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GIULIANA PLEWKA DE OLIVEIRA
TUTAMÉIA: MÌMESIS ENSINADA
Dissertação de Mestrado,
elaborada sob a orientação da
Profª. Drª. Maria Neuma Barreto
Cavalcante, apresentada ao
Programa de Mestrado em
Literatura Brasileira do
Departamento de Literatura da
Universidade Federal do Ceará.
Fortaleza
2008
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AGRADECIMENTOS
À minha família e aos meus amigos, pelo suporte,
paciência e empréstimo de livros;
à minha querida, já ida, vó Sara e à minha mãe Cristina,
pelo amor, pelos ensinamentos e por serem minha
referencia de mulheres fortes;
à família Block, uma raiz e à família Couto Alvarez,
pedaço importantíssimo da minha;
aos meus filhotes todos, por me humanizarem, pois só os
animais são capazes de nos dar esse presente;
aos meus irmãos Soraia e Douglas, pela convivência e
pelos conselhos;
à Wal, minha peruquinha‖, simplesmente por existir;
às professoras Neuma, Odalice, Wiebke, Irenisia e Ednilza
e ao professor Leonel, pelo carinho com que sempre me
trataram e pelos ensinamentos principalmente o da
generosidade;
aos colegas de Mestrado, companheiros de jornada
especialmente Marilde, Humberto, Marcela, Fabiana e
Bete os mais próximos;
ao Mauro, meu amor bom, por tudo;
ao Rosa.
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INDICE
Introdução....................................................................................................................................04
1. Escritura: vida, obra e linguagem...........................................................................................08
1.1. Rosa, Clarice, João Cabral: uma geração auto-reflexiva...........................14
2. Prefácio e Outros Paratextos...................................................................................28
2.1. Evolução dos prefácios na Literatura Brasileira......................................................36
3. Tutaméia .................................................................................................................................56
3.1. Patatextos em Tutaméia.......................................................................................64
3.2. Línguas na língua e na criação..............................................................................74
Conclusão....................................................................................................................................83
Bibliografia..................................................................................................................................85
Anexos.........................................................................................................................................89
Legenda dos anexos....................................................................................................................90
“O escritor deve ser um alquimista
Naturalmente, pode explodir no ar.
A alquimia do escrever precisa de sangue do coração.
Não estão certos quando me comparam a Joyce.
Ele era um homem cerebral, não um alquimista.
Para poder ser feiticeiro da palavra,
para estudar a alquimia do sangue do coração humano
é preciso provir do sertão.”
João Guimarães Rosa Correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason.
INTRODUÇÃO
Nosso trabalho é fruto de uma paixão nascida durante o cumprimento da
disciplina de Literatura Brasileira IV do curso de Letras da Universidade Federal do
Ceará UFC. Nessa ocasião, tivemos de nos debruçar sobre o livro mais diferente que
víramos até então: Tutaméia Terceiras Estórias de João Guimarães Rosa, de 1967.
Surgiu-nos então a necessidade de estudar a obra desse autor como um todo e
aprofundar, principalmente, as questões de metafísica e de composição que se
apresentam no livro indicado.
Pretendemos propor uma análise de elementos paratextuais de Tutaméia
Terceiras Estórias, de João Guimarães Rosa: prefácios, epígrafes e índices,
principalmente seus prefácios para, a partir deles, chegar às diretrizes que norteiam o
estilo de Guimarães Rosa, quais sejam, a valorização da cultura popular,
polifonicamente relacionada à erudição livresca do autor, e o experimentalismo
lingüístico, que leva ao enriquecimento do vocabulário e sintaxe do português brasileiro
- elementos que atuam em conjunto, no sentido de transfigurar a realidade pelo primado
da intuição.
Aproveitaremos este espaço, para, inicialmente, explicar o título de nosso
trabalho. Porque Tutaméia, porque mimèsis e porque ensinada.
O porquê da escolha da obra Tutaméia ficou explicitado. Mimèsis porque
Rosa dizia que sua vida e sua obra andavam juntas e é da vida que a Literatura se vale, a
mimésis é uma imitação criadora da vida.
Ensinada porque em Tutaméia, mais precisamente em seus quatro prefácios,
Rosa deixou inscrito seu legado teórico codificado em estórias: Tutaméia é sua obra
metalingüística, expõem, revela e exemplifica sua teoria literária.
Nossa hitese inicial é que a composição de Tutaméia seria orientada por um
projeto estético que prima pela astúcia do sertanejo. Nosso objetivo é traçar, a partir dos
elementos analisados, um esboço do que cremos ser o projeto literário do autor. Tanto
os prefácios quanto as intratextualidades, assim como os outros paratextos e as
intertextualidades, constituem o que Genette chama de transtextualidade do texto. A
leitura dos elementos transtextuais em Tutaméia remete-nos a questões que
consideramos fundamentais na obra de Guimarães Rosa, que explora em suas obras a
ambiidade das regiões fronteiriças.
Para tanto, além de Tutaméia, iremos, muitas vezes, nos apoiar também nos
outros livros de Rosa, publicados em vida.
Nosso trabalho se desenvolve em três capítulos. No primeiro tratamos um pouco
da vida do autor, que dizia ser sua literatura, autobiográfica, como afirma em sua
entrevista a Günter Lorenz. Exploramos para tanto, um pouco de sua biografia a partir
do que foi encontrado em livros, mas sempre levando em conta quais pedaços dessa
biografia fazem parte de sua obra. Nesta primeira parte nos debruçamos sobre toda a
obra de Guimarães Rosa, além de entrevistas concedidas pelo autor e de
correspondências, principalmente, com seus tradutores para as línguas alemã e o
italiano.
Nossa escolha por Tutaméia não descarta o restante de sua produção literária,
que nos ajuda a compreender as escolhas e os métodos de trabalho do artista.
Fizemos um estudo do contexto em que o autor se inseria, ou seja; do contexto
da literatura brasileira nos anos quarenta, a fim de compreendermos de que modo o
autor e suas obras se encaixam nesse período, suas opções estéticas e seu trabalho
literário.
O livro Tutaméia (1967), apesar de posterior ao período que abordamos aqui,
encaixa-se perfeitamente no que chamamos de projeto literário de Rosa, iniciado nos
anos quarenta, quando de sua estréia com o livro Sagarana (1946).
É no segundo capítulo do trabalho que abordamos especificamente a questão dos
prefácios. Procuramos examinar paratextos diversos que, ao longo dos anos, apareceram
na literatura brasileira. Desde o primeiro livro de um autor brasileiro Música do
Parnaso, de Botelho de Oliveira, do peodo Barroco. Perpassamos então por vários
períodos literários de nossa história da literatura a cata de paratextos e seu modo de
realizão.
Procuramos levantar estudos sobre a teoria dos prefácios, no terceiro capitulo,
com a ajuda de textos variados e fragmentados a esse respeito. Não encontramos
bibliografia específica. E estudamos mais a fundo os prefácios de Tutaméia.
O terceiro capitulo trata ainda das rias nguas dominadas por Guimarães Rosa
e de sua linguagem literária levada para os prefácios. Aqui fazemos uma análise de cada
prefácio de Tutaméia, tanto em seu conteúdo literário, quanto em sua forma e em
relação ao caráter de teoria literária que eles engendram.
Queremos lembrar, finalmente, das influências que seguimos e dos estudos que
nos motivaram, como Os prefácios travestidos‖ de Lenira Marques Covizzi, e dos
estudos de Genette, dos Formalistas Russos e do experimentalismo praticado tão
amplamente por João Guimarães Rosa.
“Todos os meus personagens existem.
São criaturas de Minas: jagunços, vaqueiros,
fazendeiros, pactários de Deus e do Diabo,
meninos pobres, mulheres belas,
moradores do Urucuia e redondezas.”
João Guimarães Rosa “Diálogo com Guimarães Rosa” entrevista a Günter Lorenz,
janeiro de 1965.
1. ESCRITURA: VIDA, OBRA E LINGUAGEM
João Guimarães Rosa, o fabulista que se encantou, mas que continua a nos
encantar falava ser impossível dissociarmos sua obra de sua biografia, pois ela a obra,
está recheada de fatos, memórias, pessoas/personagens, geografia sica e imaginada da
vida do escritor, bem como da ngua falada por ele e pelos que conheceu em suas
andanças. ngua portuguesa, alemã e outras, e linguagem oral; cotidiana, mas também
culta, nova, antiga, retrabalhada; relinguagem.
Realidade e ficção andam juntas na obra de Guimarães Rosa.
João Guimarães Rosa. Rosa do pai, Guimarães da mãe e João por força da mãe
que queria homenagear o santo, não o do dia São Ladislau, mas o de sua devoção.
João mil coisas, mil paisagens, mil estórias. João zito‖, papai beleza, poliglota,
dico, rebelde, diplomata, escritor, sonhador, universo.
É num universo que mergulhamos ao nos debruçarmos sobre a obra de Rosa.
Mesmo que devido aos afazeres do dia-a-dia precisemos nos afastar dele o retorno
sempre nos presenteia com novas cores, novas compreenes, novas magias, que
encontramos em cada leitura e releitura, de pequenos trechos ou de livros inteiros,
escritos e reescritos com tanto estudo, tanta afeição, tanto cuidado, tanta dedicação, que
nos fazem sentir pequenos como crianças e admirados como adultos diante de um
mundo novo, que ali estava, mas que acaba de ser desvelado, revelando nuances
nunca dantes por nós imaginadas.
Extasiados, num susto, lemos Guimarães Rosa e com paixão pelo estudo, pelas
estórias e pelas palavras o estudamos.
Uma dissertão de mestrado é um trabalho científico mas, nesse caso, como em
tantos outros, é um trabalho de amor tecido de paciência e desespero, choro e riso,
vida muita, realidade e ficção. Cheio de grandes façanhas, mas também de muitos
detalhes e de tutaméias; lidas, relidas, sofridas, às vezes mal compreendidas, mas
sempre com amor. Amor de sonhador e de cientista. Amor por Rosa.
Rosa, nas nossas letras, brasileiras, foi um dos escritores, se não o que mais se
destacou no trabalho com a linguagem.
Valia-se de tantas nguas quantas possíveis, além do português, de arcaísmos,
da norma culta e da fala popular.
Sobre seus conhecimentos lingüísticos, na entrevista concedida à sua prima do
Curvelo, assim se expressou, em resposta: ―Falo: português, alemão, francês,
inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio sueco, holandês,
latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos
alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do nscrito, do lituânio,
do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do
dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. MAS TUDO MAL. Eu
acho que estudar o espírito e o mecanismo das outras línguas ajuda muito à
compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém,
estudando-se por divertimento, gôsto e distração.
1
Trabalhava cada frase como quem lida com flores com cuidado, carinho,
paciência, enfrentando intempéries e até espinhos. Trabalho de artesão, de estudo muito
intenso e amado.
João era dos livros e das línguas desde a infância.
Nas férias, o menino Joãozito era também caseiro. Lia os livros que levava, os
que tomava emprestado ao Padre Vigário, almanaques de farmácia, revistas e
jornais novos e velhos. Tudo que tinha letras êle não desprezava. Também
gostava de andar a cavalo e quase nunca fazia visitas urbanas. Às fazendas sim,
apreciava ir. Viagens alegrantes, divertidas.
2
Era também da vida natural e tica.
A chegada da boiada movimentava o arraial. Ao longe ouvia-se soar a buzina
do guia, pela estrada do alto Bento Velho, ou, mais das vêzes, pelos lados do
morro do Pau-d‘Alho, passando aproximado da Igrejinha de São José.
Alvoroço geral. Ninguém se cansava de ver o repetido espetáculo. Touros,
marruás bravos e mansos, vacas e até bois velhos, de carro, vinham tangidos
pelos boiadeiros, levantando poeira, com o vento arvorando redemoinhos que
se arredondinhavam elevando-se em bailados ligeiros, ràpidamente acabáveis.
Nesses tais havia a presença do capeta, conforme crendeirice local e das
redondezas. Por isso sendo, dos cujos o povo todo passava ao largo, benzendo-
se e arrenegando.
3
Sua alma de escritor, muito cedo, foi tocada pela natureza bichos, plantas,
paisagens também estudados com amor e avidez, e que foram, nas mãos do escritor
adulto, assim como a linguagem, matéria-prima de seus escritos. Escritos híbridos como
a natureza, como as línguas e a fala.
Discurso seu, montado e desmontado nunca a esmo com todo o cuidado,
como na natureza se cultivam flores e nascem bebês perfeitos e como na língua se pensa
e se repensa. Fala e refala; leitura e releitura montagem: quebra-cabeças de mil
línguas, imagens, sensações e possibilidades.
Jeito novo de escrever? Jeito de escrever coerente com seu Ser que,
predestinado, talvez, nascera para ser o médico, o diplomata, o escritor, o criador de
mundos em letrinhas, que é João Guimarães Rosa.
1
GUIMARÃES, Vicente. Joãozito Infância de João Guimarães Rosa. P 45.
2
Op. Cit. P 50.
3
Op. Cit. P 56 e 57.
Padres Redentoristas, do Curvelo, de passagem, pela Central do Brasil,
desceram em Cordisburgo, ponto de almôço, trinta minutos de parada.
Trocaram a saborosa comida de Nhá Tina, de fama apregoada, por uma visita à
casa de seo Florduardo. Apresentaram-se dizendo desejar conhecer o menino
inteligente que discutia a guerra. Os padres de saíram muito bem
impressionados. Depois de parabenizarem os pais, vaticinaram, não por
delicado agrado: ―Êste menino vai longe. Será um grande brasileiro‖.
4
Da realidade, muito brotou na ficção de Guimarães Rosa. Sua miopia, talvez o
causomais conhecido entre seus estudiosos, foi retratada na novela ―Campo Geral‖
de Corpo de Baile. Rosa, como Miguilim, míope na infância sem ninguém saber, nunca
acertava mira para derrubar ferradura, e conheceu as lentes pelas mãos do Dr.
Lourenço. Surpresa! Mundo velho-novo. Desvendado. Tão claro!
Na ficção do autor figuram ainda tipos populares, como Mãitina, mantida em
nome e feição nessa novela, conhecidos da infância; estórias ouvidas na venda de seu
pai; imagens vistas na infância, talvez uma única vez, como o passar da boiada narrado
em Minha Gente‖ de Sagarana.
Cantigas e estórias que ganharam o mundo ou a ele foram dadas pela memória
de Rosa, de seu pai Florduardo, que por vezes o ajudava com tais recordações. Pelo seu
tio-amigo Vicente; quase irmão só dois anos mais velho.
Tantas outras lembranças reais que viraram ficção nos são contadas pelo tio
Vicente Guimarães: Felão, a quem Rosa faz referência duas vezes em Grande Sertão:
Veredas. Ainda, o homem que queria chegar ao céu; o presépio de Chiquinha; os
apelidos que o pai lhe dava e tantas pessoas conhecidas e momentos vividos ou ouvidos.
Vejamos trecho de carta do Tio Vicente a Rosa, falando de Corpo de Baile:
Topei gente conhecida demais, gente de dentro da saudade. Mãitina (creio que
Mantinha, corruptela de Martinha; Mãitina colorido melhor, costumes
negros velhos) com sua cachaça, danças, linguajar estropiado, tudo se sensa.
Vovó Izidra, seu fichu, suas rezas, sempre mandona e servindo partos; o
Soandes, butiquineiro, querendo por querendo voar pro céu, malogrado; Siá
Zú, a gordona camareira e negocista; Dr. Lourenço, de corpo inteiro, sem
máscara. Tudo gente de casa. Tempos passados! Que saudade! Leitura gostosa,
de tudo longe de hoje, pertinho de ontem, mas junto de nós.
5
Em entrevista a Günter Lorenz, João Guimarães Rosa se diz um escritor
regionalista e diz ser impossível separarmos sua biografia de sua obra, e nos relata seu
modelo de universo; seu mundo exterior e interior.
(...) este pequeno mundo do sertão, este mundo original e cheio de contrastes, é
para mim o símbolo, diria mesmo o modelo de meu universo.
4
Op. Cit. P 35.
5
Op. Cit. P 101.
(...) fui médico, rebelde e soldado. Foram etapas importantes de minha vida e, a
rigor esta sucessão constitui um paradoxo. Como médico conheci o valor
místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o
valor da proximidade da morte...
(...) também configuram meu mundo a diplomacia, o trato com cavalos, vacas,
religiões e idiomas.
(...) As vacas e os cavalos o seres maravilhosos. Minha casa é um museu de
quadros de vacas e cavalos. Quem lida com eles aprende muito para sua vida e
a vida dos outros.
6
O aspecto regionalista não é o que mais nos interessa no momento, mas sim a
concepção mais ou menos realista ou realística da ―estória que não se quer História‖ e o
modo como isso se concebe.
Como os outros escritores de 40, como Clarice Lispector e João Cabral de Melo
Neto, Rosa também tinha muitas preocupações com a linguagem e disse na
mencionada entrevista, o seguinte:
Nunca me contento com alguma coisa. Como lhe revelei, estou sempre
buscando o impossível, o infinito. (...) meu método implica na utilização de
cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das
impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido original. Por isso, e
este é o segundo elemento, incluo em minha dicção certas particularidades
dialéticas de minha região, que são linguagem literária e ainda têm sua marca
original, não estão desgastadas e quase sempre são de uma grande sabedoria
lingüística. Além disso, como autor do século XX, devo me ocupar do idioma
formado sob a influência das ciências modernas e que representa uma espécie
de dialeto. E também es à minha disposição esse magnífico idioma já quase
esquecido: o antigo português dos sábios e poetas daquela época dos
escolásticos da Idade Média, tal como se falava, por exemplo, em Coimbra. E
ainda poderia citar muitos outros, mas isso nos levaria muito longe. Seja como
for, tenho de compor tudo isto, eu diria ―compensar‖, e assim nasce então meu
idioma que, quero deixar bem claro, esfundido com elementos que não o
de minha propriedade particular, que são acessíveis igualmente para todos os
outros.
(...)
A maldição dos costumes é notada e os autores aceitam sem crítica a chamada
linguagem corrente, porque querem causar sensação, e isso não pode ser.
(...)
A língua serve para expressar idéias, mas a linguagem corrente expressa apenas
clichês e não idéias. Não se pode fazer desta linguagem corrente uma língua
literária, como pretendem os jovens do mundo inteiro sem pensar muito.
7
Em carta ao seu tio, datada de 11 de maio 1947, Rosa menciona:
(...) Antônio ndido profere: ‗Sagarana nasceu universal, pelo alcance e pela
coesão da fatura. A língua parece finalmente ter atingido o ideal da expressão
literária regionalista. Densa, vigorosa, foi talhada no veio da linguagem
popular e disciplinada dentro das tradições clássicas. Mário de Andrade, se
6
LORENZ, Günter. ―Diálogo com Guimarães Rosa‖. In: COUTINHO, Eduardo F. Fortuna Crítica:
Guimarães Rosa. P. 67
7
LORENZ, Günter, Op. Cit. p 81.
fôsse vivo, leria, comovido, êste esplêndido resultado da libertação lingüística,
para que êle contribuiu com a libertinagem heróica da sua.‘
(...) Raquel de Queiroz a grande Raquel escreve, no Diário de Noticias: ‗A
nossa geração se iniciou nas letras com a despreocupação do bem escrever.
Surgindo cêrca de uma década após a revolução modernista de 1922, ainda não
pisávamos em chão bem firme, etc. Mas, penosamente, esforçadamente, cada
um foi melhorando, descobrindo os seus excessos, suas falhas, e até mesmo
seus ridículos. A linguagem descosida foi tomando maior unidade, e hoje,
afinal, etc. Chegou a mais, apurou-se de tal maneira, que apresentamos mestres
do bem escrever, tais como Ciro dos Anjos, Guimarães Rosa, Cecília Meireles,
para citar poucos.‘
8
Erich Auerbach, em análise ao fragmento da obra Fortunata diz da linguagem de
Petrônio:
A linguagem é o jargão ordinário, algo pastoso de um comerciante urbano
carente de instrução, cheia de frases feitas (...) Ele tem, sem dúvida, como
vemos, um ponto de vista um tanto unilateral, fala também mais segundo seus
sentimentos, e em associações do que logicamente, mas fala
circunstanciadamente e, por assim dizer, plasticamente não tem papas na
língua e vai direto ao assunto. Não deixa nada no escuro (...).
9
Se bem observarmos, notamos que se trata de uma linguagem que foge
totalmente à preocupação de Guimarães Rosa, que nunca quer ser comum ou se repetir,
pelo contrário; quer sempre inovar e recriar com força e ajuda das várias nguas que
dominava e do português arcaico. Não é arbitrariamente que se diz que Rosa criou para
si, em sua Literatura, uma quase Língua.
O autor se vale da vida, de estórias, de linguagens várias e vai, além da
linguagem, para um plano de idéias que ultrapassam o senso comum e o ―natural‖ das
coisas. O lugar-comum é, para ele, impensável na escritura.
Não se escreve uma obra-prima como a de 1956
10
, sem sérias repercussões de
ordem biobibliográfica: ela não somente reordena o conjunto das obras que a
precederam, como já foi assinalado por T. S. Eliot em ensaio famoso, como
constrói, para frente e para trás, a figura do autor definitivamente marcada
pelas intersecções dos traços biobibliográficos, quer dizer, aquelas que
reduzem a zero as distinções entre a vida e a obra. Entre o ego e o ego scriptor,
como queria Paul Valéry, a linguagem da ficcionalidade abre o espaço para que
se crie o intervalo vertiginoso da criação literária.
11
Deixou-nos publicados: Sagarana; Corpo de Baile; Grande Sertão: Veredas;
Primeiras Estórias; Tutaméia Terceiras Estórias e três volumes que foram publicados
postumamente Estas Estórias, Ave Palavra e o livro de poemas Magma, o primeiro
8
GUIMARÃES, Vicente. Op. Cit. P 134.
9
AUERBACH, Erich. Mimesis. P. 23.
10
Em 1956 João Guimarães Rosa publicou Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile.
11
BARBOSA, João Alexandre. ―Prefácio‖. In: NOVIS, Vera. Tutaméia: engenho e arte. P 14.
que escreveu e com o qual ganhou primeiro lugar em concurso promovido pela
Academia Brasileira de Letras, em 1936.
Nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 27 de junho de 1908. Faleceu no Rio
de Janeiro em 19 de novembro de 1967, três dias após sua posse na Academia Brasileira
de Letras. Sempre foi um menino estudioso e observador. Mudou-se para Belo
Horizonte aos dez anos de idade. Formou-se em Medicina em 1930, mas já se dedicava
à Literatura. Foi orador de sua turma. Casou-se e teve duas filhas.
Por gostar de nguas estrangeiras foi aconselhado pelo amigo Dr. Jorge Vaz a
tentar a carreira diplomática na qual se inicia em 1934.
Foi Cônsul-adjunto em Hamburgo, na Alemanha e lá conheceu sua segunda
esposa Aracy Guimarães Rosa de Carvalho.
Sua técnica de trabalho consistia em sempre observar, anotar, meditar, escrever,
guardar, reescrever buscando a forma precisa, utilizando-se do material que colecionava
desde a infância: lembranças, anotões, recortes, etc. Apurou tanto sua linguagem
literária a ponto de ser considerado difícil‖ e dizia então: Eu não escrevo difícil. Eu
sei o nome das coisas”.
