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Um Passo em Frente Dois Passos Atrás
Vladimir Ilitch Lenine
1904
Fonte:
The Marxists Internet Archive
Prefácio
Quando se trava uma luta prolongada, tenaz e apaixonada começam a delinear-se,
geralmente ao fim de certo tempo, os pontos de divergência centrais, essenciais, de cuja
solução depende o resultado definitivo da campanha, e em comparação com os quais os
episódios menores e insignificantes da luta passam cada vez mais para segundo plano.
É o que se passa também com o combate que se trava no seio do nosso partido e que, há
já meio ano, chama a atenção de todos os membros do partido. E precisamente porque
foi necessário, no esboço de toda a luta que ofereço ao leitor, aludir a uma série de
pormenores de interesse mínimo e a inúmeras querelas que não oferecem no fundo
qualquer interesse, eu queria, desde o início, chamar a atenção do leitor para duas
questões verdadeiramente centrais, essenciais, de enorme interesse e de projeção
histórica incontestável, que constituem as questões políticas mais urgentes na ordem do
dia do nosso partido.
A primeira diz respeito ao significado político da divisão do nosso partido em "maioria"
e "minoria", divisão que tomou forma no segundo Congresso do partido 191 e que
deixou muito para trás todas as anteriores divisões dos sociais-democratas russos.
A segunda questão diz respeito ao significado de princípio da posição do Iskra em
matéria de organização, tanto quanto se trata de uma posição efetivamente de princípio.
A primeira questão é a do ponto de partida da luta no nosso partido, a questão da sua
origem, das suas causas, do seu caráter político fundamental. A segunda questão é a do
resultado final da luta, do seu desenlace, do balanço que, no terreno dos princípios, se
obtém somando tudo o que se refere aos princípios e subtraindo tudo o que se refere a
querelas mesquinhas. A primeira questão resolve-se analisando a luta no congresso do
partido; a segunda analisando o novo conteúdo de princípios do novo Iskra. Uma e outra
destas análises, que constituem nove décimos desta brochura levam conclusão de que a
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"maioria" é a ala revolucionária do nosso partido, e que a "minoria" é a sua ala
oportunista; as divergências que separam atualmente estas duas alas dizem respeito,
sobretudo a questões de organização, e não a questões de programa ou de tática; o novo
sistema de concepções que se desenha no novo Iskra com tanto mais clareza quanto
mais ele procura aprofundar a sua posição, quanto mais esta posição se vai libertando de
todas as querelas sobre a cooptação, é oportunismo em matéria de organização.
O principal defeito da literatura de que dispomos sobre a crise do nosso partido é, no
que diz respeito ao estudo e esclarecimento dos fatos, a ausência quase total duma
análise das atas do congresso do partido, e no que respeita ao esclarecimento dos
princípios fundamentais do problema de organização, é a falta de uma análise da ligação
que inegavelmente existe entre o erro cometido pelo camarada Mártov e pelo camarada
Axelrod na formulação do parágrafo primeiro dos estatutos e a defesa desta formulação,
por um lado, e todo o "sistema" (tanto quanto se pode falar aqui de um sistema) dos
princípios atuais do Iskra em matéria de organização, por outro lado. Pelos vistos a atual
redação do Iskra não nota sequer esta ligação, embora a importância da discussão do
parágrafo primeiro tenha sido já muitas vezes assinalada nas publicações da "maioria".
Hoje, os camaradas Axelrod e Mártov em essência não fazem mais do que desenvolver
e alargar o seu erro inicial sobre o parágrafo primeiro. Em essência, toda a posição dos
oportunistas em matéria de organização começou a revelar-se já na discussão do
parágrafo primeiro: na sua defesa de uma organização do partido difusa e não
fortemente cimentada; na sua hostilidade à idéia (à idéia "burocrática") da edificação do
partido de cima para baixo, a partir do congresso do partido e dos organismos por ele
criados; na sua tendência para atuar de baixo para cima, permitindo a qualquer
professor, a qualquer estudante do liceu e a "qualquer grevista" declarar-se membro do
partido; na sua hostilidade ao "formalismo", que exige a um membro do partido que
pertença a uma organização reconhecida pelo partido; na sua tendência para uma
mentalidade de intelectual burguês, pronto apenas a "reconhecer platonicamente as
relações de organização"; na sua inclinação para essa subtileza de espírito oportunista e
as frases anarquistas; na sua tendência para o autonomismo contra o centralismo; numa
palavra, em tudo o que hoje floresce tão exuberantemente no novo Iskra, e que contribui
para o esclarecimento cada vez mais profundo e evidente do erro inicial.
Quanto às atas do congresso do partido, a falta de atenção verdadeiramente imerecida de
que são objeto só pode explicar-se pelas querelas que envenenam as nossas discussões e
possivelmente, além disso, pelo excesso de verdades demasiado amargas que essas atas
contêm. As atas do congresso apresentam o quadro da verdadeira situação do nosso
partido, quadro único no seu gênero, insubstituível pela sua exatidão, plenitude,
diversidade, riqueza e autenticidade; um quadro das concepções, do estado de espírito e
dos planos traçados pelos próprios participantes do movimento, um quadro dos matizes
políticos existentes no nosso partido e que mostra a sua força relativa, as suas relações
mútuas e a sua luta. As atas do congresso do partido, e só elas, mostram-nos em que
medida nós conseguimos verdadeiramente varrer tudo o que restava das velhas relações
puramente de círculos e conseguimos substitui-las por uma única grande ligação, a de
partido. Todo membro do partido desejoso de participar conscientemente nos assuntos
do seu partido deve estudar com cuidado o nosso congresso do partido, precisamente:
estudar, porque a simples leitura do amontoado de materiais brutos que as atas contêm é
insuficiente para dar um quadro do congresso. Só com um estudo minucioso e
independente se pode conseguir (e deve procurar fazê-lo) fundir num todo os resumos
sucintos dos discursos excertos secos dos debates, as pequenas controvérsias sobre
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questões secundárias (secundárias na aparência), para que ante os membros do partido
surja o rosto vivo de cada orador destacado, se revele com precisão a fisionomia política
de cada um dos grupos de delegados ao congresso do partido, O autor destas linhas
considerará que o seu trabalho não terá sido se conseguir pelo menos dar um impulso ao
estudo, amplo e individual das atas do congresso do partido.
Ainda uma palavra a respeito dos adversários da social-democracia. Eles seguem com
caretas de alegria maligna as nossas discussões; evidentemente procurarão utilizar para
os seus fins algumas passagens isoladas desta brochura dedicada aos defeitos e lacunas
do nosso partido. Os sociais-democratas russos estão já suficientemente temperados nas
batalhas para não se deixarem perturbar por essas alfinetadas, e para prosseguir, apesar
delas, o seu trabalho de autocrítica, continuando a revelar implacavelmente as suas
próprias lacunas, que serão corrigidas, necessária e seguramente, pelo crescimento do
movimento operário. E que os senhores adversários tendem apresentar-nos da situação
verdadeira dos seus próprios "partidos" um quadro que se pareça, mesmo de longe, com
o que apresentam as atas do segundo congresso!
Maio de 1904.
I. Lenine
Parte I
a) A Preparação do Congresso
Há uma máxima segundo a qual cada pessoa tem o direito, durante vinte e quatro horas,
de maldizer os seus juizes. O congresso do nosso partido, como qualquer congresso de
qualquer partido, foi igualmente juiz de várias pessoas que aspiravam ao posto de
dirigentes e sofreram um fracasso. Agora, esses representantes da "minoria", com uma
ingenuidade enternecedora, "maldizem os seus juizes" e procuram, por todos os meios,
lançar o descrédito sobre o congresso e minimizar a sua importância e autoridade. Esta
tendência exprimiu-se talvez com o maior relevo no artigo de Praktik que, no n. º 57 do
Iskra, se indigna com a idéia da "divindade" soberana do congresso. Eis um traço tão
característico do novo Iskra, que não poderíamos deixar de referir. A redação, que é
composta na sua maior parte por pessoas rejeitadas pelo congresso, continua, por um
lado, a intitular-se redação "do partido" e, por outro lado, abre os braços a indivíduos
que afirmam que o congresso não é uma divindade. Muito bonito, não é verdade? Sim,
senhores, o congresso não é certamente uma divindade, mas que pensar dos que
começam a "denegrir" o congresso depois de aí terem sofrido uma derrota?
Lembremos, com efeito, os principais fatos da história da preparação do congresso.
Desde o principio, no seu anúncio datado de 1900
(1)
, que precedeu a publicação do
jornal, o Iskra declarava que antes de nos unificarmos era necessário que nos
demarcássemos. O Iskra procurou fazer da Conferência de 1902192 uma reunião
privada, e não um congresso do partido
(2)
. O Iskra agiu com extraordinária circunspeção
no Verão e Outono de 1902, ao renovar o Comitê de Organização eleito nessa
conferência. Finalmente, o trabalho de demarcação terminou, terminou como todos nós
o reconhecemos. O Comitê de Organização foi constituído mesmo nos finais de 1902. O
Iskra saúda a sua consolidação e declara - no seu editorial do n.0 32 - que a convocação
de um congresso do partido era a necessidade mais urgente e imediata
(3)
. Assim, o que
menos nos podem censurar é o ter precipitado a convocação do segundo congresso. Nós
aplicamos esta regra: olhar duas vezes antes de decidir; tínhamos o pleno direito moral
de esperar que as gradas, uma vez decididas, se não lembrassem de choramingar e olhar
de novo.
O Comitê de Organização elaborou o regulamento do segundo congresso, regulamento
extremamente minucioso (formalista e burocrático, diriam os que agora encobrem com
estes vocábulos a sua falta de caráter em matéria política); fê-lo aprovar por todos os
comitês e aprovou-o enfim, estabelecendo, entre outras coisas, no §18: "Todas as
resoluções do congresso e todas as eleições por ele feitas constituem uma decisão do
partido, obrigatória para todas as suas organizações. Elas não podem, sob pretexto
algum, ser contestadas por ninguém, e só podem ser revogadas ou modificadas pelo
congresso seguinte do partido".
(4)
Na verdade, que inocentes em si mesmas são estas
palavras, então tacitamente aceites como algo que se subentende, e como soam hoje
estranhamente, como se fossem um veredicto contra a "minoria"! Com que foi redigido
este parágrafo? Unicamente pelo respeito das formalidades? Não, evidentemente. Esta
decisão parecia necessária, e era-o efetivamente, porque o partido era composto por uma
série de grupos fragmentados e autónomos, dos quais se podia esperar a recusa de
reconhecer o congresso. Ela exprimia precisamente a boa vontade de todos os
revolucionários (de que tanto e tão pouco a propósito se fala caracterizando por
eufemismo com o termo boa o que merece antes epíteto de caprichosa). Esta disposição
equivalia à palavra de honra recíproca de todos os sociais-democratas russos. Ela devia
garantir que o imenso trabalho, os perigos, as despesas exigidas pelo congresso, não
seriam vãos; que o congresso se não transformaria numa comédia. Ela qualificava
antecipadamente qualquer não-reconhecimento das decisões e eleições do congresso
como uma quebra de confiança.
De quem troça então o novo Iskra, que fez a nova descoberta de que o congresso não é
uma divindade e que as suas decisões não são sacrossantas? Conterá á a sua descoberta
"novas concepções em matéria de organização" ou apenas novas tentativas de apagar
velhas pistas
b) O Signiicado dos Agrupamentos no Congresso
Assim, o congresso reuniu-se depois de preparativos extremamente minuciosos, na base
da mais completa representação. O reconhecimento geral da imposição regular do
congresso e do caráter absolutamente obrigatório das suas resoluções encontrou também
a sua expressão na declaração feita pelo presidente (p. 54 das atas) depois da
constituição do congresso.
Qual era portanto a tarefa principal do congresso? Criar um verdadeiro partido sobre as
bases de princípios e de organização que tinham sido propostas e elaboradas pelo Iskra.
Que o congresso devia trabalhar precisamente neste sentido era fato antecipadamente
determinado por três anos de atividade do Iskra, aprovada pela maioria dos comitês. O
programa e orientação do Iskra deviam tornar-se o programa e orientação do partido; os
planos do Iskra em matéria de organização deviam ser consagrados nos estatutos da
organização do partido. Mas é evidente que tal resultado não se podia obter sem luta: a
representação integral no congresso assegurou também a presença nele de organizações
que tinham combatido decididamente o Iskra (o Bund e a Rabótcheie Dielo), assim
como a de organizações que, embora reconhecendo verbalmente o Iskra como órgão
dirigente, prosseguiam de fato os seus próprios planos, e se distinguiam pela sua falta de
firmeza no terreno dos princípios (o grupo Iújni Rabótchi e os delegados de certos
comitês a ele ligados). Nestas condições, o congresso não podia deixar de tornar-se um
campo de luta pela vitória da orientação do "Iskra". Que o congresso foi efetivamente
um campo de batalha, é um fato que aparecerá claramente para quem quer que leia com
um pouco de atenção as atas. E a nossa tarefa consiste agora em estudar detalhadamente
os principais agrupamentos que se revelaram no congresso a propósito de diversas
questões, e reconstruir, com base nos dados precisos das atas, a fisionomia política de
cada um dos grupos fundamentais do congresso. O que eram realmente esses grupos,
tendências e matizes que, no congresso, sob a direção do Iskra, deviam fundir-se num
único partido? E isto que devemos mostrar com uma análise dos debates e votações.
Esclarecer este ponto é de capital importância para estudar o que são na realidade os
nossos sociais-democratas, assim como para compreender as causas das divergências. Ê
por isso que, no meu discurso no congresso da Liga e na minha carta à redação do novo
Iskra, pus precisamente em primeiro plano a análise dos diferentes agrupamentos". Os
meus adversários, entre os representantes da "minoria" (com Mártov à cabeça), não
compreenderam em absoluto o fundo da questão. No congresso da Liga, limitaram-se a
fazer emendas de pormenor, "justificando-se" da acusação que lhes faziam de terem
virado para o oportunismo, sem mesmo procurarem traçar, para me contradizerem,
qualquer outro quadro dos agrupamentos no congresso. Agora, no Iskra (n.0 56),
Mártov tenta apresentar todas as tentativas para delimitar com exatidão os diversos
grupos políticos no congresso, como simples "politiquice de círculo". São palavras
muito fortes, camarada Mártov! Mas as palavras fortes do novo Iskra, têm uma
propriedade original: basta reproduzir exatamente todas as peripécias da divergência a
partir do congresso, para que todas essas palavras fortes se voltem inteiramente e em
primeiro lugar contra a atual redação. Olhai-vos a vós próprios senhores que vos dizeis
redatores do partido, vós que levantais a questão da politiquice de circulo!
Os fatos da nossa luta no congresso aborrecem agora tanto Mártov que ele tenta apagá-
los completamente. "O iskrista - diz ele - é aquele que no congresso do partido e antes
dele declarou que se solidariza plenamente com o Iskra, defendeu o seu programa e o
seu ponto de vista em matéria de organização e apoiou a sua política neste terreno.
Havia no congresso mais de quarenta destes iskristas, tantos quantos o número de votos
favoráveis ao programa do Iskra e à resolução que reconhecia o Iskra como órgão
central do partido." Folheai as atas do congresso e vereis que todos (p. 233) aceitaram o
programa, exceto Akímov, que se absteve. Com essas palavras, o camarada Mártov quer
assegurar-nos que tanto os bundistas como Brúker e Martínov demonstraram a sua
"plena so1idariedade" com o Iskra e defenderam os seus pontos de vista em matéria de
organização! Isto é ridículo. A transformação, depois do congresso, de todos os seus
participantes em membros do partido com iguais direitos (de resto, nem todos, já que os
bundistas se retiraram) confunde-se nessas palavras com a divisão em agrupamentos
que provocou a luta no congresso. Em vez de estudar os elementos que depois do
congresso formaram a "maioria" e a "minoria", faz-se uma frase oficial: aceitaram o
programa!
Reparai na votação do reconhecimento do Iskra como Órgão Central. Vereis que
Martínov, a quem agora o camarada Mártov, com audácia digna duma melhor causa,
atribui a defesa das concepções e da política do Iskra em matéria de organização, é
quem precisamente insiste na separação das duas.
Partes da resolução: o reconhecimento puro e simples do Iskra como Órgão e o
reconhecimento dos seus méritos. Quando da votação da primeira parte da resolução
(reconhecimento dos méritos do Iskra, expressão solidariedade com ele), obtiveram-se
apenas 35 votos a favor, dois contra (Akímov e Brúker) e onze abstenções (Martínov, os
cinco bundistas e cinco votos da redação: os meus dois votos, os dois de Mártov e um
de Plekhánov). Pôr conseqüência, o grupo dos anti-iskristas (cinco bundistas e três
partidários da Rabótcheie Dielo) destaca-se com toda a clareza também aqui, neste
exemplo, o mais vantajoso para o ponto de vista atual de Mártov, exemplo escolhido por
ele próprio. Vede a votação da segunda parte da resolução: o reconhecimento do Iskra
como Órgão Central sem se dar justificação alguma e sem exprimir solidariedade (p.
147 das atas). Houve 44 votos a favor, que o atual Mártov atribui aos iskristas. Houve
ao todo 51 votos; subtraindo as cinco abstenções dos redatores, ficam 46 votos; dois
votaram contra (Akímov e Brúker); por conseqüência, fazem parte dos 44 restantes
todos os cinco bundistas. Assim, no congresso, os bundistas "exprimiram a sua plena
solidariedade com o Iskra" - eis como a história oficial é escrita pelo Iskra oficial!
Antecipando-nos ao relato, expliquemos ao leitor os verdadeiros motivos desta verdade
oficial: a atual redação do Iskra poderia ser e seria de fato uma redação do partido (e
não quase-partido, como agora) se os bundistas e os partidários da "Rabótcheie Dielo"
tivessem abandonado o congresso. Por essa razão foi necessário
Converter em "iskristas" esses fiéis guardiões da atual redação, que se diz do partido.
Mas voltaremos a isto em pormenor um pouco mais adiante.
Põe-se em seguida a pergunta: se o congresso foi uma luta entre elementos iskristas
anti-iskristas, não haveria elementos intermédios, instáveis, que oscilassem entre uns e
outros? Quem conheça um pouco o nosso partido e a fisionomia habitual de todos os
congressos, inclinar-se-á a priori a responder a esta pergunta com uma afirmativa. O
camarada Mártov não sente agora o mínimo desejo de se recordar desses elementos
instáveis, e apresenta o grupo do Iújni Rabótchi, com os delegados que gravitam à sua
volta, como iskristas típicos, e as nossas divergências com eles como insignificantes e
sem importância. Felizmente, temos agora sob os olhos o texto integral das atas, e
podemos, portanto resolver esta questão - a questão de facto, bem entendido - na base
de dados documentais. O que dissemos acima em geral sobre os agrupamentos no
congresso não pretende de modo nenhum resolver este problema, mas simplesmente
colocá-lo de modo coreto.
Sem uma análise dos agrupamentos políticos, sem traçar um quadro do congresso como
luta entre determinados matizes, é impossível compreender as nossas discordâncias. A
tentativa de Mártov de escamotear a diferença de matizes, juntando mesmo os bundistas
com os iskristas, é simplesmente furtar-se à questão. Mesmo a priori, na base da história
da social-democracia russa antes do congresso, desenham-se (para a sua comprovação
ulterior e pormenorizado estudo) três grupos principais: os iskristas, os anti-iskristas e
os elementos instáveis, vacilantes e inconstantes.
c) O Inicio do Congresso - O Incidente com o Comitê Organizativo
O mais cómodo é fazer a análise dos debates e votações do congresso seguindo a ordem
das sessões para anotar sucessivamente os matizes políticos que se desenham cada vez
mais nitidamente. Só nos afastaremos da ordem cronológica em caso de absoluta
necessidade, para examinar em conjunto certos problemas estritamente relacionados ou
certos agrupamentos similares. Para maior imparcialidade, tentaremos anotar todas as
votações principais deixando de lado, bem entendido, uma série de votações sobre
questões de pormenor, que tomaram ao nosso congresso um tempo exorbitante (em
parte devido à nossa inexperiência e à má distribuição dos documentos entre as reuniões
de comissões e as sessões plenárias, e em parte em consequência de atrasos deliberados
que raiavam a obstrução).
A primeira questão que suscitou debates que começaram a revelar os diferentes matizes
foi sobre se devia ser dado o primeiro lugar (na "ordem do dia" do congresso) ao ponto
seguinte: "posição do Bund no partido" (pp. 29-33 das atas). Segundo o ponto de vista
dos iskristas, defendido por Plekhánov, Mártov, Trótski e por mim, não podia haver
quaisquer dúvidas a este respeito. A saída do Bund mostrou de forma evidente a justeza
das nossas considerações: se o Bund não queria caminhar conosco nem admitir os
princípios de organização que a maioria do partido partilhava com o Iskra, era inútil e
contrário ao bom senso "fingir" caminhar juntos e arrastar assim o congresso (como
arrastavam os bundistas). A literatura já tinha esclarecido o problema, e era evidente
para qualquer membro consciente do partido que só faltava pôr francamente a questão e
escolher aberta e lealmente: autonomia (caminhamos juntos) ou federação (separamo-
nos).
Evasivos em toda a sua política, também aqui os bundistas quiseram ser evasivos e adiar
a questão. O camarada Akímov junta-se a eles e logo formula, provavelmente em nome
de todos os partidários da Rabótcheie, as suas divergências com o Iskra no plano
organizativo (p. 31 das atas). Ao lado do Bund e da Rabótcheie Dielo alinha o camarada
Mákhov (dois votos do comitê de Nikoláiev, que, pouco antes, se tinha declarado
solidário com o Iskra!). Para o camarada Mákhov o problema não é nada e para ele o
"ponto nevrálgico" é também a "questão da estrutura crítica ou, pelo contrário (notai
bem!), do centralismo", exatamente como a maioria da nossa atual redação "do partido",
maioria que no congresso ainda se não tinha dado conta deste "ponto nevrálgico"!
Assim, contra os iskristas erguem-se o Bund, a Rabótcheie Dielo e o camarada Mákhov,
reunindo todos juntos os dez votos que se registraram contra nós (p. 33). Houve 30
votos a favor, e, como veremos em seguida, é à volta deste número que muitas vezes
oscilam os votos dos iskristas. Onze obstiveram-se, não se ligando de maneira definida,
como se verifica, nem a outro dos "partidos" em luta. E interessante notar que na altura
da votação sobre o § 2 dos estatutos do Bund (a rejeição do § 2 provocou a saída do
Bund do partido) eram igualmente em número de dez os votos e as obstenções (p. 289
das atas); abstiveram-se precisamente os três partidários da Rabótcheie Dielo (Brúker,
Martínov, Akímov) e o camarada Mákhov. È evidente que a votação sobre o lugar a
reservar à questão do Bund deu origem a um agrupamento que não tinha nada de
acidental. E evidente que todos estes camaradas discordavam do Iskra, não só em
relação ao problema técnico da ordem da discussão, como também quanto ao fundo. No
que se refere a Rabótcheie Dielo, a divergência de fundo é clara para todos, e o
camarada Mákhov definiu de modo notável a sua atitude no seu discurso a propósito da
saída do Bund (pp. 289-290 das atas). Vale a pena que nos detenhamos neste discurso.
O camarada Mákhov diz que, depois da resolução que rejeitou a federação, "a situação
do Bund no POSDR, de questão de princípio tornou-se para ele uma questão de política
real face à organização nacional historicamente constituída. Aqui - prossegue o orador -
tive forçosamente que ter em conta todas as conseqüências que podiam advir da nossa
votação e por isso teria votado a favor do § 2 na sua totalidade". O camarada Mákhov
compreendeu perfeitamente o espírito da "política real"; em princípio rejeitou a
federação, e é por isso que, na prática, teria votado a favor de um ponto dos estatutos
que estabelece essa mesma federação! E este camarada "prático" explica a sua estrita
posição de princípio com as palavras seguintes: "Mas (o famoso "mas" de Chtchedrine!)
como qualquer votação minha tinha apenas um caráter de principio prático e não podia
ter caráter prático, devido à votação quase unânime de todos os outros congressistas,
preferi abster-me para, por principio" ... (Deus nos livre de tal de princípio!) ... "fazer
ressaltar a diferença da minha posição, neste caso, relativamente à posição defendida
pelos delegados do Bund que votaram a favor desse ponto. Pelo contrário, teria votado a
favor desse ponto se os delegados do Bund se abstivessem, assunto sobre o qual
insistiram anteriormente. Entenda quem puder! Eis um homem agarrado aos princípios
que se abstém de declarar em voz alta: sim, porque isso é inútil na pratica quando toda a
gente diz: não.
Depois da votação sobre o lugar a reservar na ordem do dia à questão do Bund, pôs-se a
questão do grupo "Borba", que também determinou um agrupamento extremamente
interessante e que estava estreitamente ligado à questão mais "delicada" do congresso: a
composição pessoal dos centros. A comissão encarregada de determinar a composição
do congresso pronuncia-se contra o convite do grupo "Borba", de acordo com uma
decisão do Comitê de Organização repetida duas vezes (ver pp- 383 e 375 das atas) e
também de acordo com o relatório dos seus representantes na comissão (p. 35).
O camarada Egórov, membro do CO, declara que "a questão do grupo "Borbá" (notai
bem, do "Borbá" e não deste ou daquele dos seus membros) é nova para si", e pede a
suspensão da sessão. E um mistério como é que uma questão duas vezes resolvida pelo
CO podia ser nova para um dos seus membros. Durante a interrupção, o CO, com a
composição que por acaso estava presente no congresso (vários membros seus, velhos
membros da organização do Iskra, estavam ausentes do congresso), reúne em sessão (p.
40 das atas)
(5)
. Iniciam-se os debates sobre o "Borba": os partidários da Rabótcheie
Dielo pronunciam-se a favor (Martínov, Akímov e Brúker, pp. 36-38). Os iskristas
(Pavlóvitch, Sorókine, Langue, Trótski, Mártov e outros) pronunciam-se contra. O
congresso divide-se de novo, da maneira que já conhecemos. Trava-se em torno do
"Borba" uma luta obstinada, e o camarada Mártov faz um discurso particularmente
circunstanciado (p. 38) e "combativo", no qual alude com razão à "desigualdade de
representação" dos grupos da Rússia e dos grupos do estrangeiro, diz que não estaria
"bem" conceder a um grupo do estrangeiro um "privilégio" (palavras de ouro, hoje
particularmente instrutivas depois dos acontecimentos posteriores ao congresso!), que
não se deve fomentar "no partido o caos em matéria de organização, caracterizado por
uma fragmentação que não e justificada por nenhuma consideração de principio" (em
cheio .. na "minoria" do congresso do nosso partido!). Além dos partidários da
Rabótcheie Dielo, ninguém, até ao encerramento das inscrições de oradores, se
pronunciou abertamente e com fundamento a favor do "Borbá" (p. 40). Devemos fazer
justiça ao camarada Akímov e aos seus amigos, que pelo menos não tergiversaram e não
se esconderam, mas prosseguiram abertamente a sua táctica e disseram abertamente o
que queriam.
Depois do encerramento das inscrições de oradores, quando já ninguém se pode
pronunciar sobre o fundo da questão, o camarada Egórov "pede insistentemente que se
oiça a decisão que acaba de ser adotada pelo CO". Não é de estranhar que os membros
do congresso se indignem com tal procedimento, e o camarada Plekbánov, na
presidência, exprime "a sua perplexidade por o camarada Egórov insistir no seu
pedido". Porque, segundo pareceria, das duas uma: ou se falava franca e claramente,
perante todo o congresso, sobre o fundo da questão, ou então não se dizia absolutamente
nada. Mas deixar encerrar as inscrições de oradores para, em seguida, a pretexto de
"discurso de resumo", apresentar ao congresso uma nova resolução do CO,
precisamente sobre a questão que se acaba de debater, é uma verdadeira punhalada nas
costas!
A sessão recomeçou depois do almoço, e o bureau, que continua perplexo, decide
renunciar ao "formalismo" e recorrer a um último recurso, de que os congressos se
servem apenas em última instância: uma "explicação amigável". Popov, representante
do CO, lê a decisão do CO adotada por todos membros, exceto um, Pavlóvitch (p. 43),
propondo ao Congresso que convide ide Riazánov.
Pavlóvitch declara que negou e continua a negar a legitimidade do CO e que a nova
decisão do CO "contradiz a sua decisão anterior". Esta declaração desencadeia uma
verdadeira tempestade. O camarada Egórov, igualmente membro do CO e do grupo
Iújni Rabótchi, evita responder sobre o fundo da questão e tenta transferir o centro de
gravidade para a questão da disciplina. O camarada Pavlóvitch, diz, infringiu a
disciplina do partido (!), visto que o CO, depois de ter examinado o seu protesto, tinha
decidido "não dar conhecimento ao congresso da opinião pessoal de Pavlóvitch". Os
debates desviam-se para a disciplina do partido. E Plekhánov, entre ruidosos aplausos
do congresso, explica em forma didática ao camarada Egórov: "Nós não temos
mandatos imperativos" (p. 42, cfr. P. 379, regulamento do congresso, § 7: "Os plenos
poderes dos delegados não devem ser limitados por mandatos imperativos. No exercício
dos seus plenos poderes são completamente livres e independentes"). "O congresso é a
instância suprema do partido", e por isso infringe a disciplina do partido e o
regulamento do congresso precisamente quem, de qualquer maneira, impede um
delegado de se dirigir diretamente ao congresso sobre todas as questões da vida do
partido, sem qualquer exceção. A controvérsia reduz-se por conseqüência ao dilema:
espírito de círculo ou espírito de partido? Limitação dos direitos dos delegados no
congresso, em nome de direitos ou regulamentos imaginários de quaisquer organismos e
círculos, ou dissolução completa, não só em palavras, mas de fato, perante o congresso,
de todas as instâncias inferiores e antigos pequenos grupos, até que se criem verdadeiros
organismos oficiais do partido. O leitor já pode ver por aqui a importância de princípio
desta discussão no próprio início (terceira sessão) um congresso que se propunha
restaurar de fato o partido. Neste debate se concentrou, por assim dizer, o conflito entre
os antigos círculos e pequenos grupos (no gênero do Iújni Rabótchi) e o partido que
renascia. E os grupos anti-iskristas manifestam-se imediatamente: o bundista Abramson,
o camarada Martínov, ardente aliado da atual redação do Iskra e nosso velho conhecido,
o camarada Mákhov, que também conhecemos, todos se manifestam a favor de Egórov
e do grupo do Iújni Rabótchi e contra Pavlóvitch. O camarada Martínov, que hoje, à
porfia com Mártov e Axelrod, faz gala de "democracia" em matéria de organização,
evoca mesmo... o exército, onde só se pode apelar para uma instância superior por
intermédio da inferior! O verdadeiro sentido desta "compacta" oposição anti-iskrista era
evidente para todos os que assistiam ao congresso ou que tinham seguido com atenção a
vida interna do nosso partido antes do congresso. O objetivo da oposição (objetivo de
que nem todos os membros tinham talvez consciência e que por vezes defendiam por
inércia) era defender a independência, o particularismo, os interesses de capelinha dos
pequenos grupos para que não sejam tragados por um amplo partido, que vinha sendo
estruturado na base dos princípios iskristas.
Foi também deste ponto de vista que o camarada Mártov, que então ainda não se tinha
unido a Martínov, abordou a questão. O camarada Mártov ataca decididamente, e com
razão, os que "na sua concepção de disciplina de partido não vão além das obrigações
do revolucionário para com o grupo de ordem inferior de que é membro". "Nenhum
agrupamento por imposição (o itálico é de Mártov) é admissível num partido unificado",
explica Mártov aos defensores do espírito de circulo, sem prever que com estas palavras
fustiga a sua própria atuação política nas últimas sessões do congresso e depois dele... O
agrupamento por imposição é inadmissível para o CO, mas perfeitamente admissível
para a redação. O agrupamento por imposição é condenado por Mártov quando o vê do
centro, mas é defendido por Mártov quando deixa de lhe satisfazer a composição deste
centro...
É interessante notar que o camarada Mártov, no seu discurso, sublinhou expressamente,
para além do "enorme erro" do camarada Egórov, a instabilidade política manifestada
pelo CO. "Em nome do CO - indigna-se Mártov com razão - foi apresentada uma
proposta que contradiz o relatório da comissão (baseado, acrescentamos nós, no
relatório dos membros do CO: p.43, palavras de Koltsov) e as propostas anteriores do
CO" (sublinhado meu). Como vedes, Mártov compreendia então muito bem, antes de
efetuar a sua "viragem", que a substituição do grupo "Borba" por Riazánov em nada
retira o caráter absolutamente contraditório e hesitante da atividade do CO (as atas do
congresso da Liga, p. 57, podem informar os membros do partido do modo como as
coisas se apresentavam a Mártov depois da sua viragem). Mártov não se limitou então a
analisar a questão da disciplina; também perguntou claramente ao CO: "Que aconteceu
de novo para ser necessária uma reformulação?" (sublinhado meu). Porque, de fato, o
CO, ao fazer a sua proposta, nem sequer teve a coragem suficiente para defender
abertamente a sua opinião, como fizeram Akímov e outros. Mártov refuta-o (atas da
Liga, p. 56), mas quem ler as atas do congresso verá que se engana. Popov, que faz uma
proposta em nome do CO, não diz uma só palavra dos motivos (p. 41 das atas do
congresso do partido). Egórov desloca a questão para o ponto da disciplina, mas quanto
à essência ele só afirma: "O CO podia ter tido novas razões"... (mas se surgiram e qual é
o que se ignora)... "podia talvez ter-se esquecido de increver alguém, etc." (Este " etc." é
a única salvação do orador, porque o CO não podia ter esquecido a questão do "Borba",
já discutida por ele duas vezes antes do congresso e uma vez na comissão.) "O CO
tomou esta decisão não porque a sua atitude para com o grupo "Borba" tenha mudado,
mas porque quer suprimir escolhos inúteis do caminho da futura organização central do
partido desde os primeiros passos da sua atividade." Isto não é apresentar uma razão,
mas eludir uma razão. Todo o social-democrata sincero (e não pomos em causa a
sinceridade de nenhum dos delegados ao congresso) tem o
Cuidado de suprimir tudo o que considera um escolho, e suprimi-lo com os meios que
considera adequado. Apresentar razões é explicar e formular com precisão a sua opinião
sobre as coisas em lugar de se esquivar por um truísmo. E teria sido impossível
apresentar razões "sem mudar de atitude para o "Borba", porque as anteriores decisões
contraditórias do CO tinham igualmente tido o cuidado de suprimir escolhos, mas viam
esses "escolhos" precisamente na posição contrária. O camarada Mártov atacou então
com grande violência e muita razão este argumento, que qualificou de " mesquinho" e
devido ao desejo de "se esquivar", aconselhando o CO a "não temer o que os outros
dirão". Com estas palavras o camarada Mártov caracterizou maravilhosamente o fundo
e o significado do matiz político que, no congresso, desempenhou um importante papel
e que se distingue justamente pela sua falta de independência e pela sua mesquinhez,
pela ausência de uma linha própria e pelo receio do que dirão os outros, pelas eternas
oscilações entre duas partes claramente determinadas, pelo medo de expor abertamente
o seu credo, numa palavra, por todas as características do "pântano"
(7)
.
Esta falta de caráter em política do grupo instável levou, entre outras coisas, a que
ninguém, exceto o bundista lúdine (p. 53), fizesse uma proposta ao congresso para
convidar um membro do grupo "Borba". Houve 5 votos a favor da proposta de lúdine,
evidentemente todos bundistas: os elementos hesitantes mais uma vez viraram a casaca!
Qual era, mais ou menos, o número de votantes do grupo do centro, mostram-no as
votações das propostas de Koltsov e Lúdine sobre este ponto: a do iskrista obteve 32
votos (p. 47); a do bundista 16, ou seja, além dos oito votos anti-iskristas, os dois votos
do camarada Mákhov (cfr. p. 46), os quatro votos do grupo Iújni Rabótchi e mais dois
votos. Mostraremos em seguida que não poderíamos considerar acidental esta
distribuição, mas primeiro exporemos sumariamente a opinião atual de Mátrov sobre
este incidente do CO. Mártov afirmou perante a Liga que "Pavlóvitch e os outros
atiçaram as paixões". Basta consultar as atas do congresso para ver que os discursos
mais circunstanciados, mais ardentes e mais duros contra o "Borba" e o CO são os do
próprio Mártov. Tentando empurrar o "erro" para Pavlóvitch, só dá provas de
instabilidade: antes do congresso tinha precisamente escolhido Pavlóvitch como sétimo
membro da redação; no congresso juntou-se inteiramente a Pavlóvitch (p. 44) contra
Egórov. Depois, quando se viu derrotado por Pavlóvitch, acusou-o de "atiçar as
paixões". É simplesmente ridículo.
No Iskra (n.0 56) Mártov faz ironia por se atribuir grande importância ao convite de X
ou de Y. De novo esta ironia se volta contra Mártov, porque o incidente com o CO
serviu precisamente de ponto de partida aos debates sobre uma questão tão "importante"
como o convite de X ou de Y para fazer parte do CC e do OC. Não está certo empregar-
se duas medidas diferentes segundo se trate do seu próprio "grupo de ordem inferior"
(em relação ao partido) ou de qualquer outro. Isto é precisamente espírito filistino e
espírito de círculo, e não uma atitude de partido. Um simples confronto entre o discurso
de Mártov perante a Liga (p. 57) e o seu discurso no congresso (p. 44) prova-o
inteiramente. "Não compreendo - dizia Mártov entre outras coisas na Liga - como as
pessoas arranjam maneira de se dizerem a qualquer preço iskristas e ao mesmo tempo
mostrarem-se envergonhadas de o ser. "Estranha incompreensão da diferença entre o
"dizer-se" e o "ser", entre a palavra e a ação. No congresso, Mártov disse-se a si próprio
adversário dos agrupamentos por imposição, mas foi partidário deles depois do
congresso...
d) Dissolução do grupo "Iújneie Rabôtcheie"
A forma como se dividiram os delegados sobre a questão do CO poderá parecer fortuita.
Mas tal opinião seria errada; para a dissipar, afastar-nos-emos da ordem cronológica e
examinaremos imediatamente um incidente que, embora tenha acontecido no fim do
congresso, está estreitamente ligado ao precedente. Este incidente é a dissolução do
grupo Iújni Rabótchi. Contra as tendências iskristas em matéria de organização - coesão
absoluta das forças do partido e supressão do caos que as fraciona - levantaram-se aqui
os interesses de um dos grupos, que, enquanto não havia um verdadeiro partido, tinha
feito um trabalho útil, mas que se tornou supérfluo depois de se ter organizado o
trabalho de modo centralizado. Em nome dos interesses de círculo, o grupo Iújni
Rabótchi tinha tanto direito de conservar a sua "continuidade" e inviolabilidade como a
antiga redação do Iskra. Em nome dos interesses do partido, este grupo devia submeter-
se à transferência das suas forças "para as organizações correspondentes do partido" (p.
313, final da resolução adotada pelo congresso). Do ponto de vista dos interesses de
círculo, do ponto de vista "filistino", não podia deixar de parecer "coisa delicada"
(expressão dos camaradas Rússov e Deutsch) a dissolução de um grupo útil, que tinha
tão pouca vontade de se deixar dissolver como a antiga redação do Iskra. Do ponto de
vista dos interesses do partido, era indispensável esta dissolução, esta "absorção"
(expressão de Gússev) pelo partido. O grupo Iújni Rabótchi declarou abertamente que
"não considerava necessário" proclamar-se dissolvido e exigia que "o congresso se
pronunciasse categoricamente" e "imediatamente: sim ou não". O grupo Iújni Rabótchi
invocou a mesma "continuidade" para a qual apelara a velha redação do Iskra... depois
da sua dissolução! "Ainda que todos nós, individualmente considerados, constituamos
um único partido - disse o camarada Egórov -, nem por isso esse partido deixa de ser
composto por toda uma série de organizações, as quais se deve ter em conta como
grandezas históricas... Se tal organização não é prejudicial ao partido, não há por que
dissolvê-la." Assim se pôs de forma perfeitamente definida uma importante questão de
princípio, e todos os iskristas - enquanto os interesses do seu próprio círculo não vieram
para primeiro plano - se pronunciaram categoricamente contra os elementos instáveis
(nesse momento, os bundistas e dois dos partidários da Rabótcheie Dielo já não estavam
no congresso; seguramente que teriam defendido com a máxima energia a necessidade
de "ter em conta as grandezas históricas"). Os resultados da votação foram3l a favor,
cinco contra e cinco abstenções (os quatro votos dos membros do grupo Iújni Rabótchi.
E mais um voto, provavelmente o de Belov, a julgar pelas suas anteriores declarações,
p. 308). Um grupo de dez votos, francamente hostil ao plano de organização
conseqüente do Iskra e defendendo o espírito de círculo contra o espírito de partido,
desenha-se muito claramente. Durante os debates, os iskristas põem esta questão
justamente no plano dos princípios (ver o discurso de Langue, p. 315), pronunciam-se
contra o trabalho artesanal e a dispersão, recusam-se a ter em contra as "simpatias"
desta ou aquela organização, e declaram abertamente: "Se há um ou dois anos ainda os
camaradas do Iújni Rabótchi se tivessem identificado mais estritamente com os
princípios, a unidade do partido e o triunfo dos princípios do programa que aqui
sancionamos teriam sido conseguidos mais cedo." Dentro do mesmo espírito
pronunciam-se Orlov, Gússev, Liádov, Muraviov, Rússov, Pavlóvitch, Glébov e Górine.
Os iskristas da "minoria" não só se não manifestam contra estas advertências precisas
várias vezes apresentadas no congresso contra a falta de firmeza de princípios da
política e da "linha" Iújni Rabótebi, de Mákhov e outros; não só não fazem a mínima
reserva acerca deste assunto, como pelo contrário, pela boca de Deutsch decididamente
se lhe associam, condenando o "caos" e aplaudindo "a franqueza com que a questão
tinha sido posta" (p. 315) pelo próprio camarada Rússov, que naquela mesma sessão
teve a audácia - que horror! - de também "pôr francamente" a questão da antiga redação
puramente numa base de partido (p. 325).
A questão da dissolução do Iújni Rabótchi provocou neste grupo uma terrível
indignação, da qual se encontram marcas nas atas (não devemos esquecer que as atas
dão apenas uma pálida imagem dos debates, porque em vez de discursos completos,
apresentam apenas breves resumos ou excertos). O camarada Egórov chegou mesmo a
qualificar de "mentira" a simples menção do grupo Rabótchaia Misl ao lado do Iújni
Rabótchi, exemplo característico da atitude que predominava no congresso para com o
economismo conseqüente. E mesmo muito mais tarde, na 37.ª sessão, Egórov fala da
dissolução do Iújni Rabótchi com a mais viva irritação (p. 356), pedindo que se escreva
nas atas que, durante os debates sobre o Iújni Rabótchi, os membros deste grupo não
foram consultados, nem sobre os meios a destinar às suas publicações, nem sobre o
controlo do OC e do CC. O camarada Popov, durante os debates a propósito do Iújni
Rabótchi, faz alusão à maioria compacta que teria decidido antecipadamente do destino
deste grupo. "Agora - diz ele (p. 316) -, depois dos discursos dos camaradas Gússev e
Orlov, tudo está claro." E evidente o sentido destas palavras: agora que os iskristas se
pronunciaram e apresentaram uma resolução, tudo está claro, isto é, está claro que o
Iújni Rabótchi será dissolvido contra sua vontade. O próprio delegado do Iújni Rabótchi
separa aqui os iskristas (e, além disso, iskristas como Gússev e Orlov) dos seus
partidários, como sendo representantes de "linhas" diferentes de política de organização.
E quando o atual lskra apresenta o grupo lújni Rabótchi (e também, provavelmente,
Mákhov?) como "iskristas típicos", isso só nos mostra com precisão o esquecimento dos
acontecimentos mais importantes (do ponto de vista desse grupo) do congresso, e o
desejo da nova redação de apagar os indícios que assinalam os elementos que serviram
de origem à chamada "minoria".
Infelizmente, a questão de um órgão popular não foi levantada no congresso. Todos os
iskristas debateram esta questão com extraordinária animação antes e durante o
congresso, fora das sessões, concordando que, no momento atual da vida no nosso
partido, lançar ombros à publicação de um tal órgão, ou dar este caráter a um dos já
existentes, seria empresa extremamente irracional. Os anti-iskristas pronunciaram-se no
congresso em sentido contrário, o grupo Iújni Rabótchi fez o mesmo no seu relatório. E
não se pode explicar, a não ser por obra do acaso ou pela recusa em levantar uma
questão "sem esperança", que não se tenha apresentado uma resolução adequada
subscrita por dez pessoas.
e) O Incidente da Igualdade de Direitos das Línguas
Retomemos a ordem das sessões do congresso.
Pudemos convencer-nos agora que antes mesmo do exame a fundo das questões se
revelou claramente no congresso, não só um grupo perfeitamente definido de anti-
iskristas (8 votos), mas também um grupo de elementos intermédios, instáveis, prontos
a apoiar esses oito e a aumentar o seu número para cerca de 16-18 votos.
A questão do lugar do Bund no partido, debatida no congresso com extremo, com
excessivo pormenor, reduziu-se à discussão de uma tese princípio, adiando-se a
resolução prática até à discussão das relações de organização. Visto que já antes do
congresso se tinha consagrado bastante espaço na literatura ao estudo dos temas
referentes a este ponto, a discussão no congresso trouxe relativamente pouco de novo.
Todavia, não podemos deixar de assinalar que os partidários da Rabótcheie Dielo
(Martínov, Akímov e Brúker), embora concordando com a resolução de Mártov,
puseram a reserva de que a consideravam insuficiente, e que não estavam de acordo
com as conclusões dela decorrentes (pp. 69, 73, 83, 86).
Depois de discutir a questão do lugar do Bund, o congresso passou à questão do
programa. Aqui, os debates desenvolveram-se principalmente à volta de emendas de
pormenor sem grande interesse. No que respeita aos princípios, a oposição dos anti-
iskristas só se manifestou na cruzada do camarada Martínov contra a famosa
apresentação da questão da espontaneidade da consciência. Naturalmente, os bundistas e
os partidários da Rabótcheie Dielo declararam-se inteiramente a favor de Martínov. A
inconsistência das suas objeções foi demonstrada, entre outros, por Mártov e Plekhánov.
A título de curiosidade, indicaremos que, hoje, a redação do Iskra (aparentemente
depois de refletir) passou para o lado de Martínov e fiz o contrário do que dizia no
congresso193! Provavelmente isto está de com o famoso princípio da "continuidade"...
Só nos resta esperar que a redação acabe por orientar-se e nos explique em que medida
precisamente está de acordo com Martínov, exatamente em quê e desde quando.
Entretanto, limitar-nos-emos a perguntar se já alguma vez se viu um órgão de partido
cuja redação, depois de um congresso, se tenha posto a dizer o contrário do que dizia no
congresso?
Deixando de lado os debates sobre o reconhecimento do Iskra como Órgão Central (já
falamos disso mais atrás) e o início dos debates sobre os estatutos (de que será mais
conveniente tratar quando do exame de conjunto dos estatutos), passemos aos matizes
de princípio surgidos na discussão do programa. Em primeiro lugar sublinhemos um
pormenor extraordinariamente característico: os debates sobre a representação
proporcional. O camarada Egórov, do Iújni Rabótchi, propunha a sua introdução no
programa e defendeu o seu ponto de vista de tal maneira que deu azo à justa observação
de Possadóvski (iskrista da minoria) sobre a existência de um "sério desacordo". "E
indubitável - declarou o camarada Possadóvski - que não estamos de acordo sobre a
seguinte questão fundamental: descer-se-á subornar a nossa política futura a certos
princípios democráticos fundamentais atribuíndo-lhes um valor absoluto, ou deverão
todos os princípios democráticos subordinar-se exclusivamente aos interesses do nosso
partido? Pronuncio-me decididamente a favor desta última opinião." Plekhánov
"solidariza-se inteiramente" com Possadóvski, exprimindo-se em termos ainda mais
precisos e enérgicos contra "o valor absoluto dos princípios democráticos" e contra a
sua interpretação "abstrata". "É concebível em hipótese um caso - diz - em que nós,
sociais-democratas, nos pronunciemos contra o sufrágio universal. Houve tempo em que
a burguesia das repúblicas italianas privava os indivíduos pertencentes à nobreza dos
seus direitos políticos. O proletariado revolucionário poderia limitar os direitos políticos
das classes superiores, tal como estas antes limitaram os seus direitos políticos." O
discurso de Plekhánov é recebido com aplausos e vaias, e quando Plekhánov protesta
contra o Zwischenruf
(8)
: "Não deveis vaiar", e pede aos camaradas que não se coíbam, o
camarada Egórov levanta-se e diz: "Quando tais discursos são aplaudidos, sou obrigado
a vaiá-los." Juntamente com o camarada Goldblat (delegado do Bund), o camarada
Egórov pronuncia-se contra as opiniões de Possadóvski e de Plekhánov. Infelizmente o
debate foi encerrado e a questão levantada durante ele não voltou a ser tratada. Mas em
vão o camarada Mártov se esforça agora por minimizar e até anular o seu significado,
dizendo no congresso da Liga: "Estas palavras (de Plekhánov) provocaram a indignação
duma parte dos delegados, indignação que facilmente se poderia ter evitado se o
camarada Plekhánov tivesse acrescentado que, evidentemente, não se pode imaginar
uma situação tão trágica em que o proletariado, para consolidar a sua vitória, tenha de
espezinhar direitos políticos como a liberdade de imprensa ... (Plekhánov: "merci")" (p.
58 das atas da Liga). Esta interpretação contradiz frontalmente a declaração
absolutamente categórica do camarada Possadóvski no congresso acerca do "sério
desacordo" e da divergência sobre uma "questão fundamental". Sobre esta questão
fundamental, todos os iskristas se pronunciaram no congresso contra os representantes
da "direita" anti-iskrista (Goldblat) e do "centro" do congresso (Egórov). Isto é um fato,
e podemos garantir sem hesitações que, se o "centro" (espero que esta palavra choque
menos que qualquer outra os partidários "oficiais" da suavidade...), se o "centro" tivesse
que (através do camarada Egórov ou Mákhov) pronunciar-se "sem constrangimento"
sobre esta questão ou questões análogas, um sério desacordo teria surgido
imediatamente.
As divergências manifestaram-se ainda mais nitidamente acerca da questão da
"igualdade de direitos das línguas" (p. 171 e seguintes das atas). Sobre este ponto os
debates são menos eloqüentes que as votações: feitas às contas, temos um inacreditável
número de dezasseis! E isto para quê? Para saber se bastava assinalar no programa a
igualdade de todos os cidadãos, independentemente do sexo, etc., e da língua, ou se era
preciso dizer: "liberdade de língua" ou "igualdade de direitos das línguas". No
congresso da Liga, o camarada Mártov caracterizou bastante acertadamente este
episódio, quando disse que "uma discussão insignificante sobre a redação de um ponto
do programa adquiriu um significado de princípio porque metade do congresso estava
pronta a derrubar a comissão do programa". Exatamente
(9)
. O motivo do conflito era
realmente insignificante; não obstante, este tomou um verdadeiro caráter de princípio e
conseqüentemente formas terrivelmente encarniçadas, até à tentativa de "derrubar" a
comissão do programa, até a suspeita de se querer "prejudicar o congresso" (Egórov
suspeitava isto de Mártov!) e até a trocar observações pessoais do caráter mais...
injurioso (p. 178). Até o camarada Popov "lamentou que, a propósito de ninharias, se
criasse uma tal atmosfera" (sublinhado por mim, p. 182), que reinou durante três sessões
(l6.ª, 17.ª e 18.ª)
Todas estas expressões demonstram, da forma mais precisa e categórica, o fato
importantíssimo de que a atmosfera de "suspeita" e das formas mais encarniçadas de
luta ("derrubar") - cuja origem, mais tarde, no congresso da Liga, foi imputada à
maioria dos iskristas! - existia na realidade muito antes de nos termos cindido em
maioria e minoria. Repito que é um fato de enorme importância, um fato essencial, cuja
incompreensão leva muita e muita gente, do modo mais leviano, a julgar artificial o
caráter da maioria no fim do congresso. Do atual ponto de vista do camarada Mártov,
que afirma que havia no congresso 9/10 de iskristas, é absolutamente inexplicável e
absurdo que, por "ninharias", por uma causa "insignificante", tenha surgido um conflito
que tomou um "caráter de princípio" e que quase levou ao derrubamento da comissão do
congresso. Seria ridículo desembaraçar-se deste fato com queixas e lamentações a
propósito de piadas "prejudiciais". O conflito não podia tomar um significado de
princípio pela violência de qualquer piada, esse significado só podia advir do caráter dos
agrupamentos políticos no congresso. Não foram as asperezas nem as piadas que
provocaram o conflito - elas foram apenas um sintoma do fato de existirem
"contradições" no seio do agrupamento político do congresso, de nele existirem todos os
germes de um conflito, uma heterogeneidade interna que, com uma força imanente,
surgia ao menor pretexto, mesmo insignificante.
Pelo contrário, do ponto de vista de que encaro o congresso, e que considero meu dever
defender como uma determinada interpretação política dos acontecimentos, ainda que
tal interpretação possa parecer chocante a alguns, desse ponto de vista é perfeitamente
explicável e inevitável o conflito extremamente violento com caráter de princípio
surgido por um motivo "insignificante". Visto que durante o congresso a luta entre
iskristas e anti-iskristas foi constante, visto que entre ambos se encontravam elementos
instáveis e estes, juntamente com os anti-iskristas, representavam um terço dos votos (8
+ 10 = 18, em 51, segundo o meu cálculo, evidentemente aproximado), é inteiramente
compreensível e natural que qualquer separação dos iskristas, ainda que duma fraca
minoria, podia dar a vitória à tendência anti-iskrista, e suscitava por conseqüência uma
luta "furiosa". Isto não resulta de interpelações e ataques desmesuradamente violentos,
mas é o resultado duma certa combinação política. Não foram as interpelações ásperas
que provocaram o conflito político, foi à existência dum conflito político no próprio
agrupamento do congresso que provocou as interpelações ásperas e os ataques; é nesta
oposição que reside a nossa fundamental divergência de principio com Mártov quanto à
apreciação da importância política do congresso e dos seus resultados.
O congresso registrou três exemplos particularmente salientes de separação dum
número insignificante de iskristas da sua maioria - a igualdade de direitos das línguas, o
§1 dos estatutos e as eleições - e em cada um dos três casos se travou uma luta
encarniçada que, finalmente, levou à grave crise atual do partido. Para compreender o
sentido político desta crise e desta luta não nos podemos limitar a frases sobre piadas
inadmissíveis, temos de examinar os agrupamentos políticos dos matizes que se
defrontaram no congresso. O incidente sobre a "igualdade de direitos das línguas"
oferece, por conseqüência, um duplo interesse, na medida em que explica as razões da
divergência, porque aqui Mártov ainda era (ainda era!) um iskrista e combatia, talvez
mais do que ninguém, os anti-iskristas e o "centro".
A guerra começou com uma discussão entre o camarada Mártov e o líder dos bundistas,
o camarada Líber (pp. 171-172). Mártov demonstra que a reivindicação da "igualdade
de direitos dos cidadãos" é suficiente. A "liberdade das línguas" é rejeitada, mas a
"igualdade de direitos das línguas" é imediatamente proposta, e o camarada Egórov
lança-se ao combate na companhia de Líber. Mártov declara que se trata de feiticismo
"quando os oradores insistem na igualdade de direitos das nacionalidades e transferem a
desigualdade para o domínio da língua. Mas a questão deve ser analisada de um ângulo
oposto: existe uma desigualdade de direitos entre as nacionalidades, a qual se exprime,
entre outras coisas, pelo fato de as pessoas duma certa nacionalidade serem privadas do
direito de usar a sua língua materna" (p. 172). Mártov tinha então inteira razão. Era
,com efeito, uma espécie de feiticismo a tentativa absolutamente inconsistente de Líber
e Egórov de defender a justeza da sua fórmula e considerar que nós não queríamos ou
não sabíamos aplicar o princípio da igualdade de direitos das nacionalidades. Na
realidade, como "feiticistas" defendiam precisamente uma palavra e não um princípio;
agiam não por medo de qualquer erro de princípio, mas por medo do que dissessem os
outros. E esta psicologia da instabilidade (e se "os outros" nos acusassem disto?) -
assinalada por nós durante o incidente do Comitê de Organização - que manifestou
claramente neste caso todo o nosso "centro". Outro dos seus representantes, Lvov,
delegado da região mineira, próxima do grupo Iújni Rabótchi, "considera que a questão
relativa à opressão das línguas, apresentada pelas regiões periféricas, é muito séria. E
importante que, incluindo no nosso programa um ponto referente à língua, nós
afastemos qualquer suspeita de russificação, que poderia recair sobre os sociais-
democratas". Eis uma notável fundamentação da "seriedade" da questão. A questão é
muito séria porque é preciso afastar as eventuais suspeitas das regiões periféricas! O
orador não diz absolutamente nada quanto ao fundo da questão, não responde às
acusações de feiticismo, mas confirma-as inteiramente, dando provas duma total falta de
argumentos, limitando-se a falar do que poderiam dizer as regiões periféricas. Tudo o
que possam dizer é falso, replicam-lhe. Mas em vez de procurar saber se é ou não
verdade, responde: "Poderiam suspeitar".
Uma tal maneira de pôr o problema, atribuindo-lhe um caráter sério e importante, toma
realmente um significado de princípio, mas de modo nenhum o que queriam descobrir
nele os Líber, os Egórov e os Lvov. O que assume um caráter de princípio é saber se
devemos deixar as organizações e membros do partido aplicar os princípios gerais e
essenciais do programa, tendo em conta as condições concretas e desenvolvendo-os no
sentido dessa aplicação, ou se devemos, por simples medo das suspeitas, encher o pro-
grama de pormenores insignificantes, de indicações particulares, de repetições, de
casuística. O que tem caráter de principio é saber como podem sociais-democratas, na
luta com a casuística, discernir ("suspeitar") tentativas de restrição dos direitos e
liberdades democráticas elementares. Quando renunciaremos enfim a esse culto
feiticista da casuística? - esta a idéia que nos surgiu quando da luta sobre as "línguas".
O agrupamento dos delegados nesta luta é especialmente claro graças à abundância de
votações nominais. Houve três. Contra o núcleo iskrista erguem-se unânime e
constantemente os anti-iskristas (8 votos) e, com muito ligeiras flutuações, todo o centro
(Mákhov, Lvov, Egórov, Popov, Medvédev, Ivanov, Tsariov, Belov; só os dois últimos
hesitaram a princípio, ora abstendo-se, ora votando conosco, e só à terceira votação
tomaram uma posição definitiva). Uma parte dos iskristas separa-se, sobretudo os
caucasianos (três, com seis votos), e devido a isto a tendência "feiticista" ganha
finalmente o predomínio. Na terceira votação, quando os partidários de ambas as
tendências tinham definido bem as suas posições, três caucasianos com seis votos
separaram-se dos iskristas da maioria para se juntarem ao campo oposto; dois com dois
votos, Possadóvski e Kóstitch, abandonam os iskristas da minoria. Nas duas primeiras
votações tinham passado para o campo contrário ou tinham-se abstido: Lénski,
Stepánov e Górski da maioria iskrista, e Deutsch da minoria. A separação de oito votos
iskristas (num total de 33) deu a superioridade à coligação dos anti-iskristas e elementos
instáveis. E este precisamente o fato essencial quanto aos agrupamentos no congresso,
fato que se repetiu (mas só com a separação de outros iskristas) na votação do § 1 dos
estatutos e nas eleições. Não é de admirar que aqueles que foram derrotados nas
eleições fechem agora cuidadosamente os olhos às razões políticas desta derrota, aos
pontos de partida da luta de matizes, que cada vez mais revelava e desmascarava cada
vez mais implacavelmente perante o partido os elementos instáveis e politicamente
pouco firmes. O incidente da igualdade de direitos das línguas mostra-nos esta luta com
tanto mais relevo quanto então o camarada Mártov não tinha ainda merecido os
louvores e a aprovação de Akímov e Mákhov.
f) O Programa Agrário
A inconseqüência no campo dos princípios dos anti-iskristas e do "centro" manifestou-
se também claramente nos debates sobre o programa agrário, que tomaram muito tempo
ao congresso (ver pp. 190-226 das atas) e tais levantaram numerosas questões
extremamente interessantes. Como era de esperar, a campanha contra o programa é
iniciada pelo camarada Martínov (depois de observações de pormenor dos camaradas
Líber e Egórov). Utiliza o velho argumento segundo o qual corrigindo "precisamente
esta injustiça histórica" "consagramos" indiretamente, pretende ele, "outras injustiças
históricas", etc. Ao seu lado coloca-se o camarada Egórov, que inclusive "não vê
claramente qual é o significado deste programa. E um programa para nós, isto é, fixa as
reivindicações que formulamos, ou queremos torna-lo popular?" (!? ! ?). O camarada
Líber "queria fazer as mesmas observações que o camarada Egórov". O camarada
Mákhov intervém com a sua habitual energia e declara que "a maioria (?) dos oradores
não compreende absolutamente nada do que é o programa proposto e dos fins que visa".
O programa proposto estão a ver, "dificilmente poderia ser considerado um programa
agrário social-democrata"; ele ..."soa, de certo modo, a brincar à correção das injustiças
históricas"; e tem "um matiz de demagogia e aventureirismo". A confirmação teórica
destas elucubrações é, como de costume, o exagero e a simplificação do marxismo
vulgar: pretende-se que os iskristas querem "tratar os camponeses como um todo
homogêneo; mas como o campesinato já há muito (?) está dividido em classes, a
apresentação dum programa único tem como conseqüência inevitável converter esse
programa no seu conjunto em demagógico, e tomá-lo aventureirista quando posto em
prática" (202). O camarada Mákhov "revela sem querer" a verdadeira causa da atitude
negativa para com o nosso programa agrário observada por muitos sociais-democratas
prontos a "reconhecerem" o Iskra (como fez o próprio Mákhov), mas que não refletiram
absolutamente nada sobre a sua orientação, sobre a sua posição teórica e prática. De
fato, é precisamente a vulgarização do marxismo aplicada a um fenômeno tão complexo
e polifacético como o sistema atual da economia camponesa russa, que esteve e ainda
está na base da incompreensão deste programa, e não divergências de pormenor. E
sobre este ponto de vista de um marxismo vulgar puseram-se rapidamente de acordo os
líderes dos elementos anti-iskristas (Líber e Martínov) e do "centro" (Egoróv e
Mákhov). O camarada Egórov exprimiu também francamente um dos traços
característicos do Iújni Rabótchi e dos grupos e círculos que tendem para ele, a saber: a
incompreensão da importância do movimento camponês, a incompreensão de que o
ponto fraco dos nossos sociais-democratas, a quando das primeiras famosas insurreições
camponesas, foi não a sobrestimação, mas antes a subestimação do papel deste
movimento (e a falta de força para o utilizar). "Estou longe de partilhar o entusiasmo da
redação pelo movimento camponês - disse o camarada Egórov -, entusiasmo que se
apoderou de muitos sociais-democratas depois das revoltas camponesas." Infelizmente o
camarada Egórov não se deu ao trabalho de explicar ao congresso com o mínimo de
precisão em que consistiu esse entusiasmo da redação, como também não se deu ao
trabalho de dar indicações concretas sobre o material literário que o Iskra forneceu.
Além disso, esqueceu que todos os pontos fundamentais do nosso programa agrário
foram desenvolvidos pelo Iskra já no seu terceiro número
(10)
, ou seja, muito antes das
revoltas camponesas. Os que "reconheceram" o Iskra não só em palavras não fariam mal
se dessem um pouco mais de atenção aos seus princípios teóricos e tácticos!
