugere o autor que se adote um sistema mais
flexível, como o utilizado pela lei argentina que determina a obrigatoriedade da
indicação, no plano de recuperação, de um Comitê de Credores provisório e um
definitivo. Conforme se depreende do art. 260
86
da lei argentina, o Comitê
84
Jorge Lobo, coord. Paulo F. C. Salles de Toledo. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e
Falência, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 115.
85
O Administrador Judicial e o Comitê de Credores no Novo Direito Concursal Brasileiro, in Direito
Falimentar, Op. cit., p. 187-8.
86
Ley de Concursos y Quiebras Lei 24.522/95. Artículo 260.- Controlador. Comité de acreedores. El
Comité provisorio de acreedores en el concurso es un órgano de información y consejo. El comitê
definitivo es el controlador necesario en la etapa del cumplimiento del acuerdo preventivo, y en la
liquidación en la quiebra. Sus integrantes son elegidos por los acreedores por mayoría de capital, y el
comité debe ser integrado por un número mínimo de tres (3) acreedores. La propuesta de acuerdo
preventivo debe incluir la conformación y constitución del comité definitivo de acreedores. El comité
constituido para controlar el cumplimiento del acuerdo mantiene sus funciones en caso de declaración
de quiebra como consecuencia de incumplimiento del acuerdo.
El comité, provisorio o definitivo, en el concurso tiene amplias facultades de información y consejo.
Puede requerir información al síndico y el concursado; exigir la exhibición de libros; registros legales y
contables; proponer planes de custodia y conservación del patrimonio del concursado; solicitar
audiencias ante el juez interviniente, y cuanta otra medida considere conveniente en la etapa procesal
de su actuación. En la etapa de liquidación en la quiebra el comité puede proponer medidas, sugerir a
quien debe designarse para efectuar la enajenación de los activos o parte de ellos, fundando su
proposición en razones de conveniencia para la mejor realización de los bienes; exigir información a
los funcionarios del concurso; solicitar audiencias al juez interviniente y cuanta otra medida considere
conveniente en la etapa procesal de su actuación.
60
provisório será composto por pelo menos três credores e é um órgão de
informação e conselho. Na proposta de acordo deve conter a constituição do
Comitê definitivo, que é o controlador necessário para a etapa de cumprimento
do acordo preventivo e da liquidação na falência. O Comitê definitivo substitui o
provisório, sendo representado por no mínimo três credores. A lei possibilita que
tanto o Comitê provisório como o definitivo, contratem profissionais
especializados na área de administração de empresas em situação de risco, para
auxiliá-los.
3.4. Funcionamento
Como dito anteriormente, o Comitê de Credores poderá ser constituído por
apenas uma classe de credores. Observa-se que mesmo não plenamente
constituído com todos os representantes possíveis, o seu funcionamento será o
mesmo de quando está completo.
A negativa de participação de credores de uma determinada classe no
Comitê não impede sua constituição. Julio Kahan Mandel
87
tenta explicar a razão
pela qual a lei teria autorizado a criação de Comitê com uma única classe de
credores: seria para atender os sindicatos, que em processo de grande vulto
tendem a ter uma participação ativa e, por terem estrutura, conseguem suportar
os custos com a constituição do órgão.
As decisões, no Comitê, são tomadas por maioria. No caso de constituição
plena do órgão, para alcançar o quorum, pelo menos dois membros devem votar
favoravelmente. Somente um representante de cada classe de credores tem direito
a voto. Por outro lado, se representantes de somente duas classes, é preciso
que ambos entrem em acordo sobre a matéria objeto de votação.
87
Julio Kahan Mandel. Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, São Paulo: Saraiva, 2005, p.
65.
61
Neste caso, porém, havendo empate na deliberação, cabe ao
Administrador Judicial resolver o impasse e, se por alguma razão não puder fazê-
lo, o Juiz decidirá a questão.
3.5. Termo de compromisso
A lei exige que os membros do Comitê de Credores prestem compromisso
para desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades dele inerentes. O
termo, além de formalizar o exercício da função, marca o início a partir do qual o
integrante passa a exercer oficialmente as funções para as quais prestou
compromisso, assumindo a respectiva responsabilidade.
Os nomeados serão intimados pessoalmente para assinar o termo em 48
horas. A regra da nova nomeação, caso o compromisso não seja prestado no
prazo mencionado, apenas se aplica ao Administrador Judicial, nada
mencionando a lei a respeito de membro do Comitê, que, porventura, não assine
o termo. Assim, o Juiz poderá se utilizar de analogia, caso isto ocorra, destituindo
o membro do Comitê e convocando o seu suplente para recompor o órgão
88
.
Fábio Ulhoa Coelho
89
entende que se o membro do Comitê não se
manifestar no prazo legal, implicar-se-á na ineficácia da eleição. Porém, neste
caso, não caberá nenhuma providência ao Juiz: se o titular faltou com o requisito,
será substituído pelo suplente, e se for o suplente o faltoso, o titular assumirá sua
função normalmente. Se todos os representantes (titular e suplentes) de uma
classe faltarem com o compromisso, ainda assim não caberá nenhuma
providência ao Juiz, pois o Comitê pode funcionar mesmo que incompleto.
88
Paulo F. C. Salles de Toledo. Comentários, Op. cit., p. 80.
89
Comentários, Op. cit., p. 85.
62
Prossegue o referido autor, esclarecendo que, caso a inobservância do
prazo se der por motivos justificáveis, incluindo-se, para tanto, a ignorância a
respeito dos efeitos de sua omissão, esta deverá ser relevada, aceitando-se a
assinatura intempestiva, por ser o melhor para todos e para o bom andamento do
processo
90
.
3.6. Substituição, inclusão ou destituição de seus membros
Quando apenas uma das classes da Assembléia de Credores decide pela
constituição do Comitê, Paulo F. C. Salles de Toledo
91
esclarece que as demais
classes, ao tomarem conhecimento da instalação do órgão, terão interesse em
indicar seus representantes, não ficando, no entanto, obrigadas a fazê-lo.
Dessa forma, caso o Comitê seja constituído apenas por uma classe de
credores, este fato, por si só, não impede que demais credores, em momento
posterior, escolham representantes e suplentes para dele fazer parte, considerando
que tal órgão tem a função de proteger os direitos dos credores.
Nesse caso, a inclusão dos eleitos se dará por meio de requerimento ao
Juiz, não sendo necessária nova convocação e deliberação em Assembléia Geral
de Credores para tanto, o que facilita a situação, evitando maiores despesas e
tornando o processo mais ágil. O § 2º, do art. 26, determina que deve ser
encaminhado requerimento ao Juiz, devidamente subscrito por credores que
representem a maioria dos créditos da classe respectiva.
Da mesma forma, para substituição de membro do Comitê, é dispensável a
convocação e realização de Assembléia, sendo que credores que titularizam mais
da metade dos créditos (classes II e III), ou mais da metade dos credores
90
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 85.
91
Comentários, Op. cit., p. 73.
63
independentemente dos valores dos créditos (classe I), acreditem ser necessário
mudar o titular e seus suplentes, ou todos os membros que integram o órgão,
podem requerer sua substituição por petição dirigida ao Juiz, contendo os nomes
dos indicados.
Assim como ocorre com o Administrador Judicial, se após a inserção do
membro ao Comitê for descoberto algum impedimento ao cargo, têm
legitimidade para pleitear ao Juiz sua substituição, o devedor, qualquer credor ou
o Ministério Público.
entendimento de que o membro do Comitê poderá ser substituído pela
quebra de confiança entre este e o Juiz, por que a falta desta ocasionaria a
impossibilidade de um trabalho conjunto e eficaz, sendo fundamental a
cooperação entre todos os órgãos da administração da falência e da recuperação
judicial com o Juiz. No entanto, seria caso de substituição e não destituição
92
.
Por outro lado, os membros do Comitê podem ser destituídos por diversas
causas, dentre elas citam-se: desobediência aos preceitos legais, descumprimento
de deveres, omissão, negligência, prática de ato lesivo às atividades do devedor
ou de terceiro.
Se a conduta for realizada por um dos integrantes do órgão, somente ele
será destituído; no entanto, se a negligência ou lesão foram cometidas por todos
os integrantes do Comitê, este deverá ser dissolvido pelo Juiz
93
.
A destituição poderá ser feita de ofício, pelo Juiz, quando houver nos
autos elementos suficientes. Ainda, m legitimidade para requerer a destituição
o Ministério Público e qualquer interessado, conforme previsão do art. 31 da lei.
92
Angelito Dornelles da Rocha. O Comitê de Credores na Recuperação de Empresas. Páginas de Direito,
disponível no site http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/061003angelito.php. Acessado em 11 jun. 2007.
93
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 82.
64
De qualquer maneira, o direito de defesa deve ser devidamente respeitado, sendo
ouvido o membro que incorreu em uma das condutas passíveis de destituição.
O membro do Comitê que foi destituído não pode ser reconduzido à
função ou, ainda, exercer o encargo de Administrador Judicial em qualquer caso
pelo prazo de cinco anos.
3.7. Presidência do Comitê
A lei prevê que o presidente do Comitê será escolhido por seus próprios
membros e deverá ser um de seus integrantes. Assim, referido órgão será
presidido por um de seus membros e não pelo Administrador Judicial,
exatamente para que se preserve sua representatividade, não estando entre eles
alguém estranho à categoria dos credores no órgão, como seria a situação do
Administrador Judicial caso pudesse assumir a presidência do órgão
94
.
Dessa forma, a lei estabelece que o presidente seja, necessariamente, um
dos membros do Comitê. É possível, no entanto, haver empate na eleição para
presidência do Comitê, salientando-se que não impedimento para que
qualquer integrante do órgão vote em si mesmo para presidente do Comitê. E, em
caso de empate na eleição em referência, será aplicado o § do art. 27, que
prevê a solução de qualquer impasse pelo Administrador Judicial e, em caso de
incompatibilidade deste, pelo Juiz da causa.
94
Esclarece o autor que durante a tramitação do projeto de lei foi cogitada a hipótese de ser o
Administrador Judicial o presidente do Comitê. Porém, a idéia não foi acolhida, pois o órgão perderia
representatividade, com a atuação de um estranho junto aos credores (Paulo F. C. Salles de Toledo,
Comentários, Op. cit., p. 74).
65
Observa-se, ainda, que no caso de inexistência do Comitê suas atribuições
serão exercidas pelo Administrador Judicial, ou na sua incompatibilidade, o Juiz
tomará para si referidas atribuições.
3.8. Funções
A função precípua do Comitê de Credores é fiscalizatória. Assim, deve
comunicar ao Juiz qualquer irregularidade que verifique, apurando e emitindo
parecer sobre reclamações apresentadas nos autos. Tem tal órgão legitimidade
para convocar a Assembléia de Credores
95
, sendo que sua atuação acaba
proporcionando aos credores maior participação no processo falimentar e de
recuperação de empresas, tendo em vista serem eles os maiores interessados na
satisfação de seus créditos.
Observa-se que os membros do Comitê de Credores, no exercício de suas
funções, podem ter acesso a informações confidenciais ou estratégicas da
empresa devedora ou em recuperação. Neste caso, m o dever de manter sigilo
destas informações, sob pena de incorrerem em crime falimentar, tipificado como
violação de sigilo empresarial
96
.
As atribuições previstas no art. 27 não são taxativas, tanto que em diversos
momentos da lei previsão para que o Comitê exerça outras funções, além das
especificadas no referido artigo.
3.8.1. Funções na recuperação judicial e na falência
(i) Fiscalização das atividades e exame das contas do Administrador
Judicial.
95
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 103.
96
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 75.
66
Este o é realmente um dever do Comitê, mas sim um direito, tendo a
opção de fazê-lo
97
. Esta atribuição é importante na medida em que acaba
dificultando a prática de fraudes quando uma fiscalização direta por parte do
Comitê, a fim de que a atuação do devedor em recuperação judicial seja realizada
com transparência e lisura.
(ii) Dever de fiscalizar a aplicação da lei.
O Comitê atua como um “fiscal” da lei em defesa dos interesses dos
próprios credores. Esta função é uma garantia a mais de que a lei será bem
cumprida e de que o devedor a obedecerá
98
.
(iii) Comunicação ao Juiz de atos ilícitos ou prejudiciais aos credores.
O Comitê, como órgão fiscalizador e tendo sua atuação voltada aos
interesses dos credores, ao verificar qualquer irregularidade, deve,
imediatamente, comunicar ao Juiz.
(iv) Apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados.
O Comitê deve averiguar e tomar providências ou, ainda, emitir parecer
sobre a questão que será encaminhada ao Juiz para sua apreciação. O Comitê
realiza esta intermediação facilitando e incentivando a participação dos credores
nos processos de falência e de recuperação judicial das empresas.
(v) Legitimidade para requerer a convocação de Assembléia Geral.
97
Paulo F. C. Salles de Toledo. Comentários, Op. cit, p. 75-6.
98
Ibidem, p. 76.
67
Sempre que entender necessário, deve o órgão requerer ao Juiz a
convocação da Assembléia. Só o Juiz tem competência para convocação de
Assembléia, mas a lei legitima algumas pessoas para o requerimento que será
encaminhado ao Juiz para que ele promova a convocação.
(vi) Manifestações nas hipóteses legais.
O Comitê deverá ser ouvido em todos os momentos processuais em que a
lei previr expressamente e, eventualmente, em outros momentos em que sua
oitiva for necessária para o bom e regular andamento do processo, obviamente
nos limites da competência atribuída pela lei (compatibilidade com suas
atribuições).
3.8.2. Na recuperação judicial
(i) Fiscalização das atividades do devedor e relatório mensal;
(ii) Fiscalização do cumprimento do plano de recuperação judicial;
O Comitê deve fiscalizar a administração das atividades do devedor,
concentrando-se na atuação dos seus administradores, podendo, dependendo do
caso, pedir seu afastamento ao Juiz. Esta fiscalização deve ter seu resultado feito
por escrito e apresentado mensalmente para ser juntado ao processo de
recuperação judicial um relatório da situação do devedor
99
.
(iii) Requerimento de providências úteis, em caso de afastamento do
devedor, e enquanto não for nomeado o gestor judicial, tais como: alienação de
bens do ativo permanente, constituição de ônus reais e outras garantias, e atos de
endividamento necessários à continuação da atividade empresarial. Estas
medidas são excepcionais e urgentes, cabendo ao Juiz autorizá-las, quando
99
Paulo F. C. Salles de Toledo. Comentários, Op. cit., p. 77-8.
68
presentes os pressupostos da necessidade e utilidade do negócio, em prol da
maior preservação da empresa em crise
100
.
Esclarece Paulo F. C. Salles de Toledo
101
que durante a tramitação do
projeto de lei algumas outras atribuições haviam sido outorgadas ao Comitê mas
não prevaleceram, tais como: apresentação de plano alternativo que seria
encaminhado à Assembléia de Credores para aprovação e legitimidade para
requerer a recuperação judicial e falência. No entanto, conclui o autor que, de
fato, estas atribuições extrapolam o caráter
fiscalizador do Comitê de Credores.
3.9. Quorum de deliberação
Conforme esclarecido acima, as decisões do Comitê de Credores são
tomadas por maioria e, ocorrendo qualquer impasse o Administrador Judicial
deverá resolvê-lo, ou, no caso de incompatibilidade deste, o Juiz decidirá.
Jairo Saddi critica este sistema, pois, desta forma, o Administrador
Judicial passa a ter um voto decisivo sem participar do Comitê. Elucida o autor a
hipótese de a decisão do Comitê ser sempre tomada pelo administrador, o que
não é desejável
102
.
As decisões do Comitê são públicas, e ficarão à disposição do
Administrador Judicial, do devedor e dos credores, que poderão, a qualquer
tempo, consultá-las ou, ainda, extrair cópias (art. 27, § 1º).
100
Paulo F. C. Salles de Toledo, Comentários, Op. cit., p. 79.
101
Ibidem, p. 79.
102
Jairo Saddi, O Comitê e a Assembléia de Credores na nova Lei Falimentar, in Direito Falimentar e a
nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, coord. Luis Fernando Valente de Paiva. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 212.
69
3.10. Livro de atas
As decisões do Comitê, por maioria (composição plena) deverão ser
registradas em um livro de atas, devidamente rubricado pelo Juiz, nos temos da
Lei de Falências, sendo que referido livro acaba sendo obrigatório em qualquer
processo de falências e recuperação de empresas em que o Comitê de Credores
for constituído.
Fábio Ulhoa Coelho
103
esclarece que por ser um livro mercantil, deve
obedecer às normas aplicáveis (Código Civil), como forma de escrituração e
arquivamento na Junta Comercial uma vez que seu conteúdo tem valor
comprobatório. Afirma, ainda, que a elaboração do livro de atas poderá ser feita
em páginas soltas, e, após a rubrica do Juiz, serão encadernadas em volumes de
100 ou 200 folhas.
No entanto, decisão sobre o livro de atas no caso da recuperação judicial
da Parmalat Brasil S/A
104
, entendeu não ser o livro de ata um livro de empresa
mas da recuperação judicial, com característica pública, não devendo ser
registrado na Junta Comercial. E, referido livro é necessário quando a decisão
do Comitê se der por maioria; caso as decisões sejam unânimes, não há exigência
para consigná-las em livro de atas.
Observa-se que após devidamente cumprido o plano no processo de
recuperação judicial, referido livro de atas deve ser encerrado e entregue à
devedora para sua guarda e conservação.
103
Comentários, Op. cit., p. 78.
104
Processo n. 583.00.2005.068090-5/56, Vara de Falências e Recuperações Judiciais, Juiz Alexandre
Alves Lazzarini.
70
3.11. Inexistência do Comitê de Credores
Como dito anteriormente, a existência do Comitê de Credores é
facultativa. Assim, caso não tenha sido constituído em certo processo falimentar
ou de recuperação judicial, suas atribuições caberão ao Administrador Judicial, e
no caso de incompatibilidade deste, ficarão a cargo do Juiz.
José da Silva Pacheco
105
ensina que não cabe ao Juiz, no caso de
incompatibilidade para o exercício do Administrador Judicial, exercer
exatamente as atribuições do Comitê, pois este tem a função de auxiliar o Juiz.
Ao Juiz caberá decidir sobre a questão livremente, sem depender da sugestão, do
parecer, da manifestação, da opinião do Comitê ou do Administrador Judicial,
que têm a função de assessorá-lo como órgão auxiliar do processo.
3.12. Remuneração e despesas de seus membros
A lei estabelece que os membros do Comitê não terão sua remuneração
custeada pelo devedor ou pela massa falida, como regra. A lei, no entanto,
possibilita o ressarcimento de despesas ocasionadas com a realização de certos
atos necessários, de acordo com as disponibilidades existentes desde que
devidamente autorizadas pelo Juiz. Correta esta disposição tendo em vista que
referido órgão atua no interesse dos próprios credores, assim devem eles assumir
tal responsabilidade, sem necessariamente seus membros terem retorno
financeiro.
Dessa forma, a Assembléia pode decidir se haverá ou não remuneração e,
em caso positivo, resolver a forma do pagamento e quem será o responsável por
sua efetivação.
105
José da Silva Pacheco. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 83.
71
Assim, os credores é que deverão arcar com a remuneração dos membros
do Comitê, levantando os recursos necessários ao pagamento que a Assembléia
aprovou. Observa-se que mesmo o credor que votou vencido contra o pagamento
de remuneração é obrigado a entrar com a sua parte, a menos que o valor
aprovado pela maioria não seja razoável tendo em vista a importância do passivo
ou o trabalho dos membros do Comitê
106
.
Porém, independentemente de os membros do Comitê terem ou não direito
à remuneração, as despesas que o Comitê tiver de realizar para a consecução de
atos previstos legalmente, por ser de interesse comum e não exclusivo dos
credores, deverão ser ressarcidas pelo devedor ou pela massa falida. O
ressarcimento deverá ser feito consoante disponibilidade de caixa. As despesas,
para serem ressarcidas, deverão ser comprovadas e autorizadas pelo Juiz. Não
necessidade de tal autorização ser prévia
107
.
Manoel Justino de Bezerra Filho afirma que, por não haver qualquer
disposição legal acerca da remuneração dos membros do Comitê de Credores,
estes não serão remunerados, tendo, apenas, suas despesas ressarcidas
108
.
3.13. Impedimentos
Os impedimentos existentes para membros do Comitê de Credores são os
mesmos para o exercício do cargo de Administrador Judicial, conforme dispõe o
art. 30, caput e § 1º).
Não poderá ser nomeado como membro do Comitê de Credores, pelo
período de cinco anos, aquele que, tendo exercido esta função em processos
106
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 79.
107
Paulo F. C. Salles de Toledo. Comentários, Op. cit., p. 81.
108
Op. cit., p. 105. No mesmo sentido, José da Silva Pacheco, Processo de Recuperação Judicial,
Extrajudicial e Falência. Op. cit., p. 84.
72
anteriores, tiver sido destituído, não tiver prestado contas regularmente ou, ainda,
no caso de suas contas terem sido desaprovadas.
Ainda, não poderá integrar o Comitê de Credores: os parentes e afins, até
o grau, amigos, inimigos ou dependentes do devedor, seus administradores,
controladores ou representantes legais.
Ademais, não poderá ser indicado como membro do Comitê pessoa
impedida por lei especial, como Juiz, promotor de justiça, delegado de polícia,
funcionário público, conforme esclarecido a respeito do Administrador
Judicial.
3.14. Responsabilidade civil dos membros do Comitê
Os membros do Comitê de Credores são responsáveis pelos prejuízos
causados por seus atos, dolosos ou culposos, à massa falida, ao devedor e aos
credores. Assim, da prática de um ato ilícito, surge a obrigação de reparar o dano,
nos temos do Código Civil (arts. 186 e 927). Paulo F. C. Salles de Toledo
comenta que teria sido de bom tom que a lei também previsse a
responsabilização do membro do Comitê por ato praticado com violação da lei,
uma vez que a própria Lei das Sociedades por Ações prevê essas duas
hipóteses
109
.
Quando se tratar de processo falimentar, até o seu encerramento, apenas a
massa tem legitimidade ativa para responsabilizar os membros do Comitê. Como
o dano resultante da má administração é aplicado à comunhão de credores,
nenhum deles isoladamente poderá promover a responsabilização. Apenas a
massa poderá ingressar com ação de indenização, enquanto existir
110
.
109
Paulo F. C. Salles de Toledo. Comentários, Op. cit., p. 86.
110
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 83.
73
Porém, explica Fábio Ulhoa Coelho, quando se tratar de processo de
recuperação judicial, a administração poderá acarretar também prejuízos ao
devedor ou a um ou mais credores. Não existindo uma comunhão de credores,
cada sujeito poderá pleitear a satisfação de seus direitos individualmente
111
.
Observa-se que, para eximir-se de responsabilidade em relação a certa
deliberação, o dissidente deve fazer consignar em ata sua discordância, uma vez
que se sua posição tivesse sido adotada, possivelmente o dano não ocorreria.
O registro na ata da discordância deve ser minucioso, descrevendo
claramente o voto proferido pelo membro discordante, contendo todos os
elementos capazes de demonstrar que o acatamento de seu entendimento teria
afastado a lesão aos interesses ou direitos do devedor ou seus credores
112
.
Existe discussão doutrinária a respeito de uma possível solidariedade
entre os membros do Comitê, por se tratar de um órgão colegiado, composto de
três representantes que tomam decisões baseadas na maioria de votos, no entanto
a solidariedade não se presume sendo decorrente de lei ou contrato. É prudente,
no entanto, que o membro com posição divergente da deliberação adotada pelo
Comitê, sempre faça constar da ata sua opinião contrária ficando, desta forma,
isento de eventuais responsabilidades.
Maria Odete Duque Bertasi
113
afirma que não solidariedade entre os
membros do Comitê, sendo que cada um deles responde individualmente pelos
seus atos.
111
Comentários, Op. cit., p. 83-4.
112
Ibidem, p. 84.
113
Maria Odete Duque Bertasi. Op. cit., p. 134-5.
74
4. ADMINISTRADOR JUDICIAL
4.1. Breve histórico
Antes de se iniciar o estudo sobre o Administrador Judicial como órgão da
falência na atual legislação falimentar, cumpre analisar a sua origem e evolução
histórica.
Inicialmente, salienta-se que o vocábulo síndico, do latim syndicus, que
por sua vez é derivado do grego sýndikos, significa o responsável encarregado de
defender algo comum a várias pessoas, sempre tendo sido o síndico um auxiliar
do Juiz na falência
114
.
O síndico sempre foi figura indispensável ao procedimento concursal,
pois, ao ser decretada a falência de devedor “comerciante”, deveria ser
substituído na posse e administração dos bens integrantes de seu patrimônio.
Assim, a origem da figura do Administrador Judicial era encontrada desde
as civilizações antigas. Na Grécia, o administrador era encarregado da defesa do
patrimônio comum a vários credores
115
.
No Direito Romano, o administrador era encontrado nos institutos da
missio in bona e da cessio bonorum. Era denominado como curator bonorum
116
,
e era nomeado por um pretor para administrar os bens do devedor. Havia, ainda,
a figura do magister, que tomava as providências bem como estabelecia as regras
114
Ecio Perin Junior. Curso, Op. cit., p. 220.
115
Marco Jobin. Comentários sobre a parte de falências da Lei 11.101/05. Páginas de Direito, disponível
no site http://www.tex.pro.br. Acessado em 19 jun. 2007.
116
Ecio Perin Junior afirma que a denominação “curador” continuou permanecendo em diversas
legislações estrangeiras, como a italiana e a holandesa, mas a maioria optou pela denominação de
“síndico”, embora nos ordenamentos jurídicos anglo-saxônicos, denomine-se “trustee”.
75
para que a venda dos bens do devedor obtivesse sucesso. Na data convencionada
para a realização da venda dos bens, o magister adjudicava-os ao comprador que
tivesse oferecido a maior proposta
117
.
Na Idade Média, continuou a existir a figura do curator bonorum, que
vendia os bens do devedor, sendo o produto rateado entre os credores, conforme
as preferências.
No Brasil, sempre esteve presente a figura do Administrador Judicial.
Desde a época das Ordenações Filipinas, quando o Brasil ainda era colônia de
Portugal, tinha-se como administradores dois Deputados de Juntas Comerciais,
que eram por elas próprias nomeados. Estes compareciam ao estabelecimento do
falido, levantando um inventário de seus bens, e, ao fim de 10 dias deviam
entregá-lo à Junta, para que esta pudesse comprovar as causas da quebra. Ainda,
era nomeado um homem de negócios da praça de Lisboa, que ficava com os bens
do inventário, como fiel depositário do Juízo, não podendo dispor dos bens a não
ser autorizado pela Junta. Ele deveria publicar na Gazeta a quebra do falido, para
que qualquer interessado pudesse recorrer à Junta, propondo nela as ações que
tivesse ou as denúncias que quisesse. Quando todo patrimônio fosse reduzido a
dinheiro, os dois Deputados prestavam contas ao Juiz Conservador, que efetuava
a partilha do produto
118
.
No Código Comercial de 1850 e alterações introduzidas, o administrador
passou a ser chamado de liquidador juramentado, nomeado pelo governo. Havia
mais de um liquidador, que eram juramentados do curador-fiscal e
administravam a falência. Ademais, os liquidadores também tinham a função de
depositários.
117
Rubens Requião. Op. cit., p. 8-9.
118
Ibidem, p. 17-21.
76
Devido à grande ocorrência de fraudes nos processos falimentares,
sancionou-se a Lei n. 859 de 1902, que se concentrou na reforma a respeito dos
administradores da falência. Neste momento, são denominados síndicos e passam
a ser nomeados pelo Juiz, e não mais pelos credores
119
, dentre os nomes de uma
lista organizada pelas Juntas Comerciais
120
. Mas os síndicos continuaram
cometendo fraudes, tanto que os 40 inscritos na lista da Junta Comercial do
Distrito Federal, eram conhecidos por “Ali-Babá e os 40 ladrões”
121
.
Em 1908, com a promulgação da Lei 2.024, passa a haver a determinação
da escolha de três síndicos, dentre os maiores credores, conforme o valor da
massa. Porém, com o Decreto n. 5.746, de 1929, diminuiu-se o número de
síndicos de três para apenas um.
Com o Decreto-Lei n. 7.661, de 1945, eliminou-se da administração da
falência a figura do liquidatário, que passou a ser exercida pelo síndico, sob a
imediata direção e superintendência do Juiz. Ele era escolhido entre os maiores
credores do falido residente ou domiciliado no foro da falência, de reconhecida
idoneidade moral e financeira.
Logo que nomeado, o síndico era intimado pessoalmente, pelo escrivão, a
assinar em cartório, dentro de 24 horas, termo de compromisso de bem e
fielmente desempenhar o cargo e de assumir todas as responsabilidades inerentes
à qualidade de administrador. O síndico poderia ser destituído pelo Juiz, de ofício
ou a requerimento do representante do Ministério Público ou de qualquer credor,
no caso de exceder qualquer dos prazos que lhe eram estabelecidos pelo Decreto-
lei, de infringir quaisquer outros deveres que lhe eram incumbidos ou de ter
interesses contrários aos da massa. O síndico tinha o direito a uma remuneração a
ser arbitrada pelo Juiz, nos parâmetros do art. 67 do referido diploma legal,
remuneração esta que seria paga após o julgamento de suas contas.
