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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
UMBERTO ALMEIDA SILVA
ANÁLISE DA ABORDAGEM DE FUNÇÃO ADOTADA EM
LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
UMBERTO ALMEIDA SILVA
ANÁLISE DA ABORDAGEM DE FUNÇÃO ADOTADA EM
LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE PROFISSIONAL EM ENSINO DE
MATEMÁTICA, sob a orientação da Profa. Dra.
Barbara Lutaif Bianchini.
São Paulo
2007
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Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
A
utorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________
DEDICATÓRIA
Dedico esta obra aos meus pais, que
desde cedo me indicaram o caminho
do bem, da verdade, do amor e da
justiça, e a minha esposa e filhos, que
são o meu incentivo para uma vida de
luta.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, professora Doutora Barbara Lutaif Bianchini, pela
competência, dedicação e incentivo, que foram fundamentais para a realização
deste trabalho.
Às professoras: Doutora Célia Carolino Pires, Doutora Irene Mauricio Cazorla e
Doutora Sílvia Dias Alcântara Machado, por aceitarem participar da banca
examinadora e pelas sugestões dadas no exame de qualificação.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
Matemática da PUC/SP.
À minha esposa Rosana e aos meus filhos, Andrey e Alana, pela compreensão,
paciência, apoio e carinho.
Aos colegas de Mestrado, Cláudio e Lea, pelo incentivo e amizade.
Aos colegas da E.E. Adonias Filho, em especial ao professor Marcelo, pela ajuda
com o resumo em inglês (abstract).
À Bartira, pela revisão do abstract.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro.
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo investigar a abordagem de função adotada em
livros didáticos atuais da Educação Básica, buscando verificar quais são as
estratégias utilizadas pelos autores desses livros para apresentar a noção de
função, se a relação discreto/contínuo fica evidente na construção de gráficos, e
se a conversão entre os registros gráfico e algébrico ocorre nos dois sentidos.
Para isso, realizamos uma análise qualitativa em cinco livros didáticos atuais da
Educação Básica. Escolhemos o livro didático como fonte primária de dados para
nossa investigação, entre os diversos registros textuais do saber, por ele ser um
dos instrumentos mais importantes mobilizado no processo de ensino e
aprendizagem no cenário educacional brasileiro. A pesquisa fundamentou-se na
teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval, ressaltando
a importância da identificação das variáveis visuais pertinentes no esboço de
curvas, na conversão entre os registros gráfico e algébrico. Os resultados obtidos
mostram que, a maioria dos livros analisados adota como ponto de partida para a
construção do conceito de função a exploração da relação de dependência entre
grandezas por meio da resolução de problemas. Outro aspecto importante que
observamos nos livros analisados foi o cuidado com a contextualização e a
interdisciplinaridade. Na maioria dos livros, muitas atividades são apresentadas a
partir de situações significativas que valorizam as práticas sociais, as articulações
internas à própria Matemática e as conexões com outras áreas do conhecimento.
Por outro lado, constatamos que na maioria dos livros analisados a relação
discreto/contínuo não é explicitada satisfatoriamente. Observou-se também que,
na maioria dos livros, a conversão entre os registros gráfico e algébrico não
ocorre nos dois sentidos, e que as variáveis visuais pertinentes geralmente não
são levadas em conta, no esboço de gráficos.
Palavras-Chave: Livros Didáticos de Matemática, Função, Registros de
Representação Semiótica.
ABSTRACT
The purpose of this work is to investigate the approach of function adopted in
current didactic books of the Basic Education, seeking to verify which are the
strategies that the authors of these books use to present the notion of function, if
the relation discrete/continuous is evident in the construction of graphs, and if the
conversion between the registers graphical and algebraic occurs in both senses.
In order to do this, we carried out a qualitative analysis among five current didactic
books of the basic education. We chose the didactic book as the primary data
source for our inquiry, among the various written registers of knowledge, because
it is one of the most important instruments mobilized in the teaching and learning
process in Brazilian educational scene. The research is based on the theory of the
semiotic representation registers by Raymond Duval, stressing the importance of
visual variables identification in the sketch of curves, in the conversion between
graphical and algebraic registers. Obtained results show that most of analyzed
books adopts the construction of the function concept and the exploration of the
relation of dependence between largenesses by problems resolution as the
starting point. Another important aspect that we observe in analyzed books is the
care with the context and the interdisciplinary. In the majority of books, many
activities show significant situations that value social behavior and the connections
with other areas of knowledge. On the other hand, we evidence that, in the
majority of analyzed books, the continuous/discrete relation is not satisfactorily
explicited. It was also observed that, in the majority of books, the conversion
between graphical and algebraic registers does not occur in both directions, and
that pertinent visual variables are generally not taken in account, in the sketch of
graphs.
Key-words: Mathematics Didactic Books, Function, Semiotics Representation
Registers.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................ 01
CAPÍTULO 1......................................................................................................... 07
1.1. Problemática.................................................................................................. 07
1.2. O ensino e a aprendizagem do conceito de função de acordo com os
documentos oficiais....................................................................................... 19
CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................... 24
CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................... 33
3.1. Análise Documental....................................................................................... 33
3.2. A escolha dos livros didáticos........................................................................ 33
3.3. Descrição da estrutura dos livros selecionados............................................ 35
3.4. Critérios para análise dos livros.................................................................... 39
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS.......................................... 47
4.1. Livro didático 1............................................................................................... 47
4.2. Livro didático 2............................................................................................... 53
4.3. Livro didático 3............................................................................................... 61
4.4. Livro didático 4............................................................................................... 67
4.5. Livro didático 5............................................................................................... 74
CAPÍTULO 5 – RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS............................ 80
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 95
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Gráfico das médias de desempenho em Matemática no SAEB.......... 08
Figura 2 – Esquema de organização semiótica e do funcionamento das
representações gráficas....................................................................... 27
Figura 3 – Ilustração da atividade proposta por Duval a alunos franceses.......... 31
Figura 4 – Gráfico da variação da velocidade de um atleta.................................. 48
Figura 5 – Relações representadas por diagramas de flechas............................. 49
Figura 6 – Representação gráfica do crescimento de uma planta........................ 54
Figura 7 – Diagrama de flechas............................................................................ 55
Figura 8 – Representações gráficas de funções do 1º grau................................. 58
Figura 9 – Gráfico da função y = x
2
– 1 para diferentes domínios........................ 66
Figura 10 – Gráfico da participação do carro a álcool no mercado nacional........ 75
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Procedimento de interpretação global das propriedades da figura-
forma para o esboço de gráficos de funções do 1º grau................... 30
Quadro 2 – Livros didáticos de Matemática analisados nesta pesquisa.............. 34
1
APRESENTAÇÃO
Sou formado em Geologia pela Universidade Federal da Bahia. Em
1991, devido à dificuldade de emprego em minha área de atuação, e à carência
de professores de Matemática, comecei a lecionar essa disciplina em escolas
públicas de Diadema, na Grande São Paulo. Foi quando passei a me interessar
pela área da Educação Matemática.
A partir daí, minha formação seguiu o seguinte percurso: primeiro fiz
um curso de complementação pedagógica em Matemática e, logo em seguida, fiz
o curso de especialização em Educação Matemática, ambos na Universidade
Bandeirante de São Paulo. Posteriormente, em 2001, tive a oportunidade de fazer
o curso de Licenciatura em Matemática, oferecido pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP), voltado para a formação de professores.
Buscando novas formas de atualização com o objetivo de melhorar
minha formação didático-pedagógica e, consequentemente, minha prática
docente, finalmente, em 2005, ingressei no curso de Mestrado Profissional em
Ensino de Matemática, do Programa de Estudos Pós-Graduados da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Em 2006 entrei para o Grupo de Pesquisa em Educação Algébrica
(GPEA), do qual faz parte a minha orientadora, professora Dra. Barbara Lutaif
Bianchini.
O Grupo de Pesquisa em Educação Algébrica abrange diversos
projetos que constituem ramos do projeto maior: Qual a álgebra a ser ensinada
em cursos de formação de professores de Matemática?
O projeto focaliza estudos relativos ao ensino e a aprendizagem da
Teoria dos Números (Aritmética) e da Álgebra, nos diversos níveis de ensino,
2
investigando, dentre outros aspectos, as articulações das noções e concepções
matemáticas dos alunos e professores, e também as presentes em documentos
curriculares, contemplando conteúdos como: Números, Equações, Inequações,
Relações.
Este trabalho está inserido na linha de pesquisa: A Matemática na
Estrutura Curricular e Formação de Professores, e faz parte do projeto
Concepções acerca de Relações, que focaliza as concepções de professores e
estudantes em temas centrais da álgebra do ensino básico, como, por exemplo, o
estudo de funções, que é nosso objeto de estudo.
Várias pesquisas revelam-nos que, tradicionalmente, o ensino da
Álgebra privilegia a manipulação simbólica para resolver equações e simplificar
expressões. Deste modo a Álgebra tem desempenhado um papel mais
mecanicista do que desenvolver, nos alunos, o seu raciocínio matemático.
Segundo Miguel, Fiorentini e Miorim (1992), apesar da álgebra ocupar
boa parte dos livros didáticos atuais, não tem recebido a devida atenção nos
debates, estudos e reflexões referentes ao ensino e aprendizagem da
Matemática. Sobre o ensino atual da álgebra os autores comentam que:
O modo como a maioria dos professores ainda trabalha a Álgebra
– de forma mecânica e automatizada, dissociada de qualquer
significação social e lógica, enfatizando simplesmente a
memorização e a manipulação de regras, macetes, símbolos e
expressões – tal como ocorria há várias décadas, mostra que seu
ensino não tem recebido a devida atenção (p.40).
De fato, é possível que muitas das dificuldades apresentadas pelos
alunos na aprendizagem da Álgebra resultem da maneira como ensinamos esse
conteúdo, privilegiando procedimentos e regras, limitando a capacidade de
abstração e generalização dos estudantes.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, PCN (BRASIL,
1998), além de possibilitar o desenvolvimento e o exercício da capacidade de
abstração e generalização do aluno, o estudo da Álgebra torna possível a
3
aquisição de uma poderosa ferramenta para resolver problemas. No entanto,
várias pesquisas têm evidenciado que os alunos não conseguem utilizar o
conhecimento algébrico, supostamente adquirido, para enfrentar situações novas,
ou seja, a Álgebra até então ensinada é desprovida de significado para o aluno.
Duas questões que envolvem o ensino da Álgebra na Educação Básica
hoje são fundamentais: a questão principal é sobre até que ponto deve-se exigir
dos alunos a capacidade de manipulações algébricas, e a segunda questão é a
do papel da idéia de função no estudo da álgebra, ou seja, da importância relativa
da visão da álgebra como o estudo de relações entre quantidades (USISKIN,
1995). Nessa perspectiva, os PCN (BRASIL, 1998) afirmam que:
É mais proveitoso propor situações que levem os alunos a
construir noções algébricas pela observação de regularidades em
tabelas e gráficos, estabelecendo relações, do que desenvolver o
estudo da Álgebra apenas enfatizando as ‘manipulações’ com
expressões e equações de forma meramente mecânica (p.116).
Um dos objetivos para que o ensino da Matemática possa resultar em
uma aprendizagem real e significativa para o estudante, é levá-lo a “estabelecer
conexões entre diferentes temas matemáticos e entre esses temas e o
conhecimento de outras áreas do currículo” (BRASIL, 1999, p.254).
O uso da linguagem algébrica para representar e analisar situações
matemáticas e para modelar fenômenos diversos, constitui um aspecto importante
da competência matemática.
Assim, “o estudo das funções permite ao aluno adquirir a linguagem
algébrica como a linguagem das ciências, necessária para expressar a relação
entre grandezas e modelar situações-problema [...]” (BRASIL, 2002, p.121).
Ao lidar com o conceito de função em diversas situações-problema de
matemática e de outras áreas, o aluno pode ser incentivado a construir modelos
para interpretação e investigação em Matemática. Os PCNEM (BRASIL, 1999)
apontam o caráter integrador das funções que, além de permitir conexões
4
internas à própria Matemática servem para modelar problemas do cotidiano e de
outras áreas do conhecimento como a Física, a Geografia e a Economia, por
exemplo.
Um dos aspectos importantes associado à noção de função é o contato
com diferentes modos de representação desse objeto matemático. Estabelecer
relações entre tabelas de valores, gráficos e expressões algébricas pode ajudar
os alunos a desenvolver diversos tipos de conexões e a compreender melhor o
conceito de função. A compreensão da noção de função está ligada ainda à
capacidade de mudar de um tipo de representação para outro. Entretanto, nossa
experiência docente e pesquisas na área da Educação Matemática mostram que
raramente os alunos conseguem relacionar as diferentes representações de
função.
As concepções que os professores têm sobre a Matemática,
particularmente sobre função, desempenham um papel essencial no processo de
ensino e aprendizagem. Tendo em vista a importância que o livro didático de
Matemática tem para o professor, como referência ou mesmo roteiro principal no
preparo e condução de suas aulas (LEE, 2003, p.168), e partindo do pressuposto
que o livro didático de Matemática tem um papel fundamental sobre o processo
de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos, é importante
investigarmos as concepções sobre o conceito de função que vêm sendo
veiculadas por ele atualmente.
Assim, o objetivo desta pesquisa é investigar a abordagem de função
adotada em livros didáticos de Matemática da Educação Básica, buscando
verificar quais são as estratégias utilizadas pelos autores desses livros para
apresentar a noção de função, se a relação discreto/contínuo
1
fica evidente na
____________________
1
Neste trabalho utilizamos os termos discreto e contínuo em referência, respectivamente,
a grandezas que são objeto de contagem e as que são passíveis de medida, ou para nos
referirmos às funções cujo domínio é formado por um conjunto de números discretos e às
que possuem domínio real, respectivamente.
5
construção de gráficos, e se a conversão
2
entre as representações gráfica e
algébrica ocorre nos dois sentidos.
A importância do livro didático no cenário educacional brasileiro, a
complexidade na construção histórica do conceito de função, bem como as
dificuldades apresentadas pelos alunos na compreensão desse conceito nos
diversos níveis de ensino, e sua importância para a Matemática e outras áreas do
conhecimento justificam a pertinência de nossa pesquisa.
Este trabalho está organizado em cinco capítulos:
No primeiro apresentamos o problema de pesquisa e algumas
orientações didáticas sugeridas pelos documentos oficiais para iniciar o ensino de
função.
O segundo capítulo trata da fundamentação teórica de nosso trabalho,
que se baseia em alguns pressupostos da teoria dos Registros de Representação
Semiótica de Duval.
No terceiro capítulo, destacamos a metodologia utilizada no
desenvolvimento da pesquisa. Apresentamos também, a descrição dos livros
selecionados para a coleta e análise dos dados e os critérios adotados para a
análise dos mesmos.
O quarto capítulo consta da análise dos livros didáticos, baseada nos
aspectos convergentes e divergentes, em relação aos critérios estabelecidos e
apresentados no segundo capítulo.
____________________
2
Em Matemática há uma grande diversidade de representações semióticas que Duval
(2003) agrupa em quatro tipos diferentes de registros: a língua natural, os sistemas de
escritas (numéricas e algébricas), os gráficos cartesianos e as figuras geométricas. As
conversões são transformações de representações que consistem em mudar de registro
conservando os mesmos objetos denotados: por exemplo, passar da escrita algébrica de
uma função à sua representação gráfica.
6
Finalmente, no quinto capítulo, apresentamos os resultados e as
considerações finais de nosso estudo.
7
CAPÍTULO 1
1.1. PROBLEMÁTICA
Em decorrência de nossa prática docente, como professor de
Matemática da Educação Básica da Rede Publica Estadual de São Paulo, das
discussões com outros profissionais da área e em algumas publicações a que
tivemos acesso, foi possível constatar que muitos alunos apresentam dificuldades
em Matemática, e particularmente na compreensão do conceito de função que é
de fundamental importância para essa disciplina. O baixo desempenho nas
avaliações oficiais de Matemática também evidencia as dificuldades dos
estudantes da Educação Básica.
O principal instrumento de avaliação da educação básica, no Brasil, é o
SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), realizado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).
A cada dois anos, uma amostra representativa
1
do alunado brasileiro
de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio é avaliada
por meio da aplicação de testes de Português e Matemática.
Conforme resultados do SAEB (INEP, 2004, p.38), dos estudantes
brasileiros da 3ª série do Ensino Médio que participaram da prova do SAEB em
2003, 62,3% foram classificados no estágio crítico e outros 6,5% no estágio muito
crítico de desenvolvimento de habilidades e competências em Matemática. No
total, 68,8% dos alunos têm desempenho muito abaixo do mínimo esperado.
____________________
1
Em 2001 participaram da amostra do SAEB 287.719 alunos (72.415 da 3ª série do E.M.)
de 6.935 escolas brasileiras; em 2003 participaram 218.521 alunos (52.406 da 3ª série do
E.M.) de 5.898 escolas das 27 unidades da federação; em 2005 participaram do SAEB
194.822 alunos (44.540 da 3ª série do E.M.) de 5.940 escolas.
8
Apenas 6,9% dos alunos estão no estágio adequado para essa disciplina, sendo
que os outros 24,3% estão no estágio intermediário.
Os alunos classificados no estágio muito crítico não desenvolveram
habilidades elementares compatíveis com a 3ª série do ensino médio. São
estudantes com dificuldades na construção, leitura e interpretação gráfica, por
exemplo. Já os alunos situados no nível crítico “desenvolvem algumas habilidades
elementares de interpretação de problemas, mas não conseguem transpor o que
está sendo pedido no enunciado para uma linguagem matemática específica”
(INEP, 2004, p.39).
Em outros termos, os estágios muito crítico e crítico são patamares de
muito pouco aprendizado, ou seja, nesses níveis os estudantes desenvolveram
habilidades muito elementares, tanto para a série quanto para a continuação dos
estudos. São estudantes que se encontram abaixo do mínimo esperado (INEP,
2004, p.33).
Os resultados do SAEB mostram uma queda sistemática no
desempenho dos estudantes brasileiros em Matemática desde 1995, conforme
podemos ver na Figura 1, abaixo.
Figura 1: Gráfico das médias
2
de desempenho em Matemática no SAEB.
Fonte: INEP, 2007, p.7.
____________________
2
As médias do SAEB são apresentadas em uma escala que varia de zero a 500.
9
De acordo com o gráfico da Figura 1, podemos verificar, por exemplo,
que a média nacional de desempenho em Matemática, dos estudantes da 3ª série
do ensino médio, apresentou em 2005 uma queda de 8 pontos (2,9%), em relação
a 2003.
Com o objetivo de avaliar se os alunos da 3ª série do ensino médio
haviam construído “[...] o conceito de função e a competência de comparar dados
de uma tabela, traduzindo em linguagem matemática adequada a função
algébrica por ela representada” (INEP, 2002, p.58), foram propostos os seguintes
testes, na prova do SAEB de 2001:
Fonte: INEP, 2002, p.59.
