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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA
U
NIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
P
ROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA TROPICAL E RECURSOS NATURAIS
Variação geográfica no canto de três espécies de Oscines (aves), ao
longo da BR-174, na região centro-norte da Amazônia.
Viviane Deslandes do Nascimento
Dissertação apresentada à Coordenação
do Programa de Pós-Graduação em Biologia
Tropical e Recursos Naturais, do convênio
INPA/UFAM, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Biológicas, área de concentração em Ecologia.
Manaus, AM
Junho, 2007
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ii
Viviane Deslandes do Nascimento
Variação geográfica no canto de três espécies de Oscines (aves), ao
longo da BR-174, na região centro-norte da Amazônia.
Orientador: Dr. Mario Cohn-Haft
Dissertação apresentada à Coordenação
do Programa de Pós-Graduação em Biologia
Tropical e Recursos Naturais, do convênio
INPA/UFAM, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Biológicas, área de concentração em Ecologia.
Manaus, AM
Junho, 2007
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FICHA CATALOGRÁFICA:
do Nascimento, D. V.
I “Variação geográfica no canto de três espécies de Oscines (aves), ao
longo da BR-174, na região centro-norte da Amazônia”.
Manaus: INPA/UFAM
2007
xi, 52 pp. ilust.
Dissertação de Mestrado - Área de concentração Ecologia
1.Canto 2. Variação geográfica 3. Oscines 4. Amazônia. 5.BR-174.
Sinopse:
Descrição da variação do canto de Cyclarhis gujanensis, Saltator coerulescens e
Troglodytes musculus (Aves-Oscines), em um transecto de 1140 km de
amostragem ao longo da BR-174. Este estudo caracteriza a variação no canto das
espécies em diferentes escalas de distância geográfica e compara a influência de
dois domínios de paisagem (savana e floresta) e da presença do Rio Branco sobre
vários parâmetros vocais das espécies.
Palavras-chave: Canto, Oscines, Distância Geográfica, Hipótese de adaptação
acústica, Rio Branco, Savanas, Dialeto, Floresta de Terra Firme.
iv
Agradecimentos
A minha família inteira, pelo apoio em todos os momentos, inclusive os
decisivos, como o mestrado na Amazônia.
Ao meu orientador, Dr. Mario Cohn-Haft, por incentivar meu interesse pelas
aves amazônicas muito antes do ingresso no mestrado. Pela paciência e pelas
discussões interessantes de biogeografia, evolução e ornitologia entre outras da
vida. Enfim, por ter me ensinado tanta coisa em tão pouco tempo de contato,
pelo exemplo em campo e por me proporcionar a chance de conhecer a avifauna
fantástica existente aqui.
Ao CNPq pela bolsa de mestrado e ao BECA pela bolsa concedida para as
despesas de campo, sem as quais este projeto não seria possível. Além disso,
agradeço ao Birder’s Exchange pelos equipamentos doados, que foram muito
importantes para o bom andamento do projeto.
A todos os moradores da BR-174 e entorno que proporcionaram a viabilização
deste estudo, oferecendo pronta disposição em ajudar, com suas companhias,
histórias e experiências de vida. Foram várias pessoas e fica difícil listar aqui,
mas ...
Agradeço a hospitalidade do Regis por me hospedar em Abonari e Jundiá, à
Dona Armandina por sua casa e atenção em Mucajaí e seu Vicente e dona
Arlene pelo apoio em Vila Equador e ao Romero pela acomodação em
Pacaraima.
Ao INPA e IBAMA de Roraima, pelo apoio logístico no estado: especialmente
ao Reinaldo Imbrózio, Flávia, Ciro, Rutinéia Nobre, Sulamita, Antônio e Bia.
Ao Pelotão de Fronteira de Pacaraima, pela permissão de coletar meus dados nas
áreas de mata do exército.
À Comunidade Indígena de Ponta da Serra que me recebeu sem burocracias e
permitiu as gravações lá.
Aos revisores do meu pré-projeto de dissertação e a minha banca da aula de
qualificação pelas críticas construtivas e sugestões: Gonçalo Ferraz, Renato
Cintra, Albertina Lima, Eduardo Venticinque, e Lúcia Py-Daniel.
A Jeffrey Podos pelas conversas esclarecedoras, pelo incentivo sempre e por
responder tão prontamente as minhas dúvidas bioacústicas!
v
A Edson Endrigo pela autorização do uso das fotos das espécies.
Ao pessoal da Coleção de aves, pelo espírito de equipe e boa vontade em todos
os momentos, especialmente à Ângela Midori, pelos comentários e sugestões
durante o desenvolvimento deste trabalho. Também à Cathy pela ajuda com
imagens e correção do inglês.
Ao Victor Py-Daniel por me mostrar outra perspectiva de várias coisas e por me
ensinar que podemos ser “gafanhotos”...
Aos amigos que mesmo longe estiveram sempre por perto, nas horas mais
importantes: Priscila, Ju, Maris, Metal e Luiz.
Aos amigos de Manaus que fazem as coisas difíceis parecerem bem mais fáceis.
Aos amigos de casa pelo dia-a dia e pelos momentos maravilhosos que
passamos juntos: Carol, Thaise, Victor, Diego, Júlio e Camila.
Ao Paulinho por ser tão companheiro, dedicado, e especial sempre!
vi
Resumo
A variação no canto de três espécies de aves Oscines foi estudada, buscando entender
o efeito de diferentes escalas de distância geográfica, do tipo de paisagem e da presença do
Rio Branco (atuando como possível barreira geográfica) sobre diferentes parâmetros do canto.
Espécies de diferentes famílias e, portanto, com morfologia, fisiologia e comportamento
distintos foram escolhidas a fim de comparar os padrões encontrados entre elas (Cyclarhis
gujanensis, Saltator coerulescens e Troglodytes musculus). O estudo utilizou um transecto
latitudinal de 1140 km e 16 pontos de amostragem, de Manaus a Pacaraima. A paisagem foi
classificada em dois domínios principais: floresta de Terra Firme (caracterizando ambiente
acústico fechado) e savanas (caracterizando ambiente acústico aberto). Os principais
parâmetros do canto analisados foram: freqüência maior, freqüência máxima (ou peak
frequency), duração e número de notas do canto. Além disso, em S. coerulescens e T.
musculus foram analisados os tipos de notas do canto. Análises estatísticas exploratórias
(ordenação direta, análise de Cluster e PCA), teste de Mantel e estatística univariada
(ANOVA e Teste t) foram utilizados para comparar e avaliar as diferenças nos cantos. As
espécies mostraram diferentes padrões de variação no canto. C. gujanensis demonstrou
relativa constância nos tipos de notas em todos os pontos de amostragem. No entanto, a
freqüência maior, a duração e o número de notas do canto foram maiores nas áreas de savana
do que na paisagem florestal, corroborando algumas previsões da Hipótese de Adaptação
Acústica. O Rio Branco pareceu separar populações de C. gujanensis em relação ao número
de notas do canto: aves gravadas na margem direita cantaram maior número de notas do que
as aves da margem esquerda. Indivíduos de S. coerulescens gravados na porção mais sul do
transecto exibiram cantos muito diferentes dos indivíduos gravados ao norte e a espécie esteve
ausente na porção média do transecto. A freqüência do canto de S. coerulescens mudou com a
paisagem: aves de floresta tiveram menores valores de freqüência máxima e freqüência maior
do que aves de savana. Os dialetos de canto dessa espécie provavelmente coincidem com a
distribuição de diferentes sub-espécies que possivelmente estão estendendo sua distribuição
através da BR-174 e do Rio Branco. Parâmetros quantitativos do canto de T. musculus não
mudaram com a paisagem ou presença de barreira geográfica, mas alguns tipos de notas
variaram com a distância geográfica. A estrutura do canto nas três espécies exibiu diferentes
padrões de variação em relação à distância geográfica, tipo de paisagem, r presença de uma
barreira geográfica. Estes resultados, usando espécies de diferentes famílias com histórias
evolutivas únicas e requerimentos ecológicos distintos, demonstram que padrões de variação
no canto de aves Oscines são complexos e dependem de uma diversidade de fatores
evolutivos e ecológicos.
vii
Abstract
I analyzed vocalizations of three Oscine species to explore how geographic distance,
landscape type, and the presence of a geographic barrier, the Rio Branco, may affect song
characteristics. Species of different oscine families (Cyclarhis gujanensis, Saltator
coerulescens and Troglodytes musculus) with distinct morphologies, physiologies, and
behaviors were chosen to compare patterns of variation in song. I used the highway BR-174
as a latitudinal transect and sampled 16 points along 1140 km of its length, between Manaus
and Pacaraima. Landscape was classified into two domains: terra firme forest (representing an
acoustically closed environment) and savanna (representing an acoustically open
environment). I analyzed the following song parameters: high frequency, peak frequency,
duration of song, and number of notes. In S. coerulescens and T. musculus, I also classified
note types present in the songs. I used direct ordination, cluster analysis, and principal
components analysis as exploratory tools and compared song characteristics using Mantel
tests, ANOVAs, and t-tests. Species showed different patterns of variation in song. Among
sampling points, note types in C. gujanensis were the most consistent of all species
investigated. However, individuals recorded in savanna landscapes had songs with higher
frequencies, longer duration, and a higher number of notes than in forest landscapes,
confirming some predictions of the acoustic adaptation hypothesis. The Rio Branco appeared
to separate populations of C. gujanensis, in that songs recorded on the right bank had a greater
number of notes than songs recorded on the left bank. S. coerulescens individuals recorded at
the south end of the transect had a very different song type than birds taped at north end of the
transect; this species was notably absent from the middle of the transect. Song frequency in S.
coerulescens varied with landscape type: forest-dwelling individuals had lower peak
frequencies than savanna-dwelling individuals. Song dialects in this species most likely
coincide with distributions of different sub-species that may be extending their ranges along
highway BR-174 and the Rio Branco. Song characteristics in T. musculus did not vary with
landscape type or the presence of a geographic barrier, but note type did vary somewhat with
geographic distance. Song structure in the three study species exhibited different patterns of
variation in relation to geographic distance, landscape type, and the presence of a geographic
barrier. These results, using species in different families with unique evolutionary histories
and distinct ecological requirements, show that patterns in song variation are complex and
depend on a diversity of evolutionary and ecological factors.
viii
Lista de Figuras
Figura 1: Cyclarhis gujanensis............................................................................................
7
Figura 2: Saltator coerulescens...........................................................................................
8
Figura 3: Troglodytes musculus...........................................................................................
9
Figura 4: A área de estudo cobre 1140 km, utilizando a rodovia BR-174 (linha preta) e
suas imediações como transecto. Os nomes das localidades correspondentes às siglas do
mapa e coordenadas geográficas são listados na Tabela 1. O domínio florestal (cinza
claro) ocorre de Manaus (MAO) até o Parque Nacional do Viruá (VI) As savanas
(manchas brancas), ocorrem a partir de Caracaraí (CA). No extremo norte do transecto
existe mais um ponto classificado como pertencente ao domínio florestal: Pacaraima
(PA). Ocorrem mudanças na topografia e características florísticas no estado de
Roraima. O Rio Branco atravessa o transecto do estudo e a área pontilhada corresponde
a Terra Indígena Waimiri-Atroari, onde não houve pontos de amostragem........................
10
Figura 5: Número de cantos de Cyclarhis gujanensis selecionados para analise por local
de amostragem. O domínio florestal ocorre de Manaus ao Parque Nacional do Viruá e
novamente em Pacaraima (pontos cinza escuro). As savanas de Roraima ocorrem a
partir de Caracaraí, até Ponta da Serra (pontos cinza claro)................................................
13
Figura 6: Número de cantos de Saltator coerulescens selecionados para análise por local
de amostragem. A espécie não foi registrada em um longo trecho: de Abonari ao Parque
Nacional do Viruá (423 km), apesar do esforço de amostragem ter sido o mesmo que
nos outros locais onde a espécie foi registrada...................................................................
13
Figura 7: Número de cantos de Troglodytes musculus selecionados para análise por local
de amostragem. Os pontos cinza escuro estão no domínio florestal, enquanto os pontos
cinza claro pertencem às savanas de Roraima.....................................................................