119
Ruben Ramalho. Op. cit., p. 9.
120
Rubens Requião. Op. cit., p. 23.
121
Ibidem, p. 23.
77
Com o advento da nova Lei de Falências, a figura do síndico, agora
denominado Administrador Judicial, sofreu alterações, o que se descreve
adiante.
4.2. A figura do Administrador Judicial em outros sistemas jurídicos –
breves anotações
Portugal
Em Portugal os credores m papel relevante na nomeação do
administrador: o Juiz faz indicação de uma pessoa para a função, mas os credores
podem substituir o administrador nomeado pelo Juiz, por outro que entendem ser
mais qualificado
122
.
Ademais, o reforço dos incentivos ao bom desempenho do
administrador com um sistema remuneratório adequado, garantido pela massa e
não pelo Cofre Geral dos Tribunais. Há, também, uma maior definição dos atos
que precisam de autorização dos credores, liberando do formalismo os atos
menos relevantes
123
.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos dois tipos de procedimento: o da liquidação e o da
recuperação da empresa.
122
Carlos Souto Júnior. Nova lei de recuperação de empresas (Lei n. 11.101/2005). Alguns aspectos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em:
http://jus2.vol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8587. Acessado em: 15 maio 2007.
123
Ibidem, 2006.
78
No procedimento da liquidação a figura do trustee, nomeado pelo Juiz
e sem ter qualquer vínculo com o devedor. É o trustee que avalia o ativo do
devedor que poderá ser repartido entre os credores, promovendo a venda de bens
e direitos.
no procedimento de recuperação da empresa, a figura do trustee tem
participação diminuída, apenas supervisionando o devedor, que conserva os seus
ativos. É o trustee quem distribui o valor arrecadado na venda dos bens pelo
devedor entre os credores. Ainda, o Juiz poderá designar um inspector (fiscal)
que avalia e elabora relatórios sobre a conduta e administração do devedor em
posse dos ativos
124
.
Alemanha
No procedimento de insolvência o Juiz pode nomear um administrador
provisório, que poderá deter os bens e a administração da empresa. Uma vez
decretado o procedimento em Juízo, este nomeará no mesmo ato, o
Administrador da insolvência. Porém, a possibilidade do devedor continuar na
administração dos bens, supervisionado por um curador. O administrador decide
manter, renegociar ou rescindir os contratos em curso anteriormente firmados
pela empresa. No prazo de três meses, o administrador deve levantar a real
situação do ativo e passivo da empresa, para avaliar se possibilidade de um
plano de reorganização viável. Em caso positivo, ele deve submeter o plano ao
Juízo, que, em concordando, apresenta-o aos credores. Se o plano for elaborado
pelo devedor, cabe ao administrador, antes, aprová-lo
125
.
124
Carlos Souto Júnior. Nova lei, Nova lei de recuperação de empresas (Lei n. 11.101/2005). Alguns
aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em:
http://jus2.vol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8587. Acessado em: 15 maio 2007.
125
Ibidem, 2006
79
4.3. Natureza Jurídica
Trajano de Miranda Valverde
126
realizou estudo aprofundado sobre a
posição jurídica dos administradores da massa falida e acabou reunindo as
diversas teorias formuladas a esse respeito em dois grupos. A primeira é a teoria
da representação e a segunda é a teoria de ofício ou da função judiciária, sendo
que esta última é a que prevalece no Direito Falimentar brasileiro, já que o
Administrador Judicial não representa ninguém, mas, segundo o autor antes
mencionado, ocupa a função de agente auxiliar da justiça cumprindo os deveres
impostos pela lei para o interesse público e realização do processo de falência.
Sob esta ótica, a Administrador Judicial é um particular auxiliar da
justiça, portanto, não tem por função nem a representação dos credores, nem a
substituição do devedor falido. Também não representa a massa falida, uma vez
que esta não dispõe de personalidade jurídica. Esta função decorre do interesse
público para alcançar o objetivo do processo da falência. Assim, o administrador
age em seu nome e com extrema independência em relação ao credores e
devedores falidos, sendo certo que em algumas circunstâncias, deve se opor
contra eles, e como decorrência, a lei prevê diversas responsabilidades que lhe
são acometidas pelos atos praticados.
Esclarece Carvalho de Mendonça
127
que muito embora o Administrador
Judicial esteja sob a supervisão e superintendência do Juiz, não significa que esta
intervenção chegará ao ponto de anular a autonomia deste auxiliar no tocante aos
atos de gestão. O Juiz supervisiona os atos de gestão do Administrador Judicial,
126
Comentários, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, v. 1, p. 395-404. No mesmo sentido Fábio Ulhoa Coelho,
Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, cit., p. 58; Rubens Requião,
Curso, p. 250; Ricardo Negrão, Aspectos objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de
Falências, p. 98 e Amador Paes de Almeida, Op. cit., p. 199.
127
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito commercial brasileiro, v. XIII,
Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1934, p. 38.
80
sendo que nem mesmo sua autorização tem o condão de isentar o Administrador
das responsabilidades civil e penal a que ele se sujeita.
Ressalta-se que o Administrador Judicial não é um funcionário público,
mas por força de lei, é equiparado a este para fins penais
128
.
4.4. O síndico no Decreto-Lei n. 7.661/45
O síndico tinha papel extremamente relevante no processo falimentar, pois
sua boa atuação durante o processo acabaria trazendo resultados positivos para os
credores e para os demais envolvidos. Referido decreto disciplinava de maneira
detalhada como era realizada sua escolha, seus deveres e atribuições, bem como
suas responsabilidades, sendo que o art. 59 preceituava que a administração da
falência seria exercida por um síndico, sob a imediata superintendência do Juiz.
Assim, sua atuação ocorria no processo falimentar, necessariamente, e tinha ele
bastante autonomia que lhe fora atribuída pela própria legislação falimentar.
O síndico era escolhido pelo Juiz segundo critérios estabelecidos na lei, da
seguinte forma: (i) dentre os credores do falido, preferencialmente entre os
maiores (mas independentemente da natureza do crédito) com residência ou
domicílio no foro da falência, ter idoneidade moral e financeira, e (ii) se os
credores nomeados não aceitassem o cargo, após a terceira recusa, poderia o Juiz
nomear pessoa estranha, idônea e de boa fama, preferencialmente comerciante.
128
Esclarece Carvalho de Mendonça que “Na massa falida não há personalidade; portando não há
representação voluntária, nem representação legal. Qualquer que seja o nome que o sistema jurídico
haja dado ao administrador da massa falida, o problema é o mesmo, e é a mesma solução. Não se trata
de funcionário público, mas a função é pública. O conceito de funcionário público é que não é
extensivo a todas as funções públicas. Onde o Estado que exerce a função e a distribui, pública é a
função distribuída” (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado: parte especial, XXIX, Rio de
Janeiro: Borsoi, 1965, p. 7).
81
Porém, em razão das dificuldades encontradas pelos juízes no dia-a-dia
dos processos de falência, estes requisitos tornaram-se relativos, e, tendo em
vista os princípios da celeridade e praticidade para a efetivação da referida
nomeação, tornou-se usual a escolha de um síndico estranho à falência, desde
que idôneo, denominado “síndico dativo”.
Não as dificuldades práticas na escolha do síndico faziam com que se
escolhesse um síndico estranho à falência, mas, também, em decorrência da
ordem de classificação dos créditos, que outorgava preferência ao pagamento de
dívidas trabalhistas e fiscais e desta maneira, usualmente os demais credores
acabavam não tendo chances de recebimento de seus créditos, não havendo,
como conseqüência, interesse destes em atuar como síndicos.
Os juízes acabavam escolhendo síndicos dativos com formação jurídica,
pois os maiores credores costumavam recusar-se a tal encargo. A lei determinava
que a nomeação de ndico dativo se daria após a terceira negativa realizada
pelos três maiores credores.
Trajano de Miranda Valverde
129
entendia ser possível nomear síndico
dativo sem que antes fosse escolhido algum credor para tal encargo, desde que o
Juiz tivesse elementos suficientes para justificar sua escolha.
129
Comentários, Op. cit., v. 1, p. 406. No mesmo sentido Fábio Ulhoa Coelho, Código Comercial e
Legislação Complementar anotados, p. 638, acrescenta, ao comentar o art. 60 e parágrafos do Decreto-
lei 7.661/45: “...este dispositivo não é inteiramente eficaz, hoje em dia, em especial nas comarcas de
algum porte. Nestas, o Judiciário tem-se valido do concurso dos chamados síndicos dativos, isto é,
profissionais com formação jurídica que, conhecidos do Juiz, são nomeados para a função,
independentemente da qualidade de credor cogitada pela lei. No interesse do célere andamento do
processo e da própria coletividade dos credores, o Juiz pode nomear síndico dativo de imediato, sem a
prévia tentativa de conduzir algum desses para a função. Ainda no mesmo sentido, Rubens Requião,
op. cit., p. 251, transcreve trecho de decisão do Tribunal de Minas Gerais, no sentido contrário à
posição acima citada: “A nomeação de síndico deve recair em credor e será nomeado estranho se o
devedor não apresentar a lista de credores, ou nenhum destes aceitar o cargo” (Revista Forense,
45/87).
82
A lei determinava que a escolha recaísse, preferencialmente, em pessoa
“comerciante”, sendo, porém, aconselhável a nomeação de um advogado por ter
ele conhecimento jurídico necessário para o bom desempenho das funções que o
cargo exigia e era o que ocorria em termos práticos, ou seja, os nomeados para o
cargo eram, em sua maioria, advogados.
Existia um sério problema na antiga sistemática com relação à forma de
remuneração do síndico. Como ela dependia da realização do ativo na falência,
ocorria de forma retardada ou, certas vezes, o profissional, a despeito de ter
realizado um bom trabalho, nada recebia. Sua remuneração tinha por base o valor
da massa falida (art. 67, § 1º) e o percentual não poderia ultrapassar 6%. A lei
disciplinava, também, que o síndico poderia receber sua remuneração depois
de aprovadas suas contas e após o pagamento dos credores trabalhistas.
Na concordata a figura existente era a do comissário, sendo esta pessoa
escolhida pelo Juiz, com critérios semelhantes aos da escolha do síndico, para
ajudá-lo na fiscalização do concordatário até que fosse cumprida a concordata,
sendo que suas funções encontravam-se estabelecidas no art. 169 e respectivos
incisos.
A remuneração do comissário era arbitrada pelo Juiz, de acordo com a sua
diligência, trabalho e responsabilidade da função, além da importância da
concordata cujo cálculo se dava pelo valor prometido aos quirografários,
limitando-se à terça parte das porcentagens previstas para o cálculo do síndico na
falência (art. 67).
83
4.5. O Administrador Judicial nova lei de Falências e Recuperação de
Empresas - Lei nº. 11.101/2005
4.5.1. Introdução
A denominação “Administrador Judicial” é criação da nova Lei de
Falências. Esta veio substituir a antiga denominação de “síndico” na falência, e
sua função é a de administrar os bens do devedor em prol da massa falida, uma
vez que, decretada a falência, o falido perde a livre administração de seus bens.
Ainda substitui a expressão “comissário” existente na lei falimentar revogada e,
quem atua na recuperação judicial, é denominado, também, Administrador
Judicial.
A nova legislação não mudou apenas a nomenclatura desta função mas
também alterou alguns pontos da legislação anterior com relação ao síndico, tais
como: (i) sua autonomia foi reduzida; (ii) o procedimento de escolha do
Administrador Judicial se tornou mais simplificado; (iii) a forma de remuneração
do administrador foi alterada, inclusive sendo considerada crédito extraconcursal;
(iv) a verificação de créditos é feita inicialmente perante o administrador; dentre
outras.
A, Seção III do Capítulo II da Lei n. 11.101/2005 trata do Administrador
Judicial, sua nomeação, atribuições e responsabilidades tanto na falência como
na recuperação judicial das empresas.
4.5.2. Nomeação
O Administrador Judicial será nomeado exclusivamente pelo Juiz quando
da decretação da falência ou do deferimento do processamento da recuperação
84
judicial. É pessoa de confiança do Juiz que o auxilia na administração da massa
falida.
O sistema brasileiro utilizou diversas formas para a escolha de síndicos
no passado, não tendo em nenhum dos casos funcionado como se esperava.
Como bem lembra Rubens Requião
130
, a Lei 859/1902 criou o sistema de
síndicos oficiais e ndicos definitivos, que eram escolhidos pelos credores para
as duas fases da falência, respectivamente. As Juntas Comerciais organizavam as
listas compostas pelos síndicos eleitos pelos credores e o Juiz nomearia alguém
cujo nome nela constasse. A imoralidade foi tão grande que se chegou ao ponto
de referidos síndicos, que eram em mero de quarenta, serem chamados de
“Ali-Babá e os 40 ladrões”.
Pela sistemática anterior, o síndico era escolhido dentre os maiores
credores do falido, por força da lei, porém em termos concretos, na maioria das
vezes o Juiz acabava nomeando um síndico dativo, geralmente advogado para o
desempenho da função. Observa-se, no entanto, que, na vigência do Decreto-Lei
7.661/45, o síndico poderia ser tanto pessoa física como pessoa jurídica,
conforme previsto no art. 60, § 5º.
Na legislação atual, o Administrador Judicial poderá, também, ser uma
pessoa física ou jurídica. Como se pode observar, ao contrário do que acontecia
na lei anterior, não será o Administrador Judicial escolhido dentre os credores do
falido. Ele será uma pessoa estranha ao quadro de credores, devendo ser um
profissional idôneo, de preferência, advogado, economista, administrador de
empresas ou contador.
Observa-se, portanto, que a escolha do Administrador Judicial não recai
mais sobre algum dos credores do falido. Foi nesse sentido que decidiu o
Tribunal de Justiça de São Paulo:
130
Op. cit., p. 212.
85
O fundamento da r. sentença não pode prevalecer, porquanto a
Lei n.° 11.101/05 não condiciona a decretação da falência à
aceitação, pelo requerente, do cargo de Administrador Judicial,
tanto que o caput do art. 21 estatui que “o Administrador
Judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado,
economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa
jurídica especializada”. A imposição obrigatória desse encargo
a um credor é impossível, que o exercício do cargo de
Administrador Judicial não constitui ônus, no sentido de munus
público (cf. TJSP, RT, 670/79)
131
.
A lei determina que a escolha do Administrador Judicial deva recair sobre
profissional idôneo e usa a expressão “preferencialmente” e depois elenca
algumas profissões, antes mencionadas. Esclarece-se que o profissional deverá
ter condições técnicas e experiência para desempenhar as funções atribuídas por
lei, e não necessariamente uma das profissões previstas no art. 21 da Lei. Fábio
Ulhoa Coelho
132
explica que o ideal é a escolha de um profissional com
conhecimentos de administração de empresas do porte da falida, e, se for
necessário, o Juiz deve autorizar a contratação de um advogado para assisti-lo.
Já para Sebastião José Roque
133
, o profissional ideal para atuar como
Administrador Judicial no processo falimentar ou recuperação judicial seria o
advogado. Isto, pois, além de ele fiscalizar e controlar o comportamento da
empresa, também impulsiona o processo. É necessário o conhecimento de
normas processuais e das práticas jurídicas, que são privativas dos advogados.
Ademais, apenas o advogado tem capacidade postulatória, assim, quem não a
tiver terá que contratar advogado para tanto
131
Apelação com revisão n. 5109444600, Câmara Especial de Falências, Tribunal de Justiça de São Paulo,
Relator: Des. Romeu Ricupero, j. 26-9-2007.
132
Comentários, Op. cit., p. 58.
133
Sebastião José Roque. Direito de Recuperação de Empresas, São Paulo: Ícone, 2005, p. 135.
86
Neste ponto, entendo que o Juiz ao fazer a escolha do Administrador
Judicial deve levar em conta a necessidade do caso concreto e dar preferência ao
profissional mais qualificado para o exercício da função, independentemente de
sua formação. As situações são variadas e pode haver casos em que será mais
relevante a escolha de um profissional com experiência e conhecimentos em
administração de empresas do que o profissional com conhecimentos específicos
na área jurídica. Dessa forma, não como se afirmar ser este ou aquele
profissional mais qualificado para atuar no processo falimentar ou na
recuperação judicial, pois tudo dependerá da necessidade relacionada ao caso
concreto, avaliação esta que será feita pelo Juiz ao firmar sua escolha.
Sobre o tema em questão, conforme decisão do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro, não se exige que o Administrador Judicial tenha necessariamente uma
das profissões apontadas pela Lei:
Agravo de Instrumento. R. Decisão indeferindo pedido de
substituição de Administrador Judicial da massa falida.
Alegação de falta de preenchimento dos requisitos legalmente
exigidos para desempenho do munus. Inteligência do artigo 21
da Lei de Recuperação de Empresas. Em momento algum o
referido diploma legal exige que o administrador seja
necessariamente advogado, economista, administrador de
empresas ou contador. Ausência de provas acerca da
inidoneidade do síndico, da ineficiência de sua administração
ou descumprimento dos deveres legalmente impostos pelos
artigos 22, 30 e 31 da Lei 11.101/05. No mais, inexiste óbice na
manutenção do ndico como Administrador Judicial. Recurso
que se apresenta manifestamente improcedente. Aplicação do
art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno
deste E. Tribunal. Negado Seguimento
134
.
134
Agravo de Instrumento n. 2007.002.00447, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, Relator: Des. Reinaldo P. Alberto Filho, j. 22-2-2007.
87
Poderá, também, ser pessoa jurídica especializada, neste caso, devendo ser
o nome do responsável pela condução do processo de falência ou recuperação
judicial declarado por termo de compromisso, não podendo este ser substituído
sem prévia autorização do Juiz, conforme dispõe o parágrafo único do art. 21 da
Lei n. 11.101/2005.
A lei, por seu turno, não esclarece que tipo de profissional será o
responsável indicado, podendo, desta forma, ser um sócio, administrador ou um
empregado da pessoa jurídica nomeada como Administrador Judicial.
A expressão pessoa jurídica utilizada pela lei é bem abrangente, sendo que
o Código Civil Brasileiro elenca em seu art. 44 um rol de pessoas jurídicas de
direito privado, tais como fundações, sociedades simples, sociedades
empresárias, dentre outras. Assim, entende-se que qualquer uma dessas pessoas
jurídicas, desde que capacitadas para o bom desempenho das funções próprias de
Administrador Judicial, estão aptas para o cargo, uma vez que é possível verificar
que a lei teve o objetivo de ampliar as possibilidades e não restringi-las.
Ao entrar em vigor a atual lei de falências e recuperação de empresas,
muito se comentou sobre a importância da nomeação de Administrador Judicial
pessoa jurídica especializada, o que beneficiaria o bom andamento dos processos
em virtude do conhecimento técnico que ela supostamente teria se comparado a
qualquer outro profissional pessoa física. Desta forma, processos teriam uma
tramitação mais célere e satisfatória, especialmente nos casos de recuperação
judicial das empresas em que maior necessidade de conhecimentos técnicos
para conseguir bons resultados com o soerguimento da atividade em crise.
No entanto, nas varas especializadas da Comarca da Capital, os juízes,
tanto da Vara de falências e recuperação de empresas como da 2ª, têm
nomeado, na maioria dos casos, advogados de sua confiança para desempenho
das funções e, eventualmente, escritórios de advocacia.
88
Isto se deve ao fato de que na maior parte dos processos, especialmente de
falências, não bens no ativo do devedor, sendo certo que de qualquer forma o
Juiz, por força da lei, deve nomear um Administrador Judicial para atuar no feito
e, como conseqüência, esta pessoa, apesar de despender tempo e esforços para
dar bom andamento ao processo, acaba não recebendo qualquer remuneração
pelos serviços prestados.
Verifica-se que poucos são os casos em que há possibilidade de remunerar
adequadamente os profissionais nomeados para o cargo de Administrador
Judicial, assim, os juízes têm preferido dar uma oportunidade para aqueles que
por diversas vezes atuaram de forma correta e profissional, ainda que sem
receber pelo trabalho, nomeando estas mesmas pessoas para processos mais
rentáveis.
Na vigência do Decreto-Lei 7.661/45, apesar da possibilidade de
nomeação de pessoas jurídicas como síndicos, tendo em vista a dificuldade de
recebimento por seus serviços, ante a forma de remuneração e momento de
pagamento previstos em lei, não havia interesse na aceitação do encargo. Agora,
apesar da forma de remuneração ter sido alterada, empresas especializadas não se
sujeitam a trabalhar em qualquer falência ou recuperação judicial, uma vez que
seus honorários costumam ser altos. Mas afinal, não cabe ao interessado a opção
de escolher em que processos pretende atuar, mas sim ao Juiz. Em decorrência,
poucos casos de nomeação de pessoas jurídicas especializadas para o
desempenho da função de Administrador Judicial desde que a Lei n. 11.101/2005
entrou em vigor no sistema brasileiro.
A escolha do Administrador Judicial pode ser contestada por qualquer
credor pelo devedor ou ainda pelo Ministério Público quando sua nomeação se
der em desacordo com a lei. Desse modo, cabe ao Juiz analisar e decidir se o
administrador nomeado será substituído por outro. De qualquer forma, me parece
89
que o Juiz deve motivar sua decisão quer de substituição, quer de destituição do
Administrador Judicial.
A questão que envolve o sistema de escolha de administradores judiciais é
extremamente complexa, tendo em vista que problemas ou inconvenientes
podem surgir. No entanto, sugiro um formato, que ao menos, parece ter alguma
eficiência.
O Brasil ainda não atingiu um sistema satisfatório e, para tanto,
interessante seria que o Poder Judiciário adotasse um novo formato para a
escolha de Administradores Judiciais: O Tribunal de Justiça poderia fazer um
concurso para habilitação de Administradores Judiciais, sendo que a nomeação
pelo Juiz seria vinculada a uma lista com a relação dos aprovados. Tal lista se
submeteria à Corregedoria-Geral de Justiça da mesma forma que ocorre com as
concessões de cartórios extrajudiciais (notas, registro de imóveis etc.).
Os interessados deveriam, além de ter nível universitário, fazer um curso
específico (oferecido por instituições privadas) para o aprendizado de
conhecimentos básicos de gestão empresarial, economia, administração de
empresas, direito, dentre outras matérias. Assim, somente os aprovados em
concurso para Administradores Judiciais, integrariam uma lista oficial para que o
Juiz pudesse realizar sua escolha de acordo com as necessidades e
especificidades do caso concreto. Seria a profissionalização da função, como
ocorre em outros países.
Não se fala aqui em pessoas escolhidas pelos credores, tampouco
nomeações realizadas sem qualquer averiguação anterior, mas pessoas (físicas ou
jurídicas) que tenham efetivamente interesse em se qualificar para tal função,
formando um grupo selecionado para desempenhar adequadamente as atribuições
previstas em lei para os Administradores Judiciais, tanto em termos de deveres
90
como de responsabilidades. Caso contrário, seria um retrocesso a um sistema
que, conforme dito acima, não funcionou.
Ocorre que a atual lei alargou as possibilidades para nomeações de
administradores judiciais, diferentemente da forma prevista pelo Decreto-Lei
7.661/45, como visto acima.
Porém, olvidou-se da questão mais relevante que é a capacitação
necessária que o auxiliar do Juiz deve ter para desempenhar tal função,
especialmente nas situações mais complicadas em que haja a necessidade de
conhecimentos específicos.
Observa-se que, em Portugal, uma lista oficial de Administradores de
insolvência, prevista no art. 32, do Código de Insolvência e da Recuperação de
Empresa – Decreto-Lei n. 53/2004, cujo estatuto encontra-se regulado pela Lei n.
32/2004. Pode ser tanto pessoa natural como jurídica, inclusive pode ser
constituída uma sociedade de administradores de insolvência SAI, sociedade
esta com fins específicos para desempenho do encargo.
Há, também, naquele país, uma comissão responsável tanto pela admissão
como pelo controle da atividade que é vinculada ao Ministro da Justiça, nos
termos do art. 12, I, da Lei n. 32/2004.
Na França, um órgão oficial no qual devem os Administradores
Judiciais estar inscritos, cuja exigência é ter curso superior completo bem como
ter sido aprovado e, portanto, estar habilitado ao exercício da função em curso de
formação profissional de Administrador Judicial, por determinação do Code de
Commerce.
91
Na Argentina, a lei de Concursos y Quiebras (Lei 24.522/95)
135
,
possibilita a realização da função por mais de um administrador, na expressão da
referida lei, sindicatura plural. Verifica-se neste sistema, que a lei tratou
minuciosamente do procedimento acerca da nomeação de administradores, o que
não ocorre no direito brasileiro, que trata genericamente da questão.
4.5.3. Termo de compromisso
Após ser nomeado, o Administrador Judicial deverá ser intimado
pessoalmente para que assine termo de compromisso, em cartório, para bem e
fielmente desempenhar sua função e assumir suas conseqüentes
responsabilidades, dentro do prazo de quarenta e oito horas, na sede do Juízo.
135
ARTÍCULO 253.- Síndico. Designación. La designación del síndico se realiza según el siguiente procedimiento:
1) Podrán inscribirse para aspirar a actuar como síndicos concursales los contadores públicos, con una antigüedad
mínima en la matrícula de CINCO (5) años; y estudios de contadores que cuenten entre sus miembros con mayoría
de profesionales con un mínimo de CINCO (5) años de antigüedad en la matrícula. Los integrantes de los estudios
al tiempo de la inscripción no pueden a su vez inscribirse como profesionales independientes. Se tomarán en
cuenta los antecedentes profesionales y académicos, experiencia en el ejercicio de la sindicatura, y se otorgará
preferencia a quienes posean títulos universitarios de especialización en sindicatura concursal, agrupando a los
candidatos de acuerdo a todo estos antecedentes. 2) Cada 4 años la mara de Apelación correspondiente forma
DOS (2) listas, la primera de ellas correspondientes a la categoría A, integrada por estudios, y la segunda,
categoría B, integrada exclusivamente por profesionales; en conjunto deben contener una cantidad no inferior a
QUINCE (15) síndicos por Juzgado, con DIEZ (10) suplentes, los que pueden ser reinscriptos indefinidamente.
Para integrar las categorías se tendrán en cuenta los antecedentes y experiencia, otorgando prioridad a quienes
acrediten haber cursado carreras universitarias de especialización de postgrado. Para integrar las categorías se
tomarán en cuenta las pautas indicadas en el último párrafo del inciso anterior.3) La Cámara puede prescindir de
las categorías a que se refiere el inciso anterior en los juzgados con competencia sobre territorio cuya población
fuere inferior a DOSCIENTOS MIL (200.000) habitantes de acuerdo al último censo nacional de población y
vivienda.
También puede ampliar o reducir el número de síndicos titulares por juzgado.
4) Las designaciones a realizar dentro los CUATRO (4) años referidos se efectúan por el juez, por sorteo,
computándose separadamente los concursos preventivos y las quiebras.
5) El sorteo será público y se hará entre los integrantes de una de las listas, de acuerdo a la complejidad y
magnitud del concurso de que se trate, clasificando los procesos en A y B. La decisión la adopta el juez en el auto
de apertura del concurso o de declaración de quiebra. La decisión es inapelable.
6) El designado sale de la lista hasta tanto hayan actuado todos los candidatos.
7) El síndico designado en un concurso preventivo actúa en la quiebra que se decrete como consecuencia de la
frustración del concurso, pero no en la que se decrete como consecuencia del incumplimiento del acuerdo
preventivo.
8) Los suplentes se incorporan a la lista de titulares cuando uno de éstos cesa en sus funciones.
9) Los suplentes actúan también durante las licencias. En este supuesto cesan cuando éstas concluyen.
Sindicatura plural. El juez puede designar más de UN (1) síndico cuando lo requiera el volumen y complejidad del
proceso, mediante resolución fundada que también contenga el régimen de coordinación de la sindicatura.
Igualmente podrá integrar pluralmente una sindicatura originariamente individual, incorporando síndicos de la
misma u otra categoría, cuando por el conocimiento posterior relativo a la complejidad o magnitud del proceso,
advirtiera que el mismo debía ser calificado en otra categoría de mayor complejidad.
92
Caso não cumpra este requisito, o Juiz deverá nomear novo Administrador
Judicial, nos termos do art. 34 da Lei.
Com a assinatura do termo de compromisso, o Administrador Judicial
estará manifestando a sua concordância em assumir os deveres e
responsabilidades decorrentes do exercício dessa função.
4.5.4. Substituição e destituição
Poderá o Administrador Judicial deixar suas atividades antes do término
do processo de falência ou de recuperação judicial por meio de destituição ou
substituição, inclusive, situação que pode ocorrer logo após sua nomeação, caso
esta tenha sido realizada em desconformidade com a lei.