De sua valiosa obra, não nos detivemos aqui nos livros póstumos já que estes
foram organizados por outras pessoas e não pelo próprio autor.
1.1. ROSA, CLARICE, JOÃO CABRAL: UMA GERAÇÃO AUTO-REFLEXIVA
Desde a segunda fase do Modernismo brasileiro, observamos, em nossa
Literatura, um amadurecimento e aprofundamento das conquistas da geração de 22.
Formalmente, os novos poetas continuam a pesquisa estética iniciada na década de 20,
cultivando o verso livre e a poesia sintética.
Entretanto, é na temática que se percebe uma nova postura do artista, que passa a
questionar com maior vigor a realidade e, fato extremamente importante, passa a se
questionar tanto como individuo em sua tentativa de exploração e interpretão do estar
no mundo, como em seu papel de artista. O resultado é uma literatura mais construtiva e
mais politizada, que não se afasta das profundas transformações ocorridas nesse
período, e está ao mesmo tempo voltada para o espiritualismo e o intimismo.
Foi um tempo de definições, de compromissos, de aprofundamento das relações
do eu com o mundo, mesmo com a consciência da fragilidade do eu.
Assim, encontramos na prosa e na poesia, autores como Guimarães Rosa, João
Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, e podemos incluir ainda Carlos Drummond
Andrade, que se preocupou também com as mesmas questões apesar de ser de uma
geração anterior. Estes, citados à nossa preferência e em coerência com o período no
momento analisado, aproveitaram as conquistas das gerações anteriores e inovaram em
sua escrita.
Reconhecer o novo sistema cultural posterior a 30 não resulta em cortar as
linhas que articulam a sua literatura com o Modernismo. Significa apenas ver
novas configurações históricas a exigirem novas experiências artísticas.
(...)
...tinha havido uma abertura a todas as experiências modernas no Brasil pós-22.
(...)
... eso as obras que de 30 a 40 e a 50 mostram à saciedade que novas
angustias e novos projetos enformavam o artista brasileiro e o obrigavam a
definir-se na trama do mundo contemporâneo.
12
Os autores que citamos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral de
Melo Neto e Drummond demonstraram em suas obras ou em ensaios críticos e
correspondências, a preocupação com o fazer literário, cada um a sua maneira e, talvez
até, isoladamente, mas com mesma preocupação o não lugar comum da escrita; a
inovação da linguagem. Por isso sua prosa e poesia têm, muitas vezes, um tom
ensaístico e indagador.
12
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura brasileira. P 385.
Todos os exemplos que daremos aqui nos levaram à observação de que os
autores que, juntamente com Guimarães Rosa, estrearam na década de 40 tinham um
projeto literário individual que contribuiu para um projeto comum a todos maior e de
realizão viável devido a uma tradição literária. Já propriamente brasileira.
Os autores do Romantismo, principalmente Alencar, vinham abrindo
caminhos para inovações formais e lingüísticas que tomaram proporções ainda maiores
durante o Modernismo, quando houve uma grande quebra com os rigores do passado.
de-se então inovar e trabalhar a inovação, qualquer que fosse principalmente
as lingüísticas, sem ter-se que batalhar tanto por sua aceitão. Não dizemos com isso
que não houve resistência por parte do público e da crítica a tais ―rebeldias literárias‖,
na realidade, já esperadas pois o terreno estava preparado para elas.
O Modernismo brasileiro havia trazido grandes modificões. Os modernistas
tiveram duas tarefas distintas “criar uma nova poesia e arte realmente nacionais,
brasileiras, e empregar para tanto os recursos das vanguardas européias, da França e
Itália.”
13
Os modernistas do Rio de Janeiro
não teriam tido êxito sem o movimento anterior e melhor organizado do
modernismo de São Paulo, que assustara os ―burgueses‖ pela ―Semana de
Arte Moderna‖, em 1922. O chefe foi e permaneceu Mário de Andrade: poeta
experimental e prosador experimental, sabia conquistar a nova geração inteira e
imprimir unidade pessoal à mistura de tenncias que se reuniram no seu
movimento Verhaeren e Whitman, muito Marinetti e algo de Soffici,
Apollinaire, Salmon e Cendrars; hostilidade à burguesia semicolonial e ao
individualismo estético, embriaguez da grande cidade e interesse pelo folclore,
abolição da métrica tradicional e tendência para criar uma nova língua, a
brasileira, diferente da portuguesa. Pelo Modernismo passou Manuel Bandeira,
antigo simbolista, romântico e poeta moderno. O modernismo de Manuel
Bandeira coloca-o perto da poesia experimental de Mário de Andrade: estende-
se do whitmanismo das evocões de paisagens da infância até a transfiguração
de motivos triviais pela inspirão filosófica (...).
14
O problema da língua, esboçado no Romantismo foi transposto no Modernismo.
A grande cidade e a técnica requerem nova ngua. As nações criadas pela
imigração e colonização requerem novas línguas. A extensão de nosso
conhecimento da alma humana pela psicologia de profundidade requer nova
língua. Muitas coisas inéditas e muitas coisas propriamente inefáveis têm de
ser ditas.
15
Ainda sobre o Modernismo, temos em ―A Elegia de Abril‖ de Mário de Andrade
(1941), um ensaio escrito a pedido de Antonio Candido para a Revista Clima, que
13
CARPEAUX, Otto Maria, História da Literatura Ocidental. P. 3166.
14
Op. Cit. P. 3166 e 3167.
15
Op. Cit. P. 3168.
nascia, um balanço do que foi o movimento em termos de consciência literária, entre
outros aspectos. Diz o autor:
(...) nós éramos uns inconscientes.
(...)
A inconsciência de minha geração, se não a absolve, a fataliza homem de um
fim-de-século em que, meu Deus! no Brasil não repercutia nada! Mas para o
intelectual de agora não é posvel mais invocar o estado-de-graça da
fatalidade.
(...)
No sentido da sua dignidade moral, a inteligência brasileira se transformou
muito, passando da inconsciência social, para a consciência da sua condição.
Mas não creio tenha havido melhoras. Se do meu tempo o mais que se possa
dizer é que foi amoral, hoje grassa na inteligência nova uma freqüente
imoralidade.
(...)
Muito poucos perceberam a lógica de quem, tendo combatido, não pela
ausência, mas pela liberdade da técnica num tempo de estreito formalismo,
agora combatia pela aquisição de uma consciência profissional, num período
de liberalismo artístico, que nada mais está se tornando que cobertura da
vadiagem e do apriorismo dos instintos.
(...)
Imagino que uma verdadeira consciência técnica profissional poderá fazer com
que nos condicionemos ao nosso tempo e o superemos, o desbastando de suas
fugaces aparências, em vez de a elas nos escravizarmos.
(...)
O intelectual não pode mais ser um abstencionista; e não é o abstencionismo
que proclamo nem mesmo quando aspiro ao revigoramento novo do mito‖, da
verdade absoluta.
(...)
Mas a superação que pertence à técnica pessoal do artista como do intelectual,
é o seu pensamento inconformável aos imperativos exteriores. Esta a sua
verdade absoluta.
16
Apesar de acreditar que sua geração não fora qualitativamente superada, Mario
de Andrade já defende a técnica consciente do artista, que veio a se fazer nos anos
quarenta.
Tanto prosadores quanto poetas passaram a questionar a arte e suas técnicas
questionar e reaprender até o domínio delas.
Questionamento que podemos observar no poema de Carlos Drummond de
Andrade ―Conclusão‖, que transcrevemos a seguir, e que nos mostra ainda o alívio
final da possibilidade do desprendimento das coisas que o além da questão do fazer
literário.
CONCLUSÃO
Os impactos de amor não são poesia
(tentaram ser: aspiração noturna).
A memória infantil e o outono pobre
16
ANDRADE, Mário de, ―Elegia de Abril‖. In: Aspectos da Literatura Brasileira. p 209 - 217.
vazam no verso de nossa urna diurna.
Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, fúria, cabala.
Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só e mudo.
De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
17
O chamado Realismo de 30 cuidou das questões político-sociais. Com isso nossa
literatura, no período que se iniciava com a cada de 40 de tratar de temas mais
subjetivos e de sua própria produção como vemos em Rosa, Clarice, Drummond e
outros que refletiram sobre suas obras e também sobre o Ser e o Estar no mundo que
mundo que ser que existências nos rodeiam ou não o que nos é caro.
Diz Antonio Candido, que, na nossa literatura, dois momentos foram decisivos,
o Romantismo e o Modernismo, ambos inspirados no modelo europeu. O Romantismo
tentou superar a influência portuguesa e o Modernismo já se recusava a reconhecer
Portugal como berço literário e desta forma a cultura de Portugal, por nós importada
e/ou imposta não teve mais que ser superada. Ela simplesmente já não tinha mais o
reconhecimento anterior.
O rompimento se fez e as gerações posteriores puderam buscar nova identidade
com muito mais liberdade de pesquisa e conseqüentemente de realização.
Afirma ainda que:
Depois de 1940, ou pouco antes, vamos percebendo a constituição de um
período novo. Nos dois decênios de 20 e 30, assistimos ao admirável esforço
de construir uma literatura universalmente válida (pela sua participação nos
problemas gerais do momento, pela nossa crescente integração nestes
problemas) por meio de uma intransigente fidelidade ao local. A partir de 40,
mais ou menos, assistiremos, ao lado disso, a um certo repúdio do local,
reputado apenas pitoresco e extraliterário; e um novo anseio generalizador,
procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência formal e
de pesquisa interior.
(...)
Até 1945, mais ou menos, vemos uma produção intensa, favorecida por grande
surto editorial, em que brilham veteranos e novos, estes com tendência
crescente para repudiar a literatura social e ideológica, o que veio finalmente a
predominar sob a forma de uma queda da qualidade do romance e uma grande
voga de pesquisas formais e psicológicas na poesia.
18
17
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 1995. p190.
18
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e História Literária. p 126.
Dentre os autores que se destacaram nesse período temos, na poesia Carlos
Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Na prosa, Rosa e Clarice Lispector
entre outros. o desse período os livros Rosa do Povo de Drummond, Perto do
Coração Selvagem de Lispector e Sagarana de Guimarães Rosa.
Nossos autores passaram a tratar de questões subjetivas, transcendentais,
místicas e metalingüísticas, sem a preocupação de serem engajados e falarem quase
apenas de questões sociais. Até mesmo Graciliano Ramos representante tão
importante do romance engajado de 30, escreve Angústia um livro denso,
introspectivo que, segundo Capeaux é uma obra-prima da introspecção psicológica”.
Graciliano Ramos pertence àquele grupo de escritores brasileiros que depois de
1930 renovaram, em estilo neonaturalista e com forte tenncia social, o
romance regional do Nordeste do país, econômica e socialmente parecido com
a Calábria de Corrado Álvaro: foram JoAmérico de Almeida, Rachel de
Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado. Dois romances importantes de
Graciliano Ramos, São Bernardo e Vidas Secas, pertencem a esse ciclo. Mas
uma terceira obra, Angustia, embora se passando no mesmo ambiente de
miséria e humilhação e tristeza infinita, é uma obra-prima de introspecção
psicológica, dir-se-ia dostoievskiana; o véu daquela realidade levantou-se e o
fundo dela ficou magicamente iluminado por uma técnica novestica que
emprega recurso da psicologia do sonho. Resta acrescentar que Angustia é,
pelo estilo e pela composição, um romance-poema ou romance poemático.
19
O trabalho com a linguagem é para o escritor, de fato, trabalho. A Língua deve
ser manuseada, dedilhada, manipulada, forjada com cuidado, carinho e rigor.
Se para alguns, e cremos que bem poucos, a criação literária é fruto da
inspiração; de uma espécie de transe poético, é, para outros, trabalho mas trabalho de
amor; como de um pai que leva o filho pela mãozinha por caminhos rígidos.
A concepção do ato de escrever e o modo como esses autores lidaram com a
linguagem é o nosso foco de análise nessa parte do trabalho.
Rosa fala em sua entrevista-conversa com Günter Lorenz:
O escritor, naturalmente o bom escritor é um descobridor; o mau crítico é
seu inimigo, pois é inimigo dos descobridores, dos que procuram mundos
desconhecidos. (...) Como romancista tento o impossível. Gostaria de ser
objetivo, e ao mesmo tempo me olhar a mim mesmo com olhos estranhos.
20
Cabral, em seu ensaio ―A Inspiração e o Trabalho de Arte‖ defende:
O ato do poema é um ato íntimo, solitário, que se passa sem testemunhas. (...) é
procura. (...) força - feita de mil fracassos, de truques que ninguém deve saber,
de concessões ao fácil, de soluções insatisfatórias, de aceitação resignada do
19
Op. Cit. P. 3454.
20
LORENZ, Günter. Op. Cit. P 76.
pouco que se é capaz de conseguir e de renúncia ao que, de partida, se desejou
conseguir.
21
Ambos, bem como outros autores da geração de 40, criticavam a literatura da
época por ter se rendido às facilidades da comunicação e da linguagem sem inovações e
muito pobre de novas tentativas de renovação.
Sobre isso diz Cabral:
É evidente que numa literatura como a de hoje, que parece haver substituído a
preocupação de comunicar pela preocupação de exprimir-se, anulando, do
momento da composição, a contraparte do autor na relação literária, que é o
leitor e sua necessidade, a existência de uma teoria da composição é
inconcebível. O autor de hoje trabalha à sua maneira, à maneira que ele
considera mais conveniente à sua expressão pessoal.
22
Rosa dizia em cartas a seu tio que a língua devia ser pstica, moldada ao gosto
do escritor, mas com rigor e método, e dizia:
Nunca me contento com alguma coisa. Como lhe revelei, estou sempre
buscando o impossível, o infinito. (...) meu método implica na utilização de
cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das
impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido original. Por isso, e
este é o segundo elemento, incluo em minha dicção certas particularidades
dialéticas de minha região, que são linguagem literária e ainda têm sua marca
original, não estão desgastadas e quase sempre são de uma grande sabedoria
lingüística. Além disso, como autor do século XX, devo me ocupar do idioma
formado sob a influência das ciências modernas e que representa uma espécie
de dialeto. E também es à minha disposição esse magnífico idioma já quase
esquecido: o antigo português dos sábios e poetas daquela época dos
escolásticos da Idade Média, tal como se falava, por exemplo, em Coimbra. E
ainda poderia citar muitos outros, mas isso nos levaria muito longe. Seja como
for, tenho de compor tudo isto, eu diria ―compensar‖, e assim nasce então meu
idioma que, quero deixar bem claro, esfundido com elementos que não o
de minha propriedade particular, que são acessíveis igualmente para todos os
outros.
(...)
A maldição dos costumes é notada e os autores aceitam sem crítica a chamada
linguagem corrente, porque querem causar sensação, e isso não pode ser.
(...)
A língua serve para expressar idéias, mas a linguagem corrente expressa apenas
clichês e não idéias. Não se pode fazer desta linguagem corrente uma língua
literária, como pretendem os jovens do mundo inteiro sem pensar muito.
23
Ao ato propriamente da criação literária, Cabral chama de Trabalho de Arte, no
próprio titulo do ensaio analisado e citado por nós. Guimarães, por sua vez, diz ser:
trabalho, trabalho, trabalho‖.
Em 11 de maio de 1947, Rosa escreve ao tio Vicente:
21
NETO, João Cabral de Melo. Obra Completa. P 723. (Citação, que se encontra na página 10,
repetida por sua grande relevância.).
22
Op. Cit. P 724.
23
LORENZ, Günter. Op. Cit. P 81 - 88.
(...) Tôda arte. Dagora por diante, terá de ser, mais e mais, construção literária.
entramos nos tempos novos, estamos reabilitando a arte, depois do longo
e infeliz período de relaxamento, de avacalhação da língua, de desprestigio do
estilo, de primitivismo fácil e de mau-gôsto. Se você ler o que têm escrito os
nossos maiores críticos (Antônio Cândido, Álvaro lins, Lauro Escorel, Almeida
Sales, etc.), nos últimos 5 anos, poderá sentir a ‗virada‘, a mudança de direção
na literatura de melhor classe. Nisso, aliás, como em tudo o mais, o que se
passa aqui é mero reflexo do que vai pelos países cultos. A palavra de ordem é:
construção, aprofundamento, elaboração cuidada e dolorosa da ‗matéria-prima‘
que a inspiração fornece, artesanato! Noto, entretanto, que, em Minas (terra
conservadora e um tanto lenta), a evolução mal se faz sentir, com honrosas
excões. É que o mineiro, como bom provinciano, tem um sagrado pavor de
parecer... provinciano.
(...)
Tudo está mudando, seo Vicente. Não retornaremos ao verbalismo
inflacionado e oco de Coelho Neto, não repetiremos o coelhonetismo. Mas, por
outro lado, vamos ‗lavar as estrebarias de Áugias‘. Não se trata de um
movimento intencional, artificialmente concebido. É, apenas, a voz dos
tempos. Você acha que é por coincidência pura e simples, ocasional, que estão
surgindo por da parte, autores novos, falando em outro tom, e que os velhos,
os melhores les, começam a querer mudar de trote e acertar o passo? ‗Arte é
artifício!‘, brada Graciliano Ramos. Sagarana é a reação contra a bossa‘,
escreve Geraldo Silos. Cândido A. Mendes de Almeida (crítico paulista que eu
não conheço pessoalmente), escreve, no suplemento de A Manhã, a 4 dêste
mês: ‗Só teremos uma nova escola literária se perturbarmos a intimidade da
simbiose maria-forma, criando uma maneira diferente de pensar a
sensibilidade e sentir o pensamento.
24
Segundo Euryalo Cannabrava, Guimarães Rosa
... parece sofrer, como James Joyce, a doença do gigantismo verbal. Ele foi
buscar o dialeto brabo no interior do sertão mineiro, desarticulou-o em suas
partes componentes, submetendo-o a extensas manipulações linísticas.
(...)
O estilo é desconvencional por excelência, não admite modelos, nem imita
ninguém, abeberando-se nas fontes puras da inspiração.
(...)
Trata-se de autêntica redescoberta do sentido original das palavras, no
momento exato em que elas foram forjadas pelo povo. Não há artifício algum
nessa linguagem primeva, cujas raízes se metem pela terra dura dos campos
gerais. Tudo sai como se fosse aqui e agora, surpreendido ao vivo, no instante
preciso em que as forças irrompem do inconsciente coletivo, plasmando a
expressão.
25
O autor se vale da vida, de estórias, de linguagens várias e vai, além da
linguagem, para um plano de idéias que ultrapassam o senso comum e o ―natural‖ das
coisas. O lugar-comum é, para ele, impensável na escritura.
Em estudo intitulado João Guimarães Rosa: sua HORA e sua VEZ‖, o médico e
amigo de Rosa - Luiz Otávio Savassi Rocha lembra a paixão do amigo pelo aprendizado
e uso de outras línguas.
24
GUIMARÃES, Vicente. Op. Cit. P 132 e 133.
25
CANNABRAVA, Euryalo. ―Guimarães Rosa e a Linguagem literária‖. In: COUTINHO, Eduardo F.
Fortuna Crítica: Guimarães Rosa. p 264 - 265.
... em 1956, João Guimarães Rosa prefaciou a Antologia do Conto Húngaro,
com seleção, tradução e notas de seu amigo Paulo nai, professor e poliglota
húngaro, naturalizado brasileiro. No prefácio, o autor de Grande Sertão:
Veredas faz inteligentes reflexões a respeito da língua magiar, dando a
entender que a considerava uma ngua próxima da ideal, uma língua que
qualquer escritor (ele incluído) quereria para si, para o exercício de sua arte,
mercê de sua insuperável potencialidade e plasticidade.
26
João Cabral, por sua vez, apresenta-nos uma escrita, que é um marco dentro da
língua portuguesa. A sua obra desencadeou uma revolução formal das mais importantes
na história da poesia brasileira.
Percebemos a reflexão do poeta, sobre o ato de escrever e o mistério da criação
literária, na obra, cujo verso, como um ser vivo brota do papel inanimado isto é, sem
vida. Veja-se o poema O poema‖:
A tinta e a lápis
escrevem-se todos
os versos do mundo.
(...)
Como o ser vivo
que é um verso,
um organismo
com sangue e sopro,
pode brotar
de germes mortos?
O papel nem sempre
é branco como
a primeira manhã.
É muitas vezes
o pardo e pobre
papel de embrulho;
(...)
Como um ser vivo
pode brotar
de um chão mineral?
27
Temos assim, em João Cabral, um ato permanente de busca através da poesia,
através da palavra. Uma poesia que é exemplar ao nível da singularidade e
complexidade poética, e assente numa construção rica e comprometida com o real e o
humano.
Clarice Lispector, escreve a Lúcio Cardoso, preocupada com o ato da criação:
26
ROCHA, Luiz Otávio Savassi. João Guimarães Rosa: sua HORA e sua VEZ.
27
NETO, João Cabral de Melo. Obra Completa. P 76 - 77.
Antes de começar a escrever eu tinha a impressão de que eu ia lhe contar como
eu tenho escrito, como eu tenho duvidado, como eu acho horrível o que eu
tenho escrito e como às vezes me parece sufocante de bom o que tenho escrito,
e dois dias depois aquilo não vale nada, como eu tenho aprendido a ser
paciente, como é ruim ser paciente, como eu tenho medo de ser uma
―escritora‖ bem instalada, como eu tenho medo de usar minhas próprias
palavras, de me explorar... Eu pensava em dizer tudo isso, estava num impulso
de sinceridade e confissão que muitas vezes eu tenho em relação a você. Mas
não sei, talvez porque vo nunca tenha sentido em relação a mim esse mesmo
impulso, eu fico de repente apenas com as palavras que eu queria dizer mas
sem gostar delas. Eu hoje estou muito burrinha, especialmente hoje, e nem
entendo direito o que quero dizer. O fato é que eu queria escrever agora um
livro limpo e calmo, sem nenhuma palavra forte, mas alguma coisa real real
como o que se sonha, e que se pensa uma coisa real e bem fina.
28
E, torturada pela constante revisão de uma obra, reclama em carta de 17 de
março de 1956, à Elisa Lispector e Tânia Kaufmann:
Tinha uma vontade louca de me ocupar muito, mas não em livro,
estou muito cansada. Esse livro teve umas oito cópias, cada uma um pouco
diferente da outra. Mas queria me ocupar, cabeça sem emprego
chateação.
Queria me ocupar que de noite eu estivesse bem cansada. Vamos
ver.
29
Ainda no âmbito das correspondências, João Cabral de Melo Neto escreve à
amiga Clarice Lispector sobre um novo livro:
È um livro construidíssimo; não no sentido comum, i, é, no sentido de que
trabalhei muitíssimo nele, como num outro sentido também, mais importante
para mim: é um livro que nasceu de fora para dentro, quero dizer: a construção
não é nele a modelagem de uma substancia que eu antes expeli, i, é, não é um
trabalho posterior ao material, como correntemente; mas pelo contrário é a
própria determinante do material. Quero dizer que primeiro o planejei,
abstratamente, procurando depois, nos dicionários, aqui e ali, com que encher
tal esboço. O que eu fiz me lembra aquela máquina que há nas ruas do Rio, que
serve para fazer algodão de açúcar. Vo a olha no começo e vê uma roda
girando, depois, uma nue nuvem de açúcar se vai concretizando em torno da
roda e termina por ser algodão. A imagem me serve para dizer isso: que
primeiro a roda, i, é, o trabalho de construção: o material que é a inspiração,
soprado pelo Espírito Santo, o humano etc. vem depois: é menos importante
e apenas existe para que o outro não fique rodando no vazio (prazer individual,
mas sem justificação social, imprescindível numa arte até que lida com coisa
essencialmente social, como a palavra.
