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resultar. “Não desaconselho pessoa alguma a filiar-se a um partido, porém advirto a quem
assim age, quando ainda jovem, não só do perigo de vender sua propria opinião em troca do
prazer de se ver cercado por companheiros, mas ainda mais, e principalmente, que pertencer a
um partido e a um programa não pode ser brincadeira, devendo ao contrario corresponder a
uma total dedicação: quem, assim, se deixa levar pela revolução, não apenas deve pôr o corpo
e a vida inteiramente á disposição da causa, mas também deve estar pronto a matar, atirar,
lidar, com a metralhadora e o gás... Confesso não ser este o meu caso especial, mas jamais
procurei influenciar quem quer que fôsse, inclusive meus filhos, na decisão relativa a um tal
problema de conciencia”. Portanto, embora seja decididamente antitotalitario, não é a questão
do partido em si mesmo que se revela para ele mais importante, mas a atitude intima dos que
se filiam a tal ou qual enquadramento. Uma meia-adesão, uma atitude morna, seria uma
negação de si mesmo, quando não uma tentativa acomodatícia, resultado também de ama
auto-negação. E isto é o que se condena, este é o ponto principal, surgindo a questão política
de um lado, como ensejo para a prova de personalidade e, de outro, como ameaça ao processo
de formação pessoal. Quanto ao nacionalismo, constitui-se num problema pra o próprio
Hesse, alemão de nascimente e que acabou por renunciar à sua própia cidadania
naturalizando-se suíço em 1923. Por motivos semelhantes aos há pouco mencionados, afirma-
se ele radicalmente avesso à qualquer espécie de nacionalismo; este , ao seu ver, se reduz a
um sentimentalismo retardatário e extremamente perigoso. Mas não apenas o lado pilítico do
mundo moderno encontra-se repleto de ameaças para o indivíduo; consideráveis perigos
partem também do desenvolvimento da técnica, gerando uma desproporção entre valores
materiais e humanos, correndo estes o risco de serem submersos por aqueles. A atração da
técnica, fatalmente levará enorme número de indivíduos a negligenciar a própria formação, o
desenvolvimento de seus valores pessoais, e à desaparecer em meio à massa. O tipo tenderia,
assim, a substituir o indivíduo, perdendo a vida todo o seu encanto e sentido com o
predominio de máquina e massa, poucas seriam as possibilidades de realização individual,
pois massas e personalidade repelem-se: “... o pior inigo e corruptor do homem é o impulso
para o coletivo, impulso este cujas raízes são a preguiça de pensar e a necessidade de sossego.
Quer-nos parecer que a antinomia personalidade-massa, nos leva a um dos pontos
vitais na obra de Hesse, preso dentro de si mesmo, sofrendo, lutando, ansiando, sonhando
sozinho, pois aos homens não foi concedido o dom de se conhecerem uns aos outros. Podem
entrar em contado, transmitir uns tantos conhecimentos, amar e servir, mas a essência de cada
um é intransmissível ao próximo e o dilema instala-se. A massa ou a solidão. Para os que
ficam sós, o problema consiste em conquistar a harmonia com o mundo, atribuindo-se um
sentido a vida, embora no fundo não se rompa a solidão, pois “viver é estar só”. Compreende-
se àvista disto, a total descrença em uma educação que não seja auto-educação, auto-
formação. E mais: decorre daí ser a vida a única escola em que tal educação seja possível . A
vida, naturalmente, tal com ose apresenta a cada um, tal como cada um é obrigado a aceitá-la
e afirma-la. Praticamente toda a obra de Hesse está impregnada deste princípio de aceitação
incondicionalda existência, da vida permanentemente em mutação, em “werden”, sem outro
motivo para o homem além de sua auto-formação, através de provações, através de contínuas
experiênias, pelas quais se distribuem as etapas de realização individual. E quanto mais
acidentada, mais agitada a vida, tanto maior é a oportunidade para a afirmação dos fortes.
Talvez, até, fosse mais certo dizer-se o contrário: quanto mais forte a personalidade, mais rica
a sua vida, pois tanto mais impressionante será seu choque com a massa, com a tradição. Daí
a inegável predileção pelo tipo do apostata, mais ainda, pelo tipo de Caim, “que pode muito
bem, ser considerado com oum representante do espírito e da liberdade, proscrito em virtude
de sua audácia”. Um tipo de grande apostata, aliás, é o personagem da obra máxima de Hesse,
Joseph Knecht, ao romper com toda ordem em que sempre vivera, para dedicar-se,
exatamente, a função de preceptor. É o legítimo apostata, enfrentando todas as resistências,