"Não, no campesinato não podemos fazer muito!" - exclama o camarada Egórov, e
depois explica esta exclamação não como protesto contra qualquer "entusiasmo"
particular, mas como negação de toda a nossa posição: "Isto significa, pois que a nossa
palavra de ordem não pode competir com uma palavra de ordem aventureira". Fórmula
muito característica da ausência de princípios que tudo reduz a uma "concorrência"
entre palavras de ordem de diferentes partidos! E isto é dito depois de o orador se ter
declarado "satisfeito" com as explicações teóricas que indicavam que visamos um êxito
duradouro na agitação, sem nos deixarmos perturbar por insucessos temporários, e que
um êxito duradouro (apesar da ruidosa gritaria dos "concorrentes" ... dum minuto) é
impossível sem que o programa assente em firmes bases teóricas (p. 196). Que confusão
se revela nesta afirmação de que se sente "satisfeito", seguida imediatamente da
repetição das teses herdadas do velho economismo para o qual "a concorrência entre
palavras de ordem" decidia todas as questões não só do programa agrário, mas de todo o
programa e de toda a tática da luta econômica e política. "Vós não obrigareis o operário
agrícola - dizia o camarada Egórov - a lutar lado a lado com o camponês rico pelos
otrézki194, que em grande parte já estão nas mãos desse camponês rico."
Encontramo-nos de novo perante a mesma simplificação indubitavelmente aparentada
com o nosso economismo oportunista, que afirmava que é impossível "obrigar" o
proletário a lutar pelo que em grande parte está nas mãos da burguesia, e que no futuro,
em proporção ainda mais considerável, lhe cairá nas mãos. Uma vez mais a mesma
vulgarização que esquece as peculiaridades russas das relações capitalistas gerais entre
o operário agrícola e o camponês rico. Hoje os otrézki de fato oprimem também o
operário agrícola, e não é preciso "obrigá-lo" a lutar para se libertar da sua servidão.
Quem é preciso "obrigar" são certos intelectuais; é preciso obrigá-los a encarar as suas
tarefas com maior largueza de vistas, obrigá-los a renunciar às fórmulas estereotipadas
no exame de questões concretas, obrigá-los a ter em conta a conjuntura histórica, que
complica e modifica os nossos objetivos. Só o preconceito de que o mujique é estúpido,
preconceito que, como observa com razão o camarada Mártov (p. 202), transparece nos
discursos do camarada Mákhov e doutros adversários do programa agrário - só tal
preconceito explica o esquecimento por estes adversários das reais condições de vida do
nosso operário agrícola.
Depois de ter simplificado a questão reduzindo-a a mera contraposição: operário e
capitalista, os representantes do nosso "centro", como de costume, esforçaram-se por
lançar a sua estreiteza mental sobre o mujique. O camarada Mákhov dizia: "E
precisamente porque considero o mujique inteligente, na medida do seu estreito ponto
de vista de classe, que creio que ele apoiará o ideal pequeno-burguês da apropriação e
da partilha." Visivelmente, confundem-se aqui duas coisas: a definição do ponto de
vista de classe do mujique, considerado como um pequeno burguês, e a restrição deste
ponto de vista, a sua redução a uma "medida estreita". E nesta redução que consiste o
erro dos Egórov e dos Mákhov (tal como o erro dos Martínov e dos Akímov consistia
em reduzir a uma "medida estreita" o ponto de vista do proletário). E, no entanto, a
lógica e a história ensinam-nos que o ponto de vista de classe pequeno-burguês pode ser
mais ou menos estreito, mais ou menos progressivo, precisamente devido à dupla
posição do pequeno burguês. E a nossa tarefa não é de modo nenhum deixar cair os
braços de desânimo perante a estreiteza ("estupidez") do mujique ou perante a sua
submissão a "preconceitos", mas, pelo contrário, alargar constantemente o seu ponto de
vista, ajudar a sua razão a vencer os preconceitos.
O ponto de vista do "marxismo" vulgar sobre a questão agrária na Rússia teve a sua
expressão culminante nas últimas palavras do discurso do camarada Mákhov no qual
este fiel defensor da velha redação do Iskra expôs os seus princípios. Por alguma razão
as suas palavras foram recebidas com aplausos ... irônicos, é verdade. "Não sei
verdadeiramente ao que se possa chamar uma desgraça" - disse o camarada Mákhov,
indignado com a observação de Plekhánov de que o movimento a favor da partilha
negra195 não nos assustava de modo nenhum, e que não seríamos nós a entravar esse
movimento progressivo (progressivo burguês). "Mas esta revolução, prossegue o
camarada Mákhov, se assim a podemos chamar, não será revolucionária. Diria mais: já
não será revolução, mas reação (risos), uma revolução parecida com um motim ... Tal
revolução far-nos-á recuar e levará certo tempo a voltar ao ponto em que estamos hoje.
Presentemente temos muito mais do que nos tempos da Revolução Francesa (aplausos
irônicos); temos um partido social-democrata (risos) ..." Sim, um partido social-
democrata que raciocinasse como Mákhov, ou com instituições centrais apoiadas nos
Mákhov, não merecia de fato mais do que riso
Assim, vemos que mesmo a propósito de questões puramente de princípio levantadas
pelo programa agrário, o agrupamento que já conhecemos manifestou-se
imediatamente. Os anti-iskristas (8 votos) lançam-se numa cruzada em nome do
marxismo vulgar; os chefes do "centro", os Egórov e os Mákhov, seguem-nos
desorientando-se e desviando-se constantemente para o mesmo ponto de vista estreito. E
por isso que é natural que em certos pontos do programa agrário a votação apresente
resultados de 30 a 35 votos a favor (pp. 225 e 226), ou seja, exatamente o número
aproximado que já observamos quando da discussão do lugar a atribuir à questão do
Bund, quando do incidente do CO e quando se tratou do encerramento do Iújni
Rabótchi. Basta que se levante uma questão um pouco fora dos esquemas habituais e já
estabelecidos e exigindo que a teoria de Marx se aplique com um mínimo de
independência a relações econômico-sociais particulares e novas (novas para os
alemães) para que logo os iskristas capazes de se manterem à altura da situação se
reduzam a 3/5 dos votos e todo o "centro" se coloque imediatamente ao lado dos Líber e
dos Martínov. E o camarada Mártov ainda tenta encobrir este fato evidente, omitindo
receosamente as votações em que os matizes se revelaram claramente!
Os debates sobre o programa agrário mostram claramente a luta travada pelos iskristas
contra dois quintos bem contados do congresso. Os delegados caucasianos assumiram
nesta questão uma posição perfeitamente correta, em grande parte, sem dúvida, graças
ao seu conhecimento profundo das formas locais de inúmeras sobrevivências feudais, o
que os preservou das meras contraposições abstratas e escolares com que se
contentavam os Mákhov. Contra Martínov e Líber, contra Mákhov e Egórov,
levantaram-se tanto Plekhánov como Gússev (que confirmou que "bastantes vezes lhe
tinha acontecido encontrar entre os camaradas que atuavam na Rússia concepções tão
pessimistas"... como as do camarada Egórov ... "sobre o nosso trabalho no campo")
como ainda Kostrov, Kárski e Trótski. Este assinala com razão que os "bem
intencionados conselhos" dos críticos do programa agrário "cheiram demasiado a
filistinismo". Apenas é preciso notar, no respeitante ao estudo dos agrupamentos
políticos no congresso, que nesta passagem do seu discurso (p. 208) talvez não tenha
tido razão ao colocar o camarada Langue ao lado de Egórov e Mákhov. Quem ler
atentamente as atas verá que a posição de Langue e Górine difere totalmente da de
Egórov e Mákhov. A formulação do ponto referente aos otrézki desagrada a Langue e
Górine: eles compreendem plenamente a idéia do nosso programa agrário, mas tentam
aplicá-lo de outro modo; trabalham positivamente para encontrar uma fórmula mais
impecável, do seu ponto de vista, e apresentam projetos de resoluções para convencer os
autores do programa, ou para se porem ao seu lado contra todos os não-iskristas. Basta
comparar, por exemplo, as propostas de Mákhov sobre a rejeição de todo o programa
agrário (p. 212, nove a favor, 38 contra) e os seus diferentes pontos (p. 216, etc.) com a
posição de Langue, que propõe uma redação própria do ponto sobre os otrêzki (p. 225),
para nos convencermos da diferença radical entre eles
(11)
.
Falando em seguida dos argumentos que cheiram a "filistinismo", o camarada Trótski
assinalava que, "no período revolucionário que se aproxima, devemos ligar-nos ao
campesinato"... "Perante esta tarefa, o cepticismo e "perspicácia" política de Mákhov e
Egórov são mais prejudiciais do que qualquer miopia." O camarada Kóstitch, outro
iskrista da minoria, assinalou muito justamente "a falta de segurança em si mesmo e na
sua firmeza no plano dos princípios" do camarada Mákhov - caracterização que se
ajusta perfeitamente ao nosso "centro". "No seu pessimismo, o camarada Mákhov
coincide com o camarada Egórov, embora haja matizes entre ambos - prossegue o
camarada Kóstitch. - Ele esquece que os sociais-democratas já trabalham entre o
campesinato, que onde é possível dirigem já o seu movimento. E com o seu pessimismo
restringem a envergadura do nosso trabalho" (p. 210).
Para terminarmos com 05 debates surgidos no congresso sobre o programa, assinalemos
ainda as curtas discussões sobre o apoio a conceder às tendências de oposição. No nosso
programa diz-se explicitamente que o partido social-democrata apóia "todo o
movimento de oposição e revolucionário dirigido contra o regime social e político
existente na Rússia". Pareceria que esta última reserva mostra com bastante clareza
quais são precisamente as tendências de oposição que apoiamos. No entanto, também
aqui os diferentes matizes há muito definidos no nosso partido imediatamente se
manifestaram, apesar de ser difícil supor que sobre uma questão tão repisada pudessem
ainda subsistir "dúvidas e mal-entendidos"! Evidentemente, tratava-se não de mal-
entendidos, mas de matizes. Mákhov, Líber e Martínov imediatamente deram o alarme e
encontraram-se novamente em minoria tão "compacta" que, também aqui, o camarada
Mártov deveria talvez ter explicado isto por uma intriga, maquinações, pela diplomacia
e outras coisas encantadoras (ver o seu discurso no congresso da Liga), às quais
recorrem às pessoas incapazes de compreender as razões políticas da formação de
grupos "compatos", quer da minoria, quer da maioria.
Ainda desta vez, Mákhov começa por uma simplificação vulgar do marxismo. "Nossa
única classe revolucionária é o proletariado - declara; mas desta premissa correta tira
imediatamente uma conclusão falsa - o resto, não conta, são penduras (riso geral) ...
Sim, penduras, e a única coisa que querem é aproveitar-se. Sou contra que os apoiemos"
(p. 226). A formulação inimitável que o camarada Mákhov deu à sua posição confundiu
muitos (dos seus partidários), mas, na realidade, tanto Líber como Martínov estiveram
de acordo com ele quando propuseram suprimir a palavra "de oposição", ou limitá-la,
acrescentando "de oposição democrática". Contra esta emenda de Martínov insurgiu-se
com razão Plekhánov. "Devemos criticar os liberais - disse - desmascarar a sua posição
ambígua. Isso é verdade ... Mas, ao desmascarar a estreiteza e limitação de todos os
movimentos que não o movimento social-democrata, temos o dever de explicar ao
proletariado que, em comparação com o absolutismo, mesmo uma constituição que não
concedesse o sufrágio universal seria um passo em frente e que, por conseqüência, o
proletariado não deve preferir o atual regime a uma constituição desse tipo." Os
camaradas Martínov, Líber e Mákhov não estão de acordo com isto e persistem na sua
posição, contra a qual dirigem os seus ataques Axelrod, Starover, Trótski e novamente
Plekhánov. Aqui o camarada Mákhov bateu-se a si próprio mais uma vez. Primeiro
declarou que as outras classes (exceto o proletariado) "não contam" e que "é contra que
as apoiemos". Em seguida, suavizou-se e admitiu que, "mesmo sendo no fundo
reacionária, a burguesia é muitas vezes revolucionária, quando se trata, por exemplo, de
combater o feudalismo e os seus vestígios. "Mas há grupos - continuou, retificando sem
retificar nada - que são sempre (?) reacionários, como os artesãos, por exemplo. " Estas
as pérolas em matéria de princípios a que chegaram estes líderes do nosso "centro", os
mesmos que, mais tarde, com espuma na boca, defenderam a velha redação! Foram
exatamente os artesãos, mesmo na Europa ocidental, onde a organização corporativa era
tão forte, que demonstraram, como, aliás, outros pequenos burgueses das cidades, um
extraordinário espírito revolucionário na época da queda do absolutismo. Precisamente
para um social-democrata russo, é especialmente absurdo repetir sem reflexão o que os
camaradas do Ocidente dizem dos atuais artesãos um século ou meio século depois da
queda do absolutismo. Afirmar na Rússia que no aspecto político os artesãos são
reacionários comparados coma burguesia é simplesmente retomar uma frase feita,
aprendida de cor.
E lamentável que as atas não tenham conservado nenhuma indicação quanto ao número
de votos obtidos pelas emendas rejeitadas de Martínov, Mákhov e Líber sobre este
ponto. Só podemos dizer que os líderes dos elementos anti-iskristas e um dos líderes do
"centro"
(12)
se coligaram ainda desta vez contra os iskristas, no agrupamento que já
conhecemos. Ao fazer o balanço de todos os debates do programa, não podemos deixar
de concluir que nem uma só vez vimos um debate animado e de interesse geral que não
tenha assinalado a diferença de matizes, escamoteada hoje pelo camarada Mártov e pela
nova redação do Iskra.
g) Os Estatutos do Partido - O Projecto do Camarada Martov
Depois do programa, o congresso passou aos estatutos do partido (deixamos de lado a
questão acima mencionada do OC, assim como os relatórios dos delegados, a maior
parte dos quais os não puderam apresentar, infelizmente, duma maneira satisfatória). E
inútil dizer que a questão dos estatutos tinha para todos nós uma importância imensa.
Com efeito, desde o princípio, o Iskra tinha agido não só como órgão literário, mas
também como célula de organização. No editorial do n.0 4 (Por onde Começar?), o
Iskra tinha proposto todo um plano de organização
(13)
, e aplicou esse plano
invariavelmente e de modo sistemático durante três anos. Quando o segundo congresso
do partido reconheceu o Iskra como Órgão Central, dos três pontos de considerandos da
resolução (p. 147) dois eram consagrados precisamente a este plano de organização e às
idéias do "Iskra" em matéria de organização: ao seu papel na direção do trabalho prático
do partido e ao seu papel dirigente no trabalho de unificação. E, pois perfeitamente
natural que o trabalho do lskra e toda a obra de organização do partido, toda a obra de
restabelecimento efetivo do partido, não pudessem ser considerados acabados antes que
todo o partido reconhecesse e fixasse formalmente certas idéias em matéria de
organização. Esta função devia ser cumprida pelos estatutos de organização do partido.
As idéias fundamentais que o Iskra pretendia pôr na base da organização do partido
resumiam-se, no fundo, às duas seguintes. A primeira, a idéia do centralismo, definia
em principio o modo de resolver todos os numerosos problemas de organização
particulares e de pormenor. A segunda, respeitante à função particular de um órgão
ideológico dirigente, de um jornal, tinha em conta as necessidades temporárias e
específicas precisamente do movimento operário social-democrata russo, nas condições
de um regime de escravidão política, com a condição de criar no estrangeiro uma base
inicial de operações para o assalto revolucionário. A primeira idéia, como a única idéia
de princípios, devia penetrar todos os estatutos; a segunda, como idéia particular,
originada por circunstâncias temporárias de lugar e modo de ação traduzia-se num
afastamento aparente do centralismo, na criação de dois centros, o OC e o CC. Estas
duas idéias fundamentais do Iskra acerca da organização do partido foram por mim
desenvolvidas no editorial do Iskra (n.0 4) Por onde Começar?
(14)
e em Que Fazer?
(15)
,
e, finalmente, explicadas pormenorizadamente, quase sob forma de estatutos, na Carta a
Um Camarada
(16)
Na realidade, já só restava o trabalho de redação para formular os
parágrafos dos estatutos que deviam dar corpo precisamente a estas idéias, se o
reconhecimento do lskra não era para ficar no papel, se não era meramente uma frase
convencional. No prefácio à nova edição da Carta a Um Camarada apontei já que basta
uma simples comparação entre os estatutos do partido e essa brochura para estabelecer a
completa identidade das idéias de organização em ambos
(17)
.
A propósito do trabalho de redação para formular as idéias iskristas de "organização nos
estatutos tenho de aludir a um incidente mencionado pelo camarada Mártov. "...Uma
referência aos fatos mostrar-vos-á - dizia Mártov no congresso da Liga (p. 58) - como
foi inesperado para Lénine o meu desvio para o oportunismo quanto a este parágrafo
(isto é, o primeiro). Mês e meio ou dois meses antes do congresso, tinha mostrado a
Lénine o meu projeto, em que o §1 estava redigido exatamente como o propus no
congresso. Lénine pronunciou-se contra o meu projeto por ser excessivamente
pormenorizado, e disse-me que só lhe agradava a idéia do §1 - a definição de filiação -,
que incluiria nos seus estatutos com modificações, pois achava pouco feliz a minha
formulação. Assim, Lénine conhecia há muito a minha formulação, conhecia a minha
opinião sobre este assunto. Como vedes, fui para o congresso de viseira levantada, sem
esconder as minhas opiniões. Preveni que combateria a cooptação recíproca, o princípio
unanimidade no cooptação para o Comitê Central, para o Órgão Central, etc."
No que diz respeito ao aviso relativo à luta contra o cooptação recíproca veremos no
lugar próprio como se apresentavam as coisas. Detenhamo-nos agora nesta "viseira
levantada" dos estatutos de Mártov. Ao expor à Liga, de memória, o episódio do seu
projeto pouco feliz (que o próprio Mártov retirou do congresso como pouco feliz, mas
que, depois do congresso, com a sua conseqüência habitual, voltou a trazer à luz do dia),
Mártov, como acontece muitas vezes, esqueceu muitas coisas e por isso mais uma vez
voltou a emaranhá-las. Parece que já havia fatos bastantes para evitar as referências a
conversas privadas e à sua memória (as pessoas involuntariamente só lembram do que
lhes convém!), e, não obstante, o camarada Mártov, à falta de outros materiais, usa
dados de péssima qualidade. Agora mesmo o camarada Plekhánov começa a imitá-lo -
pelos vistos os maus exemplos são contagiosos.
A "idéia" do parágrafo um do projeto de Mártov não podia "agradar-me", porque não
havia nesse projeto nenhuma idéia que tenha surgido no congresso. Falhou-lhe a
memória. Tive a sorte de encontrar entre os meus papéis o projeto de Mártov, em que "o
parágrafo um não está redigido do que ele pro pôs no congresso"! Aqui está a "viseira
levantada"!
§ 1. do projeto de Mártov: "Considera-se como pertencente ao Partido Operário Social-
Democrata da Rússia todo aquele que, aceitando o seu programa, trabalha ativamente
para levar à prática os seus objetivos sob o controle e a direção dos órgãos (sic!) do
partido."
§1. do meu projeto: "Considera-se membro do partido todo aquele que aceita o
programa e apóia o partido tanto materialmente como pela sua participação pessoal
numa das organizações do partido."
§1. da fórmula proposta por Mártov no congresso e adotada pelo congresso: "Considera-
se membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que aceita o
seu programa, apóia materialmente o partido e lhe dá o seu apoio pessoal regular sob a
direção de uma das suas organizações."
Desta comparação ressalta claramente que o projeto de Mártov não contém nenhuma
idéia, mas apenas uma frase oca. Que os membros do partido trabalham sob o controlo e
a direção dos órgãos do partido, isso é evidente, isso não pode ser de outro modo, e só
fala disso quem gosta de falar para não dizer nada, quem gosta de encher os "estatutos"
de uma torrente de palavreado e fórmulas burocráticas (isto é, desnecessárias para o
trabalho e pretensamente necessárias para o aparato). A idéia do parágrafo um só
aparece quando se põe a questão: podem os órgãos do partido dirigir de fato membros
do partido que não pertencem a nenhuma organização do partido? Não há vestígio
sequer desta idéia no projeto do camarada Mártov. Portanto, eu não podia conhecer a
"opinião" do camarada Martóv "sobre este ponto", porque no projeto do camarada
Mártov não há nenhuma opinião sobre este assunto. A referência aos fatos do camarada
Mártov revela-se apenas um emaranhado.
Pelo contrário, justamente do camarada Mártov há que dizer que ele, pelo meu projeto,
"conhecia a minha opinião sobre este assunto" e não protestou contra ela, não a rejeitou,
nem no colégio de redação, se bem que o meu projeto tenha sido mostrado a todos duas
ou três semanas antes do congresso, nem perante os delegados, que tomaram
conhecimento unicamente do meu projeto. Mais ainda. Mesmo no congresso, quando
apresentei o meu projeto de estatutos
(18)
e o defendi antes da eleição da comissão dos
estatutos, o camarada Mártov declarou claramente: "Apoio às conclusões do camarada
Lénine. Só não estou de acordo com ele em duas questões" (sublinhado por mim): no
modo de constituição do Conselho e no cooptação por unanimidade (p. 157). Quanto a
um desacordo sobre o §1 ainda não se diz nem uma palavra.
Na sua brochura sobre o estado de sítio, o camarada Mártov considerou necessário
recordar uma vez mais, e em grande pormenor, os seus estatutos. Assegura aí que os
seus estatutos, os quais ainda agora (Fevereiro de 1904 - não sabemos o que acontecerá
daqui a três meses) está pronto a subscrever, com exceção de algumas particularidades
secundárias, "exprimiam com bastante clareza a sua atitude negativa em relação à
hipertrofia do centralismo" (p. IV). O fato de não ter apresentado esse projeto ao
congresso é agora explicado pelo camarada Mártov, em primeiro lugar, pelo fato de "a
educação iskrista lhe ter inspirado uma atitude de desprezo pelos estatutos". (quando
agrada ao camarada Mártov, a palavra iskrista não significa para ele estreito espírito de
círculo, mas a mais conseqüente das tendências! Só é pena que três anos de educação
iskrista não tenham inspirado ao camarada Mártov uma atitude de desprezo pela
fraseologia anarquista, com a qual a instabilidade de um intelectual é capaz de justificar
a violação de estatutos adotados de comum acordo). Em segundo lugar, vede bem, ele, o
camarada Mártov, quis evitar "introduzira mínima dissonância na táctica desse núcleo
organizativo fundamental que era o Iskra". Isto é de uma maravilhosa conseqüência! Na
questão de princípio sobre a formulação oportunista do §1 ou da hipertrofia do
centralismo, o camarada Mártov receou de tal modo a dissonância (que só é terrível do
mais estreito ponto de vista do círculo) que não apresentou as suas divergências mesmo
perante um núcleo como a redação! Na questão prática da composição dos centros, o
camarada Mártov pediu a ajuda do Bund e dos partidários da Rabótcheie Dielo contra o
voto da maioria dos membros da organização do Iskra (verdadeiro núcleo organizativo
fundamental). O camarada Mártov não se dá conta da "dissonância" das suas próprias
frases quando se vale de processos próprios dos círculos em defesa da quase-redação
para renegar o "espírito de circulo" na apreciação do problema pelos que são mais
competentes. Para o castigar, citaremos integralmente o seu projeto de estatutos,
marcando, por nosso lado, os pontos de vista e a hipertrofia que revela
(19)
.
"Projeto de estatutos do partido. - 1. Filiação no partido. - 1) Considera-se como
pertencente ao Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que, aceitando
o seu programa, trabalha ativamente para levar à prática os seus objetivos sob o controle
e a direção dos órgãos do partido).- 2) A expulsão de um membro do partido por atos
incompatíveis com os Interesses do partido é decidida pelo Comitê Central. [A sentença
com os motivos de expulsão é conservada nos arquivos do partido e comunicada, se
requerido, a cada comitê do partido. Pode-se apelar para o congresso da decisão de
expulsão tomada pelo CC desde que dois ou mais comitês o requeiram)... Indicarei com
parêntesis retos os preceitos do projeto de Mártov evidentemente vazios de sentido, que
não só não contêm qualquer "idéia", mas nem sequer nenhuma condição ou exigência
precisa, como é o caso inimitável de indicar nos "estatuto" onde precisamente se deverá
conservar a sentença, ou então a referência ao fato de se poder apelar para o congresso
das decisões do CC, relativas à expulsão (e não de todas as suas decisões em geral?). Eis
precisamente uma hipertrofia de frase, ou um verdadeiro formalismo burocrático, no
sentido da inclusão de pontos e parágrafo que são visivelmente supérfluo, inúteis ou
dilatórios."... II. Comitês locais. - 3) No seu trabalho local, o partido é representado
pelos comitês do partido..."(Que novo e que profundo!) "....4) [Consideram-se comitês
do partido os existentes ao realizar-se o segundo congresso e representados nele, com a
composição que tenham neste momento.] - 5) Os novos comitês do partido, além dos
mencionados no § 4, são designado pelo Comitê Central [que reconhece como comitê à
composição que no momento dado tenha a organização local, ou que constitui o comitê
local reformando esta última]. - 6) Os comitês completam o número dos seus membros
por meio do cooptação. - 7) O CC tem o direito de completar o número de membros de
um comitê local com outros camaradas (que conheça), de modo que o seu número não
ultrapasse um terço do número total de membros..."Modelos de burocracia: porque não
mais dos que um terço? Qual é o objetivo disto? Qual o sentidos desta restrição que
não restringe nada, visto que este modo de completar pode ser repetido muitas vezes?
"... 8) [No caso de um comitê local se ter desagregado ou ter sido desfeito (quer isto
dizer que nem todos os seus membros foram presos "pela repressão, o CC restabelece-
o"]...(agora sem ter em conta o § 7.? O camarada Mártov não acha que o § 8. se parece
com as leis russas sobre a moral pública, que mandam trabalhar nos dias de semana e
descansar no dias feriados?) "...9 [O congresso ordinário do partido pode encarregar o
CC de reformar a composição de qualquer comitê local cuja atividade seja considerada
incompatível com os interesses do partido. Neste último caso, declara-se dissolvido o
dito comitê e consideram-se os camaradas do local em que funciona desligados de
qualquer subordinação
(20)
a ele" [ ... A regra contida neste parágrafo é tão altamente útil
como o artigo que ainda hoje figura nas leis russa" e que diz: O alcoolismo é proibido a
todos e a cada um. "... 10. [Os comitês locais dos partido dirigem todo o trabalho de
propaganda, agitação e organização do partido na localidade e dão os seu concursos,
segundo as suas possibilidades, ao CC e ao OC dos partido na execução das tarefas
gerais do partido de que foram incumbidos") ... Uf! Mas para que serve isto, em nome
de todos os santos?... li. ["O regulamento interno de uma organização local, as relações
recíprocas entre o comitê e os grupos que lhe estão subordinados" [está a ouvir, está a
ouvir, camarada Axelrod?) "e os limites de competência e autonomia" (e os limites de
competência não serão os mesmos que os limites de autonomia?) "destes grupos são
estabelecidos pelo próprios comitê e levados ao conhecimento do CC e da redação do
OC"] ... (Uma lacuna: não se diz onde são guardadas essas comunicações)... "12. [Todos
os grupos e membros individuais do partido subordinados aos comitês têm o direito de
exigir que as suas opiniões e desejos sobre qualquer questão sejam comunicados ao CC
do partido e aos seus Órgãos Centrais.) -13. Cada comitê local do partido tem o dever de
descontar das suas receitas uma parte que corresponde à caixa dos CC segundo
distribuição a efetuar pelo CC. - III. Organizações destinadas à agitação em diversas
línguas (para além do russo). -14. [Para a agitação numa das línguas não russas e para a
organização dos operários entre os quais se faz esta agitação, podem constituir-se
organizações à parte no pontos onde for imprescindível especializar essa agitação e
estabelecer tal organização separada.) - 15. O cuidado de resolver a questão de saber em
que medida existe esta necessidade é deixado ao CC do partido, e em caso de
contestação, ao congresso do partidos" .... A primeira parte do parágrafo é supérflua, se
tivermos em conta o estipulados a seguir nos estatutos, e a segunda parte sobre os casos
de contestação é simplesmente ridícula... "16. [As organizações locais a que faz
referência o § 14 são autônomas quanto aos seus objetivos especiais, mas atuam sob
controlo do comitê local e a ele estão subordinada, e as formas deste controle e as
normas das relações de organização entre os comitê e a organização especial, é os
comitê local que as estabelece"... (Graças a Deus! Vemos agora muito claramente como
era inútil alinhar toda esta torrente de palavras ocas)... "No tocante aos assuntos gerais
do partidos, estas organizações atuam como parte da organização do comitê.) - 17. [As
organizações locais a que faz referência o § 14 podem formar uma união autônoma para
realizar com êxito os seus objetivos especiais. Tal união pode ter os seus órgãos
especiais administrativos e literários ficando ambos submetidos ao controlo direto do
CC do partido. Os estatutos desta união sãos elaborados por ela própria, mas ratificados
pelo CC do partido.) - 18. [Podem igualmente fazer parte da união autônoma a que faz
referência os § 17 os comitês locais do partidos se, atendendo às condições locais, se
dedicarem principalmente à agitação na língua correspondente. Nota. Sendo parte
constitutiva de uma união autônoma, tal comitê não deixa de ser um comitê do
partido"]... (todo o parágrafo é extremamente útil e superiormente inteligente e a nota
mais do que tudo o resto)... "19. [As organizações locais pertencentes à união autônoma,
nas suas relações com os órgãos centrais da união, ficaram submetidas ao controle dos
comitês locais.) - 20. [Os órgãos centrais, literários e administrativos, das uniões
autônomas estão nas mesmas relações com o CC que os comitês locais do partido.) -
IV. O Comitê Central e os órgãos literários do partido. - 21. [Os representantes de todo
o partido na totalidade são o CC e os órgãos literários, políticos e científico.) - 22. Cabe
ao CC a direção de toda a atividade prática do partido; os cuidado de utilizar e repartir
judiciosamente as suas forças; o controle da atividade de todos os setores do partido; o
fornecimento de literatura às organizações locais; a organização do aparelhos técnico do
partido; a convocação dos congressos do partido. - 23. Cabe aos órgãos literários dos
partido a direção ideológica da vida do partido; a propaganda do programa do partido e
a elaboração científica e publicística da concepção do mundo da social-democracia. -
24. Todos os comitês locais do partido e as uniões autônomas estão em ligação direta
tanto com o CC do partidos, como com a redação dos órgãos do partido, levando
periodicamente ao seu conhecimento a marcha do movimento e do trabalho de
organização na área local. - 25. A redação dos órgãos literários do partido é designada
pelo congresso do partido e está em funções até ao congresso seguinte. - 26. [A redação
é autônoma nos seus assuntos internos e pode, no intervalo entre os congressos,
completar ou modificar a sua composição, informando o CC em cada caso. - 27. Todos
os comunicados emanados do CC ou por ele sancionados são publicados no órgão do
partido, a pedido do CC. - 28. O CC, de acordos com a redação dos órgãos dos partido,
cria grupos especiais de escritores para várias formas de trabalho literário. - 29. O CC é
designado pelo congresso do partido e está em funções até ao congresso seguinte. O CC
completa a sua composição por cooptação em números ilimitados, informando em cada
caso a redação dos órgãos centrais do partidos. - V. A organização do partido no
estrangeiro. - 30. A organização do partido no estrangeiro realiza a propaganda entre os
russos residentes no estrangeiro, e a organização dos elementos socialistas existentes
entre eles. À sua frente está uma administração eleita. - 31. As uniões autônomas que
façam parte do partido podem ter as suas seções no estrangeiro para realizarem as
tarefas especiais destas uniões. Estas seções, na qualidade de grupos autônomos,
pertencem à organização geral no estrangeiro. - VI. Os congressos do partido. - 32. O
congresso é a instância suprema do partido. - 33. [O congresso do partido estabelece o
seu programa, os seus estatutos e os princípios orientadores da sua atividade; controla
trabalho de todos os órgãos do partido e resolve os conflitos entre eles. - 34. Estão
representado no congresso: a) todos os comitês locais dos partido; b) os órgãos
administrativos centrais de todas as uniões autônomas que pertençam ao partido; e o CC
do partido e as redações dos seus órgãos centrais; d) a organização do partido no
estrangeiro.- 35. A missão de mandatos é autorizada, mas sob a condição de um
delegado não representar mais de três mandatos efetivos. È permitido dividir um
mandato entre dois representantes. Não são admitidos mandatos imperativos. - 36. O
CC tem o direito de convidar para o congressos, com voto consultivo, os camaradas cuja
presença possa ser útil. - 37. Para introduzir modificações ao programa ou nos estatutos
do partidos é preciso que haja uma maioria de dois terços dos votos presentes; as outras
questões são resolvidas por maioria simples. - 38. Considera-se válido um congresso se
mais de metade de todos os comitês do partido existentes à data do congresso nele
estiverem representados. - 39. O congresso reúne-se, na medida do possível, uma vez de
dois em dois anos. [Nos casos de surgirem dificuldades para reunir o congresso nesse
prazo, independentemente da vontade do CC, este pode adiá-lo sob a sua
responsabilidade".
O leitor que, excepcionalmente, teve a paciência de ler até ao fim estes pretensos
estatutos, não nos exigirá certamente um exame especial das conclusões seguintes.
Primeira conclusão: os estatutos sofrem de uma hidropisa dificilmente curável.
Segunda conclusão: é impossível descobrir neles qualquer sombra de pontos de vista
organizativos que demonstrem uma atitude negativa face à hipertrofia do centralismo.
Terceira conclusão: o camarada Mártov procedeu muito razoavelmenre, sonegando aos
olhos das pessoas (e ao exame do congresso) mais de 38/39 dos seus estatutos. A única
coisa que não deixa de ser original é que, a propósito desta sonegação, se fale de viseira
levantada.
Notas: Parte I
(1) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5. ª ed. Em russo, e. 4, pp. 354-360. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(2) Ver as atas do II Congresso, p.20. (retornar ao texto)
(3) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 7, pp. 91-93. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(4) Ver as atas do II Congresso, pp. 22-23, 380. (retornar ao texto)
(5) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t.8, pp. 41-52, 98-104 (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(6) Quanto a esta sessão, ver a Carta de Pavlóvitch, membro do CO, que antes do
congresso foi eleito por unanimidade representante autorizado da redação, seu sétimo
membro (atas da Liga, p. 44).(retornar ao texto)
(7) Há atualmente pessoas no partido que, ao ouvir esta palavra, se horrorizam e se
queixam que nesta polêmica falta o espírito de camaradagem. É uma deturpação
estranha da sensibilidade sob a influência do tom oficial...usado inoportunamente!
Quase não há partido político com luta interna que dispense este termo, com o qual são
designados os elementos hesitantes que oscilam entre aos que lutam. E os alemães, que
sabem manter a luta interna num quadro perfeitamente comedido, não se ofendem por
motivo da palavra versumpft (enterrado no pântano - N. Ed.) e não se horrorizam, não
manifestam uma cômica pruderie (pudor hipócrita - N. Ed) oficial.
(retornar ao texto)
(8) Aparte durante o discurso de um orador.(N. Ed.) (retornar ao texto)
(9) Mártov acrescenta: "Neste caso Plekhánov causou-nos um grande dano com a sua
piada sobre os burros". (quando se tratava da liberdade da língua, um bundista, parece-
me, mencionou no número das instituições as coudelarias, e Plckhánov disse em aparte
"os cavalos não falam" mas os burros às vezes fazem-no.). Evidentemente não posso ver
nesta piada uma especial suavidade, espírito conciliador, prudência, flexibilidade. No
entanto, acho estranho que Mártov, embora reconhecendo o significado de princípio do
debate, não se detenha de modo nenhum no exame daquilo em que reside o espírito de
princípio e que matizes encontraram aqui expressão; limita-se a assinalar o "dano" das
piadas. Este é, de fato, um ponto de vista burocrático e formalista! As piadas mordazes,
com efeito, causaram um grande dano no congresso", não só as que visavam os
bundistas, mas também as relativas às pessoas que os bundistas tinham por vezes
apoiado ou até salvado da derrota. Mas, uma vez reconhecido o significado de principio
deste incidente, não nos podemos limitar a frases sobre a "inadmissibilidade" (p. 58 das
atas da Liga) de certas piadas.
(retornar ao texto)
(10) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5ª ed. Em russo, t.4, pp. 429-437.
(N.Ed.)
(retornar ao texto)
(11) Cf. o discurso de Górine, p. 213. (retornar ao texto)
(12) O outro líder deste mesmo grupo, do "centro", o camarada Egórov, exprimiu no
outro lugar a sua opinião, quando se tratava da resolução de Axelrod sobre os
socialistas-revolucionários196 (p. 359), sobre o apoio às tendências de oposição. O
camarada Egórov viu uma "contradição" entre a exigência de apoiar todo o movimento
de oposição e revolucionário, que figura no programa, e a atitude negativa perante os
socialistas-revolucionários e os liberais. Abordando a questão de outra forma, e de um
ponto de vista um pouco diferente, o camarada Egórov deu aqui provas da mesma
concepção estreita do marxismo e da mesma atitude hesitante, meio hostil, para com a
posição (por ele reconhecida) do Iskra, como o fizeram os camaradas Mákhov, Líber e
Marrínov.
(retornar ao texto)
(13) No discurso pronunciado sobre o reconhecimento do lskra como Órgão Central, o
camarada Popov, entre outras coisas, disse o seguinte: "Recordo o artigo Por onde
Começar?, publicado no número 3 ou 4 do lskra. Muitos dos camaradas que naquela
ocasião atuavam na Rússia acharam-no falho de tacto; a outros, o plano parecia
fantástico, e a maioria (provavelmente a maioria das pessoas que rodeavam Popov)
explicava-o apenas por ambição" (p. 140). Como o leitor pode ver, estou já acostumado
a esta explicação das minhas opiniões políticas como ambição, explicação que agora
repetem o camarada Axelrod e o camarada Mártov.
(retornar ao texto)
(14) Ver V. 1. Lénine, Obras Completas, ed. em russo, t. 5, pp. 1-13. (N.
Ed.)
(retornar ao texto)
(15) Ver o presente tomo, p.79. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(16) Ver V. 1. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, r. 7, pp. 7-25. (N.
Ed.)
(retornar ao texto)
(17) Ver ibidem, pp. 5-6. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(18) A propósito. A comissão de atas publicou no anexo XI o projeto de estatutos
"apresentado ao congresso por Lenine" (p. 393). Também a comissão emaranhou um
pouco as coisas neste ponto. Confundiu o meu projeto inicial (ver V. 1. Lénine, Obras
Completas, 5." ed. em russo, t. 7, pp. 256-258 - N. Ed.), que foi mostrado a todos os
delegados (e a muitíssimos antes do Congresso), com o que apresentei no congresso, e
publicou o primeiro como se fosse o segundo. Eu, naturalmente, não tenho nada contra
a publicação dos meus projetos, mesmo em todos os graus da sua preparação, mas nem
por isso se devia confundir as coisas. E, no entanto, causou-se confusão, porque Popov e
Mártov (pp. 154 e 157) criticam, no projeto que apresentei realmente ao congresso,
formulações que não existem no projeto publicado pela comissão) de atas (cfr. p. 394,
§§ 7 e 11). Com um pouco mais de atenção, bastava ter confrontado as páginas que eu
indicava para notar o erro.
(retornar ao texto)
(19) Devo assinalar que, infelizmente, não consegui encontrar a primeira variante do
projeto de Mártov, que consistia cm qualquer coisa como 48 parágrafo" e sofria ainda
mais duma "hipertrofia" de formalismo inútil.
(retornar ao texto)
(20) Chamamos a atenção do camarada Axelrod para esta palavrinha. Vejam só que
horror! Eis onde estão as raízes do "jacobinismo" que vai ao ponto de... modificar a
composição da redação ...
(retornar ao texto)
Parte II
h) Discussão Sobre o Centralismo Antes da Cisão Entre os Iskristas
Antes de passar à questão, verdadeiramente interessante, da formulação do §1. dos
estatutos, questão que indubitavelmente revela diversos matizes de opinião, deter-nos-
emos ainda um pouco na curta discussão geral relativa aos estatutos, que ocupou a 14.ª a
sessão do congresso e parte da 15.º . Esta discussão tem uma certa importância porque
precedeu o completo desacordo na organização do Iskra a propósito da composição dos
centros. Ao contrário, as discussões posteriores sobre os estatutos em geral e a
cooptação em particular tiveram lugar depois do nosso desacordo na organização do
Iskra. E natural que antes do desacordo pudéssemos exprimir os nossos pontos de vista
mais imparcialmente, no sentido de uma maior independência dos nossos pontos de
vista em relação ao problema da composição pessoal do CC, que a todos agitou. O
camarada Mártov, como já assinalei, aderiu (p.157) ao meu ponto de vista em matéria
de organização, com a reserva de discordar em dois pontos de pormenor. Pelo contrário,
tanto os anti-iskristas, como o "centro" entraram imediatamente na liça contra as duas
idéias fundamentais de todo o plano de organização do Iskra (e, em consequência, dos
estatutos na sua totalidade): contra o centralismo e contra os "dois centros". O camarada
Líber referiu-se aos meus estatutos como "desconfiança organizada" e viu (tal como os
camaradas Popov e Egórov) descentralismo nos dois centros. O camarada Akímov
exprimiu o desejo de alargar a esfera de competência dos comitês locais, concedendo-
lhes em particular a eles próprios "o direito de modificar a sua composição". "E preciso
dar-lhes maior liberdade de ação ... Os comitês locais devem ser eleitos pelos militantes
ativos da localidade, tal como o CC é eleito pelos representantes de todas as
organizações ativas da Rússia. Mas se mesmo isto não pode ser concedido, que se limite
então o número de membros que o CC pode designar para trabalhar nos comitês
locais..." (158). Como vedes, o camarada Akímov sugere aqui um argumento contra a
"hipertrofia do centralismo", mas o camarada Mártov continua surdo a estas autorizadas
indicações, enquanto a sua derrota, quanto à composição dos centros, o não leva a
seguir Akímov. Continua surdo mesmo quando o camarada Akímov lhe sugere a "idéia"
dos seus próprios estatutos (§ 7: restrição dos direitos do CC de introduzir membros nos
comitês)! Neste momento, o camarada Mártov não queria ainda "dissonância" conosco,
e é por isso que tolerava a dissonância com o camarada Akímov tal como consigo
próprio ... Neste momento, o "monstruoso centralismo" só era atacado por aqueles a
quem não convinha evidentemente o centralismo do Iskra: era atacado por Akímov,
Líber, Goldblat, seguidos com prudência e precaução (de maneira a poder voltar atrás
em qualquer momento) por Egórov (ver pp. 156 e 276), etc. Neste momento, a imensa
maioria do partido dava-se ainda conta com toda a clareza de que eram os interesses de
capelinha, os interesses de círculo do Bund, do Iújni Rabótchi, etc., que provocavam o
protesto contra o centralismo. De resto, mesmo agora, é claro para a maioria do partido
que são precisamente os interesses de círculo da velha redação do Iskra que provocam o
seu protesto contra o centralismo...
Vede, por exemplo, o discurso do camarada Goldblat (160-161). Ele argumenta contra o
meu centralismo "monstruoso" que, segundo ele, conduz ao "aniquilamento" das
organizações inferiores e "está imbuído da tendência de conceder ao centro um poder
ilimitado, o direito ilimitado de intervir em tudo", que só deixaria às organizações "um
único direito, submeter-se sem um único protesto às ordens vindas de cima", etc. "O
centro previsto pelo projeto encontrar-se-á num espaço vazio, não haverá à sua volta
nenhuma periferia, mas simplesmente uma massa amorfa onde se moverão os seus
agentes executores". Isto é, palavra por palavra, a mesma fraseologia falsa com que os
Mártov e os Axelrod começaram a obsequiar-nos depois da sua derrota no congresso. O
Bund mereceu o riso no congresso quando, lutando contra o nosso centralismo, concede
ao seu próprio centro direitos ilimitados ainda mais claramente especificados (por
exemplo, o direito de introduzir e expulsar membros, e mesmo o de rejeitar delegados
aos congressos). Risos merecerão também, uma vez elucidada a questão, as lamentações
da minoria que clama contra o centralismo e contra os estatutos quando está em
minoria, e que mal se converte em maioria logo se apóia nos estatutos.
Sobre a questão dos dois centros, o agrupamento foi também claramente evidente:
contra todos os iskristas erguem-se também ao mesmo tempo Líber, Akímov (que foi o
primeiro a entoar a cantiga dos Axelrod-Mártov, hoje em moda, sobre o predomínio do
OC sobre o CC no Conselho), Popov e Egórov. O plano dos dois centros decorria
naturalmente das idéias que o antigo Iskra sempre tinha desenvolvido sobre a
organização (e que, em palavras, tinham sido aprovadas pelos Popov e Egórov!). A
política do antigo Iskra opunha-se diametralmente aos planos do Iújni Rabótchi, planos
visando a criação de um órgão popular paralelo e a sua transformação num órgão de
fato predominante. Eis aqui a raiz da contradição, tão a à primeira vista, de todos os
anti-iskristas e todo o pântano serem a de um centro único, isto é, a favor de um
centralismo aparentemente maior. É claro que também houve delegados (sobretudo no
pântano) que quase não compreendiam a que levariam e tinham que levar, pela própria
natureza das coisas, os planos de organização do Jújni Rabótchi. Mas eram impelidos a
seguir os anti-iskrisras pela sua própria natureza indecisa e pouco segura de si.
Entre os discursos dos iskristas durante estes debates (que precederam a cisão entre os
iskristas) sobre os estatutos, são particularmente importantes os dos camaradas Mártov
("adesão" às minhas idéias sobre organização) e Trotski.Este último respondeu aos
camaradas Akímov e Líber de tal forma que cada palavra da sua resposta desmascara o
que há de falso no comportamento que seguiu a "minoria" depois do congresso e nas
teorias que adotou depois do congresso. "Os estatutos - diz ele (o camarada Akimov) -
não definem com suficiente precisão a esfera de competência do CC. Não posso estar de
acordo com ele. Pelo contrário, a definição é precisa e significa: na medida em que o
partido é um todo, é preciso assegurar-lhe o controlo dos comitês locais. O camarada
Líber disse que os estatutos são, para empregar uma expressão minha, a "desconfiança
organizada". E verdade. Só que eu tinha empregado esta expressão ao falar dos estatutos
propostos pelos representantes do Bund, que eram a desconfiança organizada da parte
de um setor do partido face a todo o partido. Em contrapartida os nossos estatutos"
(neste momento, estes estatutos eram "nossos", até à derrota na questão da composição
do centro!) "constituem a desconfiança organizada do partido face a todos os seus
setores, isto é, o controlo de todas as organizações locais, regionais, nacionais e outras"
(158). Sim, os nossos estatutos foram aqui caracterizados com precisão, e nós
aconselhamos a lembrarem-se mais vezes desta caracterização aqueles que, de cons-
ciência tranquila, afirmam agora que foi a astuta maioria que concebeu a idéia e
estabeleceu o sistema da "desconfiança organizada", ou o que vem a dar no mesmo, do
"estado de sítio". Basta comparar o discurso citado com os discursos do congresso da
Liga no Estrangeiro, para obter um modelo de falta de caráter em política, um exemplo
de como mudaram as concepções de Mártov e C.ª, segundo se tratava do seu próprio
organismo coletivo ou do organismo coletivo de outrem, de ordem inferior.
i) O Parágrafo Um dos Estatutos
Citamos já as diferentes fórmulas à volta das quais se desenrolaram interessantes
debates no congresso. Estes debates ocuparam cerca de duas sessões e terminaram com
duas votações nominais (durante todo o congresso houve somente, se não me engano,
oito votações nominais apenas em casos de particular importância, devido à enorme
perda de tempo que acarretam). A questão aqui abordada era sem dúvida uma questão
de princípio. O interesse do congresso pelos debates era imenso. Participaram na
votação todos os delegados, fato raro no nosso congresso (como em qualquer grande
congresso) e que assim testemunha do interesse dos participantes na discussão.
Qual era, pois, a essência da questão em disputa? Já disse no congresso, e repeti-o
depois mais de uma vez, que "não considero de modo nenhum a nossa divergência
(sobre o §1) tão essencial que dela dependa a vida ou a morte do partido. Se houver um
mau artigo nos estatutos, não vamos, de modo algum, morrer por isso!" (p. 250)
(1)
. Esta
diferença em si mesma, ainda que revelando matizes de princípio, não pôde de modo
nenhum provocar a divergência (na realidade, para falar sem rodeios, a cisão) que se
declarou depois do congresso. Mas qualquer pequena divergência pode tornar-se grande
se insistirmos nela, se a colocarmos em primeiro plano, se nos pusermos a investigar
todas as suas raízes e ramificações. Qualquer pequena divergência pode tomar uma
enorme importância, se servir de ponto de partida para uma viragem para certas
concepções erradas e se a estas concepções vierem juntar-se, em virtude de novas
divergências complementares, atos anárquicos que levam o partido à cisao.
Esta era precisamente a situação no caso que examinamos. Uma divergência
relativamente pouco importante sobre o § 1 tomou agora uma importância enorme,
porque foi precisamente o que serviu de ponto de viragem para subtilezas oportunistas e
para a fraseologia anarquista da minoria (sobretudo no congresso da Liga, e depois
também nas colunas do novo iskra). Esta divergência marcou o início da coligação da
minoria iskrista com os anti-iskristas e com o pântano, que adquiriu precisamente
formas acabadas no momento das eleições, e sem a compreensão da qual é impossível
compreender a divergência essencial, fundamental, a da questão relativa à composição
dos centros. O pequeno erro de Mártov e Axelrod a propósito do § um, constituía uma
ligeira fenda no nosso vaso (como eu disse no congresso da Liga). Teria sido possível
amarrar o vaso mais solidamente, como um nó duplo (e não com um nó corrediço, como
tinha julgado ouvir Maróv que, no congresso da Liga, se encontrava num estado
próximo da histeria). Poder-se-ia orientar todos os esforços para aumentar a fenda, para
quebrar vaso. Foi o que aconteceu, em consequência do boicote e de todas as outras
idênticas medidas anárquicas dos zelosos partidários de Mártov. A divergência sobre o
§ 1 teve um papel considerável na questão da eleição dos centros, e a derrota de Mártov
neste ponto levou-o à "luta no terreno dos princípios" por meios grosseiramente
mecânicos e até escandalosos (os discursos do congresso da Liga da Social-Democracia
Revolucionária Russa no Estrangeiro).
Hoje, depois de todos esses acontecimentos, a questão do § um tomou assim uma
enorme importância, e devemos compreender com exatidão, tanto o caráter dos
agrupamentos no congresso ao ser votado este §, como - o que é incomparavelmente
mais importante - o verdadeiro caráter dos matizes de opinião que se revelaram ou
tinham começado a revelar-se com o § um. Hoje, em consequência dos acontecimentos
conhecidos pelo leitor, a questão apresenta-se como se segue: ter-se-á refletido na
fórmula de Mártov defendida por Axelrod, a sua (ou a deles) instabilidade, vacilação e a
sua falta de caráter em política, como disse no congresso do partido (333) o seu, (ou o
deles) desvio para o jauressismo e o anarquismo, como supunha Plekhánov no
congresso da Liga (p. 102 e outras das atas da Liga)? Ou será que a minha fórmula,
defendida por Plekhánov, refletia uma concepção falsa, burocrática, formalista, em
estilo pompadur197 e não social-democrática do centralismo? Oportunismo e
anarquismo ou burocracia e formalismo?: assim está colocada a questão agora, quando a
pequena divergência se tornou grande. E examinando o fundo dos argumentos a favor e
contra a minha fórmula, devemos ter presente precisamente esta maneira de colocar o
problema - eu diria historicamente determinada se não receasse expressões demasiado
pomposas - que os acontecimentos nos impuseram a todos.
Comecemos o exame destes argumentos por uma análise dos debates no congresso. O
primeiro discurso, o do camarada Egórov, só nos interessa pelo fato de a sua atitude
(non liquet, isto ainda não é claro para mim, não sei ainda onde está a verdade) ser
muito característica de bom número de delegados, a quem não era fácil orientar-se numa
questão efetivamente nova, bastante complexa e minuciosa. O discurso seguinte, o do
camarada Axelrod, põe imediatamente a questão no terreno dos princípios. É o primeiro
discurso com este caráter, ou melhor, é em geral o primeiro discurso do camarada
Acelrod no congresso, e é difícil considerar particularmente feliz a sua estréia com o
famoso "professor". "Creio - dizia o camarada Axelrod - que devemos delimitar os
conceitos de partido e organização. Ora estas duas noções são aqui confundidas. Esta
confusão é perigosa." Tal é o pimeiro argumento contra a minha formulção. Mas
examinai-o mais de perto. Quando digo que o partido deve ser uma soma (não uma
simples soma aritmética, mas um complexo) de organizações
(2)
, quer isto dizer que eu
"confundo" dois conceitos, partido e organização? É evidente que não. Exprimo assim,
de maneira absolutamente clara e precisa, o meu desejo, a minha exigência de que o
partido, como destacamento de vanguarda da classe, seja algo o mais organizado
possível, que o partido só aceite nas suas fileiras aqueles elementos que admitem, pelo
menos, um mínimo de organização. Pelo contrário, o meu contraditor confunde no
partido os elementos organizados e os não organizados, aqueles a quem se pode dirigir e
os que se não pode, os elementos avançados e os que são não pode, os elementos
avançados e os que são incorrigivelmente atrasados, porque os atrasados corrigíveis
podem entrar na organização. E esta confusão que é verdadeiramente perigosa. O
camarada Axelrod invoca em seguida as "organizações estritamente conspirativas e
centralistas do passado" ("Terra e Liberdade" e "A Vontade do Povo"): à volta destas
organizações "agrupava-se uma quantidade de pessoas que não pertenciam à
organização, mas que a ajudavam de uma forma ou de outra e eram consideradas
membros do partido... Este princípio deve ser aplicado ainda mais estritamente na
organização social-democrata". Cá chegamos a um dos pontos-chave da questão:" este
princípio" que permite que se intitulem membros do partido pessoas que não pertencem
a nenhuma das suas organizações e que somente "o ajudam de uma maneira ou de
outra" será efetivamente um princípio social-democrata? E Plekhánov deu a esta
pergunta a única resposta possível: "Axelrod não tinha razão quando aludia à década de
70. Havia então um centro bem organizado e admiravelmente disciplinado; este centro
tinha à sua volta organizações de diferentes níveis, criadas por ele próprio, e o que
estava fora dessas organizações era caos e anarquia. Os elementos que constituíam este
caos auto-intitulavam-se membros do partido, mas a causa, longe de ganhar com isso, só
perdia. Não devemos imitar a anarquia da década de 70, mas evitá-la." Assim, "este
princípio", que o camarada Axelrod queria fazer passar por social-democrata, é de fato
um princípio anárquico. Para refutar isto, é preciso demonstrar a possibilidade do
controlo, da direção e da disciplina à margem da organização, é preciso demonstrar a
necessidade de atribuir aos "elementos do caos" o titulo de membros do partido. Os
defensores da fórmula do camarada Mártov não demonstraram, e não podiam
demonstrar, nem uma coisa nem outra. O camarada Axelrod citou, a titulo de exemplo,
"um professor que se considera social-democrata e o declara". Para levar até ao fim o
pensamento ilustrado por este exemplo, o camarada Axelrod deveria perguntar em
seguida: os próprios sociais-democratas organizados consideram tal profressor um
social-democrata? Como não levantou esta segunda questão, Axelrod deixou a sua
argumentação a meio. De fato, das duas uma. Ou os sociais-democratas organizados
reconhecem o professor em questão como um social-democrata, e então porque não
haviam de inclui-lo nesta ou naquela organização social-democrata? Só na condição de
tal integração as "declarações" do professor estarão em conformidade com os seus atos
e não serão apenas frases ocas (ao que de resto se reduzem com demasiada frequência
as declarações professorais). Ou os sociais-democratas organizados não reconhecem o
professor como um social-democrata, e neste caso carece de sentido e é absurdo,
insensato e prejudicial conferir-lhe o direito de usar o título honroso e cheio de
responsabilidade de membro do partido. Trata-se pois de aplicar consequentemente o
princípio de organização, ou consagrar a dispersão e a anarquia. Estamos a construir o
partido tomando como base um núcleo já formado e consolidado de sociais-democratas,
núcleo que, por exemplo, organizou o congresso do partido, e que deve ampliar e
multiplicar todo o tipo de organizações do partido, ou contentamo-nos com a frase
tranquilizadora de que todos os que nos ajudam são membros do partido? "Se adotamos
a fórmula de Lénine - prosseguiu o camarada Axelrod - deitaremos pela borda fora uma
parte dos que, embora ~não possam ser admitidos diretamente na organização, são, no
entanto, membros do partido." A confusão de conceitos de que queria acusar-me o
camarada Axelrod, aparece agora com plena clareza nas suas próprias palavras:
considera já como um fato que todos os que nos ajudam são membros do partido,
enquanto é exatamente este o ponto contestado, e os contraditores devem primeiro,
provar a necessidade e a utilidade de tal interpretação. Qual o significado desta frase à
primeira vista tão terrível: deitar pela borda fora? Se considerarmos membros do partido
apenas os aderentes às organizações que reconhecemos como organizações do partido,
então as pessoas que não possam entrar "diretamente" em nenhuma organização do
partido podem, no entanto, militar numa organização que não seja do partido, mas que
esteja em contato com ele. Por consequência, não se trata de modo algum de deitar pela
borda fora ninguém, isto é, afastar do trabalho, da participação no movimento. Pelo
contrário, quanto mais fortes forem as nossas organizações do partido, englobando
verdadeiros sociais-democratas, quanto menos hesitação e instabilidade houver no
interior do partido, mais larga, mais variada, mais rica e mais fecunda será a influência
do partido sobre os elementos das massas operárias que o rodeiam e por ele são
dirigidos. Com efeito, não se pode confundir o partido, como destacamento de
vanguarda da classe operária, com toda a classe. Ora, é justamente nesta confusão
(característica do nosso economismo oportunista em geral) que cai o camarada Axelrod
quando diz: "Naturalmente, estamos a criar, antes de tudo, uma organização dos
elementos mais ativos do partido, uma organização de revolucionários; mas como
somos um partido de classe, devemos fazer as coisas de modo a não deixar fora do
partido os que, conscientemente, ainda que talvez sem se mostrarem absolutamente
ativos, tenham uma ligação com esse partido." Primeiro, no número dos elementos
ativos do partido operário social-democrata, de modo algum figurarão apenas as
organizações de revolucionários, mas toda uma série de organizações operárias,
reconhecidas como organizações do partido. Segundo, por que razão ou em virtude de
que lógica se poderia deduzir do fato de sermos um partido de classe a consequência de
não ser preciso estabelecer uma distinção entre os que pertencem ao partido e os que
têm uma ligação com o partido? Muito pelo contrário: precisamente devido à existência
dos diferentes graus de consciência e atividade, é necessário estabelecer uma diferença
no grau de proximidade do partido. Nós somos um partido de classe, e é por isso que
quase toda a classe (e em tempo de guerra, num período de guerra civil, absolutamente
toda a classe) deve agir sob a direção do nosso partido, deve ter com o nosso partido a
ligação mais estreita possível. Mas seria manilovismol98 e "seguidismo" pensar que sob
o capitalismo quase toda a classe, ou mesmo toda a classe, estará um dia em condições
de se elevar ao ponto de alcançar o grau de consciência e de atividade do seu
destacamento de vanguarda, do seu partido social-democrata. Nunca nenhum social-
democrata de bom senso duvidou de que sob o capitalismo, mesmo a organização
sindical (mais rudimentar, mais acessível ao grau de consciência das camadas não
desenvolvidas) não está à altura de englobar quase toda ou toda a classe operária. Seria
unicamente enganar-se a si próprio, fechar os olhos sobre a imensidade das nossas
tarefas, restringir essas tarefas, esquecer a diferença entre o destacamento de vanguarda
e toda a massa que pende para ele, esquecer a obrigação constante do destacamento de
vanguarda de elevar camadas cada vez mais amplas ao seu nível avançado. E é precisa-
mente esse fechar dos olhos e esse esquecimento que se comete quando se apaga a
diferença que existe entre os que têm ligação e os que entram, entre os conscientes e os
ativos, por um lado, e os que ajudam, por outro.
Alegar que somos um partido de classe para justificar a dispersão orgânica, para
justificar a confusão entre organização e desorganização, é repetir o erro de Nadéjdine,
que confundia "a questão filosófica e histórico-social das "profundas raízes" do
movimento com uma questão técnica de organização". (Que Fazer/, p.91)
(3)
. É esta
confusão, cujo feliz iniciador foi o camarada Axelrod, que dezenas de vezes repetiram
os oradores que defendiam a fórmula do camarada Mártov. "Quanto mais se difundir o
título de membro do partido, tanto melhor" diz Mártov, sem no entanto explicar qual a
utilidade da ampla difusão de um título que não corresponda ao seu conteúdo. Poe -
negar-se que o controlo dos membros não pertencentes à organização do partido seja
uma ficção? Uma larga difusão de uma ficção não é útil, antes prejudicial. "Só temos
que nos congratular se cada grevista, cada manifestante, tomando a responsabilidade
dos seus atos, puder declarar-se membro do partido" (p. 239). Será verdade? Qualquer
grevista deverá ter o direito de declarar-se membro do partido? Com esta tese, o
camarada Mártov leva de uma assentada o seu erro até ao absurdo, rebaixando a social-
democracia ao grevismo, repetindo as desventuras dos Akímov. Só temos que nos
alegrar se a social-democracia conseguir dirigir cada greve, porque é seu dever direto e
absoluto dirigir todas as manifestações da luta de classe do proletariado, e a greve é uma
das manifestações mais profundas e vigorosas desta luta. Mas seremos seguidistas se
admitirmos que se identifique esta forma elementar de luta, que ipso fato não é mais que
uma forma trade-unionista, com a luta social-democrata, multilateral e consciente.
Oportunisticamente, legitimaremos uma manifesta falsidade, se dermos a cada o direito
de "se declarar membro do partido", porque tal "declaração", num grande número de
casos, será uma declaração falsa. Estaremos a embalar-nos com sonhos manilovianos se
tentarmos persuadir-nós a nós próprios e persuadir os outros que cada grevista pode ser
social-democrata e membro do partido social-democrata, dada a infinita fragmentação,
opressão e embrutecimento que, sob o capitalismo, inevitavelmente continuarão a pesar
sobre setores muito amplos de operários "não instruídos", não qualificados. Justamente
o exemplo do "grevista" mostra com particular clareza a diferença entre a aspiração
revolucionária de dirigir cada greve de uma maneira social-democrata, e a fraseologia
ia, que declara cada grevista membro do partido. Nós somos um partido de classe, na
medida em que dirijamos efetivamente de um modo social-democrata quase toda ou
mesmo toda a classe do proletariado, mas só Akímov e que podem deduzir disso que
devemos identificar em palavras o partido e a classe.
"Não receio uma organização de conspiradores", disse no mesmo discurso o camarada
Mártov; mas, acrescentava, "a organização de conspiradores, para mim, só tem sentido
se envolvida por um amplo partido operário social-democrata" (p. 239). Para ser exato
deveria ter dito: se envolvida por um amplo movimento operário social-democrata. Sob
esta forma, a tese do camarada Mártov não só é indiscutível, como é também um
verdadeiro truísmo. Se me detenho neste ponto, é unicamente porque do truísmo do
camarada Mártov os oradores seguintes deduziram o argumento muito corrente e muito
vulgar, de que Lénine queria "reduzir todo o conjunto de membros do partido a um
conjunto de conspiradores". Esta conclusão, que só nos pode fazer sorrir, foi tirada tanto
pelo camarada Possadóvski, como pelo camarada Popov, e quando Martínov e Akímov
a retomaram, o seu verdadeiro caráter, ou seja, o caráter de frase oportunista, tornou-se
manifesto. Atualmente, este mesmo argumento é desenvolvido no novo Iskra pelo
camarada Axelrod, para dar a conhecer aos leitores os novos pontos de vista da nova
redação sobre organização. Já no congresso, na primeira sessão em que se examinou o §
1, dei-me conta de que os contraditores se queriam servir desta arma barata, e é por isso
que no meu discurso fiz este aviso (p. 240): "Não devemos pensar que as organizações
do partido devam ter apenas revolucionários profissionais. Nós precisamos das mais
diversas organizações, de todas as espécies, de todos os níveis e de todos os matizes,
desde as organizações extremamente restritas e conspirativas, até às extremamente
amplas e livres, lose Organisationen."