30
Drummond escreve ao amigo Mário de Andrade em 1944:
(...) Mas para mim é de uma importância capital ter um leitor íntimo como
você, que ajuda a gente a ver claro e conserva aquela capacidade cruel e
carinhosa de meter o pau no que merece ser esculhambado. Há tanto elogio
28
LISPECTOR, Clarice. Correspondências. Teresa Montero (Org.). p. 41 - 42.
29
LISPECTOR, Clarice. Op. Cit. p.208.
30
Op. Cit. P. 182.
barato querendo perverter um pobre autor, que este precisa refugiar-se em
amigos leais. Você sabe que nossa crítica, em conjunto, é funcionalmente
inútil. O autor e o leitor ficam na mesma depois do rodapé. E a gente não pode,
sozinho, usar de toda energia consigo mesmo. Daí tantos contentamentos fáceis
e tanta auto-suficiência amoral que inutiliza a nossos literatos.
31
Entre outros teóricos, Roland Barthes diz que a maior quimera da literatura
como obra de arte é o alcance do real:
a segunda força da literatura é a sua força de representação. Desde os tempos
antigos até as tentativas das vanguardas, a literatura se afaina na representação
de alguma coisa: o real. O real que não é representável, somente demonstrável.
(...) Real e linguagem sem paralelismo produzem no homem afã de
representação pela linguagem: a literatura produto/processo desse derio
constante.
32
A literatura, na concepção barthesiana, tem a força de jogar com a linguagem,
desestabilizando as forças da trivialização e do senso comum, do digo utilizado pelo
senso comum. O jogo em que se engaja a literatura é o de envolver-se com o digo e
seus signos sem destruí-los. Nesse jogo, a literatura assume a capacidade de tirar o
poder da língua, tirando a vida da vida.
O formalismo russo, que aqui nos serve de base, é caracterizado por sua ênfase
no papel funcional dos dispositivos literários e sua concepção original de história
literária. Os formalistas russos defenderam um método científico‖ para estudar a
linguagem poética para a excluo das tradicionais abordagens psicológica e histórico-
cultural.
Dois princípios gerais fundamentam o estudo formalista de literatura: primeiro, a
literatura por ela mesma, ou especialmente, as características que a distinguem de outras
atividades humanas devem constituir o objeto de inquisição da teoria literária; segundo,
'fatos literários' têm de ser priorizados sobre os compromissos metasicos da crítica
literária.
Os formalistas concordaram sobre a natureza autônoma da linguagem poética e
sua especificidade como um objeto de estudo da crítica literária. Seu principal empenho
consistia em definir um conjunto de propriedades características da linguagem poética
(seja ela poesia ou prosa) que pudesse ser reconhecida por sua articidade‖ (artfulness)
e conseqüentemente assim analisá-la. A contribuição da Escola Formalista para nosso
estudo literário vem do fato de que ela se focou diretamente nos problemas básicos dos
31
SANTIAGO, Silviano (Org.). Carlos & Mário. P 536 - 537.
32
BARTHES: Aula. (s.l.), 1994.
Estudos Literários, primeiramente na especificidade de seu objeto, que ela (a Escola
Formalista) modificou para nós brasileiros, nossa concepção de trabalho literário e o
dividiu entre suas partes componentes, que ela abriu novas áreas para a investigação,
enriqueceu vastamente nosso conhecimento de tecnologia literária, ergueu as bases de
nossa pesquisa literária e de nossa teorização sobre literatura, influenciou, de certo
modo, na Europeização de nossos estudos literários. A poesia, antes uma esfera de
impressionismo desenfreado, tornou-se um objeto de análises científicas, um problema
concreto dos estudos literários.
Cabe aqui a citação de um precio muito importante e que ilustra bem essa
preocupação formal com a linguagem, apresentada pelos formalistas russos:
A Escrava que não é Isaura
A) Introdução (a <<Parábola>>):
―Começo por uma história. Quase parábola. (...) Vamos à história! / ... e Adão
viu lave tirar-lhe da costela um ser que os homens se obstinam em proclamar a
coisa mais perfeita da criação: Eva. Invejoso e macaco o primeiro homem
resolveu criar também. E como não soubesse ainda cirurgia para uma operação
tão interna quanto extraordinária tirou da ngua um outro ser. Era também
primeiro plágio! uma mulher. Humana, smica e bela. E para exemplo das
gerações futuras Adão colocou essa mulher nua e eterna no cume do Ararat‖
[Depois do pecado, Adão pôs-lhe a folha de parra: Caim: pôs-lhe um velocino
alvíssimo‖; os gregos deram-lhe o coturno; Oe romanos, o peplo] ―Os indianos,
pérolas; os persas, rosas; os chins, ventarolas‖. [Surge então o ―vagabundo
genial‖ e um ―chute de 20 anos naquela heterogênea rouparia‖.] ―Tudo
desapareceu por encanto. E o menino descobriu a mulher nua, angustiada,
ignara, falando por sons musicais, desconhecendo as novas línguas, selvagem,
áspera, livre, ingênua, sincera. / A escrava do Ararat chamava-se Poesia. / O
vagabundo genial era Arthur Rimbaud. / Essa mulher escandalosamente nua é
que os poetas modernistas se puseram a adorar...‖
33
Se compararmos esse prefácio com a concepção de arte, de literatura para os
formalistas, teremos uma perfeita conformidade, pois a escrava do prefácio, a Poesia
precisou ser limpa de todos os artifícios que haviam sido jogados nela, para então voltar
ao seu ser original, selvagem, como a palavra que se procura com cuidado, para despi-la
de seu significado engessado e dar-lhe outros muitos, possíveis, ou recuperar o seu
significado primeiro.
Os formalistas russos são responsáveis por uma renovação da metalinguagem
crítica, fornecendo novos termos de análise do texto literário, discutíveis
individualmente, sem dúvida, mas que constituem ainda hoje objeto de reflexão e
discussão, o que prova a sua importância. Muitos dos temas teóricos escolhidos para
33
In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. P 303.
investigação nunca antes haviam sido discutidos: as funções da linguagem, em
particular a relação entre a função emotiva e a função poética (Roman Jakobson), a
entoação como princípio constitutivo do verso (B. Eikhenbaum), a influência do metro,
da norma métrica, do ritmo quer na poesia quer na prosa (B. Tomachevski), a estrutura
do conto fantástico (V. Propp), a metodologia dos estudos literários (J. Tynianov), etc.
Para Bakhtin o poeta deve domar a língua.
O poeta é definido pelas idéias de uma linguagem única e de uma única
expressão, monologicamente fechada. Estas idéias são imanentes aos gêneros
poéticos com os quais ele trabalha. Isto determina os métodos de orientação do
poeta no seio de um plurilingüismo efetivo. O poeta deve possuir o domínio
completo e pessoal de sua linguagem, aceitar a total responsabilidade de todos
os seus aspectos e submetê-los todos às suas intenções e somente a elas. Cada
palavra deve exprimir de maneira espontânea e direta o desejo do poeta; não
deve existir nenhuma distância entre ele e suas palavras.
34
De entre os conceitos e discussões técnicas sobre terminologia literária, o de
realçar a noção de literariedade (o que faz com que um texto literário seja considerado
literário; de notar que os formalistas ignoraram as formas não literárias, servindo-se
apenas delas para mostrar precisamente que o que distingue um texto literário de um
o literário é a literariedade); o estranhamento, que Shklovsky define como a forma
que a arte tem de tornar estranhoaquilo que tem uma existência comum nascida de
um processo de automatização (processo que se confunde com a banalizão do objeto
de arte, que só por um outro processo de renovação poderá proceder a um renascimento
da arte); o predomínio da forma sobre o conteúdo do texto literário, porque é a forma
que determina verdadeiramente a literariedade; e as noções de fabula, como princípios
constitutivos do texto em prosa (a fabula é o material primitivo de onde nascerá a
narrativa, organizada em torno de uma trama, elemento puramente literário, que não se
confunde com a narração cronológica dos acontecimentos, mas é antes uma espécie de
estranhamento narrativo da fabula).
As forças convergentes e divergentes dentro do Formalismo Russo deram
ascensão para a Escola de Praga de Estruturalismo no meio da década de vinte e
proporcionaram um modelo para a asa literária do estruturalismo francês entre 1960 e
1970.
A literatura reconhece o quanto o poderosos os mecanismos de intercâmbio
social que se encontram no Estado, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos,
esportes, informações e relações familiares privadas, e, por sua força desrealizadora,
34
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética (A teoria do Romance). P 103.
logra alcançar o status de construtora de um outro sistema que diferentemente do senso
comum não oprime nem prende a todos numa rede de regras a serem obedecidas.
Assim, o texto literário dota-se da característica principal do aflorar da linguagem
contra as forças de representação que constituem o jogo de regras sociais
intercambiadas. A ngua na comunidade que a executa e, conseqüentemente, obedece
às suas regras, é nada mais que um teatro em que as máscaras escondem significados,
estabelecendo-se como significantes arbitrários do que não é. Assim, a literatura, como
prática de desrealização do real, tem por empresa libertar e desinstituir o mecanismo
deste simulacro social. Nessa função upica e contradiria de alcance e desrealização
do real, a literatura inscreve-se como faculdade humana de re-criação.
De fato, a capacidade de tornar visível ao mundo suas formas potenciais, própria
do fazer literário, e a faculdade de atuar, de criar nesse mesmo mundo novas formas
mais satisfatórias de vida, estão interligadas; por um lado, devem suas existências a uma
mesma fonte a imaginação. Por outro lado, repartem a singular tarefa de inserir no
espaço da convivência humana critérios e referências que, em si, ele não tem,
produzindo condições para um atento e não premeditado enfrentamento do homem com
a realidade do mundo que o cerca, sem que isso queira significar submeter-se
mansamente ao seu peso.
Rosa inseriu-se perfeitamente, com suas obras e suas preocupações literárias,
nesse projeto, que chamamos o projeto literário dos autores de 40, que trabalhavam seus
textos com muito rigor e cuidado, escrevendo e reescrevendo-os, lendo e relendo-os.
São pesquisadores, analistas, criadores à procura da forma certa.
A filosofia é a maldição do idioma.
Mata a poesia,
desde que não venha de Kierkegaard ou Unamuno,
mas então é metafísica.
João Guimarães Rosa “Diálogo com Guimarães Rosa” entrevista a Günter Lorenz,
janeiro de 1965.
2. PREFÁCIOS E OUTROS PARATEXTOS
Designam-se paratextos os enunciados, de extensão muito variável, que
enquadram um texto e que têm como função apresentá-lo, garantindo uma recepção
adequada. Exemplos: títulos; subtítulos; prefácios; posfácios; índices; homenagens;
entrevistas; conferências; discursos e pronunciamentos; correspondências; artigos de
crítica ou de autocrítica; estudos biográficos; etc.
Segundo definição em diciorio: “PREFÁCIO s. m. (lat. Praefatio). 1. Texto
preliminar no inicio de uma obra, destinado a explicá-la ou recomendá-la aos
leitores.”
35
.
Os paratextos são trabalhos que rodeiam o próprio texto, que o são a obra em
si, mas que ajudam grandemente a configurá-la e determiná-la em muitos sentidos: o
autor (manifeste-se este através do ortônimo, do pseudônimo ou esconda-se no
anonimato), os títulos (sejam estes temáticos ou remáticos, dito de outra maneira, que
aludam ao conteúdo ou ao gênero da obra), as dedicatórias (ocupem-se da encomenda a
alguém de reconhecido prestigio, do agradecimento aos financiadores da obra, da
lembrança de pessoas próximas ao autor ou do sublinhado de determinados símbolos
especiais para este), os prólogos (resultem ser estes autógrafos, autoriais ou alógrafos),
as advertências editoriais, enfim, são valiosas informações e demonstrações tiradas da
laboriosa prospecção sobre o texto e a sua importância sociolingüística para a
configuração do sistema literário e idiomático de um período. Por tal importância os
abordaremos aqui, mas dando sempre ênfase aos prefácios, nosso real objeto de estudo.
Genette considera os paratextos um campo de práticas cuja ação e eficácia são
ignoradas. Ignorados pelo público, que freqüentemente não os percebe; ignorados pelos
especialistas, que às vezes os consideram integrantes ligados estreitamente à obra que
acompanham, às vezes tratando-os em parte como simples documentos auxiliares. Ora,
o paratexto não é nem dentro nem fora: é um e o outro, está sobre o limiar, e é sobre
este viez que convém estudá-lo.
Os precios têm um valor de realização que se pode julgar autônomo, em
relação à obra em que eles se inserem, são, por vezes, determinadores autênticos de
como o autor realiza seus condicionamentos sicos para a efetivação da obra de arte.
Para manifestar seu grau de consciência literária, o autor recorre ao prefácio a fim de
35
Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural. Ed. Universo. São Paulo, 1992.
determinar: o conhecimento intencional depositado no material literário; o elenco de
técnicas aí atuantes; seus procedimentos práticos; sua função de realização no todo ou
em partes da obra.
Na Literatura, o prefácio pode se envolver com outras finalidades que o além
da simples tarefa de introduzir uma obra literária. Da simplicidade de sua função
tradicional o prefácio foge para outros rumos, chegando até mesmo a configurar-se
como síntese de um modo de conceber a arte literária. Isso deve ser destacado, tendo em
vista um desvio do tradicional comportamento retórico para um outro de feição
metapoética. Tal realce serve para consolidar uma idéia diferenciadora dos prefácios
puramente ornamentais e estes, que se propõem a funcionar como reveladores da
consciência artística do fazer poético, exercendo uma função a mais diante do texto
literário, querendo determinar um grau de conhecimento, de consciência técnica que o
autor possui.
A existência do prefácio na cultura ocidental remonta à arte rerica helênica. A
oratória grega o incluía como parte fundamental dos discursos que, vistos numa
perspectiva dicotômica, eram dispostos, canonicamente, em princípio e fim. Essa
disposição visava à ordenação do discurso em relação ao efeito que deveria suscitar nos
ouvintes.
A cultura grega determinava uma denominação à parte inicial de cada tipo de
arte. Assim, o proêmio precedia o canto (oimé) na poesia arcaica dos (aedos); o exórdio
precedia o discurso oral; o prólogo precedia a poesia dramática; o prelúdio precedia a
poesia rica, etc. ... Não importando, aqui, a riqueza de denominações, o que se salienta
é a finalidade desse discurso introdurio, ou seja: regrar, canonizar a inauguração ou a
introdução da arte a ser elaborada. Como disse Roland Barthes, essa finalidade existia
para evitar a espontaneidade no uso da palavra.
Aristóteles, na sua Arte Retórica (Livro III, cap. XIV), desenvolve uma primeira
teorização sobre o prefácio. Ao falar do exórdio, determina-lhe conceitos e funções que,
adaptando-se às medidas particulares, são transferíveis para todos esses ―discursos
introdurios‖.
Como conceito operacional, os prefácios são vistos por Aristóteles como
discursos demonstrativos‖ (III, § 1). Nesta noção cabe a metalinguagem aristotélica
que afirma serem os prefácios:
a. “...começos que, por assim dizer, abrem o caminho do que vai seguir”. (III, § 1);
b. “...cabeça ao discurso, que é uma espécie de corpo”. (III, § 8).
Genette, na revista Poétique faz uma análise dos prefácios.
Também na obra Seuils, prefácio, Genette denomina, genericamente, os textos
limítrofes, que o produzidos em função de um outro texto a que este precede ou
segue, sendo este último, o prólogo.
O autor cita uma lista de termos sinonímicos usados em língua francesa,
deixando clara então sua opção pelos termos prefácio e posfácio.
(...) introduction, avant-propos, prologue, note, notice, avis, présentation,
examen, préambule, avertissement, prélude, discours préliminaire, exorde,
avant-dire, proème et pour la postface: après-propos, aprè-dire, post-
scriptum, et autres.
36
P 150
Ele ainda nos explica a diferenciação feita entre introdução e prefácio, citando
Derrida em estudo sobre a introdução (Einleitung) para Hegel.
Derrida pretende esclarecer que no prefácio que precede um trabalho, um autor
explica, habitualmente, o objetivo a que se propôs, a ocasião que o levou a escrever e as
relações que ao seu parecer a sua obra apóia com os tratados precedentes ou
contemporâneos sobre o mesmo assunto. No caso de uma obra filosófica, um similar
esclarecimento parece o somente supérfluo mas ainda inoportuno e inadaptado à
natureza da investigação filosófica.
A introdução, por exemplo, não tem a mesma função nem a mesma dignidade do
prefácio no entender de Hegel, embora coloquem um problema análogo no seu relatório
ao corpus filofico da exposição. A Introdução tem uma relação mais sistemática,
menos histórica, menos circunstancial à lógica do livro. É único tráfico de problemas
arquitetônicos gerais e essenciais, apresentando o conceito geral nas divisões e em sua
auto-diferenciação. Os prefácios, pelo contrário, multiplicam-se de edição em edição e
têm em conta historicidade mais empírica.
Podemos observar essas noções das concepções de prefácios para quatro grandes
filósofos: Heidegger, Wittgenstein, Kierkgaard e Nietsche que compreendemos da
seguinte forma: o prefácio singular, diferente possui sempre um fundamento narcisista:
apagado nos prefácios de Heidegger, aparente nos de Wittgenstein, estoura sem
vergonha nos de Kierkgaard e, sobretudo, Nietsche. A diferença o é sem relação com
o estatuto da subjetividade de uns e de outros. Em Heidegger, a variedade diz-se muito
única através do pensador: somente o receptáculo que escuta é o mediador da palavra
fundadora. Em Wittgenstein, o exercício filosófico é concebido como uma disciplina
36
GENETTE, Gérard. Seuils. P 150.
lógica, rigorosa que faz abstrações das idiossincrasias subjetivas: onde as operações se
distanciam, no que diz respeito a ele mesmo, que se encontra nos seus prefácios.
Kierkgaard e Nietsche pelo contrário são caracterizados por uma suposição militante, ou
mesmo triunfalista, da subjetividade filosófica. O modelo do prefácio não é mais aqui a
sentença misteriosa nem exercício de destacamento, mas a confissão subjetiva: pode por
conseguinte tomar proporções consideráveis.
Genette nos fala ainda, que os prefácios costumavam ter suas páginas
enumeradas por algarismos romanos até meados do culo XVIII e que, atualmente o
recurso utilizado no prefácio para demarcá-lo é a letra em formato itálico.
O prefácio não é obrigatório e por isso há uma grande diversidade de sua
ocorrência ao longo das épocas, tradições literárias e gêneros utilizados pelos autores.
Genette traça um histórico dos prefácios. Ele chama de pré-história o período
que vai de Homero a Rabelais, do século XVI quando se deram as práticas mais
freqüentes de temas e procedimentos definidos para o prefácio.
Essa época é marcada pela presença do livro impresso, ou seja; a fase da criação
do livro. Mas o crítico não desconsidera a fase em que a oralidade predominava com o
teatro grego, quando o exórdio era um aviso sobre a natureza do texto destinado a
leitura pública característica precedente a apresentação escrita. O prólogo oral é um
apelo à calma e atenção do público antes do inicio da peça teatral em si.
Ainda, segundo Genette, Tito-Livio batizou o prefácio como conhecemos. Sua
História romana é escrita em primeira pessoa, característica do prefácio moderno.
As considerações atuais para com o prefácio filosófico, com todas as operações,
reencontram-se, e de maneira muito maciça na literatura, em que a prática do prefácio
tende a desaparecer, ou é desviada das suas funções tradicionais.
Sobre as epígrafes, Marielle Abrioux, tamm em artigo da revista Poétique,
entitulado Intertitres et épigraphes chez Stendhal‖ diz que os paratextos oferecem uma
comunicação direta com o leitor.
Para ela, esses textos, pouco numerosos, continuam rápidos e elusivos -, mas é
para adotar a estratégia do outro, o prefácio, que se pode imediatamente supor mais
oblíquo. Multiplica, justapõe de boa vontade os elementos mais curtos do paratexto
(epigrafes, dedicatórias, títulos internos de todas as espécies, notas), com uma
predileção para os que estão, no espaço do livro (títulos e epígrafes de capítulos, títulos
correntes variáveis, notas): uma gina impressa de Stendhal é freqüentemente bem
outra coisa que a única transcrição do texto linear nascido de uma improvisação oral.
Independente da forma impressa do livro, as epígrafes resistem às reedições e
mudam de intenção, sobretudo quando fazem comentários sobre o objeto em questão e
se unem, muitas vezes, à função que o tulo e o texto têm. No entanto, a estudiosa crê
que a epígrafe jamais se enquadra ao texto de forma sistemática; que não relação
maior que simplesmente o encabeçamento do texto e acompanhamento do título.
Paralelamente, a epígrafe pode fazer eco ao tulo corrente, desenvolvê-lo e de
alguma forma, justificá-lo como pode não ter com ele nenhum relatório manifesto: é,
por conseguinte uma peça a mais neste conjunto que acompanha o texto sem nunca se
organizar sistematicamente para enquadrá-lo.
Como dissemos no inicio deste trabalho, para manifestar seu grau de consciência
literária, o autor recorre ao prefácio a fim de determinar: o conhecimento intencional
depositado no material literário; o elenco de técnicas atuantes; seus procedimentos
práticos; sua função de realizão no todo ou em partes da obra.
A idéia que a palavra ―prefácio‖ transmite, pelo étimo a que se prende, pode não
coincidir com o uso que é dado à realidade que ele representa. O prefácio, (do latim =
praefatio) designaria aquilo que foi feito para introduzir algo que vem depois de si.
A denotação do termo ―prefácio se mantém para além dos séculos, sua
conotação, entretanto, torna-se adequada à medida do seu uso e das circunstâncias do
uso. Isto significa que o prefácio é aquilo que diz, não obstante se distinga das
circunstâncias do seu uso, tais como: nas áreas retórica, jurídica, monográfica,
dramática e literária.
No livro Henry James A Arte do Romance, o pesquisador Marcelo Pen fez uma
pesquisa sobre os prefácios do autor norte-americano Henry James, traduziu-os e, com a
ajuda de várias teorias de épocas diferentes, trabalhou a recepção e importância desses
prefácios.
Observamos que a teoria literária pouco estudou este paratexto, mas há algumas
considerações que foram feitas ao longo dos anos, como vimos, desde Aristóteles e que
pretendemos abordar levemente aqui, para então vermos como a construção de prefácios
pode ser útil aos críticos, aos leitores, aos escritores e ao próprio autor, e como ele pode
trazer em si um apanhado de reflexões técnicas feitas pelo autor. Assim, resumimos, a
seguir, o apanhado feito pelo pesquisador Marcelo Pen, na já citada obra.
Para o teórico Goetz o prefácio é como um tratado autônomo de critica literária.
Os prefácios de James têm além de um caráter crítico um tom memorialista. James
revisitou sua obra para então escrever seus prefácios e compi-la.
O crítico Richard Blackmur tende a apreciar os prefácios como um vade-mécum
ou seja, um ensaio critico com interesse e existência dissociados da obra, mas que
constituem obra de referência sobre os aspectos técnicos da arte da ficção. Essa
concepção sobressaiu até meados da década de 50.