14
Figura 8: (a) Canto de Cyclarhis gujanensis gravado na localidade ABRA: “1”, “2” e
“3” são exemplos de inflexões da primeira nota (para maiores detalhes veja o tópico
analise dos dados). (b) Canto gravado em Jundiá: “cc” corresponde à forma
aproximadamente côncava da última inflexão da nota e “cx” à forma convexa.................
16
Figura 9: Cantos das três espécies, que diferem em complexidade: Cyclarhis gujanensis
é a espécie com canto menos variável, enquanto em Saltator coerulescens e Troglodytes
musculus os cantos apresentam mais tipos de notas............................................................
17
Figura 10: Exemplos de alguns tipos de notas do canto de Saltator coerulescens. Os
números representam tipos de notas (a) Os cantos deste exemplo não apresentam notas
com harmônicos e possuem menos tipos de notas. Neste outro exemplo (b) o canto
possui notas de diversas formas e também ocorrem harmônicos (veja definição no
texto)...................................................................................................................................
17
ix
Figura 11: Exemplos de alguns tipos de notas de Troglodytes musculus. O canto possui
notas com formas simples como 3, 13 e 41, mas também formas complexas como 15, 21
e 32......................................................................................................................................
18
Figura 12: Cantos de Cyclarhis gujanensis de seis diferentes localidades. As aves
apresentam relativa uniformidade nos tipos de notas entre locais, mas o canto exibiu
variação no número de notas (3-6). Por exemplo, o canto de Vila Equador é formado por
três notas, enquanto em Ponta da Serra ocorrem seis notas. No entanto, a maioria dos
cantos da amostra é constituída por quatro a cinco notas...................................................
21
Figura 13: Análise de Componente Principal (PCA) das variáveis quantitativas e
qualitativas do canto de Cyclarhis gujanensis. Ocorre agrupamento de aves de diferentes
paisagens (S) e (F) em função do número de notas (PCA1) e freqüência maior do canto
(PCA2).................................................................................................................................
22
Figura 14: Freqüência maior do canto de Cyclarhis gujanensis foi diferente entre o
ponto 14 e os pontos 2, 3, 7 e 15 (ANOVA: F = 2,515; p = 0,005).....................................
23
Figura 15: Os pontos 11-15 pertencem ao domínio das savanas, enquanto os outros
pontos pertencem ao domínio florestal. (a) Duração total do canto de Cyclarhis
gujanensis: a duração do canto foi maior na savana do que em nas áreas florestadas (t =
-2,820, p = 0,006). (b) Número de notas do canto: as aves de savana emitiram cantos
com maior número de notas do que aves de paisagem florestal (t = -3,174, p = 0,002)......
23
Figura 16: Análise de Componente Principal (PCA) do canto de Saltator coerulescens.
Apesar de existirem alguns cantos savana (S) dispostos na periferia do gráfico, não é
possível observar uma separação nítida entre os cantos gravados em domínio florestal
(F) daqueles registrados em savana (S), pois existem muitos cantos de diferentes
paisagens sobrepostos, à esquerda no gráfico.....................................................................
25
Figura 17: Ordenação direta dos tipos de notas de Saltator coerulescens. Os três
primeiros gráficos, acima e a direita na figura, representam o dialeto “Amazonas”.
Nestes locais o número de tipos de notas é mais restrito, aproximadamente metade dos
tipos existentes no dialeto “Roraima”. Porém a abundância de muitos tipos de notas no
dialeto Roraima é extremamente baixa, com a maioria dos tipos ocorrendo uma ou duas
vezes na amostra..................................................................................................................
26
Figura 18: Cantos de Saltator coerulescens do dialeto “Amazonas”. Este dialeto é
caracterizado por começar com uma série de notas assoviadas descendentes e a última
nota mais longa: (a) canto gravado em Manaus, (b) canto gravado na Estação de
Silvicultura e (c) canto gravado na ABRA..........................................................................
27
Figura 19: Cantos de Saltator coerulescens do dialeto “Roraima”. Neste dialeto ocorrem
mais tipos de notas, frequentemente não “assoviadas”: (a) canto gravado em Caracaraí,
(b) canto gravado em Mucajaí e (c) canto gravado em Ponta da Serra...............................
28
Figura 20: A dissimilaridade entre a (a) estrutura do canto (Mantel; R² = 0.0613; p =
0.001) e (b) tipos de notas do canto de Saltator coerulescens (Mantel; R² = 0.0437; p =
0.001) aumentaram com a distância geográfica...................................................................
29
x
Figura 21: (a) Os cantos de Saltator coerulescens gravados na savana tiveram maiores
valores de freqüência maior do que os cantos gravados em vegetação florestal (t =
-7,608; p = 0,000). (b) A freqüência máxima também foi maior em aves de savana (t =
-2,666; p = 0,010). Por outro lado, o número de notas assoviadas (c) foi maior nas
gravações das aves de paisagem florestal do que nas de savana (t = 3,517; p = 0,001)......
30
Figura 22: Comparação do canto de Troglodytes musculus dos locais: ABRA, Abonari e
Jundiá. Cada canto pertence a um indivíduo diferente. Os cantos de diferentes
indivíduos dentro de um ponto variam tanto quanto entre pontos amostrais,
evidenciando a ausência de uma estrutura comum compartilhada entre os indivíduos do
mesmo ponto. Apesar de existirem elementos comuns no canto dentro e entre locais, o
arranjo dos diferentes tipos de nota do canto varia muito...................................................
31
Figura 23: Comparação do canto de Troglodytes musculus dos locais: Rorainópolis,
Caracaraí e Pacaraima. Cada canto pertence a um indivíduo diferente. Da mesma forma
que na figura 17, os cantos dentro de um ponto variaram tanto quanto entre pontos,
evidenciando a ausência de uma estrutura comum compartilhada entre os indivíduos do
mesmo local.........................................................................................................................
32
Figura 24: Análise de Componente Principal (PCA) das variáveis quantitativas do canto
de Troglodytes musculus. As aves gravadas no domínio de floresta são representadas por
“F”, enquanto as de savana são representadas por “S”. Note que aves de savana e
floresta se misturam, sem definição de qualquer agrupamento por local, tipo de
paisagem ou separação pela presença do Rio Branco..........................................................
33
Figura 25: Análise de Cluster Hierárquico para os tipos de notas de Troglodytes
musculus. As siglas do lado esquerdo do gráfico referem aos pontos de amostragem
(para maiores detalhes consulte a Tabela 2). Note que alguns pontos adjacentes se
agruparam, evidenciando similaridade entre os tipos de notas destes
locais.....................................................................................................................................
34
Figura 26: Ordenação direta dos tipos de nota de Troglodytes musculus por local de
amostragem. No eixo x estão os tipos de notas que apresentam diferença significativa
entre locais, apontados pelos testes de ANOVA. A ordenação demonstra que a maioria
dos tipos ocorre em baixa abundância e em poucos locais, apesar de existem alguns
tipos mais freqüentes como, por exemplo: T1, T8, T13 e
T41.....................................................
36
Figura 27: Relação entre a média da proporção dos tipos de notas e distância geográfica
do canto de Troglodytes musculus. A distância geográfica aumenta da esquerda para a
direita no gráfico e diferentes locais correspondem a diferentes valores de distância.
Nota 41 (a) e nota 24 (b) não mostraram relação com distância geográfica. As noas 25
(c) e 18 (d) tiveram a proporção diminuída com o aumento da distância geográfica. Já as
notas 22 (e) e 33 (f) aumentaram sua proporção média conforme aumentou a distância
geográfica..........................................................................................
37
xi
Sumário
1. Introdução.....................................................................................................................
1
2. Objetivos.......................................................................................................................
5
2.1 Geral........................................................................................................................
5
2.2 Específicos...............................................................................................................
5
3. Hipóteses.......................................................................................................................
5
4. Materiais e Métodos......................................................................................................
6
4.1 Espécies....................................................................................................................
6
4.2 Área de estudo..........................................................................................................
9
4.3 Delineamento amostral.............................................................................................
11
4.4 Análise dos dados.....................................................................................................
12
4.4.1 Análises estatísticas exploratórias......................................................................
18
4.4.2 Testes estatísticos................................................................................................
19
5. Resultados.....................................................................................................................
20
5.1 Ocorrência das espécies...........................................................................................
20
5.2 Cyclarhis gujanensis................................................................................................
20
5.3 Saltator coerulescens...............................................................................................
24
5.4 Troglodytes musculus...............................................................................................
30
6. Discussão......................................................................................................................
40
6.1 O canto das espécies varia diferentemente na mesma escala de distância..............
40
6.2 O tipo de paisagem afeta parâmetros diferentes do canto das espécies...................
42
6.3 O Rio Branco não parece constituir barreira geográfica para as espécies...............
6.4 Considerações gerais...............................................................................................
7. Conclusão......................................................................................................................
8. Referências Bibliográficas.............................................................................................
45
45
48
47
1
1. Introdução
O canto nas aves é definido como um tipo de vocalização mais longa, com padrão bem
definido e repetido e se refere primariamente a vocalizações de machos, sendo utilizado em
contextos comportamentais bem específicos, geralmente associados à reprodução (atração de
fêmeas) e a aquisição e manutenção de territórios (Catchpole e Slater, 1995; Gill, 1995). Da
mesma forma que outros caracteres biológicos, o canto varia entre indivíduos de uma
população e pode ser diferenciado também entre populações de uma espécie que ocupa
regiões distintas (Slater, 1989).
Os estudos sobre canto são focados preferencialmente na Ordem Passeriformes que é
dividida nas sub-ordens: Sub-Oscines e Oscines. Algumas espécies de aves Sub-Oscines são
incapazes de aprender seu canto e por isso as diferenças vocais entre populações são
associadas a variações genéticas (Kroodsma, 1984). Por outro lado, as aves Oscines
desenvolvem seus cantos através de complexa interação entre genética e aprendizado (Baker e
Cunningham, 1985) e como conseqüência do processo de aprendizagem, o canto dessas aves
varia no tempo e no espaço (Slater, 1989). Frequentemente a variação geográfica no canto
apresenta limites bem definidos, e geralmente ela é maior entre populações do que dentro de
uma população (Mac Dougall-Shackleton, E. A. e Mac Dougall-Shackleton, S. 2001).
O termo "dialeto" foi adotado para a variação nas características do canto (padrão
temporal ou a estrutura silábica, por exemplo) de aves Oscines de diferentes regiões (Lemon,
1967; Catchpole e Slater, 1995). Os padrões de variação no canto descritos são bastante
diversos, e dependem, sobretudo, da região e da espécie em questão. A análise da estrutura do
canto de Zonotrichia leucophrys nuttalli, nos Estados Unidos, por exemplo, detectou seis
dialetos e os parâmetros do canto analisados variaram de forma brusca entre regiões,
sugerindo que nesta espécie as diferenças vocais foram originadas em alopatria (Baker e
Thompsom, 1985). Posteriormente, Cunningham e Baker (1987) investigaram a variação
dentro de um desses dialetos e propuseram que o padrão microgeográfico encontrado pode ser
resultado de aprendizado vocal e dispersão. Em Zonotrichia leucophrys pugetensis, uma
espécie migratória, ocorrem dois temas em porções diferentes do canto: os elementos da
porção média do canto se mantêm por centenas de quilômetros, enquanto a porção final
trinada do canto exibe variação, sendo possível reconhecer seis dialetos distintos (Baptista,
2
1977). Por outro lado, em Carpodacus mexicanus, uma espécie de tentilhão norte americana,
a variação é clinal e o compartilhamento do tema do canto ocorre em escala microgeográfica,
entre vizinhos de cada localidade (Bitterbaum e Baptista, 1979).
