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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
VANESSA BORGES BRASILEIRO
SYLVIO DE VASCONCELLOS:
UM ARQUITETO PARA ALÉM DA FORMA
ORIENTADORA:
PROFA. DRA. REGINA HELENA ALVES DA SILVA
BELO HORIZONTE
JANEIRO/2008
VANESSA BORGES BRASILEIRO
SYLVIO DE VASCONCELLOS:
UM ARQUITETO PARA ALÉM DA FORMA
Tese apresentada ao Curso de
Doutorado do Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção do
título de Doutor em História
Linha de Pesquisa: História Social da
Cultura
Orientadora: Profa. Dra. Regina Helena
Alves da Silva
BELO HORIZONTE
JANEIRO/2008
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Brasileiro, Vanessa Borges
B823s Sylvio de Vasconcellos: um arquiteto para além da forma /
Vanessa Borges Brasileiro. Belo Horizonte, 2007.
432f. : il.
Orientadora: Profª. Regina Helena Alves da Silva.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais,
Programa de Pós-Graduação em História.
Bibliografia.
1.Vasconcellos, Sylvio de, 1916-1979. 2. Arquitetura. 3.
Arquitetura moderna. 4. História social. I. Silva, Regina Helena Alves
da. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em História. III. Título.
CDU: 72.036
Tese defendida em 22 de fevereiro de 2008, em Banca Examinadora composta pelos
professores:
_______________________________________________
Profa. Dra. Regina Helena Alves da Silva
Orientadora – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
_______________________________________________
Profa. Dra. Thaís Velloso Cougo Pimentel
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
_______________________________________________
Profa. Dra. Celina Borges Lemos
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
_______________________________________________
Profa. Dra. Margareth Aparecida Campos da Silva Pereira
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
_______________________________________________
Prof. Dr. João Masao Kamita
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio
Para Beatriz e Mariana,
Passado e futuro de minha história.
Para Sebatião e André,
Homens que a tornaram possível.
AGRADECIMENTOS
Uma tese não é obra individual. Ainda que o mergulho solitário na escrita possa
indicar, muitas são as pessoas e instituições a quem devo o reconhecimento do auxílio
e, neste momento, agradecer.
Em primeiro lugar, agradeço às instituições que me acolheram como docente, e
que acreditaram nesta oportunidade de capacitação como uma forma de ampliar o
sentido estrito e estreito que tem sido dado à Arquitetura e Urbanismo. Devo mencionar,
portanto, a Faculdade de Engenharia e Arquitetura da Universidade FUMEC, a Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMinas, e a Escola de Arquitetura da
UFMG.
Ali, na “escola” – a de Sylvio de Vasconcellos – iniciou-se minha formação
quinze anos. Escolhi a profissão, como muitos, acreditando que fazer Arquitetura era
construir ou decorar “belas” casas no bairro Mangabeiras. Muitos professores fizeram
mudar meu olhar: Cacá Brandão, tutor e amigo, Fernando Gontijo Ramos, Flávio
Carsalade – também como estagiária, onde encontrei o Prof. Antônio de Pádua Felga
Fialho –, Gustavo Penna, Humberto Serpa, João (Juca) Nazário, José Eduardo Ferolla,
Luiz Alberto do Prado Passaglia, Mário Berti, Roberto Luís Monte-mor, Rodrigo Ferreira
Andrade. Mais tarde, como professora substituta devo mencionar o apoio da direção, na
pessoa da Profa. Maria Lúcia Malard. E, convidada a compor o quadro docente do curso
de especialização em Revitalização Urbana e Arquitetônica, agradeço aos
coordenadores Leonardo Barci Castriota e Marco Antônio Penido de Rezende.
Na FUMEC, a vitalidade, esforço e dedicação da Profa. Maria Carmen Gomes
Lopes, na formação do curso de Arquitetura e Urbanismo, foram exemplo em acreditar
em algo para se construir. Não poderia deixar de mencionar o apoio dado por esta
instituição, na figura da coordenadora do curso, Profa. Andréa Vilella Arruda, e de seu
diretor-geral, Prof. Luís de Lacerda Júnior.
Na PUCMinas, instituição que primeiramente me acolheu na carreira docente,
são muitos os votos de agradecimento. Inicialmente, à instituição, em especial à Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, na pessoa do Prof. João Francisco de Abreu,
pela concessão de auxílio carga-horária, o que permitiu uma maior dedicação ao
trabalho da tese, e à aprovação do projeto de pesquisa que possibilitou ampliar as
discussões propostas. Ainda devo mencionar o suporte da Biblioteca Central, por meio
de seu diretor, Cássio José de Paula, e da assessora Helenice Rêgo dos Santos Cunha,
pelas dúvidas incontáveis prontamente atendidas.
No Departamento de Arquitetura e Urbanismo, são inúmeras as pessoas que,
direta ou indiretamente, permitiram a construção deste trabalho: os coordenadores Prof.
Cláudio Listher Marques Bahia – “companheiro Bahia”, amigo “modernista” – e Profa.
Jeanne Marie Ferreira Freitas, exemplo de seriedade e objetividade (e de como é
possível ser mãe, profissional e ainda escrever uma tese); ao “pessoal” da secretaria,
Rejane, Sílvia, Karla, Márcio, e os “meninos” Leo, Alysson, e agora, Marlon; aos colegas
em geral.
Devo meus agradecimentos (e desculpas eventuais) aos alunos, vocês que me
instigam a querer sempre investigar a Arquitetura e que não posso aqui enumerar em
razão da infinitude e, reconheço, da memória que não ajuda, mas que arrisco em
mencionar em relance: Adrienne Lessa, Alessandra Goulart, Alessandro Giraldi, Aline
Teodoro, Arthur Prudente Nasciutti, Breno Marra, Brígida Rossi, Camilla Grenfell,
Carolina Angrisano, Caroline Teixeira, Christiane Pimentel, Cláudia Couto e Silva,
Cláudio Arroyo, Cori Castello Branco, Cynthia Fraga, Daniel Assis, Daniel (Zezé)
Ribeiro, Danilo Botelho, Denise Bittencourt, Duílio de Calaes, Érica Vilasboas, Fernanda
Fernandes, Gabriel Luiz, Gabriel Velloso, Geraldo Ribeiro, Gian Paolo Lorenzetti,
Giovana Rocha, Gustavo Perdigão, Gustavo Wolff, Gustavo Ziviani, Igor San Martin Isla,
Isabel Siman, Isabela Berg, Isabela Teixeira de Assis Coellho, Juliana de Moura
Rodrigues, Karina Morato, Lucas e Mateus Gouvêa, Lucas Lage, Luís Felipe de Farias,
Luiza Romeiro, Mariana Falcão, Mariana Guerra, Mariana e Marcelo Palhares Santiago,
Marina Bonfatti, Marina Pereira, Mário Felisberto, Maurício Lage, Mônica Whyte, Nicolas
Pecchio, Priscila Dornas, Priscila Musa, Rafael Mantuano, Rafael Zaramela, Ramilson
Noronha, Rodrigo Belo, Rogério Tameirão, Sebastião Liparizi, Tarcísio Gontijo, Tarsila
Passos, Tatiana Gruberger, Thiago Lage Moreira, Victoria Seidler, Vivian Vieira, Ward
Lauar. E aos que ainda virão...
Importante foi, ainda, a concessão de bolsa pelo Instituto Cultural Amilcar Martins
– ICAM. Fundamentalmente devo agradecer a um de seus diretores, Amílcar Vianna
Martins Filho, também por ter feito chegar às mãos de Jota Dangelo uma cópia das
memórias de Sylvio de Vasconcellos. Sem elas, muito do que aqui veremos não teria
sido possível compor.
Gostaria de agradecer, ainda, ao acolhimento que me foi dado pelos professores
do Programa de Pós-Graduação em História da FAFICH/UFMG. Não é fácil receber
uma aluna ainda “crua” no universo da História, e ajudá-la a elaborar um quadro
metodológico que permita o trânsito entre os campos de saber. Obrigada, portanto, aos
professores Eduardo França Paiva, Eliana Regina de Freitas Dutra, Heloísa Maria
Murgel Starling, Maria Eliza Linhares Borges, não omitindo minha anterior “participação”
no curso de Pós-Graduação em Literatura Comparada da UFMG, quando foram
fundamentais as figuras dos professores Luís Alberto Brandão Santos e Wander Melo
Miranda. Quis a História que ali não fosse meu lugar, mas não duvido de que o fomento
à discussão sobre a modernidade ali se originou. Ainda no Departamento de História,
menciono, em especial, o nome da Profa. Regina Horta Duarte, que foi incansável na
regularização de minha documentação quando coordenadora do programa.
Não poderia jamais omitir, é claro, o nome de minha orientadora, Profa. Regina
Helena Alves da Silva. Não supunha, durante o processo de seleção, que a pergunta
simples e direta que me fez se repetiria: “O que importa, o substrato ou a idéia?” Foi, na
verdade, a primeira orientação, Lena. Seguida de tantas e tantas outras, regadas a
cafezinho, em que as discussões devaneiavam por outros assuntos – na verdade mais
ligados à tese do que nunca... Emails perdi a conta. Livros, artigos e teses indo e vindo.
Descobri o significado da palavra “orientação”.
Agradeço aos membros da banca final que aceitaram em dividir comigo esta
discussão, professores João Masao Kamita e Margareth Aparecida Campos da Silva
Pereira. Neste assunto, também devo agradecer à banca da qualificação. Os
comentários e sugestões das professoras Thaís Velloso Cougo Pimentel e Celina
Borges Lemos foram fundamentais para nortear o restante do trabalho. À Profa. Celina
ainda não tive a oportunidade de agradecer por tantos outros apoios, vida afora, que vão
para muito além do material sobre Sylvio de Vasconcellos prontamente cedido assim
que iniciei a pesquisa.
Para a pesquisa, foi ainda importante o material desenvolvido pela Profa. Maria
Lúcia Malard na pesquisa sobre o modernismo em Minas Gerais, da qual participamos
de modo muito incipiente, justificado por minha atuação junto ao IEPHA/MG no ano de
2003 e pela viagem de estudos em 2004. Sem o conteúdo fornecido teria sido
impossível elaborar a pesquisa junto à PUCMinas e, consequentemente, as discussões
da tese teriam outro rumo.
Nesta pesquisa, “A Casa é uma máquina de morar (?): análise das residências
modernistas de Sylvio de Vasconcellos”, um nome foi fundamental. Cristiane Tomaz de
Campos Salles, a Cris. Mais do que bolsista, foi uma formiguinha na digitalização e
elaboração das maquetes eletrônicas, aqui não utilizadas, mas que compõem agora um
acervo inestimável da obra de Sylvio. Espero ter sido um bom exemplo de pesquisadora
para você que ainda tem tanto a construir...
O acervo documental baseou-se, além das memórias e dos projetos, nos textos e
crônicas publicados em jornais e revistas, e nas cartas pessoais de Sylvio de
Vasconcellos. Aqui devo, então, render minhas homenagens a dois homens que com
ele conviveram: uma póstuma, a Décio Pereira de Vasconcellos, ou “seu” Décio da
biblioteca, de bochechas rosadas e atenção inigualável. Não imaginava que um dia sua
dedicação ao acervo da biblioteca da EAUFMG e à produção de seu primo Sylvio me
seriam tão úteis. A outra, ainda muito em tempo, ao Prof. Pérides Silva, um dos
correspondentes, amigo dos tempos da “Escola”. Espero ter feito jus à memória de
Sylvio.
Para além de instituições e pessoas que auxiliaram na pesquisa, devo desculpas
e agradecimentos sinceros a meus amigos e familiares. Dani, Rita, Ró, Grillo, para além
de colegas de profissão, colegas no esforço em construir a pesquisa no Departamento
de Arquitetura e Urbanismo da PUCMinas, companheiros no sufoco das defesas: “e aí,
já defendeu?” ou “como vai Sylvio?” “bem obrigada, e Benjamin?”. Chumbo trocado não
dói... Modernistas de carteirinha, Bahia e Dedé, bailemos na casa de Niemeyer. Pessoal
do “Copo Sujo”, Tido e Cris, Ana Amélia e Puga, Tonho e Cris, este ano tem samba!
Vou pr´Bichinho Ana, e vamos levar a Ju. Ou então, Fred e Márcia, que tal pegarmos
uma praia em Trancoso, as meninas vão ficar moreninhas...
Minha família. Peço desculpas pelas brincadeiras perdidas entre Lulu, Suzana e
Mariana, pelos almoços mais rápidos, pelos telefonemas nem sempre respondidos.
Obrigada pela atenção que nunca poderei agradecer com igual justeza. Lilian, vamos
para Paris?!
E finalmente, Dé. Obrigada pelas mamadeiras e fraldas trocadas, pelas idas a
São João del Rei, pelo supermercado. Sem você, nem tese nem nada. E neste nada,
principalmente a Nana. Nossa razão para continuar querendo um mundo melhor. Outras
razões hão de vir.
O vento, vindo de longe para a cidade, oferece a ela
dons insólitos, dos quais se dão conta somente
poucas almas sensíveis, como quem sofre de febre
de feno e espirra por causa do pólen de flores de
outras terras.
Ítalo Calvino, “Marcovaldo ou as Estações na Cidade”
RESUMO
Esta tese se propõe a discutir o sentido da Arquitetura e do Urbanismo para além
de uma visão estrita e estreita, propagada constantemente, em que a forma é o objeto
fundamental. Para tanto, verificaremos na obra do arquiteto mineiro Sylvio de
Vasconcellos (1916-1979) – textos acadêmicos, cartas, memórias, crônicas e projetos
de residência – os elementos denotadores de uma forma de pensamento que se
expressa como narrativa onde se constrói um sentido íntegro para a Arquitetura, em que
matéria e idéia interagem. A tese objetiva estabelecer um estudo da interpretação das
relações conceituais constituintes do ideário proposto por Vasconcellos, e dos modos de
composição de um quadro em que se projetam tais concepções, buscando compreender
a construção da figura do arquiteto. Pretendemos analisar o diálogo das idéias de Sylvio
com possíveis participantes de uma rede de saberes, conceito norteador da
metodologia em que as fontes de informação são recolhidas e processadas pelo autor,
de modo a compor um campo relacional entre as idéias de origem e as próprias
formulações. Em síntese, esta tese se propõe desvelar como Sylvio leu, interpretou, e
construiu, por vezes revisando, uma visão particular de modernidade.
Palavras-chave: Sylvio de Vasconcellos; Arquitetura; Arquitetura moderna; Rede de
saberes.
ABSTRACT
This thesis intends to discuss the meaning of Architecture and Urbanism beyond
a strict and strait vision, constantly disseminated, in which form is the fundamental goal.
In order to do so, we will verify in Sylvio de Vasconcellos’ oeuvre – academic texts,
letters, memories, journal cronicles and projects –, a brazilian architect born in 1916 and
deceased in 1979, the expressing elements of a kind of thought that constructs a
complete meaning for Architecture, in which substance and idea interact. The thesis
objectives to stablish a study of the interpretation of the conceptual relations that
constitute the ideas proposed by Vasconcellos, and of the ways of composing a tableau
in which this concepts are reflected, trying to understand the construction of the
architect’s figure. We intend to analyse the dialog of ideas between Sylvio and the
fortuitous participants of a knowledge web, concept the guides the methodology in
which the information sources are joined and processed by the author, in order to
compose a relational field among the original ideas and his own formulation. In
synthesis, we intend to reveal how Sylvio has read, interpreted and constructed,
sometimes redrawn, a particular understanding of modernity.
Palavras-chave: Sylvio de Vasconcellos; Architecture; Modern Architecture; Knowledge
web.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Jean-Jacques Lequeu, “Ilha do amor, prazer e pesca”. Prancha do
“L’Architettura civile” (17??).
Fonte: BORSI, 1997, p.108.
36v
Figura 2 Frank Lloyd Wright, Broadacre city (1934-1958).
Fonte: BORSI, 1997, p.1160.
36v
Figura 3 Ron Herron (Grupo Archigram), Walking City (1964).
Fonte: http://www.fabiofeminofantascience.org/retrofuture/retrofuture13.html
36v
Figura 4 Edifício-sede das Nações Unidas (1950) e Chrysler Building (1930), Nova
York. Vista a partir do rio Hudson.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/johnnyeye/306899141/> Acesso em: 17
dez. 2007.
37v
Figura 5 Casa Cor® Minas Gerais 2006. Banner promocional.
Fonte: <http://www.casacor.com.br/minasgerais/banner.jpg> Acesso em: 26
maio 2007.
37v
Figura 6 Sylvio de Vasconcellos (1963). Fotografia oficial da posse como diretor da
EAUFMG.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos
38v
Figura 7 Sylvio de Vasconcellos em família (sd).
Fonte: SOUZA, 1995, p.130.
40v
Figura 8 Belo Horizonte (1928).
Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.54.
40v
Figura 9 Rodrigo Melo Franco de Andrade, fotografado por Marcel Gautherot (sd).
Fonte: ANDRADE, 1986, p.27.
40v
Figura 10 Marcel Breuer (1926).
Fonte:
<http://www.todoarquitectura.com/v2/media/noticias/grandes/MB02web.jpg>
Acesso em: 26 maio 2007.
41v
Figura 11 Philip Johnson, Glass House (1949), New Canaan/Connecticut.
Fonte: <http://philipjohnsonglasshouse.org/history/bios/johnson/> Acesso
em: 19 dez. 2007.
41v
Figura 12 Sylvio de Vasconcellos, edifício-sede do ICBEU (1966), Belo Horizonte.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
42v
Figura 13 Shakespeare Gomes, Escola de Arquitetura da UFMG (1949), Belo
Horizonte.
Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.216.
42v
Figura 14 Sylvio de Vasconcellos, Washington, D.C (1975). Gravura a lápis.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
42v
Figura 15 Guignard, ilustração para o artigo “Pintura em crise” (1967).
Fonte: VASCONCELLOS, Pintura em crise, 1967, p.1.
43v
Figura 16 Giulio Carlo Argan(anos 40). Forum romano.
Fonte: <http://argan.bianchibandinelli.it/> Acesso em: 26 maio 2007.
46v
Figura 17 Aldo Rossi, monumento aos partisans (1965), Segrate/Itália.
Fonte:
<http://www.cisapalladio.org/cisa/mostra.php?sezione=5&valo=1_14&lingua
=e> Acesso em: 26 maio 2007.
46v
Figura 18 Sylvio de Vasconcellos, edifício Mape (1958), Belo Horizonte. Vista geral da
Praça da Liberdade a partir do edifício Niemeyer.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
50v
Figura 19 Sylvio de Vasconcellos, capela do Colégio Izabela Hendrix (1957), Belo
Horizonte.
Fonte: MALARD, 2005.
50v
Figura 20 Sylvio de Vasconcellos, antiga sede do DCE da UFMG (1953), Belo
Horizonte.
Fonte: BAHIA, 2001, p.134.
50v
Figura 21 Ideograma da rede de saberes. 51v
Fonte: Desenho do autor.
Figura 22 Capa de “Mineiridade”, 1969.
Fonte: VASCONCELLOS, 1969.
54v
Figura 23 Le Corbusier e o modulor.
Fonte:
<http://www.westlicht.com/files/128762f5a40b095bec292d14fb78e6005bd4f.
jpg> Acesso em: 26 maio 2007
60v
Figura 24 Le Corbusier, “Vers une Architecture” (1923). Capa da primeira edição
francesa.
Fonte: <http://exhibits.slpl.org/scanned/pixel/ste00989.jpg> Acesso em: 26
maio 2007.
60v
Figura 25 Lucio Costa, fotografado por Ana Lúcia Arrazola (sd).
Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/institucional/inst06/lucio_costa.jpg>
Acesso em: 26 maio 2007.
61v
Figura 26 Lucio Costa, Plano Piloto de Brasília (1957).
Fonte: COSTA, 1995, p.295.
61v
Figura 27 Lucio Costa e equipe, edifício-sede do antigo Ministério da Educação e
Saúde (1937), Rio de Janeiro.
Fonte: COSTA, 1995, p.123.
61v
Figura 28 José de Magalhães, sede da antiga Secretaria das Finanças (1897), Belo
Horizonte. Fotografia de 1905.
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.
62v
Figura 29 Caetano de Franco, residência neocolonial, Belo Horizonte. Fotografia Nino
Andrés.
Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.116.
62v
Figura 30 Sebastiano Serlio, “Tutte l’opere d’architettura et prospettiva” (1619).
Gravura das cinco ordens de colunas e suas respectivas proporções.
Fonte: EVERS, 2003, p.83.
63v
Figura 31 Diagrama de popularização da arquitetura moderna.
Fonte: LARA, 2005.
63v
Figura 32 Philip Johnson, edifício-sede da AT&T (1984), Nova York. Maquete.
Fonte: <http://www.britannica.com/eb/art-84859> Acesso em: 26 maio 2007.
64v
Figura 33 Armário Chippendale.
Fonte:
<http://www.riverforksimports.com/images/products/tn/LMR391_small.jpg>
Acesso em: 19 dez. 2007.
64v
Figura 34 Philip Johnson, edifício-sede da AT&T (1984), Nova York.
Fonte: CURTIS, 1997, p.599.
65v
Figura 35 Edifício de Johnson e sugestão para um palacete D. João V. Ilustração para
o artigo “Arquitetura, um horror” (1978).
Fonte: VASCONCELLOS, Arquitetura, um horror, 1978, p.6.
65v
Figura 36 Modern Museum of Art, Nova York, mostra “The International Style:
architecture since 1922” (1932).
Fonte:
<http://bp2.blogger.com/_X9uQOPu_oJU/Rw4ZBz8PwAI/AAAAAAAABJE/_
10MZhaNE_w/s1600-h/MOMA-IS32-LCROOM-red.jpg> Acesso em: 22 dez.
2007.
66v
Figura 37 Jean-Nicolas-Louis Durand, “Recueil et parallèle des édifices en tout genre”
(1801). Diferentes tipos de edifícios concebidos a partir de uma planta
quadrada.
Fonte: EVERS, 2003, p.335.
66v
Figura 38 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Vista geral.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/alejon_paris/509452706/> Acesso em:
22 dez. 2007.
67v
Figura 39 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Esquema em grelha
da distribuição dos apoios.
Fonte: <http://architypes.net/image/villa-savoye-ground-floor-plan> Acesso
em: 26 maio 2007.
68v
Figura 40 Le Corbusier. Cinco pontos da arquitetura moderna. 68v
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/21158327@N05/2084974936/> Acesso
em: 22 dez. 2007.
Figura 41 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Aproximação ao
edifício.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/paolo_rosa/1349930904/> Acesso em:
22 dez. 2007.
68v
Figura 42 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Painel envidraçado
junto ao ingresso.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/hzdedalus/1949652828/> Acesso em:
22 dez. 2007.
68v
Figura 43 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Escada helicoidal e
rampa no hall de ingresso.
Fonte: CURTIS, 1997, p.277.
68v
Figura 44 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Sala de estar
integrada ao terraço-jardim.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/kenmccown/49535704/> Acesso em:
22 dez. 2007.
68v
Figura 45 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Terraço-jardim.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/paolo_rosa/1349042015/> Acesso em:
22 dez. 2007.
68v
Figura 46 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Abertura para a
paisagem no terraço-jardim.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/paolo_rosa/1347417636/in/set-
72157601922034479/> Acesso em: 22 dez. 2007.
68v
Figura 47 Le Corbusier, Ville Savoye (1929-1931), Poissy/França. Esquema de
proporção baseado no retângulo áureo.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/10452434@N07/896840827/> Acesso
em: 22 dez. 2007.
69v
Figura 48 Le Corbusier, Villa Stein/de Monzie (1926-1928), Garches/França. Vista da
fachada principal a partir da guarita.
Fonte: CURTIS, 1997, p.177.
69v
Figura 49 Sylvio de Vasconcellos, “Arquitetura dois estudos” (1983). Análise da Ville
Savoye.
Fonte: VASCONCELLOS, 1983, p.29.
70v
Figura 50 Le Corbusier, “Vida com numerosos objetos” (1923). Acervo da Fondation
Le Corbusier.
Fonte: CURTIS, 1997, p.281.
70v
Figura 51 Le Corbusier, sistema Dom-ino (1913).
Fonte: TZONIS, 2001, p.33.
70v
Figura 52 François Blondel, “Cours d´Architecture” (1675-1683). Formas
arquitetônicas, “cabana primitiva” e ordem dórica.
Fonte: EVERS, 2003, p.261.
71v
Figura 53 Claude Perrault, “Ordonnance des Cinque Espèces de Colonnes selon la
Méthode des Anciens” (1683). Quadro sinóptico das cinco ordens.
Fonte: EVERS, 2003, p.255.
71v
Figura 54 Christo e Jeanne-Claude, “Running fence” (1972-1976), Marin e
Sonoma/Califórnia.
Fonte: <http://www.uark.edu/depts/flaninfo/rebecca/running%20fence2.jpg>
Acesso em: 22 dez. 2007.
73v
Figura 55 Mary Kelly, “Post-Partum Document: Documentation I
restos fecais analisados e cartões de alimentação” (1974). Coleção Generali
Foundation.
Fonte: <http://www.postmastersart.com/archive/MK/MK_PPD_window.html>
Acesso em: 22 dez. 2007.
73v
Figura 56 Dominique Ingres, “A banhista” (1808). Coleção Museu do Louvre.
Fonte: <http://www.wga.hu/index1.html> Acesso em: 22 dez. 2007.
74v
Figura 57 Claude Monet, “Impressions soleil levant” (1873). Coleção Musée
Marmottan.
Fonte: <http://art.pro.tok2.com/M/Monet/mo01.jpg> Acesso em: 22 dez.
2007.
74v
Figura 58 Vincent van Gogh, “Café noturno, Place Lamartine, Arles” (1888). Coleção
Yale University Art Gallery.
Fonte:
<http://www.dmarcucci.it/picture/arts/Vincent_Van_Gogh/Vincent_Van_Gogh
-Caffe_di_notte-Place_Lamartine-Arles.jpg> Acesso em: 22 dez. 2007.
74v
Figura 59 Paul Gauguin, "Vaïraumati tei oa (Seu nome é Vairaumati)”, (1892). The
Pushkin Museum of Fine Art.
Fonte: <http://www.museum-kunst-palast.de/mediabig/1520A_original.jpg>
Acesso em: 22 dez. 2007.
74v
Figura 60 Pablo Picasso, “Les demoiselles d’Avignon” (1907). Coleção MoMA.
Fonte: <http://www.oelbilder-
galerie.at/images/picasso_die_damen_von_avignon.jpg> Acesso em: 22
dez. 2007.
75v
Figura 61 Roger Chastel, “Namorados no café” (1950-1951). Coleção Museu de Arte
Contemporânea da USP.
Fonte:
<http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates_esp/exposicoes/Ciccillo/image
m/RogerChastel.jpg> Acesso em: 22 dez. 2007.
75v
Figura 62 Andy Warho, “Marilyn portrait” (1967). Coleção MoMA.
Fonte:
<http://classes.design.ucla.edu/si05/desma2/week2/jenny/images/Warhol-
Marilyn.jpg> Acesso em: 22 dez. 2007.
75v
Figura 63 Victor Vasarely, “Veja-multi” (1976).
<http://static.blogo.it/artsblog/VictorVasarelyTriennalediMilano.JPG> Acesso
em: 22 dez. 2007.
75v
Figura 64 José Pedrosa, “Duas figuras femininas” (1942-1945). Coleção particular.
Fonte:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuse
action=obra&cd_verbete=2327&cd_obra=15098> Acesso em: 22 dez. 2007.
76v
Figura 65 Augusto Rodrigues, “Sem título” (1988). Coleção Mamélia Dornelles.
Fonte: fotografia do autor, 2007.
76v
Figura 66 Amílcar de Castro, “Sem título” (1950). Coleção Nadir Farah.
Fonte:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuse
action=obra&cd_verbete=564&cd_obra=14824> Acesso em: 22 dez. 2007.
76v
Figura 67 Lygia Clark, “Unidades n.1 a n.7” (1958). Fotografia da artista na I
Exposição Neoconcreta, 1959.
Fonte:
<http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo3/frente/clark/index.html#>
Acesso em: 22 dez. 2007.
76v
Figura 68 Petrônio Bax, “Sem título” (sd).
Fonte: <http://www.casadasartes.com.br/sala1/images/bax3.gif#> Acesso
em: 22 dez. 2007.
76v
Figura 69 Franz Weissmann, “Três cubos virtuais” (1957).
Fonte:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuse
action=obra&cd_verbete=1841&cd_obra=14907> Acesso em: 22 dez. 2007.
76v
Figura 70 Guignard, “Ponte seca” (1949). Coleção particular.
Fonte:
<http://www1.cultura.mg.gov.br/index.php?acao=busca_obrasConsulta_lege
nda&numObra=22#> Acesso em: 22 dez. 2007.
77v
Figura 71 Piet Mondrian, “Broadway boogie-woogie” (1943-1944). Coleção MoMA.
Fonte: <http://www.cs.brandeis.edu/~magnus/broadway.jpg> Acesso em: 22
dez. 2007.
78v
Figura 72 Gerrit Rietveld, residência Schröder-Schrader (1924), Utrecht/Holanda. Vista
principal.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/sputnik57/140073730/> Acesso em: 22
dez. 2007.
78v
Figura 73 Ludwig Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha (1928-1929), Barcelona.
Pavilhão original demolido em 1930; reconstrução em 1986.
78v
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/19368479@N02/2057254642/> Acesso
em: 22 dez. 2007.
Figura 74 Vincent van Gogh, “Na fronteira da eternidade” (1890). Coleção
Rijksmuseum Kröller-Müller.
Fonte:
<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/38/Vincent_Willem_van_
Gogh_002.jpg> Acesso em: 22 dez. 2007.
79v
Figura 75 Vincent van Gogh, “Par de botinas” (1886). Coleção Museu van Gogh.
Fonte:
<http://www3.vangoghmuseum.nl/vgm/index.jsp?page=1576&collection=130
0&lang=en> Acesso em: 22 dez. 2007.
79v
Figura 76 Vincent van Gogh, “Quarto do artista” (1889). Coleção Chicago Art Institute.
Fonte:
<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/Vincent_Willem_van_
Gogh_135.jpg> Acesso em: 22 dez. 2007.
80v
Figura 77 Sylvio de Vasconcellos, “Ma table” (1960), Paris.
Fonte: Revista Vão Livre, 1980.
80v
Figura 78 Oskar Kokoschka, “Retrato de Adolf Loos” (1909).
Fonte:
<http://www.usc.edu/schools/annenberg/asc/projects/comm544/library/imag
es/675.jpg> Acesso em: 26 maio 2007.
81v
Figura 79 Adolf Loos, “Ornament und verbrechen” (1910). Capa da primeira edição
austríaca.
Fonte:
<http://www.prachner.at/shop/prod_summary.asp?cat=1000&id=13566&ucat
=40> Acesso em: 26 maio 2007.
81v
Figura 80 Joseph Maria Olbrich, pavilhão da Künstlerhaus (1898), Viena.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
81v
Figura 81 Conde Étienne de Beaumont, fotografado pelo barão Adolph de Meyer
(1919).
Fonte: BAUDOT, 2002, p.57.
82v
Figura 82 Buick 1930. Modelo semelhante ao da família Vasconcellos.
Fonte:
<http://www.autoshow.com.br/upload/noticias/desfile_20050126_06pq.jpg>
Acesso em: 24 dez. 2007.
83v
Figura 83 Philco Predicta (1958). Fabricação no Brasil.
Fonte:
<http://www.wired.com/entertainment/hollywood/multimedia/2007/04/gallery_
tvhistory?slide=21&slideView=3> Acesso em: 24 dez. 2007.
85v
Figura 84 Jacques Tati, “Meu tio” (1956). Fotograma da cena em que o casal Arpel
assiste televisão.
Fonte: ÁBALOS, 2003.
85v
Figura 85 F. B. Arthur, gabinete para televisão, rádio, aparelho de som e álbuns
(c.1950).
Fonte: FIELL, 2001a, p.124.
85v
Figura 86 Companhia Elgin, máquina de costura. Publicidade da Revista Seleções
(1958).
Fonte: <http://www1.fotolog.com/edubt/10201540> Acesso em: 24 dez.
2007..
86v
Figura 87 Refrigerador Consul.
Fonte:
<http://www.consul.com.br/consul/control/cs/br/s3/campanhaPublicitaria?acti
on=campanhasPublicitarias&DECADA=50&codigoRegistroCampanha=3110
40# > Acesso em: 26 maio 2007.
86v
Figura 88 General Electric (anos 60). Publicidade da Revista O Cruzeiro.
Fonte: <http://www.memoriaviva.com.br/o cruzeiro/propag.htm> Acesso em:
26 maio 2007.
86v
Figura 89 Kalman Lengyel, folder publicitário de mobiliário standard (1928). Design de
Marcel Breuer.
Fonte: FIEDLER, 2006, p.331.
86v
Figura 90 William Morris, “Brother rabbit” (1882). Padronagem para tecido chintz.
Fonte:
<http://www.richardsoninteriors.com/images/Fabrics/William%20Morris%20B
rer%20Rabbit.jpg> Acesso em: 24 dez. 2007.
87v
Figura 91 Walter Gropius (1930), Berlim.
Fonte: <http://architettura.supereva.com/files/20030704/02_c.jpg> Acesso
em: 24 dez. 2007.
87v
Figura 92 Walter Gropius, currículo da Bauhaus (1922).
Fonte:
<http://www.arch.hku.hk/~tkvan/IJDC2003/bauhaus_curriculum_1937.gif>
Acesso em: 26 maio 2007.
88v
Figura 93 Otto Umbehr (Umbo), “O repórter hiperdinâmico” (1926). Fotomontagem.
Fonte: FIEDLER, 206, p.81.
88v
Figura 94 Hannes Meyer, fotografado por Otto Umbehr (1924).
Fonte: FIEDLER, 206, p.187.
88v
Figura 95 Marcel Breuer, cadeira Wassily (1926). Lis Beyer ou Ise Gropius com
máscara de palco de Oskar Schlemmer, fotografada por Erich Consemüller.
Fonte: FIEDLER, 206, p.325.
88v
Figura 96 Joaquim Tenreiro, cadeira de três pés (1947). Coleção Miguel Froimtchuk
Fonte: <http://www.bndes.gov.br/cultura/espaco/images/mobilia/011.jpg>
Acesso em: 24 dez. 2007.
89v
Figura 97 Oscar Niemeyer, residência Francisco Inácio Peixoto (1942). Mobiliário de
Joaquim Tenreiro.
Fonte:
<http://www.tratosculturais.com.br/Zona%20da%20Mata/UniVlerCidades/mo
dernismo/mobiliario/thumb011.htm> Acesso em: 24 dez. 2007.
89v
Figura 98 Marcus Pollion Vitruvius, “De architectura libri decem”. Edição Franciscum
Senensem e Ioan. Crugher (1567), Veneza.
Fonte: <http://www.unav.es/biblioteca/imagenes/hufa-vitrubio.jpg> Acesso
em: 24 dez. 2007.
92v
Figura 99 Luiz Olivieri, Estação Ferroviária (1922), Belo Horizonte. Fotografia Heloísa
Coutinho.
Fonte: <http://www.helo-isa.blogger.com.br/estacao.jpg> Acesso em: 24
dez. 2007.
94v
Figura 100 José de Magalhães, Palácio da Liberdade (1895), Belo Horizonte. Escadaria
nobre.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
94v
Figura 101 Exposição Universal de 1889, Paris. Vista geral.
Fonte: <http://lauhic.club.fr/expo_universelle_1900.jpg> Acesso em: 25 dez.
2007.
95v
Figura 102 Exposição Universal de 1889, Paris. Portal de entrada.
Fonte: <http://sitemaker.umich.edu/parisexpo/files/Paris%20entry.jpg>
Acesso em: 25 dez. 2007.
95v
Figura 103 Victor Contamin e Charles Louis Ferdinand Dutert, Exposição Universal de
1889, Paris. Interior.
Fonte: <http://www.isl.uni-
karlsruhe.de/vrl/staedtebau1/IMAGES_Damals3/Galerie_Des_Machines.gif>
Acesso em: 25 dez. 2007.
95v
Figura 104 Victor Contamin e Charles Louis Ferdinand Dutert, Exposição Universal de
1889, Paris. Interior.
Fonte: <http://img255.imageshack.us/img255/9123/sdmvu4.jpg> Acesso em:
25 dez. 2007.
95v
Figura 105 Auguste Perret, garage Citroën (1905), Paris.
Fonte: CURTIS, 1997, p.79.
95v
Figura 106 Luiz Nunes, caixa d’água (1937), Olinda. Fotografia de Kidder Smith
publicada na revista The Architectural Review, em março de 1944.
Fonte: ANDREOLI & FOTY, 2004, p.62.
96v
Figura 107 Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho, edifício Esther (1935-1938), São
Paulo.
Fonte: ANDREOLI & FOTY, 2004, p.61.
96v
Figura 108 Marcelo e Milton Roberto, edifício-sede da Associação Brasileira de
Imprensa (1936), Rio de Janeiro. Saguão principal.
Fonte: <http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=650> Acesso em: 25
dez. 2007.
96v
Figura 109 Residência setecentista, distrito de Monsenhor Horta, Mariana, Minas
Gerais. Evidência para o conjunto em “gaiola”, com dominância dos esteios.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
97v
Figura 110 Residência setecentista, distrito de Monsenhor Horta, Mariana, Minas
Gerais. Evidência para o frechal.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
97v
Figura 111 Residência setecentista, distrito de Monsenhor Horta, Mariana, Minas
Gerais. Detalhe do encaixe entre paus-a-pique, esteio e frechal.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
97v
Figura 112 Residência setecentista, distrito de Monsenhor Horta, Mariana, Minas
Gerais. Pau-a-pique.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
97v
Figura 113 Marc-Antoine Laugier, “Essai sur l’architecture” (1753). Alegoria da cabana
primitiva.
Fonte: <http://www.usc.edu/dept/architecture/slide/ghirardo/CD2/073-
CD2.jpg> Acesso em: 25 dez. 2007..
98v
Figura 114 Ludwig Mies van der Rohe, residência Edith Farnsworth (1946), Plano,
Illinois, Estados Unidos. Vista geral.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/greg_robbins/282855905/> Acesso em:
25 dez. 2007.
98v
Figura 115 Ludwig Mies van der Rohe, residência Edith Farnsworth (1946), Plano,
Illinois, Estados Unidos. Organização da planta.
Fonte:
<http://www.edilbase.com/public/archivio/Farnsworth%20House%20pianta.jp
g/> Acesso em: 25 dez. 2007.
99v
Figura 116 Ludwig Mies van der Rohe, residência Edith Farnsworth (1946), Plano,
Illinois, Estados Unidos. Transparência.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/fueledbycoffee/63079785//> Acesso
em: 25 dez. 2007.
99v
Figura 117 Ludwig Mies van der Rohe, residência Edith Farnsworth (1946), Plano,
Illinois, Estados Unidos. Detalhamento.
Fonte:
<http://www.columbia.edu/cu/gsapp/BT/GATEWAY/FARNSWTH/secccfl.jpg
> Acesso em: 25 dez. 2007.
99v
Figura 118 Bruno Taut, Pavilhão de Vidro (1914), Colônia. Interior.
Fonte: CURTIS, 1997, p.99.
100v
Figura 119 Le Corbusier e Amedée Ozenfant, revista L’Esprit nouveau, n.2 (1921).
Fonte:
<http://www.fondationlecorbusier.asso.fr/images/reperebio/L'Esprit%20Nouv
eau%20numero%202.jpg> Acesso em: 22 dez. 2007.
101v
Figura 120 Sylvio de Vasconcellos, residência não identificada.
Fonte: MALARD, 2005.
101v
Figura 121 Sylvio de Vasconcellos, residência não identificada.
Fonte: MALARD, 2005.
101v
Figura 122 Sylvio de Vasconcellos, residência Caio Benjamin Dias (1954). Pátio
posterior.
Fonte: MALARD, 2005.
101v
Figura 123 Sylvio de Vasconcellos, residência Caio Benjamin Dias (1954).
Fonte: MALARD, 2005.
101v
Figura 124 Sylvio de Vasconcellos, residência não identificada.
Fonte: MALARD, 2005.
102v
Figura 125 Sylvio de Vasconcellos, residência do arquiteto (sd). Jardim privativo.
Fonte: MALARD, 2005.
102v
Figura 126 Sylvio de Vasconcellos, residência Caio Benjamin Dias (1954). Pátio
posterior.
Fonte: MALARD, 2005.
102v
Figura 127 Popularização da arquitetura moderna, bairro Prado, Belo Horizonte.
Fonte: LARA, 2005.
103v
Figura 128 Oscar Niemeyer, Grande Hotel (1940), Ouro Preto. Vista a partir do morro
de São José.
Fonte: MINDLIN, 1999, p.127.
106v
Figura 129 Oscar Niemeyer, capela de São Francisco de Assis (1940), Belo Horizonte.
Vista a partir da represa da Pampulha.
Fonte: ANDREOLI & FOTY, 2004, p.24.
106v
Figura 130 Le Corbusier, sistema de proporções modulor (1950).
Fonte: <http://www.geocities.jp/yossy_the_rat/modulor.jpg> Acesso em: 25
dez. 2007.
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Figura 131 Robert Maillard (1872-1940), ponte sobre o Reno (1927), Tavanasa, Suíça.
Fonte: <http://www.nbq.ch/daniel/STS/STS.html> Acesso em: 25 dez. 2007.
106v
Figura 132 Oscar Niemeyer, cassino da Pampulha, atual Museu de Arte da Pampulha
(1940-1942), Belo Horizonte.
Fonte:
<http://salu.cesar.org.br/arqbr/servlet/newstorm.notitia.apresentacao.Servlet
DeNoticia?codigoDaNoticia=7235&dataDoJornal=atual#> Acesso em: 25
dez. 2007.
107v
Figura 133 Le Corbusier, residência La Roche-Jeanneret (1923), Paris.
Fonte: <http://farm1.static.flickr.com/171/393084056_0cf65b5904.jpg#>
Acesso em: 25 dez. 2007.
107v
Figura 134 Oscar Niemeyer, edifício JK (1953), Belo Horizonte.
Fonte: <http://img232.imageshack.us/img232/4562/jk4av.jpg> Acesso em:
25 dez. 2007.
107v
Figura 135 Le Corbusier, Unité d’habitation (1956), Marselha, França.
Fonte: < http://www.flickr.com/photos/funksturm/996173634/ > Acesso em:
25 dez. 2007.
107v
Figura 136 Aarão Reis, plano de Belo Horizonte (1895)
Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.48.
113v
Figura 137 Johnson and Ward, mapa intitulado “Johnson’s Georgetown and the city of
Washington: the capital of the United States of America” (c.1862). Coleção
Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
Fonte:
<http://www.rootsweb.com/~usgenweb/maps/districtofcolumbia/georgetown.j
pg> Acesso em: 26 maio 2007.
113v
Figura 138 Pedro Benoit, plano de La Plata (1882).
Fonte: <http://www.ing.unlp.edu.ar/sepcyt/laplata/plano.htm> Acesso em: 26
maio 2007.
113v
Figura 139 Exemplo de modelo tipológico da Comissão Construtora da Nova Capital
para as residências funcionais (sd), Belo Horizonte.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
114v
Figura 140 Exemplo de varanda em residência-modelo da Comissão Construtora da
Nova Capital (sd), Belo Horizonte.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
114v
Figura 141 Exemplo de escadaria e varanda em residência eclética (sd), Belo
Horizonte.
Fonte: Serviço de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos.
115v
Figura 142 Sylvio de Vasconcellos, residência Von Smigay (sd), Belo Horizonte.
Detalhe de elemento de proteção na varanda.
Fonte: MALARD, 2005.
115v
Figura 143 Sylvio de Vasconcellos, residência Amilcar Martins (1949), Belo Horizonte.
Detalhe de elemento de proteção na varanda.
Fonte: MALARD, 2005.
115v
Figura 144 Lucio Costa, casa Saavedra (1942), em Petrópolis.
Fonte: WISNIK, 2001, p.71.
116v
Figura 145 Palácio de Alhambra (século XIV), Granada, Espanha. Detalhe de portal
treliçado.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/stjohndunn/1329796431/> Acesso em:
26 dez. 2007.
116v
Figura 146 Sylvio de Vasconcellos, residência Marília Gianetti (1945, demolida), Belo
Horizonte. Volumetria assobradada.
Fonte: SOUZA, 1995.
117v
Figura 147 Casa de Chica da Silva (século XVIII), Diamantina, Minas Gerais.
Fonte: MONTEZUMA, 2002, p.133.
117v
Figura 148 Sylvio de Vasconcellos, residência não identificada. Composição em fita das
aberturas do segundo pavimento.
Fonte: MALARD, 2005.
117v
Figura 149 Sylvio de Vasconcellos, residência Gilberto Faria (1964), Belo Horizonte.
Uso de venezianas como elemento plástico na fachada.
Fonte: MALARD, 2005.
117v
Figura 150 Sylvio de Vasconcellos, residência Murilo Gianetti (1956), Belo Horizonte.
Uso do cobogó como elemento plástico na fachada.
Fonte: MALARD, 2005.
117v
Figura 151 Sylvio de Vasconcellos, residência Abílio Machado (1957), Belo Horizonte.
Uso de placas de compensado como elemento plástico na fachada.
Fonte: MALARD, 2005.
117v
Figura 152 Residência setecentista, conhecida como “casa mais antiga”, São João del
Rei.
Fonte: VIEGAS, 1942, p.22d.
118v
Figura 153 Fazenda das Minhocas (século XVIII), Jaboticatubas, Minas Gerais.
Fonte: fotografia do autor, 2005.
118v
Figura 154 Jean Baptiste Debret, “Passatempo dos ricos”. Prancha do “Viagem
pitoresca e histórica ao Brasil” (1834).
Fonte: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=688>
Acesso em: 26 dez. 2007.
118v
Figura 155 Loggia, Veneza.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
118v
Figura 156 Johann Moritz Rugendas, “Moulin à sucre”, gravura do “Viagem pitoresca
através do Brasil” (1835). Divisão 4, prancha n.9.
Fonte: RUGENDAS, sd.
119v
Figura 157 Filippo Brunelleschi? Luca Fancelli?, Palazzo Pitti (1457), Florença.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
119v
Figura 158 Pedro José Pézérat, residência da Marquesa de Santos (c.1825), Rio de
Janeiro.
Fonte: CZAJKOWSKI, 2000, p.35.
119v
Figura 159 MacFarlane’s Cast-iron Manufactures, catálogo (1863), Glasgow, Escócia.
Fonte: COSTA, 1994, P.79.
120v
Figura 160 Sylvio de Vasconcellos, residência do arquiteto (sd). Jardim privativo.
Fonte: MALARD, 2005.
122v
Figura 161 Casa pompeiana (século I aC). Impluvium como elemento polarizador do
pátio interno.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
122v
Figura 162 Domus Aurea (c.64-69 dC), Monte Palatino, Roma.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
122v
Figura 163 Palácio de Alhambra (século XIV), Granada, Espanha. Pátio dos Arrayanes.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/jadame/1930629689/> Acesso em: 26
dez. 2007.
122v
Figura 164 Jean-Baptiste Debret, “Pequena moenda de cana portátil”. Prancha do
“Viagem pitoresca e histórica ao Brasil” (1834).
Fonte: STRAUMANN, 2001, p.77.
124v
Figura 165 Jean-Baptiste Debret, “Uma senhora brasileira em seu lar”. Prancha do
“Viagem pitoresca e histórica ao Brasil” (1834).
Fonte: STRAUMANN, 2001, p.61.
124v
Figura 166 Jean-Baptiste Debret, “O jantar no Brasil”. Prancha do “Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil” (1834).
Fonte: STRAUMANN, 2001, p.106.
124v
Figura 167 Jean-Baptiste Debret, “Planta e elevação de uma pequena casa brasileira,
de cidade”. Prancha do “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil” (1834).
Fonte: DEBRET, 1989, prancha 42.
125v
Figura 168 Esquema de organização do espaço de uma cozinha segundo princípios
funcionalistas.
Fonte: NEUFERT, 1976, p.178.
126v
Figura 169 Jane Drew, “Package kitchen”. Projetada para o British Gas Council e
executada pela Centrup Ltd., com equipamentos essenciais para a cocção.
Fonte: FIELL, 2000, p.383.
126v
Figura 170 Cooke & Partners, interior da residência Leonard Griffin.
Fonte: FIELL, 2001a, p.65.
126v
Figura 171 Harwell Hamilton Harris, cozinha projetada para a residência Weston Haven.
Fonte: FIELL, 2000, p.383.
127v
Figura 172 The Crane Company – Kitchen and Bathroom Planning Division, “Meal
Kitchen”.
Fonte: FIELL, 2000, p.356.
127v
Figura 173 Sylvio de Vasconcellos, residência Caio Benjamin Dias (1954), Belo
Horizonte.
Fonte: arquivo do autor, 2007.
127v
Figura 174 Bruno Taut, Glass Pavilion (1914), Exposição da Werkbund, Colônia,
Alemanha.
Fonte: < http://germanhistorydocs.ghi-
dc.org/images/glass%20house%203%20copy.jpg> Acesso em 11 jan. 2008.
129v
Figura 175 Bruno Taut, residência do arquiteto (1926), Berlim-Dahlewitz.
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Figura 221 Museu Histórico Abílio Barreto, antiga Fazenda do Leitão.
Fonte: fotografia do autor, 2007.
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Figura 222 Bairro Cidade Jardim e malha regular do Plano Aarão Reis, vista aérea.
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Figura 223 Bairro Cidade Jardim, vista aérea.
Fonte: GoogleEarth, 2008.
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Figura 302 Jacques-Henri Labourdette, plano de Sarcelles (1955-1975), França.
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Fonte: WISNIK, 2001, p.101.
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Figura 311 Michelangelo Buonarotti, “David” (1504), Piazza della Signoria, Florença.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
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Fonte: <http://www.arqbh.com.br/search/label/Uso%3A%20Escola> Acesso
em: 09 jan. 2008.
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Figura 315 Colégio Arnaldo, Belo Horizonte.
Fonte: fotografia do autor, 2007.
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Figura 316 Ginásio Mineiro, atual sede da Escola Preparatória da Cadetes do Ar
(EPCAR), Barbacena, Minas Gerais.
Fonte: <http://www.net-rosas.com.br/~epcar/index.html> Acesso em: 09 jan.
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Figura 317 Edmund Cartwright, tear mecânico em fábrica (final do século XIX), Court
Mills, Trowbridge, Wiltshire.
http://eshop.wiltshire.gov.uk/gallery/eshop/photographs/P415.jpg
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Figura 318 Joseph Paxton, “The Great Stove” (1836-1840, demolido), Chatsworth.
Fonte: <http://www.victorianweb.org/art/architecture/iron/21b.jpg> Acesso
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Figura 319 Benjamin Franklin, experimento em eletricidade com pipas (1752).
Fonte: <http://www.thebakken.org/electricity/images-static/Franklin-kite-
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Figura 320 Ginásio Santo Antônio (década de 30), São João del Rei, Minas Gerais.
Preparação para parada de 7 de setembro.
Fonte: acervo André Dangelo.
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Figura 321 Colégio Diocesano Dom Silvério, atual Fundação Educacional Monsenhor
Messias, Sete Lagoas, Minas Gerais.
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Figura 322 Revista “Tico-tico” (1912). Logomarca de Agostini. 255v
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Figura 323 Al Capp, “Lil Abner” (1934).
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Figura 324 Harold R. Foster, “Príncipe Valente” (1937).
Fonte: <http://img285.imageshack.us/img285/5171/scan00010uj.jpg>
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Figura 325 Alex Raymond, “Flash Gordon” (1934).
Fonte: <http://www.thecomicisland.com/images/c-flashgordon1.gif> Acesso
em: 09 jan. 2008.
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brasileira da revista n.2 (fev.1957).
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Figura 327 Carl Barks (Estúdios Disney), “Tio Patinhas” (1947). Sátira da tela de
Quentin Massys, “O prestamista e sua mulher” (1514).
Fonte:
<http://www.worth1000.com/contest.asp?contest_id=14079&display=photos
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Fonte:
<http://www.thebest3d.com/dogwaffle/dotm/Cybersign/Arsene_Lupin21-
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Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Image:Ensba_paris_2_artlibre_jnl.jpg>
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Figura 332 Luiz Signorelli, residência do doutor Eduardo Borges da Costa (1923-1924),
Belo Horizonte, atual sede da Academia Mineira de Letras.
Fonte:
<http://www.arqbh.com.br/search/label/Arq%3A%20Luiz%20Signorelli>
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Figura 333 Luiz Signorelli, Secretária de Estado da Justiça (1926-1930), Belo Horizonte.
Fonte:
<http://www.arqbh.com.br/search/label/Arq%3A%20Luiz%20Signorelli>
Acesso em: 09 jan. 2008.
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Figura 334 Luiz Signorelli e Raffaello Berti, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
(1935).
Fonte: <http://www.ajs.com.br/images/berti/prefeitura.JPG> Acesso em: 09
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Fonte: <http://www.arslibri.com/016-m.jpg> Acesso em: 09 jan. 2008.
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Figura 336 Antonio Sant’Elia, estação de trens e aeroporto (1913-1914). Croquis.
Fonte: <http://urbandesignlab.googlepages.com/santelia_1914.jpg> Acesso
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Fonte:
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Figura 339 Shakespeare Gomes, Escola de Arquitetura da UFMG (1949), Belo
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Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.216.
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Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.241.
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Figura 341 Eduardo Mendes Guimarães, Reitoria da UFMG (1958), Belo Horizonte.
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Figura 342 Movimento estudantil (maio 1968), Place de la Rébublique, Paris. Fotografia
de Michel Baron.
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(1961-1969), São Paulo. Movimento estudantil em assembléia no Salão
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Figura 345 Thomas Ender, “Villa Rica” (1817-1818). Coleção Kupferstichkabinett der
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Figura 346 Arnaud Julien Pallière, “Vila Rica” (c.1820). Coleção Museu da
Inconfidência, Ouro Preto. Fotografia de Lew Parella.
Fonte:
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Figura 347 Esquema de organização dos partidos arquitetônicos dos “ranchos”.
Fonte: VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1954, p.125.
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Figura 348 Esquema de organização dos frontispícios de algumas matrizes mineiras.
Fonte: VASCONCELLOS, Constantes variáveis..., 1957, p.6.
276v
Figura 349 Leon Battista Alberti, Palazzo Ruccellai (1446), Florença.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
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Figura 350 Brasão familiar em palazzo florentino.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
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Figura 351 Antonì Gaudì, Casa Milà (1905-1907), Barcelona, Espanha.
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Figura 352 Filippo Brunelleschi, cúpula de Santa Maria dei Fiori (1418-1434), Florença,
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Fonte: fotografia do autor, 2004.
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Figura 353 Ambroggio Lorenzetti, afrescos da Sala dei Nove (1338-1340), Palazzo
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Comunale, Siena.
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Figura 355 Ambroggio Lorenzetti, “A vida na cidade. Efeitos do Bom Governo” (1338-
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Figura 356 Ambroggio Lorenzetti, “Efeitos do Bom Governo no campo” (1338-1340),
Palazzo Comunale, Siena.
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Figura 357 Ambroggio Lorenzetti, “Alegoria do Mau Governo e efeitos do Mau Governo
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Figura 359 Exploração sexual. Anúncio de casa de massagens nos Estados Unidos.
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Figura 360 Exploração sexual. Anúncio de casa de massagens nos Estados Unidos.
Fonte: VASCONCELLOS, Estamos oferecendo mulheres lindas..., 1973,
p.1.
327v
Figura 361 Exploração sexual. Dançarinas de cabaré na Place Pigalle, Paris. Fotografia
de Kurt Hutton (1949).
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340v
Figura 366 Igreja de Nossa Senhora do Pilar (1733) e casario, Ouro Preto, Minas
Gerais.
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Figura 367 Milão (1946), Itália. Reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial.
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Figura 369 Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (c.1730) e casario,
Ouro Preto, Minas Gerais.
Fonte: fotografia do autor, 2003.
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Figura 370 Isabel Mendes da Cunha, “Noiva” (sd), Santana do Araçuaí, Ponto dos
Volantes, Minas Gerais.
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Figura 371 Aleijadinho, “Profetas: Joel, Jonas, Jeremias” (1800-1805), Congonhas do
Campo, Minas Gerais.
Fonte: MEYER, 1984, p.97.
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Figura 372 Gravuras medievais retratando profetas.
Fonte: DAVENPORT, 1972, p.11.
358v
Figura 373 Matriz de Nossa Senhora da Conceição (c.1710), Sabará, Minas Gerais.
Fonte: fotografia do autor, 2005.
359v
Figura 374 Aleijadinho, igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1772),
Ouro Preto, Minas Gerais. Detalhe do brasão da portada, exemplo de
composição heráldica.
Fonte: fotografia do autor, 2005.
359v
Figura 375 Aleijadinho, igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1769),
Sabará, Minas Gerais. Detalhe do anjo da portada.
Fonte: fotografia do autor, 2005.
359v
Figura 376 Aleijadinho (atribuição), igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis
(1766), Ouro Preto, Minas Gerais. Detalhe da torre.
Fonte: fotografia do autor, 2005.
359v
Figura 378 Francesco Borromini, igreja de San Carlo alle Quattro Fontane (1665-1667),
Roma.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
360v
Figura 379 Jakob Prandtaeur, abadia do mosteiro beneditino (1702-1727), Melk,
Áustria.
Fonte: fotografia do autor, 2004.
360v
Figura 380 Giacomo Barozzi da Vignola, “Regola delli cinque ordini d’architettura”
(1562). Comparação entre as cinco ordens.
Fonte: EVERS, 2003, p.95.
361v
Figura 381 Aleijadinho, igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis (1790),
São João del Rei, Minas Gerais. Exemplo de escultura de portada.
Fonte: CUNHA & DANGELO, 1986, p.112.
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Figura 382 Lorenzo Ghiberti, “Adorazione dei magi” (1415), porta norte do Batisttero,
Florença, Itália.
Fonte: < http://www.rositour.it/Arte/Ghiberti%20Lorenzo/Firenze-
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Figura 383 Aleijadinho, “Jonas sendo jogado à baleia” (1771-1772), bacia do púlpito,
igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto, Minas Gerais.
Fonte: ANTÔNIO Francisco Lisboa, 1951, p.
366v
Figura 384 a
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Sylvio de Vasconcellos, Monumento ao Aleijadinho (1969), Belo Horizonte.
Fonte: fotografia do autor, 2007.
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e ss
Figura 396 Le Corbusier, cabana de férias, Cap Martin, França. Fotografia de Lucien
Herve (1950).
Fonte: TZONIS, 2001, p.173.
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Figura 397 Residência setecentista, conhecida como “casa mais antiga”, São João del
Rei.
Fonte: VIEGAS, 1942, p.22d.
376v
Figura 398 Capela de Nossa Senhora do Ó (c.1730), Sabará.
Fonte: fotografia do autor, 2005.
376v
Figura 399 Aleijadinho, “Profetas: Joel, Jonas, Jeremias” (1800-1805), Congonhas do
Campo, Minas Gerais.
Fonte: MEYER, 1984, p.97.
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Figura 400 Oscar Niemeyer, Catedral Metropolitana (1958-1970), Brasília.
Fonte: fotografia do autor, 2003.
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Figura 401 Fogão a lenha.
Fonte: <http://www.em.pucrs.br/~filipi/fogao_a_lenha/fornalha.jpg> Acesso
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Figura 402 Parque Municipal (c.1932), Belo Horizonte. Editor Oliveira, Costa & cia.
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Figura 403 Dolly sisters (1925).
Fonte: <http://www.streetswing.com/histmain/posters/9-dolly_sisters.htm>
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Figura 405 Lucio Costa. Fotografia de Julieta Sobral.
Fonte: COSTA, 1995, p.1.
378v
Figura 406 Lucio Costa, Parque Guinle (1948-1952), Rio de Janeiro. Fotografia de
Julieta Sobral.
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Figura 407 Casa em Castro, distrito de Entre Rios de Minas, Minas Gerais.
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Figura 408 Buckminster Fuller, Dymaxion car (1933). Utilização do motor e eixos do
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Fonte: < http://www.washedashore.com/projects/dymax/pictures.html>
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379v
Figura 409 Praça Sete de Setembro (c.1930), Belo Horizonte. 379v
Fonte: BELLO Horizonte, 1997, p.140.
Figura 410 Avenida Afonso Pena, Belo Horizonte. Fotografia de J. Goes (1930).
Fonte: CASTRIOTA, 1998, p.82.
379v
Figura 411 Minoru Yamasaki, Pruitt-Igoe (1956), St. Louis, Missouri. Proposta do
arquiteto para o uso das áreas comuns.
Fonte:
<http://lh5.google.com/image/tessellar/RkQrXrP6qKI/AAAAAAAAAws/cfGC5
N0Pje4/s288/3d%2520communal%2520corridor.jpg&imgrefurl> Acesso em:
09 jan. 2008.
379v
Figura 412 Minoru Yamasaki, Pruitt-Igoe (1956), St. Louis, Missouri. Situação das áreas
comuns antes da demolição.
Fonte:
<http://lh5.google.com/image/tessellar/RkQrXrP6qKI/AAAAAAAAAws/cfGC5
N0Pje4/s288/3d%2520communal%2520corridor.jpg&imgrefurl> Acesso em:
09 jan. 2008.
379v
Figura 413 Robert Mills, “Washington monument” (1848-1884), Washington, District of
Columbia.
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/zachstern/223436682/> Acesso em: 09
jan. 2008.
379v
Figura 414 Éolo Maia, “O homem alto” (mar 1968). Ilustração da poesia de mesmo
título, escrita no saguão do Hotel Nacional, em Brasília.
Fonte: MAIA, 1979, p.23.
380v
LISTA DE SIGLAS
ABCA Associação Brasileira de Críticos de Arte
AICA Associação Internacional de Críticos de Arte
CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
DESAL Centro de Desenvolvimento Econômico e Social para a América
Latina
EAUFMG Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais
ENBA Escola Nacional de Belas Artes
IAB/MG Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção Minas Gerais
ICBEU Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos
IEPHA/MG Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais
IHG/MG Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
INA INQUÉRITO NACIONAL DE ARQUITETURA
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MAP Museu de Arte da Pampulha
MASP Museu de Arte de São Paulo
MoMA Modern Museum of Art
MHAB Museu Histórico Abílio Barreto
OEA Organização dos Estados Americanos
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UMG Universidade de Minas Gerais
SUMÁRIO
Capítulo 1 – INTRODUÇÃO
36
1.1.À guisa de indagações 37
1.2. Sylvio de Vasconcellos: homem e intelectual 41
1.3. Discussões fundamentais 46
1.4. Objetivos e objetos de investigação 48
1.5. Uma aproximação transdisciplinar 50
1.6. Organização do texto 56
Parte I – UM MUNDO DE TRAÇOS MODERNOS: CONSTRUÇÃO E RE-
CONSTRUÇÃO
59
Capítulo 2 – “A CASA É UMA MÁQUINA DE MORAR”
60
2.1. Crítica ao ecletismo e atitude vanguardista 63
2.2. A forma segue a função 82
2.3. O barro armado e a verdade estrutural 95
2.4. L’esprit nouveau! 102
Capítulo 3 – SYLVIO RELÊ SYLVIO I: “A CASA É UMA MÁQUINA DE
MORAR”?
111
3.1. A varanda e o quintal 114
3.2. “a cozinha me fascinava” 125
3.3. “Construir, habitar, pensar” 132
Capítulo 4 – O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO AOS OLHOS DO
MENINO SYLVIO
146
4.1. “Habitar, Trabalhar, Recrear, Circular” 147
4.1.1. A Carta de Atenas 147
4.1.2. A “avenida”, os bondes e os automóveis 154
4.1.3. O Parque 162
4.1.4. “O barulho urbano” 167
4.1.5. Cidade Jardim 170
4.2. Cultura urbana e idéia de metrópole 176
Capítulo 5 – SYLVIO RELÊ SYLVIO II: “MORTE E VIDA DE GRANDES
CIDADES”
191
5.1. A nova flanêrie 192
5.1.1. Andar, vagar 192
5.1.2. Vitrines e galerias 195
5.1.3. Flâneur moderno 199
5.2. “Morte e vida de grandes cidades” 205
5.2.1. Pruitt-Igoe 205
5.2.2. A cidade norte-americana 210
5.2.3. Brasília: exaltação e crítica 216
5.2.4. Planejamento urbano na América Latina 223
5.2.5. “Washington, cidade das cerejeiras” 228
Parte II – ARQUITETURA PARA ALÉM DA FORMA
233
Capítulo 6 – COMO SE CONSTRÓI UM ARQUITETO?
234
6.1. Aprendizado, um “estalo por dentro” 239
6.1.1. Jogos de aprender, lições a cumprir 239
6.1.2. Invenção, empiria e ciência 248
6.1.3. “Estalo por dentro” 252
6.2. Arquiteto-urbanista! 262
6.2.1. Arquiteto-decorador? 262
6.2.2. A Escola de Arquitetura em transformação 267
6.2.3. O arquiteto-urbanista e o sentido de dever público 282
Capítulo 7 – “BENE BEATEQUE VIVENDUM’
285
7.1. O papel social do arquiteto 286
7.2. Valores humanos: família, sociedade e pertencimento 305
7.3. O negro e a prostituta 320
Capítulo 8 – “TEMPO SEMPRE PRESENTE”
332
8.1. Lembrança, esquecimento e ficção 333
8.2. A idéia de patrimônio 345
Capítulo 9 – CONCLUSÃO: REDE DE SABERES
373
Referências Bibliográficas
382
Anexo
405
Glossário
422
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
36v
1
2
3
Três momentos distintos denotam a preocupação histórica do indivíduo com a elaboração de um
ambiente onde estejam presentes qualidades consideradas necessárias à vida, ainda que sob uma
forma irônica, como é o caso da idéia da Walking city, na qual o problema do deslocamento das
massas nas grandes metrópoles foi resolvido por meio de um ambiente móvel.
37
1.1. À guisa de indagações
As reflexões que iniciam este texto são, essencialmente, pessoais. O olhar
investigativo é, antes de tudo, um mergulho nas próprias inquietações, que vão se
conformando e/ou tornando-se agudas na medida em que pretendemos o desvelamento
por meio do conhecimento.
Na Arquitetura, o problema genericamente posto é a produção do espaço para o
homem. Independentemente de estarmos tratando da recuperação ou da construção
nova, ou mesmo da escala do objeto a ser elaborado, o pensamento arquitetônico
sempre esteve ligado a projeções de melhoria da qualidade de vida do homem, e isto se
dá no âmbito privado (tradicionalmente representado pela casa) bem como no coletivo,
ou seja, na urbis, com seu traçado, espaços públicos, casario e monumentos.
Se a utopia é um tema humano – um ditado medieval apregoa: “in city air we
breath free” – a Arquitetura sempre se ocupou em desenhar “lugares felizes”, tomando
aqui uma das origens etimológicas (eu-topos) para a palavra. A partir do Iluminismo,
verifica-se uma aceleração das investigações espaciais utópicas, e arquitetos e
urbanistas trataram do tema sob as mais diversas formas, buscando o nobre propósito
de, através da construção – de uma imagem, que seja – traduzir uma sociedade mais
justa, por meio de grandes espaços ou de pequenos detalhes. Pretendia-se elaborar
para o sujeito um conjunto de princípios espaciais racionalmente fundamentados que,
tomados universalmente, seriam capazes de construir o “novo mundo”.
Contudo, se lançarmos um mero olhar para fora de nossas casas, espaços de
trabalho e lazer, ultrapassando nosso “ensimesmamento” e mirando a cidade que nos
cerca – e não há um locus específico que tenha este “privilégio”, ela é uma situação
indistinta no mundo contemporâneo – o que veremos é, parafraseando Lucio Costa
(1902-1998), “[...] muita construção, alguma arquitetura e um milagre.” (COSTA, 1995,
p.157)
1
. Por quê tal distinção nas palavras do mestre carioca – com as quais
concordamos em gênero, número e grau – se, em sua etimologia, Arquitetura é
construção?
À materialidade da Arquitetura associa-se o fundamento ético, a archè. É nele
que reside a distinção – necessária – daquilo que pode ser considerado como “o
1
Esta expressão refere-se ao título da re-edição de um artigo publicado por Lucio Costa em 1951, denominado
“Depoimento de um arquiteto carioca”. Ver: COSTA, 1995, p.157-171. Otávio Leonídio Ribeiro (2005) considera,
em acordo com Carlos Martins, este artigo como a “[...] pedra angular para boa parte das histórias da arquitetura
moderna brasileira [...].” (RIBEIRO, 2005, p.12).
37v
4
A imagem poderia referir-se a Nova York, a Belo Horizonte, Kuala Lumpur ou qualquer outra
metrópole contemporânea. Faz-se destacar pela presença do edifício-sede da ONU e do Chrysler
Building, e permite discutir, ao mesmo tempo, sobre a indistinção dos indivídiuos nos mega-centros e
a necessidade de alcançar a distinção por meio da Arquitetura.
5
Uma das mais recentes formas de veiculação de uma limitada atuação do profissional de Arquitetura
é a exposição Casa Cor®, atuante em todos os estados brasileiros. As campanhas publicitárias,
veiculadas em revistas de decoração e arquitetura, além de jornais de grande circulação, fazem
associar a atividade profissional a um suposto sucesso mercadológico, onde “estar presente” à
exposição representa “ser vanguarda”.
38
meramente edificado”. A rigor, não há possibilidade de, no campo da Arquitetura, isolar
as duas “metades” que a compõem; archè e tectonikós são elementos constituintes e
indissociáveis. Ao arquiteto interessa, substancialmente, a idéia, amparada pelo
“substrato” (para tomarmos aqui um termo próprio à teoria da preservação), cujo papel
é fazer comportar, no objeto, valores individuais e coletivos.
Tomamos, como discussão para fundamentação desta tese, duas questões
essenciais, desdobradas, cada uma delas, em reflexões paralelas ao tema geral ao qual
se associam: qual o papel do arquiteto na sociedade? o que faz do sujeito um arquiteto?
Sem dúvida, há uma relação de complementariedade entre as proposições ora feitas,
mas entendemos que a ordem de escrita traduz também uma ordem de importância.
A primeira das questões relaciona-se necessariamente à atuação profissional do
arquiteto. Ao propormos discutir o papel do arquiteto na sociedade, pretendemos
alcançar, indiretamente, uma crítica ao exercício desta atividade na contemporaneidade.
A ação exige um sujeito, e aqui reside nosso primeiro desdobramento: quem é o
arquiteto? O senso comum define o arquiteto como um profissional de elite, hábil
responsável pelo desenho de “plantas”. Afirmativas como estas são perceptíveis mesmo
em estudantes que ingressam nos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo
2
, o
que indica uma visão distorcida da profissão. Não cabe aqui indagar sobre os modos de
difusão desta perspectiva sobre a atividade arquitetônica, mas ler o seu significado: a
abrangência limitada da atuação do arquiteto, direcionada a uma glamourosa posição
social calcada na expressão formal “vanguardista”. Em contrapartida, é preciso rediscutir
o sentido da Arquitetura para o indivíduo e para a sociedade.
Considerando que a Arquitetura está para além do desenho, o que, então, difere
o arquiteto do projetista, do elaborador de formas? Este seria um outro desdobramento
da questão inicial, e que nos conduz à segunda inquisição: o que faz do sujeito um
arquiteto, ou como se “constrói” um arquiteto? Talvez seja esta a pergunta que, como
docente, mais frequentemente me faça, em um exercício de reflexão sobre meu papel
diante do propósito de lecionar sobre este campo do conhecimento. Minha preocupação
inicial é, através das disciplinas que leciono – fundamentalmente a História da
Arquitetura – discutir qual construção – de homem e de espaço – a Arquitetura
possibilita, por meio da compreensão de atributos que o espaço deve conter para
compor uma ambiência que permita ao homem habitá-lo, no sentido privado e na
dimensão coletiva.
2
Doravante utilizaremos apenas o termo “Arquitetura” para designar o campo de saber que envolve a Arquitetura
e o Urbanismo, em razão do sentido mais amplo comportado neste termo.
38v
6
Foto oficial tomada quando da nomeação de Sylvio de Vasconcellos para a direção da Escola de
Arquitetura da UMG (1963). Mais tarde, um quadro de linhas abstratas veio a substituir a tradicional
postura, indício das idéias do arquiteto que discutiremos.
39
Poderia aqui discorrer sobre inúmeras indagações que se abrem cotidianamente
em sala de aula, postuladas pelos alunos ou por mim mesma, mas isto ultrapassaria os
objetivos desta introdução em apresentar a tese que ora propomos. A rigor, todas estas
questões, explicitadas ou ocultas, ultrapassam o limite que estas páginas contêm.
Tratam-se de indagações que se originam e se destinam ao nosso exercício docente, e
que terão seu justo momento de aflorar com propriedade, acredito.
Um caso, contudo, exige um olhar acurado. Pressupõe-se que o Brasil – e a
Arquitetura Brasileira – estaria sempre “a reboque” dos movimentos estrangeiros, a
princípio europeus e, após a Segunda Guerra, norte-americanos em sua maioria. Isto
significaria dizer que a produção de idéias e espaços para o edifício e para a cidade, no
Brasil, seriam necessariamente decorrentes das discussões e soluções elaboradas em
“países centrais”, firmando a pressuposição de uma situação “periférica e atrasada”, ou
mesmo da incapacidade dos arquitetos e urbanistas brasileiros refletirem sobre sua
própria realidade, transformando-a positivamente. Em outras palavras, caberia ao
arquiteto brasileiro acompanhar – o mais de perto possível – o desenvolvimento das
novas tecnologias e dos novos repertórios formais em além-mar, e repeti-los
indiscriminadamente, sem que se firme uma posição de destaque ou significação no
cenário internacional. Esta afirmativa – mais freqüente do que se possa imaginar e
alimentada por um ranço conservador nos currículos dos cursos de graduação em
Arquitetura, nos quais o tema no Brasil é limitado a uma mínima carga horária, isolado
dos movimentos de outras partes do globo – exige uma necessária desmistificação, que
traduzimos em um novo rol de indagações: é possível a escrita de uma Arquitetura
Brasileira como um corpo simultaneamente autônomo e integrado a um universo mais
amplo? É possível pensar em interculturalidade, em redes sócio-técnicas, e em
circulação de saberes especializados, constituindo, entre intelectuais, um diálogo na
arquitetura, ou através da arquitetura?
Quem nos responde é Sylvio de Vasconcellos (1916-1979).
Pensar uma autonomia do pensamento e da produção do edifício e da cidade no
Brasil não significa uma opção pelo isolamento ou pela originalidade nativa, em uma
atitude que incorreria ao ufanismo nacionalista. Significa, antes de tudo, compreender o
papel mediador das relações culturais frente a um novo e exógeno desenho,
conformando uma atitude simultaneamente particular e integrada, local e universal. A
esta tessitura, em que a elaboração da trama é dada por alinhavos diversos, ou na qual
o arquiteto-urbanista enseja uma imagem conformada por diversos pictogramas,
tomados de várias fontes, chamaremos, doravante, rede de saberes. Interessa-nos, por
40
meio da História, compreender como os indivíduos tecem esta trama, mergulhando na
obra de Sylvio de Vasconcellos.
40v
7
O tema da família demonstrará ser significativo para a construção do olhar público sobre a Arquitetura
por Sylvio de Vasconcellos. Ali, a idéia de pertencimento se faz associar ao sentido de comunidade.
8
Em “Belo Horizonte no seu tempo de calças curtas” (1980), Vasconcellos aponta para as principais
transformações na paisagem da cidade entre os anos 20 e 50.
9
O advogado, jornalista e escritor, Rodrigo Melo Franco de Andrade, foi o principal responsável pela
indicação de Lucio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas Artes em dezembro de 1930, e
pela criação e consolidação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN),
atuando como articulador da participação de diversos modernistas no órgão, além de ter exercido a
presidência do mesmo desde a fundação, em 1937, até 1968.
41
1.2. Sylvio de Vasconcellos: homem e intelectual
Sylvio de Vasconcellos nasceu a 14 de outubro de 1916. Era o quarto dos sete
filhos do casal Salomão e Branca, uma típica família de classe média urbana da Belo
Horizonte nascente. Os pais, funcionários públicos: a mãe, professora de música da
Escola Normal, o pai, taquígrafo da Câmara Estadual, e historiador diletante, embora
graduado em Direito e Medicina.
Após a formação estudantil primária e ginasial, levada a cabo em instituições
conhecidas, como o Jardim de Infância Delfim Moreira, o Grupo Escolar Afonso Pena e
o Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte; o Ginásio Mineiro, em Barbacena; o Ginásio
Santo Antônio, em São João del Rei; e o Ginásio de Sete Lagoas, Sylvio não ingressa
imediatamente na universidade, trabalhando como escriturário. Somente em 1940, aos
24 anos, inicia o curso de Arquitetura.
Obteve o título de arquiteto em 1944, e de urbanista em 1951, ambos com louvor.
Dois anos depois é aprovado no concurso público para a cátedra de “Arquitetura no
Brasil”, disciplina que havia lecionado como assistente entre 1948 e 1952. A carreira
acadêmica também contou com experiências na Universidade do Chile (1966) e na
Universidade de Brasília (1968), na disciplina de “Teoria da Arquitetura”.
Como acadêmico, exerceu a atividade de pesquisa, impregnada do exemplo
paterno tanto sob o ponto de vista do procedimento metodológico exigido, quanto, e
principalmente, na importância designada pelo professor ao tema do patrimônio histórico
e artístico. Da empreitada voluntária do pai na escrita de “Igrejas de Mariana” participou
Sylvio, ainda que indiretamente: “Pediu-me meu pai que o ajudasse com o negócio de
procurações. Estava cansado delas e queria dedicar-se a pesquisas históricas sobre a
Mariana de sua infância e seus antepassados.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.185).
Apesar de somente ter-se graduado em 1944, já em 1939 trabalhou, a convite de
Rodrigo Mello Franco de Andrade (1898-1969), no Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), assumindo mais tarde o posto de Chefe do Distrito de Minas
Gerais
3
. O tema da memória insere-se definitivamente como norte para sua atuação
profissional.
3
Sua atividade junto a este órgão será analisada no capítulo 6. Contudo, o vasto material – sem qualquer
sistematização e distribuído entre os arquivos da 13ª Superintendência Regional, em Belo Horizonte, e central,
no Rio de Janeiro – de documentos, processos, pareceres, não foram alvo de nossa investigação, por
constituirem pesquisa hercúlea, em especial frente ao rico material disponível nos demais textos.
41v
10
11
Marcel Breuer e Philip Johnson podem ser considerados dois expoentes do Movimento Moderno em
Arquitetura. Breuer tem sua formação e atuação ligadas à Bauhaus, tendo migrado para a Inglaterra
em 1935 e para os Estados Unidos dois anos mais tarde. Na Universidade de Harvard foi professor
de Johnson, quando travou-se uma fiel amizade. O arquiteto norte-americano, por sua vez, é
conhecido na crítica arquitetônica internacional por ter difundido diversos (e contraditórios)
movimentos em Arquitetura através das exposições por ele coordenadas no Modern Museum of Art
(MoMA), em Nova York, instituição da qual foi diretor.
42
A atuação pública consolida-se na participação em entidades de classe, como o
Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção Minas Gerais (IAB/MG), do qual foi presidente
em 1955, e o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHG/MG). Também foi
membro do conselho e atuou como curador do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e
na IV Bienal de Arte de São Paulo – seção Arquitetura, juntamente com Marcel Breuer
(1902-1981) e Philip Johnson (1906-2005), dois referenciais para a arquitetura
modernista. Era membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e da
Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA). No caso do Museu de Arte da
Pampulha (MAP), Sylvio, além de ter participado ativamente dos esforços para a
fundação, atuou também como diretor. A mesma atividade foi exercida junto ao Instituto
Cultural Brasil-Estados Unidos (ICBEU), em Belo Horizonte, entidade para a qual
Vasconcellos projetou o edifício-sede na Rua da Bahia.
Entretanto, é o breve período de atuação na direção da Escola de Arquitetura da
Universidade Federal de Minas Gerais (EAUFMG) que nos interessa
4
. Breve pela
interrupção ligada aos episódios de 1964, em pouco menos de um ano de gestão.
Afastado de suas funções naquela data, Vasconcellos permaneceu um ano no Chile, de
onde retornou para reassumir a docência na Escola de Arquitetura, após ter sido
absolvido do Inquérito Policial Militar. Quanto a nosso interesse no período, justifica-se
na revisão do currículo de Arquitetura proposto, incorporando o Urbanismo à formação,
e no estímulo à prática da pesquisa, ainda incipiente na instituição, da qual resultaram
inúmeras publicações e a organização do Laboratório de Foto-documentação que hoje
leva seu nome.
Sylvio atuaria, ainda, na formação do curso de Arquitetura e Urbanismo da UnB,
como professor e coordenador, durante a gestão do Reitor Caio Benjamin Dias (1913- ),
seu amigo pessoal e antigo cliente. Após a promulgação do Ato Institucional n. 5, é
compulsoriamente aposentado. Contudo, o Ato de 1969 não interrompeu a atividade
pública de Vasconcellos, somente reportou-a a outros horizontes.
Exilado em Washington, prossegue com suas atividades de pesquisa, que não
haviam sido limitadas às fronteiras do país, mesmo antes dos episódios de março de
1964. Vasconcellos era membro da Fundação John Simon Guggenheim e da Fundação
Calouste Gulbenkian
5
. Entre 1964 e 1965, foi arquiteto-associado ao Serviço de
4
A biografia de Sylvio de Vasconcellos traçada na “Revista Vão Livre” informa, equivocadamente, que o
arquiteto foi diretor da Escola de Belas Artes entre 1951 e 1952, quando, na verdade, toma posse em maio de
1963.
5
Cabe, aqui, uma ressalva. Os dados informados em curriculum vitae elaborado por Vasconcellos quando do
encaminhamento para a Cornell University, por solicitação do professor Michael Hugo-Brunt para palestras de
visitantes (documento disponível na Seção Memória, da Biblioteca Rafaello Berti, da Escola de Arquitetura da
42v
12
O ICBEU, projetado por Sylvio de Vasconcellos em 1966, tem como finalidade o ensino, a difusão e o
intercâmbio cultural entre Brasil e Estados Unidos, tendo incorporado em seu programa funcional
diversos espaços públicos, como a galeria e o teatro.
13
A construção do novo edifício da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, segundo
projeto do arquiteto Shakespeare Gomes (1915-?), representou a introdução dos princípios
modernistas nas diversas disciplinas do currículo acadêmico.
14
Sylvio gostava de retratar a cidade que adotou. Presenteou diversos amigos com gravuras da cidade
como esta, onde encontram-se em evidência os monumentos públicos: o Capitólio à esquerda e o
Obelisco à direita, dominando a paisagem horizontalizada.
43
Planejamento Territorial da França, quando atuou no escritório de Bernard Granet
(1925-1981) em projeto para a cidade industrial de Dreux, parte integrante do programa
de descentralização de Paris. Esta atividade parece ter colaborado significativamente
para a mudança de concepção do arquiteto em direção às questões urbanas, conforme
discutiremos. Cabe destacar que em 1966 exerceu, no Chile, o cargo de Chefe da
Unidade de Urbanismo do Centro de Desenvolvimento Econômico e Social para a
América Latina (DESAL), e entre os anos de 1970 e 1973, já radicado nos Estados
Unidos, foi o Coordenador da Região II, Divisão de Desenvolvimento Urbano,
Departamento de Assuntos Sociais e Institucionais da Organização dos Estados
Americanos (OEA), o que denota seu envolvimento com os problemas das cidades, em
especial nos países latino-americanos.
Não recebia o jornal “O Estado de Minas”, embora o tivesse lido na Biblioteca do
Congresso Americano, por curiosidade: “Muitíssimo obrigado pela remessa. Se algum
dia você pensar em repeti-la economise selos excluindo as páginas de pequenos
anúncios. E prefira, se puder, exemplares que contenham artigos meus.”
(VASCONCELLOS, Carta a Pérides Silva, 22.07.75). Alguns foram publicados ex-
tempore, sem que o autor tivesse idéia das razões do atraso – como é o caso do artigo
sobre John Kennedy, publicado dois anos após as comemorações do decenário de sua
morte (artigo não localizado): “Aliás, não é a primeira vez que o “Estado” adia
publicações minhas. Acho que publicam de acordo com as circunstâncias de modo que
há coisas que saem imediatamente e outras que se adiam por anos.”
(VASCONCELLOS, Carta a Pérides Silva, 17.01.76).
Faleceu a 14 de março de 1979, em Washington. Pediu, em carta, para ser
cremado, e ter suas cinzas depositadas junto ao jazigo do pai, em Mariana.
Depoimentos como o da amiga e colega, professora Suzy de Mello (1932-1985),
são significativos para identificarmos Vasconcellos como um intelectual, em que a
atuação pública se reveste de maior significação:
[...] Sylvio era uma personalidade dinâmica, de cultura profunda, de
múltiplos interesses. Nunca tive a oportunidade de lhe dizer mas o
comparava a um renascentista tal a sua capacidade de pesquisar, observar,
criar. Era uma figura do “Quattrocento”, surpreendentemente surgida na
Minas. Conversava e polemizava muito, exigia debates e a partir de
UFMG), teria sido membro da John Simon Guggenheim Foundation, relativo a “Architecture and Planning”;
contudo, os dados publicados na “Revista Vão Livre”, em número comemorativo post-mortem, referem-se à
Solomon Guggenheim Foundation, mais conhecida no meio arquitetônico pelo fomento às artes e construção de
museus ao redor do mundo. Da mesma maneira, o currículo indica que Sylvio foi filiado à Fundação Calouste
Gulbenkian, onde realizou pesquisas em 1965 e 1970, embora não tenhamos encontrado nenhum registro desta
natureza na instituição, quando de nossa pesquisa em 2004.
43v
15
A gama de textos publicados por Sylvio de Vasconcellos fez-se acompanhar, muitas vezes, de
diversas ilustrações de artistas plásticos e chargistas.
44
discussões que levantava articulava novas teorias que desenvolvia em
escritos nos jornais. (MELLO, 1979, p.18).
É na atividade da publicação de crônicas e artigos no jornal “O Estado de Minas”
que, consideramos, a atuação pública alcança uma dimensão mais significativa em sua
obra. Ali, Sylvio não fala a técnicos, colegas ou alunos, mas ao público em geral; o
conteúdo, ainda que corriqueiro – o que um relato sobre uma estúpida disputa entre
beberrões em um bar do meio-oeste norte-americano, levando os dois sujeitos à morte
por coma alcoólico, e ao dono do bar ao suicídio por remorsos, poderia ter a ver com a
Arquitetura? – trata de temas humanos: paixões, medos, relações de trabalho,
isolamento dos indivíduos, respeito às leis. E é na esfera da ação pública que
pretendemos retomar nossas questões iniciais, à luz da experiência e do pensamento
de Sylvio de Vasconcellos.
A rigor, o arquiteto permite-nos reescrever as questões iniciais: como Sylvio
entende o papel do arquiteto na sociedade? como construiu o homem social da
arquitetura modernista? que meios foram utilizados para difundir seu projeto? o que
Sylvio propõe como arquitetura brasileira? Sylvio participou, e como, de uma circulação
de idéias ou rede de saberes?
O corpo do trabalho de Sylvio de Vasconcellos se mostra profundamente
instigante à investigação acadêmica. A amplitude de suas idéias manifesta-se na gama
diversificada de textos que produziu, que vão da crítica de arte à crônica esportiva.