Em 1961 Wayne Booth afirmou que os prefácios não apresentam uma simples
visão normativa do que deve ser ou não feito em termos de ficção, portanto não seriam
apenas um amontoado de queses técnicas, mas ensaios sobre temas extremamente
variados.
Finalmente, críticos mais atuais como John Carlos Rowe, John H. Pearson e
David McWhirter consideram os prefácios de Henry James, especificamente,
indissociáveis de sua obra.
No caso do autor Henry James, o contexto, a voz autoral, a intenção pragmática
e o projeto mais amplo em que os prefácios estavam inseridos são a compilação: a
Edição de Nova York. Tais prefácios foram escritos para explicar a obra.
(...) a casa da ficção não tem uma, mas um milhão de janelas ou melhor, um
número incalculável de possíveis janelas. Cada uma foi aberta, ou pode ser
aberta, na vasta fachada, pela urgência de uma visão individual ou pela pressão
de uma vontade própria. Como essas aberturas, de tamanho e formatos
variáveis, debruçam-se sobre a cena humana, seria de esperar que nos
fornecessem uma maior semelhança informativa do que a encontrada. Quando
muito, não passam de janelas, meros buracos numa parede inerte, desconexos,
a sobranceiro. Não são como portas com dobradiças abrindo-se diretamente
para a vida.
(...) O campo extenso, a cena humana, é a ―escolha do assunto‖; a abertura
perfurada, seja ela ampla, com sacada, ou estreita e de mau gosto, é a ―forma
literária‖; mas elas nada significam, juntas ou isoladamente, sem a presença
alerta do observador em outras palavras, sem a consciência do artista.
37
A essa altura lembremo-nos do artista tornado leitor. É nesse ponto que James é
memorialista e Rosa é crítico de si mesmo. Por isso o trabalho de revisão, releitura que
Rosa propõe. Uma releitura muitas vezes, por ele idealizada. Em Tutaméia essa releitura
é inclusive recomendada ao leitor no segundo índice, chamado Índice de Releitura‖. O
autor faz essa revisão de toda a sua obra, mas sem passar por cada livro, por cada esria
como fez James.
Nos prefácios ocorre uma re-apropriação da obra.
Vemos, de modo geral, pelo que percebemos nos estudos encontrados, três
possibilidades de ver os prefácios. A primeira, como uma teoria geral do romance ou
um tratado aunomo de teoria literária. A segunda considera o prefácio como
37
In: PEN, Marcelo. Op. Cit. P 160 - 161.
instrumento de análise dos romances e contos por ele apresentados seriam
comentários ou reflexões posteriores à obra. A terceira toma-os como um trabalho
literário independente.
Propomos que se vejam os prefácios literários, não como trabalho independente,
mas também como um trabalho de análise da obra, como são os prefácios de Tutaméia.
Percebemos, no entanto, que as várias possibilidades de concepção e recepção
dos prefácios vão além das três apontadas. Atualmente, por exemplo, temos prefácios
escritos para uma obra por outra pessoa que não o autor, ou a ausência de prefácios, ou
o prefácio nomeado de introdução ou apresentação, entre outros termos. Tais formas de
prefácio poderiam se aliar à classificação acima, colaborando com a teorização sobre os
paratextos.
São muitas as dificuldades de se trabalhar com um objeto de tão amplo
entendimento por parte de leitores, autores, editores e críticos literários.
O próprio Henry James disse sobre os prefácios:
Eles são em geral uma espécie de apelo à Critica, ao Discernimento, em linhas
que não sejam incipientes algo contra a ausência geral dessas coisas no
mundo anglo-saxão (...) Reunidos, eles devem, todavia, formar um tipo de
manual abrangente ou vade-mécum para os aspirantes em nossa árdua
profissão.
38
Em nossa concepção, como já apontamos anteriormente, prefácios podem ser
o apenas ensaios, transmissores de conhecimento, mas também peças literárias
como são os prefácios de Rosa.
Queria,o queria, queria ter saudade. Não ri. Ele era um meu personagem:
conseguia-se presente o Rão no orbe transcendente. Àqueles vindo alienos
Cantares La balade des trente brigads ou La femme du roulier em fortes
névoas Les temps des crises todos não sabemos que estamos com saudades
uns dos outros. Voevita o espirrar e mexer da realidade, então foge-não-
foge... ele disse, um pouquinho piscava, me escrutava, seu dedo de leve a
rabiscar a mesa, linhas de bel-escrita alguma coisa, necessária, enquanto. Eu
era personagem dele! Vai, finiu, mezza voce, singelo como um fundo de copo
ou coração: - Agora, juntos, vamos fazer um certo livro? Tudo nem estava
concluído, nunca, erro, recomeço, reerro, concordei, o centro do problema,
até que a morte da gente venha à tona.
39
A possibilidade que escolhemos aqui, por falta de uma orientação já definida
pela Teoria da Literatura, foi a apontada de que um prefácio pode ser um texto
também literário, além de crítico sobre a obra, mas nunca um texto dissociado da obra
que ele introduz, seja ela um conto, um romance ou obra poética neste caso o prefácio
38
PEN, Marcelo. Henry James A Arte do Romance. P 33.
39
In: Tutaméia Terceiras Estórias. P 211.
acaba por tomar valor de arte poética, como são os prefácios por nós estudados os de
Tutaméia, que são uma análise a toda a obra do autor o sua arte poética.
2.1. EVOLUÇÃO
40
DOS PREFÁCIOS NA LITERATURA BRASILEIRA
Em nosso estudo, sofremos com a falta de material bibliográfico que satisfizesse
as necessidades de um estudo mais aprofundado sobre paratextos, principalmente sobre
os prefácios, especificamente. Desta forma, chegamos neste momento a hiteses que
talvez venhamos a refutar ou ampliar quando de uma pesquisa mais extensa, que
disponha de prazo mais dilatado. Pretendemos com esse breve passeio pelos prefácios
da Literatura Brasileira, abrir espaço para novas pesquisas e satisfazer uma necessidade
mínima de nosso trabalho: encaixá-los no tempo e no espaço e observar sua
importância, minimamente, no decorrer de sua existência.
Nossa busca por prefácios literários fez-se necessária para a melhor
determinação e compreensão da função dos prefácios de Tutaméia.
Durante a busca em textos de diversos momentos da tradição literária,
percebemos que a partir do Romantismo essa prática se fez constante, e,
curiosamente, parece-nos ter surgido da necessidade do próprio autor em revelar ou
explicar algo sobre a obra a ser lançada e a estética a ser adotada. Claro, temos a
questão dos romances de folhetins, que não eram ainda livros, mas mesmo durante as
publicações folhetinescas os prefácios, ou um germe deles já existia. Lembremo-nos de
Alencar, por exemplo, apresentando à sua prima ―um perfil de mulher‖. Na obra Diva
(1864)
A
G.M.
Envio-lhe outro perfil de mulher, tirado ao vivo, como o primeiro.
Deste, a senhora pode sem escrúpulo permitir a leitura à sua neta. É natural que
deseje conhecer a origem deste livro; previno pois sua pergunta. Foi em março
de 1856. Havia dois meses que eu tinha perdido a minha Lúcia; ela enchera
tanto a vida para mim, que partindo-se deixou-me isolado neste mundo
indiferente. Senti a necessidade de dar ao calor da família uma nova têmpera à
minha alma usada pela dor.
41
O recurso utilizado acima, de fingir que a história é verdadeira ou que foi a ele
entregue não era inédito. O autor já o havia utilizado. Em Cinco Minutos (1856) e em A
Viuvinha (1857), por exemplo:
40
O termo ―evolução‖ foi, aqui utilizado, apenas para dar um idéia do avanço temporal da utilização de
prefácios na Historiografia Literária Brasileira.
41
ALENCAR, José de. Diva. P10.
A
D...
I
É uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima. Mas é uma história e
não um romance.
Há mais de dois anos, seriam seis horas da tarde, dirigi-me ao Rocio para tomar
o ônibus de Andaraí.
Sabe que sou o homem menos pontual que neste mundo; entre os meus
imensos defeitos e as minhas poucas qualidades,o conto a pontualidade, essa
virtude dos reis e esse mau costume dos ingleses.
Entusiasta da liberdade, não posso admitir de modo algum que um homem se
escravize ao seu relógio e regule as suas ações pelo movimento de uma
pequena agulha de aço ou pelas oscilações de uma pêndula.
Tudo isto quer dizer que, chegando ao Rocio, o vi mais ônibus algum; o
empregado a quem me dirigi respondeu :
-- Partiu cinco minutos.
42
/
Janeiro de 1857.
I
Se passasse dez anos pela praia da Glória, minha prima, antes que as novas
ruas que abriram tivessem dado um ar de cidade às lindas encostas do morro de
Santa Teresa, veria de longe sorrir-lhe entre o arvoredo, na quebrada da
montanha, uma casinha de quatro janelas com um pequeno jardim na frente.
Ao cair da tarde, havia de descobrir na última, das janelas o vulto gracioso de
uma menina que aí se conservava ivel até seis horas, e que, retirando-se
ligeiramente, vinha pela portinha do jardim encontrar-se com um moço que
subia a ladeira e oferecer-lhe modestamente a fronte, onde ele pousava um
beijo de amor tão casto que parecia antes um beijo de pai. Depois, com as mãos
entrelaçadas, iam ambos sentar-se a um canto do jardim, onde a sombra era
mais espessa, e aí conversavam baixinho um tempo esquecido; ouvia-se apenas
O doce murmúrio das vozes, interrompidas por esses momentos de silêncio em
que a alma emudece, por não achar no vocábulo humano outra linguagem que
melhor a exprima.
43
Tal recurso, o de apoio em argumento de autoridade foi muito utilizado durante
o Romantismo brasileiro, e continua até hoje. Atualmente, muitas obras se mostram
baseadas em manuscritos milenares encontrados, em histórias que são endereçadas a
alguém ou até mesmo que foram, segundo o autor, a ele entregues para que fossem
publicadas. É o caso, por exemplo, da obra A Casa dos Budas Ditosos (1998) de João
Ubaldo Ribeiro em que o autor, numa espécie de prefácio sem nome nos fala:
No final do ano passado, depois que alguns jornais noticiaram que a editora
responsável por essa publicação me havia encomendado um texto sobre o
pecado da luxúria, os originais deste livro e o recorte da nota de um dos jornais
em questão foram entregues por um desconhecido ao porteiro do edifício onde
42
ALENCAR, José de. Cinco Minutos. p 7.
43
ALENCAR, José de. A Viuvinha. P 81.
trabalho, acompanhados de um bilhete assinado pelas iniciais CLB. Informava
que se trata de um relato verídico, no qual apenas a maior parte dos nomes das
pessoas citadas foi mudada, e que sua autora é uma mulher de 68 anos, nascida
na Bahia e residente no Rio de Janeiro. Autorizava que os publicasse como
obra minha, embora preferisse que eu lhes revelasse a verdadeira origem. ―Não
por vaidade‖, escreveu ela, pois aas iniciais abaixo podem ser falsas. Mas
porque é irresistível deixar as pessoas sem saber no que acreditar‖. Assim foi
feito, e com justa razão, como o leitor haverá de constatar, após o exame deste
depoimento espantoso.
44
Destacamos aqui, que estamos nos referindo à literatura brasileira. Sabemos que
na literatura européia há inúmeros outros exemplos como O Nome da Rosa de Umberto
Eco, mas que não serão abordados nesse estudo.
Com o passar do tempo e com a compilação dos capítulos dos folhetins,
prefácios e posfácios, também, se fizeram presentes e parecem, como já dito
anteriormente, ter surgido da necessidade de o autor explicar algo sobre o projeto
estético no qual sua obra está inscrita, ou seja: m, naturalmente, uma função
metapoética, como os de Tutaméia, que explicam mais do que os 40 contos, toda a obra
de Guimarães Rosa. Lembremo-nos novamente de Alencar, que em rias de suas obras
explicou questões de linguagem e estilo a seus leitores.
A prática dos prefácios foi intensa durante o Romantismo e o Realismo,
fazendo-se presente como dissemos até os dias de hoje, mas com menos intensidade e
com características muito diferentes. Hoje, por exemplo, é mais comum encontrarmos
prefácios escritos pelo editor do que pelo próprio autor da obra literária, ou seja;
funcionam como apresentações. Vemos ainda uma grande ausência de prefácios, como
temos exemplo na obra Benjamim de Chico Buarque de Holanda, de 1995, que traz
apenas as orelhas do livro com uma breve explicão do enredo. o prefácio nem
epílogo. Tal questão será trabalhada mais adiante.
Como dissemos, está por ser aprofundado um estudo dedicado à análise dos
prefácios metapoéticos na literatura brasileira.
Em realidade, os textos que falam dos textos, sob formulação teórica, não são
enquadrados como literários, mas como textos críticos, como é o caso, no Brasil, dos
ensaios de João Cabral de Melo Neto, que visam à forma de juízo ou mesmo de
antecipação daquilo que representa o modo de criação do autor. Vários foram os autores
que dignificaram suas obras com textos que serviam de apoio ao entendimento dos seus
textos literários. O já mencionado José de Alencar é um deles. Pelo fato de não serem
44
RIBEIRO, João Ubaldo. A Casa dos Budas Ditosos. p 10.
considerados literários, esses textos foram utilizados apenas para exercer um papel
auxiliar à literatura desses escritores. Assim, os prefácios deveriam sugerir uma
formulação estruturada e fundamentada num padrão que demarcasse seu modo de ser,
com uma tessitura que fosse homogênea, sistematizada e de um claro objetivo, como
nos precios monográficos. Mas, os prefácios - como linguagens que são - podem
surpreender por aquilo que o autor queira apresentar de criativo. Seja inovando seu
tradicional objetivo, fugindo do lugar comum das rotineiras apresentações, ou deixando
de lado as meras explicações de temas, o prefácio pode se constituir num texto de
estimado valor literário, não obstante o rótulo de não-literário. A verdade é que, se
realmente são linguagens poéticas, a eles tudo pode acontecer, como aos textos
literários.
Considere-se que, na Literatura Brasileira, um grande número de prefácios
que seguem a vários propósitos de apresentação, explicação criativa, servindo de painel
de controle para os leitores, ou funcionando como metalinguagem daquilo que os textos
literários expressam na especificidade de sua linguagem. Pode-se também considerar
que a inauguração de novos estilos literários, no Brasil, seguiu a tradição, apresentando
textos que servissem de plataforma ao fato novo que se introduzia na literatura.
Do Barroco colonial às várias vanguardas da atualidade, o prefácio tem sido uma
forma de testemunhar o fazer literário do autor ou da literatura então proposta. Tais
textos compreendem elementos de uma poética literária. São, portanto poéticas de
certos autores, ou grupo de autores, ou ainda, poéticas de uma época literária. Por esses
prefácios pode-se observar a evolução da arte literária na sociedade, examinando o
modo como esta se torna mais consciente para os autores, num ajuste da literatura à
história das idéias.
Para uma rápida amostra desse fenômeno, recolhemos prefácios do Barroco
colonial ao Modernismo, que evidenciam essa mudança de concepção literária.
Considerando o primeiro livro impresso de autor nascido no Brasil,
encontramos no prefácio de Música do Parnaso (1705), de Manuel Botelho de Oliveira,
a concepção da arte doada pelo colonizador. Uma posição que reflete a contribuição
tradicional que herdara das idéias da época, procedentes do mundo europeu. Diz o autor,
em sua dedicatória/prefácio:
Nesta America, inculta habitação antiguamente de Barbaros Indios, mal se
podia esperar que as mulas se fizessem Brasileyras com tudo quizerão também
passarse a este Emporio, aonde como a doçura do açúcar He tão sympathca
com a suavidade do seu canto, acharão muitos engenhos, que imitado aos
Poetas de Italia, & Hespanha, se applicassem a tão discreto entretenim~eto,
para que se não queyxasse esta ultima parte do Mundo, que assim como Apollo
lhe comunica os rayos para os dias, lhe negasse as luzes para os entendimentos.
Ao meu, posto que inferior aos que é tão fértil este país, ditaram as Musas as
presentes rimas, que me resolvi expor à publicidade de todos, para ao menos
ser o primeiro filho do Brasil, que faça pública a suavidade do metro, que o
não sou em merecer outros maiores créditos na Poesia.
45
E no Prólogo ao leitor o autor explica a obra.
Estas rimas, que em quatro línguas estão compostas, ofereço neste lugar, para
que se entenda que pode hua Musa cantar com diversas vozes. No principio
celebra-se huma Dama com o nome de Anarda, estilo antigo de alguns Poetas,
porque melhor se exprimem os afetos amorosos com experncias próprias.
(...) Com o titulo de Musica do Parnaso se quer publicar o mundo: por porque a
Poesia não he mais que hum cato Poetico, ligando-se as vozes com ertas
medidas para consonância do metro.
46
O poemeto Prosopopéia de Bento Teixeira, foi publicado antes, em 1601,
também em Lisboa e traz, como Música do Parnaso, uma dedicatória de entrada, mas
o um prólogo, assim denominado, como encontramos no livro de Botelho de Oliveira.
No Arcadismo, as Obras (1768) de Cláudio Manuel da Costa são publicadas
com um ―prólogo ao leitor‖, onde o poeta comenta que a distância da Pátria prejudicara,
talvez, o tratamento com as Musas. Desculpa-se junto ao leitor por achar que: “o gênio
me fez propender mais para o sublime”.
47
Em relão à produção literária do período arcádico percebemos que havia
uma consciência sobre a tradição literária que se formava e que vinha de Portugal.
(...) embora o tenha havido entre nós, na segunda metade do século XVIII e
inicio do XIX, uma ―vida intelectual‖ como hoje a concebemos (e como havia
nos paises cultos), houve sem dúvida uma presença de escritores de talento,
vivendo aqui ou em Portugal, adquirindo consciência do papel que deviam
exercer na pátria e formando as bases de certa tradição, que deu aos sucessores
a iia de continuidade do seu esforço, tão importante no desenvolvimento de
uma literatura.
Por isso, é com eles que ganha corpo a consciência manifestada por
Manuel Botelho de Oliveira, no prefácio à Musica do Parnaso, isto é, a
consciência de ser um escritor brasileiro que, ao criar, promove a sua terra ao
nível das nões civilizadas. No fim do período arcádico, isso se torna
verdadeiro senso de missão, misturando-se ao incremento do senso de
autonomia política. E assim é que, se os escritores, no momento em que
viveram, não chegaram a constituir presença atuante sobre a sociedade, vistos
na perspectiva da história formam um bloco de realizadores, que à vida
intelectual do tempo uma riqueza antes inexistente; e que nos parece
45
OLIVEIRA, Manuel Botelho de. Música do Parnaso. Edição Fac-Simlar, 1705 2005. Ivan Teixeira
(org.). p. 4.
46
OLIVEIRA, Manuel Botelho de. Op. Cit.
47
CANDIDO, Antonio & CASTELLO. Presença da Literatura Brasileira História e Antologia. 1. Das
origens ao realismo. p 87.
desempenhar o papel de integrar o país na civilidade do Ocidente, ao exercer
aqui as atividades da intelincia.
48
Um passo à frente nessa conscientização do fazer poético, embora com suas
contradições, encontra-se no prefácio de Suspiros poéticos e saudades - (1836), de
Gonçalves de Magalhães. Nele estão presentes o caráter reformista e a proclamação do
momento, em detrimento do passado classicista.
Magalhães se conscientiza do uso de termos estrangeiros na ngua portuguesa e
observa que “as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização e das
ciências, e uma nova idéia pede um novo Termo”.
49
era, portanto, uma concepção
moderna, em relação ao clássico e ao neoclássico. Na chamada advertência ―LEDE‖ do
citado livro de poemas o autor traça um verdadeiro ―manifesto‖, defendendo como a
poesia deve ser trabalhada.
LEDE
Pede o uso que se dê um prólogo ao Livro, como um pórtico ao
edifício; e como este deve indicar por sua construção a que Divindade se
consagra o templo, assim deve aquele designar o caráter da obra. Santo uso de
que nos aproveitamos para desvanecer alguns preconceitos, que talvez contra
este Livro se elevem em alguns espíritos apoucados.
(...) São poesias de um peregrino, variadas como as cenas da Natureza, diversas
como as fases da vida, mas que se harmonizam pela unidade do pensamento, e
se ligam como os anéis de uma cadeia; poesias da alma e do coração, e que só
pela alma e o coração devem ser julgadas.
O fim deste Livro, ao menos aquele a que nos propusemos, que
ignoramos se o atingimos, é o de elevar a Poesia à sublime fonte donde ela
emana, como o eflúvio d‘água, que da rocha se precipita, e ao seu cume
remonta, ou como a reflexão da luz ao corpo luminoso; vingar ao mesmo
tempo a Poesia das profanações do vulgo, indicando apenas no Brasil uma
nova estrada aos futuros engenhos.
50
A concepção artística do Romantismo ainda não tinha evoluído no verdadeiro
sentido da técnica. Entretanto, em Gonçalves Dias, nota-se uma consciência maior. Os
Primeiros Cantos (1846) vêm prefaciado pelo autor que se autodetermina a
menosprezar as regras convencionais e adotar todos os ritmos da‖ metrificação
portuguesa, usando-a de forma a encaixar-se em suas necessidades de expressão.
Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero
que não serão as últimas.
48
CANDIDO, Antonio & CASTELLO. Op. Cit. Pág. 85.
49
CANDIDO, Antonio & CASTELLO. Op. Cit. Pág. 171.
50
GONÇALVE DE MAGALHÃES, Domingos José. Suspiros poéticos e saudades. P 39 - 41.
Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de
mera convenção; adotei todos os ritmos da metrificação portuguesa, e usei
deles como me parecem quadrar melhor com o que eu pretendia exprimir.
51
Em Alencar, como já foi dito, tal consciência é expressa ricamente. O processo
de emancipação - que implicava a criação de uma nova cultura - teve na língua um
instrumento privilegiado de luta política. Nele destaca-se José de Alencar. Em suas
obras, o romancista utiliza a língua portuguesa na modalidade que vai chamar dialeto
brasileiro‖, conceito que o autor vai tentar, exaustivamente, explicar e legitimar ao
longo de inúmeros prefácios, sfácios, folhetins de jornais e revistas e em sua
correspondência particular.
Alencar, tal como Mário de Andrade era um militante de sua arte, e dela fazia
proselitismo. No prefácio de Iracema nos diz como imagina encontrar seu leitor a ler o
livro. É curioso observarmos que, ao terminar esse do prefácio, ele se diz avesso aos
prólogos, justamente num prólogo e tendo feito uso de tantos paratextos como o fez em
toda sua obra.
Meu amigo
Êste livro o vai naturalmente encontrar no seu pitoresco sítio da
várzea, no doce lar a que povoa a numerosa prole, alegria e esperança do casal.
(...)
Abra então este livrinho, que lhe chega da corte imprevisto. Percorra
suas páginas para desenfastiar o espírito das coisas graves que o trazem
ocupado.
Talvez me desvaneça amor do ninho, ou se iludam as reminiscências
da infância avivadas recentemente. Se não, creio que, ao abrir o pequeno
volume, sentirá uma onda do mesmo aroma silvestre e bravio que lhe vem da
várzea. Derrama-o a brisa que perpassou os espatos da carnaúba e a ramagem
das aroeiras em flor.