(4)
E uma verdade tão patente e evidente que
considerei supérfluo deter-me nela. Mas nos tempo, que correm, quando já nos
arrastaram para trás em muitas e muitas coisas, somos forçados, também aqui, a "repisar
o que já foi dito". Por isso, reproduzirei algumas passagens de Que Fazer? e da Carta a
Um Camarada:
..." Para um círculo de corifeus como Alexéiev e Míchkine, Khaltúrinee Jeliábov, são
acessíveis as tarefas políticas no sentido mais real, mais prático do termo, precisamente
porque, e no grau em que, a sua propaganda ardente encontra eco na massa, que
desperta espontaneamente, porque a sua fervente energia é secundada e apoiada pela
energia da classe revolucionária."
(5)
Para ser um partido social-democrata é preciso
conquistar o apoio precisamente da classe. Não é o partido que deve envolver a
organização de conspiradores, como pensava o camarada Mártov; é a classe
revolucionária o proletariado que deve envolver o partido, que tanto abrangerá as
organizações de conspiradores como as organizações não conspiradoras.
... "As organizações operárias para a luta econômica devem ser organizações sindicais.
Todo o operário social-democrata deve, dentro do possível apoiar estas organizações e
nelas trabalhar ativamente ... Mas é absoluta mente contrário aos nossos interesses
exigir que só os sociais-democratas. possam ser membros das uniões profissionais já
que isso reduziria a nossa influência sobre a massa. Que participe na união profissional
todo o operário que compreenda a necessidade da união para a luta contra os patrões e o
governo. O próprio objetivo das uniões profissionais seria inexequível se não
agrupassem todos os operários capazes de compreender, ainda que mais não fosse, esta
noção elementar, se estas uniões profissionais não fossem organizações muito amplas. E
quanto mais amplas forem estas organizações, tanto mais ampla será a nossa influência
nelas, influência exercida não somente pelo desenvolvimento "espontâneo" da luta
econômica, mas também pela ação consciente e direta dos membros socialistas das
uniões sobre os seus camaradas" (p. 86)
(6)
. Diremos de passagem que o exemplo dos
sindicatos é particularmente característico para emitir um juízo sobre o problema em
discussão respeitante ao § 1. Que os sindicatos devam trabalhar "sob controlo e direção"
das organizações sociais-democratas, a este respeito não pode haver duas opiniões entre
os sociais-democratas. Mas partir desta base para dar a todos os membros destes
sindicatos o direito de "se declararem" membros do partido social-democrata seria um
absurdo evidente e representaria a ameaça de um duplo dano: por um lado, reduzir as
dimensões do movimento sindical e enfraquecer a solidariedade operária neste domínio.
Por outro lado, abrir as portas do partido social-democrata à confusão e à vacilação. A
social-democracia alemã teve que resolver um problema semelhante em circunstâncias
concretas aquando do famoso incidente dos pedreiros de Hamburgo que trabalhavam à
tarefal199. A social-democracia não hesitou um momento em reconhecer que o a ação
dos fura-greves era indigna do ponto de vista de um social-democrata, ou seja, em
reconhecer a direção das greves, o apoio às mesmas como coisa sua própria; mas ao
mesmo tempo rejeitou com não menos decisão a exigência de identificar os interesse do
partido com os interesses das uniões profissionais, de lazer o partido responsável dos
diversos passos dos diferentes sindicatos.O partido deve aplicar-se, e aplicar-se-á, a
impregnar do seu espírito, a submeter à sua influência as uniões profissionais, mas
precisamente no interesse desta influência deve distinguir nestas uniões os elementos
plenamente sociais-democratas (que pertencem ao partido social-democrata) dos que
não são inteiramente conscientes nem inteiramente ativos sob o ponto de vista político,
e não deve confundir uns e outros, como quer o camarada Axelrod.
... "A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários
não debilitará, antes reforçará, a amplitude e o conteúdo da atividade de uma grande
quantide de outras organizações destinadas ao grande público e, por consequência, o
menos regulamentadas e o menos clandestinas possível: sindicatos operários, círculos
operários de auto-didatas e de leitura de literatura ilegal, círculos socialistas, círculos
democráticos para todos os outros setores da população, etc., etc. Estes círculos,
sindicatos e organizações são necessários por toda a parte, é preciso que sejam o mais
numerosos e as suas funções as mais variadas possível, mas é absurdo prejudicial
confundir estas organizações com a dos revolucionários, apagar as fronteiras que
existem entre elas" ... (p. 96)
(7)
Esta passagem mostra quão despropositadamente o
camarada Mártov me recordou que amplas organizações operárias devem envolver a
organização de revolucionários. Eu já tinha assinalado isso em Que Fazer? e desenvolvi
esta idéia de forma mais concreta na Carta a Um Camarada. Os círculos de fábricas,
escrevia eu na referida carta, "são particularmente importantes para nós; com efeito, a
principal força do movimento reside no grau de organização dos operários das grandes
fábricas, visto que as grandes empresas (e fábricas) englobam a parte predominante da
classe operária, não só pelo seu número mas mais ainda pela sua influência, pelo seu
desenvolvimento, pela sua capacidade de luta. Cada fábrica deve ser uma fortaleza
nossa ... O subcomitê de fábrica deve esforçar-se por englobar toda a fábrica, o maior
número possível de operários, numa rede de todo o tipo de círculos (ou agentes) ...
Todos os grupos, círculos, subcomitês, etc., devem ter o estatuto de organismos
dependentes do comitê ou de filiais do mesmo. Alguns deles declararão francamente o
seu desejo de entrar no Partido Operário Social-Democrata da Rússia, e passarão a fazer
parte do partido no caso de serem aprovados pelo comitê; assumirão (por indicação do
comitê ou de acordo com ele) certas funções, comprometer-se-ão a submeter-se às
disposições dos organismos do partido, receberão os direitos de todos os membros do
partido, serão considerados os candidatos mais próximos a membros do comitê, etc.
Outros não entrarão para o POSDR, continuarão na situação de círculos, organizados
por membros do partido, ou pessoas ligadas a este ou aquele grupo do partido, etc." (pp.
17-18)
(8)
. Das palavras que sublinhei ressalta com particular clareza que a idéia da
minha formulação do § 1 está já integralmente expressa na Carta a Um Camarada. As
condições de admissão no partido são aqui claramente indicadas, a saber: 1. um certo
grau de organização e 2. confirmação por um comitê do partido. Uma página mais
abaixo, indico aproximadamente os grupos e organizações que devem (ou não devem)
ser admitidos no partido e por que razões: "Os grupos de distribuidores devem pertencer
ao POSDR e conhecer um determinado número dos seus membros e dos seus
funcionários. Os grupos que estudam as condições profissionais do trabalho e elaboram
projetos de reivindicações profissionais não têm necessariamente que pertencer ao
POSDR. Os grupos de estudantes, de oficiais do exército, de empregados que fazem a
sua auto-educação com a colaboração de um ou dois membros do partido, por vezes não
devem sequer saber que estes pertencem ao partido, etc."(pp.18-19)
(9)
E aqui tendes novos materiais sobre a questão da "viseira levantada"! Ao passo que a
fórmula do rojeto do camarada Mártov nem sequer toca nas relações entre o partido e as
organizações, eu indicava já acerca de um ano do congresso que certas organizações
deviam entrar no partido e outras não. Na Carta a Um Camarada destaca-se já
claramente a idéia que defendi no congresso. A questão poderia apresentar-se
grafícamente da seguinte forma Segundo o grau de organização em geral, e do grau de
clandestinidade da organização em particular, podemos aproximadamente distinguir as
categorias: 1. organizações de revolucionários; 2. organizações de operários, tão amplas
e variadas possível (limito-me à classe operária, supondo como coisa que se subentende
por si própria o fato de que certos elementos de outras classes delas façam igualmente
parte em certas condições). Estas duas categorias formam o partido. A seguir, 3.
organizações operárias ligadas ao partido; 4. organizações operárias não ligadas ao
partido, mas de fato submetidas ao seu controle e direção; 5. elementos não organizados
da classe operária que em parte se submetem igualmente, pelo menos durante as grandes
manifestações da luta de classes, à direção da social-democracia. Eis como
aproximadamente se apresentam as coisas do meu ponto de vista. Pelo contrário, do
ponto de vista do camarada Mártov as fronteiras do partido ficam absolutamente
indeterminadas, por que "qualquer grevista" pode " declar-se membro do partido". Qual
é o proveito de tal imprecisão? A ampla difusão do "título". O seu prejuízo consiste em
provocar a idéia desorganizadora da confusão da classe como o partido.
Para ilustrar os princípios gerais que expusemos, lançaremos ainda uma breve vista de
olhos à posterior discussão no congresso acerca do §1. O camarada Brúker (para alegria
do camarada Mártov) pronunciou-se a favor da minha fórmula, mas verificou-se que a
sua aliança comigo, contrariamente à aliança do camarada Akímov com Mártov,
baseava-se num mal-entendido. O camarada Brúker "não está de acordo com os
estatutos no seu conjunto nem com todo o seu espírito" (p. 239), e defende a minha
fórmula como base da democracia que desejavam os partidários da Rabótcheie Dielo. O
camarada Brúker ainda não se elevou ao ponto de vista de que na luta política, por
vezes, é preciso escolher o mal menor; o camarada Brúker não se apercebeu de que era
inútil defender a democracia num congresso como o nosso. O camarada Akímov
mostrou-se mais perspicaz. Colocou a questão de modo absolutamente exato quando
reconheceu que "os camaradas Mártov e Lenine discutem a questão de saber qual (das
fórmulas) Atinge melhor o seu objetivo comum" (p.252). "Brúker e eu - continua
queremos escolher a que menos atinja o objetivo. Eu, neste sentido, escolho a fórmula
de Mártov." EE o camarada Akímov explicou com franqueza que "o próprio objetivo
dele" (de Plekhánov, Mártov e meu; isto é, criação de uma organização dirigente de
revolucionários) o considera "irreversível e prejudicial"; tal como o camarada Martínov
(10)
defende a idéia dos economistas de que não é necessária "a organização de
revolucionários". Ele "tem uma profunda fé em que a vida acabará por impor-se na
nossa organização de partido, independentemente de lhe fechardes o caminho com a
fórmula de Mártov ou com a fórmula de Lénine". Não valeria a pena que nos
detivéssemos nesta concepção "seguidista" da "vida" se não tropeçássemos com ela
também nos discursos do camarada Mártov. O segundo discurso do camarada Mártov
(p. 245) é, em geral, tão interessante que vale a pena examiná-lo em pormenor.
Primeiro argumento do camarada Mártov: o controlo das organizações do partido sobre
os membros do partido não pertencentes a essas organizações "é realizável porquanto o
comitê ao atribuir a qualquer pessoa uma função determinada pode controlar o seu
cumprimento" (p. 245). Esta tese é altamente característica, pois "denuncia", se é que
nos podemos permitir esta expressão, a quem é necessária e a quem servirá na realidade
a fórmula de Mártov: a intelectuais isolados ou a grupos operários e às massas
operárias? Porque da fórmula de Mártov são possíveis duas interpretações: 1) tem o
direito de "se declarar" (palavras do próprio camarada Mártov) membro do partido todo
aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a direção de uma das suas
organizações; 2) qualquer organização do partido tem o direito de reconhecer como
membro do partido todo aquele que lhe preste uma colaboração pessoal regular sob a
sua direção. Só a primeira interpretação permite, com efeito, a "qualquer grevista"
dizer-se membro do partido, e, por isso mesmo, só esta interpretação conquistou
imediatamente os corações dos Líber, dos Akímov e dos Martínov. Mas esta
interpretação é manifestamente uma frase, porque pode englobar toda a classe operária,
e a diferença entre o partido e a classe é apagada; só "simbolicamente" se pode falar em
controlo e direção de "qualquer grevista". Eis porque o camarada Mártov, no seu
segundo discurso, se desviou logo para a segunda interpretação (ainda que, diga-se entre
parêntesis, ela tenha sido explicitamente rejeitada pelo congresso, que não aprovou a
resolução de Kóstitch200, p. 255): o comitê atribuirá funções e controlará o seu
cumprimento. Naturalmente, tais missões especiais nunca existirão em relação à massa
dos operários, aos milhares de proletários (de que falam o camarada Axelrod e o
camarada Martínov); mas, muitas vezes elas serão confiadas precisamente aos
professores mencionados por Axelrod, aos estudantes de liceu com quem se
preocupavam o camarada Líber e o camarada Popov (p. 241), à juventude
revolucionária de que falava o camarada Axelrod no seu segundo discurso (p. 242).
Numa palavra: ou a fórmula do camarada Mártov ficará reduzida a letra morta, a frase
oca, ou então servirá principalmente e quase exclusivamente "a intelectuais
completamente imbuídos de individualismo burguês" e que não querem entrar numa
organização. Em palavras, a fórmula de Mártov parece defender os interesses das largas
camadas do proletariado. Mas, de fato, esta fórmula servirá os interesses da
intelectualidade burguesa, que receia a disciplina e organizações proletárias. Ninguém
ousará negar que o que caracteriza, de um modo geral, a intelectualidade como uma
camada especial nas sociedades capitalistas contemporâneas é justamente o seu
individualismo e a sua incapacidade para se submeter à disciplina e à organização (ver,
por exemplo, os conhecidos artigos de Kautsky sobre a intelectualidade); nisso é que
reside, entre outras coisas, a diferença desvantajosa entre esta camada social e o
proletariado; nisto reside uma das razões que explicam a fraqueza e instabilidade da
intelectualidade, que o proletariado tantas vezes sentiu. E esta particularidade da
intelectualidade está inseparavelmente ligada às suas condições habituais de vida, ao seu
modo de ganhar a vida, que se aproximam em muitíssimos aspectos das condições de
existência pequeno-burguesa (trabalho individual ou em coletivos muito pequenos, etc.).
Enfim, também não é por acaso que justamente os defensores da formula do camarada
Mártov tiveram que citar o exemplo de professores e estudantes de liceu! Nos debates
sobre o §1 não foram os campeões uma ampla luta proletária que se levantaram contra
os campeões de uma organização radical conspirativa, como pensavam os camaradas
Martínov e Axelrod, mas os partidários do individualismo intelectual burguês que se
defrontaram com os partidários da organização e disciplina proletárias.
O camarada Popov disse: "Em toda a parte, em Petersburgo como em Nikoláiev ou em
Odessa, há, segundo o testemunho dos representantes dessas cidades, dezenas de
operários que difundem literatura, que fazem agitação oral e que não podem ser
membros da organização. Podemos acrescentá-los à organização, mas não considerá-los
membros" (p. 241). Porque não podem ser membros da organização? Só o camarada
Popov conhece o segredo. Já citei atrás uma passagem da Carta a Um Camarada, que
demonstra que justamente a admissão de todos estes operários (às centenas e não às
dezenas) nas organizações é possível e necessária, e que grande número destas
organizações podem e devem pertencer ao partido.
Segundo argumento do camarada Mártov: "Para Lénine, não há no partido outras
organizações que as do partido" ... Absolutamente exato! "Na minha opinião, pelo
contrário, tais organizações devem existir. A vida cria e multiplica organizações muito
mais rapidamente do que nós conseguimos integrá-las na hierarquia da nossa
organização combativa de revolucionários profissionais"... Isto é falso em dois sentidos:
1) a "vida" cria muito menos organizações eficientes de revolucionários do que as que
são necessárias ao movimento operário; 2) o nosso partido deve ser hierarquia, não só
das organizações de revolucionários, mas também da massa das organizações operárias
... "Lénine crê que o CC só concederá o titulo de organizações do partido às que forem
absolutamente seguras no campo dos princípios. Mas o camarada Brúker compreende
muito bem que a vida (sic!) se imporá, e que o CC, para não deixar numerosas
organizações fora do partido, será obrigado a legalizá-las mesmo que não sejam
completamente seguras. É precisamente por isso que o camarada Brúker se junta a
Lénine"... Esta e uma concepção realmente seguidista da "vida"! E evidente que, se o
CC , nesse caso a "vida impor-se-ia" no sentido de os elementos mais atrasados do
partido poderem predominar (como também aconteceu agora que se formou uma
"minoria" no partido com os elementos atrasados). Mas é impossível invocar um único
motivo racional que possa obrigar um CC inteligente a admitir no partido elementos
"que não sejam seguros". É precisamente com esta alusão à "vida" que "cria" elementos
não seguros etc. que o camarada Mártov põe em evidência o caráter oportunista do seu
plano de organização! ... "Quanto a mim, pelo contrário - prossegue - penso que se uma
organização deste tipo (que não é completamente segura) consente em aceitar o
programa do partido e o controlo do partido, nós podemos admiti-la no partido, sem
que, por isso, façamos dela uma organização do partido. Consideraria um grande triunfo
do nosso partido se, por exemplo, qualquer união de "independentes" decidisse aceitar o
ponto de vista da social-democracia e o seu programa, e entrar no partido, o que todavia
não significaria que integrássemos essa união na organização do partido" ... Eis aqui a
que confusão leva a fórmula de Mártov: organizações sem partido que pertencem ao
partido! Imaginai só o seu esquema: o partido = 1) organizações de revolucionários, +
2) organizações operárias não reconhecidas como organizações do partido, + 3)
organizações operárias não reconhecidas como organizações do partido (principalmente
formadas por "independentes"), + 4) indivíduos encarregados de diversas funções,
professores, estudantes de liceu, etc., + 5) "qualquer grevista". Ao lado deste notável
plano só podemos colocar as palavras do camarada Liber: "A nossa tarefa não é
exclusivamente organizar uma organização (!!), mas podemos e devemos organizar o
partido" (p. 241). Sim, com certeza, podemos e devemos fazê-lo, mas para isso são
necessárias não as palavras vazias de sentido sobre "organizar organizações", mas sim
exigir diretamente aos membros do partido que realizem efetivamente um trabalho de
organização. Falar de "organizar o partido" e defender que se encubra com a palavra
partido toda a espécie de desorganização e dispersão é falar por falar.
"A nossa fórmula - diz o camarada Mártov - exprime a aspiração de que exista entre a
organização de revolucionários e a massa uma série de organizações." Não é isso,
precisamente. Esta aspiração, verdadeiramente obrigatória, é justamente o que a fórmula
de Mártov não exprime, pois não estimula a organizar-se, não contém a exigência de
organizar-se, não separa o organizado do inorganizado. Não dá senão um título
(11)
, e a
propósito disto não podemos deixar de lembrar as palavras do camarada Axelrod: "Não
há decretos que possam proibi-los (aos círculos da juventude revolucionária, etc.) e a
pessoas isoladas, de se dizerem sociais-democratas" (santa verdade!) "ou até de se
considerarem parte integrante do partido" ... Isto já é absolutamente falso! Proibir
alguém de se dizer social-democrata é impossível, e é inútil, porque esta palavra apenas
exprime diretamente um sistema de convicções, e não relações determinadas de
organização. Proibir círculos e pessoas isoladas de "se considerarem parte integrante do
partido" é possível e necessário, quando esses círculos e pessoas prejudicam a causa do
partido, o corrompem ou o desorganizam. Seria ridículo falar de um partido, como de
um todo, como de uma grandeza política, se ele não pudesse "proibir por decreto" a um
círculo "considerar-se parte integrante" do todo! De que serviria então fixar um método
e condições para a expulsão do partido? O camarada Axelrod levou com evidência ao
absurdo o erro fundamental do camarada Mártov; erigiu mesmo este erro em teoria
oportunista quando acrescentou: "Na fórmula de Lénine, o §1 está manifestamente em
contradição de princípios com a própria essência (!!) e com as tarefas do partido social-
democrata do proletariado" (p. 243). Isto significa, nem mais nem menos, o seguinte: o
exigir mais do partido que da classe contradiz de princípio a própria essência das tarefas
do proletariado. Não é de espantar que Akímov tenha defendido com todas as suas
forças semelhante teoria!
A justiça exige que se diga que o camarada Axelrod, que agora quer converter esta
fórmula errada, que manifestamente tende para o oportunismo, em gérmen de novas
opiniões, no congresso, pelo contrário, mostrou-se disposto a "negociar" tendo dito:
"Mas dou-me conta de que estou a arrombar uma porta aberta" ... (disto mesmo me dou
eu conta no novo Iskra)... "porque o camarada Lénine, com os seus círculos da periferia,
que se consideram partes integrantes da organização do partido, antecipa-se à minha
exigência"... (e não só com os círculos da periferia, mas também com toda a espécie de
uniões operárias: cf. p. 242 das atas, o discurso do camarada Strákhov, e as passagens
citadas anteriormente de Que Fazer? e da Carta a Um Camarada) ... "Restam ainda as
pessoas isoladas, mas também nisto poderíamos negociar." Respondi ao camarada
Axelrod que, falando não era contrário a negociar
(12)
, e tenho de esclarecer agora em
que sentido disse. É precisamente no respeitante às pessoas isoladas, todos esses
professores, estudantes de liceu e outros, que eu teria feito menos concessões; mas se se
tivesse tratado de uma dúvida acerca das organizações operárias, eu consentiria (apesar
de tais dúvidas carecerem absolutamente de fundamento, como demonstrei mais atrás)
em acrescentar ao meu § 1 uma nota aproximadamente do seguinte teor: "As
organizações operárias que aceitarem o programa e os estatutos do Partido Operário
Social-Democrata da Rússia devem ser no maior número possível incluídas nas
organizações do partido." E claro que, falando com rigor, o lugar de tal desejo não é nos
estatutos, que devem limitar-se a definições jurídicas, mas em comentários de
esclarecimento, em brochuras (e já referi que, muito antes dos estatutos, eu tinha dado
explicações neste sentido em brochuras minhas; mas, pelo menos, tal nota não
encerraria nem sombras dessas idéias falsas, que pudessem levar à desorganização, nem
sombras de raciocínios oportunistas
(13)
, nem de "concepções anarquistas" que a fórmula
do camarada Mártov contém indubitavelmente.
A última expressão, que citei entre aspas, pertence ao camarada Pavlóvitch que, com
muita justeza, qualificou de anarquismo o fato de reconhecer como membros elementos
"irresponsáveis e que se incluem a si próprios no partido". "Traduzida em linguagem
corrente - dizia Pavlóvitch, explicando a minha fórmula ao camarada Líber - ela
significa: "Se queres ser membro do partido, tens que reconhecer também as relações de
organização, e não apenas de uma maneira platônica." Ainda que simples, esta
"tradução" mostrou, no entanto, não ser supérflua (como o demonstraram os
acontecimentos posteriores ao congresso), não só para os diversos professores e
estudantes de liceu duvidosos, mas também para os mais autênticos membros do
partido, para as pessoas de cima ... O camarada Pavlóvitch assinalou com não menos
razão a contradição entre a fórmula do camarada Mártov e o princípio indiscutível do
socialismo científico, que com tanta infelicidade citou o camarada Mártov: "O nosso
partido é o intérprete consciente de um processo inconsciente." Exatamente. E é
precisamente por isso que é errado querer que "qualquer grevista" possa intitular-se
membro do partido, porque, se "qualquer greve" não fosse simplesmente a expressão
espontânea de um poderoso instinto de classe e de luta de classes que conduz
inevitavelmente à revolução social, mas fosse uma expressão consciente deste processo,
então ... então a greve geral não seria uma frase anarquista, então o nosso partido
englobaria imediatamente, de uma só vez, toda a classe operária e, por consequência,
acabaria também, de uma só vez, com toda a sociedade burguesa. Para ser
verdadeiramente um intérprete consciente, o partido deve saber estabelecer relações de
organização que assegurem um certo nível de consciência e elevem sistematicamente
este nível. "Para seguir o caminho de Mártov - diz o camarada Pavlóvitch - é preciso
primeiramente suprimir o ponto relativo ao reconhecimento do programa, porque, para
aceitar um programa, é preciso assimilá-lo e compreendê-lo ... Reconhecer o programa
implica um nível bastante elevado de consciência política." Jamais admitiremos que o
apoio à social-democracia, que a participação na luta por ela dirigida sejam
artificialmente limitados seja por que exigência for (assimilação, compreensão, etc.),
por-que essa mesma participação, pelo simples fato de se afirmar, eleva a consciência e
os instintos de organização; mas já que nos agrupamos num partido para um trabalho
metódico, devemos cuidar de assegurar este caráter metódico.
Que a advertência do camarada Pavlóvitch sobre o programa não foi supérflua, viu-se
imediatamente nessa mesma sessão. Os camaradas Akímov e Líber, que haviam feito
triunfar a fórmula do camarada Mártov
(14)
, imediatamente revelaram a sua verdadeira
natureza ao exigir (pp. 254-255) que (para "ser membro" do partido) se reconhecesse
também o programa apenas de um modo platônico, apenas nos "seus princípios
fundamentais". "A proposta do camarada Akímov é perfeitamente lógica do ponto de
vista do camarada Mártov", observou o camarada Pavlóvitch. Infelizmente, as atas não
nos dizem quantos votos teve a proposta de Akímov - pelo menos sete, segundo todas as
probabilidades (cinco bundistas, Akímov e Brúker). E a saída precisamente dos sete
delegados do congresso transformou a "compacta maioria" (anti-iskristas, "centro" e
partidários de Mártov), que se tinha começado a formar à volta do §1 dos estatutos,
numa compacta minoria! A saída precisamente dos sete delegados provocou a derrota
da proposta de confirmação da velha redação, o que teria sido uma flagrante violação da
"continuidade" na direção do Iskra! E o original grupo dos sete era a única salvação e o
único penhor da "continuidade" iskrista: este grupo era constituído pelos bundistas,
Akimov e Brúker, ou seja, precisamente, pelos delegados que votaram contra os
motivos de reconhecimento do Iskra como Órgão Central, aqueles cujo oportunismo
dezenas de vezes tinha sido reconhecido pelo congresso, e designadamente por Mártov
e Plekhánov, a propósito de suavizar o §1 respeitante ao programa. A "continuidade" do
Iskra salvaguardada pelos anti-iskristas! - aproximamo-nos aqui do nó da tragicomédia
posterior ao congresso.
* * *
O agrupamento de votos sobre o § um dos estatutos revelou um fenômeno exatamente
do mesmo gênero que o incidente da igualdade de direitos das línguas: a separação de
um quarto (aproximadamente) da maioria iskrista torna possível a vitória dos anti-
iskristas seguidos pelo "centro". Também aqui, bem entendido, há votos isolados que
alteram a harmonia do quadro: numa assembléia tão numerosa como o nosso congresso,
encontram-se infalivelmente elementos "selvagens", que se inclina por casualidade, ora
para um lado, ora para outro, sobretudo a propósito uma questão como o § um, em que o
verdadeiro caráter de divergência apenas começava a desenhar-se e muitos na realidade
não conseguiam ainda orientar-se (por se não ter tratado previamente do problema na
literatura). Dos iskristas da maioria afastaram-se cinco votos (Rússove Kárski, cada um
com dois votos, e Lénski com um voto); em contrapartida, a ela se juntaram um anti-
iskrista (Brúker) e três do centro (Medvédev, Egórov e Tsariov); daqui resultou um total
de 23 votos (24 -5 + 4), um voto menos que agrupamento definitivo nas eleições. A
maioria foi dada a Mártov pelo anti-iskristas, dos quais 7 eram a favor dele e um a meu
favor (sete do "centro" eram também a favor de Mártov, três a meu favor). A coliga
minoria iskrista com os anti-iskristas e o "centro", que constituiu uma minoria compacta
no fim do congresso e depois do congresso, comçava formar-se. O erro político de
Mártov e Axelrod, que deram indubitavelmente um passo para o oportunismo e o
individualismo anarquista na formulação do § um e, sobretudo na defesa dessa fórmula,
logo se revelou com particular relevo graças à arena livre e aberta do congresso;
revelou-se pelo fato de os elementos menos estáveis e menos firmes no campo dos
princípios terem lançado imediatamente todas as suas forças para alargar a fenda, a
brecha que se tinha aberto nas opiniões da social-democracia revolucionária. O trabalho
conjunto no congresso por pessoas que prosseguiam abertamente, no domínio da
organização, objetivos diferentes (ver o discurso de Akímov), levou imediatamente os
adversários de princípio do nosso plano de organização e dos nossos estatutos a
apoiarem o erro dos camaradas Mártov e Axelrod. Os iskrisras, que também neste ponto
se tinham mantido fiéis aos pontos de vista da social-democracia revolucionária,
encontraram-se em minoria. Esta é uma circunstância de enorme importância porque,
sem a ter esclarecido, é absolutamente impossível compreender quer a luta por
particularidades dos estatutos, quer a luta pela composição pessoal do Órgão Central e
do Comitê Central.
Notas: Parte II
(1) Ver V.I. Lenine. Obras Cpompletas, 5ª ed. Em russo, t.7 p. 287 (n.Ed)
(retornar ao
texto)
(2) A palavra "organização" costuma usar-se em dois sentidos, lato e restrito. Em
sentido restrito, significa uma célula individual de uma coletividade humana, e que
adquiriu um grau mínimo de estruturação. Em sentido lato, significa a soma dessas
células reunidas num todo. Por exemplo, a marinha, o exército, o Estado são ao mesmo
tempo uma soma de organizações (no sentido restrito da palavra) e uma variedade de
organização social (no sentido lato da palavra). O departamento de instrução pública é
uma organização (no sentido lato da palavra) e é composto por uma série de
organizações (no sentido restrito da palavra). Do mesmo modo, o partido é também uma
organização, deve ser uma organização (no sentido lato da palavra; mas ao mesmo
tempo o partido deve ser composto por toda uma série de organizações diversas (no
sentido restrito da palavra). Daí que o camarada Axelrod, ao falar da delimitação dos
conceitos de partido e de organização, primeiro, não atendeu à diferença entre sentido
lato e sentido restrito da palavra organização, em segundo lugar não reparou que ele
próprio confundiu num mesmo monte os elementos organizados e os não
organizados.
(retornar ao texto)
(3) Veja o presente tomo, p. 164, - (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(4) Ver V. I. Lenine, Obras Completas, 5º ed. Em russo, t.7, p. 287. (N. Ed.)
(retornar ao
texto)
(5) Ver o presente tomo p. 154 (N.Ed.)
(retornar ao texto)
(6) Ver o presente tomo p. 159 (N.Ed.)
(retornar ao texto)
(7) Ver o presente tomo, º 168. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(8) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5ª ed. Em russo, t.7, pp 15, 18-19 (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(9) Ver Ibidem, p. 19 (N.Ed.)(retornar ao texto)
(10) O camarada Martínov, de resto, quer distinguir-se do camarada Akímov, quer
demonstrar que conspirativo não quer dizer clandestino, que a diferença existente entre
estas duas palavras envolve uma diferença de conceitos. Mas sem o camarada Marínov
nem o camarada Axelrod, que agora segue no seu brilho, explicaram afinal em que
consiste essa diferença. O camarada Martínov "faz como se" eu, por exemplo, em Que
Fazer? (do mesmo modo que em As Tarefas (ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5.ª ed.
Em russo, t.2, pp.433-470. - (n.Ed.)) não me tivesse declarado terminantemente contra
"reduzir a luta política a uma conspiração". O camarada Martínov quer forçar os seus
ouvintes a esquecer que aqueles contra quem eu lutava não viam a necessidade de uma
organização de revolucionários, como tão pouco não a vê agora o camarada
Akímov.
(retornar ao texto)
(11) No congresso da Liga, o camarada Mártov expôs ainda a favor da sua fórmula um
outro argumento que provoca o riso. Nós poderíamos indicar - diz - que a fórmula de
Lénine, entendida à letra, elimina do partido os agentes do CC, visto que estes não
constituem uma organização" (p. 59). Esse argumento foi igualmente acolhido com
risos no congresso da Liga, como consta das atas. O camarada Mártov supõe que a
"dificuldade" por ele assinalada só pode ser resolvida se os agentes do CC passarem a
fazer parte de uma "organização do CC". Mas o problema não consiste nisto. Consiste
em que, com o seu exemplo, o camarada Mártov mostrou claramente uma total
incompreensão da idéia do § 1, deu o exemplo de uma crítica puramente pedante que de
fato merece o riso. Formalmente, bastaria constituir uma organização de agentes do
CC", redigir uma resolução sobre a sua inclusão no partido, e a "dificuldade", que
causou tantos quebra-cabeças ao camarada Mártov, desapareceria imediatamente. Mas a
idéia do § 1 na minha fórmula consiste no estímulo: "Organizai-vos!" em assegurar um
controle e uma direção reais.. Quanto ao fundo da questão, é ridículo perguntar se os
agentes do CC, se incluirão no partido, porque ao o controle real da sua atividade é
plena indubitavelmente assegurado pelo próprio fato de terem sido designados como
agentes, pelo próprio fato de continuarem nesse cargo. Por conseguinte, não se pode
aqui falar sequer de confusão entre o organizado e o inorganizado (base do erro da
fórmula do camarada Mártov). A fórmula do camarada Mártov não serve porque todos e
cada um podem declarar-se membros do partido, qualquer oportunista, qualquer
charlatão, qualquer "professor", qualquer "estudante de liceu". O camarada Mártov
procura em vão escamotear este calcanhar de Aquiles da sua fórmula, com exemplos
nos quais não está sequer em questão que alguém se inclua a si mesmo na categoria de
membro, se declare membro.
(retornar ao texto)
(12) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5º ed. Em russo, t. 7, p. 287. (N. Ed.)
(retornar
ao texto)
(13) Entre esses raciocínios, que surgem inevitavelmente quando se tenta fundamentar a
fórmula de Mártov, conta-se cm particular a frase do camarada Trótski (pp. 248 e 346)
de que "o oportunismo se deve a causas mais complexas (ou: é determinado por causas
mais profundas) que um ou outro ponto dos estatutos; deve-se ao nível relativo de
desenvolvimento da democracia burguesa e do proletariado" ... Não se trata de que os
pontos dos estatutos possam dar lugar ao oportunismo, mas sim de forjar com eles uma
arma mais ou menos acerada contra o oportunismo. Quanto mais profundas forem as
suas causas, mais acerada deve ser essa arma. Por isso justificar com as "causas
profundas" do oportunismo uma fórmula que lhe abre as portas, é seguidismo da mais
pura água. Quando o camarada Trótski era contra o camarada Líber, ele compreendia
que os estatutos são a "desconfiança organizada" do todo para com a parte, do
destacamento de vanguarda para com o atrasado! Mas quando o camarada Trótskí
colocou ao lado do camarada Líber, esqueceu-se de tudo isso e chegou mesmo a
justificar a fraqueza e inconstância da nossa organização desta desconfiança
(desconfiança para com o oportunismo) com "causas complexas", com o "nível de
desenvolvimento do proletariado", etc. Outro argumento do camarada Trótski: "Para a
juventude intelectual, organizada de uma maneira ou de outra, é muito mais fácil
incluir-se a si própria (o sublinhado é meu) nas listas do partido." Justamente. Eis a
razão por que a fórmula segundo a qual até os elementos inorganizados se declaram
membros do partido peca pela sua imprecisão, própria de intelectuais, e não a minha,
que suprime o direito de "se incluir a si próprio" nas listas. O camarada Trótski diz que
se o CC "não reconhece" uma organização de oportunistas é exclusivamente em virtude
do caráter das pessoas, e se essas pessoas forem conhecidas como individualidades
políticas, não serão perigosas, podem ser afastadas por meio do boicote de todo o
partido. Isto é verdade apenas para os casos em que é preciso afastar do partido (e
mesmo assim é apenas meia verdade, porque um partido organizado afasta por votação
e não por boicote). É completamente falso para os casos, muito mais frequentes, em que
é absurdo afastar, em que é preciso simplesmente controlar. Com fins de controlo, o CC
pode intencionalmente admitir no partido, sob certas condições, uma organização não
totalmente segura mas apta para o trabalho, para assim apor à prova, para tentar levá-la
para o bom caminho, para paralisar, dirigindo-a, os seus desvios parciais, etc. Uma
admissão deste gênero não é perigosa se, de um modo geral, não for permitido "incluir-
se a si próprio" nas listas do partido. Uma inclusão deste tipo será muitas vezes útil para
que se exprimam (e se examinem) com franqueza e responsabilidade, sob controlo, os
pontos de vista errados e a tática errada. "Mas se as definições jurídicas devem
corresponder às relações reais, tem que ser rejeitada a fórmula do camarada Lénine", diz
o camarada Trótski, e mais uma vez o diz como um oportunista. As relações reais não
são uma coisa morta, antes vivem eu desenvolvem. As definições jurídicas podem
corresponder ao desenvolvimento progressivo dessas relações, mas podem também (se
essas definições são más) "corresponder" a uma regressão ou a uma estagnação. Este
último caso é justamente o "caso" do camarada Mártov.
(retornar ao texto)
(14) Recolheu 28 votos a favor e 22 contra. Dos oito anti-iskrisras, sete votaram por
Mártov e um por mim. Sem o auxílio dos oportunistas, o camarada Mártov não teria
podido fazer triunfar a sua fórmula oportunista. (No congresso da Liga, o camarada
Mártov tinha tentado, e se sem sorte nenhuma, negar este fato indubitável, limitando-se,
não se sabe porquê, aos votos dos bundistas e esquecendo o camarada Akímov e os seus
amigos, ou mais exatamente, recordando-os somente quando tal podia testemunhar
contra mim, ou seja, o acordo do camarada Brúker comigo.)
(retornar ao texto)
Parte III
j) Vitimas Inocentes de uma Falsa Acusação de Oportunismo
Antes de passar à subsequente discussão sobre os estatutos é necessário, para explicar a
nossa divergência na questão da composição pessoal dos órgãos centrais, tratar de
passagem das reuniões privadas da organização do Iskra, que se realizaram durante o
congresso. A última e a mais importante dessas quatro reuniões decorreu justamente
depois da votação do § um dos estatutos, pelo que a cisão da organização do Iskra, que
se verificou nessa reunião, foi cronológica e logicamente uma condição prévia da luta
que se desenrolou a seguir.
As reuniões privadas da organização do Iskra
(1)
começaram pouco depois do incidente
do CO, que forneceu um pretexto para o exame da questão das eventuais candidaturas
ao CC. Subentende-se que, dado que se suprimiram os mandatos imperativos, tais
reuniões tiveram um caráter meramente consultivo, que a ninguém obrigava, mas cuja
importância foi no entanto enorme. A eleição do CC apresentava grandes dificuldades
para os delegados que não conheciam nem os nomes clandestinos nem o trabalho
interno organização do Iskra, organização que criou a unidade de fato do partido e
exerceu a direção do movimento prático, o que constituiu um dos motivos do
reconhecimento oficial do Iskra. Dissemos já que os iskristas mantendo a sua unidade
tinham plenamente assegurada no congresso uma grande maioria, cerca de 3/5, e todos
os delegados o compreendiam na perfeição. Todos os iskristas esperavam precisamente
que a organização do Iskra interviesse recomendando uma determinada composição
pessoal do CC, e nenhum dos membros desta organização disse uma só palavra contra o
exame prévio, no seu seio, da composição do CC, ninguém disse uma só palavra sobre a
aprovação de toda a composição do CO, ou seja, da sua transformação em CC, nem uma
palavra mesmo da realização de uma reunião, com todos os membros do CO, para tratar
dos candidatos ao CC. Também esta circunstância é estraordinariamente característica, e
importa sobremaneira tê-la em conta, porque agora os partidários de Mártov defendem
zelosamente, com data atrasada, o CO, demonstrando assim pela centésima ou milésima
vez a sua falta de caráter em política
(2)
. Enquanto a cisão pela composição dos centros
não unira Mártov com os Akímov, toda a gente se dava conta no congresso de uma
coisa de que qualquer pessoa imparcial poderá facilmente convencer-se pelas suas atas e
por toda a história do Iskra, a saber: que o CO era principalmente uma comissão
formada para convocar o congresso, e composta intencionalmente por representantes de
diferentes matizes, incluindo o Bund; quanto ao verdadeiro trabalho para criar a unidade
orgânica do partido, era a organização do Iskra que o tinha suportado inteiramente sobre
os seus ombros (é preciso ter também em conta que alguns membros iskristas do CO
estiveram ausentes do congresso absolutamente por acaso, quer em consequência de
prisões, quer por outras circunstâncias "alheias à sua vontade"). A composição da
organização do Iskra presente no congresso já tinha sido dada na brochura do camarada
Pavlóvitch (ver a sua Carta sobre o II Congresso, p. 13)201.
O resultado definitivo dos acalorados debates na organização do Iskra foram duas
votações de que já falei na Carta à Redação. Primeira votação: "uma das candidaturas
apoiadas por Mártov é rejeitada por nove votos contra quatro e três abstenções". Parece
que nada pode haver de mais simples nem mais natural do que este fato: com o
assentimento geral do total dos dezesseis membros da organização do lskra presentes no
congresso, é debatida a questão das possíveis candidaturas, e é rejeitada por maioria de
votos uma das propostas pelo camarada Mártov (precisamente o do camarada Stein,
coisa que atirou agora para a frente, não podendo resistir mais, o próprio camarada
Mártov, p. 69 do Estado de Sítio). Porque nos tínhamos reunido em congresso do
partido justamente para discutir e resolver, entre outras, a questão de saber a quem
entregar "a batuta" do maestro, e o nosso dever geral de partido era dedicar a este ponto
da ordem do dia a mais séria atenção, resolver esta questão do ponto de vista dos
interesses da causa, e não do "sentimentalismo filistino", como justamente disse mais
tarde o camarada Rússov. Claro que aquando da discussão no congresso da questão dos
candidatos era impossível deixar de falar de certas qualidades pessoais, deixar de
exprimir aprovação ou desaprovação, sobretudo numa reunião não oficial e restrita. E eu
já fiz no congresso da Liga a advertência de que era absurdo considerar a desaprovação
duma candidatura uma coisa "difamante" (p. 49 das atas da Liga); que era absurdo fazer
uma "cena" e ficar histérico em virtude daquilo que constitui o cumprimento do estrito
dever de partido no que se refere a eleger de modo consciente e cuidadoso pessoas para
os cargos. Ora, para a nossa minoria, foi a partir daqui que começou a dança: puseram-
se a gritar, depois do congresso, que se "destruía uma reputação" (p. 70 das atas da
Liga), e a assegurar em letra de forma ao grande público que o camarada Stein era a
"principal figura" do antigo CO, e que o tinham acusado sem fundamento de "não se
sabe que planos infernais" (p. 69 do Estado de Sítio). Não será histerismo gritar, por
uma aprovação ou desaprovação de candidaturas, que se "destrói uma reputação"? Não
será uma querela mesquinha, quando, tendo sofrido uma derrota tanto na reunião
privada da organização do Iskra como na reunião oficial da instância suprema do
partido, no congresso, as pessoas se lamentam em frente de toda a gente e recomendam
ao respeitável público os candidatos rejeitados como "principais figuras"? quando em
seguida as pessoas tentam impor ao partido os seus candidatos através da cisão e
exigindo a cooptação? Entre nós, na atmosfera bafienta do estrangeiro, as noções
políticas tomaram-se de tal modo confusas que o camarada Mártov já não sabe
distinguir entre o dever de partido e o espírito de círculo e o compadrio! Pelos vistos é
burocratismo e formalismo pensar que se deve discutir e resolver a questão das
candidaturas unicamente nos congressos, em que os delegados se reúnem para tratar,
antes de tudo, de importantes questões de princípios, ronde se encontram os
representantes do movimento capazes de encarar imparcialmente a questão das pessoas,
e que são capazes (e devem) exigir e recolher todas as informações sobre os candidatos
antes de uma votação decisiva; onde é natural e necessário que se dedique certo tempo
às discussões sobre a batuta do maestro. Em vez deste ponto de vista burocrático e
formalista, foram introduzidos agora entre nós outros costumes: depois dos congressos,
falaremos a torto e a direito do enterro político de Iván Ivánovitch, da destruição da
reputação de Iván Nikíforovirch202. Haverá escritores que recomendarão os candidatos
em brochuras, afirmando farisaicamente, batendo no peito: não é um círculo, é o partido
... O público leitor que aprecia escândalos irá saborear avidamente esta novidade
sensacional: fulano foi a principal figura do CO, segundo garante o próprio Mártov
(4)
Este público leitor é muito mais capaz de discutir e resolver a questão do que
instituições formalistas no gênero dos congressos, com as suas decisões grosseiramente
mecânicas, tomadas por maioria ... Sim, os nossos verdadeiros militantes do partido
ainda terão de limpar os grande estábulos de Augias de querelas mesquinhas no
estrangeiro!
******
Segunda votação da organização do Iskra: "É adotada por dez votos contra dois com
quatro abstenções uma lista de cinco (para o CC) em que figuram, por proposta minha,
um líder dos elementos não iskristas e um líder da minoria iskrista."
(5)
Esta votação é
extraordinariamente importante, pois mostra clara e irrefutavelmente toda a falsidade
das invenções surgidas depois, numa atmosfera de querelas mesquinhas, pretendendo
que queríamos expulsar do partido ou afastar os não-iskrisras, que o que a maioria fez
foi escolher candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade,
etc. Tudo isto é completamente falso. A votação de que acabo de falar prova que não
afastamos os não-iskristas não só do partido, como nem sequer do CC, e que demos aos
nossos opositores uma minoria muito considerável. A verdade é que queriam ter a
maioria, e quando este modesto desejo se não realizou, desencadearam um escândalo e
renunciaram completamente a fazer parte dos centros. Que foi exatamente isto o que
aconteceu, a despeito das afirmações do camarada Mártov na Liga, é o que ressalta da
carta seguinte, que nos foi endereçada, a nós, maioria iskrista (e maioria do congresso
depois da saída dos sete), pela minoria da organização do Iskra, pouco depois da adoção
do §1 dos estatutos no congresso (de notar que a reunião da organização do Iskra de que
falei foi a última: depois dela, a organização dissolveu-se de fato, e cada uma das partes
procurou convencer os outros delegados no congresso de que tinha razão).
Eis o texto da carta:
"Depois de ter ouvido as explicações dos delegados Sorókine e Sáblina sobre o desejo
da maioria da redação e do grupo "Emancipação do Trabalho" de participar na reunião
(em tal data)
(6)
, e depois de ter estabelecido com a ajuda desses delegados que durante a
sessão anterior se tinha lido uma lista de candidatos ao CC, lista que pretensamente
partia de nós, e que foi utilizada para caracterizar falsamente toda a nossa posição
política; considerando que, em primeiro lugar, esta lista nos foi atribuída sem que se
tenha feito qualquer tentativa para verificar a sua origem; que, em segundo lugar, esta
circunstância está indubitavelmente ligada acusação de oportunismo abertamente
difundida contra a maioria da redação do Iskra e do grupo "Emancipação do Trabalho";
e que, em terceiro lugar, a ligação desta acusação com um plano perfeitamente
determinado para modificar a composição da redação do "Iskra" nos surge agora com
toda a clareza, consideramos insatisfatórias as razões invocadas para não nos admitirem
na reunião, e o não terem querido deixar-nos assistir a ela mostra que não querem dar-
nos a possibilidade de refutar as falsas acusações acima mencionada.
"Não se refere a um possível acordo entre nós sobre uma lista comum de candidatos
para o CC, declaramos que a única lista que podemos aceitar como base de acordo é
esta: Popov, Trotski, Glébov, sublinhando que esta lista tem um caráter de
compromisso, porque a inclusão nela do camarada Clébov não significa senão uma
concessão aos desejos da maioria, já que, depois de termos esclarecido o papel
desempenhado pelo camarada Glébov no congresso, não consideramos que o camarada
Glébov corresponda àquilo que se deve exigir de um candidato ao CC.
"Sublinhamos ao mesmo tempo que ao iniciar negociações sobre as candidaturas ao CC
fazemo-lo sem que isso tenha alguma relação com a questão da composição da redação
do OC, porque não estamos dispostos a iniciar quaisquer negociações sobre esta questão
(composição da redação).
Pelos camaradas,
Mártov e Starover"
Esta carta, que reproduz fielmente as disposições de espírito das partes em disputa assim
como o estado da discussão, introduz-nos imediatamente "no coração" da cisão que se
iniciava e mostra as suas verdadeiras causas. A minoria da organização do Iskra,
recusando o acordo com a maioria e preferindo a livre agitação no congresso (tendo
evidentemente pleno direito a isso) tenta todavia obter dos "delegados" da maioria que a
admitam numa sua reunião privada! Claro que esta divertida exigência apenas provocou
na nossa reunião (é claro, a carta foi lida aí) sorrisos e encolher de ombros; quando aos
gritos próximos da histeria por causa das "falsas acusações de oportunismo",
provocaram o riso aberto. Mas analisemos primeiro, ponto por ponto, as amargas
queixas de Mártov e de Starover.
Atribui-se-lhes falsamente a lista; caracteriza-se falsamente a sua posição política. No
entanto, segundo reconhece o próprio Mártov (p. 64 das atas da Liga), não me passou
pela cabeça pôr em dúvida a sua afirmação de que não é o autor da lista. Em geral, a
questão de saber quem é o autor dela não tem nada que ver com o caso, e que a lista
tenha sido elaborada por um iskrista ou por um representante do "centro", etc., isso não
tem qualquer importância. O importante é que esta lista, inteiramente composta por
elementos da atual minoria, circulou no congresso, ainda que como simples conjectura
ou hipótese. Por fim, o mais importante é que o camarada Mártov viu-se obrigado no
congresso a renegar com todas as suas forças uma lista que agora teria de aceitar com
entusiasmo. Não seria possível fazer ressaltar mais fortemente a instabilidade na
apreciação dos homens e dos matizes do que neste salto efetuado em cerca de dois
meses, dos gritos sobre os "boatos difamantes" à vontade de impor ao partido para o
centro esses mesmos candidatos da lista que se dizia difamante!
(7)
Esta lista, dizia o camarada Mártov no congresso da Liga, "significava, do ponto de
vista político, uma coligação entre nós e o Iújni Rabótcbi, por um lado, e o Bund, por
outro, coligação no sentido de um acordo direto" (p. 64). Isto é falso, porque, primeiro,
o Bund não teria aceitado nunca um "acordo" sobre uma lista em que não figurava um
único bundista; e segundo, não se tratava, nem podia tratar-se, de qualquer acordo direto
(que parecia difamante a Mártov) não só com o Bund, mas até com o grupo Iújni
Rabótchi. Justamente, tratava-se não de um acordo, mas de uma coligação; não do fato
de o camarada Mártov fazer uma combinação, mas do fato de ele ter que ser
inevitavelmente apoiado por esses mesmos elementos anti-iskristas e hesitantes, contra
os quais tinha lutado durante a primeira metade do congresso e que se tinham agarrado
ao seu erro sobre o §1 dos estatutos. A carta que citei mostra, da forma mais
incontestável, que a raiz da "ofensa" reside justamente na acusação de oportunismo
aberta e ainda por cima falsa. Estas "acusações", pelas quais começou toda a dança, e
que o camarada Mártov tão cuidadosamente agora procura eludir, a despeito de eu as ter
recordado na Carta à Redação, eram de duas espécies: primeiro, durante os debates
sobre o § 1 dos estatutos, Plekhánov disse claramente que a questão do § 1 visava
"separar" de nós "toda a espécie de representantes do oportunismo", e que a favor do
meu projeto, como garantia contra a invasão do partido por estes, "deviam votar, nem
que fosse apenas por este fato, todos os inimigos do oportunismo" (p. 246 das atas do
congresso). Estas palavras enérgicas, apesar de eu as ter suavizado um pouco (p. 250)
(8)
,
fizeram sensação, o que se expressou nitidamente nos discursos dos camaradas Rússov
(p. 247), Trótski (p. 248) e Akímov (p. 253). Nos "corredores" do nosso "parlamento", a
tese de Plekhánov foi vivamente comentada e apresentada de mil maneiras em
controvérsias intermináveis relativas ao §1. E eis que, em vez de se defenderem quanto
ao fundo, os nossos queridos camaradas pretenderam-se ridiculamente ofendidos e
chegaram a queixar-se por escrito de uma "falsa acusação de oportunismo"!
Uma psicologia própria de círculos e uma assombrosa falta de maturidade de partido,
que não pode suportar a aragem fresca de um debate público diante de todos,
evidenciam-se aqui com toda a clareza. E essa psicologia tão conhecida do homem
russo, que se exprime por um velho adágio: ou um soco ou um beijo na mão! As
pessoas estão de tal modo habituadas à redoma de um estreito e amistoso compadrio,
que desmaiam à primeira intervenção, sob sua própria responsabilidade, numa arena
livre e aberta. Acusar de oportunismo, mas então quem? O grupo "Emancipação do
trabalho" e ainda por cima a sua maioria - imaginem este horror! Ou a cisão do partido
por causa desta ofensa inapagável, ou abafar este "aborrecimento de família"
restabelecendo "a continuidade" da redoma - este dilema transparece já com traços
bastante determinados na carta que estamos a analisar. A psicologia do individualismo
intelectual e do espírito de círculo chocou com a exigência de uma intervenção aberta
perante o partido. Imaginem se é possível um absurdo semelhante, uma querela como a
queixa contra uma "falsa acusação de oportunismo", no partido alemão! A organização
e a disciplina proletárias há muito tempo que aí fizeram esquecer esta falta de firmeza
própria de intelectuais. Ninguém sente senão profundo respeito por Liebknecht, por
exemplo; mas como teriam rido aí da queixa de tinham "acusado abertamente de
oportunismo" (juntamente com Bebel) no congresso de 1895 203, quando a propósito da
questão agrária se encontrou na má companhia do conhecido oportunista Vollmar e dos
seus amigos. O nome de Liebknecht está indissoluvelmente ligado à história do
movimento operário alemão, não, claro, porque Liebknecht se tenha desviado para o
oportunismo numa questão relativamente secundária e particular, mas apesar disso. Do
mesmo modo, apesar de todas as irritações da luta, o nome do camarada Axelrod, por
exemplo, inspira e inspirará sempre a todo o social-democrata russo, mas não porque o
camarada Axelrod tenha defendido uma idéiazinha oportunista no segundo congresso no
nosso partido, nem porque tenha exumado o velho lixo anarquista no segundo congresso
da Liga, mas apesar disso. Só o espírito de círculo mais endurecido, com a sua lógica -
ou um soco, ou um beijo na mão -, pôde desencadear este histerismo, estas querelas
mesquinhas e uma cisão do partido por causa de uma "falsa acusação de oportunismo
contra a maioria do grupo "Emancipação do Trabalho"".
O outro elemento desta terrível acusação está estreitamente ligado ao anterior [o
camarada Mártov esforçou-se em vão, no congresso da Liga (p. 63), por contornar e
dissimular um dos aspectos deste incidente]. Este argumento está relacionado com a
coligação dos elementos anti-iskristas e hesitantes com o camarada Mártov, coligação
que se esboçou a propósito da questão do § 1 dos estatutos. Não é preciso dizer que não
se tratava, e nem tratar-se, de nenhum acordo direto ou indireto entre o camarada
Mártov e os anti-iskristas, e ninguém o suspeitava disso: apenas o medo o fez crês isto.
Mas o seu erro revelou-se politicamente no fato de que as pessoas que indubitavelmente
tendiam para o oportunismo começaram a constituir à sua volta uma maioria cada vez
mais sólida e "compacta" (que agora se tornou minoria devido apenas à saída
"acidental" de sete delegados). Chamamos a atenção para esta "coligação", claro está,
também abertamente, logo após os debates sobre o §1, tanto no congresso (ver a
observação acima transcrita do camarada Pavlóvitch, p. 255 das atas do congresso)
como na organização do Iskra (foi sobretudo Plekhánov que assinalou isso, se não me
engano). Literalmente, é a mesma indicação e a mesma troça que visavam BebeI e
Liebknecht em 1895, quando Zetkin lhes disse: "Es tut mir in der Seele weh, dass ich
dich in der Gesellschaft seh"" (Lamento ver-te - a BebeI - nessa companhia, ou seja,
com Vollmar e C.ª)204. E verdadeiramente estranho que Bebel e Liebknecht não
tenham então enviado a Kautsky e a Zetkin uma mensagem histérica sobre uma falsa
acusação de oportunismo
Quanto à lista dos candidatos ao CC, esta carta mostra o erro do camarada Mártov, que
afirmou na Liga que a recusa de chegar a um acordo conosco não era ainda definitiva;
isso prova, uma vez mais, como é pouco razoável na luta política querer reproduzir de
memória conversas, em vez de consultar documentos. Na realidade, a "minoria" foi
modesta a ponto de apresentar à "maioria" um ultimato: designar dois representantes da
"minoria" e um da "maioria" (a título de compromisso e unicamente, na verdade, como
concessão!). E monstruoso, mas é um fato. E este fato mostra claramente até que ponto
é uma invenção tudo o que agora se diz de que o que a maioria fez foi escolher
candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade. E
justamente o contrário: os partidários de Mártov propunham-nos, apenas a título de
concessão, um dos três, desejando, por conseguinte, no caso de não aceitarmos esta
original "concessão", introduzir todos os seus! Na nossa reunião privada, rimo-nos da
modéstia dos martovistas e elaboramos a nossa lista: Glébov - Travinski (mais tarde
eleito para o CC) -Popov. Substituímos este último (também numa reunião privada dos
24) pelo camarada Vassíliev (eleito depois para o CC), unicamente porque o camarada
Popov se recusou a figurar na nossa lista; recusou-se primeiro numa conversa privada, e
depois abertamente no congresso (p. 338).
Foi isto que se passou.
A modesta "minoria" desejava modestamente estar em maioria. Quando este modesto
desejo não foi satisfeito, a "minoria" preferiu renunciar completamente e desencadear
um escandalozinho. E há agora pessoas que falam com uma majestosa condescendência
da "intransigência" da "maioria"!
A "minoria" apresentou divertidos ultimatos à "maioria" fazendo uma campanha pela
livre agitação no congresso. Depois de ter sofrido uma derrota, os nossos heróis
desataram a chorar e a gritar sobre o estado de sítio. Voilà tout
(9)
.
A terrível acusação segundo a qual nos propúnhamos modificar a composição da
redação, nós (reunião privada dos 24) acolhemo-la igualmente com um sorriso: toda a
gente conhecia bem, desde o próprio início do congresso, e mesmo antes dele, que
existia um plano de renovar a redação pela eleição de um grupo de três inicial (falarei
disto com mais pormenor quando tratar da eleição da redação no congresso). Que a
"minoria" se tenha assustado com este plano, depois de ter verificado que a coligação da
"minoria" com os anti-iskristas era uma excelente confirmação da justeza desse plano -
isso não nos espantou, era perfeitamente natural. Não podíamos, é claro, tomar a sério a
proposta de nos transformarmos de livre vontade em minoria, antes da luta no
congresso; nem podíamos tomar a sério toda a carta, cujos autores tinham atingido um
grau de irritação inacreditável, a ponto de falarem de "falsas acusações de
oportunismo". Tínhamos firme confiança de que o seu sentido do dever de partido bem
depressa triunfaria do desejo natural de "descarregar a raiva".
k) Continuação dos Debates Sobre os Estatutos. Composição do
Conselho.
Os pontos seguintes dos estatutos suscitaram muito mais controvérsias sobre
pormenores do que sobre princípios de organização. A 24.ª sessão do congresso foi
inteiramente consagrada à questão da representação nos congressos do partido, e mais
uma vez foi travada uma decidida e firme batalha contra os planos comuns a todos os
iskristas apenas pelos bundistas (Goldblat e Líber, pp. 258-259) e pelo camarada
Akímov, que, com meritória franqueza, reconheceu o seu papel no congresso: "sempre
que uso da palavra, tenho plena consciência de que com os meus argumentos não terei
influência sobre os camaradas; pelo contrário, prejudicarei o ponto que defendo" (p.
261). Esta justa observação foi particularmente oportuna logo após a discussão do §1
dos estatutos; simplesmente, a expressão "pelo contrário" não está muito bem aqui, visto
que o camarada Akímov sabia não só prejudicar certos pontos, mas ao mesmo tempo, e
por isso, "influenciar os camaradas"... entre os iskristas de espírito muito pouco
consequente, inclinados à fraseologia oportunista.
No conjunto, o §3 dos estatutos, que fixa as condições de representação no congresso,
foi aprovado por maioria, com 7 abstenções (p. 263), pertencentes sem dúvida ao
número dos anti-iskristas.
O debate sobre a composição do Conselho, que ocupou a maior parte da 25.ª sessão do
congresso, mostrou a extrema fragmentação dos argumentos em torno de um enorme
número de projetos. Abramson e Tsariov rejeitaram totalmente o plano do Conselho.
Pánine insistiu em querer fazer do Conselho exclusivamente um tribunal de arbitragem,
e por isso, com perfeita consequência, propôs que se suprimisse a definição de que o
Conselho é o organismo superior que pode ser convocado por dois dos seus membros
(10)
. Herz e Rússov defenderam diferentes modos de constituição do Conselho, além dos
três modos propostos pelos cinco membros da comissão dos estatutos.
As questões em discussão resumiam-se antes de mais à definição das funções do
Conselho: tribunal de arbitragem ou organismo superior do partido? O camarada
Pánine, como já disse, pronunciava-se consequentemente pela primeira. Mas estava
sozinho. O camarada Mártov pronunciou-se vigorosamente contra: "Proponho a rejeição
da proposta que pretende eliminar as palavras: "O Conselho é o organismo superior"; a
nossa formulação (ou seja, a formulação das funções do Conselho, sobre a qual
tínhamos chegado a acordo na comissão dos estatutos) deixa intencionalmente a
possibilidade de o Conselho se transformar no organismo superior do partido. Para nós,
o Conselho não é apenas um organismo de conciliação." Mas a composição do
Conselho, segundo o projeto do camarada Mártov, correspondia inteira e
exclusivamente ao caráter de "organismo de conciliação" ou tribunal de arbitragem:
dois membros de cada um dos dois centros e um quinto convidado por estes quatro. Não
só tal composição do Conselho, mas também a adotada pelo congresso, sob proposta
dos camaradas Rússov e Herz (o quinto membro é designado pelo congresso),
correspondem exclusivamente a objetivos de conciliação ou de mediação. Entre esta
composição do Conselho e a sua missão de converter-se em organismo superior do
partido há uma contradição irredutível. O organismo superior do partido deve ter uma
composição constante, e não depender de mudanças fortuitas (por vezes devido a
prisões) da composição dos centros. O organismo superior deve estar em relação direta
com o congresso do partido, de quem receberá os seus poderes, e não de dois outros
organismos do partido subordinados ao congresso. O organismo superior deve ser
composto por pessoas conhecidas pelo congresso do partido. Por fim, o organismo
superior não pode ser organizado de maneira que a sua própria existência dependa do
acaso: se os dois organismos coletivos não chegam a acordo para escolher um quinto
membro, o partido fica sem organismo superior! A isto objetou-se: 1) que se um dos
cinco se abstém e os outros quatro se dividem em dois grupos, a situação pode
igualmente não ter saída (Egórov). Esta objeção carece de fundamento, porque a
impossibilidade de tomar uma decisão é por vezes inevitável para qualquer organismo
coletivo, mas isso é totalmente diferente da impossibilidade de constituir um organismo
coletivo. Segunda objeção: "Se um organismo como o Conselho não é capaz de escolher
o seu quinto membro, isso quer dizer que ele é incapaz de atuar em geral" (Zassúlitch).
Mas não se trata aqui de que o organismo superior não seja capaz de atuar, mas de que
este não existe: sem um quinto membro, não haverá Conselho algum, não haverá
"organismo" algum e nem se poderá falar da sua capacidade de atuar. Por fim, ainda
seria um mal remediável se se pudesse dar o caso de não se constituir um organismo
coletivo do partido acima do qual haja outro organismo coletivo superior, pois então
este organismo coletivo superior poderia sempre, em casos extraordinários, preencher a
lacuna, de um modo ou de outro. Mas acima do Conselho não existe organismo coletivo
algum, a não ser o congresso, e, por consequência, deixar nos estatutos uma
possibilidade de não se poder nem sequer constituir o Conselho seria uma evidente falta
de lógica.
As minhas duas breves intervenções no congresso sobre esta questão foram consagradas
unicamente à análise (pp. 267 e 269)
(11)
destas duas objeções erradas, com as quais o
projeto de Mártov foi defendido por ele próprio e outros camaradas. Quanto ao
predomínio do OC ou do CC no Conselho, nem sequer lhe toquei. Esta questão foi
levantada, pela primeira vez, mo sentido de chamar a atenção para o perigo de
predomínio do OC, pelo camamarada Akímov já na 14ª sessão do congresso (p. 157), e
foi só Akímov que os camaradas Mártov, Axelrod e outros seguiram, depois do
congresso, lançando a história absurda e demagógica segundo a qual a "maioria" queria
transformar o CC num instrumento da redação. Analisando esta questão no seu Estado
de Sítio, o camarada Mártov, modestamente, omitiu o seu verdadeiro iniciador!