Vasconcellos desenvolveu um vasto campo investigativo, escrevendo sobre a formação
da arquitetura mineira e sobre as novas posturas a serem adotadas, vinculadas ao
Movimento Moderno em Arquitetura. O exercício da atividade projetual fez compor, ao
longo de duas décadas, o amplo quadro (se considerarmos não ser esta sua atuação
principal, e sim a docência) de trinta e oito projetos de edificações institucionais,
religiosas e, principalmente, residenciais.
O conjunto de sua obra – no plano literário e projetivo – exige uma análise
acurada, ainda por executar-se plenamente, como partícipe da postura moderna que
envolveu várias manifestações artísticas. Ou seja, nossa justificativa da escolha do
nome de Vasconcellos, e não um outro arquiteto – vários indivíduos possibilitariam
avançar sobre tais questões – reside na amplitude e diversidade de sua produção, bem
como no relativo ineditismo
6
que comportam. Fundamentalmente, podemos considerar
Sylvio de Vasconcellos o grande autor de Minas Gerais no que diz respeito à
6
Refiro-me aos trabalhos de SOUZA, 1995, LEMOS (org.), 2004 e MALARD, 2005.
45
Arquitetura, capaz de responder às nossas inquietações a respeito do papel do arquiteto
na sociedade, a partir de reflexões sobre a relação com a cultura do lugar.
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1.3. Discussões fundamentais
Se as questões iniciais tocam o tema do papel social do arquiteto e uma reflexão
mais ampla sobre a inserção da Arquitetura Brasileira no cenário mundial, o ponto de
partida para as discussões que regem esta tese consiste na premissa de que a cultura
urbana encontra-se presente no modus vivendi, na apropriação da casa e da cidade, no
estabelecimento das relações entre privado e público. A rigor, pretendemos apontar
quais elementos culturais, individualmente ou mesmo isolados, são aportados por
Vasconcellos para compor um quadro maior, coeso e coerente, e discutir qual a
participação destes na feição geral e por que meios/métodos o arquiteto elabora o
resultado final.
Sylvio de Vasconcellos é um intelectual, e como tal elabora uma ação-projeto e
uma ação-política que conformam, conjuntamente, uma cultura (mineira). O tratamento
particular aqui indicado – a ser explorado de modo mais abrangente na tese – intui que,
para Vasconcellos, a elaboração de um ideário modernista não passa pelo tema do
universalismo, mas da particularização. Logo, para o autor, a cultura local participa da
rede de saberes como elemento constituinte e elemento constituidor, em uma ação
reflexiva significativa para a manutenção das dinâmicas sociais.
Projeto, aqui, não se refere à construção de uma forma, apenas; na verdade,
elabora-se a partir do olhar histórico em que se conjuga a cultura, o cultural, a
sociedade, a economia, a política, a tecnologia construtiva, através da forma. O
arquiteto constrói uma casa, e por meio dela elabora um homem que habita a cidade.
Sylvio é um interlocutor privilegiado, pois se coloca na sociedade em seus textos e
projetos. Como arquiteto, e pela arquitetura, dialoga com o social, explicita uma
experiência nesse lugar, e a tensão fruto da experiência social é que tensiona seus
projetos. Não é, portanto, objeto acabado, mas fruto de uma tensão e de um embate
constante na experiência social. Por meio do projeto, Vasconcellos tenta nos dizer o que
somos, daí a importância da esfera pública de atuação, um meio para a re-
construção/re-afirmação do papel do arquiteto na sociedade.
A definição de uma arquitetura para uma cultural local, brasileira ou mineira, não
passa pela unicidade e homogeneidade pretendida pelo conceito de nação. Antes, deve
considerar a mistura, numa relação explícita e cotidiana, que exige a re-elaboração
(contínua) das “fontes” externas (exógenas) e internas (tradição). Em Vasconcellos, o
que aparentemente poderia sugerir ambigüidade – a adoção de modelos estéticos
46v
16
Argan, nas escadarias das ruínas do templo de Castor e Pólux, no antigo Forum romano. Para o
historiador e crítico de arte, a História é uma disciplina versada ao futuro, no sentido de que as ações
humanas devem conformar-se para a construção de um mundo mais justo, e para tanto o passado é
fonte de reflexão.
17
Neste objeto emblemático, Aldo Rossi (1931-1997) demonstra que o fazer arquitetônico
contemporâneo interage com a História em uma síntese dos elementos do repertório formal clássico
– a coluna, o frontão e o muro – em um novo arranjo espacial.
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vanguardistas em oposição a uma ação/investigação ligada ao patrimônio histórico, por
exemplo – traduz-se em ambivalência: “pesos” ou “fontes” diversas se equiparam e
conformam o projeto a partir de uma nova elaboração.
Para conformar uma cultura que defina e permita compreender a função social do
arquiteto, Sylvio integra-se a uma rede de saberes, na qual atua ativamente, como
receptor e construtor – ou seja, ultrapassa a atitude de reprodução indiscriminada
anteriormente discutida; daí o olhar histórico que pretendemos lançar sobre sua
obra/pensamento, em que o escrutinar sobre o passado mira diretamente o futuro, como
em Giulio Carlo Argan (1909-1992). A participação e a contribuição para a conformação
de uma rede de saberes (especializados), com os fins, símbolos e signos de cada
lugar, constitui um ideário, uma Arquitetura que sai do material, e produz sentido
relacional, dialógico, na medida em que se depara com outras fontes de conhecimento.
Duas outras premissas, apresentadas pelo próprio Vasconcellos, são
significativas para a composição do quadro elaborado pela rede de saberes: a
concepção de tempo e o papel da memória. Para o arquiteto, o tempo é substância
presente, não corresponde ao tempo linear, cronológico, positivista, mas comporta um
sentido/significado, que é construção; portanto, apresenta um sentido/direção de futuro,
permeado pelo sentido/significado do passado, leitura que o arquiteto faz a partir da
memória, lembranças que Sylvio chama e que vão constituindo a ação-projeto.
A idéia de tempo e memória nos conduz à concepção fundamental desta tese: a
Arquitetura é na História, como lemos em “Arquitetura da Cidade” (1995), de Aldo Rossi
(1931-1997), para além da materialidade. Não é somente na origem etimológica que a
Arquitetura faz relacionar matéria e idéia, mas na ação cotidiana do exercício projetual.
Mais uma vez, entendemos que este exercício não corresponde ao limitado traçar de
linhas, mas a concepções mais amplas, que incorporam uma dimensão histórica
igualmente extensa. Alcançar esta dimensão exige, por parte do arquiteto uma profunda
relação humanista com sua cultura e sociedade, com o que nos é próprio, ao mesmo
tempo em que se elabora uma íntegra interação com aquilo que nos é estranho.
48
1.4. Objetivos e objetos de investigação
Propomos, nesta tese, verificar nas fontes primárias – textos acadêmicos, cartas,
memórias, crônicas e casas – os elementos denotadores de uma forma de pensamento
que se expressa como narrativa onde se constrói um sentido íntegro para a Arquitetura,
em que matéria e idéia interagem; daí nosso interesse em analisar o conteúdo cultural
na obra de Vasconcellos. De acordo com o exposto, a tese objetiva estabelecer um
estudo da interpretação das relações conceituais constituintes do ideário proposto por
Vasconcellos, e dos modos de composição de um quadro em que se projetam tais
concepções, buscando compreender a construção da figura do arquiteto.
Pretendemos analisar o diálogo das idéias de Sylvio com possíveis participantes
da rede de saberes. Alguns destes são nominados pelo arquiteto, o que torna a
investigação historiográfica menos laboriosa, como é o caso de Lucio Costa, Oscar
Niemeyer (1907- ), Le Corbusier (1887-1965). Outros, que apresentaremos ao longo do
texto, vão sendo chamados à luz a partir dos textos e projetos de Vasconcellos, em um
processo relacional, dialógico, não explicitado pelo arquiteto, mas que vai sendo trazido
à tona por meio da ação historiográfica. A partir daí poderemos discutir a elaboração de
uma rede de saberes, em que se compartilham idéias, nascidas de expressões locais
diferenciadas. Em síntese, esta tese se propõe desvelar como Sylvio leu, interpretou, e
construiu, por vezes revisando, uma visão particular de modernidade.
Os objetos de investigação são a casa e a cidade. Entendemos que estes
configuram retratos, imagens, projetos de uma cultura que se quer ao mesmo tempo
mineira e brasileira (ou tão mais brasileira quanto mais mineira). Partir do objeto
arquitetônico – sob a forma construída, de projeto ou reflexão pela palavra – significa,
em primeira instância, considerar a formação profissional de nosso interlocutor, mas
sobretudo escolher um lugar da investigação capaz de relatar, simultaneamente, sobre
si mesmo, sobre o indivíduo que o projeta e sobre o homem que o habita.
Interessa-nos identificar o que é, no olhar de Vasconcellos, a casa brasileira. Este
objeto – a residência – envolve sentidos vários: a idéia da construção enquanto matéria,
expressa nas técnicas, tecnologias, materiais, bens, equipamentos e sua relação com a
forma; o abrigo da memória na relação homem-casa, ou como o homem (e que homem
é esse?) está presente na casa. Ao investigar sobre a casa de Vasconcellos,
procuraremos descobrir qual o sentido da habitação envolvido em seus escritos e em
seus projetos. São dois os momentos-casa presentes na obra de Sylvio: a casa do
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século XVIII, alvo de suas investigações acadêmicas e permanência em suas memórias,
e a casa moderna, projeção de um ideário. Na interação entre estes dois momentos
históricos, interessa-nos compreender as relações ambivalentes entre a casa do projeto
e a casa da memória, bem como a vivência do sujeito neste espaço, suas formas de
morar e suas formas de criar.
A cidade, espaço por excelência das relações sociais, é alvo de nossa discussão
na medida que não é um mero somatório de partes individuais. Antes, o tecido que
compõe a cidade pré-existe e subsiste às transformações pelas quais passam os
elementos isolados. Para Vasconcellos, conforme veremos, os princípios funcionalistas
não são suficientes para garantir o sentido coletivo que se deve imprimir sobre a cidade.
O monumento, a referência, alcança, então significativa posição, bem como o indivíduo,
ator neste universo.
50
1.5. Uma aproximação transdisciplinar
Na atualidade, a estanqueidade e o isolamento dos campos de saber, tal como
consolidados pelo cartesianismo, não mais respondem às intenções da ciência
contemporânea, mais interessada nas possibilidades abertas pelas perspectivas
transdisciplinares. Assim sendo, viemos buscar – ou construir – na História respostas às
nossas inquietações, tendo sido as mesmas colocadas no campo da Arquitetura
(também ela incapaz de, isoladamente, me fornecer respostas seguras). Afinal, se a
Arquitetura lida com a matéria, com o substrato, com o plano físico (esta é, sem dúvida,
a grande dificuldade de uma arquiteta que se aventura em outro campo de saber),
inversamente a História transita livremente por valores intangíveis, logo, de difícil
mensuração.
Os limites, as fronteiras – sempre plurais – caracterizam a natureza tensionada
do trabalho do historiador: realidade X representação; narrativa histórica X narrativa
ficcional; passado X presente. “O historiador se instala na fronteira onde a lei de uma
inteligibilidade encontra seu limite como aquilo que deve incessantemente ultrapassar,
deslocando-se, e aquilo que não deixa de encontrar sob outras formas.” (CERTEAU,
2002, p.92).
A prática da História, hoje, corresponde não mais a um sentido evolutivo, mas do
trabalho sobre as descontinuidades. O objeto da História é o particular – daí o retorno às
biografias, à micro-História... – o que não significa um recorte geográfico menor, mas a
investigação que não toca as grandes totalizões, e sim as especificidades do objeto
em questão.
Em que medida a História – particularmente a História da Cultura – nos apontaria
ou permitiria construir respostas a estas indagações que, a princípio, se mostram
pertinentes a um campo de conhecimento tão específico como a Arquitetura? Sandra
Jatahy Pesavento demonstra que as mudanças ocorridas no mundo ao longo das
décadas de 60 e 70 resultaram na “[...] hoje tão comentada crise dos paradigmas
explicativos da realidade, ocasionando rupturas epistemológicas profundas que puseram
em xeque os marcos conceituais dominantes na História.” (PESAVENTO, 2003, p.8).
Em decorrência do fim das certezas normativas, e da crise implantada sobre os modelos
consolidados, a cultura passou a configurar um significativo objeto da História,
concebida “[...] como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos
homens para explicar o mundo.” (PESAVENTO, 2003, p.15). No debruçar-se sobre as
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20
Os projetos de Sylvio de Vasconcellos ainda permeiam a paisagem de Belo Horizonte, e denotam
com clareza a unidade de linguagem e a re-elaboração de alguns dos princípios modernistas, tema
que discutiremos ao longo deste texto.
51
representações, discursivas ou imagéticas, e sobre a expressão do mundo pelo homem,
a História Cultural abriu a outros campos de conhecimento, como a Arquitetura, uma
possibilidade nova de investigação. E é nesta fronteira tênue entre os saberes que
pretendo fazer situar as reflexões anteriormente apontadas.
De certa maneira, a crise sentida no campo da História permeou, ainda, outras
áreas de conhecimento, manifestada em discussões epistemológicas mais amplas. Isto
implicou, na elaboração deste trabalho, em um mergulho em práticas metodológicas
abertas à transdisciplinariedade, o que se justificava no problema anteriormente posto
entre História e Arquitetura. A rigor, foi necessário elaborar uma estratégia de
aproximação entre as duas disciplinas, em que os conteúdos e abordagens particulares,
próprios de cada um, pudessem compor um quadro uno, coeso, mas ao mesmo tempo
disponível à contribuição de outras disciplinas.
A princípio, a leitura dos textos de Vasconcellos – e mesmo as análises
arquitetônicas de edifícios conhecidos, especialmente em Belo Horizonte, como o
Edifício Mape (1958), a sede do ICBEU (1966), a capela do Colégio Izabela Hendrix
(1957), o antigo Diretório Central dos Estudantes da UFMG (1953), superficiais posto
que originalmente não fariam parte de nossa investigação – indicava uma filiação direta
ao modernismo carioca e francês, leia-se sob a influência de Lucio Costa e Le
Corbusier, bem como das curvas de Niemeyer. Contudo, paulatinamente, o
prosseguimento da pesquisa indicou uma complexidade muito maior do que se
supunha, e foi possível perceber o sentido humanista em Sylvio de Vasconcellos,
conforme apontado por Suzy de Mello (1979). Os modelos de interpretação até então
adotados logo mostraram-se insuficientes para lidar com as diversas perspectivas
abertas pelo arquiteto: os espaços significativos da casa, o tema da memória, a
modernização por meio do transporte público, as novas tecnologias construtivas e a
possibilidade de sua adaptação à realidade brasileira, as vanguardas artísticas, o
mineiro. Isto ampliava, e muito, o problema originalmente posto, a interpretação e a
construção de um ideário modernista por Sylvio de Vasconcellos, somente para
sintetizar o tema geral oferecido ao Programa de Pós-graduação em História da UFMG,
e exigia o redesenho dos objetivos e objetos da tese e a elaboração de uma nova
perspectiva de abordagem frente as idéias e projetos deste intelectual.
Nosso problema original foi, então, reescrito para assumir os questionamentos
aqui anteriormente levantados – a discussão sobre o papel do arquiteto e sua formação
–, o que exigiu um necessário desdobramento reflexivo sobre os objetos da Arquitetura,
a casa e a cidade, locus da vida do homem. Contudo, compreender como se deu o
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52
processo de elaboração, pelo arquiteto, de um ideário e de uma matéria capazes de
responder à cultura local e, simultaneamente, conectar-se aos movimentos de seu
tempo, continuava um problema sem solução.
Foi necessário investigar/construir uma linha de abordagem que, por si só,
tomava a interdisciplinariedade como ponto de partida, pois esta circunstância punha-se
de pronto entre Arquitetura, História e outros campos de saber apontados por nosso
interlocutor. Exigia-se uma estratégia de interpretação, em uma deliberada atitude de
recusa a um “método”, em parte por este termo conectar-se à postura cartesiana, em
parte por entendermos ser necessária uma construção “infinita” para a interpretação das
idéias de Vasconcellos, em que novos elementos podem vir a ser incorporados a cada
texto ou elemento de conexão emergentes das leituras.
Desta forma, tornou-se necessário ler não apenas nos textos e projetos a
elaboração do ideário modernista por Vasconcellos, mas incorporar fontes diversas,
surgidas de outros momentos históricos e locus, escritas por outras personagens, com
outros fins e problemas. De súbito, tínhamos diante de nós uma complexa trama
relacional, na qual os elementos teciam conexões não-diretas, por vezes pouco
evidentes ou explícitas. Cada nó da trama constituía em si mesmo um ponto de partida
e, ao mesmo tempo, no todo, um elemento relacional, tendo sido originado por outro
elemento referencial. Isto gerou uma figura que se assemelhava a teias sobrepostas, e a
estes cruzamentos relacionais, onde cada elemento integrado à trama é também sua
própria origem, denominamos rede de saberes.
O conceito que buscamos elaborar – rede de saberes – tem origem nas
discussões epistemológicas lançadas por Boaventura de Sousa Santos em
“Conhecimento prudente para uma vida decente: ‘Um discurso sobre as ciências’
revisitado” (2004). Ali, diversos autores, a partir do convite e da organização de Santos,
dispõem-se a avaliar o papel da ciência positivista no mundo contemporâneo, e alguns
dos textos foram reveladores para a elaboração do conceito-meta, tais como João
Arriscado Nunes, Immanuel Wallerstein, Roberto Follari, Maria da Conceição Ruivo, Luis
E. Mora-Osejo e Orlando Fals Borda, e o próprio Boaventura de Sousa Santos.
Fundamentalmente, interessou-nos o conceito de tradução, disposto especificamente
pelo organizador: “[...] um procedimento capaz de criar uma inteligibilidade mútua entre
experiências possíveis e disponíveis sem destruir a sua identidade.” (SANTOS, 2004,
p.779).
A concepção epistemológica ali discutida permitiu uma aproximação com nosso
tema de estudo e a rede de saberes passou a configurar um procedimento adotado
53
para a compreensão da obra do arquiteto em que as diversas fontes disponíveis são
elaboradas de modo não-linear e causal, mas “aleatório
7
e acumulativo. Ou seja, o
processo de elaboração de um texto ou de um projeto arquitetônico – assim como o de
formação do próprio arquiteto – não se fundamenta na relação enunciador/receptor, mas
compõe-se de uma infinitude de elementos, em que a autonomia original é preservada,
embora se evidencie a coesão do resultado final. Assim, por meio da idéia de uma rede
de saberes, foi possível alcançar uma reflexão sobre o espaço e sobre o arquiteto,
respondendo às nossas perguntas iniciais.
O diálogo estabelecido por Vasconcellos se dá com temas, problemas e nomes
que ultrapassam tanto o momento cronológico vivido por nosso interlocutor, em ação
interativa com outros momentos históricos, como a disciplina em questão, avançando
para outros campos de saber, sempre com fins de resgatar temas atemporais para o
campo da Arquitetura. Discutir temas clássicos, como o problema da proporção ou a
dimensão estética da Arquitetura, que remontam mesmo à Antiguidade, não
corresponde, o contexto da rede de saberes, a uma prática historicista, mas à
composição da trama que ganha dimensão histórica mais ampla.
São ainda significativas as fontes de entendimento da tessitura da memória por
meio do cruzamento de tempos e das releituras de si mesmo, em que se costuram duas
(ou mais) partes, estruturando o “tornar ambivalente”. Nesta leitura, encontraremos,
certamente, tensões, estranhamentos, mas também encantamentos, significativos para
a composição do sentido de Arquitetura.
A fonte de investigação reside, inicialmente, nos textos. O vasto repertório teórico
composto pelos textos de Vasconcellos – depoimentos sobre os postulados da
arquitetura moderna, a arte contemporânea em seu tempo, a formação do IPHAN, a
arquitetura colonial mineira, a caracterização das cidades e o turismo, o cotidiano na
“Belô”, dentre tantos outros – configura importante fonte de análise. Desta forma,
propomos a análise da vasta obra literária deste intelectual, a maior parte dela publicada
em periódicos, especializados ou cotidianos, mas ainda carente de uma sistematização
(embora já levantada), e a investigação de como o sentido de Arquitetura transcreveu-se
a partir do olhar deste sujeito.
Uma leitura inicial dos escritos do arquiteto nos permite categorizá-los em cinco
grupos: textos sobre História da Arte, da Arquitetura e do Urbanismo, onde se compõe
um quadro evolutivo da Arte Mineira, em especial do setecentos; críticas e manifestos,
7
O termo “aleatório” é aqui empregado tão somente para contrapor-se a uma metodologia sistemática e
seqüencial, em que princípio, meio e fim ordenam-se a partir de relações de causa-efeito.
54
onde particularmente Vasconcellos expõe os conceitos modernos que fundamentaram
sua obra, criticando o fazer arquitetônico, inclusive no exterior; crônicas sobre o
cotidiano da cidade; textos sobre o patrimônio, onde descreve Belo Horizonte e outras
paisagens mineiras; cartas, trocadas com diversos intelectuais brasileiros, onde expôe,
do exílio, suas idéias e argumentações; e, especialmente, suas memórias.
Lembramos que grande parte dos elementos a serem recolhidos como fonte
primária já se encontram publicados, mas não organizados, o que não nos exime a uma
busca avançada de documentos junto a amigos como Paulo Augusto Gomes e Pérides
Silva.
O procedimento metodológico envolveu, ainda, a análise de alguns dos projetos
de Vasconcellos, como forma de verificar a pertinência do discurso presente nos textos
na obra construída. Mas é preciso apontar que a análise da obra arquitetônica de Sylvio
de Vasconcellos será empreendida no sentido de buscar traçar um quadro da
elaboração do ideário proposto. Ou seja, não se pretende avaliar o projeto físico por si
só – o que nossa formação profissional de arquiteta-urbanista poderia indicar – mas
tomar o edifício como um documento, capaz de revelar, tanto quanto a palavra, o
pensamento. Para tanto, serão investigados alguns projetos residenciais, pois
entendemos que esta tipologia, mais do que os projetos institucionais, possibilita uma
elucidação tanto das idéias modernistas inicialmente assumidas por Sylvio quanto, e
principalmente, do procedimento de tradução por ele elaborado. Incorporar o objeto
arquitetônico na discussão da História significa fazer o espaço arquitetônico construído
falar. Neste procedimento, em parte nos será exigido o instrumental de entendimento do
objeto arquitetônico, ou seja, fotografias, imagens tridimensionais e desenhos técnicos
serão suportes importantes na interpretação do sentido dado pelo arquiteto ao espaço.
Do mesmo modo, o texto escrito compõe a reflexão e a expressão de um projeto,
muitas vezes não edificado, e nos permite também ler para além da palavra. Torna-se
significativa a análise da natureza, do conteúdo, do suporte e do modo de comunicação
presentes neste tipo de substrato.
Em ambos, projetos e escritos, interessa-nos o reconhecimento de um diálogo
entre saberes na medida em que dialogar com os outros significa demonstrar
especificidades próprias e circularidades culturais.
Ainda como parte da metodologia de aproximação às idéias do arquiteto, foi
extremamente relevante uma viagem de estudos a Portugal, mais precisamente à
Fundação Calouste Gulbenkian, da qual o arquiteto foi bolsista nos anos de 1965 e
1970. Em sua primeira estadia, ainda professor de Arquitetura Brasileira na EAUFMG,
54v
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Sylvio buscou pesquisar as origens da arquitetura colonial mineira; mas foi a redação de
“Mineiridade” (1969) sua maior realização naquele período. A viagem de estudos a
Portugal foi realizada entre outubro de 2004 e janeiro de 2005, tendo sido visitados
lugares descritos por Vasconcellos, em especial a região norte. Contudo, nossa visita à
Fundação Calouste Gulbenkian não produziu os resultados esperados: não foi possível
localizar, junto àquela instituição, nenhum registro ou relatório de atividades em nome
de Sylvio de Vasconcellos. Isto exigiu uma reflexão comparativa nossa, ou seja, a partir
das leituras de seus textos sobre a Arte e a Arquitetura no Brasil e em Portugal, e das
viagens que pudemos realizar aos possíveis marcos arquitetônicos visitados por Sylvio
nas duas ocasiões, confrontar impressões e idéias.
56
1.6. Organização do texto
O texto se organiza em duas partes fundamentais: a primeira revela o olhar de
Sylvio sobre os objetos da Arquitetura, a casa e a cidade, indicando a elaboração da
rede de saberes, enquanto a segunda procura debater sobre os elementos que
consideramos fundantes para a sua elaboração de uma idéia sobre a Arquitetura, em
especial o tema da memória e o sentido público deste campo de saber, retomando a
discussão matéria-idéia. A rigor, partiremos do objeto físico, para nele buscarmos,
enquanto documento, a dimensão da Arquitetura que se encontra para além da forma.
A parte I – “Um Mundo de Traços Modernos: construção e re-construção”
compõe-se de capítulos seriados, organizados em duas “duplas”, ordenados segundo a
visão e a revisão do arquiteto sobre os princípios da arquitetura modernista. Deste
modo, o terceiro e o quinto capítulos apresentam discussões elaboradas por
Vasconcellos sobre os temas presentes no segundo e quarto capítulos,
respectivamente, denotando a releitura elaborada pelo próprio arquiteto sobre a casa e
a cidade. Neles, os postulados modernistas principais – “a casa é uma máquina de
morar” e “habitar, circular, trabalhar, recrear” – são conscientemente re-desenhados
e/ou re-escritos, em favor de uma relação mais aproximada com a cultura do lugar. Ao
longo de cada capítulo, faremos inserções de imagens – a que chamamos “pontos da
rede” – que consideramos significativas para o entendimento dos conteúdos. Estas
compõem não um quadro meramente ilustrativo, mas um procedimento de análise
(visual) que tece uma trama paralela, e sobretudo complementar, à análise presente na
escrita. Por meio das referências contidas nos “pontos da rede”, pretendemos proceder
a uma desconstrução paulatina do modelo cartesiano/causal, apresentado nos capítulos
II e IV, como se o próprio Vasconcellos fosse submergindo nesta trama paralela, para
tecer sua própria rede relacional, evidenciada nos capítulos em que se demonstra esta
revisão.
O segundo capítulo – “A casa é uma máquina de morar” – demonstra a fiel
atitude de Vasconcellos em relação ao espaço residencial, aqui, assim como na tradição
arquitetônica modernista, tomado como ícone referencial dos valores que impregnaram
a arquitetura entre os anos 20 e 50. Discutiremos, por meio dos textos de Sylvio, o modo
como a estética vinculada ao Ecletismo foi encarada pelas personagens/personalidades
do pioneiro Movimento Moderno em Arquitetura, por vezes assumindo uma perspectiva
limitada. O modelo formal prescrito associa vanguardismo, funcionalismo e o princípio
57
da verdade estrutural, ou seja, o papel da técnica e da tecnologia. Somente um objeto
arquitetônico – neste caso, a moradia unifamiliar – que reunisse tais adjetivos seria
capaz de denotar o espírito moderno.
A primeira releitura, presente no capítulo 3, vê Sylvio indagar: a casa é uma
máquina de morar? A varanda e o quintal, bem como a cozinha, são lugares essenciais
nesta discussão. Por meio de alguns projetos residenciais de Vasconcellos – aqui
apresentados de modo seletivo e sucinto – procuramos responder à questão posta,
discutindo o conceito heideggeriano de “habitar”.
O segundo binômio de construção-reconstrução avalia o tema da cidade. No
capítulo 4 – “Mundo em transformação aos olhos do menino Sylvio” – buscaremos
discutir o lema “habitar, circular, trabalhar, recrear”, adotado no IV Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado em Atenas em 1933, sob a
liderança de Le Corbusier, e apresentar, novamente sob o olhar do menino Sylvio, as
transformações ocorridas na Belo Horizonte dos anos 20 e 30. Os temas adjacentes são
a circulação, o lazer (a partir da contraposição entre a imagem do Parque Municipal e da
avenida Afonso Pena), o espaço urbano, e nos conduzem a reflexões sobre a cultura
urbana e a idéia de metrópole traçados por Vasconcellos em seu olhar sobre a
densidade, a infra-estrutura, a velocidade, a mobilidade, a tecnologia, o cinema.
Para apresentar as revisões de Vasconcellos sobre o objeto-cidade, tomamos de
empréstimo o título do livro de Jane Jacobs (1916-2006), “Morte e vida de grandes
cidades”, de 1961, por ter apresentado um novo olhar sobre as metrópoles. A escolha
recai, ainda, nas referências feitas por Sylvio ao livro, em alguns de seus artigos
publicados no jornal “O Estado de Minas”, indicando ter o arquiteto tido contato com seu
conteúdo, e com ele concordado. Enquanto a segunda parte do capítulo trata deste
“paralelismo”, a primeira retoma, a partir das memórias do autor, um vagar pela cidade,
onde pretendemos compor aquilo que denominamos “nova flanêrie”.
A parte II – “Arquitetura para Além da Forma” – conjuga três capítulos. O capítulo
6, “Como se constrói um arquiteto?”, resgata a questão da formação profissional,
discutindo, por meio de aprendizados, hábitos e atividades do arquiteto-urbanista Sylvio
de Vasconcellos. Na seção “Aprendizado, um estalo por dentro”, o texto se configura
genericamente de modo mais linear, cronológico, em razão da necessidade de apontar
para as transformações vivenciadas por Sylvio no que diz respeito ao tema. O
aprendizado, de disciplina, passa a investigativo, incorrendo em importantes
considerações sobre a formação do arquiteto-urbanista, tema da seção seguinte.
58
O capítulo 7 retoma a questão inicial, referente ao papel social do arquiteto.
“Bene beateque vivendum” é o lema de Leon Battista Alberti (1404-1472), jurista
florentino do final do Quattrocento, autor de alguns dos mais significativos projetos de
arquitetura do Renascimento. O paralelismo é intencional: Sylvio é também um
humanista. Neste sentido, temas como família, sociedade e pertencimento são latentes
em sua obra, na qual podemos também ver aflorar a condição de inferioridade do negro
e da prostituta, aqui tomados como referenciais para uma discussão sobre a sociedade.
Enfim, pretendemos discutir o conceito de sentido público na Arquitetura, em que a ética
e a política permitem ultrapassar os limites da forma.
O último capítulo – “Tempo sempre presente”, título do manuscrito das memórias
do arquiteto – investiga o tema da memória. Consideramos necessário “isolar” este tema
para uma melhor elucidação das discussões a serem apresentadas no último capítulo.
Aqui, as referências sobre o ambiente – da casa e da cidade, presentes na parte I –
serão relidas a partir dos conceitos de lembrança, esquecimento e ficção, tão caros a
autores como Jacques Le Goff (1984), Antonio Mitre (2003), Carlo Ginzburg (1991),
Roger Chartier (1990). O título do manuscrito indica que, para Sylvio, passado e devir
estão no presente, em um (in)consciente movimento de contração/expansão, vigoroso o
suficiente para alimentar o procedimento de construção/re-construção dos objetos da
Arquitetura.
PARTE I
UM MUNDO DE TRAÇOS MODERNOS:
CONSTRUÇÃO E RE-CONSTRUÇÃO
CAPÍTULO 2
“A CASA É UMA MÁQUINA DE MORAR”
60v
23
A atitude reflexiva de Le Corbusier presente na imagem é reforçada pelos pesados óculos de aros
redondos em casco de tartaruga, marca-registrada que será adotada por diversos arquitetos – como
Philip Johnson e Ieoh Ming Pei (1917- ) – em substituição ao aristocrático pince-nez. Ao fundo, o
desenho do modulor, sistema de medidas e proporções elaborado por Le Corbusier, baseado no
corpo humano.
24
Capa da primeira edição francesa do texto (1923) que se tornaria o mais significativo e difundido
manifesto da Arquitetura Moderna. A despeito da linguagem gráfica ainda simples, a vertiginosa
imagem do saguão de um navio (uma das máquinas destacadas no texto para servir de referência ao
trabalho do arquiteto) indica o sentido de futuro a ser conquistado.
61
Uma grande época começa.
Um espírito novo existe.
Existe uma multidão de obras de espírito novo; são encontradas sobretudo
na produção industrial.
Os hábitos sufocam a arquitetura.
Os “estilos” são uma mentira.
O estilo é uma unidade de princípios que anima todas as obras de uma
época e que resulta de um estado de espírito caracterizado.
Nossa época fixa cada dia seu estilo.
Nossos olhos, infelizmente, não sabem discerni-lo ainda. (LE CORBUSIER,
1994, p.xxx-xxxi).
As duas metades da natureza:
Natureza ao alcance dos sentidos e do engenho – artesanato, natureza ao
alcance da mão; prevalece o sentimento (predomínio das artes).
Natureza ao alcance da inteligência e da ciência – tecnologia, natureza ao
alcance do intelecto; prevalece o raciocínio (predomínio das ciências).
Sempre coexistiram e continuarão a coexistir (questão de dosagem).
(COSTA (org.), 2000, p.23; grifos do autor).
Estamos no limiar de um novo estilo que vem reatar a evolução
interrompida. Temos agora a casa do Doutor Pedro Aleixo, o Iate, o cassino,
a Casa do Baile, a querida igreja de São Francisco da Pampulha, a casa do
Doutor João Pádua, temos Niemeyer conosco. Temos já outros arquitetos
de pulso, temos o início da compreensão pública, a arte respira de novo e
continua seu caminho após a grande sufocação que sofreu.
A arquitetura renasce! (VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da
arquitetura civil em Minas Gerais IV, 1947, p.81).
Charles-Édouard Jeanneret, mundialmente conhecido por seu pseudônimo, Le
Corbusier. Artista plástico franco-suíço, radicado na França, é considerado, juntamente
com Frank Lloyd Wright (1867-1959) e Walter Gropius (1883-1969), um dos pioneiros da
arquitetura modernista. Em 1923, publica “Vers une architecture”. O livro rapidamente
transforma-se em “manifesto” do Movimento Moderno. O sentido, impresso pelo título –
consideramos que a tradução para o português, “Por uma arquitetura”,
desafortunadamente retira-lhe a significação – é de futuro, algo em direção a que se
deve urgentemente caminhar. Ao homem novo, um novo habitat. Essa era a exigência.
Lucio Costa. Arquiteto e urbanista carioca, autor do projeto do Plano Piloto de
Brasília (1957), e do edifício-sede do MEC (1937), no Rio de Janeiro. Em 1931, após
uma frustrada tentativa de reformulação do currículo da Escola Nacional de Belas Artes
(ENBA), retira-se definitivamente das frentes acadêmicas/academicistas e passa a
concentrar esforços na elaboração dos princípios da arquitetura modernista no Brasil.
Ao brasileiro novo, um novo habitat. Essa era a exigência.
Sylvio de Vasconcellos. Arquiteto e urbanista mineiro, é o retrato da
intelectualidade modernista mineira. Mais conhecido em pequeno círculo intelectual
61v
25
Doutor Lucio, em seu apartamento no Leblon. O ambiente que o cerca demonstra que a atitude
intelectual permeou o trabalho deste indivíduo, permitindo a postura mista de autoridade e serenidade
retratada.
26
27
Dois emblemáticos projetos de Lucio Costa, a sede do Ministério da Educação e Saúde (1937) e o
Plano Piloto de Brasília (1957) definiram as bases da Arquitetura e do Urbanismo modernista no
Brasil.
62
local, a despeito da intensa produção literária e arquitetônica, traduziu para as Minas os
conceitos da nova arquitetura. Ao mineiro novo, um novo habitat. Essa era a exigência.
A despeito das diferenças que estas pequenas biografias poderiam revelar, o que
nos dizem estes homens e o que os une como sujeitos da modernidade?
Há um tom de manifesto em cada uma destas falas, expresso não apenas na
exaltação presente nas conclusões das sentenças mas, sobretudo, no espírito de
síntese que comportam. A afirmação apoteótica contida em Vasconcellos – “A
arquitetura renasce!” – nos permite compreender que, para os modernistas, o sentido de
futuro reanima uma arquitetura considerada morta, de hábitos sufocantes, como lemos
em Le Corbusier.
62v
28
A arquitetura institucional implantada pela Comissão Construtora da Nova Capital, a partir de 1894,
fez estabelecer o gosto pela linguagem eclética como signo da modernização e da república nova,
aqui representada pela Secretaria das Finanças.
29
O movimento Neocolonial teve ampla repercussão em Belo Horizonte nos anos 30 e 40,
demonstrando, de certa forma, o conservadorismo vigente, uma vez que neste mesmo período as
bases do movimento moderno já haviam sido estabelecidas no Brasil com a construção do MEC e do
conjunto arquitetônico da Pampulha (1942).
63
2.1. Crítica ao ecletismo e atitude vanguardista
A elaboração de uma nova arquitetura, visível na estética que a compõe,
constrói-se, a princípio, pela desconstrução de outra. Para esta tarefa contribuem tanto
os projetos arquitetônicos de formas arrojadas como as palavras. Assim, os manifestos
põem-se de pronto a elaborar uma atitude de depreciação das formas consideradas
incompatíveis com os novos tempos; leia-se, o Ecletismo.
Para Vasconcellos, a face arquitetônica de Belo Horizonte, desde a inauguração
da capital até, pelo menos, o início dos anos 50, correspondeu a uma enxurrada de
elementos e estilemas retirados do passado, muitas vezes conjugados aleatoriamente,
segundo o sabor popular: “[...] uma avalanche de influências exóticas [...]”
(VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em Minas Gerais I,
1946, p.30) ou “[...] loucura desenfreada [...]” (VASCONCELLOS, Contribuição para o
estudo da arquitetura civil em Minas Gerais II, 1946, p.42). Desta forma, aos palacetes e
edifícios públicos da nova capital, construídos à moda francesa – também criticados por
Sylvio –, foram sucedendo edificações menos nobres, que incorporavam a linguagem de
maneira desmesurada – ora em excesso, ora desrespeitando as boas regras da
arquitetura: “Veremos então a eclosão da arquitetura “vignolesca”, acrescentada dos
vários modos dos estilos consagrados posteriores, como sejam o “renascença”, o “Luiz
isto e aquilo”, quase todos modificados pelo espírito francês com seu grande apego ao
classicismo.” (VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em
Minas Gerais IV, 1947, p.79).
Quando o Neocolonial, nos anos 20 e 30 – note-se a concomitância com as
primeiras manifestações arquitetônicas modernistas no Rio de Janeiro e em São Paulo
alcança Belo Horizonte, Sylvio de Vasconcellos só tem a lamentar. E a criticar:
Transplantando para a casa formas de monumentos, chafarizes
principalmente, detalhes de igrejas, etc. e decorando-a com elementos
também retirados de lugares muito diferentes daqueles onde foram
aplicados, nada pior se poderia conseguir e nada mais deprimente para a
nossa arquitetura colonial de fato. No caso típico fizeram do chafariz um
lado da casa: onde havia a inscrição colocaram almofadas de azulejos,
onde havia a carranca de boca aberta para a água puseram a janela, do
tanque fizeram jardineira para flores e as mesmas pinhas e conchas
colocaram encimando a platibanda. De lado abre-se a varanda com arco ou
a chamada “curva colonial”, porém, sustentado por colunas às vezes torsas
e de capitéis exóticos inspiradas (mal-inspiração) nas colunas de altares.
63v
30
Desde o Renascimento, os tratados de Arquitetura, inspirados no “De architectura libri decem” de
Vitruvio, preocupavam-se em fazer discernir as boas regras de proporção, tendo como referência as
ordens clássicas – aqui representadas pelas colunas e arquitraves de estilo toscano, dórico, jônico,
coríntio e compósito.
31
Os diagramas denotam o efeito de popularização descrito por Fernando Lara em “Popular
modernism: na analysis of the acceptance of modern architecture in 1950s Brazil” (2001), e explicitam
a organização das fachadas das residências belorizontinas de classe média, no período, em que o
repertório modernista – telhado borboleta, mosaicos, cobogós, colunas em “V” – são livremente
aplicados a volumes tradicionais, ou seja, em que a organização entre os setores social, íntimo e de
serviços permanece inalterada.
64
Estava aí o “neocolonial” que se esparramou pelas cidades (Belo Horizonte,
coitada) e outras, antecipando o missões, o californiano, o mi casita.
(VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em
Minas Gerais II, 1946, p.47-48).
Contudo, a “popularização” da linguagem, motivo da depreciação do Ecletismo
por Vasconcellos, também é percebida em outros momentos da história, conforme relato
do próprio autor em sua tese para a cátedra de “Arquitetura no Brasil”:
O estilo, tão apegado às decorações, às ousadias, aos requintes se exprime
caracteristicamente nos monumentos religiosos mas, também, se extravasa
com naturalidade, espontâneo, não no comportamento das fachadas, de
linhas despretenciosas, mas nas soluções estruturais, no desapego ao
formal, ao estático, na conjugação dos volumes e na comunhão variada de
seus grupos residenciais, agenciados na povoação linear, com um caráter
eminentemente dinâmico.
[...]
Regras empíricas, na maioria codificadas no Renascimento, ordenando a
composição arquitetônica em obediência aos quadrados, aos retângulos por
eles gerados, ao paralelismo das diagonais, à relação numérica das várias
dimensões dos planos e volumes, às propriedades das linhas horizontais,
verticais, oblíquas ou curvas, etc., não deixaram de fazer-se presentes com
maior ênfase nas edificações de maior vulto mas, também, por reflexo, na
arquitetura residencial. E enquanto as frentes das casas que cordeiam as
vias públicas, de certo modo se aprumam, se formalizam, arrumadas, para o
interior, os fundos se esparramam num à vontade típico, ajeitando-se como
podem à difícil topografia local, resolvendo com franqueza, e naturalidade
os seus programas, orgânicos e funcionais. [...]
É, pois, da aparente desordem, da variedade, fruto da pobreza, das modas
sucessivas, dos arranjos, da diversidade de tratamento e desigualdade na
conservação dos trechos, que resultou a fisionomia do lugar, [...].
(VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.160-161).
O extravasamento do qual nos fala o arquiteto correspondeu a uma livre
interpretação, por parte dos artesãos e artífices mineiros, das regras de composição
empregadas na Europa desde o século XV. Se por um lado esta interpretação popular
denota a inexistência de academias para a formação de mão-de-obra erudita, por outro
lado – e é este fato que interessa ao modernista Sylvio de Vasconcellos
8
– indica uma
liberdade de expressão que encontrou na empiria a solução tecnicamente adequada e,
sobretudo, plasticamente ideal.
O mesmo efeito de “popularização”, descrito por Lara (2001), ocorreu em relação
ao Movimento Moderno, indicando que uma maior repercussão ou alcance de um
movimento corresponde a uma maior liberdade no emprego das formas quando
8
Veremos adiante, ainda neste capítulo e em especial na seção 7.2, as motivações para esta “exaltação” por
parte do arquiteto.
64v
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33
65
adotadas como gosto vigente. Também neste caso, o procedimento adotado não
escapa às críticas de Vasconcellos que entende que a solução arquitetônica deve surgir
de uma síntese entre a função, a técnica e a plástica, e nunca desta isoladamente. Ou
seja, a repetição gratuita de elementos desenvolvidos pelos modernistas – pilar em “V”,
telhado borboleta, pilotis, curvas – transforma os mesmos em estilemas, diminuindo-os.
É preciso, contudo, destacar que o arquiteto, ao longo de sua carreira, revisa as
críticas ao Ecletismo, e passa a considerá-lo “digno” de preservação. Nota-se, no texto
de 1974, uma mudança na postura frente ao estilo:
A tendência agora é valorizar o passado. Contudo, só consideramos
“passado” o anterior a 1800. Parece que um século e meio, ou dois, é nosso
padrão de tempo na escala das antiguidades. Século XIX é ainda uma
classificação quase pejorativa; coisas do princípio do século em curso não
passam de trastes velhos. Da arquitetura correspondente nem se fale, meu
Deus; que horror!
Quando chegar o século XXI (bem próximo, aliás), perguntarão nossos
pósteros aflitos: onde estão as construções dos séculos XIX e XX? Que
houve no Brasil neste período que não deixou pegada? Por que
estranha razão sobreviveram os conjuntos coloniais e desapareceram todos
os traços materiais dos séculos dezenove e vinte? Mistério, amigo, profundo
mistério. (VASCONCELLOS, Olhe esta foto, 1974, p.1, grifos do autor).
De certa forma, Sylvio antecipa a revisão sobre os objetos de preservação,
apenas implementada nos anos 80. Mas cabe a ressalva de que não elogia o estilo –
salvo no trecho em que, jocosamente, assume como sua (e não foram, décadas antes?)
as palavras dos críticos ao Ecletismo –, mas indaga sobre o hiato temporal possível
entre as manifestações consideradas autênticas. Preocupa-se com o aniquilamento, não
com a ruína, como se necessário fosse, por oposição, deixar intacto o vestígio de uma
era superada. Pelo modernismo, claro.
Por isso mesmo, sua crítica ao emprego – entendido como gratuito – das formas
do passado pelos arquitetos adeptos do chamado “pós-modernismo” a partir dos anos
70 é tão ácida. Na concepção de Vasconcellos, é descabida a postura de Philip Johnson
sobretudo em razão de sua relação com os modernistas no segundo pós-Guerra.
Tudo é moderno nos Estados Unidos. Não há país mais prafrentex, mais
amante das novidades, de invenções, de antecipações do futuro. Cada ano
modelos novos de automóveis aparecem. A comida é moderna, a roupa, as
canetas, a escultura e a pintura. Tudo; menos a arquitetura.
Tudo nos Estados Unidos é funcional. [...] Tudo funciona: desde o abridor
de latas até o ar condicionado. Tudo; menos a arquitetura.
De fato esta exclusão de arquitetura do processo evolutivo que informa
todas as demais criações humanas, no século XX, não acontece só nos
65v
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35
O edifício-sede da AT&T (1984), em Nova York, marcou profundamente a arquitetura da década de
80, sendo considerado um dos ícones do movimento pós-moderno em Arquitetura. Embora o edifício
tenha incorporado uma série de espaços inovadores, como a criação de amplos saguões conectados
à via pública e a utilização dos interiores das quadras – elementos que justificaram a sua inscrição na
lista de “edifícios humanizados” da Prefeitura de Nova York – a crítica de Vasconcellos é
notoriamente estética.
66
Estados Unidos. Se excluirmos as desesperadas e descontinuadas
tentativas de um pequeno grupo de arquitetos, como Corbusier, Mies,
Gropius e Niemeyer, a arquitetura de nosso século continua apegada a
conceitos velhos, à solução plástica da antiguidade, às sugestões históricas
de cada país. Haja vista, no Brasil, a permanente preferência pelo bastardo
e suposto estilo neocolonial.
[...]
É um mistério: quanto mais um país se mostra progressista, mais sua
arquitetura se apresenta retrógrada, sem que sociólogos e entendidos na
matéria expliquem a esdrúxula circunstância.
Será que a arquitetura moderna não alcançou expressar em seu campo as
necessidades do homem moderno? Será que se impôs como uma espécie
de compensação pela avalanche de novidades?
[...]
Agora acaba de acontecer um inesperado fenômeno e é ele que me leva a
estes comentários, Philip Johnson aderiu ao retrógrado. Johnson era o mais
importante, o mais brilhante arquiteto moderno americano. Construiu
belíssimos projetos e esteve como membro do júri comigo e Marcel Breuer
na IV Bienal de São Paulo. Nome internacional da arquitetura
contemporânea. Pois bem: resolveu abjurar sua filosofia e tornar-se
passadista. Da maneira mais esquisita que se podia imaginar.
Johnson acaba de projetar um edifício inspirado em móveis Chippandale
[sic]. Isto mesmo: em móveis, 37 pavimentos para a American Telephone
and Telegraph Company em New York. Em forma de armário, com sua base
sólida e coroamento em frontão aberto.
Mais chocante ainda do que o próprio projeto é a crítica favorável que vem
recebendo, inclusive do crítico de arquitetura de Washington, Von Eckardt.
Chega este a dizer que Johnson não é mais um representante das
correntes pós-modernistas, daquelas que vieram depois do modernismo de
Corbusier e outros malucos; Johnson é o primeiro de uma nova idéia ou
estilo. Inventou algo de novo, está abrindo caminho para a arquitetura do
futuro.
Arquitetura esta baseada em móveis de duzentos anos atrás. Não é mesmo
uma novidade? Fantástica? Marcha-a-ré formidável? Daí que, com certeza,
alguém vai começar também, no Brasil, a projetar casas no estilo dos
móveis D. João V, ou D. José, ou D. Maria I. com pezinhos leves ondulados
e decorações florais. (VASCONCELLOS, Arquitetura, um horror, 1978, p.6).
Curador do Modern Museum of Art (MoMA), em Nova York, Johnson e Henry
Russell Hitchcock (1903-1987) foram os responsáveis pela introdução definitiva da
linguagem modernista nos Estados Unidos em 1932 com a exposição “The International
Style: architecture since 1922”, em que foram apresentados à sociedade americana os
expoentes da arquitetura européia. A exposição e o catálogo resultante delinearam o
repertório formal a ser empregado: painéis envidraçados, telhados planos, volumes
retangulares articulados, etc. Note-se que o título dado à exposição, tratando o tema
como “estilo”, já indicava que a perspectiva plástica se impunha sobre as soluções
técnicas e estruturais desenvolvidas, mesmo nos Estados Unidos, desde o final do
século XIX. Para Vasconcellos, contudo, esta conexão ao modernismo nascente só
agrava a postura adotada por Johnson.
66v
36
A exposição realizada no MoMA tornou-se marco do movimento moderno em Arquitetura. A maquete
da Ville Savoye (1929-1931), de Le Corbusier, em primeiro plano, demonstra a significação do
arquiteto franco-suíço na definição dos parâmetros estéticos a serem empregados.
37
Fac-simile do tratado de Jean-Nicolas-Louis Durand, “Recueil et parallèle des édifices en tout genre,
anciens et modernes, remarquables par leur beauté, par leur grandeur ou par leur singularité...
augmenté de vingt planches supplémentaires”. Nos diversos volumes aqui representadas podemos
destacar a função a ser exercida no edifício, bem como a estrutura e a organização simétrica dos
espaços.
67
Como vimos, a recorrência de uma linguagem incisiva na depreciação do uso das
formas do passado como estratégia adotada para a valorização da estética modernista
impôs sobre o Ecletismo uma superficialidade. Tendo sido aluno de João Boltshauser
(1902-?)
9
, Vasconcellos deliberadamente oculta o fato de que o Ecletismo também
regia-se por teorias próprias de composição, que incorporavam tanto a organização dos
espaços quanto o uso adequado e justo de elementos ornamentais, entendidos como
responsáveis pela caracterização da edificação, não podendo, portanto, serem
considerados supérfluos.
Um dos tratados arquitetônicos mais proeminentes do oitocentos era o “Recueil
et parallèle des édifices en tout genre”, de Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1835), de
1801. Nele, o autor faz associar, a cada tipo edilício, uma ordenação dos espaços em
planta, de certa forma antecipando a regra funcionalista difundida por Ludwig Mies van
der Rohe (1886-1969): “a forma segue a função”
10
. Durand afirmava, ainda, que a
planta é geradora das fachadas, entendidas como elevações – termo ainda hoje
utilizado na linguagem do desenho técnico – a serem compostas segundo os repertórios
formais disponíveis.
Para Sylvio, passado o delírio eclético, seria possível resgatar a “verdade
arquitetônica”, como se as expressões de fins do XIX e início do XX não passassem de
um hiato entre o colonial e o modernismo, não representando os valores culturais do
período. Urgia que a nova arquitetura retomasse princípios em que a integridade do
aspecto plástico em relação aos sistemas construtivos correspondesse a uma
integridade de caráter, que facilmente se transporia ao comportamento humano. “E
felizmente, tudo vai passando, o sonho terminando, para voltarmos à nossa verdadeira e
boa arquitetura, atendendo aos materiais de que dispomos, à nossa vida social mais
aberta e franca, ao nosso clima, à nossa estética um tanto lírica e leve.”
(VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em Minas Gerais IV,
1947, p.81).
9
Professor da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, catedrático da disciplina de História da
Arquitetura. Publicou em 1963 – logo, durante o período em que Vasconcellos havia assumido a direção da
instituição – uma coletânea sobre o tema, que abordava em sete volumes, toda a História da Arquitetura
universal, desde a pré-Antiguidade Clássica até o Neoclassicismo. A rigor, trata-se de uma produção caseira da
Escola de Arquitetura, datilografada e com desenhos esquemáticos do autor. O texto organiza-se, em todos os
volumes, em condicionantes geográficos, históricos e sociais que implicavam nas manifestações culturais de
cada civilização, para a seguir descrever minuciosamente (incluindo medidas) os principais monumentos. Antigos
alunos do Professor Boltshauser descrevem o rigor de seu método didático, fundamentado na análise estilística,
em que o desenho era utilizado para o reconhecimento do repertório formal.
10
Discutiremos este tema na seção seguinte.
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68
Tomemos como exemplo as soluções plásticas propostas por Le Corbusier
quando da publicação de “Por uma arquitetura” (1923), como na Ville Savoye (1929-
1931), em Poissy, nos arredores de Paris
11
. O purismo dos volumes simples – cubos,
primas, cilindros – claramente delineados pelo revestimento branco sob a luz, equivalia
a materiais e sistemas construtivos racionalmente elaborados e industrialmente
produzidos
12
:
Onde a vanguarda incitou derrotas, Le Corbusier sonhou vitórias. Sua
própria pintura terminou como um manual ilimitado de experimentação
arquitetônica; somente a arquitetura possui a coerência requerida em face
dos problemas da forma. Tomando como hipótese a unidade da experiência
artística, Le Corbusier liquidou toda a utopia Neo-Romântica com relação à
unidade da obra de arte. Arquitetura seria a síntese da recherche patiente
na medida que se baseava na diversidade de tarefas e técnicas que a
separavam da vanguarda. (TAFURI & DAL CO, 1986, p.117, tradução
nossa)
13
.
Na Ville Savoye, Le Corbusier experimenta novos princípios compositivos em que
o sistema construtivo e o percurso por entre os espaços são geradores da plástica final
do edifício. A estrutura em concreto armado representou a liberação das fachadas, a
face externa/pública à edificação, passível de um tratamento independente por parte do
arquiteto. Do mesmo modo, o sistema estrutural em pilotis permitiu o surgimento do plan
libre, ou seja, um arranjo espacial aparte aos apoios.
Mas além da planta livre, Le Corbusier utiliza outro mecanismo para
organizar a composição dos espaços da ville Savoye. Seu interesse em
experimentar o projeto através do movimento – o “itinerário” […] – o
conduziu a idealizar o “passeio arquitetural” ou promenade architecturale.
(LEUPEN et al, 1999, p.51, tradução nossa)
14
.
11
A escolha da Ville Savoye como objeto-síntese de nossa análise justifica-se por ser considerada,
unanimemente pela crítica, como um dos ícones da arquitetura modernista. Contudo, os diversos projetos
residenciais elaborados por Le Corbusier nas décadas de 20 e 30 também são exemplares representativos dos
temas aqui abordados.
12
A rigor, ainda que o concreto possa ser fundido in loco, a composição do cimento é industrialmente
manipulada, e os testes de resistência necessários ao controle de sua eficiência estrutural envolvem pesquisas
científicas.
13
Where the avant-garde tempted defeats, Le Corbusier dreamed victories. His own painting ended up as a
limitless handbook for architectural experimentation; only architecture possesses the coherency called for in
facing up to the problems of form. In hypothesizing the unity of artistic experience, Le Corbusier liquidated every
Neo-Romantic utopia concerning the unity of the work of art itself. Architecture was to be the synthesis of the
recherche patiente to the extent that it bases itself on the diversity of the tasks and techniques that separate it
from the avant-garde.
14
Pero además de la planta libre, Le Corbusier utiliza outro mecanismo para organizar la composición de los
espacios de la villa Savoye. Su interés por experimentar el proyecto a través del movimiento – el “itinerario” […] –
le condujo a idear el “paseo arquitectónico” o promenade architecturale.
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A partir da adoção do sistema estrutural em concreto armado, em que os apoios
estão distribuídos regularmente segundo uma grelha, foi possível a Le Corbusier definir
cinco princípios organizacionais básicos, denominados “5 pontos da arquitetura
moderna”: 1) pilotis, referente à elevação da edificação sobre o solo, apoiada no sistema
estrutural, liberando espaço sobre o terreno; 2) planta livre, corresponde à possibilidade
de arranjo espacial distinto do sistema estrutural; 3) fachada livre, significa que, por não
exercer função estrutural, o plano pode ser aberto em toda a sua extensão, o que
conduz ao ponto seguinte; 4) janela em fita, acompanha a horizontalidade da fachada;
5) terraço-jardim, corresponde à utilização das lajes de cobertura como espaços livres.
O percurso ao longo dos espaços da residência, a promenade architecturale,
inicia-se ainda na via pública: ao observador que se aproxima de automóvel – bem de
consumo por excelência da modernidade – é dado a ver um objeto puro, ascético. Por
sob o pilotis, a parede envidraçada induz a ingressar na edificação, e o grande hall de
distribuição direciona o visitante ao segundo pavimento por meio de uma escada
helicoidal caprichosamente erguida como uma escultura, ou de uma suave e contínua
rampa (a disposição dos elementos não apenas confere continuidade ao movimento,
mas isola o setor de serviço presente no pavimento térreo). No segundo nível, a ampla
sala de estar – de dimensões multiplicadas pela luminosidade permitida pelas aberturas
envidraçadas – conecta-se com um pequeno terraço-jardim que, por sua vez, nos leva a
outro, acessível por meio de mais uma rampa. Ao final do percurso, um quadro sobre o
muro externo faz descortinar a paisagem, em um exercício quase pitoresco de
contemplação.
A integração espacial em termos da dualidade exterior-interior realiza-se
apenas visualmente. A paisagem integra-se ao interior como um quadro,
emoldurado pelos planos divisórios. Paisagem para ser vista de longe,
confortavelmente, como, do mundo, se vêem as estrelas e os planetas ou
como se vê o cinema; sentindo-o, mas não participando de sua ação.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1981, p.28).
As interpretações da composição plástica das casas corbusianas têm conduzido
a uma interação com os sistemas de proporção utilizados desde a Antiguidade Clássica,
em especial, aqueles baseados no retângulo áureo e no paralelismo de diagonais. “As
fachadas revelam que a ville Savoye, contudo, mantém um certo classicismo, por sua
mesurada harmonia, sua simetria e suas proporções.” (LEUPEN et al, 1999, p.51,
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A composição das fachadas das residências realizadas por Le Corbusier nas décadas de 20 e 30
utiliza o esquema da proporção áurea, aqui demonstrado na Ville Savoye.
48
70
tradução nossa)
15
. E isto demonstra que o sistema de composição para os frontispícios
não mais exigia um sem fim de elementos adereçados. Estava redefinida, a partir de
uma técnica racionalmente disposta e de uma nova elaboração espacial, uma nova
estética.
No artigo “Ligeira nota sobre composição” (1948), Vasconcellos trata das regras
clássicas: cadência, ritmo, proporção, equilíbrio, euritmia, modenatura, modulação,
disposição. Isto indica sua formação de origem academicista e, sobretudo, um esforço
para a “conversão” destes princípios, considerados universais mesmo por Le Cobusier,
para a estética contemporânea. A única das regras à qual Vasconcellos não se refere é
a simetria, talvez por força do exemplo escolhido para ilustrar o artigo – a Villa Stein
(1926-1928), projeto corbusiano em Garches, na França – em que a acepção usual do
termo, organização de um plano em parte iguais a partir de um eixo, desaparece.
Contudo, simetria – sym-metron – significa “mesma medida”, não absoluta, mas relativa,
conjugando-se necessariamente com o princípio de harmonia listado.
Ao analisar a obra corbusiana em “Arquitetura dois estudos” (1983)
16
,
Vasconcellos não destaca o problema da proporção, nem a riqueza espacial no caminho
percorrido, mas o caráter pictórico da obra. Identificando a postura e o processo
compositivo do mestre franco-suíço como racionalista, o autor indica que o tema
arquitetônico ali desenvolvido na relação espaço-matéria é a subdivisão, chegando
mesmo a sugerir um certo artificialismo da solução, ou um isolamento da natureza, para
adiante enfatizar o espaço como tema principal:
A construção se faz autônoma deste espaço natural que não deve, por ela,
ser perturbado ou diminuído. Uma das primeiras preocupações é, assim,
vencer a gravidade, assim vencendo os compromissos com a natureza.
Construir um novo e outro mundo, tão solto no espaço natural como a terra,
mas um mundo feito pelo homem, logicamente organizado, onde tudo
funcione a seu favor, em condições ideais. Se não podemos subjugar a
natureza nem isso constitui nossa aspiração, pois suas condições em
determinadas circunstâncias são aproveitáveis, devemos então dispor de
dois ambientes distintos: um externo – a natureza; outro interno – a casa. A
15
Los alzados revelan que la villa Savoye todavía mantiene un cierto clasicismo, por su mesurada armonía, su
simetría y sus proporciones.
16
A data referida da publicação (1983) corresponde a uma reedição, coordenada pela Universidade Católica de
Goiás, sendo o original de 1968, em edição elaborada pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade do
Rio Grande do Sul. Compõe-se de dois textos, daí o título: “Relação espaço matéria”, que nos servirá para as
discussões desta seção, e “Construções coloniais em Minas Gerais”, originalmente apresentado no I Seminário
de Estudos Mineiros da Universidade de Minas Gerais (1956). Este último tem estrutura, argumentação e
exemplificação muito semelhante ao artigo “Panorama da arquitetura tradicional brasileira”, publicado pela
Revista da Escola de Arquitetura em 1956, e originado em conferência proferida na Sociedade Italiana de Belo
Horizonte no ano anterior. Faremos referência a este último artigo somente quando tratar de variante do texto
publicado post-mortem.
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Em sua análise, Vasconcellos fundamenta-se na interpretação de que as telas de Le Corbusier
organizam-se em grandes grupos de figuras geométricas, cada uma delas subdivididas em outras
figuras.
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cada circunstância uma solução diferente. O homem não é um elemento do
mundo, mas ultrapassou-o e deve então ser feito um mundo para ele. Por
isso o edifício se eleva do chão por intermédio dos pilotis. O homem aspira
um espaço ideal, negando-se sujeitar-se às contingência da natureza que,
afinal não despreza totalmente, antes ama e procura reconstruir em toda
sua grandeza, ainda que com isso reduza ao mínimo o espaço construído, a
arquitetura, para que ela não prejudique nem se confunda com o ambiente
natural. O espaço interior é então cuidadosamente subdividido,
subdelimitado, em áreas justapostas e regulares que aproveitem ao máximo
a área total considerada, sem qualquer desperdício ou excesso. A justa e
necessária medida. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983,
p.28).
Os croquis que acompanham o texto denotam que o foco da análise elaborada
por Sylvio concentra-se sobre a relação com a natureza, como lemos anteriormente, e
sobre a organização dos planos definidores do espaço. Neste, a planta compõe-se
como um quadro abstrato, que contém em si mesmo as relações espaciais. Em toda a
obra escrita de Le Corbusier não é possível detectar uma só frase que indique que a
elaboração da planta se dê como um pictograma.
Ao afirmar que o racionalismo de Le Corbusier trata “[...] de dispor os espaços
ordenada e logicamente, uns junto aos outros, procurando ajustá-los exatamente como
num jogo de quebra-cabeça.” (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.28),
Vasconcellos faz uma associação imprópria à Maison Dom-ino (1913), como um
elemento ensimesmado, e não como um módulo espacial derivado de uma tecnologia
passível de industrialização:
O protótipo Dom-ino era nitidamente aberto a diferentes níveis de
interpretação. Enquanto, por um lado, era apenas um recurso técnico para a
produção, por outro era um jogo com a palavra Dom-ino como nome
industrial patenteado, denotando uma casa tão estandardizada quanto um
dominó. (FRAMPTON, 1997, p.183).
A Maison Dom-ino não correspondeu, para os princípios corbusianos, a uma
pesquisa plástica, mas a uma possibilidade de produção em série, deliberadamente não
avaliada por Sylvio.
De certa maneira, esta atitude crítica indica uma ênfase na plástica vanguardista,
mas, sobretudo, uma perspectiva própria de interpretação, em que a não-inclusão dos
demais temas modernistas – a idéia de proporção, os cinco pontos da Arquitetura
modernista e a promenade architecturale –, amplamente difundidos pela historiografia,
mais do que uma limitação, aponta para uma intenção: a introdução de outras
concepções sobre a Arquitetura. A crítica, portanto, não se reveste de um negativismo
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Blondel e Perrault capitanearam a “querelle” entre Antigos e Modernos na Academia Real de Belas
Artes durante o século XVII, discutindo, fundamentalmente, a natureza das ordens clássicas. Cada
um defendia a posição de que a beleza era, respectivamente, absoluta ou relativa, na medida em que
as ordens não poderiam ou deveriam ser manipuladas.
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sobre a casa corbusiana, mas abre caminho para a introdução, por Vasconcellos, de
uma construção própria da idéia de Arquitetura.
Contudo, é importante destacar que, para os modernistas incluindo Sylvio, o
apelo da “arte pela arte” era válido tão somente para as artes plásticas, e não se
aplicava à arquitetura, daí as críticas ao Ecletismo e outros estilemas, anteriormente
discutidas. A Arquitetura poderia ser considerada, então, tema diverso, alheio aos
princípios da arte pura, caracterizada como uma atividade responsável por conciliar
beleza e função (incluindo, aí, as questões de ordem material e técnica), logo, superior.
O tema remonta ao Iluminismo, quando o grande debate arquitetônico dizia
respeito à natureza da Arquitetura: arte ou técnica? O debate inicia-se ainda no século
XVII com a “querelle” entre “antigos” e “modernos”, representados pelos tratados de
François Blondel (1618-1686), Cours d´Architecture” (1675-1683) e Claude Perrault
(1613-1688), “Ordonnance des Cinque Espèces de Colonnes selon la Méthode des
Anciens” (1683), respectivamente
17
. A “querelle” – termo ainda hoje utilizado na
historiografia para designar a disputa ocorrida – correspondeu, inicialmente, a
discussões acerca da beleza e da autoridade das ordens clássicas, ou seja, do passado,
contribuindo para a introdução da teoria da Arquitetura como orientação à prática
projetual. No século XVIII, sob a influência do racionalismo enciclopédico, conduziu à
pergunta em questão: uma vez que as ordens clássicas, tal como se apresentavam nos
monumentos romanos, não passavam de estilização, em que reside a essência da
Arquitetura, na arte ou na técnica?
Em Lucio Costa, conforme vimos na epígrafe deste capítulo, o tema ganha
fôlego. O arquiteto carioca admite de pronto a dualidade, caracterizando as partes e os
campos de saber que a envolvem, e pressupondo que a possibilidade de conciliação
encontra-se na Arquitetura, a segunda natureza. Trata-se da natura artificialis, conceito
explorado no Quattrocento italiano e que fazia remontar à interpretação aristotélica do
mundo: o engenho humano seria capaz de construir uma natureza, ou seja, um
ambiente adequado ao exercício das atividades humanas, por meio da mimesis. Não é
tema novo, diferentemente da pretendida resposta (estética) dada pelos modernistas.
Sylvio de Vasconcellos denuncia sua filiação iluminista quando se propõe a
discutir o problema da arte contemporânea. Embora o modernismo tenha se esforçado
17
Citamos, ainda, como exemplo desta discussão os tratados de Marc-Antoine Laugier (1713-1769), “Essai sur
l´Architecture” (1753); de Étienne-Louis Boullée, “Architecture: essai sur l´Art” (1780); de Jean-Nicolas-Louis
Durand, “Recueil et Parallèle des Édifices em Tout Genre”; de Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806),
“L´Architecture Considerée sous lê Rapport de l´Art, dês Moeurs et de la Législation” (1804); de Jean-Baptiste
Rondelet (1743-1829), “Traité Théorique et Pratique de l´Art de Bâtir” (7v., 1802-1817).
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em isolar o tema da “arte pela arte” no campo da Arquitetura, Vasconcellos
frequentemente se debruça sobre o problema, pois entende que tal isolamento não
colabora para a “construção” do homem moderno. Para o arquiteto, a arte não tem um
propósito em si mesma; a arte se faz pela arte, ou pelo puro deleite estético. Não há
engajamento qualquer previsto, nem denúncia às condições sociais de seu tempo:
Quando postos frente a uma obra de arte jamais se deve perguntar ou
procurar saber o que ela representa ou qual história está contando. O que
importa é saber apenas se, tal como se apresenta, nos emociona ou não.
Apenas isso; mais nada. (VASCONCELLOS, O abstracionismo ou onde
estão os namorados, 1970, p.3).
Entretanto, uma compreensão limitada da arte incorreria na valorização exclusiva
dos aspectos plásticos da Arquitetura. Dispõe-se, então, a uma crítica e, em especial, a
uma “pedagogia” para as artes. Em primeiro lugar, Vasconcellos critica uma concepção
limitada de “vanguarda” como “[...] a negatividade, o caráter destrutivo, o combate à
instituição, a destruição da tradição, o internacionalismo.” (GORELIK, 2005, p.16).
Poderíamos dizer que Vasconcellos nega o “vanguardismo”, para associar a fala de
nosso autor às suas críticas anteriores quanto aos aspectos meramente plásticos da
Arquitetura.
Outros não se deixam agarrar pela temática tradicional mas recorrem ao
inusitado, ao chocante, em apelo à curiosidade do público. Importa a
inovação, a novidade, o original do tema ou da técnica e não sua
significação. Confunde-se veículo com veiculado, meio com fins. A
desculpa é a renovação artística pseudamente imposta pela revolução
industrial que nada tem a ver com o fenômeno. Objetos, industriais ou não,
sempre existiram e sempre existirão. Objeto é uma coisa – que deve ser
bela, claro – mas arte é outra. O belo, mas criação artística, em seu
profundo sentido, é outra coisa. Não há que confundir gosto com
emoção, nem moda com estilo, nem chocar com emocionar. E é nesta
confusão que se emaranha a arte contemporânea, por isso mesmo posta
em beco sem saída, cada vez mais confuso e desprovido de significação
duradoura.
Não quer isso dizer que se condenem pesquisas e experiências, muito
válidas em seu descortínio evolutivo. Não exageremos, porém, caixa é
caixa, por mais bela que seja; e quadro é quadro, escultura é escultura. Um
grito choca e não é música, um ruído enorme também não. Arte é coisa
sofrida, emoção comunicada, construção realizada com amor e dedicação.
Não é um gesto gratuito e circunstancial, por acaso inventado. Nem é
um gesto fácil. (VASCONCELLOS, Pintura em crise, 1967, p.1, grifos do
autor).
Percebemos a tentativa de isolamento do objeto arquitetônico, cujo valor estético
não se encontra em seus aspectos plásticos, embora nesta passagem somente é
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possível intuir que a beleza do objeto está em sua função e na técnica por ele
disponibilizada. Sua crítica mais direta dirige-se às artes, ou a uma gratuidade na
disposição estética, naquilo que se apresenta ao público, como vemos em “Esculturas?
Façam-me o favor!” (1976), onde seus ataques se dirigem às instalações de Christo
(1935- ) e Jeanne-Claude (1935- ), ou de Mary Kelly (1941- ), que expôs naquele ano as
fraldas usadas de seu filho no Contemporary Art Institute, em Londres, sob o título “Post
partum document”:
Se, antes, as novidades correspondiam a uma libertação das absurdas
regras acadêmicas que substituíam o belo pelo bonitinho e a expressão
sensível pela cópia banal, em seguida passaram ao abuso gratuito de frias
e chocantes extravagâncias, através das quais a falta de talento procurava
disfarçar-se. Descortinou-se o excesso que define inapelavelmente, a
decadência e morte do “estilo”. Quando se procura apenas a originalidade,
em lugar da expressão sensível, não há mais remédio: tudo está perdido. A
liberdade transforma-se em anarquia e aventureirismo.
[...]
Não estou mais disposto a engolir esta e outras baboseiras similares. Não
mais. Rompo definitivamente com essa pretensa arte, embora resguardando
meu amor pelas honestas liberdades. Reconheço que pode tudo ser
atribuído a minha velhice, como já confessei; decrepitude, senilidade ou
burrice esclerótica. Contudo, além de não compreender, já não gosto nem
aceito essas besteiras que crescentemente nos são impingidas como arte.
(VASCONCELLOS, A pretensa arte, 1976, p.6).
Críticas desta natureza, contudo, não significam uma tentativa de reduzir o papel
da arte no mundo moderno. Ao contrário, Sylvio acredita que a arte “[...] procura com
exaustivo esforço a verdade verdadeira das coisas [...]” (VASCONCELLOS, Picasso
entra em cena, 1970, p.5, grifos do autor), o que exige a preparação do sujeito para a
recepção da obra de arte, ou seja, sua imersão na modernidade.
Da mesma maneira não se pode aceitar absolutamente, como princípio, que
todos os artistas hoje existentes, e suas todas obras, recomendem-se como
de alta categoria, pelo simples fato de participarem de um fenômeno
plástico contemporâneo, consentâneo com nosso tempo. Isto é: pelo
simples fato de serem modernas.
No entanto essa presunção existe e é ela responsável por grande parte da
incompreensão do público que se sente coagido a aceitar tudo que se lhe é
apresentado como arte, sob pena de ser considerado como retrógrado,
ignorante ou falta de sensibilidade. Não há opção possível, nem liberdade
de escolha: ou se é moderno e se aceita tudo como genial, ou se é
reacionário, acadêmico e burro. Este parece ser um dos maiores
equívocos colocados pela atividade artística contemporânea.
(VASCONCELLOS, Pintura em crise, 1967, p.1, grifos do autor).
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Se há um determinante estético para que o artista, seguindo-o, ultrapasse a
superficialidade e permita ao público o entendimento, há também uma preocupação, da
parte do autor, em que o observador esteja preparado para a recepção da obra de arte
moderna: “É preciso sempre esclarecer bem o sentido das experiências plásticas para
que não se continue a dizer que a arte contemporânea é feita de loucuras, em qualquer
sentido, resumindo-se em brincadeira ou incapacidade dos artistas.” (VASCONCELLOS,
O abstracionismo ou onde estão os namorados, 1970, p.3). Em uma série de artigos,
publicados no jornal “O Estado de Minas”, Vasconcellos didaticamente apresenta ao
público mineiro as principais correntes da vanguarda artística desde o final do século
XIX até, aproximadamente, a década de 60. Naturalmente, inicia a série com uma crítica
ao academicismo, por seu caráter piegas na temática e sua técnica copista:
A arte limita-se à cópia, à técnica, ao pastiche. Não vai além da realidade da
natureza. Não se permite emoção alguma senão aquela provocada pelo
próprio tema. E estes, sim, são adocicados e românticos ao infinito: a mãe
que chora, o pastor em solidão, o crepúsculo sangüíneo, a flor, etc. A
contradição é notável entre o racionalismo teórico da técnica e o
romantismo mórbido e piegas dos temas. Isso foi o melancólico
neoclassicismo do século XIX, também chamado de academicismo.
(VASCONCELLOS, Academismo, o que é, 1970, p.3).
Ataca, a seguir, com o impressionismo: momento em que a “[...] sensibilidade
aguçada [...]” (VASCONCELLOS, O impressionismo ou a hora da verdade, 1970, p.6)
transforma a modo como o artista vê o mundo. No expressionismo de Vincent Van Gogh
(1853-1890) e Paul Gauguin (1848-1903) destaca o tema cotidiano: “as próprias botinas,
os botequins, a realidade cotidiana, a verdade da vida, além das falsas postulações de
uma sociedade fidalga onde tudo corre aparentemente às mil maravilhas embora, no
fundo, isso não seja verdade.” (VASCONCELLOS, O impressionismo ou a hora da
verdade, 1970, p.6). Pablo Picasso (1881-1973) é o grande revolucionário:
Tudo começou com as Senhoritas de Avignon, de Picasso. O resultado foi
surpreendente. Os planos subdivididos, superpostos, concomitantes, e o
colorido se interpenetrando, criaram uma emoção nova, mais mental, mais
inteligente. Infinitamente mais rica de sugestões emocionais.
O caminho estava aberto. O caleidoscópio, há muito conhecido, ganhou
novas dimensões e se fez realidade concreta. O caminho novo das artes
plásticas, junto com descobertas anteriores, principalmente aquela que
confirmava que a beleza não estava na mera reprodução da realidade,
tornou-se, em breve tempo, larga estrada para muitas experiências de êxito.
O artista não precisava mais preocupar-se em reproduzir fielmente a
aparência das coisas. Começou a procurar, dentro de si mesmo, a
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inspiração de suas obras. (VASCONCELLOS, Picasso entra em cena...,
1970, p.5).
A partir daí, as vanguardas se sucedem com naturalidade: o cubismo e sua
estratégia de redução da figura a formas geométricas; o abstracionismo, com a
discussão-título “onde estão os namorados?”, referindo-se a “Namorados no café”
(1951) de Roger Chastel (1897-1981).
“Namorados no café”, por exemplo, quadro célebre, só nos mostra uma
complexidade de formas e cores. Não se vê nenhum homem e nenhuma
mulher. Muito menos nenhum café. No entanto a composição começou a
ser elaborada a partir da cena referida pelo título.
A circunstância provocou grande repulsa por parte do público desinformado.
Onde estão os namorados? Perguntava-se. Isso não passa de brincadeira
ou de borrões que qualquer criança faz, dizia-se. Na verdade, porém, os
namorados estavam no quadro, embora ocultos por elipse, abstraídos. E a
intenção do artista era absolutamente honesta e consciente. Aspirava
apenas transmitir a emoção por ventura expressa por dois namorados num
café através não da representatividade real do fato, mas por intermédio de
formas e cores que correspondessem, emocionalmente, à cena focalizada.
(VASCONCELLOS, O abstracionismo ou onde estão os namorados?, 1970,
p.3).
As duas principais vanguardas artísticas dos anos 60, o Pop-art, a Optical-art, ou
Op-art, e a arte cibernética, nascidas nos Estados Unidos, são associadas ao desenho
industrial e aos conhecimentos científicos ligados à ótica, respectivamente. O centro da
produção de vanguarda deslocara-se, e todas as correntes passaram a fundamentar-se
na conceituação, “Existiram quase que mais como um protesto. Um interregno na
evolução normal da arte. Uma demonstração de inquietude.” (VASCONCELLOS, Pop-
op-Pop-op-Pop o fim da linha, 1970, p.6).
No que tange as artes plásticas contemporâneas no Brasil, Sylvio é cuidadoso
nas descrições. Embora a motivação para os artigos em geral seja a ocasião de
exposições (em Belo Horizonte ou, em alguns casos, no Instituto Cultural Brasileiro em
Washington), esta não é uma regra; em qualquer das situações, a linguagem toca o
poético. Não para fazer valer uma gentileza com o artista que expõe, mas porque as
obras são, no entender de nosso autor, efetivamente signos de uma arte brasileira
contemporânea. Escreve sobre José Pedrosa (1915-2002), cuja obra “[...] traduz, porém,
a inquietação, a dúvida constante e insatisfeita das alas mais ousadas do “modernismo”
[...]” (VASCONCELLOS, José Pedrosa, escultor mineiro, 1952, p.49); sobre Augusto
Rodrigues (1913-1993), que amava as flores, o mar e o vento, e convidava à ternura,
em imagens nas quais “Espaço e linha formam unidade indissolúvel.”
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(VASCONCELLOS, Augustos desenhos de Augusto, 1968, p.5); sobre Amílcar de
Castro (1920-2002), orientador do movimento concretista juntamente com Ferreira
Gullar (1930- ) na literatura: “Apenas é belo.” (VASCONCELLOS, O abstrato virou
concreto, 1970, p.3); sobre Lígia Clark (1920-1988); sobre Petrônio Bax (1927- ). Franz
Weissmann (1911-2005) é sempre lembrado como um “mineiro” (apesar de austríaco,
naturalizou-se brasileiro quando residia em Belo Horizonte) que ganhou mundo por ter
deixado as Minas:
Em Franz Weissmann por exemplo, premiado na última Bienal Paulista.
Nele a tortura do ideal, do simples e do claro é evidente. Sua luta por vencer
os compromissos da matéria, para fazê-la funcionar o mínimo possível na
configuração dos volumes geométricos espaciais é visível. Também visível
é a ultrapassagem destes limites em suas obras. Por sua vontade a
escultura deveria ser só de espaços, sem a interferência da matéria. As
figuras seriam sempre geométricas simples – cubos, esferas, cilindros,
quadrados, etc. Em suas três obras presentes à IV Bienal observa-se
perfeitamente sua inclinação e sua aspiração a um ideal inatingível. Em uma
delas, são dois os cubos sugeridos por apenas uma linha quebrada. Cubos
de espaço. Em outra são planos iguais que se superpõem uniformemente.
Na terceira são linhas quebradas compondo figuras também uniformemente
repetidas. Embora a variedade de pontos de vista possa determinar
visualizações diferentes, a escultura em si, principalmente as duas últimas,
é pobre, sem ritmo e demasiadamente simples. Diríamos que só têm
cadência mas não ritmo, nem melodia, que esta pressupõe variedade
sucessiva de elementos. A nota é sempre a mesma, repetida a intervalos
regulares, para nos valermos do paralelismo com a música. Isto quer dizer
que foram ultrapassados os limites necessários. (VASCONCELLOS,
Constantes peculiares à arte brasileira contemporânea, 1958, p.6).
Mas nenhum como Alberto da Veiga Guignard (1896-1962).
Para nós, mineiros, o exemplo mais edificante do que acima ficou dito é,
ainda é sempre, Mestre Guignard. Este sim, era um artista, dedicado à sua
arte, e mais nada. Seu prazer era a comunicação e, por isso, alcançou o
nível inconteste que lhe foi conferido na história das artes plásticas
nacionais. A verdade é que umas poucas dificuldades, uma dose de
sofrimento, são ingredientes muito favoráveis à emoção, única fonte válida
da manifestação artística.
Guignard pintava Ouro Preto porque gostava de lá, porque Ouro Preto
ajustava-se à sua sensibilidade. (VASCONCELLOS, Pintura em crise, 1967,
p.1).
O depoimento de Sylvio sobre Guignard principia em um flanar pela madrugada
belorizontina, aquecidos por “[...] aqui um cafezinho, ali uma cachacinha, Guignard
falando e eu sempre escutando.” (VASCONCELLOS, Depoimento sobre Guignard,
1963, p.1). Há que ouvi-lo. Guignard, o mestre, condensa na arte a sua existência e,
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através dela, um fim maior, a constituição de uma arte brasileira. Aproxima-se, neste
sentido, do Aleijadinho.
Guignard cortou os laços de dependência que persistentemente tem
submetido a arte nacional à européia. Guignard nacionalizou a modernidade
plástica da mesma forma que Aleijadinho nacionalizara o barroco universal.
E foi sua humilde autenticidade, seu desapego à fama e a riquezas, seus
precários meios de trabalho, que o fizeram grande e singular. Só contando
consigo mesmo e só fiel à própria emoção, Guignard abriu caminho novo
nos intrincados meandros das artes plásticas contemporâneas,
convencendo seus discípulos, pelo exemplo, que o artista só vale pelo que
tem em si mesmo, por dentro, a despeito do ambiente e da temática que
manuseia.
[...] Não é o “quê” se pinta que importa, mas, sim, o “como”. Não são os
girassóis, as botinas ou as camas de pendão [sic] a grandeza de Van Gogh.
Nem é o fato de ser um retrato de mulher que singulariza a Mona Lisa de Da
Vinci. Também não são as árvores do Parque ou as igrejinhas mineiras que
distinguem os quadros de Guignard. Tema é elemento secundário nas artes
plásticas, veículo, meio, e não fim. Como as palavras na literatura.
O fundamental é a particular maneira de dispor o tema, a composição, as
cores, a comunicação emocional transmitida. Aqui, sim, distingue-se o
válido do inválido. Porque não há tema, destreza, habilidade ou estilo que
substitua o conteúdo emocional indispensável à verdade artística. Verdade
artística é emoção (não técnica), e não pode ser transmitida se não existe.
(VASCONCELLOS, Recado a Petrônio Bax, 1978, p.4).
Tantas reflexões acerca das artes não tiveram por objetivo discutir esta atividade
humana pura e simplesmente, nem mesmo fazer de Vasconcellos um crítico
especializado. Ao interrogar sobre a natureza artística, Sylvio busca aproximar-se
novamente da essência da Arquitetura, não em seu sentido estético, mas debruçando-
se sobre o tema da composição espacial. Interessam, portanto, os mecanismos de
produção artística e arquitetônica.
A síntese das artes na arquitetura é uma linda proposição, mas ainda não
suficientemente esclarecida. O que se pretende é realmente uma síntese ou
uma simples concomitância? [...] Na verdade, uma verdadeira síntese das
artes, uma incorporação delas num só todo, sua interpenetração e
coexistência indivisível como talvez verificou-se na Grécia, parece ideal
longínquo senão inviável. Jugular, por outro lado, as artes à decoração
arquitetônica seria abastardá-las. Melhor seria colocar o problema de outra
maneira: como o da difusão e valorização das artes plásticas, em conjunção
com o desenvolvimento da arquitetura, de modo a que nessa última tenham
elas lugar, mas sem pretensão de síntese cuja complexidade ainda não se
apresentou compreensível. (VASCONCELLOS, Inquérito nacional de
arquitetura, 1963, p.39).
O olhar de nosso autor desloca-se para uma corrente pouco evidenciada pelos
arquitetos brasileiros naquele momento, mais preocupados em compreender o purismo
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O Neoplasticismo foi um movimento coeso, envolvendo as Artes Plásticas, a Arquitetura e o design. A
linguagem é marcada pela expressão geométrica das formas, fundamentalmente linhas e planos,
assim como pelo uso das cores primárias – vermelho, azul e amarelo.
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corbusiano ou as experimentações da Bauhaus. Sylvio se concentra no universo de
produção vanguardista do Neoplasticismo. Ali, compreendeu uma possibilidade de
síntese entre arte e Arquitetura.
No campo das artes plásticas, por exemplo, a consciência espacial,
bastante favorecida pela descoberta da perspectiva racional, aumentou
consideravelmente quando se verificou que os elementos utilizados para a
reprodução dos objetos reais, vale dizer – a cor, a linha e os espaços por
estes criados – tinham um valor próprio que podia prescindir do motivo ou
da similitude com o objeto real. Este valor era a composição, a linha, a cor,
etc. em si mesmas. O elemento utilizado, o meio, passou então a ser
encarado como um possível fim, independente da representação que antes
configurava. Da mesma forma pela qual o espaço, que antes era apenas
conhecido como o meio, onde a matéria se objetivava, passou a ser havido
como o fim perseguido em íntima relação com os fins pretendidos pela
matéria. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1981, p.17-18, grifos
do autor).
A síntese realizada no Neoplasticismo fez congruir os elementos da arte (cor,
linha, espaços) com os elementos da Arquitetura: técnica, função, estética. Esta
corrente constituiu uma pesquisa, liderada por Piet Mondrian (1872-1944), da qual
participaram os arquitetos Theo van Doesburg (1883-1931), Gerrit Thomas Rietveld
(1888-1964) e Jacobus Johannes Pieter Oud (1890-1963). Vasconcellos parece
descrever, em detrimento da valorização usual da Ville Savoye, a casa Schröder-
Schrader (1924), em Utrecht, na Holanda, projeto de Rietveld.