Características comportamentais, ecológicas, e fatores históricos que dirigem a
evolução do canto variam muito entre espécies e têm influencia na formação e manutenção
dos dialetos (Podos e Warren, no prelo). Dessa forma, encontrar relações causais para os
dialetos em aves Oscines têm sido um desafio há décadas, uma vez que os padrões de
variação geográfica no canto não coincidem entre elas. Dentre os fatores que podem afetar o
surgimento e manutenção dos dialetos estão tipo de aprendizagem e o tempo requerido para a
cristalização do canto (Baker e Cunningham, 1985). Algumas espécies aprendem durante um
curto período de tempo, em estágios iniciais do desenvolvimento, enquanto outras são capazes
de aprender durante períodos muito maiores, às vezes durante toda a vida (Beecher e
Brenowitz, 2005). As diferenças no tempo de aprendizagem foram relacionadas, por exemplo,
a diferenças no tamanho do repertório: aves que cristalizam o canto em estágios mais tardios
do desenvolvimento têm repertórios de canto maiores, pois têm mais tempo de contato com
outras aves que servem de modelos de cópia (também chamados de “tutores”). A densidade
da população também tem influencia no tamanho do repertório. Kroodsma (1974) notou que
populações mais densas de Thryomanes bewiccki da Califórnia têm repertórios com mais
frases do que as populações mais esparsas do Arizona, sugerindo que nas populações mais
densas os machos dispõem de um grande número de modelos de canto para imitar (Kroodsma
1974, apud Kroodsma 1977).
Além do tipo de aprendizagem, outros fatores podem originar diferenças vocais entre
populações de aves Oscines. O hábito migratório ou sedentário é responsável por diferenças
no canto de sub-espécies de Z. leucophrys: na sub-espécie Z. leucophrys nutalli, que é
sedentária e vive em regiões de baixa heterogeneidade ambiental, os machos imitam os cantos
de outros com maior fidelidade do que na sub-espécie migratória Z. leucophrys oriantha que
precisa migrar para ambientes menos hostis no inverno (Nelson et al., 1995), sugerindo que os
machos da sub-espécie Z. leucophrys oriantha possuem maior plasticidade na aprendizagem
do canto. Da mesma forma, Cisthothorus platensis, uma espécie migratória e seminômade,
quando treinada com fitas modelo não imitou os cantos, mas improvisou e inventou; por outro
lado, Cisthotorus palustris, que é sedentária, reproduziu os cantos modelos com fidelidade
(Kroodsma e Verner, 1978).
Fatores ecológicos também podem ter influência na modificação de parâmetros do
canto. A “Hipótese de Adaptação Acústica”, formulada originalmente por Morton (1975) e
3
Hansen (1979), e testada posteriormente por vários autores (Rothstein e Fleischer, 1987;
Wiley e Richards, 1982; Tubaro e Segura, 1994) estabelece que os cantos são estruturados
para maximizar sua performance sob as barreiras do ambiente acústico que caracterizam o
hábitat nativo da ave. Dessa forma, cantos de baixa freqüência e com pouca repetição de
sinais (notas) são favorecidos em ambientes fechados, como florestas, pois são mais eficientes
em se propagar onde existe grande quantidade de superfícies dispersoras do som (Badyaev e
Leaf, 1997; Doutrelant et al., 1999). Por outro lado, cantos de freqüência rápida e com
elementos repetitivos são eficientes em ambientes mais abertos, onde não ocorrem tantas
superfícies capazes de atrapalhar a transmissão do canto. Um estudo de modelagem para a
hipótese de adaptação acústica demonstrou que em ambientes fechados, assovios produzem
sinais de qualidade mais consistente do que trinados, sendo que o contrário verdadeiro para
nos ambientes abertos (Brown e Handford, 1996). Os dialetos de canto em Zonotrichia
capensis correspondem a diferenças no tipo de vegetação (Nottebohm, 1975; Handford, 1988;
Handford e Lougheed, 1991). Já em Zonotrichia leucophrys nutalli não existe correlação
entre o hábitat e dialetos de canto descritos para essa espécie (Baptista, 1975 apud Baptista,
1977).
Na região Neotropical, a maioria das espécies pertence à subordem Sub-Oscines (em
que o canto é considerado inato) e, portanto, predominam abordagens que enfatizam o papel
de barreiras geográficas (Cohn-Haft, 2000), estabelecem limites de distribuição para espécies
simpátricas (Payne, 1986; Isler et al., 1998) ou ainda testam a influência do ambiente acústico
(Seddon, 2005; Lindel, 1996) na variação do canto dessas aves. No entanto, pouca atenção foi
dispensada à variação no canto de aves Oscines no Neotrópico, especialmente na região
Amazônica (Kroodsma et al., 1996). Em conjunto, os estudos mencionados com essas aves
fortalecem o papel da herança cultural na variação do canto para diferentes espécies,
ocupando ambientes variados, mas também deixam claro que não existe um único padrão em
relação à intensidade e escala de variação no canto.
O esforço para entender a variação geográfica no canto dos Oscines foi basicamente
realizado nas zonas temperadas, que diferem muito da região Neotropical. Na zona
temperada, a heterogeneidade ambiental é maior, ocorrem mais espécies migratórias e as
populações dessas espécies tendem a ser mais densas, por apresentarem territórios menores
(Terborgh, 1990). Portanto, nesses locais poderíamos esperar que a chance de encontro de
indivíduos de populações diferentes fosse maior, e a ocorrência de dialetos locais, menos
freqüente. Na falta de evidências descritas, parece razoável esperar que na Amazônia a
transmissão cultural seja menor, pois a maioria das espécies é sedentária e os territórios das
4
espécies são grandes em extensão (Stouffer, 2007), o que dificulta a influência do canto de
aves de uma população sobre a outra. Deste modo, a diferenciação local de parâmetros vocais
poderia ser mais evidente que a variação regional dessas mesmas características. Se dialetos
ocorrem numa faixa contínua, sem barreira geográfica, e existem menos modelos de canto
(indivíduos mais dispersos) isso deve promover um padrão diferenciado de canto para cada
população local. Portanto, ao longo da distribuição da espécie, se existir dialetos, a
diferenciação se tornaria sutil e gradativa. Se o padrão exposto acima se repete para várias
espécies, isso pode sugerir que o processo de formação dos dialetos nessa área provavelmente
é o mesmo.
Entretanto, na Amazônia a importância dos grandes rios atuando como limites à
distribuição de vários taxa de aves é amplamente reconhecida (Haffer, 1972; Cracraft, 1988),
e alguns estudos têm demonstrado que até mesmo rios menores podem separar populações da
mesma espécie em suas margens opostas [Naka et al., 2006; Sardelli, 2006; Fernandes
(comunicação pessoal)]. A existência de diversos tipos de hábitats associados ao Rio Branco é
responsável pela presença de zonas de contato e também parece constituir uma importante
barreira biogeográfica para aves Amazônicas. Por exemplo, Capito auratus, M. haematonota
e Tyranneutes stolzmanni ocorrem a oeste do Rio Branco e são substituídas a leste,
respectivamente, por C. niger, M. gutturalis e T. virescens (Naka et al., 2006). Contudo, o Rio
Branco parece não atuar como barreira a distribuição das espécies deste estudo (Blake, 1968;
Paynter, 1970; Brewer, 2001). Aparentemente em lados opostos do rio ocorrem as mesmas
subespécies e no caso em que ocorrem duas sub-espécies a distribuição delas não coincide
com a presença do rio. Dessa forma, a identificação de dialetos dentro de uma área
supostamente sem barreiras geográficas poderia fornecer indícios para estudos posteriores de
genética de populações, que permitiriam estabelecer qual a contribuição da aprendizagem e da
genética na variação vocal das populações dessas espécies.
Este estudo descreve a variação geográfica no canto de três espécies de aves Oscines
em um gradiente latitudinal de 1140 km na região centro-norte da Amazônia. Foram testados
os efeitos da distância geográfica, diferentes tipos de paisagem (floresta vs savana) e a
influência de uma possível barreira geográfica (representada pelo Rio Branco), sobre o canto
das espécies.
5
2. Objetivos
2.1 Geral:
Descrever o padrão de variação geográfica no canto de três espécies de aves Oscines
ao longo de um transecto de 1140 km na região centro-norte da Amazônia.
2.2 Específicos:
-Caracterizar o repertório das três espécies.
-Caracterizar a variação vocal em cada espécie dentro e entre os pontos amostrais.
-Comparar os padrões geográficos de canto entre as espécies.
3. Hipóteses
O desenho experimental deste estudo permite testar a influência da distância
geográfica, do tipo de paisagem e da presença de uma possível barreira geográfica no canto de
três espécies de aves Oscines de ampla distribuição, testando as seguintes hipóteses:
H1: Populações contíguas da mesma espécie apresentam canto mais semelhante do
que populações mais distantes, devido à capacidade de encontro dos indivíduos e da
aprendizagem.
H2: O ambiente acústico tem influência em parâmetros do canto. Dessa forma, os
parâmetros vocais são mais semelhantes em populações da mesma espécie que ocupam a
mesmo tipo de paisagem do que entre populações de diferentes tipos de paisagem.
H3: O Rio Branco não separa populações vocalmente distintas da mesma espécie.
6
4. Materiais e Métodos
4.1 Espécies:
Três espécies pertencentes a diferentes famílias e, portanto, com características
morfológicas, ecológicas e comportamentais distintas foram escolhidas a fim de comparar se a
variação geográfica no canto ocorre de modo semelhante, o que poderia indicar um padrão
geral de formação de dialetos para o centro-norte da Amazônia. A lista inicial de espécies
incluía além de Cyclarhis gujanensis, Saltator coerulescens e Troglodytes musculus as
espécies: Thryothorus coraya, T. leucotis, Hylophilus muscicapinus e Ramphocelus carbo,
mas devido ao número de gravações de qualidade ser menor nessas espécies, elas foram
excluídas nas análises das gravações.
* Cyclarhis gujanensis (Vireonidae): Tamanho: 16 cm (Figura 1). A distribuição estende-se
do leste dos Andes à Argentina central, Uruguai, e até o sul do Brasil, aparentemente ausente
na parte superior da Amazônia (Equador, Peru e noroeste do Brasil). Ocorre também do
México ao Panamá. Habita o estrato médio é comum em uma variedade de habitats semi-
abertos, em regiões de floresta úmida. Na Amazônia ocorre em capoeiras, bordas de floresta,
e habitats associados à várzea, algumas vezes estendendo-se ao dossel da floresta.
Tipicamente mais numeroso em regiões áridas e florestas de galeria. Insetívoro, mas às vezes
consome também pequenos vertebrados como lagartixas (Sigrist, observação pessoal) e frutos
de Trema micrantha ou Schinus sp (Sigrist, 2006). É uma espécie muito mais ouvida do que
vista, e o canto caracteriza-se por uma curta e rica frase musical, usualmente repetida antes de
outra, que também é repetida várias vezes e assim por diante (Ridgely & Tudor, 1989). A voz
de Cyclarhis gujanensis é uma das que mais desperta atenção na região neotropical, e nota-se
variação geográfica no seu fraseado. Porém existe semelhança básica em lugares tão distantes
quanto México e sul do Brasil (Sick, 1997).
7
Figura 1: Cyclarhis gujanensis.
* Saltator coerulescens (Emberizidae): Tamanho: 20 cm (Figura 2). A distribuição vai do
leste dos Andes ao sul, atravessando a Amazônia e Brasil Central, norte e leste da Bolívia,
oeste do Paraguai até o norte da Argentina e extremo oeste do Uruguai e também no México e
Costa Rica (Ridgely & Tudor, 1989). Ocorre em altitudes inferiores a 1000m e ocupa arbustos
em regiões secas, e pastos com árvores escassas e capões de florestas secundárias em regiões
úmidas. Prefere áreas de várzea ou mata ciliar, habita beiras de rios e campos, ocupando todos
os estratos. É uma ave granívora e predadora de sementes (Sigrist, 2006) O canto varia
geograficamente e é sempre musical. Há diferença no canto entre sexo, o casal pode cantar
sincronizadamente e geralmente o canto consiste de 4 a 5 assovios fortes (Sick, 1997).
8
Figura 2: Saltator coerulescens.
