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O que ela faz é colocar em discussão o ethos da paródia, que normalmente é lido
como desdenhoso, ridicularizador. Ela ressalta a importância da inversão irônica, que nem
sempre ridiculariza. A paródia tem a vantagem de ser simultaneamente uma recriação e
uma criação, o que faz da crítica uma espécie de exploração ativa da forma. Assim, passa a
poder ser lida como homenagem. Contém em si a ironia
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, o que a autora chama de
“transcontextualização”. E ao deslocar o conceito de paródia do que normalmente se atribui
ao termo, não estaria Linda Hutcheon chamando atenção para uma paródia “malandra”?
Malandra por que pode homenagear, ridicularizar ou quem sabe julgar, não possui um ethos
fixo. É essa uma razão pela qual acredito que essa perspectiva de paródia serve para esta
abordagem, pois como já havia dito, esse complexo “malandrístico” em forma de peça que
analiso está recheado de transcontextualização
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, como no caso do conto e da letra alemã
que dão origem à canção Geni e o Zepelim.
1.4 Chico Buarque, 40 Anos de carreira e Budapeste
Muito se tem escrito sobre a obra desse autor que firma uma carreira de cerca de 40
anos. Em 2004, Chico completa 60 anos e diversas são as tentativas de homenagear esse
compositor de quem muitos brasileiros acham saber um pouco. O assédio dos meios de
pede que se reconsidere a definição formal do termo. A paródia, como o pastiche – que acentua a
semelhança e é monotextual – é um empréstimo confessado, mas se diferencia por ser uma síntese
bitextual. Ela partilha com a citação, a alusão e o pastiche uma restrição de foco: a sua repetição é
sempre de outro texto dicursivo. O ethos desse ato de repetição varia, mas o seu alvo é sempre
voltado para outra instância textual. A sátira, pela sua conotação social e moral corretiva, indica
saltar os muros entre textos para fixar seu alvo na correção da sociedade. Para Linda Hucheon,
ethos, é a principal resposta intencionada conseguida por um texto literário. É a intenção inferida
pelo decodificador, a partir do texto. A autora afirma que seu conceito de ethos não se assemelha ao
de Aristóteles, mas está relacionada com o conceito de pathos do filósofo grego. Dessa forma, o
ethos geralmente aceito para a ironia é o “escarnecedor”; para a sátira, um ethos “desdenhoso”; e o
ethos que normalmente se atribui à paródia é negativamente marcado pelo “rídiculo”. Linda
Hutcheon, em Uma teoria da paródia, p.11-12, 30-48, 50, 56, 61, 76-77.
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O contraste entre o que se afirma e o que significa não é a única função da ironia. A ironia julga e
funciona, pois, quer, como antifrase, quer como estratégia avaliadora. Segundo Linda Hutcheon, a
ironia pode ser vista em operação a um nível microcósmico – semântico – da mesma forma que a
paródia a um nível macrocósmico – textual. A ironia sobrepõe contextos semânticos, enquanto a
paródia sobrepõe contextos textuais, transcontextualiza. Linda Hutcheon, op. cit., p.73-74.
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Daisy Aparecida Nogueira afirma em sua dissertação de mestrado que a paródia é um dos traços
unificadores entre Calabar, Gota d’Água e a Ópera do Malandro. Chico Buarque, em seu teatro,
utiliza a paródia como um dos procedimentos desarmantes e eficientes, para a instauração da sátira
político-social. As peças se caracterizam por um espaço teatral dialógico, que exige a cumplicidade
do leitor/espectador. Este, por sua vez, deve alcançar a intertextualidade estrutural e assim,
participar, ludicamente, da rebeldia inventiva da paródia. Daisy Aparecida, A figura feminina no
teatro de Chico Buarque & Cia, 1995, p.24,29.