A grande conseqüência deste progresso [o desenvolvimento de materiais
artificiais como o ferro e o concreto armado], além daquela ligada
diretamente à técnica, foi a nosso ver a valorização dos elementos
fundamentais da arquitetura, vale dizer, os planos. Se antes as paredes ou
os tetos só funcionavam e se perdiam como suporte de decorações ou de
meios interessados a determinados fins, agora começaram a ser encarados,
assim como a linha ou a cor na pintura, como elementos fundamentais, por
si mesmos válidos na concepção arquitetônica. A função se confunde com a
intenção plástica, utilizados os aludidos elementos fundamentais na sua
própria conformação, no seu intrínseco valor, sem os recursos de qualquer
superposição. O plano não mais compõe volumes ou massas, pois evita os
ângulos de conjunção, procurando soltar-se independente um dos outros,
em um jogo de planos harmônicos, cuja beleza se baseia em suas próprias
proporções e na posição relativa que ocupam no espaço.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1981, p.27-28).
A liderança de Mondrian disciplinou o movimento em favor de uma ordem nova,
em que o espaço – na tela, no objeto de design, nas artes gráficas, no edifício – é
composto a partir de elementos primários na forma e na cor. A subdivisão sucessiva
compõem um resultado plástico racional, expresso bi ou tridimensionalmente. A
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interação entre o processo de composição iniciado por Mondrian e a Arquitetura é
exemplificada com a obra de Mies van der Rohe, provavelmente pela inexistência de
fontes de documentação da obra dos arquitetos neoplasticistas citados. A rigor, a
associação é incomum, mas não equivocada se tomarmos os efeitos, não os processos,
que parecem ser o interesse maior de Vasconcellos na síntese arte-arquitetura.
A despeito dessas considerações, e das reflexões teóricas que se fizeram acerca
do tema da composição, Vasconcellos afirma que toda racionalidade empregada na
análise não supera por completo o problema da inspiração, por parte do artista/arquiteto,
e sensibilização, por parte do fruidor/usuário. Considera que esta “capacidade sensível”
é inata, dificilmente ou não adquirível, afirmando mesmo que, “[...] conforme a
psicologia moderna, pode ser fruto de desvios mentais, de patologias, de taras, de
complexos, etc. [...]” (VASCONCELLOS, Ligeira nota sobre composição, 1948, p.17),
logo não pertencentes ao campo do racional. Não escapa a seu espírito “beaux-arts”
nem mesmo a seção áurea: segundo Sylvio, ela é fruto não de uma pesquisa lógico-
formal calcada na matemática, mas em uma intuição e uma generalidade, uma empiria,
portanto, tendo sido “[...] possível dar-lhe expressão matemática [...]”
(VASCONCELLOS, Ligeira nota sobre composição, 1948, p.17). Por isso, em diversos
de seus artigos, fala de Vincent Van Gogh.
Talvez ninguém, como Van Gogh, expressou melhor seu próprio desespero
e o do mundo em que viveu. No entanto o que ele pintou foi sua botina, a
cama em que dormia, o pátio do hospital onde internou-se, o café da
esquina e o girassol de seu jardim. Por refletir sua alma seus quadros não
deixam de refletir, também, seu mundo. (VASCONCELLOS, O quotidiano, a
arte e a arquitetura, 1966, p.25-26).
Sylvio nos fala novamente da expressão, mais ainda, de um expressionismo. Que
razões fariam com que se debruçasse tão longamente sobre este movimento artístico,
em especial no que tange ao cotidiano banal dos temas escolhidos? Que respostas
nosso autor pretende encontrar em Van Gogh?
Sua advertência, expressa em “Pintura em crise” (1967), é pela expressão dos
cenários urbanos, das ruas, dos bares, da casa. Em 1965, retratou em desenho o atelier
de trabalho em Paris. Se o tema não importa, e sim “[...] o tratamento, disposição, cor,
textura, formas e planos [...]” (VASCONCELLOS, O quotidiano, a arte e a arquitetura,
1966, p.26), de modo a revelar aspectos e intenções para além da forma, vemos na
gravura a retratação de seu próprio cotidiano. Assim como Van Gogh, o mesmo artista
80v
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do “Quarto em Arles” (1888), Sylvio indaga: “Por que será que o quotidiano fugiu da
arte?” (VASCONCELLOS, O quotidiano, a arte e a arquitetura, 1966, p.25).
Ou seria: por que será que a Arquitetura fugiu do cotidiano?
81v
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Adolf Loos participa ativamente da vanguarda vienense em fins do século XIX e, principalmente, do
início do século XX, integrando-se a grupos de intelectuais ao mesmo tempo em que participava de
salões de chá femininos como palestrante sobre arte moderna. Nestes dois círculos, passou a
propagar a idéia de que o uso do ornamento, tal como preconizado tanto pela Academia quanto pelos
Secessionistas liderados por Otto Wagner, não correspondia à vida moderna, devendo ser abolido da
cultura urbana contemporânea.
80
Os motivos florais dispostos por Joseph Maria Olbrich (1867-1908) no Pavilhão da Secessão são
semelhantes àqueles que, pouco mais de uma década depois, estamparão a capa do livro de Loos. A
referência quase imediata foi uma forma encontrada pelo autor de estabelecer uma crítica direta ao
emprego do ornamento por uma corrente que pretendeu renovar o sentido da Arquitetura na Áustria,
mas que, no entendimento de Loos, só fez repetir o antigo emprego de decorações.
82
2.2. A forma segue a função
Em 1910, Adolf Loos (1870-1933) publica o primeiro dos manifestos da
arquitetura modernista – “Ornamento e Delito” – onde critica o uso da decoração pelos
secessionistas vienenses, e propõe, em troca, agregar a arquitetura ao âmbito da
utilidade, e não à esfera da arte.
Para entendermos sua postura, é necessário compreender o papel do grupo de
Otto Wagner (1841-1918) no âmbito do Art Nouveau. Originalmente, a Secessão
Vienense pretendeu conformar uma reação ao academicismo reinante no último dos
impérios europeus. A exposição, sediada na Künstlerhaus em 1897, objetivou
demonstrar que o tradicionalismo historicista não coadunava com o espírito de
vanguarda que permeava a capital austríaca. O grupo, contudo, prescindia de uma
união de princípios, capaz de delinear efetivamente um movimento modernista, a
despeito do lema inscrito na fachada da Künstlerhaus, projeto de Joseph Maria Olbrich
(1867-1908): “der zeit irhe kunst, der kunst ihre freiheit”, a cada era sua arte e à arte sua
liberdade.
A crítica de Loos fundamentou-se nos resquícios do emprego de ornamentação
sobre as fachadas. Ou seja, os secessionistas estariam repetindo as estratégias de
composição que haviam criticado no academicismo. A diferença seria de ordem
meramente estilística: uns empregando colunas clássicas, frontões, tímpanos e uma
miríade de elementos da Antiguidade; outros empregando florões estilizados, atlantes,
frisos retilíneos, todos supostamente participantes de uma “arte nova”. É possível, desta
forma, compreender o título dado ao manifesto escrito por Loos: ornar o edifício e crer
que isto constitui a verdadeira (e nova) arquitetura é crime abominável.
Entretanto, a discussão maior residia no problema da integridade entre cultura e
objeto modernos. Em “Ornamento e Delito”, Loos chega mesmo a criticar jabôs,
bengalas e cartolas para definir novos padrões para o vestuário do homem moderno. O
desejo de uma leitura íntegra do objeto arquitetônico exigia aos modernistas, como
vimos, uma associação entre estética, técnica e função. Para Loos,
A casa tem que agradar a todos. Diferentemente da obra de arte, que não
tem que agradar a ninguém. A obra de arte é assunto privado do artista. A
casa não. A obra de arte se introduz no mundo sem que exista necessidade
dela. A casa cumpre a uma necessidade. A obra de arte não deve dar conta
de nada, a casa a qualquer um. A obra de arte quer arrancar as pessoas de
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A inteção de Loos ao criticar o habillé da aristocracia e da burguesia vienense era propor uma vida
moderna íntegra em todos os seus aspectos, desde os hábitos comuns até o espaço da residência e
da cidade.
83
sua comodidade. A casa tem que servir à comodidade. (LOOS, 1993, p.33,
tradução nossa)
18
.
O tema explicitamente proposto por Loos é a função. Mas não é tema novo.
Desde o final do século XIX, Louis Sullivan (1856-1924) apregoava que a composição
do edifício deveria pautar-se por uma clara organização de suas funções; tão clara que
deveria expressar-se nitidamente na forma. A rigor, a expressão “a forma segue a
função” foi pronunciada, pela primeira vez pelo arquiteto norte-americano, mentor da
corrente arquitetônica denominada Escola de Chicago, responsável pela transformação
da paisagem daquela cidade por meio da verticalização
19
. É possível perceber esta
expressão nos arranha-céus projetados por Sullivan e seu sócio Dankmar Adler (1844-
1900) para Chicago, em especial no Auditorium Building (1889), cujo programa funcional
misto – hotel, escritórios e uma sala de espetáculos – exigia dos arquitetos o pleno
controle da função e, consequentemente, da forma.
Paulatinamente, o funcionalismo vai, no século XX, ganhando força e sendo
definido em projetos e lemas. “Form follows function” – a forma segue a função – é o
coroamento de um raciocínio presente desde a década de 20 em que a máquina, e a
estética (dos engenheiros no dizer corbusiano) que lhe caracteriza, são modelos para a
habitação e, por extensão, a todo e qualquer objeto arquitetônico.
A fórmula da “máquina de morar” (machine à habiter) somente em parte
define a atitude [em direção ao problema tipológico como componente
essencial de uma nova relação entre cidade e arquitetura] e é comumente
entendida em um sentido muito limitado. Diante da máquina, Le Corbusier
experimentou a mesma intoxicação das vanguardas, mas sem a sua
confusão e desorientação. Quando ele exaltou a estética dos engenheiros
ou o purismo funcional dos silos industriais, foi para seus próprios
propósitos. [...] A machine à habiter era o balão de ensaio anunciando a
relação poética, alegórica e libertária que Le Corbusier instituiu com os
pesadelos modernos. (TAFURI & DAL CO, 1986, p.117, tradução nossa)
20
.
18
La casa tiene que gustar a todos. A diferencia de la obra de arte, que no tiene que gustar a nadie. La obra de
arte es asunto privado del artista. La casa no lo es. La obra de arte se introduce en el mundo sin que exista
necesidad para ello. La casa cumple una necesidad. La obra de arte no debe rendir cuentas a nadie, la casa a
cualquiera. La obra de arte quire arrancar a las personas de su comodidad. La casa tiene que servir a la
comodidad.
19
A expressão foi, contudo, amplamente difundida por Mies van der Rohe desde que o arquiteto alemão passou
a operar nos Estados Unidos no segundo pós-Guerra, passando a ser-lhe atribuída equivocadamente.
20
The formula of the “machine for living” (machine à habiter) only in part defines that attitude [toward the
typological problem as essential component of a new relationship between city and architecture] and is usually
understood in too limited sense. In the face of the machine, Le Corbusier experienced the same intoxication as
the avant-garde, but without their bewilderment and disorientation. When he exalted the aesthetic of the
engineers or the functional purism of industrial silos, it was for his own purposes. [...] The machine à habiter was
the trial balloon announcing the poetic, allegorical, libertarian relationship that Le Corbusier was instituting with
the modern nightmares.
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Se a concepção de qualquer objeto arquitetônico parte do lema funcionalista, a
casa converte-se em sua pedra de toque. Propagar, como fez Le Corbusier, a idéia de
uma “máquina de morar” significava transpor para o cotidiano a estética – logicamente
derivada da função – de navios, aviões e automóveis, representantes legítimos do
espírito emergente de uma nova era. “[...] ele claramente refletia conhecer as
especulações da Deutscher Werkbund sobre a estética da engenharia, e uma distante
tradição oitocentista de tratar os mecanismos como a ‘verdadeira’ expressão de design
dos tempos.” (CURTIS, 2005, p.169, tradução nossa)
21
. Nenhuma incorporação foi mais
significativa ou marcante do que as garagens: “O portão grande, junto ao terreno de
Wanda, abriu-se para receber a novidade [...]” (VASCONCELLOS, Tempo sempre
Presente, 1976, p.70): um Buick cinza esverdeado conversível.
A casa serve de objeto-síntese às reflexões dos arquitetos sobre a cultura urbana
moderna. Ela é capaz de reunir a face pública e a dimensão privada, a nova tecnologia
e a estética dela emergente, a disposição no ambiente urbano e o design do objeto de
uso cotidiano:
Abrem-se as salas de visitas, crescem em tamanho, aperfeiçoam-se as
cozinhas e os cômodos sanitários para maior conforto da família, e as
paredes se tornam cada vez mais transparentes, com o emprego do vidro. A
maior modificação encontra-se, entretanto, na conjugação da sala de estar
com a de jantar, criando ambientes mais amplos, onde de fato a família se
demora, abandonando a cozinha e os quartos. O principal é, afora a sala de
estar, com poltronas estofadas, tapetes, a vitrola e o rádio. Já se recebem
mais estranhos e a casa não é mais o refúgio ou o esconderijo que
resguarde as aparências. Outra novidade é o amor aos grandes jardins de
composição livre, sombreados por grandes árvores, de preferência o
flamboyant.
A casa não é mais estanque, fechada ou cúbica, mas acolhedora, aberta e
franca. (VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura
contemporânea, 1961, p.18).
É possível ler em Vasconcellos uma interação ao sentido de comodidade
manifestado em Adolf Loos. Em sua origem na Antiguidade Clássica, o conceito de
comodidade (commoditas) refere-se a uma adequação do espaço às funções a serem
ali exercidas, considerando os resultados produzidos pelos elementos materiais
constituintes sobre o vazio. Ou seja, uma sala de estar – para tomarmos um exemplo
pertinente ao nosso objeto de análise – será considerada cômoda se os elementos
envoltórios que a delimitam oferecem a dimensão, o conforto térmico e acústico, a
21
[...] he was certainly reflecting a knowledge of Deutscher Werkbund speculations on engineering aesthetics,
and a fairly long nineteenth-century tradition for treating mechanisms as the ‘true’ design expression of the times.
85
luminosidade, a possibilidade de um arranjo correto do mobiliário, dentre outros
atributos, necessários ao viver em família, receber os amigos, etc.
A questão que se coloca é: quem é o sujeito da interpretação/definição das
noções materiais-espaciais de comodidade? A resposta se dá em duas instâncias, a do
habitante e a do arquiteto. E é aí que Vasconcellos se distancia de Loos. Enquanto é
possível perceber um tom “universalista” ou de indistinção no texto de Adolf Loos, Sylvio
localiza a ênfase na família. Para ele, a casa é o lugar que acolhe, que permite o
encontro, o demorar-se, enquanto, na perspectiva de Loos o papel da casa é cumprir a
uma necessidade – dado que a distancia da arte –, sendo a função encarada sob uma
ótica pragmática.
Ou seja, estas casas – o plural é uma exigência – apontam simultaneamente
para diferenças e cruzamentos na elaboração da rede de saberes por Vasconcellos,
em especial o olhar atento dedicado ao problema da tecnologia para o exercício pleno
das funções. Assim, a idéia de conforto toma uma dimensão diversa: abandona-se o
luxo das decorações – décor (fr.) = cenário – em favor da pragmaticidade do dia-a-dia;
entra em cena o eletrodoméstico. A modernidade adentra os interiores. Este tema já é
destacado por Walter Benjamin (1892-1940), quando analisa a casa burguesa
oitocentista a partir da obra de Charles Baudelaire (1821-1867): “Para o homem privado,
o interior da residência representa o universo. Nele se reúne o longínquo e o pretérito. O
seu salon é um camarote no teatro do mundo.” (BENJAMIN, 1991, p.37).
A rigor, a disponibilidade de bens e equipamentos domésticos – no Brasil em
maior volume apenas a partir dos anos 60 – transforma os interiores, tanto sob o ponto
de vista espacial quanto das relações familiares. Vasconcellos se dedica ao tema em “O
‘canto’ da televisão” (1962), e aponta como este objeto é responsável tanto pelo
(des)encontro da família quanto pelas novas exigências relativas ao mobiliário e sua
distribuição (lay-out no jargão arquitetônico).
Distração popular nos Estados Unidos é televisão. Cinema é caro, esporte
esporádico, e sair de casa é difícil. Televisão serve a todos, contínua e
gratuitamente, dia e noite.
[...]
As novelas ocupam 8 horas diárias e são chamadas Óperas Saponíferas
(Soap operas). São transmitidas entre 14 e 17 horas, quando supõem-se as
donas de casa disponíveis, com o marido no trabalho e os filhos na escola.
Segundo James Thurber, conhecida figura nacional, “novela é uma espécie
de sanduíche com uma receita muito simples: entre fatias de anúncios
espalhem-se 12 minutos de diálogo; adicione-se uma situação difícil,
perversidade e sofrimento feminino em iguais medidas; ponha-se tudo em
uma bandeja de nobreza, borrife-se com lágrimas, tempere-se com música
de órgão, cubra-se com um rico molho de anunciante e sirva-se cinco vezes
por semana. (VASCONCELLOS, A tevê americana, 1974, p.2).
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A partir do advento da televisão, o mobiliário residencial passou a incorporar como item essencial os
“racks”, estantes na tradução literal, que incorporavam várias funções ligadas ao entretenimento, e
que polarizavam a organização do espaço onde se localizavam.
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O aparelho de televisão polariza a residência. Transforma-se no centro de
convergência dos membros da família, redesenhando as relações sociais. Jacques Tati
(1909-1982) fez da casa modernista e sua parafernália tecnológica uma hilariante crítica
aos nossos próprios costumes. À noite, os Arpel sentam-se confortavelmente diante do
televisor. Isolam-se do mundo exterior. Arquitetos e designers devem compor para este
novo ícone da tecnologia e do modus vivendi moderno, espaço e mobiliário condizente.
Surge o “rack”: conjunto compacto (passível de ser inserido até mesmo em pequenas
casas e apartamentos) que abriga televisor, rádio, vitrola e, em alguns modelos, bar.
Linhas retas, pés-palito. Material industrializado, evidentemente.
Os novos materiais disponíveis, como o aço, o compensado, e em breve os
plásticos, todos eles facilmente moldáveis, proporcionam novos caminhos à
indústria, determinando, no mobiliário e na arquitetura, grandes inovações,
tanto funcionais como estéticas.
A composição é simples, leve, a estrutura bem estudada, e o conforto
notável. Decorre a beleza da própria forma plástica do móvel e do material
de seu acabamento. [...]
Os vários elementos dos móveis são independentes entre si, ajustáveis ou
substituíveis quando necessário e a fabricação em série, a moldagem
mecânica, o material empregado, facilitam enormemente a produção e a
tornam mais acessível ao público. (VASCONCELLOS, O mobiliário no
Brasil, sd, p.33).
A idéia de comodidade traduzida no mobiliário é notoriamente incorporada pelo
modernismo, em oposição à parca presença do mesmo na casa setecentista
ouropretana, conforme descrições (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila
Rica, 1951, p.152-155).
Quando aparece a moda das salas de visitas, cadeiras se alinham
emoldurando o largo sofá e a mesinha de centro enquanto, pelas paredes,
consolos e, mais tarde, os “dunquerques” completam o ambiente.
(VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.154).
Um dos equipamentos que passa a integrar a vida moderna é a máquina de
costura. Este item, merecedor de um espaço próprio nas residências projetadas por
Sylvio, explicita uma importante circunstância social: o papel desempenhado pela
mulher de classe média nos anos 40 é notadamente doméstico e foi incorporado da
atividade do “corte e costura”, em sinal da exigüidade da presença de lojas de
departamentos que comercializassem o prêt-à-porter e dos custos ainda não acessíveis
de alfaiataria e modistas, uma vez que a moda passa a ser um elemento amplamente
difundido através das revistas femininas.
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A publicidade reforça o consumo de equipamentos e aparelhos eletrodomésticos. Os slogans
associam os bens ao alcance do futuro, em explícita referência à necessidades de modernização dos
lares.
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Contudo, é nas cozinhas que aporta a maior variedade de equipamentos
eletrodomésticos: geladeiras, fogões a gás, liquidificadores, batedeiras. Nossa análise
dos projetos de Vasconcellos revela que estes bens em profusão não fizeram-se
corresponder à compactação do espaço, diferentemente do indicado em diversos
catálogos de produtos industrializados norte-americanos e europeus. Esta compactação
será visível particularmente na arquitetura vertical (como podemos atestar na
distribuição das unidades de apartamentos do Edifício Mape) e corresponde a uma
facilitação da vida cotidiana da dona-de-casa em face à ausência ou diminuição do
número de empregadas domésticas, o que condiz com o “american way of life”.
No Brasil, ademais de uma executante, a doméstica é uma instituição,
sustentáculo do ambiente, objeto de preocupações, assunto obrigatório das
conversas entre amigas. Principalmente assunto de conversas. De que falar
senão da incompetência das empregadas, da falta delas, de suas
exigências, de suas vantagens, de suas habilidades e burrices? Sem
empregadas não haveria vida social para as donas de casa brasileiras –
ficariam mudas, sem possibilidade de diálogos. (VASCONCELLOS, O que
distingue a mulher brasileira da americana, 1977, p.10).
As cozinhas projetadas para as residências de classe média e alta incorporam os
eletrodomésticos, mas não abandonam as amplas dimensões, por razões que
analisaremos no próximo capítulo.
Quaisquer que sejam os aparelhos ou os ambientes que os abrigam, é possível
perceber uma necessidade premente de promover a interação entre os objetos e o
usuário por meio de uma pragmática funcionalidade à qual corresponde uma estética
própria. Retoma-se, nos interiores, o tema da função.
Discutindo sobre a necessidade de integração do objeto de design na vida
contemporânea, em “A beleza da máquina”, Sylvio escreve:
Depois veio a máquina, a produção em série e a sujeição do objeto aos
interesses econômicos da indústria e ao condicionamento natural do novo
tipo de fatura. Em princípio prevaleceram a funcionalidade e a economia
sobre quaisquer outras considerações, principalmente sobre as estéticas.
Em relação aos anteriores, artesanais, os objetos produzidos
industrialmente passaram a ser desprovidos de intenções plásticas,
chegando muitos até mesmo a serem feios. À reação contra a máquina,
como responsável pelo desemprego, juntou-se outra reação, das elites mais
sensíveis contra esse aparente desapreço pela aparência das peças.
Uma das iniciativas mais bem sucedidas, fruto das citadas reações foi a que
se consubstanciou em Bauhaus. Pretendeu-se que a máquina era uma
conquista irreversível da humanidade, mas que devia ser utilizada com
critério, a partir de modelos criados por artistas, [com] capacidade de
conferir à funcionalidade do objeto uma intenção plástica razoável. Para
tanto deveriam os artistas se familiarizarem com a máquina, estudando-lhe
e conhecendo-lhe as possibilidades. Tentou-se, com essa orientação, a
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O movimento Arts and Crafts – “arte e artesania” – questionava a qualidade dos objetos produzidos
industrialmente em razão da padronização estética produzida. Em oposição a isto, defendia o
exercício artesal como uma forma de recuperação da “aura” dos objetos.
91
88
formação de equipes de criadores que fossem capazes de restabelecer os
laços que sempre existiram entre a técnica e a arte. (VASCONCELLOS, A
beleza da máquina, 1967, p.4).
Vasconcellos reconhece na produção industrial um problema de ordem
econômica, mas sobretudo uma projeção das aspirações coletivas aos objetos de
consumo, ampliadas de tal forma que exigiram, por parte dos arquitetos, como na
Bauhaus, a elaboração de uma estética da máquina, na qual se vê “[...] uma intenção
plástica razoável.” (VASCONCELLOS, A beleza da máquina, 1967, p.4).
Contudo, o autor avalia de modo superficial o movimento de reação à máquina: o
Movimento Arts and Crafts surgiu na Inglaterra pós-industrial, liderado por William Morris
(1834-1896), como conseqüência às idéias postuladas pelo movimento neogótico de
John Ruskin (1819-1900). Pretendeu resgatar o fazer artesanal dos objetos – reagindo à
produção maquinal, à eliminação da estética do objeto e às cópias do passado. Neste
sentido, estava evidentemente ligado ao problema da mão-de-obra, mas preocupava-se,
fundamentalmente, com a perda da aura do objeto, entendido como perda da memória
coletiva, outro tema benjaminiano.
No entender do arquiteto mineiro, somente as elites – a alta cultura – poderiam
recuperar os valores estéticos do objeto industrialmente produzido, e este papel coube à
Bauhaus. Há, por parte do autor, uma romantização dos princípios e dos resultados
obtidos na escola de artes e ofícios alemã. A máquina era, sim, “uma conquista
irreversível da humanidade”, mas os propósitos que originaram a formação da escola
não podem ser tidos como “revolucionários”, ao menos se considerarmos o período de
formação sob a direção de Walter Gropius. A Bauhaus originou-se da Escola de Artes e
Ofícios de Weimar, sob o mecenato Conde Harry Kessler (1868-1937); isto significa que,
em sua origem, os objetivos de criação da escola eram econômicos, mas sobretudo
políticos, uma vez que o arquiducado desejava manter sua posição de liderança frente à
Alemanha em processo de unificação. É ao capital industrial que Gropius se dirige; logo,
a afirmativa de Sylvio é parcial; pretende valorizar a experiência ali desenvolvida de
modo a justificar a transposição dos postulados modernistas para a realidade brasileira.
Não é plenamente correta a afirmação de que os alunos se dedicaram a
conhecer as máquinas, mas sim os materiais. Há uma inversão pedagógica importante
aqui, pois um material em pesquisa pode ou não conduzir a um objeto passível de
industrialização – e a própria história da Bauhaus denota que o corpo docente e
discente interessou-se muito mais pela atividade artística vanguardista do que pela
produção de objetos que conciliassem estética moderna e tecnologia industrial,
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Esquema de organização pedagógica da Bauhaus (da periferia par ao centro): curso preliminar, onde
a tônica se fundamentava na experimentação (workshops), na análise por meio da representação
gráfica bidimensional e tridimensional, e no cientificismo; habilitações técnicas específicas, como
desenho, manuseio de ferramentas, estudos compositivos, análise de objetos da História da Arte;
cursos “profissionalizantes”, organizados segundo a matéria e a tecnologia envolvidas.
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A organização do curso da Bauhaus propiciava aos alunos, desde o ingresso, uma profunda
experimentação de ordem material e plástica, que tinha por objetivos libertar as jovens mentes de
posturas conservadoras, permitindo que ampliassem seus horizontes de pesquisa. No que tange à
formação arquitetônica, especialmente durante a direção de Hannes Meyer, este sentido
vanguardista radical foi “moldado” em direção a uma associação com a produção dos objetos em
larga escala, como o design de mobiliário, não repercutindo do mesmo modo que nas artes plásticas,
gráficas, fotografia, cerâmica, tapeçaria, e outros ateliers.
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conforme preconizado por Gropius na figura do artista-artesão; daí a sua substituição
por Hannes Meyer (1889-1954) na direção da escola em 1923. Sylvio parece ter se
limitado aos exemplos que ao Brasil chegavam, em especial o design de mobiliário de
Marcel Breuer.
Esta atitude frente à Bauhaus, em que a pedagogia adotada e os objetivos são
re-escritos à moda de Vasconcellos, denota uma ambivalência por parte do autor.
Entendemos que Vasconcellos elabora uma lógica de pensamento coerente com os
movimentos culturais de seu tempo, expressos na presença inexorável da máquina no
cotidiano e na urgência em “[...] restabelecer os laços que sempre existiram entre a
técnica e a arte.” (VASCONCELLOS, A beleza da máquina, 1967, p.4).
Paralelamente, a indústria continuava crescendo e absorvendo todas as
atenções. Desenvolvimento, subdesenvolvimento, em desenvolvimento,
etc., etc. são palavras constantes na boca de todo mundo. Tornou-se um
signo, milagre e mágica. Indústria produz coisas, produz o objeto a ser
comprado e usado, o objeto de consumo. O importante é o objeto; tudo o
mais é secundário. Inclusive a arte que apenas visa emoção, gratuitamente,
sem finalidade prática.
Dessas considerações resulta a teoria, já anunciada em Bauhaus, na
Alemanha, entre as duas grandes guerras, que faz a arte depender do
objeto. Ou vice-versa. A beleza deve ser útil. Tudo que nos cerca deve ser
belo: a máquina de lavar, o fogão, a cadeira, o copo, etc., etc. A beleza pura
não mais faz sentido: o quadro na parede, a escultura por si mesma, são
requintes que não se coadunam com uma civilização industrial. É preciso
procurar a beleza escondida no objeto comum e, de outro lado, fazer o
objeto comum belo... (VASCONCELLOS, Pop-op-Pop-op-Pop o fim da linha,
1970, p.6).
Dirige-se, mais uma vez, ao conservadorismo reinante. A casa brasileira ainda
não se vestiu dos princípios da “máquina de morar”. É verdade que, assim como na
Arquitetura, o design no Brasil experimentou reações, em conjunção com os projetos
modernistas. É o caso de Joaquim Tenreiro (1906-1992).
Antes da vinda deste artesão português para o Brasil, o mobiliário nacional
ainda estava agarrado ao ecletismo horrendo dos Luíses, da Normandia, do
Diretoir, dos Chippendales e outros supostos neo-estilos históricos. Isso por
fora, nos dourados, nos vernizes e entalhes superpostos, porque por dentro
a estrutura se escondida em tábuas de caixote (bacalhau ou querosene)
juntadas a prego.
[...]
Percebeu, porém, com admirável intuição, que o mobiliário precisava
evoluir, saindo dos pastiches históricos para uma autêntica modernidade.
Para glória de Minas Gerais, sua grande chance consubstanciou-se na casa
de Francisco Inácio Peixoto de Cataguases, projetada por Oscar Niemeyer.
[...]
A glória da introdução do móvel moderno no Brasil cabe, portanto, a Minas.
Depois de Tenreiro, é claro.
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[...] se espalhou a moda dos móveis em madeira branca e esguia que,
depois, perderia a dignidade nas cópias mal feitas conhecidas como de pés
de palito. Contudo a semente pegou bem e não só começaram a ser
valorizadas as madeiras nacionais – o pau-marfim, a cerejeira, o jacarandá
– como principiou o gosto público a orientar-se em favor do mobiliário
moderno, elegante, leve, delicado, correto. Especialmente bem feito.
(VASCONCELLOS, Joaquim Tenreiro, para ninguém esquecer, 1976, p.6).
“Tenreiro” passa a designar uma estética, fundamentada na associação de
materiais locais, em especial a madeira, e padronagens desenvolvidas por artistas
plásticos. A loja-oficina da Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, contudo, não era uma
indústria; tão-somente um atelier. Não estavam ainda instaladas no país as condições
tecnológicas e, sobretudo, culturais necessárias para fazer difundir o novo mobiliário e
com ele a nova arquitetura – o novo morar. Esta situação reflete a pouca extensão
alcançada pelo princípio da “máquina de morar”, muito mais presente em discursos dos
arquitetos – como o próprio Vasconcellos – do que atingindo as massas, como
pretendeu Gropius com sua revolucionária escola.
A casa brasileira não se transformara. Permaneceu consolidada no hábito e nas
tradições do morar, como Sylvio explicitamente nos indica:
O conforto doméstico pouco se aperfeiçoou, no entanto. Continua a existir a
sala de visitas, fechada ao uso dos familiares, aparece aos poucos a sala
de jantar, também muito pouco usada, a não ser nas festas de batizados e
aniversários, e a vida interna continua a girar em torno dos dormitórios e da
cozinha, depois acrescidos de uma copa, onde realmente se processam as
refeições cotidianas. Essa copa é o centro de gravidade do movimento da
família. Todas as demais peças colocam-se à sua volta. (VASCONCELLOS,
A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961, p.18).
Lembramos que o sentido de conforto deriva da funcionalidade dos espaços,
objetos e equipamentos, tal como discutido anteriormente. Sylvio ainda viria a
demonstrar uma interpretação por ele entendida como equivocada da idéia de conforto
no Brasil, indicando um arraigamento ou um conservadorismo a um sentido oitocentista
de luxo, por meio de uma comparação com a vida norte-americana:
É verdade que as casas americanas funcionam: têm geladeira, lava-pratos,
máquina de lavar roupa, telefone, televisão e todas as demais comodidades
da tecnologia moderna. Isto, porém, não quer dizer que sejam palácios. Até
que, no geral, as casas são muitos reduzidas em área, poucas indo além
dos cem metros quadrados.
[...]
Gasta-se muito dinheiro nos Estados Unidos com o conforto. Pouquíssimo
com luxo. Pouquíssimo com a aparência ou exibicionismo. O orgulho da
dona de casa está na ordem e limpeza do lar; não na profusão ou preços
dos acessórios. Do ponto de vista do bem-estar e do manejo dos recursos
disponíveis, a realidade americana bem podia servir de exemplo aos
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brasileiros, induzindo-os a deixar essa mania de grandezas aparentes em
benefício de uma mais racional aplicação dos recursos disponíveis.
Acho muito importante que os brasileiros tomem conhecimento deste
assunto para que possam corrigir as idéias falsas que têm sobre a vida nos
países altamente desenvolvidos. Desenvolvimento não é uma aparência de
luxo com sacrifício do conforto. Desenvolvimento não é desperdício e
ostentação. É simplesmente uso racional dos recursos para que se alcance
o máximo de bem estar. (VASCONCELLOS, A casa e a nossa mania de
luxo, 1975, p.10).
Mais uma vez, é possível perceber a noção de comodidade como sendo um justo
emprego da matéria para uma correta resposta funcional – mínimo de meios, máximo de
efeito –, em um retorno, ainda que tardio (o texto é de 1975, quando a Arquitetura via-se
envolvida pelas correntes pós-modernistas), à idéia da casa como máquina de morar”.
E, sobretudo, uma intenção pedagógica, em que se explicita a necessidade da
sociedade brasileira rever sua concepção e postura frente ao consumo de equipamentos
modernos.
O uso do termo “desenvolvimento” indica, no texto de Vasconcellos, um conteúdo
do campo da Economia, justamente em um momento – o chamado “milagre econômico
brasileiro” – em que se reaquece o mercado de consumo interno. O sentido crítico,
contudo, é bem diverso do texto anterior, escrito em 1961, ainda sob os auspícios da
política juscelinista dos “50 anos em 5”. Ali, havia um tom integrado e coeso às
possibilidades de um país novo, modernizado. Em 1975, a fala é cautelosa –
acreditamos não por uma circunstância política, pois em diversos outros artigos
publicados no exílio o objeto da discussão ou a escrita são mais agudos – em razão de
uma revisão consciente do tema, somente aflorada no contato com uma cultura externa.
Vasconcellos nos revela uma constante preocupação com o consumo. Em suas
crônicas, o tema é recorrente, em face a um estupor diante das invencionices
possibilitadas pela indústria norte-americana.
A mulher – responsável pela sujeira original: a maçã – ficou sendo a
principal responsável pela tarefa de limpar. Do nascer ao pôr do sol não
tinha e não tem outro objetivo senão o de limpar o ambiente onde vive a
família. Lava-se, lava os filhos, a roupa da casa, o chão, os vidros, as
cortinas, a cozinha, os jardins, os móveis, os cachorros, os gatos... lava até
os maridos. Um centímetro de poeira é uma ameaça tremenda de pecado.
Quase como uma nova maçã.
A indústria – que não é nada boba – embarcou no processo. Estimulou-o,
inventou novas sujeiras a eliminar, criou o pavor aos germes, aos cheiros,
às fumaças, às superfícies porosas que escondem micróbios, a tudo, enfim,
que pudesse ser combatido e eliminado com um produto novo que
generosamente oferecia como uma inapreciável contribuição á limpeza total
de pessoas e coisas. Sabões, líquidos, panos, escovas, aparelhos para
torná-los mais eficientes, pastas especializadas em determinados pecados –
desculpem-me: sujeiras – aparecem aos montões. 90% dos anúncios de
92
televisão referem-se a estes produtos. Cada um mais eficiente que outro,
mais violento contra o sujo e mais inócuo com relação ao limpo.
[...]
Foi aí que apareceram os “sprays”. Basicamente para que a sujeira pudesse
ser combatida à distância, evitando que mãos humanas se contaminassem
no processo da limpeza. Sprays e máquinas completam-se neste objetivo.
Há escovas de dentes elétricas, aspiradoras, limpadoras de tapetes,
aparelhos de lavar pratos, de lavar roupas, de secar roupa lavada, de cortar
unhas, de reduzir o lixo a pó para que saia pelos esgotos, de aspirar a
grama cortada, de lavar cachorro... já há até pentes elétricos. Para gente.
(VASCONCELLOS, Mania de limpeza, 1973, p.6).
Em parte podemos entender esta atitude sob a ótica dos fatos econômicos
acontecidos no Brasil entre os anos 60 e 70, em que Vasconcellos alerta para a
possibilidade de um mergulho infindo no consumismo fantasiado de facilitador da vida
doméstica cotidiana. Por outro lado, poderíamos supor que esta crítica denota um
contraste com a espartana – ou “franciscana” – vida levada pelo casal Vasconcellos na
década de 70. Imersos na sociedade de consumo, nela marginalizados.
Sylvio destaca, frequentemente, o papel da funcionalidade. Não abandona a
necessidade de incorporação efetiva do tema na arquitetura, lançando mão, para tanto,
do equipamento e do objeto produzidos industrialmente.
A técnica progride, evolui e se aperfeiçoa integrada na vida. A arte refugia-
se em utópicas abstrações. Qualquer automóvel oferece hoje muito maior
adaptabilidade às suas funções, inclusive no que diz respeito à beleza
necessária, do que a moradia. Qualquer geladeira responde melhor, ao que
lhe pede o homem do que as construções. (VASCONCELLOS, O
quotidiano, a arte e a arquitetura, 1966, p.26).
Em um primeiro momento, chega a ser prescritivo no que tange ao problema da
função no interior da casa, conforme já mencionado a respeito do artigo “Como saber se
sua casa é boa ou ruim” (sd). O artigo dirige-se, em parte, ao usuário: como em um
check-list, é possível ao indivíduo comum, não habituado aos princípios da
funcionalidade, verificar item a item se a casa onde reside é funcional – condição para
qualificá-la como boa ou não. Vejamos um exemplo:
Banheiros são peças para uso eventual e temporário. Não se destinam a
reuniões ou bailes, nem a permanências prolongadas. São peças de função
específica. Por conseguinte não adianta possuírem áreas imensas. Devem
apenas ser suficientemente proporcionados para que neles caibam as
peças indispensáveis e espaço para sua utilização. Preferentemente vaso,
pia, bidê, caixa de roupa suja e, enfim, tudo que se refere a uso em maior
número de vezes, é preferível que seja disposto em fila, segundo a
preferência utilitária. Primeiro o lavatório, junto à porta. Depois o bidê e,
finalmente, o vaso. Do outro lado, também em fila, o chuveiro e a banheira,
esta última de pouco uso modernamente. Corredor de trânsito livre, ao
meio. A disposição em fila é a que economiza maior número de movimentos
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do usuário. Ademais facilita o encanamento, as operações de limpeza e as
reparações. (VASCONCELLOS, Como saber se sua casa é boa ou ruim, sd,
p.3).
A partir do texto, poderíamos, ainda, inferir que Vasconcellos dirige-se aos
arquitetos. É o professor, revestido de autoridade, quem lhes fala. A linguagem direta
denota o que fazer, o que dispor, como dispor; somente deste modo o projeto seria
qualificado como bom. Note-se, não belo. A “forma segue a função”.
Este tema conduziu a pesquisa espacial moderna a uma série de reflexões e
experiências. Nenhuma delas, contudo, aguça mais a curiosidade e a inventividade dos
arquitetos do que o problema da flexibilização dos espaços. De certo modo, é uma
decorrência natural do funcionalismo, uma vez que as funções frequentemente se
alteram ao longo tempo, quer tratemos da residência, ou de um outro programa edilício
qualquer (uma fábrica, por exemplo, pode ter seu espaço totalmente reconfigurado pela
introdução e/ou substituição de novas tecnologias de produção).
Nos Estados Unidos de hoje não há edifício de escritórios que não seja
assim. Dispõem de metros quadrados; não de salinhas em sucessão. E
todas as divisões internas são feitas depois, pelos ocupantes, com painéis
de fácil montagem e desmontagem.
A solução me leva ao problema dos apartamentos. Por que não construí-los
assim também? Por que não deixar a cada proprietário o direito de
organizar sua morada como melhor lhe convir? Cada família tem suas
necessidades próprias; cada família tem estas necessidades alteradas no
correr do tempo. Ora se constitui apenas de um casal dado a recepções;
salas são impositivas. Ora estão com filhos pequenos: há que dar-lhes
espaço. Casam-se os filhos: as necessidades se alteram. Casa já não pode
ser fixa, sempre igual. Ou se tornam flexíveis ou têm de ser abandonadas
sucessivamente por outras. (VASCONCELLOS, Construções mais
racionais, 1978, p.6).
No início desta seção, discutimos o problema do conforto, da comodidade, da
commoditas. É necessário, ainda, fazer referência ao duplo-nome da comodidade: a
utilidade. A rigor, diversos tradutores dos textos clássicos, em especial do “De
architectura libri decem” de Marcus Pollion Vitruvius (viveu no século I aC), referem-se a
utilitas. O sentido de utilidade reveste-se, em Vasconcellos, de uma dimensão mais
ampla: para quê serve a Arquitetura? Em que consiste sua utilidade prática? Com
certeza, não se trata do embelezamento.
A situação do arquiteto na industrialização do País é aquela mesma
decorrente de sua responsabilidade em seu contexto social e econômico. É
necessário e urgente que o arquiteto abandone sua posição de artista
escultórico, para confundir-se com o povo em sua luta pelo progresso.
Confundir-se no sentido de contribuir com toda sua capacidade para que as
94
coisas sejam bem planejadas, bem concebidas e bem executadas. Não só o
edifício monumental ou a casa do rico mas todas as coisas que possam
servir ao homem. Confundir-se com o povo o sentido de sentir e atender às
suas necessidades mais prementes e não apenas aquelas da contemplação
e da poesia. Confundir-se no sentido de tornar-se útil e não supletivo
apenas. (VASCONCELLOS, Inquérito nacional de arquitetura, 1963, p.40)
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O uso dos elementos metálicos, mesmo nos edifícios públicos, como no Palácio da Liberdade, era
limitado. Neste caso, a escadaria, projetada por Nascentes Coelho, em ferro laminado e fundido,
indica a assimilação do gosto Art Nouveau na cidade, embora o edifício – projetado por José de
Magalhães – seja claramente orientado pelo neoclassicismo de Charles Garnier.
95
2.3. O barro armado e a verdade estrutural
Retomemos a discussão da necessária integridade do objeto arquitetônico. Assim
como a função redesenhou a instância formal, também a tecnologia era condição
fundante da nova arte. Para os modernistas, era fundamental conciliar a verdade
estrutural aos princípios do estilo, e isto não era possível reconhecer no Ecletismo:
Uma arte decadente, uma técnica escorregadia. Qualquer discussão é
desnecessária à simples observação do contraste. Os bons elementos de
nossa arquitetura tradicional, as rótulas, os largos beirais, as soluções de
planta, a simplicidade, as largas varandas e os pátios, nada disso foi
lembrado. Apenas o nome, a decoração impensada, a complicação, o
enfeite postiço, a máscara mal ajustada. Nada da nobreza e da dignidade:
até o ondulado leve das paredes fruto da dificuldade de perfeito desempeno
do revestimento foi deturpado em mil e um dos chamados revestimentos
rústicos onde as imaginações mais loucas tiveram permissão para se
manifestarem: apareceram as escamas, as lombrigas, as conchas, o
penteado, – virgem Nossa Senhora. (VASCONCELLOS, Contribuição para
o estudo da arquitetura civil em Minas Gerais II, 1946, p.48).
Impor sobre o Ecletismo a pecha do decorativismo – “A arquitetura não é
arqueologia aplicada”, escreveu Walter Gropius em 1949 – significava dizer, sobretudo,
que ali a construção era um dado secundário. A rigor, o sistema construtivo utilizado era
basicamente o mesmo, independentemente da função a ser exercida no edifício, a
saber, o uso de paredes maciças, em tijolos ou pedras, capazes de suportar o peso
próprio e dos andares superiores, acarretando a exiguidade dos vãos e/ou a grossura
dos muros. Para Vasconcellos, a evolução tecnológica na construção é sempre lenta, de
difícil aceitação:
Enquanto tudo evolui à nossa volta, enquanto já passeamos na Lua e
entregamos a computadores a tarefa de pensar por nós, a arquitetura
continua estática, parada no tempo, repetindo soluções já seculares.
Tijolinho sobre tijolinho como se fazia no princípio da civilização, dez mil
anos atrás, e romântica feição plástica já perdida no tempo.
(VASCONCELLOS, Construções mais racionais, 1978, p.6).
Na Belo Horizonte nascente de Vasconcellos, a exceção era o uso da estrutura
metálica. Contudo, o emprego limitava-se a alguns poucos edifícios públicos e à estação
ferroviária, não alcançando as residências privadas. Podemos mesmo afirmar que no
conjunto das secretarias e palácio na Praça da Liberdade o uso do ferro fundido limitou-
se a alguns poucos elementos, notadamente escadarias e clarabóias, importadas da
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A Exposição Universal de Paris (1889) aponta para os contrates entre a construção industrializada –
emblematizada pela Torre Eiffel e pela Galeria das Máquinas – e a ornamentação requintada, visível
no portal de entrada no Champs de Mars.
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Bélgica ou da França, sendo o sistema construtivo geral utilizado as paredes portantes.
Não são visíveis os grandes vãos, as escalas gigantescas e as alturas quase ilimitadas
como nas obras de Gustave Eiffel (1832-1923), Victor Contamin (1840-1893) e Charles
Louis Ferdinand Dutert (1845-1906) para a Exposição Universal de Paris, em 1889.
Pois bem: no século XIX ocorreram estas novas bases – o ferro e, logo
depois, o concreto. Ocorreram ainda inovações na estética
consubstanciados, principalmente, pela química das cores e pelo maior
conhecimento da luz e dos fenômenos óticos. Rompida estava a barreira.
Ultrapassada estava a fase técnica compreendida pela utilização dos
materiais naturais – a pedra, a madeira e o barro. Os novos materiais – por
assim dizer artificiais – ofereciam outras possibilidades estáticas: flexão e
distensão que antes, quando existentes, eram extremamente precárias.
Com essas novas possibilidades desenvolveu-se, é claro, o cálculo,
permitindo sua racional aplicação. (VASCONCELLOS, Arquitetura: dois
estudos, 1981, p.27).
Se aos modernistas era fundamental fazer da Arquitetura a síntese entre forma e
função, como vimos, necessário seria investigar novas técnicas construtivas capazes de
expressar coerentemente os princípios modernos. Le Corbusier recuperou na Ville
Savoye a independência do sistema construtivo em pórticos de concreto armado,
claramente expresso no valor dado ao pilotis. A rigor, esta pesquisa havia sido iniciada
anos antes com Auguste Perret (1874-1954), com quem Le Corbusier havia trabalhado
como estagiário recém-chegado em Paris, ainda como Charles-Édouard Jeanneret. Em
1905, vigas e pilares de concreto armado são francamente expostos na fachada da
garage Citroën, no número 51 da rue de Ponthieu.
Segawa (2002) demonstra que a pesquisa plástico-tecnológica aporta no Brasil
antes mesmo da segunda visita de Le Corbusier, a convite do governo brasileiro, para
atuar como consultor do projeto do Ministério da Educação e Saúde, em 1937. Exemplo
são as obras de Luiz Nunes (1908-1937), em Pernambuco, e de Álvaro Vital Brazil
(1909-1997) e dos irmãos Marcelo (1908-1964) e Milton Roberto (1914-1953), no Rio de
Janeiro. Contudo, foi no projeto desenvolvido pela equipe liderada por Lucio Costa –
Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), Carlos Leão (1906-1983), Ernani Vasconcellos
(1909-1988), Jorge Machado Moreira (1904-1992) e Oscar Niemeyer – que o tema
ganhou projeção e os arquitetos modernos, também capitaneados por Costa no IPHAN,
passaram a investigar as interações com os sistemas construtivos utilizados desde o
século XVII.
A exemplo de Lucio Costa – que exalta na arquitetura colonial civil mineira a
“saúde plástica” das tipologias – Sylvio conecta as formas e as técnicas tradicionais à
mais moderna estética:
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A produção arquitetônica de linguagem moderna é significativa em todo o país, do Recife à capital
federal, antes mesmo ou contemporaneamente à chegada de Le Corbusier para orientar o projeto e
construção do MEC, em 1937.
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A construção lembra o concreto armado: o barro armado! Inicialmente se
colocam os quatro esteios dos cantos e, apoiados neles os frechais
fechando o cubo em cima. Penetrando no próprio chão e nos frechais se
colocam verticalmente os “paus-a-pique” que vêm depois dar nome à
construção. Em sentido horizontal, as varas amarradas com cipós aos paus-
a-pique. A armação está pronta e agora é só encher esta rede de paus
trançados com o barro já amassado e depois, às vezes, colocar o
revestimento. A armação do telhado também é simples, uma cumeeira e os
caibros apoiados nela e nos frechais. Algumas gramíneas – o sapé, a folha
de palmeira – são as coberturas preferidas, em carreiras superpostas. As
madeiras são ligeiramente desbastadas nos esteios e frechais. O resto são
paus roliços com casca e tudo. Talvez como construção rústica, não
possamos ainda considerar estas casinhas como arquitetura propriamente
dita, a não ser pelas indicações construtivas que possam sugerir.
(VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em
Minas Gerais I, 1946, p.33).
O termo “barro armado” muitas vezes substitui, em textos técnicos de diversas
fontes, a denominação do pau-a-pique. Este sistema de vedação, geralmente disposto
entre dois esteios verticais, consiste, basicamente, em uma trama de paus roliços sobre
a qual se aplica uma argamassa de terra. A vedação em pau-a-pique não cumpre,
portanto, função estrutural, a cargo do conjunto esteios-frechais, comumente
denominado “gaiola”. Ao associar o barro armado ao concreto armado, Vasconcellos
demonstra que a casa colonial mineira, por maior rusticidade que sua tecnologia poderia
indicar, é um verdadeiro exemplo de arquitetura, vinculando-se à idéia da “cabana
primitiva”, de Marc-Antoine Laugier, abade beneditino, autor dos tratados “Essai sur
l´Architecture”, de 1753, e “Observations sur l´Architecture”, de 1765.
Na esteira dos racionalistas da “querelle”, Laugier destacava que a profusão na
estilização das ordens clássicas não permitia associá-las mais à essência da
Arquitetura. Foi, então, buscar a idéia de um modelo a partir do qual todas as obras de
arquitetura foram inventadas, descartando deliberadamente o princípio da autoridade
das ordens, ou seja, rejeitando a tradição. Exatamente por isso, John Summerson
(1994) considera Laugier o primeiro filósofo da arquitetura moderna. Para o abade
francês, o edifício ideal – a cabana primitiva – deveria ser meramente uma estrutura de
suporte a uma cobertura.
O homem quer fazer um abrigo que o guarde sem sepultá-lo. Alguns ramos
cortados no bosque são os materiais adequados para seu projeto. Escolhe
os mais fortes e os levanta perpendicularmente formando um quadrado. Em
cima coloca outros quatro transversais; e sobre estes, outros inclinados em
duas vertentes formando um vértice no centro. Esta espécie de teto se
cobre com folhas para que nem o sol nem a chuva possam entrar; e eis aqui
o homem abrigado. É certo que o frio e o calor o farão sentir incômodos na
casa aberta por todos os lados; mas então preencherá de ramos o espaço
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A estrutura “em gaiola”, típica da arquitetura setecentista mineira, aproveita os quadros em madeira
para a sustentação, e emprega técnicas de vedação mais leves, que não sobrecarregam o sistema,
daí o uso do “pau-a-pique”, também conhecido como “taipa-de-mão” ou “taipa-de-sopapo”.
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por entre os pilares e assim ficará seguro. [...] A pequena cabana rústica
que descrevi é o modelo sobre o qual se tem imaginado todas as maravilhas
da Arquitetura. E é aproximando-se, na execução, à simplicidade deste
primeiro modelo que se evitarão os grandes erros, como serão alcançadas
as verdadeiras perfeições. (Laugier apud PATETTA, 1984, p.195, tradução
nossa)
22
.
Ao descrever o que considerava ser o mais simples dos espaços arquitetônicos,
o abrigo, Laugier abriu caminho ao racionalismo, abraçado pelos modernistas e ao qual
se agregaram os aspectos técnico-funcionais. É possível verificar, na descrição dos
espaços, uma aproximação entre o mineiro e o teórico setecentista, e entre estes e a
arquitetura modernista: “Estes tipos com seus esteios de pouca secção, os cheios
jogando bem com os vazios, faz lembrar perfeitamente as soluções de nossa arquitetura
moderna. A pureza, a franqueza das soluções são as mesmas, o mesmo espírito!”
(VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em Minas Gerais I,
1946, p.45). Ou ainda:
Quatro esteios de paus roliços, quatro frechais e uma cumieira ao alto;
roliços também são os caibros que receberão as fibras vegetais da
cobertura: sapé, folhas de palmeiras, etc. Paus com casca e tudo, sem
qualquer desbaste que os beneficiasse. De princípio simples telheiros que
acolhem o homem e seus trastes, seus animais, suas ferramentas; depois,
fechando-se, na periferia, com tramas ainda de paus roliços e varas,
esqueleto que serviria para a sustentação do barro com que se acabam.
(VASCONCELLOS, Arquitetura: dois estudos, 1981, p.40).
Em “Panorama da arquitetura tradicional brasileira”, Vasconcellos refere-se ao
rancho como “[...] a tejupaba indígena, a casa de sapé da poética nacional romântica,
tipo de construção que pode ser atribuída tanto ao índio como ao negro, perdendo-se
mesmo na tradição universal.” (VASCONCELLOS, Panorama da arquitetura tradicional
brasileira, 1956, p.146). Isto, então, legitimaria o modelo tipológico tradicional mineiro –
a casa apoiada sobre esteios, com paredes vedadas por barro – como arquitetura
verdadeira para os modernistas, leia-se aqueles integrantes do IPHAN, sempre
liderados por Lucio Costa. Ou seja, o entendimento do que é a arquitetura, para a
modernidade, passa pela relação entre espaço, técnica e função, descartados os
22
El hombre quiere hacerse un alojamiento que le cobra sin sepultarle. Algunas ramas cortadas en el bosque
son los materiales adecuados para su diseño. Elige los más fuertes y los levanta perpendicularmente formando
um cuadrado. Encima coloca otros cuatro transversales; y sobre éstos, otros inclinados en dos vertientes
formando un vértice en el centro. Esta espécie de techo se cubre com hojas tupidas para que ni el sol ni la lluvia
puedan entrar; y he aqui al hombre alojado. Es cierto que el frio y el calor le harán sentir incomodidad en la casa
abierta por todas partes; pero entonces rellenará de palos el espacio entre los pilares y así quedará asegurado
[...]. La pequeña cabaña rústica que he descrito es el modelo sobre el que se han imaginado todas las
magnificiencias de la Arquitectura. Y es aproximándose, en la ejecución, a la simplicidad de este primer modelo
como se evitan los grandes defectos, como se alcanzan las verdaderas perfecciones [...].
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O abade Laugier, matemático e filósofo, dedicou seus estudos – no seio do Iluminismo – à discussão
sobre a essência da Arquitetura. Através de seus tratados foi possível alcaar uma primeira vertente
de funcionalismo, ou melhor, um resgate da significação da função para a edificação, negligenciada,
na opinião dos intelectuais do setecentos, por uma visão superficial do mundo, manifestada na
Arquitetura na exuberância e frivolidade da ornamentação rococó. Laugier afirma que o valor deste
campo de saber está assente na função a ser desempenhada, visível e possível através de uma
estrutura eficiente, e não de elementos clássicos, tornados na alegoria como despojos, ruínas
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ornamentos, como é possível verificar na gravura que acompanha o tratado de Laugier:
a musa indica o modelo a ser assumido, e desvia o olhar dos elementos clássicos que
lhe servem, contudo, de apoio; o futuro ampara-se na tradição, mas a supera.
Os mesmos princípios da cabana primitiva são levados ao extremo por Mies van
der Rohe, em 1946 – portanto concomitante ao texto de Sylvio e indicativo da real
presença de uma rede de saberes, neste caso, ainda interna à Arquitetura – no projeto
da Casa Farnsworth (1951); ali, o aço e o vidro se associam para tornar possível a
imagem de dois séculos atrás; monumentaliza-se a técnica.
Aqui, a cristalina caixa de aço foi unificada ao ideal clássico. No todo e no
detalhe, aquilo que [Frank Lloyd] Wright chamou de ‘elementos primários’ da
arquitetura, foi purificado em uma versão mecânica e desejada do plinto,
apoio e arquitrave. Mas a composição também fez a casa e seu terraço
moverem-se em relação um ao outro de modo a rememorar a pintura
abstrata dos anos 20. (CURTIS, 2005, p.403, tradução nossa)
23
.
O espaço interno também se vale dos princípios da planta livre corbusiana e da
contemplação da natureza, possível na transparência absoluta dos painéis de vidro; o
único invólucro absolutamente fechado corresponde às peças sanitárias e chuveiro. A
transparência absoluta, reza a lenda, levou a proprietária, Edith Farnsworth, a instalar
cortinas por toda a extensão da casa, e não apenas no espaço do dormitório.
Em determinado período de suas atividades, o grande arquiteto [Mies] Van
der Rohe começou a encarar o problema arquitetônico em termos muitos
interessantes, que poderiam ser traduzidos pela tentativa de ordenar o
espaço por meio de planos soltos, considerado o espaço quase como uno e
indiviso. O exemplo mais citado a respeito é o Pavilhão de Barcelona. Outra
vez, como no barroco, a matéria não confina nem delimita inteiramente o
espaço, mas apenas serve para insinuar volumes espaciais. [...] No entanto
há uma ordenação, embora livre, lógica do espaço e um esforço grande por
harmonizar a construção com a natureza circunvizinha. A matéria, porém,
não está interessada na composição de formas volumétricas, pois funciona
apenas como um elemento definidor de espaços. Quase não há um corpo
sólido, mas apenas seus planos, cada um autônomo do outro, com uma
validade própria. O plano ordena, protege, mas não confina ou delimita
espaços estanques. O espaço é um só, o natural, dentro do qual os planos
se colocam para configurar locais de determinada função. Os planos são
assim como balizas ou marcação. Em planta nota-se, claramente, esta
intenção: as linhas, tanto quanto possível, não se encontram angularmente;
colocam-se no espaço total. Linhas e pontos (paredes e colunas) situam-se
no espaço contínuo e livre. O próprio vidro, que antes com Neutra, Gropius
ou mesmo Le Corbusier, apesar de transparente funcionava como um plano
nitidamente separador e perceptível, face dos corpos dos quais participava,
23
Here the crystalline steel box was again merged with a classical ideal. In overall form and detail what Wright
had called architecture’s ‘lowest elements’ were distilled into a mechanistic, hovering version of plinth, support
and architrave. But the composition also made the house and its deck ‘slide’ past each other in a way which
recalled the abstract painting of the 1920s.
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agora funciona como elemento plástico praticamente nulo, como se não
existisse, em contrate com os planos opacos fortemente marcados. O vidro
não é mais a proteção superficial do quadro (a paisagem) e sim uma
transparência. A matéria se restringe aos planos de duas dimensões. Outra
vez a impressão que a arquitetura sugere tanto do exterior como do interior
são idênticas. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1981, p.31-32).
Embora o texto refira-se ao Pavilhão da Alemanha projetado por Mies van der
Rohe para a Exposição Universal de 1929, em Barcelona, a descrição do uso dos
planos como elementos definidores do espaço vale também para a casa Farnsworth.
Mais uma vez a solução formal encontra-se intimamente associada à tecnologia da
construção; a rigor, a simplificação do programa funcional – o pequeno pavilhão consta
apenas de sala em dois ambientes distribuídos em “L”, cozinha-balcão, equipamentos
sanitários e quarto – contrapõe-se à precisão no detalhamento do sistema estrutural,
dos caixilhos e da cobertura, se não inéditos, ainda em processo de elaboração na
indústria de alumínio.
Se a construção exige uma refinada pesquisa tecnológica, o mergulho dos
modernistas no estudo dos sistemas construtivos tradicionais passa a contemplar uma
notória preocupação com o detalhamento na edificação, também notória nas descrições
precisas das soluções técnicas encontradas nas edificações ouropretanas
(VASCONCELLOS, Arquitetura Particular em Vila Rica, 1951), ou de modo mais geral –
como em “Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos” (1979):
As primitivas folhas cegas passam a ser assim suplementadas, por
pequenos caixilhos de vidro que fecham seus postigos ou duplicadas por
novas folhas inteiras, também de vidro, em guilhotinas. Esses caixilhos ao
serem subdivididos por pinásios em seis ou oito pequenos retângulos, a
princípio menores e mais próximos do quadrado e depois de proporções
mais ao alto, em todo caso de dimensões reduzidas em virtude das
dificuldades do transporte [do vidro], e do custo do material, sujeito a
substituições frequentes. (VASCONCELLOS, Arquitetura Particular em Vila
Rica, 1951, p.147).
A casa de vidro – leia-se a arquitetura nova, possível em virtude da associação
das tecnologias do ferro e do vidro – é tema caro a Walter Benjamin. O filósofo já havia
discutido a questão em “Paris, Capital do Século XIX” (1955), invocando a associação
da arquitetura com a burguesia comercial no florescimento das galerias. Na
“Glasarchitektur”, de Paul Scheerbart (1863-1915), vê a utopia modernista:
Essas imagens são imagens do desejo e, nelas, a coletividade procura tanto
superar quanto transfigurar as carências do produto social, bem como as
deficiências da ordem social da produção. Além disso, nessas imagens
desiderativas aparece a enfática aspiração de se distinguir do antiquado –
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A Glasarchitektur encontrou a primeira de suas expressões no Pavilhão de Vidro da Deustcher
Werkbund (1914), projetado por Bruno Taut.
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mas isto quer dizer: do passado recente. Tais tendências fazem retroagir até
o passado remoto a fantasia imagética impulsionada pelo novo. No sonho,
em que ante os olhos de cada época aparece em imagens aquela que a
seguirá, esta última comparece conjugada a elementos da proto-história, ou
seja, a elementos de uma sociedade sem classes. Depositadas no
inconsciente da coletividade, tais experiências, interpenetradas pelo novo,
geram a utopia que deixa o seu rastro em mil configurações da vida, desde
construções duradouras até modas fugazes. (BENJAMIN, 1991, p.32).
A casa de vidro é emblema de uma vontade coletiva e nela se conciliam meio
(tecnologia) e fim (utopia). O desejo do homem moderno é o da superação, da natureza
e de si mesmo, em um incansável voltar-se ao futuro, e para tanto as primeiras décadas
do século XX ampliaram o papel da tecnologia, empregada na elaboração de diversos
bens de consumo, inclusive a casa.
Cabia, portanto, aos modernistas resgatar os princípios da boa arquitetura, em
que a função a ser exercida e a materialidade da obra faziam-se corresponder no
aspecto plástico. O tema não é novo; em verdade, Vitruvio havia lançado a questão para
a modernidade quando em seu tratado definiu os elementos constituintes da Arquitetura
como sendo a materialidade (firmitas), a funcionalidade (utilitas ou commoditas) e a
estética (venustas), equiparativamente associadas por meio de uma atitude equilibrada
(symmetria) no projeto por parte do arquiteto. Desde a Antiguidade Clássica discute-se o
problema da “tríade vitruviana”: como associar a distribuição e a ambiência adequada ao
uso dos espaços (commoditas), as técnicas construtivas e os materiais capazes de
conformá-los (firmitas), ao deleite produzido pelas formas (venustas)? Novas eram as
exigências da sociedade.
101v
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2.4. L’esprit nouveau!
24
É à idéia da casa como “máquina de morar” que se deve maior devoção. É
através dela, e de seu perfeito e pleno funcionamento que a arquitetura modernista
transforma espaços e espíritos. Para Le Corbusier, a questão punha-se claramente:
“Arquitetura ou revolução. Podemos evitar a revolução.” (LE CORBUSIER, 1983, p.205).
O homem moderno abre-se para o mundo.
Era preciso, para tanto, moldar o pensamento, orientar as massas, garantir o
maior número possível de adeptos. A opção de Sylvio para incorrer em tal empreitada,
além da atividade docente e projetual, se deu na publicação, em jornais de grande
circulação, dos temas da nova arquitetura. O artigo “Como saber se sua casa é boa ou
ruim” (sd), como vimos anteriormente, caracteriza um destes momentos “catequéticos”;
nele, o autor prescreve, como num receituário, todos os elementos que uma boa
residência (moderna) deveria conter, desde a implantação sobre o terreno até a posição
do mobiliário nos diversos cômodos; fica clara a orientação funcionalista.
A transformação promovida na casa brasileira não incorporou apenas elementos
de ordem técnica – podemos mesmo relativizar o uso do concreto armado, em sua
potencialidade de grandes vãos e limpeza ornamental, na arquitetura doméstica – mas
sobretudo nos aspectos funcionais, regentes da forma e do comportamento. O
comportamento, antes fechado e isolado do mineiro, transforma-se por meio dos novos
espaços, cuja transparência material corresponde também a uma transparência social.
A casa não é mais estanque, fechada ou cúbica, mas acolhedora, aberta e
franca. Em consequência, muda também a vida familiar, não mais se
aceitando as camisolas ou as ceroulas como indumentária caseira, nem o
chinelo ou os tamancos. Todos se conservam, por todo o dia, mais ou
menos bem vestidos, prontos para qualquer emergência de visitas. Na
cozinha vão aparecendo os aparelhos elétricos e os fogões de [sic] lenha
vão sendo substituídos por outros elétricos ou a gás. Como a casa está toda
aberta, aparece a necessidade de, pelo menos, uma peça que atenda às
reminiscências de hábitos antigos: é o quarto de costura, que, na realidade,
é o quarto de bagunça, uma espécie de play-room americano, onde se faz
tudo o que não pode ser feito nas demais peças da construção e onde se
guardam todos os “guardados”: costurar, estudar, brincar, roupa velha,
embrulhos, etc.
Por sua vez, as casas recuam acentuadamente da via pública, com jardim
de dez ou mais metros de profundidade. Os quintais perdem sua razão de
ser e, cimentados ou ladrilhados, transformam-se em pátio de brincar, de
24
A revista “L´Esprit Nouveau” foi publicada entre 1921 e 1925, por Le Corbusier e Amedée Ozenfant (1886-
1966), e compunha-se de artigos onde é possível ler não apenas postulados modernistas de natureza formal,
como o traçado de “linhas reguladoras” preconizado pelo édito, mas em especial odes ao homem moderno.
102v
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126
As diversas imagens denotam o princípio da integração espacial entre ambientes e entre exterior e
interior, possibilitado pelos grandes painéis de vidro e janelas de correr. Nestas residências, a idéia
de conforto – também presente no mobiliário – associa-se à plástica abstrata dos volumes e cores.
103
lavar roupa ou mesmo de jogos e piscinas. As peças destinadas aos
serviçais, que antes, preferentemente, se erguiam em barracões
independentes da casa, incorporam-se a esta e ganham tratamento melhor.
A garagem transforma-se em abrigo de utilização dupla: guarda de
automóvel e varanda. Os dormitórios, mormente o do casal, aumentam de
tamanho. Banheiros privativos incorporam-se a esses dormitórios. Por sua
vez, as plantas compõem-se em retângulos de uma só água ou com
terraços impermeabilizados. Janelas são de correr, e não mais de abrir. Os
interiores são claros, iluminados fartamente e até em demasia, exigindo o
uso de cortinas e, frequentemente, os jardins conjugam-se com as salas de
estar. Surge de novo o pátio de tradição mourisca usado na arquitetura
colonial. É o jardim privado para uso na intimidade.
Para terminar, as cores ganham seu reino. Não há mais discrição de cremes
e rosas ou brancos, mas cores vivas, contrastantes e alegres. A arquitetura
se abre em sorrisos e toda a população se torna também mais feliz.
(VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961,
p.18).
Sylvio parece fazer uma descrição das residências modernistas por ele
projetadas. Ou ainda, definir os “dez pontos da arquitetura moderna mineira”: volumes
prismáticos, grandes afastamentos ajardinados, quintais transformados em espaço de
lazer da família, cozinha equipada, incorporação do setor de serviços ao volume da
residência, garagem de dupla-função, dormitórios amplos, quarto de costura e
guardados, aberturas amplas e corrediças permitindo interiores claros e a conexão com
o exterior, cores nas fachadas. Toda a vida humana se ilumina e, finalmente, a
sociedade se transforma em direção ao futuro.
O mundo, a civilização e a sociedade mudaram fantasticamente nas últimas
décadas. A arquitetura sofreu modificações substanciais que, se a princípio
tiveram restrições conservadoras, em pouco tempo caíram no gosto do
público. Não foram menores as alterações que atingiram a roupa, os
veículos, os utensílios domésticos e os instrumentos de trabalho, como a
máquina de escrever, a esferográfica e as ferramentas.
Os próprios hábitos humanos mudaram substancialmente, e todas as
transformações que atingiram o homem e seu meio foram conseqüência
primeira, ou visaram principalmente, um só objetivo: funcionalidade.
Funcionalidade em termos de maior conforto, maior liberdade de movimento
e lazer, mais facilidade de viver. (VASCONCELLOS, É uma casa mineira,
com certeza..., sd, p.3).
A opção de Vasconcellos, conforme vimos ao longo deste capítulo, é a exaltação
do modernismo. A euforia provocada pelas novas possibilidades estéticas nos jovens
arquitetos mineiros – em 1942, quando Oscar Niemeyer projeta o conjunto arquitetônico
da Pampulha, Sylvio contava com vinte e seis anos de idade; dois anos depois,
receberia o título de bacharel em Arquitetura pela Universidade de Minas Gerais (UMG)
– estimulou o engajamento a um programa que avançava para além da forma. Esta
deveria corresponder a “[...] uma unidade de princípios [...]” (LE CORBUSIER, 1983,
103v
127
104
p.xxx), em que a função e a tecnologia se conjugavam para possibilitar a construção de
uma nova maneira de habitar.
A despeito das manifestações de exaltação, Vasconcellos, quando indagado, não
se furta a expressar um olhar crítico sobre a arquitetura brasileira. Em resposta ao
Inquérito Nacional de Arquitetura
25
, Sylvio manifesta desagravo em relação à suposta
expressão plástica da arquitetura brasileira quando perguntado se haveria um
desenvolvimento funcional, estrutural e construtivo equivalente à expressão formal:
Inicialmente convirá observar que na realidade, a expressão formal da
arquitetura contemporânea brasileira não alcançou de fato a importância
exagerada que frequentemente lhe é conferida. Isso porque essa expressão
geralmente se limita a pormenores de acabamento ou de estrutura ou a
“máscaras” exteriores sem integrar-se na obra propriamente dita. [...]
A expressão formal de nossa arquitetura permanece também muito
apegada à originalidade, para não dizer mesmo ao “epater”, e não à
verdade arquitetônica indispensável mesmo nas inovações. Por outro lado
comporta-se muitas vezes, essa expressão, como um deslumbramento ante
a técnica, desejo quase infantil de abusar dela, buscando-lhe as últimas
consequências como se o possível devesse prevalecer sobre o conveniente.
[...]
Conclui-se então que, apesar de tudo, não se pode partir da preliminar que
a expressão formal de nossa arquitetura tenha atingido um desenvolvimento
considerável, fazendo supor que as demais condições arquitetônicas não a
tenha acompanhado pari-passu. Naturalmente rompeu-se com o formalismo
acadêmico e com as tentativas pseudo-estilísticas. Formas adequadas ao
nosso tempo estão sendo tentadas e provadas como válidas. Entretanto, o
desenvolvimento equivalente dos demais componentes arquitetônicos vem
se apresentando no Brasil, se não de forma mais acentuada, pelo menos
mais importante do que a expressão formal. (Vasconcellos apud
INQUÉRITO NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963, p.34-35).
A resposta é inesperada se considerarmos as anteriores exaltações. Inicialmente,
Sylvio aponta para uma produção excepcional pouco relevante no que tange ao volume
de obras, enquanto um sem-fim de construções repetiam de modo limitado as soluções
plásticas desenvolvidas – em especial por Oscar Niemeyer – como o telhado borboleta,
pilar em V, etc. Considera que a inexistência da verdade arquitetônica, leia-se a verdade
estrutural, um falseamento tão nefasto quanto o “[...] deslumbramento ante a técnica
[...]” (Vasconcellos apud INQUÉRITO NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963, p.34).
Quando se supõe que Vasconcellos faria uma crítica ainda mais dura a este formalismo,
25
O Inquérito Nacional de Arquitetura (INA) foi idealizado e realizado pelo arquiteto Alfredo Britto em 1961.
Publicado originalmente no Jornal do Brasil, foi re-editado pela Revista Arquitetura e Engenharia em 1963.
Objetivo lançar a discussão sobre a produção arquitetônica no Brasil, e por meio de entrevistas discutiu assuntos
como a relação entre plástica, função e técnica, a perspectiva das correntes racionalista e organicista na
Arquitetura, e o papel social do arquiteto. Dentre a geração dos primeiros modernistas, foram entrevistados:
Gregori Warchavchik (1896-1972), Rino Levi (1901-1965), João Vilanova Artigas (1915-1985), Lucio Costa,
Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Henrique Mindlin (1911-1971), os irmãos Roberto, Sérgio Bernardes
(1919-2002) e, o único mineiro, Sylvio de Vasconcellos.
105
pois que desvinculado da pesquisa técnica e funcional, o arquiteto refere-se a um maior
desenvolvimento nestes planos, superando a plasticidade. De certa forma, é possível ler
aqui uma repercussão do texto de Lucio Costa “Muita construção, alguma arquitetura e
um milagre (1951), mas Vasconcellos retira de si mesmo o potencial crítico sobre a
prática da construção e da arquitetura.
De qualquer forma, a resposta contém maior elaboração do que as apresentadas
por seus colegas, em especial Niemeyer, que limita-se a afirmar: “A arquitetura brasileira
evoluiu em função do progresso técnico, social e material do nosso país. Sua forma
plástica decorre desses fatores e, principalmente, da utilização do concreto armado, -
que lhe permite e sugere as maiores possibilidades.” (Niemeyer apud INQUÉRITO
NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963, p.34).
Ainda no INA, quando questionado se o arquiteto deve projetar a partir da
intuição ou da razão, Sylvio responde:
O projeto é sempre uma síntese. Por conseguinte, tanto a intuição como o
equacionamento dos dados objetivos devem ocorrer concomitantemente.
Nesta duplicidade de coordenadas (engenho e arte) é que reside
precisamente a dificuldade da arquitetura. Tanto mais capaz será o arquiteto
quanto conseguir atender adequadamente a ambas coordenadas. Acontece
apenas que mesmo para o equacionamento dos dados objetivos a intuição
sempre deve estar presente como força criadora, necessária ao encontro
das soluções. Não se pode considerar só a intuição em desapego das
condições arquitetônicas. Isso seria transformar a arquitetura em arte
gratuita e alienada da realidade. Não se podem também considerar só os
dados objetivos para mecanicamente resolvê-los. Isso seria reduzir a
arquitetura a um processo mecânico de juntar elementos desinformados de
conteúdo. O verdadeiro processo arquitetônico é aquele que coordena
INTUITIVAMENTE os DADOS OBJETIVOS. Arquitetura é uma soma e não
uma divisão: síntese e não análise. Só que por intuição não se pode aceitar
apenas o estalo ou o sopro divino que acontece. Intuição no caso é a
capacidade, a experiência acumulada, os conhecimentos, a imaginação
cultivada, que transfere para o subconsciente os processos mentais que
racionalmente se realizam no consciente. (Vasconcellos apud INQUÉRITO
NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963, p.35-36, grifos e maiúsculas do
autor).
Vejamos o que nos responde Niemeyer acerca do mesmo tema, o processo de
criação e síntese arquitetural:
Cada arquiteto tem um sistema próprio de trabalhar. O que adoto é estudar
em primeiro lugar o programa, as possibilidades econômicas e os meios
técnicos de que vou dispor, deixando por uns dias que a solução se
processe em meu subconsciente, sem procurar encontrá-la de imediato,
como simples tarefa de cálculo ou de engenharia. O programa e os meios
técnicos sugerem a forma plástica. (Niemeyer apud INQUÉRITO
NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963, p.35).
106
Teriam sido “arquitetadas” as respostas de Sylvio e Oscar? Poderíamos supor,
em primeiro lugar, um contato íntimo entre os arquitetos, ou no mínimo, um preciso
entendimento, por parte do estudioso Vasconcellos, das estratégias de projetação
utilizadas pelo colega carioca. Se considerarmos que Niemeyer sempre se dispôs a
revelar em entrevistas e artigos os processos por ele utilizados para suas criações, seria
possível a Sylvio ter conhecimento do método intuitivo-racional. Logo, estaríamos diante
de uma defesa clara do expoente da arquitetura modernista brasileira.
Preciso esclarecer: acho Oscar (Niemeyer) um gênio. Inconteste. Embora
incompreendido (cada vez mais) pelo mundo cá de fora, talvez por seu
barroquismo brasileiro que não é prezado fora do Brasil. Nem entendido. Só
há um livro americano (Leopoldo Castedo) “Persistência do Barroco na
Arquitetura Brasileira”, que descobre e trata do assunto. Minhas
observações não são, portanto, contra o mestre (eu lhe dei o título de
Mestre da Arquitetura Brasileira quando era diretor da escola aí). São contra
a pseudo-biografia dele. Exatamente porque são biografias como esta do
(Nelson Werneck) Sodré, com seus extremos excessos e deficiências, que
contribuem para a diluição da grandeza de Oscar. No princípio teve livros
corretos: Papadaki, Mindlin, Huygues, comentário de Lúcio (Costa) e
Corbusier. Depois apareceu uma revista inglesa, logo depois da
inauguração de Brasília, inteiramente dedicada a criticá-lo. Foi quando
Oscar inventou (sua revista) “Módulo”, para defender-se. Começou então
um “endeusamento” vazio que, a meu ver, só o prejudica.
Oscar tem direito a ter manias como todo gênio tem. Não seria gênio se não
as tivesse. Uma delas, ou a única quase, é a megalomania que, como
Napoleão, acabou por perdê-lo. Excede-se em explicações que não
explicam nada e são falsas. Exemplo: faz arquitetura burguesa porque vive
em país burguês (Brasil). Faz a mesma arquitetura para países comunistas,
como Argélia, ou a sede do PC em Paris, mas não tem projeto para a
Rússia, que tanto ama, porque na Rússia o importante é não haver
propriedade privada do solo... Oscar pretende misturar arquitetura com
política, o que Sodré explora. Pretende teorizar, como Corbusier ou Mies
(van der Rohe) mas, na realidade, só tem teoria política. Melhor fez Picasso,
que era comunista, mas não misturava política com sua arte em termos
teorizantes. Quando foi necessário, pintou Guernica. Qual é a obra de Oscar
que expressa política? Não podia ter feito alguma coisa pelos desprotegidos
com as fantásticas oportunidades que Juscelino lhe deu? Fica tudo confuso
quando se examina Oscar pelo prisma político misturado com sua
arquitetura. Pode ter sido um ótimo militante e um excelente arquiteto, mas
nada tem a ver uma coisa com a outra. Chega a ser triste verificar que, com
toda a publicidade que Oscar tem recebido pela vida afora, ainda se vê
órfão de uma obra séria, de análise aproximadamente correta de sua obra.
Obra que o colocasse firme frente à história, com seus excepcionais dotes
despojados do “bric-à-brac” lantejoulante e lendário, senão mítico, que tanto
esconde seu verdadeiro retrato em grandeza. É o que se passou, em parte,
com Antônio Francisco Lisboa, mitificado em seu aleijão de provocar dó.
(Vasconcellos apud GOMES, 1998, p.4).
Contudo, preferimos pensar – e a passagem acima reforça nossas intuições –
que ambos, Vasconcellos e Niemeyer, são fruto de formações acadêmicas ainda
herdadas do sistema “beaux-arts”, em que o arquiteto é síntese de dois gênios: o
criador, espécie de alter-ego arquitetônico, responsável pela elaboração da forma; e o
106v
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Em diferentes contextos, a arquitetura de Oscar Niemeyer é capaz, na interpretação de Vasconcellos,
de assumir diferentes concepções, da integração ao conjunto urbano pré-existente como em Ouro
Preto, ou uma plástica mais livre, como na Pampulha.
130
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Vasconcellos aponta para as diferentes referências empregadas por Oscar Niemeyer para alcançar
os resultados plásticos desejados. Da proporção aos grandes vãos.
107
maquinador, capaz de articular diversas variáveis racionalmente. Neste sentido, ambos
e toda a geração dos pioneiros arquitetos modernistas brasileiros filiam-se a práticas
oitocentistas, por eles recusadas. Ao gênio, são permitidos “cacoetes”; dos gênios não é
correto requerer coerência, inclusive os de ordem política.
Na esteira do pensamento iluminista, o gênio é o responsável por uma
elaboração, uma síntese entre intuição e razão. Esta síntese é o elemento
transformador da sociedade; portanto, cabe ao gênio e seu engenho organizar novos
espaços capazes de redesenhar novas formas de viver, melhores, mais justas e mais
humanas. Neste sentido, a ação do arquiteto é uma ação política. Não há como
Niemeyer, ou mesmo Sylvio, escaparem desta tarefa.
Em 1940, porém, começam a aparecer os indícios de uma nova concepção
arquitetônica, completamente diversa da até então em uso. Tudo principia
com a Pampulha, onde Oscar Niemeyer revelaria seu gênio. Embora a
Prefeitura tivesse elaborado regulamento para o novo arrabalde,
determinando que todas as construções que nele se fizessem teriam de ser
feitas no estilo que chamou “rústico” ou “colonial”, Niemeyer projeta
construções não convencionais, influenciadas fortemente pela doutrina de
Le Corbusier, que acabava de chegar ao Brasil. Formas abertas, vidro,
geometrismo limpo. (VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura
contemporânea, 1961, p.18).
A doutrina corbusiana, contudo, é muito mais ampla do que as formas descritas.
A rigor, fundamenta-se na técnica e na função, como vimos, sendo a forma ao mesmo
tempo decorrente e integrante destes dois elementos, todos participantes da tríade. O
procedimento de síntese elaborado (e descrito) por Niemeyer considera, portanto, uma
perspectiva diversa daquela utilizada pelo mestre franco-suíço, e esta diversidade
carrega consigo uma “licença” aos demais arquitetos brasileiros. Seu processo de
projeto explicitamente incorpora uma interpretação própria, pessoal, por parte do
arquiteto, dos elementos e condicionantes relativos ao projeto em questão.
Examinemos, por exemplo, as obras de Oscar Niemeyer. No hotel de Ouro
Preto: nem uma cópia do “colonial”, nem uma adaptação livre dos princípios
da arquitetura atual universal. A construção é, por assim dizer, uma
estilização, ou melhor, uma idealização condizente com as circunstâncias. O
mesmo se verificou com a capela da Pampulha ou com o Cassino. Embora
este último se inspire em Le Corbusier (Casa de Savoia), o corpo cilíndrico
posterior e o espaço interior não são nem orgânicos nem racionais. Outro
exemplo: o conjunto Kubitschek de Belo Horizonte. Embora proporcionado
segundo a lei áurea, na ocasião trazida à tona pelo modulor, sua
configuração em paralelepípedo de pouca espessura, conjugado com o
corpo prismático dos elevadores foge inteiramente às composições de Le
Corbusier. O Clube Libanês, afinal construído em Diamantina, inspirado nas
pontes de Maillard, não é uma ponte. Etc., etc. Assim sendo, ainda que
essas obras possam ser enquadradas no campo da arquitetura
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Diversas são as similaridades apontadas por Vasconcellos em relação à obra de Oscar Niemeyer e
Le Corbusier.
108
contemporânea universal, ultrapassa-a para objetivar-se em termos próprios
e inconfundíveis. (VASCONCELLOS, Constantes peculiares à arte brasileira
contemporânea, 1958, p.6).
Não há solução pronta, ou mesmo exógena a ser reproduzida. Ao contrário.
Existe um entendimento de que a transformação social por meio da Arquitetura somente
será efetivada se o projeto/edifício estabelecer uma conexão com o contexto. Neste
sentido, o Cassino da Pampulha (1942) usa da integração espacial e da promenade
architecturale, mas não repete gratuitamente as formas naquele momento já exploradas
por Le Corbusier, e o Conjunto JK (1953), não é uma reprodução da Unité d’Habitation
(1947-1953), em Marselha.
Notamos uma explícita re-orientação dos princípios originais em favor de uma
interpretação que melhor se adaptava às circunstâncias brasileiras, contribuindo para a
elaboração de uma justificativa das práticas aqui adotadas pelos modernistas: em lugar
de uma recusa explícita ao passado, a seleção de repertórios formais considerados
“genuinamente brasileiros”; a não-substituição da fatura artesanal pela máquina, mas a
integração de materiais e equipamentos industrialmente produzidos em revisões
tipológicas da cultura vernacular; atitude vanguardista radical incorporada à arquitetura
em elementos artísticos integrados.
Chamando para si a responsabilidade de também integrar esta geração de
arquitetos modernistas brasileiros dedicados à tarefa da transformação da realidade,
Vasconcellos elabora, como memorial descritivo-conceitual de um de seus projetos – a
casa Marília Gianetti (1945), já demolida – uma profunda reflexão sobre os destinos da
sociedade brasileira.
É incontestável que a permanência do espírito acadêmico, o gosto das
adaptações, do ornamental decadente e da falta de preocupação com o
espaço e o tempo, refletem-se, ainda, em quase toda a nossa arquitetura. A
causa disto pode ser encontrada no próprio desequilíbrio social e na
decadência artística que perturbou e perturba ainda a marcha de nossa
evolução. Não deixa, também, de ser um sinal de impotência frente aos
nossos próprios problemas e às nossas dificuldades. Por isso mesmo, têm
encontrado no Brasil campo favorável à sua expansão o cinema mal feito,
as missões artísticas estrangeiras e a arte fácil. Não que devamos
abandonar o passado e as boas influências pelo que elas contenham de
sugestão, mas é necessário que, transpondo o já realizado, olhemos para o
futuro.
Os estilos não podem ser assim improvisados, mal vertendo-os o nosso
colonial, omissões, jogando-se aqui e ali elementos de decoração clássica
sem maior cuidado. A estas fantasias desarrasoadas e que tanto atendem
ao gosto apurado de populações deficitárias ou individualidades
rapidamente enriquecidas, sem base cultural, deve suceder um estilo mais
ligado à época, aos materiais e às nossas possibilidades. Paradoxalmente,
o Brasil por algumas obras, já realizadas, não está alheio a esta renovação.
109
E cabe aqui lembrar os homens que nos proporcionaram esta boa
arquitetura pela sua formação espiritual e pela coragem que revelaram.
Frisando a importância destes conceitos, devemos considerar ainda que a
casa tem sobre a sociedade, através da família, uma influência bem mais
forte do que possa parecer. Se ela reflete o meio, por sua vez nele também
atua marcadamente, seja na formação dos novos homens e mulheres – com
a criança – seja pela adaptação do adulto com o maior ou menor impulso
que possa sugerir. Verificamos que formas mais novas e mais puras
ocorrem em datas de renovação e afirmação espiritual e mesmo política,
tornando-se, por outro lado, um dos fatores desta renovação.
Em ambiente de cópia, de pobreza, de dificuldades, não pode a gente
sentir-se bem. Se a montanha, o mar, a cidade, determinam caracteres
definidos, evidentemente a casa, pelo seu muito maior contato com o
homem, interna e externamente, deve ter, também, influência decisiva na
sua formação.