Essa onda é a inspiração da pátria que volve a ela, agora e sempre,
como volve de contínuo o olhar do infante para o materno semblante que lhe
sorri.
O livro é cearense. Foi imaginado aí, na limpidez dêsse céu de
cristalino azul, e depois vazado no coração cheio das recordações vivazes de
uma imaginação virgem. Escrevi-o para ser lido lá, na varanda da casa rústica
ou na fresca sombra do pomar, ao doce embalo da rêde entre os múrmuros do
vento que crepita na areia ou farfalha nas palmas dos coqueiros.
(...)
Acolha, pois, esta primeira mostra para oferecê-la a nossos patrícios a
quem é dedicada.
(...)
Muita coisa me ocorre dizer sobre o assunto, que talvez devera
antecipar à leitura da obra, para prevenir a surprêsa de alguns e responder às
observações de outros.
Mas sempre fui avesso aos prólogos; em meu conceito êles fazem à
obra o mesmo que o ssaro à fruta antes de colhida; roubam as primícias do
sabor literário. Por isso me reservo para depois.
Na última página me encontrará de novo; então conversaremos a
gôsto, em mais liberdade do que teríamos neste pórtico do livro, onde a
51
CANDIDO, Antonio & CASTELLO. Op. Cit. Pág. 179.
etiquêta manda receber o público com a gravidade e reverência devida a tão
alto senhor.
52
No pós-escrito à segunda edição de Diva, em 1865, diz o escritor: Entendo que
sendo a língua instrumento do espírito, não pode ficar estacionária quando este se
desenvolve”
53
. Língua e nacionalismo são temas ali abordados, sendo o autor enfático
ao expor sua idéia de que a cada povo corresponde uma maneira própria de ser e de
falar. Ignorá-lo é ignorar a História, é desprezar a evidência do progresso e da
diferenciação existente em cada povo.
Podemos considerar os prefácios de obras como Diva e Lucíola, tais como os de
Henry James, ―indissociáveis da obra‖, uma vez que escritos pelo narrador pessoa
ficcional‖ desses livros e não pelo autor ―pessoa real‖.
No prefácio de Ubirajara, advogando em prol dos índios, Alencar mostra-se
revoltado com o preconceito com que os intelectuais da época viam os indígenas.
Advertência
Este livro é irmão de Iracema.
Chamei-lhe de lenda como ao outro. Nenhum título responde melhor
pela propriedade, como pela modéstia, às tradições da pátria indígena.
Quem por desfastio percorrer estas páginas, se não tiver estudado com
alma brasileira o berço de nossa nacionalidade, há de estranhar entre outras
coisas a magnanimidade que ressumbra no drama selvagem a formar-lhe o
vigoroso relevo.
Como admitir que bárbaros, quais nos pintaram os indígenas, brutos e
canibais, antes feras que homens, fossem suscetíveis desses brios nativos que
realçam a dignidade do rei da criação?
Os historiadores, cronistas e viajantes da primeira época, senão de
todo o período colonial, devem ser lidos à luz de uma crítica severa. É
indispensável sobretudo escoimar os fatos comprovados, das fábulas a que
serviam de mote, e das apreciações a que os sujeitavam espíritos acanhados,
por demais imbuídos de uma intolerância ríspida.
Homens cultos, filhos de uma sociedade velha e curtida por longo
trato de séculos, queriam esses forasteiros achar nos indígenas de um mundo
novo e segregado da civilização universal uma perfeita conformidade de idéias
e costumes. Não se lembravam, ou não sabiam, que ele mesmos provinham de
bárbaros ainda mais ferozes e grosseiros do que os selvagens americanos.
Desta prevenção não escaparam muitas vezes espíritos graves e
bastante ilustrados para escreverem a hisria sob um ponto de vista mais largo
e filosófico.
(...) As coisa mais poéticas, os traços mais generosos e cavalheirescos
do caráter dos selvagens, os sentimentos mais nobres desses filhos da natureza
são deturpados por uma linguagem imprópria, quando não acontece lançarem à
conta dos indígenas as extravagâncias de uma imaginação desbragada.
Revela ainda notar que duas classes de homens forneciam informações
acerca dos indígenas: a dos missionários e a dos aventureiros. Em luta uma
com outra, ambas se achavam de acordo nesse ponto, de figurarem os
selvagens como feras humanas. Os missionários encareciam assim a
52
ALENCAR, José de. Iracema. p7- 9.
53
ALENCAR, José de. Diva. p. 87.
importância da sua catequese; os aventureiros buscavam justificar-se da
crueldade com que tratavam os índios.
Faço estas advertências para que ao lerem as palavras textuais dos
cronistas citados nas notas seguintes não se deixem impressionar por suas
apreciações muitas vezes ridículas. É indispensável escoimar o fato dos
comentos de que vem acompanhado, para fazer uma idéia exata dos costumes e
índole dos selvagens.
54
Na segunda edição de Iracema, cinco anos depois, 1870, no posfácio, o escritor
defende que, no romance-poema, o tupi-guarani tem um peso quase tão grande quanto o
português, que o obrigou a recorrer a infindáveis notas de de página.
Sua justificativa é a de que quando povos de uma ra habitam a mesma região,
a independência potica só por si forma sua individualidade. Mas se esses povos vivem
em continentes distintos, sob climas diferentes, não se rompem unicamente os vínculos
políticos, opera-se, também, a separação nas idéias, nos sentimentos, nos costumes e,
portanto, na língua, que é expressão desses fatos morais e sociais.
Dois anos depois, no prefácio a Sonhos d‟Ouro, em 1872, Alencar reenfatiza a
idéia da ngua e da literatura como armas políticas:
(...) a literatura nacional que outra coisa é senão a alma da pátria, que
transmigrou para este solo virgem com uma raça ilustre, aqui impregnou-se
da seiva americana desta terra que lhe serviu de regaço; e a cada dia se
enriquece ao contato de outros povos e ao influxo da civilização? (...)
Sobretudo compreendam os críticos a missão dos poetas, escritores e artistas,
nesse período especial e ambíguo da formação de uma nacionalidade. São
estes os operários incumbidos de polir o talhe e as feições da individualidade
que se vai esboçando no viver do povo.
55
Alencar tinha, portanto, perfeita consciência política de dois fatos; de que a
língua é instrumento ideológico e que os brasileiros deviam usá-la em seu projeto de
autocriação histórica, literária, política e cultural. Assim como Rosa dizia que a ngua
era a arma com que defendia a dignidade do homem.
Álvares de Azevedo, na obra Lira dos vinte anos, dividida em três partes, duas
delas com precios, adverte ao leitor, no segundo prefácio, que abre a segunda parte
sobre a natureza do que está ali escrito, inclusive sobre a inutilidade do prefácio que se
está a ler.
Há uma crise nos culos como nos homens. É quando a poesia cegou
deslumbrada de fitar-se no misticismo, e caiu do céu sentindo exaustas as suas
asas de oiro.
Agora basta.
54
ALENCAR, José de. Ubirajara. P 27-29.
55
ALENCAR, José de. Sonhos d´Ouro. p. 9 - 11.
Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesse essas páginas,
destinadas a não ser lidas. Deus me perdoe! assim é tudo! até os prefácios!
56
Antecipa-se, assim a uma posição modernista - veremos Mario de Andrade
chamar de inútil o Prefácio Interessantíssimo de Paulicéia Desvairada. Além disso, o
fato de aparecerem dois prefácios em Lira dos Vinte Anos é também uma inovação, que
nos leva a pensar porque o autor teria se utilizado de dois prefácios e não apenas um, ou
até mesmo de três, já que três são as partes do livro.
Assim comparemos os dois prefácios:
Prefácio 1
São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As
primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor.
É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma
coroa de folhas, mas sem viço.
Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que
agitava um sonho, notas que o vento levou - como isso dou a lume essas
harmonias.
São as páginas despedaçadas de um livroo lido...
E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu
amor e da minha solidão, agora que ela vai seminua e tímida, por entre s,
derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu coração, ó meus amigos,
recebei-a no peito e amai-a como o consolo, que foi, de uma alma esperançosa,
que depunha fé na poesia e no amor - esses dois raios luminosos do coração de
Deus.
57
O primeiro prefácio traz a marca da tradição, o autor pretende introduzir a obra.
Prefácio 2
Cuidado, leitor, ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num
mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde
Sancho é rei e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o
Sganarello de D. João Tenório: - a pátria dos sonhos de Cervantes e
Shakespeare.
Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa
binomia: - duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou
menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão
mais novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fasbionable
desde Werther até René.
(...)
Há uma crise nos séculos como nos homens. É quando a poesia cegou
deslumbrada de fitar-se no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas
asas de oiro.
O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem: Homo sum, como
dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as
belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias - isto
56
AZEVEDO, Álvares. Lira dos vinte anos. p 120 - 121.
57
AZEVEDO, Álvares. Op. Cit. P. 11.
é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o
que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito
prosaicos, não há poesia.
O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a alma
ainda trêmula e ressoante da febre do sangue, a alma que ama e canta, porque
sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o poema dos amores da vida
real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita
natureza, e que sem ser obsceno pode ser erótico, sem ser monótono. Digam e
creiam o que quiserem: - todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto
como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos.
O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo,
brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra. A poesia puríssima banha
com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua.
Depois a doença da vida, que não ao mundo objetivo cores tão
azuladas como o nome britânico de blue devils, descarna e injeta de fel cada
vez mais o coração. Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa,
vem atira que morde.
É assim. Depois dos poemas épicos, Homero escreveu o poema
irônico. Goethe depois de Werther criou o Faust. Depois de Parisina e o Giaour
de Byron vem o Cain e Don Juan - Don Juan que começa como Cain pelo amor
e acaba como ele pela descrença venenosa e sarcástica.
Agora basta.
Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesses essas
páginas, destinadas a não serem lidas. Deus me perdoe! assim é tudo!... até
prefácios!
58
No segundo prefácio, o autor fala de um mundo novo, um ―binômio‖, e faz uma
confissão poética, ele se revela humano, e fala das “duas almas que moram nas
cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro,
verdadeira medalha de duas faces”.
O autor passa a considerar a obra, a partir desse ponto, um tanto perigosa ou
inútil, como já dissemos e pode, aqui, ter tidorias intenções; desde chamar ainda mais
a atenção de seu leitor e deixá-lo ainda mais curioso, ou até mesmo, simplesmente, de
confessar-se enquanto homem-poeta.
Ao falar do prefácio no final, mas o apenas, ele ainda nos indica uma
intenção metapoética; uma vontade de falar do oficio, mas ainda de forma reticente e
receosa. O autor diz como se faz o poema e do que é preciso para que o poema exista, as
dificuldades e contradições.
Pode-se examinar a concepção da arte, no Realismo brasileiro, através de
Machado de Assis, que, no prefácio de Memórias Póstumas de Brás Cubas, propõe um
desarranjo ao uso tradicional do prefácio. Consegue relatar o processo de composição,
minimizando o prefácio e superestimando a obra: O melhor prólogo é o que contém
58
AZEVEDO, Álvares. Op. Cit. P. 119 a 121.
menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado... a obra em si mesmo é
tudo....” .
59
Aqui, temos uma questão que envolve vários elementos do sistema literário. O
escritor é a pessoa humana, entidade que envolve também o universo o lingüístico, o
autor é essa pessoa humana inserida no universo lingüístico-literário. O narrador é um
dos sujeitos que fala, constitdo pelo discurso, é um sujeito textual. O leitor é o
intérprete da obra literária. O autor acaba por ser também leitor de sua própria obra. A
obra é o texto literário que se analisa. Desta forma, o autor é seu primeiro intérprete e é
ele o definidor do tipo de leitor que deseja para sua obra isso pode ficar claro ao
observarmos como os autores aqui mencionados falam de como gostariam que suas
obras fossem lidas. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o narrador, que, neste caso,
acaba por se confundir também com o autor, conversa com o leitor e lhe diz para pular
tal parte ou prestar atenção em uma outra essas são interfencias que o autor
consegue fazer na interpretação de sua obra. Por isso Machado diz que a obra é tudo.
Guimarães Rosa concorda com essa opinião como veremos oportunamente.
Rosa, portanto, chama nossa atenção para a responsabilidade que o autor/
escritor tem enquanto homem para consigo próprio e para com seus leitores os outros
homens; ele é o intermediário entre o leitor e o infinito da obra. E, ainda, que a obra,
que vale tudo para Machado de Assis, tem que ser coerente com a vida, justamente
devido a essa responsabilidade que o autor/ escritor tem de cuidar muito bem das
palavras de que se utiliza para compor a obra.
Vida e obra se misturam a certo ponto lembremo-nos da personagem
―Moimeichego‖, de Cara de Bronze‖que se desmembrarmos é ―moi‖, ―me‖, ―ich e
ego‖ – eu, respectivamente, em francês, inglês, alemão e latim. Esse ‗eu‘, que entra na
obra, o pedaço de vida que está na obra, junto com acontecimentos, também da vida,
que, filtrados pelo artista, o o mote para a obra de ficção.
De fato, a obra em si é o que importa, mas nos prefácios, Rosa nos explica seu
todo de criação através de estórias fictícias, retiradas da realidade. Sendo a primeira
realidade importante o ato de criação.
Na obra ―pronta‖, ficam os traços da mão que a compôs, ficam os resultados do
desejo, da memória pessoal e cultural do autor. Seja na poesia seja na prosa, a
presença simultânea dessas e de outras vozes tem como resultado aquilo que, a
partir de Bakhtin, convencionou-se chamar, de modo amplo, de polifonia.
(...) O leitor tem, portanto, leitores anteriores que, de algum modo, dirigem o
seu ouvido.
60
59
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. P 11.
Guimarães Rosa diz que:
Não deve haver nenhuma diferença entre homens e escritores; esta é apenas
uma maldita invenção dos cientistas, que querem fazer deles duas pessoas
totalmente distintas. Acho isso ridículo. A vida deve fazer justiça à obra, e a
obra à vida. Um escritor queo se atém a esta regra não vale nada, nem como
homem, nem como escritor. Ele es face a face como infinito e é responsável
perante o homem e perante si mesmo. Para ele não existe uma instância
superior.
61
Contudo, o dúvida que a atitude de Machado de Assis seja a de provar a
coerência do seu prólogo que ―não se parece com esses prólogos‖, ou ainda, demonstrar
que sua consciência literária já se modernizara.
Da poesia parnasiana o bom exemplo é Profissão de que, prefaciando em
versos as Poesias (1888), determina o grau de consciência artesanal de Olavo Bilac e
seus seguidores. A tarefa do parnasiano é tal qual a do ourives; procura cingir ao corpo
a ampla roupagem; trabalhar horas a fio o pensamento.
Para o crítico Alfredo Bosi, Profissão de Fé‖ é um “juramento apoético de que
o autor morrerá „em prol do Estilo‟, define a palavra como algo que não se identifica
com a substancia das coisas, mas „veste-a‟ magnificamente”.
62
PROFISSÃO DE FÉ
Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.
(...)
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
(...)
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
(...)
60
LEONEL, Maria Célia. Guimarães Rosa Magma e gênese da obra. P 74 - 75.
61
LORENZ, Günter, Op. Cit. P 74.
62
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura brasileira. p. 227.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
(...)
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
(...)
Ver esta língua, que cultivo,
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo
Dos infiéis!...
(...)
Vive! que eu viverei servindo
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo
No ouro mais puro.
Celebrarei o teu oficio
No altar: porém,
Se inda é pequeno o sacrifício,
Morra eu também!
Caia eu também, sem esperança,
Porém tranqüilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em prol do Estilo!
63
Uma ausência de prefácios que determinem a consciência estética da arte
marcará o Simbolismo brasileiro. Não percebemos a necessidade de explicar, de
informar ao leitor sobre a obra que irá ler. Decorrentemente, a dificuldade de
estabelecer um comportamento do fazer poético simbolista, através dos discursos
paralelos, é fato evidente. As descrições da arte simbolista se voltam para o próprio
objeto que elas representam e não para uma meta generalizadora da criação.
63
http://www.bibvirt.futuro.usp.br/content/view/full/16097. Em 16/02/2008.
O que se nota no Simbolismo é uma diferença de concepção da arte, de autor
para autor. Essa observação, já constatada pela crítica, pode ser um reflexo da ausência
de prefácios, cuja função metalingüística, no caso, seria reclamada.
O Simbolismo brasileiro foi até bem pouco considerado corpo estranho,
excrescência exótica, no conjunto das nossas letras. Sem dúvida, muito
apresenta de aparentemente imprevisto, até de chocante, considerado na linha,
digamos, normal, da nossa evolução literária. Pôde parecer fruto exclusivo de
empréstimo, gratuito e excrescente. É preciso lembrar que o jogo de influências
européias sempre se acusa naquela tradição.
(...)
O Simbolismo (dado por Afrânio Peixoto como um daqueles reflexos, de par
com o Naturalismo, o Parnasianismo e o Futurismo) tem parecido sempre o
menos explicável dos movimentos literários do Brasil e simples luxo de
diletantes egoístas.
64
O Modernismo, opostamente ao Simbolismo, tem declaradas suas propostas e
concepções da arte. Fixar-nos-emos no ―Prefácio Interessantíssimo de Paulicéia
Desvairada (1922). Nele, Mário de Andrade, o principal esteta do movimento,
redimensiona o caráter do prefácio: “Este prefácio, apesar de interessante, é inútil”.
A) Introdução justificando o livro e o autor:
―Leitor:
Está fundado o Desvairismo.
Este prefácio, apesar de interessante, inútil. (...)
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem
pensar tudo o que meu inconsciente me grita.
Penso depois: não só para corrigir, como para
justificar o que escrevi. Daí a razão deste
Prefácio Interessantíssimo.
Aliás, muito difícil nesta prosa saber onde
Termina a blague, onde principia a seriedade.
Nem eu sei.
E desculpe-me por estar tão atrasado dos
Movimentos artísticos atuais. Sou passadista,
confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez
das teorias-avós que bebeu: e o autor deste
livro seria hipócrita se pretendesse representar
orientação moderna que aindao compreende
bem. (...)
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e
Repito-o. Tenho pontos de contato com o
Futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me
de futurista, errou. (...)
Todo escritor acredita na valia do que escreve.
Se mostra é por vaidade. Se não não mostra é por
vaidade também.
―(...)
64
MURICY, José Cândido de Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. P 34 - 35.
E está acabada a escola poética ‗Desvairismo‘.
Próximo livro fundarei outra.
E não quero discípulos. Em arte: escola ==
imbecilidade de muitos para vaidade dum só.‖
65
O mencionado prefácio é, na realidade, um manifesto, (dividido em quatro
partes maiores: introdução, primeira, segunda e conclusão) o que nos remete mais uma
vez à questão da quebra dos gêneros prefácio-manifesto, prefácios-contos (como os
de Tutaméia) e que ainda por cima não explicam nada ou quase nada sobre a obra que o
segue. Assim, temos visto muitos paratextos que não se encaixam em sua função
prevista.
O Romance de 30, com sua carga social e política deu-nos grandes obras e
poucos prefácios. Nos livros A Bagaceira (1928) de José Américo de Almeida; São
Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938) de Graciliano Ramos; João Miguel(1932) e As
três Marias (1939) de Rachel de Queiroz, por exemplo, não prefácios ou qualquer
preocupação em destacar e comentar o fazer literário, preocupação que se deu em
seguida com os autores de 40. Em A Bagaceira há um curioso texto, que se conforma de
rios axiomas do autor, agrupados, aos quais ele nomeou ―Antes que me falem‖. Ele
acompanha, de certa forma, o modelo formal do Manifesto Antropofágico.
ANTES QUE ME FALEM
Há muitas formas de dizer a verdade. Talvez a mais
persuasiva seja a que tem a aparência de mentira.
*
Se escapar alguma exaltação sentimental, é a tragédia da
própria realidade. A paixão só é romântica quando é falsa.
*
O naturalismo foi uma bisbilhotice de trapeiros. Ver bem não é ver
tudo: é ver o que os outros não vêem.
*
A alma semibárbara só é alma pela violência dos instintos. Interpreta-
la com uma sobriedade artificial seria tirar-lhe a alma.
*
Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o
que comer na terra de Canaã.
*
É um livro triste que procura a alegria. A tristeza do povo brasileiro é
uma liceça poética...
*
Os grandes abalos morais são como as bexigas: se não matam,
imunizam. Mas deixam a marca ostensiva.
*
O regionalismo é o pé-do-fogo da literatura... Mas a dor é universal,
porque é uma expressão de humanidade. E nossa ficção incipiente não pode
65
In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. p 299 - 302.
competir com os temas cultivados por uma inteligência mais requintada:
interessará por suas revelações, pela originalidade de seus aspectos
despercebidos.
*
O amor aqui é um tudo-nada de concessão lírica ao clima a à raça. E
um problema de moralidade com o preconceito da vingança privada.
*
Um romance brasileiro sem paisagem seria como Eva expulsa do
paraíso. O ponto é suprimir os lugares-comuns da natureza.
*
A língua nacional tem rr e ss finais... Deve ser utilizada sem os
plebeísmos que lhe afeiam a formação. Brasileirismo não é corruptela nem
solecismo. A plebe fala errado; mas escrever é disciplinar e construir...
*
Valem as reticências e as intenções.
O ROMANCISTA
66
À priori, as frases agrupadas nos parecem uma provocação, mas sem intenção
direta de falar da obra, no entanto, em todas elas está a obra e a concepção de arte
literária do autor. Nesta parte notamos a preocupação com a crítica literária e,
consequentemente, com o público leitor.
Os autores da década de 40, saídos do regionalismo social, trouxeram à baila
uma linha de investigação psicológica o mundo interior monopolizando as
preocupações e ainda uma preocupação metalingüística, com Lúcio Cardoso, Clarice
Lispector, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, entre outros.
Nesta fase, a preocupação do fazer literário se fez presente e, no caso de
Guimarães Rosa, além de em toda sua obra, nos seus quatro precios de Tutaméia.
Motivo pelo qual fizemos essa viagem literária pelos paratextos, principalmente os
prefácios.
Nos tempos atuais, temos uma verdadeira miscelânea de possibilidades de uso
de paratextos, tanto que não meios de determinar, com precisão, o que é o quê em
algumas obras, já que alguns autores escrevem uma apresentação, com características de
prefácio, mas não o nomeiam dessa forma é o caso do livro Olga de Fernando Morais
de 1984. Na Apresentação, o próprio autor exe do que tratará a obra e em primeira
pessoa dirige-se ao público.
No caso de outro autor, em nossa opinião, o nosso melhor escritor atuante,
Autran Dourado, temos dentre os cinco exemplares por nós escolhidos, a saber: Gaiola
Aberta (2000), Um artista Aprendiz (1989), Confissões de Narciso (1997), Violetas e
Caracóis (1987) e O meu mestre imaginário (1982) apenas este último vem precedido
66
ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. p.3 - 4.
de prefácio. Nenhum dos outros conta com qualquer auxilio paratextual além das
orelhas, que tentam contar a estória antes da leitura e dão ao leitor o ―alimento
mastigado como diria Rosa. Ao ler esse tipo de apreciação, apresentada nas orelhas, os
leitores raramente precisam fazer muito esforço para compreender a obra, que muitas
vezes sequer chegam a ler, mas dizem conhecê-la.
