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A autora é responsável pela escolha e pela apresentação dos fatos contidos nesta
publicação e pelas opiniões aqui expressas, que não são necessariamente as da UNESCO
e não comprometem a Organização. As designações empregadas e a apresentação do
material não implicam a expressão de qualquer opinião que seja, por parte da UNESCO,
no que diz respeito ao status legal de qualquer país, território, cidade ou área, ou de suas
autoridades, ou no que diz respeito à delimitação de suas fronteiras ou de seus limites.
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edições UNESCO BRASIL
Conselho Editorial da UNESCO
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Diagramação: Fernando Brandão
Design gráfico: Edson Fogaça
Copyrigth ©2001, UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,
Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, andar.
70070-914 Brasília DF Brasil
Tel.: (55 61) 321-3525
Fax: (55 61) 322-4261
Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca do IFCH-Unicamp
Evangelista, Ely Guimarães dos Santos
Ev733u A UNESCO e o mundo da cultura /ElyGuimarães
dos Santos . - - Campinas, SP: [s.n.], 1999.
222p.
Orientador: Octavio Ianni.
Tese (doutorado) - - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Relações internacionais. 2. Comunicação.
3. Racismo. 4. Relações raciais. 5. Brasil - Relações
raciais. I. Ianni, Octavio, 1926 - . II. Universidade
Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. III. Título.
ISBN: 85-87853-55-4
5
Sumário
Apresentação................................................................................... 7
Abstract ........................................................................................... 9
Prefácio .......................................................................................... 11
Educação, ciência, cultura e a paz mundial: UNESCO .....................13
UNESCO: sua gênese e as esperanças de construir um
mundo novo ..........................................................................18
UNESCO: supremacia e contradições do poder ocidental......30
A UNESCO e a bipolarização do poder num mundo
multicultural ..........................................................................40
Nova composição da UNESCO e caminhos possíveis do
progresso da humanidade ......................................................44
Estatização do Conselho Executivo: hegemonia ocidental
e ordens nacionais .................................................................52
A UNESCO e a comunicação entre as culturas ..............................61
Construindo uma rede mundial de comunicação e
entendimento dos povos ........................................................68
A UNESCO, os meios de informação e um ideal de liberdade
para os povos........................................................................75
O livre fluxo de informação, a UNESCO e a dinâmica do
contexto mundial ...................................................................85
A UNESCO, seu ideal de universalidade e o direito à cultura ... 1 0 2
A UNESCO, o livre fluxo de informação e o “direito de
comunicar” ......................................................................... 111
O livre fluxo de informação, a UNESCO e sua nova
estratégia.......................................................................... 125
Sociedade e cultura: a UNESCO e a questão racial ....................... 145
A questão racial, ontem e hoje: conflitos, acomodações e
antagonismos ...................................................................... 146
Raça, ciência, poder e a busca de um modelo de
democracia racial................................................................ 161
Cuidando da diversidade para construir a unidade em
fragmentação...................................................................... 183
Referências................................................................................... 205
7
Apresentação
Os acontecimentos que abalaram o mundo em setembro de
2001 reafirmam com veemência a irreversibilidade do mandato
conferido pelas Nações Unidas à UNESCO, mandato que essa
instituição vem exercendo cotidianamente no mundo desde o pós-45,
como bem fica aqui demonstrado sob o título A UNESCO e o mundo
da cultura.
Diante do muito que ainda resta por construir após mais de
meio século de trabalho em prol de uma cultura de paz, ressalta-se a
importância da contribuição que este livro vem trazer para uma
participação informada, de todos quantos a ele tiverem acesso, na
construção de uma sociedade regida pelos princípios e valores
defendidos desde sempre pela UNESCO e nos quais ela fundamenta
sua atuação nas áreas de sua competência.
Em seu trabalho catalizador a UNESCO se insere nas diversas
culturas, estabelece parcerias em âmbito mundial, e nas diversas
esferas das sociedades nacionais, e mobiliza as forças locais,
nacionais, regionais e mundiais na direção de decisões políticas que
ensejem a atualização histórica das diversas regiões e povos, no que
diz respeito ao avanço nos direitos fundamentais da pessoa humana.
Trabalho do qual a humanidade não pode prescindir numa sociedade
tecnológica e do mercado mundializado, em que urge reavivar e
fortalecer os valores que devem unir todos os povos e culturas numa
convivência solidária no planeta Terra.
Conhecer a UNESCO, sua luta em defesa de um ideal ético
inerente a uma civilização universal, torna-se fundamental no mundo
contemporâneo. Um mundo cada vez mais interdependente e gerador
de desigualdades e de exclusões. Um mundo no qual além dos
graves problemas sociais, como o terrorismo, as drogas, a violência
entre as crianças e os jovens, as ameaças ao meio ambiente a
8
diversidade, em princípio enriquecedora da humanidade, abre-se em
conflitos, e atos de terror. Um mundo, pois, que exige soluções
negociadas das nações diversas e, portanto, a participação e o
engajamento de todos quantos as constituem. Logo, um trabalho
persistente e continuado nas áreas de atuação da UNESCO.
Publicando este livro a UNESCO tem em vista contribuir para
o conhecimento de seu trabalho e das dificuldades para sua realização.
Conhecimento inserido na agenda de uma educação para a
participação política dos indivíduos na construção democrática da
cultura e de uma cidadania aberta ao mundo.
Jorge Werthein
Diretor da UNESCO no Brasil
Milca Severino Pereira
Reitora da UFG
9
Abstract
The aim of this book is to study the history of UNESCO, United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation, in the fifty
years of its existence. It is made up of three independent essays that
focus on: a) the constitution/construction/reconstruction of this
specialised agency of UNO since the turbulent and tense years of the
Second World War and the post-war years; b) its performance
concerning communication, area which is added to education, science,
and culture; and c) its actions related to the racial issue. Based on
primary sources, such as minutes of the General Conference, reports
of intergovernmental committees, reports of the Director-General to
the General Conference and to UNO, documents produced to support
the events promoted by UNESCO, as well as studies developed about
it, this research permitted situating UNESCO in the play of international
forces which request it for various reasons, making evident that culture
is a concrete element of the world politics.
In a systemic perspective built since 1945 according to the
ideas of nations’ interdependence and those nourished by the ideals
of equality, right, and freedom, it was attributed to UNESCO, as part
of the supranational structure then constituted, the task of integrating
the parts for the benefit of the entire world society and the planet
Earth. Thus, its attribution was mainly to educate the peoples, to win
people’s minds, to educate governments and other agents in the world
scene, aiming at a pacific participation in the international sphere.
The study here presented shows that UNESCO, linking its
intrinsic ethic-moral ideal to the objectives which are operational and
functional to the world dynamics, has contributed essentially to the
process of integration and accommodation of the national conditions
and possibilities before the contradictory dynamic of world economy
10
and politics. In order to achieve this, it has systematised the knowledge
of the conditions and potentialities of its State members and its insertion
in the global economy, educating them for this end, articulated them
regionally, and integrated them in the play of international forces which
have transnationalised. Furthermore, it has promoted debates, studies
and researches about themes and key issues in this process and it has
administered its contrary forces searching to overcome conflicts and
to equate differences. Its aim is at the same time the possible unity
and the respect to diversity, which are central to the expanding civilising
process. The possible conclusion is that UNESCO, in its relationship
of reciprocity with the reality, is a vital force that not only constitutes
the globalisation process but is also constituted by it.
11
P refácio
Este é um livro fundamental para todos os que se interessam
pelos aspectos culturais da globalização. Neste livro Ely Guimarães
dos Santos Evangelista analisa a formação e os desenvolvimentos da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), ressaltando a contribuição dessa instituição
mundial para o diálogo entre os povos e as nações, as culturas e as
civilizações. Faz um histórico das reuniões e resoluções, diretrizes e
atuações, temas e controvérsias com os quais a UNESCO se
transforma em uma instituição simbólica e ativa do compromisso de
indivíduos e coletividades com o diálogo, o intercâmbio de experiências
e a busca de soluções alternativas para os dilemas culturais e sociais
que afligem muitos, em todo o mundo.
Esse o horizonte em que este livro se coloca, esclarecendo
diretrizes e realizações notáveis no âmbito da comunicação e do
entendimento entre os povos, no que se refere à universalização da
educação, ao ideal de liberdade, às relações raciais e à importância
da democratização dos meios de comunicação, em escala nacional e
mundial.
Simultaneamente, o livro esclarece a presença das diretrizes e
realizações da UNESCO no âmbito das sociedades nacionais. Aponta
as influências dessas orientações e avalia os desafios que se criam,
quando políticas e práticas nacionais escondem a preservação de
privilégios e desigualdades que negam a democratização da cultura e
a realização da cidadania. Outro aspecto muito importante deste livro
relaciona-se ao problema fundamental do “ocidentalismo”,
“eurocentrismo” ou “americanismo” presente ou subjacente em
diretrizes e realizações da UNESCO. É no âmbito dessa instituição
que um dos aspectos mais notáveis dessa problemática cultural,
simultaneamente científica e educacional do mundo moderno tem
12
sido focalizada. Em várias ocasiões, os representantes de povos e
nações, compreendendo africanos e asiáticos, caribenhos e latino-
americanos, tendo em conta as suas diversidades e tradições culturais,
fizeram valer as suas posições, reivindicações, diretrizes e realizações,
em contraponto com o eurocentrismo, americanismo ou ocidentalismo.
Vista assim, em perspectiva ampla, mas também em suas
diretrizes, atividades e realizações, a UNESCO revela-se uma
instituição fundamental, particularmente importante em um mundo
multicultural, em luta para manter-se e desenvolver-se em suas
pluralidades, diversidades e visões da vida e do mundo. Contribui,
muitas vezes decisivamente, para a preservação e revalorização das
culturas locais, nacionais e regionais, no âmbito da cultura global em
formação, assinalando a importância das diversidades histórico-sociais,
culturais, de gênero, étnicas, lingüísticas, religiosas e outras.
Desenvolve a compreensão da cultura, sob todas as suas formas,
como o componente essencial da democracia e cidadania, revelando
que a cultura é condição e elemento ativo da compreensão da
realidade, do diálogo entre os povos e nações, bem como da
emancipação de indivíduos e coletividades.
No conjunto, este magnífico livro de Ely Guimarães dos Santos
Evangelista contribui tanto para o esclarecimento da história,
formação e transformação, diretrizes e realizações notáveis da
UNESCO, como também revela como está em curso a formação de
uma sociedade civil mundial. Ao narrar as linhas mestras das atividades
e contribuições da UNESCO, esclarece aspectos muito importantes,
em suas dimensões culturais, do novo ciclo de globalização com o
qual se inicia o século XXI. Contribui para que uns e outros, indivíduos
e coletividades, em todo o mundo, desenvolvam uma concepção
humanística universal da cultura.
Octavio Ianni
13
Educação, ciência, culturaeapaz
mundial: UNESCO
(...) as guerras começam nas mentes dos
homens, é nas mentes dos homens que
devem ser construídas as defesas da paz.
(Ato Constitutivo da UNESCO)
AUNESCO, agência especializada da Organização das Nações
Unidas (ONU) para a educação, a ciência e a cultura, resulta das
discussões ocorridas entre 1942 e 1945, em Londres, quando são
aprovadas a Ata Final da Conferência e a Convenção ou o Ato
Constitutivo pelos quais ela é instituída. A primeira reunião de sua
instância máxima, a Conferência Geral, na qual é discutido seu
programa de ação, relativo ao exercício de 1947, ocorre em novembro/
dezembro de 1946, em Paris, que acolhe sua sede. Os reordenamentos
geopolítico-ideológicos e econômicos, as guerras localizadas desde o
imediato pós-guerra e as relações desses acontecimentos, num mundo
que vai ganhando novas configurações, parecem contraditórios às
intenções norteadoras da idealização da UNESCO. Permitem, porém,
imaginar a possibilidade de essa instituição, ao se inserir no mundo e
se defrontar com os desafios e obstáculos que ele, em seu dinamismo
e contradições, vai lhe apresentando, projetar em um outro patamar
as finalidades para as quais ela foi criada.
Exorcizando a guerra, cujo poder destrutivo fora evidenciado,
as lideranças mundiais postularam, num momento de esperança na
vitória e de complexas negociações, a construção de uma nova ordem
econômica fundada na cooperação entre as nações. Esse objetivo
deveria se realizar num mundo com pessoas, aos milhões, destituídas
de seus espaços vitais, desenraizadas; um mundo conturbado, tenso,
14
de reconstrução, de reorganização das forças e das diferentes
dimensões da vida dos povos; um mundo de temores e de esperanças.
Objetivo que deveria se realizar mantendo-se o submetimento de uns
ao domínio de outros, não obstante o acirramento das contradições
inerentes a esse processo. Objetivo cuja realização, nas rearticulações
da ordem imperialista, exigirá acomodações, negociadas, consentidas
e/ou impostas, a serem intermediadas pelas organizações
intergovernamentais então criadas, entre as quais a UNESCO.
A guerra evidenciou a vulnerabilidade dos colonizadores com
a ocupação japonesa de várias áreas coloniais e com a capacidade
de resistência dos povos colonizados, às vezes abandonados a si
mesmos nos combates, resultando na quebra dos laços coloniais. A
Inglaterra, com experiência na questão desde o século XIX, retoma
a política de autogoverno dos territórios coloniais sob a
Commonwealth. A França cria, pela Constituição de 1946, a União
Francesa, e se ocupa da questão nas constituições seguintes.
Esses e outros procedimentos, incluídas as intervenções
militares julgadas necessárias pelos governos europeus, revelam-se,
entretanto, insuficientes para conter a desintegração dos impérios
coloniais palcos de tensões resultantes das contradições geradas
pelo processo de exploração de povos com tradições, etnias e religiões
diversas–earesistência à continuidade dessa exploração num mundo
que professava a democracia, a liberdade e a paz. Disso são exemplos,
logo em 1945, a intervenção holandesa contra a independência da
Indonésia e as intervenções francesas no Marrocos e na Argélia.
Aspirações nacionalistas expressam-se nos diversos
movimentos organizados no pós-guerra, incentivados pela política
exterior soviética que retoma sua luta contra o imperialismo ocidental,
assim como por intelectuais das próprias metrópoles. Movimentos
também nutridos pelo desejo de libertação dos povos submetidos em
nome da suposta superioridade cultural e racial dos colonizadores, ou
pela rebeldia das elites européias envolvidas na administração local
das colônias. Movimentos nutridos ainda pela política dos Estados
Unidos (EUA) em sua espera ativa e hábil rumo à ocupação do
espaço a lhe ser franqueado, quando se desfizessem as ultrapassadas
malhas coloniais, embora as metrópoles européias, exauridas pela
guerra, ainda alimentassem as esperanças de manter o controle sobre
15
seus domínios. Assim, a Holanda une-se à Indonésia, em 1946, no
Acordo de Lindggadjati. Mas as tropas holandesas se retiram
desse território, em 1949, graças à pressão dos EUA e da ONU, e os
conflitos desde então gerados entre as metrópoles européias e os
“territórios ultramarinos” terão seus desdobramentos ao longo das
décadas seguintes.
Na continuidade do processo de expansão do capitalismo, como
modo de produção e processo civilizatório, lutas mais ou menos
violentas ocorrerão, na Ásia, Oceania, no Oriente Médio, na África,
na América Latina e no Caribe, temperadas ou não pela política da
Guerra Fria que caracterizará a história mundial, nos quarenta anos
que se seguem à guerra, unindo e opondo, de um lado, União Soviética
(URSS) e EUA e, de outro lado, EUA e Europa. Ou, ainda, o Ocidente
e o Oriente. E mesmo os brancos e os não-brancos.
Os primeiros passos da UNESCO, idealizada no curso das
negociações para a paz, realizam-se, portanto, num mundo dividido
pela Guerra Fria, formalmente anunciada pelo ex-primeiro-ministro
britânico W. Churchill, em março de 1946, quando, em discurso
pronunciado em Fullton, nos EUA, denuncia a “cortina de ferro” que
atravessa a Europa e enfatiza a responsabilidade do Estado norte-
americano na defesa da liberdade, desde então percebida como
prerrogativa exclusiva do modo capitalista de organizar a vida.
O mundo em 1947 é, portanto, um vasto, complexo, problemático
campo de trabalho para uma instituição intergovernamental que traz
na sua concepção a intenção, ou a semente, da universalidade e da
supranacionalidade, inerentes à tarefa política de promover a
cooperação entre as nações,
1
nos campos da educação, da ciência e
da cultura, percebidas como meios de construir, entre as nações e os
povos, uma paz duradoura, “fundada na solidariedade intelectual e
moral da humanidade”, eufemismo que oculta um aspecto fundamental
1
A contradição entre o ideal de universalidade e as ordens nacionais motiva o
filósofo italiano Benedetto Croce a referir-se à UNESCO como sendo “uma empresa
equivocada”, frase que, na interrogativa, serve de título ao estudo sobre a instituição
realizado por BEKRI, Chikh. L’UNESCO: “Une entreprise erronée? Paris:
Éditions Publisud, 1991. Problemas decorrentes dessa contradição são considerados
por DEUTSCH, Karl. Análise das relações internacionais.2
a
ed. Tradução de
Maria Rosinda Ramos da Silva. Brasília: UnB, 1982.
16
revelado no próprio documento. A guerra convencera os governantes
de que os acordos econômicos e políticos entre eles não garantem a
“adesão unânime e sincera dos povos”, assim como da necessidade
de “assegurar o respeito universal da justiça, da lei, dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de
raça, sexo, idioma ou religião”. (Ato Constitutivo da UNESCO)
Trata-se, no fundo, de responder à questão de como permitir,
sem guerra entre as grandes potências, e mediante um novo concerto
entre as nações, a continuidade da expansão e da reprodução ampliada
de um determinado modo de organizar a vida social.
Para atender a essas necessidades excludentes então
postuladas, os Estados-nações inventam a UNESCO, cujo fim último,
“contribuir para a manutenção da paz e da segurança”, põe na pauta
de suas atribuições as seguintes competências: a) “favorecer a
compreensão mútua das nações: (...) emprestando seu concurso aos
órgãos de informação das massas”, visando a “facilitar a livre
circulação das idéias pela palavra e pela imagem”; b) “imprimir um
impulso vigoroso à educação popular e à difusão da cultura”,
através da “cooperação entre as nações, sugerindo métodos de
educação para preparar as crianças do mundo inteiro para as
responsabilidades do homem livre”; c) “ajudar a manutenção, o
avanço e a difusão do saber (...) facilitando (...) o acesso de todos os
povos ao que cada um deles publica”.
2
Há, entretanto, limites. No exercício de suas funções, a UNESCO,
“cuidadosa de assegurar aos Estados-membros (...) a independência, a
integridade e a fecunda diversidade de suas culturas e de seus sistemas
de educação (...), se interdita de intervir em qualquer matéria que diga
respeito, essencialmente, à sua jurisdição interna”. (Ato Constitutivo)
Limites marcarão a vida dessa instituição intergovernamental,
cuja criação ocorre mediante a circunscrição, na Conferência de
Ministros Aliados da Educação (CMAE), dos diversos interlocuto-
res que então se debruçavam sobre os problemas relativos às áreas
educacional e cultural. Os ministros da Educação dos territórios em
combate com as forças nazistas em expansão, exilados em Londres,
2
Ato Constitutivo da UNESCO, doravante referido como Ato Constitutivo.
Grifos meus.
17
planejavam a reconstrução, quando terminasse a guerra, dos siste-
mas nacionais de ensino em seus respectivos países.
3
Por outro lado,
as associações privadas, mobilizadas num mundo em guerra, isto é,
num mundo cujos problemas haviam adquirido uma dimensão trans-
nacional, atribuíam valor fundamental à educação, em sentido amplo,
para a construção da democracia e da paz mundiais. Buscava-se a
construção do cenário de estabilidade política necessária ao livre curso
das idéias, das pessoas e das mercadorias, objetivo partilhado pelas
lideranças políticas do mundo ocidental, que articularam as condi-
ções para a paz almejada.
Fruto de concepções diversas do pensamento liberal que, em
conjunto, professavam a democracia e a liberdade do indivíduo em
oposição a qualquer tipo de totalitarismo, a construção teórica que
regulamenta a coordenação supranacional da cooperação educacional,
científica e cultural expressão, nos limites impostos à nova organização
da ONU, às contradições inerentes à ordem mundial do pós-guerra.
Essas contradições explicitam-se nas dificuldades de
acomodação dos nacionalismos europeus (britânico e, sobretudo,
francês) e norte-americano, na disputa pelo espaço no mundo e na
cooperação intelectual vista como assunto de Estado e necessária à
reconstrução da nova ordem capitalista mundial. Acrescente-se a isto
que também os organismos privados, semi-oficiais e não-
governamentais, da Inglaterra e dos EUA, cujos objetivos internacionais
para essa área estão formulados, desde o início do século, apresentavam,
então, suas propostas para a educação do cidadão mundial.
As expectativas em relação à UNESCO são, portanto, diversas.
Vários interlocutores concorrem para sua idealização e concretização.
3
Os ministros da Educação da Bélgica, da Grécia, da Noruega, dos Países Baixos,
da Polônia, da Tchecoslováquia e da Hungria, e o representante da Comissão
Nacional da França, desde o início de 1942, preocupam-se com as questões
relativas aos sistemas nacionais de ensino. A discussão sobre essas questões
prossegue com a oficialização da CMAE pelo governo britânico, império
ameaçado, mas em condições de liderar uma cooperação política e militar com os
países europeus na resistência ao nazismo. Valendo-se dessas condições, cuida
então de estender essa cooperação para o campo educacional. Outros países se
associam posteriormente a essa discussão, na qual, desde então, inclui-se a idéia
de uma organização internacional de cooperação intelectual.
18
Estas, entretanto, não escaparam do controle das ordens nacionais
em condições, mais ou menos favoráveis de, no conjunto ou
isoladamente, afirmarem-se não perante os processos histórico-
sociais que requeriam uma coordenação governamental, apresentada
como cooperação multilateral, como também diante dos problemas
de reconstrução e reordenação de um mundo cindido que, pela
dinâmica das forças presentes, constrói-se como mundo.
Nesse contexto, o secretário-executivo da comissão preparatória
da primeira reunião da Conferência Geral da UNESCO (1
a
CG-1946),
Julien Huxley, que será o primeiro diretor -geral da nova organização,
apresenta sua proposta de elaboração de uma filosofia universal, de
um sistema coerente de princípios explicativos dos objetivos e fins da
existência humana, passível de orientar as ações da UNESCO. Na
perspectiva dessa filosofia, essas ações devem contribuir para a
construção de um mundo único, assim como para a realização, em sua
amplitude, das possibilidades humanas. A proposta, evidentemente, não
foi aprovada pela Conferência Geral, que decidiu publicá-la como
expressão pessoal do autor.
4
Valendo-se de uma linguagem mais
atenuada, Julien Huxley insiste na defesa desse ideal, na introdução ao
programa da UNESCO na Conferência Geral do ano seguinte.
UNESCO: sua gênese e as esperanças de construir um mundo novo
A realização do ideal de universalidade subjacente à concepção
da UNESCO, uma organização mantida pelos Estados-membros,
traduzida por Julien Huxley em sua utopia, aponta para um mundo no
qual o ideal iluminista de progresso se tornasse liberto das ordens
4
Publicado pela Frederick Printing, sob o título L’UNESCO : ses buts et sa
philosophie. Na documentação da UNESCO consta como UNESCO 1C/6. Cf.
ARCHIBALDI, G. Les États-Unis et l’UNESCO: 1944-1963. Les rêves peuvent-
ils résister à la realité des relations internationales? Paris: Publications de la
Sorbonne, 1993, p.108. Essas idéias estão também expostas na introdução do
programa geral da UNESCO, 1946, Documento C/2. Cf. BEKRI, C. 1991, p.
155-156. As preocupações de Huxley com os destinos do homem haviam sido
apresentadas em: HUXLEY, Julien. Humanismo científico. In: El hombre está
solo. Trad. de C. A. Jordana. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1942.
19
nacionais, como Friedrich von Hayek preconizara, em 1944, em
sua obra O caminho da servidão. Os fatos evidenciam, entretanto,
que as lideranças mundiais não se mantiveram surdas às
prospecções neoliberais de Hayek, como também não se deixaram
intimidar pelas advertências e críticas que, sob sua liderança, a
Sociedade de Mont Pèlerin, a partir de 1947, apresentava contra o
keynesianismo adotado pelos Estados-nações. (Anderson, 1995)
Os Estados-nações, de fato, “não estavam movidos, quando
criaram a (...) UNESCO, por um instinto suicida” (Bekri, 1991, p.
158). Por essa razão, entre os vários projetos sobre os quais a CMAE
se debruçou a partir de março de 1943, foram retidos, para a
Conferência de Londres de 1945, apenas dois, enviados
respectivamente em 1944 e 1945 pelos governos dos EUA e da França.
Outros projetos haviam sido apresentados à CMAE. Um
deles, de origem britânica, inclui-se no relatório intitulado A educação
e as Nações Unidas, elaborado no final de 1942 por um comitê
misto constituído pela London International Assembly e pelo Council
for Education in World Citizenship (CEWC). A CEWC realizará
exposição de aparelhos de leitura de microfilmes na sede da
UNESCO, em 1947, iniciando, desde então, uma colaboração entre
ambas para o fornecimento desses equipamentos para as escolas
européias em reconstrução.
Empresas privadas norte-americanas também enviaram, no fi-
nal de 1943, seus relatórios à CMAE. Um elaborado pelo Liaison
Committee for International Education, e outro, pelo Institute on Edu-
cational Reconstruction, constituído pela associação da Universidade
de Nova York com o United States Committee on Educational Re-
construction.
5
Os três últimos projetos tinham em comum, entre outros pontos,
a idéia de criação de um organismo internacional que contribuísse,
5
ARCHIBALDI, G. 1993, p. 23. Listando várias organizações privadas dos
EUA, o autor afirma a impossibilidade de enumerar todos os projetos de criação
de um organismo internacional para a área educacional surgidos no país no
período compreendido entre 1941 e 1944. BEKRI, C. 1991, p. 88, relaciona
organizações nacionais e internacionais da Europa e dos EUA que contribuíram
e se anteciparam na reflexão da qual resultou a criação da UNESCO.
20
por meio da educação, para a manutenção da paz mundial. Propunham,
além das mudanças nos currículos, a criação de um centro de
informação e investigação com a finalidade de organizar intercâmbios,
reuniões e difundir publicações. O objetivo consistia, nas palavras de
Amadou-Mahtar M’Bow, o quinto diretor-geral da UNESCO, em
“harmonizar os sistemas nacionais de ensino”, porém, ressalva ele,
“respeitando a soberania nacional”(1985, p.14). Uma ressalva
importante nos anos 80, quando, em face do crescente processo de
desterritorialização do capital e da descentralização da produção
mundial de mercadorias permitidas pelo desenvolvimento das indústrias
eletro eletrônica e espacial, vinham se concretizando as respostas
neoliberais à questão sobre os limites do Estado-nação como instância
de decisões.
6
Essa ressalva explica também o comportamento dos
governos à época do trabalho da CMAE.
Reticentes acerca da cooperação internacional no campo da
educação, um domínio caro à idéia de nação, outros governos começaram
a participar das discussões a partir de 1943, com representação oficial,
portanto, na qualidade de membros da CMAE, ou como observadores,
como ocorreu, por exemplo, com a URSS e os EUA.
7
Este último oficializa sua participação na CMAE em março de
1944, após apaziguadas as divergências no Departamento de Estado
entre os partidários da segurança coletiva como prioridade, e aqueles
para os quais, num momento de reorganização da ordem mundial, a
6
IANNI, Octavio. Classe e nação . Petrópolis: Vozes, 1986; ____. A era do
globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, especialmente o capítulo
IV, “Nação e globalização”. Sobre a historicidade da nação, ver também
HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismos desde 1780 . Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1991, em especial o capítulo I, “A nação como novidade: da revolução
ao liberalismo”. Sobre o neoliberalismo e as respostas neoliberais que vão se
afirmando a partir dos governos Thatcher, na Inglaterra, Reagan, nos EUA,
Kohl, na Alemanha e Schluter, na Dinamarca, no final da década de 1970 e início
da seguinte, ver ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER,
Emir e GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo As políticas do Estado
democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
7
Além dos EUA e da URSS, de Luxemburgo, da África do Sul, da Austrália e do
Canadá, a China e a Índia participam das reuniões da CMAE, a partir de 1943.
M’BOW, Amadou Mahtar. La UNESCO en su cuarenta aniversario. Paris:
UNESCO, 1985. p. 13; ARCHIBALDI, 1993, p. 25.
21
cooperação cultural não poderia prescindir do controle do Estado.
8
A clareza dessa percepção se manifesta na preparação cuidadosa,
assim como na atuação da delegação desse país
9
nas discussões e
articulações para a criação da UNESCO.
Rigorosamente articulada e em comunicação permanente com
o secretário de Estado, através do telégrafo da Embaixada dos EUA
em Londres, a delegação desse país garante a adoção pela CMAE
de projeto por ela elaborado num final de semana. O projeto, prevendo
a criação de uma Organização das Nações Unidas para a
Reconstrução Educativa e Cultural (Onurec), é enviado oficiosamente
às autoridades governamentais, visando à sua reformulação, após
recebidas as sugestões de, no mínimo, vinte governos, para, em
seguida, encaminhá-lo oficialmente aos governos nacionais.
8
A Divisão de Relações Culturais do Departamento de Estado dos EUA se
reorganiza no começo de fevereiro de 1944, sob a denominação Divisão de
Ciências, da Educação e da Arte, evidenciando uma mudança na percepção do
papel da educação e da cultura para a paz e a segurança mundiais. Cria-se
também o posto de secretário de Estado adjunto para assuntos públicos e
culturais, ocupado por Archibald MacLeish. Grayson Kefauver (presidente
do Liaison Committee for International Education) é nomeado conselheiro
especial para educação, junto ao Departamento de Estado, e enviado, desde
março, como membro da delegação dos EUA nas discussões em Londres para
criação da futura UNESCO. Desde março de 1943, entretanto, Ralph Turner,
adjunto no Escritório para Informação Pública do Departamento de Estado,
participava das reuniões da CMAE, como observador. Desde dezembro de
1943, o governo britânico solicitara ao governo dos EUA a oficialização de sua
representação. Cabe observar que, ao se reorganizar o Departamento de Estado,
os cargos criados foram ocupados por profissionais, da iniciativa privada, em
sua maioria ligados à publicidade. Alguns deles, entusiastas dos meios de
comunicação de massa, atuarão na UNESCO, desde as discussões para sua
criação, e alguns até a década de 1960. Cf. ARCHIBALDI, 1993.
9
A delegação dos EUA era constituída de seis pessoas, sob a presidência do
senador J. William Fulbright. A cada um dos componentes foi atribuída uma
função específica em relação aos temas de discussão na CMAE: repatriamento e
recuperação de objetos de arte, arquivos etc.; conversão da CMAE em organismo
das Nações Unidas; necessidades materiais nos domínios da educação e da cultura;
acordos bilaterais para ajudar pessoas interessadas em estudar nos EUA;
reconstrução do ensino no pós-guerra; avaliação dos programas e políticas
elaborados na conferência, à luz da possibilidade de sua aceitação pelo público,
assim como pelo Congresso dos EUA. Cf. ARCHIBALDI, 1993, p. 30.
22
A demora da China, Grã-Bretanha e URSS em se pronunciar
sobre o projeto Onurec a última solicita apenas ser informada dos
acontecimentos revitaliza as resistências no Departamento de
Estado dos EUA a respeito da questão (Archibaldi, 1993, p. 41).
Esses fatos evidenciam a nação como uma idéia-força naquele
momento, quando, em contraposição aos nacionalismos totalitários
que levaram o mundo à guerra, pretendia-se construir a democracia.
Nesse que é também o momento de construção da hegemo-
nia, explicitam-se alguns dos elementos constitutivos do contexto
mundial pós-45 que incidem na problematicidade dessa construção:
o movimento de internacionalização e transnacionalização dos
objetivos dos organismos privados e a afirmação do Estado como
instância representativa da nação; as desconfianças recíprocas entre
Grã-Bretanha, França e EUA em razão da disputa pelo espaço no
mundo e das divergências na discussão em pauta; a oposição e o
conflito entre os EUA e a URSS, que optou por se distanciar dessa
discussão; os anseios e iniciativas dos povos coloniais pela sua
libertação; a esperança dos países europeus em relação aos objetivos
de reconstrução da educação em seus países, sua frustração de vê-
la ausente do projeto finalmente aprovado
10
e, posteriormente,
transformada em tema de acordos bilaterais concretizados no Plano
Marshall, proposto pelos EUA, cuja execução contará com a
participação de suas empresas privadas. (Adam, 1949)
Até 1945, outros projetos foram elaborados. No primeiro, o
comitê de redação da CMAE, cosiderando as observações do Bureau
Internationale du Travail (BIT) ao projeto Onurec, propõe a criação
de uma Organização das Nações Unidas para a Cooperação
Educativa e Cultural (Onucec); um segundo projeto, enviado pelo
governo dos EUA, propunha uma Organização Internacional para a
Educação e a Cooperação Cultural (Oiecc). Este último, apreciado
na reunião da CMAE, em abril, obtém preeminência em relação aos
10
A reconstrução, preocupação originária da CMAE, é remetida para a competência
da Agência das Nações Unidas para a Reconstrução e Socorro (Unrra) criada em
acordo assinado pelos aliados, na Casa Branca, em 1943.Essa agência da ONU
receberá, para seu trabalho, grandes somas das organizações privadas.
ARCHIBALDI, 1993, p. 77.
23
demais, e será, sob o título Organização das Nações Unidas para a
Educação e a Cultura (Uneco), submetido à Conferência de Lon-
dres na qual se institui a nova organização da ONU.
Antes, porém, a Conferência de São Francisco para aprovação
da Carta das Nações Unidas se constituiu em foro de discussões
relativas à organização da cooperação intelectual, tanto no que diz
respeito à inclusão da palavra educação naquela carta,
11
a fim de
assentar no sistema ONU as bases de uma instituição especializada
para esse domínio, como na apresentação de outros projetos e pleitos
referentes à questão.
12
Ressaltam-se entre esses pleitos as solicitações da França, no
sentido de que as delegações presentes recomendassem a convoca-
ção de uma conferência das Nações Unidas para o estabelecimento
dos estatutos da organização responsável por essa área, acompanhada
da oferta de seu território para acolher a conferência. A proposta
francesa, que não resultou em mudança do foro CMAE –, nem do
local Londres –, onde essa discussão ocorria desde 1942, inclusive
com a participação da França, expressão ao renascimento do
11
Para isso foi necessário todo um trabalho dos organismos não-governamentais
(42 deles, representando diversas áreas, foram convidados pelo Departamento
de Estado, para atuar como conselheiros junto à delegação norte-americana),
pois, como no Congresso e no Departamento de Estado, também a delegação
dos EUA se dividia quanto à conveniência, ou necessidade, de figurar a palavra
educação na Carta das Nações Unidas. Apresentavam-se os argumentos de
que a palavra cultura abrange as ações e questões relativas à educação mundial;
sua inclusão poderia gerar um atraso da ratificação da Carta pelo Congresso,
em virtude dos riscos de se associar a palavra educação à propaganda (e aqui é
lembrado o uso feito pelo nacional-socialismo dos intercâmbios nessa área, na
década anterior) de um organismo internacional em direção ao estrangeiro,
especialmente em direção aos EUA. Cf. La lutte pour inclure l’ “éducation”
dans la Carte des Nations Unies. In: ARCHIBALDI, 1993, p. 53-59, e BEKRI,
1991, p. 105.
12
A Venezuela envia à Conferência de São Francisco o projeto de criação de um
Instituto Internacional de Cooperação Educativa e Intelectual, e o Chile e a
Guatemala apresentam a proposta de criação de um Instituto Pan-americano de
Educação. Recomendação para criar uma Organização Internacional de
Cooperação Intelectual e Moral fora feita na Conferência Interamericana realizada
na Cidade do México, de 21 de fevereiroa8demarço de 1945. Cf. BEKRI, 1991,
p. 104-105.
24
nacionalismo francês. A França, após a vitória sobre o Eixo, vislum-
brava uma possível mudança na correlação de forças na nova ordem
mundial em construção.
O embate instalado entre os nacionalismos dos aliados ocidentais
se modifica com o término da guerra e a retirada das tropas nazistas
dos territórios ocupados. Fortalecida moral e politicamente, a França
prossegue o intento de recuperar sua atuação na cooperação
intelectual internacional. Obtém, na última reunião da CMAE,
13
a
associação de seu nome à convocação da conferência para
constituição da nova organização; a utilização do idioma francês ao
lado do inglês na conferência, e a aceitação de outros projetos, além
do projeto Uneco adotado pela CMAE. Obtidas essas vitórias, o
governo francês encaminha, a 21 de agosto, ao embaixador britânico,
o projeto de uma Organização de Cooperação Intelectual das Nações
Unidas (Unic). (Bekri, 1991, p. 106-113)
Merecem destaque, na Conferência de Londres de 1945, a
inclusão da palavra ciência na denominação da nova instituição das
Nações Unidas e algumas questões relativas aos projetos Uneco e
Unic, em virtude do que representam em relação ao contexto histórico
da discussão e do que iriam representar nos desdobramentos
posteriores desse contexto e da organização nele criada para contribuir
na tarefa da ONU de manter a paz conquistada, “estreitando, através
da educação, da ciência e da cultura, a colaboração entre as nações”.
(Ato Constitutivo)
O bioquímico britânico Joseph Needham, desde fevereiro desse
ano, fazia gestões para inclusão da ciência nas Nações Unidas. Ven-
do o andamento das discussões da CMAE, pleiteara a inclusão do s
13
Diante da iniciativa francesa na Conferência de São Francisco, o ministro da
Educação britânico, nessa reunião, a 19
a
Reunião da CMAE, anuncia a data da
convocação, novembro, e o local, Londres, de realização da conferência para a
criação da nova organização de cooperação educacional e cultural. Informa ainda
sobre a criação de um comitê para examinar o projeto Uneco adotado pela
CMAE e preparar a referida Conferência de Londres. Informa também sobre a
constituição de uma Comissão Educativa e Cultural das Nações Unidas para
receber as vinte ratificações necessárias à vigência da constituição da nova
organização e para, em seguida, preparar e convocar a 1
a
reunião de sua Conferência
Geral. Cf. BEKRI, 1991, p. 106.
25
(science) na sigla do projeto Uneco, o que lhe fora recusado sob a
justificativa de que a ciência está incluída na cultura. Essas resistên-
cias se arrefecem após a explosão, pelos EUA, das bombas atômi-
cas sobre Hiroshima e Nagasaki. Esse episódio evidencia a impossi-
bilidade da manutenção da ciência como um tesouro guardado pelas
nações detentoras do poder de desenvolvê-la, e de fazer uso de seus
resultados, e contribui para a explicitação da ciência como campo de
atuação da nova organização, resultando na adoção da sigla UNES-
CO, nova denominação do projeto finalmente aprovado pela confe-
rência ocorrida em Londres em 16 de dezembro de 1945.
O projeto francês apontava para uma estrutura diversa da-
quela decorrente do projeto aprovado. Nele, a Conferência Geral,
órgão supremo da UNESCO, é constituída pelos delegados indica-
dos pelos governos dos Estados-membros, em número máximo de
cinco para cada Estado. No projeto francês, a Conferência Geral é
constituída pelos delegados governamentais, em número máximo de
três para cada Estado-membro, ao lado de, no máximo, cinco
delegados das comissões nacionais, assim como de um representante
de cada associação intelectual de caráter internacional nos campos
de atuação da organização, o que representava uma maioria para a
categoria dos intelectuais.
Por conseqüência, a proposta francesa incidiria de modo
também diverso na composição do segundo elemento da estrutura
da UNESCO o seu Conselho Executivo
14
(Comitê Diretor, no
projeto em questão) –, cujos membros são eleitos pela Conferência
14
Cf. BEKRI, 1991, p. 219; M’BOW, 1985, p. 16. As funções do Conselho
Executivo incluem representar e preparar a Conferência Geral e coordenar e
controlar o Secretariado (o terceiro elemento da estrutura da UNESCO), na
execução dos programas aprovados pela Conferência Geral. São previstas, ainda,
na estrutura inicial da UNESCO, as divisões ou os departamentos relativos às
áreas nas quais ela vai atuar: Ciências Exatas e Naturais, Ciências Sociais,
Informação de Massas, Filosofia e Civilizações, Atividades Culturais, Intercâmbio
de Pessoas, Reconstrução e Educação. A última se estrutura em seis subdivisões:
Missões e Estágios de Estudos, Compreensão Internacional, Melhoria de Manuais
Escolares, Educação de Base, Educação de Adultos e Centro de Informações. Cf.
UNESCO. L’Éducation de base. Description et Programme. Monographies sur
l’éducation de base. Paris: UNESCO/Imprimerie Firmin-Didot, 1950, p. 81.
26
Geral entre aqueles que a constituem. Essa composição mista incluindo
delegados dos governos e intelectuais, inspirada na estrutura do BIT
atual Organização Internacional do Trabalho, constituída por
governos, empregadores e trabalhadores representa uma tentativa
francesa de preservar algo do antigo Instituto Internacional de
Cooperação Intelectual (IICI).
Esse organismo fora criado em 1924 pela Liga das Nações,
graças ao empenho de personalidades expressivas no meio
intelectual da época e ao apoio francês, a contragosto dos governos
anglo-saxões. Estes viam a criação do IICI como uma estratégia
de afirmação da cultura francesa no mundo (Bekri, 1991). Com
sede na França de 1925 a 1940, o IICI, reaberto com o final da
guerra, tinha como característica fundamental a independência em
relação ao poder do Estado, garantida mediante sua constituição
como foro de intelectuais ligados às diversas áreas do conhecimento,
da literatura e das artes.
Esse aspecto é objeto de muita discussão na Conferência
de Londres, em 1945, quando outras soluções foram apresenta-
das para garantir uma maior participação de intelectuais e esta-
belecer, numa organização de cooperação nas áreas da educa-
ção, da ciência e da cultura, um equilíbrio entre a dimensão ético-
moral que esses campos supõem e o poder governamental, o inte-
resse dos indivíduos e o poder do Estado. O máximo obtido, en-
tretanto, foi que a Conferência Geral, ao eleger, entre os delega-
dos governamentais, os 18 membros do Conselho Executivo, “se
esforçasse por garantir” a escolha de personalidades atuantes
nos domínios das artes, das letras, das ciências e da educação,
com experiência e competência necessárias ao cumprimento das
funções de que se incumbiriam no conselho.
A isto se acrescentam a exigência de que a composição do
conselho fosse representativa da diversidade das culturas e das
regiões geográficas, assim como a salvaguarda da “natureza ex-
clusivamente internacional” seja das atividades do diretor-geral e
do pessoal do Secretariado, seja dos membros do Conselho Execu-
tivo, que “respondem à Conferência Geral, e não aos governos de
origem”, acerca do exercício de poderes a eles por ela delegados.
(Ato Constitutivo)
27
Não tendo conseguido aprovar seu projeto e nem manter o
IICI,
15
no qual se situam as origens menos remotas da UNESCO, e
muito menos garantir a participação de um corpo de intelectuais
liberados da tutela do Estado nas decisões da UNESCO, a França
foi contemplada com a sede da nova organização em sua capital.
Abstração feita das diferentes estruturas supostas nos projetos
em questão, as concepções aparentemente diversas da cooperação
intelectual, para a construção do mundo no pós-45, alimentarão, dinâmica
e contraditoriamente, a ação e a reflexão da UNESCO nos campos da
educação, da ciência e da cultura. Esses campos não foram, entretanto,
os únicos a merecer os cuidados das forças presentes no planejamento
da nova ordem mundial. Outras instituições especializadas, atuando nos
campos da agricultura e alimentação (FAO), saúde (OMS), aviação civil
(Oaci), comércio marítimo (OMI), além dos organismos econômico-fi-
nanceiros (Bird e FMI), comerciais e tarifários (Gatt, atual OMC), foram,
simultânea ou posteriormente,
16
criadas no sistema das Nações Unidas,
ao qual foram integradas as instituições mundiais preexistentes relativas
aos domínios da meteorologia (OMM), das comunicações (UIT e UPU)
e do trabalho (OIT).
Além desse sistema, e a par das alianças militares e econômicas,
unindo e dividindo nações, povos e gentes em pólos opostos, as
associações, clubes, institutos de origem não-governamental, semi-
oficial, e as empresas privadas vêm completar as garantias de realização
de um processo civilizatório em expansão.
15
O IICI encerra suas atividades após a criação da UNESCO, na Conferência
de Londres, na qual esse instituto assim como outros organismos internaci-
onais, como o Bureau Internacional de l’Éducation (BIE), estavam represen-
tados. Criado em 1925, como organização privada, o BIE é transformado, em
1929, na primeira organização intergovernamental a se ocupar da área. Em
1969, após mudanças em seu estatuto, é integrado à UNESCO. Cf. Ação
mundial em prol da educação. In: UNESCO. O Correio da UNESCO, ano 24,
n. 6. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, jun. 1996, p.36.
16
Nas décadas seguintes vão sendo criados, na medida das necessidades apre-
sentadas pela dinâmica da realidade histórico-social, fundos, programas, co-
missões, organizações e outras instituições especializadas da ONU. Cf. Or-
ganograma das Nações Unidas e Guia das Nações Unidas. In: UNESCO. O
Correio da UNESCO. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, ano 23, n.
12, dez. 1995, p. 30-31 e 32-40.
28
Esse é o mundo para o qual a comissão, constituída na Confe-
rência de Londres de 1945, deve preparar os primeiros passos da
UNESCO, cuja constituição resultou de esforços empreendidos ao longo
de quatro anos, durante os quais se assistiu à destruição e à morte, ao
renascer da esperança na consciência da necessidade de construir um
mundo novo, às dificuldades, aos obstáculos e às disputas na realização
das ações julgadas fundamentais para essa construção.
Esse quadro nos permite, com base na suposição explicitada no
início desta exposição, formular a questão de como, em momentos
diversos de sua atuação, a UNESCO, como agente dinâmico na cons-
trução da hegemonia mundial, entendida no sentido gramsciano como
“direção intelectual e moral”, articula-se e rearticula-se em relação a
duas ordens de problemas. A primeira refere-se à disputa entre as
centralidades culturais para se impor como dirigentes num processo
cuja construção inclui também entre seus atores dinâmicos os organis-
mos não-governamentais e as empresas privadas.
17
A segunda refe-
re-se às demandas conflitantes e às forças emergentes numa realida-
de viva. Recriando permanentemente relações, processos e estrutu-
ras, essa realidade engendra-se, no final do século XX, como uma
totalidade mais ampla, complexa, desconhecida. Assim como a UNES-
CO, esta se impõe como algo a ser desvendado em sua problematici-
dade, pois, tornando-se, em muitos de seus aspectos, inteiramente ou-
tra, requer novas sociabilidades, inaugura novas espacialidades e tem-
poralidades, que entram em contradição com aquelas pretérita e mes-
mo contemporaneamente imaginadas. (Ianni, 1995)
O objetivo de compreender a ação teórica e prática da UNES-
CO, na realidade social em que ela se constitui e em cujo dinamismo
se insere, se articula e se rearticula, impõe-nos uma questão metodoló-
gica configurada, com clareza, na crítica superadora do conceito de
imperialismo cultural desenvolvida por Renato Ortiz (1994, p. 87-97).
17
De acordo com seu Ato Constitutivo, a UNESCO pode se relacionar com as
organizações internacionais privadas, valendo-se de “todas as disposições úteis
para facilitar consultas e assegurar (sua) cooperação” nos campos da educação,
da ciência e da cultura, “convidando-as a empreender certas tarefas determinadas”,
assim como a uma participação de seus representantes “nos trabalhos de comitês
consultivos criados pela Conferência Geral” (Art.11, § 4).
29
Em sua crítica, o autor, após reconhecer o avanço propiciado pelo
conceito em questão, nos alerta sobre o limite por ele apresentado a
uma reflexão contemporânea. De um lado, o conceito de imperialismo
cultural explicita a problemática da dominação ocultada pelas catego-
rias de aculturação e difusão cultural presentes nas análises tributárias
da tradição antropológica culturalista. Entretanto, nele ainda se man-
tém uma perspectiva de externalidade do poder imposto às nacionali-
dades que então se homogeneizariam pelo modelo cultural importado
junto com as mercadorias provenientes de um centro.
Todavia, o cuidado de evitar uma perspectiva segundo a qual a
UNESCO tem sido apreendida como instituição criada e guardada
pelo imperialismo econômico, político e cultural dos EUA e, por-
tanto, como instrumento de americanização do mundo não signifi-
ca desconhecer a influência dos EUA numa instituição inventada
num momento em que esse país detinha uma posição privilegiada
perante os aliados europeus e asiáticos, tanto do ponto de vista eco-
nômico, quanto da integridade de seu território, distante dos cenários
onde se deflagaram os combates. Essa influência se expressava de
forma clara no jogo das forças presentes nas negociações para a
paz. Nestas, os EUA apresentavam um maior potencial decisório,
evidenciado também na aprovação, com poucas modificações, do
seu projeto como texto de regulamentação da UNESCO.
Este, entretanto, não foi o único, nem o primeiro projeto apresenta-
do. Além disso, ele não contemplava a reconstrução educacional euro-
péia, elemento original da discussão mediante a qual se inventou a UNES-
CO, também constante dos projetos enviados à CMAE pelas organiza-
ções privadas. Cabe ressaltar também que a UNESCO não permaneceu
sempre a mesma em sua relação com a sociedade e a cultura, cujos pro-
blemas, em sua amplitude e complexidade, ela assume desde que é criada,
executando projetos e promovendo estudos e pesquisas.
A incidência dessa ação teórico-prática na sociedade e em suas
instituições, incluída a própria UNESCO, permite visualizá-la como
objeto de estudo de alto valor heurístico diante das mudanças, cuja
problematicidade desafia a nossa compreensão da própria realidade
social e cultural em que vivemos. É, pois, como instituição viva, agente
e produto de uma sociedade em processo de planetarização que a
UNESCO se impõe como objeto privilegiado de reflexão.
30
UNESCO: supremacia e contradições do poder ocidental
Desde os seus primórdios, a UNESCO se constitui e se mantém
como instituição basicamente ocidental. Na geopolítica bipolarizada
então vigente, 50% de seus 59 Estados-membros, em outubro de
1950, estavam reunidos sob a pax americana, através do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), ou através da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Entre os demais,
europeus e asiáticos, havia a China de Tchang Kai Chek
18
e aqueles
ligados ao bloco ocidental, através da Commonwealth ou do Plano
Marshall e da Organização Européia para Cooperação Econômica
(Oece), ou, ainda, através do Plano Colombo.
19
Também eram membros da UNESCO a Austrália e a Nova
Zelândia, esta associada ao Plano Colombo. Ambas ligar-se-iam aos
EUA pelo Pacto Anzus
20
em 1951. Dos países africanos, apenas
dois: o Egito onde os resultados do nacionalismo antibritânico se
18
Na 5
a
CG-1950, diante da solicitação de exclusão da China nacionalista
apresentada pelos delegados da Hungria e da Tchecoslováquia, foi constituído
um Comitê de Verificação de Poderes para apresentar relatório sobre a questão,
para decisão posterior da Conferência Geral, aprovando-se, então, a permanência
da representação chinesa pela China nacionalista, a título provisório. Cf.
UNESCO. Actes de la Conférence Général. Cinquième session, juin 1950a, p.
46, 51, 715. Entretanto, em outubro de 1971, e após a aproximação diplomática
entre Washington e Pequim, articulada a partir de 1970, a República Popular foi
admitida como única e legítima representante da China na UNESCO. É importante
lembrar ainda que em 1960 a China rompe relações com Moscou e, sete anos
depois, após ter chegado à bomba atômica, em 1964, transforma-se em uma
potência nuclear, com a bomba de hidrogênio.
19
Esse plano, réplica do Plano Marshall, consolida as zonas de influência ocidental
no Sudeste Asiático. Com sede em Sri Lanka (Ceilão), reúne EUA, Grã-Bretanha,
Canadá, Áustria, Nova Zelândia e 21 países do Sudeste Asiático. Cf.
MADRIDEJOS, Mateo. Colonialismo neocolonialismo. Rio de Janeiro: Salvat
Editora do Brasil, 1979, p. 124.
20
A união desses dois países do sul do Pacífico e os acordos bilaterais entre os
EUA e Japão e EUA e Filipinas completarão o esquema de segurança exigido
pela Guerra da Coréia (1950-1953). Também em 1951, o Japão e a República
Federal da Alemanha tornam-se membros da UNESCO. A República Democrática
Alemã, porém, se torna membro da UNESCO em 1971.
31
concretizariam somente em 1952, quando um grupo de oficiais der-
ruba o regime parlamentar ocidental e depõe o rei Faruk–eaLibé-
ria, colonizada pelos EUA, e primeiro país africano a se tornar inde-
pendente (1847), por meio de negociações iniciadas em 1816 entre
os governantes dos dois países.
Fora desses diversos acordos de integração regional econô-
mica e militar visando à proteção e à expansão do mundo capitalis-
ta, havia os países do Leste Europeu, dos quais apenas quatro eram,
então, membros da UNESCO: Hungria, Polônia, Tchecoslováquia
ligadas ao bloco soviético–eaIugoslávia. Esta, em 1948, sob a
acusação de desvio da causa socialista, fora excluída do Centro de
Informação dos Partidos Comunistas (Cominform), reativado um
ano antes.
A despeito dessa maioria, uma coordenação diplomática em
direção ao consenso para os acordos possíveis, na tentativa de pre-
servar a instituição diante dos conflitos expressos em seu interior,
impõe-se como necessária. Desde a sessão de abertura da 1
a
CG da
UNESCO, em 1946, o desafio da supranacionalidade dos novos tem-
pos se evidencia, em uma de suas faces, na fala de André Mal-
raux, então ministro da Educação e posteriormente ministro da Cul-
tura na França (1958-1969).
Recusando como verdade a então esperada “morte da Euro-
pa”, Malraux reafirma sua crença na “vontade de descobrir e obter
informação” e, definindo-a como uma atitude “típica e exclusiva-
mente européia”, ele ressalta:
século após século, neste pedaço de terra a que
chamamos Europa e nela somente os homens, curvados
perante o jugo do destino, levantaram os olhos para
sondar, infatigavelmente, a escuridão, para arrancar um
significado da vasta confusão do universo. (Citado por
Baumer, 1990, p. 292)
A outra face dessa problemática ganhara expressão, um
ano antes, quando as grandes nações do Ocidente finalizaram o acordo
pelo qual criaram a UNESCO, em análises reveladoras de alguns
dos problemas por ela enfrentados no futuro, tal como se registram
32
nas interrogações e conclusões de Jaime Torres de Bodet, poeta
mexicano, e segundo diretor-geral da UNESCO.
O que estão dipostos a fazer os países mais ricos e
tecnicamente melhor preparados para ajudar os demais a
elevarem o nível de instrução de suas populações? Como
conciliar essa ajuda com o dever de respeitar a liberdade
de cada nação na escolha dos métodos para organizar o
ensino sobre seu próprio território? De qual maneira
coordenaremos essa liberdade, inalienável, com a imperiosa
necessidade de nos pronunciarmos de maneira decisiva
sobre os fins que deve se propor a educação do homem?
(...) O respeito a esses direitos não me parece de modo
algum incompatível com a necessidade de determinar em
comum acordo os fins gerais que devem ser aqueles de
uma educação suscetível de assegurar a paz. (...) ora, salta
aos olhos que uma tal educação não deveria ser
preconizada num mundo onde continuam a prevalecer os
abusos do imperialismo, a lei do mais forte e, sob formas
veladas, o orgulho arbitrário das grandes potências e os
preconceitos de raças que se crêem superiores. (Citado
por Bekri, 1991, p. 124)
Considerando as propostas relativas ao uso dos meios de infor-
mação nas atividades da UNESCO, Torres de Bodet externa sua po-
sição, segundo a qual “será inútil querer desenvolver a liberdade dos
intercâmbios em matéria de informação se, ao mesmo tempo, não nos
ocuparmos dos meios utilizados no mundo moderno para o intercâmbio
dessas informações”. (Citado por Bekri, 1991, p. 125)
Mas é o chefe da delegação iugoslava, Vladislaw Ribnikar,
cuja intervenção na 1
a
CG-1946 é interpretada por Bekri como “um
ataque (...) na mais pura tradição stalinista”, que apreende a essên-
cia de momentos como aquele em que a UNESCO se põe a cami-
nho. Momentos nos quais sonho e realidade, ciência e ideologia se
cruzam, se contrapõem, se interpenetram e também se traduzem em
fórmulas abstratas que buscam se eternizar.
Sua crítica à filosofia denominada humanismo científico
mundial, proposta por Julien Huxley, não perdoa, sequer, a máxi-
33
ma de abertura do Ato Constitutivo da UNESCO, aprovado no
ano anterior, na Conferência de Londres, cuja ata final é assina-
da, também, por seu país “as guerras começam nas mentes dos
homens, é nas mentes dos homens que devem ser construídas as
defesas da paz”. Ele a inclui no rol dos “julgamentos abstratos”,
sobre os quais diz:
todo homem iniciado na ciência da história, e tendo
conhecimento da guerra da qual acabamos de sair, concordará
que eles (os julgamentos abstratos) pecam por ausência de
conhecimento real e científico, não mostram, precisamente,
as causas que têm provocado as guerras entre as nações
para as quais, é impossível chegar a descartar eficazmente as
causas da guerra. (Citado por Bekri, 1991, p. 160)
Em sua crítica, o delegado iugoslavo acusa ainda a falta de
realidade, bem como a inaplicabilidade, das ações propostas pela
comissão preparatória, concluindo por apontar o caráter excludente
da filosofia da UNESCO. Pois ela “rejeita inteiramente, por exem-
plo, toda filosofia materialista e põe em dúvida o caráter científico do
materialismo dialético”. (Citado por Bekri, 1991, p. 160)
Um outro aspecto do programa, também relativo aos meios de
comunicação, está na mira dessas críticas e ganhará expressão nos
pronunciamentos do delegado polonês em reuniões subseqüentes.