Quando temos uma fachada e procuramos dar-lhe sentido, aplicando sobre
ela, sem maior estudo, um elemento incorporado, digamos de construções
recuadas de dois séculos, nada mais fazemos que confessar a nossa
incapacidade em fazer a nossa estética. A própria Igreja, sem prescindir de
suas origens, não é estática mas, pelo contrário, evolui com o mundo, e,
muitas vezes, à frente dele.
Vem aqui a já velha consideração de que apenas na arquitetura nos
agarramos ao passado. Por que não usarmos hoje automóveis decorados
com varais de “cadeirinhas” ou iluminados por lanternas D. João V? Mesmo
na moda feminina, onde às vezes voltam ao uso de modelos de inspiração
de outras épocas, podemos notar que estes modelos são sempre
transpostos à estética moderna e não permitem a confusão entre o antigo e
o novo, a não ser que se transformem em “fantasias”. O sentir mudou. Por
que, então, só a casa deve parar em qualquer século e viver de
recordações? Uma igreja gótica, hoje, não seria tão absurda como um
hipódromo com os jóqueis vestidos de armadura? Uma casa estilo
normando em nosso clima não seria tão ridículo como andarmos calçados
de skis?
Estes pensamentos presidiram a nossa preocupação ao estudarmos a casa.
(VASCONCELLOS, A propósito de uma casa, 1979, p.20-21)
Este memorial, provavelmente escrito quando da elaboração do projeto em 1945,
e republicado no número especial da Revista Pampulha em razão de seu falecimento,
aponta para uma atemporalidade. Vasconcellos parece falar de um outro tempo. Não o
futuro, para o qual convoca os arquitetos a olhar. Um tempo ainda por vir, que alcança
uma dimensão atemporal, um todo-o-sempre. É próprio dos anos 40 e 50 do Brasil em
modernização, tanto quanto é próprio das reações ao regime ditatorial em esgarçamento
no final da década de 70, ou mesmo de hoje. O modismo-formalista, originário de uma
sociedade desequilibrada e decadente, a impotência diante da realidade, a desrazão
são nossos males. Há que se construir uma nova sociedade por meio de um novo lugar
para viver.
Retomemos as epígrafes deste capítulo. Elas ali foram dispostas
intencionalmente, em um reflexo da historiografia ainda corrente da moderna arquitetura
110
brasileira: o movimento moderno europeu orienta o movimento moderno carioca
26
(hegemônico), que por sua vez orienta o movimento moderno no restante do país,
inclusive em Minas Gerais. Esta perspectiva, além de caracterizar uma relação
cronológica positivista, em que as gerações vão sucedendo umas às outras,
simplesmente repetindo enunciados e formas, desde os pioneiros – somente sob esta
ótica tal termo tão consagrado tem significado – enfatiza uma distinção centro/periferia
(Europa/Brasil ou capital/interior), pouco cabível na concepção historiográfica
contemporânea.
Ao longo do texto, buscamos demonstrar a possibilidade da existência da rede
de saberes por meio da corrosão de temas consagrados pela historiografia, em alguns
pontos precisos: popularização do gosto estético, a relação forma-função posta
anteriormente aos modernistas, a relação mimética com a natureza originada na
Antiguidade Clássica, a composição da planta conforme a interpretação do arquiteto e
não por um receituário deliberadamente posto por outrem, o sentido de universalismo na
Arquitetura, o papel da tecnologia e da técnica construtiva. A intenção foi, nesta
desconstrução, abrir caminho para uma interpretação dialógica-relacional por meio do
tema da casa, que discutiremos a seguir.
26
A referência à liderança do Rio de Janeiro no modernismo pode, em parte, ser associada às relações políticas
presentes na capital federal, em especial se tomamos o IPHAN como sede de atuação de diversos arquitetos
modernistas, e pode ser comprovada pela enxurrada de textos referentes aos arquitetos cariocas. Contudo,
algumas análises mais particularizadas, como aquela elaborada por Hugo Segawa (2002), pretenderam ver a
pluralidade do movimento nas diversas regiões brasileiras.
CAPÍTULO 3
SYLVIO RELÊ SYLVIO I:
“A CASA É UMA MÁQUINA DE MORAR”?
112
Acontece que, de fato, toda a arte atual no ocidente trilha caminhos
excessivamente intelectualizados, assentada em formas mentais de tal
modo hipertrofiadas que leva ao desprezo do lado humano que lhe é
intrínseco. No caso da arquitetura o aspecto humano é então primacial, pois
que casas jamais devem ser feitas para serem admiradas, mas sim para
que nelas vivam pessoas. (VASCONCELLOS, A família mineira e a
arquitetura contemporânea, 1961, p.18).
Vasconcellos parece ter colocado diante de si uma questão: a casa constrói o
homem? Se em um primeiro momento, conforme vimos no capítulo anterior, a resposta
– para toda a rede de saberes constituída – é (aparentemente) positiva, notamos aqui a
inclusão de uma outra tônica. Para Vasconcellos, o homem, o habitante da casa, existe.
E o que era plena afirmação, transmuta-se em questionamento: quem é o habitante da
casa? Como habita a casa?
Inicialmente, somos induzidos pelo autor a uma leitura desprestigiosa. Para
Sylvio, o fato da arquitetura moderna não ser plenamente recebida pela população
devia-se ao caráter tradicional do mineiro. Em “A família mineira e a arquitetura
contemporânea” (1961), destaca que a origem do padrão de comportamento
conservador e tendente ao isolamento residia na economia, estagnada após o declínio
do ouro, refletindo na permanência da distribuição dos espaços da casa: social X íntimo,
público X privado, sala de visitas X cozinha, “[...] casaca e cartola [...]” X “[...] camisolas
e ceroulas.” (VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961,
p.18). E conclui:
Daí a pouca sociabilidade do mineiro, seu baixo espírito de comunidade e
seu alheamento às necessidades públicas das povoações onde reside. Daí
seu horror ao fisco e seu amor à oposição política, quando não beneficiário
do poder, e seu apego à situação, quando dela usufrui vantagens, ainda
que apenas morais ou aparentes. Daí também o apego dos mineiros às
fachadas de suas casas, às quais dedicam a maior atenção, ainda que com
sacrifício dos interiores. Ocorre também que na maioria dos casos as
plantas se conservam em partido tradicional, sujeitas ainda ao estilo de vida
antiga (dormitórios-cozinha), enquanto que as fachadas se apresentam
luxuosamente modernas quando não até alambicadas e pretensiosas.
(VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961,
p.18).
Contudo, se tomarmos diversos outros textos, em especial os memorialísticos, e
mesmo os projetos residenciais elaborados por Vasconcellos
27
, perceberemos uma
27
Ao todo, o arquiteto projetou 30 casas, objeto de análise da pesquisa “A casa é uma máquina de morar (?):
análise das residências modernistas de Sylvio de Vasconcellos”, em andamento, financiada pelo Fundo de
Incentivo à Pesquisa da PUCMinas. Neste capítulo, serão tomados exemplos esparsos destas edificações como
forma de colaborar para as discussões propostas.
113
revisão do lema “a forma segue a função”. A rememoração das casas da infância e da
adolescência apontam para a varanda, o quintal e a cozinha.
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O cartesianismo imprimiu reflexos sobre os planos urbanos de fins do século XVIII e do século XIX,
como vemos em Belo Horizonte (1895), Washington D.C (1792) e La Plata (1882). A regularidade na
organização do traçado e a constante presença de vias diagonais, compondo quadros perspécticos
inusitados, marca a urbanística racionalista.
114
3.1. A varanda e o quintal
A Constituição Estadual de 1891 definiu que a capital do Estado de Minas Gerais
fosse transferida para uma outra localidade em quatro anos. Sob os auspícios da
República nascente, o engenheiro civil Aarão Reis (1853-1936), chefe da Comissão
Construtora da Nova Capital, traçou entre o vale do ribeirão Arrudas e a serra do Curral
um plano em xadrez, inspirado nos exemplos de Washington e La Plata
28
. Sobre o
arruamento largo, formado por uma malha de vias regulares, cruzam-se eixos a 45º,
limitados por uma avenida perimetral responsável pela separação entre zona urbana e
zona suburbana. No interior da malha planejada, Reis e sua equipe organizaram uma
setorização para ordenar a disposição das atividades urbanas. Daí a implantação no
setor sudeste do plano de um bairro dedicado a abrigar os funcionários, para os quais
foram construídas residências definidas segundo a categoria funcional de cada um:
Enquanto se apressavam as construções dos edifícios oficiais, erguiam-se
as habitações nos bairros Floresta e Funcionários, para abrigar os
empregados públicos transferidos de Ouro Preto. Constroem-se duzentas
casas que, considerados local, dimensões e detalhes ornamentais, são
discriminadas como os vagões das estradas de ferro: de 1ª, 2ª ou 3ª classe,
evidenciando o caráter seletivo da habitação privada. As casas-tipo da
Comissão Construtora se hierarquizam de A a F, sendo a primeira destinada
aos “porteiros, contínuos e serventes”, a última aos “desembargadores ou
diretores” e as intermediárias “às demais classes de servidores”. (ANGOTTI,
1987, p.122).
Os modelos tipológicos definidos pela Comissão Construtora da Nova Capital
organizavam as residências funcionais segundo categorias hierárquicas, visíveis na
dimensão dos terrenos, nos afastamentos da edificação em relação às divisas e no
requinte das ornamentações fixadas sobre as fachadas – “Na viagem de volta vi que
havia um veado por cima do prédio junto da casa de meu avô.” (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.4), recorda o menino Vinho, em uma clara menção ao
repertório formal que era feito equilibrar em platibandas por artífices habilidosos na
técnica e conhecedores do gosto burguês.
28
Os dois exemplos são paradigmas da planificação urbanística adotada no século XIX e caracterizada pelo
racionalismo na ordenação do espaço. Washington, capital federal dos Estados Unidos da América, foi
construída entre os anos de 1792 e 1800, tendo sido projetada pelo engenheiro francês Pierre Charles L’Enfant
(1754-1825). A cidade de La Plata, na Argentina, foi planejada pela equipe de urbanistas comandada pelo
engenheiro Pedro Benoit (1836-1897) em 1882 para exercer o papel de capital da província de Buenos Aires,
após a transformação desta em distrito federal.
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Contudo, a distribuição dos setores funcionais da casa – público, privado,
serviços, nesta sequência – segue um padrão.
No meio havia um avarandado largo, aberto para o pátio ajardinado.
Manacá de flores púrpuras e brancas misturadas. Jasmineiro por cima do
banco de cimento. Doce perfume das tardes quentes.
[...]
Do outro lado estendiam-se, ao comprido para os fundos, os dormitórios,
abertos para a ampla sala de jantar. O primeiro quarto, com janelas para a
rua, era o maior. Tinha um móvel de madeira com pia de louça decorada em
flores e um espelho por cima. Ampla cama de casal. Em seguida vinham os
quartos de minhas irmãs mais velhas e, antes da cozinha, com seu enorme
fogão a lenha, insinuava-se o banheiro e uma minúscula peça destinada,
previamente, a ser despensa. Nela eu dormia. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.1).
A distribuição dos espaços orientava-se pela contenção da permeabilidade, que
funcionava como um bloqueio aos indesejáveis olhares externos. Para esta tarefa
colaboravam a elevação da edificação sobre embasamento alto, formando porões – às
vezes habitáveis, dependendo das condições topográficas e mesmo da escala
hierárquica à qual a edificação se equivalia – assim como os espaços de ingresso, neste
caso a varanda, que refreava visitas. Na sala solene, em geral ornamentada e fechada
ao uso cotidiano, reinavam valsinhas e prelúdios de Chopin:
A casa era bonita e grande. A um lado da varanda, coberta de vidro, a sala
de visitas e a de música. Tinham as paredes revestidas de papel aveludado,
vermelho, em desenhos. Rolos que meu pai trouxe, um dia, e todos
ajudamos a espichar, cortar e colar com grude de polvilho. Uma festa. Um
brinco, dizia meu pai. Mas brinco inacessível, proibido, cuja existência só se
denunciava pelos sons que algumas vezes, se infiltrava do piano para o
resto da casa. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.1).
A seguir, vinham os quartos, em geral comunicantes; somente em modelos mais
nobres, em que as dimensões do terreno eram avantajadas, apresentava-se o corredor,
peça essencial à circulação em espaços dispostos em linha. Aos fundos, incorporados à
casa ou em barracões anexos, a cozinha e o banheiro, este último a grande inovação
modernizante do momento.
Nestes modelos, a varanda é uma constante e representa a transição do universo
da rua para a intimidade do lar, variando apenas na relação com os jardins: fronteiriça
ou lateral, ampla ou simples alpendre.
Nas residências de Belo Horizonte, cidade planejada e fundada em 1897, os
alpendres ocorrem com grande frequência. Raramente situados nas
fachadas principais, são numerosos quando voltados para os jardins
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As soluções encontradas por Vasconcellos para o enfrentamento da relação público-privado frente a
preservação da privacidade variam de acordo com o momento de projeto: as edificações da década
de 40 tendem a utilizar as treliças, indicando uma aproximação com a solução do muxarabi.
Sobretudo, Vasconcellos não entendeu a varanda como um lugar de transição, mas de permanência,
o que exigiu, por vezes, os aparatos de proteção.
116
laterais, com acesso proporcionado por elegantes e bem lançadas
escadarias, armadas muitas delas em estruturas metálicas importadas da
França e Bélgica.
Denotando franca inspiração romântica, estes alpendres contrastam
fortemente com a frieza das fachadas de gosto “neoclássico” e com os
interiores pouco confortáveis. Em consequência, é nos aludidos alpendres
que a família encontra – para o lazer das tardes quentes – o ambiente
favorável e o necessário aconchego, propiciados, ainda mais por adequado
mobiliário e refrescante sombra. Tantas e tão evidentes vantagens
destacam estas peças como das mais agradáveis da habitação.
(VASCONCELLOS, Aspectos e detalhes da arquitetura em Minas Gerais,
1964, p.11-12).
Em diversos textos, Vasconcellos demonstra atenção às varandas e/ou alpendres
como lugares de permanência ligados a um ócio coletivo, vinculado, na maior parte das
vezes, ao conforto térmico que proporcionavam. Em especial, a varanda configura, além
da transição entre público e privado, o lugar da fantasia, privilegiado posto de
observação do mundo:
Meu mundo ficou sendo a varanda. Nela juntava caixas de papelão vazias,
movimentadas como carros, levando pedras e gravetos. Ou justapostas e
superpostas como casas. Formigas e grilos as habitavam.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.7-8)
Passei a frequentar a varanda de frente. Tinha um dos vidros quebrado.
Dois parapeitos de ferro simulavam-me cavalos que montava chicotando.
Fingia cair, agarrava-me, orgulhava-me de ser bom cavaleiro. Para maior
realismo, amarrava barbantes como rédeas, punha jornais de selim e
punha-me a agitar curtas varas no incentivo do galope.
Da varanda, eu devassava a rua. Observava os passantes, as carroças
rolando, os cachorros vadios e os gatos ariscos. Imaginava que ciganos
surgiriam para levar-me a viver em cabanas, ensinar-me coisas de circo.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.29).
O texto memorialístico aponta para a significação que este espaço irá comportar
nas residências projetadas por Vasconcellos. É possível perceber duas ordens de
arranjo das varandas nos projetos de Vasconcellos: literal, mais arraigada às formas
tradicionais dos avarandados; e interpretativa, em que volumes insinuam a idéia de
varanda.
A primeira solução usa de um espaço de transição, coberto, por vezes protegido
dos olhos públicos, ao rés-do-chão ou sob a forma assobradada, e possibilita uma
imediata leitura como varanda. Em algumas circunstâncias, a publicização da residência
e das atividades da família foi considerada indesejável (não sendo possível avaliar se
por solicitação ou com a concordância do cliente), resguardando a vida privada. Os
motivos estão explicitados em textos do autor (VASCONCELLOS, A família mineira e a
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arquitetura contemporânea, 1961) nos quais fica clara a postura ensimesmada, pouco
afeita ao contato do mineiro. Uma vez mais, afloram as ambivalências em Vasconcellos,
em que a crítica ao comportamento conservador não se faz corresponder, no plano
edificado, à franqueza dos painéis envidraçados. Ao contrário, elementos de obstrução
da visibilidade resguardam o morador: tubos metálicos verticais, painéis e treliças fazem
cumprir as funções de um muxarabi. Este elemento não corresponde a uma prática
usual na arquitetura colonial mineira, podendo ser entendido como um elemento muitas
vezes agregado aos postigos, provavelmente para a proteção da intimidade, conforme
referido.
Independentes das folhas cegas, gelosias se acrescentam nos vãos
externos permitindo a aeração dos interiores, porém, dificultando o seu
devassamento. Convém notar que as treliças nas Minas, na maioria das
vezes, constituem suplementos da construção, raras vezes, como na
varanda da casa de Chica da Silva ou no coro do Recolhimento de
Macaúbas, tendo sido projetadas à época da construção.
(VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.145-146).
Solução semelhante já havia sido empregada anteriormente por Lucio Costa na
Casa Saavedra (Petrópolis, 1942), embora no projeto serrano a varanda abra-se aos
jardins, e as treliças são empregadas em parte para prover o espaço de sombreamento
(associadas aos brises-soleil verticais), em parte como vedação do guarda-corpo. Ou
seja, o uso do elemento como uma forma de resguardar o morador não é visível. Nas
casas belorizontinas, as treliças, tal como os demais elementos citados, são registros de
um modo de habitar – em que se associam características do espaço e comportamento
social – que ultrapassa as Alterosas, remontando a reminiscências mouriscas na
arquitetura ibérica.
Em suas análises da arquitetura colonial mineira, Vasconcellos aponta para uma
outra função que não apenas a proteção dos olhares, igualmente significativa: o
resultado plástico alcançado com os painéis treliçados.
Também leves são as treliças que protegem os interiores das habitações,
dispostas segundo decorativos desenhos, convergentes ou divergentes.
Esses desenhos estendem-se igualmente por toda a esquadria ou se
restringem, repetidos, aos painéis delimitados pelo engradamento de suas
folhas. As peças de madeira usadas são de seções mínimas, nas fasquias,
semi-circulares, de quinze milímetros, igualando-se os cheios com as luzes.
O conjunto apresenta-se de extrema delicadeza, como uma renda,
cruzando-se as fasquias segundo as diagonais do vão ou dos painéis das
folhas, nunca porém, normais entre si. As réguas de dentro, verticais,
facilitam os desenhos das de fora, quando mais complicados, mas em geral
repetem, se bem que em sentido contrário, as composições externas.
(VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.165).
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O esquema plástico compositivo utilizado por Vasconcellos aproxima-se à disposição horizontal do
treliçado da Casa de Chica da Silva (Figura 147), em Diamantina, assim como da janela em fita
corbusiana (Figura 38), onde a abertura se estende por toda a extensão da fachada.
118
O outro modo compositivo adotado nas residências por Vasconcellos faz congruir
a volumetria assobradada, onde o segundo pavimento projeta-se sobre o térreo, com
uma leitura interpretativa do muxarabi, tal como utilizado na casa de Chica da Silva, em
Diamantina. Ali, o alpendre inteiramente guarnecido com treliças de madeira compõe
não apenas uma solução funcional que associa conforto térmico e proteção, mas que
define a plasticidade do edifício, distinguindo-se dos demais planos, ao mesmo tempo
em que se integra à solução estrutural da edificação.
Pouco além dele [Palácio do Bispo, antiga Casa do Contrato] está a casa da
dengosa Chica da Silva, exemplo dos mais notáveis da arquitetura
tradicional brasileira. Só sua varanda, toda em treliça como uma renda
caprichosa, lhe conferiria lugar de destaque na arquitetura pátria. É casa de
quando se sabia morar, sem os apartamentos que hoje confinam o corpo e
a alma dos cidadãos. Ampla, espaçosa, clara, com suas janelas debruçadas
sobre a rua e capela de lado para a oração urgente.
Nesta casa, a mulata Chica da Silva foi amada. Na trama de suas treliças
discretas conservou seu recato e em seus vastos salões brincaram suas
filhas crianças. Para os dias de sol tinham uma chácara retirada do centro.
Lá construiu sua represa, onde canoas figuravam galeras e o estremecer
das águas ao sopro amigo das brisas lembravam as ondas do mar revolto
onde vivem os peixes que não podem viver fora da água fria.
(VASCONCELLOS, Dengosa é Diamantina, 1967, p.6).
Diversamente da Casa Saavedra, onde as varandas treliçadas correspondem a
corpos distintos ao volume principal, os projetos de Vasconcellos fazem associar o
muxarabi à janela em fita corbusiana: linhas horizontais estendidas ao longo de todo o
plano da fachada. O arquiteto prossegue em sua releitura transformando a treliça
padrão – ripas de madeira dispostas obliquamente a um quadro de modo a formar
pequenos losangos – em uma pesquisa técnica e plástica. Substitui o material original
por janelas venezianas que deslizam por meio de roldanas e contrapesos (quando na
vertical), cobogós cerâmicos, placas de compensado. Qualquer que seja a resposta
técnico-material, o tratamento das fachadas incorpora a leitura estética vanguardista:
como em uma tela abstrata, cheios e vazios alternam-se, sendo continuamente
redesenhados no vai-e-vem dos painéis. Nesta segunda tipologia, notadamente mais
madura do que os variados exemplos da primeira fase, o arranjo volumétrico, a
implantação sobre o terreno e a composição plástica elaboram uma distinção à
residência.
Se considerarmos as tipologias existentes na arquitetura vernácula brasileira, a
varanda é uma constante. Do engenho de açúcar nordestino ao sobrado paulista,
passando pela arquitetura rural mineira, o espaço da varanda confere ao edifício uma
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feição senhorial, ao mesmo tempo em que possibilita conforto térmico ao ambiente. Em
sua retratação da cultura brasileira, presente nos textos e pranchas de “Viagem
pitoresca e histórica ao Brasil”, Jean-Baptiste Debret (1768-1848) destaca a função
climática exercida pela varanda, semelhante à loggia italiana ou à galeria mourisca.
Independentemente de sua importância climática, muito relevante em
regiões de clima tropical como o Brasil, a varanda, rural ou urbana, é o
principal elemento filtrante do exterior, permeando apenas o que interessa à
intimidade da família patriarcal.
Seja a varanda ou o alpendre elemento de proteção contra o sol, a chuva ou
ainda simplesmente um terraço, posto privilegiado de vigília, descaso ou
contato com o sol, evoca relações ancestrais, transformando-se mesmo em
objeto de desejo. (VERÍSSIMO & BITTAR, 1999, p.30).
É possível, ainda, uma leitura das relações sociais por meio da implantação da
casa-grande sobre o terreno. Aproveitando-se de uma circunstância de ordem
operacional e ambiental – a facilitação do escoamento da produção açucareira e o
controle da atividade exercida pela escravaria, bem como a dissipação dos odores
produzidos pela fermentação da cana – a casa-grande situa-se em posição superior em
relação à fábrica e às senzalas.
O aspecto senhorial é também visivelmente notado em soluções de implantação
como a adotada no Palazzo Pitti (1457), em Florença. Ali, desejosos em destacar o
nome da família no âmbito coletivo, os Pitti escolhem uma zona de arrabalde à margem
esquerda do Arno, junto a uma pequena colina para implantar sua residência. A
extensão do terreno permitiu conferir ao edifício uma proporção horizontal que,
associada ao uso da cantaria rusticamente aparelhada, à relativa diminuta proporção
dos vãos e ao aproveitamento do aclive para gerar um grande afastamento em relação à
via pública, fez caracterizar este edifício como um exemplo de fortaleza e autoridade.
As tipologias elaboradas pela Comissão Construtora da Nova Capital também
repetem esta solenidade da residência através da disposição de embasamentos
alteados associados às varandas, cujo acesso era feito por escadarias nobres, como
nos palacetes neoclássicos, a exemplo da casa da Marquesa de Santos (c.1825), no Rio
de Janeiro, projetada por Pedro José Pézérat. Repete-se a atitude senhorial tantas
vezes representada: “A casa era ainda maior do que a nossa. Tinha um jardim do lado,
cheio de flores. A varanda ficava no alto de uma larga escada em curva.”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.4). Conduziam aos não menos
nobre salões, de grandes dimensões e pés-direitos, finamente ornamentados.
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Quadradões, pesados, com seu vestíbulo amplo e escada solta, com altos
pés-direitos e multiplicadas peças, são porém excepcionais em nossa
arquitetura, onde aparecem com mais freqüência nos fins do século XVIII e
no XIX, já então ligados à nobreza imperial. Por fora decorados: portadas
entalhadas, brasonados alguns, cercaduras de pedra envolvendo folhas
almofadadas a capricho. Volumosas cimalhas de perfil, tornijando as
fachadas, e cunhais trabalhados acentuavam sua condição de obra rara.
Sobradões que também surgiram nas fazendas de nossa nobreza rural,
suprimindo-lhes as características tradicionais bem mais acolhedoras.
Sobrados, com tetos em caixotões artesoados, de onde lampiões, de louça
ou opaline, pendiam iluminando os saraus líricos e musicais. Sobrados que
dispunham de deleitos magníficos, como nos conta Mawe, com pátios
circundados de claustros, ou varandas, e jardins esplêndidos agenciados
com consideráveis espécies autóctones ou alienígenas. Conjunção do
apuro e requinte citadino com o conforto e largueza das fazendas.
(VASCONCELLOS, Panorama da arquitetura tradicional brasileira, 1956,
p.150).
De certa forma, estes aspectos se repetem nesta segunda tipologia dos projetos
de Vasconcellos, em que embasamentos ou muros de pedra (revestidos ou estruturais)
conferem o aspecto de solidez ao conjunto, por vezes incluindo grandes afastamentos e
a implantação em aclive.
As lembranças do menino Vinho sobre as casas de sua infância remetem
frequentemente aos jardins. Seu aparecimento foi possibilitado pela implantação da
edificação sobre o terreno, abrindo frentes e/ou laterais, distanciadas dos vizinhos.
Passam a configurar uma porção integrada à tipologia da casa eclética.
Toda casa tinha seu jardim, de frente ou de lado. Canteiros em forma de
coração, de estrelas, losangos. Cravos e violetas, dálias, hortências. Não
havia casa sem pomar, com seu galinheiro de banda. Pelo menos
mangueiras e bananeiras faziam-se presentes mas, com frequência, faziam-
se acompanhar de pitangueiras, mamoneiros, romãzeiras, abacateiros e até
de jamboleiros. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.22).
As soluções para os espaços ajardinados, derivados da locação da casa sobre o
terreno, caracterizam parte da modernização empreendida nas residências no final do
século XIX, justificada no higienismo que caracteriza o período. Ou seja, os
afastamentos, especialmente nas laterais, eram entendidos como uma possibilidade de
fazer circular ares por toda a edificação, melhorando as condições ambientais e
sanitárias. A despeito da “sofisticação” dos jardins laterais às varandas – os canteiros
domésticos parecem seguir os padrões adotados para os roseirais da Praça da
Liberdade, em que o geometrismo organiza a natureza – permaneciam os quintais, com
sua capacidade de garantir a subsistência em galinheiros, pomares e hortas, com sua
desarrumação, com sua liberdade. No quintal não há senhor, reinam livres homens e
bichos:
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A industrialização permitiu a produção e a distribuição de elementos pré-fabricados em todo o mundo.
Como consequência, o gosto difundido por meio de catálogos das empresas produtoras passa a ser
reproduzido pelos artesãos locais, substituindo a técnica do ferro fundido pelo ferro batido.
121
Um muro alto separava o pátio do quintal que terminava no barracão das
empregadas e galinheiro. Nesta área, com seu pé de sabugueiro, Bilontra, a
cachorrinha branca sem rabo, e canteiros de alfaces e repolhos, reinava a
figura extraordinária do cozinheiro Joaquim. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.1).
A casa abriga a ordem e a racionalidade dos jardins geométricos e elementos em
ferro batido – inspirados em modelos industrialmente produzidos
29
–, visíveis das
calçadas das ruas retilíneas, e resguardando, em parte ocultando, o gosto romântico
pela natureza, expresso nos pomares. Também nas tipologias definidas pela Comissão
Construtora da Nova Capital a implantação sobre o lote, incorporando afastamentos
laterais e frontal, correspondeu a emblemas da posição exercida pelo funcionário no
governo. Contudo, respeita, de alguma forma, os padrões seculares adotados nas
cidades mineiras, em que o edifício ocupava a parte fronteiriça do lote, abrindo-se em
quintais generosos. O quintal, síntese das relações com a natureza, é ainda o lugar dos
animais: passarinhos mesmo que engaiolados, cachorros em brincadeira ou amarrados
aos pés de mangueira, criações.
Sentava-me, depois, encostado ao tronco retorcido do sabugueiro. Brincava
com Bilontra. Apertava-a, puxava-lhe a língua, dava-lhe cambalhotas.
Bilontra fugia e voltava, com o coto do rabo abanando. Um dia, porém,
Bilontra desapareceu. Para nunca mais. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.2).
Meu pai preocupava-se com a “criação”, como ele dizia. Mudava a água da
lata, comprava milho e o distribuía a mancheias, construía poleiros e
caixotes protegidos para os ninhos de capim seco, informava-se dos ovos
botados e separava alguns para chocar. Quando apareciam pintinhos,
quebrava o milho a martelo para conseguir a canjiquinha necessária e,
quando alguma galinha mostrava doença, vinha com bolinhos de fubá
amassados com creolina, empurrando-os goela abaixo, pelo bico aberto.
Com a mesma creolina pincelava, com penas do rabo para tanto extraídas,
os caroços feios crescidos junto ao bico e na cabeça.
É gôgo, explicava. Vai sarar.
Saravam mesmo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.77).
Em algumas circunstâncias, nas casas habitadas pela família Vasconcellos, o
quintal já apresenta-se cimentado, reconfigurando o ambiente da casa. Permite, ao
menino Vinho, o jogo com bola, a brincadeira:
29
Cacilda Teixeira da Costa (1994) e Geraldo Gomes da Silva (1988) dedicaram-se a demonstrar o uso dos
elementos em ferro fundido no Brasil, apresentando a coleção de catálogos ingleses, franceses e belgas de
peças produzidas industrialmente, por aqui circulantes e comercializadas. Contudo, o custo elevado destes
elementos fez surgir uma técnica de reprodução dos mesmos, o ferro batido, embora os princípios estéticos ali
presentes tenham sido plenamente adotados.
122
Chutava-a no quintal, rebatendo-a nos muros, fingia-me um time inteiro,
despachando-a de um lado para recebê-la de outro. Gritava a mim mesmo,
multiplicando-me. Só me aborrecia ver que a bola se sujava perdendo o
lustroso da superfície, em algumas partes já arranhada pelo áspero do
cimentado. Limpava-a então, cuidadosamente, com panos úmidos,
passava-lhe graxa de sapatos, punha-a a secar ao sol e recolhia-me ao
quarto para brincar com ela sobre a cama.
Paulo tentou compartihá-la comigo. Chutava com muita força parecendo, às
vezes, querendo estourá-la. Não senhor, assim não. Nunca mais.
Ia para a passagem estreita entre a casa e o muro onde a bola não se
extraviava e punha-me a rebatê-la sozinho. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.54).
Percebe-se que o cimentado substitui a permeabilidade nos espaços vazios do
terreno, incluindo aqueles resultantes dos afastamentos laterais correspondentes à
implantação da residência no lote. Em todas as descrições das residências habitadas, o
quintal ganha nítida preferência em relação aos jardins, associados à formalidade –
como na casa dos avós maternos. Sylvio faz associar aos quintais um prazeroso contato
com o ambiente natural. A casa espelha contrastes entre o rigor, o formalismo, a
racionalidade e a liberdade, o deixar-se estar, a sensibilidade.
A nova casa que ocupamos, na Rio Grande do Norte, pouco abaixo de
Antônio de Albuquerque, lembrava a onde nascera Eda, fronteira à Matriz
da Boa Viagem. Bem maior do que a de Goitacazes era, porém, feia, sem
graça, com aspecto de velha descuidada. Os soalhos [sic], para desgosto
de meu pai, eram pintados de vermelho, a óleo. Em compensação,
passavam bondes na rua, enfeitava-a um jardim lateral, com canteiros
floridos e um pé de carambolas. O quintal alastrava-se para os fundos,
ampliando largura. Terra vermelha, áspera, onde capim não vicejava.
Uma touceira de bananeiras debruçava-se sobre o muro de barro só, que eu
facilmente montava para conversar com Sofia Carrato, namorada de Paulo.
A seguir subia alto o abacateiro, de poucos ramos e poucas folhas, com as
frutas tão nas grimpas que só eu as podia apanhar. Em duas fileiras
dispunham-se bojudas mangueiras, de diferentes variedades, as mais
procuradas de mangas sapatinhas que eu disputava com Paulo em
acrobacias aéreas.
Cá no princípio erguia-se o pé de jambo com escassas frutas no tempo
certo de que eu não gostava. Ao lado, frangos e galinhas esperavam a
panela domingueira, bicando minhocas. Já beirando o jardim, dois pés de
condessas que se desmanchavam na boca, retorciam os galhos em pouca
altura. A romãzeira, mostrando rubis pela casca rachada dos frutos,
praticamente já pertencia ao jardim. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.67).
Atentamos, ainda, para o fato de que a primeira descrição memorialística sobre
materiais de construção está associada a uma descaracterização, ou a um uso indevido
– no caso a pintura a óleo em vermelho –, sentimento fomentado por Salomão,
conhecedor de características das casas coloniais.
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Em outras referências, alguns atributos que qualificavam as casas anteriores
estão ausentes – a varanda, o quintal, o jardim –,indicando o modelo tipológico mais
simples da Comissão Construtora. Vasconcellos aponta, ainda, para as transformações
feitas por moradores anteriores, neste caso, a inclusão de “puxado” – típica prática
setecentista no prolongamento da residência sobre os lotes estreitos e profundos.
A casa, para a qual nos mudamos [esquina de Rio Grande do Norte com
Antônio de Albuquerque], carecia de graça. Debruçada sobre o passeio,
dispunha de um porão praticamente inabitável, com pedras dos alicerces
aflorando das paredes. Assemelhava-se à outra, vizinha de Wanda, com
uma sala no meio, quartos ao redor e cozinha aos fundos. Contudo, não lhe
amenizava a enfática postura o pomar da outra. Nem quintal tinha; apenas
um jardim mixuruco de banda.
É verdade que um puxado nos fundos, mais moderno, incluía um quartinho
estreito junto à cozinha onde instalei-me. Por baixo o porão se engrandava
[sic] em razoável sala, transformada em escritório de meu pai.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.147).
O quintal reaparece nos projetos de Vasconcellos, fazendo aflorar a casa da
memória. Uma análise dos espaços abertos posteriores aos volumes principais apontam
para uma incongruência ou, no mínimo, uma expressão equivocada do arquiteto: “Os
quintais perdem sua razão de ser e, cimentados ou pavimentados, transformam-se em
pátio de brincar, de lavar roupa ou mesmo de jogos e piscinas.” (VASCONCELLOS, A
família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961, p.18). A nosso ver, não perdem
sentido, mas ganham um outro, elaborado pelo arquiteto, na medida que abrigam novas
atividades da família. Não há indicações de que a pavimentação elimine por completo a
referência aos quintais – salvo quando houve transformação posterior de uso. A rigor, a
organização do espaço da residência em torno de áreas íntimas de viver, em atividades
restritas e íntimas – quer isto incorpore atividades de serviço ou mero lazer – não é
novidade na arquitetura mineira. Pátios internos são frequentes, como sempre foram.
Sylvio os faz associar a uma nova versão dos quintais, abrindo-os para o uso da família.
Postas obrigatoriamente tangentes às ruas, [as casas coloniais] não podiam
prescindir dos pátios internos. Pátios também de tradição universal da
arquitetura traduzidos no “impluvium” grego, nos claustros romanos, ou nas
realizações mouriscas que, mais próximas, nos influenciaram mais
profundamente. Pátios configurados por plantas em L ou U, ventilando
cômodos do âmago das casas, amenizando o calor tropical e
proporcionando espaço aberto mas privado, necessário ao espairecer das
donzelas e crianças em recesso consentâneo com a discreção e o ciúme da
época. (VASCONCELLOS, Panorama da arquitetura tradicional brasileira,
1956, p.148-149).
124
Quando os terrenos angulosos ou exíguos não permitiam a presença de espaços
abertos aos fundos, Sylvio procurava inserir na organização funcional “jardins de
inverno”, nome equivocado se considerarmos a opção pela vegetação tropical e a farta
luminosidade que exigia, por vezes, soluções de sombreamento, como pérgulas. Em
qualquer dos casos, o princípio da integração espacial prevalece, e o exterior adentra os
interiores através dos grandes painéis corrediços envidraçados.
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3.2. “A cozinha me fascinava”
A cozinha sempre foi considerada um espaço de produção. Exigia, e ainda exige,
uma ordenação das funções ali desenvolvidas, em que equipamentos e operadores –
por vezes operários – encontrem-se em plena integração. Contudo, veremos, este
espaço necessário ao “funcionamento” do cotidiano da família reveste-se de uma outra
significação. Torna-se o “lugar-cozinha”.
Desde o período colonial, as cozinhas localizavam-se aos fundos da residência,
em função do calor e fumaça produzidos, apartadas dos setores “nobres” destinados às
poucas visitas. A historiografia e a iconografia contribuiram para a conformação da
imagem de uma separação absoluta entre os setores da casa, polarizados na sala de
visitas e na cozinha, fazendo distinguir brancos e negros escravos. Contudo, há que se
lembrar que as circunstâncias econômicas da média populacional em Minas Gerais ao
longo do século XVIII, conforme enfatizadas por Sylvio de Vasconcellos em
“Mineiridade” (1969), salvo excepcionais exceções, não eram favoráveis a uma estrutura
tão hierarquizada. Ou seja, o número de escravos empregados nos afazeres domésticos
– logo, orbitando em torno das cozinhas – não era tão significativo, se comparado com
os negros de ganho. Consequentemente, a dona-de-casa vai ao trabalho junto aos
tachos; comandando, mantendo a postura de senhora é verdade, mas dele não se
eximindo. Consequentemente, a cozinha é espaço de uso contínuo, e a nobreza dos
salões é relativizada.
Assim, se por um lado o estilo de vida condicionava a casa em padrões
tradicionais não evoluídos, em virtude de uma economia estagnada, por
outro a casa, não sofrendo modificações, atendia mas condicionava
padrões de vida também tradicionais. Estes padrões resumiam-se na
separação nítida das residências em duas partes absolutamente distintas: a
intimidade e a sala-de-visitas. Na intimidade a vida doméstica apegava-se
ao binômio dormitórios-cozinha. Daí a persistência daquele contraste
observado pelos viajantes estrangeiros que percorreram a Província na
primeira metade do século XIX: as senhoras na rua recobertas de jóias e
rendas, os homens de casaca e cartola. Em suas casas, porém, estes
mesmos personagens viviam de camisolas e ceroulas. Na rua, cheios de
cerimônias e atitudes formais circunspectas, discretas e fechadas; em casa,
sem reservas com as mucamas e a escravaria, em doce à-vontade sem
contenções. Isso na intimidade dos lares, porque na parte reservada aos
estranhos, nas arrumadas salas-de-visitas a mesma circunspecção da rua
se repetia, acentuada pela colocação simétrica do mobiliário, presidido pelo
sofá ladeado de poltronas e cadeiras em semicírculo impecável.
Conseqüência deste modo de vida, pode ser lembrada a falta de
sociabilidade verdadeira entre vizinhos e, de certo modo, até mesmo a falta
de sociabilidade maior entre pai e filhos, aquele revestido de sua posição de
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cavalheiro da rua, a autoridade a respeitar, o senhor, e estes recolhidos à
posição de dependentes, cujo reino era o quintal e companheiros os
moleques da criadagem.
A própria instabilidade econômica e sua precariedade contribuíam para este
estado de coisas, hipertrofiando as aparências em detrimento da
autenticidade da vida. Importava parecer porque ser mesmo, de verdade,
era difícil, senão impossível. Importava, pois, esconder a verdade, ou não
alardeá-la em virtude de sua própria precariedade. Se pobre, não
demonstrar a pobreza; se remediado, fingir-se pobre para não surpreender-
se quando, de fato, a pobreza viesse.
Daí a pouca sociabilidade do mineiro, seu baixo espírito de comunidade e
seu alheamento às necessidades públicas das povoações onde reside. Daí
seu horror ao fisco e seu amor à oposição política, quando não beneficiário
do poder, e seu apego à situação, quando dela usufrui vantagens, ainda
que apenas morais ou aparentes. Daí também o apego dos mineiros às
fachadas de suas casas, às quais dedicam a maior atenção, ainda que com
sacrifício dos interiores. Ocorre também que na maioria dos casos as
plantas se conservam em partido tradicional, sujeitas ainda ao estilo de vida
antiga (dormitórios-cozinha), enquanto que as fachadas se apresentam
luxuosamente modernas quando não até alambicadas e pretensiosas.
(VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961,
p.18).
Por outro lado, o vai-e-vem do trazer suprimentos para as cozinhas, por vezes
em lombo das bestas, interfere no partido da residência que prontamente incorpora
corredores laterais que vão da rua à cozinha, aos fundos. Mais do que as salas, a
cozinha é o lugar mais visitado, pela família e pelos estrangeiros.
Vasconcellos dedica à descrição das cozinhas um único parágrafo em sua tese
de livre docência “Arquitetura particular em Vila Rica” (1951):
A cozinha “com seu fogão e seu armário de tabuado liso” [citando
documentos do Arquivo Público Mineiro], em geral prima pelo descuido, a
maioria com seu entelhamento à vista, facilitando a tiragem da fumaça e seu
chão de terra socada, algumas poucas lageadas ou “ladrilhadas com tijolos
assentados com traço por igual” [citando revista do Arquivo Público Mineiro].
Mais tarde, já com fogões de fornalhas, construídos de alvenaria, alguns
sobre mesas de madeira, outros em pavimentos altos, não desdenhariam o
tabuado liso. Antes, porém, os referidos fogões se resumem em simples
brazeiros no próprio solo ou em mesas de alvenaria, sobre as quais se
levantam coifas em balanços, sustidos por grossas vigas de madeira ou de
pedra como as existentes na Casa dos Contos. (VASCONCELLOS,
Arquitetura Particular em Vila Rica, 1951, p.144)
O parágrafo seguinte destina-se a uma sucinta descrição da distribuição das
cozinhas como apêndices à construção geral, ou em volumes apartes, com indicação de
uma única exemplificação. Não dá, ao tema, o valor que nas memórias este espaço irá
ter, e que se refletem em seus projetos.
Entretanto, a rusticidade dos materiais e acabamentos não se faz refletir na
funcionalidade das cozinhas. A rigor, organizam-se em duas partes principais, uma
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“suja” e outra “limpa”. A primeira destina-se à limpeza, abate e ante-preparo,
considerando, ainda, que incorpora pequenos estoques; a segunda, por sua vez, refere-
se ao preparo propriamente dito, onde cozidos e assados são elaborados no fogão a
lenha. Esta distribuição básica é ainda hoje percebida nas soluções elaboradas por
arquitetos e designers, em que uma “linha-de-produção” organiza-se em retas,
paralelas, ou triângulos, facilitando o deslocamento de usuários e iguarias.
Considerando novamente os modelos de residências projetados pela Comissão
Construtora da Nova Capital, e a relativa manutenção da implantação da residência
sobre o lote, os espaços de serviço preservam-se aos fundos, muitas vezes isolados do
volume principal ou, mais frequentemente, constituindo “puxados”. Além das
dependências de empregados, os barracões, estes espaços periféricos incorporavam as
cozinhas. A cozinha, na distribuição funcional e, fundamentalmente, social da casa, é o
locus do trabalho intenso e cotidiano, elaborado em favor de outrem, instala-se no
século XIX como signo do distanciamento, da separação.
O século XX irá, através do funcionalismo, determinar transformações
significativas no espaço de produção chamado cozinha. Percebemos com clareza a
determinação do modo de organização das cozinhas em “Como saber se sua casa é
boa ou ruim” (sd), texto já comentado por seu caráter didático-determinista:
Em primeiro lugar o tamanho das cozinhas não se mede em metros
quadrados. Mede-se, simplesmente, em metros corridos de mesas
operatórias, nas quais incluem-se o fogão e as pias. As portas, interna e de
saída (quando existam) devem ficar uma em frente da outra para evitar o
maior erro de todos que consiste no trânsito diagonal da peça. Devem,
ademais, essas portas, ficar no meio das paredes onde se abrem, deixando
as laterais livres para as mesas. Porta de canto inutiliza as duas paredes
confrontantes. A menos que a cozinha se desenvolva em corredor, com as
mesas de um só lado, com as portas e armário do outro. Esse seria o
esquema ideal. A cozinheira não precisaria caminhar de um lado a outro,
dando meia volta. Teria tudo sempre à sua frente, movendo-se apenas para
os lados. A tradição errada brasileira ainda não compreendeu essa
funcionalidade tão simples.
Se possível, os armários da cozinha devem também permitir aberturas e
acesso pela copa ou sala de refeições. Isso evita que se dê volta pela
cozinha para atingir o armário. Da mesma forma a geladeira (utilizada pelos
moradores, indistintamente) deve localizar-se em posição intermediária
entre cozinha e sala de refeições, de maneira a não determinar longas
caminhadas. Junto à porta interna, por exemplo, de um lado ou do outro
dela.
Foi feita referência a duas portas. Todavia o ideal seria que tivesse apenas
uma. Ou que as duas estivessem juntas, num mesmo canto por exemplo.
Neste caso seria evitado todo trânsito atravessador pela peça, perturbando
quem estivesse trabalhando nela. As paredes restantes estariam livres para
as mesas e a área perdida para uma porta seria, por sua vez, a mesma
aproveitada pela outra porta.
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As figuras anteriores denotam como as cozinhas foram alvo da pesquisa espacial nas residências na
medida em que era necessário fazê-las integrar à vida cotidiana. Outro aspecto significativo, já
destacado anteriormente, é a produção de equipamentos eletrodomésticos, acelerada no segundo
pós-Guerra, e aqui associado ao planejamento das cozinhas.
173
Exemplo da centralidade das cozinhas (área hachurada) nos projetos de residências elaborados por
Sylvio de Vasconcellos.
128
É preferível que a janela da cozinha esteja exatamente por cima do fogão.
Dispensaria os exaustores de gorduras, puxando para fora os odores e
fumaças. Armarinhos por baixo das pias não são aconselháveis. Exigem o
esforço de se agachar para atingi-los, são de difícil limpeza e inspeção.
Também os armários por cima das pias não se aconselham. Demandam
esforço para utilizá-los ou escadas. Não são suficientemente amplos para a
aparelhagem usual. Mais recomendável é o armário comum, como os de
dormitórios, apenas menos fundo. De um só golpe de vista exibe-se por
completo, não exigindo que se fique a procurar aqui e ali, abrindo e
fechando portinholas, até encontrar o procurado. O metal, salvo o aço
inoxidável, não é aconselhável no equipamento das cozinhas. É de difícil
reparo e repintura, por requerer solda e tintas especiais. Além do mais,
produzem muito barulho. E é adorado pelas baratas e outros insetos. Os
plásticos são bem melhores. (VASCONCELLOS, Como saber se sua casa é
boa ou ruim, sd, p.3).
O receituário é preciso. Quase podemos inferir que, seguindo suas regras, não
seria necessário elaborar nenhum item em especial neste espaço. Bastaria ao arquiteto
seguir as instruções e, prontamente, as cozinhas funcionariam. Bom funcionamento
novamente corresponde à boa arquitetura. Esta preocupação motivou um sem-múmero
de pesquisas espaciais e de equipamentos industriais, em especial pela indústria norte-
americana dos anos 50, interessada em prover à dona-de-casa os facilitadores do
cotidiano. Reduzem-se os espaços da cozinha, ou integram-se estes a outros da
residência, novos equipamentos são desenhados: refrigeradores, coifas, fornos
integrados a armários, etc. A “Meal Kitchen” – cozinha para refeições – projetada pela
The Crane Company, na divisão de planejamento de cozinhas e banheiros indica em
seu catálogo:
Ambos são bons exemplos de como o design da cozinha moderna pode
banir a usual invisibilidade do trabalho executado nesta parte da casa,
tornando-a tão atrativa quanto qualquer outro espaço. Uma vez que isto
esteja implementado, as vantagens em uma pequena casa sem
empregados domésticos são evidentes – nenhuma perda de tempo e
energia em servir e limpar, refeições saltando quentes do forno, e tudo à
mão de quem se senta à mesa. (FIELL, 2000, p.356, tradução nossa)
30
.
Em consonância com o pensamento funcionalista, seria fundamental a
incorporação das cozinhas aos demais espaços sociais. A solução adotada por
Vasconcellos é inserir este espaço de produção em uma zona intermediária entre o
setor social e o setor de serviços, em posição nevrálgica em relação ao pavimento
30
Both are good examples of how modern kitchen design can banish the usual unsightly evidence of the work
carried on in this part of the house, making it as attractive as any other room. Once this is done the advantages in
a small maidless house are evident – no wasted time and energy in serving and clearing away, meals piping hot
from the oven, and everything wanted for table close at hand.
129
superior, quando existente. Escadas, por vezes secundárias e íntimas, cuidadosamente
aproximam quartos e cozinha.
Algo aproxima o homem das cozinhas.
Subia fumaça preta da fornalha; branca da chaleira e panelões. A cozinha
me fascinava.
Panelas pretas, de pedra; tachos brunidos que pareciam bacias; compridas
colheres de pau; facas que Joaquim amolava no cimento da escada. E o
fogo crepitando na fornalha. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.3).
Há um atavismo na relação com o fogo, representado, no interior das residências,
pelos fogões – então à lenha. A descrição da Fazenda do Gualaxo, em Mariana,
propriedade da família Vasconcellos, é mais um relato memorialístico que nos permite
antever as revisões do funcionalismo em direção a uma arquitetura que preza o homem:
Já estava pronta a casa nova de meu tio Bernardo na fazenda. Nela nos
hospedamos. Não era grande nem bonita como a sede velha onde tio
Juquinha continuava a definhar nos braços de sua “turca”. No entanto
crescia em alegre movimento. A cozinha regorgitava de gente do nascer ao
pôr-do-sol. Vinham camaradas comer antes do eito pelas seis da manhã;
vinham depois do eito pelas quatro da tarde. Estacionavam visitas;
estacionávamos nós, hóspedes de temporada.
Luisinha dispunha, agora, de auxiliares: uma no pilão descascando arroz,
outra atiçando o fogaréu na enorme fornalha de adobos, a terceira pelando
mandiocas e batatas, a quarta lavando panelões na bica d’água a dois
passos da cozinha, já no quintal.
O forno, para assados e quitutes, agachava-se a um canto da fachada
posterior da casa; o tacho para torrar farinha de milho, com fogo próprio,
ajeitava-se ao lado do fogão. Há uns bons passos de distância, no caminho
da sede velha, ficava o moinho de fubá, logo depois da ponte sobre o
riacho.
Cozinha me era ambiente familiar desde os tempos de criança com Joaquim
e Olímpia. Enquanto Paulo e Décio se entretinham com tio Bernardo e primo
Luis, em eterno descansar de preguiça nos bancos da varanda, eu preferia
misturar-me com o mulherio cozinheiro, ajudando aqui e ali a mexida do
angu ou o umedecer do cuscús.
Minhas imprudentes intervenções no preparo das comidas muitas vezes
antes dificultavam do que facilitavam o esforço da moçaria. Esta, porém,
não era minha intenção e isto todos reconheciam, zombando alegremente
de minhas deficiências.
[...]
À noite, acendiam-se fogueiras no piso de terra socada da cozinha. Cada
um se acomodava em volta, contando casos e trocando zombarias, no geral
cursadas por Lucas, o mais desbocado e irreverente de todos. Só tio
Bernardo negava-se a estas tertúlias, preservando-se o respeito devido.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.90).
Considerando os aspectos funcionais, a ação de preparo das refeições exige a
presença das cozinhas em toda e qualquer residência. Contudo, estes espaços revelam-
se diversos na casa da cidade e na casa rural. Ali, fica manifesta, na disposição aos
129v
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130
fundos do lote e na exigüidade das dimensões (muitas vezes também o pé-direito é
reduzido, não igualando-se aos quatro generosos (e usuais) metros de altura do
restante da edificação), a condição de segregação. No Gualaxo, contudo, espelho do
mundo rural e interiorano – anti-moderno poderíamos afirmar –, enquanto a varanda
remete a uma atitude senhorial, visível desde a arquitetura dos engenhos de açúcar
nordestinos em que a casa grande guarda olhares sobre a senzala, a cozinha é o lugar
da socialibidade. Não revela o conservadorismo do mineiro (da cidade), antes, explicita
interações diversas. Ainda do trabalho e do servir, mas antes, do encontro entre os
homens: camaradas, visitas, hóspedes, núcleo familiar.
Diversos foram os arquitetos modernistas que se debruçaram sobre o tema das
cozinhas. Bruno Julius Florian Taut (1880-1938), por exemplo, é mais conhecido por
suas especulações utopistas e pelo expressionismo das formas empregadas em seus
projetos – como bem revela o Glass Pavilion (1914), construído para a Exposição da
Werkbund, em Colônia – do que por sua extensa obra de ordem social e suas
implicações, inclusive culturais e humanísticas:
As intensas e fundamentais investigações de Taut sobre a casa confluem na
construção de sua própria residência, na qual a extrema racionalidade está
intimamente ligada às implicações humanas: “não interessa o aspecto das
habitações mas os aspectos humanos”. Os menores detalhes da atividade
doméstica encontram resposta em invenções técnicas engenhosas e
confortáveis. Também os materiais e cores são estudados detidamente em
função do bem-estar e da possibilidade de serem usufruídos. (CORNOLDI,
1999, p.277, tradução nossa)
31
.
Mesmo para os primeiros arquitetos vanguardistas, como Taut, ou mesmo Adolf
Loos e Gerrit Rietveld, as cozinhas são parte integrante da casa, assumindo uma
significação para além de espaços de produção necessários. A abstração do sentido de
espaço abre caminho à concretude do sentido de lugar.
Partimos da convicção de que a arquitetura consiste em significados mais
do que em funções práticas. Estes “significados” são definidos como
“existenciais” para acentuar sua participação integral na vida cotidiana.
Podemos dizer, em geral, que uma das necessidades fundamentais do
homem é a de experimentar “significados” no ambiente que o circunda.
Quando isto se verifica, o espaço se converte em um conjunto de “lugares”.
Então, o termo “lugar” determina algo conhecido e “concreto”, enquanto
31
Las intensas y fundamentales investigaciones de Taut sobre la vivienda confluyen en la construcción de su
propria vivienda, en la que la extrema racionalidad esta íntimamente ligada a las implicaciones humanas: “no
interesa el aspecto de las habitaciones sin los humanos”. Los más pequeños detalles de la actividad doméstica
encuentran respuesta en invenciones técnicas ingeniosas y confortables. También los materiales y colores son
estudiados detenidamente en función del bienestar y la capacidad de ser vividos.
130v
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É visível o contraste entre a qualidade espacial do Glas Pavilion (1914), projetado por Bruno Taut, em
que a tecnologia e uma visão esplendorosa da arquitetura dominam o objeto, e a cozinha da
residência do arquiteto (1926).
131
“espaço” indica as relações mais abstratas entre os lugares. (NORBERG-
SCHULZ, 1999, p.223, tradução nossa)
32
.
As cozinhas de Vasconcellos – na memória e nos projetos – são lugares de
experimentação, em que a cultura local aflora, a despeito dos impositivos determinantes
da funcionalidade. Nela, o fogo é o elemento de reunião, não de cocção. O homem é o
elemento a ser reunido, não o operário.
32
Se parte de la convicción de que la arquitectura consiste en significados más que en funciones prácticas.
Estos “significados” son definidos como “existenciales” para acentuar su participación integral en la vida
cotidiana. Podemos decir, en general, que una de las necesidades fundamentales del hombre es la de
experimentar “significados” en el ambiente que lo circunda. Cuando esto se verifica, el espacio se convierte en
un conjunto de “lugares”. Entonces el término “lugar” determina algo conocido y “concreto”, mientras que
“espacio” indica las relaciones más abstractas entre los lugares.
132
3.3. “Construir, habitar, pensar”
Como conciliar o modus vivendi típico do habitante da casa e o desejo de
implementação de novas formas, acompanhadas pela técnica construtiva e tecnologia
disponível ao habitar? Esta questão se reflete nos projetos de Sylvio de Vasconcellos. A
revisão ao tema da funcionalidade não tarda. Escreve:
As caixas atuais são frias, não as dinamizam nem mesmo uma
racionalidade funcional. São belezas gratuitas, principalmente aparentes,
que cansam e não se integram duradouramente na vida cotidiana. Impõe-se
uma revisão do conceito da plástica industrial e, logicamente, do industrial
“design”.
Para que o objeto volte a ser autêntico e belo em sua autenticidade.
(VASCONCELLOS, A beleza da máquina, 1967, p.4).
A crítica à estética funcionalista faz eco aos apregomentos ouvidos em além-mar.
De certo modo, Vasconcellos repete as denúncias ao formalismo direcionadas
anteriormente ao Ecletismo. Mais ainda, a decantada emoção da Arquitetura não se
apresenta; antes, é fria, pouco ou nada dinâmica. Em nada recorda o espírito novo do
pioneiro Le Corbusier.
Por isso não se pode aceitar que indicações de ordem técnica, funcional,
sua justificação no mundo moderno e no estilo de vida contemporâneo,
tenham sido invocadas apenas como veículo, como desculpa, para a
introdução de uma exclusiva e verdadeira finalidade: novas formas
plásticas. O que, realmente, se verificou é que, de uma extrema
preocupação decorativista primária e vazia, acompanhada de um
desmedido respeito por soluções convencionais falsas, se passou,
repentinamente, ao oposto, isto é, a uma supremacia implacável da técnica,
só se aceitando a plástica como decorrente espontânea e não intencional
da funcionalidade. Este equívoco da máquina de morar teria de ser desfeito
como o foi, mas sua revisão não deve levar novamente ao exclusivismo da
forma pela forma. (VASCONCELLOS, Crítica de arte e arquitetura, 1957, p.
261).
Agrava a crítica o fato da técnica ter sido transformada em álibi para o
formalismo, convertendo-se em tecnicismo; de “arte pela arte” a “técnica pela técnica”, e
vice-versa. Vasconcellos recupera o tom panfletário e inflamado utilizado em textos que,
antes, exaltavam o modernismo. O conteúdo, porém, é refratário ao funcionalismo, em
nada indicando a filiação cega aos princípios expostos pelos pioneiros. Em uma década,
o discurso se reveste de uma negação à ordem técnico-funcional e ao imediatismo
plástico decorrente.
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133
Hoje a ressalva justifica-se, não só pelas similitudes e ligações que o
movimento nacional moderno mantém com o estrangeiro como, e
principalmente, pela sua excepcionalidade. De fato, a arquitetura dita
contemporânea não foi ainda integralmente aceita no Brasil, não se difundiu
por todo o seu território, nem vem servindo igualmente a pobres e ricos, aos
edifícios religiosos e militares, como era de se esperar em virtude de sua
excelência e das campanhas sistemáticas a seu favor empreendidas.
[...]
No caso da arquitetura de nossos dias, o divórcio entre os edifícios padrões
e os demais é quase integral, não só pela persistência de soluções antigas
já superadas, como pela má compreensão das novas que originaram não
uma corrente lúcida e aceitável, ainda que imitativa, mas simples
contrafações e arremedos absolutamente injustificáveis. No geral, o povo
não se nega à aceitação das novas formas arquitetônicas nem lhes poupa
elogios, mas opõe-lhes sempre a ressalva: não para morar nelas. Do que se
conclui não haver dúvidas quanto à plástica atual, mas sim quanto à
técnica, à sua funcionalidade, o seu preço, talvez. (VASCONCELLOS,
Contradição e arquitetura, 1957, p.5).
Aqui percebemos que a revisão do funcionalismo converge para uma reflexão
sobre a extensão ou o alcance do Movimento Moderno, que no Brasil não atingiu as
massas como era a expectativa original. Não importa, a princípio que o modernismo
brasileiro tenha sido reconhecido internacionalmente, pois que sua excepcionalidade
não se converteu em transformações sociais mais amplas. Nem mesmo conseguiu
configurar um padrão construtivo capaz de qualificar as edificações para as classes
média e alta, indicando os elevados custos.
Por outro lado, os interiores burgueses revestem-se de luxo. Em uma nítida
inversão de valores e de papéis, o arquiteto-decorador (ou mesmo este último atuando
isoladamente) ganha expressão na sociedade. Sylvio atua criticamente mesmo no
momento em que dá título a seu artigo, “É uma casa mineira, com certeza, ou quem tem
medo dos decoradores?” (sd):
Por que será que vem acontecendo tal coisa, principalmente em Minas, e
em Belo Horizonte em especial? Parece que o mineiro esqueceu-se de que
casa é feita para se morar dentro dela. Casa é o ambiente fundamental do
homem e da sua família. Casa é a coisa mais importante que existe como
abrigo, como elemento de união de pessoas, como tranqüilidade e amor. De
repente todo mundo esqueceu deste princípio tão banal. Todo mundo se
preocupa em brilhar, em exibir uma casa de luxo, mas ninguém pensa em
arranjar um ambiente onde se sinta feliz. Inclusive os chamados
decoradores que acham que quanto mais enchem as casas, mais
formidáveis são. Na verdade ganham mais, isso sim, mas liquidam com
qualquer espaço. Até mesmo em lojas e escritórios. Muito poucos cuidam
realmente de criar ambientes adequados ao trabalho. Inventam armários
agressivos, vasos, prateleiras, coisas que atravancam e oprimem apenas.
Daí ninguém querer ficar em casa, desejando fugir para as ruas. Tanto as
crianças como os adultos. Daí o nervosismo, a hipocondria permanente, a
irritação que ataca os moradores de casas mal equipadas, sem que se
133v
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Casa Cor® promovida em Estocolmo por arquitetos brasileiros em 2007. É ainda atual a crítica de
Vasconcellos sobre a decoração dos interiores.
134
percebam que o mal está exatamente nas coisas simples que foram
complicadas desnecessariamente a seu redor.
Já é hora de dar atenção ao assunto. Visando maior liberdade, maior
funcionalidade e, fundamentalmente, maior simplicidade. Escolher o lugar
certo para cada cadeira e mesa. Não porque fique melhor na aparência,
mas porque fique mais confortável. É hora de retirar o que estiver sobrando,
deixar de lado a opinião das visitas e a competição com os amigos, para
visar apenas comodidade. (VASCONCELLOS, É uma casa mineira, com
certeza..., sd, p.3).
Sylvio convoca os arquitetos a refletir sobre o tema, dar a ele a devida atenção e
retomar o conteúdo ético necessário ao bom exercício da Arquitetura. E nos alerta para
o consumo. Não é este o valor primordial, primeiro, da casa. Luxo – sem pieguismo –
não é sinônimo de felicidade. O artificialismo produzido nos interiores conduz aos males
modernos: nervosismo, hipocondria, irritação, e tantos outros. O maior deles, a solidão,
é decorrente do tecnicismo, expresso nas telas dos televisores. Nem a família se
encontra no lar, nem os indivíduos se encontram na sociedade.
Televisão e rádio põem o mundo em sua casa. Telefone elimina distâncias
em comunicação. Milhões de salas de espetáculos reúnem diariamente
milhões de pessoas, lado a lado. Milhões de famílias vivem juntas em
edifícios comunitários. Ruas, estádios, praias e transportes colocam
pessoas ombro a ombro permanentemente. O mundo foi feito para juntar
pessoas. No entanto, o que produz é só solidão.
[...] A tecnologia suprimiu a comunicação humana, de gente a gente. A
aproximação não mais existe de per si, senão em função de um interesse
extrínseco comum. Estamos juntos por circunstâncias: não por livre e
espontânea vontade. Relações são funcionais: em razão do trabalho, da
diversão, do trânsito. O do amor até. Não que existe, mas que tecnicamente
deveria existir. Tempo designado de rir e de chorar, de trabalhar e amar, de
suportar e protestar.
Milhões de pessoas cumprem metodicamente tarefas e funções. E se
assustam quando se sentem sós. Quando em intervalos mínimos de tempos
ocupados, percebem a própria solidão. Então, ocupam-se de novo para
olvidarem o estarem sós. Ou para encherem o vazio em que se sentem.
Aqui nasce a indústria da solidão.
[...]
O mesmo ocorre na França ou na Inglaterra. É o preço que se paga pelo
alto desenvolvimento, pela chamada economia de escala, pela civilização
de consumo, pela modernização cultural. Necessidades transformam-se em
bens de consumo. Relações humanas não acontecem mais; devem ser
produzidas, de acordo com as necessidades do mercado de consumo. Em
doses certas que se pode comprar na esquina mais próxima no momento
que a fome aperta. (VASCONCELLOS, A indústria da solidão, 1972, p.4).
Sylvio critica o esvaziamento dos conceitos fundamentais do modernismo na
Arquitetura, expresso na retomada de atitudes projetuais calcadas na “arte pela arte”, no
tecnicismo, no consumo. Aponta para as revisões empreendidas na década de 50 –
indicando mais uma vez que a subordinação cronológica é uma falácia historiográfica e
que a rede de saberes ainda opera em sua linha de raciocínio e atuação.
134v
178
135
No princípio ocorreram alguns equívocos que perturbaram a integral
aplicação das idéias. Por exemplo, muitos acreditaram que a beleza
decorria necessariamente da função, não exigindo qualquer outra
interferência. Foi a época da máquina de morar de Corbusier. Se um cabo
de facão adaptava-se totalmente ao punho que a empunha, já de si seria
belo, como são belos os aviões ou os navios cujas formas decorrem
precipuamente da aero ou hidráulica-dinâmica.
Cedo, contudo, percebeu-se o equívoco, pois há sempre momentos, na
criação, onde o artista é posto frente às opções. De várias maneiras pode
um objeto atender integralmente a suas funções e a escolha de uma delas
depende exclusivamente do artista criador. Aí estão, testemunhando o fato,
as várias formas dos aviões, todas elas funcionais. Há sempre um detalhe,
uma cor, um pormenor que se sobreleva à função. O objeto não pode,
portanto, ser belo apenas porque funciona.
Estas novas idéias alteraram outra vez, profundamente, os conceitos do
problema. Reconheceu-se sua complexidade e a indispensável presença,
junto ao técnico, do artista. (VASCONCELLOS, A beleza da máquina, 1967,
p.4).
Com os olhos irremediavelmente voltados para o futuro, Vasconcellos demonstra
a impossibilidade do passado diante do presente já modernizado sob os processos de
industrialização, especulação e consumo. O modernista reconhece, mas não se rende à
impossibilidade da memória no devir.
Percebemos nos textos acima apresentados uma contemporaneidade na posição
de Vasconcellos quanto ao debate entre racionalismo e organicismo, conduzidos por
Bruno Zevi (1918-2000) nos anos 50. As concepções apresentadas por Vasconcellos
em “Arquitetura dois estudos” (1983), derivam claramente da interpretação que o autor
faz de Bruno Zevi, expostas em “Architectura in nuce” (1960), ou “arquitetura
desnudada”.
Zevi foi o responsável pela organização, na Itália do pós-guerra, de uma corrente
renovadora, denominada pós-racionalismo ou organicismo, onde se propõe a revisão
crítica da arquitetura modernista a partir da obra de Alvar Aalto (1898-1976). Os
principais temas estão publicados em “Verso un’architettura organica. Saggio sullo
sviluppo del pensiero architettonico negli ultimi cinquant’anni” (1945), ou “Por uma
arquitetura orgânica”, que se contrapõe frontalmente ao “Por uma arquitetura” (1923), de
Le Corbusier. Zevi pretende um desvelamento, uma aletheia, dando aos interlocutores a
pretensa verdade, impressa como uma nova verdade. Seu ataque à arquitetura grega é
notório ainda em “Saber ver a arquitetura” (1951), pois entende que a arquitetura
“nasce” com os espaços interiores, logo, com a matéria, ou seja, com as possibilidades
técnicas desenvolvidas pelos romanos na Antiguidade, seus conterrâneos. Cabe, ainda,
destacar que o alvo dos ataques de Zevi fazem-se contrapor a Le Corbusier que, em
135v
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181
136
“Por uma arquitetura” (1923), destaca a perfeita proporção do corpo plástico que é o
Parthenon (século IV aC).
Em Vasconcellos, a re-escritura do texto do organicista italiano se faz sob a
forma de contemporização do valor conferido pelo mestre franco-suíço ao problema da
proporção, evidenciada na explanação sobre o tema no templo grego clássico, em que o
homem encontra na natureza os ideais para a contemplação.
A massa se resolve em figuras geométricas ideais, compostas de matéria e
espaço em equilibradas proporções. Dissolve-se o peso do conjunto
edificado, que se resolve em termos de dimensão. Já não se trata de um
sólido perfurado pelo espaço, mas da justaposição e da interpenetração da
matéria e espaço em uma unidade indissolúvel. Por assim dizer a
construção, símile de escultura, se apresenta afinal como arquitetura. Num
templo grego, por exemplo, não se distingue mais se a arquitetura decorre
da matéria limitada pelo espaço ou deste limitado por aquela. Há uma
evidente compensação e compromisso entre os dois elementos,
principalmente quando se considera a construção do exterior, ponto de vista
previamente adotado para a validade de seu aspecto plástico.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.19).
Em contrapartida, Sylvio aponta para um sentido evolutivo da técnica, que
permitiu a Roma a elaboração dos grandes espaços interiores – dado inegável se
analisarmos a História da Arquitetura sob a ótica cronológica. Com seus sistemas de
compressão de tijolos em arcos, abóbadas e cúpulas, coligados por uma argamassa
forte denominada cæmentum, alcançaram vãos, notoriamente no Pantheon (c.125), em
Roma, somente superados no século XV por Filippo Brunelleschi (1377-1446) com a
construção da cúpula da igreja de Santa Maria del Fiore (1420-1436), em Florença.
Como resolveram os romanos o problema? [...] Ampliando ao máximo o
elemento sustentado, a cobertura, as abóbadas, para reduzir ao mínimo o
elemento sustentante, os apoios. A cúpula ou a abóbada figura a própria
abóbada celeste, por sua vez insustentada ou em continuidade com o
horizonte. O espaço interno da arquitetura é, pois, semelhante, imita ou
reproduz o ambiente exterior. A terra embaixo, como um plano, sobre o qual
se assenta a semi-esfera do céu ou da cúpula. O homem é o centro da
esfera. Por assim dizer a arquitetura miniaturiza o espaço natural.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.20).
Também ali Vasconcellos procura destacar as relações entre homem e
Arquitetura, sendo esta uma recriação da natureza, um micro-cosmos artificial que
denota o engenho, a técnica. Ou seja, abstração conduzindo à pesquisa da proporção
como nos gregos, ou materialidade e técnica como nos romanos, são temas pertinentes
ao campo da Arquitetura, logo, feitos pelo homem, pertinentes a seu campo de
atividades.
137
Em todo caso, podemos aceitar, partindo de várias considerações, que seria
por demais longo enumerar, a existência de uma intenção no sentido do
predomínio cada vez maior do espaço na arquitetura. Esta intenção estaria,
por sua vez, correlacionada com o apego do homem pelo espaço natural,
do qual só se isolou e ainda se isola em casos de extrema necessidade.
Aceita essa premissa, a arquitetura seria então uma imposição feita ao
homem e não uma sua espontânea aspiração. Como animal, ainda que
racional, seu ambiente é a natureza, seu “habitat” o espaço aberto.
Acontece que, circunstancialmente, a natureza lhe pode ser hostil, e então,
para se proteger de seus excessos, constrói o homem abrigos. Não é,
portanto, a arquitetura um ideal inato e intrínseco à condição humana, assim
como a escultura, a pintura ou a música, criada não por qualquer imposição,
mas por espontânea necessidade estética. Por isso mesmo,
frequentemente, toma o abrigo conformações esculturais ou pelo menos
acrescenta-se de motivos escultóricos ou pictóricos que alteram, assim,
fundamentalmente, seu caráter – inicialmente, ou em princípio, puramente
utilitário e depois estético. Aqui correríamos o risco de ingressar em tema
complexo e controverso da dualidade ciência e arte da arquitetura, que
foge, todavia, ao objeto de nossas cogitações. Evitemos esse desvio como
outros similares, relativos ao conteúdo psicológico ou emocional da
arquitetura, e voltemos à nossas proposições. (VASCONCELLOS,
Arquitetura dois estudos, 1983, p.20, grifos do autor).
Já embebido dos valores conceituais do organicismo, Sylvio não explicita o
fundamental princípio da corrente liderada por Zevi e originada em Frank Lloyd Wright: o
entendimento de que natureza, edifício e homem são uma só coisa, íntegra; ou ainda,
de que a mediação entre homem e natureza somente é possível por meio da
Arquitetura. Isto o faz incorrer em, no mínimo, um entendimento limitado do tema,
contaminado claramente pelo problema posto pelos pioneiros modernistas, que
deixaram vestígios no pensamento do arquiteto, contribuindo para uma concepção,
agora sim, mais do que ambivalente, ambígua. Cabe destacar que considerar o
ambiente natural como o lugar do homem é biologicamente equivocado, mas se
prestaria a uma reminiscência do valor de contemplação da natureza inaugurado pelo
Iluminismo. Do mesmo modo, a explicação da “necessidade estética” não corresponde
nem aos modernistas nem aos organicistas, mas a uma prática conservadora, ligada ao
Ecletismo. Para evitar maiores digressões, Sylvio esvai-se da discussão.
“Pedagogicamente”, esclarece os pontos mais significativos dos dois movimentos em
diversos textos, alguns deles aqui transcritos em seus trechos mais significativos e onde
é possível perceber as oposições.
Internamente não: aqui os espaços se relacionam em um todo complexo,
porém justificado e não arbitrário ou sugerindo arbitrariedade. Não há uma
justaposição racional das partes, como no racionalismo, mas uma
superposição ou interpenetração dos espaços, de modo a obter que
cada um deles tenha existência em função do conjunto e nele se realize de
138
acordo com sua importância relativamente aos demais. Como um órgão no
organismo. Cada parte tem uma validade própria e definida, que não se
nula ou se equilibra sempre simetricamente com as outras, pois o
equilíbrio é de valor, de qualidade e não de quantidade. [...] Se a arquitetura
racionalista faz-se, no todo, flutuantes, como um outro e ideal mundo,
autônomo (não independente) da terra, construído e destinado a um
homem racional por excelências, a organicista, pelo contrário, pretende
adaptar o homem em seu conjunto animal-razão à natureza, tal como
ela se apresenta, corrigindo-a o mínimo possível para dela extrair o máximo
de conforto. Os espaços internos, como na natureza ou no corpo humano,
colocam-se em posições relativas, definidas pela individuada função,
independentemente de qualquer predeterminação lógica ou volumétrica. A
matéria serve ao espaço; este penetra e se conjuga com aquela. Todavia, a
integração se dá muito mais entre a matéria – a construída e a natural – do
que entre os espaços – interno e externo, ainda que, muitas vezes, esses
últimos se confundam e se interpenetrem. (VASCONCELLOS, Arquitetura
dois estudos, 1983, p.30, grifos nossos).
Postos em confronto o racionalismo e o organicismo contemporâneos,
podemos dizer que o primeiro se traduz em uma arquitetura fruto de
agenciamentos lógicos, aglutinados racionalmente, resultando em um
todo simples não comprometido com o natural. Um mundo
racionalmente construído, em contraste ou harmonia com o mundo natural.
Já o organicismo busca uma interdependência da arquitetura e da
natureza, e se vale do espaço polivalente. No primeiro caso, o espaço é
concebido em dois termos: externo e interno; no segundo, o espaço é
uno, o natural ocupado intercaladamente pela matéria como um
prolongamento dos sólidos naturais. Evidentemente, como intenção, pois já
vimos que nem sempre isso é conseguido integralmente. Por isso mesmo,
no primeiro caso dá-se preferência aos materiais artificiais, valorizados em
suas peculiaridades: o vidro, o ferro, o concreto à vista, os plásticos, etc. No
segundo preferem-se os materiais naturais: a pedra, a madeira.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.30, grifos nossos).
Polaridades são características iluministas (Roaunet, 1987), aqui refletidas no
modo como Vasconcellos dispõe os elementos do racionalismo em relação ao
organicismo, respectivamente: espaços independentes X espaços interdependentes;
prevalência do todo sobre as partes X valoração das partes individuais na
caracterização do todo; idealização do homem universal X entendimento do homem
cultural; racionalidade e abstração na composição X expressão sensível na composição;
contemplação isolada da natureza X integração com a natureza; materiais artificiais X
materiais naturais.
Os esclarecimentos acerca das correntes e suas características não acirram as
diferenças; antes, Vasconcellos busca uma conciliação entre os modelos, como se
buscasse uma terceira possibilidade. Para tanto, usa, muitas vezes, de argumentos um
tanto óbvios, como vemos no caso da definição de objetivos comuns entre as correntes:
a elaboração de um processo de projeto. Contudo, processo e, fundamentalmente,
resultados, são diversos no racionalismo e no organicismo.
139
No frigir dos ovos, tanto a corrente organicista como a racionalista visam um
objetivo comum, qual seja a lógica da construção. Diferem os métodos e as
premissas da composição. A primeira tende mais para a posição e
importância relativas dos espaços. A segunda, pelo agenciamento técnico
dos mesmos. Modos diversos de resolver um mesmo problema com
resultados semelhantes ainda que não iguais. Varia também a condição
cultural que informa as duas correntes: romântica uma, clássica outra. Na
primeira o homem apresenta-se individualmente com peculiares
necessidades e flexíveis exigências; na segunda, considera-se o homem
como um ser ideal, padrão como média, cujas necessidades físicas mais ou
menos uniformes devem prevalecer sobre suas possíveis peculiaridades. A
questão torna-se portanto sutil quando se considera que o homem é
também uma arquitetura, uma síntese de coisas, mentais e materiais. Em
determinado caso aparece como uma coletividade, em outros como
indivíduo. O próprio corpo humano, orgânico, não deixa de ser
racionalmente composto. Considere-se por outro lado que na formação dos
estilos, característicos de épocas, as correntes que os impulsionam só têm
maior importância na medida em que venham a influir na definição dos
citados estilos. Por si mesmo, as correntes, no tempo, perdem de
importância, reduzindo-se a problema de personalidade de seus criadores, a
cachet de determinadas obras, a escola de determinado autor. E
generalidade arquitetônica acaba sempre por aproveitar a contribuição
oferecida por todas as correntes, confluindo-as para uma só concepção
final. Dentro do problema como nos encontramos, sem a perspectiva da
distância para interpretá-lo, difícil é avaliar com justiça e corretamente cada
corrente, cada tentativa ou experiência que vem sendo realizada.
(VASCONCELLOS, Inquérito nacional de arquitetura, 1963, p.37, grifos do
autor).
A postura de Vasconcellos é quase salomônica. Denota uma dificuldade de
expressão que aborte boa parte das concepções racionalistas em favor de valores onde
o tema cultural e a memória possam ser melhor abrigados. Indica, com parcimônia, as
características de cada corrente, sem estabelecer juízo de valor que suas obras próprias
acabam por apontar, buscando mesmo uma solução conciliatória na definição (díspare)
de cada uma delas. A neutralidade indica – esta é a suposição – de que Vasconcellos
estaria em busca de princípios próprios, elaborados através da rede de saberes, para a
qual haviam contribuído os manifestos, as obras e os expoentes de cada uma das
correntes. A tônica pouco aguda na fala – quase indistinta na caracterização das duas
correntes – nos faz supor uma teia ainda frágil, pouco amadurecida; então, a cautela.
Vasconcellos aponta para um homem que é Arquitetura, em um sentido amplo, é
construção, elaboração, possibilidade de transformação, tal como no espaço.
Contudo, em alguns de seus textos é possível perceber não uma tentativa de
conciliação com o racionalismo, mas uma opção clara pelos princípios organicistas: a
relação espaço-matéria se dá através da integração/interdependência com os elementos
da natureza, predominância das massas sobre o vazio (leia-se a eliminação dos panos
de vidro), interação entre os espaços funcionais, não-padronização das soluções
139v
182
140
formais permitindo a individualidade do objeto a partir do lugar e da cultura. A mesma
relação percebemos na Villa Mairea (1937-1939), projeto do finlandês Alvar Aalto. Ali,
matéria e vazio conjungam-se em equilíbrio, denotando que a natureza integra-se à
Arquitetura, e por meio dela o homem participa da natureza.
Para os organicistas o fundamento arquitetônico principal é o ecológico. A
harmonização, quase o mimetismo da construção com a natureza. O ideal é
a natureza, as suas formas, a sua ambientação e as soluções permitidas
pelos seus recursos. A relação espaço e matéria se realiza como na
natureza circundante [em nota: A terra é a mais simples forma de
arquitetura, diz Wright]. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983,
p.29).
A casa organicista é a casa do homem; aquele que, de maneira explícita, mas
não necessariamente pública, recolhe na matéria suas memórias. A casa da memória
de Sylvio recompõe, para a Arquitetura, valores imateriais:
As casas de minha infância abriam-se aos ventos e à luz. Nelas entravam
livremente o frio tiritante do inverno e o calor suarento do verão. O sol
inundava-as por completo. Inventaram, depois, o conforto do ambiente
condicionado por lâmpadas de monótono brilho e temperatura constante.
Fecharam-se as casas hermeticamente, revestiram-nas de isolantes,
fizeram-nas ilhas solitárias na paisagem urbana. Escorraçaram delas o ar e
a luz da natureza, a variedade infinitiva de suas nuances que eu sentia, em
minha infância, nos arrepios da pele, no gotejar da perspiração, no
ofuscamento deslumbrante dos olhos, na gostosura das sombras em horas
de mormaço, na calidez dos cobertores nas noites geladas. Hoje, não mais,
nunca mais. (VASCONCELLOS, Hoje não mais, nunca mais, 1977, p.6).
A luz é fundamento para a obra de outro arquiteto, Louis Isidore Kahn (1901-
1974), para quem o tema não se associa às propriedades físico-matemáticas
mensuráveis em lumens
33
. A Arquitetura, para Kahn, consiste na elaboração de
envoltórios materiais para a luz, além do silêncio. Ou seja, o arquiteto não opera sobre a
matéria, mas sobre o vazio, que somente tem suas qualidades ambientais expressas a
partir da disposição material.
O espaço é a premissa, o objeto, o elemento básico, inclusive da
arquitetura, tão indesligável da matéria como as leis da estabilidade que a
sustentam. Deixando de ser apenas a negação, a ausência ou o lugar que
permitia ou continha a afirmação da matéria sensível, adquiriu o espaço
valor também positivo, intrínseco e definido. Tão válido quanto a matéria
palpável, com a qual se integra em um todo harmônico indissolúvel. Em
outras palavras: de lugar-onde a coisa se realizava, o espaço integra-se na
própria coisa, parte imprescindível dela.
33
Unidade de medida da capacidade de iluminação de uma fonte sobre o ambiente.
141
É claro que quando se diz que o espaço adquiriu um valor positivo ou
integrou-se em composições, não quer isso dizer que antes sua participação
na obra de arte fosse diversa. Apenas acentuamos que, embora o
fenômeno, ou a participação, tivesse sempre existido, só há pouco passou
a ser considerado em seu amplo sentido. Só há pouco passou a ser
objeto de especulações objetivas e de análises mais profundas. (...)
queremos observar que consideraremos a palavra espaço para designar
apenas os vazios que envolvem ou são envolvidos pela matéria construída,
acepção que nos parece a mais adequada em termos de arquitetura.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.17, grifos nossos).
É condição obrigatória, contudo, que o vazio – o espaço positivo, dotado de valor
– defina-se por elementos concretos. A materialidade do edifício antecede a
imaterialidade pretendida, esta relacionada à percepção do ambiente e às vinculações
emocionais que fazem com que os espaços permaneçam impressos na memória,
tornando-se “lugares”.
A matéria se reduz ao meio de valorização do espaço. A matéria é o
impulso; a realidade é o espaço. A matéria modela, é o negativo, a matriz da
obra, em realidade o espaço. Procuram-se os efeitos que a matéria pode
produzir, sendo muito mais importantes estes efeitos do que as causas que
os provocam. Como, na música, são mais importantes os sons do que os
instrumentos que os emitem. O homem aspira o espaço e nele se compraz.
A matéria é o corpo; os efeitos plásticos a alma. Um não existe sem o outro,
mas a alma é o objetivo final, o conteúdo; o corpo é apenas o meio, o
veículo, o continente. A matéria em si é inerte e imortal; como ela se
comporta, como manifesta sua alma é que é o principal. O espaço não é
mais uma extensão sem vida a serviço do homem, mas um ideal a alcançar.
Não é mais objetivo em termo de quantidade, mas subjetivos em termos de
qualidade. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.26).
Vasconcellos vincula-se, assim, à contemporânea visão de seu tempo no que
tange ao organicismo, e antecipa as pesquisas atuais, dado que incorpora a recepção
da obra como um tema significativo a ser incorporado à teoria da Arquitetura. Se antes,
em sua afirmação, o espaço é tratado empiricamente, sem a reflexão possibilitada pela
acepção acima apresentada, não é mais possível que a Arquitetura se despoje da
apropriação consciente.
Estes princípios permeiam a fala de Vasconcellos. A própria construção narrativa
embala o leitor em uma experiência sensorial que não trata de espaços, mas de
elementos etéreos capazes de tornar o ambiente habitável. Interrompe-se bruscamente
o enunciado para denunciar o asceptismo da técnica e o isolamento da natureza.
A casa de Sylvio abriga, ainda, o subconsciente do sujeito. O quarto de costura,
também uma constante em seus projetos, abriga o necessário fechamento,
ensimesmamento, desejos e projeções, vestígios e lembranças:
142
Como a casa está toda aberta, aparece a necessidade de, pelo menos, uma
peça que atenda às reminiscências de hábitos antigos: é o quarto de
costura, que, na realidade, é o quarto de bagunça, uma espécie de play-
room americano, onde se faz tudo o que não pode ser feito nas demais
peças da construção e onde se guardam todos os “guardados”: costurar,
estudar, brincar, roupa velha, embrulhos, etc. (VASCONCELLOS, A família
mineira e a arquitetura contemporânea, 1961, p.18).
Por cima das salas trancadas, elevava-se o torreão onde reinava meu irmão
mais velho. Livros, badulaques, confusão. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.1).
A casa do homem é abrigo. Não o abrigo funcional, presente na cabana primitiva
de Laugier, mas o lugar do recolhimento, para onde o sujeito retorna; é o lugar dos
desejos e das projeções, dos sonhos e de miragens impossíveis, somente presentes na
mente e na memória.
A casa exposta na rua e esta sua parte assim exposta destinada à vida
pública da família, às salas-de-visitas e vestíbulos. Contrabalançando esta
parte, aparece então a outra, a íntima, tanto mais privada quanto ostensiva
a primeira. A casa então é um lugar aberto de morar, mas um quase refúgio
ou mesmo esconderijo, onde na verdade familiar impera livremente, livre
das já aludidas aparências a que se obriga quando posta em contato com o
mundo exterior. (VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura
contemporânea, 1961, p.18).
Meu pai e Paulo falavam da fazenda do Gualaxo como se fosse um sonho,
o primeiro sempre prometendo levar-me a conhecê-la. Tanto prometeu que,
enfim, cumpriu a promessa. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.89).