10
Fonte: INEP, 2002, p.59.
No primeiro teste, mostrado acima, os resultados evidenciam que a
maioria dos alunos não domina o conceito de função, já que apenas 21% deles
acertaram a questão. Pela análise das respostas observa-se que os alunos têm
dificuldade em comparar dados de uma tabela e traduzir em linguagem
matemática adequada a função algébrica que ela representa, o que pode ter
dificultado a solução. O fato de 33% dos estudantes optarem pelo item “A”
demonstra a pouca preocupação que os alunos têm em validar suas respostas.
Já no segundo teste, os resultados mostram que apenas 35% dos
alunos acertaram a questão, o que revela, mais uma vez, a grande dificuldade
dos estudantes em reconhecer a expressão algébrica que representa uma função
a partir de uma tabela, ou seja, de traduzir seu pensamento matemático para uma
linguagem algébrica simples.
A leitura de dissertações, teses e artigos publicados em livros e
revistas especializadas na área da Educação Matemática, também nos revelaram
possíveis dificuldades apresentadas pelos estudantes, no estudo de funções, nos
diversos níveis de ensino.
11
Em uma pesquisa realizada com alunos da 2ª série do Ensino Médio,
Pelho (2003) verificou que ao serem interrogados sobre o conceito de função,
alguns alunos “[...] demonstraram que para eles, o objeto matemático função era
apenas o seu gráfico e, que a expressão algébrica e a tabela eram apenas as
ferramentas necessárias para construção do mesmo” (p.119).
Fica evidente que esses alunos não conseguem reconhecer o objeto
matemático função em suas diferentes representações (expressão algébrica,
tabela, gráfico), ou seja, eles confundem o objeto com sua representação.
Em outra pesquisa desenvolvida por Oliveira (1997), para investigar as
concepções de alunos do 1º ano do curso de Engenharia sobre o conceito de
função, a autora observou que a maior parte dos estudantes confunde função
com equação; tratam uma fórmula como uma seqüência de comandos para
realizar um cálculo; têm dificuldade na articulação entre os registros de
representação semiótica, especialmente na conversão entre as representações
gráfica e algébrica de uma função.
Essa incapacidade dos alunos na mobilização simultânea de ao menos
dois registros de representação se constitui em um obstáculo para a
compreensão do conceito de função, pois “É a articulação dos registros que
constitui uma condição de acesso à compreensão em matemática, e não o
inverso, qual seja, o ‘enclausuramento’ de cada registro”. (DUVAL, 2003, p.22).
No trabalho de Oliveira (1997) existe também uma pesquisa
envolvendo dezessete professores de Matemática que responderam um
questionário. Oliveira analisou ainda o conceito de função em livros didáticos de
Matemática.
A autora observou que as mudanças de registro de representação mais
utilizadas pelos professores, são: da expressão algébrica para a tabela; e da
tabela para o gráfico. O que segundo ela, era de se esperar, pois a maior parte
dos livros didáticos propõe essa mesma situação e, de acordo com a autora, em
12
geral, as concepções dos professores que responderam o questionário são
aquelas que aparecem nos livros didáticos. Segundo Oliveira (1997) “[...] o fato de
muitos livros didáticos apresentarem primeiro as funções na sua forma algébrica e
depois o seu gráfico, sem fazer o caminho inverso, constitui um obstáculo didático
para a resolução de problemas que partem da situação inversa”. (p. 35).
De acordo com os professores investigados por Oliveira (1997), os
alunos apresentam dificuldade na abstração do conceito de função; com a noção
de grandeza variável; na representação e análise gráfica; na compreensão e na
articulação dos registros de representação do objeto matemático função.
Segundo Clement, Lochhead e Monk (1981, apud Lochhead e Mestre
1995) muitos estudantes têm dificuldades na resolução de problemas algébricos
simples, particularmente quando envolvem a passagem da linguagem natural
para a linguagem algébrica. De acordo com os autores, nos problemas em que se
pede para os alunos escreverem uma equação, a partir de uma sentença,
relacionando duas variáveis, freqüentemente eles escrevem o contrário do que
pretendem.
Esses autores propuseram o seguinte problema para alunos
americanos do curso de Engenharia: “Escreva uma equação usando as variáveis
A e P para representar a seguinte afirmação: Há seis vezes mais alunos do que
professores nesta universidade. Use A para indicar o número de alunos e P para
indicar o número de professores” (CLEMENT, LOCHHEAD e MONK, 1981 apud
LOCHHEAD e MESTRE, 1995, p. 145).
Segundo os autores, dois terços dos alunos que responderam
erradamente escolheram a resposta 6A = P, em que se verifica uma troca de
variáveis. Os autores destacam que as entrevistas com mais de vinte alunos que
cometeram esse tipo de erro mostraram que não houve erro de interpretação, já
que nenhum dos estudantes entrevistados disse que havia mais professores que
alunos. De acordo com os autores o problema está nas concepções erradas
13
relativas à estrutura e à interpretação de afirmações algébricas e nos processos
pelos quais se faz a tradução da linguagem escrita para a linguagem algébrica.
Para Lochhead e Mestre (1995) é comum os alunos confundirem
variáveis com rótulos. Assim, no problema acima:
Os símbolos ‘A’ e ‘P’ muitas vezes são interpretados como rótulos
para os ‘alunos’ e ‘professores’, em vez de variáveis para
representar o ‘número de alunos’ e o ‘número de professores’;
isso leva-os a interpretar 6A = P como ‘seis alunos para cada
professor’ (p.147).
De acordo com Lochhead e Mestre (1995, p.145), as dificuldades no
equacionamento de alguns problemas simples, são mais amplas do que seria de
se esperar. Os autores afirmam que os estudantes apresentam enormes
dificuldades em outros três tipos de problema: escrever uma equação para
representar uma relação entre duas variáveis dada em forma tabular; escrever
uma sentença, a partir de uma equação simples com duas variáveis; e escrever
uma equação que represente a relação entre duas variáveis, a partir de sua
representação gráfica.
Lins e Gimenez (2001) afirmam que, apesar do currículo da maioria
das escolas serem “recheados” de conteúdos algébricos, os alunos mostram que
não aprendem. Quando aprendem a manipular os símbolos algébricos
consideram a álgebra enquanto parte da Matemática que substitui o número pela
letra, ou ainda, a defini-la como sinônimo de equação, cuja redução pode obstruir
a compreensão do conceito de variável
3
e do conceito de função.
A compreensão do conceito de função está ligada à capacidade de
lidar com diversas formas de representação (língua natural, expressões
algébricas, tabelas e gráficos), e em passar de um tipo de representação para
outro.
____________________
3
O conceito de variável é multiface, porém, neste trabalho, adotamos a concepção de
variável como “símbolo que representa indistintamente os elementos de um conjunto”
(USISKIN, 1995, p.11).
14
Por outro lado, o conceito de função deve ser associado às idéias de
variação e de mudança. Os estudantes devem ser capazes de interpretar como a
mudança numa variável se relaciona com a mudança noutra variável.
Além das idéias básicas de variável e dependência, é importante deixar
claro para o aluno a passagem do discreto ao contínuo, na construção de
gráficos.
De acordo com Moretti (2003) “o esboço de gráficos ainda é tratado
quase que exclusivamente por meio da junção de pontos localizados no plano
cartesiano, pontos estes obtidos por intermédio de substituições na expressão
matemática correspondente” (p.149-150).
Este fato tem algumas implicações para a construção, leitura e
interpretação gráfica. O aluno pode ser induzido a pensar, por exemplo, que toda
função tem gráfico contínuo (curva traçada pela junção de um número finito de
pontos marcados no plano cartesiano), ou seja, que uma função não pode ser
representada graficamente por pontos isolados.
Em uma pesquisa realizada com estudantes americanos, do curso de
licenciatura em Matemática, Even (1990, apud ROSSINI, 2006) observou que,
apesar de terem estudado Cálculo Diferencial e Integral, ao construírem o gráfico
de uma função cujo domínio era o conjunto dos números racionais, os alunos
utilizaram uma tabela com poucos valores inteiros para a variável independente,
sendo que 50% deles ligaram os pontos do gráfico por meio de uma linha
contínua, sem levar em consideração o comportamento da função.
A partir de resultados obtidos em uma pesquisa com professores de
Matemática do Ensino Médio sobre o ensino de funções, Zuffi e Pacca (2002)
observaram que os professores não explicitavam os detalhes sobre a passagem
do discreto ao contínuo:
15
Algumas funções de domínio discreto eram representadas por
expressões analíticas usadas para domínios tipicamente
contínuos, enquanto que os gráficos contínuos eram sempre
determinados por um conjunto muito pequeno de pontos
discretizados, sem se discutir o que acontecia com as imagens
nos intervalos entre esses pontos. (p.7).
De acordo com Zuffi e Pacca (2002, p.9), na construção de gráficos de
funções, o professor atribui valores discretos da função em uma tabela e depois,
sem deixar claro para o aluno o que acontece com os valores intermediários aos
que foram previamente escolhidos, traça um gráfico contínuo.
Como este procedimento é o que mais aparece nos livros didáticos,
podemos inferir que os professores são influenciados pelos mesmos, pois
conforme já mencionamos anteriormente, os livros didáticos são utilizados pela
maioria dos professores como roteiro principal no preparo e condução de suas
aulas.
A partir dos resultados obtidos em uma pesquisa com 105 alunos do
Ensino Médio da França, Duval (1988, apud Mariani 2006) verificou que a maioria
desses alunos apresenta um “conhecimento mecânico” na construção e
interpretação de gráficos, visto que relacionam pontos com par ordenado, não
explorando corretamente as representações gráficas.
Ao discutir uma abordagem para o ensino e aprendizagem da Álgebra,
Lins e Gimenez (2001) salientam que a maioria dos livros didáticos de Matemática
disponíveis no mercado brasileiro adota “a ‘seqüência’ técnica (algoritmo) / prática
(exercícios)” (p.105).
Segundo os autores, diversas pesquisas, no Brasil e em outros paises,
já mostraram que essa pratica é ineficaz e mesmo perniciosa à aprendizagem, no
entanto contínua sendo bastante utilizada pelos professores – pois de outra forma
não seriam vendidos tantos livros que a adotam. Sua enorme aceitação pode ser
atribuída a duas questões: a primeira, corresponde a uma certa visão que os
professores têm da atividade algébrica, pois caso contrário essa prática não teria
16
sobrevivido até hoje; e a segunda questão está relacionada ao fato “[...] de que
muitos professores não estando ‘preparados’, simplesmente seguem o que os
livros didáticos oferecem, e que talvez não conheçam alternativas” (LINS e
GIMENEZ, 2001, p. 106).
Tradicionalmente o conceito de função é introduzido como um conjunto
de pares ordenados e no estabelecimento de relações entre conjuntos, passando
às representações analíticas e gráficas, e à listagem de uma série de
propriedades que dizem respeito a aspectos operacionais, o que exige um
elevado grau de abstração por parte dos alunos dificultando o processo de ensino
e aprendizagem desse conteúdo. Pouca ênfase é dada ao uso de funções na
resolução de problemas quando este deveria ser um dos aspectos fundamentais
na formação matemática de nossos alunos, visto que “[...] situações-problema
sobre variações de grandezas fornecem excelentes contextos para desenvolver a
noção de função”. (BRASIL, 1998, p.118).
No Brasil, no período decorrido entre as décadas de 60 e 70, o
Movimento da Matemática Moderna, veiculado principalmente pelos livros
didáticos, mantém o ensino de funções com ênfase na Teoria dos Conjuntos.
Aliada à tradicional organização linear do currículo de Matemática, essa
abordagem transformou o estudo de funções em algo extremamente abstrato e
formal, dificultando a compreensão por parte do aluno.
Com as reformas ocorridas a partir da década de 80, no Brasil e em
outros países, surgem novas tendências pedagógicas para o ensino da
Matemática. O desenvolvimento de novos paradigmas educacionais sugere a
resolução de problemas como um dos instrumentos essenciais para o ensino da
Matemática.
Nos Estados Unidos, em 1980, o NCTM (National Council of Teachers
of Mathematics) apresentou um conjunto de recomendações para o ensino de
Matemática, chamado Agenda para Ação. Dentre essas recomendações
17
destacou-se a necessidade de focar o ensino de Matemática na resolução de
problemas (BRASIL, 1998).
Os PCN (BRASIL, 1998) apontam a resolução de problemas como eixo
organizador do processo de ensino e aprendizagem de Matemática, destacando
também a importância da participação do aluno na construção do seu
conhecimento. Assim, a situação-problema deve ser o ponto de partida da
atividade matemática e não a definição. No processo de ensino e aprendizagem,
conceitos idéias e métodos matemáticos devem ser abordados mediante a
exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos precisem
desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las. (BRASIL, 1998).
De acordo com os PCN+ (BRASIL, 2002) quando propomos apenas
exercícios de aplicação dos conceitos e técnicas matemáticas não capacitamos o
aluno para utilizar seus conhecimentos em situações diferentes ou mais
complexas.
Na resolução de problemas, o tratamento de situações complexas
e diversificadas oferece ao aluno a oportunidade de pensar por si
mesmo, construir estratégias de resolução e argumentações,
relacionar diferentes conhecimentos e, enfim, perseverar na busca
da solução. E, para isso, os desafios devem ser reais e fazer
sentido. (BRASIL, 2002, p.113).
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006)
ressaltam que o uso de problema “fechado”, em que o aluno identifica
previamente o conteúdo a ser utilizado na resolução do problema, bastando
operar com os números que estão presentes, de forma mecânica, sem nenhuma
reflexão sobre o resultado obtido, pode mascarar a efetiva aprendizagem do
estudante. A resolução de problemas, na perspectiva socioconstrutivista
4
, deve
levar o aluno à aquisição de procedimentos de resolução (como fazer tentativas,
formular hipóteses, testar essas hipóteses e validar seus resultados). Desse
____________________
4
As idéias socioconstrutivistas da aprendizagem partem do princípio de que a
aprendizagem se realiza pela construção dos conceitos pelo próprio aluno, quando ele é
colocado em situação de resolução de problemas. (BRASIL, 2006).
18
modo, “O conhecimento passa a ser entendido como uma importante ferramenta
para resolver problemas, e não mais como algo que deve ser memorizado para
ser aplicado em momentos de ‘provas escritas’”. (BRASIL, 2006, p.84).
Atualmente, nas escolas públicas brasileiras, o livro didático talvez seja
um dos principais instrumentos utilizado pelo professor de Matemática na
elaboração de suas aulas, principalmente em função da atual conjuntura, em que
diferentes programas de avaliação e distribuição de livros didáticos têm se
efetivado na Educação Básica. Assim, ele exerce grande influência sobre o
processo de ensino e aprendizagem, na medida em que é, a partir dele, que o
professor seleciona os conteúdos que vão ser ministrados e a maneira como
serão abordados esses conteúdos. (VARIZO, 1999).
Diversos fatores tais como excesso de horas de trabalho, baixo salário,
número excessivo de alunos em sala de aula, formação deficitária do professor,
falta de uma boa política de formação continuada etc., têm contribuído para que o
livro didático seja o material mais utilizado em sala de aula. Assim, o autor do
livro didático passa a exercer funções até então exclusivas do professor,
assumindo, de certa forma, a responsabilidade das atividades docentes, o que,
aliás, os próprios professores passam a esperar dele (SOARES, 1996, p.62).
Tendo em vista os vários aspectos anteriormente apresentados,
procuramos responder, em nossa pesquisa, às seguintes questões:
Qual é a abordagem de função adotada atualmente em livros didáticos de
Matemática da Educação Básica?
Na construção de gráficos, os detalhes sobre a passagem do discreto ao
contínuo são explicitados satisfatoriamente?
Quando se trata da articulação entre os registros gráfico e algébrico, em
relação à representação do objeto matemático função, são propostas tarefas
que tratem dos dois sentidos da conversão?
19
1.2. O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO
DE ACORDO COM DOCUMENTOS OFICIAIS
Nosso objetivo aqui, é discutir algumas orientações didáticas relativas
ao conceito de função, sugeridas em documentos oficiais, pois elas podem
contribuir para reflexões a respeito de nossa análise. Nosso interesse em estudar
esses documentos deve-se ao pressuposto de que tais diretrizes expressam uma
consciência e uma intencionalidade didática de uma comunidade de
pesquisadores, representativa de um dado momento evolutivo da área de
Educação Matemática.
A Proposta Curricular Para o Ensino de Matemática – 2º Grau, da
SEE/SP (1992), defende a participação do aluno na elaboração de seu
conhecimento como um dos pontos fundamentais da concepção atual de
aprendizagem. “Assim, a proposta de desenvolvimento de um tema, com os
alunos, pode ter como ponto de partida a colocação de um problema, a partir do
qual se iniciará a discussão das idéias centrais do tema em questão”. (p.10). Em
relação ao processo de ensino e aprendizagem do conceito de função o
documento destaca que “utilizar situações significativas para o aluno, bem como
usar linguagens informais para descrever a dependência entre duas variáveis é
uma excelente estratégia no início do trato do conceito de função.” (p.22).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental –
PCN (BRASIL, 1998) apontam a resolução de problemas como eixo organizador
do processo de ensino e aprendizagem da Matemática, a fim de que se atinjam os
objetivos educacionais propostos. A concepção de resolução de problemas
assumida firma-se em alguns princípios, tais como:
A situação-problema é o ponto de partida da atividade matemática,
e não a definição. No processo de ensino e aprendizagem,
conceitos, idéias e métodos matemáticos devem ser abordados
mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que
20
os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para
resolvê-las.
[...] só há problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado
da questão que lhe é posta e a estruturar a situação que lhe é
apresentada.
A resolução de problema não é uma atividade para ser
desenvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendizagem,
mas uma orientação para a aprendizagem, pois proporciona o
contexto em que se podem apreender conceitos, procedimentos e
atitudes matemáticas. (BRASIL, 1998, p.40)
De acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p.118), a introdução de
variáveis para representar relações funcionais em situações-problema concretas
permite que o aluno perceba uma outra função para as letras ao identificá-las
como números de um conjunto numérico. Além disso, situações-problema sobre
variações de grandezas fornecem excelentes contextos para desenvolver a noção
de função no terceiro e quarto ciclos. Os alunos podem, por exemplo, estabelecer
como varia o perímetro (ou a área) de um quadrado, em função da medida de seu
lado; determinar a expressão algébrica que representa a variação, assim como
esboçar o gráfico cartesiano que representa essa variação.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM
(BRASIL, 1999), enfatizam a relevância do conceito de função, tanto no que diz
respeito às suas aplicações dentro ou fora da Matemática, como a sua
importância histórica no desenvolvimento da própria ciência:
Além das conexões internas à própria Matemática, o conceito de
função desempenha também papel importante para descrever e
estudar através da leitura, interpretação e construção de gráficos,
o comportamento de certos fenômenos tanto do cotidiano, como
de outras áreas do conhecimento, como a Física, Geografia ou
Economia. Cabe, portanto, ao ensino de Matemática garantir que
o aluno adquira certa flexibilidade para lidar com o conceito de
função em situações diversas e, nesse sentido, através de uma
variedade de situações-problema de Matemática e de outras
áreas, o aluno pode ser incentivado a buscar a solução, ajustando
21
seus conhecimentos sobre funções para construir um modelo para
interpretação e investigação em Matemática. (p. 255).
