uma tal monotonia é grandemente saudável. Com este regime, durante oito, dez, dezoito
meses - suponhamos dois anos, - reduzes o intelecto, por mais pródigo que seja, à
sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum. Não trato do vocabulário, porque ele está
subentendido no uso das idéias; há de ser naturalmente simples, tíbio, apoucado, sem notas
vermelhas, sem cores de clarim...
- Isto é o diabo! Não poder adornar o estilo, de quando em quando...
- Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas, a hidra de Lerna, por exemplo,
a cabeça de Medusa, o tonel das Danaides, as asas de Ícaro, e outras, que românticos,
clássicos e realistas empregam sem desar, quando precisam delas. Sentenças latinas, ditos
históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo
para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento. Caveant consules é
um excelente fecho de artigo político; o mesmo direi do Si vis pacem para bellum. Alguns
costumam renovar o sabor de uma citação intercalando-a numa frase nova, original e bela,
mas não te aconselho esse artifício: seria desnaturar-lhe as graças vetustas. Melhor do que
tudo isso, porém, que afinal não passa de mero adorno, são as frases feitas, as locuções
convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na memória individual e
pública. Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil. Não
as relaciono agora, mas fá-lo-ei por escrito. De resto, o mesmo ofício te irá ensinando os
elementos dessa arte difícil de pensar o pensado. Quanto à utilidade de um tal sistema,
basta figurar uma hipótese. Faz-se uma lei, executa-se, não produz efeito, subsiste o mal.
Eis aí uma questão que pode aguçar as curiosidades vadias, dar ensejo a um inquérito
pedantesco, a uma coleta fastidiosa de documentos e observações, análise das causas
prováveis, causas certas, causas possíveis, um estudo infinito das aptidões do sujeito
reformado, da natureza do mal, da manipulação do remédio, das circunstâncias da
aplicação; matéria, enfim, para todo um andaime de palavras, conceitos, e desvarios. Tu
poupas aos teus semelhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes simplesmente: Antes das
leis, reformemos os costumes! - E esta frase sintética, transparente, límpida, tirada ao
pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritos como um jorro
súbito de sol.
- Vejo por aí que vosmecê condena toda e qualquer aplicação de processos modernos.
- Entendamo-nos. Condeno a aplicação, louvo a denominação. O mesmo direi de toda a
recente terminologia científica; deves decorá-la. Conquanto o rasgo peculiar do medalhão
seja uma certa atitude de deus Término, e as ciências sejam obra do movimento humano,
como tens de ser medalhão mais tarde, convém tomar as armas do teu tempo. E de duas
uma: - ou elas estarão usadas e divulgadas daqui a trinta anos, ou conservar-se-ão novas; no
primeiro caso, pertencem-te de foro próprio; no segundo, podes ter a coquetice de as trazer,
para mostrar que também és pintor. De outiva, com o tempo, irás sabendo a que leis, casos
e fenômenos responde toda essa terminologia; porque o método de interrogar os próprios
mestres e oficiais da ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e
cansativo, traz o perigo de inocular idéias novas, e é radicalmente falso. Acresce que no dia
em que viesses a assenhorear-te do espírito daquelas leis e fórmulas, serias provavelmente
levado a empregá-las com um tal ou qual comedimento, como a costureira esperta e
afreguesada, - que, segundo um poeta clássico,