Tanto a substituição como a destituição do Administrador Judicial são
atos de exclusiva competência do Juiz. Assim, por não ter o Administrador
Judicial qualquer direito subjetivo à permanência no cargo, o magistrado é que
decide se ele será substituído ou destituído, dependendo da situação ocorrida.
Ressalta-se neste ponto a importância de distinguir as duas formas
previstas para afastamento do administrador em função das diferentes
conseqüências que delas decorrem. Primeiramente tem-se que a substituição não
tem caráter punitivo, tratando-se apenas de uma providência para que outra
pessoa seja colocada em seu lugar para dar continuidade ao processo de falência
ou de recuperação de forma regular. As razões para que o Administrador
nomeado seja substituído podem ser de diversas ordens e, dentre elas, é possível
mencionar: ocorrência de incapacidade superveniente do referido auxiliar, sua
morte, nomeação feita de forma irregular, renúncia justificada ou, ainda, sua
administração no processo não tenha se realizado a contento do juízo.
93
A substituição não se reveste de caráter sancionatório, ou seja, ela ocorre
ou por opção de vontade do Administrador Judicial ou por circunstâncias alheias
a sua vontade que não se revistam de desídia ou dolo
136
.
Nos termos do art. 30, § 2º, da lei, qualquer credor, o Ministério Público,
ou o devedor têm legitimidade para requerer ao Juiz a substituição do
Administrador Judicial que tenha sido nomeado em desacordo com a lei.
Observe-se que o Administrador Judicial substituído tem direito à
remuneração proporcional pelas funções que desempenhou, podendo, inclusive,
voltar a ser nomeado em outro processo falimentar
137
.
Já a destituição do Administrador Judicial é mais grave que a substituição,
importando numa sanção que decorre da desobediência às obrigações impostas a
ele pela lei ou quando passa a ter interesses conflitantes com a massa falida
138
. A
sanção imposta para o administrador destituído é de impedimento para o
exercício dessa função por 5 anos, conforme art. 31 da Lei de Falências.
Para que o administrador seja destituído ele precisa incorrer em atos de
gravidade, e a lei exemplifica algumas situações, tais como desobediência aos
preceitos da lei, não-observância de prazos e deveres previstos na lei, omissão,
negligência, prática de atos prejudiciais às atividades do falido ou, ainda de
terceiros, renúncia injustificada ou interesse conflitante com a massa, bem
quando ele se recusa a prestar as contas no prazo legal (art. 23, caput e parágrafo
único).
136
Ricardo Negrão. Op. cit., p. 103.
137
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 67.
138
Ibidem, p. 67.
94
Diversamente do que ocorre na substituição, o Administrador Judicial
destituído, além de perder o direito de ser remunerado fica impedido de atuar em
qualquer outro processo falimentar ou de recuperação de empresas, nos termos
da lei.
Esclarece, ainda, Fábio Ulhoa Coelho
139
que o Administrador Judicial
que foi substituído e já não mais ocupa tal cargo, poderá ser também destituído,
que esta última tem caráter punitivo, e a outra não. Assim, a destituição não
tem por objetivo apenas colocar outra pessoa na função de Administrador
Judicial, mas também de punir aquele que ocupava tal cargo e agiu
desidiosamente. Afirma o referido autor, que, se tal possibilidade não for
admitida, bastará para aquele que tenha incorrido em ilicitude ou irregularidade
renunciar à função de Administrador Judicial para fugir à imposição da pena.
Em razão da gravidade da punição imposta ao Administrador Judicial
destituído, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que a destituição
poderá ocorrer quando for comprovada a existência de uma de suas causas,
dispostas no art. 31 da Lei de Falências, conforme se depreende da seguinte
ementa
140
:
Agravo de instrumento. FALÊNCIA. RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. Destituição do Administrador Judicial. Não
cabimento no caso concreto, diante da não configuração dos
pressupostos para a aplicação da sanção, insertos no art. 31 da
Lei 11.101/2005. Recurso desprovido.
E, do acórdão que tem como fundamento a necessidade de realização de
perícia para apuração específica dos atos causadores dos apontados prejuízos,
não como se decretar a destituição, por ser ato e extrema gravidade, portanto
pressupõe amplo conjunto probatório.
139
Comentários, Op. cit., p. 67-8.
140
Agravo de Instrumento n. 70019267277, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, Relator: Des. Ubirajara Mach de Oliveira, j. 26-7-2007.
95
Da mesma forma entendeu o Tribunal de Justiça de o Paulo, conforme
ementa que se transcreve abaixo:
“Agravo de instrumento - Falência - Pedido de destituição ou
substituição do Administrador Judicial. Não se configurando,
no caso concreto, as hipóteses legais para destituição do
Administrador Judicial, deve ele ser mantido no cargo, no qual
está sob a confiança do juízo da falência e para o qual está
profissionalmente habilitado. Agravo improvido”
141
.
4.5.5. Impedimentos
Por força do art. 30, § , da lei falimentar, não poderá ser nomeado
Administrador Judicial aquele que tiver relação de parentesco ou afinidade até o
terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores ou
representantes legais, ou deles for amigo, inimigo ou dependente.
Também se encontra impedida de exercer o cargo de Administrador
Judicial a pessoa que, ao exercer anteriormente o cargo em referência nos últimos
cinco anos, tenha sido dele destituída, tenha deixado de prestar contas ou teve
prestação desaprovada, conforme previsão do caput do art. 30 da Lei.
Ainda, lei especial poderá determinar outras causas de impedimento para
exercício do encargo de Administrador Judicial. Exemplifica Fábio Ulhoa
Coelho
142
estes casos: Juiz, promotor de justiça, delegado, funcionários públicos
etc..
141
Agravo de Instrumento n. 4867284200, Câmara Especial de Falências, Tribunal de Justiça de São
Paulo, Relator: Des. Guilherme G. Strenger, j. 8-8-2007.
142
Curso, Op. cit., p. 275.
96
Têm legitimidade para pleitear ao Juiz a substituição do Administrador
nomeado em desacordo com a lei, qualquer credor, o devedor ou o Ministério
Público, e, caso o Juiz defira o pedido, o que deverá ser feito no prazo de 24
horas, no mesmo ato nomeará outro Administrador Judicial.
4.5.6. Funções
4.5.6.1. Função indelegável
É assente o entendimento de que se trata de uma função indelegável, ou
seja, não pode ser transferida para outra pessoa, uma vez que o Administrador
Judicial tem como função auxiliar do Juiz no processo falimentar, sempre sob sua
supervisão.
Fábio Ulhoa Coelho
143
afirma, ainda, que mesmo quando se trata de
pessoa jurídica especializada, a pessoa que por ela foi indicada para a função de
Administrador Judicial não poderá transferi-la a outrem, mesmo que este esteja
vinculado à mesma pessoa jurídica.
O que pode ocorrer, segundo as hipóteses legais, é a transmissão de
poderes administrativos a terceiros, desde que aprovada a contratação pelo
magistrado. Na lei anterior, no entanto, o síndico, por força do art. 62, VII,
poderia indicar auxiliares e simplesmente comunicar ao Juiz, dependendo deste
último, no entanto, a aprovação dos honorários dos profissionais em questão.
Há, porém, que se fazer uma diferenciação quanto à contratação de
auxiliar advogado pelo Administrador Judicial para sua própria representação e
para a defesa da massa falida. Apenas neste último caso é que a responsabilidade
pelo pagamento de honorários se da massa falida. Dessa forma, se o
143
Comentários, Op. cit., p. 65.
97
Administrador Judicial contrata advogado para representá-lo no processo de
falência, ele é quem deverá arcar com o pagamento dos honorários
144
.
Observa-se que no sistema argentino
145
, também, como ocorre no Brasil,
trata-se de função indelegável, mas se permite que o administrador seja auxiliado
por outras pessoas para o bom desempenho dos trabalhos.
As funções do Administrador Judicial variam conforme se trata de
processo de falência ou recuperação judicial. Há funções que ele exerce em
ambos os procedimentos, por outro lado, funções distintas para cada um e se
encontram elencadas no art. 22 da Lei de Falências.
Waldo Fazzio Júnior
146
entende que as funções do Administrador Judicial
não são taxativas, ou seja, não se resumem apenas naquelas descritas pela lei.
Isto, pois, para bem executar a administração da falência, é necessário que o
Administrador Judicial exerça todas as funções necessárias, havendo casos em
que poderá agir com alguma discricionariedade para tomar a conduta mais
favorável à massa falida. Claro está que mesmo nestas circunstâncias agirá sob a
supervisão do Juiz, porém, não se pode olvidar que concretamente podem surgir
situações não vinculadas às possibilidades legais.
Por seu turno, Fábio Ulhoa Coelho esclarece que o Administrador Judicial
não possui autonomia absoluta na administração de interesses dos credores, uma
vez que presta contas de seus atos bem como necessita de autorização judicial
para providências fundamentais no decorrer do seu trabalho e, caso aja com
144
Fábio Ulhoa Coelho, Comentários, Op. cit., p. 65.
145
Ley de Concursos y Quiebras – Lei 24.522/95:
ARTÍCULO 251.- Enunciación. Son funcionarios del concurso el síndico, el coadministrador y los
controladores del cumplimiento del acuerdo preventivo, y de la liquidación en la quiebra.
ARTÍCULO 252.- Indelegabilidad de funciones. Las atribuciones conferidas por esta ley a cada
funcionario, son indelegables, sin perjuicio del desempeño de los empleados.
146
Op. cit., p. 326-7.
98
autonomia, sem a devida anuência do magistrado, responde por seus atos com
patrimônio próprio.
Feitas estas colocações, passa-se a verificar as funções acometidas ao
Administrador Judicial na atual lei de falências e recuperação de empresas.
4.5.6.2. Funções comuns na Falência e na Recuperação Judicial das
Empresas
(i) Envio de cartas aos credores para ciência da decretação da quebra ou
do pedido de recuperação judicial, com informações sobre natureza, valor e
classificação dos créditos.
(ii) Fornecimento de informações pedidas pelos credores interessados,
assim como extratos de livros do devedor, o que servirá de fundamento para
impugnações e habilitações de créditos.
(iii) Exigir dos credores, devedor ou seus administradores quaisquer
informações necessárias.
(iv) Elaboração da relação de credores e consolidação do quadro-geral de
credores.
(v) Requerer a convocação da Assembléia Geral de Credores, quando
entender necessária sua oitiva para tomada de decisões ou dentro das hipóteses
legais cabíveis.
(vi) Contratar auxiliares para exercer suas funções, seja de profissionais
ou empresas especializadas, mediante autorização judicial.
(vii) Dar sua manifestação nos casos previstos em lei.
99
4.5.6.3. Funções do Administrador Judicial na Falência
A função principal do administrador na falência é a de auxiliar o Juiz na
administração desta e representar o interesse comum dos credores, administrando
os bens da massa, a fim de obter a o melhor resultado possível com a venda dos
bens que compõem a massa falida objetiva.
Serão arroladas as funções do Administrador Judicial no processo de
falência na forma descrita na lei, e, quando necessário, algumas observações
serão efetuadas:
(i) Comunicar mediante órgão oficial o lugar e a hora em que os credores
terão à sua disposição os livros e documentos do falido, diariamente.
O Administrador Judicial deve dar ampla publicidade à sentença
declaratória da falência, publicando edital em órgão oficial e em jornal de grande
circulação (se a massa falida comportar), informando o lugar e hora que os
credores poderão examinar os livros e documentos do falido. Ademais, deverá
também publicar edital contendo a relação dos credores, determinando local,
horário e prazo comum para os interessados investigarem os documentos que
basearam a elaboração deste rol.
(ii) Examinar a escrituração do devedor.
(iii) Exibir relação de processos da massa falida, bem como assumir sua
representação judicial.
(iv) Receber e abrir as cartas remetidas ao devedor, devolvendo-as a ele
aquelas que não forem de interesse da massa.
100
(v) Apresentar no prazo de quarenta dias (prazo prorrogável por igual
período), contado da assinatura do termo de compromisso, relatório sobre as
causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, demonstrando a
responsabilidade civil e penal dos envolvidos.
Este prazo previsto na lei é exíguo para que o administrador tome todas as
providências necessárias para a apresentação do referido relatório
circunstanciado das causas que levaram o devedor empresário à quebra. Sua
exposição indicando a responsabilidade penal servirá de embasamento para que o
Ministério Público possa oferecer denúncia, bem como deverá, também, apontar
a responsabilidade civil do devedor agora falido, para que responda com seus
bens pelos prejuízos causados.
(v) Arrecadar os bens e documentos do falido, elaborando auto de
arrecadação e avaliando os bens arrecadados.
(vi) Contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização
judicial, para avaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a
tarefa.
Conforme mencionado anteriormente, com a decretação da falência, o
devedor perde a livre administração e disponibilidade de seus bens, que passam a
ser geridos pelo Administrador Judicial. Assim, uma vez nomeado e firmado
compromisso, o Administrador Judicial deveproceder à arrecadação dos bens
do falido, nos termos do art. 108 da Lei.
Assim, o Administrador Judicial deverá atuar com empenho, objetivando
arrecadar os bens que estejam na posse do próprio devedor falido, para depois
arrecadar aqueles bens que estejam na posse de terceiros, mas que são de
propriedade do falido. Aqui o Administrador Judicial pode contar com a
101
colaboração do Ministério Público, sendo permitido utilizar de todas as medidas
legais necessárias para atingir seus propósitos.
A arrecadação envolve, em princípio, todos os bens que estiverem na
posse do falido e os que lhe pertencem mas estão na posse de terceiros. No
entanto, alguns bens não são arrecadados e outros sofrem um procedimento
especial de arrecadação.
Assim, tem-se que os bens absolutamente impenhoráveis não são
arrecadáveis (arts. 649 e 650 do CPC e art. 108, § , da Lei n. 11.101/2005); os
bens da meação do cônjuge estão protegidos pela Lei n. 4.121/62; as substâncias
entorpecentes ficam sob a guarda e depósito de autoridades competentes e serão
vendidas de forma especial, conforme previsto na Lei n. 11.343, de 23-8-2006,
art. 69, I, II, III, §§ 1º, 2º, 3º; e as quotas de sociedade limitada são liquidadas nos
termos do artigo 1.030, parágrafo único do digo Civil, pois a falência de sócio
da sociedade limitada acarreta a sua exclusão de pleno direito.
Por outro lado, se tratar de falência de sociedade com sócios solidários, os
bens particulares destes serão arrecadados, pois a falência também é decretada
em relação a eles, conforme previsto no art. 81 da LFR.
Os bens arrecadados devem ficar sob a guarda do Administrador Judicial
ou de pessoa por ele designada, sob sua responsabilidade, observando-se,
também, que o próprio devedor falido poderá ser nomeado depositário, por
expressa disposição legal.
A lei prea possibilidade de lacração do estabelecimento do falido, caso
seja preciso, a fim de preservar os bens integrantes da massa. Ainda, os bens
arrecadados poderão ser removidos, se necessário melhor guardá-los e conservá-
los. Em qualquer caso, a responsabilidade sempre será do Administrador Judicial.
102
Em termos concretos a questão da guarda e conservação dos bens é muito
delicada, pois na maior parte dos casos, os bens arrecadados ou permanecem no
próprio estabelecimento do falido ou em outro local para que sejam mais bem
conservados. Ocorre que, como a situação do falido é precária, o como
manter uma forma de policiamento do local onde se encontram os bens
arrecadados e, eventualmente, tais bens podem ser subtraídos e, mesmo com o
lacre, possíveis arrombamentos podem ocorrer. Por outro lado, o Estado não tem
como evitar ou auxiliar neste ponto, uma vez que não há como direcionar verba
pública para esta finalidade.
A lei, nesta questão, é muito rigorosa com o Administrador Judicial, pois
ele é o responsável pela guarda dos bens do falido, podendo nomear o próprio
falido ou um de seus representantes como depositário dos bens arrecadados, no
entanto, a responsabilidade final será sempre do Administrador Judicial,
conforme disposição expressa da lei (art. 108, § 1º).
Por vezes, bons profissionais que poderiam trabalhar nos processos
falimentares e de recuperações judiciais de empresas, ao se depararem com tantas
responsabilidades que a eles são impostas por lei, perdem o interesse, o que pode,
muitas vezes, ser prejudicial ao sistema.
Esta forma de responsabilizar o Administrador Judicial me parece muito
severa, pois fatos alheios à sua vontade podem ocorrer e, como explicado, não
há, em grande parte das vezes, dinheiro suficiente na massa falida para
contratação de seguranças para vigiarem o local onde se encontram os bens que
foram arrecadados e integram a massa falida objetiva. E, por obvio, não
condições de o administrador permanecer no local constantemente, muito menos
contratar a suas expensas pessoal especializado para tomar conta dos bens da
massa falida. Assim, pode ocorrer o desaparecimento dos bens do local e, então,
por força da lei, o administrador pode ser responsabilizado com bens pessoais
pelos prejuízos que causou a massa.
103
A responsabilidade do Administrador Judicial sempre foi tema discutido
em nosso ordenamento, pois se não há forma efetiva de responsabilizar o referido
auxiliar, ele pode passar a ter atitudes de desatenção ou desídia e prejudicar os
credores, por outro lado, se pune de modo severo, o desinteresse de bons
profissionais para assumir o encargo, sendo certo que se trata de questão
polêmica e de difícil solução.
O Administrador Judicial deve sempre levar alguém consigo para
presenciar a arrecadação e avaliação dos bens. Dessa forma, ele fica um pouco
mais resguardado de eventuais problemas, sendo uma maneira de minimizar as
responsabilidades que lhe são atribuídas por lei.
O Decreto-Lei n. 7.661/45 dispunha no § do art. 70 que a arrecadação
dos bens seria feita com a presença do representante do Ministério Público, mas
na prática os juízes determinavam que um oficial de justiça acompanhasse o
síndico. Esta praxe continua sendo adotada, pois os juízes sempre determinam
que um oficial de justiça acompanhe o administrador nesta etapa de arrecadação
e inventário de bens, deixando o Administrador Judicial mais seguro para realizar
estas funções.
O Administrador Judicial, mediante autorização judicial, pode contratar
avaliadores, preferencialmente oficiais, caso não tenha conhecimento necessário
para a avaliação dos bens do devedor, tendo em vista a indelegabilidade de suas
funções.
Por fim, quanto à arrecadação, cumpre observar que deverá o
Administrador Judicial providenciar um inventário dos bens arrecadados,
individuando-os, sempre que possível, e atribuindo-lhes seus valores. O auto de
arrecadação, que é composto pelo inventário e pelo laudo de avaliação dos bens,
deve ser assinado tanto pelo Administrador Judicial, como pelo falido ou seus
representantes.
104
(vii) Apuração do montante do débito do falido.
Conforme o art. 7º da Lei de Falências, é encargo do Administrador
Judicial a verificação dos créditos, tendo por base os livros contábeis e
documentos comerciais e fiscais do devedor e os documentos apresentados pelos
credores.
Assim, decretada a falência, é publicado edital de convocação para que os
credores procedam à habilitação e ou apresentação de divergências de seus
créditos no prazo de 15 dias.
Após a publicação da relação de credores feita pelo Administrador
Judicial abre-se o prazo de 10 dias para impugnação de créditos que poderá ser
feita por qualquer credor, devedor e seus sócios e pelo Ministério Público, e caso
não haja impugnações, o Juiz deverá homologar o quadro geral de credores, e se
houver impugnações, o Juiz julgará cada uma delas. Após, será publicado o
Quadro Geral de Credores.
(viii) Praticar todos os atos necessários à realização do ativo e pagamento
dos credores.
A realização do ativo envolve o a venda dos bens que integram a
massa falida como cobrança de credores para ingresso de bens e valores que
efetivamente pertençam ao falido. Ressalta-se que o Administrador deve se
empenhar efetivamente para obter sucesso nesta etapa do processo falimentar,
mas ele somente pode negociar com devedores como oferecer abatimentos nos
valores, devidamente autorizado pelo Juízo, devendo ser ouvido o falido, bem
como o Comitê de Credores, se houver.
105
(viii) Requerer ao Juiz a venda antecipada de bens perecíveis,
deterioráveis ou sujeitos à desvalorização ou de conservação arriscada ou
dispendiosa.
(ix) Praticar os atos necessários à conservação de direitos e ações e à
cobrança de dívidas bem como dar a sua quitação.
(x) Remir bens apenhados, penhorados ou legalmente retidos em
benefício da massa falida, mediante autorização judicial.
(xi) Representar a massa falida em juízo, fazendo a contratação de um
advogado quando necessário.
Apenas o Administrador Judicial tem legitimidade para representar
judicialmente a massa falida. O próprio falido não poderá fazê-lo, sendo-lhe
permitido apenas figurar como assistente, conforme de depreende da decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja ementa se
transcreve abaixo:
FALÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ILEGITIMIDADE DA FALIDA PARA RECORRER DA
DECISÃO QUE DECRETA A INDISPONIBILIDADE DOS
BENS DOS SÓCIOS GERENTES E DOS
ADMINISTRADORES DA EMPRESA. 1. Carece a falida de
legitimidade processual para defender em juízo os interesses
dos sócios e administradores da empresa. 2. Caso em que,
decretada a indisponibilidade dos bens dos sócios-gerentes e
dos administradores da empresa, interpôs a falida agravo de
instrumento visando à cassação da decisão. 3. Decretada a
quebra, a empresa perde a personalidade jurídica, emergindo em
seu lugar a figura da massa falida. 4. Somente o
Administrador Judicial tem legitimidade para representar
ativa e passivamente a massa falida, podendo o falido, apenas,
106
figurar em juízo na condição de assistente da massa, nos feitos
em que esta seja parte ou interessada, tudo de acordo com o
disposto no inc. III do art. 12 do CPC combinado com a alínea n
do inc. III do art. 22 e parágrafo único do art. 103, ambos da Lei
n. 11.101/2005. 5. Negado seguimento ao recurso
147
.
(xii) Requerer todas as medidas e diligências necessárias ao cumprimento
da lei, à proteção da massa falida e à eficiência da administração.
(xiii) Apresentar ao juízo conta demonstrativa da administração,
especificando com clareza a receita e a despesa, para juntada aos autos até o
décimo dia do mês seguinte ao vencido.
(xiv) Entregar, quando for o caso, ao seu substituto todos os bens e
documentos da massa que estiverem sob seu poder, sob pena de
responsabilidade.
(xv) Prestar contas ao final do processo, ou quando de sua substituição,
destituição ou renúncia ao cargo.
4.5.6.4. Principais funções na Recuperação Judicial
O art. 22, II, alíneas a, b e c, da Lei elenca o rol de atribuições que o
Administrador Judicial tem na recuperação da empresa, conforme segue:
(i) Fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de
recuperação judicial.
147
Agravo de Instrumento n. 70019438241, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Des. Paulo Sérgio Scarparo, j. 26-4-2007.
107
(ii) Em caso de descumprimento do plano de recuperação judicial,
requerer a falência.
(iii) Apresentar ao Juiz relatório mensal das atividades do devedor, para
juntada aos autos, bem como relatório sobre a execução do plano de recuperação.
4.5.7 Remuneração
4.5.7.1. Remuneração na Falência e na Recuperação judicial das
empresas
O Administrador Judicial deve ser remunerado de forma satisfatória a fim
de que tenha interesse em realizar um bom trabalho. Como ressalta Trajano de
Miranda Valverde
148
: exercício de um cargo espinhoso, com responsabilidades
que avultam, seria dificilmente preenchível, não houvesse recompensa para seu
ocupante”.
Assim, as regras de remuneração do Administrador Judicial sofrem
algumas variações quer se trate de processo de falência ou de recuperação
judicial, conforme abaixo será esclarecido.
É o Juiz quem fixa o valor e a forma da remuneração do Administrador
Judicial, que deve ser paga pela massa falida. No caso da falência, a remuneração
será um percentual do valor da realização do ativo, que poderá atingir o limite
máximo de 5% do valor de venda dos bens. Isto significa que é o valor a ser pago
aos credores e o o valor da venda dos bens, pois neste caso, os bens teriam que
ser vendidos e, somente após a venda, a remuneração do Administrador poderia
ser realizada.
148
Comentários, Op. cit., v. 1, p. 424.
108
Serão reservados 40% do valor devido ao Administrador Judicial para ser
pago somente após a realização do ativo e conseqüente distribuição do produto
entre os credores, bem como terem sido aprovadas suas contas.
A lei, por seu turno, fixa alguns parâmetros para que o Juiz possa ter
como base para determinar a remuneração do seu auxiliar: (i) capacidade de
pagamento do devedor; (ii) grau de complexidade; (iii) valores praticados no
mercado para desempenho de atividades semelhantes.
O Administrador Judicial merece a remuneração compatível com o
desempenho do trabalho por ele realizado. Neste sentido transcreve-se trecho da
decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Ademais, o trabalho a ser realizado requer dedicação e
disponibilidade permanente, devendo-se atentar no sentido de
que a remuneração atribuída esteja em consonância ao serviço
desenvolvido
149
.
A diligência usada pelo Administrador Judicial é a qualidade do trabalho
por ele realizado durante o processo. Desta feita, o Administrador Judicial mais
diligente e competente, merece uma remuneração proporcionalmente maior
150
.
Observa-se que o crédito do Administrador Judicial, na nova lei, é
considerado extraconcursal, o que possibilita, na medida do possível, ser
remunerado pelo trabalho que exerce. Fábio Ulhoa Coelho
151
explica que como o
trabalho do Administrador Judicial beneficia o grupo de credores como um todo,
a lei determina que o pagamento de sua remuneração seja feito anteriormente a
qualquer outro pagamento feito pela massa.
149
Agravo de Instrumento n. 70019566058, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des.
Artur Arnildo Ludwig, j. 28-6-2007.
150
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 69.
151
Ibidem, p. 69.
109
Da decisão que fixa a remuneração do Administrador Judicial cabe
agravo, sendo legitimados para a interposição do recurso o Ministério Público, o
devedor ou qualquer credor. Waldo Fazzio Júnior
152
explica que a Lei de
Falências não dispõe acerca do agravo desta decisão judicial, mas se chega a esta
conclusão pela aplicação supletiva do Código de Processo Civil.
Conforme esclarecido no tópico acima, o Administrador Judicial pode
não fazer jus à remuneração, caso tenha renunciado ao encargo sem razão
relevante, tenham sido desaprovadas suas contas, tenha descumprido obrigações
legais, tenha sido destituído por desídia, culpa ou dolo. Caso tenha sido
substituído, por não ter caráter punitivo a substituição, deverá ser remunerado de
forma proporcional ao período em que prestou o serviço. Observa-se que se ele
renunciou de forma justificada, aplica-se esta última regra, ou seja, receberá
remuneração proporcional ao trabalho realizado.
O Juiz ao fixar a remuneração do Administrador Judicial na recuperação
judicial deve observar os mesmos vetores indicados na lei para a remuneração do
Administrador Judicial na falência. A única diferença é que a lei não mencionou
nada sobre o parcelamento, no entanto, parece razoável o entendimento de que
deve ser reservada certa quantia para pagamento somente após a prestação de
contas ao final do processo de recuperação.
Transcreve-se ementa de decisão proferida pela mara de Falências e
Recuperações do Estado de São Paulo, que trata do teto da remuneração bem
como do parcelamento do valor, conforme acima mencionado:
Administrador Judicial. Remuneração. Recuperação Judicial.
Auxiliar do Juiz. Inteligência dos artigos 24 e 63, I, da LRF.
Momento e critérios para fixação da remuneração total.
Possibilidade de o arbitramento ser realizado pelo Juiz, quando
152
Op. cit., p. 332.
110
do deferimento do processamento da recuperação. Fixação do
valor total, bem como da remuneração mensal, a ser paga pela
sociedade empresária a título de adiantamento. Aplicação dos
princípios constitucionais que limitam a remuneração dos
membros e servidores do Poder Judiciário, sob a óptica dos
postulados da proporcionalidade e razoabilidade. Teto máximo:
vencimentos de Desembargador de Tribunal de Justiça, haja
vista que o administrador é auxiliar do Juiz estadual. Reserva de
40% do montante total devido, para ser paga ao Administrador
Judicial após a prestação de contas e aprovação do relatório
final
153
.
Ainda, a remuneração deverá levar em conta o montante do
passivo da empresa em recuperação. É o que se depreende da decisão proferida
pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Recuperação Judicial - VARIG - Administrador Judicial -
Remuneração - Fixação - Dado o gigantismo do passivo das
empresas requerentes da recuperação, excessiva se assemelha a
fixação da remuneração do administrador em dois décimos por
cento (0,2%) do seu valor. Remuneração que se reduz à sua
exata expressão econômica e jurídica, para dois centésimos por
cento (0,02%). Recurso provido
154
.
4.5.7.2. Disposições comuns
As remunerações dos auxiliares (Administrador Judicial como qualquer
outra pessoa contratada para ajudar no bom andamento do processo) devem ser
pagas na falência pela massa falida e, na recuperação judicial, pelo devedor em
153
Agravo de Instrumento n. 420.655.4/6-00, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do
Estado de São Paulo, Relator: Des. Manoel Pereira Calças.