A reedição das obras de Clarice Lispector pela editora Rocco vem inteira
apreciada por críticos e estudiosos de literatura, e tais apreciações, também localizadas
nas orelhas dos livros, muitas vezes desmascaram aquilo que a obra tem de mais
guardado, velado, opaco aquilo que o autor, muito provavelmente, gostaria que o
leitor tivesse o trabalho de descobrir, de desvendar.
Vejamos o que Clarice Lispector diz no prefácio de A paixão segundo G.H., de
uma edição mais antiga do que as que comentamos.
Êste livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fôsse lido
apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação,
do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente atravessando
inclusive o oposto daquilo de que se vai aproximar. Aquelas pessoas que,
elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por
exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma alegria difícil, mas
chama-se alegria.
67
Outros oito livros escolhidos alheatoriamente por nós, mas atuais O amor e
outros objetos Pontiagudos (1999) de Marçal Aquino; Carta Para Alguém Bem Perto
(1998) de Fernanda Young e Saudades Mortas (2002) de José Sarney, também não m
prefácios, um deles Boca do Inferno (1989) de Ana Miranda tem um epílogo, quatro
deles Solidão Solitude (1972) de Autran Dourado; O Beijo da Morte (2003) de Carlos
Heitor Cony e Anna Lee; Cinzas do Norte (2005) de Milton Hatoum; A mulher que
escreveu a Bíblia (1999) de Moacyr Scliar têm prefácios.
Esta observação não contribui para que possamos definir que tipo de postura se
toma, atualmente diante dos paratextos, justamente por essa diversidade de
possibilidades de sua expressão. O prefácio, hoje, no Brasil, aparece de inúmeras formas
o que corrobora para que nós estudiosos de literatura procuremos definir uma teoria
para os prefácios, bem como para todos os tipos de paratextos. Não falamos aqui de um
engessamento ou de uma norma, mas de uma escala de classificação.
O que se tentou nesta análise serve para demonstrar um papel do prefácio
metapoético na literatura: ser, além da obra, testemunho, certidão, do modo como a arte
67
LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G.H. P 5.
foi encarada por uma época. Este papel se justifica à medida que compreendemos que
um dos processos de formação da consciência literária coincide com a aproveitamento
ou rejeição de uma literatura anterior. Nesse sentido, o papel que os prefácios
desempenham serve para espelhar a concepção literária e seus objetivos, de uma para
outra época. Isto pode servir de base para os estudos da Ctica, devido à possibilidade
de confronto entre o padrão teórico, apresentado nos prefácios, e a sua prática textual.
Aprendi algumas línguas estrangeiras apenas para enriquecer a minha própria e
porque há demasiadas coisas indizíveis, pensadas em sonhos, intuitivas, cujo
verdadeiro significado só pode ser encontrado no som original. Quem quiser entender
corretamente Kierkegaard tem de aprender dinamarquês; do contrário, nem a melhor
tradução o ajudaria.
João Guimarães Rosa “Diálogo com Guimarães Rosa” entrevista a Günter Lorenz,
janeiro de 1965.
3. TUTAMÉIA
Publicado em julho de 1967, poucos meses antes da morte de Guimarães Rosa,
Tutaméia - Terceiras Estórias é a reunião de 40 histórias curtas, com extensão de três a
cinco páginas apenas, que haviam sido veiculadas anteriormente no jornal Pulso, uma
publicação dedicada aos médicos.
Os textos, no total de duas colaborações mensais (em grande parte integradas à
obra), englobam um período de dois anos, de maio de 1965 a junho de 1967. As
colaborações de Rosa, na revista, alternavam-se com as de Carlos Drummond de
Andrade.
No seu lançamento, o livro causou estranheza à ctica e aos leitores, tanto pelo
número e extensão dos contos, como pelo próprio tulo que afirmava serem aquelas as
terceiras estórias‖, sem que, no entanto, tivesse havido as ―segundas‖, depois do livro
anterior Primeiras Estórias (1962). (Anexos 1 a 7).
Em conversa com o amigo Paulo Rónai, Guimarães fala, divertidamente, sobre
as estranhezas do livro.
- Por que Terceiras Estórias perguntei-lhe se não houve as segundas?
- Uns dizem: porque escritas depois de um grupo de outras não incluídas em
Primeiras Estórias. Outros dizem: porque o autor, supersticioso, quis criar para
si a obrigação e a possibilidade de publicar mais um volume de contos, que
seriam então as Segundas Estórias.
- E o que diz o autor?
-O autor não diz nada respondeu Guimarães Rosa com uma risada de menino
grande, feliz por ter atraído o colega a uma cilada.
Mostrou-me depois o índice no começo do volume, curioso de ver se
eu lhe descobria o macete.
- Será a ordem alfabética em que os títulos estão arrumados?
- Olhe melhor: há dois que estão fora da ordem.
- Por quê?
- Senão eles achavam tudo fácil.
68
Os quatro prefácios de Tutaméia - Terceiras estórias reiteram a estranheza. Eles
foram distribuídos de intermeio às histórias, que seguem uma ordem alfabética
69
e
mantêm as mesmas características de linguagem dos demais textos do volume.
Sobre essa ordem alfabética, ligeiramente transviada, podemos explorar ainda o
fato de que Rosa tanto quanto possível, se punha e punha seus conhecidos dentro de
suas estórias. várias personagens suas chamadas João. O nome de seu pai,
68
In: Tutaméia. P 16.
69
Dois contos pervertem essa ordem Grande Gedeãoe ―Reminisção‖ são instalados após o conto
―João Porém, o criador de perus‖. Os três contos, agrupados, formam, com as letras iniciais, as letras que
formam também o nome do autor: J. G. R.
Florduardo, batiza uma de suas criações em ―O Recado do Morro. Assim, imaginamos
se Rosa se queria personagem, quando vemos ainda, que um dos contos de Tutaméia é
intitulado ―Se eu seria personagem‖.
Meses após a publicação de Tutaméia, Paulo Rónai analisava a última obra de
João Guimarães Rosa, em dois artigos: Os prefácios de Tutaméia e ―As estórias de
Tutaméia‖. Sobre os prefácios, diz o crítico:
Estórias à primeira vista, num segundo relance os prefácios hão de revelar uma
mensagem. Juntos compõem ao mesmo tempo uma profissão de e uma arte
poética em que o escritor, através de rodeios, voltas e perífrases, por meio de
alegorias e parábolas, analisa o seu gênero, o seu instrumento de expressão, a
natureza da sua inspirão, a finalidade da sua arte, de toda arte.
70
Desta forma, com este enorme salto, do texto escrito e editado com dificuldade
dos séculos anteriores, aos textos atuais, ou pelo menos do período de nossa literatura
conhecido como Romantismo, pretendo ressaltar as diferenças que os paratextos
sofreram em consonância com o tempo e/ou com o desejo dos escritores e críticos
literários.
Faremos uma leitura individual do que cremos ter acontecido aos paratextos,
mais especificamente os prefácios, por sabermos difícil de encontrar uma bibliografia a
respeito da citada evolução.
Ao nos depararmos com os paratextos de Tutaméia, percebemos, mesmo leigos,
que há algo de estranho naquela escritura. Tutaméia Terceiras Estórias é o único livro
de João Guimarães Rosa, que conta com precios quatro, como já dissemos, e tratam,
mesmo sendo estórias, da importância da obra literária e da sua criação. Além de serem
curiosos‖ por essa aparência de estórias, mas que são chamados de prefácios e por fim
acabam por compor uma espécie de estudo de teoria literária e uma arte poética do
autor.
Assim é que o primeiro introduziria a problemática das significações e
importância da obra de arte literária, sua verdade e lógica próprias e algumas
maneiras de expressá-las; o segundo, mais específico, verbera sobre ou não de
um recurso expressivo: o neologismo; o terceiro, uma motivação do dualismo
realidade/irrealidade na ficção; e, o quarto, mais explorado subdividido em
sete partes guarda sempre uma mesma estrutura: o balao mais ou menos
cadenciado de duas tendências, duas características que se completam,
finalmente, com vistas a uma conciliação ideal. Seja ela a da relação
conteúdo/forma com vistas à obra ideal, a do uso adequado da realidade e
irrealidade para representação essencial da vida, ou a fixação pela palavra
escrita do sentimento do absoluto através da captação de um momento perfeito,
que transcorre num espaço/tempo ambíguo, misto de sono e vigília, real e
transreal.
70
RÓNAI, Paulo. ―Os Prefácios de Tutaméia‖. Op. Cit. P 17.
(...)
À necessidade de contar sobrepôs-se a de justificar, e esta última parece não ter
sido tão feliz e naturalquanto a primeira. A impressão é de o autor o ter
certeza de as narrações terem existência autônoma, que se justificam por si
mesmas, e tece considerações conceituais a seu respeito, nos quatro prefácios
que vão de permeio pelo livro.
(...) a função do prefácio é comumente a de explicar os motivos da obra, os
processos nela seguidos. Ora, numa obra de ficção em que o próprio autor
escreve o prefácio com os mesmos objetivos acima, é sinal de que a obra não
está sendo suficiente para fazê-lo. A menos que o prefácio o tivesse essa
função numa subversão inovadora e funcionasse como recurso expressivo,
como parte essencial do conjunto. O queo acontece no caso presente: o autor
usa de quatro prefácios, fazendo de seu livro teoria/prática, e elemento a mais
pour épater quantos o lêem.
71
O recurso de mascarar os prefácios está relacionado ao fato de Rosa querer nos
guiar em nossa leitura, a partir mesmo dos dois índices e de suas respectivas epígrafes,
que nos recomendam a releitura da obra, revelando uma intencionalidade.
(...) ele admite ter inserido conscientemente um significado sotoposto em seus
escritos, que tal significado não é visível ―a olho nu‖, e que não é separável da
sua expressão, porque a estrutura é habilmente traçada e não formada de
elementos justapostos.
72
A releitura em Tutaméia é fundamental é ela que nos permite alcançar a
extensão da contraditória fragmentação e totalidade dos prefácios e das estórias para a
formação do conjunto da obra. Conjunto este que se estende o só a Tutaméia, como
dissemos, mas a toda a obra de Guimarães Rosa. A todo o seu projeto literário,
esboçado já em seu primeiro livro Sagarana antes Sesão em que Rosa previa e
prometia no posfácio manuscrito a escritura de Tutaméia.
PORTEIRA DE FIM DE ESTRADA
- ―Mestre Domingos, que vem fazer aqui?!...
Mestre Domingos, que vem fazer aqui?!...
- Vim buscar meia pataca;
p‘ra tomar meu paraty...
(Cantiga antiga.)
―Sesão‖ e as outras histórias companheiras foram começadas e
acabadas no formoso anno de 1937, precisamente entre 20 de Maio e 4 de
Dezembro, e mais ou menos na ordem em que estão seriadas aqui.
Bom tempo depois, o autor reviu o original do livro, e nelle mexeu, na
fórma, nimas modificações: nenhum acréscimo,quasi que suppressões
mente, já que, neste alto genero de lavoura, mais valem capina e póda do que
adubação e enxêrto.
71
COVIZZI, Lenira Marques. O insólito em Guimarães Rosa e Borges. Ensaios 49. P 88 - 89.
72
COVIZZI, Lenira Marques. Op. Cit. P 90.
Para falar a verdade, muita moita ainda era a ser foiçada; mas,
como, graças a Deus, não falta de alqueires limpos, melhor rende deixar
quieto o matto velho, e ir plantar roça noutra grota.
Tambem, era!, isto já é falar de outro livro, o qual si Deus der à gente
vida e saúde, vae prestar mais, chamar-se-á TUTAMÉIA‖, e virá logo depois
deste. Benza-os Deus!
E alleluia!...
73
==========‖
Sobre a recepção do livro diz a pesquisadora Vera Novis:
A impressão inicial causada pelo livro é de perplexidade: alguns contos, como
o que abre o volume, ―Antiperipléia‖, são semanticamente densos,
violentamente dramáticos; há outros, como ―Arroio-das-antas‖, que se segue a
ele, onde praticamente nada acontece; o terceiro conto, A vela ao diabo‖, é
francamente mico; às vezes o fio narrativo é tão tênue, como em ―No
prosseguir‖, que o leitor, leigo ou douto, se pergunta se aquilo é de fato uma
estória. De modo que o conjunto parece desigual, uma colcha de retalhos sem a
preocupação com a harmonia das cores. Além disso, a estranheza de quatro
prefácios num volume, o humor (excessivo para alguns) dominante nesses
prefácios, a existência de dois títulos que têm a sua posição invertida no final
do livro, de dois índices, de um glossário que arrola palavras não utilizadas no
texto, tudo isso desconcerta e confunde o leitor.
74
Vera Novis em seu estudo o mesmo de onde extraímos a citação acima - ,
Tutaméia: engenho e arte, encontrou núcleos temáticos, mas as estórias não se
conectam necessariamente.
Pode-se, facilmente, aproximar alguns contos segundo um traço qualquer de
pertinência como, por exemplo, a recorrência de um tema ou a presença de um
mesmo personagem em contos diferentes, e assim definir grupos nas quarenta
estórias de Tutaméia. Assim, temos as estórias de amor, as estórias de ciganos,
as estórias do vaqueiro Ladislau, as estórias de cunho metalingüístico, as
estórias sobre aprendizagem.
75
Em seu outro estudo, a pesquisadora Lenira Covizzi encontra também um
caráter duplo nas estórias de Tutaméia, e diz que os prefácios m caráter especulativo
(base abstrata) e que são ilustrados com estórias (base concreta).
Em espaço geográfico não muito maior (192 páginas), o número das narrativas
aumenta para quarenta, continuando as características gerais apontadas nas
Primeiras Estórias; a redução do tamanho das narrativas é homologada pela
obsessão sintético-criadora em termo de linguagem; ficando assim privilegiado
o caráter explicativo (metalinguagem) da sua expressão. Logo, não espanta a
73
CAVALCANTE, Maria Neuma Barreto. Bicho Mau: a genese de um conto. Tese de Doutorado.
Universidade de São Paulo. P 36 - 37.
74
NOVIS, Vera. Tutaméia: engenho e arte. Coleção Debates Nº223. P 22 - 23.
75
NOVIS, Vera. Op. Cit. P25.
necessidade de entremear essas pílulas narrativas tão densas com 4 prefácios
(?), num impulso lógico-racional; denominados travestidos porque misturan-se
com as outras narrativas do livro pelo seu caráter também narrativo, ao lado de
terem como principio organizador a reflexão sobre esse duplo que é a atividade
criadora:ficção/realidade. se viu algum prefácio que tenha nome
elaboradíssimo ―Sobre a escova e a dúvida‖ é o quarto deles dividido em
sete partes diferentes e implicadas entre si, com onze epígrafes ao seu longo
glossário,glosação em apostilas, notas de rodapé, Pós-Escrito? Ou seja:
explica, esclarece, demonstra, para concluir que a ficção é mais verdadeira se
consegue o equilíbrio nas doses de realidade e irrealidade que ela é.
76
Em resumo, diz ainda a pesquisadora sobre os quatro prefácios:
Esses prefácios não deixam de ser uma explicação de seu processo
criador. Mais: são testamento e profissão de fé sobre a criação literária, através
dos quatro curiosos ―prefácios‖ que permeiam as curtas narrativas, escritos
pelo próprio autor.
Eles tratam, ―Aletria e Hermenêutica‖, da significação vária do ato
criador no seu caráter lissêmco, advindo daí a imporncia da obra literária;
o segundo deles, ―Hipotrélico‖, problematiza a utilização do neologismo, Nós,
os Temulentos‖, o terceiro, é a preocupação com o duplo realidade/irrealidade,
condição do ser ficcional; e o quarto, ―Sobre a escova e a dúvida‖, sintetiza a
tentativa de conciliação ideal de tenncias complementares: conteúdo/forma,
realidade/irrealidade. Ou a funcionalidade da palavra escrita se poética para
a expressão ideal de referencias que são em si reduzidas pelos limites de sua
concretude. E quando tudo isso é situado ocorre num tempo-espaço ambíguo,
misto de sono e vilia, real e transreal.
77
Vale a pena fazermos uma breve análise dos paratextos nas obras de Guimarães
Rosa publicadas em vida. Nela, temos, desde a ausência de índices e epígrafes como é
o caso de Grande Sertão: veredas, até a abundância destes: Corpo de Baile e Tutaméia.
Sobre o índice de Sagarana, primeiro livro do escritor, o autor escreve em carta
a João Condé, uma espécie de índice explicativo que contém as estórias do livro e
também as que foram dele excluídas. (Anexo 8).
Primeiras Estórias também traz um índice explicativo, mas dessa vez, ilustrado
cada figura, sugerida ao ilustrador Luis Jardim pelo próprio Guimarães Rosa explica
uma estória.
Corpo de Baile, edição original em dois volumes, traz dois índices e várias
epígrafes, que se interligam. No primeiro índice, todas as estórias aparecem
sequencialmente, de acordo com a ordem de disposição no livro sob a designação de
Poemas. O segundo índice, no final do livro, traz as estórias classificadas como conto,
poesia, romance ou novela, em dois índices: gerais, no qual se incluem os romances e
parábase que engloba os contos.
76
COVIZZI, Lenira Marques. Op. Cit. P 57 - 58.
77
COVIZZI, Lenira Marques. Op. Cit. P 58.
Os dois índices de Tutaméia não foram uma novidade, já que os há também em
Corpo de Baile. (Anexos 10 a 12).
Analisemos um pouco melhor os índices de Corpo de Baile. Neles temos:
1º Índice:
Corpo de Baile
Os poemas
Campo Geral
Uma estória de amor
A estória de Lélio e Lina
O recado do morro
Dão-Lalalão
Cara-de-bronze
Buriti
2º Índice:
Gerais
I
Os romances
Campo geral
A estória de Lélio e Lina
Dão-Lalalão
Buriti
Parábase
II
Os contos
Uma estória de amor
O recado do morro
Cara-de-bronze
Os três contos, chamados de parabáse: Uma estória de amor, O recado do morro
e Cara-de-bronze tratam, respectivamente, de como se faz uma estória, como se faz uma
canção e de como se faz a poesia isso disse Rosa ao seu tradutor Italiano Edoardo
Bizzarri. Eles são uma reflexão, como veremos mais a frente.
Em 1956, conforme dissemos, Corpo de Baile chega às livrarias, seccionado em
dois volumes. Na folha de rosto de ambos, temos a primeira indicação da natureza de
texto que encontraremos; novelas. A seguir à folha de rosto, epígrafes de Plotino e
Ruysbroeck O Admirável, além do ―Côco de festa‖, do Chico Barbós‖, distribuem-se
por três páginas. Findas as epígrafes, deparamo-nos com o primeiro índice da obra, no
qual os textos, classificados na folha de rosto como novelas, são agora chamados
poemas. Abaixo da nova denominação, listam-se as narrativas: Campo Geral‖, ―Uma
Estória de amor‖, ―A Estória de Lélio e Lina‖, O Recado do Morro‖, Lão-Dalalão
(Dão-Lalalão), ―Cara-de-Bronze‖ e ―Buriti‖, nessa ordem. Dos sete poemas, os três
primeiros dispõem-se no primeiro volume, os outros quatro no segundo
Ao final do segundo volume, ao lado da última página de texto, concluindo o
livro, temos o segundo índice de Corpo de Baile. Nele, as novelas e/ou poemas recebem
novas classificações: ―Gerais‖ e parábase. Sob a designação mais ampla de ―Gerais‖
estão os romances: ―Campo Geral‖, ―A Estória de Lélio e Lina‖, ―Dão-Lalalão‖ e
―Buriti; e de parábase, os contos: Uma estória de amor‖, ―O Recado do Morro‖ e
―Cara-de-Bronze‖.
Dos sete textos, apenas os contos, ―Uma Estória de Amor‖, ―O Recado do
Morro e Cara-de-Bronze‖, apresentam epígrafes próprias, posicionando-se, de
maneira intercalada no primeiro índice, como a segunda, quarta e sexta estórias.
Portanto e desde já, levantamos dois dados bastante claros relativos à estrutura de
Corpo de Baile.
Guimarães Rosa, no projeto original do livro, reforçou conscientemente a
flutuação entre diferentes gêneros. Os textos são novelas, poemas, alguns romances e
Gerais‖, outros contos e parábase. Logo, fica evidente a preocupação do autor em
salientar tais classificações e sua relação com o todo da obra que, não à toa, se chama
Corpo de Baile. A questão do título da obra não será abordada por não fazer parte do
nosso objetivo, nem mesmo do nosso objeto de estudo.
A parábase, parte estruturante da Comédia Antiga, como sabemos, suspende a
ação da trama para chamar os espectadores à realidade, levá-los a pensar e repensar a
questão levantada. Do mesmo modo, em Corpo de Baile a parábase interrompe a ação
em busca da reflexão, quando o autor despe sua máscara, as três narrativas-parábase se
posicionam exatamente interrompendo as outras quatro no momento em que entre elas
se intercalam.
Temos aí, então, a questão curiosa e importante da quebra dos gêneros literários,
que Rosa estendeu para outras obras. Tal questão ressurge, por exemplo, novamente, em
Tutaméia com os prefácios, que hora são estórias-contos e hora são prefácios, tamm
separados e classificados nos dois índices. Estórias no primeiro e prefácios no segundo.
O primeiro índice de Tutaméia traz os prefácios misturados às estórias, o segundo os
agrupa em prefácios, e traz, em seguida, as estórias. Percebemos portanto que Corpo de
Baile guarda muita proximidade com o que viria a ser feito pelo autor em Tutaméia.
Além disso, as epígrafes dos índices de Tutaméia, ambas de Schopenhauer, nos
remetem uma à outra, nos fazendo caminhar de um índice ao outro; de uma
possibilidade de leitura e releitura a outras.
3.1. PARATEXTOS EM TUTAMÉIA
Os prefácios de Tutaméia, que são também estórias, juntos, nos remetem a
questões do fazer literário do autor e a questões importantes de Teoria Literária.
Dosando um pouco a intenção artística e outro tanto a de surpreender pelo uso
de palavras e expressões nada comuns, os prefácios às Terceiras Estórias de
Guimarães Rosa seriam textos exemplares e eficientes como introdução aos
estudos de teoria literária. Assim é que o primeiro introduziria a problemática
das significações e importância da obra de arte literária, sua verdade e lógica
próprias e algumas maneiras de expressá-las; o segundo, mais específico,
verbera sobre o sim ou não de um recurso expressivo: o neologismo; o terceiro,
uma motivação do dualismo realidade/irrealidade na ficção; e o quarto, mais
explorado subdividido em sete partes guarda sempre uma mesma estrutura:
o balanço mais ou menos cadenciado de duas tenncias, duas características
que se completam, finalmente, com vistas a uma conciliação ideal. Seja ela a
da relação conteúdo/forma com vistas à obra ideal, a do uso adequado da
realidade e irrealidade para representação essencial da vida, ou a fixação pela
palavra escrita do sentimento do absoluto através da captação de um momento
perfeito, que transcorre num espaço/tempo ambíguo, misto de sono e vigília,
real e transreal.
78
em Machado de Assis, a definição de paratexto apresentada no inicio deste
trabalho sofreu uma digressão quando o autor, na obra Ressurreição, escreve, na
advertência, “um prólogo que não se parece com esses prólogos”.
Podemos então, de fato, observar que os prefácios mudam de função saem de
seu papel tradicional e se integram à obra literária de uma forma inteiramente
harmoniosa.
