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conceitual, didática e/ou ensaística; há uma segunda parte , documental (“no
sentido das imagens se apresentarem como registro de uma situação de
existência independente da produção do filme”). Podemos visualizar ainda um
epílogo, lírico, ao final do filme, que se apresenta distinto das partes anteriores.
Um procedimento narrativo estabelecido por Furtado na primeira parte se
mantém na segunda parte, e sem o qual esta não faria sentido. Furtado cria uma
complexa e engraçada cadeia de raciocínio aparentemente lógico, utilizando uma
narração em off totalmente didática, devidamente ilustrada. O raciocínio procura
demonstrar, numa narração cheia de idas e vindas, a tal “trajetória do tomate” e,
através desta, quais sãos as etapas do sistema capitalista, incluso uma não
prevista, um resto do sistema: o lixo.
Furtado escreveu que poderia levar a sua cadeia de raciocínio da “trajetória do
tomate” eternamente. Comicamente, esta cadeia leva a uma pergunta do
espectador: “onde esse cara quer chegar com toda essa maluquice?”. De uma
forma ou de outra, Furtado precisava levar essa cadeia a algo.
E ele leva. Este procedimento se revela primeiramente paródico, pois aqui
o autor brinca com o excessivo positivismo das narrações documentais e
televisivas. O procedimento é também dialético, pois ao mesmo tempo em que
realiza esta paródia (com resultados, claro, cômicos), ele abre uma série de
pausas ou momentos de respiros ao longo do curta, como no exemplo já citado
dos judeus, que demonstram que essa narração (e mais ainda um discurso
positivista do mundo) “encobre realidades sem nenhuma graça”. De forma geral,
este raciocínio que parece perfeitamente lógico, usado para mostrar como
funciona o sistema capitalista, também mostra (num tom absurdamente natural)
como, num local do Brasil, os porcos podem ter prioridade para se alimentar em
um lixão, frente a um grupo de seres humanos desprovidos de dinheiro.
A seguir, a partir da análise, resumimos estruturalmente “Ilha das Flores”.
Os números correspondem a frases da narração em off (de acordo com o que está
transcrito no livro “Astronauta no Chipre”.). Note que a “trajetória do tomate” serve
para representar conceitos da economia capitalista: produção, circulação,
consumo, e um resto (o lixo) que esse sistema tem por resultado. Ressaltemos