Focalizados na ótica da tese do livre fluxo de informações, defendida
sobretudo pela delegação dos EUA, mas também pelas delegações
da Grã-Bretanha e da França, esses meios se inscrevem nas ativida-
des voltadas para a manutenção da paz e da liberdade, ao passo que,
para os delegados socialistas, eles se constituem em formas de inci-
tação à guerra e de imposição da cultura de um país mediante o
concurso da UNESCO.
Nesse cenário político-ideológico, as discussões suscitadas pela
proposta de uma filosofia unificadora se desdobram, a seguir, nas
dúvidas referentes à natureza da UNESCO: técnica, ideológica ou
ética. Sob o exercício contínuo de exorcizar a política de uma
instituição que assume como vocação e missão, num mundo dividido,
o universal, a paz e a segurança, a solução para essa questão se
34
apresenta, na 2
a
CG-1947, na proposta do chefe da delegação
francesa, o filósofo Jacques Maritain. Argumentando que o
babelismo impossibilita um pensamento especulativo e uma
linguagem comuns, ele advoga a afirmação de um “feixe de
convicções orientadas para a ação”, como o “suficiente para o início
de uma grande obra”. (UNESCO, 1947, p. 27-33)
Certamente, esta se constituiu numa fórmula sábia de unir
as nações desiguais, para, na desigualdade, inventar os caminhos
de um novo ciclo de ocidentalização. Esse objetivo unia e opunha,
ao mesmo tempo, as duas nações que postulavam formas diver-
sas para sua concretização: a França pretendera associar, numa
estrutura tríplice, o poder de Estado e as preocupações ético-
morais da chamada “sociedade dos espíritos” inscrita no dever-
ser da UNESCO, e os EUA, mais pragmáticos, como aliás
assinalara Weber (1981), buscavam a eficácia dessa instituição
no processo de racionalização das relações entre as nações de
modo a possibilitar, sob sua hegemonia, o progresso técnico e moral
de todos os povos do mundo.
A solução do filósofo francês, pode-se dizer, concretiza a via-
bilização, jamais tranqüila, da UNESCO, em relação às finalidades
práticas para as quais ela fora instituída, num mundo cujas forças
instituintes se abrem para os possíveis que escapam ao que é tido
como caminho da evolução da humanidade. A opção por um pensa-
mento prático comum permite, por um lado, a aprovação pela Confe-
rência Geral de projetos voltados para as necessidades defendidas
pelos Estados-membros, assim como para a criação das primeiras
estruturas de atuação da UNESCO. Por outro lado, essa opção não
impede o prosseguimento dos questionamentos à representação teó-
rica da cooperação cultural entre as nações articulada, em 1945,
pelo mundo ocidental.
Dessa cooperação cultural, em sentido amplo, a UNESCO cui-
da de várias formas, até mesmo divulgando as regulamentações naci-
onais para o intercâmbio de material audiovisual educacional, científi-
co e cultural, com o objetivo de facilitar e estimular a liberação tarifária
sobre ele incidente e promover o intercâmbio comercial. Para atingir
esse fim, a UNESCO estabelece, num trabalho conjunto com o Acor-
do Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e as comissões econômicas
35
regionais da ONU, acordos internacionais visando à superação dos
obstáculos econômicos à livre circulação das idéias.
21
A UNESCO também promove, em seus campos de atuação, es-
tágios de estudos e seminários, a fim de possibilitar a profissionais de
diversas áreas uma vivência internacional. E produz material de infor-
mação relativo à segurança coletiva e ao civismo internacional; às expe-
riências modernizantes de educação em curso; à regulamentação e
documentos exigidos para viagens.
22
Realiza ainda exposições científi-
cas com o objetivo de “testemunhar de modo claro e palpável o caráter
irresistível do progresso científico e seu impacto na vida cotidiana”.
23
21
O trabalho da UNESCO nesse campo começa em junho de 1946, portanto, antes
da sua 1
a
CG. Em reunião com o Gatt, em 1949, o diretor-geral coligiu sugestões
para as cláusulas do acordo que, concluído em 1950, entrou em vigor em 1952. Em
trabalho com as comissões econômicas regionais da ONU Ceao (Ásia Ocidental),
Cepal (América Latina) e CEE (Europa) –, enquetes sobre as necessidades do
material, cuja importação o acordo regulamenta, são realizadas nos países em
desenvolvimento, a fim de informar quais são os países europeus seus exportadores,
incentivar a sua produção e facilitar os acordos para a circulação dessas mercadorias.
Cf. UNESCO. Échanges culturels et barrières commerciales. Repertoire des
règlements auxquels sont soumis les échanges d’objets de caractère éducatif,
scientifique ou culturel. Paris: UNESCO, 1952; Accord pour l’importation d’objets
de caractèr e éducatif scientifique ou culturel. Avantages et modalités d’application.
Paris: UNESCO, 1952a. O acordo inclui protocolo anexo, visando a facilitar a
adesão dos EUA que, entretanto, o ratificou em 1959, quando é criada, no
Departamento de Estado, a Divisão de Relações Internacionais e Culturais, à qual
a UNESCO estará ligada, evidenciando uma retomada do interesse pela UNESCO,
Cf. ARCHIBALDI, 1993, p. 26, o que coincide com as primeiras iniciativas da
URSS no processo de descolonização africana. Cf. CHALLIAND, Gerard. A luta
pela África: estratégia das grandes potências. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 62.
22
DUPUY, Jean. L’établissement de la sécurité collective. Paris: UNESCO, 1951.
Cf. ainda: UNESCO. Les Nations Unies et le civisme internationale. Vers la
compréhension internationale. vol IV. Paris: UNESCO, s/d; UNESCO. Les
missiones culturales mexicanas y su programa, por Lloyd H. HUHES. Série
Monografias sobre Educación Fundamental, v. III, Paris: UNESCO, 1951;
UNESCO. Voyages à l’étranger. Formalités speciales pour voyages à buts
éducatifs. Éditions revisée, Paris: UNESCO, 1953. (Válida para viagens de estudos
ou de férias, excluindo-se viagens para busca de emprego).
23
UNESCO. Matériaux nouveaux. Exposition scientifique organisée par l’UNESCO
du 27 mai au 11 juin 1952. Paris: UNESCO, 1952 b. Trata-se da terceira exposição
itinerante promovida pela UNESCO. Citação da p. 4.
36
24
UNESCO/IISA. L’Administration nationale dans ses relations avec les
organisations internationales. Conclusions d’une enquête efectuée dans quatorze
États. Bruxelles: UNESCO, 1951a. Envolvendo cientistas sociais nacionais, essa
enquete desempenhou importante papel na internacionalização das ciências sociais
e informa a recomendação da ONU, em 1953, com o objetivo de compatibilizar as
administrações nacionais com os organismos internacionais. Revisões, nesse sistema
de compatibilidades, se fizeram necessárias, em 1968 e em 1993, nas novas situações
mundiais criadas, respectivamente, com a descolonização e com a desintegração
do bloco soviético. Cf. LENGYEL, Peter. Most: le premier programme
intergouvernamental de sciences sociales. In: Revue Internationale des Sciences
Sociales. vol. XLVI, n. 142, décembre. Paris: UNESCO, 1994, p. 700.
Trabalhar no sentido de eliminar as barreiras legais, tarifárias,
ou psicológicas que possam se opor a um novo ciclo de ocidentaliza-
ção e modernização das sociedades consiste numa das formas de a
UNESCO promover a racionalização do intercâmbio e de possibilitar
a livre circulação das mercadorias e das idéias. Nesse sentido, fazia-
se necessário racionalizar a burocracia estatal, preparar os Estados-
nações para um novo momento do processo de internacionalização
do capital e para as novas formas de interdependência então exigidas.
Assim, em trabalho conjunto com o Instituto Internacional de Ciências
Administrativas de Bruxelas, a UNESCO mobiliza as ciências soci-
ais para um estudo comparativo das administrações nacionais, em
razão da necessidade de compatibilizá-las com o novo sistema de
cooperação internacional, a ser mediado pelos organismos
internacionais.
24
Por meio de um conjunto de atividades, a UNESCO contribui,
portanto, para a realização de uma das premissas básicas do capita-
lismo moderno, que
compreende um vasto e complexo processo social,
econômico, político e cultural. Ainda que possa ser
caracterizado pela racionalização das ações e relações, das
instituições e organizações, para que esta racionalização
ocorra e se desenvolva torna-se indispensável que se
modifiquem práticas e ideais, padrões e valores
socioculturais, transformando-se o imaginário e as atividades
de uns e de outros. (Ianni, 1995, p. 115)
37
Enquanto a UNESCO desenvolve essas atividades, prosse-
gue, nas reuniões da Conferência Geral, a busca de acordos sobre
as emendas à sua regulamentação, na discussão, cujos últimos des-
dobramentos dar-se-ão na década de 1990, relativa à natureza do
Conselho Executivo e ao estatuto de seus membros. A questão
inicial se refere à natureza da representação dos membros do con-
selho: eles deveriam ser eleitos a título pessoal e como represen-
tantes da Conferência Geral a ela respondendo por sua atuação, ou
deveriam, de fato e de direito, representar os governos de seus
países de origem? Essa questão retoma num novo contexto aquela
observada no processo de constituição da UNESCO entre a pro-
posta dos governos da França e dos EUA, e é formalizada no pro-
jeto de mudança, nessa segunda direção, apresentado na 2
a
CG-
1947
25
pela delegação dos EUA.
A lógica da proposta confirma, após apenas um ano de
funcionamento da UNESCO, a necessidade de contrapor, a uma
Conferência GeraleaumSecretariado que escapam ao controle
dos governos, os quais vêem na UNESCO um instrumento de
realização de seus próprios projetos econômico-político-culturais,
26
um Conselho Executivo transformado em instância do poder dos
Estados.
A mudança defendida não representa, porém, a única medida
dos Estados-membros em busca do exercício do controle sobre a
UNESCO, que, desde o início de suas atividades, relaciona-se tam-
bém com as empresas privadas e as ONGs ligadas às mais diversas
temáticas e às necessidades de diferentes grupos e setores de uma
sociedade mundial a ser reconstruída material, educacional e cultu-
25
Cf. LACOSTE, Michel Conil. Chronique d’un grand dessein. UNESCO 1946-
1993. Paris: UNESCO, 1994, p.457-475, as modificações feitas no Ato
Constitutivo da UNESCO, desde 1947 até 1991.
26
Esse questionamento funda-se na avaliação, segundo a qual a superioridade de
alguns dos Estados-membros participantes do Conselho Executivo, pois assumem
uma maior carga de trabalho, aponta para a necessidade de torná-los membros
permanentes desse conselho. A concretização dessa idéia significaria reproduzir,
na UNESCO, a estrutura do Conselho de Segurança da ONU, no qual as cinco
grandes potências são membros permanentes e têm direito de veto. BEKRI, 1991.
38
ralmente.
27
Tudo isso encontra ressonância na UNESCO e em suas
preocupações com a universalidade, entendida com freqüência, de
forma quantitativa, conforme sua abrangência e atuação no mundo,
para o qual deve difundir o progresso técnico-científico da civiliza-
ção ocidental, objetivo também daquelas empresas.
Críticas à amplitude dos seus objetivos, à dispersão dos seus
programas, e restrições ao orçamento têm sido uma constante,
evidenciando as dificuldades do exercício de uma hegemonia na ou
por meio da UNESCO. Exemplo expressivo disto encontra-se na
aprovação, somente em abril de 1947, na 2
a
reunião do Conselho
Executivo, do primeiro programa da organização, preparado ao longo
de 1946 e discutido na 1
a
CG ocorrida nesse ano.
Exemplo mais expressivo foi a apresentação, pelo diretor-geral,
Jaime Torres de Bodet, do seu primeiro pedido de demissão, em 1950, e
sua reapresentação, em caráter irrevogável, dois anos após.
28
Essa deci-
são foi motivada pela fixação, na 7
a
CG-1952, de um orçamento menor
em relação àquele postulado
29
por Torres de Bodet, limitando a expan-
são da UNESCO, sentido contrário ao defendido pelo diretor-geral.
27
A fim de estruturar as atividades das ONGs, e centralizar a coordenação do trabalho
nacional e a campanha internacional para a reconstrução da educação, a UNESCO
realiza, em 1947, reunião com essas ONGs, cria o Conselho Internacional
Temporário para a Reconstrução da Educação (Ticer) e, em outras reuniões, funda
os conselhos nacionais. Cf. UNESCO. Avec le Ticer. Sur le front de la reconstruction.
Regards sur vingt-neuf organisations internacionales privées à la pointe du combat
pour le relèvement de l’éducation. Paris: Georges Lang, 1949.
28
Torres de Bodet substituíra Julien Huxley, cujo mandato de apenas dois anos
fora acordado, quando ele se candidatou ao cargo, em 1946, a despeito dos seis
anos de mandato, permitida a renovação (cf. art. 6, item 2 do Ato Constitutivo).
Após a interinidade cumprida por John W. Taylor, eleito na 1
a
CG extraordinária-
1952, ocorrida imediatamente após a decisão de Torres de Bodet, Luther Evans,
é eleito diretor-geral na 2
a
CG extraordinária-1952. Sua eleição se faz sem o
apoio do governo dos EUA. Esse país preferia um de seus representantes como
diretor-geral adjunto, cargo criado desde 1946, ocupado então por Walter Laves.
Essa prática continuará nos anos posteriores, deixando de existir durante o
mandato de Luther Evans. ARCHIBALDI, 1993, e BEKRI, 1991.
29
A contenção orçamentária é reveladora das dificuldades então enfrentadas pelos
EUA em fazer valer dentro da UNESCO os objetivos de sua política externa. Essa
dificuldade também se comprova pela “advertência” do Departamento de
39
Também exemplifica essas dificuldades a demora da UNES-
CO em atender às críticas ao seu programa, promovendo sua racio-
nalização para torná-lo eficaz, como sugeria, reiteradamente, a dele-
gação dos EUA. Uma resposta nesse sentido ocorrerá em 1956,
dois anos após a aprovação da proposta de mudança do Conselho
Executivo, quando, pode-se dizer, a UNESCO encontrar-se-á em
um momento diverso de sua existência.
Argumentos contrários à mudança proposta em 1947,
apresentados nas reuniões subseqüentes, conseguem apenas
retardar sua aprovação, realizada em 1954, quando, com os votos
contrários da Bélgica,
30
Dinamarca, França, Haiti, Líbano, Panamá
e Iugoslávia, obtém voto favorável da maioria da Conferência Geral
(Bekri, 1991). Desde então, os membros do Conselho Executivo se
tornam representantes de seus Estados respectivos, apesar de, no
Ato Constitutivo emendado, manterem-se tanto sua eleição a título
pessoal, como o exercício de seus poderes em nome da Conferência
Geral, o que pode ser incluído no rol de “soluções engenhosas
próprias à UNESCO”.
31
Essa solução pode ser interpretada, também, como o exercício
político de uma instituição que atua na linha de tensão das forças
contraditórias dinamizadoras de uma realidade social em cuja
construção suas áreas de atuação incidem de maneira fundamental.
Estado ao diretor-geral, Torres de Bodet, quanto à política de priorização dos
pequenos países em detrimento dos países ocidentais, os maiores
contribuidores financeiros da organização. Entretanto, este não é o único país
que defendia à época um orçamento modesto para a UNESCO. Cf.
ARCHIBALDI, 1993, p. 322.
30
O psicólogo e pesquisador Jean Piaget, chefe da delegação belga, chama a
atenção para o risco de aumentar a desconfiança existente em relação à
UNESCO, especialmente nos meios intelectuais, o que se agravaria com a
transformação dos membros do Conselho Executivo em um grupo de
funcionários governamentais. Cf. UNESCO. Actes de la Conférence
Générale. Huitième session. Montevidéo, nov. 1954, p. 553-554.
31
Expressão usada para se referir às soluções inventadas pela Conferência
Geral diante dos impasses com os quais a UNESCO se tem deparado.
POMPEI, Gian Franco. Historique de l’organisation. In: UNESCO. Dans
l’esprit des hommes. Vingt-cinquième anniversaire de l’UNESCO 1946-
1951. Paris: UNESCO, 1972, p. 17- 43.
40
A UNESCO e a bipolarização do poder num mundo multicultural
Os sete anos que separam a apresentação da proposta de
mudança no Conselho Executivo da UNESCO, em 1947, de sua
aprovação, em 1954, podem ser compreendidos mediante os
acontecimentos que encorajam a URSS a incluir-se como Estado-
membro dessa organização, a partir dessa data. As realizações
soviéticas de 1947 a 1953 aprofundam os temores do mundo ocidental,
ampliam as medidas em defesa da liberdade e repercutem nos
organismos internacionais, especialmente na UNESCO.
Nesse período, o mais acirrado da Guerra Fria, sob influência do
macartismo, a UNESCO estava sob a mira das preocupações orienta-
das para o anticomunismo, sendo alvo de avaliações externas
32
e in-
terna. Os resultados das primeiras isentaram a organização das acusa-
ções de infiltração comunista e de trabalhar para a promoção de um
governo global. A segunda avaliação contribuiu para o agravamento
das dificuldades nas relações entre o diretor-geral, Luther Evans, e o
Conselho Executivo, e para a perda de autoridade do primeiro, acusa-
do de manter, em relação aos funcionários da UNESCO originários
dos EUA, uma atitude considerada nacionalista.
33
32
Nos EUA, em 1951, a campanha The Cross and the Flag pretende abolir as
Nações Unidas. The American Flag Commitee critica as brochuras da UNESCO,
publicadas na coleção Vers la comprehention international, pelas referências à
cidadania mundial percebidas. Também dessa coleção, L’influence du foyer et
de la communauté sur les enfants de moins de treize ans é vista como “antinorte-
americana e defensora de um governo mundial”. No Congresso aumentam as
restrições à contribuição financeira dos EUA à UNESCO. Em 1953, a
intensificação das críticas à organização motiva o presidente Eisenhower a criar
um comitê especial de três pessoas, sob a presidência de Irving Solomon, para
examinar o fundamento das acusações, segundo as quais, a UNESCO estaria sob
o controle dos comunistas. Em 1951, a Fundação Ford, antes de cumprir o
intuito de destinar fundos à UNESCO, encomendara, também a Irving Solomon,
uma enquete sobre a instituição. Cf. ARCHIBALDI, 1993, p. 232.
33
O diretor-geral não reconduziu aos postos do Secretariado os funcionários
originários dos EUA considerados desleais ao governo de seu país, por terem se
recusado a cooperar com a comissão que procedia às investigações, cuja realização
fora determinada pelo Decreto Presidencial n. 10422, de 9.01.1953. Cf. Être
Americain à l’UNESCO. In: ARCHIBALDI, 1993, p.169-184.
41
Além disso, a UNESCO passara pela experiência de, medi-
ante uma única atividade, falhar no atendimento das expectativas
dos seus mantenedores dos dois lados do mundo bipolarizado. Assim
foi, por exemplo, sua atuação por ocasião da Guerra da Coréia. O
serviço de informação à população coreana sobre as ações das Na-
ções Unidas iniciado em 1952, além de acanhado e pouco ágil, aos
olhos dos EUA, incluía as declarações sobre questões de raça, das
quais a UNESCO então se ocupava. Esse julgamento contribuiu
para o agravamento de uma crescente insatisfação dos governan-
tes dos EUA em relação à organização.
Essa insatisfação é compreensível se considerarmos as reper-
cussões, nesse país, das lutas coloniais, explicitadas pelos movimen-
tos organizados contra o racismo, críticos da incongruência entre o
interesse dos EUA na libertação dos povos coloniais e sua política
interna de segregação racial. Acrescente-se ainda a reverberação
dessas lutas, na Conferência Geral, nas discussões e conflitos entre
os representantes dos dois blocos que então dividiam o mundo. Por
outro lado, a aprovação pelo Conselho Executivo de resolução con-
denando a invasão norte-coreana, somada ao apoio da UNESCO à
intervenção dos EUA na Coréia através da ONU, motivou a retirada
da Hungria, Polônia e Tchecoslováquia da organização.
Nesses primeiros anos de atuação, a UNESCO também
contabilizara, em meio às dificuldades de várias ordens, os sucessos
e fracassos na execução de seus projetos modernizantes na área de
educação de base,
34
cuja realização apontou para a necessidade de
34
Cf. UNESCO. L’éducation de base. Description et programme. Monographies
sur l’éducation de base. Paris: UNESCO/Imprimerie Firmin-Didot, 1950. Dos
projetos de educação de base aprovados na 1
a
CG-1946, três foram interrompidos,
devido à complexidade da situação que alia projetos de desenvolvimento rural às
condições políticas locais: África britânica, Peru e China. Cf. BEKRI, 1991, p.
168. O quarto projeto, financiado pela Fundação Rockfeller para a pesquisa
antropológica coordenada por Alfred Métraux, foi realizado. Cf. UNESCO. El
proyecto piloto de Haiti. Primera etapa 1948-1949. Serie Monografias sobre
educación fundamental. Paris: Bellenand, 1951b; Cf. UNESCO. L’Éducation
des communautés à Porto Rico: rapport établi par la Division des Communautés
du Département de l’Éducation sur l’oeuvre accomplie à Porto Rico entre le 1er
juillet et le 15 octobre 1951. Paris: UNESCO, 1952c. Na China, uma das áreas
prioritárias, o projeto foi interrompido com a vitória de Mao Ts e Tung no final
42
mudanças conceituais posteriores nesse campo de atuação.
Do aprofundamento da perspectiva originária de educação de base,
definida como “fundo comum da humanidade”, a UNESCO formula
os conceitos de alfabetização funcional e educação permanente, que
se desdobrarão, no futuro, nas distinções entre educação formal e
não-formal e no aprimoramento da noção de educação como técnica
social em suas relações com a sociedade.
35
Assim, processar-se-á a construção de uma perspectiva de
educação tecnificada, a ser enriquecida permanentemente pelos
desenvolvimentos da ciência e da tecnologia. A noção de uma
educação capaz de, adequando-se aos progressos técnicos da civili-
zação, à medida que eles se concretizem, responder às exigências do
progresso técnico e da produção por ele possibilitada. Essa noção de
educação fundamenta desde então e com os aportes das teorias da
modernização, dos anos 60 e a sofisticação da teoria sistêmica e da
cibernética a partir dos anos 60 e 70 ainda hoje, era da informação
satelitizada e informatizada, as ações e reflexões da UNESCO nes-
se campo de atuação.
Finalmente, a admissão de novos Estados-membros iniciara
uma mudança na composição da UNESCO, uma instituição cuja
Conferência Geral, na qual cada membro tem um voto, começa a
registrar o questionamento da supremacia de seus principais ideali-
zadores, também seus maiores financiadores. Em 1954, quando a
URSS, após ter alcançado os EUA no poder nuclear, ingressa na
UNESCO, ela traz consigo novos membros do Leste Europeu a
Ucrânia e a Belarrus assim como obtém o retorno da Hungria,
Polônia e Tchecoslováquia. Dois anos depois, também a Romênia e
a Bulgária tornam-se membros da UNESCO.
de 1949. Cf. UNESCO. La salud en la aldea. Una experiencia de educación
visual en China. Serie Monografias sobre educación fundamental. vol. V. Paris:
UNESCO, 1952d.
35
A noção de técnica social, assim como a de planejamento democrático teorizadas
por Mannheim informam as ações da UNESCO, diante de uma realidade em
transformação e crise. Cf. MANNHEIM, Karl. O homem e a sociedade. Rio de
Janeiro: Zahar, 1962; e ainda Liberdade, poder e planificação democrática. São
Paulo: Mestre Jou, 1972.
43
Este constitui apenas um aspecto da mudança da composição
política e sociocultural da UNESCO uma instituição que, buscando
a universalidade, vai, daí em diante, tornando-se cada vez mais mul-
ticultural e multiétnica e cada vez menos bipolarizada, com a
entrada maciça dos países constituídos pelo processo de
descolonização. Para se ter uma idéia dessa mudança, de 1954 a
1965, 31 novos Estados-membros do continente africano e cinco países
da Ásia e do Oriente Médio ingressam na UNESCO. Nos dez anos
seguintes, outros cinco países africanos e seis asiáticos se agregam
à organização.
Nesses dois períodos observam-se momentos qualitativamen-
te diversos do período anterior, tanto no que se refere à realidade
mundial, como à realidade interna da UNESCO. Acontecimentos
que resultam em momentos de distensão entre os dois blocos mundi-
ais, mas também em momentos de grande tensão,
36
que expressam
os desdobramentos, nos mais diferentes rincões de um mundo plural,
das contradições geradas no processo de desenvolvimento desigual
e combinado do modo de produção capitalista.
36
A URSS se antecipa na exploração do espaço e, desde 1958, questiona o estatuto
de Berlim acertado no pós-guerra; em resposta à proposta de unificação alemã
proposta pela Europa Ocidental, constrói, em 1961, o Muro de Berlim,
materializando a separação dos lados ocidental e oriental da cidade. Em 1962
ocorre o embate URSS–EUA na denominada Crise dos Mísseis em Cuba. O
impasse é resolvido com a retirada dos mísseis soviéticos da ilha em troca da
inviolabilidade de seu regime político. Os referidos mísseis, porém, não
influenciavam o equilíbrio estratégico mantido pelas duas superpotências. Cf.
HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX: 1919-1991. Trad. de
Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras,1996, p. 227 e 240. Segue-
se a esse incidente a instalação do “telefone vermelho”, o qual, ligando o Kremlim
à Casa Branca, simboliza o acordo tácito entre EUA–URSS, em face dos riscos
de desestabilização do sistema internacional pela constante ameaça de guerra
nuclear. Em maio de 1963, é assinado acordo americano-soviético de cooperação
na utilização pacífica da energia nuclear, pelo qual ficam proibidas provas nucleares
na atmosfera, ampliando os acordos de cooperação entre as duas potências
nucleares, iniciados desde o final da década anterior pelos campos educacional,
científico, cultural e econômico.
44
Nova composição da UNESCO e caminhos possíveis do
progresso da humanidade
Os reordenamentos econômico-políticos e os avanços tecno-
lógicos desde a segunda metade dos anos 50 anunciam um novo
momento nas relações mundiais e configuram um contexto em que
se ampliam os recursos financeiros da UNESCO, tanto em relação
ao orçamento ordinário como aos recursos extra-orçamentários pro-
venientes de outras fontes, incluindo os organismos privados.
Assim, na 11
a
CG-1960, pela primeira vez, é aprovado um
orçamento superior ao valor estimado pelo diretor-geral.
37
Além desses,
novos recursos extra-orçamentários provenientes do Fundo das Nações
Unidas para o Congo (Onuc),
38
do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), da cooperação com o Banco Mundial e sua filial,
Agência Internacional para o Desenvolvimento (IDA), criada nesse ano,
são obtidos para serviços de consultoria a ser prestados pela UNESCO
37
Desde 1950, a contenção do orçamento ordinário da UNESCO se compensada
pelos recursos do Programa Ampliado de Assistência Técnica (Peat), réplica do
Plano Marshall para as demais regiões do mundo, proposto em 1949 por Truman
à ONU e adotado, no ano seguinte, pela UNESCO. O plano compreende projetos
multilaterais a cargo da ONU e suas agências e projetos bilaterais a cargo dos EUA
e de outros países que contribuíssem com recursos além de suas cotas devidas à
organização. Ver ARCHIBALDI, 1993, p. 129-144. O autor analisa as implicações
da adoção do Peat para a identidade da UNESCO, argumentando que, por remeter
imediatamente ao sentimento de gratidão dos assistidos, as ações desse programa
terminam por reforçar, entre os Estados-membros, um tipo de relações que deveria,
mediante a atuação da UNESCO, ser desestimulado. Recursos extra-orçamentários
foram, entretanto, tornando-se proporcionalmente maiores do que o orçamento
ordinário da UNESCO, representando a possibilidade de as decisões escaparem ao
seu controle. Não por acaso, portanto, a equipe do presidente Kennedy, ao mesmo
tempo que prossegue a política de limitar o orçamento ordinário da UNESCO,
defendia uma forma de apresentação dos orçamentos e programas de modo que os
Estados-membros pudessem visualizá-los em sua totalidade, “sem diferenciação
entre orçamento ordinário e fundos extra-orçamentários”. Ibidem, p. 303.
38
Criado em 1960, o Onuc fornece o suporte financeiro às ações das diversas
agências especializadas da ONU na guerra civil do Congo, que conta com a
participação da URSS e dos EUA. Sobre as ações civis desenvolvidas no Congo,
que nesse ano se torna membro da UNESCO, ver FULLERTON, Garry.
L’UNESCO au Congo. Paris: UNESCO,1961.
45
à então potencialmente explosiva América Latina, assim como para
serviços de assessoria na definição de prioridades em outros continentes.
Novos recursos, destinados até então exclusivamente a projetos
de infra-estrutura material, possibilitam uma ampliação da capacidade de
atuação da UNESCO nesse período, em que o Banco Mundial se volta
para as reformas das estruturas educacionais, a fim de sintonizá-las quan-
titativa e qualitativamente com o desenvolvimento econômico.
39
A inclusão da educação como fator de desenvolvimento nos
objetivos do banco intensifica a busca de racionalização das estruturas
educacionais, conforme as diretrizes acordadas em reuniões dos mi-
nistros da Educação africanos, asiáticos e latino-americanos, realiza-
das desde o final da década de 1950, e seguidas das reuniões desses
ministros com os da área econômica. Cria-se, em 1963, o Instituto
Internacional de Planejamento Educacional (IIPE), um dos primeiros
resultados da cooperação entre a UNESCO e o Banco Mundial, em-
preendimento do qual também participa a Fundação Ford. A sede do
instituto é oferecida pelo governo francês, mas seu primeiro diretor é
Philip Coombs, que fora antes secretário de Estado adjunto para as-
suntos educativos e culturais no Departamento de Estado dos EUA.
Registra-se, nesse período, sobretudo nos anos Kennedy, uma
retomada de interesse dos EUA pela UNESCO. Oportunidades não
faltaram, porém, para a reafirmação das duas versões de ocidentalidade,
em contraposição e pretendendo-se exclusivas, presentes na missão
civilizatória da organização. Em 1963, por ocasião das visitas do diretor-
geral, René Maheu, aos EUA, registra-se um exemplo nesse sentido.
Numa primeira oportunidade, Maheu se expressa a respeito
da evolução em curso na UNESCO. Esta, segundo ele, transformara-
se numa organização operacional, cuja preocupação essencial, muito
mais do que a cooperação intelectual, centrava-se na melhoria de
vida dos povos do mundo em desenvolvimento. Maheu ressalta ainda
a boa acolhida da UNESCO entre esses povos, atribuindo-a a uma
maior preocupação da organização com as tradições culturais e a
dignidade humana deles do que com a melhoria das condições físicas.
39
Cf. POMPEI, Gian Franco, 1972, p. 3. Ver também TOMMASI, Livia de,
WARDE, Mirian Jorge e HADDAD, Sérgio (Orgs.). O Banco Mundial e as
políticas educacionais , São Paulo: Cortez, 1996.
46
De outra feita, por ocasião da 9
a
Conferência da Comissão
Nacional dos EUA para a UNESCO, a resposta de Maheu ao conteúdo
da mensagem do presidente Kennedy, lida na sessão de abertura,
posiciona a UNESCO no jogo das forças presentes. À Europa forte e
unida, como parceira eficaz dos EUA em sua tarefa de preservar o
“mundo livre”, o diretor-geral contrapõe a Europa como “uma entidade
cultural”, ressaltando, portanto, os valores culturais, em oposição ao
armamento, como o “caminho de os americanos ganharem os corações
dos europeus”. E, reafirmando as novas relações da Europa com suas
ex-colônias, Maheu adverte: “não haverá nem o monopólio, nem a
bipolarização no futuro do mundo em vias de desenvolvimento”. (Citado
por Archibaldi, 1993, p. 299-301)
A posição enunciada por René Maheu pode ser lida como a
afirmação da universalidade, sempre buscada pela UNESCO que,
vivendo a experiência do contraponto de uma ocidentalidade de origem
européia, da sua tradução norte-americana e de sua ressignificação
pelas múltiplas culturas agora nela representadas, e fundamentada
sobretudo no seu Programa de Estudos sobre os Estados de Tensão,
compreende essa universalidade como processo construído na
interdependência, e também pela integridade e diversidade das culturas.
Essa perspectiva, fundamental ao Projeto Principal de
Apreciação Mútua dos Valores Culturais do Oriente e do Ocidente
40
40
Cf. FRADIER, Georges. Orient et Occident. Peuvent-ils se comprendre? Paris:
UNESCO, 1958. Respondendo à questão incluída no título e tendo como motivação
o Projeto Principal sobre aApreciação Mútua dos Valores do Oriente e do Ocidente,
o autor questiona a fragilidade dos critérios a geografia, as raças, as línguas, as
formas sociais, a idéia de progresso social como progresso industrial, “que lisonjeia
a consciência de um Ocidente confiante de seu avanço técnico, de seus gostos e
sentimentos que administram com freqüência os romances e o cinema” –, a partir
dos quais o Ocidente inventa o Oriente pelo folclórico, o bizarro, ou o misterioso,
ou, ainda, como “vasto domínio de nações subindustrializadas, com predominância
de civilizações agrárias e sociedades do tipo feudal ou patriarcal” (p. 13). Dessa
perspectiva crítica, ele denuncia a ignorância européia, a intolerância, o desprezo e
a pressa com que a Europa, parece, esquecera-se do Oriente em cujas fontes ela
bebeu e se enriqueceu, preparando-se, assim, para tranformar o planeta (p. 20).
Enfatizando essa origem comum , sustenta, então, a possibilidade de compreensão
Ocidente–Oriente para o que se faz necessário, porém, a aquisição, por parte do
Ocidente, de virtudes como a modéstia e a tolerância.
47
aprovado em 1956, se anunciara, em 1953, quando se cria a coleção
Unidade e diversidade cultural; reafirma-se em 1965, quando é
aprovado o Projeto Principal sobre a História Geral da África; traduz,
enfim, a reorientação exigida pela nova composição da UNESCO.
Essa reorientação ocorre num contexto em que a vontade ex-
pressa na mensagem do presidente dos EUA, empenhado em reafir-
mar a auto-imagem da América no mundo que lhe escapa, depara-
se com um processo de integração, nos campos da economia, com a
Mercado Comum Europeu (CEE), e da energia nuclear, com a Co-
munidade Européia de Energia Nuclear (CEEA), de uma Europa
que, atingindo sua recuperação econômica, enfrenta as contradições,
então explicitadas, e avança em direção ao processo de unificação
iniciado desde o Tratado de Paris em 1951.
Essa é, então, uma Europa onde, por um lado, a França, conta-
bilizando grandes perdas coloniais,
41
abre uma crise na Otan e avança
em seu esforço de obter uma força militar independente, realizando,
em 1960, seu primeiro teste atômico, e conseguindo ainda, ao longo
de toda essa década, excluir a Inglaterra de suas iniciativas em direção
à unificação. E, por outro lado, uma Europa onde a Alemanha, ao
despontar como uma força econômica, não motiva acordos pelos
quais se estabelecem o seu rearmamento e sua admissão na Otan,
mas também reorganiza suas estruturas institucionais de ajuda ao
desenvolvimento econômico, educacional e cultural, as quais atuarão
também em conjunto com a UNESCO.
42
41
De 1953 a 1955, ocorre o processo de independência do Camboja ; em 1954,
termina a Guerra da Indochina, com a derrota da França em Dien Bien Phu; em
1956 e 1957, respectivamente, sob pressão dos nacionalismos locais e da política
convergente dos EUA, da URSS e da ONU, a França reconhece a independência
da Tunísia e do Marrocos; em 1958, a Guiné Francesa declara sua independência,
fora dos quadros da Comunidade Francesa; em 1960, Camarões, Togo, Senegal,
Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta, Níger, República Central Africana,
Congo, Gabão, Chade tornam-se repúblicas independentes e membros da ONU,
e da UNESCO, mantendo, porém, a cooperação com a França; em 1962,
novamente por pressão política convergente dos EUA, da URSS e da ONU, a
França reconhece a independência da Argélia, após quase oito anos de sangrenta
luta dos argelinos pela libertação do jugo colonial.
42
Cf. BAHIANA, Henrique Paulo. Política alemã de auxílio ao desenvolvimento.
Rio de Janeiro: Olímpia, 1966; ALEMANHA OCIDENTAL/FKA/ISI. IV
48
A esses fatos se acrescentam os acontecimentos econômi-
co-político-culturais na América Latina, assim como as incursões
da URSS no continente africano e no Oriente Médio. Ressaltam-
se, nesse período, as realizações das indústrias eletro-eletrônica e
espacial, pelas quais multiplica-se o poder de informação e modifi-
ca-se a face da realidade mundial, não em razão das possibilida-
des acrescentadas às relações de produção, e às novas formas de
divisão do trabalho, mas também em virtude do processo de dester-
ritorialização do capital, mercadorias e das gentes e de redimensi-
onamento da realidade espacial e temporal.
Alguns dos acontecimentos, contemporâneos da ampliação da
composição da UNESCO, terão seus desdobramentos nas
acomodações e rupturas posteriores. No conjunto, expressam
sobretudo as tensões dos e entre os nacionalismos diversos, no
contexto de uma economia em processo de crescente
transnacionalização;
43
contribuem ainda para a retomada da estratégia
da Guerra Fria, após o breve período de détente; finalmente, dão
expressão sobretudo a mudanças na ordem econômica, pondo em
cheque o sistema criado em Bretton Woods e prenunciando as novas
configurações mundiais dos anos 80 e 90, nas quais uma civilização
mundial assimila, interroga, recria, subsume, recobre a ocidentalidade.
A “civilização ocidental”, não obstante tudo isso, continua se
autopercebendo como um “em si” para “os outros”.
Entre esses fatos é possível destacar, em primeiro lugar, a
emergência do então chamado Terceiro Mundo, cujas iniciativas de
Seminário Latinoamericano para Directores de Teleducación. Doc.140, México,
1970. Esse seminário realiza-se por ação conjunta do Instituto de Solidariedade
Internacional da Fundação Konrad Adenauer e do Instituto Latino-americano de
Comunicação Educativa da UNESCO (Ilce), sediado no México. A respeito da
ajuda alemã ao desenvolvimento cf. também EVANGELISTA, E. G. S. Educação
e mundialização . Goiânia: Ed. da UFG, 1997.
43
Sobre a reestruturação econômica, por meio da integração regional, em resposta
às tensões e dilemas dos nacionalismos diante de uma economia em processo de
globalização, ver IANNI, Octavio. Regionalismo e globalismo. In: A era do
globalismo, 1996, p. 127-152. “O contraponto nacionalismo, regionalismo e
globalismo abala a economia e a sociedade, assim como a política e a cultura,
tanto provocando distorções como abrindo horizontes” (p. 128).
49
organização transnacional, por um lado, forçarão o seu reconheci-
mento como força política e, por outro lado, evidenciarão a necessi-
dade de rearticulações para a manutenção do poder estabelecido.
Uma iniciativa nesse sentido ocorre em 1955, quando, respondendo
à convocação da Indonésia, Índia, do Ceilão, Paquistão e da Birmâ-
nia, 29 países afro-asiáticos se reúnem na Indonésia, na Conferência
de Bandung. Nessa ocasião, esses países se pronunciam pelo socia-
lismo, ressalvando, porém, sua posição de neutralidade em relação
ao conflito capitalismo–socialismo, e afirmam sua disposição de luta
pela autodeterminação e independência dos povos, assim como pelo
fim do racismo e da dominação colonialista.
44
Em 1961, países dos três continentes África, Ásia e Améri-
ca Latina reúnem-se em Belgrado, na Primeira Conferência de
Cúpula dos Países Não-Alinhados, em busca de soluções para os
problemas mundiais. Assumindo também uma postura eqüidistante
em relação à polarização Leste-Oeste, esses países reivindicam a
abertura do diálogo Norte-Sul, declarando-se em luta contra o impe-
rialismo, o colonialismo, o neocolonialismo, o sionismo, o apartheid e
todas as formas de racismo, assim como pela libertação econômica,
política, social e cultural dos povos excluídos dos benefícios do
desenvolvimento mundial capitalista. Essas idéias são aprofundadas
em outras reuniões,
45
e repercutem no Sistema das Nações Unidas,
determinando a criação, em 1961, da Conferência das Nações Uni-
das para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), foro cuja pri-
meira reunião ocorre em 1964 e a partir do qual o Movimento dos
Não-Alinhados se corporifica no G-77.
46
44
Nesse ano, é elaborada por Malik Bennabi, argelino exilado no Cairo, a teoria do
afro-asiatismo. MADRIDEJOS, M, 1979, p.106.
45
Acerca dessas reuniões, cf. GOSOVIC, Branislav e RUGGIE, John Gerard.
Overview: origins and evolution of the concept. In: International Social Science
Journal, v. XXVIII, n. 4, Paris: UNESCO, 1976, p. 639-646.
46
Em 1960 foi criada a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que reúne Europa Ocidental, EUA, Canadá, Japão e Turquia. Em
1973, é criada a Comissão Trilateral que reúne empresas privadas dos EUA, da
Europa e do Japão, tendo em vista o reordenamento da economia mundial em franco
processo de transnacionalização das empresas japonesas e européias, sobretudo na
Alemanha. Dois anos depois é criado o G-7, reunindo os sete países mais
50
Potencializadas na estratégia de controle do petróleo adotada
pelos países árabes, após o desfecho da Guerra do Yon Kippur (1973)
que obriga ao reconhecimento internacional da Organização para
Libertação da Palestina (OLP) essas idéias serão traduzidas na
então chamada Nova Ordem Econômica Internacional (Noei). Nessa
ocasião é aprovada, na Assembléia Geral da ONU, a contragosto
das maiores forças do capitalismo, uma declaração para a instauração
dessa nova ordem, em nome da qual a ONU convoca suas agências
especializadas a se reestruturarem, tendo em vista a obtenção de
maior eficácia na mediação da cooperação internacional para o
desenvolvimento.
47
industrializados num novo “diretório mundial”. Cf. BERTRAND, Maurice. Os
caminhos da paz. In: O Correio da UNESCO , ano 23, n. 12, Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas, dez. 1995, p.17. Vale ressaltar que esse novo diretório
mundial é criado logo após a aprovação pela Assembléia Geral da ONU da
declaração para a instauração de uma Nova Ordem Econômica Internacional,
como veremos adiante.
47
Desde o final da década de 1960 a cooperação internacional para o desenvolvimento,
além de motivar diversas manifestações antiimperialistas, vinha sendo objeto de
avaliações variadas. Cf. PEARSON, Lester B. Sócios no progresso. Relatório da
Comissão de Desenvolvimento Internacional. Rio de Janeiro: Apec, 1971(estudo
iniciado em 1968, a pedido do então presidente do Banco Mundial, Roberto S.
McNamara, a quem o relatório é enviado em 15.09.1969); COOMBS, Philip H. A
crise mundial da educação. Uma análise de sistemas. São Paulo: Perspectiva, 1976
(trabalho que serve de documento básico para a Conferência Internacional sobre a
Crise Mundial da Educação, realizada por sugestão dos EUA em Williamsburg, no
final de 1967. Síntese do relatório de Jaime Perkins, acadêmico da Cornell University,
que presidiu a conferência, é apresentado na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, v. 48, n. 108, out./dez. 1967, p. 305-312); CECLA. Consenso Latino-
americano de Viña del Mar. Comércio Exterior. v. XIX, n. 6, México, jun. 1969, p.
421-427 (avaliação da ajuda internacional procedida pela Cecla, organismo de consulta
regional, exclusivamente latino-americano, criado a partir da Unctad. Ambos fazem
parte da estrutura da ONU); FAURE, Edgar et alii. Aprender a ser. La Educación del
Futuro. Madri: Alianza/UNESCO, 1975 (estudo apresentado pela Comissão
Internacional para o Desenvolvimento da Educação constituída pela UNESCO, em
1971, com a finalidade de produzir informe sobre a educação do futuro, a ser
submetido, com os comentários do diretor-geral, aos Estados-membros, ao Conselho
Executivo e à Conferência Internacional de Educação. O informe inclui avaliação da
ajuda internacional e sugestões para a rearticulação da UNESCO nas ações relativas
à ajuda internacional para a tecnificação da educação).
51
Na direção dessa eficácia é aprovado o Primeiro Plano de
Médio Prazo da UNESCO, compreendendo três exercícios bianuais,
abrangendo o período de 1977 a 1982.
48
Dessa forma, a UNESCO
responde às reiteradas críticas à fragmentação de seu programa e,
ao mesmo tempo, aos conflitos reais reproduzidos em seu interior
entre Oriente e Ocidente.
Resposta semelhante está presente, desde 1956, na
aprovação dos Projetos Principais, entre os quais o referente à
Apreciação Mútua dos Valores do Ocidente e do Oriente. Também
desta feita a UNESCO responde, ao mesmo tempo, às críticas do
Ocidente à fragmentação de seu programa e à sugestão da Índia
quanto à necessária distinção entre as atividades operacionais
desenvolvidas mediante o Peat
49
e as atividades gerais. As primeiras
atenderiam às necessidades pontuais dos Estados-membros, enquanto
as segundas se voltariam para o universal buscado pela UNESCO.
Ambas, de fato, unem e dividem Oriente e Ocidente diante dos
caminhos possíveis ao progresso da humanidade.
Os planejamentos de médio prazo são vistos com freqüên-
cia como meios de, considerando as novas necessidades dos Es-
tados-membros, e as reorientações e inovações para permitir seu
atendimento, garantir a coerência e continuidade do programa da
UNESCO (M’Bow, 1985, p. 34). Mas podem ser vistos também
como mais um mecanismo de controle dos Estados-membros so-
bre a organização, pois, numa realidade cuja dinâmica se faz cada
vez mais célere, a prática de detalhar atividades e recursos para
execução em seis anos não deixa de ser um procedimento que
“impõe uma rigidez considerável (...) e torna particularmente di-
fíceis as inovações e as atividades experimentais que devem ser
cuidadosamente negociadas uma por uma com grande antece-
dência”. (Lengyel, 1994, p.701)
48
A respeito do processo de elaboração desse plano, cujo primeiro esboço é
apresentado em 1972, em atendimento à recomendação feita na 14ª CG -1966,
ver HUMMEL, Charles. International cooperation and world problems: the
standpoint of UNESCO. In: International Social Science Journal. vol. XXXIV,
n. 1. Paris: UNESCO, 1982.
49
Cf. nota 37 deste capítulo.
52
Contraditoriamente, esta pode ser uma exigência dos novos
tempos, quando a realidade, que sempre transborda o plano, o regu-
lamento e o conceito, escapa aos Estados-nações, principais funda-
dores da UNESCO, empenhados na racionalização de seu programa
e no controle da instituição. Exemplificando a afirmação, é suficiente
lembrar: a ocasião em que os ministros de Educação dos três conti-
nentes, reunidos pela UNESCO, ultrapassam a preocupação com
uma educação de base, ainda hoje sem solução, e vislumbram a ne-
cessidade de “promover sistematicamente um programa completo
de ensino obrigatório para os jovens de seus países” (Pompei, 1972,
p. 33); a expressão dos movimentos nacionalistas, contrapondo ao
discurso político harmonizador a fragmentação das diferenças cu-
nhada em meio às contradições locais agravadas nas e pelas rela-
ções, processos e estruturas excludentes da economia em transnaci-
onalização; a reivindicação dos novos Estados-membros de novas
bases de diálogo entre as nações e a expressão de seu interesse
comum nas questões relativas à comunicação, justificado pelo “vazio
imenso deixado pelas Nações Unidas” em matéria de informação.
50
Estatização do Conselho Executivo: hegemonia ocidental e
ordens nacionais
Nas novas relações de forças entre os Estados-nações, reto-
ma-se, na Conferência Geral da UNESCO, a discussão cujo alvo é o
Conselho Executivo. O fato concreto levantado em 1966 diz respeito
à necessidade de mudança em sua composição e uma nova
distribuição dos seus assentos, após a entrada dos novos Estados-
membros. Reivindica-se então o atendimento ao critério geográfico,
bem como à representação da diversidade cultural no conselho.
50
Cf. MACBRIDE, Sean et alii. Um mundo e muitas vozes: c omunicação e
informação na nossa época. Relatório da Comissão Internacional para o Estudo
dos Problemas da Comunicação. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas/
UNESCO, 1983. Apresenta a discussão realizada na ONU e UNESCO sobre a
informação no contexto social, econômico, ético e político criado pelo avanço
tecnológico nessa área.
53
Proposta resultante de estudo feito pelo próprio Conselho Exe-
cutivo, por recomendação da Conferência Geral, aprovada em 1968,
portanto, no limiar da segunda Guerra Fria, aumenta para 34 os as-
sentos no conselho. Sua distribuição contemplaria, então, os cinco
grupos eleitorais propostos, como provisórios, tendo em vista as
eleições a se processar nas duas reuniões subseqüentes da
Conferência Geral. Esses grupos, ao contrário da proposta,
mantiveram-se e consolidaram-se como estruturas institucionais, na
seguinte forma: G-I: Europa Ocidental, América do Norte, Turquia e
Israel, com nove assentos; G-II: Europa do Leste, com três assentos;
G-III: América Latina e Caribe, com seis assentos; G-IV: Ásia,
Austrália e Nova Zelândia com cinco assentos; G-V: África e países
árabes, com 11 assentos.
A composição dos grupos indica que a UNESCO, também
nessa oportunidade, não escapou às injunções da Guerra Fria, estra-
tégia política global de contra-revolução de que se serviram os EUA
na tentativa de manter sua hegemonia, num mundo em que a mo-
dernidade transpõe, com a força inerente às contradições por ela
geradas, as fronteiras não apenas dos territórios nacionais, como tam-
bém dos dois blocos em que se dividia então o mundo. Esse processo
não se fez sem a contribuição da URSS, cujos líderes, além de ali-
mentar a política do terror, sustentáculo da Guerra Fria, no dilema
relativo ao desenvolvimento da produção ou modernização do con-
sumo, não hesitaram em optar pela segunda alternativa, na denomi-
nada “era da estagnação”, sobretudo a partir da década de 1970.
51
51
Em 1972, foi criado o Centro Europeu para o Ensino Superior (Cepes), “órgão
de informação e (...) fórum e centro para a promoção da pesquisa e do
desenvolvimento na região Europa da UNESCO (...)”, com sede em Bucareste,
na Romênia. Cf. UNESCO. Ação mundial em prol da educação. In: O Correio da
UNESCO, 24, n. 6, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, junho de 1996,
p.36-7. A Romênia encontrava-se então sob liderança de Nicolae Ceasescu (1961-
89), que, desde 1965, manifestava seu nacionalismo, em oposição à política de
satélites soviéticos. Vale lembrar que, em 1973, a Pepsi-Cola e a agência Hertz
Rent a Car instalaram-se em Bucareste, evidenciando, por um lado, os sinais da
crise de poder da URSS sobre seus satélites e, de outro lado, que a economia nos
moldes soviéticos estava se escrevendo como passado. Cf. HOBSBAWM, 1995,
p. 389; HOROWITZ, Irving Louis. A détente e as multinacionais. In: Dados ,
Rio de Janeiro: Iuperj, n. 12, 1976, p. 91.
54
No início dessa década, a UNESCO se empenha na realiza-
ção de enquete, nos países da África, Ásia e América Latina, a fim
de adequar as necessidades nacionais relativas à ciência e à tecnolo-
gia para o desenvolvimento, primeiro ao âmbito regional e, em segui-
da, ao plano mundial. Esse trabalho atende à solicitação do Conselho
Econômico e Social da ONU (Ecosoc), originada da Conferência
das Nações Unidas sobre a Aplicação da Ciência e da Tecnologia
para o Desenvolvimento ocorrida em 1963. (UNESCO, 1977a)
Nesse momento, é apresentada, agora pela Suécia, uma outra
proposta de mudança no Conselho Executivo. Encaminhada ao
diretor-geral, em 1972, a proposta tem ainda como alvo o estatuto
dos membros do Conselho Executivo e reorienta a transformação
em processo nesse conselho, no sentido de aprofundar a mudança
postulada no projeto apresentado em 1947, ou seja, de definir o critério
de eleger para o Conselho Executivo não as pessoas, mas os Estados-
membros, os quais, eleitos pela Conferência Geral, nomeariam seus
representantes junto àquele conselho. De sua discussão nas reuniões
da Conferência Geral, de 1972 e 1974 resultou a recomendação de
um estudo da questão realizado pelo Conselho Executivo e de consulta
aos Estados-membros sobre a proposta.
Aos resultados obtidos por esses meios, acrescenta-se, na 19
a
CG-1976, em que se deliberou sobre a mudança pleiteada, uma outra
emenda, apresentada pelo México. Essa emenda anula a proposta
sueca, ao mesmo tempo que atinge o objetivo por ela pretendido
fortalecer o poder dos Estados-membros no Conselho Executivo.
Essa proposta, aprovada pela maioria de dois terços, permite ao Es-
tado-membro substituir seu representante no Conselho Executivo, se
as circunstâncias exigirem, dispensando-se, nesse caso, a formali-
zação do pedido pelo funcionário a ser demitido.
É curioso notar a divisão no interior dos diferentes grupos da
UNESCO, tal como foram constituídos em 1968, entre Estados-mem-
bros favoráveis e contrários à proposta sueca, assim emendada. Entre
os favoráveis à proposta, junto com os EUA, encontram-se, por exem-
plo, a Noruega (G-I); a Bulgária e a Iugoslávia (G-II); Cuba (G-III);
o Iraque (G-IV); a Argélia e a Nigéria (G-V).
Mais curiosa e, sobretudo, surpreendente é a resposta ambígua
do Ministério de Assuntos Exteriores da França à consulta procedida
55
pelo diretor-geral, conforme recomendara a Conferência Geral da
UNESCO. Uma ambigüidade dirimida, porém, na clareza da expres-
são do representante francês junto ao Conselho Executivo. Argumen-
tando em favor da proposta, ele chama a atenção para a necessidade
de “pôr o direito de acordo com os fatos”, lembrando que, “com a
evolução do mundo, todos os problemas, incluindo os relativos à edu-
cação, à ciência e à cultura tinham se tornado amplamente políticos”
(Citado por Bekri, 1991, p. 211). Como se percebe, a França mudara
sua posição, defendida desde 1945, contrária à politização da UNES-
CO mediante a estatização do seu Conselho Executivo.
Simultaneamente à ocorrência dessa discussão, não é demais
acrescentar, a UNESCO está vivendo o agravamento de sua situa-
ção financeira, em virtude da crise econômico-financeira mundial,
mas também em razão da ausência do depósito da contribuição de
alguns Estados-membros, entre os quais os EUA, cujos governantes
recorrem a essa medida em represália aos resultados de decisões da
Conferência Geral sobre temas cruciais para esse país, tais como a
regulamentação das comunicações espaciais e as questões raciais.
Esses temas, recorrentes na UNESCO, são retomados com intensi-
dade, nesse período, e prosseguem nas décadas seguintes.
Ao mesmo tempo, e com mais de uma década de distância em
relação às providências tomadas pelo governo dos EUA quanto à
reorganização institucional para exploração comercial da tecnologia
espacial, os países da Europa Ocidental se integram na Agência Es-
pacial Européia (ESA), visando à racionalização da produção nessa
área, a fim de eliminar competições desvantajosas para a Europa na
nova fase de reestruturação do capitalismo.
Por outro lado, no contexto das lutas pela libertação colonial des-
se período, o agravamento das relações raciais, a intensificação das into-
lerâncias às diferenças, assim como a emergência do “outro” no cenário
internacional como um sujeito político, explicitam a problemática racial
em seus fundamentos econômicos, político-culturais e geopolíticos, su-
gerindo seu exame para além de suas manifestações locais.
Enquanto se realizam, na UNESCO, as discussões sobre novas
mudanças no Conselho Executivo, o ataque do Iraque aos curdos,
suscitando apoio do Irã (1973-74), a intensificação da legislação do
apartheid na Rodésia (1965), as medidas segregacionistas em relação
56
ao ensino adotadas na África do Sul (1976), a manutenção do poder
colonial português, a violência inerente aos desdobramentos da
insolúvel questão palestina são exemplos de práticas racistas, cujas
razões, em última instância econômicas, projetam, para o mundo, a
questão racial.
Intensificam-se então as ações, resoluções e estudos promo-
vidos pela UNESCO sobre a questão, justificando a decisão, em 1956
e 1972, respectivamente, de Portugal e da África do Sul se retirarem
da UNESCO. As resoluções acusando o racismo de Israel aprova-
das na 18
a
CG-1974 motivam ainda o protesto dos EUA, mais uma
vez materializado na ausência do depósito da contribuição financeira
desse país ao orçamento da organização para o biênio 1975-1976.