Quem quiser tomar conhecimento, com todos os pormenores, da forma como foi posto o
problema do predomínio do OC sobre o CC no congresso do partido, em vez de se
limitar às citações desligadas do contexto, dar-se-á facilmente conta de que o camarada
Mártov deturpa as coisas. Já na 14.ª sessão não foi outro senão o camarada Popov que
começou por polemizar contra os pontos de vista do camarada Akímov que queria
"defender na cúpula do partido "a mais estrita centralização"" para restringir a
influência do OC (p. 154, sublinhado por mim), "que é no que realmente consiste o
sentido deste sistema (de Akímov)". "Longe de defender tal centralização, acrescenta o
camarada Popov, estou pronto a combatê-la de todas as maneiras, porque ela é a
bandeira do oportunismo." E esta a raiz da famosa questão do predomínio do OC sobre
o CC, e não é de admirar que o cada Mártov seja agora obrigado a silenciar a verdadeira
origem deste problema. Até o camarada Popov não podia deixar de se aperceber do
caráter oportunista das dissertações de Akímov sobre o predomínio do OC
(12)
e, para
estabelecer uma distinção bem clara entre si e o camarada Akimov, o camarada Popov
declarava categoricamente: "Pouco importa que este centro (o Conselho) seja composto
por três membros da redação e dois membros do CC. E uma questão secundária
(sublinhado por mim), o importante é que a direção, a direção suprema do partido,
emane de uma única fonte" (p. 155). O camarada Akímov objeta: "O projeto concede ao
OC o predomínio no Conselho, quanto mais não seja porque a composição da redação é
permanente, enquanto a do CC é variável" (p. 157), argumento que se refere apenas ao
"caráter permanente" da direção no terreno dos princípios (fato normal e desejável), mas
de modo nenhum ao "predomínio" no sentido de uma ingerência ou de um atentado à
autonomia. E o camarada Popov, que então não pertencia ainda à "minoria", a qual
cobre o seu descontentamento com a composição dos centros com mexericos sobre a
falta de independência do CC, responde ao camarada Akimov de modo muito razoável:
"Eu proponho considerá-lo (o Conselho) o centro diretivo do partido, e então a questão
de saber se o Conselho é composto por maior número de representantes do OC ou do
CC não terá qualquer importância" (pp. 157-158. Sublinhado por mim).
Quando se voltou a tratar da composição do Conselho na 25.ª sessão, o camarada
Pavlóvitch, prosseguindo os velhos debates, declara-se pelo predomínio do OC sobre o
CC "dada a estabilidade do primeiro" (p. 264), entendendo por isso a estabilidade no
domínio dos princípios, como também o entendeu o camarada Mártov que, tomando a
palavra imediatamente depois do camarada Pavlóvitch, considerou desnecessário
"estabelecer o predomínio de um organismo sobre outro" e indicou a possibilidade de
um dos membros do CC residir no estrangeiro: "o que conservara ate certo ponto a
estabilidade no CC no plano dos princípios" (264). Aqui não há ainda nem sombra de
confusão demagógica da questão relativa à estabilidade dos princípios e à sua
salvaguarda com a salvaguarda da autonomia e da independência do CC. Esta confusão,
que se tornou depois do congresso o principal trunfo, ou quase, do camarada Mártov, só
a defendeu com empenho no congresso o camarada Akímov, que já nesse momento
falava "do espírito de Araktchéiev dos estatutos" (268), que "se no Conselho do partido
houver três membros do OC, o CC tornar-se-á um simples instrumento da vontade da
redação (sublinhado por mim). Três pessoas residentes no estrangeiro receberão poderes
ilimitados (!!) para dispor do trabalho de todo (!!) o partido. Ficam salvaguardados no
sentido da sua segurança pessoal e por isso o seu poder é vitalício" (268). Foi contra
estas frases absolutamente absurdas e demagógicas, que substituem uma direção
ideológica pela ingerência no trabalho de todo o partido (e que depois do congresso
forneceram uma palavra de ordem barata ao camarada Axelrod para os seus discursos
sobre a "teocracia"), foi contra isto que protestou novamente o camarada Pavlóvitch,
sublinhando que era "a favor da estabilicidade e da pureza dos princípios que o Iskra
representa. Dando predomínio à redação do Órgão Central fortaleço assim estes
princípios" (268).
Eis como de fato se põe a questão do famoso predomínio do OC sobre o CC. Esta
memorável "divergência de princípio" dos camaradas Axelrod e Mártov mais não é que
a repetição das frases oportunistas e demagógicas do camarada Akímov, frases de cujo
verdadeiro caráter até o camarada Popov apercebera claramente, quando ainda não tinha
sofrido a derrota no que se refere à composição dos centros!
* * *
Balanço da questão da composição do Conselho: a despeito das tentativas do camarada
Mártov para provar no seu Estado de Sítio que a minha exposição na Carta à Redação é
contraditória e errada, as atas do congresso mostram claramente que, em comparação
com o §1, esta questão, de fato, é apenas um pormenor e que era verdadeira deformação
total da verdade a declaração feita no artigo O Nosso Congresso (n.0 53 do Iskra) de
tínhamos discutido "quase exclusivamente" a constituição dos organismos centrais do
partido. Deformação tanto mais chocante quanto o autor do artigo ignorou
completamente os debates sobre o §1. Além disso, as atas mostram ainda que não havia
um agrupamento determinado dos iskristas sobre a questão da composição do Conselho:
não há votações nominais, Mártov separa-se de Pánine, eu estou de acordo com Popov,
Egórov e Gússev mantêm-se à parte, etc. Enfim, a minha última afirmação (no
congresso da "Liga da Social-Democracia Revolucionária Russa no Estrangeiro") e que
se consolidava a coligação dos partidários de Mártov e dos anti-iskristas é igualmente
confirmada pela viragem, hoje clara para todos, efetuada pelos camaradas Mártov e
Axelrod a favor de Akímov também nesta questão.
l) Conclusão dos Debates Sobre os Estatutos. Cooptação para os Centros.
Saída dos Delegados da "Rabotcheie Delo"
Dos debates posteriores sobre os estatutos (26.ª sessão do congresso), é digna de
menção somente a questão relativa à limitação dos poderes do Comitê Central, questão
que lança luz sobre o caráter dos ataques atuais dos matovistas ao hipercentralismo. Os
camaradas Egórov e Popov tendiam a limitar o centralismo com um pouco mais de
convicção, independentemente da sua candidatura própria ou da que propunham. Já na
comissão dos estatutos eles tinham proposto que se limitasse o direito do CC de
dissolver os comitês locais exigindo a concordância do Conselho, e, mais ainda
limitando-o a uma série de casos expressamente enumerados (p. 272, nota 1). . Três
membros da comissão dos estatutos (Glébov, Mártov e eu) declararam-se contra, e o
camarada Mártov defendeu a nossa opinião no congresso (p. 273) respondendo a
Egórov e Popov que "o CC não deixaria de dicutir mesmo assim antes de tomar uma
decisão tão grave como a dossilução de uma organização". Como vedes, naquele
momento o camarada Mártov ainda estava surdo a todas as pretensões anticentralistas, e
o congresso rejeitou a proposta de Egórov e Popov; infelizmente, as atas não nos dizem
por quantos votos.
No congresso do partido, o camarada Mártov declarou-se igualmente "contra a
substituição da palavra organiza (o CC organiza comitês, etc., no § 6 dos estatutos do
partido) pela palavra confirma. Também é preciso conferir o direito de organizar", dizia
então o camarada Mártov, que ainda não tinha tido a maravilhosa idéia, que só
descobriu no congresso da Liga, de que confirmar não cabe no conceito de "organizar".
À parte estes dois pontos, dificilmente se encontrará qualquer interesse no resto dos
debates já totalmente dedicados a questões de pormenor relativas aos §§ 5-11 dos
estatutos (pp. 273-276 das atas). O parágrafo 12 é relativo à cooptação em todos os
organismos coletivos do partido em geral, e nos centros em particular. A comissão
propõe que se aumente a maioria qualificada necessária à cooptação de 2/3 para 4/5. O
relator (Glébov) propõe a cooptação por unanimidade para o CC. O camarada Egórov,
considerando indesejáveis as fricções declara-se a favor de uma simples maioria, na
ausência de um veto fundamentado. O camarada Popov não está de acordo nem com a
comissão nem com o camarada Egórov, e exige uma simples maioria (sem direito de
veto) ou a unanimidade. O camarada Mártov não está de acordo com a comissão, nem
com Glébov, nem com Egórov, nem com Popov; pronuncia-se contra a unanimidade,
contra os 4/5 (a favor dos 2/3), contra a "cooptação recíproca", isto é, contra o direito da
redação do OC de protestar contra a cooptação no CC e vice-versa ("o direito de
controlo recíproco sobre a cooptação").
Como o leitor vê, surge o agrupamento mais variado, e as divergências fragmentam-se
quase ao ponto de chegar a particularidades "pessoais" no ponto de vista de cada
delegado!
O camarada Mártov diz: "Reconheço a impossibilidade psicológica de trabalhar com
pessoas desagradáveis. Mas a nós importa-nos igualmente que a nossa organização seja
viva e tenha capacidade de atuar....Em caso de cooptação, o direito de controlo
recíproco do CC e da redação do OC não é necessário. Se sou contra, não é porque
pense que um possa ser incompetente na jurisdição do outro. Não! A redação do OC,
por exemplo, poderia dar ao CC um bom conselho: se convinha, por exemplo, admitir o
senhor Nadéjdine no CC. Protesto porque não quero que se crie uma série de trâmites
que produzam irritação recíproca."
Eu objetei-lhe: "Temos aqui duas questões. A primeira é relativa am maioria
qualificada, e sou contra a proposta de baixá-la de 4/5 para 2/3, Admitir um protesto
fundamentado não é razoável, e sou contra. A segunda questão, relativa ao direito de
controlo recíproco do CC e do OC sobre a cooptação é muitíssimo mais importante. O
acordo recíproco dos dois centros é condição indispensável de harmonia. Trata-se aqui
da ruptura entre os dois centros. Quem não quiser a cisão tem que velar para que haja
harmonia. A vida do partido ensina-nos que houve pessoas que semearam a cisão. E
uma questão de princípio, uma questão importante, de que pode depender todo o futuro
do partido" (276-277)". Este é o texto integral do resumo feito no congresso do meu
discurso, ao qual Mártov atribui uma importância particularmente séria. Infelizmente,
embora atribuindo-lhe essa importância, ele não se deu ao trabalho de a ligar a todos os
debates e a toda a situação política do congresso na ocasião em que foi pronunciado este
discurso.
Em primeiro lugar, cabe perguntar: porque é que no meu projeto inicial (ver p. 394, §
11)
(13)
me limitei aos 2/3 e não exigia o controlo recíproco sobre a cooptação para os
centros? O camarada Trótski, que falou depois de mim), levantou imediatamente esta
questão.
O meu discurso no congresso da Liga e a carta do camarada Pavlóvitch sobre o 11
congresso respondem a esta pergunta. O §1 dos estatutos "quebrou o vaso", e havia que
amarrá-lo com um "nó duplo", dizia eu no congresso da Liga. Isso significava em
primeiro lugar que, a propósito de uma questão puramente teórica, Mártov se revelou
oportunista, e que o seu erro tinha sido defendido por Líber e Akímov. Isso significava,
em segundo que a coligação dos martovistas (ou seja, de uma insignificante minoria dos
iskristas) com os anti-iskristas lhes dava a maioria no congresso na votação da
composição pessoal dos centros. E eu falava então precisamente da composição pessoal
dos centros, sublinhando a necessidade de harmonia e advertindo contra as "pessoas que
semeavam a cisão". Esta advertência tornou com efeito uma grande importância de
princípio, porque a organização do Iskra (mais competente, sem dúvida, quanto à
composição pessoal dos centros, visto que conhece mais de perto todos os assuntos na
prática e os candidatos), já tinha emitido o seu voto consultivo sobre esta questão e tinha
tomado a decisão que conhecemos sobre as candidaturas que lhe provocavam receios.
Tanto do ponto de vista moral como no que se refere à essência do assunto (ou seja,
quanto à competência daquele que decide), a organização do Iskra devia desempenhar
um papel decisivo nesta questão tão delicada. Mas formalmente o camarada Mártov
tinha sem dúvida todo o direito de apelar para os Líber e os Akímov, contra a maioria da
organização do Iskra. E no seu brilhante discurso sobre o § 1, o camarada Akímov disse
em termos notavelmente claros e inteligentes que, quando constata entre os iskristas um
desacordo sobre os meios de atingir o seu objetivo comum, iskrista, vota
conscientemente e de propósito a favor do pior meio, visto que os objetivos dele,
Akímov, são diametralmente opostos aos dos iskristas. Era, pois fora de dúvida que,
mesmo independentemente da vontade e da consciência do camarada Mártov, seria
precisamente a pior composição pessoal dos centros que obteria o apoio dos Líber e dos
Akímov. Eles podem votar, eles devem votar (a julgar não pelas suas palavras, mas
pelos seus atos, pelo seu voto sobre o § 1), precisamente a favor da lista que pudesse
prometer a presença de "pessoas que semeassem a cisão", votar precisamente para
"semear a cisão". Será para admirar que, perante tal situação, eu tenha falado de uma
importante questão de principio (harmonia dos dois centros) de que podia depender todo
o futuro do partido?
Nenhum social-democrata minimamente a par das idéias e dos planos iskristas e da
história do movimento, que partilhasse com alguma sinceridade estas idéias, podia
duvidar um só momento de que a solução, pelos Líber e pelos Akímov, do debate no
seio da organização do Iskra sobre a composição pessoal dos centros era formalmente
justa, mas assegurava os piores resultados possíveis. Era imperioso lutar contra estes
piores resultados possíveis.
Põe-se a questão: como lutar? Não foi pela histeria nem pelos escandalozinhos, bem
entendido, que nós lutamos, mas por meios perfeitamente leais e perfeitamente
legítimos: compreendendo que estávamos em minoria (do mesmo modo que no § 1),
pedimos ao Congresso que salvaguardasse os direitos da minoria. Quer se tratasse duma
maior severidade quanto à qualificação na admissão dos membros (os 4/5 em vez dos
2/3), ou da unanimidade na cooptação, ou do controlo recíproco sobre a cooptação para
os centros, defendemos tudo isto quando nos vimos em minoria na questão da
composição pessoal dos centros. Este fato é constantemente ignorado pelos Joões e os
Pedros, que gostam de falar e dar opiniões sobre o congresso irrefletidamente, depois de
duas ou três conversas entre amigos, sem um estudo sério de todas as atas e de todos os
"testemunhos" das pessoas interessadas. E quem quiser estudar com consciência estas
atas e estes testemunhos chegará infalivelmente ao fato que indiquei: a raiz da discussão
neste momento do congresso estava precisamente no problema da composição pessoal
dos centros, e nós procurávamos conseguir condições mais rigorosas de controlo,
justamente porque estávamos em minoria e queríamos "amarrar com nó duplo o vaso"
quebrado por Mártov com alegria e com a alegre participação dos Líber e dos Akímov.
"Se assim não fosse - diz o camarada Pavlóvitch evocando esse momento do congresso
- apenas restaria supor que, ao propor o ponto da unanimidade na cooptação, estaríamos
a cuidar dos interesses dos nossos adversários, porque, para o partido dominante em
qualquer organismo, a unanimidade é não só inútil, mas até desvantajosa" (p. 14 da
Carta sobre o II Congresso). Mas atualmente esquece-se demasiadas vezes a cronologia
dos fatos, esquece-se que durante todo um período do congresso a atual minoria era
maioria (graças à participação dos Líber e dos Akímov), que é precisamente a este
período que corresponde o debate da cooptação para os centros, debate cuja razão
subjacente era a divergência na organização do Iskra sobre a composição pessoal dos
centros. Quem se der conta deste fato compreenderá também a paixão dos nossos
debates e já não se admirará desta contradição aparente, em que pequenas divergências
de pormenor fazem surgir questões verdadeiramente importantes, questões de princípio.
O camarada Deutsch, que usou da palavra na mesma sessão (p. 277) tinha bastante
razão quando declarou: "Sem dúvida que esta proposta esta calculada para o momento
atual". De fato, só compreendendo o momento atual em toda a sua complexidade se
pode compreender o verdadeiro sentido da discussão. E é de extraordinária importância
não perder de vista que quando nós estávamos em minoria defendemos os direitos da
minoria com processos que todo o social-democrata europeu reconhece serem legítimos
e admissíveis: ou seja, pedindo ao congresso um controlo mais severo sobre a
composição pessoal dos centros. Do mesmo modo, o camarada Egórov tinha bastante
razão quando dizia também no congresso, mas noutra sessão: "Admira-me muito ouvir
de novo nos debates referências aos princípios"...(Isto a propósito das eleições para o
CC, na 31.ª sessão do congresso, isto é, se não me engano, quinta-feira de manhã,
enquanto a 26.ª sessão, de que falamos agora, foi numa segunda-feira à noite)... "Parece-
me claro para toda a gente que nestes últimos dias todos os debates giraram não à volta
desta ou daquela maneira de colocar o assunto em princípio, mas exclusivamente à volta
da forma de assegurar ou impedir o acesso aos organismos desta ou daquela pessoa.
Confessemos que os princípios desapareceram já há muito tempo deste congresso, e
chamemos as coisas pelos seus verdadeiros nomes.(Hilaridade geral.
Muraviov:"Peçoquese Peço que se faça constar na ata que o camarada Mártov sorriu")"
(p. 337). Não admira camarada Mártov, tal como todos nós, tenha rido às gargalhadas
das lamentações, verdadeiramente risíveis, do camarada Egórov. Sim, "nos últimos
dias" muitas coisas giraram à volta da questão da composição dos centros. Isso é
verdade. Com efeito, a coisa era clara para toda a gente no congresso (e só agora a
minoria tenta obscurecer este fato claro).
Enfim, também é verdade que importa chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes.
Mas, por amor de Deus, para que é aqui chamado o "perder os princípios"?? Reunimo-
nos neste congresso (ver p. 10, ordem do dia do congresso precisamente para nos
primeiros dias falar do programa, da tática dos estatutos e resolver questões
correspondentes, e falar nos últimos dias (pontos 18-19 da ordem do dia) da composição
pessoal dos centros, e sobre essas questões. E um fenômeno natural e inteiramente,
inteiramente legítimo dedicar os últimos dias dos congressos à luta pela batuta de
maestro. (Mas quando, para conquistar essa batuta, se batem depois do congresso, já só
é uma querela mesquinha.) Se no congresso alguém sofreu rota na questão da
composição pessoal dos centros (como o camarada Egórov), é simplesmente ridículo
falar, depois disso, de "perder os princípios". É natural, portanto, que toda a gente tenha
rido do camarada Egórov. É compreensível também por que razão o camarada
Muraviov pediu para fazer constar na ata a participação do camarada Mártov nesse riso:
o camarada Mártov, ao rir-se do camarada Egórov, riu-se de si próprio...
Para completar a ironia do camarada Muraviov, talvez não seja supérfluo comunicar o
seguinte fato. Depois do congresso, o camarada Mártov, como se sabe, afirmou a quem
o quis ouvir que a razão principal da nossa divergência está precisamente na questão da
cooptação para os centros, que "a maioria da antiga redação" se manifestou
terminantemente contra o controle recíproco sobre a cooptação para os centros. Antes
do congresso, ao aceitar o meu projeto de eleição de dois grupos de três, com uma
cooptação recíproca de 2/3, o camarada Mártov escrevia-me a propósito disso:
"Aceitando esta forma de cooptação recíproca, convém notar que depois do congresso
cada organismo completará o número dos seus membros na base de princípios um
pouco diferentes (eu recomendaria o seguinte método: cada organismo coopta novos
membros dando a conhecer as suas intenções ao outro organismo; este último pode
protestar, e então a controvérsia é resolvida pelo Conselho. Para que não haja trâmites
morosos, este processo deveria aplicar-se a candidatos pro postos antecipadamente pelo
menos para o CC, candidatos entre os quais a cooptação se pode fazer mais depressa).
Para sublinhar que no futuro a cooptação se fará segundo um processo que será previsto
pelos estatutos do partido, é preciso acrescentar ao § 22
(15)
: "... que confirmará as
decisões adotadas"" (sublinhado por mim).
Sem comentários.
Depois de ter explicado o significado do momento em que teve lugar a discussão sobre
a cooptação para os centros, precisamos de nos deter um pouco nas votações referentes
a este ponto; é inútil alongarmo-nos sobre os debates, porque depois do discurso do
camarada Mártov e do meu, que citei, só houve curtas réplicas, nas quais tomou parte
um número insignificante de delegados (ver pp. 277-280 das atas). Quanto às votações,
o camarada Mártov afirmou no congresso da Liga que na minha exposição eu fiz "a
maior falsificação" (p. 60 das atas da Liga) "ao apresentar a luta à volta dos estatutos"...
(o camarada Mártov enunciou sem querer uma grande verdade: depois do § 1,
justamente à volta dos estatutos, desenvolveram-se acalorados debates)... "como uma
luta do Iskra contra os martovistas que tinham feito uma coligação com o Bund".
Vejamos de perto esta interessante questão relativa à "maior falsificação". O camarada
Mártov junta as votações sobre a composição do Conselho às votações sobre a
cooptação, e cita oito votações: 1) Eleição para o Conselho de dois membros pelo OC e
de outros dois pelo CC: 27 a favor (M), 16 contra (L), 7 abstenções
(16)
. (Anotemos entre
parêntesis que nas atas, p. 270, o número de abstenções se eleva a 8, mas isto é um
pormenor.) 2) Eleição do quinto membro do Conselho pelo congresso: 23 a favor (L),
18 contra (M), 7 abstenções. 3) Substituição pelo próprio Conselho dos membros saídos
do Conselho: 23 contra (M), 16 a favor (L), 12 abstenções. 4) unanimidade no CC: 25 a
favor (L), 19 contra (M), 7 abstenções. 5) Exigência de um protesto fundamentado para
que um membro não seja admitido: 21 a favor (L), 19 contra (M), 11 abstenções. 6)
Unanimidade na cooptação para o OC: 23 a favor (L), 21 contra (M), 7 abstenções. 7)
Possibilidade de uma votação sobre o direito do Conselho de anular as decisões do do
CC sobre a não-admissão de um novo membro: 25 a favor (M), 19 contra (L), 7
abstenções. 8) A própria proposta respeitante ao ponto anterior: 24 a favor (M), 23
contra (L), 4 abstenções. "Neste caso é evidente - conclui o camarada Mártov (p. 61 das
atas da Liga) -que um delegado do Bund votou a favor da proposta e os outros se
abstiveram." (Sublinhado por mim.)
Cabe perguntar: porque considera o camarada Mártov evidente que um delegado do
Bund tenha votado por ele, por Mártov, quando não houve votações nominais?
Porque se fixa no número de votantes, e, quando este número indica a participação do
Bund na votação ele, o camarada Mártov, não duvida que participação tenha sido a seu
favor, de Mártov.
Donde resulta aqui a "maior falsificação" minha?
Havia no total 51 votos; sem os bundistas, 46; sem os partidários da Robótcheje Dielo,
43. Em sete votações das oito citadas pelo camarada Mártov, tomaram parte 43, 41, 39,
44, 40,44 e 44 delegados; numa votação tomaram parte 47 delegados (ou melhor, houve
47 votos), e aqui o próprio camarad Mártov reconhece que foi apoiado por um bundista.
Evidencia-se assim que o quadro traçado por Mártov (e traçado de maneira incompleta,
vê-lo-emos daqui a pouco) vem apenas confirmar e reforçar a minha exposição da luta!
Em muitos casos foi muito elevado o número de abstenções: isto mostra o interesse
relativamente pequeno de todo o congresso por certos pormenores; mostra a ausência de
um agrupamento perfeitamente definido tas sobre estas questões. A afirmação de
Mártov de que os bundistas "com a sua abstenção prestam um apoio evidente a Lénine"
(p. 62 das atas da liga) fala justamente contra Mártov: portanto, somente na ausência
dos bundistas ou com a sua abstenção eu podia por vezes contar com a vitória. Mas
sempre que os bundistas consideravam que valia a pena intervir na luta, eles apoiavam o
camarada Mártov; e tal intervenção verificou-se não só no caso citado da participação
dos 47 delegados. Quem quiser consultar as atas do congresso dar-se-á conta de que o
quadro traçado pelo camarada Mártov é de modo muito estranho incompleto. O
camarada Mártov omitiu simplesmente ainda outros três casos em que o Bund
participou na votação, com o pormenor de que o camarada Mártov, bem entendido, saiu
vitorioso em todos estes casos. Eis aqui estes casos: 1) Adopta-se a alteração proposta
pelo camarada Fomine, que reduz a maioria qualificada de 4/5 para 2/3: 27 a favor, 21
contra (p. 278), participaram portanto 48 votos. 2) Adopta-se a proposta do camarada
Mártov para a supressão da cooptação recíproca: 26 a favor, 24 contra (p. 279),
participaram pois na votação 50 votos. Enfim, 3) É rejeitada a minha proposta de
admitir a cooptação para o OC e o CC exclusivamente com o assentimento de todos os
membros do Conselho (p. 280): 27 contra, 22 a favor (houve mesmo votação nominal,
que infelizmente não está registrada nas atas), portanto 49 votos.
Resultado: quanto à cooptação para os centros, os bundistas participaram somente em
quatro votações (as três votações que acabo de citar, com 48, 50 e 49 votantes, e uma
citada pelo camarada Mártov, com 47 votantes). Em todas estas votações o camarada
Mártov saiu vitorioso. A minha exposição revelou-se exata em todos os seus pontos,
quando falo da coligação com o Bund, quando constato o caráter de somenos
importância das questões (muitíssimos casos com um número considerável de
abstenções), quando digo que não há agrupamento definido dos iskristas (não há
votações nominais; muito poucos oradores nos debates).
A tentativa do camarada Mártov de encontrar uma contradição na minha exposição não
passou de uma tentativa feita com meios inadequados, visto que o camarada Mártov
destacou palavras isoladas sem se dar ao trabalho de restabelecer todo o quadro.
O último parágrafo dos estatutos, dedicado à questão da organização no estrangeiro,
mais uma vez provocou debates e votações particularmente característicos do ponto de
vista dos agrupamentos no congresso. Tratava-se de reconhecer a Liga como
organização do partido no estrangeiro. Claro, o camarada Akímov insurgiu-se
imediatamente, recordando a União no estrangeiro aprovada pelo primeiro congresso e
chamando a atenção para o significado de princípio da questão. "Devo esclarecer
primeiramente - declarou - que não atribuo grande valor prático a esta ou àquela solução
do problema. A luta ideológica que se tem desenvolvido até agora no nosso partido sem
dúvida que ainda não terminou; mas ela prosseguirá noutros planos e com outro
agrupamento de forças... No §13 dos estatutos mais uma vez ficou refletida, e de modo
muito marcado, a tendência para fazer do nosso congresso, em vez de um congresso do
partido, um congresso fracionário. Em vez de obrigar todos os sociais-democratas da
Rússia a inclinarem-se perante as decisões do congresso do partido, em nome da
unidade do partido, unindo todas as organizações do partido, propõe-se ao congresso
que dissolva a organização da minoria, que obrigue esta a desaparecer" (281). Como o
leitor vê, a "continuidade", que se tornou agora tão cara ao camarada Mártov depois da
sua derrota na questão da composição dos centros, não era menos cara ao camarada
Akímov. Mas, no congresso, os que têm bitolas diferentes para si e para os outros
levantaram-se apaixonadamente contra o camarada Akímov. Apesar da adoção do
programa, do reconhecimento do Iskra e da adopção quase integral dos estatutos, traz-se
para a cena precisamente o "principio" que separava "em princípio" a Liga da União.
"Se o camarada Akímov pretende pôr a questão no plano dos princípios - exclama o
camarada Mártov -, não temos nada contra isso; sobretudo porque o camarada Akímov
falou das combinações possíveis na luta contra duas tendências. O triunfo de uma
tendência deve sancionar-se (notem que isto foi dito na 27~a sessão do congresso!) não
no sentido de se poder fazer uma nova reverência ao Iskra, mas no de abandonar
definitivamente todas as combinações possíveis de que falou o camarada Akimov"
sublinhado por mim).
Quadro: o camarada Mártov, depois de encerradas todas as discussões sobre o programa
no congresso, continua ainda a abandonar definitivamente todas as combinações
possíveis...enquanto não sofreu ainda uma derrota na questão da composição dos
centros! O camarada Mártov, no congresso, "abandona definitivamente" a possível
"combinação" que com tanto êxito põe em prática imediatamente a seguir ao congresso.
Mas o camarada Akímov já então se mostrou bem mais perspicaz do que o camarada
Mártov; o camarada Akímov invocou os cinco anos de trabalho "da velha organização
do partido que, por decisão do primeiro congresso, tinha o nome de comitê", e acabou
com uma ultravenenosa e providencial alfinetada: -"Quanto à opinião do camarada
Mártov de que são vãs as minhas esperanças de ver nascer uma tendência nova no nosso
partido, devo dizer que mesmo ele próprio me dá esperanças" (p. 283. Sublinhado por
mim).
Sim, temos de reconhecer que o camarada Mártov justificou brilhantemente as
esperanças do camarada Akimov!
O camarada Mártov seguiu o camarada Akímov, convencido que este tinha razão,
depois de ter sido rompida a "continuidade" do antigo organismo de direção coletiva do
partido, que se considerava a funcionar há três anos. A vitória do camarada Akímov não
lhe ficou muito cara.
No congresso, no entanto, só os camaradas Martínov, Brúker e os bundistas (8 votos) se
colocaram ao lado de Akímov, e de um modo consequente.0 camarada Egórov, como
verdadeiro chefe do "centro", prefere o áureo meio termo: está de acordo, vejam bem,
com os iskristas, "simpatiza" com eles (p. 282) e prova esta simpatia propondo (p. 283)
que se passe por alto toda a questão de princípios levantada, que não se fale nem da
Liga nem da União. A proposta é rejeitada por 27 votos contra 15. E evidente que, além
dos anti-iskristas (8), quase todo o "centro" (10) vota com o camarada Egórov (o total
de votos é de 42, de modo que um importante número se absteve ou esteve ausente,
como aconteceu muitas vezes com votações pouco interessantes ou cujo resultado era
indubitável). Desde que se trate de levar à prática os princípios iskristas, logo se
confirma que a "simpatia" do "centro" é puramente verbal, e que apenas nos seguem
trinta votos ou pouco mais. A discussão e a votação da proposta de Rússov (reconhecer
a Liga como a única organização no estrangeiro) provam-no ainda mais claramente. Os
anti-iskristas e o "pântano" adotam já francamente um ponto de vista de princípios,
defendido além do mais pelos camaradas Líber e Egórov, que declaram que a proposta
do camarada Rússov é ilegítima e não pode ser votada. "Com ela todas as outras
organizações no estrangeiro são condenadas ao massacre" (Egórov). E o orador, que não
quer participar no "massacre das organizações", não só recusa votar como até sai da
sala. E preciso no entanto fazer justiça ao líder do "centro": ele dá provas (nos seus
princípios errados) de uma convicção e de uma coragem política dez vezes mais fortes
do que o camarada Mártov e C.ª, ele intercedeu a favor da organização "que se
massacrava" não apenas quando se tratava do seu próprio círculo, que tinha sofrido uma
derrota em luta aberta.
A proposta do camarada Rússov é considerada admissível à votação por 27 votos contra
15; é em seguida aprovada por 25 contra 17. Acrescentando a estes 17 o camarada
Egórov, ausente, obtemos o conjunto completo (18) de antr-ískristas e do "centro".
Todo o § 13 dos estatutos sobre a organização no estrangeiro é aprovado apenas por 3l
votos contra 12 e seis abstenções. Este número, 31, que nos dá aproximadamente o
número de iskristas no congresso, isto é, os que defendem com consequência e aplicam
na prática as concepções do Iskra, encontramo-lo pelo menos já pela sexta vez na
análise das votações do congresso (o lugar da questão do Bund, o incidente do CO, a
dissolução do grupo Iújni Rabótchi e duas votações sobre o programa agrário). E o
camarada Mártov quer fazer-nos crer, a sério, que não há qualquer razão para apontar
um grupo tão "reduzido" de iskristas!
Não se pode deixar de assinalar também que a aprovação do §13 dos estatutos suscitou
debates extremamente característicos a propósito da declaração dos camaradas Akímov
e Martínov sobre a "recusa de participar na votação" (p. 288). O bureau do congresso
examinou esta declaração e reconheceu - com toda a justiça - que nem mesmo a
dissolução direta da União daria qualquer direito aos delegados da União de se
recusarem a participar nos trabalhos do congresso. A recusa de votar é sem dúvida um
fato anormal e inadmissível, este o ponto de vista que com o bureau todo o congresso
adotou, incluindo os iskristas da minoria, que, na 28~a sessão, vivamente reprovaram o
que eles próprios viriam a fazer na 31.ª sessão! Quando o camarada Martínov se pôs a
defender a sua declaração (p. 291), ergueram-se contra ele tanto Pavlóvitch como
Trótski, Kárski e Mártov. O camarada Mártov compreendeu com peculiar clareza os
deveres de uma minoria descontente (enquanto ele próprio não ficou em minoria!) e
discorreu sobre eles num tom particularmente didático. "Ou sois membros do congresso
- exclamava dirigindo-se aos camaradas Akímov e Martínov -, e então deveis participar
em todos os seus trabalhos" (sublinhado por mim; neste momento o camarada Márrov
não via ainda formalismo e burocratismo na submissão da minoria à maioria!), "ou não
sois membros do congresso, e então não podeis continuar na sessão ... Pela sua
declaração, os delegados da União obrigam-me a fazer-lhes duas perguntas: são
membros do partido, são membros do congresso?" (p. 292).
O camarada Mártov ensina ao camarada Akimov os deveres que incumbem aos
membros do partido! Mas não foi em vão que o camarada Akímov disse que depositava
certas esperanças no camarada Mártov ... Estas esperanças viriam a converter-se em
realidade, mas só depois da derrota do camarada Mártov nas eleições. Quando não se
tratava de si próprio, mas dos outros, o camarada Mártov permanecia surdo, mesmo à
terrível expressão "lei de exceção" lançada pela primeira vez (se não me engano) pelo
camarada Martinou. "As explicações que nos foram dadas - respondeu o camarada
Martínov aos que procuraram convencê-lo a retirar a sua declaração - não puseram a
claro se se tratava de uma decisão de princípio ou de uma medida de exceção contra a
União. Neste caso, consideramos que se fez um ultraje à União. O camarada Egórov,
como nós próprios, tem a impressão que se trata de uma lei de exceção (sublinhado por
mim) contra a União, e por isso abandonou mesmo a sala (295). Tanto o camarada
Màrtov como o camarada Trótski, com Plekhánov, erguem-se energicamente contra a
idéia absurda, realmente absurda, de ver um ultraje na votação do congresso, e o
camarada Trótski, defendendo a resolução adotada por proposta sua pelo congresso
(segundo a qual os camaradas Akímov e Martínov podem considerar-se perfeitamente
satisfeitos), assegura que "a resolução se reveste de um caráter de princípio e não de um
caráter filistino, e náo nos importa que alguém se sinta ultrajado por ela" (p. 296).
Todavia, bem depressa se revelou que a mentalidade de círculo e o espírito filistino
eram ainda demasiado fortes no nosso partido, e as palavras orgulhosas que sublinhei
revelaram-se uma frase oca altissonante.
Os camaradas Akímov e Martínov recusaram-se a retirar a sua declaração e deixaram o
congresso no meio das exclamações gerais dos delegados:
"Absolutamente injustificado!"
Notas: Parte III
(1) Já no congresso da Liga eu procurei expor, com a maior brevidade possível, o que
sucedeu nas reuniões privadas, para evitar discussões sem solução. Os fatos
fundamentais ficam também expostos na minha Carta à Redação do "Iskra" (p. 4). O
camarada Mártov não protestou contra eles na sua Resposta.
(retornar ao texto)
(2) Tentai imaginar este "quadro de costumes": um delegado da organização do Iskra no
congresso reúne-se sozinho com ela e não diz uma única palavra a propósito da reunião
com o CO. Mas depois da sua derrota tanto nesta organização, como no congresso, põe-
se a lamentar que não tenha sido confirmado o CO, a contar-lhe loas com data atrasada
e a ignorar altivamente a organização que lhe tinha outorgado o mandato! Podemos
garantir que não há fato análogo na história de nenhum partido verdadeiramente social-
democrata e verdadeiramente operário.
(retornar ao texto)
(3) O camarada Mártov queixou-se amargamente na Liga da dureza da minha
desaprovação, sem notar que das suas queixas se extraia um argumento contra si
próprio. Lénine comportou-se - para nos servirmos da sua expressão - freneticamente (p.
63 das atas da Liga). Exacto. Bateu com a porta. É verdade. Com a sua conduta
indignou (na segunda ou terceira reunião da organização do lskra) os membros que
ficaram na reunião. Correto. - Mas que se conclui daí? Unicamente que os meus
argumentos sobre o fundo das questões em disputa eram convincentes e foram
confirmados pelo desenrolar do congresso. Porque o certo é que se nove dos dezesseis
membros da organização do Iskra, no fim de contas, se aliaram a mim, é claro que isso
aconteceu apesar destas asperezas malignas, a despeito delas. Portanto, se não tivesse
havido "asperezas", talvez mais de nove membros tivessem estado do meu lado.
Portanto, tanto mais convincentes eram os argumentos e os fatos se tão grande foi a
"indignação" que tiveram de contrabalançar.
(retornar ao texto)
(4) Também propus na organização do Iskra e, como Mártov, não consegui fazê-lo
triunfar, um candidato para o CC, de cuja magnífica reputação, demonstrável por fatos
excepcionais, teria eu podido falar antes do congresso e no início do mesmo. Mas não
está na minha idéia fazê-lo. Este camarada tem dignidade suficiente para não permitir a
ninguém, depois do congresso, propor em letra de forma a sua candidatura ou queixar-
se de enterros políticos, de destruição de reputação, etc.
(retornar ao texto)
(5) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5ª ed. Em russo, t. 8, p. 100. (N.Ed)
(retornar ao
texto)
(6) Segundomeus cálculos [Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, p.
481. (N. Ed.)] a data mencionada na carta corresponde a uma terça-feira. A reunião
efetuou-se numa terça-feira à noite, ou seja, depois da 28.ª sessão do congresso. Este
dado cronológico é muito importante. Ele refuta documentalmente a opinião do
camarada Mártov segundo a qual nós nos teríamos separado a propósito da questão da
organização dos centros, e não da questão da sua composição pessoal. Ele mostra
documentalmente a justeza da minha exposição no congresso da Liga e na Carta à
Redação. Depois da 28.ª sessão do congresso os camaradas Mártov e Starover falam
largamente de uma falsa acusação de oportunismo, e não dizem uma palavra do
desacordo que se verificou sobre a composição do Conselho ou sobre a cooptação para
os centros (o que discutimos nas 25.ª, 26.ª e 27.ª sessões).
(retornar ao texto)
(7) As linhas precedentes estavam já compostas quando recebemos notícias do incidente
do camarada Gússev e do camarada Deutsch. Analisaremos este incidente
separadamente, no anexo (ver o presente tomo, pp. 370-376. - N. Ed)
(retornar ao texto)
(8) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 7, p. 288. (N. Ed.)
(retornar
ao texto)
(9) Eis tudo. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(10) O camarada Starover inclinava-se também, pelos vistos, para o ponto de vista do
camarada Pánine, com a única diferença de que este último sabia o que queira, e, com
toda a consequência, propunha resoluções que convertiam o Conselho em organismo
puramente arbitral, de conciliação, enquanto o camarada Starover não sabia o que queria
ao dizer que, segundo o projeto, o Conselho devia reunir-se "apenas quando o
desejassem as partes" (p. 266). Isto é francamente inexato.
(retornar ao texto)
(11) Ver V.I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed, em russo, t. 7, p. 292. (N. Ed.)
(retornar
ao texto)
(12) Nem o camarada Popov, nem o camarada Mártov, se importavam de chamar
oportunista ao camarada Akímov, e só começaram a zangar-se e a indignar-se no
momento em que se aplicou esse nome a eles próprios, muito justamente de resto, a
propósito da igualdade de direitos das línguas" ou do § 1. O camarada Akímov, cujos
passos o camarada Mártov seguiu, soube no entanto comportar-se no congresso do
partido com mais dignidade e mais coragem do camarada Mártov e C.ª no congresso da
Liga. "Chamam-me aqui oportunista - dizia o camarada Akímov no congresso do
partido -; quanto a mim, acho que é um termo insultuoso, uma injúria, e penso não ter
merecido de modo nenhum; contudo não protesto" (p. 296). Talvez os camaradas
Mártov e Starover tenham convidado o camarada Akímov a subscrever o seu protesto
contra a falsa acusação de oportunismo, e o camarada Akímov recusou?
(retornar ao
texto)
(13) V, I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 7, p. 293. (N. Ed.)
(retornar ao
texto)
(14) Ver ibidem, p. 257. (N. Ed.)
(15) Trata-se do meu projeto inicial de Tagesordnung (ordem do dia - N. Ed.) do
congresso e do comentário que o acompanhava, projeto conhecido por todos os
delegados. O § 22 deste projeto previa justamente a eleição de dois grupos de três para o
OC e o CC, a "cooptação recíproca" por estes seis por maioria de 2/3, a confirmação
desta cooptação recíproca pelo congresso e a cooptação independente ulterior para o OC
e o CC.
(retornar ao texto)
(16) As letras M e L entre parêntesis mostram de que lado estava eu (L) e de que lado
estava Mártov (M).
(retornar ao texto)
Parte IV
m) As Eleições. O Encerramento do Congresso.
Depois da aprovação dos estatutos, o congresso adotou uma resolução sobre as
organizações regionais, várias resoluções relativas a diferentes organizações do partido,
e depois de debates extremamente instrutivos sobre o grupo Iújni rabótchi, cuja análise
fiz anteriormente, o congresso passou à questão das eleições para 05 organismos
centrais do partido.
Sabemos já que a organização do Iskra, de quem todo o congresso esperava ra uma
recomendação autorizada, se tinha dividido neste ponto, querendo a minoria da
organização tentar no congresso, através de uma luta livre e aberta, conquistar a
maioria. Sabemos também que, muito antes do congresso, todos os delegados tinham
tomado conhecimento do plano de renovaçãoda redação pela eleição de dois grupos de
três para o OC e o CC. Detenhamo-nos neste plano mais pormenorizadamente para
esclarecer os debates no congresso.
Eis aqui o texto exato do meu comentário ao projeto de Tagesordnung do congresso, em
que foi exposto este plano*¹: "O congresso elegerá três pessoas para a redação do OC e
outras três para o CC. Estas seis pessoas em conjunto, por maioria de 2/3 se necessário,
completarão a redação do OC e o CC por cooptação, e apresentam ao congresso o
relatório correspondente. Depois da aprovação deste relatório pelo congresso, a
cooptação posterior far-se-á separadamente pela redação do OC e pelo CC."
Deste texto o plano ressalta com uma precisão perfeita e sem o mínimo equívoco: ele
significa a renovação da redação com a participação dos mais influentes dirigentes do
trabalho prático. Os dois aspectos que assinalei neste plano são imediatamente evidentes
para quem se der ao trabalho de ler com alguma atenção o texto citado. Mas nos tempos
que correm devemos determo-nos a explicar mesmo as coisas mais elementares. O
plano significa justamente a renovação da redação, e não necessariamente que se amplie
ou se reduza o número dos seus membros, mas precisamente que se renove, ficando em
aberto a questão de um possível alargamento ou redução; a cooptação é prevista apenas
para os casos em que for necessária. Entre as hipóteses emitidas por diversas pessoas
sobre a questão desta renovação havia também planos de redução ou aumento possível
do número de membros da redação para sete membros (pela minha parte considerei
sempre que sete era muito mais conveniente que seis), e até o aumento deste número
para onze membros (coisa que eu considerava possível no caso de uma união pacífica
com todas as organizações sociais-democratas em geral, com o Bund e a social-
democracia polaca em particular). Mas o mais importante que normalmente esquecem
os que falam do "grupo de três", é que se exige que os membros do CC participem na
solução da questão relativa a cooptação posterior para o OC. Nem um só camarada entre
todos os membros da organização e delegados da "minoria" do congresso que
conheciam este plano e o aprovaram (exprimindo o seu acordo ou de maneira explícita
ou pelo seu silêncio) se deu ao trabalho de explicar o significado desta exigência.
Primeiro: porque se tinha adotado como ponto de partida da renovação da redação
precisamente um grupo de três e só um grupo de três? E evidente que isso careceria em
absoluto de sentido se se visasse exclusivamente, ou pelo menos principalmente,
ampliar esse organismo coletivo, se tal organismo coletivo fosse considerado
verdadeiramente "harmonioso". Seria estranho que para ampliar um organismo coletivo
"harmonioso" não se partisse do seu conjunto, mas apenas de uma parte dele. Sem
dúvida que nem todos os membros desse organismo coletivo eram considerados
inteiramente aptos para discutir e resolver o problema da renovação da sua composição
pessoal, da transformação do velho círculo redatorial num organismo do partido. E
evidente que mesmo quem pessoalmente desejasse a renovação sob a forma de
ampliação reconhecia que a antiga composição não era harmoniosa, que não
correspondia ao ideal de um organismo do partido, porque, de outro modo, não havia
razão para começar por reduzir o grupo de seis a um grupo de três para o ampliar.
Repito: isto é evidente por si só, e apenas um obscurecimento momentâneo da questão
por questões "pessoais" o pôde fazer esquecer.
Em segundo lugar, do texto antes citado ressalta que mesmo o acordo dos três membros
do OC ainda não bastaria para ampliar o grupo de três. Também isto é sempre
esquecido. Para a cooptação são precisos 2/3 de seis, ou seja, quatro votos; por isso
bastaria que os três membros eleitos para o CC opusessem o seu "veto" para tornar
impossível qualquer ampliação do grupo de três. Pelo contrário, mesmo se dois dos três
membros da redação do OC fossem contra a cooptação posterior, esta poderia mesmo
assim efetivar-se se os três membros do CC lhe tivessem dado o seu acordo. E evidente
desta maneira que se pretendia, ao transformar o velho círculo em organismo do partido,
dar voz decisiva aos dirigentes do trabalho prático eleitos pelo congresso. Quais eram,
aproximadamente, os camaradas que tínhamos em mente, mostra-o o fato de a redação,
antes do congresso, ter eleito por unanimidade como sétimo membro o camarada
Pavlóvitch, para o caso de ser necessário falar no congresso em nome do nosso
organismo coletivo; além do camarada Pavlóvitch, propôs-se para o lugar do sétimo um
velho membro da organização do Iskra e membro do CO, mais tarde eleito membro do
CC205.
Assim, o plano de eleição de dois grupos de três visava manifestamente:
1) renovar a redação, 2) eliminar nela certos aspectos do velho espírito de círculo,
inadequado num organismo do partido (se não houvesse nada a eliminar, não teríamos
tido que inventar o grupo de três inicial!), e por fim 3) eliminar os traços "teocráticos"
de um organismo de literatos (eliminação a realizar fazendo com que destacados
militantes práticos intervenham para resolver a questão da ampliação do grupo de três).
Este plano, do qual todos os redatores tinham sido informados, assentava evidentemente
na experiência de três anos de trabalho e correspondia completamente aos princípios
que pusemos em prática consequentemente em matéria de organização revolucionária:
na época de dispersão em que apareceu o Iskra, muitas vezes se constituíam grupos de
modo fortuito e espontâneo, sofrendo inevitavelmente de certas manifestações nefastas
do espírito de círculo. A criação do partido implicava e exigia a eliminação destes
aspectos; a participação de destacados militantes práticos nesta eliminação era
imprescindível, já que nos membros da redação se tinham ocupado sempre de questões
de organização, e não era apenas um organismo de literatos que devia entrar no sistema
dos organismos do partido, mas sim um organismo de dirigentes políticos. O fato de ter
deixado ao congresso a tarefa de eleger o grupo de três inicial, era igualmente natural do
ponto de vista da política desde sempre defendida pelo Iskra: preparamos o congresso
com extremo cuidado, esperando que fossem plenamente esclarecidas as questões de
princípio controversas, do programa, da táctica e da organização; não duvidávamos que
o congresso seria um congresso iskrista no sentido de que a imensa maioria se
solidarizaria nestas questões fundamentais (o que em parte demonstravam também as
resoluções sobre o reconhecimento do Iskra como órgão dirigente); tínhamos pois que
deixar aos camaradas sobre cujos ombros tinha pesado todo o trabalho de difusão das
idéias do Iskra e de preparação da sua transformação em partido decidirem eles próprios
quem eram os candidatos competentes para o novo organismo do partido. E unicamente
pelo caráter natural do plano dos "dois grupos de três", unicamente pela sua plena
conformidade com toda a política do Iskra e com tudo o que sabiam dela os que
tivessem a mais pequena relação com o trabalho, que se pode explicar a aprovação geral
deste plano e a ausência de qualquer outro plano concorrente.
E eis que no congresso o camarada Rússov propõe, antes de mais, que se elejam os dois
grupos de três. Os partidários de Mártov, que nos tinha informado por escrito da relação
deste plano com a falsa acusação de oportunismo, nem sequer pensaram, todavia, em
reduzir a discussão sobre o grupo de seis e o grupo de três à questão de saber se esta
acusação era fundada ou não. Nem um deles o mencionou sequer! Nem um deles ousou
dizer uma só palavra sobre a diferença de princípio dos matizes ligados ao grupo de seis
e ao grupo de três. Preferiram um meio mais corrente e mais barato: apelar para a
piedade, falar de um possível ressentimento, fingir que o problema da redação estava já
resolvido com a designação do Iskra como Orgão Central. Este último argumento,
utilizado pelo camarada Koltsov contra o camarada Rússov, é manifestamente falso. Na
ordem do dia do congresso figuravam - e não acidentalmente, é claro - dois pontos
especiais (ver p. 10 das atas): p. 4- "O OC do partido" e p. 18- "A eleíçao do CC e da
redação do OC". Isto, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ao designar o OC, todos os
delegados declararam categoricamente que com isso não se confirmava a redação, mas
apenas a orientação*², e nenhum protesto se levantou contra estas declarações.
Assim, a declaração de que depois de ter confirmado um órgão determinado o congresso
tinha de fato confirmado desse modo a redação -declaração muitas vezes repetida pelos
partidários da minoria (Koltsov, p. 321, Possadóvski, ibid., Popov, p. 322, e muitos
outros) -, era simplesmente de fato falsa. Era uma manobra evidente para todos, a qual
mascarava o abandono da posição tomada quando todos ainda podiam de modo
verdadeiramente imparcial encarar o problema da composição dos centros. Não era
possível justificar o abandono, nem por razões de principio (porque levantar no
congresso a questão da "falsa acusação de oportunismo" seria demasiado desvantajoso
para a minoria, a qual não disse uma só palavra a esse respeito), nem por uma referência
a fatos concretos sobre a verdadeira capacidade de trabalho do grupo de seis ou do
grupo de três (porque a simples referência a estes fatos teria fornecido uma montanha de
provas contra a minoria). Tiveram que escapar-se, portanto, com frases sobre "o todo
harmonioso", "coletividade harmoniosa", sobre "a harmonia e a integridade cristalina do
todo", etc. Não é de espantar que imediatamente se tenham chamado tais argumentos
pelo seu verdadeiro nome:" palavras mesquinhas" (p. 328). O próprio plano do grupo de
três testemunhava claramente falta "de harmonia", e as impressões recolhidas pelos
delegados no decorrer de mais de um mês de trabalho em comum forneceram sem
dúvida aos delegados uma grande quantidade de dados para que pudessem julgar de
modo independente. Quando o camarada Possadóvski fez alusão (de maneira
imprudente e irrefletida do seu ponto de vista: ver pp. 321 e 325 sobre o emprego
"condicional" que ele fez da palavra "fricções") a estes dados, o camarada Muraviov
declarou francamente: "Na minha opinião, é agora completamente claro para a maioria
do congresso que tais fricções*³ existem indubitavelmente" (p. 321). A minoria quis
compreender a palavra fricções (lançada por Possadóvski e não por Muraviov)
exclusivamente no sentido de algo pessoal, não ousando levantar a luva lançada pelo
camarada Muraviov, não ousando formular um único argumento que na realidade
servisse para a defesa do grupo de seis. Gerou-se uma discussão arquicômica pela sua
esterilidade: a maioria (pela boca do camarada Muraviov), declara ver com toda a
clareza o verdadeiro significado do grupo de seis e do grupo de três, enquanto a minoria
persiste em não ouvir e afirma que "não temos a possibilidade de fazer essa análise". A
maioria não só considera possível fazer essa análise, como já "a fez" e fala dos
resultados para ela perfeitamente claros dessa análise, enquanto a minoria, pelos vistos,
reeia essa análise, escudando-se unicamente nas "palavras mesquinhas". A maioria
recomenda "que se tenha em conta que o nosso OC não é apenas um grupo de literatos";
a maioria "quer que à cabeça do OC estejam pessoas perfeitamente determinadas,
conhecidas do congresso, que preencham as exigências de que falei" (isto é, exigências
não apenas literárias, p. 327, discurso do camarada Langue). Ainda desta vez, a minoria
não ousa levantar a luva e não diz nem uma única palavra sobre quem, na sua opinião,
pode fazer parte de um organismo coletivo que não seja apenas literário, nem diz quem
é uma pessoa "perfeitamente determinada e conhecida do congresso". A minoria
continua a entricheirar-se por trás da famosa "harmonia". Mais ainda. A minoria serve-
se mesmo de argumentos que são absolutamente falsos em princípio, e que por isso
provocam, muito justamente, uma resposta violenta. "O congresso - vejam só - não tem
o direito, nem moral nem política, de modificar a redação" (Trótski, p. 326), "é uma
questão demasiado delicada (sic!)" (ibid.) "como devem comportar-se os membros não
eleitos da redação perante o fato de o congresso não querer que eles façam mais parte
da redação?" (Tsariov, p. 324)*4.
Tais argumentos remetiam já a questão inteiramente para o campo da piedade e do
ressentimento, sendo um reconhecimento manifesto da bancarrota no terreno dos
argumentos verdadeiramente de princípio, verdadeiramente políticos. E a maioria
definiu imediatamente esta maneira de pôr o problema pelo seu verdadeiro nome:
filistinismo (camarada Rússov). "Na boca de revolucionários - disse justamente o
camarada Rússov - ouvimos singulares discursos que estão em evidente desacordo com
o conceito de trabalho de partido, de ética de partido. O argumento essencial que os
adversários da eleição dos grupos de três formulam reduz-se a um ponto de vista
puramente filistino sobre os assuntos do partido" (todos os sublinhados são meus)...
"colocando-nos neste ponto de vista que não é de partido e sim filistino, em cada eleição
iremos encontrar-nos perante a questão de saber se Petrov se não ofenderia vendo que
em vez dele foi eleito Ivanov, se determinado membro do CO se não ofenderia vendo
que em vez dele foi eleito outro para o CC. Camaradas, onde é que isto nos vai levar?
Se nos reunimos aqui não para nos obsequiarmos mutuamente com agradáveis discursos
ou trocarmos amabilidades filistinas, mas para criar um partido, não podemos de
maneira nenhuma estar de acordo com esse ponto de vista. Trata-se de eleger
funcionários e não pode colocar-se a questão de falta de confiança em nenhum dos não
eleitos, mas apenas do bem da causa e de que a pessoa eleita seja adequada para o cargo
para que é designada" (p. 325).
Aconselharíamos todos os que querem entender por si próprios as causas da cisão do
partido e chegar às suas raízes no congresso que leiam e releiam o discurso do camarada
Rússov, cujos argumentos a minoria não refutou, como nem sequer os pôs em dúvida.
Aliás é impossível contestar verdades tão elementares e primárias, cujo esquecimento
tão justamente explicou o próprio camarada Rússov só por "excitação nervosa". E para a
minoria esta é efetivamente a explicação menos desagradável de como eles tinham
podido abandonar o ponto de vista de partido para passar a um ponto de vista filistino e
de círculo*5.
Mas a minoria estava a tal ponto impossibilitada de encontrar argumentos razoáveis e
sérios contra as eleições que, para além de introduzir espírito filistino nos assuntos do
partido, chegou a métodos de caráter francamente escandaloso. De fato, como não
chamar assim ao método utilizado pelo camarada Popov, que aconselhou o camarada
Muraviov "a não aceitar encargos delicados" (p. 322)? Que é isto senão querer
"introduzir-se na consciência alheia", segundo a justa expressão do camarada Sorókine
(p. 328)? Que é isto senão especular sobre "questões pessoais" à falta de argumentos
políticos? Ao afirmar que "sempre protestamos contra tais meios", o camarada Sorókine
tinha ou não razão? "Será admissível a conduta do camarada Deutsch, que procurou de
maneira ostensiva pôr no pelourinho os camaradas que não estavam de acordo com
ele?"*6 (p. 328).
Façamos o balanço dos debates sobre a questão relativa à redação. A minoria não
refutou (nem tentou refutar) as numerosas indicações da maioria sobre o fato de que os
delegados conheciam o projeto do grupo de três desde a abertura do congresso e antes
do congresso e de que, por consequência, esse projeto se baseava em considerações e
dados independentes dos acontecimentos e discussões do congresso. A minoria, ao
assumir a defesa do grupo de seis, tomava uma posição inadmissível e errada quanto aos
princípios baseada em considerações filistinas. A minoria mostrou ter esquecido
completamente o ponto de vista de partido quanto à escolha dos funcionários, sem
procurar sequer fazer uma apreciação de cada candidato para um cargo, da sua
adequação ou não adequação às funções desse cargo. A minoria furtou-se ao exame da
questão a fundo, invocando a famosa harmonia, "vertendo lágrimas", "tomando atitudes
patéticas" (p. 327, discurso de Langue), como se "se quisesse matar" alguém. A minoria
chegou mesmo a "introduzir-se na consciência alheia", a gritar que as eleições eram
"criminosas", a usar de outros meios igualmente inadmissíveis, sob a influência da
"excitação nervosa" (p. 325).
A luta do espírito filistino contra o espírito de partido, das "questões pessoais" do pior
gosto contra as considerações políticas, das palavras mesquinhas contra os conceitos
mais elementares do dever revolucionário, eis o que foi a luta à volta do grupo de seis e
do grupo de três na trigésima sessao do nosso congresso.
E na 31.ª sessão, quando, por maioria de 19 votos contra 17 e três abstenções, o
congresso rejeitou a proposta para confirmação do conjunto da antiga redação (ver p.
330 e a errata), e quando os antigos redatores voltaram para a sala das sessões, o
camarada Mártov, na sua "declaração em nome da maioria da antiga redação" (pp. 330-
33 1), deu provas, em proporções ainda maiores, das vacilações e da mesma
instabilidade da posição política e das concepções políticas. Examinemos em pormenor
cada um dos pontos da declaração coletiva e da minha resposta (pp. 332-333) a esta
declaração.
"A partir de agora - diz o camarada Mártov depois da não confirmação da antiga
redação - o velho Iskra já não existe, e seria mais lógico mudar-lhe o nome. De qualquer
maneira, vemos na nova decisão do congresso uma restrição substancial do voto de
confiança dado ao Iskra numa das primeiras sessoes do congresso."
O camarada Mártov, com os seus colegas, levanta uma questão, verdadeiramente
interessante e instrutiva sob muitos aspectos, sobre a coerência política. Já lhe respondi
ao invocar aquilo que todos tinham dito quando da confirmação do Iskra (p. 349 das
atas, cf. acima, p. 82)*7. E indubitável que estamos na presença de um dos mais
gritantes exemplos de falta de consequência em política. Da parte de quem? Da parte da
maioria do congresso ou da maioria da antiga redação, deixamos ao leitor o cuidado de
julgar. E ainda ao leitor que deixamos o cuidado de decidir de duas outras questões
postas muito a propósito pelo camarada Mártov e pelos seus colegas: 1) é um ponto de
vista filistino ou um ponto de vista de partido que revela o desejo de ver "uma restrição
do voto de confiança ao Iskra" na decisão do congresso de proceder à eleição dos
funcionários para a redação do OC? 2) a partir de que momento deixa realmente de
existir o velho "Iskra" ? A partir do n.0 46, quando Plekhánov e eu começamos ambos a
dirigi-lo, ou a partir do n.0 53, quando a maioria da antiga redação se colocou à cabeça
dele? Se a primeira questão é uma questão de princípio das mais interessantes, pelo
contrário a segunda é uma questão de fato das mais interessantes.
"Como se decidiu agora - prossegue o camarada Mártov - eleger uma redação de três
pessoas, eu declaro em meu nome e em nome dos meus outros três camaradas que
nenhum de nós fará parte dessa nova redação. Pela minha parte, acrescentarei que, se é
exato que alguns camaradas quiseram inscrever o meu nome como um dos candidatos a
esse "grupo de três", vejo-me obrigado a ver nisso uma ofensa que não merecia (sic!).
Digo isto em virtude das circunstâncias em que se decidiu alterar a redação.
Decidiu-se isso por causa de certas "fricções"*8, da incapacidade para atuar da antiga
redação, e o congresso resolveu essa questão num determinado sentido, sem nada
perguntar à redação sobre essas fricções e sem nomear sequer uma comissão para pôr a
claro isso da sua incapacidade para atuar"... (O estranho é que a ninguém da minoria
ocorreu propor ao congresso que "perguntasse à redação" ou nomeasse uma comissão!
Não seria porque, depois da cisão da organização do Iskra e do fracasso das
conversações sobre as quais escreveram os camaradas Mártov e Starover, isso teria sido
inútil?)... "Nestas circunstâncias, devo considerar a hipótese de certos camaradas de que
eu aceitaria trabalhar na redação reformada desta maneira como uma mancha na minha
reputação política"...*9
Foi propositadamente que reproduzi na íntegra este raciocínio, para apresentar ao leitor
uma amostra e o ponto de partida do que floresceu com tanta abundância depois do
congresso e que não podemos qualificar de outro modo senão como querela mesquinha.
Já empreguei esta expressão na minha Carta à Redação do "Iskra" e, apesar do
descontentamento da redação, sou obrigado a repeti-la pela sua exatidão incontestável.
E errado crer-se que tais querelas implicam "motivos baixos" (como conclui a redação
do novo lskra): qualquer revolucionário minimamente familiarizado com as nossas
colónias de exilados e emigrados certamente pôde ver dezenas de exemplos destas
querelas, em que se colocavam e examinavam até à sociedade as mais absurdas
acusações, suspeitas, auto-acusações, questões "pessoais", etc., querelas provocadas
pela "excitação nervosa" e condições de vida anormais, bafientas. Não há um só homem
sensato que se ponha a procurar a todo o custo motivos baixos nestas querelas, por mais
baixas que se iam as suas manifestações. E é apenas por uma "excitação nervosa" que se
pode explicar esta meada emaranhada de absurdos, de questões pessoais, de horrores
fantásticos, de penetrações na consciência alheia, de ofensas e de calúnias imaginárias
que nos oferece o excerto que reproduzi do discurso do camarada Mártov. As condições
de vida bafientas geram entre nós centenas destas querelas, e um partido político não
mereceria consideração se não ousasse dar o seu verdadeiro nome à doença de que
sofre, fazer um diagnóstico implacável e procurar o meio de cura.
Na medida em que se pode distinguir nesta meada algo de princípio, tem de se chegar
inevitavelmente à conclusão de que "as eleições nada têm de comum com uma ofensa à
reputação política", que "negar o direito do congresso de proceder a novas eleições, de
introduzir qualquer modificação nos quadros de funcionários, de selecionar os
componentes dos organismos aos quais outorga poderes", significa embrulhar a questão,
e que "o ponto de vista do camarada Mártov segundo o qual podia eleger-se parte do
antigo organismo revela uma enorme confusão de conceitos políticos" (como disse no
congresso, p. 332)*10.
Omito a observação "pessoal" do camarada Mártov relativa à questão de saber quem
teve a iniciativa do plano do grupo de três e passo à caracterização "política" do
significado que ele deu à não confirmação da antiga redação:... "O que se passou agora
é o último ato da luta que se desenrolou durante a segunda metade do congresso"...