Os prefácios de Tutaméia fogem ao comum dos outros prefácios. Neles, o autor
criou para si uma linguagem que refletia o cerne da própria arte, decorrendo, daí, um
problema mais grave: a leitura dessa linguagem.
Todo esse problema da linguagem se vincula aos prefácios, que são narrativas,
enquanto forma inovada.
Desta forma temos, no segundo prefácio de Tutaméia, Hipotrélico‖, a seguinte
epígrafe: ―Hei que ele. Do Irreplegivel.
79
. Hipotrélico‖, (do verbo grego treo, ter
medo, juntamente com o prefixo hipo, pouco = indivíduo que tem pouco medo do
progresso da ngua, mas que seria, no texto, um indivíduo avesso a esse progresso),
trata da criação de neologismos, do direito que o escritor, que não se pode encher, que é
insaciável irreplegível, tem de criar novas palavras.
78
COVIZZI, Lenira Marques. O insólito em Guimarães Rosa e Borges. p. 88 - 89.
79
ROSA, João Guimarães. Tutaméia Terceiras Estórias. p 106.
O termo é novo, de impesquisada origem e ainda sem definição que lhe
apanhe em todas as pétalas o significado. Sabe-se, só, que vem do bom
português. Para a prática, tome-se hipotrélico querendo dizer: individuo
pedante, importuno agudo, falto de respeito para com a opinião alheia. Sob
mais que, tratando-se de palavra inventada, e, como adiante se verá,
embirrando o hipotrélico em não tolerar neologismos, começa ele por se
negar nominalmente a própria existência.
80
Segundo Nilce Sant‘Anna Martins em O Léxico de Guimarães Rosa, temos: O
conto-prefácio com esse título trata da questão do neologismo e nele aparecem
numerosos termos abstrusos, em função metalingüística e humorística.‖.
81
Em tom inico e linguagem divertida, João Guimarães Rosa defende, para o
escritor, esse direito, que a sociedade dá‖ apenas para os incultos já que estes teriam
uma linguagem pobre, simples e intuitiva.
Aqui, o título, a epígrafe e o texto-prefácio encontram-se em comunhão,
entrelaçados, o que nos leva a questionar a aplicabilidade do termo paratexto aos
prefácios e epígrafes de Tutaméia, já que o paratexto é algo que está fora do texto e em
Tutaméia os prefácios são textos, que chegam a ser confundidos com contos, são
narrativas nas quais Guimarães Rosa imprimiu seu estilo e linguagem literários o
mesmo, dos ―poemas‖ do livro Corpo de Baile.
Todos os precios de Tutaméia carregam uma complexidade que envolve
elementos da teoria e prática da criação, problemas de natureza metafísica e psicológica.
Das insinuações reflexivas do primeiro prefácio à revelação mais objetiva do último,
encontramos um constante jogo na linguagem de Guimarães Rosa.
É certo que o homem se distingue pela linguagem e Rosa não fugiu à regra, ao
contrário, acentuou-a de modo enérgico, deixando claras as marcas que outras nguas e
outros autores traram em sua trajetória como leitor, estudioso de Línguas, homem do
sertão e poeta encantador de palavras e criador de mundos novos e significações outras.
O comportamento da linguagem, nos prefácios de Tutaméia é, portanto, por
parte de Guimarães Rosa, uma coerência ao seu estilo, à sua única linguagem usada para
fazer a ficção e dela poder falar. Seus prefácios são textos, bem como suas epígrafes,
que se harmonizam tão bem com o todo da obra literária de toda a obra literária de
Rosa.
A representação do real na Literatura é questão de ousada análise, visto que
tanto sobre isso se falou e ainda se fala.
80
Op. Cit. p 106.
81
MARTINS, Nilce Sant‘Anna. O Léxico de Guimarães Rosa. P 264.
Tutaméia é considerado o livro-testamento de Rosa uma espécie de arte
poética, pois em seus quatro prefácios o autor exe, em linguagem literária, sua
concepção de trabalho, escritura, vida e Literatura.
Nada em Literatura é gratuito, principalmente se falarmos de Rosa. Cada
símbolo, cada signo, cada palavra e cada som têm um porquê. O mbolo do infinito ao
final de Grande Sertão: Veredas indica o clico a travessia do Ser e dos seres que
somos, por dentro e por fora, e essa é apenas uma possibilidade de interpretação.
Da mesma forma, os prefácios, os índices e as epígrafes de Tutaméia nos levam
a ver e rever, e a revir ver
82
, os procedimentos da escrita e do que de estórias e histórias
nessa escritura.
Os dois índices, com suas respectivas epígrafes são uma sugestão de releitura
para que vejamos novamente o que foi ali representado; e a separação dos prefácios no
segundo índice reforça o peso que os quatro textos têm de reflexão do fazer literário,
mas de forma poética com a mesma linguagem literária que Guimarães utilizou para
fazer sua Literatura, em sua obra como um todo.
Vale ressaltar que nenhum desses prefácios faz referência direta a qualquer das
quarenta estórias. No entanto, na maioria delas, pode-se evidenciar uma relação indireta,
mas no todo, os prefácios são aunomos.
No prefácio literário ―Aletria e Hermenêutica‖ observamos como o mundo
literário de Rosa se fez.
A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a história. A
estória, às vezes, quer-se um pouco parecida a anedota.
A anedota, pela etimologia e para a finalidade, requer fechado ineditismo. Uma
anedota é como um sforo: riscado, deflagrado, foi-se a serventia. Mas sirva
talvez ainda a outro emprego a usada, qual mão de indução ou por exemplo
instrumento de análise, nos tratos da poesia e da transcendência. Nem será sem
razão que a palavra ―graça‖ guarde os sentidos de gracejo, de dom
sobrenatural, e de atrativo. No terreno do humour, imenso em confins vários,
pressentem-se mui hábeis pontos e caminhos. E que, na prática de arte,
comicidade e humorismo atuem como catalisadores ou sensibilizantes ao
alegórico espiritual e ao não-prosáico, é verdade que se confere de modo
grande. Risada e meia? Acerte-se nisso em Chaplin e em Cervantes. Não é o
chiste rasa coisa ordinária; tanto seja porque escancha os planos da gica,
propondo-nos realidade superior e dimensões para mágicos novos sistemas de
pensamento.
(...) E que, numa separação mal debuxada, caberia desde logo série assaz
sugestiva demais que já de si o drolático responde ao metal e ao abstrato a
qual, a grosso modo, de modo e até que lhe venha nome apropriado, perdôe
talvez chamar-se de: anedotas de abstração.
Serão essas as com alguma coisa excepta as de pronta valia no que aqui se
quer tirar: seja o leite que a vaca não prometeu. Talvez porque mais direto
colindem com o não-senso, a ele afins; e o não-senso, crê-se, reflete por um triz
82
O conto ―Curtamão‖ inicia-se com a seguinte construção: “Revenho ver: a casa.... Tutaméia p 67.
a coerência do mistério geral, que nos envolve e cria. A vida também é para ser
lida. Não literalmente, mas em seu supra-senso. E a gente, por enquanto, só a lê
por tortas linhas.
83
Começando pelo título do prefácio ―Aletria e Hermenêutica‖,
compreendemos que a leitura que temos pela frente não é de ordem muito comum.
Assim nos é explicado o título por Nilce Sant‘Anna:
Aletria e Hermenêutica é o título do primeiro prefácio de Tutaméia. Massa de
farinha crua e seca, em fios muito delgados; tipo de macarrão popularmente
chamado ―cabelos-de-anjo (sent. dic.). // Sent. fig. Impreciso.Teria o A.
pretendido um título jocoso (do tipo ―latim macarrônico‖) com estranha
assimetria semântica? Teria inventado uma metáfora em que ―aletria‖
representa sutilezas, finuras de ling., exigidoras de ―hermenêutica
[interpretação do sentido das pals.]? Pode-se pensar também num homônimo
neológico criado pelo A. com os elems. a- (pref. neg.) + letra + ia = ‗privação
da escrita‘, ‗analfabetismo‘.
84
Podemos observar que na passagem acima Guimarães Rosa nos fala da
realidade como fonte inspiradora para a criação literária, ressaltando o humor, que lhe
era muito peculiar; a necessidade da imaginação o extrair “o leite que a vaca não
prometeu”, processo que também envolve a linguagem e o reconstruir o impossível
através dela, para lermos a vida “em seu supra-senso”, ou seja; inovando, recriando o
real com força de coisa nova e primeira, como uma anedota que se quer inédita; como
uma palavra que se quer carregada de novos significados “propondo-nos um mundo
superior e dimensões para mágicos novos sistemas de pensamento.”.
O primeiro prefácio trata de revelar o material de que se serve o autor para
executar sua literatura. A estória não que ser história.”
85
reflete a principal proposta
de referência para o processo de criação de Guimarães Rosa: a inversão do real para o
irreal.
Processo que se refletido em sua técnica narrativa, nas inversões
anagramáticas dos nomes, inversões da trama e inversões proverbiais. A exemplo de:
Dar tudo por nada‖, utilizado pelo autor como Deu tudo por tudo(―Reminisção‖,
p.83) e ―Mais vale quem Deus ajuda, que quem cedo madruga‖, invertido em ―Mais
vale quem a amar madruga, do que quem outro verbo conjuga‖ (Se eu seria
personagem‖, p.139).
83
ROSA, João Guimarães. Tutaméia. P 29 e 30.
84
MARTINS, Nilce Sant‘Anna. Op. Cit. P 264.
85
ROSA, João Guimarães. Tutaméia. 1ª ed. p. 3.
Em vários momentos, este prefácio aponta para uma elaboração teórica do real,
do irreal, do metafísico e da realidade literária. Nele, João Guimarães Rosa procurou
delimitar a fonte do seu fazer poético. O paralelismo da anedota revela o entendimento
literário de um autor que extrai do quase nada o todo material de sua obra. Nele se opera
uma revolução do inútil, que passa a ter serventia para o literário.
A anedota, entendida como expressão ligada ao humor, de gosto e sabedoria
populares, expressa de forma a documentar o próprio universo popular, tem existência
numa forma não literária, não escrita e por isso mesmo, contrária à Hisria.
Dentro da classificação das anedotas, proposta pelo autor, as anedotas de
abstração obrigam à visão do universo pelo avesso. Ligam-se no plano da lógica, ao
o-senso, embora ofereçam elementos para o senso da vida, numa forma de invero.
Como as estórias, as anedotas são textos para a leitura da vida, “não literalmente, mas
no seu supra-senso”
86
.
Observando ainda o primeiro prefácio de Tutaméia percebemos como o autor
trata a matéria de que é feita a literatura, e enumera várias anedotas explorando o
humor, para ele tão importante. Vejamos algumas:
Movente importante símbolo, porém, exprimindo possivelmente e de modo
novo original a busca de Deus (ou de algum Éden préprisco, ou da restituição
de qualquer de nós à invulnerabilidade e plenitude primordiais) é o caso do
garotinho, que, perdido na multidão,na praça, em festa de quermesse, se
aproxima de um policia e, choramingando, indaga: - Seo guarda, o sr. não viu
por aí um homem e uma mulher sem um meninozinho assim como eu?!‖
(...)
Assim atribui-se a Voltaire que, outra hora, diz ser a mesma amiúde ―o
romance do espírito a estrafalária seguinte definição de ―metafísica‖: ―É um
cego, com olhos vendados, num quarto escuro, procurando um gato preto... que
não es lá.‖
(...)
Ora, porém, a idêntica niilificação enfática recorre Rilke, trazendo de forte
maneira, do imaginário ao real, um ser fabuloso, que preexcede o Licorne:
―Oh, este é o animal que não existe...‖.
87
Observemos agora, a seguinte afirmação de Zola, no que diz respeito a
imaginação:
O mais belo elogio que se podia fazer a um romancista, outrora, era dizer: ele
tem imaginação‖. Hoje, esse elogio seria visto quase como uma crítica. È que
todas as condições do romance mudaram. A imaginação não é a qualidade
mestra do romancista.
(...)
86
ROSA, João Guimarães. Op. cit. p. 4.
87
ROSA, João Guimarães. Op. Cit. P 36.
Visto que a imaginação não é a qualidade mestra do romancista, o que,
então, a substituiu? É preciso sempre uma qualidade mestra. Hoje, a qualidade
mestra do romancista é o senso do real.
88
Imaginação e realidade se opõem em meados e fins do século XIX, trazendo à
tona discussões sobre a realidade na Literatura e como essa representação deveria
acontecer, como nos fala ainda Zola: “Todos os esforços do escritor tendem a ocultar o
imaginário sob o real.”
O texto ―O Mundo‖ de Compagnon também traz essa problemática de
questionamentos sobre o material da Literatura e suas relações com a realidade. Inicia-
se com a pergunta De que fala a literatura? e trata, inicialmente, da questão da
mímesis, que só passou a ser questionada pela teoria literária
que insistiu na autonomia da literatura em relação à realidade, ao referente, ao
mundo, e defendeu a tese do primado da forma sobre o fundo, da expressão
sobre o conteúdo, do significante sobre o significado, da significação sobre a
representação, ou ainda, da sèmiosis sobre a mimèsis.
89
Compagnon defende que a literatura também fala da literatura, mas que uma
relação dela com o mundo. Traz os vários termos que, possivelmente, substituiriam
―mimesis até os termos ―dialogismoe ―intertextualidade‖, ou seja; a idéia de que
um texto é um mosaico de citações, de Barthes e Kristeva. E, resolve que partirá de dois
clichês: “a literatura fala do mundo, a literatura fala da literatura”.
Antoine Compagnon assinala que para Barthes o realismo e a imitação têm
caráter acessório.
O texto não é executável como um programa ou um roteiro: isso é suficiente
para que Barthes rejeite toda hipótese referencial na relação entre a literatura e
o mundo, ou mesmo entre a linguagem e o mundo, para expulsar da teoria
literária todas as considerações referenciais. O referente é um produto da
sèmiosis, e não um dado preexistente.
90
Depois de muito problematizar a questão da mimèsis, Compagnon volta ao ponto
em que ela é vista como reconhecimento pelo leitor, na visão de Paul Ricoeur.
Assim, a mimèsis, imitação ou representação de ações (mimèsis praxeos), mas
também agenciamento dos fatos, é exatamente o contrário do ―decalque do real
preexistente‖: ela é ―imitação criadora‖. Não ―duplicação da presença‖, ―mas
incisão que abre o espaço da ficção; ela instaura a literariedade da obra
88
ZOLA: 1995.
89
COMPAGNON: 2003.
90
COMPAGNON: 2003.
literária‖: ―o artesão das palavras não produz coisas, apenas quase-coisas,
inventa como-se‖.
91
A concepção de mimèsis, em nosso entendmento, é muito aproximada daquilo
que Guimarães Rosa concebia como matéria da Literatura. A Literatura não é a vida, a
realidade, mas é dela, que a Literatura se vale para existir recriando de forma nova.
O segundo prefácio de Tutaméia, ―Hipotrélico‖ trata da criação de neologismos,
do direito que o escritor tem de criar novas palavras. Em tom irônico e linguagem
divertida, João Guimarães Rosa defende, para o escritor, esse direito, que a sociedade
‖ apenas para os incultos já que estes teriam uma linguagem pobre, simples e
intuitiva.
Diz-se-nos também, é certo, que tudo não passa de um engano de arte, leigo e
tredo: que quem inventa palavras é sempre um indivíduo, elas, como as
criaturas, costumando ter um pai só; e que a comunidade contribui apenas
dando-lhes ou fechando-lhes a circulação. Não importa. Na fecundidade do
araque apura-se vantajosa singeleza, e a sensatez da inocência supera as
excelências do estudo. Pelo que, terá de ser agreste ou inculto o neologista, e
ainda melhor se analfabeto for.
92
Na Glosação em apostilas ao hipotrélico‖, Rosa deixa claro seu
descontentamento em relação aos que são contra o uso de neologismos.
§
À neologia, emprego de palavras novas, chamava cero “verborum
insolentia”. Originalmente, insolentia designaria apenas: singularidade, coisa
ou atitude desacostumada, insólita; mas, como a novidade sempre agride, d
sua evolução semântica para: arrogância, atrevimento, atitude desaforada,
petulância grosseira.
93
Mas a intuição também é virtude do poeta, e este tem a necessidade de criar
novas palavras já que, constantemente, as expressões existentes não são suficientemente
precisas na representação dos sentimentos de um escritor. E defende o uso de
neologismos no pós-escrito do prefácio.
s-escrito:
Confira-se o de Quintiliano, sobre as palavras:
“Usitatis tutius utimur, nova non sine quodam periculo fingimus. Nam
si recepta sunt, modicum laudem adferunt orationi, repudiata etiam in iocos
exeunt. Audendum tamen; namque, ut Cicero ait, etiam quae primo dura visa
sunt, usu molliuntur.”
(―O mais seguro é usar as usadas, não sem um certo perigo cunham-se
novas. Porque, aceitas, pouco louvor ao estilo acrescentam, e, rejeitadas o
91
COMPAGNON: 2003.
92
ROSA, João Guimarães. Tutaméia Terceiras Estórias. P 107.
93
ROSA, João Guimarães. Op. Cit. P.110.
em farsa. Ousemos, contudo; pois, como Cícero diz, mesmo aquelas que a
principio parecem duras, vão com o uso amolecendo.‖)
94
Guimarães Rosa brinca com as palavras em ato de trabalho intenso, ele tem a
chave. Ele as quebra e as remenda, inventa, inova e alcança com elas um nível
simlico mais profundo, capaz de produzir múltiplos sentidos, revelados ou insinuados
no tecido literário, causando, em sua escrita, uma permanente tensão.
Disse o poeta Carlos Drummond de Andrade:
“Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?”
95
O terceiro prefácio é uma narrativa chamada ―Nós os temulentos‖. Nela se
fundem os conceitos marcados pelos dois prefácios anteriores, em comprovação da
elaboração literária de João Guimarães Rosa.
O uso de neologismos é vasto: “Estava sozinho, detestava a sozinhidão
96
; E
conseguiu quadrupedar-se, depois verticou-se, disposto a prosseguir pelo espaço o seu
peso corporal.”
97
, bem como o das anedotas: “E avistou um avistado senhor e com ele
se abraçou: - Pode me dizer onde é que estou? Na esquina de 12 de setembro com 7
de outubro. Deixe de datas e detalhes! Quero saber é o nome da cidade...
98
.
Chico, o embriagado personagem principal, em tentativa de voltar para casa após
uma bebedeira com dois amigos, traz uma reflexão, que é, em nossa concepção, uma
das questões principais da obra de Guimarães Rosa e tema recorrente: o estar no mundo.
Os personagens procuram escapar ao drama da existência, numa trama em que
fantasia e realidade se alternam, alterando limites e censuras impostos pela sociedade,
desencadeando um desmascaramento de emoções, com a presença do cômico de
94
ROSA, João Guimarães. Op. Cit. P.112.
95
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―Procura da Poesia‖. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda
Européia e Modernismo Brasileiro. P. 370-371
96
ROSA, João Guimarães. Op. Cit. P. 151.
97
ROSA, João Guimarães. Op. Cit. P. 154.
98
ROSA, João Guimarães. Op. Cit. P. 153.
situações ridículas e imprevistas, mas também com um fio de melancolia que o tema,
pensar‖ o ―ser‖, envolve.
O propósito e a origem da existência e dos seres são os objetivos dos
pensamentos das personagens. Especulação em torno dos primeiros princípios e das
causas primeiras do ser.
O mundo visto através do ponto de vista de um bêbado a realidade
transfigurada instaura um processo de questionamento, da vida, da validade das coisas.
No último prefácio de Tutaméia, Sobre a escova e a dúvida‖, Guimarães Rosa
fala do processo de criação e dos aspectos metafísicos que envolvem a criação literária.
Mesclando o aprendizado da vida e do mundo com a ficção. Repleto de
confissões sobre vida e concepção de Literatura, esse prefácio é uma conclusão dos
precedentes. Ele condensa tudo aquilo que vinha sendotecido‖ desde o primeiro
prefácio, destacando os contrastes e contradições do mundo, os conflitos vitais do
homem.
O caráter confidente é mais revelador neste que nos outros prefácios. Através
dele, podemos notar mais facilmente a consciência literária da arte e sua finalidade em
Guimarães Rosa.
O prefácio traz ainda a dúvida. A dúvida da realidade. Questiona a ordem
estabelecida, o caminho reto, e revela a busca do escritor por uma identidade literária
sem amarras.
O que é real? O que é natural? O que é sobre-natural? O ramo central da
metafísica é a ontologia, que investiga em quais categorias as coisas estão no mundo e
quais as relações dessas coisas entre si. A metafísica também tenta esclarecer as noções
de como as pessoas entendem o mundo, incluindo a existência e a natureza do
relacionamento entre objetos e suas propriedades, espaço, tempo, causalidade, e
possibilidade.
Todos os precios de Tutaméia carregam uma complexidade que envolve
elementos da teoria e prática da criação, problemas de natureza metafísica e psicológica.
Das insinuações reflexivas do primeiro prefácio à revelação mais objetiva do último,
encontramos um constante jogo na linguagem de Guimarães Rosa. O autor cria para si
uma linguagem que reflete o cerne da própria arte, decorrendo, daí, um problema mais
grave: a leitura dessa linguagem.
Provavelmente, se a linguagem transgressora não existisse de modo tão radical
em Guimarães Rosa, muitos o achariam um autor banal, em virtude das esrias,
desprovidas dessa linguagem, apresentarem uma trama simples. Entretanto, é na
linguagem que reside o valor maior do texto; é a linguagem que dá vida à arte literária.
Essa consciência da linguagem é um fato em Guimarães, a ponto de idealizar sua
linguagem uma quase língua, que revela seu universo de percepção do real. É certo que
o homem se distingue pela linguagem e Rosa não fugiu à regra, ao contrário, acentuou-a
de modo enérgico.
João Guimarães Rosa não modificou a sua linguagem, lançou para os prefácios a
mesma linguagem literária que usaria para resolver os problemas da criação.
Conseqüentemente, esse problema assumiria outra perspectiva: a inovação da
linguagem nos prefácios
O prefácio pode parecer um simples texto que se situa ao lado de outro texto que
lhe é principal, entretanto, a aparente simplicidade se converte em complexidade no
momento em que ele se apresenta mais explicativo do texto ao qual se vincula, valendo
por uma poética. Torna-se uma consciência da prática da escritura. Seu foco passa a ser
a explicação de outro texto que lhe serve de objeto, propondo-lhe uma avaliação a partir
do sistema de valores que o texto objeto instaura.
Desta forma, percebemos que as anedotas poderiam representar a parte extrda
da realidade para a elaboração artística de João Guimarães Rosa. Elas revelam aquilo
que a realidade expressa na sua linguagem muda.
3.2. LÍNGUAS NA LINGUA E NA CRIAÇÃO
A concepção final de mimèsis como ―imitação criadora‖ é, como dissemos,
muito aproximada daquilo que Guimarães Rosa concebia como matéria da Literatura. A
Literatura o é a vida, a realidade, mas é dela, da realidade, que a Literatura se vale
para existir recriando a realidade e representando-a de forma nova, criativa e viva.
Outras queses concernentes à representação do real em Guimarães Rosa
perpassam pela questão das muitas nguas que o autor dominava e o modo como elas o
influenciaram. Este ponto de nosso trabalho encontra-se, ainda, um pouco fragmentado
e carente de amadurecimento relacionado a questões, por exemplo, de tradução.