154
Agravo de Instrumento n. 2005.002.25685, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, Relator: Des. Jair Pontes de Almeida, j. 14-8-2007.
111
recuperação. Vale lembrar que estas remunerações não m natureza de salário,
uma vez que sua função não se constitui em vínculo empregatício em relação à
massa falida ou mesmo em relação ao devedor em recuperação
155
.
Os critérios previstos para a remuneração do administrador, quer na
falência ou na recuperação, precisam ser revistos, pois em grande parte dos feitos
falimentares, o administrador não recebe qualquer quantia para desempenhar
suas funções. Na Alemanha
156
uma tabela que estabelece critérios específicos,
assegurando uma remuneração adequada pelo trabalho realizado.
4.5.8. Responsabilidade do Administrador Judicial
As responsabilidades civil e penal do Administrador Judicial resultam da
função pública que ele representa, como mencionado no decorrer deste
capítulo.
Dessa forma, o Administrador Judicial responde civilmente pelos danos
que causar à massa falida, ao devedor ou aos credores em razão de
administração ou infração da lei, por dolo, culpa ou má-fé, que têm de ser
devidamente comprovados, pois se trata de responsabilidade subjetiva.
No
entanto, nem a autorização do Juiz da falência em relação a certo ato ou a
aprovação de sua prestação de contas poderá isentar de responsabilidade civil ou
penal o Administrador Judicial
157
.
155
Súmula 219/STJ: “Os créditos decorrentes de serviços prestados à massa falida, inclusive a
remuneração do síndico, gozam dos privilégios próprios dos trabalhistas”.
156
Dora Berger, A insolvência no Brasil e na Alemanha, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, Editor,
2001, p. 104-5.
157
Trajano de Miranda Valverde esclarece que: “tanto em matéria de responsabilidade civil como penal, a
autorização do Juiz não isenta o síndico de responsabilidade civil e penal, quando não ignorou o
prejuízo que de seu ato possa resultar para a massa ou quando infringir disposição da lei”
(Comentários à Lei de Falências cit., v. 1, p. 427/8).
112
Ademais, a Lei também prevê a responsabilidade penal do Administrador
Judicial, afirmando que este se equipara ao devedor falido para todos os efeitos
penais decorrentes da LRF, na medida de sua culpabilidade.
Além da legislação falimentar, o digo Tributário Nacional, em seu art.
134, prevê a responsabilidade do Administrador Judicial como responsável de
forma solidária pela tributação devida pela massa
158
.
Pontifica Fábio Ulhoa Coelho, que certo credor, individualmente, durante
o trâmite do processo falimentar, não poderá ingressar com ação de
responsabilização contra o Administrador Judicial, pois não pode separar seu
interesse da comunidade de credores, faltando-lhe, portanto, interesse jurídico
para esta ação. Até o fim do processo de falência, o credor individualmente
apenas poderá pedir a destituição do Administrador Judicial. Ocorrendo a
destituição, então, a massa falida, por meio do novo Administrador Judicial, é
que poderá demandar contra o antigo. Caso isto não ocorra, o credor individual,
que foi prejudicado com a administração ou infração à lei, apenas poderá
ingressar com a ação de responsabilização após o fim do processo falimentar,
desde que tenha pedido sua destituição durante o processo, caso contrário, não
terá legitimidade para tanto
159
.
4.5.9. Prestação de Contas
Ao fim de suas atividades o Administrador Judicial deverá delas prestar
contas uma vez que administra bens de terceiros, sendo que referidas contas
serão prestadas em autos apartados e, ao final, apensadas aos autos da falência.
158
Amador Paes de Almeida. Op. cit., p. 208.
159
Curso, Op. cit., p. 279.
113
Existem três diferentes prazos legais para o Administrador Judicial
proceder à prestação de contas, dependendo de como se dá o fim de suas funções.
O primeiro, que ocorre ao final normal do processo de falência, até trinta dias da
conclusão da realização do ativo. O segundo, em caso de substituição, destituição
ou renúncia do cargo, as contas deverão ser apresentadas em 10 dias da data da
ocorrência do evento. O terceiro, se quando o administrador receber valores
durante o exercício de seu cargo, e portanto deverá prestar contas demonstrativas
até o décimo dia do mês vencido
160
161
.
Caso haja desobediência aos prazos acima assinalados, que são
legalmente determinados, o Administrador Judicial será intimado pessoalmente a
prestar contas em cinco dias, sob pena de desobediência, podendo ser destituído e
perder a totalidade de sua remuneração.
A prestação de contas será julgada sendo que interessados podem
impugná-las no prazo de dez dias. Decorrido o prazo e realizadas as diligências
necessárias para a apuração dos fatos, o Juiz intimará o Ministério Público para
se manifestar no prazo de cinco dias e após, o administrador será ouvido nos
casos que houver impugnação ou parecer contrário do Ministério Público. Então,
o Juiz julga as contas apresentadas. Caso rejeite as contas apresentadas pelo
Administrador Judicial, o Juiz poderá determinar a indisponibilidade ou o
seqüestro de seus bens na sentença que rejeitar suas contas, nos termos do artigo
155, parágrafos 1º ao 6º da lei.
160
Ricardo Negrão. Aspectos, Op.cit., p. 104.
161
Fábio Ulhoa Coelho explica: “A prestação de contas poderá ocorrer de duas formas: ordinariamente,
ao fim do processo de falência ou recuperação judicial; e extraordinariamente, quando o Administrador
Judicial deixa suas atividades por destituição, substituição ou renúncia” (Curso de direito comercial,
Op. cit., p. 279).
114
5. ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES
5.1. Evolução histórica da Assembléia de Credores no Brasil – breve
síntese
A Assembléia de Credores, no Brasil, conforme explica Jairo Saddi
162
,
passou a existir a partir do Código Comercial de 1850, sendo que o processo
falimentar possuía duas assembléias, e, na primeira, era apresentado um relatório
sobre o estado da falência e suas circunstâncias, com apresentação de lista e
relação dos créditos e a proposta de formação de uma comissão para verificação
da procedência da lista de credores. A segunda assembléia tinha o objetivo de
deliberar sobre a concessão de concordata ou forma de liquidação dos ativos,
após a conclusão da apresentação dos pareceres da comissão verificadora eleita
na primeira assembléia.
Por seu turno, a Lei n. 3.065 de 1882 introduziu alterações no sistema
anterior, determinando que a aprovação da concordata suspensiva ocorresse pela
maioria presente na Assembléia e não mais pela totalidade dos credores do
falido
163
.
A Lei n. 2.024 de 1908 atribuiu à Assembléia de Credores funções de
importância no processo falimentar. O Juiz marcava o dia e a hora para a
realização da primeira Assembléia na sentença declaratória e nela se verificavam
os créditos, discutia-se o relatório do síndico, elegia-se o liquidatário ou votava-
se sobre a concordata. Outras Assembléias, além desta primeira, poderiam ser
convocadas, através de requerimento ao Juiz, de credores que representassem
mais de um quarto dos créditos admitidos à falência
164
.
162
O Comitê, in Direito Falimentar, Op. cit., p. 200.
163
Ibidem. p. 200.
164
Trajano de Miranda Valverde. Comentários, Op. cit. 4. ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1996, v.
2, p. 152.
115
A única modificação introduzida no sistema mencionado pelo Decreto
5.746 de 1929 foi a retirada da Assembléia da parte final do processo de
verificação e classificação dos créditos declarados. Apesar de ser órgão de
interesse dos próprios credores, nunca teve bom funcionamento, sendo que eles
acabavam deixando a atuação do processo falimentar nas mãos dos demais
órgãos da administração da falência, como o síndico (na maior parte das vezes
não era credor, como esclarecido no decorrer deste trabalho), ou do Ministério
Público. O Decreto 7.661/45 manteve a Assembléia de Credores mas
praticamente nulificou-a, utilizando a expressão de Miranda Valverde.
Cumpre ressaltar que tal decreto acabou reduzindo a participação dos
credores bem como aumentou a atuação do Juiz, uma vez que a concordata
passou a ser um “favor legal” concedido pelo Estado ao comerciante que
preenchesse certos requisitos determinados na lei de falências, perdendo, dessa
forma, a natureza contratual vigente na sistemática anterior
165
.
O antigo diploma legal que disciplinava a falência, o Decreto-Lei
7.661/45, cuidava da Assembléia de Credores em apenas dois artigos,
respectivamente, arts. 122 e 123. De forma abreviada, a sistemática funcionava
da seguinte maneira: a convocação da Assembléia era feita pelo Juiz, e credores
que representassem mais de um quarto do passivo habilitado poderiam requerer
tal Assembléia. Cabia, ainda, ao síndico publicar edital para a convocação dos
credores, com antecedência de 8 dias, designando local, dia e hora.
A Assembléia deveria decidir em termos precisos sobre o modo de
realização do ativo, mas lhe era vetado deliberar de forma contrária aos termos
previstos na própria lei de falências. Ademais, se o síndico já houvesse iniciado a
venda dos bens, a deliberação da Assembléia não atingiria os atos praticados,
suspendendo-se o sistema por ele adotado até a deliberação final da Assembléia
de Credores.
165
Jorge Pereira Andrade. Manual de falências e concordatas, 3. ed., São Paulo: Atlas, p. 198.
116
Referida Assembléia era presidida pelo Juiz, devendo o síndico estar
presente. As decisões eram tomadas por maioria calculada sobre a importância
dos créditos presentes. Se houvesse empate, prevalecia a decisão do grupo que
reunisse maior número de credores.
O escrivão lavrava ata do ocorrido na Assembléia, contendo o nome dos
presentes e assinada pelo Juiz. Havia lista de presença cujos credores deveriam
assinar, e, com a ata, era juntada aos autos da falência.
A lei previa a possibilidade de credores que representassem 2/3 dos
créditos autorizarem outra forma qualquer de liquidação do ativo da falida, bem
como poderiam organizar a sociedade para a continuação do negócio do falido,
ou ainda, autorizar o síndico a ceder o ativo a terceiros. Referidas decisões
poderiam, nos termos do decreto, ser tomadas em Assembléia ou por instrumento
público ou particular. Sendo que a deliberação dos credores dependia de
homologação do Juiz, e contra ela cabia agravo de instrumento.
5.2. A Assembléia de Credores na Lei n. 11. 101/2005
5.2.1. Noções Introdutórias
Assembléia é uma reunião de pessoas quem algum interesse em comum
com a finalidade de discutir e deliberar sobre certos assuntos. Assim, segundo
Jairo Saddi
166
, a Assembléia tem natureza deliberativa e natureza de exercício de
poder.
É possível afirmar ser a Assembléia de Credores “um órgão”, uma vez que
ela age no interesse coletivo da comunhão de credores. Por meio de suas
166
O Comitê, in Direito Falimentar, Op. cit., p. 203.
117
deliberações a Assembléia forma e expressa a vontade da coletividade de
credores, quer no processo falimentar, quer no processo de recuperação judicial.
A Assembléia, órgão colegiado, é constituída para que os credores
reunidos possam expressar suas vontades, sendo, desta forma, importante sua
realização, que será sempre precedida de convocação regular e instalada na forma
da lei, para que os interesses divergentes dos credores sejam mitigados em prol
de um interesse comum. Dessa forma, os credores podem examinar, debater e
deliberar as matérias previstas no art. 35, I e II, da Lei 11.101/2005, que são de
sua competência exclusiva.
Diferentemente da Assembléia de Credores tratada pelo Decreto-Lei
7.661/45, a lei atual lhe trouxe novos contornos ao atribuir-lhe maiores poderes.
Fato este nitidamente verificável, tendo em vista que a Lei 11.101/2005 reservou
uma “Seção” inteira (Seção IV, arts. 35 a 46) para tratar sobre a Assembléia
Geral de Credores. Além disso, outros dispositivos nesta lei cuidam, também,
deste importante órgão.
Observa-se que a Assembléia Geral de Credores o é uma criação da
nova Lei de Falências, pois, como mencionado anteriormente, já existia em nosso
sistema, inclusive na vigência do Decreto-Lei 7.661/45. Cabe dizer, também, que
esse órgão, a Assembléia, no passado o demonstrou atrativos aos credores,
visto que estes não descobriram nenhuma vantagem real com a sua composição
e, assim, acabou “caindo” em desuso
167
.
167
Manoel Justino Bezerra Filho assevera: “Esta tentativa de introdução da assembléia de credores na Lei
de Recuperação e Falências não traz, em verdade, uma novidade, pois a lei anterior previa, desde
sua promulgação em 1945, a formação de assembléia-geral de credores, como se pode verificar dos
arts. 122 e 123 daquele diploma. No entanto, o desinteresse dos credores sempre foi tão acentuado em
formação de assembléias, que estes artigos caíram no esquecimento, sendo desconhecidos até por
muitos daqueles que atuam neste campo do direito. Não é possível saber ainda se, com o novo
diploma, será despertado o interesse das partes pela assembléia também cairá no esquecimento. São
aspectos que, como toda lei com características de codificação esta Lei seria o código das
recuperações e falências –, apenas o tempo esclarecerá” (Op. cit., p. 110)
118
Jorge Lobo
168
, ao explicar os motivos pelos quais a assembléia geral de
credores não foi utilizada no passado durante a vigência de leis anteriores que
disciplinavam a falência, menciona, dentre eles, o absenteísmo nas Assembléias,
os resultados insatisfatórios obtidos nos conclaves, bem como despesas vultosas
despendidas com a convocação e realização das Assembléias.
5.2.2. Regime jurídico aplicável à Assembléia de Credores
Para analisar algumas questões relativas à Assembléia de Credores, órgão
trazido pela atual lei de falências e recuperação de empresas com “nova
roupagem”, é necessário a utilização de conceitos do direito societário, uma vez
que estudos bem aprofundados foram realizados no tocante às assembléias de
acionistas nas sociedades anônimas como nas assembléias de sócios nas
sociedades limitadas, tanto que serão abordados de forma sucinta alguns pontos
interessantes e correlatos existentes nas referidas Assembléias, no decorrer do
trabalho.
Assim, surge, primeiramente, a seguinte questão: na ausência de
disciplina referente à Assembléia-Geral de Credores prevista na Lei n.
11.101/2005, de se observar supletivamente os dispositivos do Código Civil
168
“A Assembléia Geral de Credores sempre foi um órgão contestado, em virtude: a) da inconcussa
autotutela, inspirada no Direito Romano, dos próprios direitos e interesses; b) das dificuldades práticas
de reunir expressivo número de credores, sobretudo quando têm domicílio e sede fora do juízo da
falência e da concordata; c) da indiferença da maioria dos credores, o que leva a um absenteísmo
crônico; d) da incapacidade dos credores de exercer uma eficiente verificação dos atos dos
administradores da falida e da concordatária e até mesmo do cumprimento, pelo síndico e pelo
comissário, de suas relevantes funções e atribuições; e) das vultosas despesas de convocação,
instalação e realização; f) dos pífios resultados dos conclaves etc. As acerbas e reiteradas críticas à
assembléia gral de credores repercutiram nas legislações de diversos países, como p.ex. na França, em
que o interesse coletivo do reerguimento prevalece sobre os indivíduos dos credores e pode ser
exercido pelo ‘representante dos credores’ (mandataire), após ouvir, individualmente, cada credor; na
Itália, em que a participação dos credores é mínima no procedimento administrativo extraordinário de
grandes empresas (...); no México, que dispensa reunião de credores quando assinado o convênio (...);
na Argentina, em que a aprovação pela ‘Junta de acreedores’ foi suprimida pela Lei 24.522, de 20-07-
1995” (Jorge Lobo, Lei de Recuperação de Empresas e Falência, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 84-5).
119
de 2002 referentes às Sociedades Limitadas, ou aqueles previstos na Lei das
Sociedades Anônimas – Lei n. 6.404/1976?
Inicialmente importa discorrer brevemente sobre a questão da antinomia
jurídica, bem como deve ser a aplicação do novo ordenamento em conjunto com
as leis especiais em vigor.
Ao concebermos o ordenamento jurídico como um sistema aberto haverá
espaço para o surgimento de lacunas. É possível dizer que antinomia ou lacuna
de conflito é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de
autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em
determinado caso concreto.
Entre as várias classificações das antinomias, destacam-se a existência de
antinomias reais, isto é, antinomias insolúveis, para as quais não há, no
ordenamento, qualquer regra pronta para a solução do caso concreto. Isso não
significa que incide o non liquet para a hipótese, apenas que cada caso precisa ser
decidido de forma particular. As antinomias aparentes, por sua vez, são aquelas
para as quais o ordenamento encontra forma sistêmica de solução
169
.
Dentre os diversos critérios de solução das antinomias, citamos:
(i) O critério hierárquico, por meio do brocardo lex superior derogat legi
inferiori (norma superior revoga inferior), de forma a sempre prevalecer a lei
superior no conflito.
(ii) O critério cronológico, exprimido pela expressão latina lex posterior
derogat legi priori (norma posterior revoga anterior), conforme expressamente
prevê o art. 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil.
169
Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, Op. cit., v. 7, p. 14.
120
(iii) O critério da especialidade, por meio do postulado lex specialis
derogat legi generali (norma especial revoga a geral), visto que o legislador, ao
tratar de maneira específica de um determinado tema o faz, presumidamente,
com maior precisão.
Dos três critérios acima, o cronológico, constante do art. da LICC, é o
mais fraco de todos, sucumbindo diante dos demais
170
. O critério da
especialidade é o intermediário e o da hierarquia o mais forte de todos, tendo em
vista a importância do Texto Constitucional, em ambos os casos. Superada essa
análise, interessante visualizar a classificação das antinomias conforme esquema
a seguir
171
:
(i) Antinomia de grau: conflito de normas que envolve apenas um dos
critérios acima expostos.
(ii) Antinomia de grau: choque de normas válidas que envolve dois dos
critérios antes analisados.
Assim, ocorrendo a possibilidade ou não de resolução, conforme os
critérios de solução de conflito, é pertinente a seguinte visualização:
(i) Antinomia aparente: situação em que há critério para solução de
conflito.
(ii) Antinomia real: situação em que não critério para solução de
conflito, pelo menos inicial, dentro dos que foram anteriormente expostos.
170
Tércio Sampaio Ferraz Jr. Introdução ao estudo do direito, 2. ed., São Paulo: Atlas, 1994, p. 212.
171
Maria Helena Diniz. Compêndio de introdução à ciência do direito, 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 472.
121
De acordo com essas classificações, devem ser analisados os casos
práticos em que estão presentes os conflitos:
No caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a
primeira, pelo critério cronológico (art. da LICC), caso de antinomia de
primeiro grau aparente.
Norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial que é o
critério da especialidade, outra situação de antinomia de primeiro grau
aparente.
Havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalece a
primeira, pelo critério hierárquico, também situação de antinomia de
primeiro grau aparente.
Estes são os casos de antinomia de primeiro grau, todos de antinomia
aparente, visto que solução, dentro das meta-regras para o conflito. No que se
refere às antinomias de segundo grau:
Em um primeiro caso de antinomia de segundo grau aparente, quando se
tem um conflito de uma norma especial anterior e outra geral posterior,
prevalecerá o critério da especialidade, valendo a primeira norma.
Havendo conflito entre norma superior anterior e outra inferior posterior,
prevalece também a primeira (critério hierárquico), outro caso de
antinomia de segundo grau aparente.
Com base nos estudos sobre as antinomias acima descrito, conclui-se que
as regras a serem aplicadas à assembléia-geral de credores na falência ou
recuperação de empresas, em caso de lacuna ou omissão da Lei 11.101/2005, são
aquelas previstas no Código Civil e o na Lei 6.404/76. Estas últimas têm por
122
objetivo regular o funcionamento específico da Assembléia Geral nas sociedades
anônimas, ao passo que o Código Civil, por ser norma geral, é aplicável à ampla
gama de atos e fatos que ocorrem na vida civil. É possível afirmar que, na falta
de dispositivo específico na Lei 11.101/2005, deve-se, primeiramente, aplicar as
regras gerais contidas no Código Civil referentes ao tema e, caso não seja
possível referida aplicação por ausência de normas pertinentes, poderão ser
utilizadas, por analogia, normas correlatas existentes em outra lei especial, no
caso, a Lei 6.404/76.
5.3. Características
5.3.1. Órgão da recuperação judicial e da falência
A Assembléia de Credores, por força da Lei n. 11.101/2005, tem previsão
para deliberar na recuperação judicial e na falência. Referido órgão, portanto, não
tem atuação na recuperação extrajudicial bem como na recuperação judicial de
microempresas ou empresas de pequeno porte que optem pelo plano especial
previsto na Seção V, da referida Lei
172
.
A Assembléia Geral de Credores é um órgão que pode estar presente no
processo falimentar, como no de recuperação judicial, conforme visto
anteriormente, e toma decisões no interesse da comunhão de credores que a elas
ficam inexoravelmente vinculados, ou seja, tanto àqueles que votaram
172
“Na Nova Lei, a Assembléia Geral de Credores tem por atribuição deliberar tão-somente sobre dois
institutos: a recuperação judicial e a falência. Na recuperação extrajudicial não há Assembléia de
Credores, ao menos não do ponto de vista formal, por ser, como o nome diz, extrajudicial, um acordo
dos interessados sem a necessidade de interferência do Estado. Aliás, não é à toa que, no texto legal, a
Assembléia de Credores faz parte do segundo capítulo da Lei Falimentar, denominado “Disposições
comuns à Recuperação Judicial e à Falência”, em cuja quarta seção se cuida exatamente do tema”
(Jairo Saddi, O Comitê e a Assembléia de Credores na nova Lei Falimentar, in Direito Falimentar, Op.
cit., p. 203).
123
favoravelmente à decisão, os contrários à decisão por maioria, os que se
abstiveram e, inclusive os ausentes
173
.
Conforme transcrição da ementa abaixo, verifica-se o entendimento do
Tribunal de Justiça de São Paulo no tocante à importância da Assembléia de
Credores na nova lei de falência:
Uma das maiores alterações promovidas pela Lei
11.101/2005, na órbita do direito falimentar, foi a outorga de
novo e relevante papel para a Assembléia-Geral de Credores,
que, tanto no processo de falências como no de recuperação
judicial é soberana em determinadas deliberações do interesse
da massa falida ou dos credores da empresa sob recuperação
174
.
Na atual sistemática a Assembléia de Credores, não se realiza em sede de
juízo tampouco é presidida pelo Juiz, mas sim pelo Administrador Judicial, e
secretariada por um dos credores presentes, e não por um auxiliar da justiça,
podendo, ainda, ser realizada em qualquer local que o Administrador Judicial
escolher, não se configurando, desta forma, como um ato processual. A ata será
redigida por credor escolhido e não por serventuário e assinada pelo
Administrador Judicial e por número suficiente de credores, não pelo Juiz que,
atualmente, não preside mais a assembléia de credores, e o exame, a discussão e
a deliberação das matérias são atos extraprocessuais e não processuais.
A presença do devedor na Assembléia como regra não é obrigatória, no
entanto, no caso de deliberação para modificação do plano de recuperação
apresentado, nos termos do art. 56, § 3º, da Lei, é indispensável sua
concordância. O credor pode comparecer pessoalmente ou ser representado por
qualquer pessoa, não necessariamente por um advogado bem como as
173
Jorge Lobo. Comentários, Op. cit., p. 93.
174
Agravo de Instrumento n. 471.334.4/0-00, mara Especial de Falências e recuperação Judicial de
Empresas, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Des. Pereira Calças, j. 30-5-2007.
124
procurações outorgadas pelos credores aos seus mandatários são ad negotia e não
ad judicia, e devem ser entregues ao Administrador Judicial.
Em outros países a situação é diferente, como ocorre na Itália em que a
Assembléia Geral que ocorre durante a concordata preventiva é presidida pelo
Juiz, nos termos do art. 174 do Codice del Fallimento e, em Portugal, a
Assembléia também é presidida pelo Juiz, conforme previsto no art. 74 Código
da Insolvência e Recuperação de Empresas.
No direito Brasileiro, segundo Jorge Lobo
175
, o devedor e seus
administradores se forem convidados pelos credores ou convocados pelo juízo da
falência devem estar presentes, diversamente ocorre na Itália em que, como
regra, o devedor deve comparecer pessoalmente na Assembléia e somente em
caso de total impossibilidade (grave impedimento) é permitido a nomeação de
um procurador que o represente (art. 174, Codice del Fallimento). Assim também
ocorre em Portugal, cuja lei estabelece no parágrafo 5º, do art. 72, que o devedor
tem o dever e o direito de participar de conclave.
5.3.2. Órgão colegiado facultativo
A Assembléia Geral de Credores é um órgão colegiado não obrigatório,
pois seu funcionamento é facultativo, tendo em vista que se não houver qualquer
objeção ao plano de recuperação apresentado, não haverá convocação da
Assembléia, nos termos da lei em vigor.
O artigo 56, caput, da Lei de Falências é claro ao dispor que o Juiz
convocará assembléia-geral de credores se houver objeção de qualquer credor ao
plano de recuperação apresentado. Neste caso, o Juiz tem o dever de convocar tal
Assembléia. No entanto, ao interpretar contrario sensu, tal dispositivo legal,
175
Comentários, Op. cit., p. 37.
125
verifica-se que não havendo objeções ao plano, o Juiz não precisa convocar a
assembléia.
Entendo que isto não significa que o magistrado está impedido de
convocar a Assembléia em questão, mas é uma faculdade a ele outorgada por lei,
tratando-se, portanto, de ato discricionário. Ele pode ou não convocá-la quando
ocorrer a situação mencionada, dependendo da análise concreta do plano
apresentado.
O Juiz deve, inicialmente, verificar se o plano contém os documentos
exigidos no art. 53 e incisos, bem se ele está em conformidade com os
parâmetros legais, ou seja, (i) se o prazo para pagamento dos créditos trabalhistas
ou acidentários vencidos até a data do pedido da recuperação não é superior a um
ano; (ii) se o prazo fixado para os créditos de natureza estritamente salarial
vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação, até o limite de
cinco salários mínimos, não ultrapassa trinta dias; (iii) tratamento paritário entre
credores de uma mesma classe; (iv) infração à lei, dentre outros. Ultrapassada
essa fase, o Juiz avaliaas reais possibilidades de recuperação da empresa em
crise, por meio do plano apresentado em juízo pelo devedor. Esta análise é muito
complexa e depende, necessariamente, de auxílio de especialistas, conforme
abaixo melhor será esclarecido este ponto.
A Lei n. 11.101/2005 é clara ao dispor no art. 47 os objetivos
fundamentais que norteiam o novo instituto inserido ao sistema pátrio, a
recuperação de empresas, tendo em vista a preservação da empresa, o estímulo da
atividade econômica, bem como a promoção da função social das atividades
empresárias, mas, quando a irrecuperabilidade é verificada, a falência deve ser
decretada.
Assim, caso o Juiz tenha dúvidas acerca desta viabilidade, mesmo sem
objeções por parte dos credores em relação ao plano, o Juiz pode e, muitas vezes
126
deve, convocar a Assembléia, justamente para que aqueles que têm interesse
direto, ou seja, os próprios credores, por serem os primeiros que sentem os
efeitos da crise que a empresa devedora está passando, deliberem em conjunto
sobre o destino da empresa requerente. Assim, terão a oportunidade de analisar
com mais cautela os detalhes e propostas constantes do plano para, então, decidir
sobre ele.
Por outro lado, o Juiz deve levar em conta a condição econômica da
requerente, uma vez que gastos para a convocação e realização da assembléia
que correm por sua conta, bem como evitar que o processo demore mais do que o
necessário, tendo em vista o princípio da celeridade, que deve nortear o processo
falimentar e a recuperação das empresas. Assim, presentes estas situações e não
havendo objeções ao plano por parte dos credores, o Juiz deve homologá-lo, nos
termos do art. 58 da Lei de Falências.
Fábio Ulhoa Coelho
176
, no entanto, afirma que apesar da Assembléia de
Credores poder ser dispensada no processo falimentar, no processo de
recuperação judicial esta é obrigatória pois tem competência para tratar de
questões relevantes a ele relacionadas. Conclui o autor da seguinte maneira: “Se
a falência pode-se processar sem a Assembléia de credores, a recuperação
judicial (ressalvada a das microempresas ou empresas de pequeno porte)
simplesmente não tramita sem a atuação desse colegiado”.
Verifica-se que na Comarca da Capital, nas varas especializadas, nos
poucos casos de recuperação judicial em que não foram apresentadas objeções
por parte dos credores, os juízes homologaram o plano, sem adentrar no mérito,
uma vez que o silêncio dos credores significa, em tese, uma aprovação implícita.
176
Comentários, Op. cit., p. 88.
127
Salienta-se que, na maior parte das recuperações judiciais propostas em
São Paulo, Capital, foram apresentadas objeções, assim, naturalmente, houve
convocação e realização de Assembléia de Credores para discussão do plano,
exatamente como a lei prevê.