(Muito bem! e esta segunda metade começa no momento em que Mártov, a propósito do
§ 1 dos estatutos, caiu no apertado abraço do camarada Akímov)... "Não é segredo para
ninguém que, quanto a esta reforma, não se trata de "capacidade para atuar", mas de
uma luta pela influência sobre o CC"... (Em primeiro lugar, não e segredo para ninguém
que se tratava tanto da capacidade para atuar como de uma divergência sobre a
composição pessoal do CC, visto que o plano de "reforma" foi apresentado quando
ainda não se podia falar da segunda divergência e quando, em conjunto com o camarada
Mártov, tínhamos escolhido como sétimo membro da redação o camarada Pavlóvitch!
Em segundo lugar, já mostramos, apoiados em documentos, que se tratava da
composição pessoal do CC, e que à la fin des fins *11 o problema se reduziu a uma
diferença de listas: Glébov-Travínski-Popov e Glébov-Trótski-Popov)... "A maioria da
redação mostrou que não queria ver transformado o CC num instrumento da redação"...
(Começa a cantilena de Akimov: a questão da influência, pela qual luta qualquer
maioria, em qualquer congresso de partido, sempre e em todo o lado, a fim de
consolidar esta influência por uma maioria nos organismos centrais, passa para o
domínio dos mexericos oportunistas sobre o "instrumento" da redação, sobre "um
simples apêndice" da redação, como disse o próprio camarada Mártov um pouco mais
tarde, p. 334.) ... "E por isso que foi preciso reduzir o número de membros da redação
(!!). E é por isso que não posso fazer parte de tal redação"... (Vejam só com mais
atenção este "e é por isso que": como poderia a redação transformar o CC num apêndice
ou num instrumento? Exclusivamente no caso de ter três votos no Conselho e abusar
desta superioridade? Não é claro? E não será também claro que o camarada Mártov,
eleito terceiro membro, poderia sempre impedir qualquer abuso e eliminar apenas com o
seu voto qualquer superioridade da redação no Conselho? A questão reduz-se, pois,
precisamente, à composição pessoal do CC, e desde logo fica bem claro que isso de
instrumento e apêndice são meros mexericos.)... "Em conjunto com a maioria da antiga
redação, eu pensava que o congresso poria fim ao "estado de sítio" no seio do partido e
instalaria nele um regime normal. Na prática, o estado de sítio com as suas leis de
exceção contra certos grupos foi prolongado e até se agravou. Só se se mantiver a
composição da antiga redação podemos garantir que os direitos conferidos à redação
pelos estatutos não serão utilizados em prejuízo do partido"...
Esta é a passagem integral do discurso do camarada Mártov em que lançou pela
primeira vez a famigerada palavra de ordem do "estado de sítio". E agora vede a minha
resposta:
..."Ao corrigir a declaração de Mártov sobre o caráter particular do plano dos dois
grupos de três, nem sequer penso, no entanto, em opor-me ao que o próprio Mártov diz
sobre o "significado político" da iniciativa que tomamos não confirmando a antiga
redação. Pelo contrário, estou inteiramente e sem restrições de acordo com o camarada
Mártov em que esta decisão tem grande importância política, mas não no sentido que
lhe atribui Mártov. Este é, disse ele, um ato da luta pela influência no CC na Rússia. Eu
vou mais longe do que Mártov. Toda a atividade do Iskra enquanto grupo particular foi
até agora uma luta pela influência, mas agora trata-se de algo mais, trata-se de
consolidar organicamente esta influência e não só de lutar por ela. A profundidade da
nossa divergência política com o camarada Mártov sobre este ponto manifesta-se
claramente quando ele me lança à cara este desejo de exercer influência no CC, ao passo
que eu me prezo de ter procurado e de continuar a procurar consolidar esta influência
através da organização. Verifica-se que até falamos linguagens diferentes. De que servi-
ria todo o nosso trabalho, todos os nossos esforços, se viessem a ser coroados pela
mesma velha luta pela influência, e não pela plena aquisição e consolidação da
influência? Sim, o camarada Mártov tem toda a razão: o passo dado é
incontestavelmente um grande passo político, que prova que foi escolhida uma das
tendências que atualmente se nos apresentam para o trabalho futuro do nosso partido. E
não estou nada assustado com as palavras terríveis sobre o "estado de sítio no Partido",
sobre as "leis de exceção contra certas pessoas ou certos grupos", etc. Para os elementos
instáveis e hesitantes não somente podemos, mas devemos, criar o "estado de sítio" , e
os nossos estatutos na sua totalidade, todo o nosso centralismo a partir de agora
aprovado pelo congresso, tudo isso mais não é do que um "estado de sítio" contra as
fontes tão numerosas de imprecisão política. Contra a imprecisão necessitamos
justamente de leis especiais, ainda que sejam de exceção, e o passo dado pelo congresso
indicou a direção política justa, dando uma base sólida a tais leis e a tais medidas."*12
Sublinhei neste resumo do meu discurso no congresso a frase que o camarada Mártov
preferiu omitir no seu "Estado de Sitio" (p. 16). Não admira que esta frase lhe tenha
desagradado e que não tenha querido compreender o seu sentido bem claro.
Que significa a expressão "palavras terríveis", camarada Mártov?
Significa troçar, troçar dos que dão grandes nomes a coisas pequenas, que embrulham
uma questão simples com uma fraseologia pretensiosa.
O único, pequeno e simples fato que pôde servir e serviu de pretexto à"excitação
nervosa" do camarada Mártov consistia exclusivamente no fato de o camarada Mártov
ter sofrido uma derrota no congresso, na questão relativa à composição pessoal dos
centros, O significado político deste simples fato foi que a maioria do congresso do
partido, depois de ter triunfado, consolidou a sua influência estabelecendo também a
maioria na direção do partido, lançando, no terreno da organização, uma base para a
luta, por meio dos estatutos, contra aquilo que essa maioria considerava hesitação,
instabilidade e imprecisão*13. Falar a propósito disto de "luta pela influência" com uma
espécie de horror no olhar e queixar-se do "estado de sítio" era apenas fraseologia
pretensiosa, apenas palavras terríveis.
O camarada Mártov não está de acordo com isto? Porque não tenta demonstrar-nos se
houve no mundo um congresso de partido, se é concebível em geral um congresso de
partido em que a maioria não consolidou a influência conquistada: 1) estabelecendo a
mesma maioria nos centros; 2) dando-lhe poder para neutralizar a hesitação, a
instabilidade e a imprecisão?
Antes das eleições, o nosso congresso tinha de resolver a questão: era à maioria ou à
minoria do partido que se devia reservar um terço dos votos no OC e no CC? O grupo
de seis e a Lista do camarada Mártov significavam que o terço nos cabia a nós e os dois
terços aos seus partidários. O grupo de três no OC e a nossa lista significavam que dois
terços eram para nós, e um terço para os partidários do camarada Mártov. O camarada
Mártov recusou-se a chegar a um acordo conosco ou a ceder, e provocou-nos para o
combate, por escrito, diante do congresso; mas depois de ter sofrido a derrota perante o
congresso, pôs-se a chorar e começou a queixar-se do "estado de sítio"! Ora não será
isto uma querela mesquinha? Não será isto uma nova manifestação de tibieza própria de
intelectuais?
Não podemos deixar de recordar a propósito a brilhante definição sociopsicológica
desta última qualidade dada recentemente por K. Kautsky. Os partidos sociais-
democratas de diferentes países estão atualmente sujeitos muitas vezes a doenças do
mesmo gênero, e ser-nos-á muito, muito útil aprender com camaradas mais experientes
o diagnóstico justo e o tratamento acertado. Por isso, a definição de alguns intelectuais
dada por Kautsky só na aparência nos afastará do nosso tema.
... "No momento atual, de novo nos interessamos vivamente pela questão do
antagonismo entre os intelectuais*14 e o proletariado. Os meus colegas" (Kautsky é
também um intelectual, literato e redator) "em muitos casos indignar-se-ão ao ver que
eu admiro este antagonismo. Mas o fato é que ele existe, e a táctica mais inadequada
seria (neste como noutros casos) tentar desembaraçarmo-nos dele negando o fato. Este
antagonismo é um antagonismo social que se manifesta nas classes e não em indivíduos
isolados. Tal como um capitalista, um intelectual pode, individualmente, entregar-se por
inteiro à luta de classe do proletariado. Em tais casos, quando isto tem lugar,o
intelectual muda também de caráter. No que vou dizer a seguir, não tratarei
principalmente dos intelectuais deste tipo, que ainda hoje são exceção no seio da sua
classe. A seguir, quando não houver qualquer reserva especial, entendo por intelectual
apenas um intelectual comum que se situa no terreno da sociedade burguesa, e que e um
representante característico da intelectualidade como classe. Esta classe mantém-se num
certo antagonismo com o proletariado.
"Este antagonismo é de um gênero diferente do antagonismo entre o trabalho e o capital.
O intelectual não é um capitalista. E verdade que o seu nível de vida é burguês e que ele
é obrigado a manter este nível a menos que se transforme num vagabundo, mas ao
mesmo tempo vê-se obrigado a vender o produto do seu trabalho e por vezes mesmo a
sua força de trabalho e sofre com frequência a exploração dos capitalistas e certa
humilhação social. Assim, não existe nenhum antagonismo econômico entre o
intelectual e o proletariado. Mas a sua situação na vida, as suas condições de trabalho,
não são proletárias; daí um certo antagonismo nos sentimentos e nas idéias.
"O proletário não é nada enquanto permanecer um indivíduo isolado. Toda a sua força,
todas as suas capacidades de progresso, todas as suas esperanças, as suas aspirações,
tira-as da organização, da sua atuação sistemática em comum com os seus camaradas.
Sente-se grande e forte quando faz parte de um grande e forte organismo. Este
organismo é tudo para ele, enquanto um indivíduo isolado, em comparação com ele,
significa muito pouco. O proletário luta com a maior abnegação como uma parcela da
massa anônima, sem pretender vantagens pessoais, glória pessoal; ele cumpre o seu
dever em qualquer cargo onde seja colocado, submetendo-se voluntariamente à
disciplina, que penetra todos os seus sentimentos, todo o seu pensamento.
"O que sucede com o intelectual é muito diferente. Ele não luta empregando, de um
modo ou de outro, a força, mas servindo-se de argumentos. As suas armas são os seus
conhecimentos pessoais, as suas capacidades pessoais, as suas convicções pessoais. Só
se pode fazer valer pelas suas qualidades pessoais. A inteira liberdade de manifestar a
sua personalidade apresenta-se-lhe, pois como a primeira condição de êxito no seu
trabalho. Só muito dificilmente se submete a um todo, como parte auxiliar desse todo, e
submete-se-lhe por necessidade e não por inclinação pessoal. A necessidade de uma
disciplina, reconhece-a apenas para a massa e não para os espíritos de elite. Ele próprio,
é evidente, considera-se entre os espíritos de elite...
... "A filosofia de Nieozsche, com o seu culto do super-homem, para quem tudo se reduz
a conseguir o pleno desenvolvimento da sua própria personalidade, para quem qualquer
submissão da sua pessoa a qualquer grande objetivo social se apresenta vil e
desprezível, esta filosofia é a verdadeira concepção do mundo do intelectual, ela torna-o
absolutamente incapaz de participar na luta de classe do proletariado.
"Ao lado de Nietzsche, Ibsen é um representante destacado da concepção do mundo da
intelectualidade, concepção que coincide com a sua maneira de sentir. O seu doutor
Stockmann (no drama Um Inimigo do Povo) não é um socialista, como muitos
supunham, mas o tipo de intelectual que deve necessariamente entrar em conflito com o
movimento proletário e, em geral, com qualquer movimento popular, desde que tente
atuar nele. Isto porque a base do movimento proletário, como a de qualquer movimento
democrático*15, é o respeito pela maioria dos camaradas. O intelectual típico à la
Stockmann vê na "compacta mamona" um monstro que deve ser derrubado.
"O modelo ideal do intelectual que se deixou penetrar inteiramente pelo espírito
proletário, que, sendo um brilhante escritor, perdeu os traços psicológicos próprios da
intelectualidade, que se integrava nas fileiras sem murmurar, trabalhava em qualquer
cargo que lhe confiassem, se tinha consagrado inteiramente à nossa grande causa e
desprezava os chorosos queixumes (weichlicbes Gewinsel) sobre o esmagamento da sua
personalidade, que tantas vezes ouvimos por parte dos intelectuais formados no espírito
de Ibsen e Nietzsche quando lhes acontecia ficar em minoria, o modelo ideal deste
intelectual, como daqueles de que o movimento socialista necessita, era Liebknecho.
Poder-se-ia igualmente citar aqui Marx, que nunca se pôs em primeiro plano e se
submetia de maneira exemplar à disciplina do partido no seio da Internacional, onde
mais de uma vez ficou em minoria."*16
Precisamente chorosos queixumes de intelectual que ficou em minoria, e nada mais, foi
a renúncia de Mártov e dos seus colegas ao cargo apenas por não ter sido confirmado o
antigo círculo, as lamentações sobre o estado de sítio e as leis de exceção "contra
determinados grupos" que não eram caros a Mártov quando da dissolução do Iújni
Rabótchi e da Rabótcheie Dielo, mas que se lhe tornaram caros quando da dissolução do
seu organismo coletivo.
Precisamente chorosos queixumes de intelectuais em minoria foram afinal todas as
queixas, censuras, alusões, lamentações, mexericos e insinuações sobre a <o compacta
maioria", de que correram rios no nosso congresso do partido*17 (e ainda mais depois
do congresso), por obra e graça do camarada Mártov.
A minoria queixava-se amargamente de que a compacta maioria tinha as suas reuniões
privadas: na verdade, a minoria de algum modo tinha que encobrir o fato, para ela
desagradável, de que os delegados que convidava para as suas reuniões privadas se
recusavam a lá ir, e aqueles que de bom grado o teriam feito (os Egórov, os Mákhov, os
Brúker) não podiam ser convidados pela minoria depois de toda a luta travada entre uns
e outros no congresso.
Lamentaram-se amargamente da "falsa acusação de oportunismo": na verdade, de
algum modo se tinha que encobrir o fato desagradável de que precisamente os
oportunistas, que apoiavam com muito mais frequência os anti-iskristas, e em parte os
próprios anti-iskiristas, formavam a compacta minoria, agarrando-se com ambas as
mãos à manutenção do espírito de circulo nos organismos, do oportunismo nos
raciocínios, do filistinismo nos assuntos de partido, da instabilidade e tibieza própria de
intelectuais.
Mostraremos no capítulo seguinte em que consiste a explicação do fato político
altamente interessante de no fim do congresso se ter formado uma "compacta maioria",
e por que razão a minoria, apesar de todas as solicitações, evita com o maior cuidado a
questão das causas e a história da sua formação. Mas terminemos primeiro a análise dos
debates no congresso.
Durante as eleições para o CC, o camarada Mártov propôs uma resolução extremamente
característica (p. 336), cujos três aspectos principais são o que eu qualificava por vezes
de "xeque-mate em três lances". São estes os traços: 1) votam-se as listas de candidatos
para o CC, e não candidatos individuais; 2) depois da leitura das listas, deixa-se passar
duas sessões (para os debates, com certeza); 3) na ausência de uma maioria absoluta,
reconhece-se a segunda votação como definitiva. Esta resolução é de uma estratégia
engenhosamente concebida (devemos fazer justiça, mesmo ao adversário!), com a qual
não está de acordo o camarada Egórov (p. 337), mas que seguramente garantiria a
vitória completa a Mártov, se o grupo de sete, formado pelos bundistas e os partidá rios
da "Rabótcheie Dielos", não tivesse abandonado o congresso. A estratégia explica-se
justamente porque a minoria iskrista não tinha nem podia ter um "acordo direto" (que
existia na maioria iskrista) não só com o Bund e Brúker, mas nem sequer com os
camaradas Egórov e Mákhov.
Lembrai-vos que o camarada Mártov se lamentou no congresso da Liga, pretendendo
que a "falsa acusação de oportunismo" implicava um acordo direto entre ele e o Bund.
Repito, foi o medo que inspirou a Mártov esta idéia, e justamente o desacordo do
camarada Egórov com a votação das listas (o camarada Egórov "ainda não tinha perdido
os seus princípios", provavelmente os princípios que o levaram a associar-se com
Goldblat na apreciação da importância absoluta das garantias democráticas) mostra
visivelmente o fato de enorme importância de nem mesmo com Egórov ter podido
efetivar-se um ""acordo direto". Mas a coligação podia fazer-se e fez-se tanto com
Egórov como com Brúker, coligação no sentido de que o seu apoio era assegurado) aos
martovistas todas as vezes que os martovistas entrassem em sério conflito conosco, e
que Akímov e os seus amigos tivessem que optar pelo mal menor. Não havia nem
sombra de dúvida de que, a título do mal menor, como aquilo que menos conduzia aos
objetivos iskristas (ver o discurso de Akímov sobre o § 1 e as suas "esperanças" postas
em Mártov), os camaradas Akímov e Líber teriam votado evidentemente pelo grupo de
seis para o CC e pela lista de Mártov para o CC. A votação por listas, o deixar passar as
duas sessões e a nova votação visavam obter precisamente este resultado com precisão
quase mecânica, sem nenhum acordo direto.
Mas como a nossa compacta maioria continuava a ser uma maioria compata, o
movimento de flanco que o camarada Mártov propunha era apenas uma manobra
dilatória, e não podíamos deixar de rejeitá-la. A minoria (numa declaração, p. 341) por
escrito deu rédea solta às suas queixas a este respeito, recusando, a exemplo de
Martínov e Akímov, participar na votação e nas eleições para o CC "dadas as condições
nas quais estas se efetuavam". Depois do congresso, estas queixas contra as condições
anormais das eleições (ver Estado de Sítio, p. 31) foram espalhadas a torto e a direito
perante centenas de comadres do partido. Mas em que consistia esta anormalidade? Na
votação secreta que tinha sido prevista antecipadamente pelo regulamento do congresso
(§ 6, p. 11 das atas), e na qual seria ridículo ver "hipocrisia" ou "injustiça"? Na
formação de uma compacta maioria, essa "coisa monstruosa" para os intelectuais dados
às lamúrias? Ou no desejo anormal destes respeitáveis intelectuais de faltar à palavra
que tinham dado, antes do congresso, de reconhecer a validade de todas as suas eleições
(p. 380, § 18, do regulamento do congresso)?
O camarada Popov fez uma subtil alusão a este desejo quando, no dia das eleições,
perguntou diretamente no congresso: "O bureau tem a certeza de que a decisão do
congresso é válida e legítima quando metade dos participantes nele se recusaram a
votar?*18 O bureau respondeu naturalmente que tinha a certeza e recordou o incidente
com os camaradas Akimov e Martínov. O camarada Mártov juntou-se ao bureau e
declarou terminantemente que o camarada Popov se enganava e que "as decisões do
congresso são legítimas" (p. 343). Que o leitor julgue por si próprio da coerência
política, pelos vistos altamente normal, a qual se manifesta quando se compara esta
declaração perante o partido com a conduta depois do congresso e com a frase do
Estado de Sítio sobre "a insurreição desencadeada já no congresso por metade do
partido" (p. 20). As esperanças que o camarada Akímov depositava no camarada
Mártov foram mais fortes que as efêmeras boas intenções do próprio camarada Mártov.
"Venceste", camarada Akimov!
* * *
Para mostrar a que ponto era uma "palavra terrível" a famigerada frase relativa ao
""estado de sitio", frase que adquiriu já para sempre um sentido tragicômico, pode-se
citar alguns pormenores, insignificantes na aparência, mas no fundo muito importantes,
do fim do congresso, fim esse que teve lugar depois das eleições. O camarada Mártov
está agora obcecado por esse "estado de sítio" tragicômico, afirmando muito a sério a si
próprio e ao leitor que o espantalho por ele inventado significava uma perseguição
anormal, um acossar, um atropelo da "minoria" pela "maioria". Vamos mostrar em
seguida como as coisas se passaram depois do congresso. Mas basta mesmo prestar
atenção ao fim do congresso para ver que, depois das elições, a "compacta maioria" não
só não persegue os pobres martovistas, atropelados, ofendidos e levados ao patíbulo
como, pelo contrário, lhes oferece ela própria (pela boca de Liádov) dois lugares, de
três, na comissão das atas (p. 354). Pegai nas resoluções sobre os problemas tácticos e
sobre outros pontos (p. 355 e segs.) e vereis que se tratou dos problemas a fundo de um
ponto de vista puramente prático, em que as assinaturas dos camaradas que
apresentaram resoluções incluem frequentemente misturados tanto representantes da
monstruosa e compacta "maioria" como partidários da "humilhada e ofendida"
"minoria" (pp. 355, 57, 363, 365, 367 das atas). Verdadeiramente, acaso se assemelha
isto a um ""afastamento do trabalho" e a todos os outros "atropelos"?
A única discussão de fundo interessante, mas infelizmente demasiado curta, travou-se a
propósito da resolução de Starover sobre os liberais. A julgar pelas assinaturas que a
subscrevem (pp. 357 e 358), esta foi adotada pelo congresso porque três partidários da
"maioria" (Braun, Orlov e Óssipov) votaram em bloco tanto por ela como pela
resolução de Plekhánov, por não verem a contradição irredutível que existia entre
ambas. À primeira vista, não há contradição irredutível entre elas, visto que a de
Plekhánov estabelece um princípio geral, exprime uma certa atitude do ponto de vista de
princípios e da táctica para com o liberalismo burguês na Rússia, e a de Starover tenta
determinar as condições concretas nas quais são admissíveis "acordos temporários" com
"tendências liberais ou democrático-liberais". Os temas destas duas resoluções são
diferentes. Mas a de Starover sofre precisamente de imprecisão política, sendo por isso
fútil e mesquinha. Ela não define o conteúdo de classe do liberalismo russo, não indica
as tendências políticas definidas que o refletem; não elucida o proletariado sobre as
tarefas fundamentais de propaganda e agitação relativamente a essas tendências
definidas; confunde (em virtude da sua imprecisão) coisas diferentes como o
movimento estudantil e a Osvobojdénie206, prescreve de modo mesquinho e casuístico
três condições concretas nas quais são admissíveis "acordos temporários". Neste caso
como em muitos outros, a imprecisão política conduz à casuística. A ausência de um
princípio geral e o desejo de enumerar as "condições" levam a uma enumeração
mesquinha e, rigorosamente falando, inexata, dessas condições. Com efeito, examinai
estas três condições de Starover: 1) "as tendências liberais ou democrático-liberais"
devem "afirmar claramente e sem equívoco que, na sua luta contra o governo
autocrático, se colocam resolutamente ao lado da social-democracia russa". Que
diferença há entre as tendências liberais e as tendências democrático-liberais? A
resolução não fornece dados para responder a esta questão. Não consistirá a diferença
em que as tendências liberais exprimem a posição das camadas politicamente menos
progressistas da burguesia, enquanto as tendências democrático-liberais exprimem a
posição das camadas mais progressistas da burguesia e da pequena burguesia? Se assim
é, como pode o camarada Starover admitir que as camadas burguesas menos
progressistas (mas progressistas apesar de tudo, senão não se poderia falar de
liberalismo) "se colocarão resolutamente ao lado da social-
-democracia"?? Isto é um absurdo, e ainda que os representantes dessa tendência "o
afirmassem claramente e sem equívoco" (hipótese totalmente impossível), nós, partido
do proletariado, teríamos o dever de não acreditar nas suas declarações. Ser liberal e
colocar-se resolutamente ao lado da social-democracia, eis duas coisas que se excluem
mutuamente.
Prossigamos. Admitamos o caso seguinte: "as tendências liberais ou democrático-
liberais" declararão claramente e sem equívoco que, na sua luta contra a autocracia, se
colocam resolutamente ao lado dos socialistas-revolucionários. Hipótese bem menos
inverosímil (considerando a essência democrático-burguesa da tendência dos
socialistas-revolucionários) que a do camarada Starover. A resolução deste, em virtude
do seu caráter impreciso e casuístico, implica que neste caso acordos temporários com
liberais deste gênero são inadmissíveis. E no entanto, esta conclusão, que decorre
necessariamente da resolução do camarada Starover, conduz a uma tese francamente
falsa. Os acordos temporários são também admissíveis com os socialistas-
revolucionários (vede a propósito disto a resolução do congresso) e, por consequência,
com os liberais que se colocarem ao lado dos socialistas- revolucionários.
Segunda condição: se essas tendências "não inscreverem nos seus programas
reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e da democracia em geral, ou
que obscurecem a sua consciência". Aqui temos o mesmo erro: não existiram nunca,
nem podem existir, tendências democrático-liberais que não inscrevam nos seus
programas reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e que não
obscureçam a sua (do proletariado) consciência. Mesmo uma das frações mais
democráticas da nossa tendência democrático-liberal, a dos socialistas-revolucionários,
formula no seu programa, confuso como todos os programas liberais, reivindicações
contrárias aos interesses da classe operária e obscurecedoras da sua consciência. Desse
fato deve-se tirar a conclusão de que é imprescindível "desmascarar a estreiteza e a
insuficiência do movimento de emancipação da burguesia", mas de modo algum que
sejam inadmissíveis acordos temporários.
Enfim, a terceira "condição" do camarada Starover (exigindo que os democratas-liberais
façam do sufrágio universal, igual, direto e secreto palavra de ordem da sua luta)
também é falsa na formulação geral em que nos é dada: não seria razoável declarar que
os acordos temporários e particulares são, em qualquer caso, inadmissíveis com as
tendências democrático-liberais que defendem a palavra de ordem de uma constituição
censitária, uma constituição "cerceada" em geral. No fundo, poderíamos classificar aqui
a "tendência" dos senhores da Osvobojdénie; mas atar-se as mãos, proibindo
antecipadamente os "acordos temporários", ainda que com os liberais mais timoratos,
seria uma miopia política incompatível com os princípios do marxismo.
Balanço:a resolução do camarada Starover, assinada igualmente pelos camaradas
Mártov e Axelrod, é errada; e o terceiro congresso fará bem se a anular. Padece de
imprecisão política na sua posição teórica e táctica, de casuística nas "condições"
práticas que estipula. Confunde duas questões diferentes: 1) o desmascaramento dos
traços "anti-revolucionários e anti-proletários" de qualquer tendência democrático-
liberal e a obrigatoriedade da luta contra estes traços e 2) as condições em que são
possíveis acordos temporários e particulares com qualquer destas tendências. Esta
resolução não apresenta o que é necessário (análise do conteúdo de classe do
liberalismo) e apresenta o que não é necessário (prescrição de "condições"). De maneira
geral, num congresso do partido, é absurdo querer elaborar as "condições" concretas de
acordos temporários quando ainda não se apresentou nenhum contratante determinado,
sujeito desses possíveis acordos. E ainda que tal "sujeito" existisse, seria cem vezes
mais racional deixar o cuidado de precisar as "condições" do acordo temporário aos
organismos centrais do partido, como aliás fez o congresso com a ""tendência" dos
senhores socialistas-revolucionários (ver a modificação introduzida por Plekhánov no
final da resolução do camarada Axelrod, pp. 362 e 15 das atas).
Quanto às objeções apresentadas pela "minoria" à resolução de Plekhánov, eis o único
argumento que o camarada Mártov invocou: a resolução de Plekhánov "termina com
uma conclusão mesquinha: é preciso desmascarar um literato. Não será "armar-se com
um malho para abater uma mosca"?" (p. 358). Este argumento, em que a ausência de
idéias é dissimulada por uma expressão mordaz - "conclusão mesquinha" - dá-nos uma
nova amostra da fraseologia pretensiosa. Primeiro, a resolução de Plekhánov fala em
"desmascarar perante o proletariado a estreiteza e a insuficiência do movimento de
emancipação da burguesia, sempre que essa estreiteza e insuficiência se manifestem".
Por isso é a mais pura futilidade a afirmação do camarada Mártov (no congresso da
Liga, p. 88 das atas) de que "toda a atenção se deve concentrar unicamente em Struve,
num só liberal". Em segundo lugar, comparar o senhor Struve a uma "mosca", quando
se trata da possiblidade de acordos temporários com os liberais russos, é sacrificar à
mordacidade a mais elementar evidência política. Não, o senhor Struve não é uma
mosca, é uma grandeza política; e se o é, não será porque pessoalmente seja unia figura
muito destacada. A sua qualidade de grandeza política advém-lhe da sua posição, a sua
posição de único representante do liberalismo russo, do liberalismo com certa
organização e capacidade de atuar no mundo da clandestinidade. Por isso, falar dos
liberais russos e da atitude do nosso partido para com eles sem ter em conta
precisamente o senhor Struve, e precisamente a Osvobojdénie - é falar para não dizer
nada. Ou tentará talvez o camarada Mârtov indicar-nos mesmo que seja só uma
"tendência liberal ou democrático-liberal" na Rússia que possa, no momento atual,
mesmo de longe, comparar-se à tendência da Osvobojdénie? Seria curioso ver
semelhante renrativa*19!
"O nome de Struve nada significa para os operários", declarou o camarada Kostrov em
apoio do camarada Mártov. Este é já, sem ofensa para os camaradas Kostrov e Márrov,
um argumento à Akimov. Este é já um argumento como o do proletariado no
genitivo207.
Quais são os operários para quem "o nome de Struve não significa nada" (do mesmo
modo que o da Osvobojdénie mencionado na resolução de Plekhánov ao lado do nome
do senhor Struve)? São os operários que conhecem muitíssimo pouco ou não conhecem
absolutamente nada das "tendências liberais e democrático-liberais" na Rússia.
Perguntamos qual deve ser a atitude do congresso do nosso partido para com esses
operários: deverá encarregar os membros do partido de dar a conhecer a esses operários
a única tendência liberal definida existente na Rússia? ou deve calar um nome pouco
conhecido dos operários precisamente em virtude da insuficiência dos seus
conhecimentos políticos? Se o camarada Kostrov, depois de ter dado o primeiro passo
na esteira do camarada Akimov, não quer dar o segundo passo, resolverá seguramente
esta questão no primeiro sentido. E tendo-a resolvido no primeiro sentido, verá como o
seu argumento era inconsistente. Em todo o caso, as palavras "Struve" e Osvobojdénie,
na resolução de Plekhánov, podem dar aos operários muito mais do que as palavras
"tendência liberal e democrático-liberal", na resolução de Srarover.
No momento atual, o operário russo não pode tomar conhecimento na prática das
tendências políticas mais ou menos francamente expressas do nosso liberalismo a não
ser através da Osvobojdénie. A literatura liberal legal não serve neste caso porque é
demasiado nebulosa. E nós devemos com o maior zelo (e perante massas operárias o
mais vastas possíveis) dirigir a arma da nossa crítica contra os elementos da
Osvobojdénie para que no momento da revolução futura o proletariado russo possa, com
a verdadeira critica das armas, paralisar as inevitáveis tentativas dos senhores da Osvo-
bojdénie de cercear o caráter democrático da revolução.
__________
À parte a "perplexidade", de que falei anteriormente, do camarada Egórov sobre o nosso
"apoio" ao movimento de oposição e revolucionário, os debates sobre as resoluções não
forneceram material interessante, e de resto quase não houve debates.
_________
O congresso terminou com breves palavras do presidente recordando o caráter
imperativo das decisões do congresso para todos os membros do partido.
_________
*¹ Ver a minha Carta à redação do "Iskra", p. 5, e as atas da Liga, p. 53
*² Ver p. 140 das atas, o discurso de Akhnov: ... "dizem-me que das eleições para o OC
falaremos no fim"; o discurso de Muraviot contra Akímov "que toma demasiado a peito
a questão da futura redação do OC" (p. 141); "discurso de Pavlóvitch declarando que,
uma vez designado o órgão, tínhamos "materiais concretos com os quais podemos fazer
as operações com que o camarada Akímov tanto se preocupa", e que. quanto à
"submissão" do Iskra ""às decisões do partido", não podia haver nisso nem sombra de
dúvida (p. 142); o discurso de Trotski: " se não confirmamos a redação o que é que nós
confirmamos no Iskra?... Não é o nome, mas a orientação ... não é o nome, mas a
bandeira" (p. 142); o discurso de Martínov: ... "Considero, como de resto muitos outros
camaradas, que ao discutir o reconhecimento do Iskra como jornal duma certa
tendência, como nosso Órgão Central, não devemos falar agora do modo de eleição ou
de confirmação da sua redação; falaremos disso mais tarde, no lugar correspondente da
ordem do dia"...(p. 143)
*³ Terminou o congresso sem que soubéssemos a que"fricções" o camarada Possadóvski
se referia. Quanto ao camarada Muraviov, na mesma sessão (p. 322) pôs em dúvida que
se tivesse interpretado fielmente o seu pensamento, e quando se retificavam as atas
declarou francamente que "falava de fricções que tinha havido nos debates no congresso
sobre diversas questões, de fricções de um caráter de princípio, cuja existência,
infelizmente, é no momento atual uma fato que ninguém negará" (p. 353).
*4 CF. o discurso do camarada Possadóvski:... " Ao escolher três membros entre os seis
da antiga redação, dizeis desse modo que os outros três são inúteis, supérfluos. E não
tendes nem o direito nem motivos fundados para fazer."
*5 O camarada Mártov, no seu Estado de Sítio, abordou esta questão do mesmo modo
que todos os outros problemas por ele tratados. Não se deu ao trabalho de esboçar um
quadro completo da discussão. Muito modestamente, rodeou a única verdadeira questão
de princípio surgida nesta discussão: amabilidades filistinas ou eleição de funcionários?
Ponto de vista de partido ou ressentimento dos Ivan Ivánovitch? Também aqui o
camarada Mártov contentou-se em extrair passagens isoladas e desgarradas deste
incidente, acrescentando toda a espécie de injúrias contra mim. É bem pouco, camarada
Màrtov!
Ocamarada Mártov insiste particularmente em perguntar-me a mim por que razão não se
elegeu no congresso os camaradas Axelrod, Zassúlitch e Starover. O ponto de vista
filistino por ele adotado impede-o de ver como são-indecorosas tais perguntas (porque
não pergunta isso ao seu colega de redação, o camarada Plekhánov?). No fato de eu
considerar que "houve falta de tato" na conduta da minoria no congresso quanto à
questão do grupo de seis e exigir ao mesmo tempo que se informe disso o partido, vê
Mártov uma contradição. Não há qualquer contradição nisto, como bem facilmente
poderia dar-se conta o próprio Mártov, se se quisesse ter dado ao trabalho de fazer uma
exposição coerente de todas as peripécias do problema, e não de fragmentos. Ter falta
de tato era pôr a questão do ponto de vista filistino, fazendo apelo à piedade e ao
ressentimento; os interesses da publicidade de partido teriam exigido uma apreciação,
quanto ao fundo, das vantagens do grupo de seis em comparação com o grupo de três,
apreciação dos candidatos aos cargos, apreciação dos matizes: a minoria não disse
sequer uma palavra acerca disto no congresso.
Estudando atentamente as atas, o camarada Mártov teria podido encontrar nos discursos
dos delegados toda uma série de argumentos contra o grupo de seis. Eis alguns excertos
desses discursos: primeiro, o antigo grupo de seis deixa perceber claramente algumas
asperezas no sentido de matizes de princípio; segundo, seria desejável uma
simplificação técnica do trabalho redatorial; terceiro, os interesses da causa passam por
cima das amabilidades filiseinas; só a eleição permitirá garantir que as pessoas
escolhidas sejam adequadas aos cargos; quarto, não se pode limitar a liberdade de
eleição pelo congresso; quinto, o partido agora não precisa apenas de um grupo de
literatos no OC, o OC não precisa apenas de homens de letras, mas também de
administradores; sexto, o OC deve dispor de pessoas perfeitamente determinadas,
conhecidas do congresso; sétimo, um organismo formado por seis pessoas é muitas
vezes incapaz de atuar, e o seu trabalho não se fez graças a estatutos anormais, mas a
despeito deles; oitavo, dirigir um jornal é assunto do partido (e não dum circulo), etc. -
Que o camarada Mãrtov tente, se se interessa tanto pelas causas da não eleição destas
pessoas, compreender cada uma destas considerações e refutar nem que seja uma só
delas.
*6 Foi assim que o camarada Sorókine, naquela mesma sessão, compreendeu as
palavras do camarada Deursch (cf. p. 324: "diálogo violento com Orlov"). O camarada
Deutsch explica (p. 351) que "não disse nada semelhante", mas reconhece
imediatamente que disse algo de muito, muito "semelhante". "Eu não disse: quem se
decidirá - explica o camarada Deutsch -, mas estou com curiosidade dever quem se
decidirá [(sicf) o camarada Deutsch corrige-se, indo de mal a pior!) a apoiar uma
proposta tão criminosa (sic!) como a eleição do grupo de três" (p. 351). O camarada
Deutsch não refutou, antes confirmou, as palavras do camarada Sorókine. O camarada
Deutsch confirmou a censura deste último de que "todas as noções se ralharam aqui"
(nos argumentos da minoria a favor do grupo de seis). O camarada Deustch confirmou a
oportunidade da alusão do camarada Sorókine a esta verdade elementar de que " nós
somos membros do partido e devemos agir guiados exclusivamente por considerações
políticas". Gritar que as eleições foram criminosas é rebaixar-se não só a uma atitude
filistina, mas francamente ao escandalozinho!
*7 Ver o presente tomo, pp. 293-294. (N. Ed.)
*8 O camarada Mártov faz provavelmente alusão à expressão do camarada Possadóvski:
"fricções". Repito que o camarada Possadóvski não explicou no entanto ao congresso
onde ele queria chegar, e o camarada Muraviov, que usou a mesma expressão, explicou
que falava de fricções de princípio que tinham surgido nos debates do congresso. Os
leitores lembrar-se-ão que o único exemplo de verdadeiros debates de princípio,
debates nos quais tinham participado quatro redatores (Plekhánov, Mártov, Axelrod e
eu) se referia ao § 1 dos estatutos, e que os camaradas Mártov e Starover se queixaram
por escrito da "falsa acusação de oportunismo" como um dos argumentos a favor da
"alteração" da redação. Nesta carta, o camarada Mãrtov descobria uma ligação clara do
"oportunismo" como plano de alteração da redação, mas no congresso contentou-se em
fazer uma vaga alusão a "certas fricções". A "falsa acusação de oportunismo estava já
esquecida!
*9 O camarada Mártov acrescentou ainda: "Talvez Riazánov consentisse fazer esse
papel, mas não o Mártov que conheceis, penso eu, pelo seu trabalho," Como se tratava
de um ataque pessoal contra Riazánov, o camarada Mártov retirou as suas palavras. Mas
Riazánov figurou no congresso como tipo representativo, não por estas ou aquelas
qualidades pessoais (seria deslocado falar delas), mas pela fisionomia política do grupo
"Borbá", pelos seus erros políticos. O camarada Mártov faz muito bem em retirar as
ofensas pessoais, supostas ou reais, mas não se devem esquecer por isso os erros
políticos que devem servir de lição ao partido. O grupo "Borbá" foi acusado no nosso
congresso de semear o "caos organizativo" e a "fragmentação que nenhuma
consideração de princípio justificava" (p. 38, discurso do camarada Mártov). Tal
conduta política merece seguramente ser censurada, não só quando a vemos manifestar-
se num pequeno grupo antes do congresso do partido num período de caos geral, mas
também quando a vemos depois do congresso do partido, quando se elimina o caos,
mesmo quando a vemos da parte da "maioria da redação do lskra e da maioria do grupo
"Emancipação do Trabalho".
*10 Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 7, p. 305. (N. Ed.)
*11 No fim dos fins. (N. Fel.)
*12 Ver V.I. Lènine, Obras Completas, 5.ª ed. Em usso, t. 7, pp.307-398 (N. Ed.)
*13 Como se manifestaram no congresso a hesitação, a instabilidade e a imprecisão da
minoria iskrista? Primeiro, no fraseado oportunista sobre o § 1 dos estatutos; segundo,
na coligação com os camaradas Akímov e Líber, a qual se desenvolveu rapidamente na
segunda metade do congresso; terceiro, na faculdade de rebaixar a questão da eleição
dos funcionários para o OC a um nível filistino, a palavras mesquinhas e até à
penetração na consciência alheia. E depois do congresso tão belas qualidades
amadureceram, e os botões deram flores e frutos.
*14 Traduzo pelas palavras intelectual, intelectualidade, os termos alemães Literat,
Literatentum. que englobam não só os literatos, mas todos os homens instruídos, das
profissões liberais em geral, os trabalhadores intelectuais (brain worker, como dizem os
ingleses), ao contrário dos trabalhadores manuais.
*15 É muito característico do confusionismo que os nossos martovistas provocaram em
todos os problemas de organização o fato de que, depois de terem feito uma viragem
para Akímov e para uma democracia deslocada, estão ao mesmo tempo irritados pela
eleição democrática da redação, eleição feita no congresso e de antemão prevista por
todos. Será este também o vosso princípio, scnhores?
*16 Karl Kautsky, "Franz Mehring., Neue Zeit, XXII, I, S. 99-101, 1903, n.º 4.
*17 Ver pp. 337, 338, 340, 352, etc., das atas do congresso.
*18 P. 342. Trata-se da eleição do quinto membro do Conselho. Foram entregues 24
boletins (44 votos ao todo), dos quais havia dois em branco.
*19 No congresso da Liga, o camarada Mártov aduziu ainda este argumento contra a
resolução do camarada Plekhánov: A principal objeção contra esta resolução, o
principal defeito desta resolução, é que ela desconhece inteiramente o fato de que temos
o dever de não nos furtarmos, na luta contra a autocracia, a uma aliança com os
elementos democrático-liberais. O camarada Lénine teria chamado a tal tendência uma
tendência martinoviana. Esta tendência manifesta-se já no novo Iskra" (p. 88).
Esta passagem é uma coleção de "pérolas" duma rara riqueza. 1) As palavras sobre a
aliança com os liberais são uma completa embrulhada. Ninguém falou sequer de uma
aliança, camarada Mártov, mas apenas de acordos provisórios ou particulares. São
coisas muito diferentes. 2) Se na sua resolução Plekhánov não fala de uma "aliança"
inacreditável e só fala, em geral, de "apoio", isso não é um defeito, mas um mérito da
sua resolução. 3) O camarada Mártov não seria capaz de se dar ao trabalho de nos
explicar o que caracteriza, em geral, as "tendências martinovianas."? Não vai dizer-nos
qual é a relação destas tendências com o oportunismo? Não quererá ver a relação dessas
tendências com o parágrafo primeiro dos estatutos? 4) Na verdade, estou a arder de
impaciência para ouvir o camarada Mártov dizer como se manifestaram as "tendências
martinovianas" no "novo" Iskra. Peço-lhe, camarada Mártov, livre-me o mais
rapidamente possível dos tormentos da espera!
Notas: Parte IV
(1) Ver a minha Carta à redação do "Iskra", p. 5, e as atas da Liga, p. 53
(retornar ao
texto)
(2) Ver p. 140 das atas, o discurso de Akhnov: ... "dizem-me que das eleições para o OC
falaremos no fim"; o discurso de Muraviot contra Akímov "que toma demasiado a peito
a questão da futura redação do OC" (p. 141); "discurso de Pavlóvitch declarando que,
uma vez designado o órgão, tínhamos "materiais concretos com os quais podemos fazer
as operações com que o camarada Akímov tanto se preocupa", e que. quanto à
"submissão" do Iskra ""às decisões do partido", não podia haver nisso nem sombra de
dúvida (p. 142); o discurso de Trotski: " se não confirmamos a redação o que é que nós
confirmamos no Iskra?... Não é o nome, mas a orientação ... não é o nome, mas a
bandeira" (p. 142); o discurso de Martínov: ... "Considero, como de resto muitos outros
camaradas, que ao discutir o reconhecimento do Iskra como jornal duma certa
tendência, como nosso Órgão Central, não devemos falar agora do modo de eleição ou
de confirmação da sua redação; falaremos disso mais tarde, no lugar correspondente da
ordem do dia"...(p. 143)
(retornar ao texto)
(3) Terminou o congresso sem que soubéssemos a que"fricções" o camarada
Possadóvski se referia. Quanto ao camarada Muraviov, na mesma sessão (p. 322) pôs
em dúvida que se tivesse interpretado fielmente o seu pensamento, e quando se
retificavam as atas declarou francamente que "falava de fricções que tinha havido nos
debates no congresso sobre diversas questões, de fricções de um caráter de princípio,
cuja existência, infelizmente, é no momento atual uma fato que ninguém negará" (p.
353).
(retornar ao texto)
(4) CF. o discurso do camarada Possadóvski:... " Ao escolher três membros entre os seis
da antiga redação, dizeis desse modo que os outros três são inúteis, supérfluos. E não
tendes nem o direito nem motivos fundados para fazer."
(retornar ao texto)
(5) O camarada Mártov, no seu Estado de Sítio, abordou esta questão do mesmo modo
que todos os outros problemas por ele tratados. Não se deu ao trabalho de esboçar um
quadro completo da discussão. Muito modestamente, rodeou a única verdadeira questão
de princípio surgida nesta discussão: amabilidades filistinas ou eleição de funcionários?
Ponto de vista de partido ou ressentimento dos Ivan Ivánovitch? Também aqui o
camarada Mártov contentou-se em extrair passagens isoladas e desgarradas deste
incidente, acrescentando toda a espécie de injúrias contra mim. É bem pouco, camarada
Màrtov!
O camarada Mártov insiste particularmente em perguntar-me a mim por que razão não
se elegeu no congresso os camaradas Axelrod, Zassúlitch e Starover. O ponto de vista
filistino por ele adotado impede-o de ver como são-indecorosas tais perguntas (porque
não pergunta isso ao seu colega de redação, o camarada Plekhánov?). No fato de eu
considerar que "houve falta de tato" na conduta da minoria no congresso quanto à
questão do grupo de seis e exigir ao mesmo tempo que se informe disso o partido, vê
Mártov uma contradição. Não há qualquer contradição nisto, como bem facilmente
poderia dar-se conta o próprio Mártov, se se quisesse ter dado ao trabalho de fazer uma
exposição coerente de todas as peripécias do problema, e não de fragmentos. Ter falta
de tato era pôr a questão do ponto de vista filistino, fazendo apelo à piedade e ao
ressentimento; os interesses da publicidade de partido teriam exigido uma apreciação,
quanto ao fundo, das vantagens do grupo de seis em comparação com o grupo de três,
apreciação dos candidatos aos cargos, apreciação dos matizes: a minoria não disse
sequer uma palavra acerca disto no congresso.
Estudando atentamente as atas, o camarada Mártov teria podido encontrar nos discursos
dos delegados toda uma série de argumentos contra o grupo de seis. Eis alguns excertos
desses discursos: primeiro, o antigo grupo de seis deixa perceber claramente algumas
asperezas no sentido de matizes de princípio; segundo, seria desejável uma
simplificação técnica do trabalho redatorial; terceiro, os interesses da causa passam por
cima das amabilidades filiseinas; só a eleição permitirá garantir que as pessoas
escolhidas sejam adequadas aos cargos; quarto, não se pode limitar a liberdade de
eleição pelo congresso; quinto, o partido agora não precisa apenas de um grupo de
literatos no OC, o OC não precisa apenas de homens de letras, mas também de
administradores; sexto, o OC deve dispor de pessoas perfeitamente determinadas,
conhecidas do congresso; sétimo, um organismo formado por seis pessoas é muitas
vezes incapaz de atuar, e o seu trabalho não se fez graças a estatutos anormais, mas a
despeito deles; oitavo, dirigir um jornal é assunto do partido (e não dum circulo), etc. -
Que o camarada Mãrtov tente, se se interessa tanto pelas causas da não eleição destas
pessoas, compreender cada uma destas considerações e refutar nem que seja uma só
delas.
(retornar ao texto)
(6) Foi assim que o camarada Sorókine, naquela mesma sessão, compreendeu as
palavras do camarada Deursch (cf. p. 324: "diálogo violento com Orlov"). O camarada
Deutsch explica (p. 351) que "não disse nada semelhante", mas reconhece
imediatamente que disse algo de muito, muito "semelhante". "Eu não disse: quem se
decidirá - explica o camarada Deutsch -, mas estou com curiosidade dever quem se
decidirá [(sicf) o camarada Deutsch corrige-se, indo de mal a pior!) a apoiar uma
proposta tão criminosa (sic!) como a eleição do grupo de três" (p. 351). O camarada
Deutsch não refutou, antes confirmou, as palavras do camarada Sorókine. O camarada
Deutsch confirmou a censura deste último de que "todas as noções se ralharam aqui"
(nos argumentos da minoria a favor do grupo de seis). O camarada Deustch confirmou a
oportunidade da alusão do camarada Sorókine a esta verdade elementar de que " nós
somos membros do partido e devemos agir guiados exclusivamente por considerações
políticas". Gritar que as eleições foram criminosas é rebaixar-se não só a uma atitude
filistina, mas francamente ao escandalozinho!
(retornar ao texto)
(7) Ver o presente tomo, pp. 293-294. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(8) O camarada Mártov faz provavelmente alusão à expressão do camarada
Possadóvski: "fricções". Repito que o camarada Possadóvski não explicou no entanto ao
congresso onde ele queria chegar, e o camarada Muraviov, que usou a mesma
expressão, explicou que falava de fricções de princípio que tinham surgido nos debates
do congresso. Os leitores lembrar-se-ão que o único exemplo de verdadeiros debates de
princípio, debates nos quais tinham participado quatro redatores (Plekhánov, Mártov,
Axelrod e eu) se referia ao § 1 dos estatutos, e que os camaradas Mártov e Starover se
queixaram por escrito da "falsa acusação de oportunismo" como um dos argumentos a
favor da "alteração" da redação. Nesta carta, o camarada Mãrtov descobria uma ligação
clara do "oportunismo" como plano de alteração da redação, mas no congresso
contentou-se em fazer uma vaga alusão a "certas fricções". A "falsa acusação de
oportunismo estava já esquecida!
(retornar ao texto)
(9) O camarada Mártov acrescentou ainda: "Talvez Riazánov consentisse fazer esse
papel, mas não o Mártov que conheceis, penso eu, pelo seu trabalho," Como se tratava
de um ataque pessoal contra Riazánov, o camarada Mártov retirou as suas palavras. Mas
Riazánov figurou no congresso como tipo representativo, não por estas ou aquelas
qualidades pessoais (seria deslocado falar delas), mas pela fisionomia política do grupo
"Borbá", pelos seus erros políticos. O camarada Mártov faz muito bem em retirar as
ofensas pessoais, supostas ou reais, mas não se devem esquecer por isso os erros
políticos que devem servir de lição ao partido. O grupo "Borbá" foi acusado no nosso
congresso de semear o "caos organizativo" e a "fragmentação que nenhuma
consideração de princípio justificava" (p. 38, discurso do camarada Mártov). Tal
conduta política merece seguramente ser censurada, não só quando a vemos manifestar-
se num pequeno grupo antes do congresso do partido num período de caos geral, mas
também quando a vemos depois do congresso do partido, quando se elimina o caos,
mesmo quando a vemos da parte da "maioria da redação do lskra e da maioria do grupo
"Emancipação do Trabalho".
(retornar ao texto)
(10) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 7, p. 305. (N. Ed.)
(retornar
ao texto)
(11) No fim dos fins. (N. Fel.)
(retornar ao texto)
(12) Ver V.I. Lènine, Obras Completas, 5.ª ed. Em usso, t. 7, pp.307-398 (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(13) Como se manifestaram no congresso a hesitação, a instabilidade e a imprecisão da
minoria iskrista? Primeiro, no fraseado oportunista sobre o § 1 dos estatutos; segundo,
na coligação com os camaradas Akímov e Líber, a qual se desenvolveu rapidamente na
segunda metade do congresso; terceiro, na faculdade de rebaixar a questão da eleição
dos funcionários para o OC a um nível filistino, a palavras mesquinhas e até à
penetração na consciência alheia. E depois do congresso tão belas qualidades
amadureceram, e os botões deram flores e frutos.
(retornar ao texto)
(14) Traduzo pelas palavras intelectual, intelectualidade, os termos alemães Literat,
Literatentum. que englobam não só os literatos, mas todos os homens instruídos, das
profissões liberais em geral, os trabalhadores intelectuais (brain worker, como dizem os
ingleses), ao contrário dos trabalhadores manuais. (retornar ao texto)
(15) É muito característico do confusionismo que os nossos martovistas provocaram em
todos os problemas de organização o fato de que, depois de terem feito uma viragem
para Akímov e para uma democracia deslocada, estão ao mesmo tempo irritados pela
eleição democrática da redação, eleição feita no congresso e de antemão prevista por
todos. Será este também o vosso princípio, scnhores?
(retornar ao texto)
(16) Karl Kautsky, "Franz Mehring., Neue Zeit, XXII, I, S. 99-101, 1903, n.º 4.
(retornar ao texto)
(17) Ver pp. 337, 338, 340, 352, etc., das atas do congresso. (retornar ao texto)
(18) P. 342. Trata-se da eleição do quinto membro do Conselho. Foram entregues 24
boletins (44 votos ao todo), dos quais havia dois em branco.(retornar ao texto)
(19) No congresso da Liga, o camarada Mártov aduziu ainda este argumento contra a
resolução do camarada Plekhánov: A principal objeção contra esta resolução, o
principal defeito desta resolução, é que ela desconhece inteiramente o fato de que temos
o dever de não nos furtarmos, na luta contra a autocracia, a uma aliança com os
elementos democrático-liberais. O camarada Lénine teria chamado a tal tendência uma
tendência martinoviana. Esta tendência manifesta-se já no novo Iskra" (p. 88).
Esta passagem é uma coleção de "pérolas" duma rara riqueza. 1) As palavras sobre a
aliança com os liberais são uma completa embrulhada. Ninguém falou sequer de uma
aliança, camarada Mártov, mas apenas de acordos provisórios ou particulares. São
coisas muito diferentes. 2) Se na sua resolução Plekhánov não fala de uma "aliança"
inacreditável e só fala, em geral, de "apoio", isso não é um defeito, mas um mérito da
sua resolução. 3) O camarada Mártov não seria capaz de se dar ao trabalho de nos
explicar o que caracteriza, em geral, as "tendências martinovianas."? Não vai dizer-nos
qual é a relação destas tendências com o oportunismo? Não quererá ver a relação dessas
tendências com o parágrafo primeiro dos estatutos? 4) Na verdade, estou a arder de
impaciência para ouvir o camarada Mártov dizer como se manifestaram as "tendências
martinovianas" no "novo" Iskra. Peço-lhe, camarada Mártov, livre-me o mais
rapidamente possível dos tormentos da espera!
(retornar ao texto)
Parte V
n) O Quadro Geral da Luta no Congresso. A Ala revolucionária e a Ala
Oportunista do Partido
Agora que terminamos a análise dos debates e das votações do congresso, precisamos
de fazer o balanço para podermos, baseando-nos em todos os materiais do congresso,
responder à pergunta seguinte: que elementos, grupos e matizes acabaram por formar a
maioria e a minoria que vimos nas eleições e que estavam destinadas a constituir
durante um certo tempo a divisão fundamental do nosso partido? É necessário fazer o
balanço de todo o material sobre matizes de princípio, em matéria de teoria e táctica,
que as atas do congresso nos oferecem com tanta abundância. Sem um "resumo" geral,
sem um quadro geral de todo o congresso e de todos os principais agrupamentos nas
votações, estes materiais ficam demasiado fragmentados, dispersos, de maneira que à
primeira vista os diversos agrupamentos parecem acidentais, sobretudo a quem não se
der ao cuidado de estudar, de modo independente e em todos os seus aspectos, as atas
do congresso (e entre os leitores haverá muitos que se tenham dado a esse cuidado?).
Nos relatórios parlamentares ingleses encontra-se frequentemente a característica
palavra division - divisão. A câmara "dividiu-se" em determinada maioria e minoria,
diz-se, numa votação. A "divisão" da nossa câmara social-democrata na discussão de
diversas questões no congresso, dá-nos um quadro único no seu género, insubstituível
pela sua plenitude e exactidão, da luta interna do partido, dos seus matizes de opinião e
dos seus grupos. Para tomar mais nítido este quadro, para obter um verdadeiro quadro, e
não um amontoado de fatos e fatozinhos desligados, fragmentados e isolados, para pôr
fim às discussões intermináveis e sem sentido, sobre as diversas votações (quem votou
por quem e quem apoiou quem?), decidi tentar representar, sob a forma de diagrama,
todos os tipos fundamentais de "divisões" no nosso congresso. Este processo parecerá
seguramente estranho a muita gente, mas duvido que se possa encontrar outro método
que verdadeiramente permita sintetizar e resumir os resultados de maneira tão completa
e tão precisa. No caso de votação nominal, pode-se determinar com absoluta precisão se
tal ou tal delegado votou a favor ou contra uma proposta; quanto a certas votações
importantes não nominais pode-se, com base nas atas, determiná-lo com um elevado
grau de probabilidade, com um grau suficiente de aproximação da verdade. E se se
tomar em consideração todas as votações nominais, assim como todas as votações não
nominais sobre questões de certa importância (a julgar, por exemplo, pelo pormenor e a
paixão dos debates), obteremos um quadro da luta interna do nosso partido, um quadro
que terá a máxima objectividade que é possível alcançar com os materiais de que
dispomos. Ao fazê-lo, em vez de dar uma imagem fotográfica, ou seja, uma imagem de
cada votação tomada separadamente, tentaremos elaborar um quadro, isto é, apresentar
os principais tipos de votações, ignorando as excepções e variações relativamente pouco
importantes e que apenas complicariam as coisas. Em todo o caso cada qual poderá,
baseando-se nas atas, verificar cada pormenor do nosso quadro, completá-lo com
qualquer votação particular, numa palavra, criticá-lo não só com argumentos, dúvidas
ou referências a casos isolados, mas traçando um quadro diferente com base nos
mesmos materiais.
Inscrevendo no diagrama cada um dos delegados que tomaram parte nas votações,
indicaremos com sombreado diferente os quatro grupos fundamentais que seguimos
pormenorizadamente ao longo de todos os debates no congresso, a saber: 1) iskristas da
maioria; 2) iskristas da minoria; 3) "centro" e 4) anti-iskristas. Vimos às diferenças de
matizes de princípios entre estes grupos numa imensidade de exemplos, e se há alguém
a quem os nomes desses grupos desagradam, porque lembram demasiadamente aos
amadores de ziguezagues a organização do Iskra e a tendência do Iskra, dir-lhe-emos
que não é o nome que importa. Agora que seguimos já os matizes através de todos os
debates do congresso, podem ser facilmente substituidos os nomes já estabelecidos e
familiares no partido (mas que ferem os ouvidos de alguns), pela caracterização do que
constitui a essência dos matizes entre os grupos. Com tal substituição teríamos para
esses mesmos quatro grupos as designações seguintes: 1) sociais-democratas
revolucionários consequentes; 2) pequenos oportunistas; 3) oportunistas médios e 4)
grandes oportunistas (grandes à nossa escala russa). Esperemos que estas designações
choquem menos os que há algum tempo começaram a assegurar a si próprios e aos
outros de que "iskristas" é um nome que apenas designa um "círculo", e não uma
tendência.
Passemos à descrição detalhada dos tipos de votações "fotografadas" no diagrama junto
(ver o diagrama: "Quadro geral da luta no congresso").
O primeiro tipo de votação (A) engloba os casos em que o "centro" se uniu aos iskristas
contra os antí-ískristas ou contra uma parte deles. Inclui a votação do programa no
conjunto (só Akimov se absteve, os outros votaram a favor), a votação da resolução de
princípio condenando a federação (todos votaram a favor à excepçâo de cinco
bundistas), a votação do § 2 dos estatutos do Bund (os cinco bundistas votaram contra
nós e houve cinco abstenções: Martínov, Akímov, Brúker e Mákhov, com dois votos, os
outros conosco); esta é a votação que é representada no diagrama A. Em seguida, as três
votações sobre a questão da confirmação do Iskra como Orgão Central do partido foram
também do mesmo tipo; a redação (cinco votos) absteve-se, nas três votações dois
votaram contra (Akímov e Brúker) e além disso, na votação dos motivos da
confirmação do Iskra abstiveram-se os cinco bundistas e o camarada Martínov
(1)
.
O tipo de votação que acabamos de examinar responde a uma questão de grande
interesse e importância: quando é que o "centro" do congresso votou com os iskristas?
Quando, com raras excepções, os anti-iskristas também estavam conosco (aprovação do
programa, confirmação do Iskra independentemente dos motivos), ou quando se tratava
de declarações que ainda não obrigavam diretamente a uma atitude política precisa
(reconhecer o trabalho de organização do Iskra não obriga ainda a aplicar de fato a sua
política de organização em relação aos grupos particulares; rejeitar a federação não
impede ainda uma abstenção quando se trata de um projeto concreto de federação, como
vimos no exemplo do camarada Mákhov). Já vimos anteriormente, a propósito do
significado dos agrupamentos no congresso em geral, quão inexatamente esta questão é
apresentada na exposição oficial do Iskra oficial que (pela boca do camarada Mártov)
apaga e escamoteja a diferença entre os iskristas e o "centro", entre os sociais-
democratas revolucionários consequentes e os oportunistas, citando os casos em que os
anti-iskristas também votaram conosco! Mesmo os mais "direitistas" dos oportunistas
alemães e franceses nos partidos sociais-democratas não votam contra quando se trata
de questões como a adopção do programa no seu conjunto.
O segundo tipo de votação (B) compreende os casos em que os iskristas, consequentes e
inconsequentes, se uniram contra todos os anti-iskristas e todo o "centro". Eram
sobretudo os casos em que se tratava de aplicar os planos concretos e definidos da
política iskrista, em que se tratava do reconhecimento do "Iskra" de fato, e não só em
palavras. Incluem o incidente do CO
(2)
, a colocação em primeiro lugar da questão
relativa àsituação do Bund no partido, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi, as duas
votações sobre o programa agrário e, por fim, em sexto lugar, a votação contra a União
dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro (Rabótcheie Dielo), ou seja o
reconhecimento da Liga como a única organização do partido no estrangeiro. O velho
espírito de círculo, anterior à formação do partido, os interesses de organizações ou
grupinhos oportunistas, uma concepção estreita do marxismo, lutavam aqui contra a
política consequênte e de princípios da social-democracia revolucionaria; os iskristas da
minoria ainda estiveram ao nosso lado várias vezes numa série de casos, numa série de
votações extremamente importantes (do ponto de vista do CO, do Iújni Rabótchi, da
Rabótcheie Dielo) ... enquanto não se tratou do seu próprio espírito de círculo, da sua
própria inconsequência. As "divisões" deste tipo mostram claramente que, numa série
de questões relativas à aplicação dos nossos princípios, o centro estava ao lado dos anti-
iskristas, estava muito mais perto deles que de nós, muito mais inclinado na prática para
a ala oportunista que para a ala revolucionaria da social-democracia. Os "iskristas" de
nome, que sentiam vergonha por serem iskristas, mostraram a sua verdadeira natureza, e
a luta inevitável provocou não pouca irritação, que escondia aos olhos dos elementos
menos refletidos e mais impressionáveis o significado dos matizes de princípio que se
revelavam nesta luta. Mas agora que o ardor da luta se acalmou um pouco, e que as atas
ficaram como um extrato desapaixonado duma série de lutas encarniçadas, agora só os
que fecham propositadamente os olhos podem deixar de ver que a união dos Mákhov e
dos Egórov com os Akímov e os Líber não era nem podia ser um fenômeno casual. Só
resta a Mártov e a Axelrod evitar uma análise completa e minuciosa das atas ou tentar
modificar retrospectivamente a sua conduta no congresso com toda a espécie de
expressões de pesar. Como se se pudesse, como pesar, suprimir a diferença de pontos de
vista e a diferença de política! Como se a atual aliança de Mártov e Axelrod com
Akímov, Brúker e Martínov pudesse fazer o nosso partido, reconstituido no segundo
congresso, esquecer a luta que os skristas travaram contra os anti-iskristas durante quase
todo o congresso!
