toma emprestado de Bourdieu a noção de capital cultural e de habitus.
O capital cultural, segundo ele, constitui, em um sentido muito amplo a memória
do indivíduo, todas as suas aquisições, que são fruto de aprendizagens constantes. No
centro do capital cultural se encontra o habitus, descrito como “o sistema de disposições,
costumes, gostos, atitudes, necessidades, estruturas lógicas, simbólicas e lingüísticas e
esquemas perceptivos de avaliação, de pensamento e de ação” (p. 48). E Perrenoud
explica que cada aluno, ao ingressar na escola, leva consigo um capital cultural, uma
bagagem de conhecimentos e aprendizagens que a difere das demais. Ao tratar todos os
alunos como iguais, a escola ratifica as desigualdades culturais iniciais e vai transformando
as desigualdades de aprendizagem em desigualdades de capital escolar.
Outro conceito importante para explicar o poder e a função social da avaliação é o
que Perrenoud (1999) chama de “fabricação da excelência escolar”. Segundo ele, como
outras instituições da sociedade, a escola define um conjunto de normas de excelência em
torno das quais se pauta a avaliação. Essas normas ensejam comparações entre os
indivíduos e, em conseqüência, o estabelecimento de hierarquias, conforme o maior ou
menor grau de aproximação à norma.
Assim, desde as primeiras séries, os alunos aprendem a se comparar e a se situar
frente às normas de excelência estabelecidas pela escola, e vão fazendo as classificações:
escrever bem, por exemplo, é seguir as normas definidas pela escola sobre o que significa
uma boa escrita; desenhar bem é fazer aquilo que a norma define como o bom desenho, e
assim por diante. Quando as tarefas são as mesmas para todos e as condições similares, as
diferenças de desempenho ficam mais claras e a hierarquização aparece mais rapidamente.
O professor quer queira, quer não, encarna a norma. Dificilmente ele conseguirá orientar o
trabalho dos alunos sem emitir implícita ou explicitamente um juízo de valor.
Perrenoud (1999) insiste na idéia de “fabricação” da excelência escolar para
evidenciar que os juízos e hierarquias escolares, como todas as representações, são
resultado de uma construção cultural, intelectual e social, em parte codificadas pela
instituição e em parte inventadas pelas pessoas, no caso, os professores. Ele explica que
usa esse termo como uma metáfora para chamar a atenção ao poder que têm as
organizações para construir representações da realidade e impô-las como se fossem as
únicas formas de ver a realidade.
Em geral, dá-se grande peso aos julgamentos do professor, esquecendo-se de que
eles são atravessados por “esquemas mediadores”, como argumenta Saul (1994),ou seja,
mesmo quando estão apoiados em instrumentos objetivos como testes, provas ou escalas
de avaliação, eles passam por um processo de filtragem do professor. Os juízos de valor,
que dão base à avaliação, são matizados pela opinião pessoal do professor, por aquilo que
ele valoriza, por suas simpatias, empatias ou antipatias em relação ao aluno, por seus
preconceitos, por suas concepções e crenças. Alguns valorizam a capacidade de
argumentação do aluno, outros a resposta correta, uns a ortografia, outros a expressão
escrita, alguns o conceito, outros a técnica. Isso é um efeito das percepções humanas e é
delas que se nutre a avaliação.
Saul (1994) argumenta que se as normas que orientam a formulação de juízos de
valor, que constituem a base da avaliação, são construções afetadas por fatores
psicológicos, componentes axiológicos e valores institucionais e sociais, é preciso, antes de
tudo, relativizar o seu poder e sua autoridade, tentando diminuir ser peso na produção do
fracasso escolar. É preciso desmistificar a objetividade freqüentemente associada à
avaliação, denunciar os matizes pessoais que atravessam os julgamentos que lhe servem de
base, procurando, assim, não só amenizar o desastre que a avaliação costuma produzir nas
relações sociais construídas no cotidiano escolar, mas, sobretudo, reduzir seus efeitos na