Vadeando riachos, subindo e descendo morros, palmilhando trilhas, furando
matas, chegamos à noitinha. O rio, largo e barrento, fazia um volta, em
remanso, bem em frente ao casarão acachapado, com sua larga varanda de
frente em cima de compridas pernas de pau. Tio Juquinha, com a nova
mulher, “a turca” como dizia meu pai, nos veio receber sem grande
entusiasmo. Tinha cara de doente e, de fato, estava, como depois confirmei.
Em pouco chegaram meu outro tio, Bernardo, com a mulher, Nininha. Foi
esta que providenciou uma bacia, com água de polvilho onde me fez sentar
para alívio das nádegas doloridas.
[...]
Tio Bernardo estava construindo casa nova, a alguma distância. Troncos de
árvores pelo chão, serrotes enormes; enxós e machados para o desbaste.
Pretendia construir também uma represa, o tanque, para o moinho de fubá.
O colchão gordo, de palha de milho, barulhava, chiando, a qualquer
movimento que, sobre ele, se fazia. Lamparinas cônicas, de querozene,
oscilavam na escuridão.
De fato o Gualaxo era uma maravilha. Nada proibido, nada mandado, cada
um apenas fazendo aquilo de que parecia gostar. Tio Bernardo nem falava
com ninguém. Quando queria alguma coisa, dizia olhando o céu:
- É preciso passar creolina nas vacas.
Parecia estar apenas pensando alto. Mas a ordem se cumpria de pronto.
142v
183
143
Pena que foram poucos os dias de minha liberdade. Marcou-se a volta e eu
pedi a Lucas para conseguir o cavalo cego, aquele castanho de passo
balançado, para mim. De fato, foi com ele pelo cabresto que me despedi.
- Tão pouco; devia ficar mais. Volta outra vez, viu, me disse Nininha.
Se pudesse teria ficado. Permanente e definitivamente. Aquele era o
ambiente, a vida que eu queria. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.89-101, erro de paginação no original).
O que seria a casa do homem? A primeira reflexão crítica em relação à máquina
de morar nos chega através de Martin Heidegger (1889-1976), em “Construir, habitar,
pensar”
33
. O filósofo recoloca a questão: o que é o homem?
Para Heidegger, esta questão ontológica não pode ser resolvida sem que se
reconheça que, ao redor deste sujeito existencial, gravita tudo aquilo que
lhe é familiar, os utensílios e a casa como a materialização de uma vida que
se desenvolve através de um tempo existencial, não cronológico – passado,
presente e futuro experimentados a partir da própria subjetividade. O sujeito
permanece, assim, atravessado por este tempo existencial e este marco
familiar e utilitário que o definem. (ÁBALOS, 2003, p.44-45).
A casa é, então, emblema de uma possível plenitude do ser (Dasein). Para a
elaboração desta ontologia, foi necessário a Heidegger rever os princípios postulados
pelo modernismo (e pela modernidade, de modo mais amplo), criticando a banalização
contida na universalização pretendida pela tecnologia. A casa como “máquina de morar”
construiu um homem racional, não livre, e sim pasteurizado e apático. A resposta
apresentada em Darmstadt, segundo Heidegger, expressava o necessário retorno às
origens. “[...] a memória substitui, como valor, o progresso, invertendo, por assim dizer,
a flecha do tempo.” (ÁBALOS, 2003, p.47).
A varanda da casa de Vasconcellos contem a idéia da “soleira” heideggeriana. É
fronteira entre os dois mundos, o privado e o público, recolhe o homem a um universo
próprio, individual, e o prepara para a ação no universo exterior, estranho. Fecha, e
abre. Faz recordar a Jano:
Jano era o deus de todos os acessos e portas públicas pelas quais
passavam os caminhos. Suas duas faces lhe permitiam observar,
simultaneamente, o exterior e o interior de um edifício. Assim como era o
deus das portas, também era o deus da partida e do regresso.
Reconhecemos aqui um novo fato existencial: o desejo humano de
conquistar o universo a partir de um centro conhecido e significativo.
(NORBERG-SCHULZ, 1999, p.44, tradução nossa)
34
.
33
“Bauen Wohnen Denken” é o título de uma palestra do filósofo alemão, proferida aos arquitetos responsáveis
pela reconstrução no segundo pós-guerra no Darmstädter Gespräch, em Darmstadt, no ano de 1951.
34
Jano era el dios de todos los accesos y las puertas públicas por las que pasaban los caminos. Sus dos cara le
permitían observar simultáneamente el exterior y el interior de um edifício. Así como era el dios de las puertas,
143v
184
144
Este centro é casa, e esta se torna, para o habitante, o mundo reconhecível por
meio da operação da memória.
Segundo Yago Bonet (apud ÁBALOS, 2003, p.51), a casa heideggeriana, a
cabana de esqui na Floresta Negra, seria “a casa da fumaça”. Nela, a lareira ocupa
lugar central, e nos remete à ancestralidade da idéia lar-fogo
33
, que pode ser
encontrada em diversas culturas. Traduz o sentido de reunião do homem com seus
pares, define no espaço um pólo de atração e convergência, e remete a aspectos
psicológicos inerentes a todo indivíduo, em que o centro é a referência.
Os projetos de Vasconcellos comportam um centro de reunião, que aqui lemos:
Ah! As cozinhas. São, talvez, as peças mais importantes para a
funcionalidade doméstica, a ponto de, em países superdesenvolvidos
ocuparem o centro das habitações. No entanto, resquícios da escravidão
ainda vigorantes no Brasil fazem com que essas peças sejam quase
totalmente descuidadas. Destinam-se a criadas – dizem; não têm
importância. (VASCONCELLOS, Como saber se sua casa é boa ou ruim,
sd, p.3).
A crítica de Vasconcellos, ao nosso ver, ultrapassa as questões de ordem social,
embora retratem uma situação cristalizada: os espaços de serviços, aos fundos da casa,
são (quase sempre) exclusivos aos criados. Para o autor, e arquiteto – dado que esta
posição é revista em seus projetos – a cozinha ao centro da casa responde não
somente a uma melhor organização funcional dos espaços, mas em especial permite
integrar à vida familiar a plena sociabilidade – como no Gualaxo. Não há, aqui, uma
contradição, mas uma ambivalência: a arquitetura deve responder a condicionantes
funcionais paralelamente aos aspectos humanos do habitar.
Na casa do homem guardam-se memórias. A casa é um objeto individual, não
sentido da propriedade ou da privatização que tanto é propagado como direito, mas de
abrigo do modo próprio de habitar e das memórias individuais. A este sentido privado
soma-se um sentido coletivo, igualmente significativo. Para Vasconcellos, a casa
corresponde a uma “tipologia” – salas abertas ao convívio, cozinhas nucleares, espaços
para guardados, quintais para o lazer, releituras de elementos tradicionais associados a
componentes pré-fabricados, ar senhorial na face pública –, que difere-se da
funcionalidade para conformar um modo (coletivo) de habitar.
33
A título de curiosidade, a palavra espanhola “hogar significa “fogão”, mas também “lar”.
145
Independente da corrente vanguardista ou movimento arquitetônico a que se filie,
é necessário ao arquiteto discutir o devir, afirma Vasconcellos. Suas indagações não
apresentam respostas prontas a serem oferecidas, mas inquietações que dele
transferem-se a seus leitores.
Onde está o nosso quotidiano? Será que nada dele pode representar valor?
Se se aplicasse nele o mesmo afã que se dedica ao antigo e ao
informalismo atual, será que não seria encontrada ou produzida alguma
coisa digna de ser conservada para testemunhar, de futuro, o nosso tempo?
(VASCONCELLOS, O quotidiano, a arte e a arquitetura, 1966, p.26).
O questionamento fundamental de Vasconcellos nos remete a uma inexorável
interação entre o homem e o tempo. O arquiteto que hoje atua olha adiante, e busca no
futuro não uma desenfreada renovação, mas uma possibilidade de fazer da obra
presente um espelhamento da sociedade, “digno” – é o termo por Sylvio utilizado – de
ser monumento.
Poderíamos, através dos diversos textos nesta seção apresentados, aferir que a
necessidade de revisão dos postulados da arquitetura funcionalista se deve a uma
avaliação crítica de Sylvio, que busca não apenas adequar os princípios de uma
arquitetura moderna ao tema da tradição, mas fazer desta uma síntese das experiências
históricas. O problema da Arquitetura é ainda o da conciliação (concinnitas), não mais
entre os elementos da tríade, mas entre a forma, a técnica e o homem com sua história.
CAPÍTULO 4
O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
AOS OLHOS DO MENINO SYLVIO
146v
185
Primeiros participantes do CIAM em La Sarraz (1928).
147
4.1. “Habitar, trabalhar, recrear, circular”
4.1.1. A Carta de Atenas
Trata-se de arrancar uma sociedade de seus pardieiros, de procurar o bem
dos homens, de realizar as condições materiais que correspondam,
naturalmente, às suas ocupações. Instrumental a ser forjado pela forma,
pelo volume e disposição de unidades perfeitamente eficientes, cada uma
colocada a serviço das funções que ocupam ou deveriam ocupar o tempo
quotidiano; unidades de habitação compreendendo a morada e seus
prolongamentos; unidade de trabalho: oficinas, manufaturas, escritórios;
unidades de cultura do espírito e do corpo; unidades agrárias, as únicas
capazes de reunir os fatores materiais e espirituais de um renascimento
camponês; enfim, ligando todos os elementos e lhes emprestando vida, as
unidades de circulação, horizontais, destinadas a pedestres e automóveis,
verticais.
Procurar-se-á, é claro, a eficiência. Porém a eficiência só poderá ser
definida em função de um a priori. Esse a priori não é aqui a glorificação das
técnicas, mas, ao contrário, sua colocação a serviço e em favor dos
homens. Esse ponto de vista, após a tempestade do primeiro ciclo da era da
máquina, constitui o fruto de uma nova filosofia. (LE CORBUSIER, 1984,
p.62).
Em 1945, Le Corbusier publica “Manière de penser l’Urbanisme”, com o subtítulo:
“urbanisme des CIAM”. A rigor, o arquiteto esforça-se em rebater as críticas então
emergentes a partir da elaboração de uma teoria consistente, amparada em uma
pequena historiografia das cidades desde a Antiguidade Clássica até o “primeiro ciclo da
era da máquina”, o oitocentos. O texto, de tom bem menos panfletário do que os artigos
das décadas de 20 e 30, alinhava o pensamento corbusiano acerca da organização do
espaço urbano moderno que teve sua gênese em 1933 no IV Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna
37
.
A bordo do S.S. Patris, partindo de Atenas em direção a Marselha, diante do
“esplendor cênico” (FRAMPTON, 2003, p.328) da paisagem, os membros do CIAM
37
O Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (CIAM) foi formado no Castelo de la Sarraz, na Suíça, em
junho de 1928, por um grupo de 28 arquitetos europeus. O primeiro evento foi organizado por Le Corbusier; pela
proprietária do castelo, Hélène de Mandrot (1867-1948); e pelo primeiro secretário-geral, Sigfried Giedion (1888-
1968). A lista dos demais membros fundadores incluía Karl Moser (1860-1936), primeiro presidente; Victor
Bourgeois (1897-1962); Pierre Chareau (1883-1950); Josef Frank (1885-1967); Gabriel Guevrekian (1900-1970);
Max Ernst Haefeli (1901-1976); Hugo Häring (1882-1958); Arnold Höchel; Huib Hoste (1881-1957); Pierre
Jeanneret (1896-1967), primo de Le Corbusier; André Lurçat (1894-1970); Ernst May (1886-1970); Fernando
Garcia Mercadal (1896-1985); Hannes Meyer, Werner Max Moser (1896-1970), Carlo Enrico Rava, Gerrit
Rietveld, Alberto Sartoris (1901-1998); Hans Schmidt, Mart Stam (1899-1986); Rudolf Steiger (1900-1982); Henri-
Robert Von der Mühll (1898-1981); e Juan de Zavala. Mais tarde, outros notórios membros foram Alvar Aalto e
Henrik Petrus Berlage (1856-1934).
147v
186
Através do Plan Voisin (1925), Le Corbusier pretendia remodelar o centro da cidade de Paris por
meio de uma grelha regular, disposta sobre o bairro do Marais.
148
aderiram à visão pessoal e catequética de Le Corbusier – Curtis refere-se a ele como
“unofficial pope” (CURTIS, 2005, p.325) – sobre a “cidade funcional”, tema do congresso
naquele ano.
O cruzeiro pelo Mediterrâneo foi claramente um alívio agradável da situação
cada vez pior da Europa, e, durante essa suspensão temporária da
realidade, os participantes produziram o documento mais olímpico, retórico
e essencialmente destrutivo que já surgiu dos CIAM: a Carta de Atenas. As
cento e onze propostas que constituem a Carta consistem, em parte, de
declarações sobre as condições das cidades, e em parte de propostas para
a correção dessas condições, agrupadas sob cinco categorias principais:
Moradia, Lazer, Trabalho, Transporte e Edifícios Históricos. (BANHAM apud
FRAMPTON, 2003, p.328).
Reyner Banham (1922-1988) foi condescendente ao referir-se às propostas do IV
CIAM. A Carta “exige” – este é o termo utilizado – as transformações da cidade
industrial em direção às categorias apontadas. A generalização empregada no texto dos
diversos artigos da Carta deve ser entendida como a intenção de aplicabilidade
universal. Le Corbusier descreve a extensão das idéias do CIAM e anuncia: “Essa
mudança terá suas regras.” (LE CORBUSIER, 1984, p.47). Ou seja, da mesma maneira
em que os lemas “a forma segue a função” e “menos é mais”, assim como os “cinco
pontos da arquitetura modernista” foram concebidos como norma a ser empregada,
“habitar, trabalhar, recrear e circular” comporia, a partir de então, um novo corolário.
Para tanto, são definidos os instrumentais de urbanismo necessários à sociedade da
máquina, em que as unidades espaciais – de habitação, de trabalho, de lazer, de
circulação, de paisagem – são cuidadosamente descritas para conformar o ideário
pretendido.
Na profética enunciação corbusiana – “Nenhum país deixou de ser atingido por
essa renovação.” (LE CORBUSIER, 1984, p.43) –, Vasconcellos vê uma possibilidade
de integrar a provinciana Belo Horizonte aos princípios do urbanismo funcionalista. Não
se tratava de desconstruir o ambiente local, como havia idealizado Le Corbusier no
“Plan Voisin” (1925). Ali, sobre a Paris medieval, desenhou-se uma cidade sobre a pré-
existente, formada por dois grandes eixos viários que definiam um espaço cerimonial ao
redor do qual erguiam-se arranha-céus, separados por grandes áreas verdes.
Neste novo mundo a rua “deixaria de existir”. Aquelas “melancólicas
fissuras”, aqueles “pesadelos aterrorizantes”, Le Corbusier escreveu, foram
substituídos por “torres cristalinas” em forma de cruz “amplamente
espaçadas”, “prismas translucentes” que “elevariam-se mais alto do que
qualquer pináculo na terra”. Nenhum tijolo ou pedra seria visto, somente
“vidro e… proporção”. [...] Nem tudo seria destruído da velha Paris. No
148v
187
188
Os planos de Barcelona (1860) e Paris (1843) foram paradigmáticos para o Urbanismo oitocentista, e
tornaram-se referenciais para diversos outros projetos. Valorizavam os monumentos ao gerar grandes
avenidas que lhes favoreciam, ao mesmo tempo, o acesso e a percepção.
149
coração das áreas verdes, Le Corbusier deixou as velhas igrejas e casas do
Marais intactas e ainda ativas. Rampas e passeios elevados para
pedestres, ladeados por longas extensões de lojas e cafés, olhando o solo
do alto, uniam os edifícios. Automóveis serviam a cidade, providos de amplo
estacionamento. Além disso, um metrô subterrâneo e um aeroporto sobre
ele, erguido como as torres sobre pilotis. Le Corbusier imaginou a cidade
tendo “ar puro e limpo”, livre do barulho, e provendo seus habitantes do
espetáculo de carros “cruzando Paris na velocidade da luz”, deixando à
noite “traços luminosos... como os meteoros”. (TZONIS, 2004, p. 80,
tradução nossa)
38
.
Interessava a Vasconcellos demonstrar a correspondência entre o racionalismo
preconizado pelo CIAM e o desenho regular do Plano Aarão Reis. Embora a literatura
frequentemente refira-se aos planos de Washington e La Plata, ou mesmo de
Barcelona
39
, como referenciais para que o engenheiro paraense projetasse a nova
capital mineira, Vasconcellos aponta para uma outra origem. Washington está muito
distante, inclusive cronologicamente – embora amplamente relacionada com o
movimento democrático de independência nos Estados Unidos, marcando o processo
de construção da nação. La Plata é a capital de uma província, tal como Belo Horizonte,
mas não se faz corresponder a uma imagem de progresso, conforme idealizado pelo
positivismo no qual Reis estava mergulhado. O modelo, como vemos nas palavras de
Sylvio de Vasconcellos, é a Paris de Haussmann, afinal, ela é o espelho da
modernidade:
Na primeira hipótese estaria, por exemplo, Paris, onde os conflitos sociais
culminados na comuna, resolvem-se quase totalmente inclusive pelos
planos de Hausman [sic]. Em verdade não se resumiram estes, como tanto
se tem repetido, ao atendimento do fator militar (largas avenidas para a
cavalaria). Mais do que isto o plano estabeleceu uma nova estrutura urbana,
adequada à sociedade nova. Uma trama de artérias que não conduzia a
focos polarizantes, mas que estabelecia um sistema de relações
organicamente concebido, para servir, sem discriminações, à mobilidade da
população. Depois dele não foi mais necessária a cavalaria e esse detalhe é
bastante expressivo. A cidade adquiriu uma nova fisionomia, definida
38
In this new world the street had “ceased do exist. Those “gloomy clefts”, those “appalling nightmares”, Le
Corbusier wrote, have been replaced by “widely spaced” cross-shaped “crystal towers”, “translucent prisms” that
“soar higher than any pinnacle on earth. There was no brick and stone seen only in “glass and… proportion”. […]
Not all was destroyed of old Paris. In the midst of the planted areas, Le Corbusier left the old churches or
mansions of the Marais feestanding and still active. Ramps and raised pedestrian walkways, flanked by long
stretches of shops and cafés, overlooking the grounds, linked the buildings. Automobiles serviced the city and
ample parking was provided for them. In addition there was an underground metro and an airport on the top of it,
raised like the towers on pilotis. Le Corbusier imagined the city to have “clear and pure air”, to be free of noise,
and to provide its inhabitants with the spectacle of cars “crossing Paris at lightning speed”, leaving during the
night “luminous tracks… like the tails of meteors”.
39
O Plan de Ensanche (1860), elaborado pelo engenheiro Ildefons Cerdà (1815-1876) para regular a reforma e
extensão da cidade de Barcelona, compõe, juntamente com os planos de La Plata e Washignton, um referencial
de planejamento e desenho urbano da era moderna. Cerdà é reconhecido como o primeiro a empregar o termo
“urbanismo” em sua teoria; contudo, o neologismo por ele criado foi “urbanização”, designando a ação sobre a
urbe.
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192
A avenida Afonso Pena, a praça Raul Soares e o viaduto Santa Tereza são exemplos da regularidade
do Plano Aarão Reis, fundamentado nos boulevards, na geometria do traçado e nas perspectivas, a
exemplo de Paris.
150
abstratamente pela rede viária que a suporta e serve toda sociedade
tomada em sua globalidade. Agora não são os focos individuados que
atraem as vias; ao contrário, são estas e seus cruzamentos que determinam
os focos, como na Etoile. (VASCONCELLOS, Estrutura social e estrutura
urbana, 1967, p.15).
As intervenções programadas pelo Barão Georges-Eugène Haussmann (1809-
1891) para Paris, uma cidade profundamente adensada, sobre a qual as camadas
sucessivas da história foram se depositando sem planejamento – incorporavam
elementos também visíveis em Belo Horizonte: grandes vias, regularidade, perpectivas
monumentais; outros, de âmbito administrativo, controlavam o crescimento da cidade.
Haussmann moderniza Paris e faz da cidade-luz um modelo.
Também Belo Horizonte nasce da necessidade de modernizar o país, política,
social e culturalmente. Dispõe-se, no traçado em xadrez das vias, o plano de uma
modernidade a ser alcançada. O embelezamento das ruas da cidade é estratégico: o
traçado de Aarão Reis se destina a moldar espaços para que elementos-síntese da
República pudessem florescer. Para Adrián Gorelik, o Estado elabora estratégias de
neutralização dos receios em relação ao futuro; ou seja, é o promotor das configurações
do mundo moderno imaginado a ser moldado no espaço urbano.
Aqui se tratava ainda de construir no “vazio” as condições sociais,
econômicas, culturais e territoriais para tornar possível sua emergência – e
a própria representação do “vazio”, tão ativa no imaginário estatal-
construtivista latino-americano, seja como obstáculo, seja como veículo de
modernização, mostra claramente seu componente vanguardista.
(GORELIK, 2005, p.28) .
Para Sylvio de Vasconcellos, a inauguração da nova capital correspondeu ao “[...]
maior acontecimento em matéria de arquitetura no estado, [...] uma iniciativa de molde a
influenciar, e modificar mesmo, toda nossa concepção tradicional de urbanismo e
arquitetura.” (VASCONCELLOS, Contribuição para o estudo da arquitetura civil em
Minas Gerais IV, 1947, p.79). Sem dúvida, o Plano Aarão Reis reverte o modelo
urbanístico até então adotado na província desde o setecentos e, poderíamos arriscar,
inaugura uma concepção moderna de espaço. Mas não seria de se estranhar um
modernista como Vasconcellos exaltando uma cidade fin-de-siècle? O que continha a
Belo Horizonte projetada para que merecesse a alcunha de “maior acontecimento em
matéria de arquitetura? Fica evidente no desenho proposto o uso da racionalidade,
apregoada como um valor capaz de legitimar as decisões. O saber técnico corresponde
150v
193
194
A semelhança dos planos corbusiano e costiano reside no arranjo dos blocos laminares de
apartamentos, dispostos ortogonalmente entre si de modo a formar unidades de vizinhança; no
ajardinamento dos vazios; na distribuição ordenada das funções urbanas.
151
a um discurso competente, legitimado e legitimador (se encararmos o arquiteto como
voz de enunciação).
Se a racionalidade é a base para a legitimação da competência, o instrumento
para revelar esta racionalidade é o projeto, entendido como um corpo que abriga idéia e
expressão formal. Este recurso foi amplamente empregado por Le Corbusier ao longo
de toda sua obra, valendo-se de artigos, de palestras e de exposições
40
para tornar
públicas as concepções do urbanismo funcionalista. Caso clássico é o do projeto para
uma “Ville contemporaine pour 3 millions d’habitants”, exposto em diagramas que
somavam 27 metros de extensão e um diorama de 100 metros quadrados, durante o
Salão de Outono de 1922, em Paris. Mais uma vez, o traçado geométrico partia do
cruzamento de dois eixos, para ordenar uma grelha regular em que se erguiam 24
arranha-céus, isolados por 250 metros de áreas verdes e equipamentos de recreação,
bem como conjuntos de edifícios baixos sobre pilotis – que claramente influenciaram
Lucio Costa na solução das super-quadras em Brasília (1960). Ao redor deste núcleo,
estariam dispostas as zonas industriais.
Havia um número de componentes ideológicos; parece claro que Le
Corbusier absorveu as idéias de Saint-Simon, especialmente a concepção
de uma elite benevolente de tecnocratas que atuariam como agentes do
progresso para todos. Esta visão de Estado estava incorporado nos
arranha-ceús no coração da cidade, e na romantização da tecnologia
implícita tanto no grandioso tratamento das vias quanto na tendência
mecanicista dos demais edifícios. (CURTIS, 2005, p.247, tradução
nossa)
41
.
Na abstração cartesiana do plano está obviamente contemplado um novo sentido
de sociedade. Leonardo Benevolo (1923- ) afirma que as origens do urbanismo
modernista remontam às discussões sobre a necessidade de reformar o ambiente
nefasto da cidade industrial oitocentista levadas a cabo pelos chamados “socialistas
utópicos”, na França representados por François-Marie-Charles Fourier (1772-1837) e
Claude-Henri de Rourroy, conde de Saint-Simon (1760-1825).
40
Além dos textos já referidos, Le Corbusier tornou públicas suas idéias acerca da cidade em: “Urbanismo”
(1924) quando foram expostos os princípios da “Ville contemporaine”, “Précisions sur um état présent de
l’Architecture et de l’Urbanisme” (1930), “Ville Radieuse” (1935), “Quand les catèdrales étaient blanches (1937),
“Destin de Paris” (1941), “Os três estabelecimentos humanos” (1945), “Propos d’Urbanisme” (1946), “New world
of space” (1948), “Grille CIAM d’Urbanisme: mise em application de la Charte d’Athènes” (1948), “L’Unité
d’habitation de Marseille (1950), “Architecture du bonheur, l’Urbanisme est une clef (1955), “Les plans de Paris”
(1956).
41
There were a number of ideological components; it seems clear that Le Corbusier had absorbed the ideas of
Saint-Simon, especially the conception of a benevolent élite of technocrats who would act as the agents of a
progress for all. This vision of the state was embodied in the skyscrapers at the city’s core, and in the
romanticization of technology implicit in both the grand treatment of the roads and the machine-age tenor of the
other buildings.
151v
195
196
As propostas visionárias de Fourier foram efetivadas por Godin em Guise, na França, em 1859. O
complexo do Familistério recuperou as atividades em 1968, sob a forma de uma cooperativa e desde
2000 a municipalidade dá suporte financeiro para a conservação dos edifícios, uma vez que um terço
das 202 habitações encontram-se desocupadas.
152
Os homens de cultura do oitocentos estão animados por uma profunda
desconfiança em relação à cidade industrial, e não concebem a
possibilidade de restituir ordem e harmonia a Coketown ou ao corpo
gigantesco de Londres. Assim, os poucos que propõem reformas julgam
que as irracionais formas atuais de convivência deveriam ser substituídas
por outras completamente diferentes, ditadas pela razão pura, quer dizer,
contrapõem à cidade real uma cidade ideal. (BENEVOLO, 1994, p.179).
O pensamento saint-simoniano fundamentava-se na idéia de que a ciência e o
progresso promoveriam significativas mudanças políticas, sociais e mesmo morais,
imaginando a organização da sociedade como um corpo produtivo em que as partes ou
grupos sociais colaboram para a construção do bem coletivo. Dessas concepções partiu
Fourier para elaborar o “Falanstério” (1832)
42
: comunidade rural auto-suficiente
composta por grupos de edificações que, dotadas de espaços coletivos e de serviços
centrais, abrigariam até 1.600 habitantes, organizadas não a partir de seus núcleos
familiares, mas a partir das faixas etárias.
Em quaisquer circunstâncias, são louvadas as experiências de planejamento
urbano capazes de ordenar o espaço da urbis. Segundo Vasconcellos,
[...] não é sem razão que Belo Horizonte foi planejada segundo princípios
racionais, mas entremeados de organicidade que lhe retira a frieza,
traduzindo-se por avenidas com abruptas soluções de continuidade e por
parques e praças quase espontâneas, sugeridas pela topografia local.
(VASCONCELLOS, Constantes peculiares à arte brasileira contemporânea,
1958, p.6).
Reconhecemos novamente, em Vasconcellos, a dupla polaridade racionalismo-
organicismo. Poderíamos considerar, sob o traço de Aarão Reis, em finais do século
XIX, somente o emprego de elementos de ordem técnica, portanto, de âmbito racional;
os dados de organicidade ficaram limitados às zonas suburbana e rural; nos limites da
Avenida do Contorno é o cartesianismo o tema imperante. E não poderíamos afirmar
que as praças e parques surgem espontaneamente, porque foram ali projetadas, e
muitas delas (como a Praça da Liberdade) tiveram sua topografia “construída” de modo
a ampliar os efeitos perspécticos desejados. Pode-se, sim, dizer que a cidade cresceu
organicamente, sem atenção à lógica que lhe foi imposta, configurando um
“desengonçado corpo” (VASCONCELLOS, Belo Horizonte no seu tempo de calça curta,
42
A rigor, o termo empregado por Fourier para traduzir o agrupamento orgânico de elementos considerados
necessários à vida harmoniosa de uma comunidade chamava-se Falange. O conceito foi efetivamente promovido
por diversos industriais, como Jean-Baptiste André Godin (1817-1888), que construiu o Familistério em Guise,
que conservou suas funções até 1968, sendo ainda utilizado para o fim de habitação.
153
1980, sp)
43
, mas não que tenha nascido conservando o desenho orgânico, típico das
vilas setecentistas. Logo, a leitura que Sylvio faz, associando racionalidade e
organicidade, é ambivalente, e demonstra sua posição frente ao debate sobre a
arquitetura e a cidade da segunda metade do século XX, como discutido anteriormente.
43
O artigo “Belo Horizonte no seu Tempo de Calça Curta” é o único post-mortem, tendo sido publicado no jornal
“O Estado de Minas”, em 8 de março de 1980.
154
4.1.2. A “avenida”, os bondes e os automóveis
Circular é, no contexto proposto pela Carta de Atenas, a função urbana que
permite às demais funções integrarem-se em um único ambiente urbano. Mais ainda, a
circulação ordenada de pedestres, veículos e outros meios de locomoção garantem à
cidade a harmonia não mais suportada pela “rua-corredor”: estreita, cercada de
edificações densas, escura, insalubre. “Sobre a pressão das velocidades mecânicas,
impõe-se uma decisão, urgente: libertar as cidades da opressão, da tirania da rua!
Coisa atualmente possível.” (LE CORBUSIER, 1984, p.90, grifos do autor).
Historicamente, a rua – tomando aqui um sentido genérico – sempre foi um
significativo elemento do desenho urbano e, juntamente com as edificações comuns e
os monumentos, conferia caráter à cidade. Agora, a hierarquização e sistematização da
circulação urbana passava a constituir o elemento fundamental da ordenação e
disposição espacial dos demais, assumindo um papel singular:
Elas [as circulações horizontais] têm uma primeira missão: dissipar a
confusão entre as velocidades naturais (o passo do homem) e as
velocidades mecânicas (automóveis, ônibus, bondes, bicicletas e
motocicletas) por meio de uma classificação adequada.
[...]
A palavra rua simboliza, em nossa época, a desordem circulatória.
Substituamos a palavra (e a coisa) por caminho de pedestres e pistas de
automóveis ou auto-estradas. E organizemos esses dois novos
elementos, um em relação com o outro. (LE CORBUSIER, 1984, p.81, grifos
do autor).
A proposta corbusiana sucedeu em muito as transformações urbanas parisienses
e o plano para a capital mineira, ambos datados do século XIX. Naquele momento, as
implicações de ordem tecnológica impressas no corolário do CIAM sobre o circular na
cidade não se faziam significativas; ou seja, uma vez que os meios de transporte de
massa mal estavam implementados e que as cidades ainda não comportavam os
milhões de habitantes da temática dos projetos de Le Corbusier, as soluções viárias
adotadas nos planos Haussmann e Aarão Reis mostraram-se adequadas à escala das
cidades. Ainda assim, o elemento fundamental da composição dos referidos planos era
a via pública: nela circulavam bens, serviços, pessoas; por meio dela alcançava-se os
novos equipamentos públicos – estações ferroviárias, teatros, hospitais, escolas; ao
longo delas, abriam-se monumentos, vitrines e parques. A rua comanda a dinâmica
urbana.
154v
197
A igeja São José em posição de destaque frente ao entorno. Hoje, esta situação encontra-se
produndamente alterada pela verticalização, o que reduz a condição de monumento do bem.
198
E 1946 já é possível perceber a verticalização em processo no centro de Belo Horizonte. O
adensamento na cidade exigiu a implementação de sistemas de transporte coletivo, inicialmente
através dos bondes. Aqui vemos uma cena típica: o bonde apinhado conduz trabalhadores do centro
para os bairros do subúrbio próximo.
155
Em Belo Horizonte, a malha de vias dispostas a 45º é homogênea e serve de
pano de fundo para os grandes eixos viários, tal como os boulevares parisienses. Dentre
as grandes avenidas, uma se destaca. Nas memórias de Sylvio, a Afonso Pena é a
“avenida”. Corta a cidade planejada de norte a sul, unindo o vale e a montanha,
limitando-se por este dois elementos naturais; contudo, para o menino Vinho é “sem
fim”.
A referência urbana representada pela “avenida” era de tal ordem que os
monumentos nela localizados eram percebidos como sendo de maior significação, como
podemos inferir no “domínio” da igreja de São José, conformado por sua arquitetura
neogótica que se lança aos ares espichando verticalmente o edifício, por sua
implantação – sobre uma elevação, com ampla escadaria de acesso –, mas
fundamentalmente por sua localização: junto à “avenida”.
A velha Matriz da Boa Viagem reconstruía-se em “gótico”. S. José, porém,
continuava a ostentar sua importância do alto da colina, sufocando a
minúscula capela Metodista em frente. De S. José saiam as procissões
maiores, com um sem-conta de estandartes em veludo e seda, bordados a
ouro. Casamentos, batizados e enterros de categoria ali se realizavam, e
não havia católico decente que faltasse à missa do galo, à meia-noite da
véspera de natal.
Haviam igrejas distantes, em Carlos Prates e Calafate, Santa Efigênia e
Lurdes, mas nenhuma disputava o prestígio de S. José, com suas torres
dominando o casario chato da cidade ainda horizontal. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.26).
De modo especial, a “avenida” era o retrato da modernidade nascente. E como
tal, abrigava os equipamentos de circulação urbana: primeiro os carros de aluguel, ainda
à tração animal, depois os automóveis e os bondes.
Carros pretos, com capotas desmontáveis e cavalos magricelas, esperavam
raros fregueses na avenida, junto ao Parque.
[...]
Quando plantaram o Pirolito na avenida, automóveis começavam a
aparecer. Belo Horizonte crescia, engolindo terras nuas à sua volta.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.22, grifos nossos).
Com a modernização, são incorporadas uma série de benfeitorias e providas
infra-estrutura e equipamentos. Dela é retrato o bonde, pois somava à paisagem da
cidade um sentido coletivo, entremeado pela publicidade de produtos semi-
industrializados:
155v
199
O abrigo dos bondes na “avenida”, esquina com a rua da Bahia e diante do Parque Municipal tornou-
se um referencial urbano importante, a ponto de nominar o antigo café fronteiriço, o “Bar do Ponto”,
lugar de encontro da intelectualidade até a demolição do edifício para a construção de um hotel na
década de 70.
156
Era no Bar-do-Ponto que todo mundo se encontrava. Daí partiam os bondes
em suas diversas direções. Bonde, aliás, era o componente mais importante
da cidade. Juntava pobres e ricos, crianças e adultos, homens e mulheres
em gostosa conjuminância. [...]
O bonde produzia encontros e desencontros.
[...]
Debaixo de sol ou chuva, na azáfama do dia ou no quieto das noites, o
bonde era o lugar comum, o mesmo denominador da população inteira. Por
isso se dizia que, no mundo, todos somos passageiros; menos o condutor e
o motorneiro. Arfando nas ladeiras, ou sacolejando doido morro abaixo, os
bondes serviam tanto para transportar mocinhas, em viagens especiais de
ida e volta aos colégios, como para distribuir carne a açougues.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.24).
O transporte coletivo permitia uma sociabilização entre os diversos componentes
sociais, constituindo seu denominador comum. Como os automóveis ainda eram
esparsos na cidade em crescimento, embora objetos de cobiça, a “gostosa
conjuminância” era decorrente de uma circunstância ainda imposta à maior parte da
população. É também lugar das transgressões, como o jogo perigoso de subir ou descer
com o veículo ainda em movimento, o olhar indiscreto em direção às saias femininas:
Bondes fizeram-se mais altos, com dois estribos de acesso. Melhor ainda
para se ver as coxas das moças de saias curtas.
De calças compridas estava Belo Horizonte, já uma cidade grande. Carros
com seus dorminhocos cavalos não mais; carroças poucas.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.173).
Vagamente, muito vagamente, uma outra moça qualquer. Desconhecida.
Uma daquelas de joelhos à mostra, na moda nova, que ao subir em bonde
deixavam aparecer pedaços de coxas nuas.
- Você viu? Perguntava um rapaz a grupo de outros.
- Melhor é quando a gente está do outro lado. Já experimentou? É cada
pedaço de coxa!...
Eu ouvia e, disfarçadamente, ficava atento às oportunidades. Não via rosto
de ninguém, olhos fixos nas saias.
Bom mesmo devia ser no Bar-do-Ponto, com o mundão de gente tomando
bondes. Contudo, estava longe e fora de minhas possibilidades imediatas.
Até o Parque, que lambia o Colégio, perto, me parecia do outro lado da
cidade, afastado de mim. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.73-74).
Além de demonstrar as “técnicas” da transgressão, as duas passagens acima
revelam como os bondes representam a modernização: põem de lado os veículos de
tração animal, até então frequentes; e fazem aflorar a multidão sem rosto. A cidade se
convertia em metrópole. E isto significava concentração e mobilidade, sendo os bondes
o instrumento essencial para esta tarefa.
156v
200
201
Camillo Sitte dirige sua crítica às transformações radicais implementadas no tecido da cidade de
Viena, na área conhecida como Ringrea intermediária no mapa, ainda vazia). Ali, foram dispostas
grandes avenidas e equipamentos públicos como museus e teatros, de modo caracterizar a
modernização da cidade. Contudo, o traçado efetivado não se integra à antiga urbis medieval,
negando-lhe as características, daí a contra-argumentação de Sitte.
157
Enquanto os bondes espalhavam a população, pontos determinados da
cidade a concentravam. Afonso Pena, entre o Pirolito e o Bar-do-Ponto, com
um rabo Bahia acima, era o mais importante deles. No trecho alto estavam
o Grande Hotel, a Livraria Francisco Alves, a Casa Estrela, o Teatro
Municipal, o Trianon e o cinema Odeon da granfinada. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.25).
A contra-face da modernidade representada nos bondes é a tropa, o lombo de
burro. Vagaroso, incômodo, ineficiente por vezes (se considerarmos os frequentes
impasses entre cavaleiro e besta), solitário. Um ritmo ao qual Sylvio, nascido no seio da
moderna cidade em transformação, não se habituara.
Rosa, com a amiga e outras pessoas, todos montados em burros e bestas,
saiu primeiro, para uma fazenda mais próxima, o Cibrão. Eu, meu pai e
Maria, com um camarada que conhecia bem o caminho, saímos depois. Eu
escondendo, como podia, o pavor de estar em cima de um burro, por sinal
arisco, negando estribo que, já na subida da serra, empacou.
Deram-me uma vara, apanhada na hora, para bater-lhe nas ancas. Dava
um passo para a frente e dois para trás. Andava em roda; parava. Veio o
camarada por detrás, espancando-o. Não houve maneira. Voltamos para
trocar de burro.
Foi longa a viagem. Já mais seguro de mim, galopava, deixava o animal
trotar, mas o trote sacudia-me na sela, doendo-me a bunda. Refreava a
montaria em andadura, meu pai atrás, em fila, troc-troc... troc-troc, no
mesmo passo constante da besta. Não adiantava galopar para tomar-lhe
dianteira; sempre me alcançava logo depois. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.89).
Também Le Corbusier já havia demonstrado sua crítica aos asnos; ou melhor, ao
movimento lento e irregular provido pelos animais que serviu-lhe de metáfora contra a
teoria urbana de Camillo Sitte (1843-1903), para quem o ambiente das cidades
industriais havia perdido a qualidade artística encontrada na urbis medieval. O arquiteto
e historiador de arte austríaco defendia que a artisticidade do ambiente urbano dependia
de um arranjo espacial em que o tecido urbano e o casario moldavam um receptáculo
para o monumento – no caso a igreja medieval, tema de sua predileção. “Der städtebau
nach seinen künstlerischen grundsätzen”, ou “A construção da cidade segundo seus
princípios artísticos”, publicado em 1889, reagia contra as reformas urbanas promovidas
pelos engenheiros, seja em Paris ou em Viena, em que a funcionalidade dos traçados
não estimulava a livre fruição dos espaços pelos cidadãos, retirando destes a
possibilidade de integração “espiritual” com o lugar. Em reação à aceitação das idéias
de Sitte no âmbito das academias e no senso comum, Le Corbusier proclama:
[...] acabamos de criar a religião do caminho dos asnos. O movimento partiu
da Alemanha, consequência da obra plena de arbitrariedades sobre o
157v
202
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204
158
urbanismo de Camillo Sitte: glorificação da curva e demonstração de suas
belezas incomensuráveis. A prova foi dada por todas as cidades artísticas
da Idade Média: o autor confundiu o pitoresco pictórico com as regras da
vitalidade de uma cidade. (LE CORBUSIER, 1994, p.9-10).
Da mesma maneira em que a tração animal fora substituída pelos bondes
elétricos, outros sistemas de transporte – inicialmente os automóveis particulares,
depois ônibus e trolebus – paulatinamente se impuseram como condição tecnológica
natural, dado que a modernidade implica em transformação veloz. Contudo, isto
correspondeu a uma ruptura nas relações sociais, implicando, no usuário Sylvio de
Vasconcellos, um saudosismo. E uma crítica.
Fui passageiro convicto dos bondes. Em Belô, no Rio e em São Paulo, onde
se chamavam “camarões” por sua cor vermelha. Desci Bahia e subi Floresta
em bondes amigos, não só em horas diurnas como noturnas, aproveitando-
me do último horário, perto da 1 da madrugada, ou do primeiro já às 5 da
manhã. No Rio preferia os reboques, onde circulavam os passageiros
carregados de balaios e os banhistas em calção. Uma viagem de Ipanema
ao Largo da Carioca durava cerca de uma hora, cumprida em aventura
distraída, com gente subindo e descendo, através do cenário mutável da
paisagem urbana. Tudo isso desapareceu, substituído pelas latas de
sardinha dos ônibus, igualmente calhambeques, onde cada um se aperta
como pode no sacrifício da jornada obrigatória.
A viagem de bonde era sempre agradável. A gente conversava, fazia
amizades, lia jornais e poesia. [...]
A eliminação dos bondes foi, talvez, o maior equívoco da tecnologia
moderna. Aliás, o homem, em sua constante inquietação, muitas vezes
abandona idéias e soluções simples e boas, complicando-as
desnecessariamente para, depois, voltar a elas. (VASCONCELLOS, Ah!
Que saudades dos bondes, 1975. p.1).
Se os bondes permitiam a sociabilização entre os passageiros, o automóvel
significa status; separava a sociedade não apenas entre os possuidores e os desejosos,
mas também em clubes, redutos indicadores da bonança econômica.
A alta sociedade recolhe-se ao Automóvel Clube. É que os carros então se
difundiam, constituindo propriedade e uso reservados aos de maiores
recursos. Automóvel era a pedra de toque de um mundo novo,
industrializado, cuja posse testemunhava o nível econômico de seu
possuidor. Corridas foram feitas, experiências, demonstrações. Tudo para
que o feliz proprietário pudesse exibir sua condição. (VASCONCELLOS,
Belô, meu amor..., 1968, p.3).
É emblemático que Le Corbusier tenha nominado um de seus primeiros projetos
arquitetônicos como Maison Citrohan” (1922), da mesma maneira em que são
emblemáticas as fotografias de diversos de seus projetos, em que a personagem
159
principal não é o proprietário nem mesmo o arquiteto, mas o automóvel. Vimos como o
espaço da residência se redesenha para abrigar este bem
44
.
O desejo de possuir um automóvel se reflete na criançada belorizontina, que logo
inventa um modo de aproximar-se de um dos ícones de consumo da modernidade. A
diversão ganha as ruas da cidade, mimetiza aventuras e mazelas.
Brinquedo fabuloso era rodar pneumático velho com as mãos, batendo-o
ladeira acima e freiando-o ladeira abaixo. Apostavam-se corridas. Alguns,
mais corajosos, agachavam-se por dentro e deixavam-se rodar com os
pneus.
Dávamos volta ao quarteirão, passando pela praça do Pirolito, vez por outra
atropelando gente, sem maiores consequências. Desfilávamos em paralelo
ou em fila. Ter um pneu nas mãos era como possuir um automóvel; e
desfrutá-lo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.30).
Ao longo de sua vida, vemos Sylvio demonstrar que o automóvel continua
presente. De início, na juventude, uma dupla possibilidade de integração: na sociedade
e na modernidade. Na idade adulta, uma imersão quase imposta, pois que para estar na
sociedade norte-americana é mister possuir um automóvel.
Meu concentrado interesse em Wanda não impediu, contudo, que minha
atenção se voltasse, também, para o automóvel que meu pai comprou: um
Buick novinho em folha, cinza esverdeado com partes brilhando mais que
prata. A capota preta se abaixava, dobrando infinidade de alavancas.
O portão grande, junto ao terreno de Wanda, abriu-se para receber a
novidade. Prontificava-me a lavá-la quantas vezes me fosse insinuada a
operação. Água com a mangueira do jardim, quando se tratava de operação
mais intensa; balde e pano molhado nas mais ligeiras. A graxa depois, em
esfregadelas fortes, para o brilho necessário. Líquidos leitosos nos
niquelados que ficavam como espelhos.
O ruim foi que, logo nos primeiros dias de uso, meu pai deu com o Buick na
árvore fronteira à nossa casa.
- Virei o volante para dobrar a esquina e me esqueci de desvirar, explicou
ele sem jeito.
O Buick foi e voltou da oficina, sem sinal do desastre. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.70).
Como estou nos Estados Unidos, resolvo comprar um carro. Cada família
de três pessoas tem dois automóveis e não quero perturbar a média
estatística nacional. Dou balanço nas economias e tomo a séria decisão. [...]
Contemplo o céu, cruzo os dedos e lanço-me corajosamente à sorte. O sol
está lindo: escolho um conversível Mercury, vermelho por fora e branco por
dentro, com trinta e uma e meia partes opcionais. (VASCONCELLOS, De
como ter e não ter um carro, 1973, p.6).
Em diversas crônicas, Vasconcellos velada ou ironicamente indica a dependência
da sociedade norte-americana dos veículos motorizados. A razão para o imenso
44
Ver seção 2.2.
159v
205
206
160
consumo deste bem sempre lhe escapou, quando comparado com uma circunstância
financeira desfavorável ou investimentos prioritários, a exemplo de quando critica o
irmão mais velho: “A Décio, entretanto, interessava muito mais posar de industrial do
que arregaçar as mangas da camisa no trabalho diário. Comprou uma baratinha Ford
usada em lugar de um caminhão de entregas.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.177). Não apenas lhe é difícil compreender a razão de tal interação,
mas também a diversidade de modelos e opcionais. Devemos lembrar que, quando
Sylvio deixa o Brasil em 1969, as fábricas automobilísticas eram a General Motors
(1925), a Ford (1953), a Volkswagen (1953), e a Karmann-Ghia (1959), e o número de
modelos não passava de duas dezenas, enquanto nos Estados Unidos este valor
ampliava-se para uma variedade sem par de modelos e acessórios. Em “De como ter e
não ter um carro” (1973), Vasconcellos narra suas peripécias para adquirir, licenciar e,
sobretudo, estacionar seu Mercury vermelho. Um excelente sketch para integrar o
roteiro de “Trafic” (1971), de Jacques Tati.
Como estou nos Estados Unidos, resolvo comprar um carro. Cada família
de três pessoas tem dois automóveis e não quero perturbar a média
estatística nacional. Dou balanço nas economias e tomo a séria decisão. [...]
Contemplo o céu, cruzo os dedos e lanço-me corajosamente à sorte. O sol
está lindo: escolho um conversível Mercury, vermelho por fora e branco por
dentro, com trinta e uma e meia partes opcionais.
Feitas as contas e pago o preço total, sento-me feliz no carro; ligo o rádio, o
ar condicionado e o motor. Suspiro aliviado; acabou-se o drama.
Não; não havia acabado. Tenho de procurar a repartição própria para
conseguir a placa. Felizmente foi menos difícil do que esperava. Depois,
sim, o drama se transforma em tragédia. Havia cometido o pecado de supor
que o edifício onde moro dispunha de estacionamento próprio. Dispunha, é
verdade, mas já estava todo ocupado. Procuro uma vaga na rua onde filas
de carros se sucedem interminavelmente. Nenhuma. Amplio a inspeção
para as ruas próximas, na doce ilusão de encontrar um espaço ocupável.
Alimento a esperança de que alguém se lembrará de sair deixando uma
vaga livre. Ninguém. Continuo rodando já com bastante apreensão pela
noite que se aproxima. Resolvo ir jantar num subúrbio na expectativa de
que mais tarde seria mais fácil a solução do problema. Quando volto, a
situação está pior.
Começo a afligir-me seriamente. Afinal não posso passar a noite rodando
interminavelmente. Não sei o que fazer com o carro. Em desespero, ponho-
me a procurar estacionamentos pagos. Em maioria já estão fechados.
Continuo a peregrinação porque, de qualquer modo, não posso fazer outra
coisa.
Afinal encontro um estacionamento aberto e com lugar vago. É quase como
encontrar um oásis num deserto. Pelo menos essa é a satisfação que me
assalta. É verdade que está distante quase um quilômetro de meu
apartamento e cobra 3 dólares por dia ou por noite, que é mais da metade
que pago pelo apartamento. Que fazer? Não há alternativa. Entrego o carro
e volto a pé para casa.
Em todo o caso, afinal tenho um carro. É certo que não o posso utilizar para
ir ao trabalho porque não encontrei estacionamento por perto. Não poderei,
igualmente, ir a um cinema no centro, ou fazer compras, pela mesma razão.
161
A menos que disponha a viajar 50 ou 100 quilômetros até um shopping
center da vizinhança. Em todo o caso tenho um carro, como todo americano
decente. E posso passear com ele, de vez em quando, em alguns fins-de-
semana ensolarados (que não são muitos), como se passeia com uma
criança num parque de diversões. O resto do tempo terei de continuar a
caminhar com os próprios pés enquanto o carro dignamente envelhece no
estacionamento onde tenho de ir vez por outra fazer funcionar o motor e
não perder a bateria. Feitas as contas, ando mais tendo o carro que antes.
Não importa: venci a batalha de comprá-lo e afinal me sinto confortado.
Incorporei-me às estatísticas.
[...]
Para encurtar a história, só posso dizer que, depois de longas análises com
minha mulher e correspondentes muitas noites perdidas, acabamos por
descobrir que havia uma parenta longínqua que morava no campo, em casa
cercada por razoável terreno. Talvez concordasse em acolher nosso carro.
Da descoberta ao telefone foi apenas um passo. No domingo seguinte lá
fomos nós, estrada afora, levando a máquina para um definitivo
estacionamento a 150 quilômetros de distância de nossa casa. Gratuito, já
se vê. No dia seguinte tomamos um ônibus de volta para a cidade.
Totalmente felizes por já termos um carro. Planejamos visitá-lo no próximo
natal. (VASCONCELLOS, De como ter e não ter um carro, 1973, p.6).
Assim como Tati, Vasconcellos caricatamente coloca o automóvel como a
personagem central da trama, dado que em torno do objeto giram as ações humanas.
“Trafic” retrata a suposta sofisticação da indústria automobilística quando Monsieur
Hulot, sujeito-espelho avesso da modernidade (também presente na crítica à casa
modernista de “Meu Tio”
45
) elabora uma complexa rede de equipamentos acessórios
capazes de transformar o veículo em um abrigo para acampamentos. Entre a fábrica
parisiense e o Salão do Automóvel em Amsterdã – este uma mimese da Gallerie des
Machines da Exposição Universal de Paris, em 1889 – inúmeras cenas demonstram o
absurdo comprometimento da sociedade contemporânea a este objeto.
45
Ver seção 2.2.
161v
207
162
4.1.3. O parque
As primeiras referências feitas por Sylvio à cidade incorporam a percepção
infantil: o mundo parecia muito maior do que realmente é. O Parque Municipal é
denominado o “Parque”, por exemplo, é narrado como uma “floresta”, e a avenida
Afonso Pena, como vimos, “sem fim”. Talvez mesmo por esta razão, em que a escala
dos objetos parece ganhar alturas e distâncias que não equivalem à sua verdadeira
grandeza, as denominações na narrativa memorialística passam a ser o “Parque” e a
“avenida”, como se o exotismo e o gigantismo lhes conferisse as alcunhas, apagando a
significação dos demais espaços públicos da cidade. O menino Vinho gera sua escala
própria de valores, que mais tarde será retomada pelo arquiteto-urbanista Vasconcellos.
Na avenida sem fim, altas grades de ferro quardavam a floresta. Árvores
colossais beiravam os caminhos de areia grossa que chiava sob os sapatos:
checo-checo, checo-checo. No lago, os patos deslizavam e, por detrás do
bambuzal, veados abanavam arrebitados rabos. Havia uma onça parda,
com a dentuça à mostra, dormitando em sua jaula. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.8).
O Parque chegava à Santa Casa. Veados pastavam na mata incuidada dos
fundos, e outros bichos, engaiolados, ronronavam a solidão da liberdade
perdida. Lagos abriam clareiras na selva organizada, com cisnes e patos
em silêncio nadando. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.23).
A imagem que permanece do Parque Municipal diz respeito não apenas à escala
e ao gigantismo ante os olhos do menino Vinho, mas de um mundo diverso, para além
da “avenida”, desconhecido, impenetrável, habitado por animais exóticos – ainda que
enjaulados... Isso nos parece remeter a uma relação romântica com a natureza: face à
ordem e à geometria do plano urbano, reina a natura naturans, erguida também ela
pelas mãos do homem.
De qualquer forma, não há na narrativa de Vasconcellos uma ruptura entre
natureza e cidade. Talvez uma “invasão”, como no caso diversidade das espécies de
pássaros percebidas, algumas abrigadas nas árvores da “avenida”, outras no Parque
adjacente.
Bandos de tico-ticos, de beija-flores, de rabos-de-tesoura e de andorinhas,
povoavam os céus. Sabiás e pintassilgos eram mais raros, mas apareciam.
Nos ficus mais bojudos da Avenida, o chilreo dos pardais musicavam
intensamente o entardecer e, vez por outra, céleres, quadrilhas de
163
periquitos sobrevoavam a cidade de lado a lado. Por cima, junto às nuvens,
flutuavam urubus indiferentes. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.23).
A narrativa contida em “Tempo sempre presente” (1976) inicia-se na descrição de
uma Belo Horizonte ainda rarefeita, imersa na vegetação abundante, em que não se
divisa o Plano Aarão Reis. Podemos notar uma certa predileção pelo paisagismo
romântico, livre de geometrismo, tanto na teimosia de árvores frutíferas – algumas hoje
ainda existentes em certos trechos da cidade – quanto das roseiras da Praça da
Liberdade.
Cidade-Jardim; Cidade-Vergel. De fato embuçava-se por inteiro na
vegetação abundante que verdejava tanto em ruas como em quintais. Havia
mangueiras nas calçadas de S. Efigênia; jameloneiros na Goitacazes. Na
João Pinheiro, magnólias adocicavam o ar e jogavam bolotas gomadas pela
ladeira abaixo.
Roseiras de mil rosas, em pálidos vermelhos ou brancas, amenizavam a
geometria da Praça da Liberdade, acentuada pela postura marcial de suas
palmeiras. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.24).
As diversas passagens em suas memórias indicam a frequência da atividade de
contemplação da natureza. Um vestígio do bucolismo romântico em associação com
uma atitude aventureira, de desbravamento. O pico da Serra do Curral chega mesmo a
personificar os momentos de maior tensão psicológica. Do alto da serra se avista um
mundo muito mais vasto – a ser conquistado – do que aquele que se via de dentro da
cidade, tendo exatamente a serra como limite.
Como uma pedra. Isso eu queria ser.
Deu-me a idéia uma escalada ao Pico do Ferro, com Júlio e o irmão Adolfo.
Escalada difícil, ainda de madrugada, vencendo as matas da Caixa de Areia
nos confins da Serra para enfrentar, depois, o costado íngreme da
montanha. Pedregulho preto, luzidio, torcendo os pés e fazendo-os
escorregar contra a subida. Paradas para recuperar a respiração. Lá no
alto, o pico, com sua cruz de madeira.
Então o mundo deitou-se em meu olhar. A oeste a cidade dormitando,
embuçada no arvoredo. Plana na distância, estendia-se sem limites, com os
rabos de fumaça prolongando chaminés. Quanta gente ali vivia, pensei; a
esta mesma hora nascendo, morrendo, ou amando ainda. Sem que uns dos
outros soubessem; a natureza completamente indiferente a seus destinos.
O pico eterno, antes e depois, desde quando, até quando, em mistério.
[...]
Gente de um lado; o mundo do outro. Entre ambos, a faca do Espinhaço,
descendo redonda de um lado mas, de outro, abrupta, como um paredão
intransponível, barrando a cidade. Serra do Curral... No curral vivíamos nós.
Nenhuma nesga de mar visível, nenhum escape ou esperança.
[...]
163v
208
A cidade de Lechtworth, na Inglaterra, consistiu na primeira experiência efetiva inspirada no modelo
da garden city de Ebenezer Howard. A despeito do traçado ainda geometrizado, partindo de um
grande parque central, as quadras são ocupadas apenas na face fronteiriça às vias, liberando os
quintais para o ajardinamento.
209
Em contrapartida, Tony Garnier desenvolveu o modelo da cidade industrial (1917), cujas bases
organizam-se no elemento de produção: a fábrica.
164
Sim: como uma pedra eu queria ser. Eterna. Estática. Alheia à vida e à
morte, alheia à luta incessante e inútil do vir-a-ser. Não amor ou ódio
guardado; não ilusões ou sofrimentos.
O pico levou-me além do bem e do mal; muito depois de deixá-lo ainda me
perseguia, impresso no pensamento, e muito depois de esfumar-se em
minha memória ainda comandava minhas meditações.
[...]
O pico, como um bico de seio aflorando na serra, não me respondia.
Mantinha-se eterno em sua indiferença e, à sua sombra a cidade crescia.
[...]
Já ninguém se esquecia na contemplação do horizonte vespertino. Rabos-
de-tesoura e andorinhas deixaram o meu céu. Pardais expulsam os outros
passarinhos, disseram-me. De fato milhares deles chilrreavam nos ficus já
copados.
[...]
Como uma pedra. Era só o que queria ser. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.169-170, 173-174).
A natureza é capaz de levar à reflexão, pois diante do eterno de sua existência,
mostra-se a efemeridade do homem. A pergunta “para quê?”, inúmeras vezes repetida
ao longo do trecho – “Contemplação - 1934” – pode vir a ser respondida pelo homem
público, ou pelo homem que se dedica à res publica, pois na herança patrimonial se
eternizaria a sociedade.
Vasconcellos retoma a conciliação: “Fomos caminhando vagarosamente Avenida
acima, com o céu clareando por detrás do Pico.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.191). O princípio da conciliação é visível na Carta de Atenas,
sobretudo quando critica-se a inexistência de uma articulação entre os espaços de lazer
e a cidade, ou quando exige-se a clara definição – o uso público – dos objetivos a serem
cumpridos pelas superfícies livres.
A exigência de uma maior interação com a natureza nasce com os movimentos
críticos à cidade industrial. Dentre eles, destaca-se a “Cidade jardim do amanhã (1898),
proposta por Ebenezer Howard (1850-1928) como modelo de descentralização frente à
ruptura e ao desgate da qualidade de vida em Londres. A Garden City compunha-se
uma síntese harmônica entre o meio rural e o mundo urbano, tendo como unidade
referencial a família. Seus princípios foram redesenhados por Tony Garnier (1869-1948)
no projeto da “Cité Industrielle” (1917), que tanto havia encantado Le Corbusier. A
herança do Pitoresco alcança a cidade modernista na idílica e romântica relação com a
natureza.
Em Belo Horizonte, este quadro se torna presente para Sylvio em um particular
episódio: a “festa azul”, no Parque Municipal, gera no menino Vinho uma sensação de
irrealidade e uma aura de fantasia, certamente em parte decorrente da encenação, tão
diversa de sua experiência cotidiana do lugar.
165
Só voltei a ele [ao Parque] na Festa Azul, de Maria, e assim mesmo do lado
de fora, espiando os acontecimentos através das grades, na rua da Bahia.
Haviam colocado uma ponte em curva para uma ilha de um dos lagos.
Inventaram uma festa de dança com moças, todas vestidas de azul, na
ponte e na ilha, com música e focos de luzes apropriados.
[...]
No dia aprazado foi um corre-corre. Maria aflita por atrasos inesperados,
emocionada. À tarde, foram todos para o Parque, com portões fechados por
onde só entravam convidados, gente importante, do governo.
Na confusão, ninguém fez caso de mim. Plantei-me o mais próximo que
pude da cena, com a cara enfiada nas grades e o olho espichado longe, na
beleza da luz intensa sobre as moças flutuantes, tudo azul, no rendilhado
das palmeiras e nos reflexos da água parada. Quase um sonho.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.74).
Se analisarmos as transformações ocorridas com o processo de modernização
sob a ótica dos processos de produção e seus impactos na organização da sociedade,
será possível aferir que lazer é uma das atividades emergentes nas metrópoles.
Contudo, as distinções que irão surgir entre as camadas sociais também se refletem
nesta atividade, que brevemente irá organizar os grupos em espaços privados ou
públicos. Um claro exemplo são os clubes, que cerceando o ingresso dos associados,
funcionam como um filtro social.
No princípio era a festinha doméstica. Na cidade pacata e mínima não
existe clube. As pessoas amigas reúnem-se, vez por outra, em casa de uma
delas. Às vezes para um casamento, outras para um velório; quase sempre
comemorando aniversário. Nas duas primeiras décadas do século a
sociedade de Belo Horizonte contentou-se com as reuniões familiares.
Depois a cidade começou a crescer e as casas ficaram pequenas para o
círculo de amizades. Imagine, fulano, sicrano não me convidou! Você
compreende, foram só os íntimos; de outra vez não nos esquecemos de
você; claro, nem pense outra coisa.
Apareceu o Clube Central. Era o clube da alta sociedade, sem mistura,
como então se dizia. (VASCONCELLOS, Belô, meu amor..., 1968, p.3).
Os clubes, geralmente “temáticos”, voltavam-se também para a prática esportiva;
o esporte praticado é o tênis, tido como aristocrático e refinado.
A Fazenda Velha, mais longe, não me atraia tanto como o campo do
América, de gramado liso, a arquibancada no meio e as quadras de tênis
atrás. Manhãs de domingos, portões abertos, ninguém me barrava a
entrada. Espiava homens de calções brancos jogando bolinhas, um para o
outro, com raquetes. Caía a bola perto de mim, eu apanhava e entregava.
Pediam-me. Sentia-me parte do brinquedo. No fim me davam moedas de
dez tostões ou mesmo de dois mil réis. Com as quais, a princípio, não
contara. Um dos jogadores era pessoa importante, a crer na deferência com
a qual os empregados do clube o tratavam. Chamavam-no de doutor, doutor
Lucas Machado. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.54).
165v
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166
Depois de 1930 apareceu a Pampulha e o Minas Tênis Clube. Isso quer
dizer que apareceu o esporte e, principalmente, a piscina. Já aí a finalidade
dos clubes não se resumia a reuniões sociais. As crianças passaram a
predominar e a justificar a filiação de famílias a clubes. O Minas Tênis
pretendeu ser um clube popular mas, por popular, entenda-se a classe
média, predominantemente de funcionários públicos ainda. A própria
localização, junto da praça da Liberdade e em meio a bairros de classe A o
identifica. Contudo dispunha o Minas de departamentos ou seções para o
acolhimento de crianças de menores recursos.
Paralelamente, como não podia deixar de ser, a alta sociedade, já então
chamada de granfina, conseguiu seu clube na Pampulha: o Iate. É curioso
observar como esses dois clubes foram, ambos, fundados por iniciativa do
governo. (VASCONCELLOS, Belô, meu amor..., 1968, p.3).
O lazer privado contrapõe-se ao público, cujo ícone era a praia. Mas esta estava
distante de Belo Horizonte, o que implicava na permanência do conservadorismo dos
costumes na sociedade mineira, entrincheirada nas piscinas dos clubes. A praia, ao
reverso, era lugar público, que tanto possibilitava o acesso indistinto quanto a expansão
do comportamento.
Valeu-me, porém, a viagem para rever meu outro irmão, Paulo e minha
cunhada Isabel. Com eles fui conhecer Paquetá que me impressionou
tremendamente. Décio fotografou-nos em diferentes recantos.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.176b).
Hospedamo-nos no Rio em quarto de pensão, sem comida, apinhado de
outros forasteiros. Na primeira manhã fomos à praia onde Dimitrief alugou,
no Copacabana Palace, duas roupas de banho com direito à cabine do
chuveiro. Por equívoco do atendente, deram-lhe um maiô de mulher, com
saiote, que em nada perturbou o desembaraço de Dimitrief. Perturbou-o, e a
mim também, foram as queimaduras de sol que curtimos por vários dias.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.186).
Esse trabalhoso exercício de pensar suspendia-se aos domingos quando,
não indo a Niterói, acompanhava meu irmão Paulo à língua da praia do
Flamengo. Então o sol e o mar combinados transpunham-me das tristes
meditações ao alegre saboreio visual dos corpos femininos.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.209).
167
4.1.4. “O barulho urbano”
Outrora, a moradia e a oficina, unidas por vínculos estreitos e permanentes,
estavam situadas uma perto da outra. A expansão inesperada do
maquinismo rompeu essas condições de harmonia; em menos de um
século, ela transformou a fisionomia das cidades, quebrou as tradições
seculares do artesanato e deu origem a uma nova mão-de-obra anônima e
instável. O desenvolvimento industrial depende essencialmente dos meios
de abstecimento de matérias-primas e das facilidades de escoamento dos
produtos manufaturados. Foi, portanto, ao longo das vias férreas
introduzidas pelo século XIX, e às margens das vias fluviais, cujo tráfego a
navegação a vapor multiplicava, que as indústrias verdadeiramente se
precipitaram. Mas, aproveitando as disponibilidades imediatas de
habitações e de abastecimento das cidades existentes, os fundadores das
indústiras instalaram suas empresas na cidade ou em seus arredores, a
despeito do mal que disso poderia resultar. Implantadas no coração dos
bairros habitacionais, as fábricas aí espalham suas poeiras e seus ruídos.
Instaladas na periferia e longe desses bairros, elas condenam os
trabalhadores a percorrer diariamente longas distâncias em condições
cansativas de pressa e de agitação, fazendo-os perder inutilmente uma
parte de suas horas de lazer. A ruptura com a antiga organização do
trabalho criou uma desordem indizível e colocou um problema para o qual,
até o presente, só foram dadas soluções paliativas. Derivou disso o grande
mal da época atual: o nomadismo das populações operárias. (Carta de
Atenas apud IPHAN, 1995, p.50).
Ao diagnosticar a transformação trabalho humano nas grandes metrópoles, os
membros do CIAM não pretenderam, em absoluto, retroagir ao artesanato. Afinal, a
tecnologia era uma conquista da humanidade, e a indústria – embora carente de
regulação em sua disposição em relação ao tecido urbano – o meio de prover os bens,
frutos desta tecnologia. As observações, contudo, nos permitem traçar um quadro da
cidade industrial: centro urbano, periferia, anonimato, circulação feérica. Paralelamente,
serviria a Vasconcellos para a interpretação dos princípios do CIAM para Belo
Horizonte: se a capital mineira se assemelhava a Paris, Berlim, Londres, Roma –
cidades analisadas por ocasião do IV Congresso
46
–, também Belo Horizonte deveria se
redesenhar aos moldes do urbanismo funcionalista. Vejamos.
A Belo Horizonte dos anos 20 é, na memória de Sylvio, um burburinho de
mascates, armazéns, quinquilharias; “Uns poucos casebres de barro pareciam, à
distância, meros ninhos de cupins.” (VASCONCELLOS, Belo Horizonte no seu tempo de
calça curta, 1980, sp); vegetação abundante, responsável pelo orgulhoso título de
46
A lista completa das cidades analisadas incluía, ainda: Amsterdã, Atenas, Bruxelas, Baltimore, Bandoeng
(Indonésia), Budapeste, Barcelona, Charleroi (Bélgica), Colônia, Como (Itália), Dalat (Vietnã), Detroit, Dessau,
Frankfurt, Genebra, Gênova, Haia, Los Angeles, Litoria (Itália), Madri, Oslo, Praga, Roterdã, Estocolmo, Utrecht,
Verona, Varsóvia, Zagreb e Zurique.
167v
212
A praça Sete de Setembro, centro de convergência da cidade, abrigava os principais edifícios e
equipamentos urbanos.
168
“cidade jardim”; nada que lembrasse uma metrópole. Aos poucos, porém, surgem os
primeiros sinais de modernização, acompanhados pela implantação do “pirulito”:
chegam os automóveis, os cinemas salpicam – Odeon, Pathé, Modelo, Comercial,
Avenida, Glória; “Nova moda, revolucionária, estava encurtando as saias e os cabelos
femininos, cortados a la garçonne.” (VASCONCELLOS, Belo Horizonte no seu tempo de
calça curta, 1980, sp); bondes cortavam as vias, redesenhando o espaço.
A cidade crescia. O barulho urbano, antes concentrado no trote da animália
sobre os pés-de-moleque, nos pregões rueiros – sorvete iá-iá... é de côco...
da Bahia...; verdureiro! – e nos sinos badalando missas, finados ou ave-
marias, então deixava-se suplantar pelo ronco surdo de motores e buzinas e
pelos estridentes apelos de sirenes anunciando sessões de cinema. Dos
sons antigos persistia apenas os lancinantes apitos dos trens noita a dentro,
e o canto esganiçado dos galos, repetindo-se como ecos nas madrugadas.
(VASCONCELLOS, Belo Horizonte no seu tempo de calça curta, 1980, sp).
Enfim Belo Horizonte parecia conciliar o homem e o espaço modernos. Se,
durante as três primeiras décadas, a cidade parecia irrremediavelmente desconectada
de seus habitantes no artificialismo da urbis, a partir da introdução de novos hábitos o
sujeito integra-se ao lugar. Para esta integração contribuíram as transformações nos
transportes – primeiro os bondes, depois os automóveis – e no cotidiano, expresso no
lazer domingueiro do cinema.
Contudo, atividades ainda mais diárias transformavam-se consideravelmente.
Percebe-se que o comércio inicialmente oscilava entre o tradicional armazém e
mascataria, e o refinamento das confeitarias, para depois incorporar bens
industrializados e lojas especializadas.
Moleques vendiam verduras pelas casas, e carroças de leite, de pão, ou de
lenha, rodavam no calçamento áspero. Vinham burros de lonjuras, pejados
de sacos, com laranjas, mangas, bananas que nome tenha, caquis,
abobrinhas, mandioca d´água, carás, inhames e um interminar de outras
frutas e legumes.
Mascates, com pesados baús às costas, ofereciam quinquilharias de porta
em porta. Biscateiros vendiam vassouras e panelas de lata. Dona de casa
não tinha mais que chegar à janela, ainda de chinelos e “pegnoir”, para
prover-se do necessário. Só para determinadas compras recorria ao
armazém. Mesmo estes, porém, mandavam empregados às casas, cada
manhã, recolher os pedidos. Arroz e feijão, batatas inglesas ou doces,
azeite, lentilhas, grão-de-bico, fava, doces de lata, amêndoas e nozes, ou
sal. Freguês de confiança ganhava caderno onde as despesas se anotavam
para pagamento mensal. Viana & Irmãos e Irmãos Longo disputavam,
pacificamente, a barriga da cidade, lado a lado, na Espírito Santo, entre
Amazonas e Carijós.
Para manteiga e gelo não tinha rival a Savassi, em Goiás. Rival não tinha o
Trianon, em Bahia, quanto a frutas estrangeiras, bebidas raras e sorvetes
168v
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mas, em matéria de açucarados, imperava a Confeitaria Suiça, logo abaixo.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.21-22).
Aos poucos, o comércio sofisticado vai aparecendo na “avenida” ou em suas
imediações. As vitrines dos magasins ofereciam as novidades da moda; confeitarias
guardavam delícias, prontas para serem absorvidas sem o temor do capital pecado da
gula:
Quando ganhei a primeira comissão relacionada com ordenados de
professores recebidos na Secretaria das Finanças, verifiquei não ser
suficiente para a compra do relógio que me prometera dar a meu pai.
Decidi-me então a sentar-me sozinho em uma das mesas de passeio que a
Confeitaria e Bar Paládio inaugurara em luxo de novidade. Pedi um prato de
uvas geladas. Chupei-as devagar, saboreando cada bago, ainda com a
água-na-boca provocada pelos repastos de Eda em seus privilégios.
Confortado em minha gula, mais moral do que física, demorei-me no trono,
como a exibir ao mundo que eu também merecia uvas. E melhores que as
de Eda por geladas. (VASCONCELLOS, Tempo sempre Presente, 1976,
p.185).
A calçada da “avenida” é uma janela de contemplação para o mundo. É o lugar
de onde se vê, mas também onde se é visto. Efeito similar pretendeu Lucio Costa em
Brasília, quando projetou a plataforma que compõe a Rodoviária:
Nesta plataforma onde, como se via anteriormente, o tráfego é apenas local,
situou-se então o centro de diversões da cidade (mistura em termos
adequados de Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées). A face
da plataforma debruçada sobre o setor cultural e a esplanada dos
ministérios não foi edificada com exceção de uma eventual casa de chá e
da Ópera, cujo acesso tanto se faz pelo próprio setor de diversões, como
pelo setor cultural contíguo, em plano inferior. Na face fronteira foram
concentrados os cinemas e teatros, cujo gabarito se fez baixo e uniforme,
constituindo assim o conjunto deles um corpo arquitetônico contínuo, com
galeria, amplas calçadas, terraços e cafés, servido as respectivas fachadas
em toda a altura de campo livre para a instalação de painéis luminosos de
reclame. (COSTA, 1995, p.289).
Reconhece, anos mais tarde, o artificialismo do comércio e do serviço
pretendidos – uma casa de chá no planalto... –, mas entende que as relações humanas
ocorrem nos centros urbanos, o que valida suas decisões.
170
4.1.5. Cidade Jardim
Quando deixei a camisola, Belo Horizonte adolescia. Seu desengonçado
corpo deitava-se entre Paraná, Caetés e Bahia e dele estendiam-se
membros compridos, desiguais. A oeste, uma perna deixava um joelho em
Carlos Prates mas espichava o pé nos confins do Calafate. Outra, muito
mais curta apenas subia Floresta. A leste, um braço fingia descansar em S.
Efigênia e ia coçar a barriga da montanha na Serra. Outro abraçava
Funcionários.
Afonso Pena começava no Mercado, junto ao Arrudas, e terminava no Bar-
do-Ponto. Além dos íngremes barrancos que margeavam o córrego do
Leitão, esparramava-se um campo imenso, prolongado no horizonte. Nele,
cravos-de-defunto, de um vívido amarelo escuro, tapetavam a terra por
inteiro. Nenhuma árvore; só as piteiras levantavam mais alto seus penachos
brancos. Via-se de longe, do outro lado do córrego, o campo do América;
meio escondida a seu lado, a Fazenda Velha, onde escoteiros acampavam,
treinando excursões mais ousadas na Gameleira. Uns poucos casebres de
barro pareciam, à distância, meros ninhos de cupim.
Alcançava-se o Acaba-mundo por estrada que ficara do transporte de
pedras para a construção da cidade. O Alto-do-Cruzeiro mantinha-se virgem
de invencionices humanas, o cemitério do Bonfim afastava-se,
discretamente, do mundo dos vivos, e Lagoinha era como um arraial
emberrugado no Mercado. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.21).
A cidade cresce. Não como planejado; de maneira desigual, “desengonçada”.
Mesmo a “avenida” não se estendia para ao pé da serra. Continha seu eixo muito antes
de alcançar o morro do Cruzeiro. O crescimento urbano de Belo Horizonte, segundo a
narrativa de Vasconcellos, é desigual, especialmente no plano social. É possível
perceber, mesmo nos limites interiores à avenida do Contorno, uma linha de
segregação.
Na Praça 7 encontramos duas moças sozinha, por coincidência fantasiadas
de odaliscas, como Wanda no retrato. Responderam nossos esguichos com
outros, entre negaças e risadas. Fundamentado na boa recepção, Zé
Livramento, mais atrevido, iniciou o diálogo:
- Podemos encontrar vocês depois?
- Pode, uai.
- Onde vocês moram?
- Na Rio de Janeiro, lá embaixo...
Não percebi se Zé Livramento havia concluído alguma coisa do endereço
que a mim escapara. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.142).
Meu mundo, meu destino, meu futuro não estavam na burguesia acastelada
no lado de cima da Avenida. Estavam do lado de baixo. (...) Se não
conseguira um lugar em cima, então o conseguiria embaixo. Quê importa?
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.223).
170v
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219
Os edifícios do Cine Brasil e Ibaté, este último em destaque frene ao casario ainda horizontalizado,
alteram a paisagem belorizontina com suas linhas arrojadas, típicas do racionalismo, prenunciando o
modernismo e a transformação da cidade.
171
Diversamente do plano racional, passível de leitura e compreensão, a cidade real
foge à inteligibilidade plena, exigindo do sujeito um percorrer, uma fruição
(aparentemente) desinteressada. Somente assim se revelaria. Seria necessário
aguardar ainda transformações sociais ainda mais amplas, porque fundadas nos
costumes, para que as características urbanas de 1897 fizessem sentido. A paisagem é
artificial e não permite que o sujeito se conecte à cidade: causa-lhe estranhamento.
Meu córrego do leitão se amortalhara em canal. Além dele o casario se ia
plantando. Mercado novo onde ganhara tostões apanhando bolas de tênis;
em frente o novo Ginásio Mineiro e, mais além a Escola Maternal. Vencido o
córrego, a Contorno se espichava para os vermelhos e laranjas
crespusculares. Amazonas vinha-lhe ao encontro, abrindo o descampado
da Praça Raul Soares.
Transformara-se em “pastiche” de templo romano a velha Escola Normal;
meu Jardim da Infância – Delfim Moreira – se modernizara. Fundaram o
Conservatório de Música onde o maestro Nunes, de grandes orelhas
cabeludas, pontificava.
No velho mercado da Lagoinha, erguia-se a Feira de Amostras. Bondes
fizeram-se mais altos, com dois estribos de acesso. Melhor ainda para se
ver as coxas das moças de saias curtas.
De calças compridas estava Belo Horizonte, já uma cidade grande. Carros
com seus dorminhocos cavalos não mais; carroças poucas. Fecharam-se os
cinemas Odeon, Pathé e Comércio; em compensação construiu-se o Brasil,
em concreto armado, logo depois que o Ibaté, em S. Paulo, desafiou o céu
em sua altura.
- Todo este modernismo começou com Melo Viana, diziam alguns.
- Que nada, retrucavam outros. – Foi a revolução.
- Será o Benedito? zombavam os primeiros.
[...]
Não haviam mais mascates pelas ruas, nem Seu João das laranjas em seu
burrico pejado delas. Mágicos e sorveteiros na avenida escasseavam. [...]
Belo Horizonte já não era a minha cidade e, de tão ausente dela, não mais a
dominava. Multidões agora enchiam os passeios da Avenida, principalmente
do lado da sombra, onde o melhor comércio e os cafés se multiplicavam.
Já ninguém se esquecia na contemplação do horizonte vespertino.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.169, 173).
Quando a velocidade das transformações urbanas se acelera, Sylvio não mais se
reconhece, ou se identifica com o locus. A ausência física – o longo período de estudos
ginasiais em Barbacena, São João del Rei e Lagoa Santa – sem dúvida amplia a
desconexão entre o indivíduo e a cidade, mas esta ausência está para além do plano
físico. Não encontrando na paisagem as referências ainda presentes na memória, Sylvio
se isola, e a cidade novamente se torna uma mera abstração.
O modus vivendi do belorizontino dos primeiros tempos é ainda tradicionalista,
arraigado aos costumes de origem, incompatível com a modernidade do traçado e dos
espaços. Causa-lhe, sim, estranhamento. Mas também existe, no olhar de Sylvio sobre
a Belo Horizonte de sua infância e adolescência, um encantamento. O menino está
172
seduzido pelas novas possibilidades do futuro; o menino amedronta-se com a
possibilidade da perda das referências de sua memória.
Na concepção de Sylvio, a metrópole moderna na qual Belo Horizonte se
constitui “dita” a moda. Escrevendo sobre a arquitetura civil em Minas Gerais, o autor
justifica-se: “Demoramo-nos mais em Belo Horizonte porque para aqui se voltam todos
os olhos, tudo o que se faz no resto do estado é inspirado pela nova capital que
determina o gosto, o modo, a estética e a cultura.” (VASCONCELLOS, Contribuição
para o estudo da arquitetura civil em Minas Gerais, 1947, p.80). A cidade e a arquitetura
que a caracteriza compõem um quadro uno, que orienta os espíritos em direção à
modernidade. A linguagem, no dizer do autor, era enriquecida de vocábulos ingleses –
footing, flirt, em oposição à erudição francesa; novas publicações infantis e adultas
circulavam pelas bancas de jornal; nos pianos domésticos “[...] valsas dolentes,
entremeadas de fox-trots. (VASCONCELLOS, Belo Horizonte no seu tempo de calça
curta, 1980, sp). Novos hábitos se implantam; mas “[...] a cidade ainda conservava o seu
jeito infantil e ingênuo.” (VASCONCELLOS, Belo Horizonte no seu tempo de calça
curta,1980, sp). E circos de cavalinhos ainda animavam as tardes domingueiras...
Prontos os espíritos, restava à capital ampliar a velocidade de construção de
seus espaços, em novos bairros, artérias e arranha-céus. O movimento tivera início
ainda no final dos anos 30, na gestão de Otacílio Negrão de Lima (1935-1940), que
imbuíra-se dos valores que alimentarão a ação de Juscelino Kubitschek (1902-1976)
nos anos seguintes. Mergulhado nos valores modernos, entre 1940 e 1945, JK trata de
atuar na cidade como um médico sanitarista, buscando organizar uma cidade nova:
promoveu o asfaltamento de diversas vias no centro da cidade, estendeu à periferia
importantes eixos viários, dotou diversas zonas de infra-estrutura, urbanizou favelas,
embelezou e construiu monumentos. Afirmou o ex-prefeito em suas memórias: “Tivemos
em mente, acima de tudo, resolver os problemas equacionados de modo a deixá-los
solucionados para o futuro, pois não é possível que numa cidade como Belo Horizonte
se cinja apenas ao presente [...]” (Kubitschek apud NERY, p. 103).
A Pampulha representou para a cidade, mesmo com seus breves anos de
sucesso iniciais, uma mudança de paradigma que alcançou todas as
classes sociais conferindo-lhes novas aspirações no morar e no convívio
social, e imprimindo-lhes o desejo de serem modernos para serem atuais.
(SOUZA, 1985, p.197).
Vasconcellos considera a Pampulha não como o principal evento da arquitetura e
do urbanismo em Minas Gerais (como vimos, a construção da nova capital cumpria este
172v
220
173
papel); Dá ao conjunto uma outra significação. Ainda que os edifícios projetados por
Niemeyer à margem da represa correspondam a uma estética inovadora, o mais
significativo, para um modernista de primeira ordem, é que o conjunto da Pampulha
refletisse uma nova concepção para o espaço da cidade – o subúrbio, aos moldes da
cidade-jardim norte-americana – e, em especial, uma nova forma de vivenciar este
espaço: o lazer. Concentra-se no aspecto das transformações culturais possibilitadas
pelo novo ambiente. Ou seja, a arquitetura do conjunto ao longo da represa contribuiria
para (tentar) fazer com que Belo Horizonte viesse a corresponder efetivamente a uma
cidade moderna. Mais uma vez, é conferido à arquitetura o papel transformador do
comportamento:
Importante foi, porém, que com esta arquitetura nova se abrisse também em
Belo Horizonte um cassino. Importante porque só então poderia a
população tomar contato com situações diferentes da rotina provinciana – o
jogo, as boites, as girls e os shows mais livres, situações que forçavam o
encontro de classes sociais absolutamente diversas, contribuindo o fato
para a perda do medo ao estranho e para a oportunidade de um novo tipo
de sociabilidade. Para isso contribuiu também o novo clube (Iate), com
piscina e jantares dançantes, costumes ainda não absorvidos pela
população, só afeita a grandes bailes formalizados. Pela mesma época foi
construída também a sede, com seu campo de esportes e piscina, do Minas
Tênis Clube.
Introduz-se na cidade o hábito do esporte, da vida ao ar livre, e a
comunicabilidade entre estranhos. (VASCONCELLOS, A família mineira e a
arquitetura contemporânea, 1961, p.18).
O belorizontino é imerso no futuro. O homem do esprit nouveau corbusiano
encontra, às margens da Lagoa da Pampulha, uma arquitetura vanguardista porque
transformadora da forma contida e da sociedade conservadora.
Contudo, o conjunto da Pampulha idealizado por JK compunha-se, em sua
origem, de uma série de equipamentos públicos, e não contemplava, salvo a residência
Kubitschek (1943), também projetada por Niemeyer, a plena integração entre plano
urbano e a unidade elementar: a casa. Afinal, um dos pontos conclusivos da Carta de
Atenas afirmava:
A arquitetura preside aos destinos da cidade. Ela ordena a estrutura da
moradia, célula essencial do tecido urbano, cuja salubridade, alegria,
harmonia são subordinadas às suas decisões. Ela reúne as moradias em
unidades habitacionais, cujo êxito dependerá da justeza de seus cálculos.
Ela reserva, de antemão, os espaços livres em meio aos quais se erguerão
os volumes edificados, em proporções harmoniosas. Ela organiza os
prolongamentos da moradia, os locais de trabalho, as áreas consagradas ao
entretenimento. Ela estabelece a rede de circulação que colocará em
contato as diversas zonas. A arquitetura é responsável pelo bem-estar e
173v
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174
pela beleza da cidade. É ela que se encarrega de sua criação ou de sua
melhoria, e é ela que está incumbida da escolha e da distribuição dos
diferentes elementos, cuja feliz proporção constituirá uma obra harmoniosa
e duradoura. A arquitetura é a chave de tudo. (Carta de Atenas apud
IPHAN, 1995, p.73)
Reconhecendo na Pampulha “breves anos de sucesso”, Vasconcellos dirige suas
atenções para outra porção da cidade. Na administração de Kubitschek, “A abertura ao
tráfego de toda a extensão da Avenida do Contorno permitiu que áreas suburbanas se
integrassem à vida da cidade, oferecendo novas opções de moradia.” (SOUZA, 1998,
p.187). O bairro Cidade Jardim, junto ao antigo núcleo da Fazenda do Leitão,
recentemente urbanizado, estava ainda por construir-se.
Partindo do prolongamento da avenida Olegário Maciel para além dos limites da
avenida do Contorno, amplas vias adaptam-se cuidadosamente ao terreno em aclive,
desenhando uma malha que se distingue da zona urbana projetada por Aarão Reis, bem
como dos bairros lindeiros – Santo Antônio e Gutierrez – onde, a despeito da topografia
acidentada, o modelo reticular foi mantido. O parcelamento do solo também não repete
o padrão prescrito pelo plano oitocentista, mas prevê lotes amplos, acima de 1.000
metros quadrados. A arborização presente nas vias e nos amplos jardins qualifica
ambientalmente o bairro. Todos estes elementos conectados reproduzem, na área em
franca urbanização, um aspecto de subúrbio – a “cidade jardim”. Melhor denominação
não poderia ter sido aplicada ao bairro.
Faltava, contudo, conectar a este lugar uma feição arquitetônica correspondente.