A questão racial permanece nas décadas seguintes, no mundo
e na UNESCO, ressurgindo na constituição das novas nações após a
desintegração da URSS. Na década de 1990, esta questão motiva
nova Declaração dos Princípios sobre a Tolerância proclamada e
assinada pela 28
a
CG-1995. Nessa declaração, a educação e as novas
tecnologias educativas são evidenciadas como meios eficazes na
formação de “cidadãos solidários, abertos a outras culturas, capazes
de apreciar o valor da liberdade, respeitar a dignidade dos seres
humanos e suas diferenças”. (UNESCO, 1990, p. 34)
No início da década de 1980, as ações da UNESCO em relação
aos meios de comunicação, que, juntamente com a questão racial, tan-
genciam suas atividades no campo da educação, são apontadas pelos
EUA como motivo para sua decisão de se retirarem da UNESCO. Os
argumentos apontados pelo secretário de Estado referem-se à ineficá-
cia da organização quanto à política, à orientação ideológica e ao orça-
mento; à existência de tendências que desviaram a UNESCO dos
princípios adotados em 1946, que serviram, sobretudo, às políticas na-
cionais dos Estados-membros; à demonstração, exemplificada pela 22
a
CG, de que não se pode esperar o retorno da UNESCO aos princípios
de 1946; à convicção relativa à possibilidade de os EUA, por outros
meios de cooperação, nos campos da educação, ciência e cultura, re-
alizar os princípios originais da UNESCO. (CCIU, 1984, p. 2)
Todavia, em 1983, quando a UNESCO recebe a notificação
da retirada dos EUA, acompanhados nesse ato pela Inglaterra, ela
recebe como novos membros São Cristóvão e Nevis, São Vicente de
57
Granadinas, países insulares das Antilhas associados à Commonwe-
alth, e Fidji, arquipélago do sudoeste do Pacífico, colônia britânica
desde 1874 e independente, nos quadros da Commonwealth, desde
1970. No ano anterior, Belize, na América Central, e Antígua e Bar-
buda, no Caribe, ambos Estados independentes ligados à Commonwe-
alth, haviam se tornado membros da UNESCO, o que pode repre-
sentar um lucro obtido por aqueles dois países na troca de seus dois
votos por cinco de seus aliados, na Conferência Geral.
A discussão acerca do estatuto dos membros do Conselho
Executivo, da qual resultam resoluções sucessivas, para acomodar,
no arcabouço teórico que regulamenta o caminhar da UNESCO, a
realidade social e histórica, rebelde por natureza, prolonga-se de 1947
até a década de 1990. Assim, o Japão que, em 1972, pronunciara-se
contrário à proposta sueca, propõe uma emenda, aprovada na
Conferência Geral de 1991, segundo a qual os 51 Estados-membros,
eleitos pela Conferência Geral, indicariam, a partir de então, os seus
representantes para compor o Conselho Executivo. Essa mudança
não será a última, e nem chega a reproduzir, na UNESCO, uma
estrutura semelhante à do Conselho de Segurança da ONU, como
sugeriam os questionamentos do delegado dos EUA, em 1947.
52
Os questionamentos sobre a composição do Conselho Execu-
tivo, único órgão da estrutura básica da UNESCO passível de ser
modificado e cuja posição entre a Conferência Geral e o Secretaria-
do é de fundamental importantância, assim como as mudanças nele
processadas, desde a década de 1950 até a de 1990, têm sido
justificados pela necessária ampliação e pelo atendimento dos critérios
de distribuição geográfica e de representação da diversidade cultural
dos assentos para incluir os novos Estados-membros. Essa ampliação
se justificava ainda pela necessidade de racionalizar as relações entre
esse órgão e o diretor-geral e seu secretariado. Não se pode descartar,
entretanto, o objetivo de possibilitar um controle sobre a instituição
como um todo.
52
Acerca dos questionamentos apresentados, em 1947, pela delegação americana,
registro de que, na prática, havia desde o início dos trabalhos da UNESCO um
acordo tácito segundo o qual aqueles Estados, membros permanentes do Conselho
de Segurança da ONU, estivessem sempre representados no Conselho Executivo.
58
Além disso, as mudanças procedidas no Conselho Executi-
vo, desde a década de 1950, revelam, no seu conjunto, momentos
diversos da realidade, em seus aspectos econômico-políticos, e por-
tanto socioculturais, e sua repercussão na UNESCO, instituição
que, desde os seus primeiros passos, tem sido mantida sob rígido
controle dos Estados-membros entre os quais, não sem razão, pai-
rava o receio de utilização, por alguns deles, do potencial da orga-
nização, cujos campos de atuação incidem de modo substantivo na
dinâmica da sociedade mundial.
Referindo-se às potencialidades dos organismos internacionais,
e às eventuais resistências interpostas pelas nações e suas elites ao
crescimento de sua força, Deutsch (1982, p. 238) apresenta a se-
guinte conclusão:
até agora, o principal problema de cada organismo
internacional destinado à manutenção da paz e da segurança
tem sido sua fragilidade e não sua força. Em cada caso, o
organismo se mostrou fraco exatamente porque a maioria de
seus membros temia sua força e também receava a
possibilidade de essa organização internacional ou federal
transformar-se em mero instrumento do exercício de poder e
da hegemonia de um ou de alguns de seus membros mais
poderosos de certa forma, da mesma maneira como uma
holding quase sempre serve de instrumento para ampliar e
multiplicar o poder de uma minoria bem organizada de
acionistas contra os demais. No caso de organismos
internacionais que pretendem que todos os países deles façam
parte, as diferenças entre os membros tendem a ser enormes,
o mesmo ocorrendo com seus receios recíprocos.
Este parece ser bem o caso da UNESCO. Ao longo de sua
existência, essa instituição viveu momentos expressivos de força e
de fraqueza, qualidades que ora se alternam, ora se imbricam. Isso
nos permite compreender a UNESCO como um processo: ao mes-
mo tempo instituída pela sociedade ocidental, ela é também instituin-
te de seus caminhos, de sua dinâmica própria.
O que não significa, entretanto, a perda de sua ocidentalidade.
Produto de um momento específico da sociedade ocidental, a UNESCO
59
se estrutura na dinâmica contraditória de um processo de
ocidentalização, realizando-se num jogo de forças que une e opõe
nações, povos, gentes; formas de organização social; Estado,
empresas privadas e organizações não-governamentais.
Nesse processo, a UNESCO se re-constrói, pelas determi-
nações socialmente produzidas, como instituição com responsabili-
dades em áreas fundamentais para a vida social. Determinações
que não cessam de se reproduzir, gerando mudanças qualitativas
nas estruturas, processos e relações. Gerando também novas con-
figurações e demandas antes insuspeitadas, desafiando e pondo
em questão os ideais e os limites propostos e impostos à UNESCO
por seus fundadores, exigindo dela novas rearticulações.
Apelos em direções variadas e sentidos contraditórios che-
gam à UNESCO, impulsionados pelas forças presentes nas múlti-
plas disputas envolvidas na construção da história mundial. A com-
plexidade desse contexto impõe obstáculos à compreensão imedia-
ta da UNESCO. Seus campos de atuação, diversificados em múl-
tiplas temáticas, oferecem e sugerem vários temas e questões. O
exame desses temas e questões, em seus desdobramentos nessa
instituição e na realidade em que são produzidos, pode permitir uma
compreensão da UNESCO e de sua inserção no “vasto processo
de transculturação (...) em curso desde os primórdios do capitalis-
mo”. (Ianni,1996, p. 219)
O exame desses temas e questões, nesta perspectiva, pode
permitir ainda a compreensão do modo pelo qual a UNESCO en-
frenta as questões-problema emergentes nesse processo de mun-
dialização. Algumas delas são privilegiadas, por sua abrangência e
recorrência no percurso da instituição, o que significa a sua perma-
nência como problema na realidade social na qual se produzem. A
esperança na educação como meio de construir a paz entre na-
ções, povos e gentes, e sua potencialização pela revolução das co-
municações são desafiadas pelas manifestações de intolerância às
diferenças e de exclusão do “outro”, que se expressam na violên-
cia de nacionalismos, fundamentalismos, guerras, revoluções. Com-
preender a ação teórico-prática da UNESCO no encaminhamento
dessas temáticas constitui um desafio que merece ser enfrentado.
61
A UNESCO e a comunicação
entr e as culturas
(...) desenvolver e multiplicar as relações
entre os povos, a fim de que melhor se com-
preendam e adquiram conhecimento mais
preciso e verdadeiro de seus respectivos
costumes.
(Ato Constitutivo da UNESCO)
Aintensificação do processo de descolonização na segunda me-
tade da década de 1950 e o posterior desenvolvimento das tecnologi-
as da comunicação abrem novas perspectivas à ação da UNESCO
e tornam mais complexos os problemas e desafios com os quais ela
se defronta, situando-a em momentos qualitativamente diversos de
sua atuação. Nos anos 60, às três áreas inscritas em sua denomina-
ção soma-se uma quarta: a comunicação área que motivou críticas
dos meios de informação dos países industrializados, assim como
gerou impasses nas sessões da Conferência Geral, com adiamento
de decisões nesse foro. O pomo da discórdia reside, sobretudo, nas
ações desenvolvidas nas décadas de 1970 e 1980, em busca de uma
nova ordem mundial da informação, culminando na decisão de os EUA
e a Inglaterra se retirarem da UNESCO. O retorno da Inglaterra, em
junho de 1997, os impasses citados e o poder de influência ainda
mantido pela UNESCO permitem pensar numa nova rearticulação
dessa organização, após os episódios das duas décadas anteriores, assim
como na sua atualização diante da realidade dos anos 90.
A despeito da preeminência dos meios modernos de informação
na configuração da sociedade mundial, e também da UNESCO, é
necessário considerar, na busca de uma compreensão do caminhar
dessa organização, que sua atuação na área da comunicação não se
reduz a esses meios, abarcando outras formas de expressão
62
sociocultural, no âmbito da filosofia, da ciência e da arte, elementos
dinâmicos na reconstrução, intentada, desde o pós-guerra, de uma
“morada segura para a humanidade” (Vaz, 1993). E, nesse
empreendimento, coube à UNESCO um papel fundamental.
Desde a Conferência de Londres, em 1945, quando essa
agência especializada da ONU foi criada, expressam-se com clare-
za as expectativas em relação a ela, num mundo em que a guerra
não acabara, prosseguindo nos conflitos locais.
1
Naquela conferên-
cia, o primeiro-ministro britânico, Clement Attlee, assim enuncia o
âmbito e o sentido da atuação da nova organização: “hoje os povos
do mundo são ilhas que lançam apelos por cima de oceanos de mal
entendidos. ‘Conhece-te a ti mesmo’, dizia o velho provérbio. ‘Co-
nhece teu vizinho’, dizemos a partir de agora, pois nosso vizinho é o
mundo inteiro”. (citado por Lacoste 1994, p. 4)
Esta porém é apenas uma das expressões reveladoras das
esperanças na tarefa de ocidentalização do mundo, delegada pelas
Nações Unidas, no imediato pós-guerra, à UNESCO. Em Lacoste
(1994, p. 5) consta ainda que, em 1946, quando se realiza a primeira
Conferência Geral (1
a
CG) da organização, o romancista e ensaísta
francês André Gide anotou em seu diário: “envio a Huxley, como
epígrafe ao programa da UNESCO, o último verso do Canto II da
Eneida carregando-o de uma significação simbólica: ‘... e assumindo
todo o peso de meu patrimônio, esforço-me em ganhar as alturas’ ”.
Críticas, porém, não faltaram. Em 1950, quando controvérsias
alimentavam o debate, na Conferência Geral, motivado também pelas
diferentes concepções acerca da cooperação intelectual e cultural entre
os povos, o filósofo italiano Benedetto Croce referiu-se à UNESCO
como uma “empresa equivocada”: uma instituição intergovernamental
1
Pode-se mencionar, a título de exemplo, a guerra civil tendo lugar então na Grécia
e na China, países onde os partidos comunistas lutam contra o poder constituído;
a luta pela independência travada com apoio da URSS na Indonésia, de onde os
holandeses se retiraram em 1949; a guerra civil na Índia, cujos resultados
foram a partilha do território indiano em dois Estados, Paquistão e Índia, e a
antecipação de sua independência prevista pelos ingleses para 1948; a presença
de tropas anglo-francesas até 1946 na Síria e no Líbano, independentes desde
1943; o início de revolta na Argélia e o bombardeio de Setif como represália da
França, em luta também no Marrocos para a manutenção da situação colonial.
63
com um ideal ético-moral, de tendência universalista, fadada, num mundo
tensionado por ideologias diversas, a ceder espaço ou sucumbir ao
poder do Estado. (Bekri, 1993, p. 14)
Cinco anos antes, T. S. Eliot, objetivando definir a palavra
cultura, necessidade imposta, segundo ele, pela utilização que
dela então se fazia, escreve o ensaio Notas para uma definição de
cultura.
2
encontram-se referências às palavras de Clement Attlee,
bem como às finalidades da UNESCO divulgadas em documento de
agosto de 1945. Esses e outros exemplos justificam seu ensaio, do
qual dois capítulos são dedicados a “desembaraçar a cultura da política
e da educação” (1988, p. 27), associação indevida, redutora e perigosa
para a sobrevivência, o florescimento e o enriquecimento das culturas.
A preocupação do poeta norte-americano é com o mundo
ocidental, com a Europa, e, sobretudo, com a Inglaterra, onde se radicara
desde 1915. Eliot focaliza a visível desintegração cultural sob a égide
das teorias política, sociológica e antropológica, na sociedade moderna,
cuja raiz religiosa-cristã se perdera. Numa cultura “unida e dividida”,
Eliot toma distância em relação ao reconhecimento da cultura como
instrumento de política para trazer à memória “o fato de que, em ou-
tros períodos, a política foi uma atividade praticada dentro de uma
cultura e entre representantes de culturas diferentes”. (1988, p. 106)
Deixando de lado o eurocentrismo subjacente à reflexão de T.
S. Eliot, importa destacar seu ceticismo em relação à planificação
mundial da cultura.
3
Pensa nos riscos de desumanização da
humanidade como um resultado do que poderia vir a ser um pesadelo.
2
ELIOT, T. S. Notas para uma definição de cultura. São Paulo: Perspectiva,
1988. (Coleção Debates)
3
A planificação para a liberdade é teorizada por Mannheim a quem Eliot toma
como interlocutor em seu ensaio, no que respeita à definição e ao papel da elite
na cultura em Man and society. Eliot argumenta que, em comparação com seu
entendimento da cultura e sua relação com a sociedade em todos os seus grupos,
o conceito de cultura em Mannheim é mais limitado. O papel dos organismos
internacionais, entre os quais a UNESCO, a educação como técnica social
fundamental, assim como o controle e a coordenação dos meios técnicos de
difusão na planificação democrática, são considerados por Mannheim. Ver:
MANNHEIM, Karl. Liberdade, poder e planificação democrática. São Paulo:
Mestre Jou, 1972; O homem e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1962.
64
Percebe, então, uma cultura mundial não mais do que como um ideal
inimaginável, porém, um “termo lógico de relações entre culturas”.
Recusando-a como objeto de planificação, não a descarta, pois, como
ideal, e admite: “devemos aspirar a uma cultura comum, que ainda
assim não diminuirá as particularidades das partes constituintes” (Eliot,
1988, p. 81-82). Analisando como “forças de atração e repulsão” as
relações enriquecedoras entre culturas, Eliot aponta, em sua leitura
do tratamento oficial à questão cultural, no imediato pós-guerra, não
apenas os riscos, mas também problemas e dificuldades para a
realização prática de uma cultura mundial, alguns dos quais estão na
base de questões que se imporão à UNESCO, como mediadora das
relações culturais Ocidente–Oriente, no novo capítulo do processo
de ocidentalização do mundo que então se inicia. (Ianni, 1995)
A consciência desses problemas não está ausente desde a
idealização da UNESCO, nas discussões da Conferência dos Minis-
tros Aliados da Educação (CMAE) e se expressa de várias formas:
primeiro, na intenção explicitada no seu Ato Constitutivo de respeito
à “fecunda diversidade das culturas”; em seguida, por exemplo, no
programa da UNESCO, atendendo à solicitação feita pela ONU, em
1946, de tradução e divulgação de obras-primas da literatura de dife-
rentes povos, quando foram selecionados trabalhos de literatura ára-
be e persa, da Índia, do Extremo Oriente, da Itália e da América
Latina; ou ainda nas críticas, apontando negligência relativa ao
intercâmbio de informações e a outras atividades, suscitadas pelo
programa similar da UNESCO na área da música, cuja ênfase, se-
gundo a crítica, privilegiava a gravação em discos e concertos volta-
dos para uma elite. Expressa-se, sobretudo, na observação feita, em
1947, pela representação indiana na UNESCO de que “os estudiosos
da Índia olham para a história a fim de corrigir a miopia dos sábios
ocidentais, alguns dos quais, incapazes de verem além da Grécia,
têm recusado ao Oriente, e especialmente à Índia, o crédito devido à
prioridade cultural”. (Citado por Laves e Thomson, 1957, p. 400)
Interpretadas 25 anos após como “antinomias inerentes à
concepção da UNESCO e à natureza das coisas”, as dificuldades
concretamente enfrentadas pela organização, entre as quais Pompei
destaca como fundamental aquela ressaltada por Eliot a oposição
entre a liberdade da cultura e sua organização planificada –,
65
expressam a necessidade de “empreender a síntese dos contrários”.
(Pompei, 1972, p. 20)
Na mesma ocasião, a análise dos primeiros dez anos da UNES-
CO empreendida por René Maheu é sugestiva para a compreensão
de como e por que se intentou a busca dessa síntese, no solo contur-
bado em que essa instituição deveria enraizar-se. Em sua análise,
Maheu, então no exercício de seu segundo mandato como o quinto
diretor-geral, após ter ocupado outros postos e funções, beneficia-se
de uma longa vivência na UNESCO. Beneficiou-se ainda da distân-
cia, que lhe permite ver esses primeiros anos à luz dos acontecimen-
tos da década de 1960 e do início da seguinte, quando ocorrem mu-
danças significativas na composição da organização, assim como na
estruturação das forças mundiais, e, conseqüentemente, nas
prioridades políticas da UNESCO e em seu quadro conceitual.
Nessa altura da história da sociedade mundial, Maheu sente-
se seguro em definir a paz, alvo prioritário das ações da UNESCO,
como sendo não “a ilusória segurança ou a possibilidade passageira
de uma potência dominante, ou mesmo de um equilíbrio de forças
obstinado em prosseguir a corrida armamentista”, mas como “a justiça
reconhecida, que poderá ser atingida por meio de mudanças radi-
cais na estrutura das sociedades e na organização do mundo”. E,
numa perspectiva “exclusiva do estatismo”, ele vislumbra, naquele
contexto, o “advento de uma civilização universal”, para a qual paz e
progresso devem convergir e concorrer. (1972, p. 316)
A realização pacífica e harmoniosa do progresso da humani-
dade em direção ao universal, pode-se dizer, é o objetivo maior , embora
não isento de contradições e de ambigüidades, a ser mediado pela
UNESCO. Tarefa de fato complexa para uma organização intergo-
vernamental, num momento em que se reescreve o mapa do mundo
e se processa uma nova divisão do mercado mundial. Momento, por-
tanto, de acomodações, disputas, afirmação e reconstrução dos es-
paços nacionais e culturais. Momento, ainda, de surgimento do anta-
gonismo entre modos diversos de organização da vida social, e de
busca dos possíveis no confronto de civilizações diversas, assim como
de ressignificações da ocidentalidade expressivamente exemplifica-
das em memorando produzido numa reunião da Comissão Nacional
indiana para a UNESCO realizada no início da década de 1950, com
66
a participação de países asiáticos. Nele encontra-se a observação
segundo a qual “ao mesmo tempo que a UNESCO ajuda a trazer
para o Oriente os avanços do Ocidente em educação e ciências na-
turais, os valores permanentes da cultura oriental são proveitosos
para o Ocidente”.
4
Predominantemente ocidental nos seus primeiros dez anos,
como admite René Maheu, a UNESCO depara-se, ainda, com a dis-
cussão sobre sua própria natureza se técnica ou política, ideológica
ou ética –, assim como sobre a natureza de seu Conselho Executivo
se intelectual e cultural, ou se político. Uma solução pragmática
para a primeira questão direciona a realização de projetos específicos,
entre os quais aqueles relativos à educação fundamental, atendendo
às necessidades expressas pelos Estados-membros. Esses projetos
satisfaziam aos objetivos de construção da hegemonia dos EUA, num
mundo bipolar, e, ao mesmo tempo, não deixaram de despertar os
receios de países europeus ocidentais preocupados com a possibili-
dade de a organização servir a objetivos políticos e de propaganda
político-ideológica, em detrimento da cooperação intelectual perce-
bida como relativamente desinteressada.
4
Citado por LAVES, W. H. C. e THOMSON, C. A. UNESCO: purpose, progress
prospects. Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 58. Nesse memorando
encontram-se reivindicações relativas aos meios necessários ao desenvolvimento
cultural dos povos africanos e asiáticos, assim como a afirmação de sua contribuição
ao desenvolvimento cultural geral. Reivindicam-se a preservação e divulgação de
monumentos históricos, a constituição de bibliotecas públicas e museus, o
estabelecimento de editoras, a produção de livros a custo acessível à população
escolar e a adultos recém-alfabetizados, o desenvolvimento do cinema nacional, a
fim de possibilitar uma contraposição à violência presente nos filmes importados
do Ocidente. Propõe-se ainda a diferenciação, no programa da UNESCO, entre as
atividades permanentes destinadas a finalidades universais e aquelas limitadas no
tempo e no espaço, segundo as necessidades específicas dos Estados-membros.
Essas sugestões e críticas, revelando a insatisfação daqueles que percebiam suas
necessidades como inadequadamente consideradas pelos organismos internacionais,
serão consideradas pelo Conselho Executivo e repercutirão no programa da
UNESCO para o biênio 1955-1956 e na Conferência Geral do último ano, quando
tomarão corpo nos Projetos Principais então aprovados pela primeira vez na
UNESCO. Entre estes estão o Projeto de Pesquisas sobre as Terras Áridas e o
Projeto de Apreciação Mútua dos Valores do Ocidente e do Oriente.
67
Razões diversas fundamentam os argumentos, reiteradamen-
te apresentados pelos países do Leste Europeu, contra o caráter
propagandista desde o início presente nos projetos de educação e
difusão cultural, nos quais os meios de informação se constituíam
como elementos e técnicas sociais fundamentais. Desde as primeiras
reuniões da Conferência Geral, os delegados da Iugoslávia e da Polônia
denunciam a ausência de condenação, pela UNESCO, da forma pela
qual o princípio da livre circulação das idéias estava sendo utilizado
para produzir a desinformação, em vez da informação, e sustentar a
criação e o agravamento de tensões em vários locais do mundo.
5
Por ocasião da Guerra da Coréia, o governo dos EUA julgará
insatisfatório o tardio trabalho referente à informação das massas
realizado pela UNESCO. Conforme registram Laves e Thomson
(1957, p. 274-276), a UNESCO teria evitado então o uso do termo
5
Os interesses políticos e econômicos que unem e opõem a Inglaterra, a França e
os EUA num mundo bipolarizado evidenciam-se na visualização geopolítica das
“missões” enviadas pela UNESCO para assessorar as reformas de ensino e na
configuração dos projetos piloto de educação de base compreendidos no objetivo
de educação para compreensão internacional aprovados e realizados, ou não, nos
três primeiros anos de sua atuação. A partir de 1948, grupos de especialistas em
educação são enviados: para as Filipinas, onde os EUA, em 1946, garantem a
manutenção de suas bases navais por um período de 99 anos e concedem a esse
país uma independência negociada entre os dois países; para o Afeganistão,
território de disputa anglo-russa desde as últimas décadas do século XIX e de
valor estratégico para a URSS; para a Tailândia, aliado estratégico dos EUA no
Sudeste Asiático, membro da Organização do Tratado do Sudeste Asiático (Otase)
a partir de 1952; para a Síria, membro da Liga Árabe, uma tentativa mal-sucedida
de a Inglaterra conter, sob a liderança do Egito, o pan-arabismo que se manifesta
nos nacionalismos diversos no Oriente Médio. O projeto de re-educação dos
países ex-inimigos, Alemanha e Japão, é aprovado na 1
a
CG-1946 e sua execução,
iniciada no ano seguinte, suscita críticas da imprensa, por seu caráter autoritário.
Dos quatro projetos de educação de base e de educação das comunidades
aprovados, apenas o do Haiti foi executado, não sem dificuldades. Foram
suspensos: o da China, após a vitória de Mao Tse Tung; o do Peru, onde o Gal.
Manuel Odria, no poder, combatia as forças sociais que se expressavam no
aprismo de Haya de la Torre; o de Tanganica (Tanzânia) e Niassalândia (Malauí).
O último fará parte, junto com a Rodésia Meridional (Zanzibar) e Rodésia
Setentrional (Zâmbia), da Federação Centro-Africana, criada pela Inglaterra no
início da década de 1950. A independência de ambos ocorrerá na primeira metade
da década de 1960, o primeiro deles nos quadros da Commonwealth.
68
“agressão” em relação à Coréia do Norte, no que foi apoiada pelos
países europeus ocidentais. Com isso não evitou, entretanto, o agra-
vamento do descontentamento das delegações da Hungria, da Polô-
nia e da Tchecoslováquia, seguido do anúncio, em 1952, da retirada
desses países da organização.
Nesse contexto, e enquanto prossegue a discussão sobre a
estatização do Conselho Executivo, a UNESCO vai construindo as
bases mundiais de sua atuação. Ao fazer isso, ela, longe de “empre-
ender a síntese dos contrários” (Pompei, 1972), certamente busca
conciliar seus objetivos práticos com seu ideal ético-moral. E, ao
mesmo tempo, a UNESCO cuida de articular o consenso possível,
em meio às posições divergentes relativas às condições de expansão
ocidental e do desenvolvimento capitalista, desigual e combinado em
sua essência e, portanto, visceralmente beligerante.
Essa interpretação permite compreender a afirmação de René
Maheu (1972, p. 325) de que a UNESCO “é essencialmente um
sistema de comunicação intelectual e uma empresa de diálogo e de
compreensão entre os povos”, não como um dado, mas como um
ideal buscado desde seus primeiros anos de existência, visto ser este
um meio necessário à realização dos interesses contraditórios do
capital em planetarização, num mundo que aprendera como impera-
tivo o propósito de evitar para si um novo conflito bélico.
Facilitar a comunicação entre as nações, nos diferentes con-
tinentes geográficos, mediante suas áreas de atuação e os ele-
mentos de sustentação da ocidentalização do mundo filosofia,
ciência e arte –, constitui-se, de fato, numa meta da UNESCO e
num recurso fundamental à abertura de fronteiras ao progresso.
O alvo postulado é a humanidade, cuja universalidade habita e
alimenta o pensamento dos clássicos da ilustração e do liberalis-
mo desde o século XVIII.
Construindo uma rede mundial de comunicação e
entendimento dos povos
Na construção das condições para sua atuação, a UNESCO
vale-se da experiência do extinto Instituto Internacional de
69
Cooperação Intelectual (IICI),
6
associando-se, em 1947, ao Conselho
Internacional das Uniões Científicas (Icius), criado em 1919. Do
acordo então firmado, resultam a abertura de um escritório na sede
da organizaçã o e a criação da União Internacional para a História da
Ciência e de uniões internacionais em outras áreas como
cristalografia, mecânica teórica e aplicada, assim como a realização
de estudos para a criação de uniões científicas em campos como
geologia, matemática, fisiologia e ciências da nutrição.
Ainda nesse domínio de atuação a UNESCO cria, até 1948,
quatro postos de cooperação: um no Cairo, outro em Nova Delhi,
7
o
terceiro em Nanquim e o quarto no Rio de Janeiro, onde se instala,
6
Organismo de cooperação intelectual criado em 1924 pela Liga das Nações,
graças à iniciativa francesa e a contragosto dos governos anglo-saxônicos que o
percebiam como um serviço aos objetivos de expansão cultural da França.
Constituindo-se como foro de intelectuais ligados às diversas áreas do
conhecimento, da literatura e das artes, o IICI, que exerce suas atividades até
1940, tinha como característica fundamental a independência em relação ao poder
do Estado. A respeito da cooperação intelectual em períodos anteriores ao pós-
45, ver La pre-histoire de la cooperation intellectuelle 1789-1919 e L’organisation
de cooperation intellectuelle (OCI) 1920-1940. In: BEKRI, Chikh. L’UNESCO:
Une entreprise erronée? Paris: Éditions Publisud, 1991.
7
Desde 1947, o governo indiano solicita à UNESCO a criação de uma rede de
institutos tecnológicos nos moldes dos institutos da Europa e dos EUA. Além do
Instituto de Nova Delhi, outros foram instalados em Kharagpur, Kampur e Madras
inseridos num programa de cooperação internacional que prosseguirá nas décadas
seguintes e se estenderá a outros países asiáticos e africanos. Os institutos ou
centros objetivam a formação de bacharéis nas áreas de química, engenharia civil,
eletricidade, mecânica e metalurgia e a realização de pesquisas relativas ao
aproveitamento de água salobra, às terras áridas, entre outras. Os recursos utilizados
nesses programas são, desde 1949, do Programa Ampliado de Assistência Técnica
(Peat), proposto por Truman à ONU, além dos recursos locais. Para a Índia, a
UNESCO concluiu acordo, em 1955, permitindo alocar para o Instituto de Bombaim
uma contribuição em rublos repassados pela URSS ao Peat. Ver a respeito:
BEHRMAN, Daniel. Réseaux du progrés: quelques aspects de l’action
scientifique de l’UNESCO. Paris: UNESCO, 1964; BATISSE, Michel. No
começo, o deserto. In: O Correio da UNESCO. Rio de Janeiro: Fundação Getulio
Vargas, mar. 1994, p. 29-33. Os dois autores identificam nesses centros a origem
dos projetos da UNESCO, da década de 1960, sobre o meio ambiente, o que
evidencia, segundo Batisse, uma tendência de antecipação da UNESCO em relação
aos problemas mundiais, constantes da pauta das Nações Unidas na
70
em 1947, o Instituto Internacional da Hiléia Amazônica.
8
Entre os
objetivos dos postos de cooperação científica consta o de facilitar a
comunicação internacional de cientistas e estudiosos, cujas desco-
bertas devem ser postas a “serviço da comunidade mundial” e, cer-
tamente, articulá-los, assim como as diferentes regiões e seus recur-
sos, às necessidades internacionais de desenvolvimento do capital.
No domínio da educação de base, a UNESCO reúne, sistemati-
za, completa e difunde, por intermédio do Centro de Informação, liga-
do ao seu Departamento de Educação, informações sobre as experi-
ências em curso, tanto as referentes aos aspectos metodológicos como
as relativas ao uso dos recursos tecnológicos existentes, estabelecen-
do, assim, a comunicação entre especialistas da área de várias regi-
ões do mundo. Cria, ainda, em acordo com os governos, Centros
Regionais de Educação de Base para a América Latina, Ásia, África
e Estados Árabes. Promove também reuniões, em 1947, com as em-
presas internacionais privadas e cria o Conselho Temporário para a
década de 1990. Não é demais lembrar que esses problemas resultam da força
incontrolável do capital, para cuja expansão a UNESCO concorre, desde a segunda
metade da década de 1940. Sobre a criação de institutos internacionais e regionais
de pesquisa entre 1948 e 1952, ver UNESCO. Rapport aux Nations Unis: 1949-
1950, Paris, 1950 b, p. 36-37.
8
Esse instituto, devido às resistências de parlamentares brasileiros, é transferido
no ano seguinte para Montevidéu (zona neutra?!). A respeito do projeto de
pesquisa ligado a esse instituto, a UNESCO realizou, em 1947, uma reunião em
Iquitos, no Peru, e outra, em colaboração com o governo francês, na qual se
discutiu a criação da União Internacional para a Proteção da Natureza. Cf. BEKRI,
1991, p. 168. Os interesses do capital internacional bem como a inter-relação
dos campos de atuação da UNESCO, na realização desses interesses, podem ser
percebidos nos objetivos do instituto, entre os quais constam: “organizar
explorações botânicas que cubram de maneira progressiva e sistemática a
totalidade da Hiléia Amazônica, com o fim de coligir plantas de interesse
econômico (...); estudar a possibilidade de utilizar, para a educação das
populações amazônicas, caravanas compostas de sanitaristas, etnólogos,
agrônomos e professores, aparelhados com recursos modernos de projeções
fixas e móveis, de discos, rádios etc; (...) estudar os elementos folclóricos e
lingüísticos dos diversos grupos indígenas (...)”. Cf. CARNEIRO, Paulo E.
Berredo. O Instituto Internacional da Hiléia Amazônica. Razões e objetivos de
sua Criação, 1951, p.27.
71
Reconstrução da Educação (Ticer),
9
visando à coordenação e à arti-
culação, nos âmbitos nacionais e internacional, do programa de re-
construção educacional nos países devastados pela guerra.
No curto período de seus três primeiros anos, a UNESCO contri-
bui ainda para a criação do Conselho Internacional de Música, do Institu-
to Internacional do Teatro e, em seguida, da Associação de Críticos de
Arte e da Associação Internacional de Artes Plásticas. Contribui tam-
bém para a criação de conselhos internacionais nas seguintes áreas ou
campos de atuação: dos museus, de arquivos, de intercâmbios literários,
de filosofia e ciências humanas e das universidades. A UNESCO reúne,
ainda em 1952, pintores, escultores, arquitetos, escritores e produtores de
teatro e cinema de mais de quarenta países, buscando explicitar a possí-
vel contribuição dos profissionais e personalidades da área da cultura, da
arquitetura e do urbanismo para seus objetivos e ideais.
Essa lista, não exaustiva, compõe um conjunto de instituições às
quais a UNESCO se associa para a realização dos objetivos nas suas
três áreas de competência, inscritos no seu Ato Constitutivo, que esta-
belece como uma de suas funções o encorajamento do “intercâmbio
internacional de representantes da educação, da ciência e da cultura,
assim como aquele de publicações, de obras de arte, de material de
laboratório e de toda documentação útil”. Daí deriva uma multiplicidade
de temas e atividades, cujas discussão e realização envolverão institui-
ções privadas, instituições intergovernamentais e não-governamentais.
10
9
No ano anterior, as empresas privadas norte-americanas haviam constituído a
Comissão Internacional para a Reconstrução Educacional (Cier), com o objetivo de
coordenar as operações nessa área. Cf . ARCHIBALDI, Gail. Les États-Unis et
l’UNESCO: 1944-1963. Les rêves peuvent-ils résister à la realité des relations
internationales? Paris: Sorbonne, 1993, p. 109. Cf. UNESCO. Avec le Ticer. Sur le
front de la reconstruction. Regards sur vingt-neuf organisations internationales privées
à la point du combat pour le relèvement de l’éducation. Paris: Georges Lang, 1949.
10
A UNESCO tem se valido da contribuição dessas diversas associações para a difusão
do conhecimento, do que são exemplos: seu programa de intercâmbio internacional
de material para bibliotecas, impresso ou microfilmado; a produção e difusão de
índices de bibliografia e resumos de pesquisas nas áreas das ciências da natureza e
biológica; produção e difusão de listas de obras de arte representativas das diferentes
correntes artísticas e dos principais períodos da história da arte, e a reprodução, de
qualidade, dessas obras; exposições itinerantes científico-tecnológicas e artísticas,
assim como seu programa de bolsas de estudos e viagens ao exterior.
72
O trabalho da UNESCO com as organizações internacionais
não-governamentais (Oings), às quais se destinam 6% do seu orça-
mento ordinário, em 1957, não se faz, porém, sem questionamentos
nas reuniões da Conferência Geral. Interroga-se sobre a real contri-
buição das Oings ligadas às ciências da natureza à manutenção da
paz, objetivo maior da UNESCO, sendo apresentados, então, argu-
mentos favoráveis e contrários à subvenção a essas instituições. Um
questionamento, certamente, relacionado ao exercício do poder de
controle sobre o saber científico e tecnológico produzido nessa área.
Registra-se ainda nesses questionamentos o temor de que aquelas
Oings se tornem dependentes, pois não dispunham de outra subvenção
além daquela proveniente da UNESCO. A respeito desse assunto os
EUA se contrapõem à maioria dos demais Estados-membros
favoráveis a tal subvenção. A questão se resolveu pelo
estabelecimento de critérios para o controle da destinação de verbas
e pela instituição de um sistema de inspeção pelo Conselho Executivo
para o exame seja das subvenções, seja dos contratos que
regulamentam o trabalho das Oings com a UNESCO.
A UNESCO tem sabido superar as dificuldades interpostas
ao estabelecimento de uma ampla, diversificada e heterogênea rede
de comunicação internacional em contribuição à realização dos obje-
tivos expressos no seu Ato Constitutivo. O prosseguimento desse
intento, a despeito das divergências suscitadas dentro e fora da Con-
ferência Geral, pode ser exemplificado não pela criação, em 1955,
do Comitê de Ligação das organizações internacionais no campo das
artes, com a finalidade de estreitar as relações entre as Oings cria-
das no pós-45 e aquelas preexistentes, mas também pelo número
crescente de Oings 125 em 1956, atingindo, em 1990, o total de 585
associadas aos seus projetos, nas diversas frentes de atuação,
mediante acordos aprovados pela Conferência Geral.
As comissões nacionais, as associações e clubes da UNESCO
e as escolas associadas
11
completam essa vasta, complexa e contradi-
11
As comissões nacionais, elos de ligação entre a UNESCO e os Estados-membros,
são previstas no artigo 7 do seu Ato Constitutivo e compostas de personalidades
destacadas nas áreas de competência da UNESCO. A inclusão de grupos nacionais
com interesses nos problemas dessas áreas garante a participação dos organismos
73
tória estrutura racional que, pode-se dizer, evolui para o atual sistema
de parcerias com a UNESCO, em que são categorizados como “ou-
tros parceiros”: o Comitê Internacional da Cruz Vermelha; a Agência
da Francofonia; o Banco Internacional de Informação sobre os Esta-
dos Francófonos; o Banco de Desenvolvimento Asiático; o Agrupa-
mento Francês da Indústria de Informação; o Instituto Francês de
Pesquisa para o Desenvolvimento da Cooperação; o Centro Europeu
de Gestão de Políticas de Desenvolvimento; a União Interparlamentar ,
a União Latina, grupos de parlamentares amigos da UNESCO,
12
e
também a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econô-
mico (OCDE), que reúne os 25 países mais industrializados do mundo,
e seu Centro de Ajuda ao Desenvolvimento.
E, num momento em que se proclama, na Declaração Mundial
sobre Educação para Todos, a necessidade de reforçar as parcerias
(UNESCO, 1990), diante de recursos públicos cada vez mais
reduzidos para a educação, ao mesmo tempo em que a crescente
convergência das telecomunicações, da informática e do audiovisual,
privados que, na Comissão Nacional dos EUA, por exemplo, atingiam um total
de cem representantes. As comissões nacionais cuja formação se faz desde o
início da atuação da UNESCO existem atualmente em 180 dos 185 Estados-
membros. Também as associações e clubes da UNESCO se constituíram desde
os primeiros anos da UNESCO. Os primeiros surgiram em 1947, dois no Japão
e um nos EUA. Hoje chegam a cerca de cinco mil distribuídos em mais de 120
países. São formados por grupos de pessoas de todas as idades que comungam
os ideais da UNESCO. A idéia de escolas associadas tem origem no Primeiro
Seminário para a Compreensão Internacional realizado pela UNESCO em 1947.
Cf. Crônica da UNESCO, vol. X (2), fev, Paris, 1964. Em 1953, são 33 escolas
secundárias associadas à UNESCO, distribuídas em 15 Estados-membros.
Atingem, em 1995, o total de 3.300 instituições localizadas em 125 países, cujas
atividades se articulam em quatro eixos: problemas mundiais e o papel das
Nações Unidas; os direitos do homem; o conhecimento de outros países e o
respeito a outras culturas e ao patrimônio mundial; o meio ambiente.
12
Em 1994 a UNESCO cria na sua estrutura a Unidade das Relações com os
Parlamentares, e dois anos após promove em sua sede a Conferência
Interparlamentar sobre a Educação, a Ciência, a Cultura e a Comunicação no
Limiar do Século XXI. No ano de 1997 constituem-se os grupos de parlamentares
amigos da UNESCO na Argentina, no Brasil, na Bulgária, no Japão, em Israel, na
Federação da Rússia, Tailândia e Venezuela. As informações sobre as parcerias
da UNESCO encontram-se no site: http://www.UNESCO.org.
74
ao eliminar cada vez mais as barreiras entre as diversas instituições
sociais, une-as num mercado comum (UNESCO/UIT, 1995, p. 3),
especificamente para a área de educação, assumem parceria com
a UNESCO: a IBM, o Centro Internacional de Ensino a Distância
e o Fórum Consultivo Internacional de Educação para Todos. Deste
último fazem parte as agências internacionais ou Ministérios de
Ajuda ao Desenvolvimento da Alemanha (BMZ), dos EUA (Usaid),
da Suécia (Sida), do Canadá (Cida), e os Ministérios para Relações
Exteriores de países tais como a Finlândia, a Noruega, a Dinamarca,
a França.
13
A abrangência do atual sistema de parcerias da UNESCO,
os diversos e mesmo contraditórios interesses nele representados
permitem imaginar uma continuidade funcional em seu complexo
trabalho na busca da compreensão entre nações e culturas, assim
como de seu ideal ético-moral, num mundo cada vez mais regido
pela lógica excludente do mercado. A complexidade do trabalho da
UNESCO pode ser ricamente demonstrada através de exemplos
particulares na articulação do consenso necessário ao seu caminhar,
realizado, desde seus primeiros passos, sob rígido controle dos
Estados-membros.
Mais importante, todavia, antes de trazer ao campo da me-
mória os aspectos relativos aos meios de informação que motiva-
ram, desde os primeiros anos da UNESCO, expectativas e frustra-
ções, divergências, resistências, mas também acomodações e
acordos –, é considerar sua atuação mais abrangente, mediante a
qual, para além das ordens nacionais, a UNESCO tem promovido a
comunicação internacional e a remoção das barreiras à livre circu-
lação das idéias, de profissionais, estudiosos e estudantes das di-
versas áreas, e também das mercadorias.
Nesse sentido, não se pode deixar de registrar os acordos
firmados em 1948 e 1950 para facilitar a circulação internacional,
bem como a importação de material relativo às suas áreas de atua-
ção, trabalho realizado em cooperação com o Gatt e as comissões
econômicas regionais da ONU, e iniciado desde junho de 1946, antes,
13
Informação obtida no site http://www.education.org:80/efa.
75
pois, de sua 1
a
CG, realizada em novembro/dezembro desse ano.
Em 1952, a UNESCO, com conhecimento de causa obtido em
estudos por ela realizados, marca presença no Congresso da
União Postal Universal (UPU), sugerindo mudanças nas regula-
mentações internacionais de tarifas telegráficas e apresentando
sugestões adotadas então como recomendações que obtiveram a
aceitação de trinta países.
É importante destacar também os cinco anos de trabalho da
UNESCO, com a finalidade de fechar acordos visando à proteção
do direito à propriedade intelectual numa legislação de âmbito mun-
dial, superando, na elaboração da Convenção Internacional dos Di-
reitos do Autor, adotada em Genebra, em 1952, as divergências exis-
tentes entre os dois sistemas legislativos então vigentes: o Sistema
Interamericano e o Sistema Europeu, este último existente desde a
Convenção de Berna, de 1886.
14
A UNESCO, os meios de informação e um ideal de liberdade
para os povos
Especificamente acerca dos meios de informação, são
ambiciosas as expectativas da França, Inglaterra e principalmente
dos EUA, desde a Conferência de Londres na qual fica instituída
a UNESCO. Na véspera da assinatura da Ata Final da
Conferência, a delegação dos EUA apresenta três resoluções,
entre as quais uma definia o papel da organização em relação aos
meios de informação.
14
Uma revisão, ainda na década de 1950, foi necessária, na Convenção de 1952.
A forma revisada entra em vigor em 1957, quando é assinada por 22 Estados-
membros . Esse trabalho, realizado em conjunto com a União dos Direitos
Autorais de Berna e a OIT, objetivou incluir nessa legislação a representação
artística, a produção de discoseaorganização da radiodifusão. Cf. LAVES e
THOMSON, 1957, p. 133-134. No início da década de 1990, os Estados-
membros se dividem entre uma nova revisão feita, desde 1971 (50
subscritores), e aquela da década de 1950 (com 84 subscritores). Cf.
LACOSTE, Michel Conil. Chronique d’un grand dessein. Paris: UNESCO,
1994, p. 66.
76
A consciência do poder desses meios evidencia-se também nos
trabalhos da Comissão Preparatória da 1
a
CG-1946.
15
Nesta, assim
como nas reuniões subseqüentes, em meio à atmosfera acirrada da
Guerra Fria, explicitar-se-ão as posições divergentes acerca do uso
dos meios de informação, assim como os interesses diversos em relação
ao papel da UNESCO na questão. Diante da reivindicação de prote-
ção da liberdade, através de código elaborado pela UNESCO,
16
ena
defesa da liberdade como um “em si”, que, por natureza, escapa a
qualquer controle, jogava-se com a consciência existente no pós-guer-
ra do papel desempenhado por esses meios na expansão do nazi-fas-
cismo. Da mesma forma, em razão das emoções suscitadas pela ex-
periência da qual o mundo acabara de sair, contava-se com as alianças
em torno de considerações a respeito de seu significado num mundo
bipolarizado, onde fora retomado o processo de libertação colonial.
“As massas sentem-se desorientadas e traídas”, disse o de-
legado da Inglaterra, na 2
a
CG-1947, invocando, em seguida, os
meios de informação rádio, imprensa, cinema para “ressuscitar
a esperança, lutar contra o pessimismo e reavivar as regras ordiná-
rias da moral e dos valores comuns a todos” (Citado por Bekri,
1991, p. 78). Proposta de estabelecimento de prêmios para jorna-
lismo e promoção de viagens coletivas de profissionais da área são
sugeridos pela delegação francesa,
17
enquanto os delegados dos
15
O Documento C/2, preparado ao longo de 1946 e aprovado na 1
a
CG, apresenta,
no item III, sobre os meios de informação, análises e propostas que, na análise de
BEKRI, 1991, p. 152, nada deixam a desejar em relação àquelas constantes dos
programas da UNESCO da década de 1980, e até as superam em clareza e precisão.
16
Entre as propostas constantes no Documento C/2 está a apresentada pela França
referente à elaboração pela UNESCO de um código de proteção à liberdade de
informação. A elaboração de uma regulamentação dessa questão ocorrerá em
1972, acarretando problemas de ordem política e financeira para a UNESCO.
17
No início da década seguinte, a França procura realizar plano de introdução da
televisão na África, onde, desde 1945, enfrentava problemas para conter os
movimentos de libertação colonial. O plano visava à Argélia, à Tunísia e ao
Marrocos. Concessão especial foi obtida do governo marroquino pela Rádio e
Televisão Telma, sociedade privada, oficialmente constituída em junho de 1952,
com sede em Paris, que reúne firmas de rádio e cinema, além de bancos. No
primeiro trimestre de 1953, ainda não fora estabelecida a data para o início do
empreendimento. Cf. TERROU, Fernand. La télevision dans le monde. Paris:
UNESCO/Imprimerie Strasbourgeoise, 1954, p. 35-36.
77
EUA insistem reiteradamente no trabalho da organização junto à
ONU, com a finalidade de criar uma ampla rede de radiodifusão,
cuja direção seria assumida pela UNESCO.
18
E, na 5
a
CG-1950, três anos após a criação de serviços de
informação e contra-informação pelas duas superpotências em
antagonismo no pós-guerra,
19
o chefe da delegação dos EUA, cujo
governo havia também cuidado de estabelecer alianças militares
para garantir suas zonas de influência,
20
considerando a ameaça que
pesava sobre o mundo, exorta a UNESCO a usar todos os recursos
dos meios de informação para “narrar a admirável crônica da liber-
dade”. (Citado por Bekri, 1991, p. 198)
Além dos projetos experimentais de uso dos meios de infor-
mação então existentes, a UNESCO, atendendo à preocupação
expressa desde a 1
a
CG-1946 relativa às desigualdades existentes
no uso desses meios, empreende enquetes e estudos sobre as
condições para realização da livre circulação das idéias, em primeiro
lugar, nos países devastados pela guerra, e posteriormente em outros
países, abrangendo, nos seus primeiros dez anos, 170 Estados e
territórios.
As enquetes e os estudos então realizados tratavam da
verificação de aspectos tais como: condições materiais e técnicas,
recursos humanos e sua formação, estatutos e estrutura jurídica
18
Em 1949, a UNESCO monta estúdio de gravação radiofônica e passa a difundir o
programa UNESCO World, transmitido em 18 línguas para 47 países. Cf. LACOSTE,
1994. Ver UNESCO. Rapport aux Nations Unis 1949-1950. Paris, 1950 b, p. 87.
19
Nos EUA, em 1947, o Congresso autoriza a criação da Agência Central de
Inteligência (CIA), para fins de informação no exterior e operações de contra-
informação, assim como para a organização da política secreta e das operações
de guerra em âmbito internacional. Nesse ano a URSS reativa o Centro de
Informação dos Partidos Comunistas (Cominform), a fim de internacionalizar a
orientação aos partidos comunistas.
20
Em 1947, “os povos da América” são reunidos, sob a égide dos EUA, no Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar). Dois anos após é criada a Otan,
pelo Tratado do Atlântico Norte, através do qual os EUA garantem sua presença
em toda a Europa não-oriental exceção da Espanha franquista), na África do
norte, no Mediterrâneo e no Atlântico. Em 1950, EUA, Grã Bretanha, Canadá,
Áustria, Nova Zelândia e 21 países do Sudeste Asiático associam-se no Plano
Colombo que, com sede em Sri Lanka, consolida a posição ocidental na região.
78
dos organismos de radiodifusão, tarifas postais, fretes aéreos,
transmissão de notícias de imprensa, incluindo as disparidades das
tarifas em vigor, emprego de rádio, cinema e, mais tarde, da
televisão para fins educativos.
21
No seu conjunto, atendem,
portanto, a um público amplo e diversificado, oferecendo
informações de interesse dos serviços governamentais, das
emissoras de programas de rádio e televisão, dos produtores e
distribuidores de programas e de filmes, dos educadores, dos
especialistas em ciências sociais e da informação, e dos fabricantes
de aparelhos e equipamentos técnicos.
22
Desde a 2
a
CG-1947, apresenta-se também a questão rela-
tiva à necessidade de imprimir à formação de jornalistas um ca-
ráter internacional. Reivindica-se, desde então, o estabelecimen-
to de um Instituto Internacional de Imprensa e Informação, a fim
de atuar como um centro de pesquisa e de reunião de jornalistas
de vários países promovendo o estudo e a discussão dos proble-
mas presentes nas preocupações dos profissionais da área desde
o fim do século XIX e, posteriormente, objeto de atenção da Liga
das Nações.
Os EUA, na defesa da liberdade da informação, fizeram
oposição a essa proposta, argumentando sobre os riscos do possí-
21
Em seu relatório à 5
a
CG-1950, o diretor-geral informa acerca das monografias
realizadas em 1949 pelo Film Center of London, e pelo diretor do Instituto de
Radiodifusão da Bélgica, sobre o uso do rádio e do cinema para a educação de
base. Informa ainda sobre duas outras monografias, tratando da formação
profissional de jornalistas e de pessoal para o rádio, uma a cargo do presidente
da Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia e outra realizada pelo
diretor de programas da BBC de Londres. UNESCO. Rapport du Directeur
Général sur l’activité de l’organisation d’octobre 1949 a mars 1950. Presenté
à la Conference Général lors de sa cinquième session, mai-juin 1950. Paris,
1950c, p. 65.
22
Ver KNIGHT, Robert P. Atividades da UNESCO na comunicação internaci-
onal. In: FISCHER, Heinz-Dietrich e MERRILL, John C. (Org.) Comunica-
ção internacional: meios canais funções. São Paulo: Cultrix, 1975. O
autor apresenta as atividades da UNESCO nessa área, no período de 1947
até o final da década de 1960. Uma síntese das publicações da UNESCO
nessa área até o início da década de 1950 é apresentada por TERROU,
Fernand, 1954, p. 9-10.
79
vel exercício de controle da imprensa pelos Estados mantenedo-
res do instituto. A idéia foi abandonada, certamente não por aca-
so, quando, em 1951, o Instituto Internacional de Imprensa (IPI)
é criado em Zurique, graças à liderança de um grupo de jornalis-
tas daquele país.
23
Cabe ressaltar, entretanto, que a 4
a
CG-1949 autorizara o
diretor-geral a encorajar a criação do Instituto Internacional de
Imprensa e Informação (Res. 7.2114). Foi recomendada, então, a
criação de comitê de especialistas cujo objetivo é preparar relató-
rio sobre a questão, a ser apresentado para deliberação da 5
a
CG-
1950 (Res. 7.21141). Se fosse aprovada a criação do referido
instituto, o diretor-geral deveria verificar, junto às organizações não-
governamentais, a possibilidade de encontrar fundos para o em-
prendimento (Res. 7.21142). (UNESCO, 1950, p. 178)
Não é demais lembrar ainda que, no ano anterior, um dos
projetos apresentados pela UNESCO na Conferência sobre a Liber-
dade da Informação, promovida pela ONU em Genebra, foi o relati-
vo à criação desse instituto, cuja aceitação expressa-se, então, no con-
vite aos Estados-membros e organizações profissionais nacionais e
23
Não se pode desvincular essa iniciativa das insatisfações causadas pela atuação
da UNESCO, apoiada pelos países europeus ocidentais, em relação à Guerra
da Coréia. Vale observar que o IPI, cuja criação deve-se à liderança de Lester
Markel, do New York Times, recebe, desde o início, financiamento da Fundação
Rockefeller, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional, e em seguida da
Fundação Ford e de outras fundações norte-americanas. Ressalte-se ainda a
estruturação do IPI segundo o modelo dos organismos internacionais. Tem sua
Assembléia Geral e, em 1952, conta com comissões nacionais em 29 países.
Também promove reuniões e seminários nas várias regiões do mundo, realiza
enquetes, uma das quais teve como tema “as notícias da Rússia”. Numa dessas
reuniões, em 1968, reuniu jornalistas de 21 países, entre os quais um jornalista
de Praga, quando o IPI recebe a acusação de ter como objetivo “minar o
socialismo por dentro”. Na avaliação de Koszik, o resultado do trabalho do IPI
tem sido “o despertar de uma atitude mais realista no mundo do jornalismo”.
Atitude explicada como sendo o resultado da aprendizagem de jornalistas da
Europa e dos EUA ainda “dispostos a apresentar uma idéia muito dogmática
sobre a independência da imprensa (...) de que as coisas não podem ser julgadas
pelos tradicionais padrões da Europa Ocidental”. KOSZIK, Kurt. A expansão
do Instituto Internacional de Imprensa. In: FISCHER, Heins-Dietrich e
MERRILL, John. 1975, p. 284.
80
internacionais a considerarem a possibilidade de realização comum
desse projeto (Res. nº. 34).
24
Em 1956, entretanto, quando se registravam mudanças
significativas na composição e nos programas da UNESCO e após
os resultados das avaliações das quais ela foi alvo, procedidas por
iniciativa do presidente Eisenhower, no calor da campanha
anticomunista encabeçada nos EUA pelo senador Joseph McCarthy
–, ocorre a primeira reunião de técnicos da UNESCO com jornalistas
de 25 países. Após formuladas, nessa reunião, as orientações relativas
à formação de jornalistas, a UNESCO contribui para o
estabelecimento do Centro Internacional para Formação Superior
em Jornalismo,
25
em Estrasburgo. Dois anos após, é criado o Centro
Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América
Latina (Ciespal), sediado em Quito, onde, no ano anterior, técnicos
da UNESCO haviam se reunido com jornalistas da região.
Na bibliografia sobre a UNESCO é freqüente a observação acu-
sando sua timidez, nos seus primeiros anos, sobre o uso dos meios de
informação. Archibald (1993, p. 196-197) exemplifica essa crítica ao
mencionar, em 1948, a perda das esperanças de W illiam Benton,
26
24
A UNESCO contribuiu com outros projetos nessa reunião, aprovados em forma
de recomendação, por exemplo, o referente à redução de impostos sobre a venda de
mercadorias na área de informação e da imprensa, e outro sobre o aumento da
produção e distribuição mais equitativa de papel jornal. Cf. UNESCO, 1949, p. 23.
25
Integrado à Universidade de Estrasburgo e organizado como um estabelecimento
público autônomo, esse centro não se subordina à UNESCO e nem se trata de
uma instituição intergovernamental. As decisões sobre suas atividades são da
competência do Conselho de Administração presidido pelo reitor da universidade.
A maior parte dos subsídios financeiros provém do governo francês. Cf. UNESCO.
Le developpement des moyens d’information. Col. Études et documents
d’information, n. 30. Paris: UNESCO, 1961, p. 108.
26
William Benton foi subsecretário de Estado e responsável pela formulação e
explicação da política de comunicação dos EUA, no imediato pós-guerra,
assumindo, em seguida, a chefia da delegação de seu país na 1
a
CG-1946. Desde
então, transitou da UNESCO para o Departamento de Estado, ou Comissão
Nacional para a UNESCO, e vice-versa, tendo sido ainda o presidente da delegação
dos EUA na Conferência sobre a Liberdade da Informação em 1948. Cf.
SOMAVÍA, Juan et alii. La información en el nuevo orden internacional. México:
ILET/MATTA, F. R. 1977.
81
chefe da delegação dos EUA na UNESCO, em relação ao papel da
organização na criação de uma rede internacional de radiodifusão.
É possível, porém, que as percepções e interesses divergen-
tes em relação aos meios de informação vistos como potencial-
mente úteis, seja para o bem seja para o mal, meios poderosos de
educação, de difusão cultural e de edificação da paz entre as nações,
mas também de incitação à guerra, ao ódio e a preconceitos entre os
povos tenham feito a UNESCO se orientar para a busca da conci-
liação de seus objetivos práticos de construção de espaços da mo-
dernidade no mundo pós-guerra, assim como de construção e desen-
volvimento de sociabilidades então exigidas, com seu ideal de univer-
salidade, intrinsecamente relacionado a esses objetivos.