Com o intuito de encaminhar um ensino compatível com as novas
pretensões educativas e ampliar as orientações contidas nos PCNEM, fazendo
avançar elementos que não estavam ainda explicitados, os PCN+ Ensino Médio
(BRASIL, 2002) oferecem elementos úteis na definição de conteúdos e na adoção
de opções metodológicas.
A resolução de problemas, segundo os PCN+ (BRASIL, 2002, p.113), é
peça central para o ensino de matemática:
Na resolução de problemas, o tratamento de situações complexas
e diversificadas oferece ao aluno a oportunidade de pensar por si
mesmo, construir estratégias de resolução e argumentações,
relacionar diferentes conhecimentos e, em fim, perseverar na
busca da solução. E por isso, os desafios devem ser reais e fazer
sentido.
Com relação às funções, o documento enfatiza que os problemas de
aplicação não devem ser deixados para o final desse estudo, mas devem ser
motivo e contextos para o aluno aprender funções:
Tradicionalmente o ensino de funções estabelece como pré-
requisito o estudo dos números reais e de conjuntos e suas
operações, para depois definir relações e a partir daí identificar as
funções como particulares relações. Todo esse percurso é, então,
abandonado assim que a noção de função é estabelecida, pois
para a análise dos diferentes tipos de funções todo o estudo
relativo a conjuntos e relações é desnecessário. Assim, o ensino
pode ser iniciado diretamente pela noção de função para
descrever situações de dependência entre duas grandezas, o que
permite o estudo a partir de situações contextualizadas, descritas
algébrica e graficamente. A riqueza de situações envolvendo
funções permite que o ensino se estruture permeado de exemplos
do cotidiano, das formas gráficas que a mídia e outras áreas de
conhecimento utilizam para descrever fenômenos de dependência
entre grandezas. (BRASIL, 2002, p.121).
Visando à contribuição sobre a escolha e a forma de trabalhar os
conteúdos, as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) dão
ênfase ao ensino e a aprendizagem que valorizam o raciocínio matemático e
22
desaconselham a simples aplicação de regras e fórmulas à lista respectiva de
exercícios, frequentemente presente em boa parte dos livros didáticos.
Segundo as Orientações Curriculares (BRASIL, 2006):
O estudo de Funções pode ser iniciado com uma exploração
qualitativa das relações entre duas grandezas em diferentes
situações: idade e altura; área do círculo e raio; tempo e distância
percorrida; tempo e crescimento populacional; tempo e amplitude
de movimento de um pêndulo, entre outras. Também é
interessante provocar os alunos para que apresentem outras
tantas relações funcionais e que, de início, esbocem
qualitativamente os gráficos que representam essas relações.
(p.72).
O documento destaca também a importância da conversão do registro
algébrico para o registro da língua natural:
É conveniente solicitar aos alunos que expressem em palavras
uma função dada de forma algébrica, por exemplo, f(x) = 2 x + 3,
como a função que associa a um dado valor real o seu dobro,
acrescido de três unidades; isso pode facilitar a identificação, por
parte do aluno, da idéia de função em outras situações, como, por
exemplo, no estudo da cinemática, em Física. (p.72).
O Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio – PNLEM
(BRASIL, 2005), ao apresentar alguns aspectos metodológicos para a seleção,
distribuição e articulação dos conteúdos nos livros didáticos, destaca a
importância da proposição de situações-problema representadas por meio de
tabelas, gráficos etc. De acordo com o documento o conceito de função permeia
os diversos campos da matemática, por exemplo, “[...] a representação no plano
cartesiano permite ligar as propriedades de uma função com as de seu gráfico e a
geometria analítica pode aparecer, então, como um campo de confluência de
vários conceitos: função, equação, figura geométrica, etc.”. (p.39). Em relação ao
ensino desse conteúdo “é bastante desaconselhável, tanto do ponto de vista
matemático como didático, o uso da linguagem da teoria dos conjuntos para a
definição de função com base no conceito de produto cartesiano de dois
conjuntos.” (BRASIL, 2005, p.41).
23
Concordamos com os PCN, os PCN+ Ensino Médio e com as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio, ao afirmarem que,
tradicionalmente, o ensino da Matemática baseia-se na mera transmissão e
recepção de conhecimentos, onde a introdução de um novo conceito é feita de
forma direta partindo-se de definições, exemplos e procedimentos mecânicos que,
posteriormente, passam a ser utilizados como modelos para a resolução dos
exercícios propostos.
Os problemas são utilizados apenas para verificar se o aluno consegue
aplicar as técnicas que aprendeu. Assim, quando os alunos têm um problema
para resolver é muito comum que procurem os números contidos no enunciado e
façam operações matemáticas para encontrar uma resposta, sem formular
hipóteses, nem validar seus procedimentos. Essa metodologia de ensino supõe
que o aluno aprende por imitação.
Já os documentos oficiais supracitados, preconizam o caminho inverso
da concepção formal, ou seja, partem do princípio de que a aprendizagem de um
novo conceito matemático se dá pela apresentação de situações-problema que
desafiam e geram interesse, ficando a formalização do conceito para a última
etapa do processo de ensino e aprendizagem. Nesse enfoque, o aluno é colocado
permanentemente diante de situações novas, que o leva a formular hipóteses,
discutir suas próprias idéias, refletir criticamente, enfim, o aluno é responsável
pela construção do seu próprio conhecimento, cabendo ao professor o papel de
mediador, ficando este responsável pela criação de situações que propiciam ao
aluno o desenvolvimento de sua aprendizagem, e pela sistematização do novo
conhecimento.
Com relação ao conceito de função, de modo geral, os documentos
oficiais que analisamos, orientam que o seu estudo deve ser iniciado diretamente
pela exploração de situações-problema para descrever situações de dependência
entre duas grandezas, e desaconselham o estudo dos números reais e de
conjuntos e suas operações como pré-requisito para o ensino desse conceito.
24
CAPÍTULO 2
REFERENCIAL TEÓRICO
Este trabalho está fundamentado em alguns pressupostos da teoria
dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval, que trata
principalmente do funcionamento cognitivo envolvido na atividade matemática e
nos problemas de tal aprendizagem.
OS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA
Considerando a importância da articulação entre os registros em
relação à representação de um objeto matemático, particularmente a conversão
entre os registros gráfico e algébrico de uma função (que é o objeto de estudo
desta investigação), presumimos que a Teoria dos Registros de Representação
Semiótica de Duval possa nos ajudar a responder algumas de nossas questões
de pesquisa, visando uma maior compreensão dos objetos matemáticos e do
processo de ensino e aprendizagem.
Na perspectiva de Duval, ensinar matemática é antes de tudo
possibilitar o desenvolvimento geral das capacidades de raciocínio, de análise e
de visualização. Segundo Duval, uma das características importantes da atividade
matemática é a diversidade dos registros de representação semiótica que ela
mobiliza obrigatoriamente. No entanto, essa diversidade raramente é levada em
conta no ensino.
A compreensão das funções cognitivas que as diversas formas de
representações semióticas preenchem, pode auxiliar no processo de ensino e
aprendizagem da matemática. Segundo Duval (1999, apud Flores e Moretti, 2006,
25
p.29), as representações semióticas podem preencher quatro funções cognitivas:
função de comunicação, função de tratamento, função de objetivação e função de
identificação. A primeira função é responsável pela transmissão de uma
mensagem ou de uma informação entre indivíduos. A segunda é a função que
transforma uma representação em outra. A terceira função corresponde ao uso
particular de um registro de representação. Finalmente, a identificação é a função
cognitiva que permite encontrar um dado ou uma informação dentre muitas
outras. Toda vez que precisamos ler ou analisar dados de um problema, esta
função é solicitada.
As representações gráficas preenchem as quatro funções cognitivas
do pensamento. Constantemente as pessoas são expostas a informações (nos
meios de comunicação, livros didáticos etc.) que, para serem entendidas e
levadas em conta de modo crítico, exigem a leitura de gráficos, tabelas,
diagramas etc. Destaca-se a representação gráfica por preencher não só o papel
de comunicação, mas também de objetivação, tratamento e identificação, ou seja,
não é suficiente saber “ler” um gráfico, é necessário também saber interpretar as
informações contidas nessa forma de representação.
Para designar as diversas formas de representações semióticas
utilizadas em matemática, Duval (2003, p.14) as classifica em quatro diferentes
tipos de registro: língua natural, sistemas de escritas (numéricas, algébricas,
simbólicas), figuras geométricas e gráficos cartesianos. Segundo o autor, a
originalidade da atividade matemática está na mobilização simultânea de pelo
menos dois registros de representação ao mesmo tempo. Na resolução de um
problema um registro pode aparecer explicitamente privilegiado, mas deve existir
sempre a possibilidade de passar de um registro ao outro.
De acordo com Duval (2003, p.15), existem dois tipos de
transformações de representações semióticas que são muito diferentes: os
tratamentos e as conversões.
26
Os tratamentos são transformações de representações dentro de
um mesmo registro: por exemplo, resolver uma equação.
As conversões são transformações de representações que
consistem em mudar de registro conservando os mesmos objetos
denotados: por exemplo, passar da escrita algébrica de uma função
à sua representação gráfica.
Para Duval (2003) a utilização das várias representações de um
determinado objeto matemático deve fazer parte dos recursos didáticos
normalmente trabalhados pelos professores. Assim, quando o aluno é capaz de
articular essas representações dentro de um determinado registro ou entre os
registros, a aprendizagem torna-se mais significativa. Entretanto, de acordo com o
autor, se quisermos analisar as dificuldades de aprendizagem dos alunos em
Matemática, devemos estudar prioritariamente a conversão das representações e
não os tratamentos.
Segundo Duval (2003, p.21), a compreensão em Matemática implica a
capacidade de mudar de registros. Isso porque não se deve jamais confundir um
objeto e sua representação. Os objetos matemáticos não são acessíveis
perceptivamente ou instrumentalmente, por isso o acesso a esses objetos passa
necessariamente por suas representações semióticas. Daí a compreensão em
matemática está intimamente ligada ao fato de dispor de ao menos dois registros
de representação diferentes. Essa é a única possibilidade de que se dispõe para
não confundir o conteúdo de uma representação com o objeto representado.
Duval (2003, p.20) afirma que geralmente, no ensino, um sentido de
conversão é privilegiado, pela idéia de que o treinamento efetuado num sentido
estaria automaticamente treinando a conversão no outro sentido.
Acreditamos que esse seja o caso da abordagem do conceito de
função nos livros didáticos e em sala de aula, onde geralmente se prioriza um
único sentido de conversão nas seqüências de exercícios apresentadas.
27
A constituição das seqüências depende da natureza dos
fenômenos que se deseja estudar. Quando se trata da articulação
entre dois registros em relação à representação de um objeto
matemático, duas condições dever ser efetivamente respeitadas:
primeiramente, a seqüência deve ser constituída de uma série de
tarefas que tratem dos dois sentidos da conversão; em segundo
lugar, para cada sentido da conversão deve haver tarefas que
comportem casos de congruência e casos mais ou menos
complexos de não-congruência. (DUVAL, 2003, p.27).
Para analisar a atividade de conversão, é suficiente comparar a
representação no registro de partida com a representação no registro de chegada.
Quando a representação de chegada está evidente na representação de saída
diz-se que há uma congruência. Quando a representação no registro de chegada
não transparece claramente na representação de saída diz-se que há uma não-
congruência.
As representações gráficas possibilitam três tipos de tratamento, isto é,
de operações internas aos gráficos, e dois tipos de conversão com o registro
simbólico conforme é mostrado no esquema abaixo, apresentado por Duval
(2003, p.18):
Figura 2: Esquema de organização semiótica e do funcionamento das
representações gráficas.
28
No esquema mostrado na Figura 2, observamos dois tipos de
conversão cognitivamente diferentes: A e A’, que permitem somente uma leitura
pontual dos gráficos; e B que permite uma apreensão global e qualitativa.
Na conversão A (escrita simbólica o figura-forma), pontos obtidos por
substituição de números na expressão algébrica são transferidos para a figura-
fundo (sistema de eixos graduados), para que em seguida o gráfico (figura-forma)
possa ser traçado por meio da união desses pontos. Já na conversão A’, que
ocorre no sentido contrário, a expressão algébrica é obtida a partir de cálculos
efetuados com valores numéricos (coordenadas de pontos pertencentes ao
gráfico), lidos na figura-fundo (sistema de eixos).
A conversão B, tanto no sentido gráfico o expressão algébrica, como
no sentido contrário, leva em conta, de um lado, as variáveis visuais própria dos
gráficos (inclinação, intersecção com os eixos etc.) e, de outro, os valores
escalares das equações (coeficientes positivos ou negativos, maior, menor ou
igual a 1 etc.), sem passar pela figura-fundo. Duval (2003, p.17) afirma que “[...] é
essa apreensão global e qualitativa que é necessária para extrapolar, interpolar,
ou para utilizar os gráficos para fins de controle, ou de exploração, relacionado
aos tratamentos algébricos”.
Segundo Duval (1988, apud Mariani, 2006), existem três tipos distintos
de procedimentos para a construção de gráficos:
1) O procedimento por pontos: que enfatiza a representação de um ponto com
base em um par ordenado e a identificação do par ordenado a partir do ponto;
2) O procedimento de extensão do traçado: que promove a união de pontos por
traços, desenhando o gráfico;
3) O procedimento de interpretação global das propriedades da figura-forma: que
permite a percepção de que a modificação da escrita algébrica implica a
29
mudança da representação gráfica, por meio da associação variável visual da
representação l unidade significativa da escrita algébrica.
Nos procedimentos 1 e 2, não há relação entre o gráfico e a expressão
algébrica da função correspondente, mas apenas a associação entre um par
ordenado e sua representação cartesiana. Já os gráficos construídos utilizando-se
o procedimento 3, permitem a visualização da relação entre as modificações nas
expressões algébricas das funções e as modificações nos respectivos gráficos e
vice-versa. O uso de um software para a construção de gráficos de funções pode
facilitar essa visualização.
Na conversão entre equações e gráficos o procedimento por pontos é o
que mais aparece nos livros didáticos (MORETTI, 2003). Para passar de uma
equação à sua representação gráfica, pontos obtidos por substituição de valores
(geralmente inteiros) na expressão algébrica da função são localizados no
sistema cartesiano, em seguida o gráfico é traçado por meio da junção desses
pontos. Duval (2003) adverte que esse procedimento não permite uma apreensão
global e qualitativa necessária, por exemplo, para utilizar os gráficos para fins de
controle, ou de exploração, relacionados aos tratamentos algébricos. Segundo o
autor, essa regra permite apenas uma leitura pontual das representações
gráficas.
Na realidade, a conversão entre gráficos e equações supõe que
se consiga levar em conta, de um lado, as variáveis visuais
próprias dos gráficos (inclinação, intersecção com os eixos, etc.)
e, de outro, os valores escalares das equações (coeficientes
positivos ou negativos, maior, menor ou igual a 1 etc.). (DUVAL,
2003, p.17).
Ao contrário do procedimento por pontos, o procedimento de
interpretação global das propriedades figurais (DUVAL, 1988b, apud MORETTI,
2003), em que o conjunto traçado/eixo forma uma imagem que representa um
objeto descrito por uma expressão algébrica, permite que sejam identificadas, ao
mesmo tempo, as modificações possíveis no gráfico e na expressão algébrica.
“Nesse tipo de tratamento não estamos em presença da associação um ponto l
30
um par de números, mas na associação variável visual de representação l
unidade significativa da escrita algébrica”. (DUVAL, 1988b, apud MORETTI, 2003,
p.151).
O quadro 1, apresentado por Duval (1988b, apud Moretti, 2003, p.152),
mostra um exemplo do procedimento de interpretação global das propriedades da
figura-forma para esboço de gráficos, no caso das funções do 1º grau:
Quadro 1: Procedimento de interpretação global das propriedades da figura-forma para o
esboço de gráficos de funções do 1º grau.
Observamos neste quadro que o coeficiente angular está relacionado
com o ângulo que a reta forma com os eixos (1ª e 2ª linhas da tabela); o
coeficiente linear por sua vez está relacionado com a posição em que a reta
intercepta o eixo das ordenadas (3ª linha da tabela). Assim, percebe-se a relação
entre as modificações nas expressões algébricas e as modificações no gráfico e
vice-versa.
Portanto, as representações gráficas, possuem regras, códigos
instituídos para a sua composição e requerem um tratamento específico no
sistema de representação semiótica. Assim, para uma apreensão global das
representações gráficas, é necessário uma certa desenvoltura visual e um
empenho cognitivo por parte do aluno, pois “Há, por trás da aplicação de uma
regra de codificação para passar de uma equação a um gráfico cartesiano, a
31
necessária articulação entre as variáveis cognitivas que são específicas do
funcionamento de cada um dos dois registros” (DUVAL, 2003, p.17).
A ilustração abaixo, feita com base no apresentado por Duval (1988,
p.244), refere-se a uma atividade proposta a 105 alunos franceses, com idade
entre 15 e 16 anos, em que foi pedido aos estudantes que associassem as
expressões algébricas (E1, E2,..., E10) aos gráficos (G1, G2,..., G5)
correspondentes.
E1: y > x
E2: y t x
E3: y = x
E4: y = -x
E5: y = 0
E6: y = x + 2
E7: y = x – 2
E8: y = 2x
E9: y t x + 2
E10: x = 2
Figura 3: Ilustração da atividade proposta por Duval a alunos franceses.
O autor fez essa investigação com o objetivo de elucidar as variáveis
visuais envolvidas na conversão entre os registros gráfico e algébrico. A partir dos
resultados obtidos, Duval (1988, apud Mariani, 2006, p.42-43) fez um
levantamento dos erros dominantes, e observou que:
x 21 alunos associaram a expressão y = x ao gráfico G1. Isto indica, segundo o
autor, que esses estudantes não associaram o sentido descendente da inclinação
da reta com o coeficiente negativo da expressão algébrica;
32
x 23 alunos associaram a expressão y = -x ao gráfico G4. O que significa,
segundo Duval, que esse grupo de estudantes não conseguiu identificar a
propriedade da figura que relaciona a intersecção da reta com o eixo x e a
expressão algébrica;
x 14 alunos associaram a representação algébrica y t x ao gráfico G5. De acordo
com o autor, esses 14 alunos forçaram a interpretação de que, no primeiro
quadrante cada valor de y é maior que o valor de x.