Na Cidade Jardim, Sylvio projeta nove residências. Em sua maioria, são edificações de
dois pavimentos, que associam o aspecto senhorial desejado pela elite belorizontina
com uma elaboração estética derivada da linguagem existente na Pampulha
47
. A
solução assobradada em razão da redução da projeção da área construída sobre o solo
permite, em contrapartida, a ampliação dos quintais e dos jardins fronteiriços,
redesenhando o ambiente urbano, tal como preconizado na Carta de Atenas. Ali, no
bairro e nas casas, encontramos uma dupla interação: implantação, extensão e largura
das vias, configuração de boulevares, ocupação pouco densa, projeção reduzida da
edificação sobre o solo, presença de quintais e jardins fronteiriços, repertório formal
modernista, são atributos espaciais que operam simultaneamente no âmbito da cidade e
da casa.
47
A leitura estética da casa projetada por Vasconcellos e o aspecto senhorial a ela conferido foi elaborada na
seção 3.1.
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224
Vasconcellos faz interagir os modelos arquitetônicos da casa assobradada com varanda aos grandes
lotes e ruas arborizadas do bairro Cidade Jardim.
175
A Cidade Jardim converte-se, para Vasconcellos, no locus privilegiado de
atuação. Naquela porção de Belo Horizonte foi finalmente possível compor sua cidade,
em que hábitos, costumes, significados sociais estavam plenamente contidos no
espaço.
Entendemos, então, o esforço de Vasconcellos em encontrar na Belo Horizonte
de sua infância e juventude a cidade pré-moderna que prepararia os espíritos para a
Pampulha e, mais tarde, sob a sua orquestração, para a Cidade Jardim. A capital
projetada por Aarão Reis continha, na abstração de seu traçado, as possibilidades
futuras verificadas na Pampulha e na Cidade Jardim, consonantes com os princípios da
cidade funcionalista expressos na Carta de Atenas: a circulação em amplas vias
permitindo o deslocamento das massas por automóveis velozes, o lazer junto ao espaço
aberto do Parque e dos clubes, o comércio e os serviços sofisticados alcançando a
cidade, a habitação. As funções urbanas modernas convertem a abstração do plano em
espaço praticado.
Se a cidade eclética prepara o indivíduo para receber a modernidade, por sua
vez, os novos subúrbios – Pampulha e Cidade Jardim – convertem-se objetos plenos
desta modernidade. Resta averiguar uma questão: por que razão Vasconcellos
debruçou-se sobre a Cidade Jardim para construir a cidade moderna, não dirigindo seus
esforços para a Pampulha, “gênese de tudo”?
Na Cidade Jardim, ergue-se, ainda hoje, o único exemplar da arquitetura dos
tempos do Curral d’El Rei: o Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB)
48
, antiga sede da
Fazenda do Leitão, instituição criada em 1943 – durante a gestão JK – para abrigar a
memória da cidade. Na Cidade Jardim, passado e futuro se encontram.
48
As origens do MHAB datam de 1935, quando o jornalista e escritor Abílio Barreto foi convidado a organizar o
Arquivo Geral da Prefeitura. Criado em 1941 pelo então prefeito Juscelino Kubitschek, foi inaugurado em 18 de
fevereiro de 1943, com a denominação de Museu Histórico de Belo Horizonte. Em 1968, recebeu a denominação
atual, em homenagem a seu idealizador e primeiro diretor. (MHAB, 2007, sp).
176
4.2. Cultura urbana e idéia de metrópole
Na modernidade, a cidade é o espaço das inovações; é o momento/lugar de
expectações e associações variadas. A partir de meados do século XIX, a cidade passa
a concentrar não apenas pessoas, mas idéias e projeções para o futuro. “A cidade
exercia uma condição de protagonista, cuja função aglutinadora e centralizadora das
experiências enunciava a necessidade de romper com a tradição, em nome de um novo
espaço-tempo.” (LEMOS, 1998, p. 79). Por esta razão, a representação e a imagem da
cidade ultrapassam, muitas vezes, a real presença dos elementos que caracterizam a
metrópole, gerando duas ordens distintas: a progressista e a atrasada. Belo Horizonte
não se inseria na primeira categoria.
Isabel foi quem mais sentiu, derramando-se em choradas despedidas.
Arrancou de Paulo promessas de fidelidade na ausência, animando-o a
transferir-se para o Rio onde, por certo, facilmente encontraria emprego.
- Nesta roça aqui não precisam de engenheiro, argumentou. Com o diploma
na mão... no Rio é sopa no mel. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.157).
Esta não parece ser a perspectiva de Sylvio, que reiteradas vezes se ressente do
abandono de profissionais e intelectuais, já nos anos 40, em favor de outras metrópoles.
É preciso construir uma metrópole. O menino Vinho já sabia quais eram os elementos
necessários a tal empreendimento.
Meu mundo ficou sendo a varanda. Nela juntava caixas de papelão vazias,
movimentadas como carros, levando pedras e gravetos. Ou justapostas e
superpostas como casas. Formigas e grilos as habitavam.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.7-8).
No mundo imaginário da infância, Vinho constrói cidades à imagem da metrópole:
movimentadas, densas, onde o sujeito se perde na massa. A construção no espaço da
varanda é quase literal, mas também uma mímese do futuro imaginado para a Belo
Horizonte dos anos 20.
A experiência metropolitana concentra-se na densificação dos espaços urbanos,
na velocidade dos deslocamentos e, sobretudo, na tecnologia, necessária tanto à
geração de novos produtos de consumo quanto ao exercício dos dois elementos
177
anteriores. A complexidade da cidade industrial oitocentista se molda na simultaneidade
das transformações ambientais produzidas e na celebração do progresso.
A construção da metrópole e sua densificação exigia a provisão de infra-estrutura
urbana. A capital fora inaugurada em 1897, mas o traçado abstrato era ainda menos
visível do que o ambiente dava a ver ao habitante. Curiosamente, o mesmo sujeito que
se espanta com o progresso, rapidamente a ele se acostuma; e se ressente de sua
ausência.
Mudamos de casa. Agora para uma minúscula, entretanto faceira, isolada
na rua e mato caindo, abruptos, sobre o córrego do Leitão. Leitão não havia,
considerei, mas o nome era esse.
Da esquina de S. Paulo para baixo, Goitacazes não oferecia calçamento ou
passeio. Sulcos profundos, de enxurradas, abriam-se na terra nua,
escorregadia quando molhada. No fim, barranco quase vertical caia sobre o
córrego.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.46).
A provisão de infra-estrutura urbana acompanha, ainda que lentamente, o
progresso. O telefone é novidade absoluta, mas um bem quase inacessível, pouco
eficaz na pretendida comunicação: “Outra novidade da casa de Paraúna é que tinha
telefone. Caixa de madeira na parede com manivela de lado. Mais servia era para falar
com Clotilde na casa vizinha.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.77).
Mobilidade é a outra palavra de ordem. Envolve os sistemas de circulação intra-
urbana, como os bondes, mas também a comunicação com o restante do país, com as
outras metrópoles. Viajar significava ampliar os horizontes limitados pela Serra do
Curral.
Na estação, o trem esperava fumegando. Tchá-tchá... tchá-tchá... Gente
subindo e descendo as escadas estreitas dos vagões. Malas e balaios.
Empurrões abrindo passagem. Cadeiras de encosto alto; em palhinha suja;
duras. Vidros das janelas embaçados de orvalho. Cheiro enjoativo de
carvão.
Lá fora a campainha zunindo. Curto apito e o arranco barulhento, de ferro
puxando ferro. Vagarinho a princípio, ganhando corrida depois. Fiquei
olhando as casas passando como cortinas nas janelas. Adormeci de novo.
Burnier, gritou o homem de uniforme na porta do vagão. Baldeação para
Ponte Nova, Ouro Preto, Mariana.
- Vamos trocar de trem, disse mamãe.
Então acordei de vez. Veio-me à consciência o fato de estar viajando,
consciência que não tivera com a peregrinação anterior a Pará de Minas.
Nesta não havia percebido nem mesmo como era o trem. Sentira-me como
afundado em um bloco de gente que se movia de um canto a outro da
mesma igreja, como nas rezas junto aos quadros da via-sacra. Agora não:
estava viajando de fato. Com pessoas e para lugares que não eram de meu
mundo.
Observava com atenção cada detalhe ao alcance dos olhos. Os anúncios
parecidos com os dos bondes, as janelas com fasquias de madeira sobre as
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de vidro, as lâmpadas do teto, os morros escuros da paisagem, barrancos
lisos quase se encostando ao trem, um punhado de palmeiras no
descampado, um casebre solitário, homens com ferramentas na beira da
estrada acenando adeuses. Ficava olhando, olhando, como se estivesse
contemplando o cenário, não pela primeira, mas pela última vez.
Até que um cisco me fechou o olho esquerdo. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.42-43).
Desde a estação, a metrópole se configura, não apenas na multidão que a
frequenta, e nas máquinas espelhando a velocidade e a tecnologia, mas também na
arquitetura: o ferro fundido ali está presente. Concilia a linguagem dos capitéis clássicos
com a produção em série. A gare é síntese da modernidade: abriga multidão, vence
imensos vãos, recebe infinitos vagões puxados por máquinas fumegantes.
É tema impressionante, que impacta os homens, tornando-se alvo da expressão
artística. A tecnologia das máquinas fumegantes também encanta Sylvio. No ócio dos
recreios no internato em Barbacena, é à sua contemplação que ele se dedica.
Contemplar a tecnologia é sinal de mergulho irreversível na modernidade.
Nos recreios a mim permitidos, esquecia-me na contemplação dos trilhos ao
pé do paredão, examinando cada composição que passava, o número de
vagões e o tipo da máquina que os puxava. A mais possante era a Mallet.
Não raro duas, juntas, puxavam mais de quinze vagões cheios de bois ou
de minério. Punha-me a imaginar de onde vinham, para onde iam, e de
como seria bom ser maquinista, hoje aqui, amanhã acolá, em diferentes
paragens. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.102).
A tecnologia das máquinas inspira novas representações. Quando os modelos
não se encaixam à imagem de modernização elaborada na mente do sujeito, são
descartados ou geram uma nova e mais significativa categoria. Não importa se a
mobilidade é conseguida, mas como – e isto está relacionado a “qual velocidade e
tecnologia agregada” – é conseguida. “O mesmo trem pequenino, de bitola estreita que
me transportara de Barbacena a S. João del Rei. Em comparação com os trens da
Central, chegava a parecer de brinquedo.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.235a).
Além dos trens, também os automóveis são ícones da modernidade, conforme
discutimos anteriormente. Inspiram comportamentos, por vezes paranóicos, geram
expectativas, prazes, inconsequências até, em relação a este novo tipo de máquina.
Seu Palhinha vendia Fords, em altos e baixos de sucesso. Não escondia
manias, principalmente relacionadas com automóveis. Quando levou-nos a
Santos, por exemplo, preocupou-se seguidamente com a distribuição de
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nosso peso dentro do carro, para que se mantivesse em perfeito equilíbrio.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.133a).
A despeito da pouca atenção recebida em casa, transformei-me em
motorista de urgências necessárias. Dirigir o Buick, qualquer fossem as
circunstâncias, só me dava prazer. Levava minha mãe à Escola Normal,
buscava-a; levava-a a visitar minha avó ou à igreja de S. José, sempre que
meu pai se julgava sem vontade de fazê-lo.
Não tinha habilitação legal, por falta de idade, mas ainda assim meu pai
confiava-me o carro. Aliás, entre os muitos cuidados que lhe dispensava,
nunca lhe havia causado qualquer mal. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.158).
Renato concertava automóveis e exibia-se deixando-os rodar sozinhos, em
círculo, no largo da lagoa. Juntava gente para ver.
Outra distração era andar de bicicleta, tentando ensinar equilíbrio a Júlio. Só
depois de ver-se atraído pelos postes das ruas, em muitos dos quais
embicou, ganhou controle da situação. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.164).
A diversidade de citações denota que o comportamento em relação aos
automóveis é uma atitude genérica; são parte integrante da vida na metrópole. Sua
função utilitária é frequentemente suplantada pela imagem à qual estão associados: a
do pertencimento à modernidade e ao progresso. Gera e alimenta, pois, uma outra face
da modernidade: o consumo – de presentes, novidades, objetos da tecnologia – é uma
tônica da vida moderna, sua mola propulsora.
Este tema parece ter afligido Sylvio sobremaneira, da infância, em que se
desejava o brinquedo alheio, à idade adulta. O hábito de trocar presentes no Natal já
demonstra estar incorporado aos costumes das famílias belorizontinas no início do
século, despertando no menino Vinho a incômoda sensação de alijamento.
Debaixo do presépio ficavam os sapatos para os presentes de papai-noel.
Em cima, pendurada no teto, uma estrela de rabo, prateada. Contudo,
presentes mesmo eram escassos. Um vestido para Maria, um livro para
Paulo, uma bola para mim. Natais traziam-me também frustrações porque,
se algumas vezes desiludia-me com regalos que não coincidiam com
minhas expectativas, na maioria dos casos nem mesmo os incluía.
- Natal é para ir à igreja, dizia minha mãe. Já temos os doces e chega.
Contudo, na rua a meninada enchia os passeios de brinquedos, exibindo-
os, comparando-os: o meu é melhor que o seu; é nada, o meu anda; mas o
meu é mais engraçado. Enchia-me de inveja triste, imaginando qual o
brinquedo que mais me encantaria ter. Talvez o trenzinho de puxar. Ou a
bola grande. Não, muito melhor seria o cavalo de pintas pretas, com as
patas sobre tiras de madeira, em arco, balançando. Sim, o cavalo, sem
dúvida. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.14).
Até que chegou outro natal. Muitos já haviam transcorrido em branco, sem
presépios, festas e presentes. Meus irmãos mais velhos protestavam: não é
possível, todo mundo ganha presentes; porque não nós?
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O jogo do pião, apesar da simplicidade do objeto, exige habilidade, compreensão dos movimentos e
dos equilíbrios de massa, e, sobretudo, destreza e inventividade; daí sua atração a meninos e
meninas de todas as idades, lugares e tempos.
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- Vocês nem acreditam mais em papai noel, desculpou-se minha mãe. Nem
tem graça...
- Tem graça sim; muita graça, contestou a assembléia geral da família, com
a presença dos miúdos e graúdos.
No fim, após extensas discussões, com fortes argumentos de parte a parte,
ficou decidido que, de fato, o tal de papai noel não existia, mas que
existiam, sem dúvida alguma, os presentes.
Minha irmã Maria, com o apoio de Rosa, era a mais ardente defensora dos
presentes. Foi ela encarregada de comprá-los, com a condição de mantê-
los escondidos para a surpresa da manhã natalina.
Em mim cresceu angustiante expectativa. Não imaginei ou desejei algo de
especial, mas perturbou-me a condicionante da surpresa, na qual meus
sonhos se deitaram. Que seria? Certamente um brinquedo desconhecido,
uma roupa nova, um cavalo, uma estrela talvez. Sim, talvez uma estrela,
embrulhada em papel de seda colorido.
Mantendo promessa feita, não animei-me a indagar a respeito mas, por
dentro, nos dias e noites de espera, meu coração bateu aflito, contando
segundos, intermináveis segundos, de paciência.
Manhã de natal, as mãos trêmulas, recebi o embrulho. Não era grande
como esperado; nem tão pesado ou leve que me antecipasse identificação.
Volteei-o nas mãos, tímido ao abri-lo, mórbido no prolongar da agonia.
Vagar, vagarsinho, entre alegria sopitada e desencanto receiado, dispus-
me, afinal, a abri-lo. Dentro estava um bilboquê que não se incluira em
minha cogitações, nem longinquamente se enquadrava em minhas mais
limitadas aspirações.
Todavia, sofreei a amargura. Principalmente pela presença de Maria,
contente pela tarefa cumprida, e mais alegre do que qualquer um de nós
outros.
- Você gostou? É assim que se joga; vou mostrar... me empresta aqui...
Antes da noite desapareci o bilboquê. Com ele ficou toda minha meninice.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.65-66).
Objetos hoje tomados como corriqueiros e até mesmo banais eram tema de
contemplação, seja porque incorporavam a tecnologia seja porque representavam uma
possibilidade de distinção no grupo.
Aparecia um pião entre os que restavam. Entendia que fazê-lo rodar doido
no chão ou, com gesto hábil, apanhá-lo na mão, ainda rodando, só podia
ser mágica, cujo segredo eu não dominava. Também eu não tinha pião, e
pião não era objeto que se emprestasse; como os pneus, que haviam em
quantidade embora eu não soubesse como.
Escurecia e eu voltava para casa quando me via sozinho.
- A senhora me dá um pneu, mãe?
- Que é isso, menino? Onde é que eu vou arranjar um pneu? Vai brincar,
vai.
- Então me dá um pião!
Meu pai me trouxe uma piorra quando chegou de viagem. Grande, colorida.
Zunia quando rodando com a pressão de um eixo central. Contudo, não
valia um pião de verdade com o qual continuava a sonhar.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.30).
É possível perceber que alguns objetos alcançavam uma mesma categoria no
que diz respeito ao consumo e ao desejo de posse, como piões e pneus. Embora uns
fossem brinquedo, artesanalmente produzidos na maioria das vezes, importavam pela
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destreza envolvida em seu manuseio, o que os diferia das piorras, que, manufaturadas,
incorporavam no brinquedo um certo automatismo não exigindo da criança habilidade
que a fizesse distinguir das demais. Piões são como pneus – cuja existência em
profusão indica a presença usual de veículos na cidade – pois são objetos de distinção.
Tive tempo, portanto, de inspecionar o sobrado vazio, quase sempre
vedado à minha curiosidade. Minha mais importante descoberta traduziu-se
em um relógio dourado que alguém havia dado a meu pai e que este
normalmente não usava. Talvez porque, embora de bolso de colete, era
pequeno, lembrando pertence de senhoras.
Dispor de relógio no internato, elevava seu possuidor à categoria de eleito
de deus, venerado pelos outros míseros mortais. Se a preciosidade estava
ali, abandonada e inútil, melhor seria dar-lhe destino mais glorioso, na
algibeira de meu dólmã. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.121).
Esta distinção por vezes se dá interna ao universo familiar, associada à
contemplação em razão da tecnologia envolvida, mas sobretudo pela raridade ou
excepcionalidade do bem.
Quando saímos para tomar o trem de volta, meu padrinho me deu duas
penas de pavão.
Foi um dos dois únicos presentes que ganhei de padrinhos. O outro
apareceu de surpresa. [...]
Deu-me uma caixinha preta de veludo. Dentro havia um relógio pequenino,
de pulso, dourado.
Relógio jamais participara de minhas expectativas. De resto nenhum de
meus irmãos o possuia. Só meu pai, assim mesmo de bolso, grande, e
prateado. Não de ouro. De fato chocou-me o inesperado presente,
comoveu-me.
Quando meu padrinho saiu a família reuniu-se para contemplar o relógio.
Passava de mão em mão; chegava às orelhas: tic-tic-tic-tic...
Por fim ficou em mãos de minha mãe:
- Pois é, vou guardar para você, viu? Isso não é para brincar; precisa ter
muito cuidade. É bonito, não é?
Não vi mais o relógio senão no pulso de Rosa. Quando reclamei, minha
mãe explicou:
- Rosa é grande; você empresta p’ra ela, não é?
Falava sempre como se a gente já tivesse, previamente, concordado com
suas decisões. [...]
Foi assim que emprestei meu relógio a Rosa. Até que, muito depois, fiquei
sabendo que se havia quebrado. E sumido.
Na época as penas de pavão também não mais existiam.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.44-45).
O gramofone é o primeiro dos equipamentos modernos de consumo adquirido
pela família, embora as “novidades” passassem a fazer parte do cotidiano. O processo
de incorporação dos bens de consumo é uma das tônicas para a elaboração da
residência moderna, como vimos anteriormente.
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Bom mesmo era só quando meu pai chegava com a mala cheia de
novidades. Aparelhos de abrir latas, de cortar ovos, de descascar batatas.
Livros com desenhos coloridos – “Eu sei ler” para mim, grande, com letras
graúdas debaixo de cada objeto – bonecas para Maria, xales, broches. Até
as empregadas ganhavam presentes.
Um dia trouxe um passarinho em uma bonita gaiola. Cantava em um trinado
contínuo que parecia uma campainha com diferentes tons. Uma beleza.
Depois apareceu com uma caixa de madeira com uma corneta em cima.
Dava-lhe corda e o prato começava a girar. Produzia uma música fanhosa,
metálica, inclusive cantada. Disse meu pai que aquilo era um gramofone,
que pode tocar várias músicas, mas que precisava ser tratado com muito
cuidado para não se quebrar. O resto do dia a corneta funcionou. Paulo
dava-lhe corda, muito compenetrado; Rosa trocava os discos, sobre os
quais Maria descançava, devagarinho, a cabeça redonda com uma agulha
por baixo. Eu escutava. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.18).
A novidade, aqui representada pelo gramofone, necessariamente incorpora o
valor proveniente da tecnologia. O “novo” converte-se de adjetivo em substantivo na
medida em que a coletividade almeja aquilo que Benjamin denominou “quintessência da
falsa consciência” (BENJAMIN, 1991, p.40): não se deseja o objeto pelas qualidades
que lhe são intrínsecas – estéticas, funcionais, ou mesmo tecnológicas – mas pelo fato
deste objeto nunca ter existido (ainda que o avanço tecnológico seja restrito). Neste
sentido, também a tecnologia é ressignificada, pois não cumpre uma função em si
mesma, cabendo-lhe o papel de legitimar os objetos. E assim trinados são substituídos
por ruidosas vozes metálicas.
Alguns objetos são mais sofisticados: apresentam modelos diversos, cores
variadas, uma multiplicidade de escolhas sem fim – que mais tarde irá afligir Sylvio,
como no caso da escolha do automóvel, como vimos. Percebe-se que, com relação ao
prosaico objeto “lapiseira”, o interesse não reside na utilidade primeira do bem, mas em
uma possibilidade de integração a um grupo, ainda que por meio de uma brincadeira.
- Quero uma lapiseira, mãe.
Então estavam em moda canudinhos de metal para proteger lápis. Todos os
meninos, no grupo, os tinham, fazendo-os rodar na inclinação do tampo das
carteiras, em apostas de qual rodava mais rápido, sem impulso inicial.
Entrou-me na cabeça que a velocidade dependia da lisura do canudinho,
qualquer saliência fazendo-o saltar, retardando-o.
Entramos em lojas; dezenas de lapiseiras, compridas e curtas, grossas e
finas, de todas as cores.
- Não é essa não, mãe.
No geral tinham inscrições gravadas, em relevo, ou pegador de bolso, ou
eram muito leves para meus propósitos que, todavia, recusava-me a revelar
para não desmentir a finalidade estritamente escolar que invocara.
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Minha mãe, já impaciente, comprou uma lapiseira qualquer, com inscrição e
tudo, totalmente inadequada a meus desígnios. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.53).
Na idade adulta, contudo, a perspectiva se torna crítica, talvez motivada pela
imersão no mundo do consumo norte-americano; talvez pela reativação do sentimento
de estranhamento – misto de um novo alijamento, o ser estrangeiro – causado pelo que
considerou uma obsessão.
Consumir é quase uma obsessão do mundo moderno. A tal ponto que já
não se pensa em possuir um objeto, senão em usá-lo. Ou consumi-lo. [...]
Prevalece, sempre o conceito de uso, e não o de propriedade. É este
conceito que permite a enorme produção americana e é ele que explica a
chamada civilização de consumo na qual vivemos. (VASCONCELLOS,
Inflação à americana, 1972, p.2).
O fenômeno do consumo não existiria se a ele não estivesse vinculada a
publicidade. A metrópole está carregada dela, em seus espaços mais prosaicos, mais
corriqueiros, como uma presença à qual o sujeito não pode escapar. Seus apelos são
explícitos, suas imagens imediatas, seus slogans diretos:
Ademais, [os bondes] veiculavam propaganda. Transitavam nele anúncios
de forte apelo, tanto por fora como por dentro. Distraíam. Num deles as três
moças do sabonete Araxá inauguravam a publicidade com “sex-appeal”. No
geral, porém, eram remédios que mais se anunciavam, exaltando virtudes
contra lombrigas, resfriados, amarelão e enxaquecas.
“Veja, ilustre passageiro
o belo tipo faceiro,
que o senhor tem a seu lado;
e, no entanto, acredite,
quase morreu de bronquite,
salvou-o o Rum Creosotado”. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.25).
As atividades de lazer, antes resumidas a passeios no parque ou pela “avenida” e
a excepcionais concertos e peças teatrais, abraçam a tecnologia e o cinema, se
converte em um ícone da modernidade em Belo Horizonte. A atração exercida sobre os
belorizontinos promoveu, inclusive, a substituição dos pontos de lazer, a ponto de ter
contribuído para a demolição do Teatro Municipal (1908) para a construção de um
moderno cinema, o Metrópole (1942). Outros tantos povoavam o centro da cidade:
O Correio, já sujo e velho, ocupava o triângulo entre Bahia e Tamoios. Na
quadra seguinte ficava o Cine Patê [sic] de curta existência. O Comercial,
com seriados de Tom Mix e Buck Jones fazia a esquina de S. Paulo com
Carijós, e o Modelo funcionava intermitentemente em Espírito Santo, perto
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da Imprensa Oficial. Era neste último que se reunia o Centro de Estudantes
para conseguir descontos nas entradas dos cinemas.
O Avenida, junto ao mercado, foi, desde sua inauguração, um sucesso.
Suas matinês domingueiras, com Haroldo Lloyd, Carlitos e Jackie Coogan,
gozavam da preferência da juventude, e foi nele que Broadway Melody
convenceu a cidade dos méritos do cinema falado.
Sucesso igual, ou maior, teve o Gloria, embora sua ampla galeria superior,
sem colunas de sustentação, tivesse assustado um pouco a população. O
receio de um desastre deixou-se, entretanto, superar, amplamente, pela
curiosidade de conhecer a sonorização local de filmes mudos, obtida com
recursos hábeis escondidos atrás da tela. Podiam-se ouvir as chicotadas na
corrida de bigas de Ben-Hur, com Ramon Novarro, ou o pipocar das
metralhadoras de Big Parade, com John Gilbert e Renée Adorée.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.25-26).
Sylvio destaca os cinemas e nomina, um a um, os artistas, associando-os ao tipo
de filmes que realizavam. É possível inferir que ele tenha assistido a esses filmes
posteriormente, talvez já nos Estados Unidos onde a cinefilia foi despertada com maior
interesse, considerando que seria difícil, na primeira infância, ter lembranças tão
precisas de cinemas e suas localizações, programas, artistas, comportamentos
associados... De qualquer forma, o cinema dita moda.
No Odeon brilhava Valentino, introduzindo a moda dos cabelos empastados
de vaselina. Mary Pickford contrastava sua romântica ingenuidade com a
sedutora figura de Bárbara La Mar. Ou de Lia de Putti. Maridos respeitáveis,
de plastrões e polainas brancas, levavam pelo braço as respectivas
esposas, envoltas em xales franjados. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.25).
De fato, Vasconcellos dedica-se ao tema, como é constante em suas cartas a
Paulo Augusto Gomes, cineasta. Nestas, destaca suas preferências pessoais por
linguagens e artistas, seu entendimento do cinema como arte de vanguarda, o papel
social desta arte.
Para mim, cinema é a arte maior de todos os tempos e a mais valiosa forma
de expressão de nossos dias. Coisa demasiadamente séria para procurar-
se enquadrar ou limitar.
[...]
O cinema, entretanto, é diferente. Inclui, necessariamente, o ambiente onde
a ação se desenvolve, retrata a paisagem humana e física circundante e
expressa uma realidade concreta. Em raros casos o cinema aproxima-se do
teatro para focalizar apenas um grupo de pessoas que poderiam existir em
qualquer lugar. Na maioria dos casos, porém, é exatamente o cenário que o
sustenta e que se constitui em linha mestra da estória, na qual os
personagens se movem. O cinema retrata, portanto, uma realidade
geográfica.
No cinema os enredos podem ser pura ficção, mas são sempre uma ficção
possível em determinado ambiente que existe ou existiu. Ambientes não
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são ficções. Em consequência, e independentemente das estórias que
contam, os filmes divulgam ambientes reais.
[...]
No entanto, para quem assiste filmes brasileiros no estrangeiro a idéia de
um Brasil selvagem torna-se inevitável. O País apresenta-se sempre como
habitado por gente de cor na mais extrema necessidade, ignorância e
abandono, vivendo em desertos improdutivos e em aldeias de taperas.
Muito pitoresco, às vezes, curioso, interessantes, mas, no fundo,
deprimente.
É isto que se ouve sobre os filmes brasileiros passados nos Estados Unidos
nos últimos tempos. A começar por “Orfeu Negro” que continua sendo
mostrado a intervalos regulares, persistentemente. O público perguntou: “O
Rio de Janeiro é assim mesmo?” Não, não é, canso-me de explicar.
Veio depois “Macunaíma”. Filme difícil, metafórico, simbolista. O público não
entendeu nada, mas ficou com a idéia de que o Brasil é ainda selvagem. E
anárquico.
Agora, em um festival de filmes latino-americanos, aconteceu “A
Compadecida”, a “Faca e o Rio”, “Joana, a Francesa” (como é que a
Moreau e Carlos Kroeber se meteram em ruindade tamanha?) e “Toda
Nudez será Castigada”. Com exceção do último, todos tratando do
Nordeste, do cangaço, de ignorância e miséria. (VASCONCELLOS, Nossos
filmes vistos lá fora, 1975, p.6).
A crítica à produção do cinema nacional não se faz no âmbito da tecnologia,
notoriamente caseira. A grande discussão posta por Vasconcellos reside na construção
de um estereótipo da cultura brasileira, associada à malandragem, à pobreza e ao sub-
mundo. Isto não significa que Vasconcellos pretendia que o cinema brasileiro fizesse ver
no exterior um país dourado, diverso de sua realidade, mas que se exibisse uma
realidade equilibrada. Por outro lado, lembra que o cinema se faz de críticas. Daí sua
acidez contra o piegas, e a infantilização da linguagem dos quadrinhos pelos desenhos
animados produzidos pelo “Papai Walt Disney”.
Desenho, como qualquer arte, não pode copiar a natureza; é outra coisa.
Em segundo lugar, desenho animado nasceu como expressão de humor.
Nasceu da caricatura que multiplicou-se em quadrinhos e, finalmente,
ganhou movimento. Não é por acaso que estórias em quadrinhos, animados
ou não, chama-se “comics” nos Estados Unidos. Comics eram Mutt e Jeff de
meu tempo de criança, tão irreais como as figuras que a gente via sendo
criadas pela pena de Fleischer e que acabavam voltando ao tinteiro, em
outra série antiga hoje pouco lembrada (Koko e Betty-Boop). Isso para não
falar em Popeye, do mesmo autor.
Depois vieram os bichos, com os ratos em destaque. Não foi Disney que os
inventou; vieram de longe, de Esopo e de La Fontaine. O importante,
porém, é que, no princípio, bichos eram bichos mesmo. Muitas histórias
infantis que os usavam começavam por dizer: “No tempo em que os animais
falavam...”.
Disney resolveu humanizar os bichos e individualizá-los com nomes e
personalidades específicas, condicionando-os a uma realidade humana.
Ratos passaram a ser Mickey e Minnie, cachorros viraram Plutos, e patos
transformaram-se em Donaldos. Deixaram seus ambientes e
comportamentos naturais para se conduzirem como gente. Em
consequência perderam todo o sabor original.
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O mal de Disney foi pretender transformar o desenho em realidade, a
caricatura em retrato, o humor em emoção e a fábula em história
verdadeira. Por isso seus desenhos evoluem rapidamente, na direção de
representações cada vez mais reais, e que o levaria a tentar estórias com
gente, tal como Branca de Neve, a incluir gente mesmo misturada com seus
bichos e, afinal, a filmar documentários e estórias com atores humanos que,
a meu ver, era o que realmente sempre quis. Em verdade não amava o
desenho; amava o mundo real e, em uma estranha conclusão, quis com que
o desenho reproduzisse a realidade, como uma fotografia. Com isso
comprometeu as possibilidades e o encanto que o desenho oferece.
[...]
Enquanto os desenhos, antes de Disney, encantavam a crianças e adultos
igualmente, pelo seu conteúdo mítico e humor, com ele tornaram-se cada
vez mais infantis e vazios de conteúdo. Ademais, seu perfeccionismo levou,
também, a um romantismo crescente piegas, onde o humor e a sátira são
substituídos por um sentimentalismo cor-de-rosa da pior espécie.
(VASCONCELLOS, Viagem em torno dos personagens de Papai Walt
Disney 1974, p.3).
Na opinião de Vasconcellos, ao fazer equivaler o cinema à fotografia, Disney
retira desta linguagem o mais precioso de seus valores: a interpretação, criação ou
projeção de uma idéia, por meio de uma estética. Ou seja, retira-lhe seu valor artístico.
Em oposição, Sylvio aponta para “Tom e Jerry”, desenhos de William Hanna
(1910-2001) e Joseph Barbera (1911-2006) – não se refere, contudo, a exemplares
“comics”, críticos do “american way of life”, como “Os Flinstones” e “Os Jetsons”. Dá
especial ênfase a produções “independentes”, como “Fritz, o gato” (1972), que busca
por amor (e sexo) em todos os lugares, “Tráfego pesado” (1973), ambos dirigidos por
Ralph Bakshi (1938- ), e “Planeta Selvagem” (1973), de René Laloux (1929-2004):
A estória refere-se a um planeta surrealista, na linha de Dali e Bush, onde a
espécie humana aparece como formigas perseguidas por gigantes
supersofisticados em inteligência e tecnologia. O desenho é admirável e a
fabulação, embora filosófica, nunca desce ao nível de realismo da série
americana sobre os gorilas Apes que acredito já tenha sido passada no
Brasil. (VASCONCELLOS, Viagem em torno dos personagens de Papai
Walt Disney 1974, p.3).
Como vimos, Sylvio parece sempre em busca da vanguarda, não do
vanguardismo. Procura na modernidade uma possibilidade de transformação
(constante) do mundo. Se olharmos, por meio de seus textos, novamente para a Belo
Horizonte da primeira metade do século XX, veremos uma cidade em transformação.
A imagem da metrópole está pronta. Dela participam a densificação, a infra-
estrutura, a mobilidade, a tecnologia, o consumo. Belo Horizonte, nos anos 20, já
conformava um ambiente metropolitano. A ela se opunham as cidades coloniais,
resquícios de uma tradição, em especial Mariana.
186v
260
187
O ambiente de Mariana é distintamente apresentado ao de Belo Horizonte
metrópole, especialmente se lembrarmos da passagem que narra o trem na estação,
onde a multidão é o elemento marcante.
A cidade longe, depois do rio. Burros pastando, soltos. Meninada em
tripulias nas ruas estreitas, calçadas de pedras redondas, difíceis de pisar.
Sinos badalando, fino e grosso, juntos, na igreja velha com muitas feridas
de reboco caído. Padres e velhas enroladas em longos xales pretos
circulando. Tropas de burros, arfando ao peso das cangalhas carregadas, e
recobertas de couro cru, armado como telhado, desfilavam, um burro depois
do outro, atrás da madrinha chacoalhando guizos. Outras mastigavam
milho, paradas, de embornais de pano suspensos das queixadas.
Cavaleiros trotavam em bestas fogosas, sobre arreios luzidios.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.43).
Nada há em Mariana que faça recordar o ambiente da metrópole. O meio de
transporte é o lombo de burro, deixado à solta pela cidade quando não utilizado,
diferentemente das garagens que cuidadosamente guardam Buicks. Os sons não são
dos apitos dos trens e trinados das fábricas, mas dos sinos das torres das igrejas –
velhas, como velhas são as mulheres enroladas em xales. A moda dos cabelos à la
garçonne não havia chegado a Mariana. Mas esta setecentista cidade é, no
entendimento de Salomão, o locus da felicidade, ou de sua promessa.
Meu pai estava feliz. Explicava-me a cidade, conversava rindo com todo
mundo, pessoa muito diferente da séria e nervosa quando em nossa casa.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.89).
Com o retorno do país ao sistema democrático, meu pai havia obtido sua
aposentadoria na Câmara Federal, recebendo uma boa quantia de salários
atrasados. Com esta decidira-se a comprar um terreno na cidade de seus
sonhos, nele construindo uma casa, nos moldes da chácara de “Água
Limpa” de meu tio Diogo, em Ouro Preto, onde começara a estudar.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.222).
Esta perspectiva de encantamento com a modernidade, inexistente em Mariana,
não é privilégio desta cidade. Contudo, em São João del Rei Sylvio não se refere, em
nem momento, aos monumentos da cidade, nem mesmo à igreja de São Francisco de
Assis, fronteiriça ao Colégio. No caso da capela dos frades, a inexistência de descrição
pode indicar o desapreço pelo neogótico. Por outro lado, é também digno de nota o fato
de não fazer referência à gare desta cidade, a primeira construída em ferro fundido em
Minas Gerais, em 1888, indicativo que os ideais de modernidade não são exclusivos das
capitais. É verdade que, como interno, mesmo “sem ter o que fazer”, provavelmente
seria vedada a saída à cidade, mas se aos domingos era permitido extrapolar os muros
188
do edifício – interessante notar o aluguel de bicicletas, possivelmente praticados pelos
franciscanos de origem holandesa – poderia haver alguma referência mais próxima à
cidade e suas características. Apenas há referência, como em Belo Horizonte, ao
espaço segregado à prostituição, em São João del Rei conhecida como “rua da alegria”.
Os frades do Colégio S. Antônio receberam-me amáveis. O edifício
pareceu-me enorme, com corredores sem fim. [...]
Como eu havia sido aprovado em todas as matérias, excluia-me daquelas
cujos exames tinham sido finais. Das sete ou oito da série, restaram-me
apenas quatro cujos programas continuavam no quinto ano. [...]
A maior parte do dia, por ocasião das aulas que não precisava assistir, eu
ficava zanzando, sem ter o que fazer. [...]
Todas as noites, antes do dormitório, frequentávamos a capela. Aos
domingos, também a missa era obrigatória. [...]
Nas saídas domingueiras espalhávamos pela cidade, frequentemente
alugando bicibletas. Todavia, em breve atraiu-me muito mais certo trecho de
rua que, por ouvir dizer, nos era vedado. Nele viviam as putas.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.148-149).
A face oposta ao arcaísmo das cidades setecentistas mineiras são as capitais:
Rio de Janeiro e São Paulo. São espelhos nos quais a própria Belo Horizonte deveria se
mirar. A menção ao Rio de Janeiro é substancialmente diferente das referências a Belo
Horizonte, mesmo quando são descritos os pontos mais movimentados da cidade. A
escala metropolitana da “cidade maravilhosa” era, sem dúvida, maior do que a da
“cidade jardim”.
- Aí entrei numa loja de roupa. Seu pai também foi, pergunte a ele. Não
encontramos seu tamanho. Fui andando, fui andando... as ruas cheias de
gente, carros passando, bondes... Você sabe? Ficamos num hotel muito
chic, cheio de espelhos pelas paredes... empregados de uniforme...
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.51).
O trem tinha camas, uma por cima da outra, mas o sono não suprimiu o
cansaço do tempão consumido no trajeto. O movimento da estação de
chegada, o barulho constante da cidade grande, o hotel enorme, gente por
todos os lados, comida em restaurantes, deixaram-me perplexo, tonto.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.52).
É a multidão que caracteriza a metrópole. A percepção, de Branca ou de Sylvio,
com uma diferença de aproximadamente quinze anos, não é diferente; gente por todos
os lados, indicando uma escala metropolitana ainda maior daquela vivenciada em Belo
Horizonte. Também em São Paulo, deixada com tristeza, as referências nos remetem a
um gigantismo não visto: multiculturalidade, arranha-céus, transporte coletivo, loja de
departamentos, circulação em massa.
188v
261
189
Décio levou-me a conhecer a cidade de S. Paulo, o afamado Triângulo, os
guardas-civis com bandeirinhas no ante-braço indicando a língua
estrangeira que falavam, o edifício Martinelli, os bondes vermelhos
apelidados de camarões e com faixas onde se lia: “S. Paulo, maior centro
industrial da América Latina”. Vimos, depois a Sé, o viaduto do chá, o vale
do Anhangabaú, o Mappin Store. Realmente uma enorme cidade; bem mais
impressionante do que o Rio. Nem se podia parar em certas ruas para não
embaraçar o movimento:
- Faz favor de circular, pediam os guardas com amabilidade.
Deixei S. Paulo com tristeza. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.133a).
A multidão remete, mais uma vez, ao encantamento e ao estranhamento:
enquanto a contemplação diante dos elementos da modernidade – máquina, velocidade,
dentre outros – faz o indivíduo integrar-se, o desconhecido afasta, aflige, indica o sujeito
imerso na massa como elemento amorfo, sem face, como “O Grito”, de Edvard Munch
(1863-1944), retratou. “Medo, revulsão e horror eram as emoções que a multidão da
metrópole fazia florescer naqueles que primeiro a observavam.” (BENJAMIN, 1997,
p.29, tradução nossa)
49
.
Como consequência, o isolamento transforma-se em mecanismo social que
elimina alguns modos de comportamento e emoções.
Trem varando a tarde e eu me reconciliando com o mundo, a paisagem, os
apelos de minha mãe, o coração aos pulos, batendo grosso, na expectativa
da volta. Na esperança de que, pelo menos, me reconhecessem o mérito da
conformação e da paciência e me compensassem por elas. Antecipava os
braços abertos de minha mãe na estação; até mesmo de meu pai, em
entusiástica acolhida. Não me sentia sozinho do trem, acompanhado, por
certo, pelos pensamentos de minha mãe, preparando-se para receber-me.
[...]
O trem entrou, bufando, na estação. Alguns meninos do ginásio, já de malas
na mão na plataforma do carro. Vi, pela janela, a quantidade de gente
recebendo os chegantes, o sino da máquina ainda badalando. Abraços,
beijos, indagações interrompidas por novos abraços.
Estendi a vista pela extensão que podia, perfurando os vultos que, pouco a
pouco, se dissolviam na porta de saída da estação. Ninguém à minha
espera. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.85).
A partir de Victor Hugo (1802-1885), a multidão passa a ser tema novo. Para
Baudelaire, contudo, não acarretará reflexões. Apenas ali está, inexorável participante
da vida moderna. A grande metáfora dos espaços contemporâneos é o vazio. A relação
com a multidão não é uma experiência de choque como o teor da cultura urbana como
colocado por Baudelaire, é uma experiência de afastamento.
49
Fear, revulsion and horror were the emotions which the big-city crowd aroused in those who first observed it.
190
Em “Pop-op-pop-op-pop o fim da linha” (1970), Vasconcellos faz uma lúcida
reflexão sobre a modernidade, mesmo que o tema do artigo não esteja diretamente
ligado a esta discussão. Resume: velocidade, transformação, superação, tecnologia,
novo.
Uma das características do mundo moderno consiste em sua velocidade de
transformação. Tudo é rápido e rapidamente se supera. O primeiro homem
que pisou a Lua despertou formidável atenção de todo o mundo estarrecido.
O segundo já era uma coisa superada, embora apenas poucos meses
separassem um do outro. Com a arte está acontecendo coisa parecida.
Enquanto, em outras épocas, a evolução das artes era lenta, consistindo em
aperfeiçoamento contínuo de uma maneira, aos poucos descoberta, hoje
em dia não importa mais o aperfeiçoamento. Só importa o que é novo, a
novidade, a descoberta de coisas originais. Pouco vale se amadurecem ou
não. As modalidades artísticas sucedem-se, assim, quase a cada dia, a
cada artista que se propõe. Originalidade supera a perfeição.
(VASCONCELLOS, Pop-op-Pop-op-Pop o fim da linha, 1970, p.6).
A idéia de uma cultura urbana moderna, para Vasconcellos, ultrapassa o espaço
físico da metrópole. Independe da escala ou da dimensão dos ambientes, do alcance
tecnológico ou do volume das massas que percorrem indiferentes as ruas. Sua
composição de cultura urbana moderna incorpora novas possibilidades, sempre abertas
à transformação. Este quadro permite que Belo Horizonte, assim como Paris ou Berlim,
seja uma cidade moderna. As ruas em xadrez povoadas de rostos anônimos, as
máquinas circulando, os bens produzidos pela indústria, os subúrbios ajardinados, as
casas de estética vanguardista são o cadinho onde se amalgama um novo homem.
CAPÍTULO 5
SYLVIO RELÊ SYLVIO II:
“MORTE E VIDA DE GRANDES CIDADES”
192
5.1. A nova flânerie
5.1.1. Andar, vagar
Passante, sê moderno.
Charles Baudelaire
Em 1935, Walter Benjamin escreve “Paris: capital do século XIX”. Ali, o filósofo
nos apresenta a cidade-luz como a síntese da modernidade no oitocentos,
problematizando o conceito de progresso, ainda que sem apologias ao futuro ou
saudosismos do passado. O ensaio, no dizer de Flávio Kohte, apresenta como “[...]
flashes, a época de Baudelaire enquanto período de “modernização”.” (KOHTE, 1991,
p.10). Contudo, a modernidade, para Benjamin, não é datada, nela coexistem o
transitório, o precário, o provisório, espaço da oscilação, e o permanente, o imutável, o
eterno, o estável; um a insinuar-se, outro a buscar consolidar-se. É um constante
movimento.
Este movimento retira do sujeito uma interação equilibrada com o espaço, tal
como podia ser vivenciado na pré-modernidade. Benjamin aponta, então, para a
necessidade de um novo olhar sobre a cidade, buscando na multidão aquele que não se
encontrava, ainda, imerso nas malhas da modernidade, subjugado pela metrópole: o
flâneur. Sua perspectiva da cidade se constrói a partir da desatenção e destaca-se pelo
sentido de estranhamento, em especial em relação à multidão. O problema do sujeito na
modernidade, para Georg Simmel (1858-1918), expresso em “A metrópole e a vida
mental” (1903), consiste na alternância entre estímulos externos e internos.
Os mais profundos problemas da vida moderna derivam da tentativa do
indivíduo de manter a independência e a individualidade de sua existência
contra os poderes soberanos da sociedade, contra o peso da tradição e da
cultura externa, e contra a técnica da vida. (SIMMEL, 1997, p.69, tradução
nossa)
50
.
Na metrópole, as imagens caleidoscópicas e fugazes não permitem a
acomodação da percepção do espaço na mente do indivíduo, exigindo dele novas
50
The deepest problems of modern life flow from the attempt of the individual to maintain the independence and
individuality of his existence against the sovereign powers of society, against the weight of the historical heirtage
and the external culture and technique of life.
193
formas de apreensão, consonantes com a vida moderna. Estas são elaboradas por meio
de uma ambivalente interação entre expressões e valores opostos aos metropolitanos,
que fazem aflorar sentimentos subjetivos e relações emocionais impressos no
subconsciente, e uma postura que Simmel caracterizou como blasé.
A essência da atitude blasé está na indiferença com relação à distinção
entre as coisas. Não no sentido de que elas não são percebidas, como é o
caso da imbecilidade, mas no significado e valor de distinção entre as
coisas, e com isso as coisas propriamente ditas são experimentadas como
sem significado. (SIMMEL, 1997, p.73, tradução nossa)
51
.
O flâneur não tem consciência de sua relação com a modernidade e sua errância
é o centro de uma estratégia poética. Aproxima-se do sujeito blasé de Simmel, mas
diferentemente dele – que estimulado pela metrópole, tem esgotado seu intelecto e é
submerso na modernidade, engolido por ela –, o flâneur desloca-se na massa, mas,
sobretudo, da massa.
Ele passava no bulevar as suas horas de lazer, exibindo-se às pessoas
como se fosse uma parte do seu tempo de trabalho. Comportava-se como
se tivesse aprendido de Marx que o valor de toda mercadoria é determinado
pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. Assim, o
valor de sua própria força de trabalho passa a ter algo de quase fantástico,
em vista do ampliado não-fazer-nada que, aos olhos do público, é
necessário para o seu aperfeiçoamento. (BENJAMIN, 1991, p.59-60).
Vagando pelas ruas da Belo Horizonte de início do século XX, Sylvio converte-se
em um novo flâneur. Circula sem destino ou objetividade, passeia pelo boulevard – a
“avenida” – espia as novidades dispostas nas vitrines das lojas.
Quando eu vinha do grupo nunca ia diretamente para casa. Preferia dar
voltas pela Avenida, tentar ruas diferentes, espiar vitrines.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.63).
Se podemos ler na flânerie de Sylvio um sentido de liberdade ou independência,
este se contrapõe, segundo Simmel (1997), ao sentido de solidão e deserto despertado
pela metrópole, em meio à multidão indiferente e reservada em si mesmo. É possível
perceber o mesmo sentido de isolamento na narrativa memorialística de Sylvio, que
percorre as ruas de Belo Horizonte, deslocado da multidão.
51
The essence of the blasé attitude is an indifference toward the distinctions between things. Not in the sense
that they are not perceived, as is the case of mental dullness, but rather that the meaning and the value of the
distinctions between things, and therewith of the things themselves, are experienced as meaningless.
193v
262
A Praça Sete de Setembro, centralidade significativa para o centro e a cidade de Belo Horizonte, é
palco de manifestações diversas: comícios, passeatas, comemorações. O obelisco – ou melhor,
“pirulito” – é seu marco mais significativo.
194
Ia para o Colégio e voltava para casa caminhando pela Rio Grande do Norte
abaixo. Na esquina de Paraúna, o córrego deixava apenas uma trilha de
passagem. Quando conseguia algum dinheiro pegava o bonde de volta,
Ceará acima, até o abrigo nos altos da Paraúna.
[...]
De certo modo eu sentia falta da algazarra do grupo, das correrias alegres
nos recreios, de Albino e, principalmente, das mágicas do Bar-do-Ponto.
Agora estava longe do centro da cidade, isolado em bairro quieto.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.72-73).
Em Vasconcellos, a leitura da cidade também se dá a partir da postura errática
do flâneur, configurando um primeiro momento de reação à retração do tempo imposta
pela velocidade típica da modernidade. É igualmente possível perceber uma condição
periférica, indicada pelo isolamento no arrabalde
52
. A referência ao “isolamento” aponta
para o fato de que a zona urbana polarizava-se em algumas centralidades, em especial
a Praça Sete de Setembro: projetada para ser a convergência entre os vetores norte-sul
e leste-oeste do Plano Aarão Reis, o desenho da praça configurava um rond-point por
meio das alamedas circulares de ficus e do obelisco central, marco implantado no ano
de comemoração do centenário da Independência, o “pirulito”. Indica, ainda, que a
ocupação dos diversos setores do tecido planejado não se deu homogeneamente.
O estar apartado produz a consciência de sua fragilidade. Benjamin (1991) se
refere a este aspecto da flânerie como um elemento de construção do herói em
Baudelaire. Estaria Vasconcellos, na atemporalidade das memórias, buscando erigir a
imagem de um herói moderno para a Belô? Recusa-se a isto:
Em primeiro lugar porque não há herói a cantar. A história é banal. Como a
de qualquer pessoa que apenas viveu. Em segundo lugar porque antes de
procurarem, com esforço, o passado olvidado, buscarão só, ao contrário, o
presente, persistente, na lembrança agora. Embora desimportante.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, sp).
Para Benjamin, “O herói é o verdadeiro sujeito da modernité. Isso significa que,
para viver a modernidade, é preciso uma postura heróica.” (BENJAMIN, 1991, p.98). E
interessa a Vasconcellos a instituição de uma condição íntegra de modernidade para a
Belo Horizonte ainda provinciana, esforçando-se por configurar uma metrópole.
52
É possível, a partir das memórias narradas em “Tempo sempre presente” (1976), aferir que a família
Vasconcellos residiu sempre nos limites internos à avenida do Contorno: Rua Alagoas, diante da Matriz da Boa
Viagem; Rua dos Goitacazes, esquina de Rua São Paulo; Rua Rio Grande do Norte, na altura da Rua Antônio de
Albuquerque.
194v
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264
195
5.1.2. Vitrines e galerias
Não é apenas a personagem – o flâneur – que emerge. Outros temas
benjaminianos fazem-se presentes na narrativa de Vasconcellos: o alvorecer, a
multidão, a vitrine...
Minha mãe, satisfeita com minha ausência de seus domínios, passou a dar-
me um mil réis todas as tardes para facilitar-me as saídas rueiras. Com
seiscentos réis comprava cigarros Liberty, curtos; o resto guardava para
eventualidades. O dinheiro destinava-se ao bonde, pelo menos em
princípio, mas eu preferia caminhar a pé até a Avenida, dando volta pela
Praça da Liberdade. No alto de Bahia, eu parava, ainda me demorando nos
horizontes vermelhos que não mais iluminavam os cravos-de-defunto da
planície de minha infância. Todavia, persistiam vermelhos, tão belos como
antes.
Na Avenida zanzava atoa. Presenciava a entrada e saída da sessão das
oito do cine Glória, bebericava um café no Acadêmico ao lado. Então
conheci, com Fritz, um grupo de rapazes cujas condições sócio-econômicas
e idéias se assemelhavam perfeitamente às minhas.
Para chegar ao Acadêmico eu atravessava a Avenida, a partir do Bar-do-
Ponto. Pouco adiante instalara-se a Casa Sloper com um luxo que a cidade
antes não conhecera. Além de brinquedos, “bijouteries” e perfumes oferecia
roupas femininas, expostas estas em belos manequins nas largas vitrines.
Por um dele me apaixonei. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.178-178a).
Do Café Acadêmico, seu posto de observação privilegiado, Sylvio assume o lugar
do voyeur: Mergulhado em si mesmo, não assume a posição do detetive de Edgar Allan
Poe (1809-1849), em busca de vestígios na cidade, nem mesmo o badaud inebriado
pelo mundo exterior até o auto-esquecimento. Vasconcellos apenas olha o mundo e a
massa indistinta que nele habita. Da multidão da metrópole emerge o objeto de desejo.
Tinha uma postura sofisticada, esguia; um rosto delicado em langor. Sem
dúvida me olhava, embora um olhar perdido, vago, fluido, petrificado. Podia
haver um encanto, um filtro, bruxaria, que tanto a paralizara como poderia
despertá-la. Quem sabe? Então viria a mim, agradecida de meus cuidados.
Eu parava meias-horas longas a sua frente, contemplando-a embevecido.
Admirava-lhe posturas novas, os vestidos, as jóias, manifestando-lhe minha
aprovação ou ressalvas. A saia de ontem estava mais bonita; sapatos
pretos não combinam; este chapeuzinho é fabuloso, sim, você fica bem de
chapéu. Certas noites mostrava a mão direita ao alto, com os dedos longos
em aceno; noutras colocava a esquerda na cintura com inexcedível dengo.
“Você me acha bonita?” perguntava-me. No geral porém, mostrava-se triste,
na tristeza da paralisia involuntária. “Tira-me o encanto”, parecia dizer-me.
Durou tempo incontável minha paixão. Talvez porque se tivesse livrado da
bruxaria ou porque nosso amor houvesse despertado ciúmes, o certo é que
desapareceu. Procurei-a em vão, desesperadamente. Inclusive em outras
lojas para as quais, porventura, fugira.
195v
265
196
“Never more, never more”, martelou-me o corvo no pensamento.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.178-178a).
Charles Baudelaire também se apaixonou com fugacidade ainda maior. No
soneto “A une passante”
53
, a multidão faz emergir, revela, para depois carregar consigo,
e para sempre, a amada. Como a manequim de Sylvio, seu olhar e postura elegante não
se fixa no poeta, de cujas mãos a beleza escapa.
O prazer do poeta urbano é o amor – não à primeira vista, mas à última. É o
adeus para sempre que coincide no poema com o momento de
encantamento. Assim o soneto provê a figura do distúrbio, na verdade da
catástrofe. Mas a natureza das emoções do poeta também foram afetadas.
O que faz seu corpo contrair em um tremor – crispé comme un extravagant,
Baudelaire diz – não é o embevecimento de um homem cujas fibras foram
preenchidas com eros; é, mais do que isso, como um choque sexual que
pode assaltar um homem solitário. (BENJAMIN, 1997, p.27, tradução
nossa)
54
.
Benjamin (1991), citando Albert Thibaudet (1974-1936), afirma que estes amores
somente poderiam ter surgido em uma metrópole, por ela estigmatizados no “nunca
mais” – em um futuro que não chegará.
Esta cidade é, por sua vez, alegorizada na figura da mulher que aí passa,
que pode ainda ser lida como espelho em que o poeta se vê como
mercadoria, como modernidade ou até mesmo como revolução. A
insistência no “nunca” aponta sutilmente para o “never-more” do “Corvo” de
Poe [...]. (KOHTE, 1991, p.13).
53
Ensurdecedora urrava a rua ao meu redor.
Alta, elegante, toda de luto, na dor majestosa,
Passou uma mulher, com a faustosa mão
Erguendo, balançando a bainha e o festão;
Ágil e nobre, com a sua perna de estátua.
Eu, eu bebia, crispado como um extravagante,
No seu olho, lívido céu que gera o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que mata.
Um clarão... a noite após! Beleza fugidia,
Teu olhar me fez renascer num repente,
Será que ainda te verei de novo um dia?
Tão longe daqui! tão tarde! Talvez nunca; no além!
Não sei para onde foste, não sabias para onde eu ia,
Ó tu que eu teria amado, ó tu que disto sabias! (Baudelaire apud BENJAMIN, 1991, p.73).
54
The delight of the urban poet is love – not at first sight, but at last sight. It is farewell forever which coincides in
the poem with the moment of enchantment. Thus the sonnet supplies the figure of shock, indeed of catastrophe.
But the nature of the poet’s emotions has been affected as well. What makes his body contract in a tremor –
crispé comme un extravagant, Baudelaire says – is not the rapture of a man whose every fibre is suffesed with
eros; it is, rather, like the kind of sexual shock that can beset a lonely man.
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Inalcançáveis, estes amores da modernidade: no movimento ou na estaticidade,
sempre à distância. Surgem, porém, dentre a multidão e na vitrine, e colaboram para o
encantamento com a modernidade.
Na Paris de finais do século XIX, as galerias – ou passagens, sem as quais “[...]
dificilmente a flânerie poderia ter alcançado a sua relevância.” (BENJAMIN, 1991, p.66)
– correspondem a elementos construtivos artificiais, leia-se o ferro e o vidro, a serviço
do embelezamento do lugar, em que o novo ainda se mistura com o antigo no
inconsciente coletivo. São a síntese do interior e da rua, e representam, ao mesmo
tempo, as novas possibilidades técnicas e a necessidade econômica. “Eram as utopias
concretas da época e representavam o progresso em que esta sonhava o seu futuro.”
(KOHTE, 1991, p.11). Ali, o flâneur encontra-se em casa; reconhece os affiches, cada
loja e cada produto, cafés e seus ocupantes. Na galeria, o flâneur, em sua ociosidade,
refugia-se da multidão, dos veículos e, sobretudo, da eficiência pragmática exigida pela
modernidade.
Se em Belo Horizonte não encontrávamos (ainda) as passagens – as galerias
farão parte de um extenso percurso na cidade a partir dos anos 50
55
– já estava
incorporado à vida urbana o comércio sofisticado: Casa Sloper, Park Royal. No grande
magasin de nouveautés, há uma domiciliação da rua, onde o flâneur se reconhece; na
contemporaneidade, poderíamos pensar nos shopping centers. Em nenhum dos casos
há uma percepção coletiva significativa dos espaços públicos, na medida em que há um
processo de privatização dos mesmos – estendido a um máximo da degradação na
contemporaneirade. “A casa comercial é a última grande brincadeira do flâneur. Se, no
começo, a rua se transformara no interior de uma casa, agora esse interior se tornava
para ele uma rua, e ele errava pelo labirinto das mercadorias assim como antes pelo
labirinto da cidade.” (BENJAMIN, 1991, p.82).
Para Benjamin, o flanar pela cidade é útil à comercialização da mercadoria; o
flâneur não imagina que, ao observar atentamente gestos, chapéus, sapatos que não
combinam, enfim, a moda – agente da “[...] quintessência da falsa consciência [...]”
(BENJAMIN, 1991, p.40) –, já esteja imerso no mercado. A mercadoria como fetiche não
é problematizada, ao contrário, é tornada objeto de deleite. A avalanche de novidades
possibilitadas pelas novas tecnologias incorporadas à vida cotidiana inebria a multidão,
massificando os freguezes e pasteurizando os objetos. Estes são tornados iguais,
55
Partindo da rua Curitiba, é possível percorrer a Galeria do Ouvidor, a galeria do edifício Lutettia, a galeria do
edifício Dantes, percorrer os jardins da igreja São José, até chegar à avenida Afonso Pena. Este percurso, e
outros que se agregaram a partir da década de 80, tem sido alvo de investigações no espaço do espaço urbano
belorizontino.
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O shopping center, a galeria comercial contemporânea, onde o flâneur provavelmente reconheceria a
mobilidade dos passantes, o luxo dos objetos, a maravilha da tecnologia e o fetiche da mercadoria.
198
homogêneos, esvaziados de sentido. Não apresentam valor de uso, mas de troca,
exclusivamente, e serão imersos na pasteurização tão logo percam o caráter de
novidade.
199
5.1.3. Flâneur moderno
Vasconcellos não personifica, de imediato, a figura do flâneur. Prefere depositar
sobre o amigo Henrique Diniz os ares da figura baudelairiana, que assume, por vezes, o
ar do dândi.
Não era propriamente um grupo, fechado e exclusivista; em torno dele
orbitavam dezenas de membros eventuais, atraídos pela figura singular de
Henrique Diniz, filho. Extremamente magro, com o bigode agarrado ao nariz
e desligado da boca, podia figurar D. Quixote não fosse a pouca altura. Por
outro lado, não lhe faltavam postura e elegância de gestos, próprios de
D’Artagnan. Sua personalidade de tal modo se impunha que anulava por
completo qualquer impressão menos favorável de suas roupas surradas.
Não dispensava o chapéu e o sobretudo, frequentemente acompanhados
de bengala.
[...]
Henrique era filho mais velho de uma família, cujo pai entrara em
decadência econômica com o desprestígio de Antônio Carlos e a ascensão
política de Benedito Valadares. Da antiga fartura Henrique conservara a
displiscência e a dignidade. A estas aliava a preocupação intelectual,
cultivada no possível, e manifestada em seu propósito de escrever um
romance, já em sua primeira metada jamais concluída, entitulado “República
do Mulato”.
[...]
Ponto de reunião: Avenida, em frente ao Glória; cafezinho no Acadêmico
para encontros com amigos e conhecidos. Às vezes duas ou três xícaras e
copos d’água justificando o uso da mesinha de mármore por mais de dez
pessoas, em tertúlias de horas. O Acadêmico era uma espécie de sala de
visitas e escritório da cidade. Tanto nos acolhia em saraus intelectuais como
suportava agiotas, dois dos quais reservavam-se determinadas mesas para
seus escusos negócios. Ninguém nelas se assentava por tácito acordo. [...]
Depois das dez alguém sugeria:
- Vamos descer?
Descer significava a zona do meretrício, entre Santos Dumont e o Arrudas.
- Quem tem dinheiro? Perguntava Dimitrief.
Cada um enfiava a mão no bolso, sacando tostões. Dois mil réis era o
mínimo indispensável para a cerveja no cabaré. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.179-180).
Interessa-nos, na narrativa, apreciar as interações e as eventuais diversidades
entre Henrique Diniz e o flâneur oitocentista. A começar pela indumentária. Sobretudo e
bengala por certo não mais faziam parte do modo de vestir-se da década de 30, embora
chapéus fossem ainda indispensáveis para ocasiões solenes. Ao incorporá-las a seu
hábito, Diniz constrói uma personagem deslocada do ambiente belorizontino, como que
saída de um romance de Charles Dickens (1786-1851) ou do conto “O homem na
multidão”, de Poe (1840). Diz-nos Baudelaire:
200
Por falar em roupa, o invólucro do herói moderno – [...] será que a roupa
não deveria ter a sua beleza e o seu charme próprios [...]? Será que não é
desta roupa que a nossa época precisa? Pois nossa época sofre e, ainda
por cima, tem de suportar sobre os seus magros ombros o negro, símbolo
de uma eterna tristeza. O terno e a sobrecasaca negros não têm a sua
beleza política apenas como expressão da igualdade geral – eles também
têm uma beleza poética enquanto expressão da estrutura espiritual pública,
representada por uma infinda procissão de papa-defuntos: papa-defuntos
políticos, papa-defuntos eróticos, papa-defuntos particulares. Todos temos
sempre algum enterro pela frente. – A roupagem do desespero, quase toda
igual, prova a igualdade... E as pregas na fazenda, que fazem caretas e se
enroscam como cobras em volta de carne morta, não terão elas o seu
oculto encanto? (Baudelaire apud BENJAMIN, 1991, p.101).
Adolf Loos, no ensaio “Ornamento e Crime” (1910), também reivindica o papel da
indumentária como instrumento de afirmação de uma nova era. Independentemente do
caráter da vestimenta – seguramente diversos na Paris da segunda metade do século
XIX, em Viena de início do século XX e em Belo Horizonte dos anos 30 – há uma
possibilidade de manifestação pública por meio do vestir-se, uma forma de expressão.
Baudelaire brada contra a massificação do negro que pasteuriza os homens; Loos faz
retumbar críticas contra a elitização dos jabôs e cartolas, descompassados com a vida
moderna; Henrique Diniz teimosamente expõe nas “roupas surradas a inconformidade
da perda, não de uma posição social perdida, mas de uma aura. É o dândi; sujeito
imerso em sua ociosidade, herói atado à fatalidade da modernidade. “Para Baudelaire, o
dandy se constituía num descendente de grandes antepassados. Para ele, o dandismo
é “o último lusco-fusco do heróico em período de decadência”.” (BENJAMIN, 1991,
p.118).
Diferentemente do flâneur, contudo, Henrique Diniz não é figura solitária. Antes, é
mote de aglutinação e admiração dos companheiros. Talvez os demais também nele
reconhecessem o sujeito da modernidade, expresso também no livro que escrevia. A
“República do Mulato” conciliava outros temas modernos, caros ao problema da nação
emergente; pode-se entrever no título o gosto pelo épico de fundação, imiscuído do mito
do mulato nascente naqueles dias.
O cenário que a cidade apresenta é novamente o boulevard, o cinema e o café.
Os temas das tertúlias de Vasconcellos e seus amigos vão da literatura, em prosa e
poesia, algumas escritas pelos próprios membros, à vida sexual dos membros do grupo;
pouco se falava de política, ao menos pelo que nos revela nosso interlocutor.
O povo definido como uma informe massa de funcionários públicos, classe
média engravatada, mas de poucos recursos, caminhando sem destino
certo, em ônibus calhambecados, ou em eterno descanso, nos cafés, onde
a conversa vai de Freud aos destinos do mundo, sem fixar-se muito em
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pormenores, mas sempre tendendo à aceitação uniforme de um fim trágico
e próximo para a humanidade em crise. (VASCONCELLOS, Viagem aos
velhos tempos de Belo Horizonte, 1975, p.1).
As referências à flânerie não se esgotam nas memórias de Sylvio. Tomam outros
horizontes quando deles o arquiteto tem conhecimento. A partir de 1965, as viagens ao
exterior passam a ser mais frequentes – em parte em razão da circunstância política
enfrentada naqueles dias – por motivos de trabalho e pesquisa, ou simplesmente de
prosaico lazer. Dentre as diversas crônicas publicadas entre 1965 e 1978, Vasconcellos
escreve cerca de vinte artigos referentes a viagens, no Brasil, notadamente Minas
Gerais, e no exterior. Note-se que, embora publicadas no Caderno de Turismo do jornal
“O Estado de Minas”, não são descrições turísticas. Antes, configuram uma “pedagodia
do turismo”. É preciso ensinar a ver.
Em “Três maneiras de viajar tendo Paris como exemplo” (1967), Vasconcellos
aponta para três tipos de turista: o primeiro, concentra-se no número de lugares
visitados, valendo-se da velocidade entre e em cada um dos lugares visitados, com o
mero propósito de listar em seu rol novos lugares, se possível, inéditos; o segundo, o
turista comprador, é um colecionador de marcas e etiquetas, busca pechinchas mais do
que conhecer os lugares por onde passa; o terceiro, por sua vez, é denominado
“explorador”.
Não se preocupa com os programas nem com as compras. Deixa-se levar.
Recusa guias e visitas obrigatórias. Pretende apenas sentir a cidade,
contemplar, deixar-se surpreender. Inclina-se de preferência para as coisas
mais tradicionais e típicas. Em Paris, por exemplo, o Quartier Latin. Não o
Lido, ou o Louvre, ou o Arco do Triunfo.
O Arco do Triunfo, já o conhece dos postais. Imbui-se de isenções. Não
está disposto a aceitar o que se impinge. O Arco do Triunfo é, afinal, muito
feio, sim senhor. Paris, a princípio, é uma cidade cinza e triste, com sua
arquitetura quase toda igual, “fin de siècle”, muito mais século XIX que
milenar. O espírito crítico está vivo. [...]
Pouco a pouco, contudo, Paris se revela. O viajante a conquista
vagarosamente e, lentamente, penetra-lhe os mistérios. Que estão, por
exemplo, nos cenários de sua literatura. [...]
Por baixo correm os trens subterrâneos. Há que baixar e tomá-lo, com o
mapa nas mãos. Sair, depois, em qualquer ponto e ir andando, a pé,
“vagarzinho”, deixando que a cidade se ofereça tranquila. Na esquina há um
café. Na outra uma boulangerie. Maquininhas de bolas, elétricas, estão logo
à entrada, sempre com alguém a perseguir recordes ao azar. Por detrás do
balcão o dono; percorrendo as mesas, em azáfama constante, a dona.
Boujour, Monsier, un café s’il vous plaît. Au revoir, Monsieur. Não se
prescindem cumprimentos. É o costume do lugar. Il faut suivre les habitudes
du pays.
[...]
Se se prefere tranquilidade, existe a Place des Vosges, onde, outrora, os
reis farreavam. É uma praça pequena, com um jardim quadrado ao centro,
cercado de grades. Em volta, os edifícios em arcadas, sob as quais se
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instalam cafés e boutiques. Estamos em pleno século XVII ou XVIII. As
sombras das tardes brincam nas galerias e tudo é calmo, lento, quase
melancólico. Há que beber aqui um pernod e começar a ver carruagens
com as preferidas do Rei. (VASCONCELLOS, Três maneiras de viajar tendo
Paris como exemplo, 1967, p.2).
Do turista-explorador exige-se uma vivaz postura crítica. Não deve aceitar, sem
deglutição demorada, ruminada, aquilo que se lhe oferecem os guias e os postais. Estes
são a retratação da cidade por um outro alguém, que quis dar a ver uma determinada
metrópole, por vezes diversa daquela presente no plano real.
Ao contrário, o turista-explorador há que buscar os vestígios e ruínas, como o
detetive de Poe. A cidade lhe é revela aos poucos, não sem esforço, não sem um
acurado olhar sobre seus detalhes, em abandono às suas generalidades. A conquista
vagarosa exige um conhecimento para além do plano físico: a literatura dá ao turista-
explorador as chaves de interpretação da cidade.
Não abandona os meios de locomoção da modernidade – aqui já transfigurados
nos trens subterrâneos, o métropolitain parisiense ou o subway londrino. Contudo, deles
faz uso de um modo diverso dos habitantes da cidade, aos quais não é mais possível
adotar a postura do flâneur: o uso não é pragmático, mecânico, facilitador; as trilhas
subterrâneas são uma outra peça do quebra-cabeças difícil de leitura da metrópole,
inserida como mais de uma camada, mais um substrato a investigar. Conectam pontos
diversos da superfície e exigem do turista-explorador a elaboração de um novo mapa
mental (o de papel não lhe tem serventia), capaz de recompor a trama urbana, suas
velocidades e seus eventos. Quando dele emerge, desvencilhando-se da incômoda
sensação de estar enclausurado com um sem-número de indivíduos – novamente o
estranhamento diante da massa, agora levados à toda velocidade para sabe-se onde –,
o turista-explorador retoma o caminhar original. E adentra um café, eterno posto de
observação do mundo.
O turista-explorador é um flâneur sem-tempo. Viaja entre a modernidade dos
trilhos subterrâneos para, logo mais, retroagir ao tempo dos Luíses. Revive cenas por
meio dos vestígios deixados no plano físico. Não é privilégio de Paris conduzir o turista-
flâneur a esta viagem, pois ela não depende do lugar e sim do sujeito.
O devaneio, a fantasia de fazer amigos, de tecer romances e fazer-se
personagem. Não um, mas muitos. Junto ao Sena, passear de mãos dadas
com bem-amados etéreos; na Mouraria, compor fados merencórios. Olha lá
Nova Iorque! O metrô me espera voraz; Long Island me chama. Não; agora
vou ver o sol da Califórnia. E ser artista de cinema. Em breve habitarei
Sunset street. A imaginação explode em sugestões e a sensibilidade se
aguça: então estamos vivendo. Supomo-nos Cardeais, ou guardas suíços.
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Talvez mesmo gondoleiros de Veneza. Não sabemos se preferimos um
chalé alpino, embuçado na neve, ou se bangalô em pleno safari africano.
Os sonhos não têm limites e multiplicam existências. A própria distância de
nosso pouso de origem, amplia afetos e aperfeiçoa ternuras. Há muita coisa
a contar, muita aventura a descrever. Da próxima vez não estarei tão só:
comigo estarão os queridos. Não se podem privar de tamanho prazer.
Por isso a primeira viagem é uma revelação. A primeira deságua
forçosamente em outras, em sucessão. É como se, cegos, passássemos a
enxergar; ou surdos, a ouvir. Altera-se a significação das coisas e da própria
vida, enfim. A memória transborda de reminiscências: uma nesga de céu
insinuada entre o casario; o sorriso particular da aeromoça, a rua deserta,
pontilhada de luzes sozinhas. Cada perspectiva se fixa e se transforma em
sonho. Nem mais me lembro onde vi aquele barco fugido, ondulando no
crepúsculo. Onde foi mesmo? Nem sei. E aquele café da esquina? Existia
em Madri ou o conheci em tela de Van Gogh. Ah! como é doce estar longe,
provisório, circunstancial. A vida sendo vivida, os sentidos abertos à
recepção.
Como é doce entregar-se a devaneios, assentados talvez em banco antigo,
no descortínio de cenários antigórios. Por aqui deve ter passado Chica da
Silva faceira e dengosa, a caminho da missa e de seu destino. Veja: ali
trabalhou Aleijadinho, compondo o mais belo escrínio que São Francisco já
teve. Estão floridos os jardins de Versailles. Colho, agora, as mesmas flores
que os luízes colheram, enquanto Maria Antonieta brinca de cabra-cega na
clareira amiga. Os russos espiam, do outro lado da cerca. E os cangurus se
perdem nas planuras da Austrália.
Ouvir o tango na Boca, reviver Gardel, os cabarés as dançarinas
internacionais, nascidas ali mesmo, nos subúrbios da Central. Ver e pegar a
pedra esculpida há mil anos, pelos astecas e incas devorados pela ambição
de Cortez. Como é grande, vasto o mundo. Não o mundo de minha casa, de
meu quarto ou de minha cidade. Não mais conservam segredos. Além
destes, já devassados à exaustão, milhares de outros chamam para o
renovado êxtase, acenando amáveis convites. Que apelo mais sentido,
quiçá existe, além das soturnas sirenes dos barcos ou dos roncos das
naves que flecham os ares? Que apelo mais sincero, além das buzinas
férreas? – Não são os sons que emitem e que penetram o coração. O apelo
é a oferta do desconhecido, a partida para o mistério e para a volta do
sonho. Ir e vir é estar livre, circular é existir. (VASCONCELLOS, Viajar é
vestir camisa listrada e sair por aí, 1968, p.3).
O espaço, assim como o tempo, desprende-se da sua condição imediata; se o
tempo não é mensurável para o turista-flâneur, o espaço, para o homem-flâneur não é
físico, é uma construção mental. A metrópole reverte-se em generic-city (KOOLHAAS,
1997), um puzzle formado por peças múltiplas, recolhidas pelo sujeito nos lugares onde
esteve ou onde porventura nunca chegará a estar.
Algumas cidades, porém, têm a capacidade de recolher, em seu espaço, o
imbricamento, elaborado paulatinamente por uma série de indivíduos ou grupos ao
longo do tempo. Nova York é uma destas cidades.
Com certeza você conhece Nova York. Ou já ouviu muito falar dela. É, no
momento, a mais importante cidade do mundo, porque nela se decide o
futuro de toda a humanidade: o preço dos quadros e da marcha dos
negócios; a moda e a música; o balé e o teatro; as idéias. Mais do que
qualquer outra cidade é em Nova York, agora, que as coisas acontecem
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A primeira imagem desta página bem poderia representar qualquer metrópole contemporânea:
adensamento, verticalização, indistinção na paisagem. É a cidade-genérica. A segunda imagem
também caberia neste conceito, não fossem os inúmeros yellow cabs que indicam ser esta a cidade
de Nova York.
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afetando toda a humanidade. [...] Nova York é, hoje, a própria miniatura, a
concentração do mundo.
[...]
Andar pelas ruas, à toa, perceber o íntimo da grande cidade, deixar-se levar
pela corrente humana, entrar aqui num café, num cinema acolá, subir ao
terraço dos edifícios para contemplar a megalópole em volta, parar apenas
para ver o povo que passa... Nove Iorque é a cidade das mil solicitações.
Através dela se pode conhecer o mundo, suas grandezas e misérias, suas
glórias e derrotas, o prazer e a dor, a vida enfim do século, do tempo breve
em que vivemos. (VASCONCELLOS, Nova York, a caldeira do diabo, 1970,
p.3).
Por meio do viajar o turista-flâneur recupera sua condição de existência. No
devaneio de múltiplas personas aos quais se entrega, recupera o seu próprio eu,
resgata o sentido de liberdade individual, instaurando-se como sujeito histórico. Esvai-se
da massificação, finalmente, à qual o flâneur estava (perigosamente) sujeito.
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5.2. “Morte e vida de grandes cidades”
5.2.1. Pruitt-Igoe
O silêncio, como o de uma multidão aguardando o resultado de um chute
crucial nos últimos segundos de um jogo de futebol, terminou com as
cortantes explosões.
(St. Louis Post-Dispatch apud ROBERTS, 2005,
tradução nossa)
56
.
15 de julho de 1972. 15 horas e 32 minutos. A rede de televisão NBC, e outras
emissoras, transmitem ao vivo, em cadeia nacional, a implosão de um dos edifícios do
conjunto Pruitt-Igoe, em Saint-Louis, Missouri. Em seu apartamento em Washington, a
1149 quilômetros de distância, Sylvio assiste estupefato ao “dia em que o Modernismo
chegou ao fim”, como mais tarde faria ecoar Charles Jencks (1939- ).
A cena, fictícia, poderia realmente ter acontecido. A demolição do conjunto
habitacional de baixa renda, ocupado exclusivamente por negros, representava o fim de
uma era.
33 blocos de apartamentos, com 11 pavimentos de altura, implantados em uma
área de 23 hectares e abrigando cerca de 12 mil pessoas em 2870 unidades. Minoru
Yamasaki (1912-1986), o desafortunado arquiteto das torres gêmeas do World Trade
Center (1960) em Nova York, havia se inspirado nas idéias corbusianas da “Ville
Radieuse”: edifícios verticais, assentados em meio a grandes áreas verdes. A
organização das unidades de apartamentos ao longo de grandes galerias horizontais
nos remete aos projetos das Unité d’Habitation”, também elaboradas por Le Corbusier
em diversas cidades européias no segundo pós-Guerra
57
. A pesquisa corbusiana para a
elaboração das “unité” fundamentou-se nas tipologias do mosteiro, do transatlântico e
do Falanstério, respectivamente fornecendo ao arquiteto os princípios de
autosuficiência, de organização funcional e estandardização, e de construção de um
“monumento-metáfora para a vida humana” (TZONIS, p.160, tradução nossa)
58
. Cada
unidade habitacional – diferentemente do Pruitt-Igoe o projeto consistia em uma única
56
The hush, like that of a football crowd awaiting the outcome of a crucial place kick in the last seconds of a bowl
game, was ended by sharp explosions.
57
A unidade original foi construída em Marselha (1947-1953), sendo seguida de Nantes-Rezé (1953-1955),
Berlim (1956-1958), Briey-em-Forêt (1957) e Firminy (1967).
58
[...] monument-metaphor for human life [...].
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As áreas comuns da Unité d’habitation (1947-1953), em Marselha caracterizam-se pela sequência
infinita de portas abrindo-se para o longo corredor. O terraço, por sua vez, dispões de equipamentos
coletivos mais aprazíveis, com área de lazer e creche.
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290
As condições de degradação do subúrbio de Soto-Carr ou do conjunto Pruitt-Igoe não são diversas.
Apenas a tipologia habitacional os difere.
206
edificação – compunha-se 337 apartamentos duplex distribuídos em 18 pavimentos,
acessados a cada 3 níveis por um corredor comum (inexistente nos demais andares).
As diferentes tipologias, capazes de abrigar famílias de diversas composições, eram
elaboradas por meio do uso de elementos estandardizados combinados. As áreas
comuns eram formadas pelo pilotis, que abrigava somente os equipamentos de apoio
técnico e serviços; por um pavimento-técnico, logo abaixo do primeiro rol de unidades,
que continha a central de ar-condicionado, a casa de máquinas e os geradores a diesel;
por um centro comercial e de serviços no 7º e 8º andares, incluindo a lavanderia
comunitária; e pela cobertura, onde havia um jardim de infância, uma creche, e áreas de
lazer, compostas por “ginásio”, piscina e play-ground. “A Unité d’Habitation foi o mais
inventivo e influente projeto de Le Corbusier. Assim como a maior parte de seus
projetos, a Unité foi desenhada como um protótipo e não somente como um caso
singular.” (TZONIS, 2004, p.156, tradução nossa)
59
.
O arquiteto sansei, ao inspirar-se no modelo da Unité, havia incluído a novidade
do “skip-stop elevator”, em que as paradas resumiam-se ao primeiro, quarto, sétimo e
décimo andares, como meio de redução dos custos de operação dos edifícios. Muitas
das facilidades – tomamos aqui de empréstimo o termo “facilities”, que em língua inglesa
corresponde a equipamentos ou recursos – incorporadas às unidades habitacionais e ao
conjunto como um todo nunca haviam sido experimentadas pela maioria dos novos
ocupantes, em sua imensa maioria provenientes do antigo e miserável bairro De Soto-
Carr (na verdade a mesma localidade): banheiros interno às casas, lavanderias,
playground, biblioteca pública, creche, policlínica e até mesmo uma unidade de
escoteiros. “[...] era igualzinho a Beverly Hills.” (ROBERTS, 2005, sp, tradução nossa)
60
,
afirma Rose Jones, ex-moradora.
Poucos equipamentos foram, efetivamente, implantados, e quase nenhum
sobreviveu ao vandalismo. A cada dia eram encontrados dois a três corpos, sem
considerar aqueles que eram lançados nos incineradores dos edifícios.
Jornais dos Estados Unidos estão anunciando a demolição imediata de um
bairro residencial inteiro de S. Luís, Mississipi, construído há pouco mais de
10 anos por iniciativa do governo federal. Observando a fila de pessoas da
cidade e de outros Estados, atraídas pela demolição dos dois primeiros
edifícios, o ajudante do prefeito local declarou: foi uma espetacular exibição,
assistida nacional e internacionalmente – o grande evento dos altos
59
The Unité d’Habitation was Le Corbusier’s most inventive and most influential project. As with most of his
projects, the Unité was designed as a prototype and not just as a single case.
60
[...] it was just like Beverly Hills.
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293
Os conflitos sociais que resultaram em confrontos entre descendentes de imigrantes de origem
muçulmana e a polícia, acontecidos nas periferias de diversas cidades francesas em 2005,
reacenderam o debate sobre a violência urbana e a habitabilidade dos conjuntos habitacionais
erguidos nos anos 50.
207
edifícios de 100 metros de comprimento vindo abaixo. Isso captou mais
atenção que qualquer outra coisa acontecida na cidade, boa ou má,
anteriormente. (VASCONCELLOS, Favelas de cimento, 1974, p.2).
Algumas imprecisões cometidas por nosso autor
61
. Não são significativas diante
das expressões de estupor, dúvida, surpresa, medo, indignação; sentimentos
subitamente aflorados diante da (suposta) falência da mega-estrutura em concreto
armado e, com ela, da utopia modernista.
“Espetacular exibição”? A televisão norte-americana inventou o reality show: o
primeiro homem a pisar na Lua (1969), a demolição do Pruitt-Igoe (1972). A vida, e a
destruição, ao vivo, em tempo real. O trágico transformara-se em espetáculo,
culminando no ataque de 11 de setembro de 2001. Vasconcellos questiona, ainda, se a
demolição seria aceitável ou não, mesmo considerando as circunstâncias econômicas
nos Estados Unidos – que devem ser relativizadas diante dos déficits causados pela
Guerra do Vietnã.
O limite do aceitável e do não aceitável não é facilmente definível. Inclusive
porque, a cada dia, com o enriquecimento do país, com o progresso
tecnológico e com a evolução das aspirações coletivas, o nível aceitável
muda constantemente. Exemplos desta contínua mudança abundam. O
número de conjuntos construídos na Europa depois da guerra, ou nos
Estados Unidos nos últimos 20 ou 30 anos e que hoje estão sendo
demolidos por inadequados, é cada dia maior. (VASCONCELLOS, Favelas
de cimento, 1974, p.2).
A pergunta, a rigor, deve ser reescrita em: qual o limite para a aceitação ou o
repúdio a estas condições de “vida”? Outras demolições aconteceram, mas o debate
ainda hoje continua, o que significa que as bases foram tão solidamente assentes que
ainda hoje se discute sobre elas e os possíveis modelos de substituição para a
habitação social.
Foram dispendidos 5 milhões de dólares nas inúmeras tentativas de recuperação
do conjunto antes que a St. Louis Housing Authority decidisse pela demolição. Isso
demonstra que o governo local apostava no modelo proposto. A rigor, a situação da
população estava melhor se comparada com os índices de qualidade de vida no antigo
bairro, quer fossem considerados critérios sanitários, de saúde pública ou taxas de
61
O projeto de Yamasaki data de 1951, tendo sido revisto em 1954 para se adequar às leis anti-segragação,
uma vez que, originalmente, parte dos edifícios estariam destinados à população branca (William L. Igoe Project)
e parte à maioria negra (Wendell O. Pruitt Project). A construção terminou em 1956 e dezoito anos depois, em
1974, o sítio encontrava-se totalmente vazio, como ainda hoje permanece. O número de blocos totalizava 33 e
não 83, como afirmado por Vasconcellos. Outra incorreção é a localização do conjunto, em St. Louis, no
Missouri.
208
homicídios. Os fins definitivamente justificavam os meios, embora antes do advento do
pós-modernismo o modelo corbusiano fosse aceito como válido e tivesse sido testado
em diversas partes globo.
Um dos casos mais expressivos é precisamente este de S. Luís. Em
1955/60 foi construído nessa cidade, com a maior fanfarra, um conjunto de
oitenta e três edifícios, com onze pavimentos e 100 metros de extensão
cada um. Uma verdadeira cidade na feição de algumas quadras de Brasília.
Custou 220 milhões de cruzeiros ao câmbio de hoje; mais do dobro – meio
bilhão – se considerado o câmbio da época. A intenção do projeto, de
acordo com comentários que o acompanhou, era a de eliminar
definitivamente as favelas preexistentes no local, removendo seus
habitantes para habitações decentes, onde pudessem superar suas
dificuldades e obter melhores oportunidades de vida.
Em 1960, dez mil pessoas foram alojadas no “admirável” conjunto. Felizes
todas com a definitiva solução do problema. Apenas dez anos passados, o
mesmo conjunto passou a ser considerado o "pior projeto habitacional do
país", a “favela vertical”, o “monstro”. Tão violentamente condenado que
começou a atrair turistas, chegando-se a pensar em uma taxa especial de
visita, como meio de complementar despesas de manutenção deficitárias.