O que caracteriza o terceiro tipo de votação no congresso, representado pelas três
últimas das cinco partes do diagrama, a saber: (C, D e E), é o fato de uma pequena parte
dos iskristas se desligar e passar para o lado dos anti-iskristas que, por esta razão,
vencem (enquanto continuam no congresso). Para seguir com exatidão absoluta o
desenvolvimento desta célebre coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas,
coligação cuja simples menção provocava cm Mártov mensagens histéricas ao
congresso, citamos todos os três tipos essenciais de votações nominais deste gênero. C -
votação sobre a igualdade de direitos das línguas (tomamos a última das três votações
nominais desta questão por ser a mais completa). Todos os anti-iskristas e todo o centro
se levantam contra nós como um só homem, enquanto uma parte da maioria e uma parte
da minoria se separam dos iskristas. Não se vê ainda quais OS iskristas capazes de
formar uma coligação definitiva e sólida com a "direita" oportunista do congresso.
Depois vem o tipo D - votação sobre o parágrafo primeiro dos estatutos (das duas
votações tomamos a mais precisa, isto é, em que não houve nenhuma abstenção). A
coligação adquire contornos de maior relevo e torna-se mais sólida
(3)
: os iskristas da
minoria estão já todos do lado de Akímov e Líber; dos iskristas da maioria estão muito
poucos, o que compensa os três delegados do "centro" e um anti-iskrisra que passaram
para o nosso lado. Basta um simples olhar para o diagrama para ver quais os elementos
que, por acaso e temporariamente, passavam ora por um lado, ora para outro, e quais os
que caminhavam irresistivelmente para uma sólida coligação com os Akímov. Na
última votação (E - eleições para o OC, o CC e o Conselho do partido), que representa
justamente a divisão definitiva em maioria e minoria, percebe-se claramente a fusão
total da minoria ískrista com todo o "centro" e com os restos dos anti-iskristas. Dos oito
anti-iskristas, só o camarada Brúker permanecia então no congresso (Akímov já lhe
tinha explicado o seu erro e ele tinha tomado o lugar que lhe pertencia por direito nas
fileiras dos martovistas). A retirada dos sete oportunistas mais "direitistas" decidiu a
sorte das eleições contra Mártov.
(4)
E agora, apoiando-nos em dados objetivos sobre as votações de todos os tipos, façamos
o balanço do congresso.
Muito se falou do caráter "casual" da maioria no nosso congresso. Era com este único
argumento que se consolava o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O
diagrama mostra claramente que num sentido, mas só num, se pode qualificar a maioria
de casual: no sentido de a retirada dos sete delegados mais oportunistas da "direita" ter
sido pretensamente casual. Na medida em que esta retirada foi casual (mas apenas nessa
medida) a nossa maioria foi também casual. Um simples olhar ao diagrama mostrará
melhor do que longas dissertações de que lado estaria, deveria ter estado, esse grupo de
sete
(5)
. Mas cabe perguntar até que ponto podemos verdadeiramente considerar casual a
retirada deste grupo de sete? Esta é uma questão que não gostam de pôr-se as pessoas
que gostam de falar do caráter "casual" da maioria. E uma questão desagradável para
eles. Será por acaso que foram os representantes mais acérrimos da ala direita do nosso
partido que se retiraram, e não os da ala esquerda? Será por acaso que foram os
oportunistas que se retiraram, e não os sociais-democratas revolucionários
consequentes? Esta retirada "casual" não terá qualquer relação com a luta contra a ala
oportunista, que se travou durante todo o congresso, e que aparece com tão grande
evidência no nosso diagrama?
Basta fazer estas perguntas, tão desagradáveis para a minoria, para compreender que
fato encobre este falatório sobre o caráter casual da maioria. E o fato indubitável e
indiscutível de que a minoria era composta pelos membros do nosso partido mais
inclinados para o oportunismo. A minoria era composta pelos elementos do partido
menos estáveis no plano teórico, menos consequentes no campo dos princípios. A
minoria foi formada precisamente pela ala direita do partido. A divisão em maioria e
minoria é a continuação direta e inevitável da divisão da social-democracia em
revolucionária e oportunista, em Montanha e Gironda, divisão que não data de ontem,
que não existe só no partido operário russo, e que certamente não desaparecerá amanhã.
Este fato é de capital importância para explicar as causas e as peripécias das nossas
divergências. Tentar eludir este fato, negando ou encobrindo a luta no congresso e os
matizes de princípios que nela se manifestaram, é passar a si próprio um atestado de
completa indigência intelectual e política. E para refutar esse fato seria necessário, em
primeiro lugar, demonstrar que o quadro geral das votações e das "divisões" no nosso
congresso do partido é diferente daquele que esbocei; seria necessário, em segundo
lugar, demonstrar que em todas as questões nas quais o congresso se "dividiu", os
sociais-democratas revolucionários mais consequentes, que na Rússia têm o nome de
iskristas
(6)
, estavam em erro quanto ao fundo. Tentai demonstrá-lo, senhores!
O fato de a minoria ser composta pelos elementos do partido mais oportunistas, menos
estáveis e menos consequentes dá-nos, entre outras, a resposta às numerosas dúvidas e
objeções dirigidas à maioria por pessoas que conhecem mal a questão ou não pensaram
suficentemente nela. Não será mesquinho, dizem-nos, querer explicar a divergência por
um pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod? Sim, senhores, o erro do
camarada Mártov foi pequeno (eu próprio declarei isso no congresso, no ardor da luta);
mas este pequeno erro podia causar (e causou) um grande dano, em virtude do fato de o
camarada Mártov se ter deixado atrair por delegados que tinham cometido toda uma
série de erros e que, a propósito duma série de questões, tinham evidenciado a sua
inclinação para o oportunismo e a sua inconsequência no terreno dos princípios. Que os
camaradas Mártov e Axelrod tenham revelado falta de firmeza é um fato individual e
sem importância; mas não foi um fato individual, antes de partido e não de todo sem
importância, a formação de uma minoria muito considerável de todos os elementos
menos estáveis, de todos aqueles que não reconheciam em absoluto a tendência do Iskra
e a combatiam abertamente, ou que reconhecendo-a verbalmente de fato se colocavam
repetidamente ao lado dos anti-iskristas.
Não será ridículo querer explicar as divergências pelo predomínio do espírito de círculo
endurecido e pelo filistinismo revolucionário no pequeno círculo da antiga redação do
Iskra? Não, não é ridículo, porque em apoio desse espírito individual de círculo se
levantou tudo aquilo que no nosso partido, durante todo o congresso, tinha lutado pelo
espírito de círculo em todas as suas formas, tudo aquilo que em geral não pudera elevar-
se acima do filistinismo revolucionário, tudo aquilo que invocava o caráter "histórico"
do mal do espírito de círculo e do filistinismo para justificar e manter esse mal. Ainda se
poderia talvez considerar casual o fato de estreitos interesses de círculo se terem
sobreposto ao espírito de partido no pequeno círculo da redação do Iskra. Mas não é por
acaso que, para defender esse espírito de círculo, se tenham levantado como um só os
camaradas Akímov e Brúker, aos quais não era menos cara (talvez mais) a continuidade
histórica do célebre comitê de Vorónej e da famosa "Organização Operária" de
Petersburgo208. Os camaradas Egórov que choravam o "assassínio" da Rabôtchcic
Dielo tão amargamente (talvez mais) como o "assassínio" da velha redação, os
camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, diz a
sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei qual
a tua fisionomia política.
O pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod permanecia e podia
permanecer pequeno enquanto não servisse de ponto de partida para uma aliança sólida
entre eles e toda a ala oportunista do nosso partido, enquanto não conduzisse, em
virtude desta aliança, a urna reincidência do oportunismo, á desforra de todos os que o
Iskra tinha combatido, e que com imenso gozo agarravam a ocasião de poder
descarregara sua cólera sobre os partidários consequentes da social-democracia
revolucionária. Os acontecimentos posteriores ao congresso conduziram precisamente a
que, no novo Iskra, víssemos justamente uma reincidência do oportunismo, a desforra
dos Akímov e dos Brúker (ver a folha publicada pelo comitê de Vorónej
(7)
), o júbilo dos
Martínov, aos quais foi enfim permitido (enfim!) escoicear, no odiado Iskra, o odiado
"inimigo" por todos os velhos agravos, quaisquer que fossem. Isto mostra-nos com
particular clareza quanto era essencial "o restabelecimento da antiga redação do Iskra"
(citado do ultimato do camarada Starover datado de 3 de Novembro de 1903) para
salvaguardar "a continuidade" iskrista.
Tomado em si mesmo, não havia nada de terrível, nem de crítico, nem sequer
absolutamente nada de anormal, no fato de o congresso (e o partido) se terem dividido
numa ala esquerda e numa direita, numa revolucionária e numa oportunista. Pelo
contrário, estes últimos dez anos da história da social-democracia russa (e não só da
russa) conduziram necessariamente, inelutavelmente, a esta divisão. Que uma série de
erros bem pequenos cometidos pela ala direita, de divergências sem grande importância
(relativamente) tenham provocado a divisão, é uma circunstância que (parecendo
chocante a um observador superficial e a um espírito filistino) foi um grande passo em
frente para todo o nosso partido no seu conjunto. Antes divergiamos sobre grandes
questões que, por vezes, podiam até justificar uma cisão; hoje chegamos a acordo sobre
todos os pontos grandes e importantes; o que nos separa agora são simplesmente certos
matizes que se podem e devem discutir, mas pelos quais seria absurdo e pueril
separarmo-nos (como justamente disse o camarada Plekhánov no interessante artigo
intitulado O Que Se não Deve Fazer, ao qual ainda voltaremos). Agora que a conduta
anarquista da minoria, depois do congresso, quase conduziu o partido à cisão, é
frequente encontrar sabichões que dizem: acaso teria valido a pena em geral lutar no
congresso por ninharias como o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi
ou da Rabótcheie Dielo, o §1, a dissolução da antiga redação, etc.? Quem assim
raciocina
(8)
introduz de fato o ponto de vista de círculo nos assuntos do partido: a luta de
matizes no partido é inevitável e necessária enquanto não conduz à anarquia e à cisão,
enquanto se desenvolve dentro dos limites aprovados, de comum acordo, por todos os
camaradas e membros do partido. E a nossa luta no congresso contra a ala direita do
partido, contra Akímov e Axelrod, contra Martínov e Mártov, em nada ultrapassou esses
limites. Basta lembrar dois fatos que o testemunham da maneira mais incontestável: 1)
quando os camaradas Martínov e Akímov estavam para se retirar do congresso,
estávamos todos prontos a afastar por todos os meios a idéia de uma "ofensa", todos
adotamos (por 32 votos) a resolução do camarada Trótski convidando esses camaradas a
dar-se por satisfeitos com as explicações, e a retirarem a sua declaração; 2) quando
chegamos à eleição dos centros, demos à minoria (ou ala oportunista) do congresso a
minoria nos dois centros: Mártov no OC, Popov no CC. Não podíamos agir de outro
modo, do ponto de vista de partido, visto que tínhamos decidido já antes do congresso
eleger dois grupos de três. Se a diferença de matizes que se tinham manifestado no
congresso não era grande, a conclusão prática que tiramos da luta desses matizes
também não era grande: esta conclusão reduzia-se exclusivamente ao fato de dois terços
dos dois grupos de três deverem ser atribuídos à maioria do congresso do partido.
Apenas a recusa da minoria do congresso do partido de ser minoria nos centros levou,
primeiro, aos "chorosos queixumes" de intelectuais vencidos e, depois, à frase
anarquista e a atos anarquistas.
Para concluir, lancemos um novo olhar ao diagrama do ponto de vista da composição
dos centros. E perfeitamente natural que, além da questão dos matizes, se pusesse
também aos delegados, durante as eleições, a questão da adequação, da capacidade de
trabalho, etc., desta ou daquela pessoa. Agora a minoria confunde de bom grado esses
problemas. Mas é evidente que são questões diferentes, como o demonstra, por
exemplo, o simples fato de a eleição de um grupo de três inicial para o OC ter sido
projetada ainda antes do congresso, quando ninguém podia prever a aliança de Mártov e
Axelrod com Martínov e Akímov. Para perguntas diferentes deve obter-se a resposta
por processos diferentes: relativamente aos matizes, deve-se procurar a resposta nas atas
do congresso, nos debates públicos e na votação de todos e cada um dos pontos. A
questão da adequação das pessoas, toda a gente tinha decidido no congresso que devia
ser resolvida em votações secretas. Porque é que todo o congresso aprovou
unanimemente tal decisão? A questão é de tal modo elementar que seria estranho que
nos detivéssemos nela. No entanto, a minoria começou a esquecer (depois da sua
derrota nas eleições) mesmo o á-bê-cê. Ouvimos torrentes de discursos ardentes,
apaixonados, exaltados até à irresponsabilidade para defender a antiga redação, mas não
ouvimos absolutamente nada sobre os matizes que no congresso estavam relacionados
com a luta pelo grupo de seis e pelo grupo de três. Ouvimos falar e discursar por toda a
parte sobre a incapacidade para o trabalho, a inépcia, as más intenções, etc., das pessoas
eleitas para o CC, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes no congresso
que se bateram pelo predomínio no CC. Parece-me que fora do congresso é indigno e
indecoroso falar e discursar sobre as capacidades e atos das pessoas (porque estes atos
em 99 casos em 100 constituem um segredo de organização, que só deve ser revelado à
instância superior do partido). Lutar fora do congresso através de tais falatórios equivale
na minha opinião a atuar por meio de mexericos. E a única resposta que eu poderia
trazer a público sobre esses falatórios seria lembrar a luta no congresso: dizeis que o CC
foi eleito por uma pequena maioria. Está certo. Mas esta pequena maioria era composta
por todos aqueles que da maneira mais consequente, não em palavras, mas na prática,
lutaram pela concretização dos planos do Iskra. A autoridade moral desta maioria deve,
pois ser ainda infinitamente superior à sua autoridade formal - superior para todos
aqueles que sobrepõem a continuidade da tendência do Iskra à continuidade deste ou
daquele círculo do Iskra. Quem eram os mais competentes para julgar da capacidade
desta ou daquela pessoa para levar à prática a política do Iskra? Aqueles que tinham
aplicado esta política no congresso ou os que, em toda uma série de casos, combateram
esta política e defenderam todo o tipo de atraso, todo o tipo de velharias, todo o tipo de
espírito de círculo?
o) Depois do Congresso. Dois Métodos de Luta.
A análise dos debates e votações do congresso que acabamos de traçar explica
propriamente in nuce (em embrião) tudo o que se passou depois do congresso, e
podemos ser breves ao assinalar as etapas seguintes na crise do nosso partido.
A recusa por Mártov e Popov das eleições criou logo uma atmosfera de querela
mesquinha na luta dos matizes de partido no seio do partido. O camarada Glébov,
considerando inverosímil que redactores não eleitos tivessem decidido seriamente
voltar-se para Akímov e Martínov, e explicando o fato apenas por irritação, propôs-nos,
a Plekhánov e a mim, no dia a seguir ao fim do congresso, acabar com isso
amigavelmente, "cooptando" todos os quatro na condição de se assegurar uma
representação da redação no Conselho (ou seja, que, de dois representantes, um
pertencesse necessariamente à maioria do partido). Esta condição pareceu-nos razoável,
a Plekhánov e a mim, porque a sua aceitação equivalia ao reconhecimento tácíto do erro
cometido no congresso, significava o desejo de paz e não de guerra, o desejo de estar
mais perto de Plekhánov e de mim do que de Akímov e Martínov, Egórov e Mákhov. A
cedência em matéria de "cooptação" revestia-se assim de um caráter pessoal, e não valia
a pena recusar uma cedência pessoal que devia acalmar a irritação e restabelecer a paz.
Assim, Plekhánov e eu demos o nosso assentimento. A maioria da redação recusou esta
condição. Glébov partiu. Nós esperamos as consequências: conservar-se-ia Mártov no
terreno leal em que se tinha colocado (contra o representante do centro, o camarada
Popov) no congresso, ou os elementos instáveis e propensos à cisão que ele seguiu
levariam a melhor?
Estavamos perante o dilema seguinte: desejaria o camarada Mártov considerar a sua
"coligação" no congresso como um fato político isolado (tal como a coligação de Bebel
com Vollmar em 1895 - si licet parva componere magnis
(9)
), ou desejaria consolidar
essa coligação e empregaria todos os esforços a demonstrar o erro cometido por mim e
por Plekhánov no congresso tornando-se então um verdadeiro chefe da ala oportunista
do nosso partido? Por outras palavras, este dilema formulava-se assim: querela a
mesquinha ou luta política de partido? De nós os três, que éramos no dia a seguir ao
congresso os únicos membros presentes dos organismos centrais, Glébov inclinava-se
mais para a primeira solução e dedicou-se ao máximo a reconciliar os meninos
zangados. O camarada Plekhánov inclinava-se antes para a segunda solução, mostrava-
se por assim dizer inabordável. Quanto a mim, desta vez, representava papel de "centro"
ou de "pântano" e tentava usar de persuasão. Tentar hoje reproduzir os argumuiltos
verbais seria empresa desesperada e intrincada, e não seguirei o mau exemplo do
camarada Mártov nem do camarada Plekhánov. No entanto, faço questão de reproduzir
aqui certas passagens de uma tentativa de persuasão escrita dirigida a um dos iskristas
da "minoria".
..."A recusa de Mártov de fazer parte da redação, a sua recusa, assim como a de outros
literatos do partido, a colaborar, a recusa de várias outras pessoas a trabalhar para o CC,
a propaganda da idéia de boicote ou de resistência passiva, tudo isso conduzirá
inevitavelmente, mesmo contra a es vontade de Mártov e dos seus amigos, a uma cisão
no partido. Ainda que Mártov se mantenha no plano da lealdade (no qual se colocou tão
decididamente no congresso), os outros não se manterão nele, e o fim que indiquei será
inevitável ...
"E assim pergunto-me agora: por que razão, ao certo, temos de separar-nos? ... Revejo
todos os acontecimentos e todas as impressões do congresso e reconheço que muitas
vezes agi e me comportei dominado por uma extrema irritação, "freneticamente"; de
boa vontade estou pronto a reconhecer o meu erro perante quem quer que seja, se erro
se pode chamar ao que foi naturalmente suscitado pela atmosfera, a reação, a réplica, a
luta, etc. Mas, encarando hoje sem nenhum frenesi os resultados obtidos, o que se
realizou nessa luta frenética, decididamente não posso ver nesses resultados nada,
absolutamente nada, de prejudicial ao partido, nem absolutamente nenhuma afronta ou
ofensa à minoria.
"Claro, o que não podia deixar de causar-me pena era o fato de ficar em minoria, mas
protesto categoricamente contra a idéia de que teríamos "manchado a honra" de quem
quer que seja, teríamos querido ofender ou humilhar quem quer que seja. Nada disso. E
não se pode tolerar que uma divergência política leve a interpretar os fatos acusando a
outra parte de má fé, vilania, intrigas e outras coisas simpáticas de que cada vez mais se
ouve falar numa atmosfera de cisão que se avizinha. Não se pode tolerar isto, porque
isso seria, pelo menos, o nec plus ultra
(10)
da irracionalidade.
Estou em desacordo com Mártov no terreno político (e no da organização) como já o
tinha estado antes dezenas de vezes. Batido na questão do § 1 dos estatutos, eu não
podia deixar de procurar com o máximo empenho uma desforra nos problemas que
restavam para mim (e também para o congresso). Não podia impedir-me de aspirar, por
um lado, a um CC rigorosamente iskrista, e, por outro, a um grupo de três na redação ...
Considero este grupo de três o único capaz de ser um organismo de funcionários e não
um organismo de direção baseado no espírito de família e de negligência, o único centro
autêntico onde cada um pode levar e defender sempre o seu ponto de vista de partido,
nada mais, e irrespective" de tudo o que seja pessoal, de qualquer idéia de ofensa, de
retirada, etc.
"Este grupo de três, depois dos acontecimentos no congresso, legitimava
indubitavelmente uma linha política e de organização em certo sentido dirigida contra
Mártov. Isto sem qualquer dúvida. Provocar uma ruptura por isso? Cindir o partido por
isso?? Mas não estiveram contra mim Mártov e Plekhánov na questão das
manifestações? Não estivemos, Mártov e eu, contra Plekhánov na questão do programa?
Não volta qualquer grupo de três sempre um dos lados contra um dos seus membros? Se
a maioria dos iskristas tanto na organização do Iskra como no congresso julgou errado
este matiz particular da linha de Mártov, no terreno político e de organização, não serão
de fato loucas as tentativas de querer explicar isso por "maquinações" e "incitamentos",
etc.? Não seria louco furtar-se a este fato insultando a maioria da "gentalha"?
"Repito: tal como a maioria dos iskristas no congresso, tenho a convicção profunda de
que Mártov seguiu uma linha falsa e que era necessário corrigi-lo. Considerar-se
ofendido com esta correção, deduzir dela um insulto, etc., é insensato. Nós em nada
"manchamos a honra?", não "manchamos a honra" de ninguém, e não afastamos
ninguém do trabalho. Mas provocar uma cisão porque se é afastado de um centro seria
uma loucura, para mim incompreensível.
(12)
Considerei necessário reproduzir agora estas declarações minhas, feitas por escrito,
porque mostram exatamente a vontade da maioria de traçar de uma vez uma linha
divisória precisa entre, por um lado, as possíveis (e inevitáveis numa luta acalorada)
ofensas pessoais, a irritação pessoal devida à violência e ao "frenesi" dos ataques, etc.,
e, por outro, determinado erro político, determinada linha política (a coligação com a ala
direita).
Estas declarações mostram que a resistência passiva da minoria tinha começado
imediatamente a seguir ao congresso e provocou logo da nossa parte a advertência de
que isso era um passo para a cisão do partido, que isso contradizia manifestamente as
declarações de lealdade feitas no congresso e que dela resultaria uma cisão devida
unicamente à exclusão de alguém dos organismos centrais (isto é, em consequência de
uma não eleição), porque nunca ninguém pensou sequer em afastar do trabalho nenhum
membro do partido; que a divergência política entre nós (inevitável, enquanto não
estiver esclarecida e resolvida a questão de qual foi no congresso a linha errada: a de
Mártov ou a nossa) cada vez mais começa a degenerar em querela mesquinha, com
injúrias, suspeitas, etc., etc.
As advertências não serviram de nada. A conduta da minoria mostrava que os seus
elementos menos estáveis e que menos estimam o partido se impunham nela. Isso
obrigou-nos, a Plekhánov e a mim, a retirar o nosso assentimento à proposta de Glébov:
com efeito, se pelos seus atos a minoria dava provas de instabilidade política, não só no
domínio dos princípios, mas também no da mais elementar lealdade ao partido, que
importância podiam ter as palavras sobre a famosa "continuidade"? Ninguém como
Plekhánov ridicularizou com tanto espírito todo o absurdo de exigir a "cooptação" para
a redação do órgão do partido de uma maioria de pessoas que proclamavam abertamente
as suas novas e crescentes divergências! Em que parte do mundo já se viu a maioria de
um partido nos organismos centrais transformar-se ela mesma em minoria, antes de ter
esclarecido na imprensa, perante o partido, as novas divergências? Que se exponham
antes as divergências, que o partido examine a sua profundidade e significado, que o
partido corrija ele próprio o erro que cometeu no segundo congresso, se se demonstra
que houve algum erro! O simples fato de formular este pedido em nome de divergências
ainda desconhecidas revelava a total instabilidade dos que o faziam, o total
esmagamento das divergências políticas pelo peso das querelas mesquinhas, o total
desrespeito para com todo o partido e as suas próprias convicções. Não houve ainda,
nem haverá nunca no mundo, pessoas de convicções de princípios que renunciem a
convencer antes de obter (por via privada) a maioria no organismo que se propõem
convencer.
Enfim, a 4 de Outubro o camarada Plekhánov declara querer fazer uma última tentativa
para acabar com este absurdo. Reúnem-se os seis membros da antiga redação na
presença de um novo membro do CC
(13)
. Durante três horas inteiras, o camarada
Plekhánov empenha-se em demonstrar o absurdo de querer exigir a "cooptação" de
quatro da "minoria" por dois da "maioria". Ele propõe a cooptação de dois, para afastar,
por um lado, qualquer receio de que queiramos "atropelar", esmagar, rejeitar, executar e
enterrar alguém e, por outro lado, para proteger os direitos e a posição da "maioria" do
partido. A cooptação de dois é igualmente rejeitada.
A 6 de Outubro Plekhánov e eu escrevemos uma carta oficial a todos os antigos
redatores do Iskra e ao colaborador, camarada Trótski, nestes termos:
"Estimados camaradas! A redação do OC considera-se no dever de exprimir
oficialmente quanto lamenta o vosso afastamento da colaboração no Iskra e na Zariá.
Apesar dos repetidos convites a colaborar que fizemos logo depois do segundo
congresso do partido e que repetimos mais de uma vez posteriormente, não recebemos
nenhum trabalho vosso. A redação do OC declara julgar não ter feito nada que tenha
provocado a vossa recusa de colaboração. Nenhuma irritação pessoal deve,
naturalmente, ser obstáculo ao trabalho no Órgão Central do partido. Mas se o vosso
afastamento foi provocado por esta ou aquela divergência de pontos de vista entre vós e
nós, julgaríamos de extraordinária utilidade para o partido que essas divergências
fossem expostas circunstanciadamente. Mais ainda: consideraríamos desejável que o
caráter e a profundidade dessas divergências fossem elucidados o mais rapidamente
possível perante todo o partido nas páginas das publicações que editamos."
(14)
Como o leitor vê, ainda não nos apercebíamos claramente se era uma irritação pessoal
que predominava nos atos da "minoria", ou se era o desejo de dar ao órgão (e ao
partido) um rumo novo, qual e em que sentido. Penso que se mesmo agora se
encarregasse 70 exegetas de proceder à clarificação deste problema, com base na
literatura e testemunhos que se quiser, também eles não conseguiriam nunca
desembaraçar-se nesta confusão. Muito poucas vezes se pode esclarecer uma querela
mesquinha: deve-se cortá-la pelo são ou afastar-se
(15)
.
À carta de 6 de Outubro, Axelrod, Zassúlitch, Starover, Trótski e Koltsov responderam-
nos em breves linhas dizendo que os abaixo assinados não participavam no Iskra desde
que ele tinha passado para as mãos da nova redação. O camarada Mártov foi mais
explícito e honrou-nos com a seguinte resposta:
"À redação do OC do POSDR. Estimados camaradas! Em resposta à vossa carta de 6 de
Outubro, declaro o seguinte: Considero que todas as nossas explicações sobre trabalho
em comum num mesmo órgão terminaram depois da reunião realizada a 4 de Outubro,
na presença de um membro do CC, na qual vos recusastes a responder à pergunta sobre
as razões por que retirastes a proposta que havíeis feito no sentido de que Axelrod,
Zassólitch, Starover e eu entrássemos para a redação, com a condição de nos
comprometermos a eleger o camarada Lénine nosso "representante" no Conselho.
Depois de na referida reunião terdes fugido repetidas vezes a formular as vossas
próprias declarações, que tínheis feito na presença de testemunhas, não acho necessário
explicar numa carta dirigida a vós os motivos da minha recusa de trabalhar no lskra nas
atuais condições. Se for necessário, pronunciar-me-ei sobre isso pormenorizadamente
perante todo o partido, que já saberá pelas atas do segundo congresso a razão por que
rejeitei a proposta, que hoje renovais, de ocupar um lugar na redação e no Conselho ..."
(16)
L. Mártov
Esta carta, juntamente com os documentos anteriores, explica irrefutavelmente a
questão do boicote, da desorganização, da anarquia e dos preparativos da cisão, questão
que o camarada Mártov evita com tanto zelo (com pontos de exclamação e reticências)
no seu Estado de Sítio: questão sobre os meios de luta leais e desleais.
Oferece-se ao camarada Mártov e aos outros que exponham as divergências, pede-se-
lhes que digam francamente do que se trata e quais as suas intenções, exortam-se a
acabar os seus caprichos e a analisar tranquilamente o erro relativo ao § 1 (erro
indissoluvelmente ligado à viragem para a direita), e o camarada Mártov e C.ª recusam-
se a falar e gritam: cercam-nos, atropelam-nos! O sarcasmo de que foi objeto a "palavra
terríveis" não arrefeceu o ardor destas cômicas lamentações.
Como se pode cercar quem se recusa a trabalhar em comum? perguntamos ao camarada
Mártov. Como se pode ofender, "atropelar" e oprimir uma minoria que se recusa a ser
minoria?? Porque estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas
desvantagens para quem fica em minoria. Estas desvantagens consistem ou na
necessidade de fazer parte de um organismo de direção no qual a maioria se imporá em
certas questões, ou na de permanecer fora do organismo, atacando-o e, por conseguinte,
expondo-se ao fogo de baterias bem fortificadas.
Nos seus gritos sobre o "estado de sítios", o camarada Mártov queria dizer que se lutava
de modo injusto e desleal contra os que ficaram em minoria, ou que eram dirigidos por
nós de modo injusto e desleal? Só uma tese semelhante podia ter (aos olhos de Mártov)
um mínimo de razão, porque, repito, estar em minoria implica necessária e
inevitavelmente certas desvantagens. Mas o cômico está precisamente em que não se
podia de maneira nenhuma lutar contra o camarada Mártov enquanto ele se recusasse a
falar! Não se podia de maneira nenhuma dirigir a minoria enquanto ela se recusasse a
ser minoria!
O camarada Márrov não pôde citar um único caso de excesso ou de abuso de poder da
parte da redação do OC quando Plekhánov e eu dela fazíamos parte. Os militantes
práticos da minoria também não puderam citar um único caso deste género da parte do
Comitê Central. Por mais voltas que dê agora o camarada Mártov no seu Estado de
Sítio, é inteiramente incontroverso que não havia absolutamente nada, a não ser
"chorosos queixumes", nas lamentações sobre o estado de sítio.
A total carência de argumentos razoáveis por parte do camarada Mártov e C.ª contra a
redação designada pelo congresso é ilustrada melhor que por qualquer outra coisa pela
palavrinha: "nós não somos servos!"(Estado de sítio, p. 34). A psicologia do intelectual
burguês que se considera entre os "espíritos de elite", colocados acima da organização
de massas e da disciplina de massas, surge aqui com notável clareza. Explicar a recusa
de trabalhar no partido dizendo "nós não somos servos" é descobrir-se inteiramente, é
reconhecer uma completa carência de argumentos, uma incapacidade absoluta para dar
explicações, uma ausência total de motivos justificados de descontentamento.
Plekhánov e eu declaramos considerar que da nossa parte nada provocou a recusa,
pedimos para expor as divergências, e respondem-nos: "nós não somos servos<
(acrescentando: ainda não chegamos a um acordo quanto à cooptação).
Toda a organização e disciplina proletárias parecem servidão ao individualismo próprio
de intelectuais, que já se tinha manifestado nas discussões §1, mostrando a sua
inclinação para os raciocínios oportunistas e a fraseologia anarquista. O público leitor
em breve saberá que também o novo congresso do partido parece a estes "membros do
partido" e a estes "funcionários" do partido uma instituição feudal, terrível e intolerável
para os "espíritos de elite" ... De fato, esta "instituição" é terrível para os que querem
aproveitar-se do título de membros do partido, mas que se dão conta de que este título
não corresponde aos interesses do partido e à vontade do partido.
As resoluções dos comitês, que enumerei na minha carta à redação do novo Iskra, e que
o camarada Mártov reproduziu no seu Estado de Sítio, demonstram de fato que a
conduta da minoria foi uma insubmissão constante às decisões do congresso, uma
desorganização do trabalho prático positivo. A minoria, formada pelos oportunistas e
pessoas que odiavam o Iskra, destroçava o partido, arruinava e desorganizava o
trabalho, no seu desejo de se vingar da derrota no congresso, tendo-se apercebido de que
por meios honestos e leais (explicando as coisas na imprensa ou perante o congresso)
não conseguiria nunca refutar a acusação de oportunismo e de inconsequência própria
de intelectuais que lhe fora lançada no segundo congresso. Conscientes da sua
impotência para convencer o partido, agiam desorganizando o partido e entravando todo
o trabalho. Foram censurados por terem provocado (embrulhando as coisas no
congresso) uma fenda no nosso vaso; eles replicavam a esta censura procurando com
todas as suas forças quebrar completamente o vaso rachado.
As idéias baralharam-se de tal modo que o boicote e a recusa de trabalhar eram
proclamados "meios honestos"9 de luta. Agora o camarada Mártov não cessa de andará
volta deste ponto delicado. O camarada Mártov é de tal modo um "homem de
princípios" que defende o boicote ... quando este é praticado pela minoria, e condena o
boicote quando ele ameaça o próprio Mártov, quando acontece que ele se encontra na
maioria!
Penso que se pode deixar sem exame a questão de saber se se trata aqui de uma querela
mesquinha ou de uma "divergência de princípio" sobre os meios de luta honestos no
partido operário social-democrata.
Depois das tentativas goradas (de 4 e 6 de Outubro) para obter uma explicação dos
camaradas que tinham levantado problemas sobre a "cooptação", só restava aos
organismos centrais ver qual seria na pratica a luta leal que eles tinham prometido em
palavras. A 10 de Outubro, o CC envia uma circular à Liga (ver as atas da Liga, pp. 3-5)
informando que está a elaborar os estatutos e convidando os membros da Liga a
prestarem a sua colaboração. O congresso da Liga foi então rejeitado pela administração
desta (dois votos contra um, cf. ibid., p. 20). As respostas dadas a esta circular pelos
partidários da minoria mostraram logo que a famosa lealdade e reconhecimento das
decisões do congresso eram apenas frases, que na realidade a minoria tinha decidido
terminantemente não se submeter aos organismos centrais do partido, respondendo aos
seus apelos para o trabalho em comum com evasivas cheias de sofismas e frases
anarquistas. À famosa carta aberta de Deutsch, um dos membros da administração (p.
10.), nós respondemos, Plekhánov e eu, assim como os outros partidários da maioria,
com um enérgico "protesto contra as grosseiras infrações da disciplina de partido, pelas
quais um funcionário da Liga toma a liberdade de entravar o trabalho de organização de
um organismo do partido e convida outros camaradas a infrações semelhantes à
disciplina e aos estatutos. Frases como "não me julgo no direito de participar em tal
trabalho a pedido do CC" ou "camaradas, nós não devemos de modo nenhum confiar-
lhe (ao CC) a tarefa da elaboração de novos estatutos para a Liga", etc., são métodos de
agitação que apenas podem suscitar a indignação de qualquer pessoa que compreenda
minimamente as noções de partido, de organização, de disciplina de partido. Métodos
deste gênero são tanto mais revoltantes quanto são usados para com um organismo do
partido que acaba de ser criado e constituem, portanto, uma tentativa indubitável para o
privar da confiança dos camaradas do partido; além disso, são postos em circulação sob
o nome de um membro da administração da Liga e nas costas do CC" (p. 17).
O congresso da Liga, nestas condições, prometia não ser mais do que um escândalo.
O camarada Mártov prosseguiu desde o princípio a táctica que tinha aplicado no
congresso de "introduzir-se na consciência alheia", desta vez na do camarada
Plekhánov, desvirtuando conversas privadas. O camarada Plekhánov protestou, e o
camarada Mártov viu-se obrigado a retirar (pp. 39 e 134 das atas da Liga) as palavras de
censura pronunciadas levianamente ou por irritação.
Chega o momento do relatório. Era eu que tinha sido o delegado da Liga ao congresso
do partido. Um simples olhar ao resumo do meu relatório (pp. 43 e seguintes)
(18)
mostrará ao leitor que apresentei um esboço da mesma análise das votações no
congresso, análise que, de forma pormenorizada, constitui o conteúdo também da
presente brochura. O centro de gravidade deste relatório era a demonstração de como
Mártov e C.ª, em consequência dos erros que tinham cometido, acabaram por ficar na
ala oportunista do nosso partido. Embora o relatório tenha sido feito perante uma
maioria dos mais furiosos adversários, eles nada puderam descobrir nele que se
afastasse dos processos leais de luta e polêmica de partido.
O relatório de Mártov, pelo contrário, à parte pequenas "emendas" de pormenor à minha
exposição (mostramos anteriormente a inexatidão dessas emendas), era ... como que um
produto de nervos doentes.
Não é de espantar que a maioria se recusasse a continuar a luta em tal atmosfera. O
camarada Plekhánov protestou contra a cena (p. 68) - era de fato uma verdadeira "cena"!
- e retirou-se do congresso, não querendo expor as objeções que já tinha preparado
quanto ao conteúdo do relatório. Quase todos os outros partidários da maioria se
retiraram também do congresso depois de terem apresentado um protesto escrito contra
a "conduta indigna" do camarada Mártov (p. 75 das atas da Liga).
Os métodos de luta da minoria manifestaram-se aos olhos de todos com inteira
evidência. Nós acusávamos a minoria de ter cometido um erro político no congresso, de
se ter efetuado uma viragem para o oportunismo, de ter coligado com os bundistas, os
Akímov, os Brúker, os Egórov e os Mákhov. A minoria tinha sofrido uma derrota no
congresso e "elaborou" então dois métodos de luta que englobavam toda uma variedade
infinita de sortidas, ataques, agressões, etc.
Primeiro método: desorganizar todo o trabalho do partido, estragá-lo, procurar entravar
tudo "sem explicar as razões".
Segundo método: fazer "cenas", etc., etc.
(19)
Este "segundo método de luta" aparece também nas famosas resoluções "de princípio"
da Liga, na análise das quais a "maioria", claro está, não participou. Vejamos mais de
perto essas resoluções que o camarada Mártov reproduziu agora no seu Estado de Sítio.
A primeira resolução, assinada pelos camaradas Trótski, Fomine, Deutsch e outros,
contém duas teses dirigidas contra a "maioria" do congresso do partido: 1) "A Liga
exprime o seu profundo pesar pelo fato de que, em consequência das tendências que se
manifestaram no congresso e que no fundo são contrárias à política anterior do Iskra, se
não tenha prestado uma atenção devida, ao elaborar os estatutos do partido, à criação
das garantias suficientes para assegurar a independência e autoridade do CC" (p. 83 das
atas da Liga).
Esta tese "de princípio" reduz-se, segundo já vimos, a uma frase akimovista, cujo
caráter oportunista foi denunciado no congresso do partido até pelo camarada Popov!
No fundo, as afirmações de que a "maioria" não pensava em salvaguardar a
independência e a autoridade do CC nunca foram mais do que mexericos. Basta dizer
que, quando Plekhánov e eu fazíamos parte da redação, o OC não tinha no Conselho
predomínio sobre o CC, ao passo que quando os martovistas entraram para a redação
surgiu no Conselho um predomínio do OC sobre o CC! Quando nós estávamos na
redação os militantes práticos que trabalhavam na Rússia predominavam no Conselho
sobre os literatos residentes no estrangeiro; com os martovistas aconteceu o contrário.
Quando nós estávamos na redação o Conselho não tentou uma única vez intervir em
nenhuma questão prática; depois da cooptação por unanimidade esta intervenção
começou, como o leitor poderá ver em pormenor dentro em pouco.
Tese seguinte da resolução que estamos a examinar: "... o congresso, ao constituir os
centros oficiais do partido, não teve em conta a necessidade de manter a continuidade
com os centros já formados de fato..."
Esta tese reduz-se inteiramente à questão da composição pessoal dos centros. A
"minoria" preferiu eludir o fato de que os velhos centros tinham mostrado no congresso
a sua incapacidade e cometido numerosos erros. Mas o mais cômico é a referência à
"continuidade" relativamente ao Comitê de Organização. No congresso, como vimos,
ninguém disse uma só palavra acerca da confirmação de todos os membros do CO.
Mártov, num acesso de exaltação, proferiu até exaltados gritos no congresso sobre a
vergonha que para ele representava figurar numa lista com três membros do CO. No
congresso a "minoria" apresentou a sua última lista com um membro do CO (Popov,
Glébov ou Fomine e Trótski), enquanto a "maioria" fez triunfar uma lista com dois
membros do CO em três (Travínski, Vassíliev e Glébov). Cabe perguntar: será que esta
referência à "continuidade" pode ser considerada uma "divergência de princípio"?
Passemos à outra resolução assinada por quatro membros da velha redação, com o
camarada Axelrod à cabeça. Encontramos nela todas as principais acusações contra a
"maioria", depois repetidas mais de uma vez na imprensa. A melhor maneira de as
analisar é justamente na formulação que lhe deram os membros do círculo redatorial. As
acusações são dirigidas contra o "sistema de direção autocrático-burocrático do
partido", contra o "centralismo burocrático" que, ao contrário do "centralismo
verdadeiramente social-democrata", se define do seguinte modo: "põe em primeiro
plano não a unidade interna, mas a unidade externa, formal, realizada e defendida por
meios puramente mecânicos, esmagando sistematicamente a iniciativa individual e a
atividade social independente"; deste modo "pela sua própria essência, é incapaz de
unificar organicamente os elementos constitutivos da sociedade".
De que "sociedade" falam aqui o camarada Axelrod e C.ª, só Alá o sabe. Pelos vistos o
próprio camarada Axelrod não sabia muito bem se redigia uma mensagem de um
zemstvo sobre as reformas desejáveis na administração ou se expunha as lamentações
da "minoria". Que pode significar isso da "autocracia" no partido, sobre a qual gritam os
"redatores" descontentes? A autocracia é o poder supremo, incontrolado, irresponsável e
não eletivo de uma única pessoa. Pelas publicações da "minoria" sabe-se perfeitamente
que sou eu que sou considerado o autocrata, e mais ninguém. Quando se redigiu e
adotou a resolução que estamos a examinar eu estava no OC juntamente com
Plekhánov. Por conseguinte, o camarada Axelrod e C.ª exprimem a sua convicção de
que Plekhánov e todos os membros do CC "dirigiam o partido", não segundo os seus
pontos de vista sobre o bem da causa, mas segundo a vontade do autocrata Lénine. A
acusação de direção autocrática leva necessária e inevitavelmente a considerar todos os
outros membros da direção, exceto o autocrata, como simples instrumentos em mãos
alheias, como piões, executores da vontade de outrem. E nós perguntamos mais e mais
uma vez: será esta de fato a "divergência de princípio" do respeitabilíssimo camarada
Axelrod?
Prossigamos. De que unidade externa, formal, falam aqui os nossos "membros do
partido" que acabavam de chegar do congresso do partido, cujas decisões reconheceram
solenemente como legítimas? Conhecerão algum outro meio de conseguir a unidade
num partido organizado em bases mais ou menos sólidas a não ser o congresso? Se sim,
porque não têm a coragem de dizer claramente que já não consideram o segundo
congresso um congresso legitimo? Porque não tentam expor-nos as suas novas idéias e
os novos meios de conseguir a unidade num pretenso partido, pretensamente
organizado?
Prossigamos. De que "esmagamento da iniciativa individual" falam os nossos
intelectuais-individualistas, que o OC do partido acabava de exortar a expor as suas
divergências e que, em vez disso, se puseram a regatear sobre a "cooptação"? E como,
em geral, podíamos, Plekhánov e eu, ou o CC, esmagar a iniciativa e atividade
independente de pessoas que se recusavam a qualquer "atividade" conosco? Como se
pode "esmagar" alguém numa instituição ou organismo, no qual o esmagado se recusou
a participar? Como é que os redatores não eleitos podem queixar-se do "sistema de
direção", quando se recusaram a "ser dirigidos"? Não pudemos cometer nenhum erro ao
dirigir os nossos camaradas, pela simples razão de que estes camaradas não trabalharam
em absoluto sob a nossa direção.
Parece evidente que os gritos a propósito do famoso burocratismo são apenas um meio
de dissimular o descontentamento com a composição pessoal dos centros; são apenas
uma parra destinada a ocultar a infração à palavra solenemente dada no congresso. Es
um burocrata, porque foste designado pelo congresso não de acordo com a minha
vontade, mas contra ela; és um formalista, porque te apóias nas decisões formais do
congresso e não no meu consentimento; ages de modo grosseiramente mecânico,
porque invocas a maioria "mecânica" do congresso do partido, e não tens em conta o
meu desejo de ser cooptado; és um autocrata, porque não queres pôr o poder nas mãos
da velha panelinha, que defende a sua "continuidade" de espírito de círculo com tanta
mais energia quanto lhes desagrada a desaprovação direta desse mesmo espírito de
circulo pelo congresso.
Estes gritos sobre o burocratismo não têm nem nunca tiveram nenhum conteúdo real
senão aquele que acabamos de indicar
(20)
. E precisamente este método de luta demonstra
uma vez mais a instabilidade própria de intelectuais da minoria. Ela queria convencer o
partido de que os centros tinham sido mal escolhidos. Convencer, mas como?
Criticando o Iskra, que eu e Plekhánov tínhamos dirigido? Não, não tinham a força para
o fazer. Queriam convencer pela recusa de um sector do partido de trabalhar sob a
direção dos odiados centros. Mas nenhum organismo central de nenhum partido do
mundo poderá demonstrar a sua capacidade de dirigir pessoas que se recusam a
submeter-se à sua direção. A recusa de submeter-se à direção dos centros equivale à
recusa de continuar no partido, equivale à destruição do partido, não é uma medida de
persuasão, mas uma medida de destruição. E precisamente esta substituição da
persuasão pela destruição demonstra falta de firmeza de princípios, falta de fé nas idéias
próprias.
Fala-se de burocratismo. O burocratismo pode traduzir-se em russo pela palavra
"localismo". O burocratismo significa a submissão dos interesses da causa aos interesses
da carreira, significa prestar uma atenção constante aos cargos e ignorar o trabalho;
bater-se pela cooptação em vez de lutar pelas idéias. Tal burocratismo, de fato, é sem
dúvida indesejável e prejudicial ao partido, e tranquilamente deixo ao leitor o cuidado
de julgar qual dos dois lados atualmente em luta no nosso partido enferma desse
burocratismo ... Fala-se de processos de conseguir a unidade grosseiramente mecânicos.
Sem dúvida, os processos grosseiramente mecânicos são prejudiciais, mas torno a
deixar ao leitor o cuidado de julgar se se pode imaginar um processo mais grosseiro e
mecânico de luta entre a nova tendência e a velha que a introdução de pessoas nos
organismos do partido antes de se ter convencido o partido da justeza das novas
concepções, antes de se ter exposto ao partido essas concepções.
Mas talvez as palavrinhas preferidas da minoria tenham um certo significado de
princípio, exprimam certo grupo especial de idéias, independentemente do motivo
insignificante e particular que indubitavelmente serviu neste caso de ponto de partida
para a "viragem"? Talvez, abstraindo da briga pela "cooptação", essas palavrinhas sejam
contudo reflexo de um sistema de concepções diferente?
Examinemos a questão sob este aspecto. Antes de mais, deveremos observar que o
primeiro a tentar este exame foi o camarada Plekhánov, que na Liga assinalou a viragem
operada na minoria para o anarquismo e o oportunismo, e que precisamente o camarada
Mártov (que se mostra agora muito ofendido porque nem todos querem reconhecer que
a sua posição é uma posição de princípio
(21)
) preferiu ignorar totalmente este incidente
no seu Estado de Sítio.
No congresso da Liga levantou-se a questão geral de saber se seriam válidos ou não os
estatutos que a Liga ou um comitê elaborem para si próprios sem a confirmação do CC
ou contra a sua confirmação. Nada mais evidente, poderia parecer: os estatutos são uma
expressão formal de organização, e o direito de organizar comitês é expressamente
reservado ao CC pelo § seis dos estatutos do nosso partido; os estatutos fixam os limites
da autonomia do comitê, e o voto decisivo na fixação desses limites pertence ao
organismo central e não ao organismo local do partido. Isto é o á-bê-ce, e é pura
infantilidade afirmar com ar sábio que "organizar" nem sempre implica a idéia de
"confirmar estatutos" (como se a própria Liga não tivesse exprimido com toda a
independência o seu desejo de ser organizada com base em estatutos formais). Mas o
camarada Mártov até esqueceu (temporariamente, esperemos) o á-bê-cê da social-
democracia. Na sua opinião, exigir a confirmação dos estatutos significa apenas
"substituir o anterior centralismo revolucionário iskrista pelo centralismo burocrático"
(p. 95 das atas da Liga); e o camarada Mártov declara no mesmo discurso que é
precisamente nisto que ele vê o "aspecto de princípio" das coisas (p. 96), aspecto de
princípio que preferiu contornar no seu Estado de Sítio!
O camarada Plekhánov responde imediatamente a Mártov, pedindo-lhe que se abstenha
de expressões "atentatórias da dignidade do congresso", expressões como burocratismo,
pompadurismo, etc. (p. 96). Segue-se uma troca de observações com o camarada
Mártov, para quem essas expressões encerram "uma caracterização de princípio de
determinada tendência". O camarada Plekhánov, como de resto todos os partidários da
maioria, considerava então essas expressões no seu significado concreto, percebendo
claramente o seu sentido não de princípio, mas exclusivamente "cooptacionista", se se
me permite usar esta expressão. No entanto, cede à insistência dos Mártov e dos
Deutsch (pp. 96-97) e passa a analisar do ponto de vista dos princípios pretensas
concepções de princípio. "Se assim fosse -diz (isto é, se os comitês tivessem autonomia
para criar a sua própria organização, para elaborar os seus estatutos) -, seriam
autônomos relativamente ao todo, relativamente ao partido. Isto já não é um ponto de
vista bundista, mas simplesmente anarquista. Com efeito, os anarquistas raciocinam
assim: os direitos do indivíduo são ilimitados; podem entrar em conflito; cada individuo
define ele próprio os limites dos seus direitos. Os limites da autonomia devem ser
fixados não pelo próprio grupo, mas pelo todo de que esse grupo faz parte. O Bund
oferece um exemplo flagrante da violação deste princípio. Por consequência, os limites
da autonomia são fixados ou pelo congresso ou pelo organismo superior que o
congresso tenha criado. O poder do organismo central deve assentar na sua autoridade
moral e intelectual. Com este ponto estou de acordo, bem entendido. Qualquer
representante de uma organização deve velar para que ela tenha autoridade moral. Mas
não se deduza disto que, se a autoridade é necessária, o poder não o seja ... Opor a
autoridade do poder à autoridade das idéias é uma frase anarquista que não deve ter
lugar aqui" (98). Estas teses são o mais elementares possível, são verdadeiros axiomas
que até seria estranho pôr à votação (p. 102) e que só foram postos em dúvida porque
"no momento atual as noções se baralharam" (ibid.) Mas o individualismo próprio de
intelectuais conduziu inevitavelmente a minoria ao desejo de fazer fracassar o
congresso, a não se submeter à maioria; era impossível justificar este desejo, a não ser
com frases anarquistas. E sumamente curioso que a minoria não pudesse replicar nada a
Plekhánov, a não ser lamentações por ele usar expressões demasiado fortes como
oportunismo, anarquismo, etc. Plekhánov, muito justamente, pôs a ridículo estas
lamentações, perguntando porque é que não é conveniente empregar jauressismo e
anarquismo, enquanto o emprego de lêse-majesté (lesa-majestade) e de pompadurismo é
conveniente". Não houve resposta a estas perguntas. Este qui pro quo
(22)
original
acontece constantemente com os camaradas Mártov, Axelrod e C.a: as suas novas
palavrinhas têm uma marca evidente de ressentimento; ofendem-se quando se lhes
aponta isto - somos pessoas de princípios; mas se por princípio recusais a submissão da
parte ao todo, sois anarquistas, diz-se-lhes. Nova ofensa com uma expressão forte! Por
outras palavras: querem bater-se com Plekhánov, mas com a condição de este não os
atacar a sério!
Quantas vezes o camarada Mártov e vários outros "mencheviques" de toda a espécie se
empenharam, de maneira não menos pueril, em imputar-me a "contradição" seguinte.
Extraem uma citação de Que Fazer? ou da Carta aUm Camarada, em que se fala da ação
ideológica, luta pela influência, etc., e opõem-lhe o método "burocrático" da ação por
meio dos estatutos, a tendência "autocrática" para se apoiar no poder, etc. Gente
ingénua! Já esqueceram que antes o nosso partido não era um todo formalmente
organizado, mas apenas uma soma de grupos particulares, pelo que entre esses grupos
não podia haver outras ligações senão a ação ideológica. Agorasomos um partido
organizado; e isto implica a criação de um poder, a transformação da autoridade das
idéias em autoridade do poder, a subordinação das instâncias inferiores às instâncias
superiores do partido. Verdadeiramente, chega a ser desagradável repisar a velhos
camaradas o á-bê-cê, sobretudo quando nos damos conta de que tudo se reduz
simplesmente à recusa da minoria a submeter-se à maioria quanto às eleições! Mas do
ponto de vista de princípios, todas estas intermináveis tentativas para me imputar
contradições se reduzem inteiramente a frases anarquistas. Ao novo Iskra não desagrada
beneficiar do título e dos direitos de organismo do partido, mas não quer submeter-se à
maioria do partido.
Se as frases sobre o burocratismo contêm algum princípio, se não são uma negação
anarquista do dever da parte de se submeter ao todo, estamos em presença do princípio
do oportunismo que pretende diminuir a responsabilidade de certos intelectuais perante
o partido do proletariado, enfraquecer a influência dos organismos centrais, reforçar a
autonomia dos elementos menos firmes do partido, reduzir as relações de organização
ao seu reconhecimento meramente platônico, em palavras. Vimo-lo no congresso do
partido, em que os Akímov e os Líber pronunciavam sobre o "monstruoso" centralismo
exatamente os mesmos discursos que os que saíram em torrentes da boca de Mártov e
C.ª no congresso da Liga. Que o oportunismo, não por acaso mas pela sua própria
natureza, e não só na
Rússia como no mundo inteiro, conduz ao "ponto de vista" martovista e axelrodista no
terreno da organização, vê-lo-emos a seguir, ao examinar o artigo do camarada Axelrod
no novo Iskra.
p) Pequenas Contrariedades Não Devem Prejudicar um Grande Prazer
A rejeição pela Liga da resolução sobre a necessidade da confirmação dos seus estatutos
pelo CC (p. 105 das atas da Liga) era, como toda a maioria do congresso observou
imediatamente, "uma violação gritante dos estatutos do partido". Tal violação, se a
considerarmos um ato cometido por homens de princípios, era puro anarquismo; mas na
atmosfera da luta que se travou depois do congresso, ela dava inevitavelmente a
impressão de um "ajuste de contas" da minoria do partido com a maioria do partido (p.
112 das atas da Liga); ela significava a recusa de submissão ao partido e de permanecer
no partido. A recusa da Liga de adotar uma resolução relativa à declaração do CC sobre
a necessidade de modificar os estatutos (pp. 124-125) teve como consequência
inevitável que se declarasse ilegítima uma reunião que queria ser considerada como
reunião de uma organização do partido, embora reusasse submeter-se ao organismo
central do partido. Os adeptos da maioria abandonaram imediatamente esta pretensa
reunião de partido para não tomar parte numa comédia indigna.
O individualismo próprio de intelectuais, com o seu reconhecimento platônico das
relações de organização, que se tinha já revelado nas hesitações sobre a questão do § 1
dos estatutos, chegava deste modo na prática ao fim lógico, que eu previra já em
Setembro, ou seja, com mês e meio de antecipação: a destruição da organização do
partido. E naquele momento, na noite do mesmo dia em que terminou o congresso da
Liga, o camarada Plekhánov declarou aos seus colegas dos dois organismos centrais do
partido que não tinha coragem de "disparar contra os seus", que "era preferível dar um
tiro na cabeça do que ir para a cisão", que era necessário, para evitar um mal maior,
fazer o máximo de cedências pessoais, à volta das quais, propriamente falando (bem
mais que à volta dos princípios que se tinham manifestado na falsa posição sobre o §1),
prossegue esta luta encarniçada. Para caracterizar com maior exatidão esta viragem
efetuada pelo camarada Plekhánov, e que teve uma certa projeção em todo o partido,
considero mais conveniente apoiar-me, não em conversas privadas ou cartas privadas
(este recurso deve usar-se apenas em última instância), mas na própria exposição do
assunto que faz o próprio Plekhánov a todo o partido no seu artigo O Que não Se Deve
Fazer do n.0 52 do Iskra, escrito precisamente depois do congresso da Liga, depois da
minha retirada da redação do OC (1 de Novembro de 1903) e antes da cooptação dos
martovistas (26 de Novembro de 1903).
A idéia fundamental do artigo O Que não Se Deve Fazer é que, em política, não se deve
ser rectilíneo, inoportunamente áspero e inoportuna-mente intransigente, que por vezes,
para evitar a cisão, é indispensável fazer cedências tanto aos revisionistas (dos que se
aproximam de nós ou dos inconsequentes) como aos individualistas anarquistas. É
perfeitamente natural que estas teses abstratas, de ordem geral, tenham provocado a
perplexidade geral entre os leitores do Iskra. Não se pode ler sem riso as magníficas e
altivas declarações do camarada Plekhánov (em artigos posteriores) de que não o
compreenderam em virtude da novidade das suas idéias, por não se conhecer a dialética.
De fato, apenas puderam compreender o artigo O Que não Se Deve Fazer, quando este
foi redigido, umas dez pessoas de dois arrabaldes de Genebra, cujos nomes começam
pelas mesmas letras210. A infelicidade do camarada Plekhánov foi ter lançado em
circulação perante uns dez mil leitores uma série de alusões, censuras, sinais algébricos
e enigmas dirigidos apenas a estas dez pessoas que tinham participado, depois do
congresso, em todas as peripécias da luta contra a minoria. O camarada Plekhánov
incorreu nessa infelicidade por ter infringido o princípio fundamental da dialética, que
com tão pouca felicidade invocara: não há verdades abstratas, a verdade é sempre
concreta. Por isso mesmo, era deslocado apresentar sob uma forma abstrata a idéia
muito concreta de fazer uma cedência aos martovistas depois do congresso da Liga.
A cedência, que o camarada Plekhánov apresentou como um novo lema de combate, é
legítima e imprescindível em dois casos: ou quando aquele que cede está convencido da
razão dos que querem obter essa cedência (os políticos honestos, neste caso,
reconhecem franca e abertamente o seu erro), ou quando a cedência a uma exigência
insensata ou prejudicial para a causa é feita para evitar um mal maior. Ressalta com toda
a clareza do artigo que examinamos que o autor pensa no segundo caso: fala
abertamente de fazer uma cedência a revisionistas e a individualistas anarquistas (ou
seja, aos martovistas, como o sabem agora todos os membros do partido pelas atas da
Liga), cedência imprescindível para evitar a cisão. Como vedes, a idéia pretensamente
nova do camarada Plekhánov resume-se inteiramente a uma sabedoria da vida nada
nova: as pequenas contrariedades não devem prejudicar um grande prazer, uma pequena
tolice oportunista e uma pequena frase anarquista são preferíveis a uma grande cisão no
partido. O camarada Plekhánov, ao escrever este artigo, percebia claramente que a
minoria representa a ala oportunista do nosso partido, que ela combate com métodos
anarquistas. O camarada Plekhánov formulou um projeto: lutar contra esta minoria
através de cedências pessoais, algo semelhante (mais uma vez, si licet parva com ponere
magnis) à luta da social-democracia alemã contra Bernstein. BebeI declarava
publicamente nos congressos do seu partido que não conhecia homem mais sensível à
influência do ambiente que o camarada Bernstein (não o senhor Bernstein, como
gostava de dizer antigamente o camarada Plekhánov, mas o camarada Bernstein):
acolhê-lo-emos entre nós, faremos dele um delegado ao Reischstag, combateremos o
revisionismo, mas não combateremos o revisionista com inoportuna aspereza (à la,
Sobakêvitch²¹¹-Parvus), antes o "mataremos com delicadezas" (kíll with Kindness),
como o caracterizava, se bem me lembro, o camarada M. Beer numa reunião social-
democrata inglesa ao defender o espírito de cedência dos alemães, o seu espírito
pacífico, delicado, flexível e prudente, contra os ataques do Sobakévitch-Hyndman
inglês. De igual modo, o camarada PIekhánov queria "matar com delicadezas" o
pequeno anarquismo e o pequeno oportunismo dos camaradas Axelrod e Mártov. A
verdade é que, juntamente com alusões bem claras aos "anarquistas individualistas", o
camarada Plekhánov se expressou em termos deliberadamente pouco claros
relativamente aos revisionistas, de modo a fazer crer que tinha em vista os partidários da
Robótcheie Dielo que passavam do oportunismo para a ortodoxia, e não Axelrod e
Mártov, que começavam a passar da ortodoxia para o revisionismo. Mas isto foi apenas
um ardil militar
(23)
inocente, uma má obra de fortificação, incapaz de resistir ao fogo da
artilharia da publicidade feita no partido.
Pois bem, quem se inteirar da conjuntura concreta do momento político que
descrevemos, quem penetrar na psicologia do camarada Plekhánov, compreenderá que
eu não podia então proceder senão como procedi. Digo-o para aqueles partidários da
maioria que me censuraram por ter cedido a redação. Quando o camarada Plekhánov fez
uma viragem depois do congresso da Liga, e de partidário da maioria passou a
partidário da reconciliação a qualquer preço, eu era obrigado a interpretar essa viragem
no melhor sentido. Talvez o camarada Plekhánov quisesse apresentar no seu artigo um
programa de boa e honesta paz? Qualquer programa deste tipo resume-se a um
reconhecimento sincero pelas duas partes dos erros cometidos. Qual o erro da maioria
indicado pelo camarada Plehkánov? - Uma aspereza deslocada, digna de Sobakévitch,
para com os revisionistas. Não sabemos a que se referia o camarada Plekhánov ao dizer
isto: se à sua tirada humorística sobre os burros, se àquela alusão, da maior imprudência
na presença de Axelrod, ao anarquismo e ao oportunismo; o camarada Plekhánov
preferiu exprimir-se "abstractamente", aludindo, além disso, a Fulano. É uma questão de
gosto, bem entendido. Mas eu reconheci abertamente a minha própria aspereza tanto na
minha carta a um iskrista como no congresso da Liga. Como poderia eu deixar de
reconhecer tal "erro" na maioria? Quanto à minoria, o camarada Plekhánov indicava
claramente o erro dela: revisionismo (cf. as suas observações sobre o oportunismo no
congresso do partido e sobre o jauressismo no congresso da Liga) e anarquismo, que
tinha conduzido à cisão. Podia eu opor-me a que, através de cedências pessoais, e, em
geral, de toda a espécie de "kindness" (amabilidade, delicadeza, etc.), se conseguisse o
reconhecimento desses erros e se desfizesse o mal por eles causado? Podia eu impedir
esta tentativa, quando o camarada Plekhánov, no seu artigo O Que não Se Deve Fazer,
procurava diretamente convencer a "ter piedade dos adversários" revisionistas, e que
apenas eram revisionistas "em virtude de uma certa falta de espírito de consequência"?