Duval reaplicou essa atividade a outros 60 alunos, que também
estudavam no Ensino Médio francês, obtendo resultados semelhantes aos da
pesquisa anterior. Considerando as duas populações de alunos estudadas (num
total de165 alunos), o autor conclui que:
Nessas duas populações, apenas ¼ dos alunos distingue y = x + 2
de y = 2x e menos de 20% dos alunos acertaram todos os cinco
itens. Mas o resultado mais espetacular é que dos 165 alunos
somente 99, isto é, 60%, vêem uma diferença de sentido da
inclinação da reta associada à diferença entre y = x e y = -x.
(DUVAL, 1988, apud MARIANI, 2006, p.43)
Os resultados da pesquisa de Duval mostram que os procedimentos de
construção de gráficos por pontos e por extensão de um traçado efetuado - em
que valores, geralmente inteiros, são substituídos na expressão algébrica da
função para a obtenção de pares ordenados que, posteriormente, são localizados
no plano cartesiano para que em seguida o gráfico possa ser traçado por meio da
junção desses pontos - não possibilitam uma apreensão global e qualitativa, por
parte dos alunos, na interpretação das representações gráficas de funções, pois
não permite a ligação entre as propriedades da figura e a expressão algébrica da
função, permitindo somente uma leitura pontual das representações gráficas.
33
CAPÍTULO 3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo destacamos a metodologia utilizada no desenvolvimento
deste trabalho, fundamentada em uma análise documental de caráter qualitativo.
3.1. ANÁLISE DOCUMENTAL
A análise documental é uma técnica de abordagem de dados
qualitativos, “realizada a partir de documentos, contemporâneos ou
retrospectivos, considerados cientificamente autênticos [...]. Documento é toda
base de conhecimento fixado materialmente e suscetível de ser utilizado para
consulta, estudo ou prova [...]” (PÁDUA, 2005, p.68-69).
De acordo com Guba e Lincoln (1981, apud Lüdke e André, 1986,
p.39), uma das vantagens para o uso de documentos na pesquisa é o fato de que
os documentos constituem uma fonte estável e rica, podendo ser consultados
várias vezes. Representam ainda uma fonte “natural” de informação
contextualizada. Outra vantagem dos documentos é o seu baixo custo. Seu uso
requer apenas investimento de tempo e atenção por parte do pesquisador para
selecionar e analisar os mais relevantes.
3.2. A ESCOLHA DOS LIVROS DIDÁTICOS
Escolhemos o livro didático como fonte primária de dados para nossa
investigação, entre os diversos registros textuais do saber, por ele ser um dos
instrumentos mais importante mobilizado no processo de ensino e aprendizagem
34
no momento, especialmente nas escolas públicas, pois são distribuídos
gratuitamente aos alunos da Educação Básica pelo Ministério da Educação.
Desde 1985, o Ministério da Educação distribui livros didáticos aos
alunos matriculados no Ensino Fundamental da rede pública. Em sua proposta
inicial, o Programa Nacional do Livro Didático/PNLD previa, apenas, a escolha
dos livros pelo professor, com a conseqüente distribuição pelo MEC. A partir de
1995, os professores passaram a escolher seus livros com base em análises
elaboradas por especialistas nas diversas áreas do conhecimento.
Finalmente, em 2005, o Programa Nacional do Livro para o Ensino
Médio/PNLEM começou a ser implantado gradativamente, com a distribuição dos
livros de Língua Portuguesa e de Matemática.
Os dados de nossa pesquisa foram obtidos de cinco livros didáticos,
sendo dois da 8ª série do Ensino Fundamental e três da 1ª série do Ensino Médio:
Quadro 2: Livros didáticos de Matemática analisados nesta pesquisa.
DESIGNAÇÃO TÍTULO – SÉRIE / AUTOR / EDITORA – ANO
LD-1
Matemática: Uma aventura do pensamento – 8ª série – EF
Oscar Guelli
Ática – 2005
LD-2
Educação Matemática – 8ª série – EF
Célia Carolino, Edda Curi e Ruy Pietropaolo
Atual – 2002
LD-3
Matemática – 1ª série – EM
Edwaldo Bianchini e Herval Paccola
Moderna – 2004
LD-4
Matemática – 1ª série – EM
Luiz Roberto Dante
Ática – 2005
LD-5
Matemática Ensino Médio – 1ª série – EM
Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz
Saraiva – 2004
35
Para a seleção dos livros relacionados no Quadro 2, adotamos os
seguintes critérios:
Primeiro fizemos uma leitura, no Guia do Livro Didático, das
resenhas das 23 coleções de Matemática aprovadas pelo PNLD
(2005) para o ensino fundamental, e das 11 coleções aprovadas
pelo PNLEM (2005) para o ensino médio.
Depois fizemos uma pesquisa na biblioteca da escola em que
trabalhamos, para verificarmos se havia algumas dessas obras
disponíveis para consulta. Encontramos 15 coleções (livro do
professor), sendo 8 do Ensino Fundamental e 7 do Ensino Médio.
Finalmente, com base numa pré-análise comparativa das
abordagens de função adotadas nessas 15 coleções, nas resenhas
do Guia do Livro Didático, e no fato de alguns desses livros terem
sido adotados por professores (da região em que trabalhamos) com
quem conversamos informalmente, escolhemos os cinco livros
relacionados no Quadro 2, para nossa análise.
3.3. DESCRIÇÃO DA ESTRUTURA DOS LIVROS SELECIONADOS
O livro didático (LD-1), da 8ª série do Ensino Fundamental, faz parte da
Coleção Matemática Uma Aventura do Pensamento 2ª edição, 2005 do autor
Oscar Guelli, publicada pela Editora Ática e aprovada pelo PNLD/2005. O livro
está organizado em unidades, estruturadas em itens, nos quais se expõem os
conteúdos e se propõem exercícios. No final do volume, há um pequeno
dicionário informal de Matemática e de sua história, uma bibliografia e as
respostas dos exercícios propostos. No manual do professor consta, além do livro
do aluno, a resolução de todos os exercícios propostos e um suplemento
pedagógico.
36
O suplemento pedagógico é composto de seções em que se discutem
alguns aspectos metodológicos, a construção do conhecimento, o uso da
calculadora, a resolução de problemas etc. Porém o autor não explicita os
pressupostos teóricos que orientaram a elaboração do livro. Por exemplo, na
seção em que o autor trata da resolução de problemas, ele apresenta apenas
uma técnica, com quatro passos, para a resolução de problemas, sem enfatizar a
importância que esse recurso tem para a construção do conhecimento do aluno.
O livro didático (LD-2), da 8ª série do Ensino Fundamental, faz parte da
Coleção Educação Matemática – 1ª edição, 2002 dos Autores Célia Carolino,
Edda Curi e Ruy Pietropaolo, publicada pela Atual Editora e aprovada pelo
PNLD/2005. No inicio do livro há uma apresentação destinada ao aluno, que
descreve a estruturação da obra. O livro está dividido em módulos, e cada módulo
é composto por cinco seções: a seção Resolvendo problemas apresenta questões
introdutórias em cada módulo; na seção É preciso saber são fornecidas
explicações ligadas ao tema e às situações-problema introdutórias, para
sistematização do conteúdo; a seção É preciso saber fazer apresenta exercícios
de aplicação referentes à seção anterior; a seção Para saber mais, aborda
curiosidades, aspectos históricos e atualidades relacionadas ao tema do módulo
bem como aplicações em outras áreas do conhecimento; finalmente a seção
Mostre que você sabe apresenta exercícios adicionais relativos ao conteúdo
abordado. No final do volume são apresentados projetos temáticos, um banco de
imagens, testes de múltipla escolha para cada módulo, e as respostas dos
exercícios. O manual do professor é composto do livro do aluno acrescido das
respostas dos problemas propostos e de um suplemento pedagógico.
No suplemento pedagógico os autores apontam a resolução de
problemas como ponto de partida para a construção de conceitos, procedimentos
e atitudes, e apresentam os vários aspectos envolvidos nesta concepção de
ensino e aprendizagem da Matemática. Recomendam o uso do computador e da
calculadora como ferramentas para auxiliar no processo de construção do
conhecimento matemático. Enfatizam a computação gráfica como um recurso
bastante estimulador para compreensão e análise do comportamento de gráficos
37
de funções. Estimulam o trabalho com projetos. Abordam temas relevantes para a
atualização dos professores, e indicam uma bibliografia e endereços de
instituições e grupos de pesquisa voltados para a Educação Matemática.
O livro didático (LD-3), da 1ª série do Ensino Médio, faz parte da
Coleção Matemática 1ª edição, 2004 dos autores Edwaldo Bianchini e Herval
Paccola, publicada pela Editora Moderna e aprovada pelo PNLEM/2005. O livro
está dividido em capítulos e estes em itens, cujos temas são indicados em seus
respectivos títulos. Ao final de cada capítulo, são apresentadas as seções
exercícios complementares, revisão de conceitos, testes de vestibular e questões
para pensar.
O manual pedagógico do livro do professor contém sugestões para
avaliação, e leitura complementar de livros revistas e sites, para o aluno e o
professor. Na segunda parte, o manual expõe os objetivos específicos do volume,
sugestões para o desenvolvimento teórico e a resolução dos exercícios do livro do
aluno. No entanto, não explícita os pressupostos teóricos que nortearam a
elaboração do livro, além de oferecer poucas orientações metodológicas ao
professor.
O livro didático (LD-4), da 1ª série do Ensino Médio, faz parte da
Coleção Matemática 1ª edição, 2005 do autor Luiz Roberto Dante, publicada
pela Editora Ática e aprovada pelo PNLEM/2005. Cada capítulo do livro se divide
em itens e se inicia, geralmente, com uma introdução que problematiza o tema
em foco. Os demais itens apresentam os conteúdos, abordados em textos
explanatórios, seguidos sempre de exercícios propostos e muitas vezes de
exercícios resolvidos. O livro do professor contém o livro do aluno, um suplemento
pedagógico e as resoluções de todos os exercícios propostos.
No suplemento pedagógico o autor deixa claro os pressupostos
teóricos que orientaram a elaboração do livro, destacando a contextualização, a
interdisciplinaridade e a resolução de problemas como princípios norteadores da
obra. Para o autor a resolução de problemas é fundamental para auxiliar o aluno
38
na apreensão dos significados. Na concepção do autor, para o aluno aprender
Matemática de forma significativa, é fundamental trabalhar as idéias matemáticas
antes da simbologia e da linguagem matemática. Por exemplo, antes de ser
apresentada em linguagem matemática, a idéia de função deve ser trabalhada de
forma intuitiva com o aluno.
O autor ressalta também o uso da calculadora e do computador, entre
outros, como recursos didáticos auxiliares de que o professor deve lançar mão
para seu trabalho pedagógico em sala de aula, além de discutir a importância da
formação continuada do professor, indicando, inclusive, alguns endereços de
grupos de pesquisa na área da Educação Matemática.
O livro didático (LD-5), da 1ª série do Ensino Médio, faz parte da
Coleção Matemática Ensino Médio 4ª edição, 2004 das autoras Kátia Stocco
Smole e Maria Ignez Diniz, publicada pela Editora Saraiva e aprovada pelo
PNLEM/2005. O livro é organizado em unidades temáticas que se dividem em
itens. Nesses itens, o conteúdo é introduzido por meio de situações do cotidiano,
textos sobre a História da Matemática ou questões internas à Matemática. No
capítulo destinado à introdução do conceito de função as atividades são
desenvolvidas de modo a favorecer a interação entre representações, como:
língua natural, linguagem simbólica, gráficos e tabelas. O livro do professor é
constituído por uma cópia do livro do aluno, por um suplemento pedagógico e
pela resolução de alguns exercícios propostos.
O suplemento pedagógico apresenta com clareza, os fundamentos
teóricos utilizados para a elaboração da obra, destacando a contextualização e a
resolução de problemas como os principais pressupostos metodológicos. Para as
autoras, a resolução de problemas oferece ao aluno a oportunidade de
desenvolver autonomia de raciocínio, construir estratégias de resolução e
argumentação, relacionar diferentes conhecimentos e, enfim persistir na busca da
solução.
39
As autoras enfatizam também que o trabalho com funções deve partir
diretamente de sua concepção central, baseada em relações entre grandezas, e
sugerem a utilização dos softwares Graphmatica, Winplot e Modellus, dentre
outros, como recursos auxiliares para o estudo de funções.
3.4. CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DOS LIVROS
Com o intuito de nortear nossas questões de pesquisa descreveremos,
a seguir, os critérios adotados para a análise da abordagem de função adotada
nos livros selecionados, bem como as justificativas para a adoção desses
critérios.
Com o objetivo de identificar as estratégias utilizadas pelos autores dos
livros didáticos para desenvolver a noção de função, elaboramos os critérios 1, 2
e 3, inspirados no modelo apresentado por Rossini (2006).
Para verificar os procedimentos usados no esboço de gráficos, bem
como as articulações entre os registros de representação gráfico e algébrico,
elaboramos os critérios 4, 5 e 6, a partir das idéias de Duval (2003) e Moretti
(2003).
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
Parece-nos claro que a resolução de problemas deve ser vista como
fundamental, e não como algo que se faz, eventualmente, no final de alguns
capítulos como aplicação dos assuntos matemáticos que até então foram
ensinados.
40
Assim, “a situação-problema é o ponto de partida da atividade
matemática e não a definição. [...] a resolução de problemas não é uma atividade
para ser desenvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendizagem, mas uma
orientação para a aprendizagem”. (BRASIL, 1998, p.40-41).
Tradicionalmente os problemas não têm desempenhado seu
verdadeiro papel no ensino e aprendizagem da matemática. Freqüentemente, nos
livros didáticos, e em sala de aula, a resolução de problemas se reduz à aplicação
mecânica de técnicas e cálculos, sem a necessária mobilização de
conhecimentos, o que não garante uma aprendizagem significativa para o aluno.
A resolução de problemas é peça central para o ensino de
Matemática, pois o pensar e o fazer se mobilizam e se
desenvolvem quando o indivíduo está engajado ativamente no
enfrentamento de desafios. Essa competência não se desenvolve
quando propomos apenas exercícios de aplicação dos conceitos e
técnicas matemáticos, pois, neste caso, o que está em ação é
uma simples transposição analógica: o aluno busca na memória
um exercício semelhante e desenvolve passos análogos aos
daquela situação, o que não garante que seja capaz de utilizar
seus conhecimentos em situações diferentes ou mais complexas.
(BRASIL, 2002, p.112).
O conceito de função como modelo matemático para o estudo da
variação de uma grandeza associada à variação de outra grandeza, tem sido
pouco explorado nos livros didáticos.
De acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p.118), “[...] situações-
problema sobre variações de grandezas fornecem excelentes contextos para
desenvolver a noção de função [...]”. Os PCN+ (BRASIL, 2002) e as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (2006) também recomendam a introdução do
conceito de função por meio da exploração qualitativa das relações de
dependência entre duas grandezas.
Durante o período da chamada Matemática Moderna (décadas de 60 e
70), foi dada uma ênfase acentuada na utilização da linguagem dos conjuntos e
numa apresentação excessivamente formal da Matemática. Desse modo, a
41
definição de função como um conjunto de pares ordenados e como caso
particular das relações persiste até hoje na maioria dos livros didáticos. No
entanto, presumimos que o estudo de funções por meio da resolução de
problemas pode alterar essa situação, pois irá possibilitar a construção das idéias
de variável e da relação de dependência entre grandezas.
Tradicionalmente o ensino de funções estabelece como pré-
requisito o estudo dos números reais e de conjuntos e suas
operações, para depois definir relações e a partir daí identificar as
funções como particulares relações [...]. Assim, o ensino pode ser
iniciado diretamente pela noção de função para descrever
situações de dependência entre duas grandezas, o que permite o
estudo a partir de situações contextualizadas [...]. Toda a
linguagem excessivamente formal que cerca esse tema deve ser
relativizada e em parte deixada de lado [...]. (BRASIL, 2002, p.
121).
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
A noção de função pode emergir da exploração de padrões numéricos
e geométricos e da sua subseqüente generalização por meio do uso de
expressões com variáveis. O estudo de padrões e regularidades pode ajudar o
estudante a descobrir relações e fazer generalizações, servindo como base para
a compreensão do conceito de função.
Para Trindade e Moretti (2000), a identificação de regularidades, em
situações como seqüências numéricas ou padrões geométricos, é uma habilidade
essencial à construção do conceito de função. Assim, “E interessante propor
situações em que os alunos possam investigar padrões, tanto em sucessões
numéricas como em representações geométricas e identificar suas estruturas,
construindo a linguagem algébrica para descrevê-las simbolicamente” (BRASIL,
1998, p.117).
De acordo com os PCNEM (BRASIL, 1999), para o desenvolvimento de
habilidades essenciais à leitura e interpretação da realidade e de outras áreas do
42
conhecimento, é importante estimular a busca de regularidades e a generalização
de padrões.
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
De acordo com os PCNEM (BRASIL, 1999, p.257) situações-problema
de matemática e de outras áreas, permite ao estudante flexibilidade para lidar
com o conceito de função em situações diversas, adaptando seus conhecimentos
para construir um modelo para interpretação e investigação em Matemática.
Assim, a exploração das relações funcionais entre duas grandezas em diferentes
situações, ”[...] permite ao aluno adquirir a linguagem algébrica como a linguagem
das ciências, necessária para expressar a relação entre grandezas e modelar
situações-problema, [...] permitindo várias conexões dentro e fora da própria
matemática” (BRASIL, 2002, p.121).
De acordo com o PNLEM (BRASIL, 2005) “o estudo das funções
numéricas como modelos matemáticos para o estudo da variação de uma
grandeza associada à variação de outra grandeza assume um papel unificador
importante” (p.71).
Ao apresentar alguns aspectos metodológicos sobre a seleção,
distribuição e articulação dos conteúdos, o PNLEM (BRASIL, 2005) destaca que
“a representação no plano cartesiano permite ligar as propriedades de uma
função com as de seu gráfico e a geometria analítica pode aparecer, então, como
um campo de confluência de vários conceitos — função, equação, figura
geométrica, etc.” (p.71).
Assim, o caráter de articulações e inter-relacionamentos proveniente
do conceito de funções pode, por meio das observações, chegar à constatação de
regularidades matemáticas, generalizações e formação de uma linguagem
adequada para descrever e interpretar fenômenos ligados à matemática e a
outras áreas do conhecimento.