Decidiu-se por sua completa demolição e transferência de seus moradores
para outras unidades “decentes” onde possam superar suas dificuldades e
obter melhores oportunidades de vida. (VASCONCELLOS, Favelas de
cimento, 1974, p.2).
O que Vasconcellos, atônito, nos aponta é para a reviravolta; em duas décadas o
Pruitt-Igoe fora transformado de maravilha em “monstro”. Os historiadores norte-
americanos têm se esforçado em buscar os motivos pelos quais este conjunto,
particularmente, se converteu em um imenso problema social, em tão pouco tempo. As
razões são várias. Inicialmente, as empreiteiras trabalharam com custos cerca de 60%
acima da média nacional, o que, confrontado com as restrições de custo de construção
impostas pela agência governamental federal, exigiram, por um lado, a ampliação da
escala dos edifícios e, por outro, a diminuição das dimensões gerais das unidades e a
remoção de equipamentos. Em segundo lugar, dentre as cidades norte-americanas, St.
Louis era uma das quatro localidades que sofreram com o descréscimo populacional
durante e após a Segunda Guerra Mundial. A construção do conjunto, para além da
melhoria da qualidade de vida da população negra e pobre, pretendeu ser um chamariz
para os emigrantes, oferecendo infra-estrutura adequada. Esta oferta não surtiu os
esperados efeitos e, com isto, diminuiu o interesse público em participar de
financiamentos desta ordem. O resultado já foi exposto.
A situação excepcional promoveu a triste atividade do “turismo da pobreza”.
Distante das mazelas da vida suburbana, a população de classe média e alta passou a
interessar-se pelo fenômeno Pruitt-Igoe, chegando ao absurdo – denunciado por
208v
294
209
Vasconcellos – de percorrer-lhe os espaços como atração turística, não muito diferente
do que hoje se faz na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Ademais, a experiência tem demonstrado suficientemente que o homem
não se satisfaz apenas com a casa, em si mesma considerada. Exige,
enfaticamente, que esta casa participe de determinado ambiente que a
complementa e sem o qual não pode funcionar. É o bairro que caracteriza a
casa e a valoriza; não suas características individuais. Parques e jardins,
comércio, diversões, transportes e amenidades são substanciais
componentes da moradia; tão importantes, ou mais, do que o lugar para
dormir ou cozinhar. Não há quem não prefira uma casa precária em bairro
bom em vez de uma bela residência em bairro mau.
Uma casa não funciona sozinha; ela é peça do conjunto onde se localiza.
Cada vez mais problema habitacional é problema de urbanismo. O fracasso
do conjunto de São Luís confirma o fato: deveu-se à criminalidade que nele
se instalou, à falta de facilidades para a vida coletiva, à ausência de jardins,
comércio e diversões. Nenhuma crítica apareceu envolvendo diretamente
os apartamentos como tais.
Do que se conclui que não se deve empacotar pessoas para resolver os
supostos déficits habitacionais que as estatísticas revelam. Mais
aconselhável seria melhorar os ambientes onde o povo já mora. Da mesma
forma que automóvel não funciona onde não há ruas e estradas por onde
transite, não há casa adequada sem o ambiente necessário do qual
depende.
Por isto estamos construindo hoje os déficits habitacionais de amanhã. Sim
senhor. (VASCONCELLOS, Favelas de cimento, 1974, p.2).
Substancialmente, Sylvio está expondo o tema da habitação e das condições
indignas às quais as comunidades carentes estão sujeitas: pobreza, criminalidade,
empacotamento. Qualidade não há no espaço. Sociedade mais justa não é possível ali
aflorar. A casa é entendida como parte integrante da cidade e, portanto, de nada valem
as questões funcionais bem resolvidas se as condições coletivas não lhe são parelhas.
Pensar a casa digna exige pensar a cidade humanizada.
A avalanche crítica produzida pela emissão de televisão ou pelo fato jornalístico,
sem dúvida, alimenta a revisão por Vasconcellos de alguns temas consolidados:
zoneamento por funções, conexões urbanas por meio das vias de grande velocidade
para automóveis, separação centro de negócios denso e subúrbios habitacionais
aprazíveis. A cidade norte-americana é o primeiro alvo.
209v
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296
A invenção de Elisha Otis, inicialmente desenvolvida para otimizar a distribuição de mercadorias nos
armazéns de Chicago e apenas anos mais tarde empregada em edifícios de escritórios, transformou
radical e velozmente a paisagem da cidade. Entre a patente do elevador e a imagem acima, da
construção do Rockfeller Center, em Nova York, decorreram 79 anos.
210
5.2.2. A cidade norte-americana
O que está acontecendo com as cidades americanas é uma coisa muito
séria: estão desaparecendo. Pelo menos já não guardam semelhança com
o que sempre pensamos fosse uma cidade, ou seja um agrupamento de
construções, com um centro comercial, onde gente vive, trabalha, se
diverte.
No princípio, o centro começou a inchar: apareceu o arranha-céu. A cidade
cresceu para o alto, mas conservou sua unidade. A partir da segunda
guerra, - a explosão para o alto transformou-se, porém em expansão para
os lados. O povo começou a fugir das cidades, e fugir é o termo exato a
empregar. Apareceram os subúrbios, que são completamente diferentes
dos trabalheiros. De certo modo, são até o contrário.
Enquanto no Brasil subúrbios são uma extensão das cidades, como bairros,
nos Estados Unidos mergulham no campo, formando agrupamentos
isolados que não se ligam às cidades a não ser por intermédio das auto-
estradas. Em certos pontos aparece o ‘shopping-center’, com áreas
imensas de estacionamento em volta. São, por sua vez, isolados, não se
constituindo em núcleos de comunidades. O povo os procura para fazer
compras e foge deles, também, tanto quanto possível. [...]
As consequências do fenômeno são inumerosas. Em primeiro lugar,
desaparecem o espírito da cidadania, a sociedade urbana, o convívio social
e as – amizades íntimas que se atomizam na solidariedade frágil da limitada
vizinhança suburbana. Vizinhança que, por sua vez, se dilui na mobilidade
extrema da população que raramente habita a mesma casa e o mesmo
subúrbio por mais de cinco anos.
Em segundo lugar, o fenômeno dificulta a compreensão das estatísticas.
Uma cidade pode aparecer, por exemplo, como tendo apenas setecentos
mil habitantes, tal o caso de Washington. Contudo, se incorporados os
subúrbios, poderia ter mais de três milhões.
Mesmo o conceito de área metropolitana não se aplica nos Estados Unidos,
porque seria muito difícil defini-la pelo fato de não ser contínua. Há
subúrbios fisicamente mais próximos de uma cidade dos que de outra com
a qual realmente estão relacionados.
Em consequência, manter relações sociais em grandes cidades americanas
é problema sério. (VASCONCELLOS, A hora em que o americano diz adeus
às grandes cidades, 1976, p.6).
Vasconcellos sinteticamente elabora uma historiografia da cidade norte-
americana no século XX, para nos remeter a uma questão: o que é uma cidade?
Com certeza, uma cidade não consiste no esgarçamento do tecido urbano, tal
como passou a ocorrer nas grandes metrópoles nos Estados Unidos, especialmente,
após a Segunda Guerra Mundial. A explosão para o alto não era, a princípio, um
problema da urbanização; antes, era entendida como uma resposta pragmática – leia-se
tecnológica – a problemas de ordem econômica. A invenção dos arranha-céus somente
havia sido possível em 1853 com o desenvolvimento do transporte vertical por
elevadores por Elisha Otis (1811-1861). Associado ao sistema construtivo em aço,
produzido industrialmente, o edifício de múltiplos pavimentos reduzia o custo de infra-
210v
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O isolamento dos subúrbios exigiu a locomoção por automóvel nas highways, e desenvolveu o
comércio nos shopping centers, caixas fechadas servidas por amplos estacionamentos. A imagem
acima trata de uma vista do atual estado de “arruinamento” de um dos edifícios da antiga rede de
conveniências Best. Projetada pelo grupo Site entre as décadas de 70 e 80, os projetos destes
hipermercados envolvia uma nova concepção plástica para a arquitetura – a ruína – e rapidamente
tornou-se ícone da pós-modernidade.
299
211
estrutura por unidade territorial e passou a ser empregado como modelo arquitetônico,
transformando a paisagem das cidades norte-americanas, a começar por Chicago e
Nova York. Em pouco tempo, a habitabilidade dos centros urbanos não correspondia
mais à desejada qualidade de vida.
A situação se altera a partir dos anos 40. O fim da guerra e uma economia forte
permitiram novos investimentos infra-estruturais, desta vez em auto-estradas que
ligavam os subúrbios de classe média-alta aos centros comerciais – o downtown. Os
movimentos de especulação produziram, então, empreendimentos desassociados da
antiga trama urbana, também ela completamente transformada por uma nova onda de
verticalização, que havia sido iniciada pelo New Deal ainda nos anos 30. Desfeitas as
interações entre centro e periferia, e ampliados os deslocamentos pelos subúrbios cada
vez mais afastados, um novo elemento entra em cena: o shopping-center, a galeria
baudelariana do século XX. Lugar do consumo por excelência, os centros de comércio
em nada lembram as ruas-corredores comerciais do núcleo original; são caixas ilhadas
entre viadutos e rodovias, nas quais o indivíduo é levado a submergir, em um ato final
de dissociação com a vida urbana. Ao menos no olhar de Vasconcellos.
Nosso autor aponta incisivamente para as consequências: o fim do sentido de
cidadania, implícito na eliminação da civitas. A nova estrutura de organização do espaço
urbano não permite o contato entre os pares, e esta situação se reflete nos blocos de
apartamentos.
Vivo em um edifício com oito andares, cerca de cem apartamentos e um
terraço onde se pode tomar banho de sol no verão. O prédio tangencia o
centro cívico da cidade, com o Departamento de Estado ao lado e a famosa
Casa Branca a oito quadras de distância. Atrás está a Universidade George
Washington. O ponto é magnífico e no coração da capital americana.
No entanto, é como se vivesse em uma ilha deserta. Meu canto é tão íntimo
como uma tenda no Saara. Ninguém se mistura comigo, ninguém me
incomoda, e não creio que tenha, até o momento, perturbado a privacidade
de ninguém. Muito ao contrário: de fato não conheço um outro morador
sequer; não conheço mesmo; nem de vista.
[...]
Ouço, vez por outra, vozes e sons de rádio ou televisores, filtrados pelas
portas do corredor. Isto me confirma a expectativa de que atrás delas há
gente. Entretanto, passado um ano de minha estadia no edifício, não
consegui ainda pegar de surpresa um só de meus vizinhos. Ou são
invisíveis ou estão brincando de esconder comigo.
[...]
Estou agora convencido de que apartamento foi inventado para isolar
pessoas. Gordas ou magras, altas ou baixas. Lugar de encontrar gente é na
rua. E viva a privacidade! (VASCONCELLOS, Brincando de esconder em
apartamento, 1976, p.6).
211v
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As unidades de apartamento de classe média estão verdadeiramente apartadas,
isoladas umas das outras como ilhas em menor escala. Vasconcellos parece se resignar
com a garantia de suas “liberdades” individuais e reafirma que o lugar do encontro é o
espaço público. Contudo, se este lugar está ausente, onde os indivíduos poderão
exercitar seu sentido de coletividade? Os moradores do Pruitt-Igoe parecem ter
solucionado a questão
62
: todos se conheciam, trancas nas portas não eram
necessárias; em noites de verão, reuniam-se todos fora de suas unidades, para
pernoitar nas áreas comuns – melhor ventiladas pela ausência das vidraças, quebradas
– dançando; ainda hoje, fazem reuniões anuais, um grande baile para comemorar um
sentido de família, de pertencimento a uma comunidade que não foram capazes de
encontrar fora do Pruitt-Igoe. Alguns afirmam não terem experimentado a segregação
social e racial antes de terem de abandonar os edifícios do conjunto. Eram iguais, na
miséria.
A cidade norte-americana tem seus ícones: os arranha-céus, os subúrbios, os
shopping-centers e as auto-estradas.
A própria fisionomia do país, fisicamente considerada, define-se no
transporte: o Mississipe antes, as estradas de ferro, as freeways agora, os
jatos. Tão marcantes que estão a diluir as cidades como concentrações
humanas. Estradas que se cruzam forma a cidade moderna. Automóvel e
avião são os símbolos perfeitos e, mais que símbolos, causa e efeito,
correspondência da civilização americana. Não como um luxo ou prazer,
mas como a vida mesmo, praticamente considerada. (VASCONCELLOS,
Os americanos, os nossos ricos amigos, 1970, p.3).
O tema das artérias que cortam – por vezes literalmente – as cidades norte-
americanas é recorrente. Para Nelson Brissac Peixoto, a sociedade americana se vê
através dos pára-brisas dos automóveis (AMÉRICA,1989). Ela somente se completa
com o automóvel. Como vimos no episódio da compra do automóvel
63
, em tom de
ironia, Sylvio sintetiza as relações entre homem e máquina os Estados Unidos:
Como estou nos Estados Unidos, resolvo comprar um carro. Cada família
de três pessoas tem dois automóveis e não quero perturbar a média
estatística nacional. Dou balanço nas economias e tomo a séria decisão. [...]
ando mais tendo o carro que antes. Não importa: venci a batalha de
comprá-lo e afinal me sinto confortado. Incorporei-me às estatísticas.
(VASCONCELLOS, De como ter e não ter um carro, 1973, p.6).
62
Cobrindo a reunião anual dos ex-moradores do conjunto habitacional, o jornalista Randall Roberts traz à tona
uma outra versão do Pruitt-Igoe, em que a perspectiva do usuário é redesenhada frente às justificativas “oficiais”
(ROBERTS, 2005).
63
O episódio completo foi narrado na seção 4.1.
213
Contudo, quando Vasconcellos, olhando para a ruptura no tecido das cidades e
para o apinhamento de veículos nas ruas, esperava uma dissolução ainda maior e
irreversível – no meio ambiente –, a sociedade norte-americana responde com uma
incipiente consciência ambiental.
Dez anos atrás só os hippies falavam nisso: defesa da natureza,
condenação da máquina, prioridade da alma sobre o corpo. [...]
Onde já se viu alguém ser contra o progresso, a tecnologia, o crescimento
da indústria? Onde já se viu alguém ser contra os santos mandamentos da
economia, os dogmas do produto nacional bruto, do índice financeiro, dos
parâmetros do mercado e da riqueza per capita? [...]
Entretanto, passado tempo, calmado o ambiente e arrefecidos os ânimos
dos jovens iconoclastas, uma das mais confiáveis instituições devotadas à
pesquisa de opinião pública nos Estados Unidos resolveu investigar o
assunto. [...]
Foi aí que a porca torceu o rabo, como dizia meu primo Lucas: o tiro saiu
pela culatra. O que pensa realmente o povo americano?
Cerca de 79% pensam que ensinar a população como viver apenas com o
essencial é mais importante do que empurrá-la a mais alto nível de vida.
76% acham que obter prazer de coisas não materiais é muito mais
importante do que satisfazer necessidades por intermédio de bens e
serviços.
Outros 59% expressaram que despender esforços para evitar a poluição é
preferível ao trabalho de encontrar meios de limpar o ambiente
comprometido com a expansão econômica.
Isto mostra claramente que o povo americano já está cansado do chamado
progresso a qualquer preço. Prefere gozar a vida, tal como ela é, do que
desesperar-se à procura permanente de novas formas de conforto material.
(VASCONCELLOS, O homem está ganhando, 1977, p.1).
Entretanto, entende que a dissolução primeira é a dos valores, grande mal que
aflige a sociedade moderna, agravado pelo consumo desenfreado e pela especulação
imobiliária, e pela dissolução da família. Imprime-se sobre o sujeito a depressão, a
apatia:
Inventaram que família extendida é um mal: pais expulsam filhos de casa
aos quinze anos, avós recolhem-se a nursing homes parecendo
monstruosos asilos preparatórios da morte. É a beleza da chamada família
nuclear. Inventada para vender mais coisas. Cada um em sua solitária, com
seu automóvel, seu apartamento, seu fogão, sua geladeira. Nada de
compartilhar para não prejudicar o comércio e produção. Inventaram o
subúrbio onde especuladores especulam terras mais baratas. Quilômetros
separam todo mundo de todo mundo. Mais telefones, mais telefonemas de
longa distância. E a humanidade, como rebanho ingênuo, obediente,
aceitando. (...) Fico compreendendo porque exatamente nas mais
civilizadas sociedades modernas (Suécia, Suíça, Dinamarca, EEUU)
suicídios acontecem com maior frequência. Explicação deixada em bilhete
por George Sander [sic]: “I am bored.” (VASCONCELLOS, Carta a Pérides
Silva, 02.03.77).
214
As contradições chegam a causar surpresa em nosso interlocutor. Em terra
estrangeira, busca em vão adaptar-se. O olhar externo, diverso, denuncia as
contradições da sociedade norte-americana: liberação feminina, homossexualismo,
sexo, casamento (conservador ou progressista, tanto faz), divórcio, indenizações, moda,
consumo. Mas também solidariedade, direito, respeito às leis.
No fundo, no fundo, com toda a tecnologia, pragmatismo, violência e sexo
altamente desenvolvidos, o povo americano continua a ser tão bom e
ingênuo como qualquer outro dos rincões do mundo. Ou mais.
(VASCONCELLOS, O ingênuo americano, 1975, p.2).
As reflexões acerca do ambiente das cidades nos conduzem a uma inquisição
quanto à programação espacial e as relações culturais. Pode o arquiteto desenhar o
modo de vida de uma comunidade?
Há, contudo, aspectos ligados à urbanística que não podem deixar de ser
considerados quando se busquem soluções válidas para o mundo moderno.
Um deles decorre de uma simples constatação: estruturas urbanas são
causa e efeito de estruturas sociais.
Que se correspondem mutuamente e que estruturas urbanas expressam
realidades sociais, é obviedade que dispensa comentários. No entanto é
esta mesma obviedade que tem levado ao esquecimento sua compreensão
mais profunda, quando relacionada à influência exercida pela própria
estrutura urbana sobre o contexto social. O homem conforma a cidade e a
casa mas, em contra-partida, é também conformado por elas.
(VASCONCELLOS, Estrutura social e estrutura urbana, 1967, p.14)
Bernardo Carvalho (1960- ) instiga nossas discussões no conto “O arquiteto”
(1993). A imagem do sujeito que se deixa levar pelo devaneio em seu mais profundo
momento de isolamento – recolhido no banheiro – inicia a narrativa. O sujeito em
questão, um arquiteto, resolve moldar uma cidade segundo as linhas do desenho e do
espaço de seu banheiro. Denota, com isso, que parte da mente do arquiteto conecta-se
a um “desenho do absurdo”; sua outra metade é o irrestritamente funcional. O projeto do
arquiteto é totalizante: “É importante saber exatamente onde ficava cada coisa para
compreender a cidade. [...] Não sabem que sou eu o responsável pelo jeito como vivem
e, mais que isso, pela sua sobrevivência.” (CARVALHO, 1993, p.45). A brilhante idéia da
cidade reside na estetização máxima do ambiente: transformar o mau gosto no
agradável, a desordem em composição, a monotonia em lógica das formas – tudo
através do desenho, moldando os habitantes por meio da geometria abstrata. Ao
mesmo tempo, o arquiteto reconhece sua ineficiência (relativa, é claro): “Sei que [morar
no conjunto habitacional em forma de azulejos] não deve ser uma maravilha, mas
215
nessas circunstâncias, você entende, tentei fazer o melhor.” (CARVALHO, 1993, p.49).
No conto, as mulheres, em clara referência às minorias, fogem pelo ralo. Qualquer
semelhança com Pruitt-Igoe não é mera coincidência, pois o modelo está no âmago do
debate arquitetônico-urbanístico.
Todas estas circunstâncias – densificação, massificação, esgarçamento – não
são claramente atribuídos à falência do Movimento Moderno, como quiseram fazer valer
os críticos ao urbanismo funcionalista. Consideraram que os resultados mais graves
consistiam na dissolução da diversidade, tema naturalmente aceito pelos tecidos
urbanos tradicionais, e eliminado pelas prescrições físicas delineadas na Carta de 1933.
Por esta razão, Vasconcellos se dispõe a discutir os modelos propostos na Carta
de Atenas (1933). Os princípios racionalistas ali inscritos dominariam a elaboração de
planos urbanos por, pelo menos, quatro décadas. “Habitar, circular, trabalhar e recrear”
resumiam as funções urbanas, que deveriam estar dispostas sobre o território de modo
a garantir a integridade de cada uma das atividades, sem promiscuidade. Mas esta
cidade não permite a sociabilidade desejada, critica nosso autor.
215v
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5.2.3. Brasília: exaltação e crítica
No que tange a monotonia e a repetição na paisagem, Vasconcellos usa do
exemplo do “plan mass” francês, com o qual havia tido contato em seu estágio na
França, para sua crítica:
Para os conjuntos de habitação empenham-se, então, os arquitetos, em
planos de conjunto, conhecidos como “plan mass” que resultam, quase
sempre, em desenhos abstratos, de linhas que se contrariam, deixando
espaços abertos cujo vazio e cuja monotonia pretende ser resolvida pela
adoção de alturas variadas dos edifícios. [...] ficam então os conjuntos com
quatro, oito, doze e até vinte pavimentos, esses, no geral, em forma de
torres de base quadrada. É a novidade. Grupos de torres definindo os
centros de interesse e cercados por edifícios de diversas alturas, porém,
bem mais baixos. No fundo é ainda a monumentalidade presente e uma
procura de alegria e movimento que, enfim, não é obtida. A complexidade
gera a confusão, a perspectiva única, o desinteresse pelo edifício ele
mesmo. As leis eternas de composição exigem sempre, para a variedade,
uma ordenação primeira, assim como o compasso da música, e seu ritmo,
sobre os quais se tece a fantasiar melódica. A arquitetura francesa, com um
pseudo-horror da monotonia, só faz enfatizá-la.
[...]
Acrescente-se que os edifícios, por sua vez, não são tratados com
suficiente atenção, principalmente no que diz respeito à modenatura. O
desenho é plano, não se imagina o jogo de saliências e reentrâncias e de
espessuras dos montantes. Resultam daí fachadas também planas, chatas,
de fato monótonas, que um ou outro elemento ou cor não consegue alegrar.
(VASCONCELLOS, Arquitetura atual em França, 1965, p.6)
“Alegria”: foi o termo (ou seu sentido) utilizado por duas vezes. A cidade de
Sarcelles, objeto de um plano elaborado pela equipe de Jacques-Henri Labourdette
(1915-2003) em 1955, é citada como sendo um dos planos em que “Falta vida [...]”
(VASCONCELLOS, Arquitetura atual em França, 1965, p.6). Acrescenta citação de
Pierre Joly: “[...] numerosos planejamentos correspondem a uma ordenação
interessante vista de avião mas que não obtêm nenhum efeito aos olhos do futuro
habitante”.” (Joly apud VASCONCELLOS, Arquitetura atual em França, 1965, p.6), que
em seguida faz uma apologia da continuidade da paisagem, continuidade esta presente
nas cidades setecentistas mineiras, como tantas vezes vemos Vasconcellos destacar.
Joly continua por meio de nosso autor:
Aparece, em largas faixas de opinião (ao contrário do que devia ser), um
grande interesse pela moda citadina de viver. Isto tende a fazer voltar ou a
procurar o “charme” das velhas cidades que favorecem o encontro das
pessoas etc. Ora, a cidade do passado é o resultado, em grande parte
espontâneo, de um desenvolvimento histórico. As manifestações exteriores
217
da vida nelas criaram a diversidade e a surpresa. A amplitude dos
programas de hoje parecem [sic] impor, ao contrário, a uniformidade,
qualquer que seja o talento e a imaginação do arquiteto. (Joly apud
VASCONCELLOS, Arquitetura atual em França, 1965, p.6)
Sylvio põe em discussão o problema das cidades, não mais sob a ótica do
funcionalismo, mas a partir da perspectiva do indivíduo. Vê-se anunciar tal posição na
crítica que publica sobre o livro do arquiteto-urbanista mineiro Marcos Prado (seu antigo
aluno), membro da equipe da prefeitura de Curitiba dedicada ao planejamento urbano:
Não tem a chatura de pretensas tecnocracias que escondem a falta de
imaginação e de soluções. É mais uma conversa com o povo, uma
comunicação! Visual-literária, com sabor de álbum fotográfico e poesia.
Tudo baseado no tema de que o espaço urbano pertence ao homem.
(VASCONCELLOS, Marcos Prado, arquiteto do trânsito, 1975, p.6).
O mesmo tema – a humanização do espaço urbano – encontramos referente ao
retorno dos bondes urbanos: “E exatamente nos Estados Unidos, onde o progresso está
sempre inventando novidades para problemas antigos.” (VASCONCELLOS, Ah! Que
saudades dos bondes, 1975, p.1).
Fui passageiro convicto dos bondes. Em Belô, no Rio e em São Paulo, onde
se chamavam “camarões” por sua cor vermelha. Desci Bahia e subi Floresta
em bondes amigos, não só em horas diurnas como noturnas, aproveitando-
me do último horário, perto da 1 da madrugada, ou do primeiro já às 5 da
manhã. No Rio preferia os reboques, onde circulavam os passageiros
carregados de balaios e os banhistas em calção. Uma viagem de Ipanema
ao Largo da Carioca durava cerca de uma hora, cumprida em aventura
distraída, com gente subindo e descendo, através do cenário mutável da
paisagem urbana. Tudo isso desapareceu, substituído pelas latas de
sardinha dos ônibus, igualmente calhambeques, onde cada um se apeta
como pode no sacrifício da jornada obrigatória.
Aviagem de bonde era sempre agradável. A gente conversava, fazia
amizades, lia jornais e poesia. [...]
A eliminação dos bondes foi, talvez, o maior equívoco da tecnologia
moderna. Aliás, o homem, em sua constante inquietação, muitas vezes
abandona idéias e soluções simples e boas, complicando-as
desnecessariamente para, depois, voltar a elas. (VASCONCELLOS, Ah!
Que saudades dos bondes, 1975, p.1).
Sylvio encontra um alvo, mais especificamente na raiz do Movimento Moderno.
Sem descartar o alcance da obra corbusiana no que tange ao edifício, a crítica destina-
se às idéias preconizadas pelo arquiteto franco-suíço, considerando inclusive um caráter
fantasioso de sua obra.
O próprio Corbusier que influiu poderosamente na arquitetura nacional, em
termos de urbanismo pouco produziu. Suas idéias, na parte mais avançada,
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Os projetos para o Plano Piloto (1957) apresentados pelas diversas equipes concorrentes, e aqui
representados pelos irmãos M.M. Roberto e por Lucio Costa, divergem na solução espacial, mas
orientam-se pela organização funcional derivada dos princípios da Carta de Atenas.
218
pecaram por fantasiosas. Tal foi o caso do edifício contínuo desde a cidade
até Copacabana, no terraço do qual correria uma avenida de ligação. No
mais, o que ficou de Corbusier foi a Avenida Getúlio Vargas, com o paredão
maciço de prédios contínuos uniformes, formando a “rua-corredor”
superada no urbanismo moderno. (VASCONCELLOS, O urbanismo
brasileiro e o técnico estrangeiro, 1968, p.6).
Em 1922, Le Corbusier, como vimos, idealizou uma cidade contemporânea,
capaz de abrigar três milhões de habitantes, em suas diversas funções, em torres
cruciformes e envidraçadas de 60 pavimentos entremeadas por parques. A circulação
era programada para estratificar-se em peatonal, automotiva, ferroviária e aérea. Na
“Ville Radieuse” (1935), pretendia restabelecer as relações harmônicas entre homem e
natureza. Diferentemente da “Ville contemporaine de 3 millions d’habitants”, as funções
urbanas não se encontram agregadas nas torres, mas isoladas em setores, em acordo
com os princípios da Carta de Atenas. Os dois modelos urbanísticos formaram as bases
empregadas por Lucio Costa para o projeto do Plano Piloto de Brasília.
Não é ainda sem razão que Brasília se faz também com um partido ideado,
nem racional, nem orgânico, nos termos de um racionalismo francês ou de
um organicismo preconizado pelos irmãos Roberto. E Brasília é de tal modo
uma ideação que quase se transforma em idealismo mesmo, como se
percebe da justificativa de Lúcio Costa, com alusões à cruz, a uma
marcação natural do terreno no mapa, etc. A solução é simples: dois eixos
um de serviços, outro de moradias. E só. Todavia, não resulta de uma
impostação ecológica, nem de um partido racional gerador empírico ou
aprioristicamente adotado. (VASCONCELLOS, Constantes peculiares à arte
brasileira contemporânea, 1958, p.6).
Exaltação e crítica, nem sempre explícita, alternam-se nas diversas referências
feitas à nova capital federal. As ambivalências surgem com as revisões do urbanismo
modernista, que se alojam na mente de nosso arquiteto em paralelo à crença de que se
trata de uma efetiva possibilidade de transformação da sociedade, desde que
preenchidos alguns requisitos.
Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que Brasília ainda não está
completamente construída. E falta-lhe, como concentração humana, o
fundamento: o centro de aglutinação. Falta-lhe, por assim dizer, o coração,
o pólo comercial onde o povo se aglomera, onde a gente se encontra, e
onde a gente se despersonaliza. [...]
Não se pode perder de vista que Brasília é uma cidade feita para durar
séculos; é uma cidade capital de um país imenso e de imenso futuro; é o
próprio símbolo da personalidade nacional. Como tal, devia apresentar-se e
não como uma cidade qualquer, pobre, precária, como talvez ainda seja o
Brasil em seu conjunto, mas de uma precariedade que é transitória e
irrelevante em face das possibilidades nacionais. Nenhum país, consciente
de seu futuro, construiria uma capital em razão de suas deficiências
momentâneas. Uma Capital é sempre uma esperança, uma fé, um destino
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de glórias. Jamais uma constatação de desalento. Por isso Washington foi
construída monumental em meio a uma crise que, como Brasília,
circunstancialmente não a justificava. Por isso a Índia, em miséria, constrói
Chandigarh.
Se, realmente, sabemos o Brasil um país de fantástico futuro, Brasília até
que está aquém de sua adequada proposição. Devia ter sido prevista não
para meio milhão, mas para milhões de habitantes. Devia ter palácios de
muito maior porte e luxo, e monumentos de bem maior ousadia. De fato o
tempo já encarregou-se de demonstrar a deficiência das previsões: os
palácios já não são suficientes para conter o movimento que abrigam e as
próprias larguíssimas avenidas já dão sinais de inadequação à intensidade
do tráfego.
Fenômeno, porém, grave que vem ocorrendo em Brasília é o que se refere
ao seu crescimento populacional. E grave porque anárquico e
desrelacionado com a própria cidade. Basta observar que a área planejada,
conhecida como plano piloto, abrigo hoje cento e poucos mil habitantes, em
crescimento normal e regrado. Todavia, em volta da área planejada, já
vivem cerca de quatrocentas mil pessoas, no geral em favelas urbanizadas
que continuam a crescer em ritmo bem mais acentuado do que a cidade
propriamente dita, cercando-a por todos os lados. Em pouco tempo, a
cidade estará totalmente desfigurada, com um pequeno miolo planificado
em meio a extensos favelamentos de urbanização rotineira. Invasão do
IAPI, Taguatinga, Sobradinho, Acampamento etc.: já serão bairros da nova
capital desfigurando-a por completo. E o pior é que toda essa gente ali está
atraída por miragens, sem qualquer justificação econômica que a
sustentasse. São todos dependentes de Brasília e dos serviços públicos.
[...]
Outra tendência que precisa ser imediatamente cerceada em Brasília é a
que se refere aos subterrâneos. É quase uma mania, uma obrigação,
enterrar-se pavimentos abaixo do chão. Como algumas das construções
projetadas, inicialmente, utilizaram o recurso, passou ele a ser uma tradição
local. Enterra-se tudo: cinemas, galerias, residências, lojas, bares, boates,
garages, há sempre algum pavimento enterrado em qualquer construção.
No entanto, a planície, o cerrado, os vastos espaços abertos lá estão a
oferecer gratuitamente, suas superfícies ao sol. Não há nenhuma
necessidade de se cavar túneis pelo chão adentro como se fosse esse o
único recurso para se ganhar espaço.
Como também não há necessidade alguma de se desprezar o sol ardente,
abrindo-se fachadas envidraçadas para o poente e nascente, sem proteção.
A atmosfera já é seca, a ventilação natural, escassa. No geral, as
construções não prevêm circulação cruzada e o resultado é um forno
interior insuportável. A ponto de, em quase todos os apartamentos, poder-
se sentir, simplesmente colocando uma das mãos além das janelas, pelo
lado de fora, a diferença considerável entre a temperatura externa, quando
já fresca, e a de dentro, de calor conservado. [...]
Brasília tem defeitos, é certo. Alguns graves. Contudo, é uma cidade digna
de se morar nela. Para quem mora em acanhadas casas de subúrbios,
debruçadas em ruas barulhentas que atropelam e matam crianças, mal
buscam espaços para suas buliçosas imaginações; para quem mora em
apartamentos, cujas janelas se abrem para áreas centrais promíscuas e
escuras; para quem mora nos bairros, onde o único verde é aquele que
teima em vicejar em potes e latas que aproveitam peitoris de exíguas
janelas; para quem mora distante uma hora ou duas de coletivos apinhados
ou trens suburbanos, de seu local de quotidiano trabalho; para quem mora a
léguas de distância do comércio e mercado mais próximo, ficando por isso
sujeito à desprovida quitanda da esquina, Brasília é um verdadeiro paraíso.
Só não o é, ainda, para quem gosta de paquerar avenidas movimentadas,
fofocando aqui e ali com os aflitos de esquinas. Em contrapartida, Brasília
que não tem esquinas, tem o que lá designam por rádio Candango. São as
ondas ultra-rápidas de orelha a orelha que, num átimo, espalham as últimas
219v
309
A atual imagem da plataforma rodoviária e do Conjunto Nacional, em Brasília, em muito difere da
intenção de Lucio Costa.
220
em todas as direções. Dizem que distração comum na Nova Capital é um
grupo apostar em quanto tempo uma suposta notícia corre um Ministério ou
uma superquadra e volta ao grupo de origem. São apenas minutos ou
poucas horas. Talvez em consequência da tranquilidade ambiente, ávida
por tudo que contribua para distrair o sossego permanente. Ou dos grupos
sociais fechados, que se vão formando por habitarem o mesmo edifício,
trabalharem na mesma repartição e se divertirem no mesmo clube. Esse,
aliás, é outro problema sério que precisa ser encarado com urgência. Nada
pior para um país que se expande e se diversifica do que uma capital de
sociedade fechada. (VASCONCELLOS, Brasília, experiência em marcha,
1968, p.8).
Há uma condescendência temporal para com o projeto da cidade. Vasconcellos
escreve o artigo menos de uma década depois de sua inauguração. Isto confere ao
plano uma possibilidade futura de concretizar as aspirações que também Sylvio
depositava no ideário moderno. O sentido de futuro, de promessa vindoura é
nitidamente percebido na fala sobre o traçado urbano e sua forma de organização e, em
especial, sobre a grandeza nacional. Seus defeitos, com certeza, são transitórios. Mas
existem.
Brasília não tem centro de aglutinação. Onde as trocas poderiam se dar? Lucio
Costa imaginava que se fizessem nas ruas comerciais das super-quadras e, mais
amplamente, no cruzamento dos eixos rodoviários:
É que eu tinha concebido essa plataforma rodoviária, no Plano Piloto,
como... um... centro muito cosmopolita, compreende? Que era o centro
urbano. Que essa plataforma, na coberta da plata... da estação rodoviária...
era um, era ali que o centro urbano, a cidade, o ponto de encontro. De
modo que eu tinha concebido na, na época do Plano Piloto, aquilo como
uma coisa muito civilizada e cosmopolita. O café, com aquela vista linda da
esplanada, compreende? E, e tudo ali, né? Eu, quando, quando estive
dessa última vez, consta... constatei que lá tarde, é exatamente á tardinha,
á noite, anoitecendo, aquela hora em que, em que, o pessoal, se mandar
para aquelas cidades-satélites ao redor do plano, e, e, senti, percebi, que
essa plataforma invés daquele centro cosmopolita requintado que eu tinha
elaborado, tinha sido ocupado pela população periférica, compreende? A
população daqueles candangos que trabalharam em Brasília. Era o ponto
onde... de convergência, compreende? Onde eles desembarcavam e, e,
havia então essa, esse traço de união, era um traço de união da população
a... da população burguesa burocrata, compreende? Com a população
obreira e, e, que vivia na periferia, né? De modo que eu senti que isso tinha
tomado conta daquilo e de fim me deu uma impressão muito feliz de estar
vendo aquele pessoal com umas caras saudáveis, muito boas, que o
pessoal em Brasília tem um ar saudável. E, e protelando a viagem para
casa, bebericando, conversando, tomando conta da rea, compreende? De
modo que invés de, de uma flor de estufa como eu disse. Uma coisa
requintada, meio cosmopolita, meio artificial. Foi o Brasil de verdade, o
lastro popular do Brasil é que tomou conta da rea. Isso deu uma força
enorme da capital, compreende? Me fez feliz de ter contribuído
involuntariamente, compreende? Para essa, essa realização. (COSTA,
1988, sp).
221
Contudo, nem mesmo Lucio Costa poderia ter previsto o crescimento
populacional da nova capital, que havia sido projetada para um universo de 500 mil
habitantes no ano 2000, quando somou cerca de 2 milhões de almas. A população não
adensou o Plano Piloto, mas as cidades satélites, desde a construção cidades-sem-lei.
As soluções arquitetônicas também não agradam a Vasconcellos, que critica o
uso exagerado dos subsolos e os imensos painéis de vidro – marca da arquitetura de
Oscar Niemeyer na capital federal.
A despeito disso, mais uma vez Sylvio sublinha a promessa de um futuro melhor
que se anuncia no espaço de Brasília. As comparações com as circunstâncias
ambientais de outras cidades desenham uma Brasília verdadeiramente paradisíaca, o
éden prometido. Contudo, não elimina o isolamento em grupos. Este abre caminho para
a crítica externa, contra a qual Vasconcellos prontamente se coloca. O técnico
estrangeiro não é capaz de compreender os motivos e os meios, por isso critica.
Brasília tem sido vítima predileta dos últimos urbanistas que estiveram no
Brasil. Por ocasião do último Congresso Internacional de Críticos de Arte,
não só técnicos ingleses como Bruno Zevi, italiano, não pensaram duas
vezes antes de condenar a solução adotada em Brasília. Acharam tudo sem
escala humana, monumental demais, frio, etc. Já se prenunciava no mundo
chamado desenvolvido o urbanismo romântico, voltado para as soluções
medievais de becos e travessas que pouco depois Jane Jacobs elogiaria.
Agora aparece um tal de Max Lock, inglês autor dos novos planos da
Capital da Nigéria. Por sua vez condena Brasília porque seu plano não
cogitou da auto-sustentação. Julga tudo errado simplesmente porque
Brasília não cogitou de incorporar zonas de atividades diferenciadas. Não
tem área industrial, área agrícola, comercial, residencial e administrativa
definidas e separadas.
Evidentemente trata-se de uma incompreensão colossal do urbanismo
proposto e de seu condicionamento. Incompreensão absolutamente
inadequada para um técnico de categoria e surpreendente.
Brasília foi proposta apenas como capital do país e nada mais. Foi proposta
exatamente com a finalidade de proteger a cidade de implicações alheias à
administração. Justamente aquelas que determinaram o afastamento do
poder público do Rio de Janeiro, onde os problemas locais perturbavam a
visão nacional e a tranquilidade necessária ao seu enfoque. De certa
maneira o que se procurou foi o exemplo de Washington que também não
tem indústria nem agricultura adjacente e nem por isso deixa de ser a
capital do país mais poderoso do mundo. (VASCONCELLOS, O urbanismo
brasileiro e o técnico estrangeiro, 1968, p.6).
Sylvio, porém, não discorda plenamente dos críticos citados. Vimos
anteriormente como coaduna com as concepções organicistas de Bruno Zevi, e aqui
percebemos como as idéias propagadas por Jane Jacobs (2000) são um novo
referencial. Afirma: “Por isso mesmo tem sido advertido que Brasília não possui escala
222
do homem; tem escala de multidões. E o homem é sempre um perdido, um isolado, um
ilhado nas multidões.” (VASCONCELLOS, Inquérito nacional de arquitetura, 1963, p.38).
Ao inquirir aos entrevistados – Vasconcellos, Sérgio Bernardes e o próprio Oscar
Niemeyer – se deveria haver censura estética no Brasil à feição do ocorre em Brasília, o
Inquérito Nacional de Arquitetura buscava avaliar as condições de produção da
Arquitetura brasileira e os parâmetros estéticos vigentes. Para Vasconcellos, não houve
censura estética, como aliás os dois outros entrevistados também afirmam, tão somente
a definição de regras de composição. Deste modo, a cidade suplantaria o edifício, em
uma primazia do coletivo sobre a expressão individual, o que definiria uma necessária
condição pública para a Arquitetura. Nosso autor segue, contudo, questionando:
Será conveniente fazer prevalecer a cidade sobre a casa? Será vantajoso
objetivar-se a harmonia dos conjuntos em prejuízo da liberdade de suas
partes componentes monotonizadas? Uma cidade padronizada não seria
uma cidade excessivamente racionalizada? Com esta censura vigorante
teria existido um Gaudì ou mesmo um Niemeyer? (Vasconcellos apud
INQUÉRITO NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963, p.38).
223
5.2.4. Planejamento urbano na América Latina
A crítica à desumanização dos espaços urbanos converte-se em uma reflexão
sobre a atuação dos arquitetos no planejamento urbano na América Latina. Principia por
analisar o problema historicamente:
Desaparece a aristocracia e, por sua vez, a ordenação urbana rígida. As
cidades começam a crescer sem atenção ao esquema hipodâmico. Não há
mais planos. As elites sentem-se intranqüilas no centro e dele se afastam e,
como elas, a classe média mais favorecida. O centro é tomado pelo
comércio e a área imediatamente adjacente fica vazia, abandonada.
Transforma-se em zona deteriorada onde se localizam as casas de aluguel,
cabeças de porco, pensões, pequenas artesanias, prostituição, hotéis de
segunda categoria, etc. Ocorre uma verdadeira troca de posição: antes, o
escalonamento social manifestava-se do centro para a periferia em ordem
decrescente; agora inverte-se a ordem que passa da periferia para o centro.
Contudo, paralelamente, ainda se mantém uma ordem decrescente de valor
(econômico quanto ao preço dos terrenos, etc.), do centro para a periferia,
onde se implanta a população mais humilde. Na realidade há um esquema
social definido mas a este não corresponde um esquema urbano nítido. A
cidade tumultua-se, atomiza-se. Por um lado adensa-se extraordinariamente
o centro; de outro expande-se explosivamente a periferia.
O crescimento das cidades, sem planificação, realiza-se por sucessivas
trocas de posição de seus segmentos e por justaposição destes. Tão mais
anarquicamente quão maior for a taxa de crescimento demográfico e o
desenvolvimento econômico que influi na estrutura social.
Um zoneamento mal compreendido levou, desde logo, ao confinamento,
visando alguns estratos sociais, as elites, a se isolarem do contexto urbano
como a proteger-se contra sua contaminação, e outros a serem isolados
para não contaminarem dito contexto. Todos os loteamentos destinados à
gente rica voltaram-se para as áreas cada vez mais afastadas do centro, em
sítios suburbanos aprazíveis; todos os conjuntos destinados à populações
mais humildes optaram por construções mínimas, em áreas mínimas
estanques e desvalorizadas. Em nenhum dos casos houve preocupação de
se integrarem as novas áreas construídas à estrutura urbana como um todo
orgânico de segmentos interdependentes. O ponto de contato é o centro
onde se vai por obrigação e de onde todos fogem tão logo possível.
As cidades não apresentam esquemas nítidos. São tentaculares pelas
grandes avenidas que se dependuram no centro; são concêntricas, na
distribuição dos grupamentos; emaranhadas na rede viária; e mosaical na
justaposição de seus segmentos confinados. Há um contínuo social mas
não urbano, porque ao se estabelecer e definir aquele, este não o
acompanhou paralelamente: baralhou-se apenas.
Conseqüência inevitável de tal circunstância é a segregação. Segregação
de cada segmento em relação a outro e ao conjunto. Dilui-se o espírito
comunitário e a cidade, que teve seu esquema confundido por um câmbio
social, passa a influir maleficamente sobre a sociedade, agravando conflitos
e impedindo sua integração. A importância do confinamento físico
apresenta-se de maneira clara no segregacionismo norte-americano. É o
exemplo mais radical na espécie. Enquanto não se integrarem na cidade os
segmentos negros, os segregados de cor não se integrarão na sociedade
global.
224
Da mesma forma, enquanto não se integrarem, nas cidades latino-
americanas, os segmentos ocupados ou destinados aos marginalizados,
não se integrarão estes na sociedade global. Todas as iniciativas
localizadas, caracterizadas pelo atendimento das necessidades de cada
conjunto, considerado como uma unidade autônoma e isolada, mais a
segregará. (VASCONCELLOS, Estrutura social e estrutura urbana, 1967,
p.16-17).
Vasconcellos busca explicar o fenômeno de urbanização desenfreada na
América Latina através do sistema de colonização, que teria gerado três camadas
sociais distintas: “[...] colonizadores, elementos de relação e escravos (índios e
africanos).” (VASCONCELLOS, Urbanização na América Latina, 1966, p.12). O
artificialismo da geração de classes e a relação de vínculo sempre mantida com a
Metrópole não teria conduzido a uma evolução natural – termo utilizado pelo autor – na
relação entre classes, que na Europa teria se resolvido com a bipolaridade: aristocracia
X plebe. Substancialmente, Vasconcellos não analisa que tais relações antagônicas
também se deram em solo europeu, e que vieram a conformar uma série de disputas de
ordem social e política. Importantes são, evidentemente, as distinções dos processos
históricos de colonização ocorridos na África, na América do Norte e na América Latina,
mas as explanações são limitadas. Vasconcellos toma, aliás, o efeito pela causa, e
insere em um mesmo bojo as diferentes formas de colonização empregadas na América
espanhola e na América portuguesa. Embora as circunstâncias geradas para a
economia (latifúndio exportador, importação de bens de consumo), para a sociedade
(elites reduzidas, massa servil) e para a organização política (autocratismo, alienação),
no que tange à ocupação do território, há diferenças consideráveis.
Discute com aspereza o problema da urbanização desenfreada, fundamentando-
se em dados demográficos precisos, para indicar com ainda maior acidez as
consequências do crescimento não programado e da densificação: a marginalização das
camadas sociais mais pobres.
Marginalidade que multiplica favelas, “callampas”, “vilas misérias”, etc.
vários nomes de um só fenômeno: concentrações humanas fora da
sociedade moderna. Em número crescente, assustador, sitiando a cidade
com suas aspirações.
Não se trata apenas de gente pobre no conceito tradicional. São populações
imensas, em crescimento, que estão criando uma dualidade na América
Latina, antagônica e explosiva. Dois mundos que se tocam fisicamente, mas
absolutamente distintos: o que participa da civilização moderna e o que dela
não participa. Um mundo organizado e outro não-organizado. Um mundo
que dispõe dos bens incorporados à civilização e outro que a eles não tem
acesso. Um mundo que participa das decisões que comandam a sociedade
e outro alheio a elas. . (VASCONCELLOS, Urbanização na América Latina,
1966, p.12).
225
As afirmações de Vasconcellos frequentemente mantêm sua atualidade, o que
nos conduz a uma outra interpretação crítica por parte do arquiteto, a saber: a
incompreensão do real significado e dimensão do planejamento urbano. O falso
planejamento é denunciado como um problema de gestão pública, corroído pela
perspectiva político-eleitoreira que é dada aos planos urbanos.
É o que acontece, por exemplo, com os programas de desenvolvimento de
todas as cidades do Brasil atual. Resumem-se, no mais das vezes, no
planejamento de uma área industrial. Traçam-se ruas muito direitinhas,
definem-se lotes e está tudo terminado. Agora a indústria ali se instalará
para a felicidade geral de todos. O tal de planejamento restringe-se à mera
localização de lotes. A administração encontra que fez o que lhe competia:
o plano. O resto virá em consequência.
Exemplo porém, mas significativo na espécie são os chamados planos
diretores. A mágica aqui adquire dimensões extraordinárias. Algumas
Prefeituras criam seu próprio serviço do plano diretor. Criam-no e mais
nada. Entende-se que sua existência já é tudo. Não será preciso dotá-lo de
técnicos capazes, nem de ouvi-lo ou deixá-lo atuar. Basta existir. Outras
Prefeituras acreditam que Plano Diretor constitui-se de um projeto completo
e acabado da fisionomia urbana. Contrata-se então um técnico que,
particularmente, se põe a traçar avenidas e ruas novas para apresentar, em
final, um projeto muito bonitinho de uma cidade ideal que jamais será
construída. Muda a administração e o projeto é, naturalmente, engavetado.
Passou-se o tempo, novos problemas se apresentaram: é preciso fazer
novo projeto. Há Prefeituras que devem possuir em seus arquivos dúzias e
dúzias de projetos como os em referência. A cidade continua a crescer
vertiginosa e anarquicamente. Quando se pergunta porque a resposta inclui
surpresa: mas como? não há um plano diretor já feito? Há, sim, entregue às
traças dos arquivos. (VASCONCELLOS, As cidades, a planificação e a vã
filosofia, 1967, p.4).
Uma adequada postura diante do planejamento urbano exigiria, evidentemente, o
resgate da perspectiva técnica, em abandono às conduções imediatistas exigidas pelos
quatro anos de uma administração pública. Colocar a casa em ordem, nos diria
Vasconcellos há três décadas, antes de elaborar mirabolantes e pontuais intervenções.
Desta maneira configura-se a América Latina como sede de características
específicas no que diz respeito à estruturação da civilização moderna:
extrema velocidade de câmbios e extremo desequilíbrio orgânico. É a partir
desta verdade que todas as tentativas de solução para os dramas locais
devem se orientar. A fundamental tentativa, nesse sentido, só pode ser,
evidentemente, a de planificação corretora, visando, precipuamente, dois
objetivos preliminares: amenizar a velocidade de câmbios e equilibrá-los.
Em outras palavras: buscar, antes de um desenvolvimento a qualquer
preço, ainda anárquico, sua organização para que permita um
desenvolvimento simétrico. (VASCONCELLOS, Urbanização na América
Latina, 1966, p.12).
226
A ordenação do caos existente, tomada como ponto de partida, exige um
alargamento do foco de intervenção, de modo a considerar a discussão acerca do tema
dos conjuntos habitacionais.
Ocorre, porém, que muitas vezes soluções que buscam aperfeiçoamentos
sociais são obstaculizadas exatamente pelas implicações físicas que
informam seus objetivos. Exemplo decisivo a respeito é o constituído pelas
iniciativas destinadas a incorporar grupos populacionais marginalizados à
sociedade global, propiciando-lhes casas em conjuntos chamados
populares, localizados em áreas totalmente isoladas da cidade, com a qual
mantêm contato, mas com a qual não se integram. Na verdade estas
verdadeiras ilhas mais confinam e discriminam que integram. No caso
espelham uma situação preexistente, mas não contribuem em nada para
superá-la. Antes a mantêm e impedem sua superação. (VASCONCELLOS,
Estrutura social e estrutura urbana, 1967, p.14).
O problema da habitação, aqui entendida no sentido organicista de “casa”, é a
humanização, e converge para a cidade humanizada de Jacobs (2000).
Mais grave é o problema da casa popular que se insiste em construir
isolada, com seu jardinzinho e quintal. Os serviços públicos se estendem,
os transportes idem, e a terra se desperdiça. Em geral não se tomam em
conta o custo total desta solução, só computando o da construção em si
que, ainda assim, vem determinando a redução crescente da área útil, para
ajustar seu preço à capacidade de compra do povo humilde. Menos espaço
por alto preço não é solução econômica. Pode ser coisa de pouco dinheiro,
mas não coisa barata. Nunca.
Por outro lado, estruturas moduladas, contínuas, são construções
extremamente fáceis e baratas. Por que não oferecer ao povo espaços
cobertos, em pavimentos, indivisos e sem mais nada, deixando a seus
ocupantes a tarefa de dividi-los e de provê-los dos serviços necessários?
Não seria muito mais adequado do que provê-los de lotes de terreno com
casinholas que são mais gaiolas do que casas? (VASCONCELLOS,
Construções mais racionais, 1978, p.6).
Na verdade o problema da moradia continua a ser tratado como um
problema fácil, de mera construção de caixas onde se colocam pessoas,
ocupando o mínimo espaço possível, o mínimo de área urbana viável, a
mínima funcionalidade, o mínimo preço, etc. etc. Como se se tratasse não
de atender à vida mas sim de restringi-la, de condensá-la, de comprimi-la. O
problema não é este, não é o de caber alguém dentro de alguma coisa. É
infinitamente mais que isso: é atender à vida, deixá-la existir, expandir-se,
realizar-se.
Até os bichos têm casas adequadas à sua maneira de viver. Por que não o
homem? (VASCONCELLOS, Habitações para o povo, 1967, p.30).
Se o problema reside na dignidade do habitar para o homem, incluindo aí a
extensão coletiva deste habitar, que atributos a cidade deveria apresentar? A resposta
indicada por Vasconcellos não reside no pragmatismo das funções, mas em pequenas
227
nuances que o espaço comporta e que singularizam o lugar. Elas dizem respeito a um
entendimento supra-material, metafísico da cidade: a memória.
Tenho muita pena da infância atual, cuja memória não se enriquecerá de
apitos dos trens e de chaminés fumarentas. Nem de arrepios gélidos ou
cálido suor. Lembra-se apenas do clima sempre igual, do silêncio, das
casas herméticas e da paisagem morta. Não mais de maravilhas telúrgicas,
do ouvir e entender estrelas, não mais, nunca mais. Não mais banhos de
rio, pesca de piabas ou brinquedo de rua. Porque tudo se diz poluído e
perigoso. Excursão virou camping como todo o conforto moderno.
Brinquedo já vem pronto da loja, calor e frio resolvem-se com um
termostato. E a infância atual fica um vazio sem memória. Aprisionada pela
modernidade. Pode ninguém concordar comigo, mas insisto que gostei
muito, e gosto ainda, das líricas poluições de minha infância. Sem
excessos, é claro. (VASCONCELLOS, Hoje não mais, nunca mais, 1977,
p.6).
Encontramos, por meio de Sylvio, dois exemplos: as cidades setecentistas
mineiras e Washington.
227v
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311
228
5.2.5. “Washington, cidade das cerejeiras”
As povoações de Minas são muito mais fruto das estradas ou caminhos que
ligavam as minerações que propriamente destas. Suas ruas são sempre
antigas estradas. Por isso mesmo foram, a princípio, chamadas de rua da
Praça, da Matriz, da Câmara, etc. Não porque nelas se localizassem estas
edificações, mas porque a elas conduziam. Por isso mesmo ainda hoje os
habitantes da zona rural tratam a cidade como “a rua”, no singular, como
uma reminiscência do trecho único da estrada, onde se construíam
estabelecimentos comerciais. “Vou à rua fazer compras”, dizem. E,
realmente, à rua quase só vão com essa finalidade. A cidade é o
entreposto, o local de suprimento e das trocas comerciais. É ainda por isso
que, ao contrário das povoações litorâneas, onde as igrejas colocam-se no
interior das quadras, tangenciando os logradouros públicos, em Minas os
templos são erguidos no centro de largos, circundados por praças ou ruas e
independentes das quadras urbanas deles vizinhas. Em muitos casos
inserem-se em terrenos definidos por bifurcação de estradas ou em outeiros
a cavaleiro delas. Essa solução, de certo modo, valoriza bastante os
edifícios religiosos, acrescentando às povoações um incipiente paisagismo
e bons efeitos de perspectiva, normalmente ausentes das cidades
litorâneas. Por sua vez, a configuração espontânea e longilínea dá às
povoações uma configuração mais orgânica, uma adaptação maior às
condições do terreno e um agenciamento natural bastante diverso do
racional partido preconizado pelas “Leis das Índias”. O traçado fica mais
dinâmico e, freqüentemente, permite arranjos plásticos, que funcionam
como cenários, em perfeita harmonia com a paisagem circundante. O
povoado cresce como lhe convém, espicha e encolhe, conforme seu estágio
de desenvolvimento; ameniza os aclives com traçados coleantes, absorve
os terrenos mais favoráveis e rejeita os impróprios, participando da vida de
seus habitantes, como uma entidade também viva e livre das contenções
determinadas por regras fixas ou tentativas de racionalização divorciadas da
realidade. (VASCONCELLOS, Formação das povoações de Minas Gerais,
1958, p.6).
Para Vasconcellos, a cidade é o lugar das trocas públicas e a rua seu palco.
“Rua” aqui entendido, conforme nosso autor, como espaço público: praça, adro, ou rua
mesmo. Caracteriza-se por uma certa homogeneidade do entorno, para fazer aflorar o
marco público, o monumento: palácio, igreja, ou monumento mesmo. O quadro se
compõe como tela de Guignard, saltam aos olhos dos indivíduos aquilo que os faz um
corpo único.
A cidade é teatro das ações humanas, onde o cidadão-ator assume seu lugar na
História. Tal como na Florença do cinquecento, em que o David (1504) da Piazza della
Signoria encara, com olhar infinitizado, um futuro promissor, seguro das possibilidades
humanas. Ao mesmo tempo, a cidade é entidade, “viva e livre”. Em Sabará, por
exemplo, tão importante quanto Borba Gato ou os monumentos, são as jabuticabas.
229
Sabará desfigurou-se em seu conjunto, é verdade. Não perdeu, contudo,
suas jóias mais preciosas. Tem dois rios que se abraçam, praias imensas
de cascalho lavado pelas mãos ávidas dos forasteiros, tem Matriz das mais
velhas e conservadas, Capelas do maior requinte e nobreza, tem
residências sem igual, um Museu de fama e tem, ainda, um dos mais
antigos teatros do continente.
Não convém se considere Sabará pela impressão primeira, presidida pelas
deformações arquitetônicas e pelas chaminés siderúrgicas. Digamos que
Sabará deixou perder seu ambiente. Não se desmereceu, porém. Sua
importância é considerável em confronto com qualquer outro sítio tradicional
das Minas e, em muitos aspectos a qualquer um suplanta. Inclusive porque
tem jabuticabas também. E das mais saborosas de quantas existam.
É preciso que a própria população se compenetre disso, valorize o berço e
o coloque na posição que incontestavelmente lhe pertence. Parece que isso
começa a acontecer e as próprias autoridades locais se apaixonam por
essa valorização. Oxalá, Oxalá. Entre Borba Gato e as Jabuticabas há um
mundo de coisas acontecidas. (VASCONCELLOS, Sabará, de Borba Gato a
jabuticabas, 1967, p.2).
Assim como em Vila Rica, de cuja paisagem serpenteante entre morros e vales,
saltam imemoriais personagens.
Por mim, tenho que Ouro Preto corresponde a tudo que se lhe decanta,
porém é mais ainda e não é nada em particular. Antes de tudo, é ambiente
onde cada um se encontra consigo mesmo e deixa expandir-se a
sensibilidade. Por isso, uma verdadeira viagem a Ouro Preto define-se
pelas descobertas. Não de coisas jamais pecebidas ou cantadas, mas
descobertas da própria alma, através de suas comunicações com as coisas.
A isso Murilo Mendes se refere com a sutilizes de sua poseia – “Minh’alma
sobe ladeiras, minh’alma desce ladeiras, com uma lanterna na mão.” E as
ladeiras se desdobram, coleantes, perdidas em seus leitos eternos, ante
nossos olhos perplexos.
Bate um sino, rachado, além, e sua voz rouca ecoa por dentro da gente. [...]
Vila Rica é uma presença; o tempo e o espaço o mesmo e transmudado. Há
que descobri-la em nós mesmos, no reflexo espontâneo que de nós se
apodera, na memória revivida, no anseio, nos impulsos generosos em nós
contidos, na snsação de paz e tranquilidade, no desejo e no amor enfim.
Principalmente no amor que ainda resta em nós. (VASCONCELLOS, Um
Ouro Preto diferente, 1967, p.6).
No espaço destas cidades sedimentam-se memórias, em estratos históricos que
não se arrasam uns aos outros, mas que se aglutinam formando matéria sólida.
Em primeiro lugar, trata-se de um espaço estriado, de acordo com as
características a ele dadas por Deleuze e Guattari: um espaço sedentário,
orgânico, constituído de funções formadas e de matérias sedimentadas.
Trata-se também do espaço das sedimentações históricas, isto é, dos
estratos históricos que vigoram nos dispositivos de saber efetuado pelas
instituições, pelo aparelho de Estado, em suma, pelas segmentações
sociais. É, portanto, um espaço físico e vivido. (Maciel in COSTA &
GONDAR, 2000, p.12).
230
A vivência do espaço estriado não se resume a Sabará, Ouro Preto ou
Diamantina. Washington, a capital norte-americana, lugar de seu exílio, poderia
representar a antítese das Minas. Desde a escolha do território para a localização da
cidade – inserida no Distrito de Colúmbia, deveu-se às crenças do então Presidente
George Washington (1732-1799) de que a região em torno do rio Potomac teria enorme
potencial comercial – até a distribuição das funções urbanas, todo o plano fundamenta-
se na racionalidade.
A terra localizada na junção dos rios Potomac e Anacostia, consistia em uma
densa mata inundável e de pequenas propriedades agrícolas, prontamente doadas para
a construção da capital. A locação do terreno quadrado de 10 milhas (equivalente a 16
quilômetros) de lado foi feita pelo engenheiro Andrew Ellicott (1754-1820), com a ajuda
de Benjamin Banneker (originalmente Banna Ka, 1731-1806), negro forro, autodidata em
matemática e astronomia. Implantar a nova capital significava desbravar a América.
O plano urbano foi originalmente elaborado por Pierre L’Enfant, arquiteto francês
formado na Academia de Belas Artes de Paris que se engajara no exército da
Revolução Americana. Sua amizade com o presidente lhe valeu não apenas
reconhecimento como arquiteto, engenheiro e planejador urbano, mas a tarefa de
“transformar um ambiente selvagem em um Jardim do Eden”, conforme suas palavras. A
civilização supera a natureza.
L’Enfant parte da localização do Capitólio sobre Jenkins Hill, com uma vista
abrangente do rio Potomac. A partir daquele ponto, estendia-se no sentido oeste a
“Grand Avenue”: um eixo de 122 metros de largura. Ao longo deste eixo monumental
estariam alinhados os ministérios e as instituições culturais, e ao seu fim, uma estátua
equestre de George Washington. Deste ponto parte um outro pequeno eixo, conectado
à residência oficial, que retornaria ao ponto de origem por meio de um corredor
comercial em diagonal. L’Enfant planejava incluir canais junto ao tecido urbano, partindo
da enseada, e conectando os principais pontos naturais, como o Tiber Creek.
O restante da cidade compunha-se de uma grelha de vias – não equidistantes –
interceptadas por avenidas diagonais, que definiam entre si “rond-points”, pensados
como focos das vizinhanças ou nós da trama urbana. É notável o uso dos nomes dos
estados confederados para a designação das avenidas, enquanto as vias da malha são
nomeadas à tradição norte-americana, ou seja, a partir de um ponto específico, neste
caso o Capitólio, as vias são numeradas no sentido leste ou oeste e recebem letras no
sentido norte ou sul.
230v
312
231
O planejador entra em choque com os comissários do Distrito, responsáveis pela
construção da cidade, dentre eles, o Secretário de Estado Thomas Jefferson (1743-
1826), um homem letrado, conhecedor das regras clássicas da Arquitetura, até que em
1792 foi demitido de seu cargo. Em razão disto, o plano ficou incompleto, embora
Andrew Ellicott, o novo arquiteto, tenha utilizado de descrições e notas para produzir
dois novos mapas. Em geral, Ellicott e o assistente Banneker aderiram às idéias de
L’Enfant, omitindo apenas algumas diagonais e estreitando outras.
Washington foi uma das poucas grandes capitais do mundo inteiramente
planejada antes de ser construída. O arquiteto, autor do plano original, foi
um francês chamado L’Enfant. Na embocadura de dois rios que a partir do
local formam uma enseada desaguando no mar, a cidade tem suas ruas
todas retas, cruzando-se em ângulos retos. Algumas avenidas atravessam o
reticulado urbano obliquamente. Há praças por todos os lados e as vias
públicas são amplas. Sente-se perfeitamente o espírito racional francês que
apareceu com Hausmann em Paris. Do ponto de vista de cidade agradável
para se viver, Washington é, porém, bastante melhor resolvida que Paris
com seus dois mil anos de sucessivas modificações. (VASCONCELLOS,
Washington, cidade das cerejeiras, 1970, p.3).
Cidade cartesianamente planejada
64
, não corresponde, contudo, às críticas
empreendidas ao modelos do CIAM:
A cidade é, de certo modo, tranquila, a despeito de seus quase dois milhões
de habitantes, se considerarmos as zonas habitadas vizinhas do Distrito
demarcado. A ordem é de tal modo respeitada que não há atropelo, nem
barulho, nem confusão de tráfego. O movimento é contínuo, porém, fluido,
de gente e máquinas, silencioso.
Há comércio espalhado por todos os lados. Grandes e pequenos magazins,
restaurantes de luxo ao lado de populares. Não existe quase separação ou
discriminação entre uma zona ou outra da cidade, ou entre pobres e ricos.
Tudo se mistura quase sempre. (VASCONCELLOS, Washington, cidade
das cerejeiras, 1970, p.3).
Esta última referência é oculta uma realidade. Sabe-se que Washington é uma
das cidades norte-americanas mais discriminatórias, apesar do imenso contingente
populacional negro. Discriminação velada, como uma linha invisível no traçado de
L’Enfant. Mas Washington, com suas cerejeiras, suplanta L’Enfant. A natureza vence a
racionalidade.
64
Claro que há bairros mais novos e mais modernos. Outros são mais antigos e começam a ser remodelados. O
mais velho é Georgetown onde George Washington morou antes de ser construída a cidade que tomou seu
nome. É o Quartier Latin de Washington. Toda a área é considerada monumento nacional, assim como Ouro
Preto. Intocável. Bares, estudantes, restaurantes, antiquários, galerias de arte. Uma Ouro Preto diferente,
inglesa, não barroca, com suas casas de fachadas estreitas, madeira, tijolos à vista. É o bairro de imóveis mais
caros. (VASCONCELLOS, Washington, cidade das cerejeiras, 1970, p.3).
232
A primavera chega e todas as cerejeiras que enfeitam os jardins, que
cercam os edifícios do governo, tornam-se como buquês de flores coloridas,
do branco ao rosa, com tons de violeta. Os galhos dobram-se de flores. A
delicadeza e a graça enfrentam a realidade objetiva dos fortes muros
austeros. Ainda os verdes não vestiram as árvores todas, de galhos secos
em feixes, e já as cerejeiras sorriem em alegre beleza. A população se
extasia. Moças deitadas na grama, casais de velhos aconchegados nos
bancos, crianças irrequietas, saltitantes, todos se deixam influir pelas
cerejeiras em flor.
Os homens sisudos continuam a resolver e a recriar de novo sérios
problemas para o futuro. A natureza, indiferente, explode em cores,
renovando a vida.
Vale a pena ver Washington na primavera. Não é infantil como a
Disneylândia, nem agressiva como Nova Iorque. É uma cidade já velha de
alguns séculos, com vestígios ainda de sua infância por todos os cantos,
com experiência acumulada em vários lados mas, principalmente, com um
particular encanto, uma atmosfera de vida como deveria ser sempre vivida,
talvez inigualável e sem paralelo em qualquer outra cidade do mundo.
Washington é séria e ordeira. Calma. Tranquila. Cheia de dignidade. Ao
mesmo tempo é álacre no comportamento livre de seus habitantes, emotiva
em sua história preservada em monumentos, e bela nas perspectivas que
ao longe se perdem, verdes em campos, translúcidas nas águas que a
protegem, bailando ao vento do mar carinhando suas cerejeiras em flor.
(VASCONCELLOS, Washington, cidade das cerejeiras, 1970, p.3).
Assim como a casa modernista se redesenha sob o traço de Vasconcellos, que
incorpora valores ambientais originados da tradição, também a idéia de cidade
paulatinamente vai desconstruindo os princípios do urbanismo funcionalista em favor
dos lugares públicos. A Washignton de Sylvio de Vasconcellos, assim como a Belô, não
é a cidade cartesiana contida nas linhas abstratas do plano. As duas cidades são mais
do que o traçado; são o lugar para a atuação política – referente à pólis – do arquiteto,
para a configuração de um espaço capaz de conter as interações entre a tradição e a
modernidade.
PARTE II
ARQUITETURA PARA ALÉM DA FORMA
CAPÍTULO 6
COMO SE CONSTRÓI UM ARQUITETO?
235
Arquiteto não “rabisca”, arquiteto risca. (COSTA, 1995, p.119, grifos do
autor).
Na epígrafe de “Interessa ao arquiteto”, Lucio Costa incisivamente afirma que a
Arquitetura é ato intencional, reflexivo, consciente, ainda que emergente de um traço
espontâneo. Continuando sua argumentação, reporta à necessidade de uma concepção
íntegra da Arquitetura:
A concepção arquitetônica tanto pode resultar de uma intuição instantânea
como aflorar de uma procura paciente. Seja como for, porém, para que seja
verdadeiramente arquitetura é necessário que, além de satisfazer às
imposições de ordem técnica e funcional e atender ao programa proposto e,
consequentemente, à conveniência dos futuros usuários, uma intenção de
outra ordem e mais alta acompanhe pari-passu a elaboração do projeto em
todas as suas fases. (COSTA, 1995, p.119, grifos do autor).
Como vimos nos capítulos precedentes, os estudiosos da Arquitetura têm se
debruçado sistematicamente sobre esta “outra ordem” sem, contudo, alcançar uma
unidade conceitual capaz de nominá-la. Seria esta a venustas” de Vitruvio, um deleite
que se imprime sobre o indivíduo que recebe a obra? Poderia manifestar-se na
“máquina de morar” corbusiana, ou em algum outro manifesto vanguardista de início do
século XX? Se o sentido de beleza contido nesta “outra ordem se situa para além de
uma circunscrição ao campo da Estética, como nos induz a pensar Lucio Costa, que
elementos comporiam esta unidade conceitual, capaz de reverter a mera construção em
Arquitetura?
Como Sylvio de Vasconcellos definiria estes “elementos sem nome”? Em outras
palavras, em que consiste a essência da Arquitetura para nosso interlocutor? Até aqui,
vimos como Vasconcellos mediou ou fez ecoar princípios e conceitos que
fundamentaram a arquitetura moderna na primeira metade do século XX, e
acompanhamos a releitura por ele empreendida sobre estes mesmos temas. Doravante,
interessa-nos compreender como Vasconcellos elaborou suas próprias respostas. O
discurso proferido na ocasião de sua posse na direção da Escola de Arquitetura da
Universidade de Minas Gerais em 1963 elucida diversas concepções de Sylvio de
Vasconcellos acerca da Arquitetura, do exercício ético, do senso de dever público,
enfim, dos “bons propósitos”.
52
52
Conforme exposto na introdução, optamos por inserir algumas das citações por completo de modo a não
interferir na lógica e na expressão linguística do texto, ainda que estas sejam demasiado longas. O discurso de
236
Não é sem justificado orgulho que assumo a direção desta casa. Orgulho
cujas raízes se encontram na participação diuturna, já de longa data, da
aventura apaixonante que foi a criação e desenvolvimento desta Escola.
Contudo, é também com confessada humildade que recebo tal investidura,
pois as minhas aspirações jamais atingiram tais culminâncias, a gravidade
das tarefas que me são confiadas jamais corresponderam à capacidade de
bem desempenhá-las. Nesta conjuntura, vale-me, porém, o princípio que é
dever de cada um não se negar ao testemunho de sua presença ainda que,
por carência de possibilidades, não se alcancem os objetivos pré-
determinados. O dever e a luta, os bons propósitos, o esforço, o trabalho, e
não seus resultados ou a vitória. O dever é a colaboração, na hora exata, e
sempre que necessária, pressupondo-se, igualmente, de conformidade com
as circunstância e inteligência dos fatos, para aceitação de suas posições e
lógica sucessão.
Para felicidade nossa, contamos com professores do mais alto padrão,
cujos maiores méritos não sabemos se demonstram mais no valor
intelectual ou dedicação ao ensino. Evidencia-se, assim, que a escolha de
meu nome para cumprir-lhes as determinações não se apoiou em
prevalência de capacidade, correspondendo apenas à natural e
aconselhável rotatividade de posições, visando o combate aos males da
perpetuação delas. No caso presente, junta-se ainda a esta saudável
ostentação, a natural preferência, menos pela pessoa, do que pela sua
qualidade de arquiteto que, embora não deva salientar-se onde deve ser
considerada apenas aquela do magistério, normalmente cabia considerar
como o são outras, equivalentes, em circunstâncias correlatas.
Em consequência entendo – e desde logo desejo deixar claro – que não me
julgo no direito de permanecer nas funções ora assumidas nem um minuto
além daquele em que periclitar sequer a confiança que me é deferida pela
Egrégia Congregação, com beneplácito generoso desses moços que,
arquitetos de amanhã, sempre considerei mais colegas do que alunos.
Em virtude dessas considerações, me eximo de promessas a cumprir ou de
programas a se executar, porquanto se resumem num só desejo: o de
servir. Servir, não no sentido figurativo das palavras, mas em sua integral
significação, traduzida no cumprimento das ordenações que o Egrégio
Colegiado desse Estabelecimento houver por bem adotar e no atendimento
sempre que possível, às solicitações da juventude que o frequenta,
juventude essa, merecedora do maior acatamento, em virtude dos ideais da
franqueza e honestidade de propósitos que nela se reconhecem e que se
manifestarem, inclusive nas iniciativas tomadas com relação à Diretoria
dessa Escola, mantida sempre dentro da mais estrita ética, respeito e
ordem, não obstante os obstáculos que se foram antepostos, alunos,
lamentavelmente, envolvendo até mesmo falsos argumentos de natureza
ideológica e políticas, que jamais deveriam ocorrer no ambiente escolar.
Haja vista também a oportunidades das reformas didáticas procedidas em
decorrência da nova legislação do ensino e que encontraram não só a
melhor compreensão, como mesmo entusiástica acolhida por parte do corpo
discente, resolvendo todas as dificuldades em clima da mais absoluta boa
vontade.
Na realidade, essa Escola vem atingindo, atualmente, uma nova
configuração, uma nova idade, uma nova etapa de sua história. Vencidos os
obstáculos da inércia, que se opunham à sua natural evolução e superados
posse é mote para a discussão dos pontos relativos à profissão de arquiteto-urbanista, que serão analisados ao
longo deste capítulo, quando serão retomados alguns trechos do discurso. Estes aparecerão entre aspas, com
referências.
237
os óbices, que normalmente ocorrem ao ensejo das transformações,
assiste-se agora a eclosão de uma plena maturidade.
O primeiro grupo de abnegados que a fundou, ampliou-se e renovou-se,
desaparecendo as limitações e as orientações antagônicas que, de fato,
não poderiam ser evitadas. O particular pede lugar ao geral, gerações
sucessivas que entrelaçam em promissor presente; dissolvem-se as
incompreensões e, embora as individualidades que afirmem cada vez mais,
como o convém, polarizam-se elas em torno de idéias, sem personalismo
ou preconceito.
Observa-se que os mestres cada vez a mais se empenham no atendimento
das justas solicitações da mocidade e que esta cada vez mais se inclina ao
respeito e obediência à orientação que lhe é oferecida. Tudo isso a ponto de
não mais nos considerarmos, todos, professores e alunos como partes
autônomas, mas sim integrantes de um só conjunto harmônico cuja
estrutura se alicerça na contribuição particular que cada um, definindo-se
porém, em soluções convenientes à comunidade.
Estou convicto de que as salutares transformações que ora se verificam
neste Estabelecimento, de qualquer modo se processariam, implicada na
fatalidade histórica que informa a evolução do País, quaisquer que fossem
as pessoas delas envolvidas. O fato, porém, de estarmos dela participando,
com a lucidez necessária, o equilíbrio desejado e a compreensão
indispensável, só pode ser motivo de júbilo, embora este júbilo se
acompanhe de confessado temor, quando considerados os encargos
atribuídos àqueles que, de uma ou de outra forma, foram colocados nesta
oportunidade em posição de particular relevo.
Conforta apenas reconhecer que, em verdade, não nos serão exigidos
resultados definidos e imediatos, senão tão somente a continuidade de um
desenvolvimento em plena florescência, integrado no próprio
desenvolvimento da Pátria, cujos resultados promissores já se delineiam
para a glória de seus mais altos destinos.
O que se deseja afinal é permanente e dinâmica melhoria, aperfeiçoamento
contínuo e evolução constante, ainda que muitas das tentativas que se
encetam neste sentido, por vezes se frustem, se neguem, se corrijam e se
substituam por outras que experiências sucessivas vierem a aconselhar.
O fundamento de todas essas mutações deve, necessariamente, assentar-
se no esforço comum, evitadas as reivindicações cujo atendimento se deixe
a critério de determinado organismo ou poder. Não mais cabe, também, nas
atuais circunstâncias as soluções aleatórias, consubstanciadas na
solicitação por que outros executem o que almejamos. Torna-se
imprescindível que não solicitemos mais, que não aguardemos as soluções
esperadas ou as reclamemos, mais [sic] sim que as obtenhamos nós
mesmos, que participemos de seu equacionamento, assumindo também a
responsabilidade pelas decorrentes. A crítica fácil, mas inconsequente. O
pedir e esperar é uma forma de adiar. Difícil, mas é nessa luta que nos
empenhamos, é resolver; ter a coragem de tentar, assumindo em comum,
os riscos da tentativa. Se estas considerações são válidas no âmbito
nacional, onde cada brasileiro está sendo convocado a participar do seu
desenvolvimento, válidas também o serão em cada setor de atividade da
nação e, precipuamente, nas Universidades. É nestas que se processam a
germinação das idéias, as pesquisas e a afirmação da cultura. E se a seus
integrantes são conferidos pelo povo excepcionais privilégios, deveres
também lhes devem caber, entre os quais salientam-se o de aproveitamento
máximo das possibilidades existentes, no que tange a completa preparação
para a vida e a retribuição futura, ao povo, em forma de trabalho correto e
eficiente.
A arquitetura, em particular, reclama de todos nós a maior atenção e
esforço. Não entendida como simples desenho de moradia, mas como
doutrina de planejamento do meio físico infelizmente não alcançada.
238
Embora a arquitetura brasileira tenha atingido posição internacional de
relevo, em verdade seus êxitos se apegam a poucos isolados exemplos. A
não difusão de uma boa arquitetura entre nós decorre, em parte do
desapego à sua importância por parte do povo, e também da incapacidade
nossa em fazer-mo-nos presentes no contexto social, atendendo com
proficiência suas sentidas solicitações. Para isto seria mister que nos
preparássemos de fato para todo tipo de planejamento desde aquele que se
refere ao objeto de uso corrente, até o das grandes áreas territoriais; seria
mister que nos assenhoriássemos de todas as técnicas que concorrem
nestes planejamentos, que exercessemos a profissão dentro dos princípios
da mais estrita ética; unindo-nos todos com vistas ao objetivo comum, à
vida, à escola, como fundamento de origem das finalidades que nos são
propostas.
Urge que espraiemos nossas atividades para além do desenho decorativo,
urge que iniciemos uma nova arquitetura que atenda às necessidades do
povo, perseguindo um planejamento correspondente a nosso espaço e
tempo, sem pretensões descabidas, com firmeza e determinação.
Impõe-se a aceitação de que cada atividade, cada tarefa, cada iniciativa a
que estejamos empenhados só tenha legitimidade quando implicadas ao
bem comum e mais alto da nação. E é com este espírito e imbuído da
mesma fé, da qual hoje participam todos os brasileiros, que venho de
aceitar os encargos que me são atribuídos. (VASCONCELLOS, Urge
iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11).
Ouvindo a voz de Sylvio, agora ele, sem as intermediações e/ou interpretações
de idéias de outrem, poderemos retomar as questões que iniciam esta parte da tese.
Uma aproximação às mesmas, contudo, parte da “construção” do sujeito-arquiteto,
aquele capaz de elaborar a “outra ordem”. Esta elaboração reside na formação
profissional regular, mas fundamentalmente em um aprendizado que ultrapassa a
academia. Será necessário retroagir, portanto, aos tempos do menino Vinho, em que
fileiras obedientes sistematizavam o aprender, e buscar compreender como nosso
interlocutor alcançou um sentido mais amplo de conhecimento a partir da literatura, da
filosofia, da experimentação e da inquisição acerca do mundo, para pudesse ele,
conscientemente, traçar uma rede de saberes da qual é origem.
238v
313
314
239
6.1. Aprendizado, um “estalo por dentro”
6.1.1. Jogos de aprender, lições a cumprir
No início do século XX, a educação infantil iniciava-se em torno dos sete anos de
idade. Embora Sylvio não faça referências precisas, o processo de alfabetização é
iniciado ainda no Jardim de Infância Delfim Moreira, e no Grupo Escolar Afonso Pena,
Vinho cursa o primário.
Grupo Escolar Afonso Pena. Eu e Maria, com merendas em bolsas de
papelão. Pão com manteiga, bananas. Pasta com cadernos e lápis. Quinta-
feira não havia aula. Nem domingo, por certo.
[...]
De 11 às 4, o grupo apenas interpunha-se em minha rotina quotidiana. Não
captava minha atenção nem me fixava na memória. Ia e vinha
mecanicamente; sonâmbulo.
É verdade que aprendia coisas, lia e escrevia corrente, fazia contas com um
pé nas costas. Contudo, não vendo a utilidade dos conhecimentos que D.
Áurea impingia, não lhes dava muita confiança. Decorava os assuntos igual
que havia decorado as rezas de Zezé. Na ponta da língua, mas com
reduzido entendimento. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.56).
Ao longo de grande parte desta seção, veremos como a rotina irá caracterizar o
aprendizado. Este termo não guarda apenas uma dimensão de repetição cotidiana, mas
fundamentalmente um desinteresse, ou antes, uma impossibilidade de ser despertado
do “sono” pelos métodos pedagógicos utilizados. Para uma criança de sete anos,
acostumada à liberdade dos quintais e à fantasia das varandas, o método de
memorização empregado demonstra ser pouco interativo para o aprendizado. A prática
estava frequentemente associada a uma organização impecável do espaço, em que o
professor colocava-se junto à lousa, por vezes em tablado elevado, diante da turma
disposta em carteiras enfileiradas. Esta disposição – ainda hoje frequente – confere ao
professor autoridade, revelando a ideologia implícita no método pedagógico. Sylvio
desafia a autoridade imposta pela professora por meio da elaboração de um “jogo” em
que a aparente displicência de Vinho era a motivação para o início.
Aborrecia-me especialmente a insistência de D. Áurea na mesma
explicação, repetida com diferentes palavras, de várias maneiras, sem
novidades.
240
- Vocês entenderam? Olha aqui: vou repetir... O verbo concorda com o
sujeito, isto é, se o sujeito é singular, o verbo também é; se o sujeito é
plural, o verbo é plural. Quer dizer que o verbo e o sujeito concordam. Se
não concordarem está errado. Não se pode, por exemplo, dizer “nós vai”.
“Nós” – sublinhava a palavra no quadro negro – é plural, é mais de uma
pessoal... Então o verbo deve ser “vamos” – sublinhava de novo. O verbo
concorda com o sujeito, recomeçava.
Estava cansado de saber. Por sinal que minha mãe me obrigava a escrever
conjugações inteiras, um sem número de vezes seguidas, logo propondo
outras quando eu terminava as anteriores. Presente do indicativo, pretérito
perfeito, pretérito imperfeito, pretérito mais que perfeito, futuro, futuro
condicional, imperativo. Tanto na voz ativa como subjuntiva, mais os
passados compostos. Páginas e páginas de garatujas, agrupadas como
estrofes.
Desconfiei que minha mãe estava mais interessada em manter-me ocupado
do que no estudo propriamente dito. Deixei a pressa de finalizar a tarefa,
passando a escrever devagar, preguiçosamente, pulando, de propósito,
estrofes inteiras, especialmente as subjuntivas que tinham “ss” demais.
Minha mãe nunca percebeu as manobras, contentando-se em ver-me
quieto.
No grupo, para evitar a monotonia das exposições de D. Áurea, eu
simplesmente baixava a cabeça sobre a carteira ou me deitava de lado no
banco, ausente, pensando em outras coisas.
- Sylvio, gritava D. Áurea no meio de minhas divagações.
Pulava em pé como era regra.
- Em que ano foi descoberto o Brasil? desafiava-me.
- Em 1500. Por Pedro Álvares Cabral.
Era o assunto que ela estava abordando e, certamente, queria pegar-me em
falta. Ficava sem ter o que dizer, acalmava-se:
- Pode sentar-se. Mas preste atenção, viu?
Simulava-me em sono com a orelha aberta para as palavras dela.
- Sylvio! Venha aqui resolver este problema, gritava irritada.
Eu ia e resolvia. Com ar de mofa, displicentemente. Alguns meninos riam às
escondidas.
[...]
Ainda tentei o jogo por uma ou duas vezes. Verifiquei que D. Áurea não
mais me chamava. Fingia não ver, por mais ostensivamente eu simulasse
dormir. O brinquedo perdeu a graça e meu interesse também. O resto do
ano aguentei firme as lições. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.56-57).
A infindável repetição demonstra a limitação do ensino, que não considerava os
diversos modos de apreensão pelos alunos. Para aqueles que não tinham a aptidão
para a memória auditiva, como não parece ser o caso de Sylvio, restava, na ausência
dos métodos visual e cinestésico (Paín, 1999), a enunciação reiterada de cada conteúdo
como regra, como norma ou ditame. Em face a isto, Sylvio ausenta-se, ao menos
aparentemente. Quando o “jogo” é rompido por uma das partes – neste caso, D. Áurea,
a professora, em evidente desvantagem pela destituição de seu posto de autoridade –
Sylvio inventa um outro.
De repente a regra [dos braços cruzados atrás das costas] foi suprimida.
Um alívio geral. Falava-se muito, no grupo, de escola nova, de reformas no
241
ensino, de Pestalozzi e outros nomes difíceis. Apareceram os testes que,
para nós, não passavam de provas orais corridas.
D. Áurea, confundindo, talvez, minhas espertezas no caso das dormidas
com real sabedoria, escolhia-me seguidamente para os testes. Chegou a
dizer:
- Agora é que vamos ver se você sabe mesmo.
Achei que estava, afinal, se vingando.
Acontecia, porém, sair-me bem das questões que me propunha, com o
relógio na mão, marcando o tempo. Uma delas consistia em dizer palavras
seguidas, diferentes, em um minuto. Meninos e meninas, um a um,
entravam no jogo. A maioria começava bem, tropeçando, a seguir, em
lapsos e gaguejos. Eu e Ester Pádua ganhamos a disputa facilmente. É
verdade que ela um pouco melhor, em pequena diferença.
Daí em diante teste era com nós dois, em permanente disputa, realizada em
separado do resto dos alunos.
- Este menino é muito inteligente, surpreendi-a falando a outra professora e
apontando-me.
