(...) Tôda arte. Dagora por diante, terá de ser, mais e mais, construção literária.
Já entramos nos tempos novos, já estamos reabilitando a arte, depois do longo
e infeliz período de relaxamento, de avacalhação da língua, de desprestigio do
estilo, de primitivismo fácil e de mau-gôsto. Se você ler o que têm escrito os
nossos maiores críticos (Antônio Cândido, Álvaro lins, Lauro Escorel, Almeida
Sales, etc.), nos últimos 5 anos, poderá sentir a ‗virada‘, a mudança de direção
na literatura de melhor classe. Nisso, aliás, como em tudo o mais, o que se
passa aqui é mero reflexo do que vai pelos países cultos. A palavra de ordem é:
construção, aprofundamento, elaboração cuidada e dolorosa da ‗matéria-prima‘
que a inspiração fornece, artesanato! Noto, entretanto, que, aí em Minas (terra
conservadora e um tanto lenta), a evolução mal se faz sentir, com honrosas
exceções. É que o mineiro, como bom provinciano, tem um sagrado pavor de
parecer... provinciano.
(...)
Tudo está mudando, seo Vicente. Não retornaremos ao verbalismo
inflacionado e oco de Coelho Neto, não repetiremos o coelhonetismo. Mas, por
outro lado, vamos ‗lavar as estrebarias de Áugias‘. Não se trata de um
movimento intencional, artificialmente concebido. É, apenas, a voz dos
tempos. Você acha que é por coincidência pura e simples, ocasional, que estão
surgindo por tôda parte, autores novos, falando em outro tom, e que os velhos,
os melhores dêles, começam a querer mudar de trote e acertar o passo? ‗Arte é
artifício!‘, brada Graciliano Ramos. ‗Sagarana é a reação contra a bossa‘,
escreve Geraldo Silos. Cândido A. Mendes de Almeida (crítico paulista que eu
não conheço pessoalmente), escreve, no suplemento de A Manhã, a 4 dêste
mês: ‗Só teremos uma nova escola literária se perturbarmos a intimidade da
simbiose matéria-forma, criando uma maneira diferente de pensar a
sensibilidade e sentir o pensamento.
24
Segundo Euryalo Cannabrava, Guimarães Rosa
... parece sofrer, como James Joyce, a doença do gigantismo verbal. Ele foi
buscar o dialeto brabo no interior do sertão mineiro, desarticulou-o em suas
partes componentes, submetendo-o a extensas manipulações lingüísticas.
(...)
O estilo é desconvencional por excelência, não admite modelos, nem imita
ninguém, abeberando-se nas fontes puras da inspiração.
(...)
Trata-se de autêntica redescoberta do sentido original das palavras, no
momento exato em que elas foram forjadas pelo povo. Não há artifício algum
nessa linguagem primeva, cujas raízes se metem pela terra dura dos campos
gerais. Tudo sai como se fosse aqui e agora, surpreendido ao vivo, no instante
preciso em que as forças irrompem do inconsciente coletivo, plasmando a
expressão.
25
O autor se vale da vida, de estórias, de linguagens várias e vai, além da
linguagem, para um plano de idéias que ultrapassam o senso comum e o ―natural‖ das
coisas. O lugar-comum é, para ele, impensável na escritura.
Em estudo intitulado ―João Guimarães Rosa: sua HORA e sua VEZ‖, o médico e
amigo de Rosa - Luiz Otávio Savassi Rocha lembra a paixão do amigo pelo aprendizado
e uso de outras línguas.
24
GUIMARÃES, Vicente. Op. Cit. P 132 e 133.
25
CANNABRAVA, Euryalo. ―Guimarães Rosa e a Linguagem literária‖. In: COUTINHO, Eduardo F.
Fortuna Crítica: Guimarães Rosa. p 264 - 265.