43
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
Conforme já mencionamos no capítulo anterior, Duval (1988, apud
MARIANI, 2006) distingue três tipos de procedimentos relacionados à construção
de gráficos de funções: os procedimentos por pontos e por extensão de um
traçado efetuado (que permitem apenas uma leitura pontual dos gráficos); e o
procedimento de interpretação global das propriedades da figura-forma (que
possibilita à representação gráfica o poder intuitivo e heurístico, essencialmente
qualitativo).
Segundo Moretti (2003, p.151), a construção de gráficos utilizando os
procedimentos por pontos e por extensão de um traçado é a que mais aparece
nos livros didáticos. Pontos obtidos pela substituição de valores numéricos,
normalmente inteiros (..., -2, -1, 0, 1, 2,...), na expressão algébrica da função, são
localizados no plano cartesiano, para que em seguida o gráfico possa ser traçado
por meio da junção desses pontos.
Nesse modo, não há ligação entre o gráfico e a expressão
algébrica da função correspondente. Diversos problemas podem
surgir dessa forma de proceder, pelo fato de que se há
congruência semântica entre um par ordenado e sua
representação cartesiana, o mesmo não se pode dizer de um
conjunto de pontos no plano cartesiano e uma regra
matemática a ele equivalente. (MORETTI, 2003, p.151, grifos do
autor).
De acordo com Duval (2003, p.17) o procedimento de interpretação
global das propriedades da figura-forma, deve levar em conta, na conversão entre
a expressão algébrica e o gráfico de uma função, as variáveis visuais próprias dos
gráficos (inclinação, intersecção com os eixos etc.), e os valores escalares
(coeficientes positivos ou negativos, maior menor ou igual a 1 etc.) das
expressões algébricas.
44
Esse procedimento permite que o aluno perceba a relação entre as
modificações nas expressões algébricas e as modificações na figura e vice-versa,
pois “neste tipo de tratamento não estamos em presença da associação um ponto
l um par de números, mas na associação variável visual da representação l
unidade significativa da escrita algébrica” (DUVAL, 1988, apud MORETTI, 2003,
p.151).
Assim, a articulação entre as variáveis visuais do gráfico e as
correspondências sistemáticas estabelecidas entre os valores destas variáveis e
seu significado na expressão algébrica da função é necessária para que se possa
utilizar corretamente as representações gráficas cartesianas (DUVAL, 1988, p.243
apud MARIANI, 2006, p.42).
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
Tradicionalmente, nos livros didáticos, a passagem do discreto ao
contínuo é confusa. Os gráficos contínuos são, muitas vezes, determinados por
um conjunto muito pequeno de pontos discretizados, e não se explicita os
detalhes do que ocorre com as imagens nos intervalos entre esses pontos. Por
outro lado, funções de domínio discreto são representadas por expressões
analíticas tipicamente contínuas, sem o devido esclarecimento. Como o livro
didático é um dos principais recursos utilizados pelo professor e pelos alunos,
possivelmente essas dificuldades acabam se refletindo em sala de aula.
Pesquisas na área da Educação Matemática mostram que estudantes,
e até mesmo professores de Matemática, muitas vezes utilizam,
equivocadamente, os procedimentos por pontos e por extensão de um traçado,
para esboçar gráficos de funções cujos domínios são conjuntos de números
discretos.
Conforme já mencionamos anteriormente, em uma pesquisa realizada
com estudantes americanos, do curso de licenciatura em Matemática, Even
45
(1990, apud ROSSINI, 2006) observou que, apesar de terem estudado Cálculo
Diferencial e Integral, ao construírem o gráfico de uma função cujo domínio era o
conjunto dos números racionais, os alunos utilizaram uma tabela com poucos
valores inteiros para a variável independente, sendo que 50% deles ligaram os
pontos do gráfico por meio de uma linha contínua, sem levar em consideração o
comportamento da função.
A partir de resultados obtidos em uma pesquisa com professores do
Ensino Médio, ao analisar a questão da passagem do discreto ao contínuo, no
esboço de gráficos, Zuffi e Pacca (2002) concluíram que “o professor atribui
valores discretizados da função numa tabela, depois traça um gráfico contínuo,
sem maiores aprofundamentos sobre o que acontece com os valores
intermediários aos que foram previamente escolhidos” (p.9).
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
Um aspecto importante no processo de ensino e aprendizagem do
conceito de função é o contato com diferentes modos de representar esse objeto
matemático. Assim, estabelecer relações entre tabelas de valores, gráficos e
expressões algébricas ajuda os alunos a desenvolver diversos tipos de conexões
e a compreender o conceito de função.
De acordo com Duval (2003), a articulação entre os diversos registros
de representação semiótica é fundamental para processo de ensino e
aprendizagem, pois dependendo da situação-problema, um determinado registro
pode tornar-se mais eficiente do que outro. Segundo o autor “Geralmente, no
ensino, um sentido de conversão é privilegiado, pela idéia de que o treinamento
efetuado num sentido estaria automaticamente treinando a conversão no outro
sentido” (p.20).
46
Para Oliveira (1997), no estudo do conceito de função, quando se trata
dos registros de representação gráfico e algébrico, é comum nos livros didáticos,
adotar-se um único sentido de conversão (expressão algébrica o gráfico).
Isso pode limitar a compreensão do aluno, e pode fazer com que ele
confunda o objeto função com sua representação.
Como vimos anteriormente, as representações gráficas preenchem as
quatro funções cognitivas do pensamento. Além disso, através do gráfico e da
expressão algébrica de uma função podemos obter informações importantes a
respeito das propriedades da função representada (crescimento, decrescimento,
valores máximos e mínimos, comportamento para valores muito grandes de x,
etc.). Assim, a observação ora da lei y = f(x), ora do gráfico nos levará à
descoberta das informações desejadas. No entanto para que haja uma apreensão
global das representações gráfica e algébrica de uma função, é necessário que a
conversão entre esses dois registros de representação ocorra nos dois sentidos,
observando-se, de um lado, as variáveis visuais do gráfico e, de outro, os
coeficientes da expressão algébrica. Nessa perspectiva, quando se trata, da
articulação entre os registros gráfico e algébrico, as atividades propostas aos
alunos, devem ser constituídas de uma série de tarefas que tratem dos dois
sentidos da conversão.
A conversão entre os registros gráfico e algébrico é considerada
qualitativa, quando são interpretadas as implicações dos valores visuais das
representações gráficas (inclinação, intersecção com os eixos etc.) nas
expressões algébricas, bem como dos valores escalares da expressão algébrica
(coeficientes) nas representações gráficas, ou seja, quando são identificadas as
variáveis visuais pertinentes (inclinação da reta com o sinal do coeficiente
angular, ponto em que o gráfico intercepta o eixo y com o termo independente da
expressão algébrica etc.). Daí a importância destas variáveis para o processo de
ensino e aprendizagem das representações gráficas. (DUVAL, 2003).
47
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS
Neste capítulo, descreveremos os aspectos convergentes e
divergentes das estratégias adotadas nos livros didáticos para a abordagem de
função, em relação aos critérios adotados para a análise dos mesmos.
4.1. Livro Didático 1 (LD-1) - Matemática: Uma aventura do
pensamento. 8ª série do Ensino Fundamental. Guelli (2005).
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
O autor do LD-1 inicia o capítulo sobre funções pela seção “A vida e a
Matemática”, salientando que: “as funções são a linguagem do movimento na
Matemática, na Física e em outras ciências” (p.147) e, em seguida, faz os
seguintes comentários sobre aos gráficos mostrados na Figura 4, abaixo: “O
gráfico 1 mostra como varia, aproximadamente, a velocidade de um atleta que
corre 100m em cerca de 10s. O gráfico 2 não poderia representar o movimento de
um atleta, pois no instante t = 4s ele teria diferentes velocidades ao mesmo
tempo” (p.147).
Apesar do autor do livro mencionar, em seu comentário, que o gráfico 1
mostra a variação da velocidade de um atleta, ele não esclarece que a velocidade
varia em função do tempo, ou seja, não fica claro que se trata de uma relação de
dependência entre duas grandezas (velocidade e tempo).
48
Figura 4: gráfico da variação da velocidade de um atleta.
Logo em seguida, esta apresentação, que se bem mais explorada
poderia levar ao conceito de função como correspondência ou dependência entre
grandezas, é abandonada repentinamente em favor da formalização do conceito
de função como uma relação particular.
O autor apresenta a seguinte situação de dependência entre duas
grandezas, para introduzir o conceito de função como um conjunto de pares
ordenados: “Uma pessoa recebe R$ 3,00 por objeto que fabrica. Ela consegue
produzir de 5 a 10 objetos por dia. O seu salário diário será determinado pelo
número n de objetos que faz” (p.148). Uma tabela com os valores de n e do
respectivo salário é apresentada e, em seguida, após afirmar que se trata de um
conjunto de pares ordenados, ou seja, de uma relação, o autor apresenta o
conjunto dos pares ordenados que constam da tabela. Segue a explicação de
que os primeiros números (abscissas) dos pares ordenados representam o
domínio da relação e os segundos números (ordenadas) a imagem.
Em nenhum momento, as palavras variação ou dependência são
mencionadas. Na seqüência, após a representação gráfica de três conjuntos
finitos de pares ordenados (relações), formados por números inteiros, o autor
apresenta três exemplos de relações representadas por diagramas de flechas,
conforme podemos ver na Figura 5, extraída do LD-1 (p.149):
49
Figura 5: Relações representadas por diagramas de flechas.
Após explicar que as relações 1 e 2 não representam funções, porque
na relação 1, o número 3 não é o primeiro número de nenhum par ordenado e, na
relação 2, o número 3 é o primeiro número de dois pares ordenados, o autor
afirma que a relação 3 é uma função de A em B, e apresenta a seguinte
definição: “Uma função de A em B é uma relação que associa a todo elemento de
A um único elemento de B” (p.150).
Em seguida é dado um contra-exemplo de função por meio do gráfico
de uma circunferência de centro C(0, 0) e raio 4, no qual é aplicado o teste da reta
vertical para justificar que a relação determinada pelos pontos da circunferência
não é uma função.
Para mostrar que uma função pode ser descrita por meio de uma
regra, o autor apresenta o seguinte exemplo: f = {(0, 0), (1, 2), (2, 4), (3, 6), (4, 8)}.
Em seguida, observa que “para cada elemento da função f, a ordenada é o dobro
da abscissa. Descrevemos a função mediante a equação y = 2x, chamada
formula” (p. 151).
Mais adiante o autor introduz, de forma automática, a notação f(x), e
na seção “Construindo a Matemática” conta que esta notação foi utilizada pela
primeira vez na história da matemática pelo matemático suíço Leonhard Euler.
Portanto, embora o LD-1 apresente algumas situações de dependência
entre grandezas, nos exemplos e exercícios, o autor não utiliza essas situações
para desenvolver o conceito de função como uma relação de dependência entre
duas grandezas variáveis, ao contrário, opta por uma abordagem mais formal,
50
que utiliza a Teoria dos Conjuntos, para definir função como uma relação
particular.
Em nossa opinião, essa maneira formal de definir função é
inconveniente, pois além de estática não transmite a idéia intuitiva de função
como uma relação de dependência.
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
O autor do LD-1 não utiliza situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos para
introduzir o conceito de função, no entanto esse tipo de tarefa é apresentada, de
forma direta, em um dos exercícios propostos:
Fonte: GUELLI, 2005, p.153.
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
No inicio do capítulo sobre funções, há a afirmação de que “as funções
são a linguagem do movimento na Matemática, na Física e em outras ciências”
(p.147). Há ainda a representação gráfica de um problema de cinemática. No
entanto, não são exploradas situações de dependência entre grandezas que
evidenciem o papel que o conceito de função desempenha na articulação entre
campos matemáticos ou na conexão com outras áreas do conhecimento.
51
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
No capítulo referente à introdução do conceito de função, o autor do
livro LD-1 utiliza somente o procedimento por pontos para a representação gráfica
de três relações, a partir de conjuntos finitos de pares ordenados de números
inteiros. No único exercício em que o autor propõe a construção do gráfico de
duas funções (uma do 1º grau e outra do 2º grau), ele restringe o domínio dessas
funções ao conjunto {-2, -1, 0, 1, 2}, o que impossibilita a utilização do
procedimento por extensão de um traçado efetuado. Observamos ainda que o
procedimento de interpretação global das propriedades da figura-forma não é
utilizado pelo autor do LD-1 nem mesmo no capítulo seguinte, referente ao estudo
das funções do 1º grau.
Entendemos que a construção, interpretação e análise de gráficos de
funções são fundamentais para a formação geral do aluno (atualmente, a mídia e
outras áreas do conhecimento são permeadas por representações gráficas para
descrever fenômenos de dependência entre grandezas) e para a compreensão da
idéia de função, não obstante, o autor do LD-1 praticamente não utiliza esse
recurso no capítulo relativo ao conceito de função.
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
O autor do LD-1 não apresenta nenhum exemplo como também não
propõe nenhum exercício que possibilite a construção de gráficos formados por
linhas contínuas. Isso porque, no desenvolvimento do conceito de função, o autor
utiliza nos exemplos apenas relações representadas por conjuntos de pares
ordenados de números inteiros e, nos exercícios em que é dada a expressão
algébrica para que se construa o gráfico correspondente, o autor utiliza sempre
domínios formados por conjuntos de números discretos. Logo, não existe
52
nenhuma relação, ou mesmo referência, da passagem do discreto ao contínuo. É
importante observar que, mesmo no capítulo seguinte relativo ao estudo das
funções do 1º grau, o autor não faz nenhum comentário a respeito desse assunto.
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
No capítulo destinado à introdução do conceito de função, do LD-1, as
conversões efetuadas nos exemplos, e as solicitadas nos exercícios obedecem
sempre o seguinte padrão: Língua natural o expressão algébrica; tabela o
expressão algébrica; diagrama de flechas o expressão algébrica; expressão
algébrica o gráfico.
Nos exemplos, os gráficos que aparecem são construídos a partir de
conjuntos de pares ordenados. Entretanto, em dois exercícios propostos, pede-se
para construir o gráfico de funções representadas por fórmulas, para domínios
formados por conjuntos com quatro ou cinco números inteiros.
Conforme podemos observar, não são propostas atividades que
possibilitem a conversão entre as representações gráfica e algébrica, nos dois
sentidos, ou seja, a conversão é requerida apenas no sentido expressão algébrica
o gráfico, o que pode ser um obstáculo para a compreensão do conceito de
função, uma vez que o aluno pode confundir o objeto com sua representação.
Além disso, nos exercícios propostos predominam os tratamentos de
registros sobre as conversões (cerca de 60% dos exercícios propostos, não
apresentam nenhum tipo de tarefa que solicite a conversão entre registros). No
entanto o que garante a compreensão em Matemática é a coordenação entre os
diferentes registros e não o “enclausuramento” em cada registro. (DUVAL, 2003).
53
4.2. Livro Didático 2 (LD-2) - Educação Matemática. 8ª série do
Ensino Fundamental. Pires et al (2002).
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
Os autores do LD-2 procuram priorizar a resolução de problemas do
cotidiano, de uma forma contextualizada, para descrever situações de
dependência entre duas grandezas, procurando oferecer ao aluno a oportunidade
de compreender e interpretar situações, argumentar, tirar conclusões próprias,
generalizar etc.
Sob o título Variação de grandezas: problemas do cotidiano, os autores
do LD-2 iniciam o capítulo sobre funções com um texto que faz referência a dois
grandes educadores matemáticos: os professores Ubiratan D’Ambrosio e Bento
de Jesus Caraça, para enfatizar a relação da Matemática com os problemas da
vida social, ou seja, com o cotidiano das pessoas. Em seguida, na seção
Resolvendo problemas, são apresentadas três situações-problema para
descrever situações de dependência entre duas grandezas.
O primeiro problema refere-se ao gráfico mostrado na Figura 6, que foi
extraída do LD-2 (p.112), e começa com o seguinte texto: “O gráfico abaixo
mostra o crescimento de uma planta ao longo de 10 dias. Observe que a altura da
planta em centímetros (h) varia de acordo com o tempo em dias (t)” (p.112).
Em seguida pede-se para: montar uma tabela com os dados do gráfico
e descrever a relação existente entre a altura (h) e o tempo (t), por meio de uma
igualdade. Além destas tarefas, são feitas algumas perguntas relacionadas ao
gráfico, como a seguinte: “Faz sentido unir os pontos desse gráfico”? (p.112).
54
Figura 6: Representação gráfica do crescimento de uma planta.
O segundo problema relaciona o custo total de produção de certa
máquina com a quantidade de máquinas fabricadas. A partir do enunciado, pede-
se para que o aluno complete uma tabela com o custo total de produção, a partir
de valores fornecidos para o número de máquinas produzidas. A seguir, pede-se
para o aluno: construir um gráfico; relacionar o custo de produção com a
quantidade de máquinas fabricadas, por meio de uma igualdade; verificar se os
pontos do gráfico estão alinhados e se faz sentido unir esses pontos.
O terceiro problema apresenta uma situação contextualizada de
interdependência entre a massa de pequenas amostras de ferro e seus
respectivos volumes. Uma tabela com valores da massa em gramas e dos
respectivos volumes em centímetros cúbicos é apresentada, e pede-se para que
o aluno: calcule a densidade do ferro; construa o gráfico correspondente a essa
situação; descreva, por meio de uma igualdade, a relação existente entre as duas
grandezas; verifique se os pontos do gráfico estão alinhados e se faz sentido uni-
los.
Nas seções É preciso saber fazer e Mostre que você sabe são
apresentadas varias situações do cotidiano, bem como situações relacionadas à
Física e à Geometria, que mostram relações de interdependência entre
grandezas.
55
Com o objetivo de definir função como uma relação entre os elementos
de dois conjuntos de números, o LD-2 apresenta três frases no início da seção é
preciso saber, dentre elas a seguinte: “O pagamento dos operários vai ser
calculado em função das horas de trabalho” (p.113). Em seguida é dada a
seguinte definição para função: “Uma função numérica é uma relação particular
que estabelecemos entre os elementos de dois conjuntos numéricos, os quais
expressam grandezas que se relacionam por uma determinada lei” (113). A
seguir, ao lado do diagrama de flechas mostrado na Figura 7, extraída do LD-2
(p.113), aparecem os seguintes comentários:
No caso dos operários da frase acima, podemos pensar em um
conjunto A, correspondente às horas trabalhadas, e em um
conjunto B, correspondente ao valor a ser pago em função das
horas trabalhadas. Essa situação está representada ao lado por
meio de um diagrama de flechas. Observe que a cada quantidade
de horas trabalhadas corresponde um e apenas um valor de
pagamento a ser feito.
No problema 1 da seção anterior, a função em questão
relacionava a altura da planta em centímetros e o tempo em dias
que ela leva para atingir determinada altura. Nesse caso, a lei que
expressa essa relação é y = 2x, sendo y a altura da planta em
centímetros e x o tempo em dias. Dizemos que y varia em função
de x. (PIRES et al, 2002, p.113).