* Troglodytes musculus (Troglodytidae): Tamanho: 12 cm (Figura 3). É distribuída em toda a
América do Norte, Central e do Sul, Trinidad e Tobago e nas Antilhas (Ridgely & Tudor,
1989). Ocorre em praticamente todos os habitats abertos e semi-abertos e ocupa rapidamente
clareiras em florestas e áreas de influência antrópica e não antrópica. Alimenta-se de insetos.
O canto do macho tem estrofe curta, ininterrupta, com notas altas e intervalo curto e a fêmea
responde com seqüência de tons roucos e monótonos (Sick, 1997).
9
Figura 3: Troglodytes musculus.
4.2 Área de Estudo
A área de estudo utilizou a rodovia BR-174 de Manaus até a fronteira com a Venezuela,
totalizando 1140 km de transecto. Neste trecho, a paisagem passa do domínio de floresta
úmida para o domínio de savanas, com uma faixa de transição próximo ao município de
Caracaraí/RR. Em um trecho de 125 km ao logo da BR-174 não houve pontos de amostragem
por causa de restrições legais de coletas na Terra Indígena Waimiri–Atroari (Figura 4).
10
Figura 4. A área de estudo cobre 1140 km, utilizando a rodovia BR-174 (linha preta) e suas imediações
como transecto. Os nomes das localidades correspondentes às siglas do mapa e coordenadas geográficas são
listados na Ta
b
ela 1. O domínio florestal (cinza claro) ocorre de Manaus (MAO) até o Parque Nacional do
Viruá (VI) As savanas (manchas brancas), ocorrem a partir de Caracaraí (CA). No extremo norte do transecto
existe mais um ponto classificado como pertencente ao domínio florestal: Pacaraima (PA). Ocorrem mudanças
na topografia e características florísticas no estado de Roraima. O Rio Branco atravessa o transecto do estudo e
a área pontilhada corresponde a Terra Indígena Waimiri-Atroari, onde não houve pontos de amostragem.
Na região correspondente ao estado do Amazonas, a vegetação predominante é
floresta primária de Terra Firme e floresta secundária nas áreas do entorno da BR-174.
Roraima pode ser dividido em dois domínios ecológicos distintos: savanas e floresta úmida do
domínio Amazônico (Terra Firme). Diferentes níveis de precipitação coincidem com esses
domínios: nas florestas úmidas a precipitação anual é maior que 2000 mm, enquanto nas
savanas chove menos de 1700 mm, geralmente concentrada num período de 100 a 130 dias
(Barbosa, 1997).
As florestas de Terra Firme ocorrem em baixas altitudes (<600m) e são ricas em
espécies de plantas, tem alta biomassa de árvores e o dossel atinge de 20-35m, com árvores
emergentes de 35-40m. As savanas de maneira geral são classificadas como formações
xerofíticas, dominadas por plantas herbáceas. O dossel é mais baixo (10-15m) com árvores de
DAP (diâmetro a altura do peito) inferior ao da floresta úmida. Dentro das savanas existem
áreas de floresta seca e de mata de galeria, e em regiões inundadas sazonalmente com pouca
11
drenagem ocorrem capões de Mauritia flexuosa, conhecidos localmente como buritizais
(Naka et al., 2006).
4.3 Delineamento amostral
A fim de captar variação na estrutura do canto em escala macrogeográfica, dentro de
um mesmo tipo de paisagem e entre diferentes domínios de paisagem, foram estabelecidos 16
pontos amostrais ao longo do transecto de 1140 km (Fig. 4), com distância média de 76 km de
um ponto a outro, variando de 30 a 260 km. A classificação dos tipos de paisagem foi baseada
em imagens de satélite e confirmada visualmente no campo. Entre os dois tipos de paisagem,
11 pontos foram amostrados em áreas de floresta e 5 em áreas de savana (Tabela 1). Cada
local de amostragem foi georeferenciado para análises posteriores do efeito de distância
geográfica sobre os parâmetros do canto. Os pontos ao norte de Caracaraí (12-16) estão na
margem direita do Rio Branco, enquanto os pontos ao sul (1-11) correspondem à margem
esquerda do rio (Tab.1 e Fig. 4).
Local de Amostragem (Abreviatura) Coordenadas
geográficas
Ponto
Distância de
Manaus (Km)
Tabela 1: Nome dos locais e coordenadas geográficas dos pontos de amostragem.
Manaus (MAO)
3º 08' S, 60º 01' O
1
0
Estação de Silvicultura (ES)
2º 35' S, 60º 02' O
2
45
Presidente Figueiredo (PF)
2º 05' S, 60º 00' O
3
107
Aldeia Bioregional da Amazônia (ABRA)
1º 45' S, 60º 08’ O
4
144
Abonari (ABO)
1º 18' S, 60º 24' O
5
202
Jundiá (JU)
0º 12' S, 60º 45' O
6
330
Vila Equador (EQ)
0º 05' N, 60º 33' O
7
366
Rorainópolis (RN)
0º 57' N, 60º 25' O
8
465
Novo paraíso (NP)
1º 17' N, 60º 31' O
9
500
Parque Nacional do Viruá (VI)
1º 45' N, 61º 08' O
10
595
Caracaraí (CA)
1° 28' N, 60° 58' O
11
625
Vila Iracema (IR)
2º 15' N, 61º 11' O
12
667
Mucajaí (MU)
2º 26' N, 60º 53' O
13
705
Boa Vista (BV)
2º 51' N, 60º 40' O
14
780
Ponta da Serra (PS)
3º 66' N, 60º 89' O
15
880
Pacaraima (PA) 16
4º 29' N, 60º 08' O 1140
As espécies foram gravadas em áreas relativamente próximas à rodovia, mas também
em locais mais distantes como ramais (estradas menores) perpendiculares à estrada, que não
ultrapassavam 5 km de distância. As vocalizações foram registradas com gravador Sony TCM
5000 EV e microfone direcional Sennheiser ME 66. A maioria das gravações foi realizada
12
durante a manhã: das 5h30 às 10h30 e gravações adicionais foram feiras das 15h 30 às17h30.
Os indivíduos foram localizados por busca ativa nos tipos de ambientes preferidos pelas
espécies e a maior parte deles foi reconhecida inicialmente pelo canto. A fim de evitar gravar
mais de uma vez o mesmo indivíduo a distância mínima de 200m foi estabelecida como limite
para as gravações serem consideradas independentes. Todas as gravações foram depositadas
no acervo sonoro da Coleção de Aves do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
4.4 Análise dos dados
As gravações foram convertidas do formato analógico para o digital utilizando o
Edirol Audiocapture UA-5 e o software ADOBE AUDITION 1.0 (Adobe, 1992-2003) com
16 bits de resolução e 44.1 kHz de taxa de amostragem. Todas as gravações analisadas foram
emitidas espontaneamente pelos indivíduos, sem o uso de “playback” (emissão da gravação
da voz da espécie) para estímulo e atração dos indivíduos.
O tipo de vocalização conhecido como canto, na maioria das aves, é reconhecido pelo
contexto comportamental associado e também por ser mais complexo que os apelos.
Particularmente nas espécies deste estudo, o canto é muito característico e perfeitamente
distinguível de outros tipos de vocalizações. Os critérios de seleção dos cantos para as
análises foram: ausência de sobreposição de outro canto na gravação, menor quantidade de
ruídos de fundo e melhor definição das notas no audioespectrograma. Algumas aves emitiram
mais de um tipo de canto e nesse caso foram selecionados todos os diferentes tipos de canto
emitidos pelo indivíduo, para melhor caracterização do repertório das espécies (figs. 5-7).
Quando vários cantos do mesmo tipo apareciam em seqüência, foi escolhido o canto
intermediário da seqüência da amostra, seguindo os critérios de qualidade expostos acima.
13
Figura 5: Número de cantos de Cyclarhis gujanensis selecionados para analise por local de amostragem.
O domínio florestal ocorre de Manaus ao Parque Nacional do Viruá e novamente em Pacaraima (pontos
cinza). As savanas de Roraima ocorrem a partir de Caracaraí, até Ponta da Serra (pontos brancos).
Figura 6: Número de cantos de Saltator coerulescens selecionados para análise por local de amostragem. A
espécie não foi registrada em um longo trecho: de Abonari ao Parque Nacional do Viruá (423 km), apesar
do esforço de amostragem ter sido o mesmo que nos outros locais onde a espécie foi registrada.
14
As variáveis do canto foram medidas no software RAVEN 1.2 (Cornel Laboratory of
Ornithology, 2003-2004) através do audioespectrograma (também chamado “sonograma”),
um gráfico que exprime a freqüência (kHz) no eixo y e o tempo (s) no eixo x. Todos os
sonogramas foram gerados com as configurações: Window = Hamm, 3dB Filter Bandwidth =
124 HZ , DFT size = 512.
Figura 7: Número de cantos de Troglodytes musculus selecionados para análise por local de amostragem. Os
pontos cinza estão no domínio florestal, enquanto os pontos brancos pertencem às savanas de Roraima.
Inspeção visual dos sonogramas dos cantos de todos os indivíduos das três espécies foi
realizada inicialmente, antes da escolha dos parâmetros a serem medidos nos sonogramas.
Dentre uma grande quantidade de variáveis possíveis de serem medidas, foram selecionadas
as que permitiam o maior número de distinções entre cantos de diferentes indivíduos, ou seja,
as variáveis aparentemente mais informativas. Os cantos das três espécies não são homólogos
em estrutura e por isso foram estabelecidos diferentes critérios na escolha dos parâmetros do
canto para cada espécie. Os seguintes parâmetros quantitativos foram medidos nos
sonogramas em comum para as três espécies: freqüência maior e menor (kHz), freqüência
máxima (é a freqüência de maior amplitude do canto, conhecida também como “peak
frequency”), duração total do canto (segundos) e número de notas por canto (Tabela 2). Nota
15
foi definida como um traço contínuo no sonograma sem interrupção maior que 10
milisegundos (adaptado de Nelson, 1989). Para Cyclarhis gujanensis e Saltator coerulescens
foi criado um parâmetro quantitativo adicional: número de inflexões da nota, definido como o
número de vezes que as notas mudaram de direção em relação ao eixo y (Figura 8a).
Variáveis quantitativas Abreviatura Espécie
Freqüência maior Fma todas
Freqüência menor Fme todas
Freqüência máxima Fmx todas
Duração total do canto Dt todas
Número de notas do canto Nn todas
Número de inflexões da nota Ni
C. gujanensis
Variáveis qualitativas
Forma da última inflexão da nota
C. gujanensis, S. coerulescens
S. coerulescens, T. musculus Tipos de notas
Tabela 2: Lista das variáveis do canto quantitativas e qualitativas analisadas em cada
espécie.
Além dos parâmetros quantitativos, a estrutura do canto pode ser analisada quanto a
seus aspectos qualitativos, como a forma das notas. O canto das três espécies é facilmente
categorizado numa hierarquia em relação à complexidade dessas formas (Figura 9). Cyclarhis
gujanensis possui o canto mais simples com pouquíssima variação na forma das notas. Uma
característica variável (além do número de inflexões por nota) é a forma da última inflexão de
cada nota: côncava ou convexa—isto é se a nota termina com inflexão para cima ou para
baixo (Figura 8b). O canto de C. gujanensis não apresenta notas com harmônicos, que são
variações da freqüência fundamental das notas e aparecem nos sonogramas como sinais mais
fracos ou distorcidos próximo das notas. Porém no canto de S. coerulescens e T. musculus os
harmônicos estão presentes, mas foram excluídos das análises.
16
Figura 8: (a) Canto de Cyclarhis gujanensis gravado na localidade ABRA: “1”, “2” e “3” são exemplos de
inflexões da primeira nota (para maiores detalhes veja o tópico analise dos dados). (b) Canto gravado em
Jundiá: “cc” corresponde à forma aproximadamente côncava da última inflexão da nota e “cx” à forma
convexa.
Em S. coerulescens existe maior variação nos tipos de notas, e por isso, além desta
classificação das inflexões das notas, foi criada também uma classificação para a forma de
todos os tipos de nota (Figura 10). Para T. musculus foi utilizada somente a classificação
quanto à forma dos tipos das notas, uma vez que nesta espécie as notas são muito mais
complexas e variáveis que nas outras duas espécies e assim não foi considerado útil incluir a
classificação da forma da última inflexão de cada nota como caráter qualitativo (Figura 11). A
numeração dos tipos de notas das diferentes é independente. Por exemplo, a nota “tipo 9” em
Troglodytes musculus não corresponde a nota “tipo 9” em Saltator coerulescens e o mesmo
ocorre para todos os outros tipos de notas classificados.
