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É, portanto, o envio do Espírito Santo que constitui como “santo” e como “Filho
de Deus” o menino suscitado no seio de Maria. Yves Congar ao esclarecer essa
afirmação nos diz que:
“O que chamamos de união hipostática é, como ‘obra ad extra’, o ato das Três
Pessoas; o resultado dessa ação é a união na Pessoa do Verbo-Filho. Mas é o
Espírito que, ao atualizar em Maria a capacidade feminina de conceber (e,
portanto, suprindo os 23 cromossomos masculinos) suscita o ser humano que se
une ao Verbo-Filho e, por isso, mesmo o faz ‘santo’. De maneira que Jesus é
Emanuel, Deus conosco, porque ele é (concebido) pelo Espírito Santo.”
381
É interessante perceber que há uma clara intenção teológica, no fato do Novo
Testamento (Mt 1,18-25 e Lc 1,26-38) retrotrair até o início do devir humano de
Jesus. Esta intenção é a de afirmar a identidade originária de Jesus, afirmar seu
“surgimento pelo Espírito”. Portanto, a intenção é cristológica e não
mariológica.
382
Apesar de sabermos disso, gostaríamos de acrescentar, mesmo que
de forma sintética a perspectiva mariológica sobre a concepção de Jesus que nos
apresenta Clodovis Boff. Este teólogo nos diz que o versículo onze é o vértice de
toda a perícope de Lc 1, 26-38, quando o evangelista assinala que, pela
intervenção do Espírito de Deus, Maria gera o Messias. Ele nos afirma ainda que:
“o verbo ‘cobrir com a sombra’ ou ‘ensombrear’ (epi-skiá-zein), evoca a Nuvem
misteriosa do Êxodo que ‘ensombreava’ a ‘Tenda da reunião’, transformando-a
na Morada de Deus (Shekinah) (cf. Ex 40, 34 LXX; Nm 10, 34). Com estas
evocações, Lc parece sugerir o seguinte e maravilhoso sentido: cobrindo a
Virgem com sua sombra e tornando-a fecunda do Filho de Deus, o ES transforma
Maria na nova Shekinah, a nova Casa de Deus. Ela é agora o novo ‘Tabernáculo
do encontro’, onde a humanidade pode entrar em comunhão com seu Deus.”
383
381
CONGAR, Y. Revelação e Experiência... Op. cit., p.33. Nota de rodapé 3a. Grifo nosso.
382
Cf. BLANK, J. Verbete “Espírito Santo/Pneumatologia”. In: EICHER, P. Op. cit., p. 246.
383
BOFF, C. Introdução à Mariologia. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 51. Grifo nosso. Precisamos
estar alertas com relação a esta afirmação feita por Clodovis Boff para não fazermos uma relação
direta com a afirmação de Jürgen Moltmann sobre a shekinah. Aqui, em Clodovis Boff, a shekinah
é entendida em seu significado original de “morada de Deus”, logo, podemos afirmar que Maria é
esta morada, visto que Deus habitou em seu ventre. Conseqüentemente, podemos dizer que Maria
é a shekinah. Já na reflexão de Moltmann a shekinah é entendida como a “presença de Deus no
meio do povo”, com outras palavras, é a “inabitação de Deus no espaço e no tempo, num
determinado tempo de criaturas terrenas e em sua história”. Conseqüentemente, é pertinente se
afirmar, como o faz Jürgen Moltmann, que a idéia da shekinah desenvolvida pelo judaísmo se
aproxima mais daquilo que nós cristãos/ãs confessamos ser o Espírito Santo. Desejamos deixar
bem claro que ao fazermos a citação de Clodovis Boff não pretendemos dizer que Maria se
aproxima daquilo que entendemos ser o Espírito Santo. Na realidade nossa intenção ao usar este
texto de Clodovis Boff em nossa dissertação é a de destacar o papel importantíssimo desta mulher
em toda obra salvífica. Ressaltar como Maria se abriu totalmente à ação do Espírito Santo, que a
inabitou, vivendo totalmente para Deus e para seus irmãos e irmãs, de tal forma que pode gerar em
seu ventre o Filho de Deus, isto é, o próprio Deus.