Figura 7: Diagrama de flechas.
Porém, é importante salientar que esta é a única referência feita à
teoria dos conjuntos, para formalizar o conceito de função. Em nenhuma outra
parte do capítulo referente à introdução desse conceito, faz-se menção à teoria
dos conjuntos ou utilizam-se, o conceito de relação, ou os diagramas de flechas,
para explorar o conceito de função, ou seja, o desenvolvimento da idéia de função
se dá com ênfase na relação dependência entre duas grandezas variáveis.
56
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
No LD-2, são propostas situações que incentivam o aluno a procurar
padrões e regularidades e formular generalizações em situações diversas, em
contextos numéricos e geométricos, como por exemplo, podemos ver nas
atividades 9 e 10, propostas na seção É preciso saber fazer, em que são
apresentadas duas situações abrangendo a generalização de regularidades, uma
envolvendo uma seqüência numérica (PA) e outra envolvendo padrões
geométricos:
9. O primeiro termo de uma seqüência de números é 2, o segundo
é 5, o terceiro é 8, o quarto é 11, e assim por diante, indique a
relação entre um número dessa seqüência e sua posição nessa
seqüência. Explique por que essa relação é uma função.
10. Considere a relação entre a soma dos ângulos internos (y) de
um polígono e o número de lados (x) desse polígono. Qual é essa
relação e o que você pode concluir sobre ela? (PIRES et al, 2002,
p.117).
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
Além de diversos problemas do cotidiano, apresentados em contextos
significativos para o aluno, o LD-2 propõe situações que possuem ligação com
outras áreas do conhecimento bem como com outros campos da matemática,
nomeadamente com a Física e com a Geometria Analítica, conforme podemos ver
nas atividades 2 e 3 da seção Mostre que você sabe:
2. Uma panela contendo uma barra de gelo a -40°C é colocada
sobre a chama de um fogão. O gráfico abaixo mostra a evolução
da temperatura da água em função do tempo. Responda:
57
a) Qual é a lei que descreve essa evolução nos 2 primeiros
minutos? E nos 8 minutos seguintes?
b) Que significam as diferentes inclinações dos segmentos que
compõem o gráfico?
3. Considere a relação entre o comprimento de uma
circunferência (y) e a medida de seu raio (x). Faça um gráfico para
representar essa relação. (PIRES et al, 2002, p.121).
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
Em praticamente todas as seções do LD-2 são apresentadas diversas
situações-problema, nas quais, freqüentemente, pede-se para construir o gráfico
da situação correspondente. Em algumas situações o problema é apresentado
por meio de uma tabela, dentro de um contexto. Nesse caso, o aluno deve utilizar
a tabela fornecida para construir o gráfico por meio dos procedimentos por pontos
e por extensão de um traçado efetuado, ou somente por pontos, de acordo com o
domínio da função. Quando o problema é apresentado em língua natural,
geralmente pede-se para que o aluno complete ou construa uma tabela que
represente o comportamento da função em questão, para em seguida construir o
gráfico.
Na seção Para saber mais, o procedimento global das propriedades da
figura-forma fica evidente em diversas representações gráficas de funções do 1°
grau, em que são propostas tarefas que estimulam o aluno a levar em conta as
variáveis visuais dos gráficos (inclinação, intersecção com os eixos etc.), e os
coeficientes das expressões algébricas correspondentes, permitindo que se
58
identifiquem as modificações ocorridas conjuntamente nas imagens e nas
expressões algébricas das funções.
A seguinte atividade, referente aos gráficos da Figura 8, mostra um
exemplo desse tipo de tarefa: “analise os gráficos e responda às perguntas
abaixo” (PIRES et al, 2002, p.119).
a) “Que semelhança (s) e diferença (s) você observa nos gráficos” I, III e VI?
b) “Que semelhança (s) e diferença (s) você observa nos gráficos” II, IV e V?
Figura 8: Representações gráficas de funções do 1º grau.
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
Na seção É preciso saber, após apresentarem os gráficos referentes
aos problemas 1 e 2, da seção Resolvendo problemas, supracitados no critério 1,
os autores explicam o fato de se unir ou não os pontos de um gráfico, utilizando
59
uma linguagem adequada para estudantes da 8ª série do Ensino Fundamental,
conforme podemos ver a seguir:
Fonte: PIRES et al, 2002, p.114.
É importante salientar que antes de apresentar a explicação acima,
para justificar a união ou não dos pontos utilizados para a construção do gráfico
de uma função, são propostas diversas situações-problema, com tarefas
envolvendo a construção de gráficos, em que após pedir para o aluno descrever a
disposição dos pontos, verificando se eles estão ou não alinhados, os autores
fazem a seguinte pergunta: “Faz sentido unir os pontos desse gráfico”?
Em nossa opinião, esse tipo de tarefa pode ajudar o aluno a perceber
em que situações ele pode ou não unir os pontos do gráfico, ou seja, pode facilitar
o entendimento da passagem de uma situação discreta (pontos isolados) para
uma situação contínua (traçado: reta, curva).
60
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
No capítulo dedicado ao conceito de função, do livro LD-2, são
propostas várias atividades que permitem ao aluno transitar pelos diversos
registros de representação semiótica do objeto matemático função. Embora
alguns sentidos de conversão sejam privilegiados, priorizam-se as conversões e
não os tratamentos. Em cerca de 80% dos exercícios propostos existem tarefas
em que são solicitadas conversões entre os diversos registros de representação
semiótica.
No livro LD-2, são apresentadas diversas atividades nas quais o aluno
é solicitado a passar da representação algébrica de uma função para sua
representação gráfica e, em algumas situações, pede-se para que o aluno
encontre a expressão algébrica da função a partir do seu gráfico, ou seja, a
conversão entre os registros de representação gráfico e algébrico é requerida nos
dois sentidos, como, por exemplo, no exercício abaixo, extraído do LD-2 (p.120 e
121):
Fonte: PIRES et al, 2002, p.120 e 121.
61
O exercício que acabamos de apresentar é semelhante à atividade que
Duval (1988, p.244) propôs em uma de suas pesquisas, para um grupo de alunos
franceses, com idade entre 15 e 16 anos, cujo objetivo era elucidar as variáveis
visuais envolvidas na conversão entre os registros gráfico e algébrico, conforme
mostramos no capítulo 2 desta pesquisa. Esse tipo de atividade permite que o
aluno perceba conjuntamente modificações no gráfico e na expressão algébrica
da função, por meio das variáveis visuais pertinentes (sentido da inclinação da
reta com o coeficiente angular; ponto em que a reta intercepta o eixo y com o
coeficiente linear etc.). Daí a importância da utilização do procedimento de
interpretação global das propriedades da figura-forma no processo de ensino e
aprendizagem das representações gráficas.
4.3. Livro Didático 3 (LD-3) - Matemática. 1ª série do Ensino
Médio. Bianchini e Paccola (2004).
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
No início do capítulo que trata do conceito de função, os autores do
LD-3 apresentam um pequeno texto sobre o desenvolvimento do conceito de
função, enfatizando a relação desse conceito com outras áreas, desde o seu
surgimento, especialmente nas situações envolvendo movimento. Em seguida, os
autores utilizam o seguinte exemplo, para definir função como uma relação entre
duas grandezas: ”Dados um tanque com 1.200
" de capacidade e uma torneira
que despeja nele 30 de água por minuto, o volume de água despejada
dependerá do tempo que a torneira ficar aberta” (p.61). Na seqüência são
mostrados os cálculos para a obtenção do volume de água no tanque, para
alguns valores inteiros do tempo em minutos. Uma tabela, com alguns valores
inteiros do tempo indicado por (t) e do volume indicado por (v) é construída e, em
seguida são feitas as seguintes observações:
"
62
Observe que as variáveis t e v se relacionam pela igualdade
, com
t30v 40t0 dd . Observe ainda que, a cada valor
atribuído à variável t, obtemos um único valor para a variável v.
Essa situação constitui um exemplo de função. Nela, dizemos
que v é função de t. A relação
t30v é chamada de lei de
associação ou lei de formação da função. (BIANCHINI e
PACCOLA, 2004 p.61, grifos dos autores).
Após apresentarem outras situações para exemplificar funções, os
autores ressaltam que o conceito de função “surge toda vez que se consegue
estabelecer uma relação entre duas grandezas variáveis” (p.61), e definem função
da seguinte maneira: “Função é uma relação entre duas grandezas tal que a
cada valor da primeira corresponde um único valor da segunda” (p.61, grifos dos
autores).
Como podemos ver, existe uma preocupação inicial dos autores em
caracterizar uma função como uma relação de dependência entre duas
grandezas, em diferentes situações.
Após definir função como uma relação entre duas grandezas, os
autores do LD-3 apresentam outra definição para função como uma relação entre
os elementos de dois conjuntos. Dentre os exemplos citados pelos autores para
mostrar a relação entre os elementos de dois conjuntos encontramos o seguinte:
“Quando associamos a cada número natural o seu oposto, há uma função do
conjunto N = {0, 1, 2, 3,...} no conjunto Z = {..., -3, -2, -1, 0, 1, 2,...}. Cada número
natural tem um único oposto que pertence ao conjunto dos números inteiros”
(p.62). Na seqüência os autores apresentam a seguinte definição: “Dados dois
conjuntos A e B não vazios, toda relação que associa cada elemento de A a um, e
somente um, elemento de B é uma função de A em B” (p.62, grifos dos autores).
Mais adiante, sob o titulo A linguagem das funções, os autores
destacam algumas das formas representacionais das funções, conforme podemos
ver a seguir:
63
Fonte: BIANCHINI e PACCOLA, 2004, p.62.
É importante observar que os autores, embora se referindo à
representação gráfica, apresentam um diagrama de flechas, em vez de um gráfico
cartesiano.
Na seqüência, os autores do LD-3 mostram que essa correspondência
pode ser indicada por meio dos pares ordenados (2, 3), (3, 4), (5, 6), e
apresentam, em seguida, uma nova definição: ”Dados dois conjuntos não vazios
A e B, e uma lei f que associa a cada elemento x de A um único elemento y de
B, temos uma função f de A em B” (p.63, grifos dos autores). Em seguida são
apresentados os conceitos de domínio, contradomínio e conjunto imagem de uma
função.
Conforme podemos ver, apesar de iniciar o capítulo sobre funções
falando a respeito da aplicação desse conceito nas mais diversas áreas e dando
exemplos práticos da relação de dependência entre duas grandezas, os autores
acabam definindo função como um conjunto de pares ordenados. Não é à-toa que
o capítulo antecedente ao destinado à introdução do conceito de função trata
justamente da teoria dos conjuntos. A preocupação com o formal é denotada
também, nos exemplos e exercícios propostos, em que o uso de relações
representadas por conjuntos de pares ordenados, os diagramas de flechas e
outras questões estanques, que exigem do aluno apenas a aplicação de técnicas
envolvendo operações com números reais, predominam.
64
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
No capítulo referente à introdução do conceito de função, os autores do
LD-3 não apresentam nenhuma tarefa envolvendo a generalização de
regularidades em contextos numéricos ou geométricos.
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
No início do capítulo que trata do conceito de função, os autores do LD-
3 ressaltam as aplicações desse conceito em outras áreas do conhecimento,
especialmente nas questões envolvendo movimento. Entretanto, somente no final
do capítulo, nos exercícios complementares, aparece um único exercício no qual
é apresentado um gráfico que representa a variação da velocidade de um carro
em função do tempo e algumas questões relacionadas a esse gráfico. A
articulação com outros campos da Matemática também é pouco explorada, já que
o LD-3 apresenta somente um exercício (p.62) em que o conceito de função é
utilizado para descrever situações de dependência entre duas grandezas, em
conexão com a geometria plana:
Fonte: BIANCHINI e PACCOLA, 2004, p.62.
65
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
Sob o titulo Gráfico de uma função, os autores do LD-3 começam
explorando o sistema cartesiano ortogonal, os quadrantes, as coordenadas de um
ponto etc., e finalmente apresentam uma definição para gráfico de uma função:
“Dada uma função f real de variável real, quando representamos no plano
cartesiano todos os pares ordenados (x, y), com x D(f) e y = f(x), obtemos um
conjunto de pontos que é o gráfico de f” (p.67, grifos dos autores). Em seguida
são dados exemplos de gráficos de funções, nos quais são utilizados os
procedimentos por pontos e por extensão de um traçado efetuado.
Os autores do LD-3 mostram ainda como reconhecer quando um
gráfico representa uma função e como identificar o domínio e a imagem de uma
função por meio de sua representação gráfica, o que é muito importante, em
nossa opinião, no estudo de funções. Entretanto eles não utilizam o procedimento
de interpretação global das propriedades da figura-forma na construção de
gráficos de funções, no capítulo destinado à introdução do conceito de função.
Nem mesmo no capítulo seguinte, que trata das funções polinomiais do 1º grau,
esse procedimento é adotado no livro LD-3. Vale lembrar que é o procedimento
de interpretação global das propriedades da figura-forma que permite uma
apreensão global e qualitativa das representações gráficas. (DUVAL, 2003).
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
Na seção, Gráfico de uma função, o livro LD-3 apresenta os gráficos de
duas funções (uma do 1º grau e outra do 2º grau) para três domínios diferentes
nos dois casos.
A Figura 9, extraída do LD-3 (p.68), mostra o gráfico da função
y = x
2
– 1 para os casos em que o domínio é representado, respectivamente, por
66
um conjunto finito de números inteiros, por um subconjunto dos números reais e
pelo conjunto dos números reais.
Figura 9: Gráfico da função y = x
2
– 1 para diferentes domínios.
No entanto, essa passagem automática do discreto ao contínuo, pode
ser confusa para o aluno, já que os autores não explicitam o que acontece com os
valores intermediários aos que foram marcados no plano cartesiano, nos casos
em que os gráficos são representados por uma curva contínua, conforme
podemos ver na Figura 9.
Na seqüência são propostos alguns exercícios em que se pede para
construir gráficos de funções com domínio formado por um subconjunto de Z,
contendo cinco ou seis elementos, bem como gráficos de funções cujo domínio é
o conjunto dos números reais (R) ou um subconjunto de R.
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
No capítulo destinado à introdução do conceito de função, as
conversões executadas nos exemplos e as solicitadas nos exercícios propostos
no LD-3 obedecem ao seguinte padrão: (língua natural o tabela o expressão
67
algébrica; expressão algébrica o tabela o gráfico; expressão algébrica o língua
natural). Observamos que quando se trata da conversão entre os registros de
representação gráfico e algébrico, um único sentido de conversão é privilegiado
(expressão algébrica o gráfico). Somente no capítulo subseqüente, que trata do
estudo das funções do 1º grau, a conversão no sentido contrário (gráfico o
expressão algébrica) é requerida em alguns exercícios propostos.
De acordo com Duval (2003) a compreensão em Matemática está
ligada à capacidade de mudar de registro, portanto no ensino da Matemática
devem-se priorizar as conversões e não os tratamentos. Entretanto no capítulo
dedicado à idéia de função do LD-3 ocorre o contrário, ou seja, nos exercícios
propostos prevalecem os tratamentos (cerca de 70%) sobre as conversões (cerca
de 30%).
4.4. Livro Didático 4 (LD-4) - Matemática. 1ª série do Ensino
Médio. Dante (2005).
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
Sob o título A noção intuitiva de função, o autor do LD-4 ressalta a
importância do conceito de função para a Matemática, e afirma que “ele está
presente sempre que relacionamos duas grandezas variáveis” (p.44). Em seguida
são apresentados quatro exemplos - envolvendo situações da Física, do cotidiano
e da geometria - que mostram a dependência entre duas grandezas variáveis,
sendo que em três deles a relação entre as grandezas é mostrada por meio de
tabelas, e em outro exemplo, o autor utiliza a metáfora de função como uma
máquina. Em seguida são propostos exercícios, envolvendo situações que
trabalham essas idéias. Vejamos, a seguir, dois exemplos, extraídos do LD-4
(p.45):
68
Conceituar função como uma máquina, ou seja, imaginar que uma
função y = f(x) é uma máquina em que os elementos x são transformados nas
imagens correspondentes f(x), pode ser interessante, pois apresenta uma idéia
dinâmica do conceito de função. Essa idéia aparece em alguns livros americanos
de Cálculo Diferencial e Integral, utilizados em Universidades brasileiras.
Podemos citar como exemplo os livros de Stewart (2002) e Edwards e Penney
(1997).
No entanto, vale ressaltar, que a metáfora de função como sendo uma
máquina não está presente nos Parâmetros Curriculares e nem nas Orientações
Curriculares. É importante observar também, que embora o autor considere
função como uma relação entre duas grandezas, nos exemplos e exercícios em
que a função aparece como uma máquina, ele não explora a idéia de grandeza
variável, trabalha somente com valores numéricos.
69
Após ter desenvolvido a idéia de função como uma relação de
dependência entre duas grandezas variáveis, o autor apresenta “A noção de
função via conjuntos” (p.47). Para isso, são dados quatro exemplos de relações
entre dois conjuntos numéricos discretos, A e B, todas elas representadas por
meio de diagramas de flechas e pelas respectivas “fórmulas”.
Nos dois exemplos em que as relações são funções de A em B, o autor
adverte que: “todos os elementos de A têm correspondente em B; a cada
elemento de A corresponde um único elemento de B” (p. 47 e 48). Após justificar
em cada exemplo o fato da relação ser ou não uma função de A em B, o autor
apresenta a seguinte definição: “Dados dois conjuntos A e B, uma função de A em
B é uma regra que diz como associar cada elemento x A a um único elemento
y B” (p.48).
Em seguida, são propostos exercícios com tarefas onde se pede para o
aluno identificar quais os diagramas de flechas representam uma função de A em
B, ou para que ele represente, por meio de diagramas de flechas, funções dadas
por dois conjuntos A e B e por uma lei de correspondência. Segue as definições
de domínio, contradomínio e conjunto imagem de uma função.
Mais adiante, o autor do LD-4 define função injetora, sobrejetora,
bijetora e composta. É importante observar também, que os capítulos que
antecedem o estudo de funções tratam de conjuntos e suas operações e de
números reais. De acordo com os PCN+ (2002), toda essa linguagem
excessivamente formal que cerca o conceito de função, juntamente com os
conceitos citados acima, deveria ser deixada de lado.
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
No fim do capítulo que trata do conceito de função, sob o título Função
e seqüências, encontramos a seguinte afirmação no LD-4: “Uma seqüência é uma
função cujo domínio é o conjunto N
, conjunto dos números naturais excetuando-
70
se o zero: f: N
o R [...]” (p.71). Em seguida é apresentado o seguinte exemplo:
”[...] a função de N
em R dada por f(x) = 3x determina a seqüência (3, 6, 9, 12,...)
dos múltiplos positivos de 3” (p.71). O autor faz também alguns comentários sobre
progressões aritmética e geométrica, e logo depois são propostos alguns
exercícios sobre os temas abordados nessa seção, sendo que apenas um deles
tem ligação com o conceito de função.