Conclui-se que, apesar da enorme importância da assembléia de credores
nos moldes traçados pela Lei 11.101/2005, bem como a possibilidade de ampla
participação dos credores nas decisões de fundo, o que não era possível na
vigência do Decreto-Lei 7.661/45, trata-se de órgão facultativo, mesmo no
processo de recuperação de empresas, conforme esclarecido anteriormente,
quando não houver objeção de credores em relação ao plano apresentado pelo
devedor.
5.4. Soberania das decisões assembleares e o princípio da preservação
da empresa
A crise econômico-financeira, na atual sistemática, é tratada como
situação transitória, temporária e merecedora de uma oportunidade de
readequação ao mercado. Assim, a recuperação judicial é um procedimento
destinado a sanear a situação de crise econômico-financeira do devedor,
salvaguardando a manutenção da fonte produtora, do emprego de seus
trabalhadores e os interesses dos credores, com o objetivo de realização da
função social da empresa.
A empresa, hoje, exerce função muito relevante na sociedade
possibilitando empregos, criando divisas, arrecadando tributos, dentre outras
funções de extrema importância. Em função disso, a atual lei traz a possibilidade
da recuperação empresarial sobre decretação da falência, buscando recuperar
empreendimentos produtivos e, ao mesmo tempo, eliminar do mercado
atividades irrecuperáveis.
128
A tendência atual é a de evitar a falência das atividades empresárias, no
entanto, quando não há outra solução, a decretação da falência deve ocorrer.
Como bem explica bio Ulhoa Coelho
177
, nem sempre uma atividade
econômica merece ser recuperada, algumas, dependendo da análise que será
177
Curso, Op. cit., p. 382-5:
“O exame da viabilidade deve ser feito, pelo Judiciário, em função de vetores como os seguintes:
a) Importância social. A viabilidade da empresa a recuperar não é questão meramente técnica, que
possa ser resolvida apenas pelos economistas e administradores de empresa. Quer dizer, o exame da
viabilidade deve compatibilizar necessariamente dois aspectos da questão: não pode ignorar nem as
condições econômicas a partir das quais é possível programar-se o reerguimento do negócio, nem a
relevância que a empresa tem para a economia local, regional ou nacional. Assim, para merecer a
recuperação judicial, o empresário individual ou a sociedade empresária devem reunir dois atributos:
ter potencial econômico para reerguer-se e importância social. Não basta que os especialistas se
ponham de acordo quanto à consistência e factibilidade do plano de reorganização sob o ponto de
vista técnico. É necessário seja importante para a economia local, regional ou nacional que aquela
empresa se reorganize e volte a funcionar com regularidade; em outros termos, que valha a pena para
a sociedade brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida de recuperação de empresa não
derivada de solução de mercado.
b) o-de-obra e tecnologia empregadas. No atual estágio de evolução das empresas, por vezes esses
vetores se excluem, por vezes se complementam. Em algumas indústrias, quanto mais moderna a
tecnologia empregada, menor a quantidade de empregados e maior a qualificação que deles se exige.
No setor de serviços, como os de telemarketing por exemplo, a relação é direta entre modernidade
tecnológica e volume de mão-de-obra. A equação relacionada a esses vetores no exame da viabilidade
da empresa, por isso, nem sempre é fácil de sopesar porque pode redundar um círculo vicioso: a
recuperação da empresa tecnologicamente atrasada depende de modernização, que implica o fim de
postos de trabalho e desemprego; mas se não for substituída a tecnologia em atenção aos interesses
dos empregados, ela não se reorganiza.
c) Volume do ativo e passivo. O exame da viabilidade da empresa em crise começa pela definição da
natureza desta. Se a crise da empresa é exclusivamente econômica, as medidas a adotar dizem respeito
à produção ou ao marketing. Se financeira, pode exigir a reestruturação do capital ou corte de custos.
Quando a crise é só patrimonial, deve-se avaliar se o endividamento do devedor é preocupante ou não.
Na medida em que se intercombinam as crises, a recuperação passa a depender de soluções mais
complexas. O volume do ativo e passivo do de quem explora a empresa a recuperar é importante
elemento da análise financeira de balanço, que se faz comparando pelo menos dois demonstrativos
dessa espécie.
d) Tempo da empresa. Na aferição da viabilidade da empresa, deve-se levar em conta a quanto tempo
ela existe e está funcionando. Novos negócios, de pouco mais de dois anos por exemplo, não devem
ser tratados da mesma forma que os antigos, de décadas de reiteradas contribuições para a economia
local, regional ou nacional. Isso não quer dizer, ressalto, que apenas as empresas constituídas há muito
tempo podem ser objeto de recuperação judicial. Pelo contrário, novas ou velhas, qualquer empresa
viável que atenda aos pressupostos da lei pode ser recuperada. O maior ou menor tempo de
constituição e funcionamento, porém, influi no peso a ser concedido aos demais vetores relevantes.
Em outros termos, empresas muito jovens devem ter acesso à recuperação judicial se o potencial
econômico e a importância social que apresentam forem realmente significativas.
e) Porte econômico. Por fim, o exame de viabilidade deve tratar do porte econômico da empresa a
recuperar. Evidentemente, não se de tratar igualmente as empresas desprezando o seu porte. As
medidas de reorganização recomendadas para uma grande rede de supermercados certamente não
podem ser exigidas de um lojista microempresário. Por outro lado, quanto menor o porte da empresa,
menos importância social terá, por ser mais fácil sua substituição”.
129
efetivada pelo Poder Judiciário, devem ser saneadas, pois sua continuidade
causaria maiores danos à sociedade.
Percebe-se que a premissa maior do instituto é a reestruturação da
empresa que se encontra numa situação difícil, mas não irremediável, por meio
da elaboração e apresentação de um plano de recuperação pelo devedor e
devidamente aprovado por uma Assembléia de Credores. A lei destaca, ainda, o
importante significado da função social da empresa, bem como quer preservar o
crédito.
Os credores de uma empresa devedora atuam de forma decisiva na
recuperação da atividade, na medida em que as condições propostas no plano
dependem de seu consentimento, ou seja, sua aprovação.
A seguinte indagação deve ser feita: Quem tem condições para avaliar a
real possibilidade de recuperação da empresa em crise, o magistrado? Os
credores?
Juiz não possui esta formação nem os credores, como regra. O Juiz pode
contar com a colaboração de auxiliares, como os peritos judiciais, que levam
subsídios para que ele possa fundamentar suas decisões e, por sua imparcialidade
e baseado no parecer de seu auxiliar, deve tentar dar o melhor encaminhamento
ao processo, procurando preservar a empresa, de acordo com a análise realizada
acerca da viabilidade da atividade em questão.
Porém, de outro lado, os credores, de maneira geral, pretendem
exclusivamente receber seus créditos, não se importando, num primeiro
momento, se a empresa tem efetivamente condições de se recuperar.
130
Difícil generalizar, porém a regra é que o credor pretende, acima de tudo,
o recebimento do seu crédito e não efetivamente a recuperação da empresa
devedora. Alguns credores (como os trabalhistas que m interesse na
manutenção de seus postos de trabalho), ou ainda outras espécies de credores que
dependem da continuidade da atividade que se encontra em crise para sua própria
sobrevivência. Os demais pretendem exclusivamente o recebimento de seus
créditos.
Seguindo este raciocínio, se os credores em Assembléia podem deliberar
sobre o plano, corre-se o risco de não ser aprovada tal proposta em virtude de
interesses particulares de certo número de credores que preferem a falência da
sociedade requerente da recuperação, pois verificam que podem ter maiores
chances de receber seus créditos no processo falimentar do que da maneira
prevista no plano apresentado. E não se pode dizer, nessas circunstâncias, que o
credor que assim agisse, estaria abusando de seu direito, pois me parece que ele
estaria exercitando regularmente um direito que lhe cabe e lhe é legitimo o
direito de voto na Assembléia de Credores.
E os princípios da lei? Como equilibrar interesses dos credores com o
soerguimento da empresa?
Sugiro duas alternativas para a solução do impasse:
A primeira hipótese, seria a criação pelo Estado de um órgão específico
para proceder a esta análise, sendo composto por profissionais especializados em
gestão e recuperação de empresas. Este órgão seria custeado pelas próprias
sociedades empresárias, incluindo-se também os empresários individuais que
pagariam uma taxa à Junta Comercial do Estado, justamente para este fim.
Dessa forma, todos os exercentes de atividades empresárias (sociedades
empresárias e empresários individuais) contribuiriam com a sua classe, pois
131
qualquer um pode chegar a uma situação de crise e se socorrer do instituto da
Recuperação Judicial das Empresas, recém-ingressado no sistema brasileiro.
Seria algo interessante para os próprios empresários que não correriam o risco de
ter decretada sua falência quando a atividade poderia ser recuperada nos termos
do parecer proferido por órgão especializado.
Assim, o parecer do órgão especializado auxiliaria tanto na decisão
judicial como na própria decisão dos credores acerca da real possibilidade de
reerguimento da atividade. A decisão do Juiz ou da Assembléia de Credores, no
entanto, não ficaria vinculada ao parecer, mas este serviria de subsídio para que o
Juiz afastasse eventual decisão de rejeição do plano com a decretação da quebra,
dando a oportunidade para a recuperação da empresa.
Na atual lei, o devedor empresário em crise requer sua recuperação e
apresenta um plano por ele elaborado, na maior parte das vezes com auxílio de
especialistas na área e os credores poderão aprová-lo, rejeitá-lo ou modificá-lo.
Nesta sistemática, muitas vezes o princípio da preservação da empresa bem como
os objetivos pretendidos pela Lei 11.101, podem ficar mitigados em prol de
interesses pessoais dos credores.
É compreensível que a lei atual tenha deixado tanto poder de decisão nas
mãos dos credores tendo em vista que na antiga lei, a sistemática adotada no
procedimento da concordata causou imensos prejuízos para eles. Mas não se
pode olvidar que o art. 47 prevê princípios que norteiam a Lei 11.101.
Princípio é sempre o início de alguma coisa, pressupõe sempre uma base
que estrutura o todo (sistema), funcionando como sua pedra angular.
Como bem explica Geraldo Ataliba
178
, o sistema jurídico pode ser
comparado com um edifício e que o jurista consegue enxergá-lo de forma
178
Geraldo Ataliba. Sistema constitucional tributário brasileiro, 1. ed., São Paulo: RT, 1966, p. 4.
132
ordenada, apesar de sua aparente desordem, inclusive distinguir seus alicerces e
suas vigas mestras. Qualquer leigo sabe avaliar a importância desses dois últimos
elementos como sustentáculo do edifício. Da mesma forma, retirando os
princípios, que são as vigas mestras do sistema, este ruirá.
Assim, conclui-se que os princípios que norteiam a atual lei de falências
não podem ser desconsiderados e as decisões tomadas, quer pelo Poder
Judiciário, quer pela Assembléia de Credores, devem ser pautadas no sentido de
preservar a atividade que se encontra em crise, desde que comprovada a
possibilidade de sua recuperação, por meio de parecer emanado por órgão
competente.
O art. 170 da Constituição Federal traz de forma implícita o princípio da
preservação
179
das empresas e é possível afirmar que em nosso sistema jurídico
as normas encontram-se dispostas de forma organizada, através de uma estrutura
hierarquizada, convergindo todas para um ponto central, a Constituição Federal.
Algumas dessas normas traçam regras simples, entretanto outras delas informam
verdadeiros princípios.
No ordenamento jurídico encontram-se princípios implícitos e explícitos,
sendo que os princípios explícitos, simplesmente constam do texto, cabendo ao
legislador constitucional descrevê-los de forma clara; por outro lado, os
princípios implícitos se encontram inseridos no texto de forma a suscitar um
esforço maior por parte do intérprete para desvendá-los e separá-los.
179
Segundo Alfredo Assis Gonçalves Neto, “pode-se observar que ao princípio da busca do pleno
emprego, por exemplo, corresponde o da preservação da empresa (de que é corolário o da recuperação
da empresas), segundo o qual, diante das opções legais que conduzam a dúvida em aplicar a regra que
implique a paralisação da atividade empresarial e outra que possa também prestar-se à solução da
mesma questão ou situação jurídica sem tal conseqüência, deve ser aplicada essa última, ainda que
implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica” (Apontamentos de direito
comercial, Curitiba: Juruá, 1998, p. 99).
133
De qualquer forma, não se pode afirmar que uns são mais importantes
que outros, pois depende da abrangência de cada qual dentro do sistema. Assim,
todos os princípios encontram-se relacionados uns com os outros por exigência
do próprio sistema que é unitário e harmônico.
Dessa forma, entendo que deixar tanto poder nas mãos dos credores pode
ser perigoso pois o princípio da preservação das empresas, que a nosso ver é um
princípio constitucional, ainda que implícito, o que não o torna inferior aos
demais princípios constitucionais expressos existentes, pode não se efetivar,
abalando o sistema de forma geral, conforme já esclarecido anteriormente.
que compatibilizar os interesses de credores, que deve ser entendido
de forma abrangente e nunca visando benefícios individuais para satisfação de
créditos, com o interesse público que norteia o princípio da manutenção das
empresas
180
assegurado pela Constituição Federal.
Cumpre esclarecer que o interesse social atrelado à manutenção da
empresa com a proteção da atividade produtiva difere completamente dos
interesses particulares do devedor empresário ou administradores da sociedade
devedora, situação esta não assegurada pela lei.
180
Cf. a lição de Fábio Konder Comparato, “uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e
poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a
escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.
É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste país, pela
organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional.
É das empresas que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que
o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais.
É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não assalariados, como os
investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço.
Mas a importância social dessa instituição não se limita a esses efeitos notórios. Decisiva é hoje,
também, sua influência na fixação do comportamento de outras instituições e grupos sociais que, no
passado ainda recente, viviam fora do alcance da vida empresarial. Tanto as escolas quanto as
universidades, os hospitais e os centros de pesquisa médica, as associações artísticas e os clubes
desportivos, os profissionais liberais e as Forças Armadas, todo esse mundo tradicionalmente avesso
aos negócios englobado na vasta área de atuação da empresa. A constelação de valores típicas do
mundo empresarial utilitarismo, a eficiência cnica, a inovação permanente, a economicidade de
meios – acabou por avassalar todos os espíritos, homogeneizando atitudes e aspirações” (Direito
Empresarial: estudos e pareceres, São Paulo: Saraiva, 1995.
134
Tendo em vista as possíveis dificuldades que deverão ser enfrentadas para
a criação do órgão sugerido, que com certeza serão inúmeras, bem como a
eficiência dos trabalhos que ali serão realizados podem não atingir o objetivo
pretendido, sugiro uma outra alternativa: para evitar que interesses pessoais de
credores se sobreponham ao interesse maior objetivado pela lei que é o
princípio da preservação da empresa –, a decisão que rejeitar qualquer plano de
recuperação apresentado deve ser motivada pelos credores, devendo contratar a
suas expensas empresa especializada, com a finalidade de demonstrar a
inviabilidade da atividade.
É muito importante motivar a decisão e não simplesmente rejeitar o plano
sem ao menos esclarecer as razões, pois fundamental é buscar o objetivo do
princípio em questão – qual seja – a preservação da empresa.
Obviamente, se a atividade empresária não tem realmente condições de se
recuperar, uma vez avaliada por “experts” da área, deve ser decretada sua
falência, que culminará com o término de sua personalidade jurídica, isto é, sua
dissolução total.
Assim, corroborando com nosso entendimento, transcreve-se a ementa
abaixo
181
.
Agravo de Instrumento. Plano de Recuperação Judicial
rejeitado pela Assembléia-Geral. Pretensão deduzida por credor
no sentido de ser decretada a falência da devedora, com base
nos artigos 56, § e 73, inciso III, ambos, da LRF. Soberania
das deliberações da Assembléia-Geral de Credores. Decisão que
concede prazo para a apresentação de plano alternativo a ser
submetido aos credores. Na aplicação da lei, o Juiz deve atender
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum (artigo 5º, LICC). O Juiz não é mero chancelador ou
homologador das deliberações assembleares.
181
Agravo de Instrumento n. 461.740.4/4-00, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais –
Relator Des. Manoel Pereira Calças.
135
Vale, ainda, lembrar a opinião de Calixto Salomão
182
que ao comentar a
atual Lei de Falências e Recuperação de Empresas, esclarece que “o ideal
acadêmico é o de organização de um sistema que permita uma interpretação de
novos textos legislativos dentro de um conjunto de princípios e valores... ( ) ... A
Lei de Recuperação de Empresas é particularmente apta a tal tipo de trabalho
acadêmico”. E prossegue o autor: “O principal deles é o da preservação da
empresa, expressamente declarado no art. 47 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de
2005 (nova Lei de Falências)”.
5.5. Funções da Assembléia Geral de Credores
5.5.1. Função deliberativa ou decisória?
A Lei n. 11.101/2005 reservou uma “Seção” inteira (Seção IV, arts. 35 a
46) para tratar sobre a Assembléia Geral de Credores, sendo que o art. 35 que
inaugura a seção enumera as matérias de competência exclusiva do órgão em
questão. Trata-se de órgão com função preponderantemente deliberativa.
182
Segundo o citado autor, “O momento de edição de novas leis e diante do acadêmico um desafio
interessante. Não aquele de interpretar literalmente ou mesmo sistematicamente a lei, fornecendo ao
aplicador instrumentos de solução de problemas tópicos. Esse trabalho importante é aplicativo, mas
não verdadeiramente acadêmico.
“O ideal acadêmico é o de organização de um sistema que permita o enquadramento dos novos textos
legislativos dentro de um conjunto de princípios e valores. Deve procurar garantir a coerência da lei
com o sistema de valores e, portanto, a organização social desejada. Nesse sentido, trata-se de uma
interpretação necessariamente criadora da norma jurídica, como de resto deve ser toda interpretação.
A Lei de Recuperação de Empresas é particularmente apta a tal tipo de trabalho acadêmico. Pressupõe
e inclui princípios que não podem ser negados ou descumpridos, qualquer que tenha sido o grupo de
interesses que mais influenciou sua elaboração. Assim, apesar de ser necessário reconhecer a
influência do interesse financeiro na elaboração da lei e em alguns importantes dispositivos que
contém, o que cria riscos e dúvidas sobre a efetividade do próprio processo de recuperação de
empresas nela previsto, é também necessário reconhecer que a recuperação de empresas pressupõe
princípios e objetivos que não podem ser desconsiderados.
“O principal deles é o da preservação da empresa, expressamente declarado no art. 47 da Lei 11.101,
de 9 de fevereiro de 2005 (nova Lei de Falências) como princípio da recuperação de empresas. Esse
princípio, se aplicado de forma coerente, pode ajudar em muito a efetivação da recuperação judicial. É
necessário, então, compreendê-lo em profundidade. Para tanto, é preciso retornar à clássica discussão
contratualismo-institucionalismo, em que a questão da preservação da empresa teve sua formulação
mais elaborada” (Calixto Salomão, Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência,
coords. Francisco Satiro de Souza Júnior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, São Paulo: RT,
2005, p. 41).
136
O rol de atribuições trazido pelo art. 35 da Lei de Falências, não é
taxativo, uma vez que os incisos I, alínea d, e II, alínea d, trazem a possibilidade
da Assembléia-Geral deliberar sobre qualquer tipo de matéria que diga respeito
aos interesses dos credores, alargando, desta forma, bastante a competência do
órgão. Assim, o dispositivo legal é meramente exemplificativo, podendo a
assembléia deliberar acerca de quaisquer temas que possam ter influência na
posição dos credores envolvidos no processo.
A inserção da Assembléia-Geral de credores nos moldes trazidos pela
atual lei falências e recuperação de empresas aproxima o Brasil das legislações
mais modernas, especialmente no que tange à recuperação judicial. A
possibilidade daqueles afetados e envolvidos mais diretamente pela crise
econômica que passa a sociedade poderem decidir pela aprovação de um plano
de recuperação judicial demonstra certa maturidade da legislação. Assim, ao
convocar credores trabalhistas, fornecedores, bancos e demais credores, a Lei de
Falências procurou delegar àqueles que serão afetados mais diretamente em seu
patrimônio e em suas vidas a decisão pela tentativa de recuperação.
É possível afirmar que a mais importante missão da Assembléia-Geral de
Credores na recuperação judicial é a aprovação ou não do plano apresentado pelo
devedor e, no tocante à falência, a decisão mais importante atribuída à
Assembléia de Credores é sem vida a escolha de formas alternativas de
realização do ativo.
A aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência
compete ao voto favorável de credores que representem 2/3 dos créditos
presentes à Assembléia. Poderão os credores deliberar, também, pela constituição
de sociedade de empregados ou de credores para controlar a empresa.
137
Vale mencionar que esta possibilidade de adotar outras formas de
realização do ativo por meio de deliberação e aprovação exclusiva da Assembléia
de Credores no âmbito da falência, acompanha uma tendência mundial de
centralização das decisões que dizem respeito mais diretamente aos credores que,
em princípio, são os mais interessados no resultado alcançado no conclave.
A participação dos credores na realização do ativo no processo falimentar
é muito positiva, contudo, a Lei não deveria determinar o afastamento total do
devedor de suas atividades durante o processo falimentar, conforme sustenta
Celso Marcelo de Oliveira, que mesmo na falência, os sócios, acionistas e
controladores possuem um interesse comum, qual seja, a realização do ativo da
forma mais benéfica e menos traumática possível
183
.
Nessa linha de raciocínio, mesmo a previsão contida no art. 145
184
da Lei
não é suficiente para atender à tendência mundial de participação do falido no
processo falimentar, como ocorre na França, por exemplo.
Verifica-se que no direito francês uma preocupação mais dirigida à
recuperação da empresa e seus impactos sociais, uma vez que a lei francesa
atribui menos participação aos credores e, por sua vez, atribui mais poder ao
órgão jurisdicional.
De qualquer forma, a legislação francesa prevê a existência da
Assembléia de Credores, ou melhor, há duas Assembléias, uma dos assalariados
183
Celso Marcelo de Oliveira. Direito falimentar brasileiro. Jus Vigilantibus, Vitória, 2 fev. 2005.
Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2747>. Acessado em: 18 dez. 2007.
184
Lei n. 11.101/2005, art. 145: “O Juiz homologará qualquer outra modalidade de realização do ativo,
desde que aprovada pela assembléia-geral de credores, inclusive com a constituição de sociedade de
credores ou dos empregados do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuais sócios
ou de terceiros”.
138
e outra dos demais credores
185
e, verifica-se, ainda, que no direito francês há um
poder maior outorgado aos empregados do que ocorre em nosso país
186
.
Um exemplo concreto que demonstra a força outorgada à Assembléia de
Credores no Brasil foi o ocorrido no processo de recuperação judicial da empresa
Varig S.A. A Lei 11.101/2005 determina em seu art. 64 que os administradores e
controladores da companhia permanecerão na condução do negócio durante o
processo de recuperação judicial, salvo se houverem agido com dolo, simulação
ou fraude contra os interesses de seus credores, dentre outras situações previstas
nos incisos do mencionado artigo. Alegando gestão dos negócios da
companhia, o Juiz Luiz Roberto Ayoub decidiu pelo afastamento da Fundação
Ruben Berta do controle da empresa Varig S.A. O tribunal, por sua vez,
reformou a decisão sob o seguinte argumento: “O acionista controlador
[Fundação] deve ser mantido, sendo que seu afastamento é matéria de interesse
dos credores, razão pela qual também deverá ser enfrentado na oportunidade da
realização da assembléia convocada”
187
.
Assim, o desembargador Siro Darlan, em decisão bastante inovadora,
reforçou a autoridade dos credores que, deixando a decisão relativa ao
afastamento da controladora por conta da Assembléia de Credores, órgão
colegiado e diretamente interessado na recuperação da empresa em questão e não
pelo juízo singular, tendo em vista a previsão genérica da lei neste ponto.
185
“A lei francesa criou duas assembléias, sendo uma dos assalariados e outra dos demais credores. Pelo
que se nota da jurisprudência francesa, as duas assembléias têm demonstrado efetividade, mas estamos
ainda aquém do que foi atingido pelos assalariados franceses”. Sebastião José Roque. Assembléia-
geral de credores é ponto crítico da Lei de Recuperação de Empresas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG,
a. 4, 165. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1064> Acesso
em: 19 dez. 2007.
186
Desde o início da discussão do projeto da nova lei concursal, já constava do anteprojeto inicial com
base na lei francesa, o reforço dos poderes dos empregados da empresa em concurso e do sindicato
deles. Contudo, se foi de grande relevância essa disposição na França, devem pairar muitas dúvidas
quanto à atuação dos sindicatos na defesa de sua classe no âmbito concursal. Sebastião José
Roque. Assembléia-geral de credores é ponto crítico da Lei de Recuperação de Empresas. Boletim
Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 165. Disponível
em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1064> Acesso em: 19 dez. 2007.
187
Frase retirada da referida decisão do Desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro.
139
Prosseguindo no exemplo da recuperação judicial da Varig, na mesma
decisão, o D. Desembargador reafirmou a autoridade da Assembléia de Credores
no que diz respeito à aprovação da desistência do plano de recuperação
judicial
188
. O Juiz de grau indeferiu liminarmente o pedido de desistência do
pedido de recuperação por existência de vícios formais, uma vez que um dos
advogados signatários do pedido não era procurador da Fundação.
O tribunal, no entanto, desconsiderou o vício formal ocorrido e afirmou:
“(…) Sendo assim, a concordância com a pretendida desistência, cabe aos
credores, não sendo possível, com a devida vênia dos argumentos deduzidos pela
decisão hostilizada, o indeferimento liminar sem a manifestação dos maiores
interessados, que são os credores”.
A Assembléia e a força de suas decisões são, portanto, uma grande
inovação no âmbito do direito falimentar positivo, no entanto, certas situações
dependem de decisões menos emotivas e mais técnicas, observando-se,
primeiramente os impactos sociais e de forma secundária os interesses
patrimoniais e individuais em questão.
O Juiz pode aprovar plano de recuperação que não tenha sido aprovado na
forma prevista em lei (art. 45), desde que presentes, de forma cumulativa, as
situações previstas no art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005
189
, chamado “cram
188
Cf. Lei n. 11.101/2005, art. 52, § 4º: “O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial
após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembléia-
geral de credores”.
189
“Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o Juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo
plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 ou tenha sido aprovado pela
assembléia-geral de credores na forma do art. 45.
§ O Juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na
forma do art. 45, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos
presentes à assembléia, independentemente de classes;
II - a aprovação de duas das classes de credores nos termos do art. 45 ou, caso haja somente duas
classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas;
III - na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de um terço dos credores, computados
na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45.
§ A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § se o plano não implicar
tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado”.
140
down” no direito norte-americano, apesar da importância das decisões
assembleares.
A despeito da força que tem sido atribuída à Assembléia Geral de
Credores, entendo que esta não tem poder decisório pleno uma vez que não
substitui o poder jurisdicional, no sentido de que suas decisões ficarão sujeitas ao
controle do poder Judiciário no que diz respeito não à parte formal como
também à observância dos princípios informadores do processo falimentar e do
processo de recuperação judicial das empresas, pois não podem contrariar
normas ou princípios vigentes no sistema. Obviamente que uma Assembléia com
credores interessados no bom andamento do processo deliberará de maneira a
atender o interesse dos envolvidos bem como o interesse da sociedade, tornando,
desta forma, possível a recuperação da empresa em crise.
Assim, como regra, o Juiz não alterará as decisões tomadas pela
Assembléia de Credores, a não ser que seja para dar cumprimento ao princípio da
preservação da empresa, mesmo que não haja previsão expressa na lei, tendo em
vista os objetivos norteadores de lei.
Neste ponto, retorna-se a solução proposta neste trabalho sobre a
importância da criação de órgão especializado para embasar de forma adequada a
decisão do Juiz de aprovar o plano mesmo que ele tenha sido rejeitado pela
Assembléia, tendo em vista as possíveis chances que a atividade em crise tenha
de se recuperar.
5.5.2. Funções específicas na recuperação judicial
Cabe à Assembléia deliberar sobre:
141
(i) Aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial
apresentado pelo devedor.
Cumpre esclarecer que no caso de alteração do plano apresentado, o
devedor deve concordar de forma expressa, bem como referidas alterações não
podem diminuir direitos exclusivamente dos credores ausentes.
Ademais, no despacho que defere o processamento da recuperação
judicial, o Juiz nomeia o Administrador Judicial e o devedor deve apresentar o
plano de recuperação no prazo improrrogável de 60 dias da publicação da
referida decisão mencionada. A lei legitima os credores a apresentar objeções ao
plano apresentado e, ao tomar conhecimento de qualquer objeção, o Juiz convoca
a Assembléia Geral de Credores, que poderá: aprovar, modificar ou rejeitar o
plano. E, se não houver qualquer objeção, o Juiz concede o plano de recuperação,
sem a convocação da Assembléia. (vide observações apresentadas no capítulo 2
deste trabalho).