17
Figura 9: Cantos das três espécies, que diferem em complexidade: Cyclarhis gujanensis é a espécie com canto
menos variável, enquanto em Saltator coerulescens e Troglodytes musculus os cantos apresentam mais tipos
de notas.
Figura 10: Exemplos de alguns tipos de notas do canto de Saltator coerulescens. Os números representam
tipos de notas (a) Os cantos deste exemplo não apresentam notas com harmônicos e possuem menos tipos de
notas. Neste outro exemplo (b) o canto possui notas de diversas formas e também ocorrem harmônicos (veja
defini
ç
ão no texto
)
.
18
Figura 11: Exemplos de alguns tipos de notas de Troglodytes musculus. O canto possui notas com formas
simples como 3, 13 e 41, mas também formas complexas como 15, 21 e 32.
4.4.1 Análises estatísticas exploratórias
Análise de Componente Principal (PCA) utilizando o software PC-ORD (McCune &
Mefford, 1999) foi aplicada aos dados para resumir as informações sobre as variáveis
quantitativas do canto das três espécies. Essa técnica de ordenação indireta constrói uma
variável teórica, a partir de muitas variáveis reais buscando representar o eixo que melhor
explica a distribuição dos dados (Jongman et al., 1995). O PCA usa o método de distância
euclidiana para estabelecer as posições das amostras (no caso deste estudo uma amostra
corresponde a um canto de um indivíduo) e assim determinar qual é o eixo principal. Os
parâmetros quantitativos do canto variam de forma linear, e por isso, o PCA se mostra um
bom método investigativo para maximizar a percepção de padrões nos cantos.
Devido ao canto de C. gujanensis ser mais simples e pouco variável entre locais,
foram incluídas as variáveis quantitativas e qualitativas de todas as notas na PCA. No caso de
S. coerulescens, foram incluídas somente as variáveis quantitativas e o número de notas do
canto, excluindo os valores das notas individuais. Isso feito porque os cantos são muito
distintos de uma região para outra e um pequeno número de variáveis na PCA já seria
suficiente para representar bem essa diferença. Para o canto de T. musculus foi gerada PCA
com as cinco variáveis do canto quantitativas, uma vez que este canto é muito complexo e a
inclusão de informações quantitativas para cada nota individualmente não traria informação
valiosa e poderia, ao contrário, introduzir ruído nas análises pelo excesso de variáveis.
Análise de Cluster foi aplicada à matriz dos tipos de notas de T. musculus (“average”-
método de ligação e “distância euclidiana”-como medida de distância), com a finalidade de
19
agrupar os locais mais similares em relação aos tipos de notas e detectar o efeito da distância
geográfica sobre o compartilhamento desses elementos do canto.
A contribuição relativa de cada tipo de nota na amostra do canto de e S. coerulescens e
T. musculus foi estimada por ordenação direta com dados de abundância dos tipos por local,
utilizando o software COMUNIDATA (Dias, 2006).
4.4.2 Testes estatísticos
Os testes estatísticos foram realizados com o software SYSTAT 8.0 (Wilkinson,
1990), exceto o Teste de Mantel que foi feito com auxílio do PC-ORD (McCune e Mefford,
1999). Para as três espécies foram realizados testes de ANOVA e teste à posteriori de Tukey
com as variáveis mais informativas apontadas pela PCA de cada espécie, a fim de detectar se
existe diferença nessas variáveis entre os locais. Regressão simples com a média da proporção
local para cada tipo de nota foi usada para testar o efeito da distância geográfica sobre os tipos
de notas de T. musculus e as probabilidades foram consideradas com correção de Bonferroni.
A correlação entre a estrutura do canto e distância geográfica foi verificada utilizando
Teste de Mantel. Neste teste uma comparação entre duas matrizes é feita utilizando princípios
de permutação ou randomização dos elementos dessas matrizes (Legendre, 1998). Uma matriz
é relacionada aos parâmetros do canto, enquanto a outra aos valores de distância geográfica.
Dados quantitativos do canto foram utilizados para as matrizes das três espécies. Além disso,
em S. coerulescens e T. musculus foram feitos Testes de Mantel também para os tipos de
notas. Distância euclidiana foi escolhida como medida de distância para os parâmetros
quantitativos do canto e índice de similaridade de Jaccard para as matrizes dos tipos de notas.
A influência do tipo de paisagem predominante e a presença do Rio Branco
(possivelmente atuando como barreira geográfica) sobre os parâmetros quantitativos dos
cantos das três espécies foram investigadas utilizando Testes t com as variáveis: freqüência
maior, freqüência máxima, duração total do canto e número de notas do canto.
20
5. Resultados
5.1 Ocorrência das espécies
Das três espécies do estudo, duas estiveram presentes na maioria dos pontos de
amostragem. Cyclarhis gujanensis foi registrado em 14, dos 16 pontos amostrais. Por outro
lado S. coerulescens ocorreu somente em metade dos locais de amostragem, apesar do mesmo
esforço mínimo amostral ter sido empregado em todos eles. Saltator coerulescens foi
encontrado em três pontos amostrais até 144 km ao norte de Manaus (ABRA- ponto 4).
Depois deste ponto a espécie não foi detectada e só reapareceu no transecto em Caracaraí
(ponto11), 423 km distante do último registro. A partir deste local, a espécie foi registrada nos
4 pontos amostrais subseqüentes (ponto 12-15), mas não foi encontrada no ponto 16 que
representa o extremo norte do transecto (Fig. 4). Troglodytes musculus foi a espécie mais
abundante e encontrada com facilidade em todos os pontos de amostragem. (figs. 2-4; Tab. 1)
5.2 Cyclarhis gujanensis
Foram analisados 116 cantos de C. gujanensis de 104 indivíduos, dos quais 92
(88,5%) cantaram somente um tipo e 12 (11,5%) cantaram dois tipos de canto. Essa espécie
foi encontrada quase sempre no estrato médio (5-10 m) ou alto (>10m) de capões de mata
secundária, bordas de mata primária e mata ripária. O canto de C. gujanensis foi facilmente
detectado a longas distâncias, pois as aves emitem vários cantos em seqüência e o canto tem
uma intensidade alta (volume), destacando-se no ambiente.
A inspeção visual dos cantos a priori, não apresentou diferenças na forma das notas
entre locais, demonstrando relativa uniformidade no canto ao longo da área de estudo (Figura
12). O canto exibiu variação no número de notas (3-6) entre locais. Por exemplo, o canto de
Vila Equador é formado por três notas, enquanto em Ponta da Serra ocorreram seis notas. No
entanto, a maioria dos cantos da amostra é constituída por quatro a cinco notas e tem duração
aproximada de 1 segundo (Fig. 12).
21
Figura 12: Cantos de Cyclarhis gujanensis de seis diferentes localidades. As aves apresentam relativa
uniformidade nos tipos de notas entre locais, mas o canto exibiu variação no número de notas (3-6). Por
exemplo, o canto de Vila Equador é formado por três notas, enquanto em Ponta da Serra ocorrem 6 notas. No
entanto, a maioria dos cantos da amostra é constituída por quatro a cinco notas.
22
A ordenação do canto através da PCA destacou cinco grupos, mas os indivíduos de
paisagem florestal foram agrupados junto aos de savana, indicando que não existem formas de
canto predominantes de acordo com o domínio de paisagem para esta espécie (Figura 13). O
primeiro eixo da PCA explicou somente 24,17% da variação nos dados, enquanto o segundo
eixo explicou 13,63%. O número de notas foi a variável que mais contribuiu para a construção
do eixo 1 (eigenvector = 0,261), enquanto a freqüência maior foi a que mais contribuiu para o
eixo 2 (eigenvector = 0,290). A forma das notas se manteve semelhante tanto em escala
microgeográfica (dentro de um ponto amostral), como em macrogeográfica (entre pontos
amostrais mais distantes), e a análise das características quantitativas e qualitativas do canto
(Tab. 2) confirmou a ausência de variação geográfica pelo efeito de distância (Mantel: R² =
0,000; p = 0,296).
Figura 13: Análise de Componente Principal (PCA) das variáveis quantitativas e qualitativas do canto de
Cyclarhis gujanensis. Ocorre agrupamento de aves de diferentes paisagens (S) e (F) em função do número de
notas (PCA1) e freqüência maior do canto (PCA2).
Dois parâmetros quantitativos do canto de C. gujanensis variaram entre os locais de
amostragem: freqüência maior (ANOVA: F = 2,515; p = 0,005; GL= 13) e o número de notas
do canto (ANOVA: F = 3,070; p = 0,001; GL = 13). Os cantos gravados em Boa Vista (ponto
14) apresentaram maiores valores de freqüência maior, sendo que o teste de Tukey detectou
diferença significativa em relação a Estação da Silvicultura (ponto 2; p = 0,005), Presidente
Figueiredo (ponto 3; p = 0,028), Vila Equador (ponto 7; p = 0,014) e Ponta da Serra (ponto
15; p = 0,041). (Figura14). O número de notas foi maior em Ponta da Serra, quando
23
comparado com Presidente Figueiredo (ponto 3; p = 0,001), ABRA (ponto 4; p = 0,004) e
Vila Equador (ponto 7; p = 0,004) (Figura 15b).
Apesar da diferença na freqüência maior ter ocorrido quase sempre entre pontos
classificados como savana e pontos pertencentes à paisagem florestal, quando todos os pontos
foram agrupados para testar o efeito do tipo de vegetação, esta variável não mostrou diferença
entre os domínios de paisagem (t = -1,683; p =0,095) (Figura 14). Da mesma forma, a
freqüência máxima do canto não variou entre os tipos de paisagem (t = -0,389; p = 0,698). Por
outro lado, a duração do canto e o número de notas mudaram com a paisagem. As aves
gravadas na savana tiveram cantos com maior duração (t = -2,820; p = 0,006) e número de
notas (t = -3,174; p = 0,002) do que as aves gravadas no domínio de floresta (Fig. 15 a-b).
Figura 14: Freqüência maior do canto de Cyclarhis gujanensis foi diferente entre o ponto 14 e os pontos 2,
3, 7 e 15 (ANOVA: F = 2,515; p = 0,005).
Figura 15: Os pontos 11-15 pertencem ao domínio das savanas, enquanto os outros pontos pertencem ao
domínio florestal. (a) Duração total do canto de Cyclarhis gujanensis: a duração do canto foi maior na savana
do que em nas áreas florestadas (t = -2,820; p = 0,006). (b) Número de notas do canto: as aves de savana
emitiram cantos com maior número de notas do que aves de paisagem florestal (t = -3,174; p = 0,002)
24
O Rio Branco separou populações vocalmente distintas de C. gujanensis somente em
relação ao número de notas do canto. Na margem direita do rio, os indivíduos gravados
cantaram com maior número de notas do que na margem esquerda. As demais variáveis
consideradas não demonstraram diferença em margens opostas rio (Tabela 3).
t Variável p
Freqüência maior (Hz)
-1,556 0,122
Freqüência máxima (Hz)
1,069 0,287
Duração do canto (s)
-1,373 0,172
Número de notas -2,366 0,002 *
Tabela 3: Resultado dos Testes t com variáveis quantitativas do canto de Cyclarhis
gujanensis.
5.3 Saltator coerulescens
Um total de 56 cantos foi analisado de 39 indivíduos. Nas áreas classificadas como
pertencentes ao domínio florestal, os pássaros foram encontrados em bordas de floresta
secundária, e na região das savanas sempre foram registrados em matas associadas a rios, ou
capões de mata próximos a pastos (em ramais da BR-174). A maior parte dos indivíduos foi
gravada no estrato baixo ou médio (5-15m). A existência de diferenças no canto da espécie é
evidente em uma primeira audição no campo em diferentes regiões. Nos pontos 1, 2 e 4
(floresta) foram gravadas 15 aves e deste total (46,7%) cantaram mais de um tipo de canto.