Nesse sentido, é interessante considerar a expressão, em 1948,
de René Maheu, assessor de imprensa da UNESCO na ocasião,
sobre o significado dos meios de informação para a organização:
não é seu [da Divisão de Comunicações de Massas] objetivo
nem seu dever desenvolver e ampliar a imprensa, o rádio e o
cinema enquanto tais. A UNESCO usará esses meios como
canais para levar a educação, a ciência e a cultura, no sentido
mais amplo das palavras, aos povos do mundo, esforçando-
se para promover a mútua compreensão e conhecimento da
vida uns dos outros. (Citado por Knight, 1975, p. 271-272)
Posição semelhante depreende-se dos relatórios do diretor-
geral nos anos imediatamente subseqüentes. Neles, a promoção do
desenvolvimento dos meios de informação no mundo inteiro se in-
sere nas três áreas de atuação da UNESCO, definidas, por sua
vez, como meios para a compreensão internacional (UNESCO,
1950, p. 86). A preocupação com o espírito internacional “com-
preendê-lo e poder agir para desenvolvê-lo nos homens” é cen-
tral no programa da UNESCO votado na 3
a
CG-1948, realizada em
Beirute, na qual se reafirma o papel da educação para a paz e a
compreensão internacional e o papel dos meios de informação das
massas para esse fim. (UNESCO, 1948, p. 17)
Trata-se de, na divisão reinante, edificar um mundo unido,
finalidade que impõe como essencial a tarefa de “multiplicar as
82
relações culturais entre os povos (...), criar condições para fazer
reinar uma cultura essencialmente humana, o que supõe uma
organização do trabalho intelectual num plano internacional”.
Trata-se, enfim, de orientar todos os esforços empreendidos, nas
diversas áreas de atuação da UNESCO, “para fazer respeitar os
direitos e as liberdades fundamentais, fazer reinar a justiça, fazer
subordinar o particular ao universal, a nacionalidade à
humanidade”. Isto requer trabalhar a fim de que “o homem torne-
se um cidadão do mundo, sendo um cidadão de seu próprio país”.
(UNESCO, 1948, p. 26-28 e 14)
Para esses objetivos, concorrem ainda os projetos piloto,
envolvendo, desde o início das atividades da UNESCO, equipes mul-
tidisciplinares (antropólogos, sanitaristas, educadores, agrônomos,
especialistas em biblioteconomia, animadores culturais). Comprendiam
ainda trabalho conjunto com outras agências especializadas da ONU,
como a FAO, a OMS, a OIT, a UIT, mediante o qual a UNESCO
cumpre a função de integração no sistema das Nações Unidas.
(Deutsch, 1982)
Os objetivos dos projetos piloto consistem em educar as
populações, eliminar o analfabetismo, promover conhecimentos
elementares e das práticas profissionais, e melhorar os métodos
de cultivo e conservação do solo, as condições sanitárias, enfim,
as condições de vida das populações. Educação de base, educa-
ção de adultos, homens e mulheres, educação de jovens, educa-
ção técnico-profissional, educação das comunidades. Emancipar
os povos das atitudes tradicionais, obstáculos ao progresso. De-
senvolver atitudes necessárias à vida moderna, supondo, portan-
to, a cooperação, a racionalização, o emprego de processos mo-
dernos e do método científico, os cuidados com a casa e hábitos
de higiene. Mas também proceder a estudos e sanear os estados
de tensão ou os riscos de desagregação social provocados pela
modernização dos modos de viver, sentir, pensar e agir das socie-
dades que devem se modernizar.
Por essa razão, diante das freqüentes queixas de aborreci-
mento por parte dos jovens haitianos privados do baile e da música
relacionados ao culto vodu, uma das orientações da UNESCO con-
siste em buscar
83
meios que permitam voltar a introduzir em uma nova for-
ma divertimentos inatos do povo. O desenvolvimento de
antigas e novas formas de entretenimento local e de re-
creio não deverá ser considerado pelo educador como
algo acessório junto aos temas sérios da educação, mas
uma parte essencial de um programa encaminhado a criar
um novo modo de viver no mundo moderno. (UNESCO,
1951b, p. 53)
Nesse sentido, os meios de informação, rádio e cinema, desenho
animado, cartazes e outros recursos audiovisuais da época e, mais
tarde, a televisão são desde o início considerados fundamentais aos
objetivos da UNESCO de manutenção da paz, de garantia da segu-
rança e dos direitos dos povos à educação, à ciência e à cultura.
O emprego desses meios para esses fins envolve metodologia
experimental, isto é, a organização dos sujeitos da pesquisa em grupo
experimental e grupo de controle. Requer a aplicação de questionários
antes e depois da apresentação de programas, especialmente
preparados, nos telepostos de recepção coletiva. Abre diversas frentes
de trabalho, incluindo formação de animadores culturais e a realização
de enquetes para verificação das atitudes dos indivíduos sobre a vida
da comunidade, das atitudes das famílias-alvo sobre os modos de
produção agrícola.
Envolve ainda a comparação dos resultados, sua divulgação e
replicação em outras localidades. Assim, a primeira experiência piloto
de recepção coletiva de programas de televisão no meio rural realizada
sob os auspícios da UNESCO, na França, em 1953-1954, foi propos-
ta, no ano seguinte, para o Japão, onde a experiência foi realizada, a
partir de janeiro de 1957. Para sua realização, concorreu a Comissão
Nacional japonesa para a UNESCO, promovendo a articulação do
Ministério da Educação e a NHK, empresa de radiodifusão japone-
sa. (UNESCO, 1961a)
Envolve também a compreensão da real contribuição desses
meios para a comunicação entre os povos, um dos objetivos do Comitê
de Experts sobre Educação para Compreensão e Cooperação Inter-
nacional constituído, em 1953, pelo diretor-geral. Além das suges-
tões visando à adaptação de idéias relativas à compreensão e à
cooperação internacional, para os meios de informação, o comitê
84
manifesta-se, em seu relatório, sobre a inadequação da expressão
“comunicação de massas”, pois, além de supor a existência de um
público geral, passivo, ela desconsidera a capacidade de escolha
de públicos específicos. Dessa observação decorre a sugestão se-
gundo a qual, a despeito do que se conhece acerca do emprego
desses meios para a educação para a paz e a compreensão, muitas
pesquisas ainda seriam necessárias a fim de orientar a produção
de programas para públicos específicos, de modo a atingir a efeti-
vidade deles esperada.
No limiar da década de 1960, quando tomarão corpo as teorias
da modernização, no desdobramento dos conflitos e tensões provo-
cados pelas contradições do processo de modernização em curso,
em que os meios de informação cumprem um papel fundamental, a
UNESCO mais um passo na consolidação da rede de instituições
não-governamentais necessárias ao atendimento de seus objetivos,
colaborando para estabelecer, em 1959, o Conselho Internacional de
Cinema e Televisão. A contribuição desse conselho far-se-á sentir
na facilitação da circulação de obras audiovisuais e no estímulo à
criação nesse campo, através de co-produções, assim como na defi-
nição da relação dos recursos da mídia com a educação e a pedago-
gia. (Morsy, 1984, p. 7)
Dois anos antes, a UNESCO contribuíra para a criação da
Associação Internacional para Pesquisa de Comunicação de Massa,
conforme indicara o Comitê de Experts sobre Educação para a Com-
preensão e a Cooperação Internacional. Na mesma ocasião a UNES-
CO e o governo indiano estarão desenvolvendo em 150 aldeias da
região do Poona o Projeto Fórum de Alfabetização e Desenvolvi-
mento, experiência fundamentada no conceito de alfabetização fun-
cional, isto é, alfabetização como um componente dos projetos de
desenvolvimento econômico. Esse projeto será desenvolvido na dé-
cada seguinte pela UNESCO e pelos fundos especiais das Nações
Unidas, com recursos financeiros do Banco Mundial, nos países da
África e América Latina. (UNESCO, 1970 e 1977)
Mas o trabalho da UNESCO nessa área prossegue, sobretudo
numa perspectiva marcadamente norte-americana, sendo visto como
de fraco impacto no volume de notícias através das fronteiras, assim
como na orientação da media para um esforço consciente em busca
85
da promoção da paz e da compreensão internacional. (Laves e
Thomson, 1957, p. 121)
Ressalte-se, entretanto, que a modernidade traduzida no
imperativo da modernização contribui para uma permanente
explicitação das contradições manifestadas nas mais diversas formas,
na Conferência Geral, no Secretariado da UNESCO e,
fundamentalmente, no mundo em construção.
A respeito das insatisfações expressas pelas diferentes
delegações na Conferência Geral, é possível que elas evidenciem, em
primeiro lugar , as dificuldades de construção da hegemonia de qualquer
país por meio da UNESCO. Em segundo lugar, é possível que revelem,
na atuação da UNESCO, desde o início, um objetivo mais amplo do
que aquele no qual, no contexto da Guerra Fria e das disputas
intercapitalistas, circunscreve-se a tese da “livre circulação das idéias”
ou do “livre fluxo de informação”. A UNESCO, todavia, não deixou
de emprestar seu engenhoso empenho a essa tese, por exemplo,
aprovando, na 4
a
CG-1949, a recomendação do reconhecimento, pelos
Estados-membros, do direito de seus cidadãos escutarem livremente
as emissões radiofônicas provenientes de outros países.
Mas este é também um momento quente da Guerra Fria, quando,
em virtude da quebra do monopólio atômico pela URSS, é criada a
Otan. É ainda nesse ano que Jaime Torres de Bodet, o segundo diretor-
geral da UNESCO, recebe advertência do Departamento de Estado
dos EUA pela priorização dos pequenos países, em detrimento dos
países ocidentais, os maiores financiadores da organização.
O livre fluxo de informação, a UNESCO e a dinâmica do
contexto mundial
A tese da “livre circulação das idéias pela palavra e pela
imagem” consiste em um dos fundamentos das ações da UNESCO
no campo da comunicação e encontra sua tradução no princípio do
“livre fluxo da informação”, trunfo de especial significado nos primeiros
anos da Guerra Fria. Nesse contexto, essa tese faz parte não apenas
do ideário da UNESCO mas também da ONU que, em 1948, promove
a Conferência sobre a Liberdade da Informação, em Genebra, quando
86
essa tese é aprovada como um princípio universal, a despeito do voto
contrário da Polônia e das desconfianças e relutância de outros países,
entre os quais a URSS, que, juntamente com a Belarrus, a
Tchecoslováquia, a Ucrânia e a Iugoslávia, absteve-se na votação.
A aprovação da tese da livre circulação das idéias representa
uma vitória da media dos EUA que, num mundo ainda em guerra,
início a uma verdadeira batalha contra o controle das estruturas de
comunicação mundial, até então detido pelas agências de notícias
européias (Somavía, 1977). Deve-se ainda ao empenho do governo
dos EUA, desde a constituição dos organismos internacionais no pós-
45, e também à Guerra Fria, que mantém os países europeus
ocidentais, a despeito de seus interesses específicos na questão,
alinhados aos EUA.
Deve-se ainda ao importante concurso da UNESCO. Em 1946,
atendendo à sugestão da delegação dos EUA, a UNESCO cria, em sua
Divisão de Comunicação de Massas, a Seção de Informação,
especialmente para preparar relatório de suas contribuições à conferência
acima referida. O relatório então apresentado foi subsidiado pelas
enquetes e estudos realizados desde 1947, incluídos nas várias ações
mediante as quais a UNESCO tem se dedicado à promoção da livre
circulação das idéias antes mesmo de seu estabelecimento oficial.
É possível afirmar que, no conjunto de suas ações, a UNES-
CO tem administrado as divergências e trabalhado no sentido de
compreender a realidade mundial e nela inserir-se de forma ativa.
Persistente nos objetivos estabelecidos desde sua idealização e na
edificação dos meios julgados necessários para sua realização,
sensível às novas configurações da realidade e aos desafios que ela
lhe apresenta, a UNESCO tem se construído, na dinâmica contradi-
tória das forças que nela se expressam e pelas quais ela se rearticu-
la, contribuindo para a construção da sociedade mundial, buscando o
consenso e sempre proclamando os direitos humanos e os valores
liberais que os fundamentam.
Ao momento inicial, marcadamente ocidental, segue-se um pe-
ríodo no qual a composição da UNESCO sofre mudanças, tanto no
Conselho Executivo, quanto na Conferência Geral. O primeiro passa
a ser constituído por representantes dos Estados-membros, eleitos
pela Conferência Geral, direção apontada desde a 2
a
CG-1947. Essa
87
mudança coincide com a entrada da URSS, da Ucrânia e da Belarrus
na UNESCO, para a qual retornam, na mesma ocasião, a Polônia, a
Hungria e a Tchecoslováquia. Logo após, a Romênia e a Bulgária tam-
bém ingressam na organização, dando início às mudanças que se pro-
cessarão na Conferência Geral, abrindo a possibilidade de um novo
equilíbrio das forças nesse foro.
O ingresso dos países do bloco socialista na UNESCO é enal-
tecido por Pompei, que ressalta não apenas o decorrente enriqueci-
mento do programa da organização como também o importante pas-
so então propiciado à aspiração de universalidade da organização.
Em sua avaliação,
as discussões no seio da Conferência Geral e do Conselho
Executivo que, muito elevadas, não tinham podido sempre
evitar um certo academicismo, assumiram daí em diante uma
intensidade, um conteúdo político, (...) uma acuidade,
sobretudo nos primeiros anos, que reforçaram o contato com
o real, e prepararam a UNESCO para tarefas que ela até então
apenas entrevira. (Pompei, 1972, p. 30)
É necessário considerar, entretanto, que fatos anteriores e
posteriores à entrada dos referidos países na UNESCO modificam a
correlação de forças no mundo e nessa organização. É suficiente
lembrar as novas realizações da URSS, em 1953 e 1957, na corrida
armamentista em curso, de que resultam nova equiparação dos dois
pólos mundiais no poder nuclear , assim como a dianteira da URSS na
pesquisa espacial com o lançamento do Sputnik. Diante desses dois
acontecimentos, novas relações são ensaiadas entre EUA e URSS,
que anunciam uma nova perspectiva para a Guerra Fria, evidenciada
na proposta de desarmamento feita por Eisenhower, ao assumir a
presidência dos EUA e, quatro anos mais tarde, no anúncio feito por
Kruschev da possibilidade de coexistência pacífica entre as duas
superpotências. Logo em seguida, é assinado o primeiro acordo de
cooperação científica, cultural e educacional entre a URSS e os EUA,
fato que antecede em três anos o estabelecimento da “linha verme-
lha” que permite a ligação direta e instantânea entre os dois chefes
de governo mundial.
88
27
Até 1950, a UNESCO contava com 59 Estados-membros. Em 1965 serão 120 e, dez
anos após, 136. Em 1960, freqüentemente referido como o ano africano, 17 países
desse continente ingressaram na UNESCO. Nesta, após a primeira reunião da Unctad
(1964), o Terceiro Mundo se organiza, sob a liderança dos países não-alinhados,
como o Grupo-77, que conta, no final da década, com mais de cem Estados.
Inicia-se, então, a corrida espacial, protagonizada pelo go-
verno dos EUA em seu empenho de superar o feito soviético. As
repercussões desse esforço na área da comunicação mundial far-
se-ão sentir na década seguinte, nas possibilidades abertas pelas
conquistas relativas ao uso do espaço que caracterizarão a chama-
da revolução eletrônica e conferirão uma nova face à realidade
mundial, assim como um novo significado às ações da UNESCO e
às suas áreas de atuação.
A emergência dos novos Estados, libertos dos laços coloniais,
e seu ingresso na UNESCO, assim como a organização política do
chamado Terceiro Mundo, constituem acontecimentos cuja
importância deve ser destacada. Retomada na Conferência de
Bandung, em 1955, onde se reuniram países africanos e asiáticos,
essa organização política amplia-se para incluir países da América
Latina no Movimento dos Países Não-Alinhados, cuja primeira reunião
ocorre em Belgrado, em 1961. Assim organizados, os países dos três
continentes assumem uma posição de neutralidade em relação à
disputa entre socialismo e capitalismo e, buscando o desenvolvimento
nacional fundado em novas relações internacionais, declaram-se em
luta contra o imperialismo, o colonialismo, o neocolonialismo, o
sionismo, o apartheid e a todas as formas de racismo.
A aceleração do processo de libertação colonial muda num
curto espaço de tempo a composição dos organismos internacionais,
fato particularmente notório em relação à UNESCO, em cuja Con-
ferência Geral cada Estado-membro representa um voto. Decorre
daí que um país como os EUA, cuja quota de contribuição, ao orça-
mento ordinário da UNESCO para o biênio 1957-1958, representa
cerca de 31%, poderia encontrar-se em minoria. Isto começa a
ocorrer na década seguinte,
27
atingindo, especialmente, as matérias
relacionadas ao livre fluxo de informações, desde então sob franco
questionamento também na Conferência Geral da UNESCO.
89
Considere-se ainda um novo passo no processo de unificação
européia iniciado em 1950, com o Benelux, evoluindo, em 1957,
para a consolidação da “Europa dos Seis”, mediante os acordos es-
tabelecidos no Tratado de Roma, que prevê a integração européia
nas áreas do comércio interno e externo, nas relações capital trabalho
e na exploração pacífica da energia nuclear.
28
Além disto, o fortalecimento de uma nova opção à política dos
EUA em relação à Europa, com a alternativa franco-alemã sob lide-
rança francesa, evoluirá para uma crise na Otan provocada por De
Gaulle à frente da V República, que então se rearticula em razão das
guerras e perdas coloniais. Nessa crise o presidente francês condici-
ona a colaboração da França à atribuição de maior peso ao seu voto
nas decisões da Otan. E, ao longo de toda a década seguinte, ganhará
relevo o veto francês à participação da Inglaterra na Comunidade
Econômica Européia (CEE).
Não é demais acrescentar aqui a possibilidade do surgimento
de uma nova consciência européia acerca das relações com as áre-
as até então submetidas ao seu domínio, tendo em vista a necessida-
de de salvaguardar, na independência política das ex-colônias, os be-
nefícios da “cooperação” econômica.
28
Na Conferência Européia de Cultura, em Lausana, em 1949, lança-se a idéia de se
criar um laboratório europeu de investigação nuclear. O objetivo claramente
explicitado nas discussões posteriores consiste em garantir o exercício da
intelectualidade européia no domínio de seu equipamento energético e nas
investigações de ciência pura como uma das condições para impedir uma futura
dependência econômica e política da Europa em relação aos EUA. Em face desse
propósito, a delegação dos EUA apresenta, na 5
a
CG-1950, proposta de resolução
prevendo a organização de laboratórios e centros regionais de investigação. Do
primeiro desses centros surge o Conselho Europeu de Investigação Nuclear,
sediado na Itália, no seio do qual é criada uma oficina de estudos, através da qual
a UNESCO prosseguimento à idéia inicial. Seguem-se duas conferências
convocadas pelo diretor-geral, em 1951 e 1952, sendo criado, na segunda, o
Conselho Europeu de Investigação Nuclear (Cein), com sede em Genebra por
acordo que, firmado entre 11 países europeus, não contou com a adesão oficial
da Inglaterra. Antes dos dois anos previstos, o Cein conclui o seu objetivo,
permitindo a assinatura, em julho de 1953, da convenção criando a Organização
Européia de Investigação Nuclear (Oein). Cf. UNESCO. La cooperación europea
en la investigación nuclear. Col. La UNESCO y su programa XI. Paris: UNESCO/
Union Tipographique de Villeneuve-Saint-Georges, 1954 b.
90
Na nova situação em configuração desde meados da década
de 1950, a apresentação, no Congresso dos EUA, de projeto de re-
solução, prevendo a abolição da lei que criou a Comissão Nacional
para a UNESCO, revela o crescimento da oposição interna nesse
país à organização. Ao mesmo tempo, entretanto, o cargo de diretor
do Escritório de Relações com os Estados-membros, criado em 1957,
e o cargo, existente, de diretor do Departamento de Educação da
UNESCO são então ocupados por funcionários originários dos EUA,
evidenciando, assim, uma retomada do interesse do governo desse
país em relação às potencialidades da instituição no cenário
internacional. Interesse também demonstrado pelo lançamento, no
início de 1958, pelaAmerican Broadcasting Company, do programa
radiofônico Easy as ABC. Contando com a participação de gran-
des astros de Hollywood, o programa, focalizando temas pelas res-
pectivas iniciais alfabéticas deAaZ,cumpria a finalidade de divul-
gar o trabalho da UNESCO (Archibald, 1993, p. 263-264). Esse
interesse será intensificado nos anos seguintes, quando o quarto
diretor-geral da UNESCO, o italiano Vitorino Veronese, é eleito na
10
a
CG-1958,
29
em substituição a Luther Evans, a quem faltou o
apoio do governo de seu país, os EUA, para a reeleição prevista no
Ato Constitutivo da UNESCO.
Também em 1958, a Comissão dos Direitos Humanos da
ONU apresenta conclusões de estudo sobre a discriminação que
requerem o concurso da UNESCO na área da educação. No ano
seguinte, essa comissão apresenta ao Conselho Econômico e Soci-
al da ONU (Ecosoc) solicitação de estudo de um programa de de-
senvolvimento dos meios de informação nos países não-industriali-
zados. Meios de informação e educação são defendidos, então,
como as prioridades, especialmente para o continente africano, novo
cenário para o qual se deslocara a Guerra Fria. Medidas concre-
tas, tais como criação de jornais, estações de rádio e televisão,
assim como estúdios de cinema nos países em desenvolvimento,
são então recomendadas pela Assembléia Geral da ONU, sendo
29
Vitorino Veronese será substituído pelo diretor-geral adjunto, René Maheu, eleito,
na 13
a
CG-1961, diretor-geral, cargo que assumira, interinamente, desde 1960,
em virtude de problemas de saúde enfrentados por Veronese.
91
atribuída à UNESCO a tarefa de realizar o levantamento de recur-
sos necessários numa proposta para esse fim.
30
Em seu discurso na Assembléia Geral da ONU, em 1960, o
presidente Eisenhower conclama as Nações Unidas a redobrar os
esforços no campo da educação no continente africano, a fim de garantir
a preservação e o desenvolvimento da liberdade ali conquistada. Motivos
para essas preocupações evidenciam-se nesse e em outros continentes,
por volta de 1960, quando a questão nacional abre-se a respostas
diversas tendo em vista a promoção da liberdade cuja defesa se intenta
realizar pela mediação da ONU e de suas agências: o Vietnã do Norte
retoma as armas visando à unificação do país, dando início a uma
guerra que terminará na década de 1970, quando os EUA, com sua
imagem de potência hegemônica mundialmente abalada, vêem-se obri-
gados a retirar suas tropas do território vietnamita; a vitória eleitoral do
Movimento Nacional Congolês leva Patrice Lumumba ao poder e o
Congo Belga à guerra civil; a criação da Organização dos Países
Produtores de Petróleo (Opep), que reúne países africanos, asiáticos e
latino-americanos na defesa dos seus interesses nessa área de
produção; vence em Cuba o movimento liderado por Fidel Castro.
Estes constituem apenas alguns exemplos.
Este é o contexto do lançamento, em março de 1961, da Aliança
para o Progresso e seu Plano Decenal, prevendo reformas tendo em vista
o desenvolvimento no respeito à liberdade. É também o momento de
proclamação pela Assembléia Geral da ONU, em novembro do mesmo
ano, do Primeiro Decênio das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
30
Reuniões são realizadas pela UNESCO, em 1960, 1961 e 1962, respectivamente,
em Bangkok, Santiago do Chile e Paris, sobre o desenvolvimento dos meios de
informação na Ásia e no Extremo Oriente, na América Latina e na África. Segue-se
a essas reuniões a criação de agências de notícias regionais. Wilbur Schramm, então
diretor do Instituto de Pesquisa e Comunicação da Universidade de Stanford,
participou dessas reuniões e organizou, a partir de seus resultados, estudo publicado
conjuntamente pela UNESCO e Universidade de Stanford, sob o título Mass
media and national development, em 1964, atendendo à recomendação aprovada
na 12
a
CG-1962. Sobre as reuniões para o desenvolvimento dos meios de informação
para a Ásia e para a África, assim como a criação de agências de notícias, Cf.
TOPUZ, Hifzi. La UNESCO y las agencias de información. In: Crónica de la
UNESCO, vol. XVI, n.. 12, Paris, 1970, p. 513-516.
92
Nos dois programas decenais, projetados no alvorecer da era
espacial, os meios de informação associados à educação ganham
preeminência, e com eles também a UNESCO que, além da longa
experiência em trabalho dessa natureza, dera início com as reuniões
de ministros da Educação, desde o final da década de 1950, à prática
do planejamento educacional de longo prazo e de uma educação tec-
nificada, como fator de desenvolvimento econômico.
31
Tal perspectiva também desencadeará, na década de 1960, sob
a égide das teorias da modernização e do capital humano, as iniciativas
do Banco Mundial em cuja estrutura cria-se então a Agência
Internacional de Desenvolvimento (AID), com o fim de agenciar
financiamentos para o setor da educação, consolidando-se, a partir de
então, a aproximação entre os objetivos da UNESCO e aqueles do
banco. T rata-se de racionalizar as estruturas dos sistemas de educa-
ção, a fim de articulá-los ao desenvolvimento integral, adequando-os
ao atual estágio da civilização técnica e às possibilidades eminentes da
prometida tecnologia espacial para a produção do consenso.
Passo importante nessa direção, e um dos primeiros frutos do trabalho
conjunto da UNESCO e do Banco Mundial, foi a criação pela UNESCO,
em 1963, do Instituto Internacional de Planejamento da Educação (IIPE),
empreendimento no qual a França e os EUA tomam a dianteira. A
primeira oferecendo a sede em Paris para o IIPE, o último inaugurando
o cargo de diretor da nova instituição, ocupad o por Philip Coombs.
32
31
As Conferências Regionais de Ministros da Educação, a partir de 1959, iniciam-
se pela reunião dos ministros da Educação africanos e asiáticos, que se segue à
realização do Seminário sobre Planejamento Integral da Educação, ocorrido em
Washington em 1958. Prosseguem nos anos 60 nas demais regiões, incluindo
posteriormente os ministros da área econômica. Nessas reuniões são formulados
planos para a eliminação do analfabetismo até a década de 1980.
32
Philip Coombs, antes de assumir a direção do IIPE, foi secretário de Estado
adjunto para assuntos educativos e culturais do Departamento de Estado dos
EUA. Na direção do IIPE, constituirá uma equipe, da qual participa Wilbur
Schramm, para realizar, em 1965-1966, enquetes sob encomenda da Usaid, cujos
resultados são sintetizadas em obra que apresenta experiências de uso dos meios
de comunicação na educação em 18 países, com o objetivo de fornecer elementos
aos planificadores da educação sobre as possibilidades de renovação da educação
e de solução dos seus problemas. Cf. SCHRAMM, Wilbur et alli. Techniques
modernes au service d’une éducation planifiée. Conclusions d’un programme
93
Em sua Assembléia Geral de 1962, a ONU expressa sua pre-
ocupação com os dados do diagnóstico apresentado pela UNESCO.
Segundo eles, 70% da população mundial não dispõe de meios para o
exercício do direito à informação, consagrado, desde 1948, no artigo
19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Considerando
então a importância dos meios de informação para o desenvolvimento
e para a educação, a Assembléia Geral recomenda aos Estados-mem-
bros a previsão de medidas nos seus planos econômicos para o estabe-
lecimento desses meios e solicita à UNESCO o prosseguimento, em
conjunto com a ONU e suas agências, de seu trabalho nessa área.
O período de cerca de dez anos a partir da segunda metade da
década de 1950, rico em mudanças de ordem econômica, política,
tecnológica, social e cultural, presencia alterações espetaculares no
mundo, que vai se tornando outro, e também nos organismos
internacionais, especialmente a UNESCO, chamada a assumir no-
vas tarefas, em particular, na área da comunicação, nova instância
de poder mundial em processo de transnacionalização.
Intensificam-se suas atividades operacionais e, ao mesmo
tempo, ampliam-se os recursos financeiros à disposição da UNES-
CO, ou a ela prometidos. Seu orçamento ordinário, até então subme-
tido pelos Estados-membros a uma política de contenção–oque
levou Jaime Torres de Bodet a demitir-se do cargo de diretor-geral,
em 1952 –, supera na 11
a
CG-1960 o valor estimado pelo diretor-
geral. Por outro lado, recursos extra-orçamentários, desde então,
ampliam-se a cada biênio. Essa tendência faz-se acompanhar de
sugestão da delegação dos EUA no sentido de que não seja previsto
aumento do orçamento ordinário, do biênio 1963-1964, em virtude de
seu crescimento em 20% no biênio anterior.
Esse encaminhamento não deixa de suscitar preocupações com
as possibilidades de, reforçada a mencionada tendência, grande parte
das ações financiadas por verbas extra-orçamentárias, incluídos os
fundos em depósito contribuições voluntárias dos Estados-membros
destinadas à execução de projetos específicos ligados a acordos bilaterais
–, escapasse ao controle da UNESCO. (Archibaldi, 1993)
d’enquetes par un contrat de l’Agence Américaine pour le développement
International. Paris: UNESCO/IIPE, 1970.
94
33
Ver a respeito BAHIANA, Henrique Paulo. Política alemã de auxílio ao
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Olímpia, 1966. Sobre o trabalho da Fundação
Konrad Adenauer e outros organismos, entre os quais a UNESCO, na
modernização da educação na América Latina, ver: EVANGELISTA, E. G. S.
Educação e mundialização. Goiânia: Editora da UFG, 1997, de modo particular
os capítulos II e IV: “A ajuda internacional faces e interfaces” e “Da tecnologia
espacial à tecnologia educacional”, p. 63-102 e161-230, respectivamente.
Na 1 1
a
CG-1960, momento em que a tecnologia espacial no
mundo ocidental consiste apenas numa promessa a alimentar a
esperança de potencialização das atividades ligadas à “construção dos
baluartes da paz nas mentes dos homens”, a UNESCO, em meio a
controvérsias que exigem cautela na condução dos trabalhos, marca o
início de seu programa na área das comunicações espaciais, com a
discussão desse novo conceito, que se apresenta pela primeira vez.
Antecipando-se em cinco anos à fase de comercialização dos
satélites espaciais, a UNESCO, desde então, prosseguimento às ati-
vidades nessa área. Antecipa-se até mesmo às providências do governo
dos EUA que, para esse fim, criará em 1962 a Communication Satellite
Corporation (Comsat) e, dois anos depois, o Sistema Internacional de
Comunicação via Satélite (Intelsat), a integrar EUA, Europa, Japão,
Canadá e Austrália na exploração das novas tecnologias da comunicação.
Refletindo as divergências nesse novo campo em exploração e
conforme recomendação aprovada na 12
a
CG-1962, a UNESCO pro-
move estudos sobre o uso da tecnologia espacial, percebido, desde
então, como uma ameaça à soberania nacional. Ao mesmo tempo, em
continuidade ao objetivo de promover essa tecnologia, a UNESCO
reúne psicólogos, especialistas da comunicação e educadores para o
exame das possibilidades de sua utilização eficaz na educação. Parti-
cipa ainda das iniciativas de uso da televisão educativa, de que são
exemplos os acordos assinados, em 1962, com a Organização dos Es-
tados Americanos (OEA), para um trabalho conjunto nessa área. Ao
longo de toda a década, participa ainda das atividades relativas à mo-
dernização da educação empreendidas pela Aliança para o Progresso
e pela Usaid, dando ainda sua contribuição às fundações européias,
principalmente da Alemanha Federal,
33
na promoção da teleducação.
Em 1965, quando tem início a fase de comercialização da nova
tecnologia, com o lançamento do satélite Early Bird, a UNESCO,
95
atendendo à resolução aprovada na 13
a
CG-1964, promove uma reu-
nião de experts, com o objetivo de levantar sugestões para um progra-
ma de longo prazo com as finalidades de promover o uso da comuni-
cação espacial para o livre fluxo de informações, possibilitar a expan-
são da educação e um maior intercâmbio cultural. Nessa reunião, da
qual participam a ONU e a UIT, foram delimitadas as funções dos três
organismos. Nessa divisão de tarefas, à UNESCO não caberia ocu-
par-se dos aspectos materiais e regulamentares das novas tecnologi-
as. Deveria atuar na definição dos acordos internacionais cabíveis e
necessários à sua difusão, assim como no estímulo ao desenvolvimento
econômico, social e cultural. A ONU e a UIT tratariam, a primeira,
dos aspectos jurídicos e políticos da liberdade da informação no em-
prego dos satélites, e a segunda, dos aspectos regulamentares e técni-
cos relativos ao emprego das radiofreqüências.
Dessa reunião retira-se a recomendação de um projeto expe-
rimental, sugerindo-se, a fim de obter um conveniente impacto
internacional, que ele fosse pensado para regiões caracterizadas por
grande extensão territorial, grande densidade demográfica e problemas
a ser atendidos pela nova tecnologia. Na continuidade desse trabalho,
o objetivo e a estratégia sugeridos foram contemplados em relatório
produzido na Universidade de Stanford.
Para tanto, a 14
a
CG-1966, na qual os resultados da reunião de
experts foram apresentados, recomenda a análise das tendências
recentes da tecnologia espacial, assim como o exame contínuo das
funções da UNESCO no seu emprego, tarefas então confiadas a um
comitê constituído por especialistas que haviam participado da reu-
nião de 1965. Esse comitê aprovará as principais conclusões do es-
tudo confiado no início de 1966 a um grupo de especialistas da Uni-
versidade de Stanford. Desse estudo, apresentado em 1967 com o
título de Relatório Ascend, resultam o Projeto Saci para o Brasil e o
Projeto Site para a Índia.
34
34
Ver: OLIVEIRA, João Batista A. e MC ANANY, Emile G. Le projet brésilien
Saci/Exern: étude analytique de cas. Col. Études et Documents d’Information, n.
89. Paris: UNESCO, 1981; SANTOS, Laymert Garcia dos. Desregulagens.
Educação, planejamento e tecnologia como ferramenta social. São Paulo: Brasiliense,
1981; RAGHAVAN, G. N. S. Les médias atteinent-ils les masses? L’expérience
indienne. In: Perspectives, vol. X, n.. 1, p. 96-106. Paris: UNESCO, 1980.
96
Apoiando e/ou apresentando planos de uso dos satélites para
a educação, a UNESCO depara-se, no final da década, com a crítica
de países latino-americanos aos seus projetos de uso da tecnologia
para a educação. Entre outras providências, esses países se reuniram
no Convênio Andrés Bello ao perceberem tais projetos como ameaças
à soberania nacional e como invasão cultural mal ocultadas na corrida
dos múltiplos agentes envolvidos na ajuda ao desenvolvimento.
A criação, em 1960, da Organização para Cooperação e De-
senvolvimento Econômico (OCDE), como o próprio nome sugere,
vem responder à necessidade de uma articulação das economias
mais desenvolvidas do mundo capitalista para, na interdependência,
promover a ajuda ao desenvolvimento, considerado um antídoto con-
tra ameaças que então pairavam sobre a liberdade. Nem sempre,
porém, a eficácia dessa coordenação foi possível em razão da natu-
reza contraditória dos interesses em jogo nesse empreendimento que
une e, ao mesmo tempo, divide os seus promotores ocidentais.
O não-atendimento, por parte dos países mais ricos, da resolu-
ção da ONU que determina a destinação de 1% de seu PNB para
ajuda ao desenvolvimento, assim como sua preferência pela ajuda do
tipo bilateral em detrimento da multilateral, a multiplicidade de agen-
tes e organismos envolvidos atropelando-se nessa empresa são al-
guns dos aspectos apontados como evidências da necessidade de
uma correção nos princípios e rumos para a promoção do progresso,
num mundo que se fragmentava apesar das possibilidades técnicas
oferecidas desde então para sua unidade.
Sinais expressivos de tal situação, que põe em risco a univer-
salidade perseguida pela UNESCO, revelam-se nas repercussões
da ajuda ao desenvolvimento nas sociedades para as quais ela se
dirige, materializadas no empobrecimento das populações, no
endividamento dos Estados, nos conflitos e tensões sociais, nas guer-
ras civis locais imediatamente internacionalizadas, nos movimentos
organizados contra a exploração econômica e a dominação cultural,
na proliferação dos regimes militares, nos mecanismos articulados
pelas elites locais imbuídas da ideologia do desenvolvimento e da
segurança nacional, nas violações dos direitos humanos, na revolta
estudantil em âmbito mundial e nos movimentos de contracultura no
final da década.
97
Este é o contexto em que transcorre o Primeiro Decênio das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico, concorrendo
para que, antes do seu término, não apenas a ajuda internacional seja
objeto de avaliações diversas,
35
mas também sejam examinadas no
âmbito da UNESCO a própria noção de desenvolvimento e do pro-
gresso ilimitado como fim, a generalização do modelo ocidental de
constituição das nações, bem como a educação e os mecanismos de
tratamento da cultura e de difusão da ciência, até então acionados na
busca da universalidade e da paz. (Maheu, 1974)
No interior da UNESCO, foro privilegiado de repercussão
desse contexto e das reflexões por ele suscitadas, essas avaliações
tiveram seu início bem antes como demonstram duas obras publica-
das, em 1970 e 1972, por recomendação das 15
a
CG-1968 (Res.
3.251) e 16
a
CG-1970 (Res. 3.24), sob os títulos respectivos de Pour
que mon pays s’éveille e Il est temps de passer à l’action, aos
quais é aposto o subtítulo: le rôle de l’homme dans le développe-
ment. Completa o subtítulo a finalidade a que se propõem as duas
obras: apresentar reflexões válidas para os anos 70.
Ambas, organizadas por Michel Wolfert, objetivam precisar
algumas idéias fundamentais às áreas de atuação da UNESCO em
sua relação com o desenvolvimento econômico. Reunindo artigos e
pronunciamentos do diretor-geral adjunto da UNESCO, o econo-
mista indiano Malcolm S. Adiseshiah, apresentados ao longo de
toda a década de 1960, bem como elementos extraídos de docu-
mentos oficiais da UNESCO e de outras agências da ONU nesse
período, as obras destinam-se ainda, segundo o objetivo expresso
nas resoluções citadas, a orientar a atuação da UNESCO para o
Segundo Decênio das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com
início no ano de 1970, ao qual se atribui a designação de Ano Inter-
nacional da Educação.
35
A esse respeito ver estudo encomendado em 1968 pelo Banco Mundial:
PEARSON, Lester B. Sócios no progresso. Relatório da Comissão de
Desenvolvimento Internacional. Rio de Janeiro: Apec, 1971. Uma avaliação da
ajuda pelos seus beneficiários pode ser encontrada no documento CECLA.
Consenso Latino-americano de Viña del Mar. In: Comércio Exterior, vol. 19, n.
6, México, jun. 1969, p. 421-427.
98
Adiseshiah busca uma abordagem filosófico-humanista para
o desenvolvimento, visando à superação do enfoque meramente
quantitativo na consideração dos aspectos nele envolvidos. E, numa
avaliação crítica do Primeiro Decênio para o Desenvolvimento, to-
mando como ponto de partida aspectos e dimensões apreendidos
no seu trabalho, desde 1949, na condução do Peat, empreende um
exercício conceitual do qual, deixando de lado os elementos futu-
ristas vislumbrados pelo autor como características da sociedade
pós-industrial, importa destacar alguns conceitos que evidenciam
uma vez mais a forma pela qual, num novo contexto, a UNESCO
prossegue sua tentativa de “empreender a síntese dos contrários”
(Pompei, 1972), organizando, de fato, as condições intelectuais e
morais para unir a chamada “comunidade mundial” em torno dos
objetivos por ela mediatizados.
Tais conceitos estão presentes na reflexão apresentada pelo di-
retor-geral da UNESCO, em 1969, ao comitê encarregado pela As-
sembléia Geral da ONU de elaborar o programa e a estratégia para o
Segundo Decênio para o Desenvolvimento. Fundamentarão ainda as
participações do diretor-geral nas reuniões do Ecosoc em julho de 1969
(Maheu, 1969) e em junho de 1973, assim como, em novembro do
mesmo ano, na 28
a
sessão da Assembléia Geral da ONU.
O conceito de desenvolvimento endógeno, sem descartar o
crescimento econômico como um imperativo necessário à emanci-
pação da humanidade, impõe o homem como agente e beneficiário,
justificativa e fim do crescimento econômico e remete à dimensão
cultural do desenvolvimento, assim como à noção da identidade cul-
tural dos povos e nações. A cultura constitui, nessa perspectiva, di-
mensão central do desenvolvimento econômico, pois são os valores
significados numa cultura os determinantes das escolhas em relação
ao progresso promovido pela ciência e sua aplicação tecnológica.
Isto significa que o desenvolvimento econômico não se faz sem o
desenvolvimento cultural, impondo-se, portanto, a exigência de uma
ampliação do conceito de cultura.
Para além do conceito de cultura até então presente nos obje-
tivos difusionistas nessa área de atuação da UNESCO, desenvolve-
se uma posição com o objetivo de superar a identificação da cultura
com a produção e preservação dos bens espirituais, das artes e das
99
humanidades por uma pequena elite que os difundiria a todos;
essa nova posição, sem descartar a anterior, remete à noção da
marcha da cultura na direção da democratização da vida social,
de sua contribuição ao desenvolvimento intelectual e moral da
humanidade, na realização do direito à cultura, como estabelece o
artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apro-
vada em 1948.
O conceito ampliado de cultura inclui ainda a problemática
do uso do tempo livre e do desenvolvimento da criatividade, portan-
to, da necessidade da educação artística do grande público, assim
como da redescoberta do conteúdo cultural da educação. Inclui
também os aspectos mercadológicos inerentes ao turismo cultural,
enfatizando sua importância para o intercâmbio cultural, o conheci-
mento das culturas e a valorização da cooperação cultural interna-
cional. Segundo esse conceito, todos os indivíduos e povos, como
participantes ativos, constituem-se na força criadora e fundante da
cultura. Esta, por sua vez, abarca, ao mesmo tempo, a aquisição de
conhecimento e a exigência de um modo de viver e ser consigo
mesmo, com os outros e com a natureza.
Associam-se, então, crescimento econômico e mudança como
componentes do desenvolvimento. Mudança de atitude em relação
ao trabalho, às inovações, à formação de capital, e em relação ao
outro. Incluem-se nessas mudanças a “perseverança no esforço”, a
“consciência profissional”, a “adaptabilidade”, “a propensão à pou-
pança”, “a eliminação dos preconceitos” de várias ordens. De acor-
do com a argumentação do autor, é porque os países pobres, subde-
senvolvidos ou em desenvolvimento não podem arcar com o peso
dos desperdícios, da corrupção, da preguiça e dos comportamentos
anti-sociais que se faz necessário cuidar do desenvolvimento cultural
mediante políticas bem concebidas no campo da cultura. E, nesse
sentido, “a exploração da força de persuasão própria aos meios de
informação pode ter uma influência direta, imediata e poderosa no
substrato cultural, transformando-o em motor do desenvolvimento”
(Adiseshiah, 1970, p. 175). Desenvolvimento que requer, ao contrá-
rio de uma aceitação passiva, participação efetiva, iniciativa, espírito
de empreendimento, qualidades consideradas por Weber na sua
Ética protestante e espírito do capitalismo.
100
As conseqüências decorrentes dos novos conceitos de cultura
e desenvolvimento endógeno incidem numa crítica aos sistemas de
ensino nos quais a sociedade moderna pretendeu encerrar a educa-
ção. Sua divisão em graus a limitar no tempo e no espaço uma su-
posta preparação para a vida, pretensamente medida em exames
comprovadores da conclusão desse processo, consiste num dos
aspectos responsáveis pelo distanciamemto dos sistemas de ensino,
na forma em que são organizados, das necessidades da sociedade
moderna. Reprodutores do sucesso e do fracasso, mediante
mecanismos de promoção e de exclusão, os sistemas de ensino se
desvincularam da vida. Constituem, nessa perspectiva, uma tradição
herdada que impõe, por um lado, uma discussão sobre sua adequação
e mesmo sua necessidade, na forma em que se encontram, numa
sociedade em mudanças cada vez mais céleres, apontando para um
futuro sempre imprevisível e exigindo adaptabilidade ao longo de toda
a vida do indivíduo. Tal situação impõe um novo conceito de educa-
ção: o conceito de educação permanente.
Este conceito, cuja origem o autor situa nas experiências
diversas de educação de adultos, engloba o sistema de ensino, assim
como a alfabetização funcional, e obrigará a uma completa
reestruturação do primeiro, pois supõe sua integração sistemática
horizontal, isto é, em todos os seus graus, e vertical, ao longo de toda
a existência do indivíduo –, com as atividades extra-escolares, vale
dizer, sociais, que incluem as atividades na família, na igreja, na mes-
quita, no trabalho, no lazer, assim como a inevitável exposição dos
indivíduos aos meios de informação.
Dizendo de outro modo, com o desenvolvimento tecnológico, o
sistema de ensino perde o monopólio da educação que, estando na
sociedade como um todo, requer o planejamento integrado dos vários
setores dos governos de modo a atender aos diferentes aspectos da
vida das sociedades e dos indivíduos, agentes e beneficiários do
“aprender”, do “aprender a aprender”, do “aprender a ser”, aprendi-
zagem sempre inacabada. (Adiseshiah, 1972, p. 109-122)
Nas ações e reflexões futuras da UNESCO os três conceitos
serão reafirmados, precisados, aprofundados em novas reelabora-
ções, em conformidade com a dinâmica da realidade em que se apli-
cam e buscam compreender. Assim, uma das finalidades da Comis-
101
são Internacional para o Desenvolvimento da Educação, constituída
por autorização da 16
a
CG-1970, consiste em estudar as estratégias
para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, no sentido de con-
cretizar, tornar real o conceito de educação permanente admiti-
do na 15
a
CG-1968 como princípio de ação futura da UNESCO nes-
sa área e adotado na reunião seguinte como um princípio universal.
36
O objetivo então estabelecido para a Comissão Internacional para
o Desenvolvimento da Educação explica-se pela incipiência da noção
de educação permanente, apontada por Adiseshiah como a grande
descoberta da sociedade industrial no Primeiro Decênio de Desenvol-
vimento. Entretanto, o próprio autor admite, essa noção encontra-se
“apenas formulada, ainda mal compreendida, considerada por muitos
com desconfiança, ou suscitando apenas um interesse limitado”, sendo
necessário, portanto, “determinar tudo o que ela implica e assegurar
sua difusão e realização em todas as escalas da vida social e individu-
al” (Adiseshiah, 1970, p. 224). E este consiste num dos objetivos para
o Segundo Decênio nessa área de atuação da UNESCO, para cuja
realização o papel da universidade é, desde então, ressaltado.
As afirmações evidenciadoras da incipiência do conceito de
educação permanente, assim como as resistências à imposição
consentida ou aceita, ou mesmo reivindicada dos meios de comuni-
cação de massas, permitem compreender como a UNESCO, num mo-
mento em que a história registra a convergência das áreas de sua
competência, articuladas pela nova tecnologia espacial, trabalha a con-
vergência lógica de seus campos primordiais de atuação. Articulando
esses campos principais pelo novo campo a ela atribuído, a UNESCO
cumpre o seu papel de “consciência das Nações Unidas”, expressão
pela qual Torres de Bodet a ela se referiu por ocasião da aprovação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.
36
Dessa comissão, presidida por Edgar Faure, ex-ministro de Educação da França,
fazem parte um representante da URSS e o conselheiro de Educação Internacional
da Fundação Ford. Seu relatório, conhecido como Relatório Faure, é encaminhado
ao diretor-geral da UNESCO em 1972 e por ela publicado sob o título “Aprendre
à être”. Sob tema designado “Um inquérito mundial, a escola em crise, diagnóstico
e soluções”, o trabalho dessa comissão é divulgado ao grande público em
UNESCO. O Correio da UNESCO,1, n. 1, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, jan. 1973.
102
A UNESCO, seu ideal de universalidade e o direito à cultura
Na defesa do direito à cultura, e na afirmação de sua diversidade,
visando à operacionalização dos conceitos formulados na década de
1960, a UNESCO estende, ao campo da cultura e da comunicação, a
prática do planejamento inaugurada, nessa década, nos campos da edu-
cação e da ciência. Assim, atendendo à resolução aprovada em sua 15
a
CG-1968 realiza-se em Veneza, em 1970, a Primeira Conferênica Inter-
governamental sobre os Aspectos Institucionais, Administrativos e Fi-
nanceiros das Políticas Culturais, à qual se seguem as conferências
intergovernamentais regionais com o mesmo tema: Eurocult, 1972, em
Helsinque; Asiacult, no ano seguinte, em Jacarta; Áfricacult, 1975, em
Accra; Américacult, 1978, em Bogotá; e Árabcult, 1981, em Bogotá.
O objetivo principal da planificação, estendida a todas as áre-
as de atuação da UNESCO, nas diferentes regiões, como ressalta
René Maheu (1974, p. 41), consistiu em conduzi-las a se “definirem,
não de forma a se isolarem em suas especificidades, mas, ao contrá-
rio, projetando-se no contexto mundial e abrindo-se ao diálogo e à
colaboração com toda a humanidade”.
Assim, no apelo às obrigações do Estado moderno na promoção da
cultura, reitera-se, nessas conferências, a Declaração sobre os Princípios
da Cooperação Cultural, aprovada na 14
a
CG-1966. Nela, afirma-se o
direito à cultura em todas as suas formas de expressão e o respeito à
diversidade e à originalidade das culturas, defendendo-se a promoção da
criatividade de cada uma delas. Defende-se também a reciprocidade na
cooperação cultural internacional, cujas finalidades são a paz, a amizade, a
educação moral e intelectual da juventude e o respeito à soberania do
Estado nacional, evidenciando a presença, no ideário da UNESCO, da
idéia assim expressa, na 1 1
a
CG-1960, por Gaston Berger: “de fato e de
verdade, somos todos engajados num único e mesmo mundo; a ação de
cada um reage sobre todos”. (Citado por Mboumoua, 1972, p. 184)
A consciência de “um único e mesmo mundo” para todos não
pode ser desvinculada das reações culturais às realizações desen-
volvimentistas do Primeiro Decênio das Nações Unidas. Daí a im-
portância da centralidade da cultura no desenvolvimento econômi-
co. Trata-se de, reforçando a identidade cultural, pelo reconheci-
mento e respeito aos valores e crenças que unem as populações
103
locais, nacionais, regionais, possibilitar sua abertura aos valores e
crenças que devem unir todos os povos numa cultura mundial, ou
seja, harmonizar o desejo de salvaguardar a autenticidade das cultu-
ras, expresso de diversas formas, sobretudo, diante da possibilidade
técnica da invasão cultural pelas novas tecnologias, com a necessi-
dade de difusão e assimilação das técnicas modernas.
As conferências sobre os diversos aspectos das políticas
culturais, bem como a rearticulação conceitual da UNESCO, consti-
tuem-se, portanto, em respostas ao contexto acima descrito. Uma
ampliação do conceito de cultura impõe-se como necessária desde o
início do caminhar da UNESCO. Desde então, em ocasiões diver-
sas, reafirmam-se os valores permanentes do Oriente, bem como a
contribuição das diversas culturas à universalidade pretendida medi-
ante o trabalho da UNESCO.
Na década de 1960, com a maior representatividade da diversida-
de cultural na UNESCO, acrescida das decepções, dos conflitos e ten-
sões que se acumulam no decorrer do Primeiro Decênio das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, unindo-se à delegação indiana, porta-
voz insistente dos valores do Oriente, levantam-se as vozes da África.
Assim, na 13
a
CG-1964, os delegados do Senegal e de Camarões apre-
sentam considerações acerca do dogmatismo dos programas da UNES-
CO na área de ciências sociais as questões da negritude são o exem-
plo destacado e sobre a unilateralidade dos programas da organização,
em que os países africanos são percebidos como meros consumidores.
E, na 16
a
CG-1970, mais de uma década após as solicitações da ONU
em busca de soluções para a precariedade dos meios de informação nos
países em desenvolvimento, os delegados desses países explicitam os
problemas relativos ao desequilíbrio na distribuição desses meios, recla-
mam medidas viabilizadoras do intercâmbio de informações e reiteram
reivindicações de respeito à sua identidade cultural.
Entretanto, o marco de referência da adoção, pelos Estados-
membros da UNESCO, do conceito ampliado de cultura, com todas as
implicações teorizadas por Adiseshiah e outros teóricos, fundados nas
experiências da UNESCO na década de 1960, situa-se na Conferência
de Veneza de 1970. Nela também se produzem novas recomendações
para a atuação da organização diante do novo momento tecnológico e
de suas conseqüências para as diversas sociedades e para a sociedade
104
mundial. Aprovadas pela Conferência Geral, essas recomendações
fundamentarão as conferências regionais subseqüentes à Conferência
de Veneza. Uma das recomendações diz respeito ao especial cuidado
da UNESCO na preparação da primeira das conferências regionais
sobre os diversos aspectos das políticas culturais. (UNESCO, 1970a)
Aprovada sua realização na 16
a
CG-1970, a Eurocult reúne
delegados dos países da Europa Ocidental e Oriental, à exceção da
República Democrática da Alemanha. Esse fato foi registrado, no
primeiro dia da conferência, como lamentável pelo delegado da
Romênia, cujo governo expressara sua posição, apoiada pelo
delegado da URSS, sobre o reconhecimento da participação daquele
Estado nas instâncias internacionais. No curso do debate geral, tam-
bém os delegados da Bulgária, da Polônia e da Iugoslávia apresen-
tam observação no mesmo sentido.
A despeito disto, René Maheu, em seus pronunciamentos na
abertura e no encerramento dos trabalhos, enfatiza o espírito da
conferência, consistente em buscar , para além dos divisores, aqueles
aspectos que conferem à Europa uma unidade: de cultura, de civilização.
Essa idéia ressoa, ao longo da conferência, nas comissões de trabalho,
das quais faz parte um representante do diretor-geral, ou ele próprio. A
pauta de discussão, previamente preparada e aprovada no primeiro dia,
tendo como subsídios os documentos elaborados pelo Secretariado da
UNESCO, apresentava os seguintes itens: estruturas administrativas
dos Estados europeus em matéria de políticas culturais; ampliação do
acesso à, e da participação na, cultura; o problema das inovações para
o desenvolvimento cultural; cultura e meio ambiente; o papel e o lugar
dos artistas nas sociedades européias contemporâneas; a formação de
administradores e animadores culturais; os instrumentos de análise do
desenvolvimento cultural e bases e perspectivas da cooperação cultural.
A leitura dos temas propostos para discussão nos remete aos
conceitos de desenvolvimento, cultura e educação formulados na
década de 1960, assim como à sua articulação pela comunicação, na
sociedade moderna, articulação corroborada nas recomendações
aprovadas na conferência, dispensando assim comentários específicos
a respeito de ambos. Isso permite focalizar aqui algumas suposições
referentes ao significado da Eurocult, inaugurando a série de confe-
rências regionais sobre os aspectos culturais.
105
Neste sentido, é interessante lembrar as afirmações feitas por
René Maheu quando visita os EUA, em 1963. Em resposta à mensa-
gem do presidente Kennedy lida em reunião da Comissão Nacional para
a UNESCO, o diretor-geral assevera que, nas novas relações da organi-
zação com o mundo em desenvolvimento, fundadas nas preocupações
com a melhoria de vida e a dignidade dos povos, bem como no respeito
às suas tradições culturais, a parceria América–Europa nucleada na
força militar deve substituir-se por uma parceria fundada na percepção
da Europa como uma “entidade cultural”, excluindo-se, portanto, das
relações internacionais, no que diz respeito ao mundo em desenvolvi-
mento, os recursos ao monopólio e à bipolarização.
O conteúdo dessas afirmações, expressas nos EUA, quando
a UNESCO, como vimos, está engajada na promoção da tecnologia
espacial desenvolvida nesse país, permite duas considerações.
A primeira delas consiste em compreendê-las como uma
expressão da nova correlação de forças atuantes também na
Conferência Geral. Nesse foro, o debate sobre a comunicação, de
grande vigor na década de 1960, reacende as divergências que
atingem um ponto crítico a partir da década seguinte, quando, por
motivos distintos e evidenciando sinais da queda da hegemonia dos
EUA também nesse foro, o bloco socialista e alguns países europeus
ocidentais unem-se aos países do Terceiro Mundo, articulados no
chamado Grupo dos 77, na verdade, mais de cem países em
desenvolvimento entre os 149 Estados-membros da UNESCO.
Assim, poucos meses após a Eurocult, na 17
a
CG-1972, os
estudos sobre o uso do espaço, iniciados pela UNESCO dez anos
antes, culminarão na aprovação, com o único voto contrário, o dos
EUA, de proposta apresentada pela URSS sobre a regulamentação
das transmissões espaciais,
37
representando a primeira tentativa de
estabelecimento de limites à tese do livre fluxo de informações.
37
Sobre a proposta da URSS, aprovada também na ONU, com o único voto contrário
dos EUA, ver Revista Comunicación y Cultura, n. 3, Buenos Aires: Editorial
Galerna, 1974, p. 169-174. Ver a respeito MATTELART, Armand. Multinacionais
e sistemas de comunicação. São Paulo: Ciências Humanas, 1976. Esse autor
apresenta às páginas 88 a 92 a ofensiva dos EUA nos organismos internacionais,
quando da discussão desse assunto, incluindo um memorando com a orientação e
recomendações da Casa Branca à delegação norte-americana junto à UNESCO.
106
Em segundo lugar, e considerando o conjunto dessas confe-
rências que culminarão na Conferência Mundial sobre Políticas Cul-
turais (Mondialcult) realizada no México em 1982,
38
assim como o
contexto em que elas se desenvolvem, é possível compreender esse
esforço da UNESCO como um repensar do universal, por ela incan-
savelmente perseguido, mediante a revitalização da ocidentalidade
em suas origens européias. Todavia, essa revitalização pressupunha,
em primeiro lugar, uma Europa cuja união, pelos elementos comuns e
transcendentes à diversidade de organização econômica e político-
ideológica, pretende-se fazer nos quadros da cooperação regional.