A tradução na Roma clássica e no Renascimento teve aspectos claros de
incursão e transformação da ngua de chegada. Também Walter Benjamin (1923)
defende que o tradutor deve deixar a ngua de chegada mover-se através da língua
estrangeira, deve ampliar e aprofundar a própria língua graças á língua estrangeira.
A tradução sempre amplia e renova a língua de chegada, introduzindo nela no
mínimo um léxico novo, mas também inovações formais, prosódicas, até mesmo
sintáticas. O ideal é que estas contribuições sejam oportunas e criativas, e não
redundantes e ditadas pela mera preguiça do tradutor. Um exemplo positivo é a
introdução no inglês da oitava-rima, forma originariamente ibérica, através de traduções
de poetas italianos, que permitiu a Byron a criação de sua obra-prima, Don Juan. Outro
exemplo seria o ingresso do termo ―privacidade‖ no português, uma palavra útil que
veio do ings. Por outro lado, temos exemplos negativos, como a introdução no
português de ―evidência‖ no sentido de ―indício, prova‖. Isso é negativo porque a
palavra ―evincia‖ já existia com a acepção de aquilo que é evidente, que dispensa
indícios ou provas‖, desse modo gerando confusão no campo semântico em questão.
A tradução não deixa de ser uma co-autoria. Para ser tradutor, é necessário
acima de tudo saber ler e escrever bem na língua para a qual se traduz. Também é
importante conhecer muito bem uma outra língua, a língua da qual se traduz. Mas esse
segundo requisito não é absolutamente vital como o primeiro. casos de excelentes
traduções de uma língua que o tradutor não conhece muito bem, consultando falantes
nativos, dicionários, etc. Outras coisas que ajudam são dispor de uma ampla cultura
geral, ser um leitor insaciável, ter um interesse onívoro por assuntos os mais diversos
(mesmo os aparentemente irrelevantes), amar os dicionários, as enciclodias, as
gramáticas.
O que intentamos fazer é demonstrar, que Rosa, ao representar o mundo na
Literatura o fez de forma muito vasta com o auxilio de outras nguas, e em nosso caso,
em especial, trabalharemos com a língua Ale tentando, inicialmente, a partir da
tradução do primeiro índice de Tutaméia, fazer uma relação o mais direta possível entre
o idioma alemão e o português, observando , desta forma, como se deu a tradução e/ou a
influência da ngua nos escritos de Rosa. (Anexos 13 a 18).
A tradução e publicação em alemão me entusiasma, por sua alta significação
cultural, e porque julgo esse idioma o mais apto a captar e refletir todas as
nuances da língua e do pensamento em que tentei vazar os meus livros.
99
Faz-se necessário falarmos um pouco sobre o tradutor para a ngua alemã dos
livros de Guimarães Rosa Curt Meyer-Clason, por ser esse um dos melhores
tradutores de Rosa, segundo o próprio autor.
Estimo muito Meyer-Clason, admiro-o como homem da ngua, admiro suas
qualidades. É o melhor de todos os meus tradutores, provavelmente um dos
melhores que há no mundo. Um homem que se estima tanto não pode ser
considerado um simples transportador de palavras. Com ele se discute
sabendo-se que vale a pena, que não é tempo perdido. Confesso com muito
prazer que Meyer-Clason me convenceu de que uma passagem de meu
romance na realidade se tratava de uma metáfora era mais convincente em
alemão que em meu original. É claro que aceito isso, e em uma nova edição
brasileira pretendo adaptar assa passagem à versão que Meyer-Clason
encontrou em aleo. A isto eu chamo cooperão, co-pensamento.
100
Meyer-Clason nasceu em Ludwigsburg, Alemanha, em 19 de setembro de 1910.
Morou no Brasil de 1937 a 1954, exercendo atividades comerciais. Voltou à Alemanha
e começou a trabalhar como leitor em rias editoras alemãs e como escritor e tradutor.
De 1969 a 1977 foi diretor do Instituto Goethe, em Lisboa.
Além de Guimarães Rosa traduziu ainda Machado de Assis, Mário de Andrade,
Adonias Filho, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Gerardo Melo Mourão,
Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Autran Dourado, entre outros.
O contato com a literatura de Rosa deu-se em 1958, em conversa com o cônsul
brasileiro em Munique, Frank Henri Mesquita de Teixeira, que sugeriu a Clason que
conhecesse a obra do autor. A partir do ano seguinte se iniciaria um ciclo de
correspondências entre Guimarães e Clason, que seria interrompido em 1967, ano da
morte de João Guimarães Rosa.
99
ROSA, João Guimarães. João Guimarães Rosa - Correspondência com seu Tradutor Alemão Curt
Meyer- Clason: (1958 - 1967)/ edição, organização e notas Maria Aparecida Faria Marcondes Bussolotti;
tradução Erlon José Paschoal. Pag.25.
100
Op. Cit. Pag.12.
A corresponncia entre Autor e Tradutor, a partir daí, se tornaria fecunda,
participando JGR ativa e exaustivamente na escritura de sua obra em alemão,
por meio de esclarecimentos, comentários, sugestões e correções, ― como
fantasiosos produtos do bestunto‖, pois dizia-se ignorante do idioma e que se
devia ―lutar pelo ‗melhor‘, sabido inimigo do ‗bom‘‖, (...) podemos lutar pelo
‗ainda mais-ótimo‘, inimigo do ‗ótimo‘‖.
101
Para uma primeira amostra do trabalho que estamos fazendo analisaremos a
tradução do título do conto Antiperipléia‖.
Antiperipléia. tulo do primeiro conto de Tutaméia./ ND. Movimento circular de
volta; recurso‘. // De anti + périplo (navegação à volta de) + -éia. ‗viagem ao
contrário‘, ‗de retorno‘. O personagem diz: Tudo para mim é viagem de volta.
102
Trazendo otulo para o idioma alemão temos ―Gegenumseglung‖, que podemos
analisar da seguinte forma:
Alemão
Português
gegen (prefixo) = anti, contra;
anti (prefixo);
um = preposição ou partícula que dá noção de
movimento circular. Ex: Um veículo numa
rotatória fará um movimento circular
Umfahrung (um + fahren = verbo dirigir ou
guiar + ung sufixo que causa a substantivação
de palavras no alemão);
riplo = navegação
Seglung = segeln (verbo velejar) + ung
(sufixo que causa a substantivação de palavras
no alemão).
-éia = sufixo que reforça o movimento de
retorno
Gegen + um + seg + l +ung
A letra ‗l‘, nesse caso, funciona como uma
cola entre o verbo e o prefixo. Chama-se
Fugenzeichen.
Anti + peripl + éia
Como podemos ver, há uma grande correspondência na tradução alemã com as
partes da palavra em português. Isso ocorre muitas vezes nos demais títulos do índice e
ocorre também em sentido inverso, ou seja; do português para o alemão. Vejamos:
Português
Alemão
101
Op. Cit. Pag. 40.
102
MARTINS, Nilce Sant‘Anna. O Léxico de Guimarães Rosa. p 34.
Estoriinha
Geschichtchen
Estória + iinha (sufixo incomum ao português.
O diminutivo de estória, usualmente, seria
estoriazinha ou estorinha.
Geschichte = estória
tchen = (sufixo alemão que pode ser
perfeitamente traduzido por iinho/a.).
A letra ‗eé suprimida da raiz da palavra..
Geschicht + tchen
Com esses poucos exemplos, pretendemos apenas demonstrar a dificuldade que
encontramos nessa parte do trabalho e expor um pouco do que já foi alcançado.
O segundo exemplo nos leva a crer que Guimarães Rosa fez uso da língua alemã
para criar otulo de sua ―Estoriinha‖, e talvez, de muitas outras.
Continuando nossa análise da tradução dos títulos dos contos e prefácios de
Tutaméia, iremos dividi-los em três categorias a saber: 1. Traduzidos ao pé da letra; 2.
Intraduzíveis e 3. Motivados pela estória.
Listaremos a seguir a primeira categoria os traduzidos ao pé da letra.
PROTUGUÊS
ALEMÃO
Aletria e Hermenêutica
Aletrie und Hermeneutik
Antiperipléia
Gegenumseglung
A vela ao diabo
Die Kerze für den Teufel
Azo de almirante
Admiralsschiksal
Como ataca a sucuri
Wie die Sucuri-Schlange angreift
Curtamão
Stellmass
103
Esses Lopes
Diese Lopes Brüder
Estória nº 3
Geschichte Nr. 3
Estoriinha
Geschichtichen
Faraó e a água do rio
Faraó und der Wasser des Flusses
Hiato
Hiatus
Hipotrélico
Hipotrelisch
João Porém, o criador de perus
Joao Trotzdem, der Truthanzüchter
Grande Gedeão
Der grosse Gedeão
Reminisção
Reminiszenz
Lá, nas campinas
Dort, auf den Campinas
Melim -Meloso
Honigzart- Honigsüss
103
A tradução deste título também é considerada motivada, como veremos mais adiante.
No prosseguir
Fortgang
O outro ou o outro
Der andere oder der andere
Orientação
Orientierung
Os três homens e o boi
Die drei Männer und der Stier der drei
Männer, die einen Stier erfanden
Presepe
Krippe
Quadrinho de estória
Kleines Bild mit einer Geschichte
Rebimba, o bom
Rebimba, der Gute
Retrato de cavalo
Portät eines Pferdes
Ripuária
Ripuarisch
Se eu seria personagem
Wenn ich eine Persönlichkeit wäre
Sinhá Secada
Vertroknete Sinhá
Sobre a escova e a dúvida
Über die Zahnbürste und den Zweifel
Tresaventura
Dreimalabenteuer
-Uai, eu?
Wieso, ich?
Umas formas
Einige Formen
Vida ensinada
Unterrichtetes Leben
Zingaresca
Zigeunerweise (um pouco motivado)
A segunda categoria dos títulos intraduzíveis.
PORTUGUÊS
ALEMÃO
Barra de vaca
Barra de vaca
Droenha
Droenha
Mechéu
Mechéu
E, finalmente a terceira dos títulos motivados pelas estórias.
PORTUGUÊS
ALEMÃO
Curtamão
Stellmass
Desenredo
sung
Intruge-se
Störung
s, os temulentos
Wir, die Betrunkenen
Palhaço da boca verde
Spassvogel mit grünen Schnabel
Sota e Barla
Ruhepause vor dem Wind
Tapiiraiauara
Tapirjaguar
Zingaresca
Zigeunerweise
Vale lembrar, aqui, que na tradução para o alemão, cada prefácio vem precedido
da palavra Vorwort, que significa prefácio, o que não acontece nas edições em
português.
Continuando a análise dos títulos traduzidos, temos argumentos para acreditar
que o autor utilizou-se da inflncia da ngua alemã para criar alguns de seus tulos.
O conto ―Sinhá Secada‖, por exemplo, traduzido para ―Vertroknete Sinhá traz o
uso do particípio incomum no português, mas no alemão ele é composto de acordo com
a regra. Se em português podemos ter ―secada‖ ou seca‖, em alemão apenas uma
forma vertroknete‖, que equivale a forma em português escolhida pelo autor.
Seguindo a questão do particípio, temos o conto ―Vida ensinada‖, que em
alemão é Unterrichtetes Leben‖. Neste caso a correspondência é simples, pois em
português não temos outra possibilidade para o particípio ensinada‖, e a forma no
alemão segue a regra da língua alemã, que o abordaremos aqui por este trabalho não
tratar da língua alemã propriamente dita.
Há, aqui, uma escie de convivência do autor com o tradutor e de ambos com
as duas línguas. Como se Guimarães soubesse, e o sabia, que Tutaméia seria
traduzido por Meyer-Clason e que este não teria problemas em identificar determinadas
questões intrínsecas da língua portuguesa, inclusive pelo fato de o amigo Guimarães
Rosa ter escrito a obra com o pensamento, em parte, na sua tradução. Tal hipótese
ilustramos com a citação que virá a seguir.
Desta forma, observemos a tradução do conto Esses Lopes‖. Todos nós
brasileiros sabemos que Lopes se trata de um nome de família, mas para os alemães isso
seria impossível de se deduzir pelo titulo do conto se o tradutor não tivesse incluído a
palavra Brüder‖, que significa irmãos. Portanto, ―Diese Lopes Brüder‖ é para os
alemães Esses irmãos Lopes. A convincia entre autor e tradutor e suas respectivas
línguas, facilitou a resolução desse pequeno impasse; como deixar claro que se trata de
um nome de família? Atribuindo-lhes os laços familiares já no tulo do conto.
De Rosa, diz Meyer-Clason, em seu artigo João Guimarães Rosa e a Língua
Alemã‖:
Em todas as cartas, rabiscos de mensagens, cartões, esclarecimentos, notinhas,
bilhetes sempre transparece um trecho denominador: a pressa, a inconsciente
ânsia no duplo sentido da palavra. Rosa quer chegar, quer terminar, quer ver
sua obra publicada no além-mar, quer vê-la lida, discutida, criticada.
104
104
In: Guimarães Rosa Estudos. Instituto Luso-brasileiro, Pag.45.
O conto ―Zingaresca‖ tem um acréscimo de significação na tradução alemã.
Zingaresca é um adjetivo relativo a zíngaro, relativo a cigano. No alemão Zigeuner,
quer dizer cigano, mas, motivado pela estória o tradutor incluiu a palavra Weise
conhecimento, sabedoria. Zigeunerweise é referente à sabedoria dos ciganos.
O outro conto que figura na lista dos traduzidos ao da letra, mas que tamm
é um pouco motivado é a tradução de Curtamão‖, que em alemão é ―Stellmass. Temos
em ambas as nguas uma composição de palavras ―curta‖ + ―mãoe Stell+ “Mass‖.
Vejamos: Stell é o radical de Stellung = lugar e Mass = medida, que juntas formariam
algo em português como ―sob medida‖. Curtamão é um conto que trata da construção de
uma casa que é colocada de costas para a rua e que não tem entradas uma casa feita
sob medida para a dor da personagem Armininho.
O conto ―Desenredo‖ traduzido para “Lösung” tem essa tradução totalmente
motivada pela estória. Lösung sigfica solução, resultado, que é o que encontramos de
fato no conto. Pode-se pensar que aqui a tradução perde para o título original, mas há na
palavra sung uma infinidade de possibilidades de interpretão, que não muitas
pistas ao leitor alemão; ela pode significar resultado de um cálculo, por exemplo, mas o
leitor alemão, tanto na leitura como na releitura da obra, ao chegar nesse conto
desconfiará do tipo de estória com a qual se deparará. Ao final da leitura o desenredo
ficará compreendido, tanto em português quanto em alemão.
O conto que analisaremos a seguir traz uma curiosidade interessante. O
protagonista da estória se chama Ladislau, nome que seria o de João Guimarães Rosa, se
o fosse por insistência da mãe em nom-lo de acordo com seu santo de devoção e
o o do dia. Temos então a presença do autor na estória. Além disso, Ladislau possui
um cachorro chamado Eu-meu. A ótica do conto nos é apresentada pelo olhar
preocupado de Ladislau, já que se trata de uma estória de assassinato, e pelo jeito
desconfiado do o. É uma estória sobre a percepção de Ladislau, por isso o título
Intruge-se‖, que se traduziu para “Störung” transtorno, preocupação. À primeira
vista pode-nos parecer que percepção e transtorno o estão muito ligados, mas ao
lermos o conto notamos que essa percepção, esse entendimento de que algo gravíssimo
está acontecendo em volta de si, é também um transtorno constante para Ladislau daí
a motivação para a tradução.
s, os temulentos‖ é o terceiro prefácio do livro e foi traduzido para Wir, die
Betrunkenen‖, que significa s, os bêbados‖. A tradução alemã abre mais o campo de
expectativas do leitor, que em português; muitas vezes não associamos o termo
temulento à bebida, devido à perda do uso das palavras que Guimarães pouco a pouco
resgata.
O conto ―Palhaço da boca verde‖ tem uma tradução muito interessante para uma
expressão idiomática Spassvogel mit grünem Schnabel‖. Em alemão o termo
Spassvogel designa ao pé da letra uma ave divertida, mas a expressão idiomática alude a
uma pessoa engraçada. O termo Schnabel significa bico, mas a expressão o distorce
para iniciante. Teríamos então uma pessoa engraçada, que é iniciante em algo, ou
imatura, que é o caso do palhaço da estória. O conto trata de uma estória de amor
imaturo e de forma inica porque o palhaço, na verdade, não é engraçado.
Mema, a ela não deixava de voltar quem vez a pressentisse, como num caroço
de pêssego sobrados venenos, como a um vinagre perfumoso. Ele nunca
teve graça, o que divertia era seu excesso de lógica... tossiu, por nojo. O que
ele imaginava, de amor a Ona Pomona, seria no mero engano, influição,
veneta. Soube outra forma: o amava. Ele não quer ser ele mesmo...
Mesma, entredisse, em enfogo, frementes ventas como se da vida alguma
verdade só se pudesse apreender através de representada personagem.
105
Sota e Barla‖ traduzido por “Ruhepause vor dem Wind” é um conto que trata de uma
divisão entre dois amores, entre direita e esquerda como o vento no mar barlavento e
sotavento. O título em alemão alude ainda a uma calmaria antes do vento uma
refleo da personagem antes deste sentir-se dividido.
E de noite: enchida a lua. Então, apalpou de repente no coração a Bici, que
notou que amava; que o amor menos é um gosto para se morder que um
perfume, de respirar. Tinha o nome dela, levantado sozinho, feito prendida no
tope do chapéu branquinha flor.
106
Tapiiraiauara‖ é um conto sobre uma caça a anta com filhote. Iô Isnar é caçador
como um jaguar “Tapirjaguar”, mas perdeu a caça.
Dera-se que Isnar trouxera-me a caçar a anta, na rampa da serra. Sobre sua
trilha postavamo-nos em ponto, à espera, por onde havia de descer, batida
pelos cães. Sabia-se, a anta com o filhote. Acima, a essa hora, ela pastava na
chapada.
107
O termo tapir vem do tupi tapi‟ira e significa anta, e foi mantido nos dois
títulos, o que nos leva a crer que Guimarães queria facilitar ou forçar o uso do termo
tupi na tradução, bem como reavivar o termo tupi para os brasileiros, pois em português
tapir significa anta, ou seja, temos um nome para o animal. Na língua alemã anta
também se chama tapir, sem qualquer outro nome equivalente para o animal.
105
Tutaméia. Op. Cit. Pag 171.
106
Idem. Pag 238.
107
Idem. Pag 239.
O que reforça esta teoria é o fato de que o conto ―Arroio-das-Antas‖ ter sido
traduzido para “Tapirbach”.
É sabido da comunidade acamica, que Guimaes Rosa, o poliglota, tinha uma
predileção e maior convívio com a ngua alemã, desta forma, a tradução de sua obra
para a ngua alemã representava para ele algo especial, mesmo mostrando
reconhecimento pelas traduções em outras línguas, Rosa considerava a tradução de seu
único romance Grande Sertão: Veredas para o alemão como a melhor das traduções;
como recriação da obra em outra língua.
Não conheço escritor e conheço alguns que se tenha, como João Guimarães
Rosa, interessado tanto pelo problema da tradução, da transplantação
operão mea àquela que o autor realiza no papel branco diante de si, que
o processo da tradução prossegue o processo da criação literária.
108
Para Guimarães Rosa o leitor alemão tinha uma visão mais minuciosa das
paisagens da natureza, da poesia implícita e do pensamento metafísico de suas obras. O
trabalho de tradução concebido por Curt Meyer-Clason com a ajuda de Rosa através de
correspondências, que se arrastaram por anos, era um trabalho expresso em glossários,
acompanhados de reflexões acerca da literatura, do que é a tradução, das palavras e do
fazer da escrita da língua, da linguagem, do homem.
As edições alemãs saíram pela ordem de datas seguinte: Grande Sertão. Roman,
1964 (1968); Corps de Ballet. Romanzyklus, 1966; Das Dite Ufer des Flusses, 1968
(Mein Onkel der Jaguar, 1981) e Sagarana, 1982. Tutaméia foi traduzido para o
alemão em 1994.
108
In: Guimarães Rosa Estudos. Pag. 47.
CONCLUSÃO
A exegese, atualmente, nos permite conviver com tantas possibilidades de
definição para um único tipo de texto, mas cabe aos estudos literários definir, no
mínimo, aproximadamente o que seriam de fato prefácios, já que eles vêm se
modificando tanto a ponto de tornarem-se, para alguns críticos, textos literários
autônomos. Não podemos interpretar qualquer texto de qualquer maneira. A orientação
para os estudos literários deve ser rigorosa e limitar, dentro de seu âmbito, as
possibilidades de análise dos prefácios.
Vimos neste trabalho, que Rosa fez uso dos prefácios como textos ficcionais,
mas que também falam da obra, do fazer literário, mas de forma também literária.
Vemos que os textos todos de Guimarães Rosa, não os prefácios, têm muita
plasticidade e podem servir a muitas intenções desde que bem realizada a leitura. A
questão da quebra dos gêneros é marcante em sua obra, como vimos em Tutaméia, mas
também em Corpo de Baile.
A linguagem, tema principal deste trabalho, restaurada, significa restauração da
vida individual, interna e externa, e, portanto, também em comunidade. É uma ética, um
compromisso. A linguagem, para Guimarães Rosa, é vida que engendra idéias, sentido,
mundo.
Por isso Rosa se situa na vida, em todos os seus veis, com postura de quem
procura o homem justo, que busca restaurar sua vida, sua alma, seu mundo e, por meio
disso, restaurar, igualmente, o homem brasileiro, dando-lhe uma linguagem renovada,
original, viva, cheia de sentido, uma linguagem, que estimula o pensamento e as idéias,
na criação de um mundo, que pode sair da ficção.
Até certo ponto podemos comparar os prefácios de James com os prefácios de
Tutaméia. Em Tutaméia, o caráter memorialístico não é como o de James, mas ele
existe visto que o autor João Guimarães Rosa reexamina sua obra, relembra
momentos da escritura e a critíca, mas não apenas isso; Rosa aponta métodos de criação
literária que considera adequados, mas faz isso em linguagem literária. James o fez em
linguagem ensaística, memorialista e crítica.
Para ambos os autores, as relações se encontram no limiar entre vida e arte. É da
vida que se faz a arte, mas só a partir do momento em que o artista deita-lhes o seu olhar
entendedor. A vida é, portanto, uma força de amplitude descontrolada que também é
matéria de ficção. A ficção vista como arte deve ser comedida, por isso o autor tem que
selecionar para então compor a ficção. A arte é composição, mas deve haver um
equilíbrio entre vida e arte, entre o poder controlador da arte e a multiplicidade
descontrolada do real. Mas sim, a arte trata daquilo que vemos através do trabalho
árduo do escritor.
A vida de João Guimarães Rosa foi linguagem e ele a fez imprevisível, fazendo
com que o leitor se sentisse surpreso e desta forma valorizasse mais o estímulo
estilístico e que, com o estranhamento provocado pelo imprevisível, se pensasse e
pensasse o mundo sentido.
Tutaméia é um grande livro, com uma grande carga teóricoliterária, mas é
também uma grande interrogação. Cada uma de suas estórias e prefácios traz uma
refleo nova e desconcertante; fragmentada muitas vezes, mas bela pelo que tem de
trabalho e retrabalho.
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