(ii) Constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua
substituição por deliberação de qualquer das classes de credores.
Assim que o Juiz defere o processamento da recuperação judicial, podem
os credores requerer a convocação da Assembléia para a constituição do Comitê
de Credores ou, ainda, a substituição dos membros já existentes.
(iii) Observa-se que foi vetada a alínea c, do art. 35, que atribuía à
Assembléia a substituição do Administrador Judicial e a indicação do substituto.
Este dispositivo foi vetado pois preferiu-se dar ao Juiz o poder de substituir o
Administrador Judicial por pessoa de sua confiança, reforçando o seu poder de
direção na condução do processo
190
.
190
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 112.
142
Primeiramente é importante mencionar os vetos presidenciais ocorridos
no que tange às atribuições da Assembléia de Credores. O texto original,
aprovado pelo Congresso Nacional, previa a possibilidade dos credores
deliberarem em Assembléia-Geral sobre o afastamento do Administrador
Judicial, indicando seu substituto. Ocorre que a figura do Administrador Judicial
está bastante ligada ao magistrado do processo, motivo pelo qual entendeu a
Presidência da República que somente o Juiz deve ter o poder de nomear e
eventualmente substituir o Administrador Judicial.
Questão que pode ser aventada é: tendo a lei atribuído à Assembléia a
possibilidade de deliberar sobre qualquer assunto de interesse dos credores,
poderia esta, a despeito do veto presidencial, decidir com força de decisão final
pelo afastamento do Administrador Judicial, sobretudo pela leitura do art. 37, §
1º, da Lei?
191
Parece óbvio que não, que a Lei determina que o Administrador
Judicial seja nomeado pelo Juiz e em todos os casos em que aquele descumprir
prazos ou cometer faltas graves, caberá somente ao próprio Juiz destituí-lo.
Jairo Saddi
192
critica o fato de ter sido mantida a regra existente no
Decreto-Lei n. 7.661/45, em que o Juiz nomeava o síndico. Alega que na atual
sistemática trazida pela Lei 11.101/2005 no tocante à recuperação judicial, em
que houve a opção de “dar ao credor o poder de decidir os destinos da empresa
em crise está-se cometendo um equívoco de grandes proporções, em especial
pelo rol de atribuições que o Administrador Judicial passa a ter”.
191
Lei n. 11.101/2005: “Art. 37. A assembléia será presidida pelo Administrador Judicial, que designará 1
(um) secretário dentre os credores presentes.
§ 1
o
Nas deliberações sobre o afastamento do Administrador Judicial ou em outras em que haja
incompatibilidade deste, a assembléia será presidida pelo credor presente que seja titular do maior
crédito”.
192
O Comitê, in Direito Falimentar, Op. cit., p. 206.
143
Acertada a lei neste ponto, a despeito de opiniões como a citada acima,
uma vez que o relacionamento do Juiz com o Administrador Judicial é estreito,
sendo fundamental ter uma pessoa de sua confiança que o auxilie, de forma
imparcial, no bom andamento quer da falência, quer do processo de recuperação
judicial. Podendo, inclusive, substituí-lo por outro, independentemente dele ter
cometido qualquer falta grave, mas por não estar auxiliando o juízo de forma
adequada ou útil, porém, para que o Administrador Judicial seja destituído,
necessário que tenha ele incorrido em alguma das condutas infracionais previstas
no art. 31 da Lei.
Naturalmente a lei abre a possibilidade, nos termos do art. 31, de qualquer
interessado mediante requerimento fundamentado dirigido ao Juiz, requerer a
destituição do Administrador Judicial, desde que verificadas as situações
previstas na lei.
Ademais, a lei legitima o devedor, qualquer credor, bem como o
Ministério Público à possibilidade de pleitear ao Juiz a substituição do
Administrador Judicial ou dos membros do Comitê de Credores nomeados em
desacordo com a lei (art. 30, § 2º).
A decisão final, tanto no caso de substituição como de destituição, fica
nas mãos do Juiz, o que me parece sensato. Até porque os credores pretendem
receber seus créditos, protegendo seus interesses, e o Administrador Judicial,
além de defender os interesses dos credores, também tem como meta proteger os
interesses da atividade empresária que pretende se recuperar. Deixar a escolha ou
mesmo a substituição de Administrador Judicial por conta dos credores criaria
alguns obstáculos, tais como: Quem seriam as pessoas habilitadas para tal
encargo? Haveria uma lista de Administradores Judiciais? Quem elaboraria esta
relação? E se credores que representassem a maioria escolhessem administrador
parcial que futuramente lhes favorecesse? Muitas questões se colocam nesta
144
circunstância com conseqüências complexas e, por vezes, prejudiciais aos
próprios credores bem como à empresa em recuperação.
Vale lembrar a opinião de Carvalho de Mendonça
193
que afirmava ser
incompatível para presidir uma Assembléia aquele que tiver interesse pessoal,
direto na deliberação, uma vez que a imparcialidade é o seu mais notável
atributo”.
(iv) Pedido de desistência do devedor (art. 52, § 4º).
Compete à Assembléia aprovar ou não o pedido de desistência do
devedor. Se este não for aprovado pelo órgão, o Juiz não poderá homologar o
pedido. Porém, se aprovar o pedido de desistência, o Juiz deverá, antes de
homologá-lo, verificar se estão presentes todos os requisitos legais
194
.
(v) O nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor da
administração da empresa.
Como regra, o devedor ou seus administradores permanecerão no
comando da empresa, sempre sob a fiscalização do Administrador Judicial ou,
eventualmente, do Comitê de Credores, se houver, uma vez que é órgão
facultativo. No entanto, se referidas pessoas incorrerem em condutas
especificadas nos incisos e alíneas do art. 64, o Juiz as destituirá e, haverá sua
substituição nos termos dos atos constitutivos da empresa devedora ou, conforme
definido no plano de recuperação.
Ao ser afastado o administrador da devedora, o Juiz convocará
Assembléia de Credores para a escolha de um gestor judicial que se tornará o
administrador da empresa em crise, sendo, assim, figura distinta do
193
Tratado, Op. cit., v. IV, p. 26.
194
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 112-3.
145
Administrador Judicial embora lhe sejam aplicadas todas as regras previstas em
lei para referido auxiliar do Juiz no tocante aos deveres, remuneração e
impedimentos.
A lei estabelece que enquanto não for nomeado o gestor judicial, o
administrador exercerá suas funções provisoriamente até que a Assembléia
aprove um nome para a função.
A Assembléia de Credores será convocada novamente no prazo de 72
horas caso o gestor escolhido pelos credores esteja impedido (art. 30 e §§) ou
tenha recusado o cargo.
Conclui-se que o administrador tem a função de fiscalizar os negócios da
empresa em recuperação enquanto o gestor judicial tem a função de administrá-
la, geri-la, inclusive executando o plano de recuperação caso tenha sido
apresentado. Já no tocante ao plano de recuperação, o gestor não participa de sua
elaboração pois esta função é acometida aos administradores da sociedade em
crise.
Interessante, neste ponto, lembrar a opinião de Fábio Ulhoa Coelho
195
, no
sentido de que o gestor, apesar de dirigir a empresa, não será o representante da
sociedade para certas finalidades como no que tange aos atos referentes ao
processo de recuperação judicial, quando a representação da empresa continuará
sendo realizada da forma especificada nos seus atos constitutivos.
Acrescenta o autor que esta dúplice representação causa muitos
problemas quando de sua efetiva aplicação, inclusive podendo comprometer as
atividades da empresa em recuperação.
195
Comentários, Op. cit., p. 147.
146
Apesar de não ser usual referida figura, a título exemplificativo menciono
o caso da Recuperação judicial da Bombril Holding S/A
196
, em que na
Assembléia Geral de Credores, ocorrida no dia 29-3-2006, foi nomeado um
gestor judicial, aprovado pela maioria dos créditos presentes, para assumir
integralmente a administração das atividades da devedora até a homologação
judicial do plano de recuperação, conforme consta da ata da Assembléia
realizada.
(vi) Qualquer outra matéria que possa afetar o interesse dos credores.
Observa-se, no entanto, que se as decisões da Assembléia Geral atentarem contra
as disposições e princípios da Lei, o Juiz poderá deixar de acatá-las, desde que
fundamentando sua decisão
197
.
5.5.3. Funções específicas na falência
Cabe à Assembléia decidir sobre:
(i) A constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e
sua substituição por deliberação de qualquer das classes de credores.
(ii) A adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do
art. 145.
(iii) Qualquer outra matéria que possa afetar o interesse dos credores.
(iv) Observa-se que foi vetada quanto às atribuições da Assembléia na
falência, a alínea que lhe atribuía a função de substituir o Administrador Judicial
e a indicação de seu substituto com o objetivo de impedir a nomeação de
196
Recuperação Judicial Bombril Holding S/A - Processo n. 000.05.123223-5, Vara de Falência e
Recuperações da Comarca da Capital de São Paulo.
197
Manoel Justino Bezerra Filho, Op. cit., p. 113.
147
Administrador Judicial que não seja da confiança do Juiz, conforme
explicitado no item anterior.
5.6. Convocação
5.6.1. Competência para a convocação
É competência exclusiva do Juiz convocar a Assembléia Geral de
Credores, por meio de edital, publicado no Diário Oficial e em jornais de grande
circulação na localidade da sede e filiais do devedor, por pelo menos uma vez,
com antecedência de no mínimo 15 dias. Cópia do edital deve ser afixada, de
forma ostensiva, na sede e filiais, a expensas do devedor ou da massa falida,
salvo se convocada pelo Comitê de Credores ou de convocação por credores que
representem no mínimo 25% do valor total dos créditos de uma determinada
classe, por meio de requerimento ao Juiz.
A Assembléia será instalada em primeira convocação quando estiverem
presentes credores que representem mais da metade dos créditos de cada classe,
computados pelo valor. Se não for alcançado o referido quorum, será publicado
novo anúncio para segunda convocação, com antecedência de no mínimo 5 dias,
sendo que a Assembléia, então, será instalada com qualquer número de credores.
Neste ponto, interessante esclarecer que, por uma questão de economia,
deve-se fazer constar no Edital a data tanto da primeira convocação quanto da
segunda. Assim, não obtendo o quorum de instalação na 1ª Assembléia, os
credores estão cientes da data, previamente estabelecida de forma regular,
inclusive respeitando-se o intervalo que deve existir entre as duas datas,
conforme previsão legal.
148
5.6.2. Legitimados para requerer a convocação
Podem requerer a convocação da Assembléia:
(i) O Administrador Judicial;
ii) O Comitê de Credores;
iii) Credores que representem no mínimo 25% do valor total dos créditos
de uma determinada classe.
5.6.3. Requisitos do edital de convocação
O edital deve conter:
(i) Local, data e hora da Assembléia em primeira e em segunda
convocação, devendo, entre uma e outra, haver o intervalo de 5 dias.
(ii) Ordem do dia.
As matérias que serão objeto de deliberação durante o conclave deverão
constar da pauta para que os interessados tenham conhecimento prévio
sobre o que será discutido no dia da realização da Assembléia.
(iii) Local em que os credores poderão obter cópia do plano de
recuperação judicial, caso a Assembléia se instale para deliberar sobre o
assunto.
Justifica-se tal medida tendo em vista a importância da análise minuciosa
que deve ser feita pelo credor a fim de que no momento da votação tenha certeza
da sua decisão.
A lei de falências não determina o local de realização da Assembléia, mas,
entendo que esta deva ocorrer no local da sede do devedor. O Código Civil, ao
tratar das Assembléias de Sócios na Sociedade Limitada, silenciou no tocante ao
149
local em que elas devam ser realizadas, porém, a Lei 6.404/76 determina que o
local da realização das Assembléias dos Acionistas será, como regra, a sede do
edifício da própria companhia e, apenas excepcionalmente, por motivo
justificável, poderá ocorrer em local diverso, porém sempre na localidade da
empresa, fato este que deve ser destacado no edital de convocação de forma
clara.
Assim, seguindo raciocínio abordado, na ausência de regra expressa na
lei de falências e recuperação de empresas sobre certa matéria, primeiramente
serão aplicadas as normas gerais (Código Civil) referentes ao tema e, na
inexistência, outra lei especial, que também regule referido ponto, pode ser
aplicada.
Dessa forma, não havendo regramento sobre o local de realização das
Assembléias de Credores na Lei 11.101, tampouco no Código Civil, aplicar-se-ão
as regras da Lei 6.404/76 ao caso concreto. Ademais, a realização no próprio
edifício da empresa evita maiores despesas e facilita o acesso ao credores.
5.6.4. Despesas de convocação e realização
As despesas com convocação e realização da Assembléia deverão ser
suportadas pelo devedor, na recuperação judicial, ou pela massa falida, na
falência. Porém, correrão por conta da totalidade de credores caso tenha sido
requerida pelo Comitê de Credores ou pelos credores que a requereram, no caso
do art. 36, § 2º, ou seja, credores que representam pelo menos 25% do valor total
dos créditos de uma determinada classe.
Esta previsão demonstra, a meu ver, a sensatez da lei, pois, dessa forma,
o desestímulo à convocação desenfreada da Assembléia por motivos pouco
relevantes e, por outro lado, abre a possibilidade efetiva da participação dos
150
credores em Assembléia por eles requerida, quando certo grupo entender
realmente necessária sua convocação, arcando, por seu turno, com os devidos
custos para sua realização.
5.7. Trabalhos da Assembléia Geral de Credores
5.7.1. Presidência e Secretaria
A Assembléia deve ser presidida pelo Administrador Judicial e
secretariada por credor presente de sua escolha. A importância do papel do
presidente da Assembléia decorre das suas funções, que são as seguintes: dirigir
os trabalhos, dar palavra aos interessados e ordenar as votações
198
. A Lei
disciplina no art. 37, § 2º, que a presidência, no entanto, não caberá ao
administrador quando a deliberação da Assembléia for sobre o seu afastamento
ou quando haja incompatibilidade e no seu lugar, presidirá o credor de maior
crédito.
Cumpre esclarecer que com o veto ao art. 35, I, c, e II, a, somente cabe ao
Juiz a substituição e destituição do administrador. Porém, nada impede que,
com base no art. 35, I, f, e II, d, da lei em comento, os credores reunidos em
Assembléia deliberem sobre o afastamento do administrador, sendo certo que a
decisão final será proferida pelo Juiz. E, se outras matérias estiverem na pauta
naquele mesmo dia em que a deliberação sobre o afastamento do
Administrador Judicial, como ele ainda o se encontra efetivamente afastado,
pode presidir a Assembléia no que tange às demais questões. O mesmo se
quando de sua ausência na Assembléia, justificável ou não, muito embora, nestas
circunstâncias, poderá referido auxiliar ser responsabilizado pelo
descumprimento de suas obrigações, inclusive com a pena de destituição.
198
Jairo Saddi. O Comitê, in Direito Falimentar, Op. cit., p. 207.
151
Esclarece José da Silva Pacheco
199
que os credores podem requerer a
substituição ou destituição do Administrador Judicial (arts. 30, §§ 2º e 3º, e art.
31) ao Juiz e, se eventualmente neste período transitório em que ainda não
decisão sobre o caso e Assembléia convocada, esta se realizará, de qualquer
forma, sem a presença do Administrador Judicial e nos termos do art. 37, § 1º, da
Lei 11.101/2005.
Observa-se que em Portugal, no Chile e na Itália a Assembléia Geral de
Credores é presidida pelo Juiz
200
, como ocorria na anterior sistemática brasileira.
5.7.2. Instalação da Assembléia
A Lei n. 11.101/2005 não traz de forma minuciosa o formato que uma
Assembléia deve ter, assim, como dito anteriormente, regras gerais utilizadas
nas Assembléias das sociedades empresárias aplicam-se, também, à Assembléia
Geral de Credores, na falência e na recuperação de empresas.
É requisito formal para a validade da Assembléia um ritual específico que
deve ser seguido de forma rigorosa em respeito aos direitos essenciais dos
credores e de todos os envolvidos no processo falimentar ou de recuperação da
empresa, da mesma forma que ocorre nas Assembléias de sócios das sociedades
limitadas e das sociedades anônimas.
Os credores, assim que chegam ao local determinado no Edital para a
realização da Assembléia, devem assinar a lista de presença apresentando, neste
momento, os documentos necessários à sua legitimação.
199
Op. cit., p. 94.
200
Jorge Lobo. Comentários, Op. cit., p. 107.
152
Ao ser instalada a Assembléia, como regra, não será permitido o ingresso
de mais nenhum credor ao recinto
201
, uma vez que a lei determina que a lista será
encerrada neste momento. Eventualmente, o administrador pode autorizar o
ingresso do credor retardatário depois de encerradas as assinaturas na lista de
presença, e, por conseqüência, de instalada a Assembléia, porém, não poderá
participar das deliberações. Assim, o livro de presença é encerrado quando da
instalação da Assembléia, ou seja, quando do início dos trabalhos, e eventuais
retardatários não serão considerados presentes para quaisquer efeitos
202
.
Fábio Ulhoa Coelho
203
explica que tal expediente é necessário de forma a
garantir segurança jurídica aos trabalhos, que serão desenvolvidos e à
composição pelo voto, da maioria. Assim, se fosse admitido o ingresso de
retardatários, a base de cálculo para o quorum de deliberação e o próprio
resultado das votações poderiam ser alterados.
Na seqüência, para dar continuidade ao ritual assemblear, deve ser
composta a mesa diretora da reunião. Conforme dito anteriormente, a mesa será
composta de presidente e secretário, tendo-se como regra, o Administrador
Judicial na presidência. Ao presidente cabe a escolha do secretário, que será um
dos credores presentes.
5.7.3. Ordem do dia e desenvolvimento dos trabalhos
Antes de se realizar os trabalhos da Assembléia, o presidente, ou seja, o
Administrador Judicial deve verificar os credores que realmente têm direito de
voto e, para tanto, deve confrontar a lista de presença com o quadro de credores
publicado ou, se o, com lista de credores apresentada pelo Administrador
Judicial ou com a relação apresentada pelo próprio devedor. Também deverá
201
Jorge Lobo. Comentários, Op. cit., p. 98.
202
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 117.
203
Comentários, Op. cit., p. 91.
153
conferir os créditos incluídos por decisão judicial e aqueles que tiverem
obtido a reserva de importâncias. Esta conferência é necessária pois apenas estes
credores é que terão direito a voto na Assembléia
204
.
Jorge Lobo
205
alerta que neste momento, para que seja evitada fraude e
eventual anulação da Assembléia, é salutar que os credores declarem por escrito
que não se enquadram nas situações previstas no art. 43 da Lei.
Instalada a mesa e abertos os trabalhos da Assembléia é lida a ordem do
dia, com a leitura do edital de convocação, pelo secretário
206
. Então, o presidente
deverá informar:
(i) o número de credores presentes, caso haja deliberação sobre o plano de
recuperação judicial;
(ii) o valor total dos créditos dos credores presentes;
(iii) o quorum de deliberação de cada classe de credores;
(iv) a forma de votação;
(v) o quorum de deliberação para apuração do resultado final.
Sendo o caso de Assembléia Geral para deliberar sobre o plano de
recuperação judicial, quando da sua objeção por qualquer credor, o secretário
deverá fazer uma síntese da objeção oposta, podendo qualquer credor pleitear sua
leitura integral e dos documentos que a acompanham, devendo o presidente
conceder a palavra aos credores que desejarem se manifestar, e ao devedor, para
que responda à objeção
207
.
204
José da Silva Pacheco. Op. cit., p. 98.
205
Lei de Recuperação de Empresas e Falência, Op. cit., p. 112.
206
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 91.
207
Jorge Lobo. Comentários, Op. cit., p. 98.
154
Fábio Ulhoa Coelho
208
esclarece que a apreciação de cada ponto da pauta
compreende duas fases: debates e votação. Estas fases são diferenciadas por falas
ritualísticas do presidente, com anúncio aos credores do encerramento de uma e
início da seguinte.
No momento dos debates a mesa deve fazer uma breve síntese do ponto e
passa a palavra, eventualmente, a profissionais que auxiliam o Administrador
Judicial, que elucidem a todos sobre a matéria em questão. Em seguida, abre-se
espaço para questionamentos e respostas para maiores explicações acerca de
eventuais dúvidas que surgirem.
Quando for o caso, a critério do presidente, ele pode dar início às
discussões para esclarecimentos de questões em pauta e, os credores devem
receber a palavra da mesa autorizando sua fala, observada a ordem de solicitação.
A mesa deve sempre assegurar que todos tenham respeitado o direito de voz.
Ao fim dos debates, o presidente anuncia o início da fase de votação,
momento em que não será admitida qualquer manifestação dos credores, além do
voto. O presidente deverá resumir a proposta antes de colher os votos,
divulgando a ordem em que serão dados, podendo definir qualquer critério, que
lhe pareça mais eficiente
209
.
O voto de cada credor será proporcional ao valor de seu crédito, podendo
votar qualquer pessoa arrolada no quadro-geral. A decisão é tomada com base
nos votos de mais da metade dos créditos presente à Assembléia. Como regra, as
decisões tomadas em Assembléia de Credores se baseiam no princípio
majoritário, a não ser que estejam na pauta para deliberação certas matérias
específicas cuja lei expressamente determina forma especial, tais como: (i)
decisões relativas à aprovação, rejeição, alteração do plano de recuperação cuja
208
Comentários, Op. cit., p. 91-2.
209
Ibidem, p. 91.
155
votação segue o sistema de dupla maioria e ao sistema do voto por cabeça (art.
45, caput e §§); (ii) constituição do Comitê de Credores, que segue um critério
especial; (iii) realização do ativo na falência de forma alternativa, tendo como
base o princípio da maioria qualificada ou seja, voto favorável de credores que
representem 2/3 dos créditos presentes à Assembléia (art. 46).
Assim, realizada a votação, o secretário proclama o resultado e terminada
a apreciação do ponto de pauta em questão, encerra a ordem do dia. O presidente,
por sua vez, declara concluída a Assembléia determinando lavratura da ata, que
deve reproduzir fielmente os trabalhos realizados durante o conclave
210
.
Por fim, cumpre-se observar que as decisões da mesa, ou do presidente,
relativo ao procedimento a ser adotado, desde que não embasadas em decisão
judicial, podem ser objeto de recurso para a própria Assembléia. Assim,
conforme esclarece Fábio Ulhoa Coelho, deve levantar “questão de ordem”,
suspendendo-se a apreciação da matéria até que a Assembléia acolha ou rejeite o
recurso por maioria, para modificar ou confirmar a decisão anteriormente
proferida
211
.
Na vigência do antigo Decreto-Lei n. 7.661/45, a Assembléia era
presidida pelo Juiz e, dessa forma, conforme dispunha o art. 22, § 2º, tinha ele o
poder de vetar as decisões contrárias à lei. o era necessária tal disposição uma
vez que o controle de legalidade será sempre exercido pelo Poder Judiciário.
Atualmente, no silêncio da lei neste ponto e levando-se em consideração que a
Assembléia de Credores, como regra, será presidida pelo administrador, não tem
ele poderes para impedir ou proibir que algum credor exerça seu direito de voto
sob a alegação de “conflito de interesses”, pois quem vai decidir se ou o o
conflito, é o magistrado.
210
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op., cit., p. 92.
211
Ibidem, p. 93.
156
5.7.4. Ata dos trabalhos
Ao final dos trabalhos, deve ser lavrada ata dos fatos ocorridos na
Assembléia, pelo secretário. A ata tem a função de formalizar o que aconteceu e
o que foi deliberado
212
.
Conforme ensina Jorge Lobo, a ata deve conter, em síntese, o registro dos
fatos ocorridos, e em especial:
(i) nome dos presentes;
(ii) síntese de eventual objeção oposta ao plano de recuperação;
(iii) resumo dos debates, votos dissidentes, impugnações e protestos;
(iv) deliberações aprovadas e rejeitadas e o quorum;
(v) assinaturas do presidente, do secretário, do devedor, e de pelo menos
dois representantes de cada uma das classes votantes, devendo o
Administrador Judicial entregar a ata e a lista de presença ao Juiz no
prazo de 48 horas do encerramento dos trabalhos.
5.8. Representação do credor
O credor poderá participar da Assembléia Geral (com direito a voz e voto)
representado por mandatário ou por representante legal. Nos termos da lei, para
ser representado, o credor deverá entregar ao Administrador Judicial, até 24
horas antes da realização da reunião, o instrumento do mandato com firma
reconhecida, conferindo ao procurador poderes especiais e expressos para votar,
acordando, discordando, transigindo, firmando compromissos, renunciando a
direitos e privilégios ou quaisquer outros atos que exorbitem da administração
ordinária.
212
Manoel Justino Bezerra Filho. Op. cit., p. 118.
157
Assim, ao administrador deve ser encaminhado o instrumento de
procuração com a antecedência prevista na lei, com a prova de sua qualidade e a
extensão de seus poderes. Alternativamente, poderá indicar em qual folha dos
autos do processo falimentar ou de recuperação judicial se encontra a prova de
sua qualidade de mandatário ou de representante, nos termos do art. 37, § 4º.
Fábio Ulhoa Coelho
213
afirma ser dispensável tal formalidade quando se
trata de “presentante legal” da pessoa jurídica que ao assinar a lista de presença
deve apresentar documento que comprove sua qualidade.
No entanto, Erasmo Valladão Flores
214
sustenta que a mens legis é clara:
a exigência de que os documentos sejam entregues até 24 horas antes da
Assembléia ao Administrador Judicial tem o objetivo de evitar que no momento
da assinatura da lista de presença o administrador fique conferindo documentos.
Assim, tanto para presentantes quanto para representantes a regra é a mesma.
As pessoas jurídicas se manifestam por meio de órgãos que produzem a
vontade social e, neste sentido, importante frisar que quando um órgão se
pronuncia, na realidade, é a própria sociedade que está emitindo tal
pronunciamento.
Como esclarece bio Ulhoa Coelho
215
os órgãos são desmembramentos
da pessoa jurídica e com ele não se confundem. Os órgãos da pessoa jurídica não
possuem personalidade não sendo, portanto, sujeitos de direito. Assim, os órgãos
não substituem a vontade da pessoa moral, mas a expressam.
213
Comentários, Op. cit., p. 94-5.
214
Erasmo Valladão Flores. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coord. Francisco
Satiro de Souza Júnior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 37.
215
Curso, Op. cit., p. 194-5.
158
A teoria orgânica tendo como premissa que a pessoa moral existe porque
o direito positivo a criou, ela só pode manifestar sua vontade por meio de pessoas
físicas. Assim, os órgãos da sociedade expressam a vontade da pessoa moral e,
tecnicamente falando, tais órgãos são presentantes e não representantes da pessoa
jurídica uma vez que tornam presente a sua vontade
216
.
Referida teoria se contrapõe à teoria da representação na qual os órgãos de
uma companhia, por serem seus representantes, manifestam a vontade no lugar
dela. O sistema brasileiro adota a teoria orgânica apesar da doutrina inglesa
permanecer com a teoria da representação
217
.
Feita esta pequena digressão, esclarece-se que sendo feita a comunicação
em relação à primeira convocação dentro do prazo antes mencionado, torna-se
dispensável fazê-lo na segunda, por se tratar da mesma Assembléia, tendo,
portanto, o Administrador Judicial conhecimento do fato.
Pondera-se que o credor pode fazer-se representar apenas na segunda
convocação, por ter faltado na primeira ou tiver a ela comparecido pessoalmente,
porém, neste caso, deverá cumprir a determinação legal e comunicar ao
Administrador Judicial no prazo de 24 horas
218
.
Os credores trabalhistas ou com crédito derivado de acidente de trabalho
podem ser representados pelo sindicato em que estiverem inscritos, que deverá
apresentar ao Administrador Judicial, até 10 (dez) dias antes da reunião, a relação
dos associados que pretende representar. Caso o credor trabalhista se encontre
em listas de mais de um sindicato, deverá informar, em até 24 horas antes da
216
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado: parte especial, tomo L, Rio de Janeiro: Borsoi, 1965, p.
273.
217
Fábio Ulhoa Coelho. Curso, Op. cit., p. 195.
218
Idem. Comentários, Op. cit., p. 95.
159
reunião, qual deles o representa, sob pena de não ser representado por qualquer
deles.
Observa-se que, se o sindicato não exercer a prerrogativa de representar
credor trabalhista ou com crédito decorrente de acidente de trabalho dentro do
prazo legal (art. 37, § 6º, I) na primeira convocação, poderá ficar impossibilitado
de fazê-lo na segunda Assembléia, caso esta se realize em menos de 10 dias, por
não cumprir requisito necessário previsto no referido artigo antes mencionado.
Note-se que foi vetado o inciso II do § do art. 37, por sugestão do
Ministério do Trabalho e Emprego. Este inciso dispunha que o sindicato deveria
comunicar aos associados, por carta, que pretendia exercer a prerrogativa de
representá-los na Assembléia. As razões do veto foram as de que tal requisito
seria burocrático e desnecessário, e serviria apenas para restringir a atuação
sindical, que a prerrogativa do sindicato é de representar apenas os associados
que não comparecem na Assembléia por si mesmos ou por procurador. Ademais,
isto possibilitaria a impugnação de legitimidade de representação dos sindicatos e
da própria Assembléia, pois seria difícil coletar milhares de comprovantes de
recebimento ou de postagem para provar que os trabalhadores foram
devidamente comunicados por carta
219
.