Pressupunha também a abertura da Europa ao mundo, especialmen-
te ao mundo em desenvolvimento que, aspirando ao universal medi-
ado pela UNESCO, não cessara de questioná-lo.
A conferência que reúne em 1972 em Helsinque os ministros
europeus da Cultura não consiste no primeiro passo nesse intento.
Desde a Conferência de Ministros da Educação promovida pela
UNESCO, em Viena, em 1967, quando se estabelece a primeira
oportunidade de as autoridades européias, do Leste e do Oeste,
discutirem as relações da educação com a sociedade, tal como são
vividas e pensadas em ambos os lados, a idéia de uma Europa como
uma unidade cultural, afirmada por Maheu em 1963, está no
horizonte de preocupações da UNESCO (Maheu, 1974). Reunião
semelhante é realizada na sede da UNESCO com os ministros da
Ciência da Europa, em 1970, ano em que a Conferência Geral adota
a Resolução 5.7 sobre a cooperação européia.
39
Além disto, no m ês
38
Ver resumo do conjunto das conferências no documento UNESCO. Conferência
Mundial sobre Políticas Culturais. Problemas e perspectivas. CLT- 82/
MONDIALCULT/3. México, jul./ago. 1982. Paris: UNESCO, 1982. Ver também
UNESCO. Conferência Mundial sobre Políticas Culturais. Informe Final, México,
jul./ago. Paris: UNESCO, 1982 a. Inclui a Declaração do México aprovada nessa
conferência. Sob o título “Povos e Culturas”, o tema da universalidade e diversidade
da cultura é apresentado em UNESCO. O Correio, ano 10, n. 9. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, set., 1982 b, contendo reflexão de vários autores sobre os
temas discutidos nas conferências sobre os diversos aspectos das políticas culturais.
39
A satisfação em relação ao interesse crescente para o desenvolvimento de cooperação
e de relações de boa vizinhança entre Estados de diferentes modelos de organização
social e política é registrada na resolução 2129(XX) da Assembléia Geral da ONU.
107
antecedente à realização da Eurocult, é criado, em Bucareste, na
reunião das Comissões Nacionais européias para a UNESCO, o Cen-
tro Europeu para o Ensino Superior (Cepes).
40
Num momento de crise da cultura, crise de hegemonia do
modelo que se impunha, desde 1945, expressas nas críticas a todas
as formas de organização da sociedade e de domínio então vigentes,
a UNESCO parece buscar o universal, num mundo que parece se
desintegrar. Nessa busca do universal, vale-se de uma Europa em
que a distensão política se faz sentir, de um lado, pela suspensão do
veto francês à participação da Inglaterra na CEE e, de outro lado, no
restabelecimento de relações diplomáticas entre a República Federal
da Alemanha com a Romênia e a Iugoslávia guardadas as
diferenças, os rebeldes do mundo socialista. Uma mudança nas
relações entre Europa Oriental e Ocidental prossegue e se amplia
com o reconhecimento dos dois Estados alemães, pelo então chanceler
da Alemanha Ocidental, Willy Brandt, e com os tratados germano-
soviéticos para solução dos problemas de fronteiras, objeto de atritos
desde o pós-45. A Europa do final da década de 1960 e início da
seguinte, vale lembrar, assiste, sob a détente, ao sopro do capitalismo
em direção ao socialismo, como demonstram as aspirações de
reformas, assim como a presença de multinacionais do ramo hoteleiro
e de locação de carros em países satélites do bloco soviético.
(Horowitz, 1976)
É também uma Europa que, colhendo os frutos do crescimento
econômico em sua parte ocidental, num sistema capitalista cuja crise
se evidencia no fim da conversibilidade do dólar (1971), reinsere-se
nesse sistema pelo trilateralismo (1973). Trata-se, sem dúvida, de um
período de reordenamento da economia mundial, a fim de integrar go-
vernos e empresas privadas da Europa e do Japão, em franco processo
40
É necessário considerar aqui, em face do objetivo do Cepes de se constituir como
foro e centro de informação e pesquisa para a “região Europa da UNESCO”, que
essa região é formada pelos países da Europa Ocidental, Israel, Turquia e América
do Norte, enquanto os países do Leste Europeu formam um outro grupo regional,
numa regionalização aprovada pela 15
a
CG-1968, a fim de resolver, como vimos,
a questão surgida em razão da admissão dos novos Estados-membros na década
de 1960, sobre a distribuição dos assentos no Conselho Executivo. Ver BEKRI,
C. 1991, p. 205-206.
108
de multinacionalização, e também dos EUA. Este país, não obstante
seu poder econômico e sua supremacia na área das comunicações,
que se transnacionalizam, encontrar-se-á política e militarmente aba-
lado, tendo de planejar a retirada de suas tropas do Vietnã e de respon-
der às medidas do Oriente Médio, onde os países árabes, após o des-
fecho da Guerra do Yon Kippur articulado via Conselho de Segurança
da ONU, decidir-se-ão pelo controle do petróleo, como arma de sua
luta política. Nesse momento, além disso, revigora-se a Guerra Fria,
após um período de détente, num mundo em que o poder nuclear ex-
travasara as fronteiras de seus dois pólos antagônicos.
Ao referir-se, em seus pronunciamentos na abertura e no en-
cerramento da conferência de Helsinque, ao porquê de as conferên-
cias regionais sobre os aspectos culturais começarem pela Eurocult,
Réne Maheu enfatiza o “respeito escrupuloso” da UNESCO à “di-
versidade qualitativa das culturas”, procurando eliminar qualquer in-
terpretação de uma primazia cultural européia. Ressalta, entretanto,
o fato de que a Europa, abstraindo os aspectos ligados ao domínio
técnico, militar, econômico, pode legitimamente “orgulhar-se de ha-
ver dado origem a culturas de vocação universal, cuja fecundidade
não cessa ainda hoje de manifestar-se para além de suas fronteiras”
(UNESCO, 1972, p.57). Ao expressar sua satisfação com os resulta-
dos obtidos na conferência a respeito do lugar da cultura na UNES-
CO e do lugar da UNESCO na Europa, Maheu lembra ainda que, por
“estranhas vicissitudes da história”, nos 25 anos de seu trabalho na
ajuda ao desenvolvimento e em suas relações com o Terceiro Mun-
do, a UNESCO, mesmo nascida na Europa e resultando de um pro-
duto conceitual tipicamente europeu, “parecera, algumas vezes, re-
presentar um papel apenas marginal nos assuntos do continente”.
(UNESCO, 1972, p. 66)
A Eurocult ocorre um ano após a criação do Intersputnik pela
URSS, fato coincidente com a proposta de mudança na distribuição
das ações do Intelsat, a fim de reduzir a supremacia dos EUA, tal
como estabelecida quando da criação desse sistema. Nela, os países
europeus, considerando as potencialidades oferecidas pelos satélites
e sua combinação com outras tecnologias na individualização da
recepção, manifestam suas preocupações com o imperialismo cultu-
ral e a uniformização dos comportamentos, alertando para o risco de,
109
em decorrência da concentração desses meios, seja no plano nacio-
nal ou internacional, criar-se um impedimento para as prometidas
possibilidades de escolha e participação dos usuários.
Das preocupações então explicitadas derivam recomendações
aos Estados-membros. Recomendam-se, entre outros, que eles en-
corajem a realização de atividades pan-européias, desenvolvendo
relações de intercâmbio entre instituições culturais nos diversos
campos cinema, música, belas artes, bibliotecas, museus, rádio,
televisão, edição –; associem políticas culturais e políticas de comu-
nicação, de modo a harmonizar os diversos meios, antigos e modernos,
na difusão da cultura; promovam iniciativas para a criação e o
desenvolvimento de fundações com fins culturais e sociais.
As recomendações dirigidas à UNESCO incluem: realizar es-
tudos, em cooperação com a União Européia de Radiodifusão e a
União Internacional de Radiodifusão e Televisão tratando da oportu-
nidade e dos meios de introduzir um programa permanente de televi-
são cultural européia sobre assuntos de interesse comum, assim como
outros projetos similares; cooperar com as fundações européias nos
quadros de seu programa; ajudar na organização de manifestações
culturais européias, favorecendo a transformação de algumas mani-
festações nacionais de valor, existentes, em manifestações inter-
nacionais. É também recomendado à organização seu apoio aos pa-
íses em desenvolvimento na busca da ressurreição e do desenvolvi-
mento de suas culturas nacionais e da eliminação das seqüelas do
colonialismo, do neocolonialismo, do racismo e do domínio cultural.
41
Preocupação presente nas conferências sobre os diversos as-
pectos das políticas culturais, e subjacente às recomendações nelas
aprovadas, o empobrecimento da humanidade antevisto por Eliot,
no imediato pós-guerra, como um possível pesadelo é assinalado
na Declaração do México, aprovada na Mondialcult, em 1982, como
41
A Eurocult apresenta como saldo uma recomendação geral e mais 32
recomendações diretamente ligadas aos temas constantes da pauta de
discussões, organizadas na forma habitual: alguns considerandos no início do
documento seguidos de recomendações aos Estados-membros e à UNESCO.
Ver UNESCO. Conférence Intergovernamentale sur les Politiques Culturelles
en Europe. Rapport Final. Helsink, 19-28 jun. 1972. Paris: UNESCO, 1972.
110
conseqüência do ato de ignorar ou destruir a cultura de um grupo
qualquer entre aqueles que compõem a diversidade dos povos. Nes-
sa declaração em que se sintetizam as reflexões coordenadas pela
UNESCO no conjunto das conferências regionais antecedentes à
Mondialcult, o universal é definido por aquilo que ele não pode ser
“postulado por qualquer cultura em particular” –, e por aquilo que
constitui sua própria fonte “a experiência de todos os povos do
mundo, cada um dos quais afirmando sua identidade” que, indissoci-
ável da diversidade cultural, favorece a “comunhão nos valores uni-
versais que unem os povos”.
A recusa a um modelo, presente desde a Conferência de Ve-
neza e reafirmada na Eurocult, expressa-se ainda na disposição dos
países em desenvolvimento de, sem descartar a cooperação interna-
cional, fortalecer a cooperação cultural entre a América Latina e o
Caribe e desenvolver as relações dessas regiões com as culturas
africanas, árabes, asiáticas e européias (Américacult, 1973), assim
como estimular a cooperação interárabe e entre países em desenvol-
vimento. (Árabcult, 1981)
A convergência de propósitos manifestada nas conferências
sobre os diversos aspectos das políticas culturais é acompanhada do
esforço dos delegados dos governos dos países asiáticos, africanos,
árabes e latino-americanos visando ao estabelecimento de uma sinto-
nia entre seus objetivos nacionais e aqueles da UNESCO: afirmando,
porém, sua identidade como fator de liberdade e dignidade, condições
para o advento de uma nova ordem, requisitos e condições para uma
cooperação cultural nacional, regional, inter-regional e internacional;
definindo essa cooperação pela justa reciprocidade, pela tolerância e
compreensão entre co-partícipes, visando à paz; reivindicando, enfim,
a valorização do patrimônio de cada cultura em sua autenticidade, como
condição de coesão da nação, necessária à assimilação das técnicas
modernas e afirmando, ao mesmo tempo, a solidariedade regional e
inter-regional como estratégia do mundo em desenvolvimento.
A exigência da intercomplementaridade das políticas relati-
vas aos campos da cultura, da educação, da ciência e da comunica-
ção é ressaltada no conjunto das conferências realizadas entre 1970
e 1982, e, na Declaração do México, essa exigência se associa à
finalidade de estabelecer um equilíbrio entre o progresso técnico e a
111
estatura intelectual e moral da humanidade, cujo descompasso Adi-
seshiah apontara em suas obras Pour que mon pays s’éveille e Il
est temps de passer à l’action. Nessas obras, a intercomplementa-
ridade das políticas nos diversos campos de atuação da UNESCO,
fundadas nos conceitos de desenvolvimento endógeno, da cultura
como um direito que não se restringe à elite e no conceito de educa-
ção permanente, responde à constatação de que “a participação da
coletividade local é um imperativo absoluto” para as mudanças durá-
veis. (Adiseshiah, 1972, p. 176)
A UNESCO, o livre fluxo de informação e o “direito de
comunicar”
A Declaração do México, aprovada na Mondialcult em 1982,
abre-se com a constatação de que as profundas transformações
provocadas pelo avanço técnico modificam o lugar do homem no
mundo, assim como suas relações com a natureza. Num novo
contexto tecnológico, essa declaração, além de precisar a definição
da universalidade e reafirmar a intercomplementaridade das políti-
cas governamentais nas áreas da educação, da ciência, da cultura e
da comunicação, reafirma também um objetivo constante da pauta
da UNESCO: a “promoção da circulação livre das idéias pela pala-
vra e pela imagem”. Esse objetivo, passível de ser compreendido
como um princípio de ação, é então associado àquele relativo a uma
“difusão mais ampla e melhor equilibrada da informação, das idéias e
dos conhecimentos”, situados, ambos, como princípios de uma nova
ordem mundial da informação e da comunicação, viabilizadora do
“direito de todas as nações não apenas receber, mas também trans-
mitir conteúdos culturais, educativos, científicos e tecnológicos”.
(UNESCO, 1982a, item 36)
Sintetizando a discussão sobre os diversos aspectos das
políticas culturais, essa declaração expressa, dessa forma, algumas
das motivações presentes nos debates sobre as desigualdades da
ordem mundial realizando-se então em diversos foros internacionais
e também na Conferência Geral da UNESCO. Ao longo da década
de 1970 prosseguem na UNESCO os questionamentos e reivindicações
112
do mundo em desenvolvimento concernentes aos problemas relativos
à informação e à comunicação, nos quais se incluem: a identificação
do princípio do livre fluxo de informação com um passado colonial
a ser superado; a necessidade do estabelecimento de condições
para um diálogo Norte–Sul em novas bases, como também para
uma intercomunicação Sul–Sul; a necessidade de superação dos
estereótipos produzidos pelas imagens inexatas, falsas ou distorcidas
veiculadas pela indústria cultural mundializada em fluxos de
informação e mensagens comercializados pelas corporações
transnacionais.
Enquanto esse debate se desenvolve, a crise do sistema fi-
nanceiro repercute na UNESCO, reduzindo suas possibilidades de
atuação, num momento em que, com o agravamento da situação
política mundial, ela é percebida como um foro privilegiado para a
discussão dos problemas decorrentes das relações Norte–Sul,
vigorosamente enfrentados desde a Primeira Conferência de Cú-
pula dos Países Não-Alinhados, em 1961, tendo em vista o estabe-
lecimento de uma nova ordem econômica mundial.
Em 1973, em Argel, na sua quarta conferência, as lideranças
governamentais do Movimento dos Países Não-Alinhados, envol-
vendo agora países dos três continentes, explicitam a indissociabi-
lidade entre uma nova ordem econômica mundial e uma nova or-
dem mundial da informação e da comunicação e contrapõem ao
princípio do livre fluxo de informação a reivindicação de uma infor-
mação mais ampla, livre e equilibrada. Retomadas em reuniões
posteriores, essas idéias serão aprofundadas e, desde a Conferên-
cia de Ministros da Informação desses países, em 1976, serão for-
malizadas numa declaração, ratificada na Quinta Conferência dos
Chefes de Governos, realizada também em Colombo, nesse ano.
Os países não-alinhados reivindicam o estabelecimento das
condições para um equilíbrio nos fluxos de informação, de modo
a conferir um pleno sentido da liberdade de expressão, viabilizar
a democratização da informação no plano internacional, com a
finalidade de tornar possível a difusão da auto-imagem dos paí-
ses do mundo em desenvolvimento, assim como seu acesso às
informações necessárias à tomada de decisão na condução das
economias nacionais.
113
Essas reivindicações repercutem na ONU, cuja Assembléia
Geral, após difíceis negociações,
42
aprova, em sessões extraordi-
nárias, ocorridas em 1974 e 1975, a Declaração das Nações Uni-
das sobre o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica
Internacional e a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos
Estados. Nesses documentos, explicita-se a impossibilidade de
sob a permanência de vestígios da dominação estrangeira, coloni-
al e neocolonial, da discriminação, assim como da partilha desi-
gual dos benefícios do desenvolvimento tecnológico atingir-se a
emancipação e o progresso dos países em desenvolvimento, re-
conhecendo-se então o direito de esses países se beneficiarem
dos progressos científicos e tecnológicos para a aceleração de
seu desenvolvimento econômico.
O senegalês Amadow-Mahtar M’Bow, eleito diretor-geral na
18
a
CG-1974, situa nesse ano o final do primeiro período de realizações
bem-sucedidas da UNESCO, no cumprimento dos objetivos estabe-
lecidos em seu Ato Constitutivo, e relaciona, entre as ações indicati-
vas do início de um segundo período, a inclusão no programa da
UNESCO da noção do “direito de comunicar”;
43
a ampliação da
organização com a admissão de novos membros, entre os quais a
República Democrática da Coréia e a Guiné-Bissau, que obtivera no
42
Divididos na aprovação desses documentos , os sete países mais industrializados
EUA, Canadá, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Japão unem-se, em
1975, no grupo dos sete (G-7), um novo diretório mundial de decisões sobre as
relações Norte–Sul, então questionadas. Prossegue, assim, a tendência de criação
de centros de poder mundial, num sistema paralelo ao sistema ONU, para, acima
deste, defender os interesses dos países mais ricos do planeta. Cf: DREIFUSS,
René. A Internacional Capitalista: estratégias e táticas do empresariado
transnacional, 1919-1986. Rio de Janeiro: Editora Espaço e Tempo, 1986.
43
Esse conceito, apresentado, em 1969 por Jean D’Arcy, então diretor dos
serviços visuais e de rádio no Escritório de Informação Pública da ONU,
aponta para a necessidade de, no novo momento de progresso tecnológico,
ampliar-se o direito à informação, estabelecido 21 anos antes na Declaração
Universal dos Direitos do Homem (art. 19), a fim de abarcar, nas condições
políticas presentes, o direito de comunicar. FISCHER, Desmond. O direito de
comunicar: expressão, informação e liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1984,
publicado pela primeira vez na coleção da UNESCO, Rapports and Papers on
Communication, n. 94, em 1982.
114
Acordo de Argel o reconhecimento de sua independência; a admis-
são, na Conferência Geral, na qualidade de observadores, de movi-
mentos sociais que, desde 1970, recebiam o apoio da UNESCO: a
Organização para a Libertação da Palestina (OLP), reconhecida, no
ano anterior, pela Liga Árabe, assim como de 14 movimentos de
libertação reconhecidos pela Organização da Unidade Africana
(OUA). (UNESCO, 1974)
Nesse segundo período, a UNESCO é punida com a suspen-
são da contribuição dos EUA para o orçamento do biênio seguinte,
em represália às resoluções aprovadas sobre Israel, sendo este ape-
nas um exemplo das oposições interpostas à UNESCO desde que
ela se envereda no contraditório terreno da liberdade de informar
ciosa, ideológica e agressivamente guardada mediante o princípio do
livre fluxo de informação–edaliberdade de informar-se, bem como
das capacidades e do direito de comunicar.
A análise do direito de comunicar, assim como a ajuda aos
Estados-membros na formulação de suas políticas de informação
constavam, desde 1970, de ações do diretor-geral autorizadas pela
Conferência Geral, que recomenda, nesse segundo período, a reali-
zação de Conferências Intergovernamentais sobre Políticas de Co-
municação para a América Latina e para a Ásia. Recomendação
que, na interpretação dos defensores do princípio do livre fluxo de
informação, aponta para o objetivo de atribuir ao Estado uma tarefa
que não é a dele, ou seja, a tarefa de estabelecer o controle sobre os
fluxos e o conteúdo da informação. Além disso, a Conferência Geral
aprovara ainda resolução convidando o diretor-geral a convocar um
grupo de especialistas para apresentar relatório sobre a influência
das empresas transnacionais na educação, na ciência, na cultura, na
comunicação, no meio ambiente e no desenvolvimento.
44
Os rumos e desdobramentos do debate e dos programas de
ação da UNESCO desde o início da década de 1970 permitem com-
preender o sentido da mesa-redonda do seu Secretariado, organizada
44
Vários estudos sobre a influência das sociedades transnacionais nas áreas de
atuação da UNESCO são por ela desenvolvidos a partir de 1975. Ver: REIFERS,
Jean-Louis. Sociétés transnationales et développement endogène: effets sur la
culture, la communication, la science et la technologie. Paris: UNESCO, 1981.
115
em 1970 por René Maheu, com a finalidade explícita de estudar pos-
síveis melhorias nos programas, nas estruturas e nas relações huma-
nas desse Secretariado. Permitem ainda compreender a contundên-
cia da expressão de M’Bow (1976a, p. 350) em matéria intitulada
Um programa executado em que pesem sérios obstáculos, segun-
do a qual, durante o biênio 1974-1976,
pela primeira vez na história da Organização, uma campanha
sistemática era conduzida contra ela, desde seu exterior, com
ramificações no seio mesmo do seu Secretariado, cujo
objetivo, na aparência, era impedir que o Diretor-geral
executasse o programa aprovado na Conferência Geral.
É possível compreender também a expressão o “espírito de
Nairóbi”, utilizada com freqüência para se referir à 19
a
CG-1976, no
sentido de traduzir a atitude de tolerância, assim como a disposição
para a conciliação de interesses divergentes na busca do consenso, e
tendo em vista evitar o confronto que ameaçava a sobrevivência da
organização transformada, à época, em notícia na grande imprensa
ocidental.
A atitude de tolerância e a disposição para chegar ao consen-
so foram alcançadas mediante o uso de técnicas de negociação nas
questões controversas, geradoras de impasses na Conferência Ge-
ral. Tal estratégia, objetivando preservar a UNESCO após os afron-
tamentos ocorridos na 18
a
CG-1974, tem origem na proposta de
M’Bow, aprovada pelo Conselho Executivo, visando à constituição
de um grupo de redação e de negociação, para obtenção de acordo e
aprovação de decisões pelo consenso, e não apenas pela forma habi-
tual do voto, pois ela estava colocando em minoria, na Conferência
Geral, os maiores financiadores da UNESCO.
Posta em prática pela primeira vez na 19
a
CG-1976, realizada
em Nairóbi, essa técnica de negociação resultou no adiamento de
questões, entre as quais os anteprojetos de declaração sobre os meios
de informação e a questão racial, consolidados, após novos estudos e
negociações, na Declaração sobre os Princípios Fundamentais
Relativos à Contribuição dos Meios de Comunicação de Massas, ao
Fortalecimento da Paz e da Compreensão Internacional, à Promoção
116
dos Direitos Humanos e à Luta contra o Racismo, o Apartheid e a
Incitação à Guerra, aprovada na 20
a
CG-1978.
45
Essa técnica permitiu,
nesse momento de grande complexidade, a aprovação de amplo leque
de questões, algumas controversas, entre as quais o Primeiro Plano
de Médio Prazo da UNESCO 1977-1982, cujo primeiro esboço fora
apresentado na 16
a
CG-1970, em atendimento à recomendação feita
desde a 14
a
CG-1966. (Hummel, 1982)
Unidade e diversidade em tensão permanente, exigindo uma
análise e soluções globais dos problemas, pois eles são globais, constitui
a idéia fundamental da reflexão do diretor-geral sobre as questões
com as quais o mundo se defronta, no novo contexto de desenvolvi-
mento tecnológico, na obra Comprendre pour agir: l’UNESCO face
aux problèmes d’aujourd’hui et aux défis de demain, que apre-
senta o Primeiro Plano de Médio Prazo 1977-1982. O corolário ime-
diato dessa idéia apresenta-se naquela segundo a qual, num mundo
de sociedades cada vez mais interdependentes, impõem-se o respei-
to às diferenças, a solidariedade entre as nações e sua união na su-
peração das desigualdades e dos conflitos e na construção e realiza-
ção de um projeto humano, para a humanidade.
A universalidade e indivisibilidade dos direitos do homem são
então consideradas e relacionadas às questões postas pelo desenvol-
vimento: a exigência de uma visão unitária e global da problemática
mundial, seus desdobramentos nas contradições, nos confrontos e
tensões e nas desigualdades profundas e inaceitáveis, em todos os
campos ou dimensões da vida e da expressão humanas. Em conse-
qüência, argumenta-se com a noção da universalidade, atribuindo-
a tanto ao desenvolvimento como à ciência que lhe fornece funda-
mentos e meios.
45
Em 1980, em Oslo, a UNESCO apresenta, no Colóquio sobre o Consenso,
organização conjunta da sua Divisão dos Direitos do Homem e da Paz e da
Comissão Nacional norueguesa para a UNESCO, reflexão sobre o consenso
defendendo sua necessária institucionalização naquele momento da sociedade
mundial, visando à obtenção de acordo nas questões cuja finalidade seja o bem
comum da humanidade, preservando, ao mesmo tempo, a soberania dos Estados-
nações. Ver a respeito: M’BOW, Amadou Mahtar e outros. Le consensus et la
paix. Paris: UNESCO, 1980.
117
M’ Bow ressalta, então, as características de objetividade e
neutralidade da ciência, as quais, junto com sua universalidade, su-
postamente a ligariam, em nome de sua natureza teórica, à busca
desinteressada do conhecimento como fim, um “em si”, justificando
a liberdade do cientista na busca do conhecimento. Alerta, todavia,
para o pressuposto inerente a essa perspectiva segundo a qual a
atividade científica é percebida como algo separado do contexto so-
cial e cultural em contraposição à necessidade de reconhecer a não-
neutralidade dessa atividade que, sendo política, explica-se pelo con-
texto social em que se realiza.
Objeto, portanto, de escolhas e decisões, a atividade de pes-
quisa incide nos caminhos e finalidades do desenvolvimento, em sua
dimensão global. Da relação mútua desses caminhos e finalidades
com os problemas do crescimento econômico, impulsionado pelo
conhecimento científico, decorre a necessidade imperativa de uma
ética da ciência. Levando-se em conta a indissociabilidade desses
dois aspectos fundamentais da ciência sua dimensão teórica que a
faz universal, e sua dimensão social, cultural e política impondo-lhe a
diversidade do particular, do local –, faz-se necessário considerar o
conhecimento científico como patrimônio comum da humanidade, em
contraposição a uma apropriação exclusiva desse saber. Até porque,
ressalta M’ Bow, o desenvolvimento por ele possibilitado, em sua
universalidade e diversidade, “é um processo que está em todas as
partes, mas cujo centro não está em parte alguma”. (1977, p. 22)
Na versão finalmente aprovada, o Primeiro Plano de Médio
Prazo da UNESCO, fundado nos conceitos de desenvolvimento en-
dógeno e descentrado, na consideração da ciência como patrimônio
comum da humanidade, no respeito à identidade cultural dos povos e
às necessidades das nações, seus Estados-membros, no reconheci-
mento da indivisibilidade e universalidade dos direitos do homem, in-
clui modificações, entre as quais aquela relativa à nova formulação
do princípio sobre o fluxo de informação agora defendido como “flu-
xo mais livre e equilibrado da informação”. Essa modificação atende
à recomendação da Assembléia Geral da ONU, pela qual as agênci-
as especializadas desse sistema são chamadas a elaborar programas
em suas áreas de competência com a finalidade de edificar uma
Nova Ordem Econômica Internacional (Noei).
118
Nessa nova situação, uma reorganização institucional da UNES-
CO é também aprovada na 19
a
CG-1976, criando-se três novos seto-
res: o de Apoio ao Programa e à Administração, o de Desenvolvimen-
to das Relações ExterioreseodeCultura e Comunicação. Além disso,
o Departamento de Ciências Sociais, cada vez mais solicitado numa
sociedade que se quer una, sendo, ao mesmo tempo, diversa, tensionada,
contraditória, foi transformado em Setor de Ciências Sociais.
Simultaneamente a essa reorganização institucional, numa or-
ganização intergovernamental que, nas palavras do então subdiretor-
geral de Cultura e Comunicação, “não pretende mais falar de modo
geral em ‘liberdade de expressão’ e ‘liberdade de informação’ e sim
em ‘acesso e participação na informação’ e ‘circulação equilibrada
de informação’”,
46
é também aprovada nova modificação na com-
posição do Conselho Executivo. Desde então, seus membros, eleitos
pela Conferência Geral, mas indicados pelos Estados-membros, po-
dem ser substituídos segundo as conveniências exclusivas dos go-
vernos nacionais que representam.
Também nesta 19
a
reunião da Conferência Geral, é obtido ain-
da o acordo para constituir a Comissão Internacional para Estudo dos
Problemas da Comunicação (CIC). Presidida pelo jornalista irlandês
Sean MacBride, a CIC, constituída um ano depois, em dezembro de
1977, seguiu os procedimentos habituais. Contempla na sua constitui-
ção as diversas, e até contrárias, posições defendidas pelas hetero-
gêneas forças protaganistas do debate sobre a informação e a comu-
nicação na sociedade mundial.
47
Como de costume, as divergências
apresentadas no exame das questões constantes de seus objetivos,
46
Cf. MAKAGIANSAR, Makaminan. A UNESCO e os problemas da comunicação.
In: O Correio, ano 5, n. 6. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, jun. 1977.
Com o tema: “Informação: de quem e para quem?”, esse número de O Correio é
dedicado ao assunto que dividiu a Conferência Geral de 1976, apresentando as
posições diversas dos envolvidos na questão, incluindo os países não-alinhados,
a posição soviética e a dos EUA, assim como o trabalho da UNESCO na criação
e no apoio ao funcionamento de agências nacionais de notícias.
47
Utilizando aqui uma terminologia que oéadaUNESCO estão representados
o bloco soviético, o bloco ocidental (França, Canadá, Holanda e Estados Unidos)
e o G-77, ou seja, os países não-alinhados, que incluem a Iugoslávia e países da
Ásia, África e América Latina.
119
diante da impossibilidade e/ou da inconveniência de um aprofunda-
mento, são registradas em notas de rodapé incluídas no relatório final.
Esse relatório, intitulado Um mundo e muitas vozes: comuni-
cação e informação na nossa época, foi apresentado, em sua forma
definitiva, na 21
a
CG-1980, realizada em Belgrado, onde é aprovado
pela Resolução 4/19. Essa resolução, junto com a Resolução 4/21,
que trata da criação do Programa Internacional para o
Desenvolvimento da Comunicação (PIDC),
48
também aprovada nessa
reunião da Conferência Geral, nortearão a ação da UNESCO na
área de comunicação nos anos imediatamente subseqüentes. (UNES-
CO, 1985, p. XXV)
Considerar em conjunto as ações aprovadas nessas duas
resoluções, a primeira relacionada à fase de reflexão sobre os problemas
da comunicação mundial, a segunda voltada para as medidas
operacionais relativas à promoção das políticas e das infra-estruturas
de comunicação, bem como à formação de profissionais para a área,
nos quadros da cooperação internacional, permite compreender melhor
seu significado no contexto em que se desenvolvem.
Permite ainda compreender como, mais uma vez, a UNESCO
realiza “a síntese dos contrários”, explicitados e, ao mesmo tempo,
ocultados no relatório da CIC, cujo título, de acordo com Mustapha
Masmoudi, em vez de Um mundo e muitas vozes deveria ser Por uma
nova ordem mundial da informação e da comunicação, designação
mais compatível, segundo ele, com o objetivo do texto. Interpretação
diversa é apresentada pelo representante soviético, Sergei Losev, para
48
O PIDC tem origem em sugestão da delegação dos EUA apresentada na 20
a
CG-
1978, na qual, após um ano de trabalho, a CIC apresenta seu relatório em versão
provisória. O objetivo estabelecido para o PIDC na Resolução 4/21 consiste em
“promover políticas, infra-estruturas e formação em matéria de comunicação”.
Tendo em vista a contribuição da UNESCO à cooperação internacional nessa
área, a resolução citada também convida o diretor-geral a convocar os
“representantes dos governos para uma reunião de planificação em que se defina
e proponha um mecanismo institucional de consulta sistemática sobre as
atividades, as necessidades e os programas relativos ao desenvolvimento da
comunicação”, do que resultará a criação do Conselho Intergovernamental do
PIDC. Cf. UNESCO. Actas de la Conferencia General,20
a
reunión. Resoluciones,
volume 1, Paris, 24 out./nov. 1978, Res. 4/9.4, p. 109.
120
quem o conceito de uma nova ordem internacional da informação “foi
solapado durante a preparação do relatório”, “demasiadamente
ocidentalizado, tanto na terminologia quanto no seu enfoque”.
49
Em sentido semelhante, Gabriel Garcia Marquez e Juan
Somavía, também membros da CIC, chamam a atenção para a
“tendência a ‘glorificar as soluções tecnológicas”, presente no
relatório, que, focalizando, de outro lado, a comunicação como
processo social, para além da informação, “permite situar o debate
geral da comunicação no contexto global, ao mesmo tempo político,
econômico e cultural, como se deve”. E, concordando com a
legitimidade de pensar no desenvolvimento das infra-estruturas de
comunicação dos países do Terceiro Mundo, alertam para a
inadequação de adotar-se, para esse fim, a idéia de um “Plano
Marshall”, cuja tendência seria “reproduzir os valores ocidentais e
os interesses transnacionais nas sociedades do Terceiro Mundo”.
(MacBride e outros, 1983, p. 465)
A respeito dos limites e possibilidades do Relatório MacBride
os limites, mais que as possibilidades são freqüentemente apontados
–, é necessário considerar, em primeiro lugar, que, quando a CIC
inicia seu trabalho, a discussão sobre os problemas da comunicação,
na perspectiva da defesa de uma nova ordem internacional da
informação, se encontra em curso. Esse debate tem início na década
de 1970 e prosseguirá na seguinte, envolvendo não apenas os atores
intergovernamentais,
50
mas também organizações de profissionais,
como a Federação Latino-Americana de Jornalistas e a Federação
49
Mustapha Masmoudi, um dos membros da CIC, fora secretário de Estado
encarregado da informação e, além de delegado permanente da Tunísia na
UNESCO, é, na ocasião, presidente do Conselho Intergovernamental de
Coordenação e Informação dos Países Não-Alinhados. Cf. UNESCO.
MACBRIDE, Sean et alii. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação
na nossa época. Relatório da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas
da Comunicação. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas/ UNESCO, 1983, p.
482. A citação é retirada do Apêndice I, p. 463, do relatório, também conhecido
como Relatório MacBride.
50
Além do Movimento dos Países Não-Alinhados citado, também os países do
Pacto Andino haviam explicitado em declaração de 1972 suas preocupações com
a circulação, na sub-região, de informações em sua maioria processadas no exterior.
121
Árabe de Jornalistas, além de organizações de pesquisa, como a
Fundação Internacional para Alternativas de Desenvolvimento
(Suíça), a Fundação Dag Hammarskjöld (Suécia), o Instituto
Internacional de Comunicação (Colônia, Alemanha Ocidental), o
Instituto Latino-Americano de Estudos Transnacionais (Ilet, Méxi-
co), cujas atividades se relacionam com o desenvolvimento da ques-
tão na ONU, na UNESCO e na CIC, realizando-se, algumas delas,
em promoção conjunta das duas últimas.
51
Acrescente-se ainda a repercussão nos trabalhos da CIC das
Conferências Intergovernamentais sobre as Políticas de Comunica-
ção realizadas pela UNESCO em 1976, para a América Latina,
em São José da Costa Rica, e em 1979, em Kuala Lumpur (Malá-
sia), para a Ásia e a Oceania –, ambas consideradas, em suas reco-
mendações básicas, no relatório da CIC. Em 1980 realiza-se, em
Yaoundé, Camarões, conferência sobre esse tema, para a África, o
que para os Estados Árabes somente será possível em 1987.
52
Nos debates propiciados por essas conferências, seus objeti-
vos, que incluem o papel da comunicação numa abordagem global do
51
Cf. RONCAGLIOLO, Rafael. A Nomic. Contra-informação e democracia a
partir do Terceiro Mundo. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins da. (Org.)
Comunicação, hegemonia e contra-informação. São Paulo: Cortez/Intercom,
1982; FISCHER, Desmond, 1984; SOMAVÍA, Juan. (Org), 1977; MACBRIDE,
Sean et alii, 1983; BELTRÁN, Luis Ramiro S. e CARDONA, Elizabeth Fox.
Mass media et domination culturelle. In: Perspectives, vol. X, n. 1, Paris:
UNESCO, 1980, p. 81-95; UNESCO. Telecommunication tariffs for the mass
media. New Communication order, n. 8. Paris: UNESCO.
52
A Conferência Intergovernamental sobre as Políticas da Comunicação para os
Estados Árabes foi convocada pelo diretor-geral da UNESCO desde 1982, em
atendimento à resolução adotada pela 21
a
CG-1980. Sua realização, prevista
inicialmente para esse ano, foi adiada para 1984, por resolução da 22
a
CG-1983,
em razão do agravamento crescente da situação política no Oriente Médio, desde
a segunda metade da década de 1970, referida no relatório final da conferência
como “circunstâncias imprevistas”. Após novo adiamento, o Conselho Executivo
autoriza o diretor-geral a proceder ajustamentos necessários no programa e no
orçamento do biênio 1986-1987, visando à realização da conferência, que tem
lugar, nesse último ano, na capital do Sudão. Cf. UNESCO. Conférence
intergouvernementale sur les politiques de la communication dans les États
Arabes. Rapport final. Khartoum (Soudan) 19-23 jul. 1987. CC-87/Arabcom/3.
122
desenvolvimento, com referência particular à educação, ciência, tec-
nologia e cultura, desdobram-se em várias questões como: a afirma-
ção das identidades culturais; a recusa à imposição cultural vertical,
assim como a padrões de comportamentos uniformes que podem
resultar na perda da substância cultural autóctone; a valorização
das formas tradicionais de comunicação interpessoal e comunitá-
ria, vistas como não impeditivas do desenvolvimento da comunica-
ção; a defesa do uso racional dessas formas de comunicação; a
afirmação do papel dos meios de comunicação na preservação dos
fundamentos espirituais da nação árabe, cuja fonte primordial é o
Islã. (UNESCO, 1987, p.24)
As recomendações decorrentes dizem respeito à criação
de conselhos nacionais de comunicação, à criação e ao desenvol-
vimento de agências nacionais e regionais de notícias, a fim de
garantir o pluralismo das fontes de informação, e ao papel da
UNESCO na promoção da cooperação internacional para o de-
senvolvimento de sistemas nacionais de comunicação. Conside-
rando a comunicação como um bem social, um serviço público e
não como mercadoria, recomenda-se o reforço do trabalho con-
junto da UNESCO com a UIT, tendo em vista o estabelecimento
de tarifas preferenciais ou a preço reduzido para as novas agên-
cias de notícias que forem sendo criadas, não obstante as dificul-
dades interpostas pelas agências privadas, em defesa de seus in-
teresses no mercado da informação.
A criação da Agência Latino-Americana de Serviços Especi-
ais de Informação (Alasei), em 1983, fornece um exemplo das difi-
culdades então enfrentadas. Sua criação atende às recomendações
da Conferência Intergovernamental de Políticas de Comunicação de
São José da Costa Rica, na qual os governos participantes estabele-
cem que a criação de agências de notícias, então reivindicada, não
deveria resultar em qualquer prejuízo para o livre funcionamento,
presente ou futuro, das agências estabelecidas na região. (UNES-
CO, 1977 b, p. 6)
Assim, os protestos e a mobilização da Sociedade Interameri-
cana de Imprensa (SIP), que reúne proprietários de 1500 jornais da
região, e da Associação Interamericana de Radiodifusão (AIR), que
congrega proprietários de emissoras de rádio e televisão da América
123
Latina e dos EUA, contra a criação da Alasei, não são isolados das
salvaguardas de seus interesses também pelos governos locais.
53
De outro lado, é necessário considerar as dificuldades para
implantação de legislação nacional visando ao cumprimento do direi-
to constitucional de comunicar. Essas dificuldades encontram exem-
plo nas tentativas de sucessivos governos mexicanos no sentido de
concretizar recomendações da Conferência Intergovernamental de
Políticas de Comunicação de São José da Costa Rica, num momento
em que o poder do Estado perante as corporações transnacionais e
seus associados locais é crescentemente diminuído e delimitado por
sua localização na divisão internacional do trabalho e no sistema eco-
nômico mundial. Esse fato é demonstrado por John Sinclair, em sua
análise do caso específico da Televisa “mexicana”, em suas articula-
ções transnacionais, visando à conquista do mercado de língua his-
pânica no campo da informação e do entretenimento.
54
Acerca dos limites e possibilidades do relatório da CIC, vale
considerar ainda o fato de que, desde a segunda metade dos anos 70,
a UNESCO e suas ações, principalmente aquelas relacionadas às
Conferências Intergovernamentais sobre as Políticas de Comunica-
ção, à CIC, ao PIDC e à Mondialcult, foram objeto de uma campa-
nha sistemática empreendida pelos meios privados de comunicação
e potencializada pela participação ativa do governo dos EUA, princi-
palmente no período presidencial de Ronald Reagan. Seu governo,
53
Cf.ASIP boicota a Alasei . In: Cadernos do Terceiro Mundo, VI, n. 61,dez.,1983,
p. 86-87.
54
O autor defende a necessidade de superar os vícios da análise crítica, a fim de que
ela conta das múltiplas e contraditórias relações no campo da comunicação
nas novas condições de expansão mundial de um modelo comercial de informação
e comunicação. Postula então o abandono de uma perspectiva que divide o
mundo em dois blocos distintos de Estados-nações mantidos em um equilíbrio
desigual: um bloco ocidental reproduzindo as relações coloniais no
neocolonialismo, sob uma nova hegemonia e mediante uma arquimanipulação do
Terceiro Mundo, bloco também visto como homogêneo. SINCLAIR, John.
Neither west nor third world: the mexican television industry within the NWICO
debate. In: Farewell to NWICO? Media, Culture and Society, vol. 12, SAGE,
London, Newbury Park and New Delhi, 1990, p. 343-360. Ver também na
mesma fonte: ROACH, Colleen. The movement for a new world information
and communication order: a second wave?, p. 283-307.
124
na nova orientação do mundo capitalista, destaca-se, juntamente com
o governo inglês de Margareth Thatcher, na luta contra o capitalismo
assistencialista da “Era de Ouro” (Hobsbawm, 1995, p. 245). No cur-
so dessa campanha, é anunciada pelo secretário de Estado, George P.
Schultz, a retirada dos EUA da UNESCO, em 1984, seguida no ano
seguinte pela retirada também da Inglaterra e de Cingapura.
Os ataques e acusações endereçados à UNESCO e a suas
ações, fartamente documentados, analisados e discutidos em Hope &
folly: the United States and UNESCO 1945-1985,
55
não são isen-
tos das prerrogativas conferidas pelo poder de selecionar, or ganizar e
difundir as informações. Tampouco são isentos dos preconceitos di-
versos que supostamente justificam a defesa de interesses garantidos
pelo princípio do livre fluxo de informação, de longa data preservado,
inclusive pela própria UNESCO, então transformada em ré.
Assim, para os meios ocidentais de informação, a CIC é
traduzida como uma ameaça à imprensa livre, contra a qual a
“antiamericana e antidemocrática”
56
UNESCO teria declarado guerra,
através da Nova Ordem Internacional da Informação e da
Comunicação (Nomic). Esta é interpretada como “ataque, sob o
patrocínio soviético, à imprensa livre” (citado por Preston Jr., p. 128).
Nomic e PIDC são considerados como instrumentos de uma Noei,
por sua vez interpretada como “fórmula para um Estado socialista
global”; ou como um “esquema simplista de redistribuição de saúde
e recursos a mais de cem nações subdesenvolvidas, mediante a
criação de um Estado de bem-estar global financiado, principalmente
pelos Estados Unidos e as nações industriais do mundo” (citado por
Ray e Schaap, 1989, p. 22). É necessário ressaltar, entretanto, que,
no contexto do neoliberalismo em processo de consolidação, as duas
55
Com o objetivo de situar em sua perspectiva histórica a campanha contra a
UNESCO e defender a cooperação internacional e o sistema das Nações Unidas,
o livro apresenta estudos sobre as relações dos EUA–UNESCO desde o período
em que esta foi idealizada. Em 1989, ainda no prelo, foi, ele também, objeto de
ataques. Cf. RAY, Ellen e SCHAAP, William. Introduction. In: Hope & folly: the
United States and UNESCO 1945-1985. Institute for Media Analysis Inc.
NewYork: University of Minnesota Press, Mineapolis, 1989.
56
Citado por HERMAN, Edward S. Anatomy of a smear: Ed Bradley and “60 minutes”
on UNESCO. In: Hope & folly: the United States and UNESCO, 1989, p. 328.
125
formas de Estado se equivalem, sendo ambas percebidas como
ameaças à liberdade do mercado. Nesse contexto, a cooperação
multilateral, sob a coordenação dos organismos intergovernamentais,
postulada no pós-45, cede seu espaço, restrito, aos contratos
bilaterais apoiados pela UNESCO da década de 1990, na realização
de seu papel catalisador. (Mayor, 1995)
Considerando o debate sobre a Noei e a Nomic em realização
nos diversos espaços mundiais, desde o início da década de 1970,
assim como o fato de que a UNESCO, na defesa de um fluxo equi-
librado da informação, não abrira mão do princípio do livre fluxo de
informação, uma compreensão da campanha empreendida contra
ela não pode ignorar, em primeiro lugar, a posição absolutamente
contrária do monopólio transnacional da media quando se trata de
discutir a partilha do poder de comunicar, por menor que seja a par-
cela reivindicada. Não pode ignorar ainda que, mesmo no esgota-
mento do multilateralismo, uma recomendação aprovada num orga-
nismo da ONU, ainda que não-cumprida, constitui sempre um cons-
trangimento moral para as grandes democracias do mundo ocidental.
O livre fluxo de informação, a UNESCO e sua nova estratégia
A realidade mundial dos anos 90 apresenta novos desafios às
organizações criadas no pós-45, para coordenar a cooperação entre
as Nações Unidas tendo em vista a reconstrução do mundo, seu
desenvolvimento, o progresso e a paz. Em relação à UNESCO, e mais
especificamente ao seu ideal de universalidade, essa realidade se
apresenta, ao mesmo tempo, carregada de promessas e de esperanças.
A promessa de uma humanidade unida, mantendo na UNESCO,
nos meados da década, a esperança de repetir-se, com a derrubada
dos muros da pobreza, da exclusão e da ausência de solidariedade
ainda separando povos e nações, o “sentimento propiciado pela con-
quista espiritual que, em novembro de 1989, a todos emocionou”.
57
57
Fala do diretor-geral, Federico Mayor, na sessão de abertura da 28
a
CG-1995.
Cf. UNESCO. Comptes rendus des débats. Vingt-huitième session. Paris:
UNESCO, 1995, p. 12.
126
A UNESCO da década de 1990, fundada nos objetivos al-
cançados na direção do desarmamento, nutre a esperança de que
recursos até então destinados à indústria da guerra sejam encami-
nhados para a correção do abismo entre a prosperidade de poucos e
a pobreza de muitos. Na expressão de Federico Mayor, esperança
de que o cumprimento desse dever, de todas as nações, possa ser o
início “da grande transição de uma cultura fundada na força para
uma cultura cujo fundamento seja a paz”. (UNESCO, 1989, p. 11)
Concentração em sua missão ética, tendo em vista um “re-
torno” da UNESCO à essência do seu Ato Constitutivo “cons-
truir a paz no espírito dos homens” –, constitui o propósito expresso
pelo diretor-geral na 25
a
CG-1993. Propósito sugestivo se, lem-
brando que este sempre foi o objetivo da UNESCO, o associarmos
ao clima de guerra desencadeado nas duas décadas anteriores, por
suas ações visando à construção de uma Noei e de uma Nomic,
incorporadas aos objetivos dos dois planos de médio prazo para os
períodos de 1977-1982 e 1984-1989, e ao PIDC. Esse clima de
guerra culminou numa redução significativa da abrangência da
UNESCO, que deixa de contar, na primeira metade da década de
1980, com três dos seus Estados-membros, dos quais dois eram os
maiores contribuidores de seu orçamento.
Compreender esse retorno, essa esperança e esse propósito
nos remete à “nova estratégia” adotada por consenso na 25
a
CG-
1989, quando é também aprovado o Terceiro Plano de Médio Prazo
da UNESCO, para o período de 1990-1995. A elaboração tanto do
plano quanto da “nova estratégia”, por exigência da situação em que
então se encontrava a UNESCO, considera os resultados de um amplo
e diversificado processo de avaliação dos três biênios de execução
do Segundo Plano de Médio Prazo e da UNESCO como um todo.
Incluem-se nesse processo estudos realizados pelo Secre-
tariado da UNESCO e por órgãos intergovernamentais, pelo Se-
cretariado em colaboração com outras agências da ONU, pelo
Conselho Executivo e por avaliadores externos. Entre estes, o
General Accounting Office dos Estados Unidos, cujo relatório
sobre a administração da UNESCO é apresentado em 1984.
ainda a comissão independente, presidida por Knut Hammarskjöld,
e o Grupo Consultivo Internacional, sob a presidência de Peter
127
Wilenski, que apresentam relatórios de avaliação da UNESCO,
respectivamente, em 1988 e 1990.
58
A elaboração dos dois documentos o plano de médio prazo e
a “nova estratégia” envolve, ainda, um amplo processo de consulta
e de negociação, em reuniões e conferências das Comissões
Nacionais para a UNESCO da América Latina, da África, da Ásia e
do Pacífico, dos Estados Árabes e da Europa, realizadas entre janeiro
de 1987 e fevereiro de 1989. Considera também o informe do
Conselho Executivo, em que, revisadas e analisadas as relações entre
a UNESCO e as ONGs no período 1983-1988, acompanhadas de
recomendações acerca da preparação e execução do programa, das
subvenções às ONGs e da descentralização das atividades da
organização. Considera ainda os resultados obtidos pelas organizações
internacionais não-governamentais (Oings) reconhecidas pela
UNESCO como entidades consultivas das categoriasAeB,nasua
21
a
Conferência realizada em junho de 1988, na sede da UNESCO.
Desde a 23
a
CG-1985, a primeira após a retirada dos EUA e
da Inglaterra, tem início nas instâncias máximas da UNESCO o
processo de elaboração da “nova estratégia”, e também da
organização das condições para, mais uma vez, empreender-se a
58
Tem início, a partir de 1990, uma reforma administrativa e de pessoal, abrangendo
os seguintes aspectos: concentração e descentralização do trabalho da UNESCO,
redução de despesas administrativas, simplificação e racionalização de
procedimentos e práticas de administração, delegação de poderes, contratação e
avaliação de pessoal, compreendendo redução de postos de serviço, estratégia de
recrutamento para atender ao critério de concorrência no preenchimento dos
postos de serviço, sistema de horários flexíveis com verificação efetiva de
presenças e sistema de notação visando a uma avaliação por mérito. O processo
de reforma conta ainda com o trabalho de acompanhamento do grupo consultivo
constituído por: C. L. Sharma, então diretor-geral adjunto da UNESCO
(presidente); K. Hammarskjöld, diplomata suíço, então membro da direção geral
de várias sociedades públicas e privadas, e J. Fobes, ex-chefe da Usaid na Índia,
após ter ocupado o cargo de diretor-geral adjunto da UNESCO (1971-1977).
Quando participa do grupo consultivo, é presidente da Associação para as
Nações Unidas (Oeste da Carolina do Norte, EUA) e membro do Clube de
Roma. Esse grupo apresentou um relatório em 1993, outro em 1994, dois em
1995 e um em abril de 1996. O General Accounting Office apresenta relatórios
em 1979, 1984, 1992 e 1993. Cf. UNESCO. La volonté de réforme. Aperçu des
réformes réalisées: 1988-1996. Paris: UNESCO, 1996 a.
128
“síntese dos contrários”. Quando M’Bow apresenta nessa reunião
da Conferência Geral o documento “Métodos de preparação do
Terceiro Plano de Médio Prazo e o calendário de seu exame e
aprovação”, é aprovada a Resolução 23 C/48. Por ela o diretor-geral
é convidado a realizar estudo sobre o calendário e os preparativos do
projeto desse plano, cuja apresentação ao Conselho Executivo em
sua 124
a
reunião fica então estabelecida para maio de 1986, prevendo-
se a discussão e votação dessa matéria para a 25
a
CG-1989.
Na 124
a
reunião do Conselho Executivo, é aprovada a De-
cisão 124 Ex/4.1, pela qual o diretor-geral é convidado a proce-
der a ampla consulta aos Estados-membros e membros associa-
dos, às organizações internacionais governamentais e não-go-
vernamentais, a personalidades eminentes dos meios intelectu-
ais nos campos de atuação da UNESCO e também aos ex-mem-
bros do Conselho Executivo.
59
Em sua reunião seguinte, o con-
selho estabelece a orientação para elaboração do questionário a
ser usado na consulta solicitada com a finalidade de preparar o
Terceiro Plano de Médio Prazo.
Os questionários foram enviados em janeiro de 1987, e os da-
dos obtidos subsidiaram o documento 24 C/4, “Informe sobre a pre-
paração do Terceiro Plano de Médio Prazo”, apresentado por M’Bow,
na 24
a
CG, ocorrida em novembro/dezembro desse ano, o último de
seu segundo mandato como diretor-geral. A conclusão do processo
de elaboração do Terceiro Plano de Médio Prazo e da “nova estraté-
gia” da UNESCO para os anos 90 ocorre, portanto, sob a coordena-
ção do sucessor de M’ Bow, o espanhol Federico Mayor Saragoza,
eleito diretor-geral na 24
a
CG.
Esse trabalho se prolongará, entretanto, por mais três reuniões
do Conselho Executivo. Nestas, o novo diretor-geral apresenta,
59
Cf. UNESCO. Tercer Plan a Plazo Medio (1990-1995), (25 C/4 Aprobado).
Paris: UNESCO, 1989. p. 7. A respeito dessa consulta, é válido supor que os ex-
membros do Conselho Executivo a serem consultados se limitem àqueles que
representavam nesse conselho os dois Estados-membros recentemente afastados
da UNESCO, os EUA e a Inglaterra, e que por meio dessa consulta pretende-se
reabilitar a organização perante seus governos na espera de um pedido de
reingresso na UNESCO.
129
primeiro, esboço do plano e síntese das respostas aos questionários
de consulta, em seguida, o informe oral sobre o andamento dos
preparativos para o plano e, finalmente, seu anteprojeto elaborado
conforme estrutura e orientações fornecidas pelo conselho. Assim,
nas 129
a
, 130
a
e 131
a
reuniões do Conselho Executivo, são
cuidadosamente elaborados o Terceiro Plano de Médio Prazo e a
“nova estratégia” da UNESCO, cuja aprovação ocorre na 25
a
CG-
1989, como previsto desde a 23
a
CG-1985.
A “nova estratégia”, elaborada na 129
a
reunião do Conselho
Executivo e confirmada na seguinte, é definida e justificada no
parágrafo 25 do documento anexo à Decisão 129 EX/4.1. Seu ponto
de partida consiste no reconhecimento da legitimidade da
reivindicação dos países em desenvolvimento relativa ao fluxo
equilibrado de informações, assim como das atividades desenvolvidas
pela UNESCO, visando à instauração de uma Nomic, todas elas,
ressalta-se, aprovadas por consenso na Conferência Geral.
Na seqüência desse raciocínio, reconhece-se que, em meio a
acordos e reservas acerca dessa reivindicação e atividades a ela
correspondentes, prevaleceram mal-entendidos e interpretações
equivocadas da atitude da UNESCO perante a questão da liberdade
da informação. E, considerando o consenso obtido na 24
a
CG-1987,
segundo o qual a UNESCO se dispõe a, “sem renegar seu passado,
empreender o caminho da inovação”, justifica-se a oportunidade de
“explorar as vias de uma nova estratégia que permita alcançar o
objetivo global que a organização havia se fixado, em condições que
descartem os mal-entendidos”.
Na “nova estratégia” fica mantido, portanto, o objetivo de
promover a construção de uma nova ordem internacional da
comunicação, entendida como um processo evolutivo e contínuo.
Considerando os resultados obtidos numa avaliação das ações
desenvolvidas no Segundo Plano de Médio Prazo de que nem sempre
as questões relativas ao desequilíbrio dos meios de informação, ao
fortalecimento do pluralismo cultural, ao entendimento internacional,
ao conhecimento mútuo e ao favorecimento da livre circulação da
informação se resolvem pelo crescimento exponencial dos canais de
informação –, justifica-se a “nova estratégia” como necessária à
obtenção desses fins.
130
Quanto à área da comunicação, a “nova estratégia” consiste
em voltar-se mais claramente para a formação de profissionais da
área e para uma educação para os meios de comunicação, priorizan-
do o desenvolvimento do espírito crítico dos usuários da media. Es-
pera-se assim desenvolver a capacidade de reação das pessoas a
qualquer tipo de informação recebida e favorecer-lhes uma correta
compreensão dos meios de que dispõem para a defesa de seus direi-
tos. Pretende-se, dessa forma, alcançar, paulatinamente, um equilí-
brio na circulação da informação. (UNESCO, 1989, p. 106-107)
A nova ordem mundial da informação, mantida como objetivo
da UNESCO, tanto na introdução ao plano como na definição da
“nova estratégia”, não figura uma vez mais sequer ao longo de todo
o plano. Saltam aos olhos em sua leitura, particularmente de seu
Grande Programa IV, a comunicação a serviço da humanidade, a
repetição incansável da adesão da UNESCO aos princípios da liber-
dade da imprensa, do pluralismo e da diversidade das fontes de infor-
mação e comunicação, assim como o cuidado de que as menções à
“difusão mais ampla e melhor equilibrada da informação” sejam se-
guidas, sempre, da expressão “sem nenhum obstáculo à liberdade de
expressão”, procedimento compatível com o objetivo geral da Área
Principal do Plano, assim expresso:
que se manifeste com uma eficácia cada vez maior o interesse
da Organização em garantir uma circulação livre da informação
nos planos internacional e nacional, e sua difusão mais ampla
e melhor equilibrada, sem nenhum obstáculo à liberdade de
expressão, e que se fortaleça a capacidade de comunicação
dos países em desenvolvimento. (UNESCO, 1989, p. 107)
Fruto de um amplo processo de avaliação e de negociação, a
“nova estratégia” traduz a rearticulação necessária para adequar a
UNESCO aos novos tempos. Continuidade e inovação, concentração
e descentralização, racionalização de procedimentos e métodos ganham
expressão no lema “fazer menos para fazer melhor”, adotado então
pela UNESCO a fim de contribuir, em suas áreas de competência, para
o enfrentamento dos três grandes desafios dos anos 90: o desenvolvimento
solidário, a proteção do meio ambiente e a construção da paz.