E se não acreditava nesta tentativa, poderia eu agir de outro modo que não fosse fazer
uma cedência pessoal relativamente ao OC e passar para o CC para defender a posição
da maioria
(24)
? Negar absolutamente a possibilidade de tais tentativas e tomar sobre mim
só a responsabilidade da cisão iminente era coisa que não podia fazer, pelo simples fato
de eu próprio me ter inclinado, na minha carta de 6 de Outubro, a explicar a disputa "por
uma irritação pessoal". Quanto a defender a posição da maioria, considerava e continuo
a considerar que é meu dever político. Era difícil e arriscado confiar, a esse respeito, no
camarada Plekhánov, porque tudo indicava que o camarada Plekhánov estava disposto a
interpretar dialeticamente a sua frase "um dirigente do proletariado não tem o direito de
ceder às suas inclinações combativas quando estas são contrárias aos cálculos políticos",
interpretá-la dialecticamente no sentido de que, já que era necessário disparar, o mais
vantajoso (de acordo com o estado da atmosfera de Genebra em Novembro) era disparar
contra a maioria ... Era imprescindível defender a posição da maioria porque o camarada
Plekhánov - rindo-se da dialética, que exige um exame concreto e multilateral -, ao
tratar da boa (?) vontade do revolucionário, .torneou modestamente a questão da
confiança no revolucionário, da fé no "dirigente do proletariado" que dirigia uma
determinada ala do partido. Ao falar do individualismo anarquista e recomendar que "de
vez em quando" se fechassem os olhos às infrações à disciplina, se cedesse "por vezes"
ao relaxamento próprio de intelectuais, "que se radica num sentimento que nada tem de
comum com a fidelidade à idéia revolucionária", o camarada Plekhánov esquecia sem
dúvida que importava igualmente ter em conta a boa vontade da maioria do partido, que
é preciso deixar precisamente aos militantes práticos o cuidado de definir a medida das
cedências a fazer aos individualistas anarquistas. E tão fácil a luta literária contra os
pueris absurdos anarquistas como é difícil o trabalho prático com um individualista
anarquista numa mesma organização. Um literato que se encarregasse de estabelecer a
medida em que é possível ceder ao anarquismo na prática apenas daria provas duma
desmedida fatuidade literária, duma fatuidade realmente doutrinária. O camarada
Plekhánov observava majestosamente (para se dar importância, como dizia Bazárov212)
que no caso de nova cisão os operários deixariam de nos compreender e, ao mesmo
tempo, ele próprio inaugurava uma interminável série de artigos no novo Iskra, que,
pelo seu :significado atual e concreto, ficavam necessariamente incompreensíveis não
só para os operários, mas, em geral, para toda a gente. Não admira, pois, que um
membro do CC213 que tinha lido as provas do artigo O Que não Se Deve Fazer
prevenisse o camarada Plekhánov de que o seu plano prevendo uma redução até certo
ponto da publicação de determinados documentos (atas do congresso do partido e do
congresso da Liga) ficava prejudicado "justamente por este artigo, que excitava a
curiosidade e lançava para o julgamento da rua
(25)
algo de excitante e, ao mesmo tempo,
inteiramente obscuro, provocando inevitavelmente perguntas perplexas: "Que se
passou?" Não admira que precisamente este artigo do camarada Plekhánov, em
consequência do caráter abstrato dos seus raciocínios e da falta de clareza das suas
alusões, tenha provocado o regozijo nas fileiras dos inimigos da social-democracia: um
cancan nas páginas da Revolutsiónnaia Rossia215 e também os louvores entusiastas dos
consequentes revisionistas da Osvobojdénie. A fonte de todos estes divertidos e tristes
mal-entendidos, de que o camarada Plekhánov se desembaraçou mais tarde de modo tão
divertido e tão triste, foi precisamente a violação do princípio fundamental da dialética:
e preciso analisar as questões concretas da maneira mais concreta. O regozijo do senhor
Struve, em particular, era perfeitamente natural: pouco lhe importavam os "bons"
objetivos (kill with kindness) que o camarada Plekhánov visava (mas que podia não
alcançar); o senhor Struve aplaudia e não podia deixar de aplaudir a viragem para a ala
oportunista do nosso partido, que começara no novo Iskra, como toda a gente vê agora.
Os democratas burgueses russos não são os únicos a saudar cada viragem, por mais
pequena e provisória que seja, para o oportunismo em todos os partidos sociais-
democratas. E muito raro que haja uma confusão absoluta na apreciação que vem de um
inimigo inteligente: diz-me quem te elogia, e dir-te-ei onde está o teu erro. O camarada
Plekhánov em vão conta com um leitor desatento, procurando apresentar as coisas como
se a maioria se tivesse oposto terminantemente à cedência pessoal relativamente à
cooptação, e não à passagem da ala esquerda para a ala direita do partido. A questão não
consiste, de modo nenhum, no fato de o camarada Plekhánov, para evitar a cisão, ter
feito uma cedência pessoal (o que é muito de elogiar), mas no fato de que tendo
reconhecido inteiramente a necessidade de discutir com os revisionistas inconsequentes
e com os individualistas anarquistas, ele tenha preferido discutir com a maioria, de
quem divergia quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao
anarquismo. A questão não consiste de modo nenhum no fato de o camarada Plekhánov
ter alterado a composição pessoal da redação, mas no fato de ter traído a sua posição de
discutir com o revisionismo e o anarquismo, no fato de ter deixado de defender esta
posição no OC do partido.
No que diz respeito ao CC, que era então o único representante organizado da maioria, o
camarada Plekhánov divergiu naquele momento com ele exclusivamente quanto à
medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. Passou-se cerca de
um mês depois do dia 1 de Novembro, quando a minha retirada deixou as mãos livres à
política do kill with kindness. O camarada Plekhánov tinha todas as possibilidades de
verificar, por toda a espécie de contatos, o que vale esta política. O camarada Plekhánov
publicou nesta ocasião o seu artigo O Que não Se Deve Fazer, que foi - e continua a ser
- o único bilhete de entrada, por assim dizer, dos martovistas na redação. As palavras de
ordem: revisionismo (com o qual se deve discutir poupando o adversário) e
individualismo anarquista (que se deve amimar matando-o com delicadezas), figuram
neste bilhete em itálico destacado. Fazei o favor de entrar, senhores, matar-vos-ei com
delicadezas - eis o que diz o camarada Plekhánov neste cartão de convite aos seus novos
colegas de redação. Naturalmente, ao CC não restava senão dizer a sua última palavra
(que é o que significa ultimato: a última palavra sobre a possível paz) sobre a medida
das cedências práticas admissíveis, do seu ponto de vista, ao individualismo anarquista.
Ou quereis a paz, e então eis um certo número de lugares para vós que testemunham a
nossa delicadeza, o nosso espírito de paz, o nosso espírito de cedência, etc. (e mais não
podemos dar, se queremos garantir a paz no partido, paz no sentido não de não haver
discussões, mas no sentido de o partido não ser destruído pelo individualismo
anarquista), tomai estes lugares e iniciai novamente pouco a pouco a (viragem das
posições de Akímov para as de Plekhánov. Ou quereis manter e desenvolver o vosso
ponto de vista, virar definitivamente (mesmo que seja apenas no domínio das questões
de organização) para Akímov, convencer o partido de que vós é que tendes razão e não
Plekhánov, e então formai o vosso próprio grupo literário, obtende uma representação
no congresso e começai, através de uma luta honesta, de uma polêmica aberta, a
conquistar a maioria. Esta alternativa, claramente exposta aos martovistas no ultimato
do Comitê Central de 25 de Novembro de 1903 (ver Estado de Sítio e Comentário às
Atas da Liga
(26)
, está plenamente de acordo com a carta, minha e de Plekhánov, datada
de 6 de Outubro de 1903, dirigida aos antigos redatores: ou irritação pessoal (e então
podia-se, no pior dos casos, "cooptar"), ou divergências de princípio (e então era preciso
começar por convencer o partido e só depois falar de alterações na composição pessoal
dos centros). O CC podia deixar aos próprios martovistas o cuidado de solucionau este
dilema delicado, tanto mais que precisamente naquela altura o camarada Mártov
escrevia na sua profession de foi
(27)
(Uma Vez Mais em Minoria) as linhas seguintes:
"A minoria aspira a uma só honra: dar o primeiro exemplo da história do nosso partido
de que é possível ser "vencido" e não constituir um novo partido. Esta posição da
minoria decorre de todas as suas opiniões sobre o desenvolvimento do partido no
domínio da organização; decorre da consciência dos fortes laços que a unem ao anterior
trabalho do partido. A minoria não acredita na força mística das "revoluções no papel" e
vê na profundidade com que a vida justifica as suas aspirações a garantia de que
conseguirá, por uma propaganda puramente ideológica no seio do partido, fazer triunfar
os seus princípios de organização" (sublinhado por mim).
Que magníficas, que orgulhosas palavras! E como foi amargo convencermo-nos na
prática de que eram apenas palavras ... Queira desculpar-me, camarada Mártov, mas
agora, em nome da maioria, declaro aspirar a essa "honra" que você não mereceu. Será
de fato uma grande honra, pela qual vale a pena bater-se, porque as tradições do espírito
de círculo legaram-nos uma herança de cisões extraordinariamente fáceis e uma
aplicação extraordinariamente zelosa desta regra: ou um soco ou um beijo na mão.
O grande prazer (de ter um único partido) devia pesar mais, e pesou mais, do que as
pequenas contrariedades (sob a forma de querelas mesquinhas acerca da cooptação).
Retirei-me do OC, o camarada Igrek (delegado por mim e por Plekhánov ao Conselho
do partido, pela redação do OC) retirou-se do Conselho. Os martovistas responderam à
última palavra do CC sobre a paz com uma carta (cf. as publicações citadas) equivalente
a uma declaração de guerra. Então, mas só então, eu escrevi uma carta à redação (n.º 53
do Iskra) sobre a publicidade
(28)
. Se falamos de revisionismo, se discutimos sobre a
inconsequência e o individualismo anarquista, sobre o fracasso de diversos dirigentes,
então, senhores, contemos tudo sem nada esconder - era esse o conteúdo da minha carta
sobre a publicidade. A redação respondeu-lhe com injúrias violentas e um magnífico
sermão: não te atrevas a vir com "minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de
círculo" (n.º 53 do Iskra). Bom, digo para mim, com que então "minúcias e querelas
mesquinhas próprias da vida de círculo" ... es zst mir recht, senhores, nisso estou de
acordo convosco. Porque isso quer dizer que incluis diretamente entre as querelas
mesquinhas de círculos toda a história da "cooptação". E é verdade. Mas que estranha
dissonância quando no editorial do mesmo n.0 53 a mesma redação (parece ser a
mesma) começa a falar do burocratismo, de formalismo, etc.
(29)
Não te atrevas a
levantar a questão da luta pela cooptação para o OC, porque isso são querelas
mesquinhas. Mas nós levantaremos a questão da cooptação para o CC, e a isso não
chamaremos querela mesquinha, mas divergência de princípio quanto ao "formalismo".-
Não, digo para mim, caros camaradas, permiti-nos não vo-lo permitir. Então quereis
disparar contra a minha fortaleza, e exigis de mim que vos entregue a minha artilharia!
Brincalhões! E assim escrevo e publico, fora do Iskra, a minha Carta à Redação (Porque
Me Retirei da Redação do "lskra"?
(30)
), relatando brevemente como se passaram os fatos
e perguntando uma e outra vez se é possível a paz na base da divisão seguinte: o Órgão
Central para vós, o Comitê Central para nós. Nenhuma das partes sentirá "estranha" no
seu partido, e discutiremos a viragem para o oportunismo, discutiremos primeiro na
literatura, e depois talvez no terceiro congresso do partido.
Como resposta a esta menção de paz, todas as baterias do inimigo abriram fogo,
incluindo o Conselho. Choviam os projéteis. Autocrata, Schweitzer, burocrata,
formalista, supercentro, unilateral, rígido, obstinado, estreito, desconfiado, intratável ...
Muito bem, meus amigos! Acabastes? Já não tendes mais nada de reserva? São bem
más as vossas munições ...
É a minha vez de falar. Vejamos o conteúdo dos novos pontos de vista do novo Iskra em
matéria de organização, e a relação destes pontos de vista com a divisão do nosso
partido em "maioria" e "minoria", cujo verdadeiro caráter já mostramos ao analisar os
debates e votações do segundo congresso.
Notas: Parte V
(1) Porque se escolheu precisamente para o diagrama a votação do § 2 dos estatutos do
Bund? Porque as votaçoes sobre a confirmaçao do Iskra são menos completas e porque
as votações sobre o programa e a federação refcrem-se a decisões políticas menos
definidas e concretas. Dum modo geral, escolher uma ou outra de uma série de votações
do mesmo tipo nao alterará uni nada os traços essenciais do quadro, como podera
facilmente dar-se conta quem quer que taça as alteraçoes correspondentes.
(retornar ao
texto)
(2) É esta votaçao que é representada no diagrama B: os iskristas obtiveram 32 votos e a
resolução do bundista 16. De notar que entre as votações deste tipo não houve uma so
votaçao nominal.O modo como os delegados individualmente votaram só pode ser
estabelecido - com um altíssiomo grau de probalidade - por duas espécies de dados: 1)
nos debates dos oradores dos dois grupos de iskrtstas pronuociam-se a favor e os
oradores dos anti-iskristas e do centro contra. 2) o número de votos "a favor" é sempre
muito próximo de 33. É preciso também não esquecer que ao analisar os debates do
congresso nós fizemos notar, além das votações, toda uma série de casos em que o
"centro" se uniu aos anti-iskristas (aos oportunistas) contra nós, como aconteceu quando
se tratou da questão relativa ao valor absoluto das reivindicações democráticas, ao apoio
a favor dos elementos de oposição, à restrição do centralismo, etc.
(retornar ao texto)
(3) A julgar por tudo, do mesmo tipo foram outras quatro votações sobre os estatutos: p.
278- 27 a favor de Fomine e 21 a nosso favor; p. 279 - 26 a favor de Mártov e 24 a
nosso favor; p. 280 - 27 contra mim e 22 a favor; e, na mesma página, 24 a favor de
Mártov e 23 a nosso favor. São as votações sobre cooptação para os centros, das quais já
falei antes. Não há votações nominais (houve uma, mas perderam-se os dados). Os
bundistas (todos ou em parte) salvam, pelos vistos, Mártov. Corrigimos mais acima as
afirmações erradas de Mártov (na Liga) sobre as votações deste tipo.
(retornar ao texto)
(4) Os sete oportunistas que se retiraram do 2.º congresso foram os cinco bundistas (o
Bund separou-se do partido no segundo congresso, depois da rejeição do princípio
federativo) e dois partidários da Rabótcheie Dielo, o camarada Martínov e o camarada
Akímov. Estes dois últimos abandonaram o congresso depois de a Liga iskrista ser
reconhecida como a única organização do partido no estrangeiro, isto é, depois da
dissolução da "União dos Sociais-Democratas Russos no estrangeiro afeta à Rabótcheíe
Dielo. (Nota de Lénine à edição de 1907. - N. Ed.)
(retornar ao texto)
(5) Mais adiante veremos que, depois do congresso, tanto o camarada Akímov como o
comitê de Vorónej, o mais próximo do camarada Akímov, expressaram abertamente as
suas simpatias pela "minoria".
(retornar ao texto)
(6) Nota para o camarada Mártov. Se o camarada Mártov esqueceu agora que iskrita
quer dizer partidário de uma tendência e não membro de um círculo recomendamos-lhe
que leia nas atas do congresso a explicação desta questão dada pelo camarada Trótski ao
camarada Akímov. Círculos iskristas no congresso (em relação ao partido) eram três: o
grupo "Emancipação do Trabalho"", a redação do Iskra e a organização do Iskra. Dois
destes três círculos foram tão razoáveis que se dissolveram a si próprios, o terceiro não
teve suficiente espírito de partido para o fazer e foi dissolvido pelo congresso. O círculo
iskrista mais amplo, a organização do lskra (que compreendia a redação e o grupo
"Emancipação do Trabalho") tinha no congresso apenas 16 membros, dos quais apenas
onze tinham voto. Iskristas por tendência sem pertencerem a nenhum "círculo" iskrista,
estavam no congresso, segundo os meus cálculos, 27 com 33 votos. Portanto, entre os
iskristas, menos de metade pertenciam aos círculos iskristas.
(retornar ao texto)
(7) Ver o presente tomo, pp. 364-365. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(8) Não posso deixar de relembrar, a propósito, uma conversa que tive no congresso
com um dos delegados do "centro". "Como esta carregada a atmosfera do nosso
congresso!" - dizia-me, em tom de queixa. "Essa luta encarniçada, essa agitação de um
contra outro, essa polêmica tão dura, essa atitude imprópria de camaradas! ..." " Que
coisa maravilhosa é o nosso congresso!" - respondi-lhe. "Luta franca, livre.
Manifestaram-se as opiniões. Revelaram-se matizes. Tomaram forma grupos.
Levantaram-se as mãos. Adotou-se uma decisão. Ficou para trás uma etapa. Avante! E
assim que eu vejo as coisas. Isso é a vida. Já não são mais as intermináveis e
aborrecidas discussões próprias de intelectuais e que terminam não porque se tenha
resolvido um problema, mas simplesmente porque a gente se cansou de falar..."
O camarada do "centro" olhava-me com olhos espantados e encolhia os ombros.
Falávamos linguagens diferentes.
(retornar ao texto)
(9) Se acaso é permitido comparar o pequeno com o grande. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(10) O máximo. (. Ed.)
(retornar ao texto)
(11) Independentemente. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(12) Esta carta foi escrita ainda em Setembro (do novo calendário). (Ver V. I. Lénine,
Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 46, pp. 297-300. - N. Ed.) Omiti nela o que me
parecia não vir ao caso. Seu destinatário acha que o que se omitiu é precisamente o
importante, pode completá-la sem dificuldade. A propósito. Aproveito a ocasião para
autorizar os meus contraditores, de uma vez por todas, a publicar todas as minhas cartas
particulares, se o considerarem útil à causa.
(retornar ao texto)
(13) Além disso, este membro do CC 209 organizou especialmente uma série de
encontros particulares e coletivos com a minoria, desmentindo os mexericos absurdos e
exortando-os a cumprir o dever de membros do partido.
(retornar ao texto)
(14) Na carta ao camarada Mártov havia ainda uma passagem em que se perguntava por
uma brochura, e a frase seguinte: "Por último, no interesse da causa, comunicamos uma
vez mais que estamos ainda prontos a cooptá-lo a si para a redação do OC, para lhe
oferecer todas as possibilidades de exprimir e defender oficialmente todos os seus
pontos de vista num organismo superior do partido." (Ver V. I. Lénine, Obras
Completas, 5.ª ed. em russo, t. 46, p. 306. -N. Ed.)
(retornar ao texto)
(15) O camarada Plekhánov, provavelmente, teria acrescentado aqui: ou dar satisfação a
toda e cada uma das pretensões dos iniciadores da querela mesquinha. Já veremos por
que era impossível fazê-lo.
(retornar ao texto)
(16) Omito a resposta sobre a brochura de Mártov, que estava então a ser reeditada.
(retornar ao texto)
(17) A Resolução Mineira (Estado de Sítio, p. 38)
(retornar ao texto)
(18) Ver V. I. Lenine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 8, pp. 41-52 (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(19) Já assinalei que não seria razoável reduzir a motivos sórdidos as mais baixas
formas de manifestação de semelhantes querelas mesquinhas, habituais na atmosfera da
emigração e do exílio. Trata-se de uma espécie de doença que se propaga
epidemicamente em determinadas condições anormais de vida, em determinados
estados de desequilíbrio nervoso, etc. Vi-me forçado a precisar aqui o verdadeiro caráter
deste sistema de luta porque o camarada Mártov o repetiu inteiramente no seu "Estado
de Sítio".
(retornar ao texto)
(20) Basta lembrar que o camarada Plekhánov deixou, aos olhos da minoria, de ser um
partidário do "centralismo burocrático" depois de ter efetuado a benfazela cooptação.
(retornar ao texto)
(21) Nada mais cômico que este ressentimento do novo Iskra, pretendendo que Lénine
não quer ver as divergências de princípio ou as contesta. Quanto mais a vossa atitude
perante a causa correspondesse aos princípios, tanto mais cedo deveríeis ter examinado
as minhas repetidas indicações sobre a viragem para o oportunismo. Quanto mais a
vossa posição correspondesse aos princípios, tanto menos poderíeis ter rebaixado a luta
ideológica a uma luta pelos cargos. Culpai-vos a vós próprios se fizestes tudo para
impedir que vos considerem como homens de princípios. Assim, o camarada Márrov,
por exemplo, ao falar no seu Estado de Sítio do congresso da Liga, passa em silêncio o
debate com Plekhánov sobre o anarquismo; mas, pelo contrário, conta que Lénine é um
supercentro, que basta que Lénine faça um gesto para que o centro adote uma medida,
que CC entrou na Liga montado num cavalo branco, etc. Estou longe de duvidar que é
justamente pela escolha deste tema que o camarada Mártov demonstrou o seu profundo
apego ás cicias e aos princípios.
(retornar ao texto)
(22) Mal-entendido. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(23) Quanto às cedências aos camaradas Mártov, Akímov e Brúker, nem sequer se falou
disso depois do congresso do partido. Não ouvi dizer que eles também tivessem exigido
a "cooptação". Duvido mesmo que o camarada Starover ou o camarada Mártov tivessem
pedido a opinião do camarada Brúker quando nos enviaram os seus papéis e "notas" em
nome de "metade do partido" ... No congresso da Liga, o camarada Mãrtov, com a mais
profunda indignação dum lutador político intransigente, rejeitava até a idéia de "unidade
com Riazánov ou Martínov", a possibilidade de um "acordo" com eles ou até de uma
ação comum (na qualidade de redator) "ao serviço do partido" (p. 53 das atas da Liga).
O camarada Mártov , condenou severamente no congresso da Liga as "tendências
martinovistas" (p. 88), e quando o camarada Ortodox aludiu delicadamente a que talvez
Axelrod e Mártov "reconhecessem também aos camaradas Akímov, Martínov e outros o
direito de se reunirem para elaborar para seu próprio uso uns estatutos e de aplicá-los
como lhes aprouvesse" (p. 99), os martovistas puseram-se a renegar, como Pedro
renegou Cristo (p. 100: "os receios do camarada Ortodox" "em relação aos camaradas
Akímov, Martínov, etc." "são destituídos de fundamento").
(retornar ao texto)
(24) O camarada Mártov, falando sobre esse ponto, disse com muita precisão que eu me
tinha passado avec armes et bagages (com armas e bagagens - N. Ed.). O camarada
Mártov gosta de fazer comparações militares: expedição contra a Liga, combate, feridas
incuráveis, etc., etc. Tenho de reconhecer que também tenho um grande fraco pelas
comparações militares, sobretudo agora, quando se acompanha com tanto interesse as
notícias do Pacífico. Mas, se falamos em termos militares, camarada Mártov, as coisas
aconteceram do seguinte modo. Nós conquistamos dois fortins no congresso do partido.
Vós atacaste-los no congresso da Liga. Já depois do primeiro ligeiro tiroteio, um colega
meu, chefe de uma das fortalezas, abre as portas ao inimigo. Eu, naturalmente, reÚno a
minha pequena artilharia e retiro-me para outro forte, muito mal fortificado, para
"entricheirar-me" contra um inimigo numericamente muito superior. Chego até a propor
a paz: como lutar contra duas potências? Porém, os novos aliados respondem à proposta
de paz bombardeando o meu último reduto. Respondo ao fogo. E, naquele momento, o
meu antigo colega - o chefe da fortaleza - exclama com magnífica indignação: olhai,
boa gente, quão pouco amor à paz tem este Chamberlain!
(retornar ao texto)
(25) Discutimos com paixão, acaloradamente, em certo recinto fechado. De repente, um
de nós salta, abre deparem par uma janela que dá para a rua e começa a gritar contra os
Sobakévitch, os individualistas anarquistas, os revisionistas, etc. Naturalmente que na
rua se reuniu uma multidão de curiosos folgazões e os nossos inimigos sentiram uma
maldosa alegria. Os outros participantes na discussão aproximaram-se também da
janela, manifestando o desejo de contar as coisas como se passaram, desde o principio e
sem aludir a coisas que ninguém sabe. Então, fecha-se a janela de golpe: não vale a
pena, dizem, falar de querelas mesquinhas (Iskra, n.º 53, p. 8, segunda coluna, linha 24 a
contar debaixo). A verdade, camarada Plekhánov214, é que teria sido melhor não
começar no "Iskra" a falar de "querelas mesquinhas"!
(retornar ao texto)
(26) Deixo por esclarecer, naturalmente, a confusão que fez Mártov, no seu Estado de
Sítio, em torno desse ultimato do CC, referindo-se a conversas particulares, etc. Este é o
"segundo método de luta", que defini no parágrafo anterior e que só um especialista em
neuropatologia poderia analisar com esperanças de êxito. Basta dizer que nele o
camarada Mártov insiste no acordo com o CC para que não sejam publicadas as
negociações, acordo que, apesar de todas as pesquisas, ainda não foi encontrado. O
camarada Travínski, que conduzia as negociações em nome do CC, comunicou-me por
escrito que me considerava autorizado a publicar fora do Iskra a minha carta à redação.
Uma só expressão do camarada Mártov me agradou especialmente: "bonapartismo da
pior espécie". Na minha opinião, o camarada Mártov pôs em circulação esta categoria
com muita oportunidade. Vamos ver serenamente o que significa esse conceito. No meu
modo de ver, significa a tomada do poder por meios formalmente legais, mas, na
realidade, contra a vontade do povo (ou do partido). Não é assim, camarada Mãrtov? E
se é assim, deixo tranquilamente à opinião pública que decida de que lado estava esse
"bonapartismo da pior espécie", se do lado de Lénine e lgrek, que podiam aproveitar-se
do seu direito formal de não deixar entrar os martovistas, apoiando-se, além disso, na
vontade do II congresso, mas que não fizeram uso desse direito; ou se do lado dos que
ocuparam a redação de modo formalmente correto ("cooptação unânime"), mas sabendo
que esse ato não correspondia, na realidade, à vontade dali congresso e temendo a
comprovação) dessa vontade pelo III congresso.
(retornar ao texto)
(27) Profissão de fé. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(28) Ver V. 1. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 8, pp. 93-97. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
(29) Como se verificou mais tarde, a "dissonância" explicava-se muito simplesmente
por uma dissonância na composição da redação do OC. Sobre "querelas mesquinhas"
escreveu Plekhánov (ver a sua confissão em Um Triste Mal-Entendido, n.º 57),
enquanto o editorial O Nosso Congresso foi escrito por Mártov (Estado de Sítio, p. 84).
Cada um puxa para o seu lado.
(retornar ao texto)
(30) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 9, pp. 98-104.(N. Ed.)
(retornar ao texto)
Parte VI
q) O Novo "Iskra". Oportunismo nas Questões de Organização
Para analisar a posição de princípio do novo Iskra é preciso sem dúvida tomar como
base os dois folhetins do camarada Axelrod
(1)
, Expusemos anteriormente em pormenor
o significado concreto de uma série das suas palavrinhas preferidas, e agora devemos
tentar abstrair-nos desse significado concreto e seguir o desenrolar do pensamento que
levou a "minoria" (por este ou aquele motivo fútil e mesquinho) a adotar precisamente
essas palavras de ordem e não outras, e examinar o significado destas palavras de ordem
no terreno dos princípios, independentemente da sua origem, independentemente da
"cooptação". Vivemos agora sob o signo das cedências: façamos pois uma cedência ao
camarada Axelrod e "tomemos a sério" a sua "teoria".
A tese fundamental do camarada Axelrod (n.0 57 do Iskra) é a seguinte: "Desde o início
o nosso movimento conteve duas tendências opostas, cujo antagonismo mútuo não
podia deixar de desenvolver-se e repercutir-se nele paralelamente ao seu próprio
desenvolvimento." A saber: "O objetivo proletário do movimento (na Rússia) é, em
princípio, o mesmo que o da social-democracia do Ocidente." Mas no nosso país a
influência sobre as massas operárias provém "de um elemento social que lhes é
estranho" - a intelectualidade radical. Assim, o camarada Axelrod assinala que existe no
nosso partido um antagonismo entre as tendências proletária e intelectual-radical.
Nisso o camarada Axelrod tem seguramente razão. Que este antagonismo existe (e não
só no partido social-democrata russo), é questão fora de dúvida. E mais. Toda a gente
sabe que é este antagonismo que explica em grande parte a divisão da social-democracia
contemporânea em social-
-democracia revolucionária (também chamada ortodoxa) e oportunista (revisionista,
ministerialista, reformista), divisão que também se manifestou claramente na Rússia no
decurso dos dez últimos anos do nosso movimento. Toda a gente sabe também que é
precisamente a social-democracia ortodoxa que exprime as tendências proletárias do
movimento, enquanto a social-democracia oportunista exprime as tendências
intelectuais-democráticas.
Mas, ao abordar de perto este fato notório, o camarada Axelrod, temeroso, começa a
recuar. Não faz a mínima tentativa para analisar como se manifestou esta divisão na
história da social-democracia russa em geral, e no nosso congresso do partido em
particular - embora o camarada Axelrod escreva precisamente acerca do congresso!
Como toda a redação do nosso Iskra, o camarada Axelrod manifesta um medo mortal
das atas deste congresso. Não devemos admirar-nos disso depois de tudo o que foi
exposto anteriormente, mas da parte de um "teórico" que pretende estudar as diversas
tendências do nosso movimento, é um caso original de fobia da verdade. Depois de ter
afastado, em virtude dessa particularidade que o caracteriza, os materiais mais recentes
e mais exatos sobre as tendências do nosso movimento, o camarada Axelrod procura
salvação no campo dos doces sonhos. "O marxismo legal ou semimarxismo deu, pois
um chefe literário aos nossos liberais - diz ele. - Então, porque é que essa menina
travessa que é a história não havia de dar à democracia burguesa revolucionária um
chefe formado na escola do marxismo revolucionário, ortodoxo?" Sobre este sonho,
doce para o camarada Axelrod, só podemos dizer que, se acontece a história fazer
travessuras, isso não justifica as travessuras do pensamento de uma pessoa que se
propõe analisar essa história. Quando por
detrás do chefe do semimarxismo surgia o liberal, as pessoas que queriam (e sabiam)
estudar o fundo das suas "tendências", não invocavam possíveis travessuras da história,
mas dezenas e centenas de exemplos da psicologia e da lógica desse chefe,
particularidades de toda a sua fisionomia literária, que traíam o reflexo do marxismo na
literatura burguesa216. Mas se o camarada Axelrod, que pretendeu analisar as
"tendências revolucionárias em geral e as tendências proletárias no nosso movimento",
não soube revelar nada, absolutamente nada, que demonstrasse a existência de
determinadas tendências nestes ou naqueles representantes dessa ala ortodoxa que ele
detesta, apenas se passou a si mesmo um solene atestado de indigência. Os assuntos do
camarada Axelrod devem andar bem mal, se já só lhe resta invocar as g possíveis
travessuras da história!
A outra referência do camarada Axelrod - aos "jacobinos" - é ainda mais instrutiva. O
camarada Axelrod não desconhece, provavelmente, que a divisão da social-democracia
contemporânea em revolucionária e oportunista, há já muito tempo, e não só na Rússia,
deu azo a "analogias históricas com a época da grande revolução francesa". O camarada
Axelrod não ignora, provavelmente, que os girondinos da social-democracia
contemporânea recorrem, sempre e em toda a parte, aos termos "jacobinismo",
"blanquismo"217, etc., para caracterizar os seus adversários. Não imitemos pois o
camarada Axelrod na sua fobia da verdade, e consultemos as atas do nosso congresso:
talvez encontremos nelas material para analisar e verificar as tendências que estamos a
estudar e as analogias que estamos a examinar.
Primeiro exemplo. A discussão do programa no congresso do partido. O camarada
Akímov ("<inteiramente de acordo" com o camarada Martínov) declara: "O parágrafo
sobre a conquista do poder político (sobre a ditadura do proletariado), em comparação
com todos os outros programas sociais-democratas, foi redigido de tal maneira que pode
ser interpretado, como foi de fato interpretado pelo camarada Plekhánov, no sentido de
que o papel da organização dirigente deverá relegar para segundo plano a classe por ela
dirigida e isolar a primeira da segunda. Por isso a definição das nossas tarefas políticas é
exatamente igual à feita por "A Vontade do Povo" (p. 124 das atas). O camarada
Plekhánov e outros iskristas respondem ao camarada Akímov acusando-o de
oportunismo. Não acha o camarada Axelrod que esta discussão nos mostra (nos fatos e
não nas imaginarias travessuras da história) o antagonismo entre os jacobinos atuais e os
girondinos atuais na social-democracia? E se o camarada Axelrod falou dos jacobinos,
não será porque se encontrou (devido aos erros que cometeu) na companhia dos
girondinos da social-democracia?
Segundo exemplo. O camarada Possadóvski põe a questão de um "sério desacordo"
sobre a "questão fundamental" do "valor absoluto dos princípios democráticos" (p. 169).
Juntamente com Plekhánov, nega o seu valor absoluto. Os líderes do "centro" ou do
pântano (Egórov) e dos anti-iskristas (Goldblat) erguem-se decididamente contra isso,
considerando que Plekhánov "imita a táctica burguesa" (p. 170) - esta é precisamente a
idéia do camarada Axelrod sobre a relação entre ortodoxia e tendência burguesa, com a
única diferença de que Axelrod deixa esta idéia no ar, enquanto
Goldblat a relaciona com debates concretos. Nós perguntamos uma vez mais: não crê o
camarada Axelrod que também esta discussão nos mostra palpavelmente o antagonismo
no nosso congresso entre jacobinos e girondinos da social-democracia contemporânea?
Não gritará o camarada Axelrod lontra os jacobinos porque se encontrou na companhia
dos girondinos?
Terceiro exemplo. A discussão do § 1 dos estatutos. Quem defende "as tendências
proletárias no nosso movimento", quem sublinha que o operário não receia a
organização, que o proletário não simpatiza com a anarquia, que aprecia o estímulo da
palavra de ordem "organizai-vos!", quem põe em guarda contra a intelectualidade
burguesa, imbuída até à medula de oportunismo? Os jacobinos da social-democracia. E
quem introduz de contrabando no partido os intelectuais radicais, quem se preocupa
com os professores, com os estudantes de liceu, com os isolados, com a juventude
radical? O girondino Axelrod juntamente com o girondino Líber.
Com que falta de habilidade o camarada Axelrod se defende da "falsa acusação de
oportunismo" abertamente espalhada no congresso do nosso partido contra a maioria do
grupo "Emancipação do Trabalho"! Defende-se de tal maneira que confirma a acusação,
retomando a batida cantilena bernsteiniana sobre o jacobinismo, o blanquismo, etc.!
Grita acerca do perigo que representam os intelectuais radicais para fazer esquecer os
seus próprios discursos no congresso do partido e que respiravam solicitude com esses
mesmos intelectuais.
As "terríveis palavras": jacobinismo, etc., não exprimem absolutamente nada a não ser
oportunismo. O jacobino, ligado indissolutamente à organização do proletariado,
consciente dos seus interesses de classe, é justamente o social-democrata
revolucionário. O girondino, que suspira pelos professores e os estudantes de liceu, que
receia a ditadura do proletariado, que sonha com o valor absoluto das reivindicações
democráticas, é justamente o oportunista. Só os oportunistas podem ainda, na nossa
época, ver um perigo nas organizações de conspiradores, quando a idéia de reduzir a
luta política às proporções de uma conspiração foi mil vezes refutada na literatura, foi
há muito tempo refutada e posta de lado pela vida, quando a primordial importância da
agitação política de massas foi explicada e repisada até à exastão. O verdadeiro motivo
deste medo da conspiração, do blanquismo, não é esta ou aquela característica que se
manifestou no movimento prático (como Bernstein e C.ª há muito tentam em vão
demonstrar), mas a timidez girondina do intelectual burguês, cuja mentalidade se
manifesta tantas vezes entre os sociais-democratas contemporâneos. Nada mais cômico
que estes esforços desesperados do novo Iskra para dizer uma palavra nova (cem vezes
repetida no seu tempo), pondo em guarda contra a táctica dos revolucionários-
conspiradores franceses dos anos quarenta e sessenta (n.º 62, editorial)218. Num
próximo número do Iskra os girondinos da social-democracia contemporânea indicar-
nos-ão, sem dúvida, um grupo de conspiradores franceses dos anos quarenta para quem
a importância da agitação política entre as massas operárias, a importância dos jornais
operários como meio principal da influência do partido sobre a classe, teria sido um á-
bê-cê aprendido e assimilado há muito.
A tendência do novo Iskra para repetir, como se fossem palavras novas, coisas já ditas e
verdades elementares mais do que conhecidas não é contudo nada casual, mas
consequência inevitável da situação em que se encontram Axelrod e Mártov, que caíram
na ala oportunista do nosso partido. A situação obriga. São obrigados a repetir as frases
oportunistas, têm de recuar para tentar descobrir num passado longínquo uma
justificação qualquer da sua posição, indefensável do ponto de vista da luta no
congresso e dos matizes e divisões do partido que nele se revelaram. As elucubrações
akimovistas sobre o jacobinismo e o blanquismo, o camarada Axelrod acrescenta
lamentações também akimovistas, de que não só os "economistas" mas també os
"políticos" foram "unilaterais", se "apaixonaram" excessivamente, etc., etc. Quando se
lêem os ribombantes discursos sobre este tema do novo lskra, que presunçosamente
pretende estar acima de todas essas parcialidades e paixões, perguntamo-nos com
espanto: Quem retratam eles? Onde ouvem estes discursos2l9? Quem ignora que a
divisão dos sociaisdemocratas russos em economistas e políticos já passou à história há
muito tempo? Percorrei o Iskra do último ou dos dois últimos anos antes do congresso
do partido, e vereis que a luta contra o "economismo" perde intensidade e cessa
completamente já em 1902, vereis que, por exemplo, em Julho de 1903 (n.0 43), se fala
dos "tempos do economismo" como de uma coisa "definitivamente passada", considera-
se o economismo "definitivamente enterrado", e as paixões dos políticos como um
evidente atavismo. Por que motivo volta então a nova redação do Iskra a essa divisão
definitivamente enterrada? Ter-nos-íamos batido no congresso contra os Akímov por
causa dos erros que cometeram há dois anos na Rabótcheie Dielo? Se o tivéssemos feito
seríamos perfeitamente imbecis. Mas todos sabem que não o fizemos, que lutamos
contra os Akímov no congresso não por causa dos seus velhos erros, definitivamente
enterrados, da Rabótcheie Dielo, mas por causa dos novos erros que cometeram com as
suas apreciações e com as suas votações no congresso. Não foi pela sua posição na
Rabótcheie Dielo, mas pela sua posição no congresso, que julgamos quais são os erros
definitivamente liquidados e quais os que persistem ainda e precisam ser discutidos. Na
época do congresso, a velha divisão em economistas e políticos já não existia, mas
continuavam a existir diversas tendências oportunistas, que se exprimiram durante os
debates e votações sobre uma série de questões, e que levaram finalmente a uma nova
divisão do partido em "maioria" e "minoria". A essência da questão é que a nova
redação do Iskra procura, por razões facilmente compreensíveis, dissimular a relação
existente entre esta nova divisão e o oportunismo atual no nosso partido, e é por isso
que ela é obrigada a recuar da nova divisão para a antiga. A incapacidade de explicar
origem política da nova divisão (ou o desejo, por espírito de cedência, de lançar um
véu
(2)
sobre esta origem), obriga a repisar tudo o que se disse da antiga divisão, que já
há muito tempo passou à história. Toda a gente sabe que e a nova divisão se baseia
numa divergência nas questões de organização, que começou por uma controvérsia
sobre princípios de organização (§ 1 dos estatutos) e que terminou por uma "prática"
digna de anarquistas. A antiga ivisão em economistas e políticos tinha por base uma
divergência principalmente sobre as questões de táctica.
Este afastamento das questões mais complexas, e verdadeiramente atuais e candentes da
vida do partido, para tratar de questões há muito resolvidas e artificialmente
desenterradas, tenta justificá-lo o novo Iskra com divertidas elucubrações a que não se
pode dar outro nome senão seguidismo. Por obra e graça do camarada Axelrod,
atravessa todos os escritos do novo Iskra como um traço vermelho a profunda "idéia" de
que o conteúdo é mais importante que a forma, o programa e a táctica são mais
importantes que a organização, que "a vitalidade de uma organização e diretamente
proporcional ao volume e valor do conteúdo que traz aos movimento", que o
centralismo não é "algo que se baste a si mesmo", não é um "talismã universal", etc.,
etc. Grandes e profundas verdades! Com efeito, o programa é mais importante que a
táctica, e a táctica é mais importante que a organização. O alfabeto é mais importante
que a etimologia, e a etimologia é mais importante que a sintaxe - mas que dizer de
pessoas que, tendo reprovado no seu exame de sintaxe, hoje se dêem ares importantes e
se gabem de ter que estar mais um ano na classe inferior? Sobre questões de princípio
em matéria de organização o camarada Axelrod raciocinou como um oportunista (§1),
na organização agiu como um anarquista (congresso da Liga). E agora aprofunda a
social-democracia: as uvas estão verdes! Propriamente, o que é a organização? E
apenas, uma forma. O que é o centralismo? Não é um talismã. O que é a sintaxe? E
menos importante que a morfologia, é apenas a forma de unir os elementos da
morfologia ... "Não estará de acordo conosco o camarada Alexándrov - pergunta
triunfalmente a nova redação do Iskra - se dissermos que o congresso contribuiu muito
mais para a centralização da ação do partido elaborando o programa do partido, do que
adotando os estatutos, por mais perfeitos que pareçam estes últimos?" (n.0 56,
suplemento). E de esperar que esta sentença clássica adquira uma celebridade histórica
não menos vasta e não menos durável que a famosa frase do camarada Kritchévski de
que a social-democracia como a humanidade se atribui sempre tarefas realizáveis. É
exatamente do mesmo calibre a profundidade de pensamento do novo Iskra. Porque é
que a frase do camarada Kritchévski foi ridicularizada? Porque este, com uma
banalidade que tentava fazer passar por filosofia, procurava justificar o erro de uma
parte dos sociais-democratas em questões de táctica e a sua incapacidade de colocar
corretamente as tarefas políticas. E exatamente o que acontece com o novo Iskra que,
com a banalidade de que o programa é mais importante do que os estatutos, e as
questões de programa são mais importantes que as questões de organização, justifica o
erro de uma parte dos sociais-democratas em matéria de organização, a instabilidade
própria de intelectuais que conduziu alguns camaradas à fraseologia anarquista! Não
será isto seguidismo? Não será isto gabar-se de ter que estar mais um ano na classe
inferior?
A adoção do programa contribui mais para a centralização do trabalho do que a adoção
dos estatutos. Como esta banalidade, que se quer fazer passar por filosofia, cheira a
intelectual radical muito mais próximo do decadentismo burguês do que da social-
democracia! Porque a palavra centralização, nesta famosa frase, é tomada em sentido já
puramente simbólico. Se os autores desta frase não sabem ou não querem pensar, pelo
menos deviam recordar o simples fato de que a adoção do programa, juntamente com os
bundistas, longe de conduzir à centralização do nosso trabalho comum, nem sequer nos
preservou da cisão. A unidade em questões de programa e questões de táctica é uma
condição necessária, mas de modo nenhum suficiente, para a unificação do partido, para
a centralização do trabalho do partido (santo Deus! que coisas elementares se é obrigado
a repisar, nestes tempos em que todas as noções se confundiram!). Para obter este
último resultado é necessária além disso a unidade de organização, inconcebível, num
partido que tenha superado por pouco que seja os limites de um círculo de família, sem
estatutos aprovados, sem subordinação da minoria à maioria, sem subordinação da parte
ao todo. Enquanto não tínhamos unidade nas questões fundamentais de programa e de
táctica, dizíamos claramente que vivíamos numa fase de dispersão e de círculos,
declarávamos francamente que antes de nos unificarmos era preciso demarcar os
campos, não falávamos sequer de formas de organização comum, mas tratávamos
exclusivamente das novas questões (então verdadeiramente novas) da luta contra o
oportunismo em matéria de programa e de táctica. Agora essa luta, todos reconhecemos,
assegurou já uma unidade suficiente, formulada no programa do partido e nas
resoluções do partido sobre a tática; agora temos de dar o passo seguinte, e, como todos
estamos de acordo, demo-lo: elaboramos as formas de uma organização única, em que
se fundem todos os círculos. Arrastaram-nos agora para trás semidestruindo estas
formas, arrastaram-nos para trás para uma conduta anarquista, para a frase anarquista,
para o restabelecimento do círculo em vez da redação do partido, e justificam este passo
atrás dizendo que o alfabeto é mais útil ao discurso correto do que o conhecimento da
sintaxe!
A filosofia do seguidismo, que há três anos florescia em questões de tática, renasce
agora, aplicada à questões de organização. Tomai este raciocínio da nova redação. "A
orientação social-democrata combativa - diz o camarada Alexándrov - deve ser
assegurada no partido não só pela luta ideológica mas também por determinadas formas
de organização." A redação ensina-nos: "Não está mal este confronto da luta ideológica
e das formas de organização. A luta ideológica é um processo, enquanto as formas de
organização são apenas ... formas" (juro que isto está impresso tal e qual no n.º 56,
suplemento, p. 4, coluna 1, em baixo!) "que devem revestir-se de um conteúdo que se
modifica e se desenvolve - o trabalho prático em vias de desenvolvimento do partido".
Isto é como a anedota de que uma granada é uma granada e uma bomba é uma bomba!
A luta ideológica é um processo e as
formas de organização são apenas formas que revestem um conteúdo! Tráta-se de saber
se a nossa luta ideológica se revestirá de formas mais elevadas, as formas de uma
organização de partido obrigatória para todos, ou as formas da antiga dispersão e dos
antigos círculos. Arrastaram-nos para trás, de formas superiores para formas mais
primitivas, e afirmam para justificar isso que a luta ideológica é um processo e que as
formas são apenas formas. Exatamente do mesmo modo que o camarada Kritchévski no
seu tempo nos arrastava para trás, da tática-plano para a tática-processo.
Vede estas frases pretensiosas do novo Iskra sobre "a auto-educação do proletariado"
dirigidas contra aqueles de quem se diz que a forma os impede de ver o conteúdo (n.0
58, editorial). Não será isso akimovismo número dois? O akimovismo número um tinha
justificado o atraso de uma certa parte da intelectualidade social-democrata no que se
refere a colocar questões de táctica, alegando um conteúdo mais "profundo" da "luta
proletária", a auto-educação do proletariado. O akimovismo número dois justifica o
atraso de uma certa parte da intelectualidade social-democrata quanto às questões da
teoria e da prática da organização pelo argumento não menos profundo de que a
organização é apenas uma forma e o essencial é a auto-educação do proletariado. O
proletariado não receia a organização nem a disciplina, saibam-no os senhores que se
preocupam tanto com o irmão mais novo! O proletariado não se importará que os
senhores professores e estudantes de liceu, que não queiram entrar numa organização,
sejam considerados como membros do partido porque trabalham sob o controlo de uma
organização. Toda a vida do proletariado o educa para a organização de modo muito
mais radical que a muitos intelectuaizinhos. O proletariado, por muito pouco que
compreenda o nosso programa e a nossa táctica, não se porá a justificar o atraso da
organização argumentando que a forma é menos importante que o conteúdo. Não é ao
proletariado, mas a certos intelectuais do nosso partido, que falta a auto-educação no
espírito de organização e disciplina, no espírito de hostilidade e desprezo pelas frases
anarquistas. Os Akímov número dois caluniam o proletariado, dizendo que este não está
preparado para a organização, tal como os Akímov número um o caluniaram dizendo
que não estava preparado para a luta política. O proletário que se tenha tornado social-
democrata consciente e que se sinta membro do partido rejeitará o seguidismo em
matéria de organização com o mesmo desprezo com que rejeitou o seguidismo nas
questões de táctica.
Tomai enfim este profundo pensamento de "Praktik" no novo Iskra. "Compreendida no
seu verdadeiro sentido, a idéia de uma organização centralista "de combate" - diz - que
unifique e centralize a atividade" (em itálico, para sublinhar a profundidade) "dos
revolucionários naturalmente só tomaria corpo no caso de essa atividade existir" (Novo
e inteligente!); "a própria organização, como forma" (escutai, escutai!) "só pode
desenvolver-se simultaneamente" (o sublinhado é do autor, como de resto em toda esta
citação) "com o desenvolvimento do trabalho revolucionário que constitui o seu
conteúdo" (n.0 57). Não vos faz isto recordar mais uma vez o herói da epopéia popular
que, à vista de um cortejo fúnebre, exclamava: oxalá tenhais sempre algo que levar! Não
haverá seguramente um único militante prático (sem aspas) no nosso partido que não
compreenda que é precisamente a forma da nossa atividade (ou seja, a organização) que
há muito está atrasada - terrivelmente atrasada - em relação ao conteúdo, e que os gritos
aos atrasados: acertai passo! não vos adianteis! - só podem vir dos simplórios do
partido. Tentai comparar, por exemplo, o nosso partido ao ~und. Não há a mínima
dúvida de que o conteúdo
(3)
do trabalho do nosso partido é infinitamente mais rico, mais
diversificado, mais amplo e mais profundo que o do Bund. Maior a envergadura teórica,
mais desenvolvido o programa, mais extensa e mais profunda a ação sobre as massas
operárias (e não apenas sobre os artesãos organizados), mais variadas a propaganda e a
agitação, mais vivo o ritmo do trabalho político dos responsáveis e dos militantes de
base, mais grandiosos os movimentos populares durante as manifestações e greves
gerais, mais enérgica a atividade entre as camadas não proletárias. E a "forma"? A
"forma" do nosso trabalho está atrasada em comparação com a do Bund a um ponto
inadmissível; a ponto de saltar aos olhos, e de corar de vergonha quem quer que não
trate dos assuntos do seu partido "metendo o dedo no nariz". O atraso da organização do
trabalho em comparação com o seu conteúdo é o nosso ponto fraco, já o era muito antes
do congresso, muito antes da constituição do CO. A falta de desenvolvimento e a
instabilidade da forma não permitem fazer sérios progressos no desenvolvimento do
conteúdo, provoca uma estagnação vergonhosa, conduz a um desperdício de forças e faz
com que os atos não correspondam às palavras. Todos estão fartos de sofrer com esta
discordância - e eis que vêm os Axelrod e os "Praktik" do novo Iskra pregar-nos o
profundo pensamento: a forma deve desenvolver-se de modo natural apenas
simultaneamente com o conteúdo!
Eis onde conduz um ligeiro erro em matéria de organização (§1), se alguém se põe e
aprofundar uma tolice e a fundamentar filosoficamente uma frase oportunista. A passos
prudentes, com tímidos ziguezagues!220 - já ouvimos este refrão aplicado às questões
de táctica; ouvimo-lo hoje aplicado às questões de organização. O seguidismo em
questões de organização é um produto natural e inevitável da mentalidade do
individualista anarquista, quando este último se põe a erigir em sistema de concepções,
em divergências de princípio particulares, os seus desvios anarquistas (talvez acidentais
de início). No congresso da Liga vimos os começos deste anarquismo, no novo iskra
vemos as tentativas de o erigir em sistema de concepções. Estas tentativas confirmam
admiravelmente o que já se disse no congresso do partido sobre a diferença de pontos de
vista entre o intelectual burguês que se liga à social-democracia e o proletário que
tomou consciência dos seus interesses de classe. Por exemplo, esse mesmo "Praktik" do
novo Iskra, cuja profundidade de pensamento já conhecemos, acusa-me de conceber o
partido como uma "imensa fábrica", com um diretor - o Comitê Central - à frente (n.0
57, suplemento). "Praktik" não suspeita sequer de que a palavra terrível que lançou trai
imediatamente a mentalidade do intelectual burguês, que não conhece nem a prática
nem a teoria da organização proletária. Precisamente a fábrica, que a alguns parece
apenas um espantalho, representa a forma superior de cooperação capitalista, que
unificou e disciplinou o proletariado, o ensinou a organizar-se, o pôs à cabeça de todas
as outras camadas da população trabalhadora e explorada. Precisamente o marxismo,
ideologia do proletariado educado pelo capitalismo, ensinou e ensina aos intelectuais
inconstantes a diferença entre o lado explorador da fábrica (disciplina baseada no medo
de morrer de fome) e o seu lado organizador (disciplina baseada no trabalho em comum,
unificado pelas condições em p que se realiza a produção altamente desenvolvida do
ponto de vista técnico). A disciplina e a organização, que ao intelectual burguês tanto
custam a adquirir, são facilmente assimiladas pelo proletariado, justamente graças a essa
"escola" da fábrica. O medo mortal a essa escola, a incompreensão absoluta da sua
importância como elemento de organização, caracterizam precisamente a maneira de
pensar que reflete as condições de existência pequeno-burguesas, e gera esse aspecto do
anarquismo que os sociais-democratas alemães chamam Edelanarchismus, ou seja, o
anarquismo do senhor "distinto", o anarquismo senhorial, diria eu. Este anarquismo
senhorial é particularmente característico do niilista russo. A organização do partido
parece-lhe uma monstruosa "fábrica", a submissão da parte ao todo e da minoria à
maioria surge-lhe como uma "servidão" (ver os folhetins de Axelrod), a divisão do
trabalho sob a direção de um centro fá-lo lançar gritos tragicômicos contra a
transformação dos homens em "engrenagens e parafusos" (e vê uma forma
particularmente intolerável dessa transformação na transformação dos redatores em
colaboradores), a simples alusão aos estatutos de organização do partido provoca nele
um gesto de desprezo e a observação desdenhosa (dirigida aos "formalistas") de que se
poderia perfeitamente dispensar os estatutos.
É inacreditável, mas é um fato: é precisamente esta a observação edificante que o
camarada Mártov me dirige no n.º 58 do Iskra , citando, para lhe dar mais peso, as
minhas próprias palavras da Carta a um camarada. Não será isso "anarquismo
senhorial", não será seguidismo justificar com exemplos extraídos da época de
dispersão, da época dos círculos, a manutenção e glorificação do espírito de círculo e da
anarquia numa época em que já está constituído o partido?
Antes, porque não precisávamos nós de estatutos? Porque o partido era formado por
círculos isolados que não tinham entre si qualquer ligação orgânica. Passar de um
círculo para outro dependia exclusivamente da "livre vontade" de um indivíduo, que não
tinha perante si qualquer expressão bem definida da vontade do todo. As questões
controversas dentro dos círculos não eram resolvidas com base em estatutos, "mas pela
luta e pela ameaça de retirada", como eu escrevia na Carta a um camarada
(4)
, apoiando-
me na experiência de uma série de círculos em geral, e em particular na do nosso
próprio grupo de seis redatores. Na época dos círculos, isto era natural e inevitável; mas
não passou pela cabeça de ninguém elogiá-lo, fazer disto um ideal, todos lamentavam
esta dispersão, todos sofriam com isso e ansiavam pela fusão dos círculos dispersos
numa organização do partido formalmente constituída. E agora que se efetuou a fusão,
arrastam-nos para trás, servvem-nos, como se fossem princípios superiores de
organização, frases anarquistas! Às pessoas habituadas ao amplo roupão e às pantufas
do oblomovismo221 doméstico dos círculos, estatutos formais parecem-lhes de estreito,
apertado, pesado, vil, burocrático, opressivo, um estorvo para o livre "processo" da luta
ideológica. O anarquismo senhorial não compreende que são necessários estatutos
formais precisamente para substituir a ligação limitada dos círculos por uma ampla
ligação de partido. A ligação no interior dos círculos ou entre os círculos não devia nem
podia tomar forma definida, porque se baseava na amizade pessoal ou numa "confiança"
incontrolada e não fundamentada. A ligação de partido não pode nem deve assentar nem
numa nem noutra, mas em estatutos formais, idos "burocraticamente" (do ponto de vista
do intelectual relaxado), cuja observância estrita é o único meio que nos garante contra
a arbitrariedade e os caprichos dos círculos, contra o regime de questiúnculas instituído
no círculos e classificado de livre "processo" da luta ideológica.
A redação do novo Iskra lança contra Alexándrov a edificante observação de que "a
confiança é uma coisa delicada que não pode ser metida a martelo nos corações e nas
cabeças" (n.º 56, suplemento). A redação não compreende que precisamente a colocação
em primeiro plano da confiança, da mera confiança, trai uma vez mais o seu anarquismo
senhorial e o seu seguidismo em matéria de organização. Quando eu era unicamente
membro de um círculo, do grupo dos seis redatores ou da organização do Iskra, tinha o
direito, para justificar por exemplo a minha recusa a trabalhar com Iskra, de invocar
exclusivamente a falta de confiança, sem ter de apresentar explicações nem motivos.
Uma vez membro do partido, não tenho o direito de invocar apenas uma vaga falta de
confiança, porque isso abriria as portas de em par a todas as extravagâncias e todas as
arbitrariedades dos antigos círculos; sou obrigado a fundamentar a minha "confiança"
ou a minha "desconfiança" com uma argumentação formal, quer dizer, referir-me a esta
ou aquela disposição formalmente estabelecida no nosso programa, na nossa tática, nos
nossos estatutos. Sou obrigado a não me limitar a um "tenho confiança" ou "não tenho
confiança" não fundamentado, mas reconhecer que tenho que responder pelas minhas
decisões, como em geral qualquer parte integrante do partido tem que responder pelas
suas, perante todo o partido; sou obrigado a seguir a via formalmente prescrita para
exprimir a minha "<desconfiança", para fazer triunfar as idéias e os desejos que
decorrem dessa desconfiança. Do ponto de vista próprio dos círculos de que a
"confiança" não tem que ser fundamentada, elevamo-nos já ao ponto de vista de partido
que exige a observação de métodos formalmente estabelecidos e sujeitos a serem
explicados, de exprimir e comprovar a confiança, mas a redação arrasta-nos para trás e
chama ao seu seguidismo pontos de vista novos em matéria de organização!
Vejam como raciocina a nossa chamada redação de partido a propósito dos grupos de
literatos que poderiam exigir representação na redação. "Não nos indignaremos, não
invocaremos aos gritos a disciplina" -pregam-nos estes anarquistas senhoriais, que,
sempre e em toda a parte, olharam com arrogância para isso a que se chama disciplina.
Nós nos "entenderemos" (sicl) com o grupo se for sério, ou então rir-nos-emos das suas
exigências.
Vejam que alto espírito de nobreza se afirma aqui contra o vulgar formalismo "de
fábrica"! Mas, de fato, estamos perante a mesma fraseologia dos círculos, restaurada,
oferecida ao partido por uma redação que sente que não é um organismo do partido, mas
um resto de um antigo círculo. A falsidade intrínseca desta posição conduz
indefetivelmente à elucubração anarquista que erige em princípio de organização social-
-democrata a dispersão, que em palavras, farisaicamente, se diz ser coisa passada. Não é
necessária qualquer hierarquia de instituições e organismos superiores e inferiores do
partido: para o anarquismo senhorial tal hierarquia é uma invenção burocrática de
ministérios, departamentos, etc. (ver os artigos de Axelrod); não é necessária qualquer
subordinação da parte ao todo, qualquer definição "burocrática e formal" dos processos
de partido para "se entender" ou se delimitar; que as velhas questiúnculas de círculo
sejam santificadas com uma fraseologia sobre os métodos de organização
"autenticamente sociais-democratas"!
Eis aqui onde o proletário que passou pela escola "da fábrica" pode e deve dar uma lição
ao individualismo anarquista. O operário consciente já há muito que largou as fraldas, já
lá vai o tempo em que fugia do intelectual como tal. O operário consciente sabe apreciar
uma bagagem de conhecimentos mais rica, o horizonte político mais vasto que encontra
nos intelectuais sociais-democratas. Mas, à medida que vamos constituindo um
verdadeiro partido, o operário consciente deve aprender a distinguir entre a psicologia
do soldado do exército proletário e a psicologia do intelectual burguês que se pavoneia
com frases anarquistas; deve aprender a exigir que cumpram os seus deveres de
membros do partido não só os militantes de base, mas também "os de cima"; deve
aprender a encarar com o mesmo desprezo o seguidismo em matéria de organização
com que outrora o encarava no domínio da táctica!
O girondismo e o anarquismo senhorial estão inseparavelmente ligados a uma última
particularidade característica da posição do novo Iskra em questões de organização - à
defesa do autonomismo contra o centralismo. Este é o sentido de princípios que
encerram os gritos (se acaso encerram algum
(5)
) contra o burocratismo e a autocracia, as
queixas a propósito do "imerecido desdém para com os não-iskristas" (que no congresso
defenderam o autonomismo), os cômicos gritos de que se exige uma "submissão
absoluta", as queixas amargas sobre o pompadurismo etc., etc. A ala oportunista de
qualquer partido defende e justifica sempre o que há de atrasado em matéria de
programa, de táctica e de organização. A defesa do atraso em matéria de organização
(seguidismo) pelo novo Iskra está intimamente ligada à defesa do autonomismo. A
verdade é que o autonomismo, em geral, está já tão desacreditado pelos três anos de
propaganda do antigo Iskra que o novo Iskra tem ainda vergonha de se pronunciar
abertamente a seu favor; garante-nos ainda que sente simpatia pelo centralismo, mas
prova-o apenas escrevendo a palavra centralismo em itálico. Na realidade, a crítica mais
ligeira aos "princípios" do quase-centralismo "autenticamente social--democrata" (e não
anarquista?) do novo Iskra revela a cada passo o ponto de vista do autonomismo. Não
está agora claro para toda a gente que em matéria de organização Axelrod e Mártov
viraram para Akímov? Acaso não o reconheceram solenemente eles próprios nas suas
significativas palavras sobre o "imerecido desdém para com os não-iskristas"? E não foi
o autonomismo que Akímov e os seus amigos defenderam no congresso do nosso
partido?
Foi precisamente o autonomismo (se não o anarquismo) que Mártov e Axelrod
defenderam no congresso da Liga quando, com divertido zelo, tentavam demonstrar que
a parte não deve subordinar-se ao todo, que a parte é autônoma na determinação das
suas relações com o todo, que os estatutos da Liga do estrangeiro, que definem essas
relações, são válidos contra a vontade da maioria do partido, contra a vontade do centro
do partido. E precisamente o autonomismo que hoje Mártov defende abertamente nas
páginas do novo Iskra (n.0 60), a propósito da introdução nos comitês locais de
membros nomeados pelo Comitê Central222. Já não falo dos sofismas infantis com os
quais o camarada Mártov defendeu o autonomismo no congresso da Liga e o defende
hoje no novo lskra
(6)
. Interessa-me assinalar aqui esta inegável tendência para defender
o autonomismo contra o centralismo como um aspecto característico do oportunismo
nas questões de organização.
Tentativa talvez quase única de análise da noção de burocratismo é a que opõe no novo
Iskra (n.0 53) o "princípio democrático formal" (o sublinhado é do autor) ao "princípio
burocrático formal". Esta oposição (infelizmente tão pouco desenvolvida e explicada
como a alusão aos não-iskristas) encerra um grão de verdade. Burocratismo versus
(7)
democracia é de fato centralismo versus autonomismo; é o princípio de organização da
social-democracia revolucionária em oposição ao princípio de organização dos
oportunistas da social-democracia. Este último tenta avançar da base para o topo, e é por
isso que defende, sempre que possível e tanto quanto possível, o autonomismo, a
"democracia" que vai (nos casos em que há excesso de zelo) até ao anarquismo. O
primeiro tende a começar pelo topo, preconizando o alargamento dos direitos e poderes
do centro relativamente às partes. Na época da dispersão e dos círculos, este topo, donde
queria partir a social-democracia revolucionária na sua organização, era
necessariamente um dos círculos, o mais influente pela sua atividade e consequência
revolucionária (no nosso caso, a organização do Iskra). Na época do restabelecimento
da verdadeira unidade do partido e da dissolução nesta unidade dos círculos obsoletos,
este topo era necessariamente o congresso do partido, como órgão supremo do partido.
O congresso agrupa, na medida do possível, todos os representantes das organizações
ativas e, ao designar os organismos centrais (frequentemente com uma composição que
satisfaz mais os elementos avançados do que os atrasados do partido, mais ao gosto da
ala revolucionária que da sua ala oportunista), faz deles o topo até ao congresso
seguinte. Assim procedem, pelo menos, os europeus da social-democracia, embora
pouco a pouco, não sem esforço, não sem luta e sem querelas, este costume, odioso por
principio para os anarquistas, começa a estender-se também aos asiáticos da social-
democracia.
É extremamente interessante observar que todos estes princípios característicos do
oportunismo que indiquei em matéria de organização (autonomismo, anarquismo
senhorial ou próprio de intelectuais, seguidismo e girondismo) se observam mutatis
mutandis (alterando o que deve ser alterado) em todos os partidos sociais-democratas de
todo o mundo em que exista a divisão em ala revolucionária e ala oportunista (e onde
não existirá ela?). Foi o que nestes últimos tempos surgiu com singular relevo no
partido social-democrata alemão, quando a derrota sofrida na 20.ª circunscrição eleitoral
da Saxônia (conhecida como o incidente Göhre
(8)
) trouxe para a ordem do dia os
princípios de organização de partido. O zelo dos oportunistas alemães contribuiu em
grande medida para levantar a questão de princípio a propósito deste incidente, O
próprio Göhre (antigo pastor protestante, autor do conhecido livro Drei Monate
Fabrikarbeiter
(9)
um dos "heróis" do congresso de Dresden) é um acérrimo oportunista,
e o órgão dos oportunistas alemães consequentes, Sozialistische Monatshefte (Cadernos
Mensais Socialistas)224, imediatamente tomou a sua "defesa".
O oportunismo no programa está naturalmente ligado ao oportunismo na táctica e ao
oportunismo em matéria de organização. O camarada Wolf gang Heine encarregou-se
de expor o "novo" ponto de vista. Para dar ao leitor uma idéia da fisionomia deste
intelectual típico, que, ao aderir à social-democracia, trouxe consigo a sua maneira
oportunista de pensar, bastará dizer que o camarada Wolfgang Heine é um pouco menos
que um camarada Akímov alemão e um pouco mais que um camarada Egórov alemão.