Ainda a respeito da representação do credor trabalhista por sindicato,
Jairo Saddi esclarece que vantagens e desvantagens. Como vantagem tem-se
que o sindicato, entidade coletiva e legítima, é mais organizado e preparado do
que um trabalhador individual, que muitas vezes não dispõe nem de tempo nem
de conhecimento especializado. Como desvantagem, tem-se que o sindicato, por
ter uma atuação na esfera política sindical, nem sempre atenderá aos interesses
do credor interessado na recuperação
220
.
219
José da Silva Pacheco. Op. cit., p. 95.
220
O Comitê, in Direito Falimentar, Op. cit., p. 208.
160
Adverte, ainda, referido jurista: “primeiro a representação do credor
trabalhista (ou do trabalhador ainda empregado que não é credor) deveria ser
efetuada por uma comissão eleita na fábrica e não por um sindicato, que muitas
vezes não é representativo nem possui o conhecimento de todos os problemas
que levaram àquele estágio”
221
.
Cumpre-se ressaltar, por fim, que o advogado tem direito a participar da
Assembléia, nas seguintes situações: (i) como credor, ou seja, o próprio
advogado é credor do devedor, circunstância em que, obviamente poderá exercer
os mesmos direitos que qualquer outro credor, isto é, direito à voz e voto, na
defesa de seu interesse; (ii) como procurador de um credor, sendo seu
mandatário, arcar com as responsabilidades inerentes ao mandato que lhe foi
outorgado; (iii) como assessor do credor, prerrogativa prevista pela Lei 8.906/94
Estatuto da OAB (art. 7º, VI, d), sendo que ele é o único que pode ser assessor
do credor presente na Assembléia, não tendo, no entanto, direito à voz ou voto,
podendo apenas recomendar a seu cliente a fala ou declaração a fazer.
Verifica-se que na Assembléia Geral das sociedades anônimas, por ser
uma reunião privada de acionistas, não se permite, em princípio, o ingresso de
outras pessoas no local em que ela está sendo realizada. A lei, no entanto,
permite o acesso à Assembléia Geral de algumas pessoas, nos termos do art. 126,
LSA. Assim, estão legitimados a comparecer à Assembléia Geral:
(i) o acionista: se o acionista for pessoa jurídica exige que se comprove os
poderes de representação da pessoa que está presente na Assembléia; (ii) o
procurador do acionista: pode ser procurador de acionista outro acionista, um
advogado ou um administrador da companhia (art. 126, IV, § 1º). A procuração
não pode ter prazo superior a um ano, salvo se constar de acordo de acionista
registrado na companhia (art. 118, § 7º); (iii) na companhia aberta o procurador
pode ser instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos de
221
Jairo Saddi. Tribuna do Direito, set. 2004, p. 12.
161
investimento representar os condôminos; (iv) o advogado de acionista – por força
do art. 7º, VI, d, da Lei 8.906/94, denominada Estatuto da OAB –, neste caso,
porém, o advogado não tem nem direito de voz, nem de voto, poderá,
portanto, orientar o seu cliente.
Além das situações mencionadas anteriormente, devem comparecer, à
Assembléia, um membro do Conselho Fiscal, quando estiver em pauta matéria de
sua competência (art.164), bem como empregados e administradores da
sociedade convocados pela mesa da Assembléia.
Da mesma forma que ocorre na Assembléia Geral das sociedades
anônimas, a Assembléia de sócios nas limitadas é ato privativo dos sócios, do
qual poderão participar apenas estes ou pessoas autorizadas em lei ou mandato.
Assim, o sócio poderá comparecer pessoalmente (ou por representante legal, no
caso de pessoa jurídica ou incapaz) à Assembléia ou se fazer representar apenas
por outro sócio ou advogado, por meio de mandato com poderes específicos. Este
mandato deverá ser apresentado oportunamente pelo mandatário, sendo entregue
à mesa diretora da Assembléia, que arquivará as procurações junto com a ata da
Assembléia (art. 1.074, § 1º, do CC).
Quanto ao advogado do sócio, deve-se observar que este pode comparecer
à Assembléia tanto na qualidade de representante do sócio, praticando os atos
outorgados no mandato, como na qualidade de advogado no exercício de sua
profissão (art. 7º, VI, d, do EOAB), auxiliando juridicamente seu sócio-cliente, e,
poderá comparecer mesmo na sua ausência para fiscalizar em seu nome a
realização da Assembléia.
Por seu turno, o Juiz e o Ministério Público têm a prerrogativa de
participar da Assembléia Geral o podendo, porém, interferir nos debates e na
votação.
162
O devedor e seus administradores, quando convidados pelos credores ou
convocados pelo juízo, deverão estar presentes na Assembléia para prestar
informações. Observa-se que se a Assembléia for instalada para deliberar sobre o
plano de recuperação judicial, é indispensável a concordância do devedor, neste
caso, portanto indispensável sua presença.
Apesar de a lei não determinar de forma expressa a presença obrigatória
do devedor, até porque se trata de uma Assembléia de Credores, me parece que
sua presença é extremamente importante para o sucesso das deliberações,
especialmente quando a matéria em pauta se tratar da aprovação do plano de
recuperação por ele apresentado.
Normalmente as Assembléias são realizadas na própria sede do devedor,
inclusive, na maioria das vezes, a não ser em casos especiais como antes
mencionado, as despesas para sua efetivação correm por sua conta. Dessa forma,
sua presença significa e demonstra o interesse que ele tem em reorganizar
efetivamente sua atividade bem como atender, da melhor forma possível, os
interesses dos credores, inclusive prestando esclarecimentos necessários para os
credores e demais presentes.
Vale lembrar que ao art. 37, § 7º, determina que será lavrada ata que
conterá o nome dos presentes e as assinaturas do presidente, do devedor e de
dois membros de cada uma das classes votantes, assim, a própria lei insere o
devedor no rol dos participantes da Assembléia de Credores.
Conclui-se, portanto, que apesar de não ser obrigatória sua presença na
Assembléia, dependendo do tema objeto de deliberação, tal como aprovação do
plano de recuperação, sua participação acaba sendo de extrema relevância para
alcançar os objetivos pretendidos no conclave. No entanto, ao que parece, não
sanção prevista para o seu não-comparecimento, por falta de previsão legal neste
ponto.
163
Observa-se, que, na Itália, o devedor tem a obrigação de comparecer
pessoalmente e, apenas em caso de grave impedimento, poderá ser representado
por procurador. Já em Portugal, o devedor tem o direito e o dever de participar da
Assembléia
222
.
5.9. Direito de voto
5.9.1. Princípio da proporcionalidade
O credor tedireito a voto proporcional ao valor de seu crédito admitido
na falência ou recuperação judicial, sendo excluídos do valor as despesas que
individualmente fizeram para tomar parte no processo, por expressa disposição
legal (art. 5º, II). Esta é a previsão do art. 38, caput, 1ª parte.
Poderão os credores deliberar sobre as seguintes matérias, tendo direito de
voto proporcional ao valor de seu crédito nas matérias que seguem: (i) o pedido
de desistência do devedor após o deferimento de seu processamento; ii) o nome
do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; iii) a constituição do
Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; iv) a adoção
de outras modalidades de realização do ativo; v) qualquer outra matéria que
possa afetar os interesses dos credores.
5.9.2. Voto por cabeça – exceção ao princípio geral da
proporcionalidade
Se a Assembléia Geral se reunir para deliberar sobre aprovação, rejeição
ou modificação do plano de recuperação judicial, os titulares de créditos
trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalho, presentes na reunião, terão
os votos contados por cabeça e não pelo valor de seus créditos, ou seja, o voto
será contado por pessoa ou por credor, não dependendo, para tanto, o valor de
222
Jorge Lobo. Comentários, Op. cit., p. 107.
164
seus créditos. Neste caso, será necessária a maioria simples para a aprovação da
proposta.
A lei, neste ponto, tenta buscar certo equilíbrio entre os credores no
sentido de que os créditos trabalhistas e decorrentes de acidente do trabalho,
geralmente, o de valor menor comparativamente aos demais créditos
envolvidos no processo de recuperação da empresa. Assim, com este cálculo, ou
seja, “pela maioria simples dos credores presentes”, objetiva-se um resultado
mais justo, sem imposição de sacrifícios tão grandes a uma determinada
categoria de credores.
5.9.3. Crédito em moeda estrangeira
No curso do processo de recuperação judicial, os créditos em moeda
estrangeira serão convertidos em moeda nacional, com referência no câmbio do
dia anterior à reunião, exclusivamente para votação em Assembléia Geral, na
falência referida conversão se no dia da decretação da quebra. Este critério
tem relevância na medida em que o titular do crédito em moeda estrangeira terá o
peso de seu voto de acordo com a taxa de mbio vigente na véspera da data da
realização da Assembléia.
A lei, no entanto, não menciona qual a taxa de mbio a ser adotada, o
que seria desejável, pois no Brasil vigora o regime de livre flutuação de mbio,
não existindo uma taxa “oficial” a ser adotada pelo Banco Central. A lei deveria
indicar um agente financeiro, além do momento a se considerar a taxa de câmbio.
Assim, o Juiz é que deverá estabelecer qual o critério que o Administrador
Judicial deverá adotar, conforme explica Fábio Ulhoa Coelho
223
.
223
Comentários, Op.cit., p. 98.
165
5.9.4. Legitimados para o exercício de voto
É facultado a todos os credores participar da Assembléia Geral para que
possam exercer tanto o direito de voto como o direito de voz. Porém, no
momento da realização da Assembléia-Geral, nem todos estão aptos para exercer
o direito de voto. Assim, por força do art. 39, caput e § 1º, poderão exercer o
direito de voto os seguintes credores: i) pessoas arroladas no quadro-geral de
credores; ii) não havendo quadro-geral de credores, na lista apresentada pelo
Administrador Judicial; iii) não havendo a lista, na relação nominal elaborada
pelo devedor.
São considerados admitidos os credores que constam em uma das listas de
verificação de crédito. A verificação de crédito é um procedimento que funciona
da seguinte forma: (i) inicia-se com a publicação de edital (art. 52, § 1º, e art. 99,
parágrafo único) e abre-se o prazo de 15 dias para apresentação de habilitações e
divergências (art. , § 1º); (ii) o administrador tem o prazo de 45 dias para
publicação de edital com relação de credores, possível chamar de republicação,
como sugere Fábio Ulhoa Coelho
224
, com eventuais alterações e indicação de
local para que os interessados tenham acesso aos documentos (art. 7º, § ); (iii)
prazo de 10 dias para apresentação de impugnações perante o Juiz, sendo que a
lei legitima qualquer credor, devedor ou sócios da devedora, Comitê, Ministério
Público (art. 8º); (iv) prazo de 5 dias para os credores cujos créditos foram
impugnados contestarem as impugnações (art.11); (v) prazo comum de 5 dias
para manifestação do Comitê (se houver) e do devedor (art. 12); (vi) intimação
do Administrador Judicial para emitir parecer no prazo de 5 dias (art.12,
parágrafo único); (vii) autos conclusos ao Juiz para tomar as providências
previstas no art. 15, I, II, III, IV; (viii) o Administrador Judicial consolidará o
QGC, para ser homologado pelo Juiz e assinado por ambos, o qual será publicado
no órgão oficial no prazo de 5 dias da data da sentença que houver julgado as
impugnações (art. 18).
224
Ibidem, p. 99.
166
Ademais, também m direito a voto: (i) aqueles que habilitaram seus
créditos na data da realização da Assembléia (este é o caso das pessoas que
apresentaram tempestivamente a habilitação de seus créditos mas não constam da
relação publicada); (ii) aqueles que tenham crédito admitido ou alterado por
decisão judicial; (iii) os que obtiveram reserva de importância; (iv) os credores
que tenham obtido provimento cautelar, nos termos do art. 17, parágrafo único.
Na recuperação judicial, como regra, têm direito de participar da
Assembléia, os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial que tenham
sido admitidos ao processo. A recuperação, em regra, atinge todos os credores
existentes ao tempo da impetração do benefício, mesmo que não vencidos, desde
que estejam inseridos no plano de recuperação apresentado pelo devedor.
Todos os credores admitidos na recuperação judicial m direito à voz e
voto na Assembléia, tal como ocorre na falência. Os credores que habilitaram
seus créditos no prazo legal ou apresentaram impugnações, mesmo que não haja
decisão a seu respeito, têm o direito de participar da Assembléia exercendo seu
direito de voz e voto.
A Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Estado de
São Paulo
225
já se pronunciou nesse sentido, conforme ementa abaixo:
Agravo de instrumento. Recuperação Judicial. Credora em
virtude de novação de obrigação. Direito de participar de
Assembléia-Geral de Credores com voz e voto, este na
proporção do valor do crédito que foi objeto da novação,
bastando, para tanto, que tenha pedido sua habilitação,
formulando divergência ou deduzido impugnação judicial, até
que esta seja definitivamente julgada. Agravo Provido.
225
Agravo de Instrumento n. 429.621.4/7-00, Relator Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças.
167
5.9.5. Credores retardatários
Com relação aos credores que não apresentaram divergências ou
habilitaram seus créditos, são considerados credores retardatários e a lei
determina que na falência eles podem participar da Assembléia e discutir as
matérias em questão, porém não podem votar, a não ser que já tenha sido
homologado o quadro-geral de credores contendo o crédito retardatário, situação
em que ele poderá exercer plenamente seu direito de voto.
Por outro lado, os credores de créditos retardatários o terão direito a
voto nas deliberações da Assembléia de Credores na recuperação judicial, mesmo
depois de julgados e admitidos seus créditos. Exceção feita aos créditos
derivados da relação de trabalho, que sempre poderão participar de forma ampla
nas Assembléias, discutindo e votando as matérias objeto de deliberação.
5.9.6. Impedidos de votar
Estão impedidos de votar os credores retardatários exceto se: (i) na
recuperação judicial, forem titulares de créditos trabalhistas (art. 10, § 1º); (ii) na
data da Assembléia, o crédito retardatário tiver sido incluído no quadro-geral
de credores, nos autos da falência, tiver sido homologado, nos autos da
falência (art. 10, § 2º, in fine), conforme já esclarecido no item anterior.
Ademais, por força do art. 49, § 3º, ficam excluídos dos efeitos da
recuperação judicial, o arrendador mercantil, proprietário fiduciário de bens
móveis ou imóveis, proprietário ou promitente de imóvel se houver cláusula de
irrevogabilidade ou irretratabilidade inserida no contrato, bem como os créditos
dos bancos relativos ao adiantamento de contrato de câmbio.
168
Como estes credores não podem ter seus créditos submetidos aos termos
do plano de recuperação, não razão sequer para que participem das
Assembléias de Credores, e, obviamente, não têm direito de voto, sendo certo
que podem continuar exercendo seus direitos em face do devedor para
recebimento de seus créditos, inclusive requerer a falência da recuperanda.
Manoel Justino Bezerra critica a atual lei, afirmando que ela deixou de ser
“lei de recuperação de empresas” e passou a ser “lei de recuperação do capital
financeiro”, uma vez que em diversos momentos referida lei privilegia
demasiadamente o setor bancário, como é o caso do aludido art. 49, §§ e ,
que demonstra de forma acentuada que teve o objetivo de favorecer o capital
financeiro
226
.
Esclarece Fábio Ulhoa Coelho que os credores por obrigações a título
gratuito também estão excluídos da participação em Assembléia, pois a
recuperação judicial extingue o direito, uma vez que o devedor em recuperação é
liberado do pagamento de obrigações a título gratuito
227
. A Lei de Falências, no
inciso I do art. , é clara ao dispor que as obrigações a título gratuito não são
exigíveis do devedor, na recuperação judicial ou na falência.
O art. 43, caput e parágrafo único da Lei de Falências determina que os
sócios do devedor, as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que
tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do capital social do
devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação
superior a 10% do capital social, bem como o cônjuge ou parente, consangüíneo
ou afim, colateral até o 2º grau, ascendente ou descendente do devedor, de
administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal
ou semelhantes da sociedade devedora e à sociedade em que quaisquer dessas
226
Op. cit., p. 46-7.
227
Comentários, Op. cit., p. 101.
169
pessoas exerçam essas funções, não podem votar, muito embora possam
participar dos conclaves.
Essas pessoas não têm direito a voto na Assembléia, porém, m direito à
voz, podendo participar, assim, das discussões, mas não das deliberações. A
limitação dos direitos a essas pessoas deve-se ao conflito de interesses
ocasionado pela simultaneidade das condições de investidores da sociedade
devedora e credores dessa, impedindo que seu voto contribua para a formação da
vontade geral dos credores
228
.
Vale lembrar que um dos pilares da nova Lei de Falências, conforme
esclarece o Senador Rames Tebet
229
, assenta-se na efetiva participação dos
credores, tanto que grande incentivo para que haja interesse de sua parte em
acompanhar efetivamente os processos, decidir questões relevantes por meio das
Assembléias de Credores, constituindo o Comitê de Credores para melhor
fiscalizar seus interesses, objetivando receber seus créditos bem como, no caso
da recuperação judicial, viabilizar a reorganização da atividade econômica que se
encontra temporariamente em crise.
Ademais, o sistema dúplice previsto no art. 45, §§ 1º e 2º, combinado com
o art. 41, § 1º, tem como objetivo incentivar a participação dos credores nas
Assembléias que visem deliberar sobre o plano de recuperação apresentado pelo
devedor, tanto que para os créditos derivados da legislação do trabalho, o cálculo
é feito com base no total de créditos presentes, independente do valor, e referidos
credores votam pelo total de seu crédito, ou seja, não fica o crédito vinculado ao
teto de 150 salários mínimos, limite máximo de recebimento de crédito nesta
categoria por credor, nos termos do artigo 83, I, da Lei n. 11.101/2005.
228
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op. cit., p. 110.
229
Parecer 534, de 2004, sobre o Projeto de Lei da Câmara 71, de 2003, (n. 4.376/93, na Casa de origem).
Publicado no Diário do Senado Federal em 10.06.2004, p. 17.856-17.941: “participação ativa dos
credores: é desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e recuperação, a
fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial com o recebimento de seu
crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou
malversação dos recursos da empresa ou da massa falida”.
170
5.10. Composição das classes de credores
Fábio Ulhoa Coelho entende que quatro instâncias de deliberação na
Assembléia de Credores. Dependendo da matéria objeto de votação, o grupo de
credores será diferente, pois a instância de maior abrangência é o plenário da
Assembléia de Credores. Ao plenário caberá a deliberação de qualquer matéria,
exceto quando se tratar da constituição do Comitê de Credores, da rejeição,
aprovação ou alteração do plano de recuperação judicial apresentado pelo
devedor ou forma alternativa de realização do ativo na falência. Assim, usando a
nomenclatura do autor mencionado, o plenário delibera pela maioria de seus
membros, computados os votos proporcionalmente aos seus valores,
independentemente da natureza do crédito
230
.
Tem-se, dessa forma, três demais instâncias deliberativas, que, conforme
previsão legal (art. 43), sua composição se da seguinte maneira: (i) a primeira
classe ou instância deliberativa corresponde aos créditos derivados da legislação
do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho; (ii) a segunda classe ou
instância deliberativa é composta pelos titulares de créditos com garantia real;
(iii) a terceira e derradeira instância deliberativa corresponde aos titulares de
créditos quirografários, titulares de privilégio (geral e especial) e os
subordinados.
Observa-se que os credores com garantia real votam com a segunda classe
(utilizando a nomenclatura aqui adotada) até o limite do bem gravado e com a
terceira classe pelo restante do seu crédito.
Fábio Ulhoa critica a inclusão dos credores com privilégio na mesma
classe dos credores quirografários. A divisão em classes, segundo o autor, serve
230
Comentários, Op. Cit., p. 105-6.
171
para impedir distorções na formação da vontade da comunhão. Isto é quebrado
quando se colocam na mesma classe credores com crédito de maior importância
que os outros, ou seja, quando a reunião de credores com interesses
divergentes. O correto seria abarcar os credores com privilégio na mesma classe
que os com garantia real, pois há maior convergência de interesses entre eles
231
.
De fato, a reunião de credores de diferentes categorias feita pela lei,
acarretará, com certeza, sérias dificuldades e entraves nas deliberações
assembleares, visto que interesses divergentes entre eles. A lei deveria ter
estabelecido maior número de instâncias deliberativas, para realmente buscar a
paridade entre os credores da mesma categoria ou melhor, não exatamente da
mesma categoria, porém, no mínimo, com interesses semelhantes.
5.11. Quorum
5.11.1. Quorum de instalação
Quorum de instalação é a quantidade mínima de credores que devem estar
presentes na assembléia para que ela se instale validamente, ou seja, para que
possam ser discutidas e deliberadas as matérias da convocação.
Em primeira convocação a Assembléia será instalada com a presença de
titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor e
não pelo número de pessoas titulares dos mesmos. Acrescenta-se que este critério
também é adotado para titulares de créditos trabalhistas.
Se a Assembléia não se realizar quer por não ter atingido o referido
quorum de instalação na primeira convocação ou por outro motivo qualquer,
haverá nova convocação, ou melhor, uma segunda convocação. Neste caso, a
Assembléia será instalada com qualquer número de credores presentes.
231
Comentários, Op. cit., p. 106-7.
172
Como ressaltado em tópico anterior, o edital deve conter as datas tanto
da 1ª como da 2ª convocações, respeitado o devido intervalo determinado pela lei
entre a realização de uma e de outra, respectivamente.
A verificação do quorum de instalação se por meio das assinaturas dos
credores no Livro de Presença, após terem provado sua qualidade. Este quorum
verificado deve ser mantido durante toda a Assembléia, inclusive no momento da
votação. Assim, este quorum é exigido durante toda a realização da assembléia,
podendo ser verificado a qualquer momento a pedido da mesa condutora dos
trabalhos ou de qualquer credor. Os credores poderão retirar-se da reunião desde
que seja mantido o quorum mínimo. Se este não for mantido, A assembléia deve
ser suspensa, não havendo deliberação e votação do restante dos itens da ordem
do dia
232
.
Caso a assembléia seja instalada sem o cumprimento do quorum exigido,
esta será formalmente nula. Caso sejam realizadas deliberações nesta
Assembléia, elas o terão qualquer validade, em razão do vício na formação da
vontade do grupo de credores.
Por ser matéria de ordem pública, o número necessário para a verificação
do quorum de instalação não pode ser modificado de maneira alguma, mesmo
que para majorar o número legal.
Ensina Modesto Carvalhosa que o fundamento do quorum de instalação é
a eficácia do direito dos acionistas de participar da Assembléia Geral, para nela
conhecer, discutir e votar as matérias em pauta. Afirma o autor que é direito de
todo acionista, independentemente de ter ou não direito a voto, de participar das
assembléias, pois, aqueles que não têm direito a voto podem participar das
232
Modesto Carvalhosa. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2003. v.
2
,
p. 674.
173
discussões, influenciando as votações, e é assim que surge a vontade social. O
direito de participação na Assembléia é autônomo do direito a voto e
inderrogável, não podendo ser impedido por estatuto ou pela própria Assembléia,
caso contrário, incorrer-se-á em abuso de poder
233
.
A afirmação acima, apesar de ter sido feita no tocante à Assembléia de
acionistas, é aplicável a todas as espécies de assembléias, incluindo, por óbvio, a
Assembléia de Credores na falência ou na recuperação das empresas.
Cumpre esclarecer, ainda, que o direito de comparecer à assembléia é um
direito e não um dever do credor, o precisando este motivar sua ausência, no
sistema previsto na lei brasileira.
5.11.2. Quorum de deliberação
5.11.2.1. Regra geral – Princípio majoritário
Por outro lado, para que uma proposta apresentada na Assembléia seja
considerada aprovada, credores que representem mais da metade do valor total
dos créditos presentes devem votar afirmativamente nela, assim tem-se o
denominado quorum de deliberação. Salienta-se que para a maioria das matérias
que podem ser objeto de discussão em Assembléia de Credores, exige-se a
maioria simples, ou seja, credores que representem mais da metade dos créditos
presentes, conforme previsto no art. 42, 1ª parte, da Lei de Falências.
Assim, normalmente o quorum de deliberação é de maioria simples de
votos, ou seja, adota-se o princípio majoritário. Dessa forma, a lei impõe que o
credor se submeta à vontade manifestada pela maioria. É um princípio de ordem
pública inderrogável pela Assembléia Geral de Credores, Administrador Judicial
233
Op. cit., p. 676-7.
174
ou qualquer outra pessoa ou órgão da falência ou recuperação judicial, no sentido
de não permitir que a decisão fique nas mãos de uma minoria.
Por outro lado, em algumas circunstâncias, a utilização deste critério pode
gerar para o credor minoritário a possibilidade de participar e exercer seu direito
de voto, mas na realidade, não consegue efetivamente fazer valer sua vontade.
Para se alcançar o quorum de deliberação os credores devem efetivamente
se manifestar a respeito de certa proposta, a favor ou contra. Os votos em branco
e nulos não são contados. Nestes estão compreendidos aqueles que não fazem
nenhuma declaração, pois sua inércia tem o mesmo sentido de que tivessem
votado em branco.
Nesse sentido, segue a ementa abaixo:
234
Agravo de Instrumento. Recuperação Judicial. Assembléia-Geral
de Credores. Apuração do resultado da votação do plano de
recuperação judicial ou de proposta de deliberação assemblear.
Credor que comparece e, tendo o direito de votar, abstém-se de
efetivamente votar favorável ou contrariamente. Crédito do
abstinente que não deve ser levado em consideração para a
apuração do resultado. Créditos presentes à Assembléia devem
ser considerados aqueles dos credores presentes e que
efetivamente votaram, positiva ou negativamente. Aplicação
analógica do artigo 129, “caput”, da Lei das S/A. Agravo
provido.
No entanto, entendo que crédito do credor presente, porém, abstinente
será considerado para efeito de verificação do quorum de instalação.
234
Agravo de Instrumento n. 450.859.4/1-00, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do
Estado de São Paulo, Rel: Des. Manoel Pereira Calças.
175
Observa-se que, segundo Jorge Lobo
235
, a votação poderá se dar
nominalmente, por aceno de mão, por aclamação e secreta, sendo proibido o voto
por correspondência postal ou telegráfica e por e-mail. E, divergindo do referido
autor, Erasmo Valladão afirma não ser possível o voto secreto em Assembléia de
Credores, em função da responsabilização dos credores pelo exercício de voto.
236
Excepcionalmente, a lei exige como quorum de deliberação diferente do
acima mencionado. Trata-se de quorum qualificado para situações especificadas
na Lei de Falências, conforme segue:
5.11.2.2. Quorum qualificado
A deliberação sobre o plano de recuperação judicial deverá ser aprovada
pelas três instâncias classistas. Na classe dos empregados, a maioria exigida é a
do número de credores, desprezado o valor de seus créditos. Nas demais classes,
é necessário o voto favorável de mais da metade da totalidade dos créditos
correspondentes e também pela maioria dos credores presentes. Sistema de dupla
maioria ou dúplice.
Para a aprovação de proposta sobre o plano de recuperação judicial,
adota-se o sistema de dupla maioria por duas classes: (i) credores com garantia
real e credores quirografários, com privilégio especial, geral e subordinados.
Assim, é necessário que mais da metade do valor total dos créditos presentes, e,
cumulativamente, a maioria simples dos credores aprovem a proposta. Isto é,
exige-se a maioria do valor e a maioria de pessoas.
Para aprovar deliberação referente à constituição do Comitê de Credores,
necessário se faz a obtenção de voto favorável de mais da metade de qualquer das
235
Comentários, Op. cit., p. 112.
236
Comentários, Op. cit., p. 212.
176
classes de credores presentes na Assembléia e, conseqüentemente, cada classe
escolhe exclusivamente seu representante.
No tocante à deliberação sobre realização do ativo de forma alternativa
durante o processo de falência, o quorum é de dois terços dos créditos presentes à
Assembléia. No Decreto n. 7.661/45 exigia-se o quorum de 2/3 dos créditos de
forma geral e não presentes à Assembléia.
5.11.2.3. Empate nas votações
O Decreto-Lei 7.661/45 previa a hipótese em questão, qual seja, o empate
nas deliberações, e a solução estava prevista no art. 122, § 3º. Assim, ocorrendo
empate nas votações, a decisão seria tomada com base no maior número de
credores. No entanto, a lei atual nada disciplina a respeito desta questão. Erasmo
Valladão
237
opina no sentido de que se não foi alcançado o quorum legal, isto é,
mais da metade dos créditos presentes ao conclave, é porque a proposta foi
rejeitada.