Portanto, além de não propor nenhuma tarefa envolvendo a
generalização de regularidades em padrões geométricos, no capítulo referente ao
conceito de função, as generalizações de regularidades em seqüências
numéricas são pouco exploradas pelo LD-4.
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
No livro LD-4 são apresentadas situações ligadas ao cotidiano e à
geometria que oferecem contextos interessantes para introduzir o conceito de
função como uma relação de dependência entre duas grandezas variáveis. Além
disso, na seção Análise de gráficos, são propostas situações nas quais o conceito
de função está relacionado à Física, à Geografia e à Economia, por meio de
representações gráficas. Na seção Gráfico de uma função, os autores
apresentam dois tópicos de geometria analítica: distância entre dois pontos e
equação de uma circunferência, porém sem nenhuma ligação com o conceito de
função.
Vale ressaltar que, no capítulo seguinte, que trata do estudo das
funções do 1º grau, existem duas seções que relacionam, respectivamente, a
função afim com a geometria analítica e com a Física (movimento uniforme).
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
71
Sob o título Construção de gráficos de funções, o autor do LD-4
começa definindo gráfico de uma função como um conjunto de pares ordenados
(x, f(x)), e em seguida explica as técnicas para esboçar o gráfico de uma função:
Para construir o gráfico de uma função dada por y = f(x), com x
D(f), no plano artesiano, devemos: construir uma tabela com
valores de x escolhidos convenientemente no domínio D e com
valores correspondentes para y = f(x); a cada par ordenado (x, y)
da tabela associar um ponto do plano cartesiano; marcar um
número suficiente de pontos até que seja possível esboçar o
gráfico da função. (DANTE, 2005, p.56).
A técnica descrita acima é o que Duval (1988, apud MARIANI, 2006)
chama de procedimentos por pontos e por extensão de um traçado efetuado, isto
é, pontos obtidos em uma tabela por substituição na expressão algébrica da
função, de valores arbitrários, normalmente inteiros, são marcados no plano
cartesiano para que em seguida o gráfico possa ser traçado por meio da união
desses pontos. Segundo o autor, nesse modo de construção de gráficos o aluno
não consegue relacionar o gráfico e a expressão algébrica correspondente, pois
não há congruência semântica entre um conjunto de pontos no plano cartesiano e
uma regra matemática a ele equivalente.
É importante mencionar também que, na seção sobre a construção de
gráficos, o autor mostra como podemos determinar o domínio e o conjunto
imagem de uma função a partir do seu gráfico, e ainda como reconhecer se um
gráfico cartesiano representa ou não uma função.
No capítulo destinado à introdução do conceito de função, o
procedimento global das propriedades da figura-forma não é adotado no LD-4.
Porém, no capítulo seguinte, que trata do estudo das funções do 1º grau, esse
critério está presente. É importante salientar, que esse tipo de procedimento para
o esboço de curvas, supõe que o aluno deve levar em conta a variáveis visuais
dos gráficos (inclinação, intersecção com os eixos etc.) e os coeficientes da
expressão algébrica correspondente. Assim ele será capaz de perceber, que
mudanças nos coeficientes da expressão algébrica implicam em mudanças no
gráfico da função e vice-versa. Por isso é importante que a conversão ocorra nos
72
dois sentidos, pois o treinamento efetuado somente no sentido expressão
algébrica o gráfico, por meio da associação de pares de números a pontos
correspondentes no plano cartesiano, não permite uma apreensão global e
qualitativa por parte do aluno (DUVAL, 2003).
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
Após explicar as técnicas para a construção de gráficos por pontos e
por extensão de um traçado efetuado, o autor apresenta exemplos de gráficos de
funções representados por pontos isolados e por linhas contínuas, conforme
podemos ver nos exemplos 1 e 2, a seguir, extraídos do LD-4:
Fonte: DANTE, 2005, p.56-57.
73
Entendemos que, as explicações dadas pelo autor do LD-4 nos
exemplos mostrados acima, não são suficientes para esclarecer a passagem do
discreto ao contínuo, ou seja, no caso do segundo exemplo, os pares ordenados
(-2, -3), (-1, -1), (0, 1), (1, 3) e (2, 5) são marcados no plano cartesiano e, em
seguida, são conectados por uma linha contínua, sem uma justificativa adequada
sobre a representatividade do gráfico nos trechos em que os pontos não foram de
fato calculados. Ao contrário, na nota ao lado do gráfico do exemplo 2, acima, o
autor comenta que os matemáticos já provaram que o gráfico de uma função do
tipo y = ax +b é uma reta.
Além disso, não é apresentado nenhum exemplo envolvendo a relação
entre grandezas discretas e contínuas, na construção de gráficos, para que o
aluno possa perceber o que ocorre nos dois casos, de forma intuitiva.
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
No capítulo que trata do conceito de função, as conversões efetuadas
nos exemplos e as solicitadas nos exercícios propostos no LD-4 seguem o
seguinte padrão: tabela o expressão algébrica; língua natural o expressão
algébrica; língua natural o tabela o expressão algébrica; expressão algébrica o
gráfico. Com relação à conversão entre as representações gráfica e algébrica, o
LD-4 apresenta um único exercício em que se pede para representar
algebricamente uma função a partir de sua representação gráfica, o que é muito
pouco, dada a importância que a articulação entre esses dois registros de
representação semiótica tem para o estudo de funções. Entretanto, no capítulo
seguinte, destinado ao estudo de funções do 1º grau, são propostas tarefas em
que a conversão entre os registros de representação gráfico e algébrico é
solicitada nos dois sentidos.
Observamos ainda que nos exercícios propostos, relativos ao conceito
de função, priorizam-se os tratamentos e não nas conversões (cerca de 60% dos
74
exercícios não solicitam nenhum tipo de conversão). É importante destacar que,
de acordo com a teoria dos registros de representação semiótica, as conversões
das representações devem ter prioridade porque são elas que garantem a
apreensão dos objetos matemáticos, e não os tratamentos.
4.5. Livro Didático 5 (LD-5) - Matemática. 1ª série do Ensino
Médio. Smole e Diniz (2004).
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
Sob o título Relações entre grandezas: funções, as autoras do LD-5
iniciam o capítulo que trata do conceito de função pela seção como se localizar.
Utilizando situações do dia-a-dia, como por exemplo, guia para
localização de ruas, as autoras fazem referência à História da Matemática,
citando Apolônio de Perga e René Descartes, para em seguida definir o sistema
cartesiano ortogonal.
Mais adiante elas apresentam o gráfico mostrado na Figura 10,
extraído do jornal Folha de São Paulo, que mostra a participação do carro a álcool
no mercado nacional, no período de 1983 a 2001, para, em seguida introduzir o
conceito de função como uma relação entre duas grandezas:
“O gráfico acima representa uma função que relaciona a
participação do carro a álcool no mercado brasileiro em um certo
intervalo de tempo.
A função é um modo especial de relacionar grandezas. Nesse
tipo de relação, duas grandezas, x e y, se relacionam de tal forma
que:
x pode assumir qualquer valor em um conjunto A dado;
a cada valor de x corresponde um único valor de y em um dado
conjunto B;
os valores que y assume dependem dos valores assumidos por
x. (SMOLE e DINIZ, 2004, p.81, grifos das autoras).
75
Figura 10: Gráfico da participação do carro a álcool no mercado brasileiro.
Fonte: SMOLE e DINIZ, 2004, p.81.
Em seguida, são apresentados quatro exemplos, envolvendo situações
do cotidiano, nas quais o conceito de função está ligado à relação de
dependência entre duas grandezas, conforme podemos ver no exemplo a seguir,
extraído do LD-5 (p.82):
Fonte: SMOLE e DINIZ, 2004, p.82.
76
Conforme podemos ver no exemplo anterior, ao contrário da
abordagem tradicional, a introdução do conceito de função é feita a partir de
situações-problema, contextualizadas, envolvendo a relações de dependência
entre duas grandezas.
As autoras mostram também um contra-exemplo de função, para
advertir que nem sempre uma relação entre duas grandezas é uma função, e
definem domínio, contradomínio e imagem de uma função.
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
Além dos exemplos envolvendo situações do cotidiano para mostrar a
relação de dependências entre grandezas variáveis, as autoras do LD-5
apresentam o seguinte exemplo, para mostrar que alguns padrões geométricos
também podem estar relacionados com o conceito de função:
Fonte: SMOLE e DINIZ, 2004, p.84.
77
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
No LD-5 são propostas diversos problemas ligados ao cotidiano, à
Física, à Geografia, à Economia e à geometria, permeados de formas gráficas,
em contextos importantes para o trabalho com a variação e dependência de
grandezas.
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
Na seção Gráfico de função, as autoras do LD-5 definem o gráfico de
uma função como “o conjunto dos pontos (x, f(x)) de um plano cartesiano” (p.90).
Em seguida após a apresentação e análise de um gráfico, elas fazem o seguinte
comentário:
Conforme já vimos, também podemos representar uma função por
meio de uma tabela de valores ou, em alguns casos, de uma
fórmula do tipo y = f(x), mas, na maior parte dos casos, o gráfico
permite uma análise mais detalhada da função representada e
revela informações que seriam menos perceptíveis em uma
fórmula ou tabela. (SMOLE e DINIZ, 2004, p.90).
Na seqüência, os procedimentos para a construção de gráficos de
funções são apresentados nos seguintes termos:
Estudamos anteriormente como localizar pontos e construir
gráficos num referencial cartesiano. Esse será o tipo de gráfico
que mais usaremos para estudar funções.
Para representar graficamente uma função, devemos: fixar um
referencial cartesiano; fazer uma tabela de dupla entrada, com
números que satisfaçam à equação y = f(x), onde x
D(f);
localizar no referencial os pontos associados aos pares
ordenados. (SMOLE e DINIZ, 2004, p.91).
Em seguida, são dados exemplos, para mostrar os procedimentos
explicados anteriormente. Assim, podemos notar que os procedimentos adotados
78
no LD-5 para a construção de gráficos, correspondem aos que Duval (1988, apud
MARIANI, 2006) chama de procedimentos por pontos e por extensão de um
traçado efetuado, conforme já mencionamos anteriormente. As autoras
apresentam também exercícios resolvidos em que o teste da reta vertical é
aplicado para identificar gráficos de funções.
Embora o procedimento de interpretação global das propriedades da
figura-forma não tenha sido adotado no LD-5, no capítulo destinado à introdução
do conceito de função, é importante salientar que no capítulo seguinte, que trata
do estudo das funções polinomiais do 1º grau, as autoras não só utilizam como
também explicitam esse tipo de procedimento, mostrando que modificações nos
coeficientes da expressão algébrica de uma função, provocam mudanças visuais
em sua representação gráfica.
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
Tanto nos exemplos utilizados para introduzir o conceito de função,
quanto na seção destinada à construção de gráficos de funções, as autoras
procuram deixar claro o fato de se unir ou não os pontos do gráfico, conforme
pode ser visto nos exemplos abaixo, extraídos do LD-5:
Fonte: SMOLE e DINIZ, 2004, p.83.
79
Fonte: SMOLE e DINIZ, 2004, p.91.
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
As seguintes conversões são efetuadas nos exemplos ou solicitadas
em exercícios propostos no LD-5, no capítulo que introduz o conceito de função:
Língua natural o expressão algébrica; tabela o expressão algébrica; expressão
algébrica o gráfico. No que diz respeito à conversão entre os registros de
representação gráfico e algébrico, o sentido expressão algébrica o gráfico é
privilegiado, ou seja, não são propostas tarefas envolvendo os dois sentidos da
conversão – somente no capítulo seguinte, sobre funções do 1º grau, são
propostas algumas tarefas em que a conversão no sentido gráfico o expressão
algébrica é solicitada. Outro aspecto negativo que observamos no livro LD-5 é
que os tratamentos predominam sobre as conversões (em cerca de 60% dos
exercícios propostos não é pedido nenhum tipo de conversão).
80
CAPÍTULO 5
RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo investigar a abordagem de função
adotada em alguns livros didáticos atuais da Educação Básica, buscando verificar
quais são as estratégias utilizadas pelos autores desses livros para apresentar a
noção de função.
Utilizando a teoria dos Registros de Representação Semiótica de
Raymond Duval, como referencial teórico, analisamos os procedimentos utilizados
na construção de gráficos de funções, como é feita a passagem do discreto ao
contínuo, e a articulação dos registros, particularmente a conversão entre os
registros gráfico e algébrico.
Inicialmente faremos uma análise comparativa dos resultados, com o
objetivo de identificar aspectos convergentes e divergentes nas estratégias
adotadas nos livros didáticos, em relação às nossas questões de pesquisa, e, em
seguida, apresentaremos as considerações finais de nosso trabalho.
Análise comparativa dos resultados
Critério 1 – O desenvolvimento da noção de função se dá a partir da exploração
da relação de dependência entre grandezas, ou via conjuntos, com base no
conceito de par ordenado e relação?
Com exceção do livro didático LD-1, a noção de função é desenvolvida
a partir de situações-problema sobre variação e dependência de grandezas.
81
O LD-1 inicia o capítulo sobre funções com uma apresentação intuitiva
do conceito de função que se resume ao exemplo de como a velocidade de um
atleta varia em função do tempo. No entanto, em vez de explorar essa situação,
que poderia levar ao conceito de função como correspondência ou dependência
entre grandezas, o autor subitamente opta por trabalhar com o conceito de
relação, gráficos de relações representadas por conjuntos finitos de pares
ordenados, diagramas de flechas, para depois definir função como um caso
particular de relação. Neste capítulo, somente três dos 18 exercícios
apresentados no LD-1, abordam o conceito de função como uma dependência
entre grandezas. A maioria dos exercícios limita-se à aplicação de regras, e as
situações-problemas são pouco presentes na obra.
Em nossa opinião, além de formalista, a idéia de função como um
conjunto particular de pares ordenados tem um caráter estático que se opõe à
idéia intuitiva de função como dependência, variação ou resultado de movimento
(como ocorre na Física).
Os autores dos livros didáticos LD-3 e LD-4 começam o capítulo sobre
funções apresentando a noção de correspondência entre duas variáveis por meio
de situações-problema contextualizadas, no entanto, já na 2ª seção de ambos os
livros, este tratamento é substituído por uma abordagem mais formal, via
conjuntos, com vários exercícios de manipulações, como, por exemplo, os que
pedem para calcular o valor numérico de funções, para determinar o domínio de
funções definidas por expressões algébricas, que se identifiquem os diagramas
de flechas que representam funções, que se construam diagramas de flechas
para decidir se uma relação é uma função.
Embora os autores não tenham exagerado no formalismo,
entendemos que o desenvolvimento da idéia de função por este caminho constitui
um tratamento artificial que pode, inclusive, não fazer nenhum sentido para o
aluno. Assim, em nossa opinião, essa parte poderia ser suprimida, sem prejuízo
para o entendimento do aluno.
82
Nos livros didáticos LD-2 e LD-5, a idéia de função é apresentada por
meio de vários exemplos para expressar a relação de dependência entre duas
grandezas variáveis, do modo como ocorre na Matemática, nas ciências em geral
e no cotidiano, sem apelar para o formalismo da teoria dos conjuntos.
Esta forma de apresentar a idéia de função, que inclusive é
recomendada por todos os documentos oficiais que consultamos, tem como
premissa que a aprendizagem se realiza pela construção dos conceitos pelo
próprio aluno, quando é colocado em situação de resolução de problemas.
Critério 2 São propostas situações que envolvem a generalização de
regularidades em seqüências numéricas, ou em padrões geométricos?
O livro didático LD-3 é o único que não propõe nenhuma tarefa
envolvendo a generalização de regularidades em contextos numéricos ou
geométricos, no capítulo sobre funções.
O livro LD-1 apresenta um único exercício em que se pede para
escrever uma fórmula a partir da observação de regularidades em um padrão
geométrico. No livro didático LD-2 são propostas situações que incentivam o
aluno a formular generalizações em contextos numéricos e geométricos. Embora
o livro didático LD-4 não apresente nenhuma tarefa envolvendo a generalização
de regularidades em padrões geométricos, na seção funções e seqüências o
autor destaca que algumas seqüências numéricas podem estar relacionadas com
função, e apresenta um exemplo e um exercício ligados ao assunto. Já o livro
LD-5 apresenta um exemplo para mostrar que alguns padrões geométricos
também podem estar relacionados com funções.
Em nossa opinião, a investigação de padrões em contextos numéricos
e geométricos, o reconhecimento de regularidades, e a generalização por meio de
regras que os próprios alunos podem formular, permitem que a aprendizagem da
álgebra, e em particular do conceito de função, se processe de um modo gradual
e ajudam a desenvolver a capacidade de abstração, que é essencial para a
83
compreensão do conceito de função. Entretanto, constatamos que pouca ênfase
foi dada a esse recurso nos livros didáticos que analisamos.
Critério 3 As articulações entre campos matemáticos e/ou as conexões da
Matemática com outras áreas do saber são exploradas?
A articulação entre os campos matemáticos e as conexões com outras
áreas do conhecimento, são pouco exploradas nos livros didáticos LD-1 e LD-3.
No LD-1, a articulação entre os campos matemáticos não está presente em
nenhuma parte do capítulo destinado à introdução do conceito de função. Por
outro lado, as conexões com outras áreas do conhecimento se restringem ao
seguinte comentário do autor: “as funções são a linguagem do movimento na
Matemática, na Física e em outras ciências”, e à representação gráfica da
velocidade de um atleta em função do tempo, que aparecem no início do capítulo.
Já no LD-3, as conexões com outras áreas estão presentes somente em um
exercício, e em alguns testes de vestibular. Em relação às articulações internas à
própria Matemática, o LD-3 propõe apenas um exercício, em que o conceito de
função é utilizado para descrever situações de dependência entre duas
grandezas, em conexão com a geometria plana.
Nos livros didáticos LD-2, LD-4 e LD-5, no capítulo que trata da
introdução ao conceito de função, a articulação entre os campos matemáticos
manifesta-se em diversas atividades em que se observam conexões bem feitas
entre funções e geometria plana, funções e geometria analítica, funções e
progressões, etc.. São freqüentes, também, ao longo do capítulo que trata do
conceito de função, nas três obras, as conexões deste conceito com outras áreas
do conhecimento, em atividades muitas vezes permeadas por representações
gráficas que relacionam a Matemática com a Física, a Economia, a Geográfica, a
Biologia e a Química.
84
Critério 4 – Na construção de gráficos utiliza-se o procedimento global das
propriedades da figura-forma, ou somente os procedimentos por pontos e por
extensão do traçado efetuado?