131
Assim, enquanto o Segundo Plano de Médio Prazo constituía-
se de 14 grandes programas, no Terceiro Plano de Médio Prazo eles
se reduzem a sete, a saber:
a educação e o futuro; a ciência a serviço do progresso e do
meio ambiente; a cultura: passado, presente e futuro; a
comunicação a serviço da humanidade; as ciências sociais e
humanas num mundo que se transforma; contribuição da
UNESCO aos estudos prospectivos e às estratégias de
desenvolvimento; contribuição da UNESCO para a paz, os
direitos humanos e eliminação de todas as formas de
discriminação. (UNESCO, 1989, p. 107)
O quarto desses grandes programas e seus três programas
“livre circulação da informação e solidariedade; a comunicação a
serviço do desenvolvimento; as repercussões socioculturais das no-
vas tecnologias da comunicação” e respectivos subprogramas re-
percutem nas demais áreas de atuação da UNESCO e também no
PIDC, chamado a se adequar à “nova estratégia”, mediante seu re-
forço, aumento de sua eficácia e profissionalização, como estabele-
cem os objetivos do Plano de Médio Prazo.
60
60
O PIDC, cuja 1
a
sessão ocorrera em 1981, financiara, desde então, vários projetos,
entre os quais a criação da Agência Pan-Africana de Informação (Pana), Agência
de Informação do Caribe (Cana), e da Agência Latino-Americana de Serviços
Especiais (Alasei). Foram ainda aprovados créditos para apoio a essas agências,
às uniões regionais de radiodifusão, assim como ao pool de agências de notícias
dos países não-alinhados. Projetos nacionais, regionais e inter-regionais, relativos
à formação e à reciclagem de pessoal, à criação e ao desenvolvimento de infra-
estruturas de comunicação, ao desenvolvimento dos diversos meios de
comunicação e informação, entre outros, são financiados desde então, seja na
conta especial aberta pelo diretor-geral com recursos do orçamento ordinário da
UNESCO, seja mediante recursos extra-orçamentários provenientes do PNUD
ou dos fundos em depósito. Cf. UNESCO. Rapport du Directeur Général presenté
aux États membres et au Conseil Executif. 23 C/3. Vingt-troisième session, 1985;
UNESCO. Conseil intergouvernemental du Programme International pour le
Developpement de la communication (première session). Rapport Final, Maison
de l’UNESCO, Paris 15-22 jun. 1981.
132
Em março de 1989, o Conselho Intergovernamental do PIDC,
contando com a presença das delegações dos EUA e da Inglaterra, na
qualidade de Estados-não-membros com estatuto de observadores per-
manentes, realiza sua 10
a
sessão,
61
a primeira após a elaboração da
“nova estratégia” da UNESCO. Nessa sessão, François Nordmann,
presidente do conselho, ressalta a importância do ano anterior para a
UNESCO, no que diz respeito à comunicação. Referindo-se em se-
guida à 129
a
reunião do Conselho Executivo, destaca quatro conjuntos
de questões entre as quais a necessidade de estabelecer uma clara
ligação entre o programa de comunicação da UNESCO e suas ativi-
dades relativas às áreas da educação, da cultura e da informação, de
dar prioridade à formação de jornalistas, assim como de fazer refletir
no domínio da comunicação a “missão” intelectual da UNESCO.
Assegura então ter chegado o momento propício para um relan-
çamento do PIDC, traduzido na necessidade de sua profissionalização
e no distanciamento das controvérsias ideológicas. Considera também
a necessidade de aumentar sua eficácia, por meio da aprovação de
projetos compatíveis com os critérios de credibilidade e utilidade ime-
diata. Como também assinalara Eduardo Portella, representando
o diretor-geral, prossegue defendendo a necessária redução do núme-
ro de projetos atendidos, de modo a permitir a alocação de fundos
necessários a cada um, a fim de obter um impacto real.
Não obstante a gravidade da situação, em meio aos acordos e
às tentativas de inscrever o PIDC no novo momento da UNESCO,
articulando-o ao Plano de Médio Prazo, ao programa ordinário, à
“nova estratégia” e ao lema “fazer menos para fazer melhor”, foram
então apresentadas posições de reserva em relação ao novo cami-
nho proposto, exemplificadas nas ressalvas contra a tendência de
limitar os esforços para a construção de uma nova ordem mundial da
comunicação à formação de jornalistas. Chamava-se então a aten-
ção para a necessidade de que o PIDC não perdesse de vista seu
objetivo original: o desenvolvimento da capacidade endógena dos países
em matéria de comunicação.
61
Sobre essa sessão do PIDC, ver UNESCO. Conseil Intergouvernemental du
Programme International pour le Developpement de la Communication (dixième
session). Rapport final. CC/MD/10. Paris, 7-13, mars, 1989a.
133
A discussão do ponto fundamental da ordem do dia a
melhoria dos procedimentos e métodos de trabalho do PIDC funda-
se no documento básico (CC-89/CONF.211/3), preparado pelo
Secretariado da UNESCO em conjunto com o Escritório do PIDC,
com base nas discussões realizadas na sessão anterior. Abordando
os temas “objetivos, procedimentos gerais e práticas correntes;
elaboração, submissão e modelo de apresentação dos projetos e
pré-seleção, seleção e classificação dos projetos por categorias”, o
documento e as discussões visavam à promoção do relançamento
do programa.
Concordâncias e divergências nessa sessão evidenciam que
a pacificação do Conselho do PIDC e sua adequação à “nova
estratégia”, tentada desde o período que se seguiu à sua 9
a
sessão,
de fevereiro de 1988, demandaria mais tempo e trabalho da
UNESCO. Às declarações favoráveis ao conjunto das
recomendações apresentadas no documento básico, seguem-se
discordâncias, por exemplo, acerca da prioridade ou não dos projetos
nacionais em relação aos projetos regionais e inter-regionais. Diante
do acordo em relação à qualidade profissional como critério principal
de seleção dos projetos chama-se a atenção para outros aspectos,
além dos operacionais e técnicos, entre os quais o intelectual, incluídos
no termo “profissionalismo”.
Apresenta-se também, no debate, argumentação favorável à
adoção de uma interpretação menos estreita das necessidades dos
países em matéria de comunicação, a fim de modificar a visão que
privilegiava a aprovação das media ligadas ao Estado, defendendo-
se, então, que pelo menos 50% dos projetos aprovados deveriam
situar-se entre aqueles apresentados pelas ONGs. Essa posição
continuidade a uma polêmica presente desde a 1
a
sessão do
Conselho do PIDC.
A tensão entre público e privado se evidenciará também na
12
a
sessão desse conselho, realizada em fevereiro de 1991. O
documento básico de discussão preparado pelo Secretariado da
UNESCO para essa sessão se estrutura em torno de quatro temas:
“formulação de orientações gerais, tomada de decisão e
planificação; preparação, seleção, execução e avaliação de projetos
e atividades; financiamento, e resumo das questões e pontos a
134
examinar”.
62
Retomam-se, assim, questões discutidas, mas não
concluídas de modo a atender à “nova estratégia” da UNESCO.
Segundo prognóstico do diretor-geral da UNESCO, apresentado
na abertura dos trabalhos, a reforma do PIDC, prevista no parágrafo
262 do Plano de Médio Prazo (1990-1995) para o primeiro biênio de
sua execução, deveria ser concluída nessa 12
a
sessão. Apresentado o
fato de que, nos dez anos de atuação desse programa, 90% dos seus
recursos foram aplicados em iniciativas públicas, defende a necessidade
de, para garantir o pluralismo das media, seja aumentada, “como se
deve, a assistência às iniciativas privadas”. (UNESCO, 1991, p. 1)
Fazendo estimativa semelhante acerca do término dos traba-
lhos de adequação do PIDC ao novo momento da UNESCO e do
mundo, o subdiretor-geral para a comunicação, a informação e a
informática, setor recém-criado na UNESCO,
63
elogia o trabalho
realizado pelo Conselho do PIDC e, reportando-se à origem estatal
dos fundos do programa, lembra as possibilidades e a conveniência
de um esforço para buscá-los também no setor privado.
Areunião de Windhoek (Namíbia), prevista para abril de 1991,
com o tema “pluralismo da imprensa na África”, é mencionada por
François Nordmann, quando apresenta o aumento do financiamento
dos projetos privados como um imperativo da credibilidade do PIDC.
E, num esforço de convencimento do conselho em relação à “nova
estratégia” da UNESCO, lembra não apenas o seu sucesso em pôr
fim a um decênio de polêmicas, como também sua aprovação pela
Assembléia Geral da ONU, o que “nos encoraja e nos obriga”. Acres-
centa ainda a posição central do PIDC na “modificação durável”
62
UNESCO. Conseil Intergouvernemental du Programme International pour le
Developpement de la Communication (douzième session). Rapport Final. CII/
MD/1, Paris, 11-18 fev. 1991.
63
O objetivo da criação desse setor, em 1990, consiste em reunir os programas
intergovernamentais da UNESCO na área da comunicação que conta, além do
PIDC, com o Programa Geral de Informação (PGI) e o Programa
Intergovernamental de Informática (PII). Na mesma ocasião é também criado o
Comitê sobre a Livre Circulação da Informação. Tendo como membros
funcionários da UNESCO, esse comitê, presidido pelo diretor-geral, tem como
objetivo promover a idéia de livre circulação em todos os programas da UNESCO.
Cf. UNESCO. 1991, p. 6.
135
realizada pela Conferência Geral na “paisagem da comunicação”,
pois ele “encerra as esperanças e as aspirações, não somente da
grande família da UNESCO, mas também aquelas ainda mais vastas
das Nações Unidas”. (UNESCO, 1991, p. 2-3)
Na seqüência do debate, as questões apontadas acima obtêm
apoio, mas também suscitam discordâncias. Diante do acolhimento e
da defesa da idéia de ampliar-se a assistência ao setor privado, insis-
te-se na atenção necessária ao não-comprometimento da eficácia
das media como instrumento de mudança social e econômica. A afir-
mação do multilateralismo como traço marcante do PIDC e a defesa
da necessidade de incluir na noção de pluralismo das media não ape-
nas as questões acerca da diversidade das fontes, mas também aquelas
relativas ao conteúdo e à diversidade das mensagens, trazem ao pre-
sente aspectos cruciais da polêmica anunciada como finda.
Evidências da não-obtenção de um acordo total nesse foro
apresentam-se ainda no relatório do grupo de trabalho constituído
para, à luz do debate, apresentar à plenária relatório conclusivo, cujo
conteúdo abarca aspectos relacionados à planificaçã o e à tomada de
decisão, prevista no documento básico, assim como as possíveis
modificações das 22 recomendações adotadas na 11
a
sessão do
PIDC. Nesse relatório, adotado pela plenária, o aumento da
coordenação e do intercâmbio de informação entre o PIDC e o
programa ordinário da UNESCO obtém parecer favorável do grupo
de trabalho, que, entretanto, sublinha a necessária salvaguarda da
natureza e do papel específicos do PIDC. O grupo reconhece o su-
cesso da reunião ocorrida em Caracas.
64
Ao mesmo tempo, porém,
sugere que essas reuniões sejam, no futuro, realizadas a título ex-
perimental, mediante solicitação da região interessada e financia-
das com recursos extra-orçamentários. A respeito do formulário
experimental de notação confidencial dos projetos, proposto nessa
64
Examinar os projetos e as prioridades do PIDC para a sessão em curso consistiu em
objetivo dessa reunião, organizada com o apoio da Agência Sueca para o
Desenvolvimento Internacional (Asdi), como informa o presidente do PIDC no relatório
das atividades do Escritório do PIDC após a 11
a
sessão, no qual ele, destacando o
“caráter eminentemente profissional” da reunião, ressalta sua eficácia e propõe a
organização de reuniões do gênero em outras regiões. Cf. UNESCO, 1991, p. 3.
136
sessão, o grupo defende seu caráter complementar em relação à
avaliação qualitativa permitida somente pelo debate, acrescentando
que sua manutenção deve ser objeto de decisão a ser tomada, na 13
a
sessão do PIDC, à luz do exame da experiência de sua utilização.
O grupo de trabalho reitera ainda, em seu relatório, o caráter
multilateral do PIDC, ressaltando a importância de maiores
contribuições na conta especial do programa. Considerando conclu-
ído o exame dos procedimentos do PIDC, observa ainda que, salvo
questões urgentes, novo exame dos procedimentos em vigor torna-
se desnecessário por um período de pelo menos três anos. Eventuais
modificações nas recomendações aprovadas pelo Conselho do
PIDC são também avaliadas como desnecessárias pelo grupo.
Essa revisão será feita, entretanto, na 13
a
sessão do PIDC,
realizada em Paris em fevereiro de 1992, quando o programa “mo-
dificou suas regras para ficar em condições de aceitar projetos do
setor privado”, segundo nos informa Alain Modoux (1995, p. 29-
30). Essa modificação é relacionada a uma recomendação feita na
Conferência de Windhoek, que reunira cerca de sessenta editores
e jornalistas independentes da África,
65
alguns meses antes da 13
a
sessão do PIDC. A Conferência de Windhoek, bem como a reali-
zada em Alma-Ata (Ásia) são mencionadas por Mayor como uma
“guinada rica em novas perspectivas”, no que diz respeito à posi-
ção favorável da UNESCO ao “desenvolvimento dos meios de co-
municação livres, independentes e pluralistas, no setor público como
no privado”. (Mayor, 1995, p. 32)
Assim, é possível que a reforma realizada em 1992, sob o signo
da continuidade e da inovação, atenda ao que M’Bow, ao referir-se
ao objetivo de assegurar uma maior expansão da liberdade de
informação, na 1
a
sessão do PIDC, em 1981, apontava como um
risco que deveria ser evitado: “desnaturar o PIDC, transformando-o
em simples órgão de registro de acordos e de assistência concluídos
65
Como saldo dessa reunião, o projeto da UNESCO, Desenvolvimento da Imprensa
Independente na África é mantido, desde 1993, pela Dinamarca, França, Itália e
pelos EUA, como informa o então subdiretor-geral da UNESCO. Cf. UNESCO.
A estratégia da UNESCO: entrevista com Henrikas Iouchkiavittchious. In: O
Correio da UNESCO, ano 23, n.. 4, abr. 1995 , p. 28.
137
fora dos procedimentos e modalidades por ele estabelecidos”. Onze
anos depois o PIDC estabelece novos procedimentos e métodos,
ficando assim em condições de aceitar esses acordos de assistência,
“conforme procedimentos e modalidades por ele estabelecidos”. É
interessante observar, porém, que às modificações enfim obtidas no
PIDC, classificadas pelo diretor da Divisão de Comunicação da
UNESCO como uma evolução, “não se seguiu nenhum aumento
sensível de contribuição dos países do Norte aos diversos orçamentos
do PIDC”, fato atribuído por Modoux (1995, p. 29) ao peso
representado pelos setores da comunicação e da informação no PNB
que, em alguns desses países, atinge cerca de 10%.
Vale ressaltar, entretanto, que na discussão sobre o sistema de
financiamento e recursos necessários à atuação do PIDC, em sua 1
a
sessão, vários delegados se pronunciaram, solicitando ao Secretaria-
do a elaboração, para uma de suas próximas sessões, de um inventá-
rio das possíveis fontes de recursos para o programa, incluindo “ins-
tituições, empresas ou associações internacionais, regionais, não-go-
vernamentais ou privadas”. (UNESCO, 1981, p. 11)
Além disso, não obstante as ressalvas então apresentadas por
alguns delegados acerca dos riscos da aceitação de ajuda de fontes
não-governamentais, o projeto de resolução proposto pelo Grupo dos
77, adotado por aclamação na 1
a
sessão do PIDC como Resolução I,
contempla tanto as fontes públicas como também as privadas para a
busca de recursos para esse programa. Isto se evidencia, em
particular, no item 6 da resolução e no parágrafo 8 de seu preâmbulo,
onde se expressa a satisfação pela abertura da conta especial e
também pelo fato de que as contribuições a ela “podem ser fornecidas
pelos Estados-membros ou Membros associados da UNESCO, or-
ganizações do sistema das Nações Unidas ou outras organizações
intergovernamentais, e organizações públicas ou privadas ou pesso-
as físicas”. (UNESCO, 1981 p. 19-20)
Orientação semelhante é reafirmada na Recomendação 3 da
comissão constituída para examinar as questões relativas ao sistema
de financiamento do PIDC. Nela se que “nenhuma fonte de
financiamento deve ser excluída”, recomendação aprovada pela
plenária, evidentemente, com ressalvas afirmativas da natureza mul-
tilateral do PIDC, acrescidas da observação de que o orçamento do
138
programa não deveria ser inchado artificialmente com projetos sub-
metidos a contratos bilaterais. (UNESCO 1982c, p.1e3)
Desde as primeiras sessões do PIDC reivindica-se a ampliação
dos recursos da conta especial. Essa conta, entretanto, vinha sendo
preterida pelos Estados-membros mais ricos, cujos recursos são
preferencialmente dirigidos para os fundos em depósito, ligados a
projetos nominais, para os quais são exigidos contratos bilaterais. É
interessante considerar ainda que, ao longo das sessões do PIDC, nas
divergências, às vezes aparentes, ocultam-se, de um lado, os diferentes
modelos de comunicação, ora vista como bem social, portanto como
serviço público, ora como mercadoria, portanto como um serviço
privado de interesse público. E, de outro lado, a resistência em ceder
qualquer parcela de poder conferido pela capacidade de comunicar, o
que transforma qualquer reivindicação em grande risco, em ameaça
inaceitável. Está em questão, assim, a democratização da informação
e da comunicação, o exercício efetivo da liberdade de expressão.
Dessa forma, na 2
a
sessão do PIDC, realizada em janeiro de
1982, considera-se um risco o financiamento, por esse programa, de
projetos passíveis de “introduzir processos desfavoráveis à liberdade
da informação”. T rata-se então de uma referência diretamente voltada
à recomendação de aprovação dos projetos apresentados, respecti-
vamente, pela Argentina e pelo México: um de formação teórica e
prática de técnicos de comunicação popular e o outro de desenvolvi-
mento da imprensa sindical. (UNESCO, 1982 c, p. 6-7)
Essa observação está em sintonia perfeita com as críticas e
ataques da imprensa ocidental naquele momento à UNESCO. Exem-
plo dessa sintonia encontra-se em reunião de maio de 1981. Nela,
lideranças da imprensa ocidental, ao afirmarem, na Declaração de
Talloires, sua disposição de apoiar a liberdade de imprensa como um
direito básico dos homens, resolvem “instar a UNESCO a abando-
nar as tentativas de regular a informação internacional e a lutar por
soluções práticas para o progresso dos meios de comunicação no
Terceiro Mundo”. As soluções práticas referidas dizem respeito
ao livre fluxo de informação, cuja expansão é objetivo e promessa do
grupo reunido, declaradamente disposto a apoiar, como o fizera
antes, os “esforços de organismos internacionais, governos e agênci-
as particulares que resolvam cooperar para o progresso dos meios
139
de comunicação do Terceiro Mundo e para o treinamento de pessoal
para trabalhar nestes meios”. (Citado por Roncagliolo, 1982, p. 192)
Onze anos após, as reformas empreendidas contabilizam um
saldo positivo para a UNESCO na avaliação do General Accounting
Office, cujo relatório de junho de 1992, cerca de três meses após as
mudanças no PIDC, aponta os seguintes pontos positivos: uma maior
clareza na apresentação do orçamento; um avanço na eficácia dos
métodos de gestão, mediante a descentralização, a delegação de
poderes e o reforço da responsabilização das unidades fora da sede;
uma fiscalização muito mais estreita do Secretariado exercida desde
1987 pelos órgãos diretores. (UNESCO, 1996a)
Além das mudanças que desde então permitem ao PIDC
aceitar projetos do setor privado, seu programa, num terreno em que
qualquer semelhança não se trata de mera coincidência, parece ter-
se voltado com maior clareza ao objetivo regulamentado pelas
resoluções aprovadas na 20
a
CG-1978: “promover políticas, infra-
estruturas e formação em matéria de comunicação e estimular uma
melhor utilização dos meios de comunicação com fins sociais”,
compreendidos a formação pós-graduada de especialistas da
comunicação, a adaptação dos sistemas de comunicação social às
necessidades e aspirações das populações, o progresso da educação,
da ciência e da cultura. (UNESCO, 1978, p. 109)
Encontra-se reafirmada a articulação dos campos de traba-
lho da UNESCO pela comunicação, que parece ser sua área central
de atuação. Nas novas condições técnicas e políticas da década de
1990 essa articulação ganha nova dimensão pelas possibilidades muito
maiores de combinação múltipla das novas tecnologias. Telecomu-
nicação, redes de computadores, sistemas de meios de comunica-
ção de massas, abrindo novas oportunidades para a criação de re-
des de inovação pedagógica, viabilizando sistemas de educação
aberta e a distância, constituem, mais do que antes, o meio tecnológico
propício ao conceito de educação permanente.
66
Desde o início da
66
“Aprendizagem sem fronteiras” será o novo conceito de realização da educação
permanente. Sua formulação se faz na comissão ad hoc constituída em 1993 pelo
Conselho Executivo, que nesse ano também é alvo de mudança em sua composição.
Desde então ele se compõe dos Estados-membros.
140
década de 1990 e da aprovação da “nova estratégia”, trabalha-se nes-
sa direção, mediante o papel catalisador da UNESCO, e sem as resis-
tências observadas nas décadas de 1960 e 1970, na realização de seus
programas: educação básica para todos; educação para o século XXI,
67
e fomento à educação, para os quais concorrem: a Oficina Internacio-
nal de Educação (OIE), o Instituto Internacional de Planejamento da
Educação (IIPE), o Instituto de Educação da UNESCO (IUE), o Fun-
do das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Programa das Na-
ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial, as-
sim como associações e organizações diversas incluídas no diversifi-
cado sistema de parceria da UNESCO, anteriormente referido.
Assim, é possível compreender o retorno da UNESCO à es-
sência do seu Ato Constitutivo “construir a paz no espírito dos
homens” como uma retomada da ação operacional da organização
ao sentido dado aos meios de comunicação, como resposta do Se-
gundo Decênio das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no al-
vorecer da era espacial. Sentido do qual, segundo interpretações di-
versas, a UNESCO teria se desviado.
67
A respeito desses dois programas ver, respectivamente: UNESCO/PNUD/UNICEF/
BM. Rapport final. Conférence mondiale sur l’éducation pour tous: répondre aux
besoins éducatifs fondamentaux. 5-9 mar. 1990, Jomtien, Thaïlande. Nessa
conferência, os nove países de maior população e elevado índice de analfabetismo
Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão
firmam compromisso de, num esforço coletivo e valendo-se da cooperação
internacional, promover o atendimento universal das necessidades básicas de
aprendizagem de crianças, jovens e adultos. Ver, também, VISSER, Jan. Learning
without frontiers. UNESCO, 1994 (mimeo) relatório apresentado ao diretor-
geral da UNESCO, após missão do autor no Egito, contendo considerações sobre
o planejamento do programa Aprendizagem sem Fronteiras (LWF) e sua relação
com o programa Educação para Todos”, também conhecido pela sigla DE9. Ver,
ainda, BRASIL/MEC. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC,
1993. Esta é uma das fontes em que o MEC apresenta a Declaração Mundial sobre
Educação para Todos. Nessa declaração são estabelecidos os compromissos
assumidos pelos países signatários, compromissos reiteradamente afirmados em
reuniões internacionais ao longo de toda a década de 1990, prosseguindo na década
atual. Os princípios, assim como as pistas e recomendações para a educação para
o século XXI encontram-se em: DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a
descobrir. Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o século
XXI. Lisboa: UNESCO/Edições Asa, 1996.
141
Esse retorno exigiu uma ação política, educativa e auto-reflexiva
da própria UNESCO e pode ser percebido também como a busca da
realização do seu pressuposto teórico e idelógico, afirmado por
René Maheu: a convergência entre progresso e paz e a concorrência
de ambos para uma civilização universal, objetivo constitutivo da
UNESCO. Objetivo em direção ao qual, diante das “antinomias ine-
rentes à concepção da UNESCO e à natureza das coisas”, ela tem,
na expressão de Pompei, realizado a “síntese dos contrários”.
Este é o resultado a ser obtido com a “nova estratégia” nos
anos 90, segundo afirmação de Federico Mayor, diretor-geral da
UNESCO de 1987 a 1999. Retomando a idéia de direitos humanos
como patrimônio da humanidade, Mayor afirma a indissociabilidade
desses direitos com a solidariedade, cujo espírito se revela na “capa-
cidade de refletir e atuar para além de nós mesmos, de nossas fron-
teiras, de nossa geração”; associa a essa concepção, em face dos
desequilíbrios resultantes das condições de realização dos intercâm-
bios entre as nações, a necessidade da cooperação multilateral, in-
substituível, não obstante as dificuldades apresentadas em sua arti-
culação; defende a reativação da vontade que animava os idealiza-
dores das Nações Unidas e da UNESCO; antevê uma nova era, o
advento de uma ética global fundada na vontade de cooperar, no
diálogo construtivo, num clima de tolerância recíproca entre os Esta-
dos, e afirma o compromisso da UNESCO com a evolução dessa
ética. (UNESCO, 1989, p. 11-14)
Nesse contexto, que exige continuidade e inovação, na
proposta da “nova estratégia” é afirmada e reafirmada a fidelidade
ao mandato da UNESCO que, “sem ambigüidade alguma”,
trabalhará no sentido de alcançar o seu objetivo constitucional relativo
à livre circulação da informação “pela palavra e pela imagem”. O
respaldo regulamentar está estabelecido na letra “a”, item 2 do
artigo 1 do Ato Constitutivo, no artigo 19 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e nas disposições sobre essa matéria constantes
dos pactos internacionais, de que são exemplos os artigos 19 e 20 do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Por outro lado, o
fundamento teórico e ideológico encontra-se na reafirmação do
imperativo ético que caracteriza, em sua essência, a “missão” da
UNESCO: “contribuir para a paz e a segurança estreitando mediante
142
a educação, a ciência e a cultura a cooperação entre as nações, a
fim de assegurar o respeito universal à justiça, à lei, aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção
de raça, sexo, idioma ou religião”. (Ato Constitutivo da UNESCO)
Assim fundamentado, o diretor-geral propõe: a inserção da
UNESCO na trama das relações culturais e intelectuais dos Esta-
dos-membros; a racionalização de seus procedimentos e métodos; a
harmonização de suas ações com as demais organizações atuantes
na cooperação internacional; a assunção plena de seu papel de me-
diadora, nos seus campos de atuação, entre os diversos agentes no
cenário internacional; o reforço de sua função catalisadoraeaex-
ploração dos caminhos do futuro. Assim, o diretor-geral pode
declarar, ao final de sua introdução ao Terceiro Plano de Médio Pra-
zo, a convicção de que “a UNESCO, ao empreender as vias da re-
novação (...) restabelecerá rapidamente sua universalidade
68
e de-
sempenhará de modo cabal a missão singular que lhe corresponde”.
(UNESCO, 1989, p. 22)
Sem haver restabelecido a universalidade pretendida, a 25
a
CG-
1995 aprova a Estratégia de Médio Prazo da UNESCO: 1996-2001,
também fundamentada na “nova estratégia”. Na abertura dessa reu-
nião, Federico Mayor, ao afirmar a missão ética da UNESCO funda-
da nos valores universais e no respeito à pessoa humana, assevera
ser esse um mandato do qual “nenhuma crença, nenhuma considera-
ção sobre a evolução do mundo, nenhum oportunismo a desviará”.
Ressalta ainda a interdependência que torna cada vez mais real a
aldeia global, onde não cabe o isolacionismo, e alerta: “nenhum país,
por mais forte que seja, pode hoje avançar só”. (UNESCO, 1995a)
Nos cinqüenta anos de enfrentamento dos desafios a ela apre-
sentados pela dinâmica contraditória das relações mundiais, a UNES-
CO parece não ter sucumbido ao poder dos Estados, como temia
Benedetto Croce, em 1950. Mas, certamente, o caminho por ela es-
colhido, para exercer o importante trabalho educativo de seus Esta-
68
Conforme o sentido de universalidade empregado, de abrangência da UNESCO
em relação aos Estados-nações que compõem a chamada comunidade mundial, vale
lembrar que a Inglaterra retornará à UNESCO em 1997, e os EUA permanecem
na condição de Estado-não-membro, com estatuto de observador permanente .
143
dos-membros, na realização de sua ética universal que permanece
sendo a ética do capital –, foi um entre os caminhos possíveis. Aque-
le da proeminência, ou melhor, da hegemonia da comunicação trans-
nacional, num mercado mundializado. Nesse mercado, o princípio do
livre fluxo de informação se redimensiona como livre fluxo de servi-
ços, em foros internacionais, que com maior clareza podem se ex-
pressar em sua linguagem, como é o caso da Organização para Co-
operação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da União Inter-
nacional de Telecomunicação (UIT), da Organização Mundial do
Comércio (OMC, que vem substituir o Gatt) e do Banco Mundial.
145
Sociedade e cultura: a UNESCO
e a questão racial
Contribuir para a manutenção da paz e da
segurança estreitando, através da educação,
da ciência e da cultura, as relações entre as
nações, a fim de assegurar o respeito à jus-
tiça, à lei, aos direitos do homem e às liber-
dades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, idioma ou religião.
(Ato Constitutivo da UNESCO)
A utopia de um mundo pacificado mediante a concorrência de
ações coordenadas nas áreas da educação, da ciência e da cultura
esbarra, desde os primórdios da atuação da UNESCO, num mundo
em expansão modernizadora, com os obstáculos apresentados pelas
relações sociais em âmbito local e mundial, pelo encontro/confronto/
desencontro da diversidade de povos e gentes, de modos de viver,
pensar, sentir, agir e ser, de culturas e civilizações. Mais especifica-
mente, a questão racial, conseqüência direta da Segunda Guerra
Mundial, tendo o anti-semitismo como uma de suas mais extremadas
manifestações, impõe-se e logo se desdobra nas mais diversas for-
mas de expressão contra as minorias, os refugiados, os trabalhado-
res migrantes, os imigrantes, as populações indígenas, numa palavra,
o “outro”. Enfim, o diferente, seja na cor da pele, seja na que
professa, marcas que se transformam, na trama das relações soci-
ais, em estigma. (Ianni, 1996)
Nesse cenário de racialização das relações sociais desenvolve-
se o trabalho da UNESCO de educação dos povos para a compreen-
são e a paz mundial desde a sua fundação em 1945. E, a partir de
1949, o objetivo de explicitar os fundamentos de uma educação para
uma compreensão científica das “diferenças raciais” tem motivado a
reunião, em ocasiões diversas, de cientistas e estudiosos dos diversos
aspectos da questão racial. O resultado dessas reuniões se expressa
146
em várias resoluções, programas de ação, pactos e convenções, de-
clarações e proposições, formuladas com a concorrência de especia-
listas de diversas áreas, na década de 1950 e nas seguintes.
A persistência do racismo em suas diversas manifestações e
seu agravamento no mundo contemporâneo são sugestivos de que o
entendimento desse trabalho da UNESCO pode fornecer elementos
para uma compreensão de problemas e dilemas da realidade mundial
e local que continuam a nos desafiar. Compreensão que requer, por
sua vez, a consideração do debate científico promovido, assim como
de outras ações correlatas realizadas, incentivadas ou coordenadas
pela UNESCO, em sua relação de reciprocidade com o contexto em
que seu trabalho vem se desenvolvendo.
A questão racial, ontem e hoje: conflitos, acomodações e
antagonismos
Duas reportagens apresentadas em revistas de circulação naci-
onal fornecem pistas para iniciarmos um caminho de compreensão
dos esforços da UNESCO para a construção de uma “cultura da paz”,
no período de 1949 a 1967, quando o mundo é um vasto, conturbado,
tenso e violento campo de guerras pela libertação e de lutas pela inde-
pendência colonial. Nesse período, também são redigidas três declara-
ções sobre a raça, sobre as diferenças entre as raças humanas e sobre
os preconceitos raciais, intercaladas por um conjunto de proposições
sobre os aspectos biológicos da questão racial. Estas últimas são ela-
boradas em reunião de especialistas realizada em Moscou, em 1964,
quando tanto a UNESCO como a realidade mundial em que ela se
insere encontram-se num momento distinto do anterior.
“Seja racista se for capaz”, manchete de capa da revista Isto
É (n.1520, nov./1998), nos conta de pesquisa cujos resultados au-
torizam o biólogo Alan Templeton a se pronunciar com segurança
sobre a inexistência de raças humanas. Na revista Veja (n. 1595,
abril/1999), reportagem intitulada “A raiz da diferença” apresenta
pesquisa realizada ao longo de vinte anos com gêmeos univitelinos,
cujas conclusões, diferentemente do que se tem imaginado, apontam
para uma maior influência genética no comportamento do homem.
147
Algumas das questões que essas pesquisas recentes preten-
dem responder os grupos humanos podem se dividir em raças? qual
a influência relativa da genética e do meio social e cultural nas dife-
renças entre os indivíduos e entre grupos humanos? as diferenças
físicas de origem genética explicam as diferenças psicológicas entre
grupos humanos? estavam presentes nos debates nos quais se pro-
duziram as declarações da UNESCO sobre a raça e o documento
contendo proposições sobre seus aspectos biológicos. Essas ques-
tões são reiteradamente reapresentadas na continuidade desse deba-
te até os dias atuais, acompanhadas, com freqüência, de seu corolá-
rio referente a uma desejada ou necessária hierarquia racial, assim
como das ilações acerca das diferenças entre os grupos humanos.
A primeira declaração da UNESCO sobre a questão racial é
elaborada por sociólogos, antropólogos e geneticistas, em reunião
realizada de 12 a 14 de dezembro de 1949, em Paris. Sua elaboração
atende às determinações de três resoluções aprovadas na quarta
reunião da Conferência Geral da UNESCO (4
a
CG-1949). Por meio
delas o diretor-geral dessa instituição é autorizado a reunir e difundir
fatos e o conhecimento científico sobre a questão racial, com a fina-
lidade de preparar uma campanha educativa, visando à eliminação
do preconceito racial. A UNESCO responde, assim, à Resolução
116 (B) iii, aprovada, em dezembro de 1948, na sexta sessão do Con-
selho Econômico Social e Cultural da ONU (Ecosoc).
Entre4e8dejunho de 1951, cerca de um ano após a publica-
ção, em julho de 1950, da Declaração sobre a Raça, antropólogos
físicos e geneticistas, também convocados pela UNESCO, elaboram
uma segunda declaração, dessa vez a Declaração sobre a Natureza
da Raça e as Diferenças Raciais.
O curto espaço de tempo entre duas declarações formuladas so-
bre uma mesma questão suscita várias interrogações. Antes de consi-
derá-las, porém, é importante lembrar que a UNESCO se encontrava
em fase de execução de seu Projeto de Estudos sobre os Estados de
Tensão quando, em resposta à resolução do Ecosoc, promove a reunião
da qual resulta a primeira de suas declarações sobre a questão racial.
Discutido desde a 2
a
CG-1947, o Projeto de Estudos sobre os
Estados de Tensão, visando à promoção da compreensão internacional,
previa inicialmente a realização de estudos em três áreas ou temas:
148
nacionalismo agressivo, movimentos de populações e impacto da tecno-
logia moderna e da industrialização nas relações entre os povos. O fato
de um quarto item referente às relações raciais ter sido acrescentado ao
projeto,
1
somente na 3
a
CG-1948 , quando ele é então aprovado, é reve-
lador das controvérsias inerentes às questões suscitadas pelas relações
entre os diversos povos, no imediato pós-guerra.
Uma explicação se encontra, certamente, de um lado, nas ten-
tativas diversas então empreendidas pelos países europeus ociden-
tais para manter seu domínio fundamentado nas doutrinas justifica-
doras de uma hierarquia racial sobre os territórios ultramarinos,
então na mira do capital norte-americano em seu movimento de ex-
pansão para áreas do mercado mundial até então restritas às rela-
ções com as metrópoles. E, de outro lado, a explicação se encontra
na projeção política de lideranças africanas no cenário mundial. Logo
em 1945, num congresso realizado em Manchester, cerca de duzentos
delegados da África negra afirmam seu propósito de libertar o
continente africano do domínio colonial.
Este é, portanto, o contexto em que, num mundo bipolarizado, o
racismo se coloca, simultânea e contraditoriamente, como uma delica-
da questão da diplomacia mundial e como um trunfo disputado pelas
duas superpotências do pós-guerra. Essa situação impõe dificuldades
ao combate direto às manifestações do racismo e, ao mesmo tempo,
exige uma tomada de posição de uma instituição que, tendo aplaudido
entusiasticamente em sua 3
a
CG-1948
2
a Declaração dos Direitos do
Humanos, então aprovada na Assembléia Geral da ONU, adota os
princípios dessa carta como fundamento de todas as suas atividades,
atribuindo-se a tarefa de difundi-la e, conseqüentemente, defender o
cumprimento dos direitos nela estabelecidos. (UNESCO, 1948, p. 5)
1
Cf. LAVES, Walter H. C. e THOMSON, Charles A. UNESCO: purpose, progress,
prospects. Indiana University, Bloomington, 1957, especialmente o capítulo
XI, no qual os autores consideram, em seu histórico e desenvolvimento de 1947
até a primeira metade da década de 1950, o Projeto de Estudos sobre os Estados
deTensão, que recebeu a denominação abreviada de programa de tensões, pela
qual será também designado doravante neste trabalho.
2
No encerramento dos trabalhos dessa reunião da Conferência Geral os delegados
recebem a notícia de que a Assembléia Geral da ONU acabara de aprovar essa
declaração, cuja elaboração recebeu subsídios de estudo, realizado pela UNESCO,
acerca dos conceitos nela referidos.
149
A coincidência temática e temporal da aprovação do programa
de tensões com a resolução do Ecosoc sugere a necessidade de explici-
tar não apenas as relações entre ambos, o programa e a resolução,
como também a natureza da relação entre a UNESCO, agência especi-
alizada das Nações Unidas, e a própria ONU no combate ao racismo.
Nesse intento nos ajuda Otto Klineberg, quando, em exposição feita na
reunião anual da Associação Oriental de Psicologia, ocorrida em 8 de
abril de 1949, explica as áreas definidas em seis resoluções aprovadas
na 3
a
CG-1948, para as quais se projeta a realização de enquetes relaci-
onadas ao programa de tensões,
3
então sob sua coordenação.
Ao referir-se então à resolução do Ecosoc, em estudo na
UNESCO desde o início de 1949,
4
Klineberg informa acerca das
providências agilizadas em seu atendimento, bem como alguns
desdobramentos futuros no mesmo sentido. Assim, declarações sobre
a questão racial elaboradas em diversos países
5
se encontravam
3
Nas resoluções então aprovadas está prevista a realização de enquetes que permitam
comparar diversos fatores interferentes na compreensão entre povos e nações, a
saber: 1) o modo de vida de cada nação
_
traços culturais, ideais e sistema jurídico; 2)
a percepção que os habitantes têm de seu próprio país e dos demais; 3) os métodos
criados para modificar atitudes mentais e condições políticas favoráveis ao emprego
de uma técnica particular; 4) influências que predispõem à compreensão e ao
nacionalismo agressivo; 5) questões demográficas e, em particular, as referentes à
assimilação dos imigrantes; 6) influência da técnica moderna na formação de atitudes
coletivas e nas relações entre os povos. O objetivo desse programa de estudos
consiste em desenhar um mapa do mundo no que se refere ao entendimento e/ou aos
conflitos entre os povos, um “barômetro mundial de tensões”. KLINEBERG, Otto.
Plan d’étude de l’UNESCO sur les états de tension internationale. Un appel aux
sciences de l’homme. Allocution présidencial prononcé lors de la réunion annuelle de
la “Eastern Psychological Association”, Springfield, Mass., le 8 avril 1949. In:
Bulletin International des Sciences Sociales, vol. I, n.1-2, Paris, 1949, p. 88-99.
4
É interessante considerar ainda uma observação constante do relatório da UNESCO às
Nações Unidas a respeito do ano de 1949, particularmente sobrecarregado com a
realização e preparação das reuniões da Conferência Geral. Sua quarta reunião realizou-
se em setembro de 1949, apenas nove meses após a terceira e oito meses antes da
quinta, então prevista para o mês de maio de 1950, fatos reveladores da urgência e
complexidade dos assuntos em discussão, assim como a exigência de respostas da
UNESCO no atendimento de finalidades de três ordens: técnica, social e política e
moral. Cf. UNESCO. Rapport aux Nations Unies 1949-1950. Paris: UNESCO, 1950b.
Acrescente-se ainda que este é o segundo relatório encaminhado esse ano à ONU.
150
disponíveis e serviriam de subsídios a um grupo de especialistas em
ciências sociais e biológicas, que seriam convidados a formular uma
nova declaração, como de fato ocorreu no final do ano, como vimos.
Possivelmente também em resposta a essa resolução, Klineberg,
ao informar sobre a primeira das seis resoluções do Ecosoc referente às
enquetes acerca das diferenças entre as culturas nacionais, ou seja, sobre
o caráter nacional que a UNESCO se propõe conhecer , mediante um
programa de monografias em realização, ressalta o fato de essas
monografias não serem realizadas pela UNESCO. Ela, apenas, como
aliás determinam as resoluções aprovadas em sua 3
a
CG-1948, incentiva
e apóia instituições, cientistas políticos e “renomadas autoridades
nacionais” encarregadas da elaboração das monografias, cuja publicação,
insiste Klineberg, depende da aprovação de um comitê de redação
nomeado pela Conferência Geral, constituída pelos representantes dos
governos nacionais, que poderiam, portanto, deliberar sobre a conveniência,
ou não, de publicar as monografias em questão.
A esclarecimentos como esses deve-se acrescentar o texto
da resolução do Ecosoc, citado por Klineberg (1949, p. 97-98), pois
seu conteúdo nos ajuda a compreender o sentido de sua afirmação
segundo a qual as futuras enquetes da UNESCO seriam realizadas
“em estreita relação com o Ecosoc”. Diz o texto:
o Conselho Econômico e Social informa a UNESCO do interesse
das Nações Unidas na redação de programas educativos no
domínio da luta contra as medidas discriminatórias e a proteção
das minorias e 1) solicita à UNESCO colocar à disposição da
Subcomissão
6
todos os documentos ou análises que tratem
da questão que poderão resultar da enquete projetada por
esta organização ou de qualquer outro programa da UNESCO;
2) a UNESCO continuará a colaborar com as Nações Unidas e
acolherá favoravelmente toda demanda de nova colaboração
; 3) incita a UNESCO a considerar a oportunidade de propor e
5
São mencionadas as declarações elaboradas durante a Segunda Guerra pela
Sociedade Real de Antropologia da Grã-Bretanha e da Irlanda, pela Sociedade
Americana de Antropologia e pela Sociedade Brasileira de Antropólogos.
6
Trata-se da subcomissão do Ecosoc para a luta contra as medidas discriminatórias
e a proteção das minorias. Grifos meus.
151
recomendar a adoção geral de um programa de difusão de fatos
científicos destinados a fazer desaparecer o que se convencionou
chamar preconceitos de raça.
7
Ao tom inquiridor da solicitação feita no item um e ao caráter
imperativo determinando, no item dois, a natureza da atitude a ser ado-
tada pela UNESCO no futuro, é necessário acrescentar a discussão
em curso nessa organização, desde sua 1
a
CG-1946, reveladora das
dificuldades em obter, entre seus Estados-membros, o acordo neces-
sário ao exercício da cooperação supranacional planejada no pós-guerra
e regulamentada em seu Ato Constitutivo e no acordo assinado em
seguida com a ONU. Desde então, críticas à amplitude e à dispersão
dos objetivos e dos programas, assim como a defesa de um orçamento
menor, têm sido freqüentes. Em virtude dessas críticas,
8
a UNESCO
se depara com o adiamento da aprovação de seu primeiro programa,
preparado ao longo de 1946,
9
discutido na 1
a
CG, ocorrido em novem-
bro/dezembro deste ano, e aprovado somente em abril do ano seguin-
te, na 2
a
reunião do seu Conselho Executivo.
7
Vale a pena ressaltar que as solicitações feitas nessa resolução são regulamentadas
no artigo VI do Acordo entre as Nações Unidas e a UNESCO, assinado em seguida
à criação dessa agência especializada do sistema ONU. Cf. Texte de l’accord entre
les Nations Unies et l’Organisation des Nations Unies pour l’Éducation, la Science
et la Culture, Annexe VII. In: UNESCO, 1950b, p. 192-200.
8
As críticas vieram da delegação dos EUA e se sustentavam no argumento de que
os 40 mil dólares alocados pelo Conselho Internacional para a Reconstrução
Educacional (Cier), criado pelas empresas privadas desse país e as ONGs no
pós-guerra para a reconstrução educacional dos países europeus, dispensariam
uma maior destinação de verbas para a UNESCO. Cf. ARCHIBALDI, Gail. Les
États-Unis et l’UNESCO 1944-1963. Les rêves peuvent-ils résister à la réalité
des relations internationales? Paris: Sorbonne 1993, p. 109-110. O Conselho
Internacional temporário para a Reconstrução Educacional (Ticer) é criado pela
UNESCO para a coordenação dos trabalhos de reconstrução educacional, por
intermédio do Cier. Cf. UNESCO. Avec le Ticer. Sur le front de la reconstruction.
Regards sur vingt-neuf organisations internationales privées à la pointe du combat
pour le relèvement de l’éducation. Paris: Georges Lang, 1949.
9
Uma comissão preparatória foi constituída na Conferência de Londres, em
1945, na qual é aprovado o Ato Constitutivo da UNESCO, para elaborar o seu
primeiro programa em preparação de sua 1
a
CG. Cf. BEKRI, Chikh. L’
UNESCO: Une entreprise erronée ?” Paris: Éditions Publisud, 1991.
152
Exatamente a respeito do Conselho Executivo da UNESCO, evi-
dencia-se o embate de forças entre os nacionalismos do imediato pós-
guerra, numa discussão iniciada na 2
a
CG-1947, prolongando-se nos anos
seguintes. Abrindo-se com as interrogações da delegação dos EUA so-
bre a natureza desse órgão, que junto com a Conferência Geral e o
Secretariado compõe a estrutura da UNESCO, a discussão concretiza-
se na proposta segundo a qual os membros desse conselho deveriam
nele representar seus países de origem, em substituição à forma como
se idealizara e aprovara no Ato Constitutivo a estrutura da organização.
Nessa estrutura, para preservar o caráter exclusivamente
internacional da atuação, tanto do diretor-geral como do pessoal do
Secretariado e também dos membros do Conselho Executivo, estes
últimos representam a Conferência Geral, órgão soberano da UNES-
CO e única instância a que eles devem responder pelo exercício das
funções a eles delegadas.
Presente no questionamento da delegação dos EUA, mas não
materializada na proposta apresentada em 1947, está a avaliação
segundo a qual a superioridade de alguns dos membros do Conselho
Executivo, em razão de assumirem uma maior carga de trabalho,
10
justificaria a busca de um meio de torná-los membros permanentes
do referido conselho.
Assim, após um ano de funcionamento da UNESCO, se con-
firmam as dificuldades apresentadas por sua estrutura original ao exer-
cício da hegemonia, disputada pelas potências européias enfraquecidas
com a guerra Inglaterra e, principalmente, a França e pelos EUA,
potência ocidental única, naquele momento, em condições de exercer a
liderança na ordem mundial em construção. Sem condições, porém, de
se beneficiar , na exata medida de suas pretensões, das prerrogativas
inerentes ao poder de veto que, juntamente com os grandes da política
mundial, detinha no Conselho de Segurança da ONU,
11
pois, na Confe-
rência Geral da UNESCO, cada Estado-membro representa um voto.
10
É importante considerar aqui que a cota da contribuição financeira dos EUA
corresponde então a 44,03% do orçamento da UNESCO. Cf. ARCHIBALDI,
1993, p. 123 e 128.
11
O uso dessas prerrogativas, principalmente pela URSS e pelos EUA, tem
resultado, segundo avaliações correntes, na imobilização da ONU em diversas
ocasiões ao longo de seus primeiros cinqüenta anos.
153
Num mundo bipolarizado, em franco processo de libertação
colonial, além dos problemas decorrentes da guerra mutilados, de-
senraizados, imigrantes, refugiados –, coexistiam, contraditoriamen-
te, ideais de sua reconstrução, contemplando tradições diversas e
utopias de sua transformação revolucionária. Nessa situação, a pro-
posta de mudança na estrutura da UNESCO, uma organização de
atuação supranacional nas áreas da educação, da ciência e da cultu-
ra, expressa a necessidade de, a uma Conferência Geraleaum
Secretariado que escapam ao controle, contrapor-se um Conselho
Executivo subordinado aos governos,
12
particularmente àqueles que
vêem na UNESCO um instrumento de realização de seus próprios
projetos de política internacional, ou de política de além-mar.
A busca do exercício do controle sobre uma organização
reconhecida por René Maheu como essencialmente ocidental nos
seus primeiros dez anos de vida,
13
mas “não tão facilmente domável”
do ponto de vista dos EUA (Archibaldi, 1993, p. 119), resultou, além
das reiteradas críticas aos aspectos mencionados, na divisão de
trabalho entre a UNESCO e a ONU, de modo que as atividades
políticas caberiam a esta última, enquanto a UNESCO trataria do
incentivo e da articulação da cooperação intelectual e da solidarieda-
de moral entre os povos. Dessa forma, quer se negar o caráter polí-
tico das atividades da UNESCO, realizadas em suas três áreas de
atuação e fundamentais ao desenvolvimento e à realização universal
do chamado “progresso da humanidade”.
Sem nos esquecermos da quebra do monopólio dos EUA em
tecnologia nuclear em 1949, quando a URSS obtém a bomba
atômica, nem dos países que obtiveram sua independência até esse
12
Ressalte-se, entretanto, que registros da existência de um acordo tácito, segundo
o qual os Estados-membros com maiores cotas de contribuição financeira ao
orçamento da UNESCO sempre estivessem representados no Conselho Executivo.
Trata-se, portanto de efetivar, de direito, o que, de fato, ocorria. Cf. BEKRI,
Chikh. L’UNESCO: “Une entreprise erronée?” Paris: Éditions Publisud, 1991.
13
A URSS torna-se Estado-membro da UNESCO somente em 1954, quando foi
finalmente aprovada a proposta apresentada em 1947 de mudança do Conselho
Executivo da UNESCO. Sobre as mudanças ocorridas no Conselho Executivo
até o início da década de 1990 ver: LACOSTE, M. C. Chronique d’un grand
dessein. UNESCO 1946-1993. Paris: UNESCO, 1994, p. 457-475.
154
ano;
14
lembrando-nos também das guerras ou revoluções, assim
como das negociações em curso no processo de libertação coloni-
al, envolvendo França, Grã-Bretanha e Holanda,
15
Ásia, África,
Oceania, EUA e URSS, e ainda do ambiente social propício ao
nacionalismo na América Latina e no Caribe, num mundo em
contraditório processo de expansão industrial, é necessário consi-
derarmos os projetos piloto
16
da UNESCO sobre estudos de comu-
nidades locais. Incluídos no item referente às influências da técni-
ca moderna na compreensão internacional do programa de ten-
sões, esses projetos possibilitariam futuros estudos comparativos.
14
Na Ásia: Birmânia, Cambodja, Ceilão, Coréia, Índia, Indonésia, Laos, Paquistão,
Filipinas e Vietnã. No Oriente Médio: Israel, Jordânia, Líbano e Síria.Ver Groupe
de travail de l’UNESCO sur les problèmes juridiques, sociologiques et
administratifs des États ayant récement accedé a l’independence. Maison de
l’UNESCO, 23-25 janvier 1952. In: UNESCO. Bulletin International des Sciences
Sociales, vol. IV, n. 2, Été 1952e, p. 404-408.
15
Eis alguns exemplos desses conflitos ou guerras: desde 1945, a França está
enfrentando a revolta na Argélia e a resistência no Marrocos ao seu projeto de
descolonização e desencadeando uma escalada de violência; desde 1947, a
Inglaterra luta contra o partido comunista na Malásia, onde, diante da resistência
da guerrilha organizada contra as companhias européias, em 1948, é decretado o
estado de emergência seguido de violenta repressão, numa luta que termina
com a independência em 1954; a Inglaterra vê-se ainda obrigada, após tentativas
frustradas de negociar com o líder U Nu, a reconhecer a independência da Birmânia;
mais tarde, ela enfrentará no Quênia a insurreição dos Kikuyu (Mau Mau), cuja
independência ocorrerá em 1963, permanecendo, entretanto, sem solução as
questões ligadas ao acesso à terra, cuja interdição à população negra constituiu
um exemplo de racismo; somente em 1949, as tropas holandesas se retiram,
mediante pressão dos EUA e da ONU, da Indonésia, cuja independência fora
proclamada por Sukarno desde 1946. Ao longo da década de 1950, enquanto
ocorre a discussão sobre os aspectos biológicos da raça, prosseguem os
movimentos de libertação e a independência negociada ou aceita pela França e
pela Inglaterra, que vão perdendo seus territórios de ultramar.
16
Na reunião realizada de 24 a 28 de janeiro de 1949 para elaborar o plano geral de
aplicação dos questionários, esses projetos piloto foram previstos para a França,
a Austrália, a Índia e, talvez, a Suíça, tendo em vista sua posterior replicação em
outras áreas. Cf. Réunion d’experts chargés d’élaborer un plan de travail pour
l’étude de communautés sociales dans différents pays, 24-28 Janvier 1949. In:
UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. I, n. 1-2, Paris:
UNESCO, 1949 a, p. 102-105.
155
Seu plano geral foi elaborado por sociólogos, etnólogos,
antropólogos, psicólogos e psiquiatras, entre os quais constavam
representantes da Organização Mundial de Saúde e da Federação
Mundial de Saúde Mental. Segundo o plano elaborado, os estudos
deveriam considerar a atitude familiar em relação à criança, desde
sua concepção, assim como as relações afetivas entre os membros
no seio da família e no plano social ampliado. Deveriam considerar
ainda desde a organização escolar até as formas de exercício e
manutenção de autoridade e de governo, assim como as repercussões
desses aspectos no grupo social em estudo.
Entre os objetivos desses projetos encontra-se ainda a ne-
cessidade de verificar se a autoridade governamental no exercício
de seu poder estava sendo percebida pela sociedade como “eles” ou
como “nós”. Trata-se de fazer um diagnóstico de uma realidade na
qual, como advertiu Mannheim (1972, p. 82), “se a ONU não conseguir
concentrar as lealdades humanas na nova organização mundial,
inevitável se tornará o desenvolvimento dos sentimentos de ‘nós’
(we feelings) rivais e regionais e, além disso, militantes”.
Os projetos piloto da UNESCO buscavam, portanto, a elabo-
ração de uma radiografia minuciosa da vida social em suas diversas
dimensões e relações individuais, grupais, nacionais e também das
atitudes em relação aos demais grupos nacionais,
17
contemplando,
dessa forma, os três níveis de tensão tal como definidos por Otto
Klineberg: no indivíduo, no grupo nacional, entre as nações.
A identificação das tensões em seus diversos níveis e a busca
de sua compreensão em situações determinadas não significam,
contudo, a aspiração de eliminá-las, junto com o “que se convencionou
chamar preconceitos de raça”. Em consonância com o conceito
psicológico de tensão um estado de instabilidade que impele à ação
que fundamenta o plano de estudos da UNESCO, as tensões sociais
são naturais e desejáveis. O conhecimento das causas dos conflitos
17
Cf. L’UNESCO et le probléme des conséquences sociales du progrés technique:
Le département des Sciences Sociales: états de tension et technologie. In:
UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. IV, n. 2, Été, 1952f,
p. 393- 402 e Le departement des activités culturelles: consequences sociales du
progrés technique. In: UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales,
vol. IV, n. 2, Été, 1952 e, p. 402-403.
156
e tensões fornece subsídios para as ações voltadas ao objetivo maior
desses projetos: organizar as condições para a paz entre os povos.
Mas uma paz diligente, ativa.
O programa de tensões, na sua totalidade, portanto, objetiva
fundamentar as deliberações acerca do uso de técnicas sociais, entre
as quais a educação, e descobrir os meios ou métodos para, impedindo
que as tensões ultrapassem o patamar suportável, garantir-lhes o
grau de intensidade moderado, necessário ao direcionamento da ação
dos grupos humanos, em sua diversidade, para a compreensão e
cooperação internacionais, na construção do progresso.
Além dos projetos mencionados, aqueles que, usando a
técnica de entrevista por amostragem de populações locais,
objetivavam verificar , mediante o método comparativo, em que medida
as características atribuídas a cada cultura são próprias de cada uma
delas ou são comuns a várias nações. Dizendo de outra forma,
buscavam verificar como se articulam o singular e o universal, as
partes e o todo, a naçã o e o mundo.