Por outro lado, nos pontos 11-15 foram gravadas 24 aves e destas, somente seis aves (25%)
cantaram mais de um tipo de canto.
Na PCA do canto de S. coerulescens o eixo 1 respondeu por 42,47% da variação nos
dados e foi relacionado à freqüência máxima (eigenvector = -0,488) enquanto o segundo eixo
da PCA explicou 26,53% e foi representado pela duração total do canto (eigenvector = -
0,564) (Figura 16).
25
Quando consideradas independentemente, as duas variáveis mais importantes
apontadas pela PCA não mostram diferença entre locais: freqüência máxima (ANOVA; F =
1,408; p = 0,224) e duração do canto (ANOVA: F = 0,632; p = 0,727). A freqüência maior do
canto, entretanto, apresentou diferença entre locais (Tabela 4).
Locais p = Locais p = Locais p =
0,000
CA e MU
0,046
BV e ES
0,001
MAO e CA
0,000
CA e ES
0,021
BV e ABRA
0,001
MAO e BV
0,000
CA e ABRA
0,015
MAO e PS
0,045
BV e IR
0,002
MAO e ABRA
0,028 0,001
CA e IR BV e MU
Tabela 4: Locais apontados pelo teste de Tukey, onde ocorreu diferença na
freqüência maior do canto de Saltator coerulescens (ANOVA: F = 14,451; p = 0,000)
Figura 16: Análise de Componente Principal (PCA) do canto de Saltator coerulescens. Apesar de existirem
alguns cantos savana (S) dispostos na periferia do gráfico, não é possível observar uma separação nítida entre
os cantos gravados em domínio florestal (F) daqueles registrados em savana (S), pois existem muitos cantos de
diferentes paisagens sobrepostos, à esquerda no gráfico.
No estado do Amazonas houve consistência em relação aos tipos de notas nos três
locais em que a espécie foi encontrada: Manaus, Estação de Silvicultura e ABRA. Nestes
26
locais ocorreram de dois a oito tipos de notas (Figura 17). Por isso, este tipo de canto foi
definido como dialeto “Amazonas”. Este canto é composto de cinco a seis notas, com as
primeiras notas sendo mais curtas em duração e a ultima nota sempre mais longa. A duração
média do canto foi cerca de dois segundos e freqüência de cada uma das notas sempre foi
descendente: iniciou com valores mais altos e diminuiu com o passar do tempo (Figura 18).
Por outro lado, o canto típico do estado de Roraima, além de possuir algumas notas
semelhantes ao dialeto “Amazonas”, apresentou mais onze tipos de notas. Ocorreram notas
com harmônicos, e a maioria das notas teve duração mais curta do que as notas do dialeto
“Amazonas”. Muitas notas no dialeto “Roraima” foram raras, aparecendo somente poucas
vezes dentro da amostra (Figura 19).
Figura 17: Ordenação direta dos tipos de notas de Saltator coerulescens. Os três primeiros gráficos, acima e
a direita na figura, representam o dialeto “Amazonas”. Nestes locais o número de tipos de notas é mais
restrito, aproximadamente metade dos tipos existentes no dialeto “Roraima”. Porém a abundância de muitos
tipos de notas no dialeto Roraima é extremamente baixa, com a maioria dos tipos ocorrendo uma ou duas
vezes na amostra.
27
Figura 18: Cantos de Saltator coerulescens do dialeto “Amazonas”. Este dialeto é caracterizado por começar
com uma série de notas assoviadas descendentes e a última nota mais longa: (a) canto gravado em Manaus, (b)
canto gravado na Estação de Silvicultura e (c) canto gravado na ABRA.
28
Figura 19: Cantos de Saltator coerulescens do dialeto “Roraima”. Neste dialeto ocorrem mais tipos de notas,
frequentemente não “assoviadas”: (a) canto gravado em Caracaraí, (b) canto gravado em Mucajaí e (c) canto
gravado em Ponta da Serra.
A existência de dois dialetos é evidenciada pela correlação positiva entre a
dissimilaridade das características dos cantos e a distância geográfica, tanto para
características quantitativas (Mantel: R² = 0,061; p = 0,001), quanto para os tipos de notas do
canto (Mantel: R² = 0,044; p = 0,001), sendo que a distância geográfica explicou 6% da
variação na estrutura do canto e 4% da variação nos tipos de notas (Figura 20).
29
Figura 20: A dissimilaridade entre a (a) estrutura do canto (Mantel; R² = 0.0613, p = 0.001) e (b) tipos de notas
do canto de Saltator coerulescens (Mantel; R² = 0.0437, p = 0.001) aumentaram com a distância geográfica.
Ao contrário de C. gujanensis, em S. coerulescens os parâmetros relacionados à
freqüência variaram entre os tipos de paisagem. Ocorreu diferença bastante significativa entre
os cantos gravados em áreas de savana e floresta para freqüência maior (t = - 7,608; p =
0,000), freqüência máxima (t = -2,666; p = 0,010) e número de notas assoviadas (t = 3,517; p
= 0,001). Os cantos das aves gravadas na savana tiveram valores maiores de freqüência maior
e freqüência máxima (cantos mais agudos) e também houve um número menor de notas
assoviadas em relação às aves gravadas na paisagem florestal (Figura 21a-c).
Em S. coerulescens não foi possível separar o efeito do tipo de paisagem do efeito do
Rio Branco sobre o canto, pois a paisagem caracterizada como savana só aparece depois de
Caracaraí, coincidindo com a margem direita do rio. Os valores dos testes t para o rio foram
os mesmos que para vegetação (Fig. 21 a-c). Além disso, a duração do canto (t = -0,040; p =
0,968) e número de notas (t = -1,313; p =0,195) também não foram diferentes em margens
opostas do rio.
30
Figura 21: (a) Os cantos de Saltator coerulescens gravados na savana tiveram maiores valores de freqüência
maior do que os cantos gravados em vegetação florestal (t = - 7,608; p = 0,000). (b) A freqüência máxima
também foi maior em aves de savana (t = -2,666; p = 0,010). Por outro lado, o número de notas assoviadas
(c) foi maior nas gravações das aves de paisagem florestal do que nas de savana (t = 3,517; p = 0,001). A
paisagem florestal ocorre é representada de 1-4 no eixo x, enquanto 11-15 representam paisagem de savana.
5.4 Troglodytes musculus
Troglodytes musculus foi a espécie com maior número de gravações analisadas (n =
208) e esteve presente em abundância em quase todos os pontos de amostragem (exceto nos
pontos 2, 4 e 10). Na maioria dos locais os indivíduos cantaram nas proximidades de áreas
antrópicas ou em bordas de capões de mata secundária. As aves iniciaram o canto antes do
amanhecer e alguns indivíduos cantaram mesmo nas horas mais quentes do dia. Por ser uma
espécie adaptada a ambientes antrópicos foi possível gravar os indivíduos a poucos metros de
distância e geralmente as aves ocuparam o estrato baixo (<3m de altura).
O canto de T. musculus foi bastante variável, composto de muitos tipos de notas
simples e complexas agrupadas formando sílabas, resultando consequentemente em diferentes
tipos de cantos. O número de notas do canto variou entre 7 a 37 e foram encontrados 208
cantos diferentes. Os cantos foram considerados pertencentes ao mesmo tipo quando
31
compartilhavam os mesmos tipos de notas dispostos na mesma seqüência. Dos 170 indivíduos
analisados, 37 (21,76%) cantaram mais de um tipo de canto, e deste total 35 indivíduos
(94,6%) cantaram dois tipos e dois indivíduos (5,4%) cantaram três tipos de cantos. A
variação nos tipos e seqüência das notas foi tão grande dentro de um local quanto entre locais
(Figuras 22 e 23).
.
Figura 22: Comparação do canto de Troglodytes musculus dos locais: ABRA, Abonari e Jundiá. Cada canto
pertence a um indivíduo diferente. Os cantos de diferentes indivíduos dentro de um ponto variam tanto quanto
entre pontos amostrais, evidenciando a ausência de uma estrutura comum compartilhada entre os indivíduos do
mesmo ponto. Apesar de existirem elementos comuns no canto dentro e entre locais, o arranjo dos diferentes
ti
p
os de nota do canto varia muito.
32
Figura 23: Comparação do canto de Troglodytes musculus dos locais: Rorainópolis, Caracaraí e Pacaraima. Cada
canto pertence a um indivíduo diferente. Da mesma forma que na figura 17, os cantos dentro de um ponto
variaram tanto quanto entre pontos, evidenciando a ausência de uma estrutura comum compartilhada entre os
indivíduos do mesmo local.
33
A ordenação do canto de T. musculus através da PCA captou 35,75% da variação na
estrutura do canto no eixo 1, e mostrou tendência a ordenar as aves com número de notas e
duração total do canto similar (eigenvector = 0,598). No eixo 2, a variação respondeu por
17,24% da variação e representou a freqüência maior (eigenvector = 0,647). A PCA
demonstrou a inexistência de agrupamento entre aves pertencentes ao mesmo ponto amostral
(Figura 24). Pelo contrário, indivíduos de lugares e paisagens distintas possuíram
características de canto bastante semelhantes, e não houve padrão relacionado à distância
geográfica, resultado que foi corroborado pelo teste de Mantel (Mantel: R² = 0,000; p =
0,477).
-5 -3 -1 1 3 5
PCA 1
-3
-2
-1
0
1
2
3
P
C
A
2
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
S
S
S
S
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F
F
F
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S
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S
S
S
S
S
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
A análise de cluster hierárquica com os tipos de notas agrupou pontos amostrais
adjacentes, evidenciando o efeito da distância em escala macrogeográfica sobre o
compartilhamento dos tipos de notas do canto. Caracaraí (CA), Vila Iracema (IR) e Mucajaí
(MU) formaram um cluster, e a distância do primeiro ao último local é 80 Km. Manaus
(MAO), Presidente Figueiredo (PF) e Aldeia Bioregional da Amazônia (ABRA) formaram
outro agrupamento e também são pontos amostrais seqüenciais, sendo que a distância do
primeiro ao último é 144 Km (Figura 25).
Figura 24: Análise de Componente Principal (PCA) das variáveis quantitativas do canto de Troglodytes
musculus. As aves gravadas no domínio de floresta são representadas por “F”, enquanto as de savana são
representadas por “S”. Note que aves de savana e floresta se misturam, sem definição de qualquer
agrupamento por local, tipo de paisagem ou separação pela presença do Rio Branco.
34
Figura 25: Análise de Cluster Hierárquico para os tipos de notas de Troglodytes musculus. As siglas do lado
esquerdo do gráfico referem aos pontos de amostragem (para maiores detalhes consulte a Tabela 2). Note que
alguns pontos adjacentes se agruparam, evidenciando similaridade entre os tipos de notas destes locais.
A ordenação direta dos tipos de notas considerando a média ponderada da abundância
de cada tipo por local, demonstrou que a maioria dos tipos é pouco abundante ou só ocorrem
em certos locais, como por exemplo, as notas 26, 27, 28, 43, 44, 45, 46 e 48 (Figura 26). Dos
42 tipos de notas classificados houve relação com a distância geográfica para 5 tipos (Tabela
5).
A proporção local de certos tipos não variou, diminuiu ou ainda aumentou
gradativamente com o aumento da distância entre os locais. As notas 41 (r = 0,117; p =
0,666) e nota 24 (r = 0,325; p = 0,219) não mostraram relação com distância geográfica. Por
outro lado, as notas 25 (r = 0,570; p = 0,021) e 18 (r = 0,647; p = 0,007) tiveram a proporção
diminuída com o aumento da distância geográfica. Já as notas 22 (r = 0,571; p = 0,021) e 33 (r
= 0,542; p = 0,03) aumentaram sua proporção média conforme aumentou a distância
geográfica (Figura 27). Em conjunto com a análise de cluster, o resultado da regressão com os
tipos de notas apontou efeito da distância geográfica sobre o compartilhamento de alguns
elementos no canto de T. musculus. Apesar disso, quando todos os tipos de notas foram
35
considerados juntos, não foi detectado padrão espacial relacionado à distância geográfica
(Mantel: R² = 0,000; p = 0.104).
