resumiria a Otame e Zadig. O primeiro usava armas azuis e ouro, com um penacho das mesmas côres; as
Zadig eram brancas. Todos os votos se dividiam entre o cavaleiro azul e o cavaleiro branco. A rainha,
com o com o coração a palpitar, rezava pela côr branca.
Os dois campeões fizeram passes e voltas com tanta agilidade, trocaram tão belos golpes de lança, tão
firmes estavam nos estribos, que todos, menos a rainha, desejavam que houvesse dois reis em Babilônia.
Enfim, cansados ambos cavalos e rôtas as duas lanças, Zadig usou de um expediente, Passa por trás do
príncipe azul, salta-lhe à garupa, toma-o pela cintura, lança-o por terra, monta na sela em seu lugar e
caracoleia em tôrno de Otame estendido na arena. Todo anfiteatro brada: "Vitória ao cavaleiro branco!"
Otame indignado, ergue-se, puxa da espada; Zadig apeia, de sabre em punho. Ei-los ambos na arena,
empenhados em novo combate, em que vencem alternadamente a agilidade e a fôrça. As plumas dos
capacetes, os pregos dos braçais, as malhas das armaduras saltam ao longe, sob mil golpes precipitados.
Golpeiam de ponta e de fio, à direita, à esquerda, na cabeça, peito; recuam, avançam, medem-se,
chocam-se, enlaçam enroscam-se como serpentes, atracam-se como leões; a todo instante saltam chispas
dos golpes mùtuamente vibrados. Enfim Zadig, refazendo-se um momento, estaca, faz finta, derruba
Otame, desarma-o. E Otame exclama: "Ó cavaleiro branco! és tu que deves reinar em Babilônia". A
rainha estava no auge da alegria. Conduziram o cavaleiro azul o cavaleiro branco a seus respectivos
alojamentos, bem a todos os outros, conforme a lei. Mudos vieram servi-los e trazer-lhes alimento. Logo
se vê que foi o pequeno mudo da rainha quem atendeu a Zadig. Em seguida, deixaram-nos dormir a sós
até o dia seguinte de manhã, quando o vencedor devia levar sua divisa ao grande mago, para conferí-la
dar-se a conhecer.
Zadig dormiu bem, apesar de enamorado, tão exausto se achava. Itobad que pousava no alojamento
próximo, não pregou ôlho Ergueu-se durante a noite penetrou no quarto do vizinho, tomou as armas,
brancas de Zadig, juntamente com a sua divisa, e pôs sua armadura verde no lugar da do outro. Ao
amanhecer, compareceu orgulhosamente perante o grande mago, declarando que um homem como êle
era o vencedor. Ninguém o esperava; mas foi proclamado como tal enquanto Zadig ainda dormia.
Astartéia, surprêsa, e com o dezespêro no coração, regressou a Babilônia. Já estava quase vazio o
anfiteatro quando Zadig despertou. Procurou as suas armas, e só encontrou aquela armadura verde.
Viu-se obrigado a usá-la, pois não tinha mais nada junto a si. Atônito e indignado, veste-a com furor e
avança, em tal equipagem.
Todos os que ainda se achavam no teatro e no circo receberam-no com assuadas. Rodeavam-no;
insultavam-no em cara. Jamais homem algum experimentou tão humilhantes mortificações. Perdeu então
a paciência; dispersou a golpes de sabre o populacho que ousava ultrajá-lo; mas não sabia que partido
tomar. Não podia avistar-se com a rainha; não podia reclamar a armadura branca que esta lhe enviara:
seria comprometê-la. Assim, enquanto se achava ela abismada na dor, estava Zadig cheio de furor e
inquietação. Passeava êle às margens do Eufrates, persuadido de que a sua estrêla o destinava a ser
irremissivelmente infeliz, e repassando no espírito tôdas as suas desgraças, desde a aventura da mulher
que odiava os caolhos até a da sua armadura. "Eis em que deu - dizia êle consigo - ter-me acordado tarde;
se houvesse dormido menos, seria rei de Babilônia e possuiria Astartéia. As ciências, o caráter, a
coragem; só serviram, pois, para meu infortúnio."Escapou-lhe enfim murmurar contra a Providência, e
foi tentado a crer que tudo era governado por um destino cruel que oprimia os bons e fazia prosperarem
os cavaleiros verdes. Um de seus pesares era carregar aquela armadura verde que lhe atraíra tamanho
escárnio.
Vendeu-a barato a um comerciante que passava e comprou-lhe uma túnica e carapuça. Nessa