Parece correta esta visão de que a lei silenciou porque não que se falar
em critério para desempate uma vez que o quorum legal não foi atingido, tendo
sido a proposta efetivamente rejeitada. E, se for o caso, a matéria pode ser
colocada em pauta para nova deliberação.
5.12. Suspensão ou adiamento da Assembléia Geral
A Assembléia se realiza independentemente de conflitos de interesses
sobre a existência, quantificação ou classificação de créditos. A Lei, no art. 40,
não permite que o Juiz defira medida liminar de caráter cautelar ou antecipatório
237
Comentários, Op. cit., p. 215.
177
dos efeitos da tutela para suspensão ou adiamento da Assembléia, sendo
irrelevante, nestas circunstâncias, se esta já tenha sido convocada ou não.
Fábio Ulhoa Coelho
238
afirma que a Assembléia poderá ser suspensa
ou adiada por provimento liminar quando o fundamento for diverso da
existência, quantificação ou classificação do crédito, como por exemplo, a grave
e insuperável irregularidade na convocação.
Se o relator do agravo de instrumento interposto da decisão sobre
habilitação tempestiva, retardatária ou impugnação tiver efeito suspensivo,
dando-lhe provimento liminar, com a inclusão do crédito, ou nova classificação,
o credor beneficiado poderá participar e votar na Assembléia, mas não suspendê-
la ou adiá-la
239
. Isto garante o direito eventualmente lesado de certo credor, sem
prejudicar os demais
240
.
A suspensão ou adiamento da Assembléia são medidas incompatíveis com
os breves prazos estabelecidos para a recuperação judicial e com o princípio da
celeridade do processo falimentar
241
.
A respeito deste assunto se pronunciou o Tribunal de Justiça de São
Paulo:
Recuperação Judicial. Agravo interno contra decisão
monocrática que, com fulcro no artigo 40, da Lei
11.101/2005, não suspendeu Assembléia-Geral de Credores em
que será objeto de deliberação do plano alternativo, eis que
rejeitado o anteriormente apresentado. Alegação de
inconstitucionalidade do aludido dispositivo legal, por afronta
ao artigo 5º, XXXV, da CF, bem como de maltrato ao princípio
238
Comentários, Op. cit., p. 104-5.
239
Jorge Lobo. Comentários, Op. cit., p. 110.
240
Fábio Ulhoa Coelho. Comentários, Op.cit., p. 104.
241
Ibidem, p. 104.
178
da preservação da empresa. Possibilidade de o credor
majoritário, valendo-se do valor de seu crédito, em discussão
judicial, impor a rejeição do plano alternativo. Agravo interno.
Agravo desprovido
242
.
Verifica-se que caso a Assembléia demore muito em virtude do grande
número de credores ou ainda por qualquer outra razão não possa ser encerrada no
mesmo dia, parece não haver problema em dar sua continuidade no dia seguinte,
mesmo não havendo regra específica sobre a questão. O ideal é fazer constar no
próprio edital de convocação esta ressalva, caso seja previsível a ocorrência desta
situação. Observa-se que na Alemanha a própria lei expressamente prevê a
dispensa de convocação em caso de adiamento da Assembléia
243
.
5.13. Quadro sintético
Abaixo segue tabela com artigos da Lei n. 11.101/2005 que tratam da
Assembléia de Credores, bem como referências aos dispositivos do Código Civil
aplicáveis à matéria, com os comentários pertinentes.
Matéria Norma aplicável
1. Atribuições Art. 35, LF.
2. Convocação Pelo Juiz, por edital publicado no órgão
oficial e em jornais de grande circulação, com antecedência
mínima de 15 (quinze) dias, em 1
a
e em 2
a
convocação, não
podendo a 2ª convocação ser realizada menos de 5 (cinco)
242
Agravo Interno n. 507.131.4/0-01, Câmara Especial de Falências, Tribunal de Justiça de São Paulo,
Relator: Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 27-6-2007.
243
§ 74, 2, insolvenzordnung (Erasmo Valladão, Comentários, Op. cit., p. 204).
179
dias depois da 1
a
(art. 36).
3. Contagem de
prazos de
convocação
Erasmo Valladão defende tratar-se de regra de
direito material. Logo, a contagem do prazo de 15 dias
segue o art. 132, caput, e o art. 1.152, § 3º, do CC
244
.
4. Casos
específicos de
convocação
Credores que representem no mínimo 25% do valor total
dos créditos de uma determinada classe poderão requerer ao
Juiz a convocação de assembléia-geral (art. 36, § 2º).
5. Dispensa de
Assembléia?
Não é aplicável o art. 1.072, § 3º do CC, que dispõe
que a Assembléia torna-se dispensável quando todos os
sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria
objeto delas. Isso ocorre por força do artigo 37, § 3º,
cristalino ao exigir obrigatoriamente a assinatura dos
credores na lista de presença da Assembléia.
6. Dispensa de
convocação
Dispensam-se as formalidades de convocação
quando todos os sócios comparecerem ou se declararem,
por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia (art.
1.072, § 2º, CC). Entendo que esta disposição não deve se
aplicar à Assembléia de Credores. Tendo em vista que a LF
é clara ao trazer os procedimentos de convocação. Não se
pode recorrer a lei geral para se furtar aos procedimentos de
lei especial, que àquele se sobrepõe.
7. Edital Conteúdo: (i) local, data e hora da Assembléia em
e em convocação, não podendo esta ser realizada
menos de 5 dias depois da 1ª; (ii) a ordem do dia; (iii) local
onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do
plano de recuperação judicial a ser submetido à deliberação
da Assembléia (art. 36).
8. Despesas As despesas com a convocação e a realização da
Assembléia-Geral correm por conta do devedor ou da
massa falida, salvo se convocada em virtude de
requerimento do Comitê de Credores ou na hipótese do §
do art. 36 (art. 36, § 3º).
9. Presidência A Assembléia será presidida, como regra, pelo
Administrador Judicial, que designará 1 secretário dentre os
credores presentes (art. 37).
10. Instalação A assembléia instalar-se-á, em 1
a
convocação, com
a presença de credores titulares de mais da metade dos
créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em 2
a
convocação, com qualquer número (art. 37, § 2º).
244
Erasmo Valladão. A Assembléia-Geral de Credores na nova Lei Falimentar, in Revista de Direito
Mercantil, São Paulo: Malheiros, n. 138, p. 71-101, abr./jun. 2005.
180
11. Lista de
Presença
Para participar da Assembléia, cada credor deverá
assinar a lista de presença, que será encerrada no momento
da instalação (art. 37, § 3º).
12. Representação
O credor poderá ser representado por mandatário ou
representante legal, desde que entregue ao Administrador
Judicial, até 24 horas antes da data prevista no aviso de
convocação, documento que comprove seus poderes (art.
37, § 4º).
13. Participação
na Assembléia
No caso do art. 43, a definição de sociedades
“coligadas”, “controladoras” e “controladas” deve ser
verificada no CC ou na LSA, conforme for o caso. Aqui,
tem-se que estas definições deverão buscar seu significado
na legislação que se aplique à forma jurídica de cada
sociedade credora.
14. Lavratura de
ata
Do ocorrido na Assembléia, lavrar-se-á ata que
conterá o nome dos presentes e as assinaturas do presidente,
do devedor e de 2 membros de cada uma das classes
votantes, e que será entregue ao Juiz, juntamente com a lista
de presença, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas (art. 37,
§ 5º).
15. Direito de
voto
O voto do credor será proporcional ao valor de seu
crédito, ressalvado, nas deliberações sobre o plano de
recuperação judicial, o disposto no § 2
o
do art. 45 (na classe
prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá
ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes,
independentemente do valor de seu crédito) (art. 38).
Terão direito a voto na Assembléia-Geral as
pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua
falta, na relação de credores apresentada pelo
Administrador Judicial ou, ainda, na falta desta, na relação
apresentada pelo próprio devedor, acrescidas, em qualquer
caso, das que estejam habilitadas na data da realização da
assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados
por decisão judicial (art. 39).
16. Vícios do
voto
O voto é declaração de vontade, aplicando-se a
disciplina dos negócios jurídicos prevista no CC (arts. 166,
167 e 171 do CC). Note-se que a invalidade do voto
181
somente levará à invalidade da Assembléia se determinante
para a formação da maioria
245
.
17. Conflito de
interesses
A despeito de a LSA trazer disposição expressa
prevendo anulação de deliberação tomada em decorrência
de voto conflitante (art. 115, § 4º), o CC foi silente neste
aspecto, prevendo somente indenização por perdas e danos
(art. 1.010, § 3º, e 1.017, § único, do CC).
18. Classes de
credores
A Assembléia-Geral será composta pelas seguintes
classes de credores:
(i) titulares de créditos derivados da legislação do
trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho (votam
com o total de seu crédito, independentemente do valor);
(ii) titulares de créditos com garantia real (votam
até o limite do valor do bem gravado);
(iii) titulares de créditos quirografários, com
privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
19. Aprovação
das propostas
Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver
votos favoráveis de credores que representem mais da
metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-
geral (art. 42).
Nas deliberações sobre o plano de recuperação
judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41
deverão aprovar a proposta (art. 45).
Em cada uma das classes referidas nos incisos II e
III do art. 41, a proposta deverá ser aprovada por credores
que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria
simples dos credores presentes (art. 45, § 1º).
Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a
proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos
credores presentes, independentemente do valor de seu
crédito (art. 45, § 2º).
O credor não terá direito a voto e o será
considerado para fins de verificação de quorum de
245
Erasmo Valladão. A Assembléia-Geral de Credores na Nova Lei Falimentar, in Revista cit., p. 71-
101.
182
deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o
valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito
(art. 45, § 3º).
A aprovação de forma alternativa de realização do
ativo na falência, prevista no art. 145, dependerá do voto
favorável de credores que representem 2/3 (dois terços) dos
créditos presentes à assembléia (art. 46).
183
6. CONCLUSÕES
A necessidade de renovação do direito falimentar gerou no final do século
passado amplas discussões e estudos sobre o conceito, funcionamento e objetivos
dos sistemas vigentes em diversos países do mundo. Como decorrência deste
movimento, países como Itália, França, Alemanha, Estados Unidos, Espanha,
Portugal alteraram suas legislações falimentares a fim de adaptá-las à realidade
econômica e social da atualidade.
Verifica-se que não há modelo ideal, pois cada país tem suas necessidades
e peculiaridades próprias sendo irreal a busca de uniformização de um sistema
mundial de legislação falimentar.
Com este pensamento de criar uma nova estrutura mais adequada à
realidade econômica brasileira, foi sancionada a Lei n. 11.101, em 9 de fevereiro
de 2005, entrando efetivamente em vigor no dia 9 de junho do mesmo ano, após
120 dias de vacatio legis.
Neste cenário surgiu a nova lei, denominada Lei de Falências e
Recuperação de Empresas, objetivando, fundamentalmente, a preservação das
empresas que temporariamente estejam passando por uma crise econômico-
financeira, a possibilidade de sua manutenção no mercado, tendo em vista todos
os reflexos que dela decorrem. Reconhecendo sua importância social, oferece a
atual lei, oportunidades para a superação da crise da empresa, evitando sua
falência.
184
O objetivo de preservar a atividade empresarial é tão latente na nova lei
que, inclusive na falência, se procura por meio das formas de venda dos bens da
falida bem como por meio da previsão legal de negativa de sucessão tributária e
trabalhista, não a sua liquidação, mas a sua continuidade, sempre tendo em vista
a manutenção da unidade produtiva.
O antigo decreto-lei que se encontrava obsoleto diante da realidade atual
do Brasil, adotava um sistema em que não havia a participação dos credores,
tanto na falência como na concordata, sendo que esta última era requerida pelo
devedor e concedida pelo Estado, submetendo os credores aos efeitos dela, sem
sua anuência ou oitiva.
A nova lei, no entanto, ao revés da legislação anterior, incentiva a
participação dos credores de forma efetiva na falência e, especialmente na
recuperação judicial das empresas, por meio de dois órgãos: O Comitê de
Credores e a Assembléia de Credores, sendo que esta ultima, apesar de não ser
inovação no direito brasileiro, foi totalmente remodelada sendo que suas funções
foram ampliadas sensivelmente. Vale lembrar que no tocante à recuperação
judicial é ela que delibera sobre o plano de recuperação apresentado pelo
devedor, podendo aprová-lo, rejeitá-lo ou, ainda, alterá-lo.
Os credores podem, ainda, deliberar pela constituição de Comitê de
Credores, órgão com funções eminentemente fiscalizadoras, cuja existência
depende, como regra, da deliberação da Assembléia Geral e atua no interesse
exclusivo dos próprios credores.
Por serem procedimentos judiciais, tanto a falência como a recuperação
judicial passam por uma tramitação pelo Poder Judiciário. O Juiz conta com o
auxílio de mais um órgão, além dos dois anteriormente mencionados: o
Administrador Judicial, que sepessoa de sua confiança por ele nomeada e o
auxilia no decorrer dos processos em questão.
185
Assim, como toda lei que entra em vigor, a Lei n. 11.101/2005 suscitou
diversos questionamentos em aspectos variados, no entanto, uma questão que
ainda permanece em aberto é relativa ao limite da atuação do Poder Judiciário no
tocante ao plano de recuperação apresentado pelo devedor e a soberania das
decisões da Assembléia Geral de Credores.
Trata-se de questão delicada que depende da análise de diversos valores
prestigiados pela lei, tais como interesse dos credores e a satisfação de seus
créditos, a liberdade de negociação entre credores e devedor, poder decisório dos
credores, livre iniciativa e o interesse público decorrente do exercício da
atividade econômica privada, a manutenção das atividades econômicas, bem
como a independência do Poder Judiciário.
A dificuldade justamente reside em realizar uma interpretação da norma
de forma a não anular qualquer dos valores em questão que precisam, na medida
do possível, ser equilibrados. Mas acima de tudo deve-se buscar o real alcance do
direito posto utilizando os métodos de interpretação das normas.
As empresas ao explorarem atividades econômicas sempre correm riscos
e sujeitam-se a variações do mercado e instabilidades econômicas que, não
necessariamente, decorrem diretamente da má gestão delas. Nesse sentido,
quando a empresa passa por certa crise, ela pode encontrar algumas saídas,
contando com o auxílio de investidores que decidem aportar capital e, desta
forma, reestruturar a atividade econômica explorada, ou ainda, pode ela propor
acordos de parcelamentos de dívidas com seus credores (acordos extrajudiciais,
hoje previstos na Lei 11.101/2005) o que no passado se configurava como ato de
falência. Várias saídas podem por ela ser encontradas com a finalidade de se
manter no mercado, sem necessitar da intervenção do Estado.
186
Por outro lado, o Estado deve, sempre que possível, dar instrumentos e
condições estimulando de diversas formas o desenvolvimento das atividades
empresárias de maneira geral, não em momentos de crise, mas criando um
ambiente propício para que mais pessoas tenham interesse em investir na
atividade econômica, tendo em vista que nossa Constituição Federal adota um
modelo econômico que se funda na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa.
Porém, em alguns momentos, por diversos fatores conjunturais, ela pode
encontrar dificuldades para solucionar seus problemas no próprio mercado; isto,
pois, não significa rigorosamente que ela é inviável, mas, antes que sua falência
seja decretada a pedido de eventual credor, ainda lhe resta uma possibilidade:
pedir socorro ao Poder Judiciário, pleiteando sua recuperação judicial.
Na sociedade moderna a empresa exerce papel fundamental permitindo a
geração de empregos, arrecadação de tributos, dentre outras funções de extrema
importância para a sociedade. Em decorrência disso, a atual lei possibilita a
recuperação empresarial preferencialmente à decretação da falência, buscando
recuperar empreendimentos produtivos e, ao mesmo tempo, eliminar do mercado
atividades inviáveis, irrecuperáveis.
Cumpre esclarecer que o interesse social atrelado à manutenção da
empresa com a proteção da atividade produtiva difere completamente dos
interesses particulares do devedor empresário ou administradores da sociedade
devedora, situação esta não assegurada pela lei.
Prosseguindo o raciocínio, o devedor ao pleitear sua recuperação em
juízo, apresenta um plano de recuperação para que os credores reunidos em
Assembléia possam aprová-lo, rejeitá-lo ou alterá-lo.
187
O art. 56, caput, da Lei de Falências é claro ao dispor que o Juiz
convocará Assembléia Geral de Credores se houver objeção de qualquer credor
ao plano de recuperação apresentado. Neste caso, o Juiz tem o dever de convocar
tal Assembléia. No entanto, ao interpretar, contrario sensu, tal dispositivo legal,
verifica-se que não havendo objeções ao plano, o Juiz não precisa convocar a
Assembléia.
Entendo que isto não significa que o magistrado está impedido de
convocar a Assembléia em questão, mas é uma faculdade a ele outorgada por lei,
tratando-se, portanto, de ato discricionário. Ele pode ou não convocá-la quando
ocorrer a situação mencionada, dependendo da análise concreta do plano
apresentado.
O Juiz deve, inicialmente, verificar se o plano contém os documentos
exigidos no art. 53 e incisos, bem como se ele está em conformidade com os
parâmetros legais. Ultrapassada esta fase, o Juiz avaliará as reais possibilidades
de recuperação da empresa em crise, por meio do plano apresentado em juízo
pelo devedor. Esta análise é muito complexa e depende, necessariamente, de
auxílio de especialistas, conforme abaixo melhor será esclarecido este ponto.
Assim, caso o Juiz tenha dúvidas acerca desta viabilidade, mesmo que não
tenha havido objeção por parte dos credores em relação ao plano, o Juiz pode e,
muitas vezes deve, convocar a Assembléia, justamente para que aqueles que m
interesse direto, ou seja, os próprios credores, por serem os primeiros que sentem
os efeitos da crise que a empresa devedora está passando, deliberem em conjunto
sobre o destino da empresa requerente. Desse modo, terão a oportunidade de
analisar com mais cautela os detalhes e propostas constantes do plano para,
então, decidir sobre ele.
188
Por outro lado, o Juiz deve levar em conta a condição econômica da
requerente, uma vez que gastos para a convocação e realização da Assembléia
de Credores, que correm por conta da empresa, bem como evitar que o processo
demore mais do que o necessário, tendo em vista o princípio da celeridade que
deve nortear o processo falimentar bem como o de recuperação das empresas.
Todavia, presentes estas situações e não havendo objeções ao plano por parte dos
credores, o Juiz deve homologá-lo, nos termos do art. 58 da Lei de Falências.
Neste ponto, surge o seguinte questionamento: Como efetivamente o
Poder Judiciário tem condições para avaliar se a empresa merece ou não ser
recuperada? E os credores, como fazem esta análise?
Concluir pela viabilidade da empresa não é algo o singelo uma vez que
depende da análise de diversos fatores de ordem técnica, econômica, dentre
outros, cuja formação do magistrado não o capacita para tal mister. Tampouco a
massa de credores, de maneira geral, possui esta condição.
Pelo sistema normativo atual, o Juiz se vale de auxiliares, como os peritos
judiciais, que levam subsídios para que o Magistrado possa fundamentar suas
decisões. Tendo em vista sua imparcialidade e com base no parecer de seu
auxiliar, deve tentar dar o melhor encaminhamento ao processo procurando
preservar a empresa, de acordo com a análise realizada acerca da viabilidade da
atividade em questão.
Porém, de outro lado, os credores, em sua generalidade, pretendem
exclusivamente receber seus créditos, não se importando, num primeiro
momento, se a empresa tem efetivamente condições de se recuperar.
Ora, seria ingênuo pensar que os credores, em sua maioria, realmente
pretendem que a empresa se recupere, tirante algumas espécies de credores como
os trabalhistas que m interesse na manutenção de seus postos de trabalho ou
189
credores que dependem da continuidade da atividade que se encontra em crise
para sua própria sobrevivência. Os demais, em princípio, pretendem
exclusivamente o recebimento de seus créditos.
Seguindo este raciocínio, se os credores em Assembléia podem deliberar
sobre o plano, corre-se o risco de não ser aprovada tal proposta em virtude de
interesses particulares de certo número de credores que preferem a falência da
sociedade requerente da recuperação, pois verificam que podem ter maiores
chances de receber seus créditos no processo falimentar do que da maneira
prevista no plano apresentado. E não se pode dizer, nestas circunstâncias, que o
credor que assim agisse, estaria abusando de seu direito, pois me parece que ele
estaria exercitando regularmente um direito que lhe cabe e lhe é legitimo o
direito de voto na Assembléia de Credores.
E os objetivos da lei? Como compatibilizar interesses de credores com a
recuperação da empresa?
Proponho duas alternativas:
Primeiramente, sugiro a criação pelo Estado de um órgão específico para
proceder a esta análise, sendo composto por profissionais especializados em
gestão e recuperação de empresas. Este órgão seria custeado pelas próprias
sociedades empresárias, incluindo-se também os empresários individuais que
pagariam uma taxa à Junta Comercial do Estado, justamente para este fim.
Dessa forma, todas as atividades empresárias contribuiriam com a sua
classe, pois qualquer um pode chegar a uma situação de crise e se socorrer do
instituto da Recuperação Judicial das Empresas, recém-ingressado no sistema
brasileiro. Seria algo interessante para os próprios empresários que não correriam
o risco de ter decretada sua falência quando a atividade poderia ser recuperada
190
nos termos do parecer proferido por órgão especializado. Ocorreria uma
cooperação mútua entre os empresários.
Assim, o parecer do órgão especializado auxiliaria tanto na decisão
judicial como na própria decisão dos credores acerca da real possibilidade de
reerguimento da atividade. A decisão do Juiz ou da Assembléia de Credores, no
entanto, não ficaria vinculada ao parecer, mas este serviria de subsídio para que o
Juiz afastasse eventual decisão de rejeição do plano com a decretação da quebra,
dando a oportunidade para a recuperação de empresas, caso constatada sua
viabilidade.
Na atual lei, o devedor empresário em crise requer sua recuperação e
apresenta um plano por ele elaborado, na maior parte das vezes com auxílio de
especialistas na área sendo que os credores poderão aprová-lo, rejeitá-lo ou
modificá-lo.
Nessa sistemática, muitas vezes o princípio da preservação da empresa
bem como os objetivos pretendidos pela Lei n. 11.101/2005 podem ficar
mitigados em prol de interesses pessoais dos credores.
É compreensível que a lei atual tenha atribuído bastante poder de decisão
aos credores tendo em vista que na antiga lei, a sistemática adotada no
procedimento da concordata, não permitia qualquer participação deles, uma vez
que simplesmente se submetiam à forma de pagamento escolhida pelo devedor
dentro das possibilidades legais.
No entanto, que se ter cautela ao deixar tanto poder nas mãos dos
devedores, pois a meu ver o Brasil é um país que ainda não tem uma cultura
participativa e de cooperação como ocorre nos Estados Unidos, em que o sistema
permite ampla negociação por parte dos credores e devedor sendo que o Capítulo
191
11 do Bankruptcy Code tem a preocupação de criar um ambiente favorável às
negociações entre os interessados. Assim, o Poder Judiciário somente intervém
para garantir o tratamento justo e eqüitativo entre as classes dos credores.
No Brasil, ainda é necessário amadurecimento para que os credores
tomem uma decisão tão importante que é o futuro da atividade que pretende se
recuperar. Até porque, se o devedor busca o Poder Judiciário para pleitear sua
recuperação, via de regra, é porque não conseguiu outras soluções que o mercado
oferece, tampouco obteve sucesso com as negociações extrajudicias
eventualmente propostas aos credores.
Sob esta ótica, quando o interessado devedor procura o Estado com
objetivo de salvaguardar a atividade empresária em crise, o Juiz não pode
simplesmente ter uma posição passiva, mas ao contrário, deve ele ter uma
posição ativa, sempre no sentido de buscar o objetivo maior da lei: a preservação
da empresa, que é um princípio constitucional implícito previsto no art. 170 da
Constituição Federal e, como explicitado no decorrer deste trabalho, princípios
são as bases do sistema jurídico e o seu não atendimento compromete o todo e,
portanto, ele sofrerá grandes abalos.
E, não se pode olvidar que os princípios que norteiam a Lei 11.101 estão
previstos no art. 47 da lei em vigor e encontram respaldo na Constituição
Federal. Desta forma, preservando-se a atividade empresária, como
conseqüência, os demais valores prestigiados pela lei de falências também
ficarão assegurados.
Assim, como regra, o Juiz não alterará as decisões tomadas pela
Assembléia de Credores com o objetivo de assegurar a participação efetiva dos
credores nos conclaves e a possibilidade de negociações que podem chegar a
bons resultados.
192
Em princípio, presume-se que uma Assembléia com credores interessados
no bom andamento do processo deliberará de maneira a atender o interesse dos
envolvidos bem como o interesse da sociedade, tornando, desta forma, possível a
recuperação da empresa em crise para que ela cumpra sua função social.
Porém, caso o Juiz perceba que os valores prestigiados pelo sistema
estejam sendo desrespeitados em prol de interesses particulares, deve ele, sem
dúvida, intervir para que seja possível dar cumprimento ao princípio da
preservação das empresas, mesmo que não haja previsão expressa na lei para
tanto, desde que verificada a viabilidade do reerguimento da atividade
empresária.
Sob nossa ótica, a Assembléia Geral de Credores não tem poder decisório
pleno uma vez que o substitui o poder jurisdicional, no sentido de que suas
decisões ficarão sujeitas ao controle do Poder Judiciário no que diz respeito o
à parte formal como também à observância dos princípios informadores do
processo falimentar e do processo de recuperação judicial das empresas, pois não
podem contrariar normas ou princípios vigentes no sistema.
Neste ponto, retorna-se à solução proposta neste trabalho sobre a
importância da criação de órgão especializado para embasar de forma adequada a
decisão do Juiz de aprovar o plano mesmo que ele tenha sido rejeitado pela
Assembléia, tendo em vista as possíveis chances que a atividade em crise tenha
de se recuperar.
Assim, conclui-se que os princípios que norteiam a atual lei de falências
não podem ser desconsiderados e as decisões tomadas, quer pelo Poder
Judiciário, quer pela Assembléia de Credores, devem ser pautadas no sentido de
preservar a atividade que se encontra em crise, desde que comprovada a
193
possibilidade de sua recuperação, por meio de parecer emanado por órgão
competente.
Dessa forma, compatibilizam-se os interesses de credores, o que deve ser
entendido de forma abrangente e nunca visando benefícios individuais para
satisfação de créditos, com o interesse público que norteia o princípio da
manutenção das empresas assegurado pela Constituição Federal.
Tendo em vista as possíveis dificuldades que deverão ser enfrentadas para
a criação do órgão sugerido, que com certeza serão inúmeras, bem como a
eficiência dos trabalhos que ali serão realizados podem não atingir o objetivo
pretendido, sugiro uma outra alternativa: para evitar que interesses pessoais de
credores se sobreponham ao interesse maior objetivado pela lei que é o
princípio da preservação da empresa a decisão que rejeitar qualquer plano de
recuperação apresentado deve ser motivada pelos credores, devendo contratar às
suas expensas empresa especializada, com a finalidade de demonstrar a
inviabilidade da atividade.
É muito importante motivar a decisão e não simplesmente rejeitar o plano
sem ao menos esclarecer as razões, pois fundamental é buscar o objetivo do
princípio em questão – qual seja – a preservação da empresa.
Obviamente se a atividade empresária não tem realmente condições de se
recuperar, uma vez avaliada por “experts” da área, deve ser decretada sua
falência, que culminará com o término de sua personalidade jurídica, isto é, sua
dissolução total.
Conclui-se que, apesar da enorme importância da Assembléia de Credores
nos moldes traçados pela Lei n. 11.101/2005, bem como a possibilidade de ampla
participação dos credores nas decisões de fundo, o que não era possível na
194
vigência do Decreto-Lei 7.661/45, o Juiz, tendo em vista sua imparcialidade e
independência, deve procurar a melhor solução para a empresa em crise: (i)
decretando a falência, muito embora haja uma forte tentativa de evitar a falência
das atividades empresárias, quando esta situação se materializa, não outra
alternativa a não ser sua liquidação, ou, (ii) homologando sua recuperação
judicial, constatada a possibilidade de seu reerguimento, ainda que o plano
apresentado pelo devedor tenha sido rejeitado, sob pena de se tornar o magistrado
um mero homologador de decisões assembleares.
Estas são algumas observações que foram feitas relativas ao tema objeto
deste trabalho, sendo certo que outros tantos aspectos precisam ser apreciados
com bastante cautela pelo Poder Judiciário bem como por todos os participantes
do processo, especialmente os credores que devem ter maturidade suficiente para
compreender que interesses envolvidos maiores do que a mera satisfação de
seus créditos de forma imediata e, para alcançá-los, a sua colaboração é
fundamental.
Assim, o bom funcionamento da lei depende da interação e participação
efetiva dos Órgãos da Administração da Falência e da Recuperação Judicial,
contribuindo de forma conjunta para que ela realmente possa ser um instrumento
eficaz no sentido de auxiliar a recuperação de empresas viáveis, cumprindo desta
maneira, sua função social.
195
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