Tipo da nota r ² = p = Tipo da nota r ² = p =
T1 0.001 0.918 T26 0.021 0.595
T3 0.123 0.184 T27 0.001 0.908
T4 0.033 0.501 T28 0.046 0.427
T5 0.029 0.53 T29 0.006 0.772
T6 0.026 0.554 T30 0.034 0.495
T7 0.075 0.303 T31 0.051 0.403
T8 0.204 0.079 T32 0.211 0.073
T9 0.002 0.881
T33** 0.294 0.03
T10 0.003 0.831 T34 0 0.98
T13 0.076 0.362 T35 0.016 0.636
T14 0.209 0.075
T36** 0.328 0.02
T15 0.001 0.925 T37 0.095 0.246
T16 0.043 0.442 T41 0.014 0.666
T17 0.085 0.272 T42 0.04 0.456
T18*** 0.419 0.007
T43 0.069 0.326
T20 0.021 0.593 T44 0.08 0.288
T21 0.024 0.57 T45 0.058 0.367
T22** 0.326 0.021
T46 0.011 0.699
T23 0.048 0.416 T47 0.133 0.166
T24 0.106 0.219 T48 0.017 0.631
T25** 0.325 0.021
T49 0.016 0.638
Tabela 5: Regressões simples da média da proporção dos tipos de notas por local, do canto
de Troglodytes musculus com probabilidades corrigidas por Bonferroni. Dos 42 tipos de
notas classificados, cinco tipos apresentam variação gradativa com o aumento da distância
36
Figura 26: Ordenação direta dos tipos de nota de Troglodytes musculus por local de amostragem. No eixo x estão
os tipos de notas que apresentam diferença significativa entre locais, apontados pelos testes de ANOVA. A
ordenação demonstra que a maioria dos tipos ocorre em baixa abundância e em poucos locais, apesar de existirem
alguns tipos mais freqüentes como, por exemplo: T1, T8, T13 e T41.
37
Figura 27: Relação entre a média da proporção dos tipos de notas e distância geográfica do canto de Troglodytes
musculus. A distância geográfica aumenta da esquerda para a direita no gráfico e diferentes locais correspondem a
diferentes valores de distância. Nota 41 (a) e nota 24 (b) não mostraram relação com distância geográfica. As notas 25 (c)
e 18 (d) tiveram a proporção diminuída com o aumento da distância geográfica. Já as notas 22 (e) e 33 (f) aumentaram sua
proporção média conforme aumentou a distância geográfica.
38
O ambiente acústico e a presença de uma possível barreira geográfica não
demonstraram influência sobre parâmetros quantitativos analisados no canto de T. musculus.
Tanto as variáveis relacionadas à freqüência, como as relacionadas a aspectos temporais do
canto foram iguais em paisagem florestal e nas savanas. O Rio Branco também não separou
populações vocalmente distintas: os cantos exibiram valores semelhantes para todas as
variáveis analisadas nas margens direita e esquerda do rio.
Variável Paisagem Rio
t p = t p =
Freqüência maior (Hz) -1,027 0,306 0,166 0,869
Freqüência máxima (Hz) -0,850 0,396 0,246 0,806
Duração do canto (s) 0,725 0,666 0,725 0,470
Número de notas 1,315 0,190 0,820 0,413
Tabela 6: Resultado dos Testes t com as variáveis quantitativas do canto de Troglodytes
musculus. Nenhuma das variáveis mudou com o tipo de paisagem ou em margens opostas do
Rio Branco.
39
5.5 Comparação dos padrões de variação no canto entre as espécies.
A comparação do padrão de variação do canto entre as espécies demonstra que as
espécies respondem de maneira distinta ao efeito da distância geográfica, tipo de paisagem e
presença do Rio Branco como possível barreira geográfica. Enquanto em C. gujanensis não
houve grande mudança na estrutura do canto ao longo do transecto amostrado, em T.
musculus em poucos quilômetros alguns elementos do canto mostraram variação. Já em S.
coerulescens os dialetos de canto correspondentes à diferentes sub-espécies se mantiveram em
grandes extensões. Portanto, somente T. musculus corrobora a hipótese de diferenciação
geográfica gradativa ao longo da distancia geográfica.
O tipo de paisagem afetou diferentemente o canto das três espécies, corroborando
algumas premissas da hipótese de adaptação acústica. Em Cyclarhis gujanensis houve
mudança em parâmetros de freqüência e temporais do canto, enquanto em S. coerulescens
somente a freqüência foi afetada. Por outro lado, T. musculus manteve os valores para todos
os parâmetros quantitativos do canto medidos, independente do tipo de paisagem.
No entanto, o Rio Branco não demonstrou influencia em quase todos os parâmetros do
canto analisados para as três espécies, exceto o número de notas de C. gujanensis que mudou
em margens opostas do rio, confirmando a hipótese nula de que o rio não teria efeito sobre as
populações dessas espécies.
Tabela 7: Comparação do efeito dos três fatores considerados no estudo sobre o canto
das espécies.
Espécie: Distância geográfica: Tipo de paisagem: Rio Branco:
Cyclarhis gujanensis
Não Sim Sim (fraco)
Saltator coerulescens
Sim (fraco) Sim Não
Troglodytes musculus
Sim Não Não
40
6. Discussão
A variação na estrutura do canto foi diferente para cada espécie, evidenciando a
importância de estudos envolvendo diferentes taxa na detecção de um padrão geral que
explique fenômenos biológicos complexos como os dialetos. O uso de espécies de diferentes
famílias, com histórias evolutivas e requerimentos ecológicos distintos demonstrou que a
variação no canto depende de muitos fatores.
6.1 O canto das espécies varia diferentemente na mesma escala de distância.
A distância geográfica não afetou o canto de C. gujanensis em nenhum aspecto
considerado neste estudo, entretanto, mostrou efeito sobre o canto de S. coerulescens e T.
musculus em níveis diferentes. Em S. coerulescens as características quantitativas e
qualitativas (tipos de notas) do canto mostraram padrão geográfico (Fig. 17). Já em T.
musculus somente a forma das notas mostrou relação com a distância: os pontos de
amostragem mais próximos geograficamente foram colocados como grupos-irmãos (Fig 25).
O ponto Estação de Silvicultura (ES) provavelmente foi deslocado para outro agrupamento na
figura, devido ao pequeno número de indivíduos amostrados neste local (N=4).
O canto de T. musculus exibiu muita variação, e foi composto de muitos tipos de notas
arranjadas de diversos modos, formando sílabas (Fig 22-23). Tracy & Baker (1999),
defendem que os mecanismos de transmissão cultural das sílabas do canto são independentes
de outras variáveis, e que padrões de variação geográfica silábicos podem surgir
independentemente no canto. Da mesma maneira que outros memes, os cantos são
codificados como representações neurais, e transmitidos entre indivíduos resultando em
inacurácia no repasse da informação (Podos, 2004). É provável que o acúmulo desses erros de
cópia durante o processo de aprendizagem conhecido como deriva cultural, (Payne, 1996) e a
capacidade de improvisação sejam os principais responsáveis pela grande diversidade de tipos
de cantos e ausência de dialetos em Troglodytes musculus, uma vez que distância geográfica
demonstrou efeito somente sobre cinco tipos de notas, dos 42 tipos analisados (Tab. 5).
A existência de um grande número de tipos únicos de canto em T. musculus destaca a
influência do tamanho do repertório na formação dos dialetos. Kroodsma (1977) relacionou a
sintaxe combinatorial (combinação de tipos de notas formando sílabas) como responsável pela
grande quantidade de tipos de cantos e consequentemente ao grande repertório de Troglodytes
41
troglodytes. O grande repertório exibido por Troglodytes musculus pode ser um fator que dilui
a possível formação e manutenção de dialetos nesta espécie. Simulações de computador
mostraram que o aumento do repertório leva à diminuição da proporção de cantos do
repertório compartilhados entre vizinhos (Williams e Slater, 1990 apud, Handley e Nelson,
2005). Além disso, Podos & Warren (no prelo, 2007) demonstraram que na maioria dos
estudos de variação geográfica no canto de aves Oscines, as espécies que tem repertórios
menores tendem a ter dialetos mais estáveis no tempo.
Dentre os fatores que poderiam ser responsáveis por esse resultado encontrado em T.
musculus e destacam-se: a capacidade de dispersão dos indivíduos, a amostragem de tipos de
cantos, e o contexto comportamental associado à vocalização. Troglodytes musculus é uma
espécie comum e amplamente distribuída. Ocorre em praticamente todos os habitats abertos e
semi-abertos e áreas de influência antrópica (Sick, 1997). Essas características conferem alto
poder de dispersão à ave e isso também poderia dificultar a formação e fixação de dialetos.
Devido a essa boa capacidade de dispersão, pode ser que a escala geográfica utilizada no
estudo não foi suficientemente grande para captar estruturas no canto reconhecíveis como
padrões, que poderiam ser observados numa escala macrogeográfica muito maior. Neste caso,
seriam úteis comparações futuras de cantos em escala continental a fim de verificar se nessa
escala o fenômeno ocorre.
Apesar de ter incluído nas análises todos os diferentes tipos de cantos emitidos por
cada indivíduo, muitas vezes o tempo de gravação de cada ave foi curto, incluindo somente 3
ou 4 cantos consecutivos. Esse fator pode ter subestimado o número de tipos de cantos e
consequentemente conduzido à sub-amostragem do repertório da espécie, causando a ausência
de padrões de canto locais reconhecíveis ao longo do transecto amostrado.
O contexto comportamental também pode ter influencia na estruturação do canto. As
funções principais do canto são mediar interações entre machos vizinhos territoriais e a
atração de fêmeas (Searcy e Andersson, 1986; Catchpole e Slater, 1995; Todt e Naguib, 2000;
Hyman, 2002). Portanto, as interações intra e interespecíficas como a presença de fêmea ou
do macho co-espécifico, predador, ou competidor de outra espécie por espaço no momento da
gravação poderiam influenciar, por exemplo, os tipos de cantos emitidos. Por exemplo, nos
gêneros Dendroica, Vermivora, Parula, e Setophaga, os machos exibem dois tipos de canto
que parecem ser usados em diferentes circunstâncias. Entretanto, quando machos encontram
outros machos (períodos de alta motivação) da mesma espécie o tipo de canto selecionado por
eles é altamente preditivo (Kroodsma, 1981). Além disso, evidências de outras espécies
sugerem que sinais vocais mais complexos podem ser usados em períodos de maior
42
motivação (Kroodsma, 1977). Como o objetivo deste estudo foi caracterizar o canto das
espécies e reconhecer padrões que pudessem ser considerados dialetos, não foram
relacionados os aspectos etológicos associados ao canto. É possível que cantos gravados em
diferentes contextos tenham estrutura distinta, e essa abordagem pode, portanto, ter
comparado cantos que não possuem homologia devido a pertencerem a contextos
comportamentais diferentes.
Todas essas evidências fortalecem a importância de futuros estudos de ontogenia do
canto, a fim de responder questões relacionadas ao processo de formação dos dialetos, como o
tempo de cristalização, flexibilidade na aprendizagem e a contribuição efetiva da deriva
cultural e improvisação na estruturação do canto de T. musculus. Estudos envolvendo
aspectos comportamentais poderiam trazer refinamento nas comparações entre tipos de cantos
e poderiam detectar padrões sutis de compartilhamento do canto que não são observados
quando somente aspectos ecológicos ou geográficos são considerados nas análises.
6.2 O tipo de paisagem afeta parâmetros diferentes do canto das espécies.
Os diferentes domínios de vegetação influenciaram características importantes no
canto de duas espécies deste estudo. Cyclarhis gujanensis apresentou diferença no número de
notas e duração do canto nos diferentes domínios de paisagem (Fig.15) e corroborou algumas
premissas relacionadas aos aspectos temporais da hipótese de adaptação acústica. Isso difere
de alguns resultados de Tubaro e Segura (1995) que testaram a “Hipótese de Adaptação
Acústica” no canto de três sub-espécies de Cyclarhis gujanensis. Diferentemente do esperado,
o canto das sub-espécies não variou entre os diferentes hábitats, que ocupam altitudes e
latitudes variadas e conseqüentemente, apresentam características de vegetação distintas.