O camarada Wolfgang Heine entrou na liça nos Cadernos Mensais Socialistas com não
menos pompa que o camarada Axelrod no novo Iskra. O título do seu artigo é já muito
significativo: Notas democráticas a propósito do incidente Göhre (n.º 4, Abril,
Sozialistische Monatshefte). E o conteúdo é menos tonitruante. O camarada W. Heine
ergue-se contra "os atentados à autonomia da circunscrição eleitoral", defende "o
princípio democrático", protesta contra a ingerência de uma "autoridade nomeada" (ou
seja, da direção central do partido) na livre eleição dos delegados pelo povo, Não se
trata aqui de um incidente fortuito, diz-nos sentenciosamente o camarada W.Reine, mas
de toda "uma tendência para o burocratismo e para o centralismo no partido", uma
tendência, diz, que se observara anteriormente, mas que hoje se torna particularmente
perigosa. E preciso "reconhecer em princípio que os organismos locais do partido são os
portadores a vida" (plágio da brochura do camarada Mártov: Mais Uma Vez em
Minoria). Não devemos "habituar-nos à idéia de que todas as decisões polítcas
importantes venham de um único centro", é preciso prevenir o partido contra "uma
política doutrinária que perde o contato com a vida" (extraído do discurso do camarada
Mártov no congresso do partido, passagem em que declara que "a vida se imporá")...
"Se formos até ao fundo das coisas - diz o camarada W. Heine, aprofundando a sua
argumentação -, se abstraimos dos conflitos pessoais, que aqui, como sempre,
desempenharam um papel pouca importância, veremos neste encarniçamento contra os
revisionistas (o sublinhado é do autor, que parece querer aludir à distinção entre a luta
contra o revisionismo e a luta contra os revisionistas) principalmente a desconfiança dos
representantes oficiais do partido para com o "elemento estranho" (W. Reine
aparentemente ainda não leu a brochura sobre a luta contra o estado de sítio, e é por isso
que se serve de um anglicismo: Outsidertum), a desconfiança da tradição para com o
que sai do habitual , da instituição impessoal contra o que é individual" (ver a resolução
de Axelrod, no congresso da Liga, sobre o esmagamento da iniciativa individual),
"numa palavra, a mesma tendência que já caracterizamos mais acima como tendência
para o burocratismo e para o centralismo no partido.
A noção de "disciplina" inspira ao camarada W. Heine não menos nobre indignação que
ao camarada Axelrod. "... Censurou-se - diz ele - aos revisionistas a sua falta de
disciplina por terem escrito nos Cadernos Mensais Socialistas, órgão ao qual nem
sequer queriam reconhecer caráter social-democrata, porque não está sob o controlo do
partido. Já a própria tentativa de restringir a noção de "social-democrata", já a própria
exigência da disciplina domínio da produção ideológica em que deve reinar a liberdade
absoluta" (recordai: a luta ideológica é um processo e as formas de organização são
apenas formas), "testemunham uma tendência para o burocratismo e para o
esmagamento da individualidade". E W. Reine segue por aí fora fulminando em todos
os tons essa detestável tendência para fundar "uma vasta organização geral, o mais
centralizada possível, uma táctica, uma teoria"; fulmina a exigência de "obediência
incondicional", "submissão cega", fulmina o "centralismo simplificado", etc., etc.,
literalmente "à Axelrod".
A discussão iniciada por W. Reine alargou-se, e como no partido alemão não havia
nenhuma querela sobre a cooptação a obscurecer a discussão, como os Akímov alemães
afirmam a sua fisionomia não só nos congressos, mas também, e constantemente, num
órgão próprio, a discussão depressa se reduziu a uma análise das tendências de princípio
da ortodoxia e do revisionismo em matéria de organização. K. Kautsky interveio (Neue
Zeit, 1904, n.0 28, artigo intitulado "Wahlkreis und Partei" - " Circunscrição eleitoral e
partido") como um dos representantes da tendência revolucionária (acusada, bem
entendido, como entre nós, de espírito "ditatorial", "inquisitorial. e outras coisas
terríveis). O artigo de W. Reine - declara - "mostra o curso do pensamento de toda a
corrente revisionista". Não só na Alemanha, mas também na França e na Itália, os
oportunistas defendem a todo o transe autonomismo, o enfraquecimento da disciplina do
partido, a sua redução a zero; por toda a parte as suas tendências conduzem à
desorganização, degenerescência do "<princípio democrático" em anarquismo. "A
democracia não é a ausência de poder - ensina K. Kautsky aos oportunistas questão da
organização -, democracia não é anarquia, é a supremacia massas sobre os seus
mandatários, diferentemente de outras formas de poder, em que os pseudo-servidores do
povo são de fato os seus senhores." K. Kautsky examina minuciosamente o papel
desorganizador do autonomismo oportunista nos diferentes países, mostra que
precisamente a adesão à social-democracia de "uma massa de elementos burgueses"
(10)
reforça oportunismo, o autonomismo e as tendências para a infração à disciplini recorda
uma e outra vez que precisamente "a organização é a arma com -qual o proletariado se
emancipará", que precisamente "a organização e para o proletariado a arma da luta de
classe".
Na Alemanha, onde o oportunismo é mais débil do que na França e na Itália, "as
tendências autonomistas, até agora, conduziram apenas a declamações mais ou menos
patéticas contra os ditadores e os grandes inquisidores, contra as excomunhões
(11)
e a
procura de heresias, conduziram às intrigas e querelas sem fim, cuja análise apenas
conduziria a incessantes disputas".
Não é de espantar que na Rússia, onde o oportunismo no partido é ainda mais fraco que
na Alemanha, as tendências autonomistas tenham gerado menos idéias e mais
"declamações patéticas" e querelas.
Não é de espantar que Kautsky chegue à conclusão seguinte: "Talvez em nenhuma outra
questão o revisionismo de todos os países, apesar de todas as suas diversidades e da
variedade dos seus matizes, seja tão uniforme como em matéria de organização." Ao
formular as tendências fundamentais da ortodoxia e do revisionismo neste domínio,
também K. Kautsky recorre à "palavra terrível": burocratismo versus (contra)
democracia. Dizem-nos, escreve K. Kautsky, que dar à direção do partido o direito de
intervir na escolha de candidatos (para deputados ao parlamento) pelas circunscrições
locais, é "um atentado vergonhoso ao princípio democrático, que exige que toda a
atividade política se exerça da base ao topo, pela iniciativa das massas, e não do topo à
base, por via burocrática ... Mas, se há um princípio verdadeiramente democrático, é
que a maioria deve ter predomínio sobre a minoria, e não o contrário..." A eleição de
deputados ao parlamento por qualquer circunscrição é um assunto importante para todo
o partido, no seu conjunto, que por isso mesmo deve influenciar na designação dos
candidatos, pelo menos através de pessoas de confiança do partido (Vertrauensmànner).
"Quem considerar esta forma de agir demasiado burocrática ou centralista, que
proponha que os candidatos sejam designados por votação direta de todos os membros
do partido em geral (samtliche Parteigenossen). E como isso é irrealizável, não há razão
para se lamentar da falta de democracia, quando esta função, como muitas outras que
dizem respeito ao partido no seu conjunto, é exercida por um ou vários organismos do
partido." Segundo o "direito consuetudinário" do partido alemão, as diferentes
circunscrições eleitorais já antes "se entendiam amigavelmente" com a direção do
partido para designar este ou aquele candidato. "Mas o partido tornou-se já demasia do
grande para que este direito consuetudinário tácito seja suficiente. O direito
consuetudinário deixa de ser direito quando deixa de ser reconhecido como algo que se
entende por si mesmo, quando as suas definições e mesmo a sua própria existência são
postas em causa. Neste caso torna-se absolutamente necessário formular com exatidão
este direito, codificá-lo...", passar a uma "fixação
(12)
mais exata nos estatutos
(statutarische Festlegung) e reforçar ao mesmo tempo o caráter rigoroso (grossere
Straffheit) da organização".
Vedes assim, em circunstâncias diferentes, a mesma luta da ala oportunista e da ala
revolucionária do partido sobre a questão da organização, o mesmo conflito entre
autonomismo e centralismo, democracia e "burocratismo", a tendência para o
enfraquecimento e a tendência para o reforço do caráter rigoroso da organização e da
disciplina, a psicologia do intelectual instável e a do proletário consequente, o
individualismo próprio de intelectuais e a coesão proletária. Pergunta-se: perante este
conflito qual foi à atitude da democracia burguesa - não a que a menina travessa que é a
história prometeu apenas mostrar um dia, em segredo, ao camarada Axelrod - mas a
verdadeira, a democracia burguesa real, que na Alemanha tem também representantes
não menos inteligentes e não menos observadores que nossos senhores da
Osvobojdénie? A democracia burguesa alemã reagiu imediatamente à nova disputa e -
como a russa, como sempre, como em toda a parte - pôs-se plenamente ao lado da ala
oportunista do partido social-democrata. O destacado órgão do capital bolsista da
Alemanha, Jornal de Frankfurt225, publicou um fulminante editorial (Frankf. Ztg.,
1904, 7 Apr., n.0 97, Abendblatt
(13)
) que mostra que os plágios pouco escrupulosos a
Axelrod se estão a tornar uma espécie de doença da imprensa alemã. Os terríveis
democratas da Bolsa de Frankfurt fustigam a "autocracia" no Partido Social-Democrata,
a "ditadura do partido", o "domínio autocrático dos chefes do partido", essas
"excomunhões" com as quais se pretende "como que castigar todo o revisionismo"
(recorde-se a "falsa acusação de oportunismo"), essa exigência duma "obediência cega",
essa "disciplina que mata", essa exigência duma "submissão servil", de transformar os
membros do partido em "cadáveres políticos" (esta é bem mais forte que a das
engrenagens e parafusos)! "Toda a originalidade pessoal - exclamam os cavaleiros da
Bolsa cheios de indignação perante o estado de coisas antidemocrático da social-
democracia -, toda a individualidade tem que ser, vede, objeto de perseguições, porque
ameaça conduzir ao estado de coisas francês, ao jauressísmo e ao millerandismo, como
declarou abertamente Sindermann, que apresentou o relatório sobre esta questão" no
congresso partidário dos sociais-democratas saxões.
Assim, tanto quanto as novas palavrinhas do novo Iskra sobre a questão da organização
tenham algum sentido de princípio, sem dúvida que esse sentido é oportunista. Esta
conclusão é confirmada tanto por toda a análise no nosso congresso do partido, que se
dividiu em ala revolucionária e ala oportunista, como pelo exemplo de todos os partidos
sociais-democratas europeus, nos quais o oportunismo em matéria de organização se
manifesta nas mesmas tendências, nas mesmas acusações, e muitas vezes nas mesmas
palavrinhas. Claro que as particularidades nacionais dos diferentes partidos e a
diversidade das condições políticas nos diferentes países imprimem a sua marca e fazem
com que o oportunismo alemão se não assemelhe em nada ao oportunismo francês, nem
o francês ao italiano, nem o italiano ao russo. Mas a semelhança da divisão fundamental
de todos estes partidos em ala revolucionária e ala oportunista, a semelhança da linha de
pensamento e das tendências do oportunismo nas questões de organização, ressaltam
claramente apesar de toda esta diversidade de condições.
(14)
O grande número de
representantes da intelectualidade radical entre os nossos marxistas e os nosso sociais-
democratas torna inevitável a existência do oportunismo, gerado pela sua mentalidade,
nos mais variados domínios e sob as mais diversas formas. Lutamos contra o
oportunismo nas questões essenciais da nossa concepção do mundo, nas questões de
programa, e a divergência completa quanto aos objetivos a atingir conduziu
inevitavelmente a uma separação irrevogável entre os sociais-democratas e os liberais
que corromperam o nosso marxismo legal. Lutamos contra o oportunismo nas questões
de tática, e a nossa divergência com os camaradas Kritchévski e Akímov sobre essas
questões menos importantes era, naturalmente, apenas temporárias e não levou à
formação de partidos diferentes. Temos agora de vencer o oportunismo de Mártov e
Axelrod nas questões de organização, que são evidentemente, ainda menos essenciais
que as questões de programa a de tática, mas que no momento atual surgem em primeiro
plano na vida do nosso partido.
Quando se fala da luta contra o oportunismo é preciso não esquecer nunca um traço
característico de todo o oportunismo contemporâneo, em todos os domínios: o seu
caráter vago, impreciso, inapreensível. Pela sua própria natureza o oportunista evita
sempre pôr as questões de maneira clara e definida, procura a resultante, arrasta-se
como uma cobra entre dois pontos de vista que se excluem mutuamente, procurando
"estar de acordo" com um e com outro, reduzindo as suas divergências a ligeiras
modificações, a dúvida, a votos piedosos e inocentes, etc., etc. Oportunista nas questões
de programa, o camarada Ed. Bernstein "está de acordo" com o programa
revolucionário do partido, e embora desejando, sem dúvida, a sua "reforma radical",
considera-a inoportuna, inconveniente e menos importante que a clarificação dos
"princípios gerais" da "crítica" (os quais consistem sobretudo em aceitar sem crítica os
princípios e as palavrinhas da demoracia biurguesa). Oportunismo nas questões de
tática, o camarada von Vollmar está igualmente de acordo com a velha tática da social-
democracia revolucionária, e antes se limita também a declaração enfáticas, a ligeiras
emendas e ironias, sem propor qualquer tática "ministerialista" precisa. Oportunistas em
questões de organização, os camaradas Mártov e Axelrod também não apresentaram até
agora, apesar de diretamente exortados a fazê-lo, teses definidas de princípio que
possam ser "fixadas em estatutos"; também eles desejariam, sem dúvida que desejariam,
uma "reforma radical" dos nossos estatutos de organização (Iskra, n.º 58, p. 2, coluna 3),
mas prefeririam ocupar-se antes das "questões de organização de ordem geral" (porque
uma reforma verdadeiramente radical dos nossos estatutos, centralistas apesar do
primeiro parágrafo, se feita dentro do espírito do novo Iskra conduziria inevitavelmente
ao autonomismo, e o camarada Mártov, é claro, não quer confessar, nem a si próprio, a
sua tendência em princípio para o autonomismo). A sua posição de "principio" sobre as
questões de organização apresenta, por isso, todas as cores do arco-íris: predominam as
cândidas e patéticas declamações sobre a autocracia e o burocratismo, sobre a
obidiência cega e as engrenagens e parafusos - declamações tão cândidas que nelas é
ainda extremamente difícil distinguir o que na realidade diz respeito aos princípios do
que na realidade diz respeito à cooptação. Mas quanto mais se penetra no bosque mais
lenha se encontra: as tentativas de análise e de definição exata do odioso "burocratismo"
conduzem inevitavelmente ao autonomismo; as tentativas de "aprofundamento" e de
fundamentação conduzem necessariamente à justificação do atraso ao seguidismo, à
fraseologia girondina. Por fim, como único princípio verdadeiramente definido e que,
por consequência, se manifesta na prática com particular relevo (a prática está sempre
adiantada em relação à teoria) aparece o principio do anarquismo. Ridicularização da
disciplina - autonomismo - anarquismo, tal é a escada que, em matéria de organização, o
nosso oportunismo ora desce ora sobe, saltando de degrau em degrau, e esquivando-se
com habilidade a qualquer formulação precisa dos seus princípios
(15)
. É exatamente a
mesma gradação que apresenta o oportunismo nas questões de programa e de táctica:
ridicularização da "ortodoxia", da estreiteza e do imobilismo - "crítica" revisionista e
ministerialismo - democracia burguesa.
Existe uma estreita relação psicológica entre este ódio pela disciplina e a constante e
monótona nota de ofensa que transparece em todos os escritos de todos os oportunistas
contemporâneos em geral, e da nossa minoria em particular. Vêem-se perseguidos,
oprimidos, expulsos, cercados, atropelados. Estas palavrinhas encerram bem mais
verdade psicológica e política do que o supunha provavelmente o próprio autor da
encantadora e espiritual piada sobre os esbofeteados e os esbofeteadores226. Com
efeito, tomai as atas do nosso congresso do partido; veremos que a minoria se compõe
de todos os ofendidos, de todos aqueles que alguma vez ou em qualquer coisa foram
ofendidos pela social-democracia revolucionária. Aí estão os bundistas e os da
Rabótcheie Dielo, que "ofendemos" a ponto de se terem retirado do congresso, ai estão
os do "Iújni Rabótchi", mortalmente ofendidos pelo massacre das organizações em geral
e da deles em particular, aí está o camarada Mákhov, que ofendemos de cada vez que
ele tomou a palavra (porque de cada vez não deixava de se cobrir de ridículo), ai estão,
enfim, o camarada Mártov e o camarada Axelrod ofendidos pela "falsa acusação de
oportunismo" a propósito do § 1 dos estatutos e pela sua derrota nas eleições. E todos
estes amargos ressentimentos não foram a consequência fortuita de inadmissíveis ditos
de espírito, de ataques acerbos, duma polêmica furiosa, do bater com as portas, do
brandir de punhos, como tantos filisteus pensam ainda hoje, mas sim a consequência
política inevitável de todo o trabalho ideológico do Iskra durante três anos. E se, durante
esses três anos, fizemos mais do que dar à língua, mas exprimimos convicções que se
devem converter em atos, não podíamos deixar de combater os anti-iskristas e o
"pântano" no congresso. E quando nós, juntamente com o camarada Mártov, que, de
viseira levantada, se batia nas primeiras filas, tínhamos ofendido tal quantidade de
pessoas, só nos faltava ofender um pouco, muito pouco, o camarada Axelrod e o
camarada Mártov para que a taça transbordasse. A quantidade transformou-se em
qualidade. Produziu-se uma negação da negação. Todos os ofendidos, esquecidos já das
contas que tinham a saldar entre eles, lançaram-se soluçando nos braços uns dos outros
e levantaram a bandeira da "insurreição contra o leninismo"
(16)
.
A insurreição é uma coisa excelente quando os elementos avançados se insurgem contra
os elementos reacionários. Está muito bem que a ala revolucionária se insurja contra a
ala oportunista. Mas é mau que a ala oportunista se insurja contra a ala revolucionaria.
O camarada Plekhánov vê-se obrigado a participar neste triste assunto como prisioneiro
de guerra, por assim dizer. Esforça-se por <"descarregar a sua cólera" pescando frases
infelizes no autor desta ou daquela resolução favorável à "maioria", e ao fazê-lo
exclama: "Pobre camarada Lénine! Tem uns belos partidários ortodoxos!" (Iskra, n.º 63,
Suplemento.)
Pois bem, camarada Plekhánov, posso dizer-lhe que se eu sou pobre, a redação do novo
!skra está perfeitamente na miséria. Por mais pobre que eu seja, ainda não caí numa
miséria tão grande que tenha de fechar os olhos ao congresso do partido e, para exercitar
a agudeza do meu espírito, tenha de ir buscar material às resoluções de gente dos
comitês. Por mais pobre que eu seja, sou mil vezes mais rico que aqueles cujos
partidários não deixam apenas escapar casualmente uma ou outra frase infeliz, mas em
todas as questões de organização, de táctica e de programa se aferram obstinada e
firmemente a princípios contrários aos da social-democracia revolucionária. Por mais
pobre que eu seja, não cheguei ainda ao ponto de ter que esconder do público os elogios
que me fazem estes partidários. E a redação do novo Iskra vê-se obrigada a isso.
Acaso saberá, leitor, o que é o comitê de Vorónej do Partido Operário Social-Democrata
da Rússia? Se o ignora, leia as atas do congresso do partido. Verá que a tendência desse
comitê é perfeitamente expressa pelo camarada Akimov e pelo camarada Brúker que, no
congresso, combateram em toda a linha a ala revolucionária do partido, e que dezenas
de vezes foram colocados entre os oportunistas por toda a gente, desde o camarada
Plekhánov ao camarada Popov.
Pois bem, eis o que declara esse comitê de Vorónej na sua folha de Janeiro (n.0 12,
Janeiro, 1904):
"Um grande acontecimento, muito importante para o nosso partido, que cresce
constantemente, teve lugar no ano passado: O II Congresso do POSDR -, congresso dos
representantes das suas organizações. A convocação dum congresso do partido é uma
coisa muito complexa e, sob a monarquia, muito perigosa e difícil. E por isso não é de
espantar que a convocação do congresso tenha estado longe de ser perfeita, e que,
embora desenrolando-se sem contratempos, o próprio congresso não tenha podido
responder a todas as exigências do partido. Os camaradas que tinham sido encarregados
pela Conferência de 1902 de convocar o congresso tinham sido presos, e o congresso foi
organizado por pessoas que representavam apenas uma das tendências da social-
democracia russa - a tendência iskrista. Numerosas organizações sociais-democratas,
mas não iskristas, não foram convidadas a tomar parte nos trabalhos do congresso: é em
parte por isso que a tarefa de elaborar o programa e os estatutos do partido foi cumprida
pelo congresso de forma extremamente imperfeita, e os próprios delegados reconhecem
que há grandes lacunas nos estatutos, "susceptiveis de acarretar perigosos mal-
entendidos". No congresso, os próprios iskristas cindiram-se, e muitos militantes
eminentes do nosso POSDR, que até então se tinham mostrado, ter-se-ia dito,
plenamente de acordo com o programa de ação do Iskra, reconheceram que muitos dos
seus pontos de vista, defendidos principalmente por Lénine e Plekhánov, eram
impraticaveis.
"Apesar de estes últimos terem triunfado no congresso, a força da vida prática, as
exigências do trabalho real, no qual participam igualmente todos os náo-isktistas,
depressa corrigem os erros dos teóricos e, depois do congresso, introduziram já sérias
modificações. O "Iskra" mudou muito e promete mostrar-se atento às exigências dos
militantes da social-democracia em geral. Desta maneira, embora os trabalhos do
congresso tenham de ser revistos no próximo congresso, embora não sejam satisfatórios,
como os próprios delegados puderam aperceber-se, e não possam por essa razão ser
aceites pelo partido como decisões indiscutíveis, no entanto o congresso esclareceu a
situação do partido, forneceu bastante material para a ulterior atividade do partido no
plano teórico e de organização, e foi uma experiência instrutiva de enorme interesse
para o trabalho do partido no seu conjunto. As decisões do Congresso e os estatutos por
ele elaborados serão tomados em consideração por todas as organizações, mas muitas
delas evitarão guiar-se unicamente por eles devido às suas manifestas imperfeições.
"O Comitê de Vorónej, compreendendo bem toda a importância do trabalho do partido
no seu conjunto, faz-se vivamente eco de todas as questões ligadas à organização do
congresso. Reconhece toda a importância do que se passou no congresso, felicita-se
com a mudança verificada no "Iskra", que se tornou o Órgão Central (órgão principal).
Embora a situação no partido e no CC ainda não nos satisfaça, estamos convencidos de
que, com um esforço comum, o difícil trabalho de organização do partido se
aperfeiçoará. Em resposta aos falsos boatos que correm, o comitê de Vorónej informa os
camaradas que nem se põe a questão de o comitê de Vorónej sair do partido. O comitê
de Vorónej compreende perfeitamente que perigoso precedente (exemplo) seria uma
organização operária como o comitê de Vorónej sair do POSDR, que censura isso seria
para o partido, e como isso seria nocivo para as organizações operárias, que poderiam
seguir este exemplo. Não devemos provocar novas cisões, mas procurar tenazmente unir
todos os operários conscientes e socialistas num único partido. Além disso o II
congresso não foi um congresso constitutivo, mas um congresso ordinário. A expulsão
do partido só pode ser decidida pelo tribunal do partido, e nenhuma organização, nem
sequer o Comitê Central, tem o direito de expulsar do partido qualquer organização
social-democrata. Mais ainda, o II congresso adoptou o parágrafo oito dos estatutos
segundo o qual cada organização é autônoma (independente) nos seus assuntos locais, e,
por isso, o comitê de Vorónej tem o pleno direito de aplícar os seus pontos de vista em
matéria de organização na vida e no partido."
A redação do novo Iskra, ao citar esta folha no seu n.0 61, reproduziu a segunda parte
da tirada acima transcrita, a que damos em caracteres maiores; quanto à primeira parte,
a que damos em caracteres pequenos, a redação preferiu omiti-la.
Teve vergonha.
r) Algumas Palavras sobre a Dialética. Duas Revoluções
Se lançarmos um olhar de conjunto para o desenvolvimento da crise no nosso partido,
facilmente veremos que, salvo raras exceções, a composição dos dois campos adversos
permaneceu sempre a mesma. Era uma luta entre a ala revolucionária e a ala oportunista
do nosso partido. Mas esta luta passou pelas mais variadas fases, e todo aquele que
quiser ver claro na nossa enorme literatura já acumulada, na imensidade de indicações
fragmentárias, citações fora do seu contexto, acusações várias, etc., etc., deve ter um
conhecimento exato das particularidades de cada uma destas fases.
Enumeremos as fases principais, que se distinguem claramente umas das outras: 1)
Discussão sobre o § 1 dos estatutos.Luta puramente ideológica sobre os princípios
fundamentais da organização. Plekhánov e eu estamos em minoria. Mártov e Axelrod
propõem uma fórmula oportunista e acabam por cair nos braços dos oportunistas. 2)
Cisão da organização do Iskra na questão das listas de candidatos ao CC: Fomine ou
Vassíliev no grupo de cinco, Trótski ou Travínski no grupo de três. Plekhánov e eu
conseguimos a maioria (nove contra sete), em parte graças precisamente ao fato de
termos estado em minoria no § 1. A coligação de Mártov com os oportunistas
confirmou na prática todas as minhas apreensões, devidas ao incidente do em CO. 3)
Continuação dos debates sobre pormenores dos estatutos. De novo Mártov é salvo pelos
oportunistas. Nós estamos mais uma vez em minoria e defendendo os direitos da
minoria nos centros. 4) Os sete oportunistas extremos retiram-se do congresso. Ficamos
em maioria e vencemos a coligação (minoria iskrista, "pântano" e anti-iskristas) nas
eleições. Mártov e Popov renunciam aos lugares nos nossos grupos de três. 5) Depois do
congresso, querelas por causa da cooptação. Orgia de atos anarquistas e dafraseologia
anarquista. Os elementos menos firmes e menos estáveis da "minoria" impõem-se. 6)
Plekhánov adota, para evitar a cisão, a política do " kill with kindness". A "minoria"
ocupa a redação do OC e o Conselho e ataca com todas as suas forças o CC. A querela
continua a penetrar tudo. 7) E repelido o primeiro ataque contra o CC. A querela parece
acalmar um pouco. Torna-se possível discutir com relativa calma duas questões
puramente ideológicas que preocupam profundamente o partido: a) qual o significado
político e a explicação da divisão do nosso partido em "maioria" e "minoría", que tomou
forma no II Congresso e substituiu todas as anteriores divisões? b) qual o significado de
principio da nova posição do novo Iskra sobre as questões de organização?
Cada uma destas fases é caracterizada por uma conjuntura de luta e por um objetivo
imediato de ataque essencialmente diferentes; cada fase é por assim dizer uma batalha
isolada numa campanha militar geral. Não se pode entender nada da nossa luta sem
estudar as condições concretas de cada batalha. Feito isto, veremos claramente que o
desenvolvimento segue de fato a via dialética, a via das contradições: a minoria torna-se
maioria, a maioria minoria; cada campo passa da defensiva à ofensiva, e da ofensiva à
defensiva; o ponto de partida da luta ideológica (§1) "é negado"e cede lugar a querelas
que penetram
(17)
tudo, mas depois começa a "negação da negação" e, "entendendo-nos"
a muito custo com a mulher que Deus nos deu nos diversos centros, voltamos ao ponto
de partida da luta puramente ideológica, mas agora esta "tese", enriquecida por todos os
resultados da "antítese", torna-se uma síntese superior em que o erro isolado, fortuito,
sobre o § 1, se converteu num quase- sistema de concepções oportunistas sobre questões
de organização, em que a ligação entre este fenômeno e a divisão fundamental do nosso
partido em ala revolucionária e ala oportunista surge a toda a gente clareza cada vez
maior, Numa palavra, não é só a aveia que cresce segundo Hegel, também os sociais-
democratas russos se batem entre si segundo Hegel.
Mas a grande dialética hegeliana, que o marxismo fez sua depois de a ter posto de pé,
nunca deve ser confundida com o processo vulgar que consiste em justificar os
ziguezagues dos políticos que passam da ala revolucionária para a ala oportunista do
partido, ou com o costume vulgar de enfiar no mesmo saco declarações isoladas,
momentos diferentes do desenvolvimento de diversas fases dum processo único. A
verdadeira dialética não justifica os erros pessoais, estuda as viragens inevitáveis,
provando a sua inevitabilidade com um estudo pormenorizado do desenvolvimento em
todos os aspectos concretos. O princípio fundamental da dialética é: não existe verdade
abstrata, a verdade é sempre concreta ... E é preciso também não confundir a grande
dialética hegeliana com a sabedoria vulgar, tão bem expressa no provérbio italiano:
mettere la coda dove non va ii capo (meter o rabo onde a cabeça não cabe).
O resultado do desenvolvimento dialético da luta no nosso partido reduz-se a duas
revoluções. O congresso do partido foi uma verdadeira revolução, como observou, com
razão, o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. Têm também razão os
espirituosos da minoria que dizem: o mundo move-se por revoluções, pois bem, nós
fizemos uma revolução! Com efeito, eles fizeram uma revolução depois do congresso; e
também é verdade que o mundo, falando em termos gerais, move-se por revoluções.
Mas o significado concreto de cada revolução concreta não fica ainda definido por esse
aforismo geral: há revoluções que são como reações, parafraseando a inesquecível
expressão do inesquecível camarada Mákhov. É preciso saber se foi a ala revolucionária
ou a ala oportunista do partido que constituiu a força real que levou a cabo a revolução,
é preciso saber se foram os princípios revolucionários ou os princípios oportunistas que
inspiravam os combatentes para se poder determinar se uma ou outra revolução concreta
fez avançar ou recuar o mundo (o nosso partido).
O congresso do nosso partido foi um acontecimento único no seu gênero, sem
precedentes em toda a história do movimento revolucionário russo. Pela primeira vez,
um partido revolucionário clandestino conseguiu sair das trevas da ilegalidade para
aparecer à luz do dia, mostrando a todos e cada um a trajetória e o desfecho da luta
interna do nosso partido, a fisionomia do nosso partido e de cada uma das suas partes de
alguma importância em questões de programa, de táctica e de organização. Pela
primeira vez conseguimos libertar-nos das tradições de relaxamento próprio de círculos
e de filistinismo revolucionário, reunir dezenas dos mais diversos grupos, muitas vezes
terrivelmente hostis entre si, unidos exclusivamente pela força de uma idéia e prontos
(prontos em princípio) a sacrificar todo e qualquer particularismo e independência de
grupo em prol do grande todo que pela primeira vez criávamos de fato: o partido. Mas
em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se combatendo. Como
era inevitável, a luta pela morte das organizações foi terrivelmente encarniçada. O vento
fresco da luta aberta e livre transformou-se em turbilhão. Este turbilhão varreu - e ainda
bem que varreu! - tudo o que ainda subsistia de todos os interesses, sentimentos e
tradições de circulo, e criou pela primeira vez organismos coletivos genuinamente de
partido.
Mas uma coisa é chamar-se e outra coisa é ser. Uma coisa é sacrificar em princípio o
espírito de círculo em prol do partido, e outra é renunciar ao seu próprio circulo. O
vento fresco revelou-se demasiado fresco para gente habituada à atmosfera bafienta do
filistinismo. "O partido não suportou o seu primeiro congresso", como disse com razão
(disse com razão inadvertidamente) o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em
Minoria. O sentimento de ofensa pelo massacre das organizações era demasiado grande.
O turbilhão levantou todo o lodo que estava no fundo da corrente do nosso partido, e o
lodo vingou-se. O velho e ancilosado espírito de circulo pôde mais que o ainda jovem
espírito de partido. Batida em toda a linha, a ala oportunista, reforçada pela acidental
conquista de Akimov, impôs-se -provisoriamente, bem entendido - sobre a ala
revolucionária.
O resultado de tudo isto é o novo Iskra, que se vê obrigado a desenvolver e a aprofundar
o erro cometido pelos seus redatores no congresso do partido. O velho Iskra ensinava as
verdades da luta revolucionária. O novo Iskra ensina a sabedoria vulgar; as cedências e
o espírito acomodatício. O velho Iskra era o órgão da ortodoxia militante. O novo Iskra
traz-nos um arroto de oportunismo, principalmente em questões de organização. O
velho Iskra mereceu a honra de ser detestado pelos oportunistas da Rússia e da Europa
ocidental. O novo Iskra "tornou-se mais sensato" e em breve deixará de corar com os
louvores que lhe prodigalizam os oportunistas extremos. O velho Iskra caminhava a
direito para o seu objetivo, e as suas palavras não se afastavam dos seus atos. A
falsidade intrínseca da posição do novo Iskra gera inevitavelmente a hipocrisia política,
independentemente até da vontade ou da consciência de quem quer que seja. Grita
contra o espírito de círculo para encobrir a vitória do espírito de círculo sobre o espírito
de partido. Condena farisaicamente a cisão, como se para obviar à cisão dum partido
com um mínimo de organização se pudesse imaginar outro meio que não a
subordinação da minoria à maioria. Declara que éimprescindível ter em conta a opinião
pública revolucionária e, ocultando os louvores dos Akimov, dedica-se a mexericos
mesquinhos sobre os comitês da ala revolucionária do partido
(18)
. Que vergonha! Como
desonraram o nosso velho Iskra!
Um passo em frente, dois passos atrás ... É algo que acontece na vida dos indivíduos, na
história das nações e no desenvolvimento dos partidos. Seria a mais criminosa das
cobardias duvidar um só momento do triunfo inevitável e completo dos princípios da
social-democracia revolucionária, da organização proletária e da disciplina de partido.
Já conseguimos muito, devemos continuar a luta sem nos deixarmos desencorajar pelos
reveses, lutar com firmeza, desprezando os métodos filistinos das questiúnculas de
círculo, salvaguardando ao máximo o laço que liga num partido único todos os sociais-
democratas da Rússia, laço estabelecido à custa de tantos esforços, e procurando
conseguir, com um trabalho persistente e sistemático, que todos os membros do partido,
sobretudo os operários, conheçam plena e conscientemente os deveres de partido, a luta
no II Congresso do partido, todas as causas e peripécias da nossa divergência, todo o
papel pernicioso do oportunismo, que, também no domínio da organização, do mesmo
modo que no domínio do nosso programa e da nossa táctica, capitula perante a
psicologia burguesa, adota sem qualquer critica o ponto de vista da democracia
burguesa, embota a arma da luta de classe do proletariado.
O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização.
Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos
trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da miséria
mais completa, do embrutecimento e da degenerescência, o proletariado só pode tornar-
se, e tornar-se-á inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade
ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da
organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária. A esse
exército não poderão resistir nem o poder decrépito da autocracia russa, nem o poder
decrépito do capital internacional. Esse exército cerrará cada vez mais as suas fileiras,
apesar de todos os ziguezagues e passos atrás, apesar das frases oportunistas dos
girondinos da social-democracia contemporânea, apesar dos louvores presunçosos do
espírito de circulo atrasado, apesar do falso brilho e do palavreado do anarquismo
próprio de intelectuais.
Notas: Parte VI
(*) A propósito. É um fato quase único na história do socialismo moderno e
extremamente consolador no seu gênero; pela primeira vez uma disputa entre tendências
diferentes no seio do socialismo ultrapassa o quadro nacional para se tornar
internacional. Anteriormente, as discussões entre lassalianos e eisenachianos, entre
guesdistas e possibilistas, entre fabianos e sociais-democratas, entre norodovoltsy e
sociais-democratas eram puramente nacionais, refletiam particularidades puramente
nacionais, desenrolavam-se, por assim dizer, em planos diferentes. Atualmente (isto
aparece, hoje, claramente) os fabianos ingleses, os ministerialistas franceses, os
bernsteinianos alemães, os críticos russos formam todos uma única família, elogiam-se
mutuamente, aprendem uns com os outros, e conduzem campanha comum contra o
marxismo "dogmático". Será que nessa primeira amálgama verdadeiramente
internacional com o oportunismo socialista a social-democracia revolucionária
internacional fortalecer-se-á suficientemente para acabar com a reação política que há
tanto tempo prejudica a Europa?
(retornar ao texto)
*¹ Estes folhetins foram incluídos na coletânea Dois Anos do "lskra", parte II, pp. 122 e
seguintes. (São Petersburgo, 1906). (Nota de Lénine para a edição de 1907. - N. Ed.)
(retornar ao texto)
*² Ver o artigo de Plekhánov sobre o "economismo", no número 53 do Iskra. Pelos
vistos houve uma pequena gralha no subtítulo: em lugar de "pensando em voz alta sobre
o segundo congresso do partido, deve ler-se, evidentemente, sobre o congresso da
Liga", ou talvez "sobre a cooptação". No mesmo grau em que é oportuno fazer uma
cedência, em certas condições, ao tratar-se de pretensões pessoais, é inadmissível (do
ponto de vista de partido e não do ponto de vista filistino) confundir os problemas que
agitam o partido, substituir a questão do novo erro de Mártov e Axelrod, que
começaram a virar da ortodoxia para o oportunismo, pela questão do velho erro (que
ninguém, salvo o novo lskra, recorda hoje) dos Martínov e dos Akímov, os quais talvez
estejam agora dispostos a virar do oportunismo para a ortodoxia em muitos problemas
do programa e da táctica.
(retornar ao texto)
*³ Para não falar já de que o conteúdo do trabalho do nosso partido foi estabelecido no
congresso (no programa, etc.) no espírito da social-democracia revolucionária apenas à
custa de Mina luta contra esses mesmos anti-iskrisras e contra esse mesmo pântano
cujos representantes predominam numericamente na nossa "minoria". No que diz
respeito ao "conteúdo", é interessante comparar, por exemplo, seis números do antigo
Iskra (46-51) com doze números do novo Iskra (52-63). Mas deixemos isto para outra
vez.
(retornar ao texto)
*4 Ver V.I. Léninee, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 7, p. 24. (N. Ed) (retornar ao
texto)
*5 Deixo de lado aqui, como em geral em todos este parágrafoo, o significado
"cooptacionista" destes gritos.
(retornar ao texto)
*6 Examinando os diversos § § dos estatutos, o camarada Mártov passou por alto
precisamente o artigo que trata das relações entre o todo e a parte: o CC "distribuiu as
forças do partido" (§ 6). Será possível distribuir as forças sem transferir os militantes de
um comitê para Outro? Até chega a ser incômodo deter-se em tais verdades
elementares.
(retornar ao texto)
*7 Versus: em oposição a. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
*8 Göhre tinha sido eleito deputado ao Reichstag em 16 de Junho de 1903 na 15.ª
circunscrição da Saxônia; mas depois do congresso de Dresden223 renunciou ao
mandato; os eleitores da 20.ª circunscrição, vaga depois da morte de Rosenow, quiseram
propor de novo a candidatura de Göhre. A direção central do partido e o comitê central
de agitação da Saxônia opuseram-se e, não tendo o direito de proibir formalmente a
candidatura de Göhre, conseguiram no entanto que Göhre renunciasse a ela. Nas
eleições, os sociais-democratas sofreram uma derrota.
(retornar ao texto)
*9 Três meses como operário numa fábrica. (N. Ed.)
(retornar ao texto)
*10 Como exemplo K. Kautsky cita Jaurès. À medida que se desviavam para o
oportunismo, tais homens "deviam considerar ineluravelmente a disciplina do partido
como coação inadmissível da sua livre personalidade".
(retornar ao texto)
*¹¹ Bannstrahl - anátema. E o equivalente alemão do "estado de sítio" e das "leis de
exceção" russos. É a "palavra terrível" dos oportunistas alemães.
(retornar ao texto)
*¹² É extremamente instrutivo confrontar estas notas de K. Kautsky sobre a substituição
do direito consuetudinário, tacitamente reconhecido, por um direito formalmenre
inscrito em estatutos, com toda a "renovação" que atravessa o nosso partido em geral e a
redação em particular, depois do congresso do partido. Cf. o discurso de V.1. Zassúlirch
(no congresso da Liga), pp. 66 e segs., que provavelmente não compreende plenamente
todo o alcance desta renovação.
(retornar ao texto)
*¹³ Jornal de Frankfurr, 1904, 7 de Abril, n.º 97, edição da tarde. (N. Ed.) (retornar ao
texto)
*14 Ninguém duvidará agora de que a antiga divisão dos sociais-demcratas russos,
quanto às questões de tática, em economistas e políticos, correspondia à divisão de toda
a social-democracia internacional em oportunistas e revolucionários, embora existesse
grande diferença entre os camaradas Martínoc e Akímov, por um lado, e os camaradas
vom Vollmar e vom Elm, ou Jaurès e Millerand, por outro. Do mesmo, é inevitável a
semelhança das divisões fundamentais sobre as questões de organização, apesar da
enorme diferença de condições existente entre os países privados de direitos políticos e
os países politicamente livres. É extremamente característico que a redação do novo
Iskra, tão aferrada aos princípios, depois de ter tratado de relance da discussão entre
Kautsky e Heine (n.º 64), tenha ignorado, temerosa, o problema das tendências de
princípio de todo o oportunismo e de toda a ortodoxia nas questões de organização.
(retornar ao texto)
*15 Quem recordar a discussão sobre o § 1, verá agora claramente que o erro do
camarada Mártov e do camarada Axelrod acerca do § 1 conduz inevitavelmente,
desenvolvido e aprofundado, ao oportunismo em matéria de organização. A idéia básica
do camarada Márrov - a auto-inscrição de cada um no partido - é precisamente a falsa
"democracia", a idéia de estruturar o partido da base para o topo. A minha idéia, pelo
contrário, é "burocrática" no sentido de que o partido deve ser estruturado do topo para
a base, começando pelo congresso e continuando pelas diversas organizações do
partido. Tanto a psicologia de intelectual burguês como as frases anarquistas e as
elucubrações oportunistas e seguidistas manifestaram-se já na discussão sobre o §1. No
Estado de Sítio (p. 20), o camarada Mártov fala do "trabalho do pensamento que
começou" no novo Iskra. Isso é verdade no sentido de que ele e Axelrod dirigem
efetivamente o pensamento por esse rumo novo, começando pelo § 1. O pior é que esse
rumo é oportunista. Quanto mais "trabalharem" nesse rumo, quanto mais limpo estiver o
seu trabalho de querelas mesquinhas sobre a cooptação, tanto mais se afundarão no
pântano. O camarada Plekhánnv compreendeu-o claramente já no congresso, e, no seu
artigo O Que Não Se Deve Fazer, advertiu-os pela segunda vez: estou disposto mesmo a
cooptar-vos, mas não sigais esse caminho, que só conduz ao oportunismo e ao
anarquismo. Mártov e Axelrod não aceitaram esse bom conselho: como? não continuar?
Dar razão a Lénine em que a cooptaçao não passa de uma querela mesquinha? Nunca!
Demonstrar-lhe-emos que somos gente de princípios! E demonstraram-no.
Demonstraram a todos com plena evidência que, se têm princípios novos, são os
princípios do oportunismo.
(retornar ao texto)
*16 Esta admirável expressão é do camarada Mártov (Estado de Sítio, p. 68). O
camarada Mártov aguardou o momento de multiplicar o seu voto por cinco para
organizar a "insurreição" contra mim só. O camarada Mártov polemiza com bem pouca
habilidade: quer aniquilar o seu adversário dizendo-lhe as maiores amabilidades.
(retornar ao texto)
(17) *¹ O difícil problema de estabelecer uma fronteira entre a querela e a divergência
de princípios resolve-se agora por si mesmo: é querela tudo o que se refere à cooptação,
e é divergência de princípios tudo o que diz respeito à análise da luta no congresso, aos
debates sobre o § 1 e às viragem para o oportunismo e o anarquismo.
(retornar ao texto)
(18) *² Para tão agradável ocupação já se estabeleceu uma forma estereotipada: o nosso
correspondente X comunica que o comitê Y da maioria tratou mal o camarada Z da
minoria.
(retornar ao texto)
Anexo: O Incidente do Camarada Gússev com o
Camarada Deutsch
A essência deste incidente, estreitamente ligado àquilo a que se chamou lista "falsa"
(segundo a expressão do camarada Mártov) mencionada na carta dos camaradas Mártov
e Starover citada no texto do § J, consiste no seguinte. O camarada Gússev informou o
camarada Pavlóvitch de que aquela lista, composta pelos camaradas Stein, Egórov,
Popov, Trótski e Fomine, lhe tinha sido transmitida a ele, Gússev, pelo camarada
Deutsch (p. 12 da Carta do camarada Pavlóvitch). O camarada Deutsch, em
consequência desta informação, acusou o camarada Gússev de "calúnia premeditada", e
o tribunal de arbitragem de camaradas declarou que a "informação" do camarada
Gússev era "inexata" (ver a sentença do tribunal no n.0 62 do Iskra. Depois de a redação
do Iskra ter publicado a sentença do tribunal, o camarada Mártov (e já não a redação)
lança uma folha especial intitulada: Sentença do Tribunal de Arbitragem de Camaradas,
onde reproduz integralmente não só a sentença do tribunal, mas o relato completo do
julgamento, assim como um posfácio seu. Neste posfácio, o camarada Mártov qualifica
de "vergonhoso", entre outras coisas, "o facto de falsificar uma lista no interesse da luta
fracional". A esta folha os camaradas Liádov e Górine, delegados ao II congresso,
responderam com uma outra intitulada: Uma Quarta Pessoa no Tribunal de Arbitragem,
na qual "protestam energicamente contra o fato de o camarada Mártov se permitir ir
mais longe que a sentença do tribunal, atribuindo más intenções ao camarada Gússev",
quando o tribunal não reconheceu uma calúnia premeditada, mas se limitou a declarar
que a informação do camarada Gússev era inexata. Os camaradas Górine e Liádov
explicam pormenorizadamente que a informação do camarada Gússev podia ter sido
provocada por um erro absolutamente natural, e qualificam de "indigna" a conduta do
camarada Mártov, que fez ele próprio (e continua a fazer na sua folha) uma série de
declarações erradas atribuindo arbitrariamente ao camarada Gússev más intenções. Em
geral, não podia haver neste caso más intenções, dizem eles. Esta é, se não me engano,
toda a "literatura" sobre a questão, e considero meu dever contribuir para a sua
clarificação.
Antes de mais, é preciso que o leitor compreenda claramente o momento e em que
condições esta lista (lista dos candidatos ao CC) apareceu. Como já disse no texto, a
organização do Iskra reuniu-se durante o congresso para tratar da lista dos candidatos ao
CC que podia propor de comum acordo ao congresso. Terminou a reunião com
disparidade de opiniões; a maioria da organização do Iskra aprovou a lista: Travínski,
Glébov, Vassíliev, Popov e Trótski, mas a minoria não quis ceder, insistindo na lista:
Travínski, Glébov, Fomine, Popov, Trótski. As duas partes da organização do Iskra não
voltaram a reunir-se depois desta ocasião, em que se propuseram e votaram as listas. As
duas partes passaram à agitação livre no congresso, desejando que fosse o voto de todo
o congresso do partido a resolver a controvérsia que as dividia e procurando ganhar o
maior número possível de delegados. Esta agitação livre no congresso imediatamente
revelou o fato político que já analisei tão detalhadamente no texto, a saber: a
necessidade para a minoria dos iskristas (com Mártov à cabeça) de se apoiarem no
"centro" (pântano) e nos anti-iskristas para assegurarem a vitória sobre nós. Era
imprescindível porque a imensa maioria dos delegados que defendiam de modo
consequente o programa, a táctica e os planos de organização do Iskra contra a pressão
dos anti-iskristas e do "centro" depressa e com muita firmeza se tinham posto do nosso
lado. Dos 33 delegados (mais exatamente: votos) não pertencentes nem aos anti-
iskristas nem ao "centro", depressa ganhamos 24 e concluímos um "acordo direto" com
eles, formando a "compacta maioria". Em contrapartida, o camarada Mártov ficou
apenas com nove votos; para alcançar a vitória precisava de todos os votos dos anti-
iskristas e do "centro", grupos com os quais podia alinhar (como no §1 dos estatutos),
podia "coligar-se", ou seja, podia ter o seu apoio, mas não podia concluir com eles um
acordo directo, e não podia precisamente porque combatera esses grupos durante todo o
congresso com não menos energia do que nós. Nisso residia o tragicómico da posição
do camarada Mártov! O camarada quer aniquilar-me no seu Estado de Sítio com uma
pergunta mortífera, venenosa: "Pedimos respeitosamente ao camarada Lénine que nos
responda claramente a esta pergunta: para quem era estranho no congresso o "Iújni
Rabótchi"?" (p. 23, nota). Respondo respeitosamente e com clareza: estranho para o
camarada Mártov. Prova: eu bem depressa conclui um acordo directo com os iskristas,
enquanto o camarada Mártov não concluiu, nem podia ter concluído, um acordo directo
nem com o "Iújni Rabótchi", nem com o camarada Mákhov, nem com o camarada
Brúker.
Só depois de se ter uma idéia clara sobre esta situação política se pode compreender
onde se encontra o "nó" da questão nevrálgica que é a famosa lista "falsa". Imaginai as
condições concretas da questão: a organização do Iskra cindiu-se e nós realizamos no
congresso uma agitação livre em defesa das nossas listas. Durante esta defesa, em
inúmeras conversas privadas, fazem-se com as listas centenas de combinações, propõe-
se um grupo de três em vez de um grupo de cinco, sugere-se toda a espécie de
substituições de um candidato por outro. Eu lembro-me bem, por exemplo, que nas
conversas privadas no seio da maioria se propunham as candidaturas dos camaradas
Rússov, Óssipov, Pavlóvitch e Dédov, para as rejeitar a seguir, depois de examinadas e
debatidas. Pode muito bem acontecer que se tenham proposto outras candidaturas sem
que eu o tenha sabido. Cada delegado ao congresso formulava nestas conversas a sua
opinião, propunha emendas, discutia, etc.
É extremamente difícil supor que as coisas se tenham passado assim exclusivamente no
seio da maioria. E mesmo indubitável que na minoria acontecia o mesmo porque o seu
grupo inicial de cinco (Popov, Trótski, Fomine, Glébov, Travínski) foi substituído mais
tarde, segundo vimos pela carta dos camaradas Mártov e Starover, por um grupo de três:
Glébov, Trótski, Popov. E, além disso, Clébov não lhes agradava, e substituiram-no de
bom grado por Fomine (ver a folha dos camaradas Liádov e Góríne). É preciso não
esquecer que os grupos em que dividi os delegados ao congresso no texto da presente
brochura foram formados na base de uma análise feita post factum: na realidade, esses
grupos apenas se esboçavam na agitação que precedeu as eleições, a troca de opiniões
entre os delegados realizava-se com inteira liberdade. Nenhum "muro" havia entre nós,
e cada qual podia falar com qualquer delegado com quem desejasse ter uma conversa
particular. Não admira absolutamente nada que nestas circunstâncias, no número
infinito de combinações e de listas possíveis, surgisse ao lado da lista da minoria da
organização do Iskra (Popov, Trótski, Fomine, Glébov, Travínski), uma outra que não é
muito diferente dela: Popov, Trótski, Fomine, Stein e Egórov. O aparecimento de tal
combinação de candidatos é perfeitamente natural, porque se sabia de antemão que os
nossos candidatos, Glébov e Travínski, não eram verdadeiramente do gosto da minoria
da organização do Iskra (ver a sua carta no texto, § J, na qual eliminam Travínski do
grupo de três, e quanto a Glébov declaram claramente que se trata de um compromisso).
A substituição de Glébov e de Travínski pelos membros do Comitê de Organização
Stein e Egórov era perfeitamente natural, e teria sido estranho que nenhum delegado da
minoria do partido tivesse pensado em tal substituição.
Examinemos agora as duas questões seguintes: 1) donde provinha a lista: Egórov, Stein,
Popov, Trótski, Fomine? e 2) porque é que o camarada Mártov se indignou tanto por se
lhe atribuir essa lista? Para responder com exatidão à primeira questão teríamos que
interrogar todos os delegados ao congresso. Tal já não é possível agora. Seria
necessário, sobretudo esclarecer quais os delegados da minoria do partido (não se deve
confundir com a minoria da organização do Iskra) que no congresso ouviram falar das
listas que provocaram a cisão da organização do Iskra. Como se comportaram eles
perante as duas listas da maioria e da minoria da organização do Iskra? Não formularam
ou ouviram formular alguma proposta ou opinião relativa a modificações desejáveis a
introduzir na lista da maioria da organização do Iskra? Infelizmente, estas questões
parece não terem sido levantadas no tribunal de arbitragem de camaradas, que (a julgar
pelo texto da sentença ignorava mesmo a propósito de que "grupos de cinco" a
organização do Iskra se tinha cindido. O camarada Belov, por exemplo (que se
considerava do "centro"), declarou que "estava em boas relações de camaradagem com
Deursch, o qual lhe comunicava todas as suas impressões sobre os trabalhos do
congresso, e que, se Deutsch tivesse feito qualquer agitação por alguma das listas, o
teria comunicado também a Belov". Não podemos deixar de lamentar que não se tenha
esclarecido se o camarada Deutsch comunicou ao camarada Belov as suas impressões
sobre as listas da organização do Iskra. Se sim, como é que o camarada Belov reagiu à
lista de cinco da maioria da organização do Iskra? Não tinha proposto ou ouvido falar
de alguma modificação desejável a introduzir nela? Como o assunto não foi esclarecido,
acontece que nas declarações dos camaradas Belov e Deutsch existe a contradição já
assinalada pelos camaradas Górine e Liádov, a saber: o acamarada Deutsch, apesar do
que dizia, "fazia agitação a favor de tais ou tais candidatos ao CC" propostos pela
organização do Iskra. O camarada Belov declara mais adiante que "tinha sabido da
existência duma lista que circulava no congresso por uma conversa privada, uns dois
dias antes do encerramento do congresso, porque se tinha encontrado com os camaradas
Egóroc, Popov e os delegados do comitê de Khárkov. Egórov mostrou-se naquela
ocasião admirado por ver o seu nome figurar numa lista de candidatos ao CC, já que, na
opinião dele, Egórov, a sua candidatura não podia encontrar a simpatia dos delgados ao
congresso, tanto da maioria como da minoria". E extremamente significativo que nesta
passagem se fale, evidentemente, da maioria da organização do "Iskra", porque, no resto
da minoria do congresso do partido, a candidatura do camarada Egórov, membro do CO
e eminente orador do "centro", não só podia, mas devia até, segundo todas as
probabilidades, encontrar simpatia. Infelizmente, o camarada Belov não nos diz nada
precisamente da simpatia ou antipatia dos membros da minoria do partido que não
pertenciam à organização do Iskra. E, no entanto, esta é precisamente uma questão
importante, já que o camarada Deutsch se indignava por atribuir essa lista à maioria da
organização do Iskra, quando a lista podia provir duma minoria que não pertencesse a
esta organização!
Claro que é muito difícil recordar agora quem tinha sido o primeiro a emitir a suposição
de tal combinação de candidatos e da parte de quem cada um de nós a ouviu. Eu, por
exemplo, não me comprometo a recordar não só isto, mas nem sequer precisamente
quem da maioria foi o primeiro a propor as candidaturas que já citei, de Rússov, Dédov
e outros: das inúmeras conversas, hipóteses e boatos sobre toda a espécie de
combinações de candidatas, na minha memória ficaram apenas gravadas as "listas"
diretamente postas à votação na organização do Iskra ou nas reuniões privadas da
maioria. Essas "listas" eram na maior parte das vezes transmitidas oralmente (na minha
Carta à Redação do Iskra, p. 5, linha 5 a contar de baixo, eu chamo "lista" justamente à
combinação de cinco candidatos que tinha proposto oralmente na reunião), mas elas
eram também frequentemente apontadas em pequenas notas que, de modo geral,
circulavam de delegado a delegado nas sessões do congresso e que costumavam ser
destruídas depois da sessão.
Já que não existem dados exatos sobre a origem da famosa lista, só resta supor que um
delegado da minoria do partido, com o desconhecimento da minoria da organização do
Iskra, se tenha pronunciado a favor da combinação de candidatos que figura nessa lista e
que esta combinação, por escrito ou oralmente, começou a circular no congresso; ou
ainda que a favor dessa combinação se tenha pronunciado no congresso algum dos
membros da minoria da organização do Iskra, esquecendo-se disso depois. A segunda
hipótese parece-me mais provável pelo seguinte: a candidatura do camarada Stein tinha,
sem dúvida alguma, as simpatias da minoria da organização do Iskra já no congresso
(ver o texto da minha brochura), enquanto na candidatura do camarada Egórov essa
minoria tinha sem dúvida pensado só depois do congresso (porque tanto no congresso
da Liga como no Estado de Sítio se lamentou que o Comitê de Organização não tenha
sido confirmado como Comitê Central; e o camarada Egórov era membro do CO). Não
será natural supor que esta idéia, que evidentemente flutuava no ar, da conversão dos
membros do CO em membros do CC tivesse sido formulada por um membro da minoria
numa conversa particular e no congresso do partido?
No entanto, o camarada Mártov e o camarada Deutsch inclinam-se, em vez duma
explicação natural, a ver aqui algo de sórdido, um ardil, algo de desonesto, a propagação
de "boatos notoriamente falsos com o objetivo de difamar", uma falsificação no
interesse da luta fracional, etc. Esta tendência mórbida só pode ser explicada pelas
doentias condições de vida na emigração ou por um estado anormal dos nervos, e eu não
me teria detido sequer nesta questão se não se tivesse chegado ao ponto de atentar
indignamente contra a honra de um camarada. Imaginai: que razões podiam ter os
camaradas Deutsch e Mártov para procurar uma má fé e más intenções ( numa
informação inexata, num boato falso? A sua imaginação doentia tinha-lhes traçado, sem
dúvida, um quadro no qual a maioria os "difamava", não por indicar um erro político da
minoria (§ 1 e coligação com os oportunistas), mas por atribuir à minoria listas
"notoriamente falsas", "falsificadas". A minoria preferia explicar as coisas não por um
erro seu, mas pelos processos sórdidos, desonestos e vergonhosos da maioria! A que
ponto é irracional procurar uma má intenção numa "informação inexata" é o que já
mostramos anteriormente ao expor as circunstâncias da questão; assim o via claramente
o tribunal de arbitragem de camaradas, que não constatou nenhuma calúnia, nem
nenhuma má intenção, nem nada de desonroso. Demonstra-o por último, com a maior
evidência, o fato de já no congresso do partido, ainda antes das eleições, a minoria da
organização do Iskra ter tido uma explicação com a maioria a propósito do falso boato,
e o camarada Mártov, para se justificar, chegou a escrever uma carta que foi lida na
reunião dos 24 delegados da maioria! À maioria nem sequer lhe ocorreu C esconder à
minoria da organização do Iskra que essa lista circulava no congresso: o camarada
Lénski falou disso ao camarada Deutsch (ver a sentença); o camarada Plekhánov falou
disso com a camarada Zassúlitch ("é impossível falar com ela, creio que ela me
confunde com Trépov", disse-me o camarada Plekhánov, e esta graça muitas vezes
repetida mostra uma vez mais a excitação anormal da minoria), e eu disse ao camarada
Mártov que a sua afirmação (que a lista não lhe pertencia a ele, Márrov) me bastava
(atas da Liga p. 64). Então o camarada Mártov (juntamente com o camarada Starover,
segundo me lembro) enviou-nos ao bureau uma nota cujo conteúdo é mais ou menos o
seguinte: "A maioria da redação do lskra pede para ser admitida na reunião privada da
maioria, para desmentir os boatos difamatórios que correm a seu respeito." Plekhánov e
eu respondemos na mesma nota: "Não ouvimos qualquer boato difamatório. Se é
necessário que a redação se reúna, há que se pôr de acordo para isso especialmente.
Lénine. Plekhánov." A noite, ao chegarmos à reunião da maioria, informamos disto
todos os 24 delegados. Para evitar qualquer eventual mal entendido, decidimos escolher
em conjunto alguns delegados dentre os 24 e enviá-los para se explicarem com os
camaradas Mártov e Starover. Os delegados eleitos, os camaradas Sorókine e Sáblina,
foram explicar-lhes que ninguém atribuía a lista especialmente a Mártov ou a Starover,
sobretudo depois da declaração deles, e que pouco importava saber se essa lista
provinha de uma ou de outra maneira da minoria da organização do Iskra ou da minoria
do congresso que não pertencia àquela organização. Porque na verdade não era mesmo
caso para abrir um inquérito no congresso! nem para interrogar todos os delegados a
respeito dessa lista! Mas os camaradas Mártov e Starover enviaram-nos apesar disto
mais uma carta que continha um desmentido formal (ver § J). Os nossos delegados, os
camaradas Sorókine e Sáblina, leram essa carta na reunião dos 24. Poder-se-ia pensar
que o incidente estava encerrado, encerrado não no sentido de um inquérito sobre a
origem da lista (se acaso isso interessava a alguém), mas no sentido da eliminação
completa de qualquer idéia que pudesse implicar qualquer intenção de "prejudicar a
minoria" ou de "difamar" alguém, ou de se aproveitar de uma "falsificação no interesse
da luta fracional". Mas na Liga o camarada Mártov (pp. 63-64) volta a trazer à luz essa
sordidez dolorosamente gerada por uma imaginação doentia e dá ao mesmo tempo uma
série de informações inexatas (evidentemente em consequência do seu estado de
excitação). Disse que na lista havia um bundista. Isto não é verdade. Todas as
testemunhas do tribunal de arbitragem, incluindo os camaradas Stein e Belov,
confirmam que na lista figura o camarada Egórov. O camarada Mártov disse que a lista
significava a coligação no sentido dum acordo direto. Isto não é verdade, como já
expliquei. O camarada Mártov disse que não havia outras listas provenientes da minoria
da organização do Iskra (e capazes de afastar desta minoria a maioria do congresso)
"nem sequer falsificadas". Isto não é verdade, porque toda a maioria do congresso do
partido conhecia pelo menos três listas provenientes do camarada Mártov e C.ª que não
tinham sido aprovadas pela maioria (ver a folha de Liádov e de Górine).
Por que razão, em geral, esta lista indignava tanto o camarada Mártov? Porque a lista
significava uma viragem para a ala direita do partido. O camarada Mártov protestava
então contra a "falsa acusação de oportunismo", indignava-se contra a "caracterização
incorreta da sua posição política", e agora toda a gente pode ver que o fato de
determinada lista pertencer ao camarada Mártov e ao camarada Deutsch não podia ter
qualquer importância política e que em essência, independentemente desta lista ou de
qualquer outra, a acusação não era falsa, mas verídica, a caracterização da sua posição
política era perfeitamente correta.
O resultado deste caso penoso e artificial sobre a famosa lista falsa é o seguinte:
1) O atentado à honra do camarada Gússev pelo camarada Mártov, que gritava contra a
"falsificação vergonhosa da lista no interesse da luta fracional", só pode ser classificado,
como fizeram os camaradas Górine e Liádov, de acto indigno.
2. No interesse da limpeza da atmosfera e para eximir os membros do partido da
obrigação de levar a sério toda a espécie de extravagâncias doentias, seria talvez
necessário no terceiro congresso adoptar a regra que se encontra nos estatutos de
organização do partido operário social-democrata alemão. O § 2 desses estatutos
diz: "Não pode pertencer ao partido quem se tornar culpado de uma violação
grave dos princípios do programa do partido ou de um acto indigno. A questão
da continuação no partido será decidida por um tribunal de arbitragem
convocado pela direção do partido. Metade dos juizes é designada por quem
propuser a expulsão, e a outra metade por aquele que se quer expulsar, e o
presidente é nomeado pela direção do partido. Pode-se recorrer contra a decisão
do tribunal de arbitragem para a comissão de controlo ou para o congresso do
partido." Uma regra semelhante pode ser um bom instrumento de luta contra
todos os que lançam com ligeireza acusações (ou difundem boatos) sobre actos
indignos. Existindo semelhante regra, todas estas acusações seriam de uma vez
para sempre relegadas para a categoria de mexericos indignos, até ao momento
em que os que acusam tiverem a coragem moral necessária para intervir perante
o partido no papel de acusadores e procurarem um veredicto do organismo
competente do partido.
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