Também nesse aspecto não faltaram, porém, críticas e
resistências ao trabalho da UNESCO, num momento em que o
capitalismo, avançando pelo globo, luta contra o internacionalismo
comunista. Nesse momento, o ideal humanitário da UNESCO, por
um lado, impõe-lhe a “missão” de “criar condições para fazer reinar
uma cultura essencialmente humana (...) em todos os seus domínios”
e, por outro lado, deixa-lhe claro que, num mundo bipolarizado, em
que “os sentimentos de ‘nós’” ganham expressões diversas nos
vários nacionalismos, inerente à realização dessa missão “encontra-
se o cuidado de construir um mundo unido (...) de fazer substituir o
particular pelo universal”. E, conseqüentemente, esse ideal
humanitário leva à conclusão de que “para multiplicar as trocas
intelectuais entre os povos, para chegar a uma verdadeira
cooperação dos espíritos para além das fronteiras é necessário que
a idéia de humanidade domine aquela da nacionalidade e que o
homem torne-se um cidadão do mundo sendo um cidadão de seu
próprio país”. (UNESCO, 1948, p. 14)
Exemplificando essas críticas e resistências, mas também a
forma como a UNESCO lidou com elas, é oportuno lembrar: a
advertência, em 1949, do Departamento de Estado dos EUA ao
157
diretor-geral, Jaime Torres de Bodet, contra sua política de
priorização dos pequenos países em detrimento dos maiores
financiadores da UNESCOno mundo ocidental (Archibaldi, 1993,
p. 322); as críticas de setores organizados da sociedade civil nos
EUA após a publicação das brochuras incluídas no programa para
a compreensão internacional da UNESCO, percebidas como anti-
norte-americanas e promotoras de um governo mundial;
18
a enquete
sobre a percepção dos habitantes acerca de seu próprio país e dos
demais realizada na Nova Zelândia, graças à anuência do
proprietário de uma escola privada, pois o diretor de ensino público,
temendo uma possível emergência de tensões sociais provocadas
pelos próprios questionários da UNESCO, discordou de sua
aplicação nos estabelecimentos oficiais de ensino.
19
É, pois,
compreensível a cautela da UNESCO na orientação ao Conselho
Internacional de Ciências Sociais, quando lhe encaminha a solicitação
de que estabeleça um escritório de pesquisa sobre as repercussões
sociais das transformações tecnológicas. Suas preocupações se dirigiam
à delimitação do campo dessas pesquisas ele não deveria ser nem
muito vasto, nem tampouco poderia ser de tal forma “restrito ao ponto
de falsear a situação estudada ou negligenciar dados ou fontes
18
A respeito das críticas da The Cross and the Flag sobre as brochuras publicadas
pela UNESCO na coleção Vers la compr ehension international. Cf.ARCHIBALDI,
1993, p. 232. O autor nos informa também que Irving Solomon é chamado em
duas ocasiões a realizar trabalho de avaliação da atuação da UNESCO num período
em que ela estava sendo acusada de infiltração comunista: em 1951 a pedido da
Fundação Ford, interessada em destinar fundos para a organização, e, em 1953,
quando é designado pelo presidente Eisenhower para presidir o comitê especial
criado em razão da intensificação das críticas à UNESCO.
19
A orientação metodológica seguida pelos investigadores consistia na aplicação
de pré-teste objetivando verificar a simpatia ou antipatia dos sujeitos do
experimento em relação a outros grupos nacionais, seguida de informações visando
à mudança de atitude no sentido de favorecer a compreensão internacional, após
o que se aplicava o pós-teste. Das informações constavam aquelas relativas aos
habitantes de outros países, à semelhança entre os diversos representantes da
espécie humana e à superioridade das atitudes internacionais sobre as nacionais.
Cf. L’Étude des états de tension au Victoria University College (Nouvelle-
Zélande). In: UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. IV, n.
1, Printemps, 1952f, p. 154-158.
158
essenciais de informação”.
20
Dirigiam-se também à delimitação das
atribuições do escritório, pois convinha evitar o possível risco de a
ele se “associar a idéia de um instituto monolítico de ciências
sociais”.
21
Orientação semelhante será feita em relação aos meios de
comunicação, cujo uso pela UNESCO os delegados da Polônia e
Tchecoslováquia consideravam então como incitação à guerra e
imposição cultural de um país sobre os demais, ao passo que o chefe
da delegação dos EUA insistia na necessidade de empregar os
recursos da comunicação a fim de, com maior empenho e agilidade,
“narrar a admirável crônica da liberdade” (citado por Bekri, 1991, p.
198). Nesse contexto, na orientação fornecida pela UNESCO que
havia preparado a fundamentação para a aprovação, em 1948, da
“tese do livre fluxo de informações”, defendida principalmente pelos
EUA “não cabe ao escritório de pesquisa ocupar-se diretamente
dos problemas relativos à comunicação e à informação, entretanto,
não poderá deixar de considerar a incidência destes meios numa
dada região em estudo”.
22
Os estudos aqui mencionados, incluídos no “programa de
tensões”, demonstram como a UNESCO, no exercício de seu
objetivo maior “a conquista das mentes” busca, no “campo
minado” que é o mundo pós-guerra, conhecer os povos em sua
diversidade cultural a fim de articulá-los ao projeto de construção
das condições desde então, mais do que antes, vistas como
necessárias ao progress o e à paz. Esses estudos nos fornecem
20
Cf. Le bureau international du recherches pour l’étude des repercussions sur le
plan social des transformations de la technique. In: UNESCO. Bulletin
International des Sciences Sociales, vol. VI, n.1, 1954 b, p. 93-98.
21
Esse risco havia sido apresentado por Quincy Wright, professor de Direito
Internacional e de Ciências Políticas nos Estados Unidos, em carta, com o timbre
do Comitê de Relações Internacionais da Universidade de Chicago, datada de 10
de fevereiro e enviada a Otto Klineberg. A preocupação do professor Wright é
no sentido de que um “superorganismo contribua para o agravamento das tensões
que, por sua atuação, objetiva compreender e resolver”. Cf. Bulletin International
de Sciences Sociales, vol. I, n. 1-2, Paris, 1949a, p. 100-101.
22
Cf. UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. VI, n. 1, Paris:
UNESCO, 1954b, p. 93-98. Citação da p. 95.
159
ainda exemplos de como a UNESCO respondeu aos limites a ela
impostos, e também aos controles, sejam internos ou externos,
exercidos sobre seu trabalho, cujo lado prático, assegura Klineberg
(1949, p. 99), “aparecerá mais nitidamente à medida que a síntese
das múltiplas enquetes em realização possa ser feita”.
A esse modo de agir, revelador ao mesmo tempo da força e da
fraqueza da UNESCO, talvez se deva, num momento em que a rea-
lidade mundial se encontra atravessada pela racialização das rela-
ções sociais(Ianni, 1996), o fato de seu trabalho diretamente referido
ao tema da raça e do preconceito racial realizar-se somente após as
determinações constantes da resolução do Ecosoc.
É necessário, no entanto, considerar o Plano Ampliado de
Assistência Técnica (Peat) proposto à ONU, em 1949, pelo presi-
dente Truman. Compreendendo projetos multilaterais a cargo da
ONU e suas agências e projetos bilaterais sob responsabilidade
dos Estados interessados em contribuir com verbas, além de suas
devidas cotas como membros da ONU, o Peat tinha em vista, me-
diante investimentos e assistência técnica a projetos nas áreas da
agricultura, transportes, indústria, trabalho, educação, ciência, saú-
de e segurança social, a elevação dos níveis de vida “dos povos
amantes da liberdade”.
23
A referência de Klineberg ao Peat, então em estudo no Ecosoc,
é elucidativa. O caráter de urgência conferido pelo plano proposto por
Truman aos estudos relativos às influências da técnica moderna nas
relações entre os povos é ressaltado por Klineberg. Não é demais
23
O Peat constituía-se, pode-se dizer, em uma réplica empobrecida e consorciada
do Plano Marshall. Cerca de 12 milhões de dólares foram emprestados pelos
empresários dos EUA, no período entre 1948 e 1951, em condições favoráveis,
para a reconstrução européia. Em 1950, o Peat, destinado aos dois terços da
humanidade vivendo fora da Europa Ocidental, recebe um total de 20 milhões de
dólares. Desse total, a parte investida pelos EUA representa 1/500 do
empréstimo à Europa através do Plano Marshall. Cf. Le coût de l’UNESCO
pour les Etats Unis, principalmente o subtítulo Du Plan Marshall a l’assistance
technique. In: ARCHIBALDI, Gail, 1993. Trata-se, na verdade, de uma ampliação
da “doutrina Truman”, que, a essa altura dos acontecimentos do pós-guerra,
havia resultado na assinatura do Tiar , unindo o continente americano na paz e na
guerra, assim como na constituição da Comissão Mista Brasileiro-Americana,
ou Missão Abbink, após negociações entre os presidentes Truman e Dutra.
160
deduzir que o mesmo raciocínio também fundamente a Resolução 116
(B) iii, na qual o Ecosoc solicita o trabalho da UNESCO e, ao mesmo
tempo, estabelece os meios para o controle de sua atuação no que diz
respeito à questão racial.
Para compreendermos não apenas a resolução do Ecosoc mas
também o trabalho da UNESCO mais diretamente voltado para os
assuntos relativos à raça, nesse período, devemos considerar o con-
texto anteriormente descrito ao qual devem-se acrescentar: os primei-
ros sinais de insucesso da Liga Árabe, criada por incentivo da Inglater-
ra para conter o pan-arabismo então expresso nos nacionalismos di-
versos; a situação criada no Oriente Médio com a instalação do Estado
de Israel, imediatamente reconhecido pelas duas superpotências do pós-
guerra; o ceticismo em relação aos organismos internacionais conside-
rado como o sentimento do homem comum no mundo árabe;
24
os con-
flitos provocados pelo movimento de populações; a discriminação e
segregação racial na então União Sul-Africana, sob protesto organi-
zado do Congresso Indiano Sul-Africano, assim como sob os protes-
tos apresentados pela Índia na Assembléia Geral da ONU, desde
1946; o agravamento dessa situação com a intensificação da política
do apartheid desde 1948, quando o Partido Nacional chega ao poder
e prossegue mantendo a subalternidade dos habitantes sul-africanos
não-brancos, sobretudo dos negros, até a década de 1990, a despeito
de seguidas resoluções da ONU contra essa política.
24
Cf. UNESCO. Les Nations Unies et le civisme internationale. Vers la
compréhension internationale, vol. IV, Paris: UNESCO, s/d. Apresenta relatório
de estágios realizados pela UNESCO, a fim de propiciar a vivência de uma
situação internacional e organizar material para o ensino relativo às Nações
Unidas. Um desses estágios foi realizado no verão de 1948, reunindo seis
educadores do Afeganistão, do Chile, da França, do Líbano, da Tailândia e dos
Estados Unidos (presidente e relator do grupo). Um outro estágio reuniu, no
Adelphi College em Nova York, 36 especialistas de 21 países. Neste os
representantes do Egito e da Síria alertam para a desconfiança e o ceticismo
dos árabes em relação ao Ocidente, o que, segundo eles, poderia retardar a
“ocidentalização” do mundo árabe (p. 29). Na conclusão essa advertência é
reiterada, acrescida de uma segunda que subordina o sucesso da popularização
das organizações internacionais mediante o ensino sobre as Nações Unidas nas
escolas, que se faça acompanhar de um tratamento equitativo dispensado aos
países árabes (p. 36).
161
Este é, portanto, o contexto em que devemos compreender a
persistência do racismo, cujas ressurgências exigem da UNESCO a
consideração, em sucessivas décadas, dos aspectos biológicos da
questão racial, assim como daqueles relativos à sociedad e e à cultu-
ra, à economia e ao poder.
Raça, ciência, poder e a busca de um modelo de
democracia racial
O trabalho da UNESCO, a partir de 1949, materializado, pri-
meiro, em duas declarações consecutivas,
25
concretiza-se mediante
um debate em curso nos meios científicos, incluindo o conceito de
raça, as classificações raciais e as diferenças entre os grupos humanos,
povos e culturas, os contrapontos raça e nação, raça e história, raça
e cultura, raça, casta e classe, num momento em que descobertas da
genética forçam uma nova síntese entre esse campo de conheci-
mento e a antropologia física.
Desenvolvendo-se nos anos 50 e 60, em íntima relação com
a luta pela libertação colonial e pela manutenção ou conquista de
vantagens econômicas na ordem mundial em reconstrução, o de-
bate sobre as questões de raça desdobra-se, portanto, num daque-
les momentos em que os objetivos da ciência se tocam, se imbri-
cam e se confundem com os do poder constituído, em que as clas-
sificações se desembocam em hierarquizações e se insiste na ne-
cessidade de acumular suficientes evidências corroboradoras da
igualdade na diversidade, o que, vale ressaltar, traduz-se em desi-
gualdades sociais. Nesses momentos, também, os resultados da
pesquisa se prestam, mais uma vez, à fundamentaçã o e à justifica-
ção do domínio de uns sobre outros e à tomada de decisões que
afetam o destino de pessoas e grupos humanos, em benefício de
grupos diversos e distantes dos primeiros.
25
Com a finalidade de facilitar a exposição, a referência às declarações sobre a raça
e sobre as diferenças raciais será feita pelos anos respectivos de sua elaboração:
declaração de 1950 e declaração de 1951.
162
Essa perspectiva permite compreender a afirmação do antropólogo
Washburn (1978, p. 454), em artigo de 1953, segundo a qual “a antropologia
física de 1950 se parecerá muito mais com a de 1900 do que com a de
1960”. Nesse contexto, a declaração de 1950, elaborada por sociólogos,
antropólogos e geneticistas convocados pela UNESCO, suscita reações
diversas e mesmo contrárias, motivando a elaboração de uma nova
declaração, dessa vez por um grupo constituído exclusivamente de
antropólogos físicos e geneticistas, mais especificamente aqueles que se
pronunciaram contra a declaração de 1950.
A declaração de 1951, por sua vez, também suscitou contro-
vérsias, resultando em duas publicações. A primeira, destinada à edu-
cação do grande público, tarefa fundamental da UNESCO, consiste
numa publicação do seu Departamento de Informação. Sob o título
Qu’est-ce qu’une race? Des savants répondent (Dunn, 1952), toma
como base três ensaios: “Raça e psicologia”, de Otto Klineberg, “Raça
e biologia”, de L. C. Dunn, e “Raça e civilização”, de Michel Leiris.
publicados em 1951 como brochuras individuais, esses en-
saios farão parte da coletânea Le racisme devant la science, publi-
cada em 1956, que incluirá o ensaio de Claude Lévi-Strauss, “Race
et histoire”, cuja primeira publicação ocorre em1952.
26
A reedição dos ensaios evidencia a persistência, também como
forças sociais, das idéias que buscam combater, defender e/ou clarificar.
Idéias ou temas que continuam dividindo as opiniões nos meios científicos
e políticos, impondo à UNESCO e aos sábios e cientistas de diversos
campos de estudo, por ela convocados, um trabalho cujos objetivos
incluem: estabelecer a impossibilidade de deduzir da noção de raça
qualquer conclusão sobre o caráter e capacidades mentais dos indivíduos;
26
Essa edição de 1956 de Le racisme devant la science é traduzida no Brasil em dois
volumes. Cf. COMAS, Juan et alii. Raça e ciência I. São Paulo: Perspectiva, 1970
e DUNN, L.C. et alii. Raça e ciência II. São Paulo: Perspectiva, 1972. O volume II
apresenta em apêndice os textos das declarações de 1950, 1951 e 1967, assim
como aquele relativo às proposições sobre os aspectos biológicos da questão racial
de 1964, versões aqui utilizadas. Em 1973, a UNESCO apresentará nova edição de
Le racisme devant la science, mantendo da edição anterior os três ensaios referidos,
assim como o de autoria de Claude Lévi-Strauss, antropólogo que fizera parte do
grupo que redigiu a declaração de 1950, que, obviamente, não figura na relação dos
cientistas consultados por ocasião da elaboração da declaração de 1951.
163
prosseguir com as classificações raciais com base nas diferenças entre
os grupos humanos e ao mesmo tempo difundir e fixar a noção da
inexistência de raças puras; combater a crença a respeito da superioridade
do homem branco, ocidental e cristão sobre os demais povos habitantes
do globo terrestre; eliminar a confusão entre fatos naturais, herança
genética dos indivíduos e cultura, herança social freqüentemente
confundida com a primeira e atribuída à raça; derrubar o mito relativo às
conseqüências negativas ou desastrosas da miscigenação; afirmar, quando
os aspectos biológicos se impõem nas interpretações sobre as raças e as
diferenças raciais, a igual aptidão dos diferentes grupos humanos de se
desenvolverem tecnicamente.
27
Explicitar , enfim, as dimensões históricas,
geográficas e socioculturais da originalidade da participação dos diversos
grupos humanos na construção de uma civilização mundial, cuja vitalidade
e riqueza dependem da preservação da diversidade cultural, assim como
do desenvolvimento da tolerância como uma atitude dinâmica, isto é,
não-contemplativa.
Como indicam seu título e subtítulo Le concept de race: des
savants répondent, a segunda publicação apresenta as apreciações
de antropólogos e geneticistas consultados sobre o texto da declara-
ção de 1951. Desde sua introdução, o leitor é preparado para com-
preender as divergências ou controvérsias sobre a questão, como
decorrentes da subsistência de elementos de dúvida no espírito de
muitos dos consultados. É ainda persuadido de que, ao apresentar os
comentários suscitados pela declaração de 1951, “a UNESCO ao
público os meios de conhecer as flutuações do pensamento científico
diante do problema da raça” (p. 9). também, ao equiparar-se a
publicação então apresentada a um “laboratório da ciência”, o leitor
é alertado para o fato de que, se nesse laboratório “se encontra algu-
ma desordem (...), precisamente destas oposições, e mesmo de ás-
peros ataques,
28
nasce o que chamamos de verdade” (p. 10).
27
Este último aspecto, presente na pauta da UNESCO desde a década de 1950,
ganhará expressão na Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, aprovada
em 1967, em deferentes condições políticas, como veremos adiante.
28
Um exemplo notável desses ásperos ataques pode ser visto em artigos publicados
nos primeiros anos da década de 1950, na discussão provocada pelo determinismo
biológico defendido então pelo biologista Darlington. Cf. DARLINGTON, C.
164
L. C. Dunn, professor do Departamento de Zoologia da
Universidade de Colúmbia, participou do grupo de cujas sugestões o
professor Ashley Montagu se valeu na revisão final do texto da
declaração de 1950eéorelator do grupo chamado para redigir a
declaração de 1951. Em seu relatório, duas razões são enunciadas
para a ocorrência dessa segunda reunião para a qual a UNESCO
convocou um grupo de 12 antropólogos físicos e biólogos do campo
da genética humana, com o objetivo de redigir uma declaração que
“refletisse de maneira mais precisa o ponto de vista dos meios
científicos” sobre o conceito de raça, assim como o estado do
conhecimento sobre as diferenças raciais.
Reconhecendo a igual propriedade do interesse dos sociólo-
gos, antropólogos e biólogos pelas questões raciais, L. C. Dunn afir-
D. La conception génétique de la race dans l’espèce humaine. In: Bulletin
International des Sciences Sociales. Vol. II, n. 4, Hiver 1950d, p. 501-511. O
biologista Mirsky, do Rockefeller Institute for Medical Research, de Nova York,
na exposição de Darlington não os princípios da genética, mas hipóteses e
preconceitos como fundamentos do conceito de raça. Cf. UNESCO. Le concept
de race. Résultats d’une enquête. Col. La question raciale devant la science
moderne. Paris: UNESCO, 1953a, p. 21. Também para Montagu, relator do
grupo que elaborou a declaração de 1950, Darlington, como “sobrevivente
obstinado de um grupo dissidente, está fatalmente voltado a se encontrar em
desacordo com a massa daqueles cuja opinião conta” . Cf. MONTAGU, Ashley.
O conceito de raça e o mecanismo da formação das raças humanas. In:
MUSSOLINI, Gioconda (Seleção, org. e notas). Evolução, raça e cultura: leituras
de antropologia física. 3. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1978. Críticas como
estas merecem de Darlington, em resposta à solicitação para escrever artigo
sobre a questão racial para publicação no Bulletin International des Sciences
Sociales, o seguinte pronunciamento: “não explicarei numa simples carta, por
que eu disse que os genes determinam os caracteres; por que eu não partilho da
opinião do professor Thorndike sobre a ‘verdadeira tarefa do homem’; por que
eu não me inclino diante do professor Klineberg como diante de um oráculo da
“ciência”; por que eu me separo da maior parte dos psicólogos, mas não de
todos; (...) por que eu não aceito a interpretação dada pelo professor Montagu
sobre o despovoamento (...)”. Após essa enumeração remete o leitor interessado
em seus argumentos ou fatos novos que descobrira a seus escritos em outras
fontes, que não o Bulletin Internationale des Sciences Sociales, ou a seu livro The
facts of live, prestes a ser publicado. Cf. DARLINGTON, C. D.La conception
génétique de la race dans l’espèce humaine. In: Bulletin Internationale des Sciences
Sociales. Vol. IV, n. 1, Printemps, 1952f, p. 237-8.
165
ma, como uma das razões da reunião, o particular interesse dos cien-
tistas representantes da antropologia física e da genética humana
nessas questões. A predominância dos sociólogos na primeira reu-
nião
29
e a conseqüente característica essencialmente sociológica do
texto da declaração de 1950 constituem a segunda razão a justificar
a elaboração de uma outra declaração, uma vez que a primeira “ca-
rece da autoridade que somente os especialistas da antropologia físi-
ca e da genética humana, particularmente competentes no que con-
cerne ao aspecto biológico da raça podem lhe conferir”.
30
L. C. Dunn acusa ainda a existência, no texto da declaração
de 1950, de uma confusão entre raça, fato biológico, e raça, fenôme-
no social, razão pela qual o grupo se manifesta contrário à aborda-
gem do tema sob o ângulo dos problemas sociais e pedagógicos,
alegando serem eles relacionados às conjunturas locais às quais de-
veriam ser associados. É, portanto, do ponto de vista das recentes
descobertas da teoria moderna da evolução que o grupo se propõe a
abordar o tema.
29
O grupo que redigiu a declaração de 1950 se compunha de oito cientistas, sendo
um da Nova Zelândia, um do México, um do Brasil, dois dos Estados Unidos,
um do Reino Unido, um da Índia e um da França. Além destes, outros 13
cientistas deram sugestões ao relator do grupo, Ashley Montagu, na revisão
final do texto. O exame da lista como um todo não confirma a supremacia dos
sociólogos, pois no mínimo quatro dos que participaram da revisão final do
texto eram biologistas. Um aspecto se ressalta, entretanto, quando comparamos,
quanto a sua composição, os grupos que elaboraram as declarações de 1950 e a
de 1951. A homogeneidade do segundo grupo é evidente não somente naquilo
que menciona seu relator que o grupo se constituiu exclusivamente de
antropólogos físicos e geneticistas –, mas na origem deles: quatro eram da
Inglaterra, três, dos Estados Unidos, dois, da França, um, da Suécia, um, da
Holanda e um, da Alemanha. Cf. lista em DUNN, L. C. et alii. Raça e ciência II,
citado, p. 283 e 287. Em artigo de Ashley Montagu, publicado em 1950, L. C.
Dunn está entre as interlocuções do autor que busca dar precisão a determinadas
idéias presentes na literatura sobre a questão racial, a exemplo da afirmação de
Dunn e Dobzhansky de que “olhos azuis são bastante comuns na maior parte
dos Estados Unidos, mas muito raros na maior parte do México”. Cf.
MONTAGU, Ashley, 1978.
30
Nesse sentido, as críticas do grupo à declaração de 1950 coincidem com aquelas
expressas na revista Man, do Instituto Real de Antropologia, sediado em
Londres.
166
De uma perspectiva neo-evolucionista esses antropólogos e
geneticistas, preocupados com a neutralidade e o rigor científicos,
chamam a atenção para a ausência de provas corroboradoras da
inexistência de diferenças mentais entre os grupos raciais, afirmando,
ao mesmo tempo, a impossibilidade de, numa perspectiva
cientificamente respaldada, estabelecer, com base nessas diferenças,
uma hierarquia das raças humanas. Defendendo-se contra a
identificação de sua posição como racista ou contra seu uso para
interpretações racistas, o relator ressalta ainda a adoção de um
conceito dinâmico de raça,
31
do qual não decorre, porém, a conclusão
da inexistência das raças fato biológico evidenciado por caracteres,
passíveis de observação pelo homem comum, e nos quais se ancoram
as classificações propostas por antropólogos. Tampouco decorre
desse conceito, como muitos defendiam desde décadas anteriores,
32
o abandono do termo “raça”, cujo uso científico o grupo afirma como
necessário. O relator ressalta, ainda, por um lado, a distância existente
entre as conclusões consubstanciadas na declaração elaborada pelo
grupo de que é o porta-voz e aquelas constantes na obra de Gobineau
sobre a desigualdade das raças; por outro lado, chama a atenção
para sua proximidade em relação à Declaração da Independência
americana e à Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma
vez que, reconhecendo a igualdade como condição da existência social,
afirma a inexistência de descoberta científica que permita restringir
a aplicação desse princípio às raças.
Nessas observações aspectos distintivos das duas declarações
da UNESCO ganham relevo. Para além dos detalhes destacados
31
Dinâmico no sentido de que o termo raça se refere a um estágio do processo de
diferenciação das populações e de sua adaptação ao meio em que vivem. Cf.
UNESCO, 1953 a, p. 95 e 98.
32
A substituição do termo raça por “grupo étnico” é sugerida, por exemplo, por
Julien Huxley, em 1936 e em 1941, por Ashley Montagu, em 1945, e também na
declaração de 1950. Cf. MONTAGU, Ashley, 1978; e HUXLEY, Julien. El
concepto de raza. In: El hombre está solo. Buenos Aires: Editorial Sudamericana,
1942. A justificativa é de que seriam evitados erros decorrentes do uso abusivo
do primeiro termo, freqüentemente associado, na linguagem comum, a grupos
humanos estigmatizados em virtude de caracteres externos que os diferenciam,
ou ainda a grupos nacionais, religiosos, geográficos ou culturais.
167
pelo relator, entretanto, são notórias a afinidade e a semelhança entre
ambas, que prosseguem sendo reeditadas e citadas igualmente na
literatura sobre a questão racial. Conclusões e proposições comuns
às duas declarações, de 1950 e 1951, presentes também nos ensaios
publicados na ocasião explicam-se, certamente, pela vocação univer-
salista da UNESCO, na realização de seu trabalho político de coor-
denação dos esforços das Nações Unidas em direção à reconstru-
ção da ordem mundial. Essa preocupação com o universal parece
fundamentar também a reflexão em que Alfred Métraux (1950a, p.
8-9) aponta o paradoxo da civilização ocidental. Refere-se ele à
exigência de que as demais culturas assimilem os valores aos quais
essa civilização atribui “perfeição indiscutível”, sem contudo admitir
aos dois terços da humanidade a capacidade de atingir o fim que ela
propõe. A isso acrescenta que “por estranha ironia, as vítimas mais
dolorosas do dogma racial são precisamente os indivíduos que por
sua inteligência ou por sua educação testemunham sua falsidade”.
Essas observações do então diretor da divisão criada em
1950 no Departamento de Ciências Sociais da UNESCO especial-
mente para tratar das questões raciais levam-nos a uma idéia de-
fendida por Ashley Montagu em artigo publicado nesse ano e cons-
tante da declaração, elaborada sob sua coordenação, veementemen-
te atacada pelo grupo que escreve a declaração de 1951. Trata-se
da atribuição às pesquisas biológicas da descoberta de uma “ética da
fraternidade universal” fundada numa “tendência inata do homem à
cooperação”, idéia fundamental, vale ressaltar, para a união dos po-
vos e para a contribuição das culturas diversas na reconstrução do
mundo segundo um modelo postulado como universal.
Sobre esse aspecto, entretanto, evitando “uma solução política
para uma questão pertencente ao domínio da ciência”, o grupo reunido
em junho de 1951 para elaborar a segunda declaração da UNESCO,
agora sobre o conceito de raça, buscará, no caráter instintivo do
comportamento do homem, a explicação para a coexistência, num
mesmo indivíduo, de uma tendência à associação em relação aos
indivíduos de seu próprio grupoeaumcomportamento agressivo em
relação aos indivíduos de outro grupo. Uma vez atribuída aos
preconceitos raciais uma origem psicológica, a conclusão decorrente
indica a necessidade de mais estudos psicológicos sobre a questão.
168
A ênfase na tendência à cooperação talvez explique a decisão
da União Francesa em reunião de 20 de novembro de 1951,
33
após
quase dois anos da elaboração da declaração de 1950 e transcorridos
cinco meses da redação da declaração de 1951 de adotar o texto
da primeira declaração nos programas de suas escolas, assim como
de dar-lhe ampla difusão. Esse fato permite lembrar a crítica
apresentada na 1
a
CG-1946 por Torres de Bodet, quando se refere
às dificuldades de realizar a educação preconizada no Ato Constitutivo
da UNESCO, num “mundo em que continuam a prevalecer os abusos
do imperialismo, a lei do mais forte e, sob formas veladas, o orgulho
arbitrário das grandes potências e os preconceitos de raças que se
crêem superiores”. (Citado por Bekri, 1991, p. 125)
Esse problema, explicitado por Torres de Bodet em 1946, pode
ser ainda detectado em 1951, quando, a fim de desvincular grupos
nacionais de grupos raciais, a expressão “os ingleses” é retirada da
primeira redação, do parágrafo três da declaração elaborada nesse
ano, em virtude da argumentação de J. C. T revor. Ressaltando sua
origem galesa para evitar interpretação estranha ao seu objetivo de
precisão, o professor da Faculdade de Arqueologia da Universidade
de Cambridge afirma que, diferentemente dos franceses e dos ale-
mães, cuja heterogeneidade racial fora demonstrada respectivamente
pelo professor Henri Vallois (1943) e pelo Dr . Morant (1939), “os in-
gleses os ingleses (insiste ele) e não os britânicos são hoje e mes-
mo desde a época dos Tudor, bem mais homogêneos do que a maior
parte dos povos do continente”. (UNESCO, 1953 a, p. 48)
33
Desde setembro de 1945 tropas anglo-francesas estão em Saigon na tentativa
de restabelecer a antiga ordem diante dos movimentos pela independência no
Sudeste Asiático. E a partir de 1951, a França recebe ajuda financeira dos EUA
a fim de prosseguir sua luta na Indochina. O desfecho para a França virá
somente em 1954 com sua derrota em Dien Bien Phu e com as conferências que
desde abril se realizavam em Genebra com a participação de representantes da
França, Grã-Bretanha, dos EUA, da URSS, China Popular, do Camboja, Laos
e do Vietnã do Norte, sob Ho Chi Minh, e Vietnã do Sul, sob Bao Dai. Conforme
o armistício assinado, além de se acertar o reconhecimento da independência
do Laos e do Camboja, as tropas francesas deveriam se retirar do Vietnã que,
como a França, não poderia receber reforços militares de nenhum país. Cf.
PERNAU, José. História mundial desde 1939. Rio de Janeiro: Salvat Editora
do Brasil, 1979, p. 108-110.
169
Com a finalidade de contornar esse obstáculo, ou resistência
“cientificamente” fundamentada, o parágrafo três é aprovado com a
seguinte redação:
os grupos nacionais, religiosos, geográficos, lingüísticos e
culturais não coincidem necessariamente com os grupos
raciais e os aspectos culturais desses grupos não têm
nenhuma relação demonstrável com as características próprias
à raça. Os americanos não constituem uma raça, tal como os
franceses ou os alemães. Nenhum grupo nacional constitui
uma raça ipso facto. Os muçulmanos e os judeus não formam
uma raça, tal como os católicos ou os protestantes, os
habitantes da Islândia, da Grã-Bretanha ou da Índia, os povos
que falam o inglês ou qualquer outra língua, os indivíduos
que pertencem à cultura turca ou chinesa, etc. O emprego da
palavra ‘raça’ para designar a um desses grupos pode
constituir um erro grave; no entanto, este é freqüentemente
cometido. ( Dunn e outros, 1972 p. 284)
Em busca da universalidade, a UNESCO deve, portanto, li-
dar com interesses nacionais diversos e eventualmente conflitan-
tes, expressos nos argumentos de sábios, cientistas e estudiosos da
evolução da espécie humana, explicando-se, assim, a elaboração
de duas declarações sobre a raça, cujas diferenças dizem respeito
sobretudo à multiplicidade de interpretações e aos desacordos en-
tre os estudiosos da genética e da antropologia, da sociologia e da
psicologia. Esses desacordos, observados num período de transi-
ção ou de refinamento do discurso científico, são fruto do desen-
volvimento de novas interpretações relacionadas à moderna etno-
logia, então invocada pelo Departamento de Ciências Sociais da
UNESCO como a ciência cuja interpretação das diferenças cultu-
rais à luz do conceito de civilização minimizaria o peso relativo dos
aspectos biológicos nas diferenças entre os diversos povos e entre
indivíduos. (UNESCO, 1950 d)
Tanto é assim que o antropólogo Washburn, ao considerar o
impacto da nova teoria da evolução, enuncia os pontos sobre os
quais a obtenção de um acordo se fazia necessária:
170
1) a antropologia física precisa de um quadro de referência
teórico consistente e provado; 2) as teorias genéticas e
evolutivas necessárias estão à disposição e deveriam ser
aplicadas aos problemas da evolução humana; 3) dever-se-
iam abandonar os conceitos insustentáveis; 4) dever-se-ia
acolher com regozijo uma época de transição, durante a qual
seria de esperar grandes diferenças de opinião pessoal. Estas
diferenças deveriam ser resolvidas pela pesquisa, evitando-
se que se transformassem em excentricidades individuais ou
nacionais. (1978, p. 465)
Em sua conclusão, Washburn, reafirmando que a compreensão
do processo de evolução humana requer, além de uma biologia moder-
na e dinâmica, “uma profunda compreensão da história e funciona-
mento da cultura”, aponta essa necessidade como aquela que “dá à
antropologia toda sua unidade como ciência”. (1978, p. 470)
Um outro ângulo da questão se evidencia, entretanto, se con-
siderarmos a ocorrência anterior, simultânea e posterior à discus-
são entre os cientistas dos vários campos da ciência e de diversas
nacionalidades sobre as questões raciais, de um dos mais gritantes
exemplos de racismo na segunda metade do século XX, também
posteriormente incluído na luta da UNESCO, desde sua criação, pela
paz entre os povos. No momento em que se realiza o debate do qual
resultam as duas primeiras declarações da UNESCO sobre a raça
(1950), e sobre as diferenças raciais (1951), é quando também são
tomadas as primeiras medidas de segregação do ensino na África do
Sul,
34
justificadas, diante do Parlamento sul-africano, em 1953 e em
34
O Partido Nacional chega ao poder na África do Sul em 1948 e intensifica a
legislação do apartheid. Uma das medidas foi a divisão dos africanos em dez
tribos, justificada pelas supostas diferenças tribais e desconsiderando não
costumes e valores comuns desses povos, como também a história da formação
sul-africana. A intensificação da legislação de discriminação e segregação racial
prossegue nas décadas de 1950, 1960 e 1970, apesar de, nesta última, ter se
mudado o nome apartheid para “desenvolvimento separado”, como meio de
responder aos acontecimentos externos e pressões internacionais contra o
regime, que se manifestam a partir da década de 1960. Cf. CHALIAND, Gerard.
A luta pela África: estratégia das grandes potências. São Paulo: Brasiliense,
1982, p. 94-106.
171
1954, por H. Verwoerd, ex-primeiro-ministro, com os seguintes prin-
cípios: “se se ensina ao indígena da África do Sul que ele é chamado
a viver sua vida adulta sob um regime de igualdade de direitos, será
levá-lo a cometer um grande erro (...)” e, mais incisivo: “nosso siste-
ma de ensino não deve enganar os Bantus mostrando a eles as delí-
cias da sociedade européia às quais eles não têm direito”.
35
As origens da política racial da África do Sul remontam ao
final do século XIX, quando os britânicos promulgam leis restritivas
ao acesso dos povos autóctones às riquezas em ouro e diamantes
então explorados pela De Beers Consolidated Mine. Desde 1946,
essa política é combatida pela população sul-africana e constitui-se
também em tema dos debates da Assembléia Geral da ONU desde
sua primeira sessão. Nessa assembléia, a Índia reclama posição das
Nações Unidas quanto ao tratamento discriminatório a que o governo
da então União Sul-Africana submetia os trabalhadores indianos ali
residentes. É necessário, entretanto, esperar a década de 1950 para
a concretização desse posicionamento, quando, em sucessivas
resoluções, a Assembléia Geral se pronuncia a respeito, convidando
o governo daquele país, que intensificava a legislação de segregação
racial, a reconsiderar sua posição à luz da Carta da ONU. Nessas
resoluções a ONU expressava sua preocupação com as medidas
tomadas pelo governo sul-africano e fazia um apelo na direção de
um reexame de sua política interna nas décadas seguintes.
Política dirigida aos povos não-brancos, incluídos os india-
nos, e cuja intensificação, a despeito das várias resoluções da ONU,
ao longo das décadas de 1950 e 1960, assim como sua persistência
até o final da década de 1980, deve-se explicar também pelo papel
estratégico de seus protagonistas na defesa do “mundo livre” e da
civilização ocidental no continente africano.
Para além de uma perspectiva bipolarizante, entretanto, é
possível perceber uma outra, que evidenciará os muitos pólos
35
Cf. UNESCO. Le racisme et l’apartheid en Afrique australe. Afrique du Sud et
Namibie. Dossier établi d’après une documentation réunie par le moviment anti-
apartheid. Presses de l’UNESCO, Paris, 1975. Ver também: UNESCO.
L’Apartheid. Ses effets sur l’éducation, la science, la culture et l’information.
Paris: Imprimeries Réunies de Chambéry/UNESCO, 1968.
172
envolvidos na manutenção do sistema do apartheid que–na
expressão de Oliver Tambo, um dos dirigentes do Congresso Nacional
Africano consiste em
um sistema altamente industrializado, um Estado bem armado
dirigido por um grupo fanático de homens brancos decididos
a defenderem seus privilégios e seus preconceitos e
sustentados pela cumplicidade do capital americano,
britânico, alemão-ocidental e japonês investido no sistema
de opressão mais lucrativo do continente.
36
Vendo a questão sob esse ângulo, compreende-se também a
ineficácia do embargo de venda de armas e munições estabelecido
em resolução da ONU de 1962, que não impediu a África do Sul
seja de obter as armas de que precisava, seja de adquirir a capaci-
dade de fabricá-las. Essa alternativa parecia então mais satisfató-
ria do que armar os africanos para sua defesa contra o comunismo
como se depreende dos inconclusos debates, na Conferência sobre
os Meios de Defesa da África realizada em 1951 em Nairóbi,
com representantes do Reino Unido, da África do Sul, da Bélgica,
da França, da Itália, de Portugal, da Etiópia, da Rodésia do Sul e
dos Estados Unidos, na condição de observador e retomados em
1954 em Dakar.
O acordo sobre os meios de defesa contra as investidas sovi-
éticas e indianas em direção à África ocorre com a concretização da
idéia, negociada a partir de 1955 entre a África do Sul e a Inglaterra,
de submeter a base naval de Simonstown, na península do Cabo, à
autoridade de cinco potências ocidentais e de reforçar a frota de
guerra da África do Sul para garantir a proteção do Oceano Índico
(UNESCO, 1975, p. 124-128). Essa estratégia previa, ao mesmo
tempo, fortalecer sua armada de terra e ar para defesa de sua políti-
ca interna, que logo receberá a designação de “desenvolvimento se-
parado”, mantido até a década de 1980, mesmo enfrentando com
36
Fala extraída da introdução ao livro de Nelson Mandela, publicado em 1965.
Citado por ESSIEN-UDOM, E. U. Tribalisme et racisme. In: Le racisme devant
la science. Nouvelle édition, Paris: UNESCO, 1973, p. 239-266.
173
violência a resistência da população africana aos instrumentos que
legalizam a desigualdadeeasegregaçãoracialnosdiversoscampos
da vida social: educação, ciência, cultura e informação.
Isto não se fez, é preciso ressaltar, sem os apelos para recon-
sideração da política interna sul-africana, sem as censuras e
reprovações, e nem sem as recomendações de boicotes e embargos
aprovados também pelos parceiros ocidentais do governo de Pre-
tória, os protagonistas da Guerra Fria que muito serviu ao desenvol-
vimento do capitalismo. Não se fez ainda, sob os desdobramentos
dessa parceria, sem a indignação e o boicote, de fato, de setores
organizados da sociedade civil mundial. (Sampson, 1988)
É possível, portanto, considerar o papel desempenhado pela
questão racial nas estratégias políticas das grandes potências, e a
partir daí compreender o ritual de condenação do apartheid seguido
do esquecimento sempre que seu combate exigia sanções econômicas
determinadas por nações com grandes interesses na África do Sul.
Para a preservação desses interesses essas nações se valem do
sistema incompatível com os ideais democráticos que defendem: “o
racismo é uma racionalização das relações de poder que existem de
fato entre um grupo racial dominante e um grupo racial dominado. A
ideologia racista visa a justificar e perpetuar esta relação de superior
e inferior”. (Essien-Udom, 1973, p. 244)
É assim que, tendo no horizonte o ideal de progresso da
humanidade e, ao mesmo tempo, o ocultamento das raízes econômi-
cas e políticas das desigualdades raciais nas situações e localidades
específicas, prossegue, pela mediação da UNESCO, a busca da ex-
plicitação dos fundamentos científicos das diferenças entre os gru-
pos humanos. Mantém-se, assim, o paradoxo da coexistência dos
ideais de igualdade de indivíduos e grupos humanos sem distinção de
raça, sexo ou religião, consagrados nos documentos produzidos desde
1945 para balizar as relações entre as nações e povos, com as
ressurgências dos antagonismos e conflitos raciais e com as
desigualdades relativas aos direitos proclamados universais. Essa
situação suscita ainda hoje, após décadas de discussão, respostas a
questões sobre a pertinência do uso do termo “raça” para classificação
das populações humanas, ou sobre o peso relativo dos fatores
genéticos e culturais no comportamento dos grupos e indivíduos.
174
No cenário científico-político, em suas ocultadas motivações
econômicas, fontes dos estereótipos raciais e das teorias que os jus-
tificam, o debate que “divide os espíritos”, e também as civilizações,
fundamenta e ultrapassa no tempo a redação das declarações de
1950 e 1951. Esse cenário, todavia, ficaria incompleto sem a referência
a três resoluções incluídas no Programa de Tensões da UNESCO,
que não escapa da pauta de sua Conferência Geral. Uma delas auto-
riza a realização de estudos sobre a situação de contato racial no
Brasil. As outras duas referem-se às relações culturais entre o Ori-
ente e o Ocidente na reconstrução mundial que então se empreende.
Aprovadas na 5
a
CG-1950, essas resoluções e seus desdobra-
mentos nos fornecerão outros elementos para a compreensão das
dificuldades e mesmo das ambigüidades do trabalho da UNESCO nessa
questão, assim como para o entendimento de suas rearticulações ten-
do em vista sua participação, não isenta de controle e limites, como
vimos, na coordenação do processo de construção de uma ordem
mundial de que participam forças opostas, contrárias e contraditórias.
A primeira dessas resoluções parece ter sua origem no con-
junto de sugestões de temas de pesquisas
37
apresentadas pelo grupo
que redigiu a declaração de 1950, em atendimento ao mandato a ele
atribuído pela UNESCO. Fundamentando-se na hipótese das influ-
ências diversas na intensidade do preconceito racial nas culturas,
conforme o tipo de colonização portuguesa, espanhola, holandesa,
ou anglo-saxônica –, uma das sugestões propõe o exame da atitude
racial de diferentes tipos étnicos na América do Sul.
A delegação brasileira acolhe entusiasticamente essa sugestão e,
na 5
a
CG-1950, propõe sua transformação em texto de resolução, fato
que sugere uma origem mais remota das referidas resoluções. Em defesa
da proposta, argumenta-se que, no Brasil, país de composição multirracial,
não se verificariam os antagonismos ou, pelo menos, eles seriam destituídos
37
Entre as sugestões apresentadas pelo grupo que redigiu a declaração de 1950
consta o estudo da influência de fatores tais como a segregação na África do Sul
na intensificação das hostilidades raciais, assim como estudos comparados sobre
a atitude racial de pessoas da mesma origem, os neerlandeses, por exemplo, em
relação à população colonizada de diferentes regiões como África do Sul, Austrália,
região do Pacífico. Cf. MÉTRAUX, Alfred. L’UNESCO et le problème racial.
In: Bulletin International des Sciences Sociales, vol. II, n. 3, Automne, 1950.
175
de violência, razão suficiente para esperar , da realização desses estudos
no país, conclusões úteis para uma análise dos fatores ou mecanismos
sociais, econômicos e psicológicos responsáveis por uma situação tão
favorável, conforme atestam autores diversos.
38
A resolução proposta e aprovada, quando está em curso a
discussão suscitada pela declaração de 1950, situa-se no marco de
uma nova perspectiva da UNESCO e no novo papel atribuído en-
tão pela Conferência Geral ao seu Departamento de Ciências So-
ciais: voltar-se para o lado prático da questão racial, isto é, traba-
lhar no sentido de anular as conseqüências de um passado, ainda
presente, em que grupos humanos foram mantidos em situação de
inferioridade, conseqüências evidenciadas seja na forma dos cha-
mados nacionalismos agressivos, seja no esgotamento das energias
dos povos então libertos do jugo colonial; examinar as situações em
que as relações entre grupos raciais diferentes apresentam carac-
terísticas compatíveis com os ideais democráticos professados pela
civilização ocidental; “atenuar a virulência dos preconceitos” entre
“grupos raciais inimigos”,
39
o que naquele momento “exige uma
38
São mencionados autores como Nina Rodrigues, Gilberto Freyre, Arthur Ramos,
Donald Pierson, Roger Bastide, Herskovits, Frazier, Ruth Landis, cujos trabalhos,
entretanto, no julgamento de Métraux, carecem de dados que permitam o exame
que a UNESCO se propõe, ou seja, o exame da “natureza das relações entre
negros e brancos, e eventualmente, entre brancos e índios, num país que aspira à
fusão das três grandes raças”. Além desta, outras questões são mencionadas por
Métraux como objetivos da enquete constante do programa da UNESCO para
1951 de que são exemplos a mensuração pelo método psicológico da intensidade
do preconceito racial, assim como explicitá-lo se ele existe camuflado, ou ainda
verificar cientificamente a veracidade da pretendida assimilação dos negros nos
grandes centros urbanos do sul do país. Cf. MÉTRAUX, Alfred, 1950.
39
Essa citação traz à memória a antiga fórmula usada quando está em jogo a
competição capitalista ou a realização do capital, lembrada por MATTELART,
Armand. Comunicação mundo. História das idéias e das estratégias. Petrópolis:
Vozes, 1994, p. 30-31. Trata-se do exemplo da Hearst e sua atuação na sublevação
da opinião pública na ilha de Cuba no final do século XIX, com a finalidade de
prover as condições justificadoras de uma intervenção externa nessa possessão
do império espanhol que exalava os últimos suspiros. À comunicação segundo a
qual o repórter escalado para fazer a cobertura dos acontecimentos na ilha informa:
“nada a assinalar. Tudo está calmo. Não haverá guerra. Gostaria de voltar”,
Hearst teria respondido: “peço-lhe para ficar. Forneça ilustrações que me encarrego
176
colaboração estreita de sociólogos, psicólogos e etnólogos com fun-
cionários dos governos ou com representantes dos grupos econô-
micos”. (UNESCO, 1950 d, p. 477)
Diante dessa prioridade, caberia ao Departamento de Ciênci-
as Sociais fazer o inventário da experiência adquirida e ocupar-se
dos remédios para os estados de tensão, deixando às instituições
científicas e aos cientistas isolados a tarefa de descrever e analisar
as lutas raciais e suas causas. Ao mesmo tempo, esse departamento,
mediante a análise das medidas positivas tomadas ou em preparação
nos diferentes países com a finalidade de eliminar situações
discriminadoras, estaria se preparando para fornecer recomendações
práticas no sentido de dissipar ou minimizar os estados de tensão. De
acordo com argumentos apresentados no prefácio do Bulletin Inter-
national des Sciences Sociales, “é chegada (...) a hora de ultra-
passar o estágio das enquetes e de empreender um exame geral e
crítico das medidas positivas que têm sido tomadas ou estão em vias
de serem tomadas nos diferentes países a fim de assegurar a todas
as minorias raciais o inteiro gozo de seus direitos”.
40
da guerra”. Não é demais imaginar a aplicação de variações dessa fórmula na
produção dos antagonismos entre grupos rivais desde que favorável ao processo
de modernização. que as tensões não podem ultrapassar um certo nível de
intensidade. É necessário um equilíbrio: não a paz dos cemitérios, mas uma paz
ativa. que se desenvolver a tolerância, livrando-se, entretanto, do risco que
pode acompanhar essa atitude, isto é, seu deslizamento para a apatia. Daí a
necessidade do trabalho requerido da UNESCO nesse redimensionamento do
papel de seu Departamento de Ciências Sociais.
40
Cf. UNESCO. Préface. In: Bulletin International des Sciences Sociales, vol. II,
n. 4, Hiver 1950 d. Citação da p. 475. Este número do Bulletin é em grande
parte dedicado à questão racial, tema apresentado, posteriormente, em outros
quatro números dessa publicação do Departamento de Ciências Sociais da
UNESCO, que receberá a denominação de Revue Internationale des Sciences
Sociales. Os volumes X, n. 3, 1958 e XIII, n. 2, 1961, tratam das “pesquisas
recentes em matéria de relações raciais”, apresentando, o primeiro, ensaios
sobre estudos e pesquisas realizadas nos EUA, na Grã-Bretanha, na República
Federal Alemã e na África Oriental e, o segundo, estudos relativos à África do
Norte, à África Tropical, à África do Sul e à América Latina. O prolongamento
da discussão sobre os “aspectos biológicos da questão racial” ganha registro
no vol. XVII (1), 1965 e o vol. XXIII, n. 4, 1971 tem como tema as dimensões
da situação racial.
177
Fica evidente, entretanto, que não é tão tranqüila quanto se quer
fazer parecer a aceitação do novo papel atribuído ao Departamento de
Ciências Sociais da UNESCO, pensado, certamente, como solução
política para o embate, agravado desde a redação da declaração de
1950, entre cientistas dos diferentes ramos da ciência e de origens
nacionais diversas. Fica claro, por outro lado, o esforço em conciliar o
ideal humanitário de tradição européia com as respostas aos proble-
mas econômicos imediatos, cobradas de um organismo que deve dar
conta de suas atividades operacionais e, assim, exercer sua função
integradora, fundamental ao bom funcionamento do sistema.
Assim, a alusão aos esforços de grupos e indivíduos visando à
compreensão dos preconceitos raciais, esforços reconhecidamente
voltados para o bem comum, é acompanhada, por um lado, da crítica à
desconsideração desses estudiosos ao trabalho de outros, atitude então
explicada como resultado da crença de que seu próprio métodoéoque
contará no “triunfo do Bem”. Por outro lado, essa crítica é complementada
por uma outra referente à atitude mítica frente ao aparato científico
freqüentemente comparado “aos encantos e às práticas mágicas dos
xamãs” no combate ao racismo. (UNESCO, 1950 d, p. 475)
Essas observações abrem espaço para relacionar os
fundamentos do trabalho prático então assumido pelo Departamento
de Ciências Sociais ao relatório do Conselho Americano de Relações
Raciais sobre pesquisas desenvolvidas nos EUA a propósito da
mudança de atitudes em relação aos grupos raciais. Abrem também
espaço para a explicitação da posição desse departamento em relação
ao redimensionamento de seu papel num momento em que
antropólogos e geneticistas estão tecendo suas críticas à declaração
de 1950 considerada nesse prefácio como a “Carta na qual se
inspiram as atividades da UNESCO nesse domínio”. A respeito desse
redimensionamento, interpretado como “uma pausa para retomar o
fôlego e lançar os olhos sobre o caminho percorrido”, ressalta-se
que “as ciências sociais nada têm a temer com este inventário, pois
será sua eterna honra ter abordado o delicado problema das relações
raciais num espírito de perfeita objetividade e ter proposto soluções
fundadas sobre observações positivas sem jamais perder de vista a
amplitude e complexidade da questão”. E, mencionando as ações
desenvolvidas pela UNESCO, reafirma-se a “vontade de servir à
178
41
CARR, R. K. Le gouvernant fédéral américain et la question raciale, e CLARK,
K. B. Les préjugés de race au sein des minorités americaines. In: Bulletin
Internationale des Sciences Sociales, vol. II, n. 4, Hiver 1954.
42
Beaglehole, que fora membro da comissão que redigiu a declaração de 1950 e havia
permitido a aplicação dos questionários da UNESCO em seu colégio na Nova
Zelândia, considera, nesse artigo, cada uma das ilhas demonstrando a variedade
dos casos e a diversidade das relações que se estabelecem desde a chegada do
europeu na região. Assim, na Nova Zelândia, os maori, vencidos, em sua
interpretação, não isenta de darwinismo, se isolaram, mas são considerados iguais;
os mestiços são assimilados pela população indígena nas Ilhas Cook e também no
Tahiti, mas nessa ilha os chineses, cujo papel na vida econômica do país é
preponderante, são alvo de preconceitos; na Ilhas Fidji, onde inexiste a doutrina da
igualdade racial, os imigrantes indianos, os fidjianos (maioria e em luta pelo poder)
e outras raças (europeus mestiçados) vivem em desequilíbrio. BEAGLEHOLE, E.
Les relations interraciales dans les régions du Pacifique. In: Bulletin Internationale
des Sciences Sociales, vol. II, n. 4, Hiver 1954, p. 512-520.
paz e ao entendimento dos povos buscando se livrar do espectro do
racismo”. (UNESCO, 1950 d, p. 475 e 476)
Com essa disposição, o Departamento de Ciências Sociais
mesmo expressando dúvida em relação à eficácia de publicações,
filmes, conferências e outros no combate às doutrinas que justificam
os preconceitos raciais –, em atendimento à matéria aprovada pela
Conferência Geral, põe-se em busca dos subsídios esperados dos
estudos sobre as relações entre as raças no Brasil e em outros
“paraísos raciais”. Da mesma forma, busca resultados de estudos
referentes às medidas legais em estudo ou adotadas em diferentes
países para atenuar as dificuldades nas relações entre as raças.
41
O Hawaí, a Nova Zelândia e várias ilhas compreendidas nas
regiões oriental e meridional do Pacífico, como vem confirmar
Beaglehole (1954),
42
são exemplos de regiões onde diferentes grupos
raciais vivem de modo harmonioso, ou sem grandes conflitos como
em outras regiões do globo onde são constantes os antagonismos
raciais. O papel da escola na difusão de um patrimônio cultural comum
é então enfatizado pelo autor. Em sintonia com o ideário da UNESCO,
ele considera fatos normais as tensões produzidas nas sociedades,
pois, embora geradoras de conflitos, proporcionam, ao mesmo tempo,
condições favoráveis para a evolução e o progresso, produzindo,
portanto, também a possibilidade de equilíbrio social.
179
Conclui-se então que “as relações fundadas na igualdade das ra-
ças constituem, na prática, o melhor meio de se atingir a justiça social”
(p. 520). A isso Beaglehole chama “doutrina racial não-ortodoxa”, o fun-
damento necessário para reduzir ao mínimo a intensidade dos estados de
tensão, pois os problemas advindos das relações raciais jamais poderão
ser resolvidos de uma vez para sempre. Ao contrário, vêm à tona sempre
que se complicarem os fatores econômicos, acirrando a competição e
exacerbando os antagonismos raciais latentes. Todavia, e isto é impor -
tante para as esperanças no ideal de um mundo unido e, portanto, para as
atividades do programa da UNESCO e dos governos, reafirma-se a idéia
segundo a qual “com boa vontade e um conhecimento exato das tensões,
é possível refazer , não importa onde, com o mesmo sucesso, tudo o que
o Hawaí e a Nova Zelândia realizaram ou estão realizando”. (p. 520)
Os estudos sobre a questão racial no Brasil suscitam esperan-
ças e preocupações
43
apresentadas nas reflexões de Alfred Métraux
no período imediatamente anterior e posterior à sua vinda ao país,
com a finalidade de viabilizar a concretização da resolução aprovada
na 5
a
CG realizada em maio de 1950. Estudos realizados, como
lembra ele, ao explicar os objetivos da resolução, apontavam para a
existência, no país, de uma harmonia social entre as raças, cuja fusão
consistia numa “aspiração da nação brasileira”. A verificação
científica de casos como este constituiria, pois, um forte argumento
contra o racismo em suas diferentes manifestações, como são
exemplos as medidas discriminatórias e segregacionistas fundadas
na crença sobre os malefícios da miscigenação.
43
Esperanças e preocupações expressas em artigos de Métraux, nos quais nos
baseamos aqui. Em um desses artigos Métraux é explícito quanto aos interesses
da UNESCO nos estudos sobre a questão racial no Brasil, quando afirma haver
em relação a eles “bem mais do que interesses científicos. Os resultados esperados
de uma tão vasta enquete nos darão, provavelmente, precisão sobre os mecanismos
de formação dos preconceitos de raça. Poder-se-á, então, atacar o mal por suas
raízes, trabalhar no sentido de eliminar as condições favoráveis ao seu
desenvolvimento”. Cf. Le Courrier de L’UNESCO, vol. III, n. 8, septembre
1950, p. 8; MÉTRAUX, Alfred. L’UNESCO et le problème racial. In: Bulletin
International des Sciences Sociales, vol. II, n. 3, Automne 1950; Race et
civilisation. In: Le Courrier de L’UNESCO, vol. III, n. 6-7, juillet-août, 1950 a;
Une enquête sur les relations raciales au Brésil. In: Le Courrier de L’UNESCO,
vol. V, n. 8-9 août-september, 1952.