Os livros LD-1 e LD-3 não utilizam o procedimento de interpretação
global das propriedades da figura-forma no capítulo destinado à introdução do
conceito de função, e nem no capítulo seguinte que trata do estudo de funções do
1º grau.
Após comentar que uma relação pode ser representada graficamente,
localizando-se os elementos do domínio no eixo x e os da imagem, no eixo y, o
autor do livro LD-1 simplesmente apresenta os gráficos de três relações
representadas por conjuntos de pares ordenados de números inteiros, ou seja,
além da pouca ênfase dada às representações gráficas, que são de fundamental
importância para o estudo de funções, o autor utiliza somente o procedimento por
pontos na construção de gráficos.
Já no livro LD-3 os autores utilizam os procedimentos de construção de
gráficos por pontos e por extensão de um traçado efetuado, isto é, utilizam uma
tabela em que alguns valores inteiros são atribuídos à variável independente, e
por intermédio da substituição desses valores na expressão algébrica da função
são obtidos pontos, que posteriormente são localizados no plano cartesiano para
a construção do gráfico por meio da junção desses pontos. Para uma nova
função, mesmo pertencendo à mesma família de curvas, todo esse processo é
repetido, sem que se estabeleça qualquer relação com algum outro gráfico. Esse
procedimento, de esboçar individualmente cada gráfico, impossibilita que o aluno
perceba que modificações na expressão algébrica provocam modificações no
gráfico. Por isso, nas atividades com gráficos, é importante que se utilize também
o procedimento de interpretação global das propriedades da figura-forma.
Nos livros LD-2, LD-4 e LD-5, ao longo do capítulo que trata do
conceito de função, são apresentadas diversas situações em que se pede para o
aluno construir o gráfico da função correspondente utilizando os procedimentos
85
por pontos e por extensão de um traçado efetuado. Inclusive os autores dos livros
LD-4 e LD-5 explicam, passo a passo, como construir o gráfico de uma função
utilizando esses dois procedimentos, conforme já mencionamos anteriormente.
Entretanto, nesses três livros, as atividades que envolvem gráficos de funções
não se limitam apenas aos procedimentos por pontos e por extensão de um
traçado efetuado. No livro LD-2, por exemplo, são propostas tarefas que
possibilitam a percepção, por parte do aluno, que modificações nos coeficientes
da expressão algébrica da função são responsáveis por modificações no gráfico e
vice-versa. Acreditamos que essa percepção além de uma grande economia na
atividade de esboço de curvas, pode promover uma aprendizagem mais
significativa das representações gráficas.
Embora os livros LD-4 e LD-5 não utilizem, no capítulo referente ao
conceito de função, o procedimento de interpretação global das propriedades da
figura-forma, no capítulo seguinte, sobre função afim, são apresentadas
explicações e atividades que promovem a necessária associação entre as
variáveis visuais das representações gráficas e os coeficientes das expressões
algébricas, que é fundamental para uma apreensão global e qualitativa das
representações gráficas.
Critério 5 Na construção de gráficos, a relação discreto/contínuo é explicitada
satisfatoriamente?
No LD-1, no capítulo dedicado ao conceito de função, os gráficos
formados por um traçado contínuo estão ausentes, já que as poucas
representações gráficas apresentadas se referem a conjuntos finitos de pares
ordenados (relações) ou a funções cujos domínios são conjuntos de números
inteiros contendo, no máximo, seis elementos. Mesmo no capítulo seguinte, que
trata do estudo das funções de 1º grau, não existe nenhum comentário sobre o
fato de se unir ou não os pontos marcados em um plano cartesiano para
representar o gráfico de uma função.
86
Já os livros LD-3 e LD-4 apresentam exemplos de gráficos de funções
nos casos em que o domínio é formado por um conjunto finito de números inteiros
ou por subconjuntos dos números reais, ou seja, gráficos formados por pontos
isolados, no plano cartesiano, e gráficos em que os pontos são ligados formando
um traçado contínuo. No entanto, a passagem do discreto ao contínuo, além de
ser feita de maneira bastante automática – consideram-se alguns pares (x, y) de
números inteiros em uma tabela em que y = f(x), sua localização no plano
cartesiano e a construção de uma curva contínua ligando esses pontos – não há
uma explicação satisfatória sobre o que acontece com os valores intermediários
aos que foram previamente escolhidos. Além disso, não são propostas situações-
problema envolvendo grandezas discretas e contínuas, que possibilitem ao aluno
perceber, de forma intuitiva, quando o gráfico de uma função é representado por
pontos isolados ou uma curva contínua.
Nos livros LD-2 e LD-5 são apresentadas situações reais, envolvendo
grandezas discretas e grandezas contínuas, em que são construídos os
respectivos gráficos (por pontos e por extensão de um traçado efetuado),
acompanhados de explicações para justificar o fato de se unir ou não os pontos
marcados no plano cartesiano, ou seja, sobre a representatividade do gráfico nos
intervalos em que os pontos não foram calculados. Dessa forma, acreditamos que
o aluno possa, intuitivamente, refletir sobre as ações de calcular, marcar e ligar
pontos, interiorizando estas ações num processo cognitivo de considerar todos os
pontos (x, f(x)) (no caso do domínio da função ser representado por uma
grandeza contínua) para desenhar a curva que represente esse conjunto de
pontos.
Critério 6 Quando se trata da articulação entre os registros de representação
gráfico e algébrico, são propostas atividades constituídas por tarefas que tratam
dos dois sentidos da conversão?
Nos cinco livros analisados, as conversões entre registros de
representação solicitadas na maior parte dos exercícios seguem o seguinte
87
padrão: língua natural o tabela o expressão algébrica; expressão algébrica o
tabela o gráfico.
Nos exemplos e nos exercícios propostos nos livros didáticos LD-1,
LD-3, LD-4 e LD-5, no capítulo destinado ao conceito de função, as conversões
entre os registros de representação gráfico e algébrico são efetuadas (nos
exemplos) ou solicitadas (nos exercícios) sempre no mesmo sentido (expressão
algébrica o gráfico), com exceção de um único exercício proposto no LD-4, em
que se pede para representar algebricamente uma função a partir de seu gráfico.
Além disso, os autores desses livros utilizam sempre os procedimentos por
pontos e por extensão de um traçado para passar da expressão algébrica de uma
função à sua representação gráfica, ou seja, consideram alguns pares (x, y) de
números, geralmente inteiros, em uma tabela em que y = f(x), sua localização no
plano cartesiano e a construção do gráfico por meio da união desses pontos.
Quando um estudante está limitado a executar este tipo de
procedimento ao ser solicitado a esboçar o gráfico de uma função a partir de sua
representação algébrica, ele pode considerar um gráfico como sendo uma “receita
de construção” e pode reconhecer somente os pontos que ele marcou a partir de
uma tabela de valores como pertencente ao gráfico, ou seja, essa regra não
permite uma apreensão global e qualitativa das representações gráficas, permite
somente uma leitura pontual. (DUVAL, 2003). Por outro lado, o fato da conversão
ocorrer sempre no mesmo sentido pode levar o aluno a confundir o objeto
matemático função com sua representação.
É importante ressaltar também que nos exercícios propostos, nesses
quatro livros, as tarefas envolvendo somente tratamentos (cerca de 60%)
predominam sobre as tarefas que solicitam algum tipo de conversão (cerca de
40%). No entanto, do ponto de vista cognitivo, é a articulação dos registros que
conduz à compreensão em matemática, e não somente os tratamentos
necessários em cada representação, por isso, “é preciso estudar prioritariamente
a conversão das representações e não os tratamentos”. (DUVAL, 2003).
88
Já no livro didático LD-2 priorizam-se as conversões e não os
tratamentos (em cerca de 80% dos exercícios propostos pede-se para o aluno
realizar algum tipo de conversão). Com relação à conversão entre os registros
gráfico e algébrico, são apresentadas atividades em que o aluno é solicitado a
mudar do registro algébrico de uma função para o registro gráfico e vice-versa, ou
seja, a conversão é requerida nos dois sentidos. Além disso, algumas situações
propostas no LD-2 permitem que o aluno perceba que modificações na expressão
algébrica da função provocam mudanças no gráfico e vice-versa. Dessa forma o
estudante pode gerar uma imagem metal das variáveis visuais da representação
gráfica e das unidades significativas da escrita algébrica para situar uma dada
função no contexto de uma família de funções e esboçar o seu gráfico a partir do
gráfico de um membro típico da mesma, de forma mais econômica. Por exemplo,
o aluno pode entender que o gráfico da função representada pela expressão
algébrica y = x
2
+ 3 pode ser construído a partir do gráfico de y = x
2
realizando
uma translação vertical de 3 unidades.
Considerações finais
Com base nas analises dos livros didáticos, destacamos a seguir, os
principais resultados de nossa pesquisa.
Em relação à primeira questão de pesquisa: Qual é a abordagem de
função adotada atualmente em livros didáticos de Matemática da Educação
Básica?
Constatamos que a maioria dos livros analisados adota como ponto de
partida para a construção do conceito de função a exploração da relação de
dependência entre grandezas por meio da resolução de problemas. No entanto,
percebemos que ainda existe uma certa preocupação de alguns autores com o
conceito formal de função como um caso particular de relação.
89
Ressaltamos que, nem a abordagem puramente mecanicista nem a
perspectiva tipicamente estruturalista da Matemática Moderna são consideradas
opções adequadas para o ensino e a aprendizagem da Matemática hoje em dia.
Por outro lado, a resolução de problemas contrapõe-se e vai além do
modelo tradicional (definição o exemplos o exercícios de aplicação), na medida
em que oferece ao aluno a possibilidade de formular hipóteses, construir
estratégias de resolução e argumentação, relacionar diferentes conhecimentos e
validar seus procedimentos. Entretanto, embora os exercícios do tipo: “calcule...”,
“resolva...” etc., não sejam suficientes para uma aprendizagem significativa, isto
não quer dizer que eles devam ser eliminados, pois são importantes para o
aprendizado de técnicas e propriedades.
Outro aspecto importante que observamos nos livros analisados foi o
cuidado com a contextualização e a interdisciplinaridade. Na maioria dos livros,
muitas atividades são apresentadas a partir de situações significativas que
valorizam as práticas sociais, as articulações internas à própria Matemática e as
conexões com outras áreas do conhecimento. Porém, pouca ênfase é dada ao
trabalho com padrões generalizáveis, que pode ajudar a desenvolver a idéia de
relação funcional e a capacidade de abstração do aluno.
Diante das considerações anteriormente levantadas podemos concluir
que a abordagem adotada pela maioria dos livros didáticos analisados está de
acordo com as orientações didáticas sugeridas nos PCN (BRASIL, 1998), nos
PCNEM (BRASIL, 1999), nos PCN+ (BRASIL, 2002) e nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006).
Segundo esses documentos a aprendizagem de um novo conceito
matemático deve começar pela apresentação de situações-problema que façam
sentido para o aluno e que permitam conexões dentro e fora da Matemática, ou
seja, o critério central é o da contextualização e da interdisciplinaridade. Não se
trata aqui, de analisar as tendências do ensino da Matemática com base em tais
90
orientações, mas, sobretudo, caracterizar o que existe em comum nos livros
analisados e nesses documentos.
Em relação à nossa segunda questão de pesquisa: Na construção de
gráficos, os detalhes sobre a passagem do discreto ao contínuo são explicitados
satisfatoriamente?
Observamos que a passagem do discreto ao contínuo, no tratamento
de gráficos de funções, é feita de maneira bastante automática e insuficiente na
maioria dos livros didáticos que analisamos. A idéia de que é suficiente obter
alguns pares (x, y) de números inteiros, em uma tabela, em que y = f(x), sua
localização no plano cartesiano e o desenho de um traçado contínuo ligando
esses pontos, sem se discutir a representatividade do gráfico nos intervalos em
que os pontos não foram calculados, aparece com bastante freqüência.
No entanto, é importante destacar que nos livros LD-2 e LD-5 são
apresentadas situações, em contextos familiares para o aluno, em que a relação
discreto/contínuo pode ser percebida de forma intuitiva, ou seja, os autores destes
livros apresentam uma situação de dependência entre duas grandezas variáveis,
em que a variável independente é discreta e, em seguida, apresentam outra
situação em que a variável independente é contínua, para mostrar que o gráfico
de uma função pode ser representado por pontos isolados ou por extensão de um
traçado ligando esses pontos.
Algumas dificuldades com relação a esse assunto são previsíveis,
como, por exemplo, o entendimento da densidade do conjunto dos números reais.
No entanto, acreditamos que para amenizar esta dificuldade, além do
procedimento utilizado na construção de gráficos de funções, é preciso considerar
o contexto do problema, ou seja, se a situação é familiar ou abstrata para os
alunos. Assim, problemas de Física envolvendo as idéias de posição e velocidade
instantânea, e da continuidade do movimento podem ajudar na compreensão da
linearidade dos gráficos.
91
Em relação a terceira e última questão de pesquisa: Quando se trata da
articulação entre os registros gráfico e algébrico, em relação à representação do
objeto matemático função, são propostas tarefas que tratem dos dois sentidos da
conversão?
De acordo com a teoria dos Registros de Representação Semiótica de
Raymond Duval, para que a aprendizagem de um objeto Matemática se realize é
necessário que o sujeito utilize diferentes registros de representação desse
objeto. Entretanto, segundo o autor, a diversidade de registros por si só, não
garante a compreensão em Matemática. Do ponto de vista cognitivo é a atividade
de conversão que conduz aos mecanismos subjacentes à compreensão em
Matemática.
Assim, a compreensão da noção de função está ligada á capacidade
de identificar a mesma função em representações distintas, de forma que o
indivíduo não confunda o objeto função com sua representação. Esta capacidade
implica que os alunos sejam capazes de se mover de uma representação para
outra, usando língua natural, tabelas, gráficos ou expressões algébricas.
Entretanto, as análises dos livros didáticos revelaram uma ênfase
desproporcional em relação às questões que envolvem os tratamentos e as
conversões. Com exceção do livro LD-2, os exercícios propostos envolvendo
tratamentos predominam sobre os que solicitam algum tipo de conversão, por
outro lado um sentido de conversão é privilegiado.
Constatamos que somente no livro LD-2 a conversão entre os registros
gráfico e algébrico é requerida nos dois sentidos, no capítulo destinado à
introdução do conceito de função. Os demais livros privilegiam um único sentido
de conversão (expressão algébrica o gráfico). Este fato corrobora o pressuposto
de Duval (2003), de que “no ensino, um sentido de conversão é privilegiado, pela
idéia de que o treinamento efetuado num sentido estaria automaticamente
trinando a conversão no outro sentido”. Além disso, a forma como esta questão é
apresentada, focalizando-se apenas os procedimentos por pontos e por extensão
92
de um traçado, pode levar o aluno a ter uma concepção de gráfico como sendo
uma “receita de construção”.
Tal enfoque pode limitar a compreensão do aluno. Por exemplo,
quando solicitado a ler um valor f(a) em um gráfico ele pode ler somente se o
ponto (a, f(a)) foi um dos pontos que ele marcou, em parte porque a curva ligando
esses pontos, apesar de obrigatória pela “receita de construção” pode ser
percebida apenas como “decorativa”.
Percebemos que, os livros analisados (com exceção do LD-2) não
enfatizam as questões relacionadas especificamente à representação gráfica de
funções do ponto de vista de sua construção cognitiva, ou seja, na conversão
entre os registros gráfico e algébrico as variáveis visuais pertinentes não são
levadas em consideração. O esboço de gráficos é tratado exclusivamente por
meio da junção de alguns pontos marcados no plano cartesiano, obtidos por meio
da substituição de valores inteiros de x na expressão y = f(x) da função. Na
interpretação de gráficos, sem expressão algébrica subjacente, um aluno com tal
concepção não consegue fazer uma leitura global do gráfico, mas apenas uma
leitura pontual.
De acordo com Duval, esse tipo de tratamento não permite que o aluno
perceba que modificações na expressão algébrica da função são responsáveis
por modificações no gráfico e vice-versa. Do ponto de vista de Duval, um
procedimento que permita uma apreensão global e qualitativa das representações
gráficas deve levar em conta a associação entre a variável visual da
representação e a unidade significativa da escrita algébrica, ou seja, o sujeito
deve perceber que alterações nos coeficientes da expressão algébrica provocam
modificações nas variáveis visuais do gráfico (inclinação, intersecção com os
eixos etc.). Acreditamos que essa percepção pode se tornar possível, por meio de
atividades que permitam ao aluno situar uma dada função no contexto de uma
família de funções e esboçar seu gráfico a partir de um membro típico da mesma,
realizando translações, reflexões etc..
93
Um estudante com essa concepção pode entender, por exemplo, que o
gráfico da função representada pela expressão algébrica y = x + 4 pode ser
construído a partir do gráfico de y = x realizando-se uma translação vertical de 4
unidades e, que o gráfico da função y = - x
2
pode ser obtido a partir do gráfico da
função y = x
2
por meio de uma reflexão em relação ao eixo x.
É importante ressaltar que, dos livros analisados, somente o LD-2
apresenta atividades que permitem essa percepção.
Acreditamos que a utilização de softwares gráficos pode contribuir para
a viabilização do procedimento de interpretação global das propriedades da
figura-forma por permitir que o aluno visualize, no mesmo plano cartesiano, vários
gráficos pertencentes à mesma família de curvas - o que é bastante dificultado se
realizado à mão - e assim criar condições cognitivas para uma apreensão global e
qualitativa das representações gráficas, que são essenciais no estudo de funções.
Finalmente, na perspectiva de contribuir para uma aquisição mais
significativa do conceito de função, além de uma abordagem que parta do intuitivo
para o formal, estabelecendo-se as devidas conexões deste conceito com outros
campos da Matemática e com outras áreas do conhecimento, sugerimos que
sejam propostas atividades que possibilitem a conversão entre os registros gráfico
e algébrico nos dois sentidos, de forma qualitativa, pois acreditamos que a
exploração de funções nas representações gráfica e algébrica pode facilitar a
compreensão deste conceito.
É importante ressaltar que, de acordo com Duval (2003), é a
articulação dos registros que constitui uma condição de acesso à compreensão
em Matemática, entretanto, a coordenação dos diferentes registros de
representação semiótica não é adquirida naturalmente pelos estudantes durante o
ensino de Matemática.
94
Assim, apesar da importância da atividade de resolução de problemas,
tanto do ponto de vista cognitivo quanto do didático, não se deve subestimar a
articulação dos registros, isto é, a identificação dos objetos matemáticos por suas
múltiplas representações, pois esta atividade é fundamental para o processo de
ensino e aprendizagem em Matemática. Por isso, é necessário que os livros
didáticos e os professores priorizem mais as tarefas que tratem dos dois sentidos
da conversão, particularmente em relação às representações gráfica e algébrica,
quando se trata do objeto função.
95
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