Nessas sub-espécies os cantos são agrupados em sílabas e a variação na ordenação das sílabas
foi considerada resultado de fenômenos históricos, filogenéticos e de aprendizado.
Hunter e Krebs (1979) observaram que os cantos de Parus major em florestas densas
de coníferas tinham trinados mais lentos do que os cantos de florestas mais abertas. Badyaev e
Leaf (1997) encontraram o mesmo tipo de resultado em espécies dos gêneros Phylloscopus e
Hippolai: espécies de hábitat fechado usaram poucas notas e maior intervalo entre elas, do
que as espécies de hábitats abertos.
A falta de variação nos parâmetros relacionados à freqüência do canto de C.
gujanensis poderia estar relacionada ao microhábitat preferencial da espécie. Apesar de
ocorrer em diversos tipos de paisagens, sempre que a espécie foi registrada, as aves estavam
43
cantando em ambientes abertos, e portanto, menos sujeitos à superfícies dispersoras do som.
Nas áreas mais florestais os indivíduos cantavam próximo ao dossel ou na borda da
vegetação, que são estruturalmente mais abertos e provavelmente apresentam características
acústicas mais próximas das savanas.
Neste estudo, o intervalo entre as notas do canto não foi medido, e isso não exclui a
possibilidade de que as duas variáveis: número de notas e duração total do canto estejam
correlacionadas. Além disso, nas aves gravadas em áreas de savana que cantavam maior
número de notas, ocorreu quebra da última ou penúltima nota (Fig 12, Ponta da Serra). Neste
caso, não foi possível separar a influência do ambiente acústico na estruturação do canto, do
efeito da deriva cultural e aprendizado, que poderia ter levado os indivíduos de alguns locais a
quebraram as notas e este novo elemento cultural ter sido incorporado pelas outras aves da
mesma região.
Saltator coerulescens corroborou outras premissas da hipótese de adaptação acústica
que não foram confirmadas pelo canto de C. gujanensis, apresentando diferença em
parâmetros de freqüência nos diferentes domínios de paisagem (Fig.21 a-b.). Por outro lado,
os cantos das aves de savana tiveram menor número de notas assoviadas do que os cantos
gravados em paisagem caracterizada como florestal (Fig 21c), contrariando a idéia de
assovios são favorecidos pelo ambiente acústico aberto (Brown e Handford, 1996). Isso pode
ter ocorrido porque não existe homologia no canto das aves gravadas nas diferentes paisagens.
O dialeto que ocorre no domínio florestal tem menos tipos de notas e todas elas são
assoviadas (Fig. 18). Já no dialeto das savanas ocorrem mais tipos de notas não assoviadas
(Fig. 19) e talvez por isso o número de notas assoviadas foi maior em ambientes florestais.
Portanto, esse resultado não é claro o bastante para refutar a idéia de que assovios são
favorecidos em ambientes abertos.
Troglodytes musculus não apresentou mudança em qualquer parâmetro quantitativo do
relacionado à mudança da paisagem (Tab. 6). Esse resultado não foi surpreendente, uma vez
que no decorrer do estudo, nas áreas classificadas como pertencentes ao domínio florestal, a
espécie também só foi registrada em bordas e regiões mais abertas ou antropizadas.
Apesar das diferenças no canto de S. coerulescens apresentarem relação com a
distância geográfica e o tipo de paisagem, esses fatores não parecem ser responsáveis pela
presença de dialetos nesta espécie. Uma vez detectada a variação geográfica regional no canto
de uma espécie, é interessante procurar entender o papel dos fatores ecológicos e históricos
como agentes no processo de formação do dialeto. Neste estudo não foi possível separar o
efeito do tipo de paisagem do efeito do Rio Branco sobre a estruturação do canto de S.
44
coerulescens, pois a espécie não foi encontrada no ponto amostral mais extremo ao norte do
transecto (que correspondia à vegetação florestal). De forma que todos os pontos que estão à
margem esquerda do Rio Branco correspondem à vegetação de savana e os da margem direita,
à vegetação florestal (Fig.1). A PCA relacionando características quantitativas do canto de
Saltator coerulescens mostrou pouco poder de distinção entre os cantos que são
estruturalmente muito diferentes. Apesar de os 2 eixos principais da PCA somados possuírem
relativamente alto poder de explicação das variáveis (69%), a ordenação não demonstrou 2
grupos contrastantes, (coincidentes com o tipo de paisagem) como seria esperado (Fig.16).
Em contrapartida, quando foram analisados os tipos de notas, esses grupos surgiram como
ficou evidenciado pela ordenação (Fig. 17). Isso deixa clara a importância de considerar
características qualitativas nas comparações de cantos. Para esta espécie a forma das notas
exprime muito melhor a diferença no canto do que os parâmetros quantitativos, apesar destes
também apresentarem diferença.
Os dialetos de S. coerulescens provavelmente representam populações alopátricas, já
que a presença deles corresponde à distribuição de diferentes sub-espécies. A classificação
dessas sub-espécies foi baseada na morfologia, e no estado do Amazonas ocorre sobreposição
das sub-espécies azarae e mutus. Saltator coerulenscens azarae se estende do oeste da
Colômbia até o leste do Rio Madeira, enquanto S. c. mutus ocorre no Baixo Amazonas e norte
do Brasil (Paynter, 1970) Portanto, o dialeto típico do Amazonas pode corresponder a
qualquer uma das 2 sub-espécies mencionadas. Já o dialeto típico do estado de Roraima,
representa a sub-espécie olivascens.
Saltator coerulescens é uma espécie típica de várzea, habita beira de rios, campos, e
capões de florestas secundárias em regiões úmidas (Sick, 1997). Considerando essas
características ecológicas e a existência de um grande intervalo sem amostragem da espécie
no transecto do estudo (Fig. 4), há possibilidade da sub-espécie mutus (ou azarae) estar
dispersando gradativamente para o norte do estado do Amazonas acompanhando o processo
de antropização causado pela BR-174 e seus ramais. Existem evidências de que espécies
típicas de várzea, como por exemplo: Cacicus cela, Todirostrum maculatum, Megarynchus
pitangua, são favorecidas no processo de expansão provocado pela abertura de estradas, pois
elas funcionariam como os rios, facilitando a dispersão dessas espécies (Cohn-Haft et al.,
1997). Por sua vez, a sub-espécie olivacens parece estar estendendo sua distribuição para o sul
do estado de Roraima, acompanhando os ambientes associados ao Rio Branco (várzea e matas
de galeria), típicos onde a espécie foi encontrada.
45
Diversos estudos defendem que os dialetos são capazes de causar impedimento ao
fluxo gênico e isolamento reprodutivo (Nottebohm, 1969; Marler, 1970; Gill, 1995; Ellers &
Slabbekoorn, 2000). Entretanto, outra abordagem sugere que os dialetos podem ocorrer
devido a eventos fundadores, barreiras geográficas ou filopatria estrita, mais do que o
cruzamento preferencial baseado no canto (MacDougall-Shackleton, E. A e MacDougall-
Shackleton, S, 2001). De qualquer forma é importante que análise genética seja realizada para
confirmar as diferenças apontadas pela morfologia e canto de S. coerulescens, a fim de poder
elevar as sub-espécies à categoria de espécies plenas. Além disso, experimentos de playback,
observando a resposta das aves de um dialeto ao dialeto da outra região seriam úteis para
confirmar se existem barreiras comportamentais à hibridização dessas sub-espécies. Baker
(1981) testou a resposta de fêmeas de Zonotrichia leucophrys a dois dialetos no Colorado e
verificou que elas responderam mais ao dialeto natal do que ao dialeto estrangeiro, sugerindo
que os dialetos podem representar barreiras ao fluxo gênico nesta espécie. O mesmo
resultado foi encontrado nessa espécie por Petrinovich e Patterson (1981) na Califórnia.
Lemon (1967) testou a resposta de um cardinalídeo Richmondena cardinalis a dois dialetos e
também verificou maior resposta a tipos de canto locais do que aos de outras regiões.
Segundo Lindel (1998), o aprendizado vocal, a evolução cultural e a variação geográfica
podem estar ligados à rápida especiação nos Oscines.
6.3 O Rio Branco não parece constituir barreira geográfica para as espécies.
Como sugerido pela falta de diferenciação morfológica descrita (v. Métodos), a
maioria dos parâmetros do canto analisados nas três espécies não variou em margens opostas
do Rio Branco. Em T. musculus (Tab.6) e S. coerulescens (Tab 3) nenhuma variável mudou,
mas contrariando as expectativas, o número de notas do canto de C. gujanensis foi diferente
nas margens opostas do Rio Branco (Fig.15b). Portanto, pode ser também que o rio tenha um
papel importante na formação ou manutenção da diferença desse elemento do canto de
Cyclarhis gujanensis em escala macrogeográfica.
6.4 Considerações gerais
Segundo Podos (2004) os dialetos geralmente ocorrem em espécies com historias de
vida e características comportamentais específicas como: dispersão limitada, aquisição do
canto em estágios iniciais do desenvolvimento e repertórios comparativamente simples. A fim
46
de entender porque os cantos de algumas espécies variam muito mais que o de outras, é
necessário aprender mais sobre a biologia e comportamento dessas espécies. Especialmente
questões relacionadas à ontogenia do canto, ou seja, em que estágio do desenvolvimento as
aves aprendem e quais indivíduos da população são os modelos de cópia para os indivíduos
que estão aprendendo seus cantos.
Uma boa alternativa para começar a entender mais sobre aspectos comportamentais
das espécies analisadas neste estudo, são os experimentos de playback, que constituem uma
ferramenta barata e valiosa e permitem testar algumas hipóteses já levantadas para outras
espécies. Por exemplo, experimentos de playback poderiam verificar se os parâmetros do
canto mudam ou permanecem os mesmos quando o playback é feito com voz de aves de
territórios vizinhos, ou então qual a resposta ao playback de uma sub-espécie ao canto da
outra.
Além disso, estudos de genética de populações são necessários se pretendemos
entender qual é a contribuição relativa da herança genética em uma característica
culturalmente herdada como o canto dos Oscines. Por outro lado, as controvérsias geradas
pela hipótese de adaptação acústica neste e em muitos outros estudos poderiam ser
minimizadas caso pares de espécies congêneres fossem analisados em ambientes
acusticamente distintos, como no estudo realizado por Seddon (2005).
47
7. Conclusão
O uso de espécies de diferentes famílias, com histórias evolutivas e requerimentos
ecológicos distintos demonstrou que a variação no canto é espécie- específica e não houve
congruência nos padrões encontrados. Em Cyclarhis gujanensis o tipo de paisagem pareceu
afetar mais o canto do que distância geográfica ou a presença do Rio Branco. A variação no
canto de Saltator coerulescens mostrou relação com o tipo de paisagem e distância
geográfica, mas provavelmente as diferenças encontradas nos dialetos são derivadas de
fatores históricos que promoveram isolamento dessas populações. O tipo de paisagem
influenciou diferentemente os parâmetros do canto de duas espécies do estudo (C. gujanensis
e S. coerulescens) demonstrando efeito sobre a estrutura do canto de ambas, e por isso pode
ser um importante fator a ser considerado na evolução do canto dessas espécies. Por outro
lado, o canto de Troglodytes musculus variou em aspectos qualitativos e somente demonstrou
relação com distância geográfica.
O estudo de vocalizações de aves na região neotropical ainda é incipiente, e outras
abordagens com diferentes espécies poderiam trazer contribuições importantes para o
entendimento da natureza da variação geográfica no canto dessas aves. A descrição de
padrões de variação do canto de espécies neotropicais pode permitir comparações com
espécies mais estudadas das regiões temperadas e fornecer idéias para buscarmos futuramente
entender os processos responsáveis pelos padrões de variação encontrados nesses ambientes.
48
8. Referências Bibliográficas
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