180
Mas houve também a manifestação irritada da parte de orga-
nizações negras, apontando na direção contrária à harmonia racial
testemunhada por muitos, brasileiros e estrangeiros, o que certamen-
te explica o cuidado de Métraux em chamar a atenção para a
necessidade de considerar os limites da técnica do questionário num
país onde admitir o preconceito racial é vergonhoso
44
. Além disso,
foi apresentada, ao diretor da Divisão de Relações Raciais da UNES-
CO, a preocupação com o risco de, com a aplicação dos questioná-
rios, despertar a consciência dos brasileiros para as diferenças entre
as raças, por eles até então supostamente desprezadas, e também o
risco da eclosão dos antagonismos latentes sempre possível nessas
situações, segundo uma perspectiva de biologização ou de
psicologização do social então influentes.
Tudo isto justifica, na reflexão de Métraux, a necessidade de
tais estudos científicos, cuja repercussão poderia ser fundamental no
tratamento da questão racial. Justifica também a necessidade de incluir ,
nesses estudos, a pesquisa antropológica, sociológica e psicológica
em suas várias técnicas e instrumentos, a fim de apreender o fenô-
meno em toda sua abrangência, considerando ainda o meio rural e o
urbano em suas relações, tirando as lições possíveis do conhecimen-
to das influências da economia na formação do preconceito racial,
num momento de industrialização rápida e da concorrência, no mun-
do do trabalho, entre diversos atores proletariado rural, imigrantes
e os homens de cor vista como possível ameaça à democracia
racial nesse país.
44
No Rio de Janeiro a pesquisa da UNESCO foi realizada por Luiz de Aguiar Costa
Pinto e, sob o título O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade
em mudança, foi publicada pela Companhia Editora Nacional, em 1953. Para uma
análise do projeto da UNESCO nos quatro campos de sua realização cf. MAIO,
Marcos Chor. A história do projeto UNESCO: estudos raciais e Ciências Sociais
no Brasil. Rio de Janeiro, 1997. Tese (Doutorado), Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro. O Autor analisa os diversos estudos em seus enfoques
teórico-metodológicos, objetivos e resultados, e o impacto do projeto da UNESCO
sobre as relações sociais no Brasil e no processo de institucionalização das Ciênicas
Sociais no país. Como sugere o título “O contraponto Guerreiro Ramos” Maio
apresenta no capítulo 7 as críticas desse sociólogo, membro do Teatro Experimental
do Negro, aos estudos realisados por pesquizadores estrangeiros e brasileiros
para o projeto da UNESCO.
181
Em sua visita ao Brasil, no início de 1951, Alfred Métraux
providencia a realização dos estudos em duas regiões do país, como
previsto na resolução. Como observara ele, em 1950, o estudo dessas
duas regiões, o Nordeste e o Sudeste, seria importante para as
finalidades previstas para o estudo, pois na primeira região havia alta
porcentagem de negros na população da Bahia, centro de particular
interesse para os estudos; na segunda região, encontram-se a cidade
de São Paulo, primeira referência para uma verificação científica da
pretendida assimilação completa do negro nos grandes centros do
país, e o então Distrito Federal, posteriormente acrescentado ao pro-
jeto. São Paulo e Rio de Janeiro contemplariam o estudo das rela-
ções raciais sob o impacto dos processos de industrialização e urba-
nização, inserindo-se no projeto da UNESCO como contrapontos da
experiência baiana.
Os resultados desses estudos, realizados por grupos diversos
de pesquisadores, de um lado, alimentam as esperanças expressas
por Métraux, pois reforçam a crença na democracia racial.
45
De outro
lado, porém, desvendam o significado de algumas das preocupações
enunciadas por Métraux, pois desmistificam a crença na propalada
democracia racial e, avançando em relação às interpretações vigentes,
inserem a questão racial na ordem social competitiva, na dinâmica da
sociedade de classes, demonstrando que a equiparação formal do
negro não repercute na sua situação de fato, seja no sistema
econômico, seja na vida social da República. Como “liberto” confunde-
45
Incluídas no Programa de Pesquisas Sociais: Estado da Bahia e Columbia
University, da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, as
pesquisas realizadas no nordeste brasileiro, mediante um convênio entre a
UNESCO e essa fundação, tiveram como coordenador Charles Wagley,
então diretor da fundação e que desenvolvera um estudo incluído no
projeto da UNESCO sobre a Hiléia Amazônica. WAGLEY, Charles e outros.
Raças e classes sociais no Brasil rural, UNESCO, 1952, que traz artigos
de M. Harris, W. H. Harry e B. Zimmerman e AZEVEDO, Thales de. As
elites de cor: um estudo de ascensão social. Biblioteca Pedagógica Brasileira,
vol. 282, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955, publicado
originalmente, em 1953, pela UNESCO sob o título Les élites de couleurs
dans une ville brésiliene. No Nordeste, Pernambuco também se inseriu no
projeto da UNESCO com o trabalho de René Ribeiro intitulado Religião e
relações raciais cf. MAIO, 1997, cap. 5.
182
se com o escravo, e como negro deve manter-se em seu lugar no
mundo dos brancos.
46
46
Quando Métraux chega ao país, os estudos sobre a questão racial no Brasil
meridional, realizados sob a coordenação de Florestan Fernandes e Roger Bastide,
se encontravam em andamento respondendo à solicitação de Paulo Duarte, da
Revista Anhembi, à qual a UNESCO então se associou, custeando parcialmente a
coleta de dados. O Inquérito UNESCO-Anhembi foi publicado originalmente pela
Anhembi, graças a uma subvenção conseguida junto à Universidade de São Paulo,
no volume X-XI, n. 30, 1953, ano em que Les élites de couleurs dans une ville
brésilienne, de Thales de Azevedo, é publicado pela UNESCO. Fica sem resposta
a questão sobre a validade de atribuir o desinteresse da UNESCO pela publicação
de “Brancos e negros em São Paulo (...)” aos resultados contrários àqueles esperados,
tendo em vista as finalidades extracientíficas às quais, se esperava, a ciência
conferisse os fundamentos. Florestan Fernandes atribui à rigidez da UNESCO
quanto ao prazo da pesquisa o fato de ser ela apresentada nessa primeira edição
sem todas as conclusões teóricas alcançadas. Mas refere-se também a críticas
segundo as quais o trabalho apresentado pelo grupo fora considerado “perigoso”,
o que merece de F. Fernandes o comentário: “como se os investigadores fossem
responsáveis pelas tensões latentes ou abertas, que eles se limitaram a descrever e
a interpretar”. Cf. BASTIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. Brancos e negros
em São Paulo. Ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações
atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 2
a
. ed. (revista e
ampliada) Coleção Brasiliana, vol. 305, São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1959. que se ressaltar, entretanto, que, no relatório às Nações Unidas, 1952-
1953, John W. Taylor , ocupando interinamente o cargo de diretor-geral da UNESCO
em virtude da demissão, a pedido, de Torres de Bodet, relaciona entre os novos
relatórios publicados os seguintes trabalhos:“Les Relations Raciales à São Paulo:
contribution à l’étude sociologique du préjugé de couleur dans ses rapports avec
les structures sociales”, de R. Bastide e F. Fernandes; “Les relations raciales dans
la ville d’Itapetininga, État de São Paulo”, de Oracy Nogueira, assim como o
relatório de estudo psicológico sobre os preconceitos em escolares preparado por
Aniela Ginsberg e Virgínia Bicudo. Cf. UNESCO. Rapport aux Nations Unies
1952-1953. Paris: UNESCO, 1953 b, p.159. Florestan Fernandes, ressalta a
importância desses estudos realizados com os sociólogos que com ele trabalharam
na Faculdade de Filosofia da USP, não apenas como contribuição empírica para o
conhecimento da sociedade brasileira, mas também na sua vida, como sociólogo e
como ser humano. Cf. FERNANDES, Florestan. A condição de sociólogo. São
Paulo: Hucitec, 1978, p. 24-25 e 92-96. Seu projeto, que abre uma linha de
pesquisa, foi estendido, posteriormente, para o Sul do país, com o trabalho de
CARDOSO, Fernando Henrique e IANNI, Octavio. Cor e mobilidade social em
Florianópolis: aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do
Brasil meridional. Prefácio de Florestan Fernandes. Col. Brasiliana, vol. 307, São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960.
183
Cuidando da diversidade para construir a unidade em
fragmentação
A segund a e a terceira resoluções, também aprovadas na 5
a
CG-1950, referem-se a assuntos discutidos desde a 2
a
CG-1947. Uma
delas autoriza a realização de um encontro reunindo pensadores e
filósofos de diferentes países com o objetivo de pensar as relações
culturais entre o Oriente e o Ocidente. A outra recupera, superando-
o, um projeto dos ministros de Educação dos países europeus produ-
zido quando, reunidos na Comissão dos Ministros Aliados da Educa-
ção (CMAE), pensaram na elaboração de uma história do “desen-
volvimento espiritual da Europa como resultado da contribuição de
cada nação do continente”. (Laves e Thomson, 1957, p. 400)
Sinal dos novos tempos, no mundo bipolar do pós-guerra, discute-
se na 2
a
CG da UNESCO a elaboração de uma História do Desenvol-
vimento Científico da Humanidade, como construção conjunta do Oci-
dente e do Oriente. Procura-se responder assim às exigências de cons-
trução das bases para a compreensão internacional, perante os novos
conflitos e suas causas, entre as quais os preconceitos, a discrimina-
ção e a segregação raciais que se expressam também na negação da
contribuição cultural dos diversos povos na construção e reconstrução
de uma civilização mundial, conforme denúncias reiteradamente apre-
sentadas nos organismos internacionais desde 1946.
Estreitamente vinculada ao encontro de filósofos e pensado-
res, realizado em dezembro de 1951, em Nova Delhi, a elaboração
da História do Desenvolvimento Científico da Humanidade, entretanto,
exigiu mais tempo e engenho para ser iniciada. A comissão
encarregada da elaboração do trabalho é constituída, logo após a
aprovação da resolução concernente, como associação internacional
autônoma, com a finalidade de, em nome da UNESCO, mas assu-
mindo toda a responsabilidade, coordenar a elaboração do trabalho.
É necessário, entretanto, esperar até 1958 para a apresentação
do plano ou programa de sua execução. Antes disto, Paulo E. B.
Carneiro, membro da delegação brasileira junto à UNESCO e
presidente da comissão, teve de responder às críticas advindas dos
meios católicos dos Estados Unidos, relativas ao viés anti-religioso
do trabalho. Documentos dando conta das providências para a
184
elaboração do trabalho foram apresentados na sétima, oitava e na
nona sessões da Conferência Geral da UNESCO, realizadas, respec-
tivamente em 1952, 1954 e 1956. Numa dessas oportunidades, o
presidente lembra a ocorrência de audiência privada com o papa Pio
XII para discussão do projeto e tranqüiliza os adeptos das várias
religiões, afirmando a ausência de qualquer tipo de viés no trabalho.
47
Fazia parte do plano de trabalho a publicação, em inglês, fran-
cês e espanhol, dos artigos que comporiam a obra, num periódico
trimestral, o que começa a ocorrer a partir de 1953.
48
O objetivo de
uma publicação preliminar consiste, exatamente, em assegurar aos
estudiosos a oportunidade de apresentarem as críticas julgadas cabí-
veis, antes da incorporação dos artigos ao trabalho. Complementan-
do esses cuidados, as críticas deveriam ser consideradas por autores
e editores na elaboração de notas em cada um dos seis volumes da
obra, registrando-se assim os diferentes pontos de vista sobre fatos,
eventos, movimentos.
Tendo sua realização aprovada na mesma Conferência Geral,
o Encontro de Filósofos e Pensadores de Diferentes Países sobre as
Relações Culturais entre Oriente e Ocidente e a História do Desen-
volvimento Científico da Humanidade, em seus desdobramentos,
guardam entre si uma estreita relação. Os aspectos ressaltados nes-
se encontro demonstram essa relação especialmente no que diz res-
peito ao desejo de construção de uma unidade, não isento do senti-
mento de superioridade racial e cultural, e de prioridade e exclusivi-
dade na construção histórica da humanidade, que deve prosseguir o
47
Em seguida a essa audiência foram nomeados o monsenhor Blanchet, reitor do
Instituto Católico de Paris, e o padre Antonio Messineo, editor da Civiltá
Cattolica, em Roma, para participar da comissão. Cf. LAVES e THOMSON,
1957, p. 241 e seguintes.
48
Nesse ano, a comissão se amplia para incluir Lucien Febvre, editor do Journal
of World History, periódico trimestral no qual, desde então, artigos sobre o
tema são publicados em inglês, francês e espanhol. Em 1954, a URSS, a
Tchecoslováquia, a Hungria e a Polônia, convidados desde 1952 a participar
da comissão, manifestaram-se afirmativamente a respeito e encaminharam
providências nesse sentido. Seria interessante acompanhar os desdobramentos
posteriores desse trabalho, que não se restringiram a essas primeiras
resistências e cuja publicação em inglês e francês estava, nessa ocasião, prevista
para 1960 e 1961.
185
curso de sua ocidentalização, carregando os projetos de moderniza-
ção das sociedades e dos modos de viver de povos e gentes.
Unidade e diversidade, aspectos comuns e diferenças, vale
ressaltar, explicitam-se e ocultam-se nesse encontro que reúne e,
eventualmente, põe em confronto autoridades representando a Índia
e o Ceilão, o Oriente Médio e o Extremo Oriente, países da Europa e
da América, na busca de um destino que se quer comum.
Conforme o documento básico preparado para o encontro, a edu-
cação vista como única possibilidade de eliminação do mito da superi-
oridade racial e da “apresentação chauvine da história”, exemplos de
obstáculos à democracia se situa como problema central tanto para o
Ocidente como para o Oriente na temática desse encontro, cujo objetivo
consiste em aprofundar a questão referente à possibilidade de,
confrontando os ideais próprios a cada uma das civilizações, resgatar os
valores inerentes a um humanismo adaptado ao mundo contemporâneo.
Desta forma, busca-se viabilizar a finalidade explicitada por
Jacques Maritain em 1947, quando se discute pela primeira vez a
realização desse encontro de filósofos e pensadores: “esforçar-se
por descobrir convergências práticas, à luz de uma compreensão
recíproca tão profunda quanto possível”. Na verdade, objetiva-se
com o encontro uma solução pragmática para os desacordos desen-
cadeados pela proposta de uma filosofia denominada humanismo
científico mundial , apresentada por Julien Huxley, primeiro diretor-
geral da UNESCO, para a atuação da organização, tendo em vista a
construção de um mundo unido.
Visto por um outro ângulo, quando o Oriente, particularmente
a Índia, reivindica o reconhecimento de sua contribuição ao desen-
volvimento da cultura, trata-se de unir Oriente e Ocidente na cons-
trução de uma cultura da paz, objetivo e ideal constantes da pauta da
UNESCO, exigindo, naquele momento da história mundial, a queda
das barreiras culturais e religiosas visando à modernização das soci-
edades e sua industrialização.
49
49
O tema da religião discutido no encontro encaminha-se para a distinção, tão
necessária à aceitação dos valores inerentes ao processo de modernização das
sociedades, entre religiosidade e fanatismo. Cf. UNESCO. Humanisme et
éducation en Orient et Ocident. Entretien international organisé par l’ UNESCO.
Paris: UNESCO, 1953c.
186
Na sessão de abertura, o ministro indiano da Educação identifica
em Nova Delhi a atmosfera própria ao encontro, pois reunia, ao mesmo
tempo, as condições modernas e a tradição representada nos monumen-
tos expostos ao olhar dos presentes. Tal identificação pode ser lida como
uma expressão do empenho modernizante, às vezes visto com desconfi-
ança por outros participantes do mundo oriental, das elites indianas, repre-
sentadas nos organismos internacionais e no cenário mundial.
É necessário considerar, entretanto, a ressalva de Hobsbawm
(1995, p. 201) sobre a relação das elites ocidentalizadas no pós-guerra
com “os valores dos Estados e culturas que tomavam como modelo.
Suas opiniões pessoais podiam ir de 100% de assimilacionismo a
uma profunda desconfiança do Ocidente, combinada com a convicção
de que pela adoção de suas inovações se poderia preservar ou
restaurar os valores específicos da civilização nativa”.
A observação segundo a qual “a Índia não é o Oriente”, repetidas
vezes apresentada, no decorrer do encontro, não invalida a apresentação,
aqui, da alocução do primeiro-ministro indiano, Jawaharlal Nehru, na
sessão de encerramento do encontro.
50
Os três pontos nela abordados
ressoam de maneira primorosa o encontro como um todo,
51
pois
50
Cf. Allocution par S. Exc. M. Jawaharlal Nehru, premier ministre de l’Inde, lors
de la séance de clôture de l’entretien. In: UNESCO, 1953c, p. 211-218.
51
As discussões do encontro são apresentadas em relatório organizado em três
itens, a saber: 1) o perigo que representa ao ideal de um mundo unido a insistência
demasiada na oposição entre Oriente e Ocidente; 2) a dívida secular e recíproca,
ainda que não reconhecida pelo Ocidente, entre as duas civilizações; 3) a
preeminência da racionalidade científica no Ocidente, a impossibilidade de
repudiar a ciência e a atitude científica (defendida pela representação indiana), as
vantagens e inconvenientes de adoção de uma concepção científica da realidade
pelo Oriente, assim como as implicações dessa adoção na concepção de educação.
Aqui se discutem os riscos de se evitar a razão, mas também os perigos de uma
abordagem estritamente racionalista em detrimento de abordagens que levem em
conta outras dimensões da pessoa humana, no plano cultural mais amplo,
incluída a imaginação e os valores estéticos. Nesse sentido, recomenda-se o
ensino da filosofia, e não da biografia dos filósofos, mesmo para os estudantes
das áreas científicas. O argumento é que a filosofia pode mostrar ao cientista os
limites do domínio da ciência. No que diz respeito à educação discute-se ainda a
importância de desencorajar as tendências nacionalistas, principalmente no que
diz respeito ao ensino da história, sobretudo quando se fundam no postulado de
uma superioridade racial. Cf. UNESCO, 1953 c.
187
expressam as esperanças na reflexão ali empreendida e nas
recomendações aprovadas, para fundar as bases de um intercâmbio
efetivo, isto é, de enriquecimento mútuo entre Oriente e Ocidente.
O primeiro ponto das reflexões de Nehru diz respeito às suas
preocupações diante da constatação de que a “vida do espírito”, da
qual deriva toda a civilização, está sendo por ela própria destruída, pois
o progresso, propiciado por campos especializados os únicos na per-
cepção de muitos, ressalta ele –, separa-se cada vez mais do espírito
humano, evidenciando um defeito sério nas bases mesmas desta civi-
lização, cujo criador é por ela transformado em escravo, em robô.
As conseqüências daí extraídas conduzem o primeiro-ministro
indiano ao segundo ponto. Refere-se ele a um momento da história
mundial quando a Europa, para redescobrir sua tradição, valera-se do
intercâmbio filosófico, científico e técnico com a cultura oriental. Nehru
considera os possíveis riscos das freqüentes referências à falsa dico-
tomia ou oposição Ocidente/Oriente, sendo um deles o impedimento
de pensar a contradição fundamental dessa civilização o progresso
em sua tendência construtiva e seus elementos destrutivos. Além disso,
contribui para esconder o fato de que essa civilização, erigida sobre as
bases da tradição greco-romana, se fizera tal como então se apre-
sentava a partir do progresso científico e industrial. Os frutos do pro-
gresso, entretanto e esse é o terceiro item da reflexão de Nehru –,
são negados, na democracia formal, juntamente com os meios de pen-
sar, às massas humanas que afinal elegerão seus governantes.
Ao referir-se à democracia formal então se estendendo ao Ori-
ente, Nehru chama a atenção para o crescente agravamento motivado
pelo emprego da publicidade e dos métodos de propaganda em desen-
volvimento na moderna sociedade industrial. Dessa forma, o primeiro-
ministro indiano prenuncia desdobramentos futuros das complexas re-
lações dos meios de comunicação com a questão racial e, mais espe-
cificamente, com o racismo e suas motivações econômicas e políticas,
no âmbito de uma política mundial bipolarizada.
Essa política, vale lembrar, ganha expressão na UNESCO na
interlocução importante a despeito de quase sempre ter se constitu-
ído como um diálogo de surdos, antes do ingresso da URSS na UNES-
CO do delegado da Iugoslávia e dos delegados da Hungria, da
Polônia, da Tchecoslováquia com os delegados do mundo ocidental
188
52
O planejamento desse estudo envolveu uma mesa-redonda promovida em 1956
pela Associação Internacional de Ciência Política e outras reuniões com
participação de ONGs, decidindo-se então explorar dois temas: o desenvolvimento
histórico e teórico do conceito de cooperação pacífica, que parece ter prevalecido,
e relações econômicas entre países com diferentes sistemas econômicos e sociais.
Cf. LAVES e THOMSON, 1957, p. 260-262.
53
Em 1956 é aprovado o Projeto Principal para Apreciação Mútua dos Valores
Culturais do Oriente e do Ocidente, resposta à reivindicação reiterada,
particularmente da Índia, sobre a necessária mas ausente consideração da
contribuição que o Oriente pode e deve dar à cultura. Mas esse projeto responde
também ao objetivo proclamado de revigorar a difusão cultural, mantendo, ao
mesmo tempo, a integridade e a diversidade das culturas. Cf. FRADIER, Georges.
Orient et Occident. Peuvent-ils se comprendre? Paris: UNESCO, 1958.
54
Proposta nesse sentido é apresentada pela primeira vez na 4
a
CG-1949, quando
a UNESCO inicia suas atividades ligadas à questão racial. A proposta vem do
governo da Holanda e tem como alvo as devastações provocadas pela Segunda
Guerra Mundial. Na 5
a
CG-1950, a delegação italiana sugere providências a fim
de preparar os termos de uma convenção, visando à proteção dos bens culturais.
desde as primeiras sessões da Conferência Geral. O fortalecimento
desses interlocutores se a partir de 1954, quando novos membros
do mundo socialista Ucrânia, Belarrus, URSS e, dois anos depois, a
Romênia e a Bulgária tornam-se Estados-membros da UNESCO.
O ingresso da URSS na UNESCO abre um novo item no seu
programa de tensões. Aquele relativo à “tensão” entre EUA, seu
maior provedor financeiro, e a URSS, seu novo Estado-membro. Na
Conferência Geral de 1954, a primeira com a presença da URSS, é
aprovada uma resolução autorizando o diretor-geral a realizar estudos
a respeito dos meios de promover a “cooperação pacífica” ao que
a URSS apõe o conceito de “coexistência pacífica” entre países
com diferentes modos de organização social.
52
Dessa forma, a partir da segunda metade da década de 1950, não
apenas a Guerra Fria ganha uma nova dimensão no interior da UNESCO,
como também ganhara no contexto social mais amplo. Ela também
incidirá nas relações Oriente–Ocidente,
53
nas lutas e debates pela
libertação colonial, nos debates e atividades sobre a questão racial,
naquelas referentes ao estudo das diferentes culturas, e também no
programa de preservação e recuperação de monumentos históricos,
incluindo a proteção da propriedade cultural em caso de conflito armado.
54
189
Outros fatos, porém, contribuirão para mudanças, por exem-
plo, na composição das comissões de especialistas convocados pela
UNESCO, assim como em sua própria composição e nos seus pro-
gramas. Considere-se nesse sentido o ingresso, entre 1954 e 1965,
de 31 novos Estados, da África, da Ásia e do Oriente Médio, na
organização, quando o ano de 1960 costuma ser denominado “o
ano africano”, pois, nesse ano, 17 países desse continente tor-
nam-se Estados-membros da UNESCO. Outros cinco Estados do
continente africano e mais seis asiáticos nela ingressarão nos dez
anos seguintes.
Nesses dois períodos de recomposição das forças mundiais,
prossegue a discussão sobre a questão racial, mediante a qual a
UNESCO trabalha no sentido de promover um concerto unindo as
diversas vozes e atores, num cenário mundial cuja polifonia, oculta
numa política bipolarizada e ali estudada como tensão, revela-se
nos diversos acontecimentos que causarão mudanças substantivas
no cenário mundial, incluída a UNESCO. Esse cenário vai se
evidenciando, a partir da década de 1960, cada vez mais multipolar,
e a UNESCO deverá prosseguir, sendo intergovernamental e abri-
gando os mais diversos Estados-membros, aprendendo e ensinan-
do a ser e a viver a supranacionalidade de um mundo em processo
simultâneo de transnacionalização e de transculturação, portanto,
de rearticulação das forças inseridas na mão e na contramão de
um vasto, amplo e contraditório processo de ocidentalização em
suas múltiplas ressignificações.
Em maio de 1954, governos de 56 países, entre os quais a URSS, participam
da Conferência Intergovernamental sobre Proteção da Propriedade Cultural,
em que é adotada a Convenção Internacional de Proteção dos Tesouros
Culturais com os respectivos protocolo e regulamentações. Até 1957 nove
Estados Bulgária, Burma, Egito, Hungria, Polônia, México, San Marino,
Iugoslávia e URSS haviam ratificado a convenção, que entra em vigor em
agosto de 1956. Cf. LAVES e THOMSON, 1957, p. 129-132. Em 1960, a
UNESCO contará com uma importante contribuição financeira dos EUA
para a realização do projeto de restauração dos monumentos de Filae e Abu
Simbel ameaçados pelas águas do Rio Nilo após a construção da represa de
Assuan feita com ajuda financeira da URSS, revelando-se uma das diversas
manifestações da Guerra Fria.
190
55
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)
objetiva articular o sistema de ajuda ao desenvolvimento, contendo os interesses
diversos e mesmo excludentes dos “doadores” ocidentais, unidos contra o
comunismo, nos limites do conceito de interdependência, eventualmente
atropelado na competição capitalista nas congestionadas vias dessa ajuda. Trata-
se de um novo diretório mundial em resposta ao ingresso dos novos Estados-
membros nos organismos intergovernamentais criados no pós-45 e as articulações
diversas das forças presentes desde então possibilitadas. Por exemplo, situando
os EUA numa posição isolada quando a matéria em discussão reúne interesses
de países da Europa Ocidental, do bloco socialista e do Terceiro Mundo.
A conjuntura política da década de 1960 favorecia a estratégia da
coexistência pacífica entre as duas superpotências, a despeito da manu-
tenção do clima de Guerra Fria, isto é, da presença do terror nuclear ,
uma ameaça permanente. Acordos de cooperação científica educacional
e cultural a partir de 1958, um ano após o lançamento do Sputnik pela
URSS, demonstram a disposição para a distensão política nas relações
entre EUA e URSS, que, entretanto, farão o mundo viver momentos de
tensão em episódios de confronto, principalmente no início da década.
Ressaltem-se ainda as conseqüências dessa realização sovié-
tica nos programas de pesquisas espaciais dos EUA, cujos frutos
mudarão a fisionomia e a paisagem do mundo, anunciando as condi-
ções técnicas para sua unificação e expondo, ao mesmo tempo, si-
nais visíveis de sua fragmentação.
Na trama do tecido de uma sociedade interdependente, con-
cretizando-se como efetivamente mundial, os mecanismos ou estra-
tégias de poder se emparelham e se superpõem no confronto/encontro/
desencontro das forças contrárias que lhe dão vida, e buscam
administrar a complexidade de seus desdobramentos.
Assim, tomando como referência o ano da construção do
Muro de Berlim, materialização, ao longo de quase três décadas,
da divisão da cidade e de seus habitantes, pode-se pensar numa
lógica inscrita no exercício do poder, e nas relações diplomáticas,
em acontecimentos como a organização do chamado Terceiro
Mundo no Movimento dos Países Não-Alinhados, cuja primeira
reunião de cúpula realiza-se em 1961; a criação da Unctad na
estrutura da ONU em 1964, foro onde os não-alinhados se
corporificarão no Grupo dos 77; num contexto que exige também a
191
criação, em 1960, da OCDE,
55
foro que reúne os pólos desenvolvidos
do mundo capitalista; a criação, em 1973, da Comissão Trilateral,
56
e a criação, em 1975, do Grupo dos 7.
Desta forma, quando os organismos internacionais criados
no pós-45, para coordenar a cooperação entre as nações, apro-
vam nas décadas de 1960 e 1970 instrumentos internacionais re-
gulamentando as reivindicações apresentadas pelos países em de-
senvolvimento, estruturas mundiais de tomada de decisões, dire-
tórios mundiais de coordenação do desenvolvimento econômico
articulam os países capitalistas desenvolvidos na defesa de seus
interesses, ameaçados pelos movimentos reivindicatórios e pelo
apoio por eles obtido na ONU, desde a segunda metade da déca-
da de 1960.
A Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Interna-
cional e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos aprovados
respectivamente pela Conferência Geral da UNESCO e pela As-
sembléia Geral da ONU, em 1966; a Carta dos Direitos e Deveres
Econômicos dos Estados, resultado de reivindicação da terceira reu-
nião da Unctad e aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1974;
os documentos tratando do estabelecimento de uma Nova Ordem
Econômica Internacional, aprovados em sessões extraordinárias da
Assembléia Geral da ONU, realizadas em 1974 e 1975 por solicita-
ção dos países não-alinhados reunidos em Argel em 1973; as resolu-
ções sobre a contribuição da UNESCO para a pa z e a luta contra o
56
Numa realidade mundial em processo de transnacionalização, essa comissão
reúne empresas privadas dos EUA, da Europa e do Japão para atender à
necessidade de coordenação e organização da economia mundial até então
realizadas por estruturas internacionais que reuniam os pólos ocidentais do
sistema mundial: o Conselho de Relações Exteriores articulado pelos EUA e pela
Inglaterra, em 1919, e o Círculo de Bildeberg, criado em 1954, para incluir países
da Europa Ocidental nas decisões mundiais. Cf. SIST, A e IRIARTE, G. Da
segurança nacional ao trilateralismo. In: ASSMANN, Hugo et alii. A Trilateral.
Nova fase do capitalismo mundial. Petrópolis: Vozes, 1979; DREIFUSS, René.
A Internacional Capitalista. Estratégias e táticas do empresariado transnacional,
1918-1986. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986. A organização desses países
nesses foros não configura dois blocos homogêneos em confronto ou competição.
Diversidade de interesses e competição interna unem e dividem os Estados-
nações dos dois blocos de poder nesses foros .
192
57
Em virtude das várias propostas que se seguem à da Tchecoslováquia sobre a
discriminação no ensino, é constituído um grupo de trabalho para formular a
convenção concernente à discriminação racial no ensino então aprovada. Dois
anos após, é instituída a Comissão de Conciliação e Bons Ofícios para dirimir
possíveis controvérsias advindas da convenção que, nos Estados Unidos, exigiu
providências do Departamento de Estado que informa, em comunicado, que a
convenção e as recomendações sobre a discriminação no ensino não afetariam em
nada a educação nos EUA, país que, por sinal, não a tinha assinado . Cf.
ARCHIBALDI, Gail, 1993, p. 275-276 e 282-283. Ver também: JUVIGNY,
Pierre. The fight against discrimination: towards equality in education. UNESCO,
Paris, 1963.
58
As resoluções aprovadas nessas duas últimas reuniões da Conferência Geral
condenam o racismo praticado por Israel e pela África do Sul e Rodésia. A
primeira resultou na suspensão pelo governo dos Estados Unidos de sua cota
para o orçamento ordinário da UNESCO para o biênio 1975-1976.
59
A relação poderia se alongar, incluindo vários outros documentos internacionais
aprovados nessas duas décadas pela ONU. Ver: ONU. Las Naciones Unidas y
los derechos humanos: 1945-1995. Com una introducción del Sr. Boutros Boutros
- Ghali, Secretario General de las Naciones Unidas, 1996.
colonialismo e o racismo adotadas nas 11
a
CG-1960,
57
13
a
CG-1964,
15
a
CG-1968, 16
a
CG-1970, 17
a
CG-1972, 18
a
CG-1974 e 19
a
CG-
1976
58
são elementos constitutivos e denotativos do contexto em que
prossegue o debate sobre a questão racial.
59
Nesses documentos se explicitam as relações estreitas e con-
traditórias entre meios de informação cujo desenvolvimento os trans-
forma em elemento vital do sistema social–easociedade e, no
interior desta, entre esses meios e a questão racial. Nessas sucessivas
resoluções da UNESCO explicitam-se ainda as relações dos seus
campos primordiais de atuação com os meios de comunicação, então
chamados a combater as práticas que, conforme denúncias e
reivindicações em vários foros de discussão, estão sendo
concretamente incentivadas ou promovidas mediante seu uso ou a
forma de sua distribuição. Nesse contexto, justifica-se o longo título
que une meios de comunicação e a questão racial na Declaração
sobre os Princípios Fundamentais Relativos à Contribuição dos Meios
de Comunicação de Massas ao Fortalecimento da Paz e à
Compreensão Internacional, à Promoção dos Direitos Humanos e à
Luta Contra o Racismo, o Apartheid e a Incitação à Guerra, elaborada
193
mediante longo processo de negociação e aprovada pela 20
a
CG-
1978, após adiamentos sucessivos.
Esses documentos se constituem em reiterações discursivas dos
direitos proclamados como universais desde 1948,
60
e, portanto, em
tentativas de imprimir na consciência dos Estados-membros e de seus
governantes os valores de uma ética universal fundada no
desenvolvimento humano, defendida de modo permanente pela UNES-
CO que, entretanto, não abre mão do crescimento econômico. A efici-
ência do processo de crescimento econômico fica aos cuidados do
sistema de poder paralelo criado pelos pólos desenvolvidos do capita-
lismo, cujos organismos atuam também em parceria com a UNESCO.
Nesse contexto, persiste e ressurge o racismo em manifestações
diversas, exigindo da UNESCO a atualização do conhecimento biológi-
co em sua relação com as questões de raça. Providência nesse sentido
é tomada em 1964, quando um grupo de especialistas, reunidos em Mos-
cou, formula um conjunto de proposições sobre os aspectos biológicos
da questão racial visando à atualização da declaração de 1951, e com a
finalidade de subsidiar a elaboração de uma nova declaração, prevista
inicialmente para 1966. Mas a aprovação da Declaração sobre a Raça e
os Preconceitos Raciais ocorrerá no ano seguinte.
Expressão do novo momento político e das possibilidades ofe-
recidas pelo desenvolvimento das tecnologias da informação para a
comunicação dos povos, o aspecto cultural e histórico ganha um es-
paço maior não apenas nessa declaração, cuja formulação deveria
considerar, além dos aspectos biológicos, os aspectos sociais e éticos
da questão racial, mas também no conjunto de proposições redigidas
em 1964. Essa mudança evidencia um novo momento também da
60
Numa avaliação dos 25 anos da Declaração dos Direitos Humanos, particularmente
no que respeita aos seus artigos 26 e 27 que tratam dos direitos à educação, à
cultura e ao progresso científico, René Maheu considera as condições desiguais
sob as quais ocorre o desenvolvimento, a renovação sob diversos aspectos da
discriminação racial, obstáculos ao gozo desses direitos e ressalta a ambigüidade
fundamental entre a vocação da UNESCO e sua natureza intergovernamental e a
distância que separa as aspirações da consciência moral dos povos inscritas em
seu Ato Constitutivo e as sujeições impostas pela razão do Estado. Cf. MAHEU,
René. Perspectives sur l’UNESCO. Introduction au rapport du directeur général
sur l’activité de l’organisation en 1973. Paris: UNESCO, 1973, p. 52-54.
194
biologia, marcado por controvérsias sobretudo em torno da pertinên-
cia do uso do conceito de raça aplicado a populações humanas, cujas
realizações culturais, argumenta-se, interferem de várias formas e
com eficácia cada vez maior nos fatores de evolução genética.
61
Distinguindo a declaração de 1967 das anteriores, ressaltam-
se ainda dois aspectos. Nas duas primeiras declarações, os conheci-
mentos da biologia então sintetizados no problema da igualdade são
acompanhados de ressalva assentada em termos bastante próximos
do liberalismo do século XIX, no sentido de que a igualdade dos direi-
tos e a igualdade perante a lei, sendo princípios morais, não têm como
fundamento “o postulado de que todos os seres humanos são igual-
mente dotados”. (Item 8, Declaração de 1951)
a declaração sobre a raça e os preconceitos raciais, de
1967, redigida quando se fortalece na UNESCO a idéia da indissoci-
abilidade dos direitos, entre os quais o direito à cultura, abre-se com
a expressão atualizada consagrada em 1948, no postulado segundo o
qual “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”
e prossegue denunciando não apenas as desigualdades econômicas,
políticas e culturais percebidas como ameaçadoras desses direitos,
mas também o racismo o maior obstáculo contraposto a eles.
Essa declaração se distingue ainda das anteriores ao apresen-
tar repetidas vezes a palavra “racista”, qualificando doutrinas, práticas
e comportamentos, e a palavra “racismo”, atribuída ao fenômeno
cujas raízes são identificadas como histórico-sociais. Vale dizer, as
origens dos preconceitos raciais situam-se nas relações econômicas
e políticas, ocultadas, nas declarações de 1950 e de 1951, sob a “éti-
ca da fraternidade universal”, ou sob a defesa da “tendência inata à
61
As 13 proposições formuladas em Moscou são ratificadas pelo grupo que
redige a declaração de 1967. O texto da declaração, entretanto, retém apenas
três, relativas, respectivamente, à afirmação do monogenismo; à atribuição da
divisão da espécie humana em raças, tanto à convenção, quanto ao arbítrio; ao
destaque do limitado alcance científico das classificações raciais e dos riscos
que apresentam, por exemplo, o de servir a uma hierarquização das raças, o
que é então explicitamente negado. Cf. UNESCO. Declaracion sobre la raza y
los prejuicios raciales. In: El Correo de la UNESCO. Año XXI, UNESCO,
Paris, mayo 1968a. Ver as diversas comunicações que serviram de base para a
reunião de 1964 em: Revue Internationale des Sciences Sociales, vol. 17, n. 1,
1965.
195
cooperação”, ou, ainda, sob os aspectos biológicos, especialmente
na declaração de 1951. Explicitam-se, assim, na declaração de 1967,
as origens não-biológicas mas socioculturais dos preconceitos raci-
ais, sem contudo desconsiderar suas variações relativas à personali-
dade e às circunstâncias particulares. (Itens 10 e 11)
É possível também distinguir essa declaração das demais pela
prevalência das vozes, presentes na comissão de especialistas,
representativas dos povos que têm sido alvo das implicações práticas
da crença numa hierarquia racial, e para os quais a UNESCO, na
nova composição das forças mundiais em seu interior,
62
revela-se
como um foro privilegiado de discussão das condições a serem mo-
dificadas, mediante seu trabalho contra o colonialismo, o neocolonia-
lismo, o racismo e o apartheid.
Expressando essa disposição, explicitam-se no texto da decla-
ração as possibilidades contraditórias da escola como instrumento de
progresso e de compreensão, mas também de perpetuação da discri-
minação entre os homens. As sugestões decorrentes dessa compre-
ensão incluem: um currículo que contenha informações científicas
sobre a raça; a aplicação dos recursos financeiros na educação, de
modo a buscar não a não-discriminação, mas também a discrimi-
nação positiva em sua distribuição entre os grupos da população.
Considerando-se a importância do papel do professor, recomendam-
se ainda cuidados com sua formação, uma vez que, sendo fruto da
sociedade em que vive, ele pode estar imbuído dos preconceitos que
nela se produzem.
Numa perspectiva semelhante, também os modernos meios de
informação lembremo-nos aqui da alocução de Nehru no Encontro
de Filósofos e Pensadores de 1951 são considerados no item 16 da
declaração. Alegando-se o desconhecimento das possibilidades desses
meios na difusão de conhecimentos e na formação de atitudes favoráveis
ou contrárias à compreensão internacional, portanto, favoráveis ou não
62
Essa nova composição se evidencia na nacionalidade dos membros das co-
missões de especialistas para redigir as declarações da UNESCO sobre a
questão racial. As comissões de 1964 e 1967 contam com uma representação
geográfica e política mais ampla do que as anteriores, pois incluem países
africanos e países do Leste Europeu, ausentes nas primeiras.
196
ao agravamento ou à eliminação dos preconceitos raciais, sugere-se o
prosseguimento de pesquisas
63
que elucidem esses aspectos. E, quanto
aos profissionais que atuam nesses meios, é assinalado como seu dever
a manutenção de uma atitude favorável entre grupos e populações,
evitando-se a transmissão de imagens estereotipadas ou a ridicularização
dos povos, ou, ainda, evitando-se a classificação racial da pessoa de
que se fala, a menos que esse dado seja essencial para clareza da
notícia ou matéria.
64
Se, em 1951, a referência de Nehru ao agravamento das con-
dições de realização da democracia, em virtude de como se vinham
utilizando os meios de publicidade, caiu no vazio, o mesmo não ocor-
re na década de 1960, novo momento político e tecnológico, no qual
as relações de força se articulam de modo diverso daquelas do ime-
diato pós-guerra, e quando o poder das media as eleva à condição de
intelectuais orgânicos da modernidade, fazendo-se mundo.
Ao longo da década seguinte, esse movimento prosseguirá numa
estreita associação com os insucessos do Primeiro Decênio para o
Desenvolvimento, programa lançado pela ONU em 1961, e com as
63
Dois anos após a aprovação dessa declaração, a UNESCO reúne, em Montreal,
especialistas sobre o papel dos meios de comunicação em sociedades multiétnicas
para o exame desse item da declaração, quando foi elaborado o documento
Propostas para um Programa de Pesquisas em Comunicação Internacional,
criando-se , então, uma frente de pesquisas sobre os jornais em sociedades
multiétnicas, das quais as primeiras se encontram em: UNESCO. Race as news.
Two general studies on attitude change by Otto Klineberg and Colette Guillaumin
and a study of the Britsh national press by Paul Hartmann, Charles Husband
and Jean Clark. UNESCO, Paris, 1974. Cf. nesta fonte Introduction.
HALLORAN, James D.
64
Desde 1958 e 1959 o potencial dos meios de comunicação se evidencia quando
a Comissão dos Direitos Humanos da ONU solicita ao Ecosoc estudo sobre os
meios de informação nos países em desenvolvimento. Com o deslocamento
geográfico da Guerra Fria, evidenciado na Guerra do Congo, meios de comunicação
associados à educação são vistos como prioritários para o continente africano e
e a UNESCO é chamada a apresentar estudo das necessidades e proposta de
orçamento nesse sentido. Mais de uma década após, os países não-alinhados
denunciam as condições adversas de trocas desiguais, reivindicam novas bases
para o diálogo Norte
_
Sul e expressam seu interesse nas questões da comunicação,
relacionando à Nova Ordem Econômica Mundial, então reivindicada, uma Nova
Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic).
197
respostas daí advindas. Vive-se então um período de desenvolvimento
tecnológico e de multiplicação do poder dos meios de comunicação
que se tornam cada vez mais o centro vital de uma sociedade mundial
vista como “aldeia global” por McLuhan (1969), como “sociedade
tecnetrônica” por Brzezinski (1971), e como ameaça às culturas
particulares pelos governos nacionais. Esses governos passam a
reivindicar nos foros internacionais, particularmente na UNESCO,
um equilíbrio na distribuição desses meios tendo em vista o intercâm-
bio efetivo de informações, e uma regulamentação do seu uso,
65
a
fim de garantir o respeito às identidades culturais e uma verdadeira
comunicação entre os povos.
Estes e outros aspectos implicados nas complexas relações dos
meios modernos de comunicação com a questão racial, assim como
com os demais campos de atuação da UNESCO, serão retomados
exaustivamente ao longo do preâmbulo no qual são lembrados pactos,
acordos, convenções, resoluções aprovados nos diversos organismos
da ONU e também dos 11 artigos da Declaração sobre os Princípios
Fundamentais Relativos à Contribuição dos Meios de Comunicação
de Massas ao Fortalecimento da Paz e à Compreensão Internacional,
a Promoção dos Direitos Humanos e à Luta Contra o Racismo, o
Apartheid e a Incitação à Guerra, aprovada na 20
a
CG- 1978.
Na década 1970 e nas seguintes, o racismo ressurge e se alas-
tra na Europa, que se reúne, em 1972, na Eurocult, a primeira das
conferências regionais sobre as políticas culturais sinalizando uma
mudança da UNESCO em relação ao conceito de cultura.
66
Nessa
conferência, os países europeus, preocupados com a concentração dos
meios de informação, recomendam à UNESCO o apoio aos países
em desenvolvimento para a ressurreição de suas culturas nacionais e
65
Uma regulamentação para o uso do espaço será aprovada em 1972 na Conferência
Geral da UNESCO e também na Assembléia Geral da ONU, com o voto contrário
e solitário dos Estados Unidos.
66
Desde os desdobramentos contraditórios do Primeiro Decênio do
Desenvolvimento, a UNESCO amplia seu conceito de cultura para além do
modelo difusionista até então presente em suas atividades. Sendo central para o
desenvolvimento econômico, a cultura como obra dos homens e não de uma elite
deve ser garantida como um direito e respeitada em sua diversidade, como vimos
no capítulo anterior.
198
67
Ao slogan “a França para os franceses”, de Le Pen, somam-se argumentos diversos
contra a imigração, assim como medidas legais para seu controle e repressão, não
apenas nesse país, mas também na Inglaterra, na República Federal da Alemanha
e nos EUA. Os alvos são árabes e judeus, ciganos e negros, aos quais se atribuem
o desemprego e os males sociais que acompanham o desmonte do Estado do
bem-estar iniciado a partir do final da década de 1970. Cf. WIEVIORKA, Michel.
As mutações do ódio. In: O Correio da UNESCO, ano 14, n. 5, Rio de Janeiro:
UNESCO. Fundação Getúlio Vargas, maio de 1996.
68
Em 1960, a revista Mankind Quartely publica vários artigos como o de Garret e
Purves. Esses autores atribuem aos fatores genéticos a “escandalosa criminalidade
dos negros”, merecendo resposta de Juan Comas na revista Current Anthropology
para a eliminação das seqüelas do colonialismo, do neocolonialismo,
do racismo e do domínio cultural. Argumenta-se então com os riscos
do imperialismo cultural, da uniformização dos comportamentos, da
homogeneização cultural e o conseqüente empobrecimento da hu-
manidade em sua diversidade.
Há, entretanto, discordâncias expressas nas reservas apre-
sentadas tanto pela delegação sueca, falando em nome dos países
nórdicos, como pelas delegações do Reino Unido, da Suíça, Áustria
e do Canadá –, em relação à recomendação de uma ação mais
decisiva da UNESCO na aplicação da Resolução 8, adotada na 16
a
CG-1970. A resolução trata da “contribuição da UNESCO à paz, de
suas tarefas concernentes à eliminação do colonialismo e da utilização
do seu programa com a finalidade de reforçar a cooperação entre os
Estados-membros, no interesse da paz e da segurança na Europa”,
mediante ação nos domínios de atuação da organização e de sua
contribuição para a realização das “análises críticas da filosofia e da
sociologia do racismo e do apartheid”. (UNESCO, 1972, p. 43-44)
É possível compreender essas reservas num contexto em que,
desde a década de 1960, as manifestações do racismo são registradas
não apenas nas práticas de grupos neonazistas, mas também na esfera
política na Europa Ocidental, onde ganham força os partidos
nacionalistas.
67
O racismo se manifesta ainda no campo teórico
em novas tendências de biologização ou de psicologização do social,
não restritas ao solo europeu e também numa certa literatura ape-
gada a temas como: as relações entre evolução biológica e evolução
cutural, as diferenças raciais e outros similares.
68
199
O Colóquio de Atenas, realização conjunta da UNESCO e da
Fundação dos Direitos do Homem de Atenas, reúne nessa cidade,
entre 30 de marçoe3deabril de 1981, especialistas de diversos
campos de conhecimento com a finalidade de responder a essas várias
manifestações de racismo no mundo ocidental, incluída a Europa,
que avança no processo de unificação, rearticulando-se a partir do
final da década de 1970 no neoliberalismo.
Nesse colóquio se discutem as teses pseudocientíficas que
situam o racismo nos campos da genética, da antropologia, da
etnologia, da história, da psicologia, da sociologia, da filosofia e do
direito. Relacionados à discussão de ordem genética, persistem os
temas sobre os aspectos biológicos e biopsicológicos da questão racial
(Jacquard, 1981), presentes nas discussões anteriores, 1950, 1951,
1964 e 1967, entre elas aquela sobre a pertinência do uso do termo
“raça” para classificação das populações humanas, sobre a unidade
e a diversidade da raça humana, sobre a validade das medidas de
inteligência para comparação de diferentes povos. Discute-se ainda
o peso relativo da economia e o papel decisivo da media na veiculação
de teses racistas, na produção do racismo ou no seu combate.
Uma questão primordial nesse momento consiste no funda-
mento emprestado por essas teses não à elaboração das políticas
públicas, mas também à justificação de atitudes racistas. Destaca-se
entre elas a tese dos “limites de tolerância”. Haveria de acordo com
ela um limite de tolerância, passível de ser “objetivamente”
estabelecido em percentuais, cuja ultrapassagem despertaria atitudes
em artigo no qual denuncia a orientação racista da Mankind Quartely. No final da
década a Harvard Educational Review publica artigo de Arthur R. Jansen no
qual ele defende que 80% da inteligência do indivíduo é determinda por fatores
genéticos. Em 1975, uma explicação biológica do comportamento do homem é
apresentada por Edward Wilson, o pai da sociobiologia (genética, etologia, ecologia
e neodarwinismo), da Harvard University. Em 1978 vários autores, usando
pseudônimos, publicam o livro intitulado Raça e inteligência, no qual os negros,
aos quais os autores negam a capacidade de julgamento e de síntese, são, por essa
razão, comparados a europeus leucotomizados. Cf. VIDYARTHY, Lalita Prasad.
A propos des races et du racisme: un regard neuf sur um thème connu. In:
Racisme, science et pseudo-science. Actes du colloque réuni en vue de l’examen
critique des différentes théories pseudo-scientifiques invoqués pour justifier le
racisme et la discrimination raciale, Athènes, 30 mars-3 avril 1981.
200
ou comportamentos “naturais” de rejeição do “outro”, seja ele o
marginal, o pertencente a uma minoria ou o estrangeiro (Bouhdiba,
1981). Essa tese, utilizada num passado recente na formulação de
políticas de imigração seletiva para suprir a mão-de-obra calculada
como necessária, prestava-se então às justificativas do controle da
imigração, iniciado nos diversos países desde os primeiros anos da
década de 1960 e intensificado a partir da década seguinte,
69
prosseguindo nas subseqüentes. Como se sabe, na década de 1990,
agravam-se e aprofundam-se conflitos e guerras entre grupos étnicos
e religiosos no Leste Europeu, com conseqüências na imigração e
em seus desdobramentos, entre os quais o “limite da tolerância”,
minando as esperanças de um mundo unido na democracia,
alimentadas, primeiro pela queda do Muro de Berlim e, em seguida,
pela desintegração do bloco soviético.
As inúmeras ameaças à democracia, à segurança, ao desenvol-
vimento e à “virtude da tolerância”, alastrando-se pelo mundo, moti-
vam a Conferência Geral da UNESCO a proclamar 16 de novembro
de 1995 como o Dia Internacional da Tolerância, quando também se
aprova nesse foro a Declaração dos Princípios sobre a Tolerância.
Diante de mais uma declaração, abordando de um outro ângu-
lo e num outro patamar a questão racial, impõe-se a lembrança da
idéia de tolerância apresentada por um dos participantes indianos no
encontro de filósofos e pensadores de 1951: “a tolerância (disse ele)
é insuficiente: muitas vezes essa palavra implica uma certa
complacência, enquanto a tolerância a ser buscada deve unir a
profunda convicção de si próprio numa verdadeira apreciação do
outro”. (UNESCO, 1953a, p. 18)
Prosseguindo seu combate ao racismo em suas diversas
manifestações, um dos objetivos da luta contra a intolerância se
expressa, na linguagem da UNESCO da década de 1990, por meio
do lema “substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz”.
Na construção dessa cultura, conforme o artigo 4
o
da declaração, a
“educação para a tolerância”, um “imperativo prioritário”, deve ter o
objetivo de “combater as influências que conduzem ao medo e à
69
Cf. REX, John. Le racialisme et la crise urbaine. In: UNESCO. Le racisme
devant la science. Paris: Nouvelle édition. UNESCO, 1973, p. 267-320.
201
exclusão do outro”, sendo a finalidade de seus programas “contribuir
para o desenvolvimento da compreensão, da solidariedade e da
tolerância entre os indivíduos, assim como entre grupos étnicos, sociais,
culturais, religiosos e linguísticos e as nações”.
Esta é a condição, reconhecida pela UNESCO desde a déca-
da de 1960, da “unidade na diversidade”, necessária à realização do
progresso da humanidade. Presente nas atividades relativas à cultu-
ra desde então, esse reconhecimento é contemporâneo da recusa da
UNESCO à bipolarização política e também às centralidades cultu-
rais em disputa pela hegemonia.
A idéia da participação das diversas culturas no ideal de
universalidade e de progresso ganha diversas expressões desde o
início e ao longo da caminhada da UNESCO. Na década de 1990 é
trabalhada no Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desen-
volvimento, emprestando-lhe o título de “Nossa diversidade criadora”
(Cuéllar, 1997), cujo corolário imediato se traduz na exigência da
virtude da tolerância. Virtude também invocada no Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Sé-
culo XXI. (Delors, 1996) Reafirma-se, assim, a idéia de coalizão das
diferentes culturas no jogo da história, exposta em artigo de Lévi-
Strauss em 1952 quando se processava o debate suscitado pela
declaração de 1950. Nesse artigo, o antropólogo francês, lembrando
a Europa da Renascença, observa que o desenvolvimento da
humanidade se realizou sempre que houve contato de um maior
número de culturas diferentes entre si.
Quando convidado pela UNESCO uma segunda vez, Lévi-
Strauss levanta hipóteses a respeito da inadequação das respostas
tradicionais para as questões raciais e faz interrogações que conferem
uma amplitude muito maior à intolerância, seus alvos e suas causas,
ocultados sob as diferenças raciais, os preconceitos que suscitam e a
ignorância que os alimentam; conjectura ainda acerca dos limites da
ajuda, seja do etnólogo, do psicólogo ou do educador, na solução da
questão racial. E com a finalidade de demonstrar que o problema da
intolerância não se restringe às questões de raça, apóia-se no exemplo
fornecido pelos povos primitivos sobre as condições necessárias ao
sentimento recíproco de tolerância “das quais as sociedades
contemporâneas estão mais distantes do que nunca: de uma parte,
202
uma igualdade relativa; de outra, uma distância física suficiente” (1971,
p. 663). Lévi-Strauss se refere à dificuldade crescente de viver junto,
num planeta que se encolhe sob a pressão demográfica, tornando o
outro uma ameaça ao uso por cada um dos bens naturais essenciais.
Refere-se ainda à relação contraditória da unidade e diversidade e à
possibilidade de um futuro em que as diferenças étnicas seriam
desnecessárias como pretexto de um “regime de intolerância
exacerbada” antevisto nos ódios raciais do presente.
Ao longo de sua existência, a UNESCO, na coordenação da
cooperação entre as nações tendo em vista o progresso, como Sísi-
fo condenada ao “eterno recomeço”, promoveu debates e buscou
administrar as polarizações das respostas, natureza ou cultura, às
quais talvez se possa atribuir a pouca eficácia do combate ideológi-
co ao racismo (Lévi-Strauss, 1971), obstáculo que persiste em res-
surgir. Na busca de uma síntese superadora do pensamento disjun-
tivo ou, quem sabe, de uma visão científica multidisciplinar sobre as
questões sociais e raciais, articulou acordos, produziu resoluções e
declarações. Tematizando, analisando, refletindo, buscou regula-
mentar as relações com o “outro”, o “diferente”, relações tensio-
nadas na competição por espaços sociais os mais diversos, incluin-
do o mercado de trabalho, os serviços públicos nas áreas da educa-
ção, saúde, moradia, as vantagens, prerrogativas ou direitos indivi-
duais ou coletivos. (Ianni, 1996)
Após mais de meio século desse trabalho, numa sociedade
cada vez mais interdependente, e num mundo onde o ódio racial e o
sentimento de superioridade de uns em relação aos outros prosse-
guem alimentando a violência de diversas ordens e justificando as
relações de dominação, de exploração e de esquecimento, impõe-se
a questão referente ao alcance da tolerância.
Na expressão de Albert Jacquard, geneticista francês que
participou do Colóquio de Atenas, “a tolerância é uma atitude ambí-
gua (...). Tolerar é julgar-se em condições de dominar, julgar; é ter
de si mesmo um conceito bastante positivo para aceitar o outro com
todos os seus defeitos”. Assim entendida, a tolerância repõe o mito
da superioridade, que por sua vez justifica o domínio de povos e gen-
tes, incessantemente combatido pela UNESCO. Talvez por isto, Ja-
cquard defende na seqüência a necessidade de “tomar um rumo com-
203
pletamente diferente e tomar consciência da contribuição dos outros,
que se torna tanto mais rica quanto maior for a diferença em relação
consigo mesmo”. (1998, p. 4)
Para finalizar, lembremos o alerta e a lição que nos deixa Flo-
restan Fernandes (1960, p. XIV), para quem
não existe democracia racial efetiva, onde o intercâmbio entre
os indivíduos pertencentes a ‘raças’ distintas começa e
termina no plano da tolerância convencionalizada. Esta pode
satisfazer as exigências do ‘bom-tom’ de um discutível ‘espírito
cristão’ e da necessidade prática de ‘manter cada um em seu
lugar’. Contudo, ela não aproxima realmente os homens senão
na base da mera coexistência no mesmo espaço social e, onde
isso chega a acontecer, da convivência restritiva, regulada
por um código que consagra a desigualdade, disfarçando-a e
justificando-a acima dos princípios de integração da ordem
social democrática.
Essa reflexão nos sugere como corolário a conclusão de Lévi-
Strauss (1971, p. 666) segundo a qual “só podemos depositar nossa
esperança em uma mudança no curso da história, mais difícil ainda
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