Concluí que não estava mais com raiva de mim e, embora não
compreendendo bem o que era ter ou não inteligência, achei que se tratava
de elogio. Elogio, aliás, que só podia referir-se a minhas vitórias nas
disputas propostas, de resto bem mais fáceis de conseguir do que as outras
vitórias que eu desesperada e inutilmente perseguia em brinquedos de
competição com outros meninos ou meus irmãos. Nestes eu perdia sem
apelo. Testes eram muito mais fáceis em comparação. O que me levou a
ficar duvidando da significação dos comentários de D. Áurea. Com certeza
sabia que eu estava escutando e falara apenas por falar, disfarçando,
mudando de assunto para confundir-me, desviando-me da verdadeira
conversa que estava desenvolvendo.
Contudo, fiquei gostando de D. Áurea e, mais ainda quando, no fim do ano,
deu-me duas medalhas penduradas em laços de fita verde-amarelo.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.58-59).
Podemos aferir a referência a “Pestalozzi e outros nomes difíceis”
65
como uma
palavra que soou estranha aos ouvidos de Vinho, e que mais tarde teria sido
incorporada às suas memórias para fazer referência à má compreensão das escolas
das novas propostas pedagógicas, não implementando a interatividade como método de
aprendizado, antes, estimulando a competição entre os alunos e estabelecendo, por
meio dos testes orais, um apartamento entre grupos com maior ou menor facilidade para
o aprendizado no sistema proposto. Para Vinho, contudo, continuava a ser um jogo,
possível de ser ganho, diferentemente das brincadeiras com os meninos de sua idade.
O movimento Escola Nova havia chegado ao Brasil após a Primeira Guerra
Mundial por meio de Anísio Teixeira (1900-1971) e fundamentou a Reforma do Ensino
Primário, Técnico-Profissional e Normal de Minas Gerais, instituída pelo Decreto 7.970,
65
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) é considerado o pioneiro na reforma dos métodos pedagógicos,
publicando em 1801 o livro “Como Gertrudes ensina suas crianças”. Maria Montessori (1870-1952) publica em
1921 o “Manual da Pedagogia científica”, no mesmo ano em que Jean Piaget (1896-1980) integra a equipe de
Édouard Claparéde (1873-1940) no Instituto Jean-Jacques Rousseau e na Maison des Petits, em Genebra. Em
1923, Piaget publica “A linguagem e o pensamento da criança” e no ano seguinte “O raciocínio e o julgamento da
criança”. “A representação do mundo na criança” é publicada em 1926.
241v
315
A circunstância urbanística do terreno onde, no início do século XX, foi construído o Colégio Arnaldo
– uma ampla esquina formada por duas avenidas limítrofes, uma tangente ao ângulo e outra
perpendicular ao ângulo – ainda permite que a edificação e seus torreões se assemelhem a um
“castelo”.
242
de 15 de outubro de 1927, no governo Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946),
entre 1926 e 1930. O responsável pela implementação da reforma foi Francisco Campos
(1891-1968), secretário do Interior, que entendia que uma escola laica e gratuita,
organizada de modo a pensar e criar soluções para a vida moderna, estaria apta a
formar cidadãos. Para tanto, foram trazidos pedagogos estrangeiros, como Helena
Antipoff (1892-1974), responsáveis pela remodelação da Escola Normal e pela criação
de uma Escola de Aperfeiçoamento, garantindo a reciclagem dos professores em
atividade. É neste contexo que surgem para Sylvio os “nomes difíceis”, uma vez que sua
mãe, Branca de Vasconcellos, era professora de música da Escola Normal.
Terminada a formação primária, foi matriculado no curso preparatório ao exame
de admissão ginasial no Colégio Arnaldo, onde a postura displicente em relação ao
estudo se mostra inalterada. Ali a disciplina é percebida como mais permissiva, o que
não interferia na ordem geral.
Discutiu-se o problema: devia eu terminar o grupo ou passar diretamente ao
curso anexo do Colégio Arnaldo? Houve quem optasse pela primeira
hipótese, a mais normal. Meu pai inclinou-se à segunda.
- De qualquer maneira tem que preparar-se para o exame de admissão; o
curso anexo é igual ao quarto primário; só que reforçado. Não vale a pena
perder um ano; é melhor fazer os dois de uma vez só.
Matricularam-me no Curso Anexo do Colégio Arnaldo, onde as aulas se
mostraram, de fato, muito mais puxadas. Um professor diferente para cada
assunto. Não mais meninada em volta; rapazes; sem meninas.
[...]
Não fiz amigos. No recreio curto, nas idas e vindas, permanecia só, alheio
ao futebol que, depois das aulas, se jogava nos terrenos do Colégio.
Nada me interessava no Colégio, a não ser pelas lições que ouvia com
atenção, visando porém, mais que ficar sabendo, evitar estudos em casa.
Achava que guardando o que os professores diziam bastava; era a maneira
mais cômoda, menos trabalhosa, de aprender.
Padres não circulavam muito no Curso Anexo. Passavam à distância.
Deram-me um cartão amarelo, de presença, que meu pai, ou minha mãe,
devia assinar todas as semanas.
Sábado anunciavam a missa domingueira, pedindo a presença de todos.
Nunca fui.
Novidade que me encantou foi a menor disciplina imposta, a menor
presença de professores vigiando, a ausência de filas para entrar e sair das
aulas. Cada um entrava na sala por si mesmo e escolhia, voluntariamente,
onde sentar-se. No entanto, observei, havia mais silêncio, mais ordem do
que no grupo. Muito menos barulho, muito menos conversa em hora
imprópria, menos brincadeira. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.72-73).
Em 1912, os padres da congregação do Verbo Divino haviam erguido entre as
avenidas Brasil, Paraúna e Carandaí um “Edifício como um castelo [...]”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.134). Contudo, a rígida disciplina
243
alemã não havia sido abandonada, como nos dariam a entender as palavras de Sylvio.
A sombra da figura de Padre “Coqueiro” pairava à espreita do delito:
Padre “Coqueiro”, chefe da disciplina, erguia-se como um gigante; com os
nós dos dedos enormes dava cocadas nas cabeças dos alunos menores
surpreendidos em falta; com os sapatos descomunais, postos em ângulo
conveniente, deslizava seguido pelos bocéis dos degraus sem tocar-lhes o
piso. Padre Coqueiro era o terror do internato, mas interferia menos com os
alunos externos que, de resto, só ingressavam no colégio na horinha das
aulas, despejando-os logo terminada a última. Cada turma confinava-se a
sua sala, sem acesso ao resto do edifício. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.134).
Mas é também ali que se manifesta a primeira sublevação contra uma disciplina
imposta, contra a qual Sylvio teimosamente irá se colocar. É verdade que castigos
físicos já não havia, ou ao menos não foram presenciados pelo garoto – acreditamos
que, se os houvesse visto, Sylvio, em sua oposição ao rigor disciplinar, teria feito
menção aos mesmos na narrativa memorialística. Mas aos castigos que exigiam cópias,
em que a moral é repetida à exaustão (também ela física), Sylvio tinha um ardil.
Para nós, externos, não havia recreio; com aulas seguidas das 11 às 4 mais
ou menos, conforme o dia. Entretanto, entre a saída de um professor e a
entrada de outro, sempre sobrava tempo para algazarras que, vez por outra,
se entornavam pelo corredor. Foi nele que um padre qualquer surpreendeu-
me. Mil linhas de cópia da frase: “Devo comportar-me bem no colégio”.
Cópias deste tipo era o castigo usual.
Amarrei quatro lápis juntos em fileira. Por sorte as pontas coincidiram
perfeitamente com as linhas do papel. De uma vezada escrevia quatro. Mil
linha reduziram-se a 250. Nada mal.
Aconteceu, porém que outras mil me foram impostas poucos dias depois. Aí
arrepiei carreira; era demais. Neguei-me. Cada dia, ao chegar, o padre
perguntava pelas cópias, impedindo-me a entrada, a seguir, por não
apresentá-las. Não desculpei-me nem reclamei; apenas persistia em não
fazer, religiosamente me apresentando e religiosamente sendo barrado.
Duas semanas ou mais se passaram neste jogo de resistência, minha e do
padre, dando-se este, afinal, por vencido. Deixou-me entrar. Não sem
mastigar entre os dentes:
- Aluno mau é reprovado; não queremos aqui.
Não dei atenção e prossegui, tanto em meu caminho como no mau
procedimento, embora não mais castigado.
Na verdade, tanto agora como antes, no internato, não reconhecia quais de
minhas ações perturbavam a sagrada disciplina, provocando a ira dos
encarregados dela. Minhas brincadeiras ou conversas fora de hora não
diferiam das levadas a efeito pela maioria dos demais alunos. Quiçá apenas
me resguardasse menos por não dispor do mecanismo de defesa presente
na consciência do erro que me faltava. Agia às claras; sem malícia.
Por outro lado, carecia, também de consciência no estudo. Engolia as lições
sem digeri-las, arquivando-as exclusivamente para a eventualidade das
provas. Com exceção de geometria e português que agora me encantavam,
o estudo não me preocupava em absoluto. Quem submetia-se às provas
era um outro eu, duplo, completamente diverso da entidade sobre a qual
tinha controle. Esta me dizia: bobagem! para que serve isso? perder
243v
316
244
tempo... Era o outro eu que engavetava talhadas das lições, aqui e ali, para
apresentá-las, como passes de mágica, na hora do aperto.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.136-137).
O “outro eu” – subconsciente, fazendo aflorar o conhecimento memorizado, não
necessariamente aprendido – foi aprovado nos exames. A família opta por matriculá-lo
como interno no Ginásio Mineiro, em Barbacena.
Não tinha a menor idéia de um internato. Pensei que se tivesse o mesmo
jeito do Colégio Arnaldo não fazia diferença. Por outro lado, não me
ocorreram argumentos contrários. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.78).
Não tarda a compreender as diferenças entre a disciplina à qual até então se
submetera e o sentimento de vigilância expresso em cornetas, filas e bedéis.
Concluí que não me havia dado a atenção que devia. Afinal eu era como
uma visita chegando e não me havia feito nenhum agrado nem me
informado sobre coisa alguma, como a professora no Grupo ou mesmo o
padre no Colégio Arnaldo.
Tomei um ligeiro conhecimento do imenso dormitório, cama após cama,
intermináveis, em parte ainda vazias e aprofundei-me em sono.
Estava no meio dele quando escutei uma corneta próxima, em toque
acelerado. Luzes se acenderam, alunos levantando, correndo às pias e às
privadas no outro lado do corredor. Banho de chuveiro frio, escovar os
dentes, lavar a cara, fazer pipi, enfiar a roupa, tudo às carreiras, uns
empurrando outros nas corridas. Imitei como pude e, em breve, estava na
fila para o refeitório.
Mesas compridas com bancos aos lados, sem encostos. Na cabeceira um
homem sem uniforme dando ordens. Café com leite e um pedaço de pão
com cheiro de manteiga. A barriga pedia mais, muito mais, quase doendo.
Dr. Orfilo no fundo do salão, de pé, com a mão esquerda no bolso da calça
e a direita no bolsinho do colete. Vigiando.
Corneta para entrar, corneta para sair. Em fila, de novo, para o salão de
estudos, o “estudo” como todo mundo dizia. Menores separados dos
maiores. No dormitório também.
No estudo deram-me uma carteira cujo tampo se levantava para mostrar
uma caixa embaixo. Ali devia guardar todo o material de ensino.
- Mas ponha cadeado, dos bons, avisou-me o mesmo inspetor do refeitório
que, agora, dispunha de uma mesa sobre estrado, em frente dos alunos.
Depois de duas horas de estudo, vinham as aulas da manhã, cada uma em
sala separada, com professor distinto. Fila para ir e voltar.
Fila para o almoço das 11 horas. Na cabeceira da mesa o inspetor punha
em cada prato e o passava adiante, uma colherada de feijão aguado,
sabendo a panela de ferro. Em seguida apareciam garções [sic] com
paletós brancos, um para cada mesa, servindo uma colherada de arroz por
aluno, uma de verdura, uma de carne. Não mais. Água e farinha se
ofereciam à vontade, em jarras de vidro e cuias de pau, espalhadas na
mesa.
Tocada a corneta, nos dispersávamos em pátio pequeno, entre as
construções, para um recreio de meia hora. Em seguida vinham as aulas da
tarde até 4 horas, quando o jantar se servia. Não se diferenciava do almoço
senão por um naquinho de marmelada, ou goiabada, de sobremesa. Assim
245
mesmo nem sempre. Dr. Orfilo, agora com o ecônomo, no fundo do salão,
vigiando.
Afinal, acontecia o recreio na área aberta lateral, com parapeito e paredão
de pedra com os trilhos dos trens lá embaixo. Terra só em toda a área, com
o jardinzinho de entrada do ginásio de um lado e um galpão para os dias de
chuva do outro.
5,30 horas soava a corneta. Salão de estudos até as 7,30. Um chá
indefinido, e cama com corneta tocando silêncio.
No dormitório, no refeitório, no estudo, nas aulas, nas filas, não se podia
conversar. Restavam para tanto a meia hora depois do almoço e a hora e
meia depois do jantar. Fora destes recreios era só estudar.
Não tardou minha inconformidade. Desgosto, desagrado. Esse não era o
internato que minha mãe me descrevera. Amarrado a uma carteira ou banco
o dia inteiro, com fome e sono irremediáveis, corneta azucrinando os
ouvidos, vigiado, contido. Não conhecida ninguém, não tinha um brinquedo,
um momento sozinho para perder-me em divagações, um instante relaxado
para fazer o que me desse na telha. Só ir para cá, ir para lá, senta, levanta,
anda, deita, corneta tocando.
Nas aulas ainda me aguentava, prestando atenção nas lições. O tempo
passava. Estudar, porém, não era meu costume, nem me parecia
necessário. Para quê? Estava cansado de saber as lições. O estudo tornou-
se, principalmente, meu tormento. Duas horas nas manhãs, duas horas nas
tardes, debaixo do olho do inspetor.
Passava de um livro a outro, folheando. Procurando alguma coisa
interessante para ler, alguma que me despertasse a curiosidade e me
ajudasse a passar o tempo. Abria e fechava a carteira. Tirava cadernos,
corrigindo o que neles havia escrito, apontava as pontas dos lápis, limpava
a borracha na fralda da camisa, esticava e encolhia as pernas, um sem fim
de movimentos e gestos que não levavam a nada, nem consumiam minha
inquietação.
Vinha-me à lembrança meu cachorro Nero, o Bar-do-Ponto, Albino, as
mangas de Rio Grande do Norte, os bondes e minha franguinha preta,
coitadinha, morta e enterrada. Com certeza meu pai estava guiando
sozinho, o Buick agora sujo, sem meus cuidados. Maria no bem bom das
festas azuis. O mundo lá fora e eu preso, como passarinho em gaiola.
Ainda bem que os passarinhos pulavam e piavam; tinham comida à vontade
no cochozinho de suas gaiolas. Meu pai até soprava para tirar as cascas
vazias. Eu nem isso. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.80-81).
O espaço do Ginásio Mineiro, que hoje abriga a Escola Preparatória de Cadetes
do Ar (EPCAR), é descrito como o Falanstério de Fourier, ou o Familistério de Godin. Na
esteira dos ideais revolucionários de transformação da sociedade expressos por Claude-
Henri de Saint-Simon, os pensadores Charles Fourier e Jean-Baptiste André Godin
criticaram a civilização ocidental e sua fundamentação na família e na religião e
propuseram reconstruir a sociedade a partir da construção de unidades de produção
autônomas, em que a propriedade havia sido abolida e o valor maior residia no trabalho
e no prazer dele decorrente. Para tanto, exigia-se que um novo espaço fosse
desenhado – o falanstério, mais tarde adaptado por Godin com a denominação de
familistério. A composição dos edifícios baseava-se em pátios percorridos por
corredores contínuos, de modo que a vigilância mútua era a fonte de controle social.
246
Aos olhos de Sylvio, porém, nenhuma sociedade nova poderia surgir daquela
organização rígida. A pedagogia e disciplina anti-democrática imposta pelo Ginásio
revela-se no inconformismo de Sylvio. Para uma atuação em sociedade, é necessário o
espaço para a explanação, para a argumentação, para a contra-argumentação, e para a
defesa. Caso contrário, os sentimentos de inconformidade convertem-se perigosamente
em revolta; daí a imagem da fera enjaulada.
Ganhei duas mudas novas do uniforme cáqui, de confecção mais apurada
por ser de alfaiate e sob medida. O Internato do Ginásio Mineiro de
Barbacena, tal como escrevíamos no cabeçalho de provas e exames,
engoliu-me outra vez. Meu ódio, curtido pelo tempo, cristalizou-se em
revolta. Não destas que esbravejam distúrbios, mas daquele outro tipo
posto em enganosa calmaria que vai roendo o cerne, como cupim,
enquanto deixando a casca incólume. Sentia-me como fera enjaulada na
mansa conformação da caminhada contínua, de um a outro lado do exíguo
espaço disponível, na qual as evidências da rebeldia, resignando-se à
impossibilidade de libertação, concentram-se na paciência infinita de eterna
mobilidade.
Minha aversão à infame e escassa comida, à corneta, ao frio, à tirania da
disciplina sem lazer de desabafo, aos castigos sem explicação ou
oportunidade de defesa, aos intermináveis estudos, às aulas inintendíveis e
à solidão em que me sentia, sufocava-me. De fato, não dispunha de dados
isolados mencionáveis, nem de argumentos específicos e convincentes
invocáveis. O que me afligia era mais a soma do que as parcelas, formando
um emaranhado, em novelo, de fios, cujas pontas me escapavam.
Estranhava que outros alunos, salvo Rubens [Ramos Couto, de
Diamantina], não concordassem com minhas opiniões sobre o internato,
muitos até mesmo externando satisfação e contentamento a seu respeito.
Havia, é claro, um ou outro descontente, mas em geral com o
descontentamento limitado a determinado ponto, para meu espanto, nunca
influindo no julgamento genérico da situação.
[...]
Fatos como este [expulsão de aluno por haver enviado carta aos jornais
belorizontinos denunciando a comida escassa e ruim] eram, porém,
inusitados; tão raros como o recolhimento de rebeldes ao isolamento, onde
poderia consumir dias em cela verdadeira, com vaso sanitário e pia
inclusos, uma única seteira gradeada e inacessível, junto ao teto, e comida
entregue em portinhola permanentemente fechada. Nunca, porém, se
divulgavam os motivos do castigo, nem seu tempo de duração ou nomes
dos envolvidos, condenados ou condenadores.
Quando, em certa ocasião, fomos convidados a acompanhar o enterro de
um aluno, nada nos foi dito sobre sua moléstia e passamento. Só à boca
pequena, de ouvido a ouvido, circularam rumores de que Cordeiro se havia
enforcado, com o cinto no isolamento. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.114-115).
A atividade de cronista, ainda que de teor de denúncia contra as agruras do
internato, inicia-se no internato. Tornar público sentimento pessoal é atividade que cedo
aparece, motivada pelo inconformismo com algum fato externo.
247
Não surpreendeu-me, pois, a temporada de oito dias que passei no
isolamento. Foi lá que engendrei a idéia de editar um jornal manuscrito,
veiculando denúncias e protestos.
Números avulsos do jornal carioca “Crítica”, incorporados a nossa restrita
biblioteca circulante, induziram-me à iniciativa, servindo-me de fonte
inesgotável, tanto de diatribes como de vocabulário adequado. Em verdade
não compreendia, nem me interessava, o contexto de “Crítica”, lido sem
qualquer atenção ao assunto e com o só intuito de recolher frases e
palavras injuriosas que dessem vazão a meu ressentimento. Em
consequência, qualquer substantivo, verbo ou adjetivo exdrúxulo ou além de
meu entendimento, inúmeros dos quais, certamente, estariam longe da
significação que eu lhes atribuía, passava a meu vocabulário alfabético.
Para as ilustrações valiam-me, em cópia, os desenhos e caricaturas de
“Careta”, com legendas adaptadas a meus propósitos.
Meu jornal aparecia em papel almaço, com duas folhas e quatro páginas,
subdivididas em quatro colunas, riscadas a lápis vermelho. Não continha
outra matéria além de xingamento. Nenhuma notícia; xingamento só.
Circulava entre os componentes do grupo de Diamantina, provavelmente
estendido a ramificações não trazidas a meu conhecimento, e arquivava-se
na carteira de Rubens.
Embora alguém me acautelasse – olha lá! Cuidado com isso... – nunca
ponderei-me que a iniciativa pudesse provocar represálias dos ofendidos. A
meu ver não passava de um desabafo pessoal, excluída qualquer intenção
de ofensa direta ou provocação. Minha inocência se demonstrava,
cabalmente, pela inclusão de meu nome, por extenso, como diretor do
periódico. No entanto, ninguém se aventurou a oferecer-me colaboração.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.115-116).
Após alguns anos de agruras, retorna ao Colégio Arnaldo, não sem carregar
consigo um distanciamento dos estudos, ainda pouco ou nada motivadores. Resquícios
de uma reação à imposição de uma forma não-participativa ou provocativa de
aprendizagem.
De estudar me desinteressara quase completamente. Um ou outro
professor me despertava atenção. Ferreira, por exemplo, de voz macia, os
cabelos brancos, elegante em gestos e em falar sobre a língua portuguesa.
Gostava mais de literatura do que de gramática, e as provas que propunha
consistiam, preferentemente, de redação. Fáceis; sem necessidade de
decorar regras ou respostas a perguntas difíceis.
Em compensação, os professores de aritmética teórica, e álgebra depois,
passavam o tempo todo, das aulas, escrevendo letras no quadro negro, em
lugar de números, coisa que eu jamais consegui entender ou dominar.
Química, também, entrava neste jogo de letras, ao passo que física me
atraía um pouco com os fenômenos que lembravam as mágicas de Paulo.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.88).
248
6.1.2. Invenção, empiria e ciência
Paulo, o irmão mais velho, havia ludicamente despertado o encantamento pela
tecnologia e pela invenção, dando a seus experimentos um ar mágico e ao torreão da
casa eclética a aparência de laboratório científico.
Por cima das salas trancadas, elevava-se o torreão onde reinava meu irmão
mais velho. Livros, badulaques, confusão. Paulo inventava coisas, sabia
segredos, atraia-me e assustava-me. Um dia construiu enorme pássaro de
papel que lançou da janela alta sobre o quintal. Bem que tentou ganhar
altura, mas caiu de bico, sem êxito. Paulo explicava, prometia outra vez.
Encantava-me. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.1).
Paulo, também, revelava-me segredos. Experiências que fazia, em química
e física, misturando líquidos que mudavam de cor, fazendo flores de limalha
de ferro em folhas de papel com imã por baixo. Dizia-me que eram mágicas.
Resolveu amarrar um barbante na beira do telhado, com um peso na outra
ponta, cá embaixo, junto ao chão. Explicou que era para ver como o mundo
girava. Neste caso, porém, a mágica não deu certo, confessou-me
constrangido. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.49).
O tema da invenção aparece, ainda, em diversas crônicas, escritas já nos
Estados Unidos – locus da “invencionice” por natureza, a exemplo de “O homem e as
suas invenções” (1974), “Pau de papel” (1974), “Sapatos à moda das girafas” (1974),
“Tudo de que precisamos e... mais alguma coisa” (1974):
Fala-se muito que desenvolvimento depende de “know-how”. A expressão,
sempre citada em inglês, virou uma espécie de palavra mágica que encerra
o segredo do progresso. Traduzida, porém, quer dizer apenas “saber-fazer”
e nada mais. Não envolve qualquer mistério. Só que muita gente pensa que
este “saber-fazer” se refere a bombas atômicas, teorias científicas
fantásticas, viagens pelas estrelas ou mudanças da órbita terrestre.
Entendendo que o tal “know-how” pressupõe maravilhas só acessíveis a
cérebros privilegiados, muitos porém pensam que só se pode consegui-lo
com cursos altamente sofisticados de pós-graduação, com pesquisas puras
e elocubrações intelectuais de requintados sábios. Nada mais longe da
verdade. Fruto de ouvir o galo cantando sem saber onde.
Na verdade do “know-how” dos países altamente desenvolvidos raramente
está ligado a descobertas sofisticadas. Na grande maioria dos casos tem
que ver, ao contrário, é com as coisas mais simples: eficiência
administrativa por exemplo, possibilidade de produzir alfinetes de mola,
fósforos de segurança, grampos para o cabelo, coca-cola, milhões de
aparelhos, utensílios e objetos de uso corrente que permitem a produção
industrial, estimulam o comércio e melhoram a vida humana.
A invenção que desencadeou a revolução industrial moderna foi a do tear
mecânico e não uma descoberta científica extraordinária. A construção
moderna em concreto armado nasceu da cabeça de um jardineiro fazedor
de vasos e não no cérebro de um sábio inteligentíssimo. Inventou-se o
248v
317
318
Joseph Paxton foi um jardineiro na corte da rainha Vitória. Seu problema consistia em construir
estufas capazes de abrigar, no frio e úmido ambiente londrino, as espécies recolhidas nos trópicos.
Daí a elaboração de elementos em estrutura metálica – não em concreto armado como se refere
Vasconcellos – para a rápida montagem dos espaços.
319
Benjamin Franklin interessou-se por estudos de eletricidade, mas não consta que tenha feito o
experimento com o papagaio de papel, originando o sistema de aterramento de descargas elétricas
que conhecemos como pára-raios.
249
“pára-raios” com papagaios de papel e os motores a jato vieram dos
foguetes de São João.
[...]
O progresso dos Estados Unidos se deve muito mais à quantidade fabulosa
de pequenas invenções do que ao pequeno número das grandes. Não há
dia em que não apareça uma nova. [...]
Você pensa em uma dificuldade qualquer da vida quotidiana e
imediatamente encontra uma invenção que a amenize ou elimina.
São estas invenções, aparentemente banais, que sustentam a produção
industrial americana. São elas que provocam a inveja do mundo e a tortura
dos turistas. Não são, porém, resultado de estudos de alto nível, nem de
inteligência de sábios. Aparecem porque há uma mentalidade popular que
as perseguem tenazmente. Toda a população americana está empenhada
em descobrir uma novidade, não só para facilitar a vida humana como para
produzir riquezas. É esta mentalidade que empurra o país para a frente,
fazendo com que toda a população participe do desenvolvimento.
(VASCONCELLOS, O saber do “know-how”, 1976, p.8).
Vasconcellos aponta para o distanciamento entre ciência e senso comum
quando, na realidade, o objetivo deveria ser melhorar a vida cotidiana. Cita três
“invenções” revolucionárias porque simples: o tear mecânico de Edmund Cartwright
(1743-1823), as estufas de Joseph Paxton (1803-1865) e o pára-raios de Benjamin
Franklin (1706-1790). Três homens inspirados pelo espírito empreendedor do
Iluminismo.
A desmistificação do espírito/significado doknow-how” leva Vasconcellos e seu
correspondente Pérides Silva (1922- ) a desenvolver a teoria do “quinove-róve”. Entre os
amigos, não se tratava de uma simples forma aportuguesada do termo, mas de uma
expressão que traduziria a importância do conhecimento desenvolvido no Brasil, muitas
vezes desprezado diante da mística criada em torno da tecnologia produzida nos
Estados Unidos, para a qual muitos cientistas brasileiros colaboravam. A discussão fora
iniciada entre os correspondentes a partir de uma crônica em que Vasconcellos criticava
a relação com o consumo como uma outra forma de desvirtuamento da ciência.
Já contei para vocês que americano tem a mania de inventar coisas. A qual
mania combina muito bem com a outra de comprar. Quase não há dia sem
uma invenção nova. Por isso os catálogos de vendas pelo correio se
renovam quase que mês a mês, chegando à sua casa regularmente,
enxurrada contínua, você os tenha ou não solicitado. E de graça.
(VASCONCELLOS, Tudo de que precisamos e..., 1974, p.1)
A necessidade de resolver problemas de ordem prática exige, por vezes, a
experimentação. Em dois episódios distintos, é possível compreender o sentido de
empiria para o aprendizado. No primeiro deles, dois aspectos se mostram fundamentais:
250
a necessidade de recursos técnicos para a implementação de tarefas e o conhecimento
tradicional prevalecendo sobre o racionalismo acadêmico.
Décio resolveu demonstrar que era capaz de construir a barragem para o
tanque há muito programado. Conquanto tio Bernardo e Luis tentassem
dissuadi-lo da empreitada por impraticável sem adequados recursos, Décio
arregaçou as calças aos joelhos e subjugou minha descrença a seus
desígnios. Quantas pedras e terra colocávamos na estreita passagem
debaixo da ponte, tantas pedras e terra a correnteza levava. Quanto capim
deitávamos, tanto fugiam riacho além. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.132).
As inglórias tentativas do irmão Décio, então estudante de Engenharia
66
, em
erguer um açude na Fazenda do Gualaxo revelam a insubordinação da natureza frente
a um conhecimento técnico-científico desatento. O segundo episódio, ao contrário, é
mais feliz em seus resultados, e demonstra que a obstinação pode conduzir aos
objetivos.
Enquanto este e outros eventos extraordinários se cumpriam, descobri,
abandonadas a um canto, duas bicicletas; uma tinha sido de Maria e outra
de Paulo. Ambas não funcionavam, carecendo de diversos reparos, o maior
dos quais consistia na recuperação das câmaras de ar, com furos por todos
os lados, Ademais havia ferrugem por retirar e defeitos nas correntes por
corrigir.
Escolhi a de Paulo e pus-me a trabalhar nela, com uma paciência e
perseverança nunca antes tão vigorosamente testadas. Tostões juntados,
comprei uma caixa de remendos e aprendi a aplicá-los, não sem
experimentar desanimadores fracassos. Levei depois, a bicicleta, a um
vendedor de gasolina onde o Buick se abastecia, ao qual expus o problema
com a corrente, de pronto resolvido. Veio, a seguir, o empenho na limpeza,
com esfregamento de areia e água de sabão, antes da graxa final para o
brilho desejado que, em falta de outra, foi mesmo a de sapatos.
Mais inglório foi o aprendizado. Começou comigo encostado a muros, em
descidas, mão no freio, soltando aos pouquinhos, em sucessivas tentativas
de equilíbrio. Tombos, joelhos feridos e cotovelos arranhados não
impediram e antes ajudaram meus progressos. Não tardou dispensasse eu
os muros para pedalar desenvolto, a campainha tinindo no polegar da mão
esquerda. Nunca antes me havia sentido tão contente. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.112).
Para Vasconcellos, a empiria é a fundamental experiência que induz à busca do
saber especializado, logo, para a produção científica. A interação com o mundo que nos
cerca constituirá uma postura essencial para o campo da Arquitetura, não no sentido da
interpretação dos fenômenos, como nas ciências naturais, mas em um desejo de
66
Depois de graduado, Décio inaugura uma fabriqueta de ladrilhos, que logo faliu. Empregando-se no
Departamento de Águas da Secretaria de Agricultura do Estado, sempre que em diligência, levava consigo
Sylvio.
251
melhoria das condições existentes. A reforma nas bicicletas denota uma felicidade: o
alcançar um feito, a transformação da realidade.
251v
320
252
6.1.3. “Estalo por dentro”
A “conversão” para uma nova atitude frente aos estudos ocorre depois de Sylvio
ter cursado um ano do ginasial no Colégio Santo Antônio, em São João del Rei. Ali, os
franciscanos representaram dois novos estatutos: o primeiro, disciplinar, não imposto,
mas conquistado, a ponto dos alunos internos assumirem gestos e práticas (como
frequentar a missa). O Colégio, apesar de não ser de ensino leigo, tinha “[...] fama de
folgado na área disciplinar.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.146).
A prática pedagógica corresponde ao segundo novo estatuto e é exemplificada
na figura de Frei Norberto, que faz associar o conteúdo da Física à prática da fotografia.
O frade holandês despertava a curiosidade nos alunos em geral, e particularmente em
Sylvio, que considerava “brilhante aluno” expressão provavelmente expressa pelo
professor diretamente ao pupilo, dado que não é narrada nenhuma conversa paralela,
como D. Áurea do Grupo Escolar Afonso Pena – que passaria a atuar como “bolsista”.
Os frades do Colégio S. Antônio receberam-me amáveis. O edifício
pareceu-me enorme, com corredores sem fim. Não haviam inspetores de
disciplina, nem filas e silêncios a três por dois. Recreios demorados, o da
tarde com futebol, basquetebol, voleibol e outras práticas. Os frades
fumando charutos que retiravam do capuz sobre as costas. A comida farta,
acessível pelo meio das mesas. É verdade que durante o almoço algum
aluno ficava lendo, de tribuna adequada, trechos da Imitação de Cristo. Mas
ninguém ganhava castigo por conversar em sussuro. Pediam-se travessas a
vizinhos por intermédio de dedos mostrados: um para arroz, dois para feijão
e assim por diante. Os frades comiam conosco, a mesma comida, embora
regada a cerveja de fábrica própria.
[...]
A maior parte do dia, por ocasião das aulas que não precisava assistir, eu
ficava zanzando, sem ter o que fazer. Frei Norberto, já velhinho mas com os
olhos muito vivos e com um jeito bastante engraçado de falar, entrecortado
de interjeições em inusitados sons agudos, teve a idéia: porque você não
monta uma sala escura de fotografia?
Frei Norberto lecionava física. Considerava-me brilhante aluno. Facilitou-me
apetrechos, ácidos e papéis, estes últimos reembolsáveis com o produto de
minhas atividades. Isto porque meu laboratório trabalharia para todos os
alunos, não poucos dos quais gostavam de fotografar.
De fato minha câmara escura transformou-se em sucesso. Não só paguei
pelos ácidos consumidos como comprei um violão.
Todas as noites, antes do dormitório, frequentávamos a capela. Aos
domingos, também a missa era obrigatória. Não havia, entretanto,
comunhão impingida, ou clima de santidade. Pura rotina que aceitávamos
com disposição brincalhona e relaxada. Cheguei a decorar trechos de rezas
e de cantos, cantados em tom de ópera. A meu lado o Viana inventava
contra-cantos soprando papéis de seda sobre o pente ou tamborilando, com
os dedos, lápis sobre os dentes. Com este último instrumento era
verdadeiro mestre.
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253
Nas tardes de domingo haviam disputas esportivas ou cinema no próprio
Colégio. Vedavam a projeção nos beijos, se os haviam. Em voleibol eu era
dos bons; em basquete nem tanto. Não tentei o futebol mas ganhei muitas
corridas de velocidade até que apereceu Miserani, não só campeão
imbatível, como bom de bola na ponta esquerda. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.148-149).
A introdução da prática esportiva como parte da atividade dos alunos é também
novidade para Sylvio, porque organizada pelos frades, e não promovida
desorganizadamente pelos alunos em horas de folga, como nas outras referências ao
Colégio Arnaldo ou ao Ginásio Mineiro. Interessante notar a permanência da prática da
leitura no refeitório, que remonta aos primórdios da organização monástica medieval,
bem como a prática da fabricação de bebidas alcóolicas. Também o cinema é presente
nas atividades de lazer do Colégio, que, a despeito dos cortes e censuras, contribuía
para a sensibilização estética dos alunos. Outra novidade para o garoto acostumado à
rígida obediência, inclusive em família, é a possibilidade de expressão de idéias, de
liberdade de opinião, de diálogo democrático, sem repreendas.
Tão logo cheguei a Belo Horizonte, recebi o jornalzinho editado no colégio
para uso interno. Nele havia uma coluna sobre dois estudantes altos,
sempre juntos, inteligentes, etc. etc. que se diziam ateus por snobismo. Só
faltavam os nomes por desnecessários. Fui de corrida ao dicionário a
extensão do epíteto ganho. Em seguida confabulei com Júlio uma resposta
repelindo as acusações.
No número seguinte do jornal incluíram nossa contestação. Contudo, frei
Dagoberto mandou-nos, junto ao exemplar, uma carta esclarecendo que
não tivera a intenção de ofender-nos. Apenas lhe chegara aos ouvidos
rumores de nosso ateísmo que ele preferia atribui a algumas dúvidas sobre
problemas de fé. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.154).
A coluna de Frei Dagoberto e a publicação da resposta apontam, ainda, para
uma nova postura diante do catolicismo, mais liberal, tanto por parte dos alunos – a
quem é permitido o ateísmo – quanto por parte dos clérigos, que nele viam “dúvidas
sobre problemas de fé”, passíveis de acontecer a qualquer mortal. Fim da vigilância
ideológica ostensiva, por uma postura mais persuasiva. O paraíso pode ser bom.
No ano seguinte, em razão dos altos custos dispendidos em São João del Rei, a
família matricula Sylvio no Ginásio Dom Silvério, em Sete Lagoas, ocasião em que
Sylvio permaneceu externo, hospedado em casa de parentes longínquos.
A perspectiva de ficar externo dissipou minhas preocupações a respeito.
Além disso a agradável experiência de S. João já me convencera de que
nem todos os colégios eram tão desgraçados como o internato de
Barbacena. E ainda mais: minha mãe, temerosa de inesperada recusa
254
minha que lhe contrariasse os intuitos, prometeu-me vinte mil réis por mês
para as despesas miúdas.
Não me foi difícil conseguir, para evitar surpresas, que Júlio me
acompanhasse. Afinal o ginásio, embora leigo, era dirigido por um padre: o
santo Monsenhor Messias, argumento convincente para o outro monsenhor,
o Martinho, padrinho de Júlio. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.161-162).
Chegamos, então, à mudança principal. Aprender não é processo externo. É
circunstância da qual se participa ativamente, ou não se alcança. A experiência iniciada
em São João del Rei foi capaz de fazer aflorar, agora por iniciativa individual e
consciente, um desejo de compreensão, entendimento, cujo processo demandava o
debate, embora dele pudesse prescindir, em caso de recusa dos mestres interlocutores.
O ginásio era pequeno e de poucos alunos, todos externos. Nele
desabrochou-me a consciência de estar estudando e a necessidade de
aprender, brotada de sementes adubadas em S. João del Rei. Não em
virtude da bondade dos professores que, ao contrário, eram medíocres, mas
como consequência de um estalo que me deu por dentro.
Dois professores captaram minha atenção: o primeiro por estúpido; o
segundo por liberal. O estúpido era espanhol com o nome de Quiroga;
ensinvava filosofia. Mas ensinava lendo compêndio de filosofia católica, do
qual não se afastava uma linha. A qualquer pergunta que fizéssemos,
mandava-nos procurar resposta no compêndio. Não tinha tempo para
explicações, dizia. Falava com a boca cheia de cuspe, arrastando chiados.
O liberal, ao contrário, Bolivar por nome, apreciava interrupções indagativas.
Estimulava-as para perder-se, em seguida, em divagações fora do tema.
Lecionava História do Brasil.
Passado o capítulo da lógica, entrei a contestar o Quiroga, expondo-lhe
que, de acordo com o programa, devíamos abordar todas as filosofias, e
não só a tomista. Fiquei marcado. Escutava minhas intervenções com
visível desagrado, o dedo posto na linha do compêndio que estava lendo, e
prosseguia a leitura. Suspendi as interrupções. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.163, grifos nossos).
No Colégio Arnaldo, em breve passagem após retorno do Ginásio Mineiro, Sylvio
havia, de certa forma, experimentado uma interação com o aprendizado. Alguns
professores haviam despertado o interesse de Sylvio, mais em razão de habilidades
pedagógicas do que pela iniciação de um processo próprio e consciente de aprendizado
do aluno.
A maioria dos professores não era de padres. Era o de latim, velhinho já
cansado, ditando as lições em tom monótono, fanhoso, já decoradas nos
muitos anos de magistério. Ao contrário deste, o professor Nivaldo Reis
prendia a atenção da classe com suas exposições vívidas, claras e
esgotantes. [...] Moço ainda, tão logo acabava as demonstrações fixava-
nos, um a um, interrogativamente:
- Pegou? Pegou a coisa?
255
Quando percebia dúvida, voltava a demonstrar, com outras palavras, de
outro modo.
- Pegou agora?
Eu pegava; tudo claro como água. Só agora começava a perceber minha
burrice no internato quando enfrentava letras em lugar de números. Custava
a crer em minha estupidez em assunto tão compreensível. É que o
professor Reis me revelava segredos que antes me tinham sido negados,
acendera luzes antes apagadas em minha cabeça. Tão fácil apertar o
acendedor! Burro não era eu e sim o mestre anterior, consolei-me.
A primeira prova parcial encontrei tão óbvia que a resolvi em minutos. Na
aula seguinte nem compareci, preferindo dar voltas pelo parque. Aliás,
continuava a dar muito pouca atenção ao ensino. Qual não foi, pois, meu
espanto ao ouvir de colegas que o professor Reis havia elogiado minha
prova, apresentando-a como exemplo de perfeição, e galardeando-a com a
nota máxima, nunca antes, ou quase, acontecida na matéria.
- Uai! Mas todo mundo não ganhou dez também?
De fato não entendi como coisa tão simples pudesse ser tão singular e
festejada. Contudo, fiquei gostando ainda mais de geometria.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.134-135).
Se a mediocridade dos professores do Ginásio Sete Lagoas não estimulava um
avanço pleno no processo de aprendizado, a maturação intelectual exigia a inserção de
artifícios que colaborassem para a conservação do “espírito inquisitor” despertado em
São João del Rei. Para tanto, a leitura parece ser a estratégia de maior peso.
Esta atividade pode ter, desde cedo, permeado o ambiente familiar, em
decorrência natural das atividades intelectuais do pai. Também o avô materno, Cipriano,
é lembrado como um “homem das letras”: “Sentei-me em uma das cadeiras de palhinha
que ladeavam o sofá. Todas as janelas fechadas, o silêncio só perturbado pelo riscar da
pena de meu avô sobre o papel. Dobrado sobre a mesa, via-lhe somente as costas.
Roupa preta, brilhando de preta.(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.4). Se a leitura não preencheu mais ainda o cotidiano de Vinho foi pela dificuldade de
acesso aos livros próprios para sua idade – “Livros com desenhos coloridos – “Eu sei
ler” para mim, grande, com letras graúdas debaixo de cada objeto [...]”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p. 18), trazidos pelo pai –, quer por
razões inerentes à condição econômica da família
67
, quer pela carência deste tipo de
publicação na Belo Horizonte da segunda década do século XX. Se a literatura não foi
condição tão frequente quanto o desejado – talvez pelo próprio Sylvio – os gibis
67
Também a mãe, Branca de Carvalho Vasconcellos, com as dificuldades financeiras enfrentadas pela família,
tem que se dedicar ao trabalho, em organização com Arduíno Bolivar de compêndios de canto orfeônico,
“Cancioneiro escolar” (19??): Meu pai trabalhava tão intensamente como mamãe no problema das músicas para
o governo. Haviam pacotes prontos e pacotes por terminar. Chegavam pelo correio, outros pacotes de folhas já
impressas. Havia que ir ao Rio para solucionar problemas de corrigendas. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.50).
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permearam a infância e a juventude: “Tico-Tico”, “Revista Infantil”. Mesmo em idade
adulta, se mostra adepto do universo fantástico e fantasioso que abriam:
Foi Raphael Hardy, filho, que viciou-me nas revistinha. Trazia-as
diariamente ao quarto andar da Secretaria de Viação onde me havia
conseguido um emprego e onde as devorávamos com apaixonado
interesse. Tinha o Lil Abner (que depois foi traduzido para Ferdinando), o
Príncipe Valente, Flash Gordon, Lulusinha, Pato Donald, Tio Patinhas e não
sei mais quantas. Minha preferência, porém, fixou-se em Ferdinando. Não
exatamente nele, mas em Violeta, cujas belas pernas e outros sumarentos
detalhes, revelados em sumária cobertura, inexplicavelmente não
sensibilizavam nosso herói. (VASCONCELLOS, O elixir das orquídeas
negras, 1975, p.1).
Na juventude, retoma avidamente a atividade de leitura, que a princípio confunde-
se com lazer despretensioso, mas que passa a incorporar uma exigência, um habitus
cotidiano. Neste sentido, vemos aflorar o conceito de Bourdieu (1989) em que a ação
individual se traduz em experiência social. A leitura, conforme veremos, irá compor um
conjunto de formas de pensar, sentir e agir, indispensáveis à construção do sujeito-
arquiteto.
Em dias de lezeira ficávamos em casa, geralmente lendo. Júlio trouxera
muitos livros, devorados por mim com sofreguidão. Não só de estórias como
teológicos, arrecadados da biblioteca do padrinho Monsenhor. De certo
modo, adquiri o vício da leitura. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.164, grifos nossos).
Por vezes, a atividade de leitura configura-se como compulsão, sem que a
ruminação do teor literário permitisse uma sedimentação plena. De certa maneira, esta
postura poderia contradizer o entendimento do habitus, revertendo-o em atitude
maquinal. Contudo, em lento processo de amalgamamento, alguns conteúdos filosóficos
são naturalmente decantados do volume de leitura.
Com isso acabou-se, também, o namoro, voltando eu, sem outro que-fazer,
a dedicar-me aos livros. Não houve um que me caísse nas mãos que
escapasse a minha leitura: romances, livros de medicina de meu pai,
coleções de Paulo, brochuras e encadernações de Júlio, revistas, jornais
velhos e novos, tudo que fosse letra de forma me atraía. Quando encontrei
a Bíblia que Paulo havia trazido do Colégio deu-me a gana de lê-la de cabo
a rabo, de fio a pavio, sem saltar uma página sequer. Minha mãe me dava,
vez por outra, algum dinheiro miúdo.
Descobri sebos onde livros custavam tostões. Comprei um volume sobre
Lao-tseu [sic] e encantei-me com sua concepção infinita de deus.
Principalmente a passagem que afirmava ser ele tão superior aos homens
que nem mesmo lhe poderíamos conferir atributos: apenas era; nem bom
ou mau, inteligente ou estúpido. O pensamento coincidia com minha
concepção da pequenez dos homens.
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Quando eu descansava a leitura, procurava Júlio. Este era muito mais dado
a fazer amizades do que eu e foi por intermédio dele que conheci Fritz
Teixeira de Salles, então às voltas com um amor contrariado por uma bela
prima, Margô. Estava escrevendo um romance, mais ou menos relacionado
com o assunto, no qual chamou-me a atenção uma passagem que nos leu
mencionando Nicarágua. Por quê Nicarágua, perguntei-lhe, com todo o
Brasil por escolher? Não convenceu-me na resposta, mas estendeu-se em
considerações sobre a vida e a morte. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.177).
Entre amigos, como vemos aqui em referência ao jornalista Fritz Teixeira de
Salles (1917-1981) e, anteriormente, como o grupo de Henrique Diniz, a literatura é
tema recorrente, e escrever uma aventura.
Outros componentes fixos do grupo eram o René de Guimarães, primo de
Fritz, convencido de sua semelhança com John Barrymore no perfil do rosto
e poeta nas horas vagas; o José Bartolota, de italiana beleza, que só saía
de casa depois do sol posto e era dado, também a poetar; o Juracy, vivendo
da publicidade de revistas e jornais com tiragem limitada aos anunciantes; o
Diogo Costa, jornalista com idéias políticas e Karl Weissman, ao qual
Henrique aconselhara, com sucesso, transformar-se em professor de inglês
para aproveitar o nome estrangeiro. Componentes eventuais seriam
impossíveis de enumerar.
[...]
René e Bartolota declamavam seus próprios sonetos, alguns ainda pedindo
pela chave de ouro relutante em apresentar-se.
- Mediterrâneo azul, de águas serenas, começava Bartolota.
Tinha a nostalgia da Itália e do mediterrâneo, embora não conhecesse nem
mesmo o mar de Copacabana. Estava terminando seu livro, de fato depois
publicado, com o título “Luz Mediterrânea”. Luz que entendi ser a elétrica,
dada sua aversão ao sol.
René era mais poeta de circunstância, sem interesse pela letra de forma.
Inclinava-se com maior paixão às ancas femininas volumosas, atrás das
quais corria pelas ruas em súbita decisão, mal as divisava de longe. Esta
paixão não o desviava, porém, do culto do próprio perfil grego que afirmava
irresistível às mulheres. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.189).
Literatura e escrita “modernizadas” pelo uso direto das orações passam a ser
lecionadas ainda nos anos 20 e, em oposição ao conservadorismo “lusitano”, o linguajar
“brasileiro” é valorizado. Parece haver um papel especial na figura de alguns dos
professores, como Rubião no Colégio Arnaldo, para a “sedução” do aluno Sylvio. Seria
esta também a postura adotada, futuramente, pelo professor Sylvio? A de um sedutor
para o saber?
Outro professor simpático era o Rubião, baixinho, com os cabelos em
permanente revolução, um pouco saltitante no falar mas, sobretudo, amável
senão tímido. Tirava o chapéu agarrando-o por detrás em gesto
característico. Igual ao professor Ferreira, do internato, porém menos frio,
amava a literatura, dedicando menor apreço à gramática. Ensinava a frase
258
curta, a clareza e a ordem direta das orações, condenando rebuscadas
adjetivações. Escrever como se fala, insistia; apenas evitando-se os erros
mais cabeludos do linguajar popular. Comparava a rigidez gramatical antiga
e portuguesa com a soltura do brasileiro. Somente em um ponto mostrava-
se menos complascente – no erro semântico, no uso impróprio de termos.
Então no desvelava as raízes das palavras, ensinando como terminações,
prefixos e sufixos as flexionavam. Suas exposições davam vida às palavras,
interferindo com minha vagabundagem. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.135).
Transcreve parte da entrevista concedida por Isaac Bashevis Singer (1902-1991),
sobre literatura, para reafirmar sua posição diante das tendências que se perdem em
“[...] esdrúxulas frasealogias palavrosas [...]” (VASCONCELLOS, Vai falar um escritor.
Ouçam, 1977, p.6):
“O escritor moderno mostra-se tão aflito por ser profundo e simbológico [sic],
tão interessado em mostrar sua grandeza que o leitor não o pode apreciar.
Nunca antes na história da literatura foram os leitores tão mistificados, tão
hipnotizados, para aceitar mediocridade como grandeza. O resultado é que
temos muitas celebridades, mas nada a celebrar.”
“Os mestres do passado foram sempre grandes contadores de estórias e
escreveram de maneira absolutamente clara. Linguagem existe para
comunicar, para fazer-se entendida; não para transformar-se em mistério
que precisa ser explicado. [...].”
Talvez seja por isso que se lê tão pouco no Brasil de hoje. Prefere-se o
jornal e a revista que, pelo menos, são entendíveis. Na verdade linguagem
não é um amontoado de palavras que se juntam como em jogo de dominó.
Foi inventada para comunicar pensamento. E se não comunica se
estrumbica, como já vem dizendo o sábio povo.
Que ainda se prefira Machado de Assis a estes contorcionistas da palavra
que os supostos críticos aplaudem em suas torres de marfim. Vejo, pois,
que só destes discordo para ficar com a maioria. Ainda bem.
(VASCONCELLOS, Vai falar um escritor. Ouçam, 1977, p.6).
Em uma outra circunstância, a leitura configurou uma rede de sociabilidade,
conforme também vemos em Bourdieu (1992), capaz de estruturar práticas comuns. No
internato do Ginásio Mineiro, a escassez de volumes e mesmo a proibição de qualquer
tipo de literatura que não fossem livros didáticos gerou uma rede associativa da qual
participavam quaisquer títulos, considerados ou não literatura. Instigava mesmo a
práticas ilícitas, como o furto.
Rubens não gostava de empenhar-se em brinquedos demandando esforço
físico. Preferia conversar e, mais ainda, ouvir. Contudo, seu prazer definitivo
era a leitura. Sabia trechos de antologias de cor e salteado. Comentava
autores e estilos, amava poesias e colecionava-as em cadernos com letras
caprichadas. Não demorou para que eu o imitasse.
Fora os compêndios, livros eram raridades no internato. Um ou outro Camilo
Castelo Branco, como a Sepultura de Ferro, coisas semelhantes que
passavam de mão em mão. Mais acessíveis eram os folhetins de “Raffles” e
258v
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de “Nick Carter” ou as novelas de “Arsène Lupin”. Disputávamos as
publicações com impaciência, lendo-as, porém, com calma e concentrada
atenção, antes de passá-las adiante conforme prioridades cuidadosamente
estabelecidas. Em grande maioria já não possuíam capas; não só em
virtude do intensivo manuseio, como da necessidade de escondê-las, por
proibidas, dentro de livros de estudo. Faltavam-lhes páginas, com muitas
rasgadas ou em pedações, e as restantes amarronzadas pelo uso.
Apareceram, depois as estórias picantes de Pitigrilli, uma das quais –
“Virgem de 18 quilates” – alcançou sucesso estrondoso. Havia quem
gostasse das aventuras escritas por Karl May que outros, como eu,
consideravam infantis.
Sensibilizado muito mais por Raffles e Lupin do que por Nick Carter, e
estimulado por procedimento similar e exitoso de muitos outros alunos, não
exitei em surrupiar dois ou três livros da única livraria aberta na cidade,
entre o Grande Hotel e a Matriz. O primeiro atraiu-me pela capa com uma
moça de calções curtos e lindas pernas descobertas; chamava-se “Guria”.
O segundo foi “Curiosidades de Lili”, de uma “Coleção de Histórias
Galantes” da qual, infelizmente, não encontrei outros volumes. O livro
descrevia tipos de relações sexuais com minúcias, embora sem palavrões,
todas elas relacionadas com a iniciação de uma adolescente curiosa. Todos
que o leram classificaram-no como o mais picante que conheciam,
apontando-o como sem rival em nossa escassa coleção circulante.
Minha última aventura no campo das apropriações não decorreu de
iniciativa própria; foi induzida por dois alunos maiores, interessados em um
volume gordo, encadernado, que, por me parecer científico, dificilmente
teria me seduzido. Chamava-se a “Vida Sexual”. De Forel. Que de fato não
cheguei a ler por havê-lo emprestado imediatamente aos mesmos alunos
que o haviam indicado. Com a promessa de devolução pronta, jamais
cumprida. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.102-103).
Não faltam referências à leitura de clássicos, nas memórias ou nas crônicas, o
que demonstra não apenas o leque ampliado de títulos, como uma seleção natural do
conteúdo e da qualidade. Émile Zola (1840-1902) e Edgar Alan Poe – como vimos
anteriormente – são frequentes nas citações, sempre associados a eventos da narrativa.
Eu havia lido em romances, especialmente em Zola, descrições do
fenômeno chamado fome. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente,
1976, p.238).
Dos modernistas seus contemporâneos, há menções de ter lido ao menos
Guimarães Rosa (1908-1967) e Otto Lara Resende (1922-1992), a quem dedica
especial crônica a “Pompas do mundo” (1975), identificado com as Minas.
São estas as montanhas que me vieram ao encontro num livro de Otto Lara
Resende. Porque estas montanhas têm uma linguagem própria. Que vem
do arcaico do ouro, da negritude macambúzia, e da erudição iluminista. Não
é um linguajar tipificado em regionalismos, mesclado de gírias e flexões
contorcidas; não é a fala arisca, insinuosa, dos sertões das Gerais; antes é
um dizer claro e preciso, saboroso em metáforas, especifoso e escorreito,
sem torcicolos estruturais. O dizer macio e limpo de Gonzaga, de Antônio
Francisco Lisboa, de Ataíde, tanto expresso em palavras como em cor ou
pedra.
260
Se alguém tem dúvidas sobre a língua mineira, que leia urgentemente as
“Pompas do Mundo” de Otto Lara Resende. As Minas não existem mais:
dêem-se pressa. Porque dentro em pouco até sua memória se perderá
inumada em contrafacções. Então o livro de Otto será uma relíquia.
(VASCONCELLOS, As “pompas do mundo” numa língua mineira, 1976,
p.2).
Por sua vez, a significação da obra de Guimarães Rosa, em que “a sintaxe é
simples, o ritmo curto e seco, e as idéias, embora em dualidade permanente, claras e
diretamente expostas.” (VASCONCELLOS, 1959, p.61), reside na possibilidade de
encontrar uma outra Minas, diversa e hostil, mas que se sabe presente. A literatura é,
essencialmente, um modo de conhecer a si mesmo.
Partindo da leitura, o caminho natural é a escrita. Não sem a crítica exigida pelo
autor:
Sem objetivos a cumprir, comecei a sentir-me fora do mundo,
marginalizado, em solidão. Cheguei a aceitar que minha vida chegara ao
fim. Para trás haviam coisas, más e boas; para a frente só o vazio. Com
estas considerações em mente, dediquei-me a escrever minhas próprias
memórias. De dois volumes se compunham: um intitulava-se “A mulher em
meu caminho”; outro “Minha vida em pedacinhos”. No primeiro juntei cada
namorada em capítulo aparte, acompanhado dos retratos e escritos
correspondentes que ainda possuía; no segundo entremeava lembranças
esparsas com aforismas e pensamentos próprios à moda de Pascal.
Escrevi a Rubens, pedindo-lhe me mandasse os números do jornaleco que
eu produzira no internato de Barbacena. Constatei com sofrida resignação
que os textos careciam de interesse, estavam mal escritos e incorriam em
erros, tanto de gramática como de semântica. Preferi, então, sentir
saudades das namoradas. Eram mais transitáveis. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.178-178a).
Sylvio ensaia, ainda, textos acadêmicos, com especial interesse pela filosofia.
Juraci estava editando uma revista nova, para a qual pediu-me colaboração.
Dei-lhe uma série de “pensamentos” pascalianos que ele publicou em
página inteira. Meu primeiro trabalho em letra de forma. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.226).
É o primeiro de uma série de trabalhos em “letra de forma”, que se consolidarão
na atividade docente na Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, entre
1948 e 1969.
Antes, porém, foi matriculado no curso anexo da Escola de Direito, menos
tencionando ser advogado do que escapando das outras “doutas” profissões: medicina e
engenharia.
261
Poderia ter sido médico se não me apavorasse a morte; engenheiro se não
temesse a matemática. O medo, de um lado, e a ignorância, de outro,
matricularam-me no curso anexo da Escola de Direito, dirigido ao vestibular.
Nele conheci mais de perto o Dr. Arduíno Bolivar que ajudara minha mãe
nos cantos infantis. Lecionava latim com a mesma monotonia dos meus
anteriores professores na matéria. Tancredo Martins criou-me tal confusão
de deuses e deusas da mitologia grega que acabei por perder o fio da
meada e, com este, o interesse pelo assunto. Artur Veloso abordava
filosofia de modo diametralmente oposto ao Quiroga: expunha e criticava,
por igual, todas as doutrinas. Nenhuma lhe parecia digna de confiança;
sublinhava seus erros e equívocos com um sorriso de desdém ostensivo.
Um gênio! (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.175).
Abandona os estudos, justificando-se por vexações dos trajes que portava,
emprestados do irmão Paulo que se mudara para o Rio de Janeiro, e que certamente
não condizia com o digno trajar da sociedade mineira. Nos parece, entretanto, mais
plausível que Vasconcellos não tenha encontrado nas “doutas profissões” a
possibilidade de investigação, compreensão e transformação do mundo que haviam sido
despertadas em estalo. Estava, ainda, por descobrir a Arquitetura.
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A antiga sede da Escola de Arquitetura da UMG, edificação provisória, tendo ao fundo o atual edifício
em construção.
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A École Polytéchnique de Paris foi fundada em 1794 sob o título de École Centrale des Travaux
Publiques, e recebeu na era napoleônica (1804) estatutos militares, quando incorporou o lema “Pour
la patrie, les sciences et la gloire”. Seu objetivo ainda consiste em formar indivíduos capazes de lidar
com problemas de ordem prática, a partir do desenvolvimento de uma metodologia calcada nas
ciências exatas. As origens da École Nationale Supérieure des Beaux Arts remontam a 1648, quando
o Cardeal Mazarin funda a Académie des Beaux Arts para treinar pintores, escultores, gravuristas e
arquitetos destinados a decorar o Palácio de Versalhes. Embora o currículo isolasse o estudo de
pintura e escultura e de Arquitetura, a inspiração classicista foi tão marcante que configurou, durante
o século XIX, um estilo baseado na ornamentação carregada de inspiração historicista.As escolas
politécnicas e de Belas Artes, originadas na França, multiplicaram-se ao redor do mundo,
estabelecendo uma separação dos métodos e formas de pensamento, bem como dos campos de
atuação entre a Engenharia e a Arquitetura que convencionou-se chamar de “cisão”.
262
6.2. Arquiteto-urbanista!
6.2.1. Arquiteto-decorador?
Em suas memórias
68
e crônicas, Sylvio de Vasconcellos não faz referências ao
tempo em que cursou a graduação em Arquitetura, ou mesmo em Urbanismo. O hiato
temporal aqui presente de lacuna converte-se aqui em hipótese de que o “estalo por
dentro” naturalmente o conduziu à escolha desta profissão. Partiremos, portanto, da
premissa de que Vasconcellos toma a Arquitetura como uma possibilidade de
transformação do mundo, tal como vimos surgir ao longo de sua juventude.
Para tanto, o discurso de posse como diretor da Escola de Arquitetura da UMG,
duas décadas depois, nos baliza em nossa inquisição sobre o sentido desta atividade na
concepção de Vasconcellos. O discurso fala de uma nova era, em que a Arquitetura
mesma deveria se redesenhar frente às demandas da sociedade, exigindo, portanto, a
reconfiguração da academia. Isto indica que, no entendimento de nosso interlocutor, o
ensino de Arquitetura, ainda que abnegado – e nisto Vasconcellos rende homenagens à
geração de seus professores –, exigiria integral dedicação, em “participação diuturna”
(VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11), capaz de criar
e desenvolver uma instituição na qual o ensino seja “aventura apaixonante”
(VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11).
Em 5 de agosto de 1930, iniciou-se o empreendimento, por iniciativa de Luiz
Signorelli (1900?-?) e Raffaello Berti (1900-1972). A Escola de Arquitetura surgiu como
escola livre, desvinculada da recém-criada UMG (1927)
69
, e era a primeira a ser criada
no país desvinculada de uma Escola Politécnica ou de uma Escola de Belas Artes
modelo predominante e que refletia a estética do Ecletismo vigente na Europa, em
especial, em Paris. Esta desconexão institucional permitiria uma maior liberdade de
expressão estética e desenvolvimento de práticas projetuais não-academicistas, o que
não ocorreu nos primeiros anos em razão da formação dos próprios docentes.
68
O texto memorialístico ao qual tivemos acesso encerra-se no ano de 1941, portanto imediatamente anterior ao
ingresso de Vasconcellos como aluno na Escola de Arquitetura.
69
O reconhecimento do curso, contudo, somente seria concedido em 1944.
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263
Dois arquitetos atendem, em Belo Horizonte, a estas duas correntes:
Signoreli, exímio aquarelista, diplomado pela Escola de Belas-Artes do Rio
de Janeiro, de onde trouxe o colonial, que difundiu em inúmeras obras
públicas por todo o Estado, e seu companheiro de escritório, Rafaelo Berti,
diplomado na Itália, sob a influência do “modernismo” então lá vigorante,
informado pelas teorias de Marinetti, mas sujeito ainda, em parte, ao “art-
nouveau” manifestado nas decorações florais estilizadas geometricamente
e, em parte, ao fundo classicista italiano, caracterizado pelo amor à simetria,
ao monumental e à escultura. São os dois primeiros arquitetos de categoria
que trabalharam em Belo Horizonte. Foram eles que começaram a criar
“escola” na nova capital, dignificando a profissão e formando uma série de
desenhistas de arquitetura já não mais apenas fachadistas. Deles também
partiu a idéia da criação da Escola de Arquitetura local, embora ajudados na
iniciativa por um grupo de abnegados, entre os quais Aníbal Matos, Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, Pérét e
outros, em parte artistas e em parte engenheiros civis. Essa Escola é a
primeira exclusivamente de arquitetura, fundada no País, pois as demais até
há pouco se constituíam em cursos das Escolas de Belas-Artes.
(VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961,
p.18).
Luiz Signorelli atuava como arquiteto em Belo Horizonte desde a primeira década
do século XX, contribuindo para a configuração da arquitetura da nova capital em
projetos que abrangiam não apenas residências para a elite como também edifícios
públicos – exemplos são a residência do Doutor Eduardo Borges da Costa (1923-1924)
e a Secretarias de Estado de Justiça (1926-1930). Ao longo de sua extensa carreira,
Signorelli transita entre os estilos arquitetônicos, do ecletismo ao art-deco, sempre
adaptando-se ao gosto vigente em além-mar, transportando-o para Minas Gerais. Sua
formação na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1925, justifica o
conservadorismo das formas e composições. Contudo, o primeiro diretor da Escola
havia renovado a prática da Arquitetura na cidade, em especial na organização do
estúdio onde trabalhava com seus sócios, dentre eles Raffaello Berti.
Ao imigrar, o arquiteto italiano traz consigo ares de modernidade. As linhas retas
e a tendência vertical nas composições que marcam o futurismo italiano renovam a
arquitetura em Belo Horizonte. Contudo, Berti rende-se ao conservadorismo de
Signorelli, e as composições não apresentam a radicalidade do manifesto publicado em
1910 por Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) e Antonio Sant’Elia (1888-1916). O
manifesto mais conhecido é aquele publicado por Marinetti em 1909, por sua feroz
crítica ao academicismo que propagandeava que “[...] um automóvel rugidor, que parece
correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.” (MARINETTI apud
MENEZES, 1997, p.57) e que “A poesia deve ser um assalto violento contra as forças
desconhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem.” (MARINETTI apud
MENEZES, 1997, p.57). Mas também Sant’Elia foi incisivo ao proclamar em 1914 a
263v
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Um dos únicos manifestos futuristas com ilustrações. Marinetti e Balla clamam pela dinâmica,
agressividade, alegria e assimetria também em trajes em vermelho, branco e verde, com motivos
"guerreschi e festosi”. A Vitória de Samotrácia é uma escultura que representa a deusa Atena Niké
(Atena que traz a vitória), cujos pedaços foram descobertos em 1863 nas ruinas do Santuário dos
grandes deuses de Samotrácia, na ilha do mesmo nome, no Mar Egeu.
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338
A arquitetura italiana dos anos 30 e 40 converteu-se, de um racionalismo que buscava afastar-se das
influências classicistas, em um racionalismo que reafirmava princípios de simetria, modulação e
ordem para retratar um espírito.
264
vitória da “arquitetura futurista”, da cidade industrializada e mecanizada, da conurbação
e do arranha-céus.
A arquitetura de Raffaello Berti, contudo, caracterizou-se pelo classicismo, bem
expresso por Vasconcellos como sendo marcada “[...] pelo amor à simetria, ao
monumental e à escultura [...]” (VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura
contemporânea, 1961, p.18). Neste sentido, Berti aproxima-se muito mais da arquitetura
do período fascista do que da modernidade futurista expressa na velocidade, no
transitório e no radicalismo. Assim sendo, foi fácil a assimilação das novas formas pela
elite mineira.
A formação diversificada dos professores – pintores, engenheiros, advogados e
até mesmo médicos e dentistas – e a minoria evidente de arquitetos configurou o
conservadorismo dos primeiros tempos, traduzida na ácida crítica de Vasconcellos: “[...]
formando uma série de desenhistas de arquitetura já não mais apenas fachadistas.”
(VASCONCELLOS, A família mineira e a arquitetura contemporânea, 1961, p.18). Havia
um avanço, é verdade, na substituição paulatina do fachadismo eclético e na ocupação
de um nicho de mercado para os arquitetos. Contudo, os profissionais formados ainda
não são arquitetos completos, no amplo sentido da palavra. Sylvio aqui se refere a eles
como desenhistas; mais tarde, como decoradores.
Os trabalhos executados na disciplina “Arte Decorativa” seguiam uma linha
tradicional, fundamentada no uso de elementos clássicos e proporção
áurea. Certamente a formação artística clássica dos professores Aníbal
Mattos e Raffaello Berti era responsável por este direcionamento e se
refletia também nos temas propostos: “Um púlpito bizantino”, “Um púlpito
romano”, “Portão de entrada para um parque”, “Túmulo”, “Altar neo-
clássico”, entre outros.
Em relação aos projetos realizados nas disciplinas “Grandes Composições
de Arquitetura” e “Pequenas Composições de Arquitetura” predominava a
estética modernista, através do emprego de elementos como lajes planas e
delgadas, telhados ‘borboleta’, rampas, brises e pilotis. Os demais projetos
apresentavam características transitórias: utilizavam o vocabulário
modernista mesclado a composições simétricas, baseadas na rigidez dos
eixos e nas proporções clássicas. (OLIVEIRA & PERPÉTUO, 2005, s.p.).
Na Escola de Arquitetura daqueles primeiros anos, a questão da tecnologia se
fez presente, embora não tenha configurado o conhecimento pleno necessário para
alavancar novas espacialidades. Embora no currículo estivessem presentes disciplinas
de cálculo estrutural e matemática desde os primeiros anos, nota-se na abstração dos
métodos das escolas politécnicas um despreparo para o enfrentamento das questões
tecnológicas, significativas para a elaboração de uma nova arquitetura.
264v
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Shakeaspeare Gomes, Raphael Hardy Filho e Eduardo Mendes Guimarães representam, juntamente
com Sylvio de Vasconcellos, a melhor geração de arquitetos modernistas.
265
Coube a uma nova geração de professores – todos ex-alunos, como
Shakespeare Gomes, Raphael Hardy Filho (1917-2004), Eduardo Mendes Guimarães
(1920-1968) e o próprio Sylvio de Vasconcellos – a tarefa da transformação dos
métodos didático-pedagógicos. Não sem um conflito: de gerações, de poder e de prática
arquitetônica. Os antigos alunos, é bem verdade, deviam a seus atuais colegas o
respeito que a autoridade das cátedras lhes conferia, daí a delicadeza com a qual Sylvio
se refere a estes pioneiros. A prática arquitetônica é discrepante entre os dois grupos, e
demonstra o arraigamento aos velhos modelos por parte da primeira geração. Contudo,
se por um lado os professores ainda assumiam a postura da autoridade, por outro o
humanismo lhes era característico, afirma Ronaldo Masotti Gontijo (apud OLIVEIRA &
PERPÉTUO, 2005, s.p.). Isto permitiu ao corpo discente uma densa formação, posto
que fundada em temas para além da Arquitetura.
Sob o ponto de vista do exercício profissional, os bem-sucedidos escritórios de
Arquitetura dos professores mais velhos conduziam a uma prática que Vasconcellos irá
criticar: a limitação do campo disciplinar da Arquitetura à decoração de interiores. O
arquiteto convertia-se em cenógrafo, e o habitante em consumidor de formas – não
importa se ao gosto dos luíses ou do design pop.
Algumas casas mais ricas transformaram-se interiormente em museus, com
amontoados de peças supostamente antigas, autênticas e falsas, em
mostruário. Mal colocadas e profusas, nem ornamentam o ambiente nem
são utilizáveis. Correspondem apenas a uma moda que decorre muito mais
da vaidade ostentatória do que da sensibilidade de seus proprietários.
Outras casas são equipadas com mobiliário de vitrine, fabricado em série,
obediente a pseudos “estilos”. São, no geral, peças sem cachet, feiosas e
altamente desconfortáveis. Cadeiras duras e de contorno pouco anatômico,
sofás de cetim bizarros, mesinhas por todos os lados para as caneladas
inevitáveis dos moradores. A posição das peças é rígida, enfática, a mesma
que compõe as vitrines dos vendedores. Não convidam ao uso. São mais
para ver que para usar. Por isso mesmo não são usadas, recolhendo-se a
família para as copas e quartos onde ainda podem gozar de um à vontade
impossível nos cômodos de estar. Um amigo confessou-me que o único
modo que encontrou para ver sua televisão foi deitando-se no chão do
quarto de dormir. Outro mandou construir em sua casa nova uma sala
íntima de televisão, onde pudesse distrair-se de pijama, refestelado com
certeza em almofadas espalhadas sobre o tapete.
A sala de estar é só para ver. E para as coitadas das visitas que não podem
se refugiar nas copas e cozinhas. [...] (VASCONCELLOS, É uma casa
mineira, com certeza..., sd, p.3).
Mais uma vez voltamos ao tema da casa, agora vitrine. Espaço “para inglês ver”,
onde o morador não se encontra. Talvez cansado de repetir a mesma ladainha, Sylvio
apela para o sarcasmo em sua crítica.
266
Por todos os lados da casa há sempre um excesso de móveis, de bibelôs,
de jarros e quadros horrendos. Andar no interior de uma casa mineira é
quase uma temeridade. Dever-se-ia usar caneleiras para proteger as
pernas. De bom só tem que as pessoas se acostumam a um andar gingado,
necessário para evitar os obstáculos e seguir os meandros dos roteiros
entre móveis. (VASCONCELLOS, É uma casa mineira, com certeza..., sd,
p.3).
267
6.2.2. A Escola de Arquitetura em transformação
Mudar a concepção sobre a Arquitetura, convertendo-a em algo para além dos
modismos e estilemas, bem como a atuação do arquiteto, exigia mudar o perfil do
profissional egresso e, antes de mais nada, alterar o ambiente acadêmico e o currículo.
Isto significava, fundamentalmente, uma mudança na postura do corpo docente que
deveria dedicar-se de modo integral ao ensino e, em especial, à pesquisa, como forma
de capacitação para uma pedagogia que considerasse uma perspectiva mais ampliada
da Arquitetura. Além disso, toda a estrutura curricular deveria ser revista: conteúdos
disciplinares, integração horizontal e vertical, relação entre teoria e prática. Este amplo
escopo de transformações justifica as considerações de Sylvio sobre a “gravidade das
tarefas” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11).
As reformas são, antes de tudo, um enfrentamento da “fatalidade histórica que
informa a evolução do País” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova
arquitetura..., 1963, p.11), em relação à qual se deve agir “com a lucidez necessária, o
equilíbrio desejado e a compreensão indispensável” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos
uma nova arquitetura..., 1963, p.11). Ou seja, para que a reforma do ensino – que
abrangia naqueles tempos todo o campo superior – se desse por completo, no âmbito
semântico do construir de novo, de retificar, de aprimorar, urgia que os espíritos
estivessem imbuídos de serenidade, para que a tomada das decisões fosse acertada.
Se estamos em situação má, evidentemente é porque nossa organização é
também má. Bastará reformá-la para que tudo fique bem. Autêntico sofisma
ou falácia, se não preferirmos aceitar a circunstância como uma
decorrência, também, do despreparo.
Progresso quer dizer evolução, quer dizer sequência em aperfeiçoamento.
Reforma válida á penas aquela que aperfeiçoa e não a que apenas
recomeça. Recomeçar é reconhecer tempo perdido, é perder experiência
acumulada, é atraso. Cultura é acumulação de conhecimentos, transmitidos
de geração em geração.
[...]
De repente, porém, impulsionado, talvez pela pressão do número crescente
de candidatos às escolas, o país entregou-se à psicose da reforma
universitária. Um mero fato isolado – os excedentes – e a inquietação da
juventude, levou à necessidade súbita de reformar. E diga-se de passagem
que, por mais estranho que pareça, exatamente um fato que vinha
demonstrar o prestígio do ensino superior, cada vez mais cobiçado.
Evidentemente, como tudo o mais, deve o ensino evoluir e aperfeiçoar-se.
Há falhas, e clamorosas, a corrigir. O caminho natural dessa correção
deveria, porém, ser outro que não simploriamente uma reforma qualquer, a
toque de caixa imposta, como panacéia milagrosa.
268
Haveria que, preliminarmente, identificar quais as falhas existentes, quais os
pontos a equacionar e quais os setores a aperfeiçoar. Não fazer tábua rasa
de toda uma estrutura montada e produtiva.
É fato inconteste a escassez de bons professores. Nem se poderia
pretender que, em curto prazo, pressionado pelo número assustador de
alunos, se obtivesse o número correspondente, necessário, de professores.
É fato, ainda, por exemplo, que muitas vezes o ensino se distancia da
realidade imediata, perdido em rotinas burocráticas e mentalidade
bacharelesca abstrata, originadas dos padrões estabelecidos pelos cursos
jurídicos, os primeiros a serem instalados no país. É verdade que faltaram,
em determinado momento, recursos técnicos em material e laboratórios
indispensáveis a um ensino eficiente. Nada disso, contudo, foi considerado
na reforma a ser aceita de olhos fechados, como indispensável. Nenhuma
estatística se fez, nenhuma pesquisa. Resolveu-se, simplesmente, que o
ensino estava mal. Resolveu-se simplesmente que devia ser reformado. E
nem mesmo se pensou em qual a reforma mais adequada. A primeira idéia
ventilada foi desde logo aceita como irrecusável. Se é reforma é boa,
adotemo-la.
[...]
Por acaso estava eu ainda no Conselho Universitário quando se aprovou a
primeira etapa da reforma que, em Minas envolvia o problema dos
Institutos. O problema não consumiu mais de alguns minutos. Ao indagar
alguém de pormenores da questão a resposta era uma só: não tem
importância; o fundamental é aprovar, em princípio, a idéia; depois virão os
detalhes. Mas que idéia afinal? Ninguém sabia ao certo. O momento era
favorável às reformas de base; havia que reformar. [...]
O jogo de palavras continua. Disciplinas são retiradas das escolas para
formarem outras unidades. Os mesmos professores que lecionavam a
disciplina em suas escolas agora a lecionarão em outro estabelecimento e
para os mesmo alunos que haverão de se locomover daqui pra ali, à
procura do professor. Qual a vantagem que tal sistema representa? Por que
é melhor do que o existente? Isso ninguém diz. Mas, sob o impacto do mito
reformista tudo se aprova. A última reforma foi aprovada no Conselho
Universitário também em poucos minutos, sem que ao menos pudessem as
congregações escolares conhece do problema. Foi até negada vista do
processo aos próprios conselheiros. É preciso aprovar, reformar, e de
imediato.
Os reitores, responsáveis diretos pela estrutura universitária, nada podem
fazer em face das pressões que recebem. Criou-se uma onda e devem
todos estar na onda como diz a gíria popular. Poucos têm coragem de
afirmar que o Rei está nu como na história infantil medo de ser conservador,
de ser ponderado, de ser lógico. O tumulto instalado, a avalanche
desencadeada, é deixá-la correr.
Se uma unidade escolar já é contexto difícil de se organizar e aperfeiçoar,
que dirá então de uma universidade múltiplo-complexa, onde os alunos
terão de catar aqui e ali uma disciplina? Na verdade o que se está
praticando no Brasil, na espécie, é uma dissolução das universidades e não
seu aperfeiçoamento. Se antes o isolamento das escolas era um mal, o
oposto antagônico, agora preconizado, padece do mesmo extremismo. E
muito mais difícil será, depois, corrigir.
Há necessidade evidente de se aperfeiçoarem nossas universidades.
Principalmente a partir de duas considerações preliminares que são fatos e
não argumentos: o número crescente de alunos e a imposição tecnológica
de nosso tempo. Estas são considerações envolvem, precipuamente
problema de mentalidade. Mentalidade do magistério, clareza de estruturas
que permitam o máximo de resultados práticos com um mínimo de
complicações.
Como sempre, o problema é mais dos homens envolvidos na questão do
que de reformas. Se falece a inteligência falece a norma. Podemos mudar,
por exemplo, todo um curriculum escolar; se os professores forem os
269
mesmos, os resultados se equivalerão. O que precisa a universidade é
sobretudo inteligência, inteligência para sentir a solicitações da juventude
quando procedentes, inteligência para raciocinar com clareza e lógica,
inteligência para aperfeiçoar e não complacência para embarcar na primeira
cano que passa, ainda que furada.
Reforma é coisa séria demais para improvisar-se. (VASCONCELLOS,
Reforma universitária é uma necessidade, 1968, p.8).
A reforma pela reforma não bastava. Era preciso que fosse ato planejado,
cuidadoso e que alcançasse a perspectiva da “continuidade de um desenvolvimento em
plena florescência, integrado no próprio desenvolvimento da Pátria.” (VASCONCELLOS,
Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11). Por mais de uma vez a interação
entre a reforma universitária e as mudanças no país é destacada por Vasconcellos, nos
remetendo a um compromisso público a ser conduzido pelo último reduto da
inteligentsia brasileira. Ademais, reformar não significa, no entendimento de Sylvio, partir
de tabula rasa para “inventar a roda”; ao contrário, correspondia a um recobrar forças
para regenerar-se, tornar-se ativo novamente. Neste sentido, o conceito de progresso
implica na “permanente e dinâmica melhoria, aperfeiçoamento contínuo e evolução
constante” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11) e
não no imediatismo de soluções mágicas.
Vasconcellos é severo crítico da reforma universitária tal como foi implementada.
A primeira Lei de Diretrizes e Bases para a educação – promulgada através da Lei n°
4.024, de 20/12/1961 – consistia na universalização do ensino superior sem a devida
provisão de recursos para a recepção dos calouros e, fundamentalmente, para a
capacitação do quadro de professores. Para Vasconcellos, a reforma de 1961 é falha
porque desconhecia o universo a ser requalificado, inclusive a baixa qualificação do
corpo docente e a mentalidade conservadora nas práticas pedagógicas, a quase
inexistência de equipamentos, a burocracia administrativa. Nenhum dado efetivo foi
coletado para dar substância às decisões da reforma: “Resolveu-se, simplesmente, que
o ensino estava mal.” (VASCONCELLOS, Reforma universitária é uma necessidade,
1968, p.8).
Foi revogada por uma nova reforma universitária, instituída durante os anos mais
duros do Regime Militar através da Lei n° 5.540, de 28/11/68. Em seu escopo geral,
tratava de um universo ideal ao tornar indissociados ensino e pesquisa, assegurar a
autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira das universidades
(muito relativa), eliminar a cátedra e a sua vitaliciedade, e propor a extensão como
instrumento para a melhoria das condições de vida da comunidade e participação no
270
processo de desenvolvimento. Contudo, o uso de um modelo organizacional único para
as instituições, públicas ou privadas, do Oiapoque ao Chuí, configurou um entrave.
A reforma de 1968 tinha alguns erros importantes de concepção, o mais
grave sendo a idéia de que seria possível implantar em todo o país um
modelo ideal da universidade anglo-saxônica, com seus departamentos de
pesquisa, sistemas de crédito e ciclos básicos. Não havia espaço para
modelos alternativos, experiências diferentes, iniciativa. O sistema federal
de tutela das universidades não foi alterado. Não houve nenhuma previsão
a respeito do grande crescimento que o ensino superior teria no país nos
anos seguintes, e que jamais poderia ser canalizado por universidades
modelares como as previstas na legislação. (SCHWARTZMAN, 1986, p.81).
A rigor, a departamentalização fragmentou e enfraqueceu as unidades diante do
regime político, fator acompanhado pelo sistema de matrícula semestral por disciplina,
que desarticulou os movimentos estudantis. Há, ainda, discussões quanto ao sistema de
ingresso nas universidades. Vasconcellos sentencia: “Na verdade o que se está
praticando no Brasil, na espécie, é uma dissolução das universidades e não seu
aperfeiçoamento.” (VASCONCELLOS, Reforma universitária é uma necessidade, 1968,
p.8). Se a reforma anterior previa o acesso livre e irrestrito às universidades – condição
necessária à democratização do ensino –, resultando na formação de um excedente
imenso de alunos, ávidos por ingressar nos cursos superiores, o vestibular mostrou-se,
com o passar do tempo, ser um instrumento de seleção peverso. Não garantia o acesso
às camadas mais pobres da população à universidade, antes, acirrava distinções;
associado a isto, ao unificar as provas, contribuiu nefastamente para uma padronização
do ensino médio, interessado não mais em formar indivíduos conscientes, mas em
contabilizar número de alunos aprovados.
Curiosamente, a reforma de 1968, ressalvados os aspectos autocráticos, frutos
do regime então vigente, centralizador e ditatorial, estimula a representação estudantil
nos órgãos colegiados e a criação dos diretórios centrais dos estudantes e dos diretórios
setoriais ou centros acadêmicos.
Sylvio sabia que a sobrevivência da reforma universitária e, por conseguinte, na
Arquitetura, dependia dos alunos, “desses moços que, arquitetos de amanhã, sempre
considerei mais colegas do que alunos.” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova
arquitetura..., 1963, p.11). Não se trata de retórica, mas de uma necessária conciliação
para que os objetivos comuns fossem atingidos.
Essa juventude, em maioria crescente, deseja, fundamentalmente duas
coisas: na ordem das coisas concretas, acesso rápido ao conforto permitido
271
ou oferecido por nossa civilização; na ordem das coisas abstratas, liberdade
de idéias e conduta. Essa liberdade quer dizer possibilidade de procurar os
próprios caminhos como melhor lhe pareça, e sem submissão a orientações
rotineiras tradicionais. (VASCONCELLOS, Inquietação da juventude –
origem e razão II, 1968, p.3).
O desejo de mudança é condição natural da juventude e cabe a ela fomentar as
transformações, já que as gerações mais velhas são tendentes ao conservadorismo e a
uma permanência do estado das coisas. O problema aflora quando nenhum dos lados
cede em favor de uma melhoria coletiva: radicalismos de ambas as partes; uns
clamando pelo novo, outros recusando-se ao diálogo. Esta não é, contudo, uma
condição perene. Vasconcellos sentencia: o jovem será o velho.
A sucessão de gerações é um fato humano e biológico que nenhuma
repressão eliminará. A juventude traz inovações; a maturidade mantém o
status quo, procura o equilíbrio, e a concordância entre as idéias antigas e
novas. O choque, pois, entre gerações sempre existiu e sempre existirá. De
tal modo que o velho de hoje foi o afoito jovem de ontem, e o moço de hoje
é o equilibrado velho de amanhã. Porque, contudo, o choque de gerações
hoje em dia se aguça e explode? (VASCONCELLOS, Inquietação da
juventude – origem e razão II, 1968, p.3).
Parte da resposta de Sylvio encontra-se na velocidade das transformações, à
qual as novas gerações estariam acostumadas, quase contaminadas, pois que nascidas
em meio a estas velozes transformações. Por outro lado, encara o tema sob a ótica da
estatística, e do maior número de jovens na proporção populacional – 57,3 % da
população à época estava na faixa etária que vai até os 24 anos. Em um ambiente
democrático como deveriam ser as universidades, é inevitável considerar esta “maioria”.
Vasconcellos se reveste de líder estudantil e brada:
Ora, não é precisamente isso que acontece, mormente nos meios
universitários. Por mais que procure justificar o ensino superior, pelos bons
exemplos que naturalmente oferece, é evidente que o número de exceções
à regra é considerável, muito mais do que seria razoável esperar-se.
Professores que não dão aulas ou que as dão em número mínimo, os que
não se interessam pelo assunto, os incapazes, os esclerosados em
conhecimentos e métodos já ultrapassados, são realmente muitos. E isso
para não se falar na política universitária, no empreguismo, na luta por
verbas, vantagens, viagens e quê mais pequenas e multiplicadas licenças
que toda política traz consigo. Escolas luxuosas, veículos em quantidade,
gabinetes fantásticos e que, evidentemente, provocam inconformismos. Os
professores não têm outro contato com os alunos que não aquele do estrito
horário das aulas. Não há uma comunidade, por ais que fale em cidades
universitárias e “campus”. (VASCONCELLOS, Inquietação da juventude –
origem e razão II, 1968, p.3).
271v
342
343
Na Sorbonne ou na USP, o movimento estudantil reivindicava, durante os anos 60, liberdade de
expressão, e uma das formas de manifestação mais contudentes residia na ocupação dos espaços
públicos significativos.
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Em data substancialmente emblemática – 14 de julho, comemoração da queda
da Bastilha, do ano de 1968, profundamente marcado pelas manifestações estudantis
em todo o mundo – Sylvio publica “O movimento poder jovem”. O termo, substantivado,
correspondeu a uma definição nova. Sylvio esforça-se por redirecionar o olhar da
opinião pública conservadora, que via nas manifestações anarquia juvenil ou, em caso
mais extremo, uma intenção de tomada de poder, substituindo aos mais velhos.
Por isso o poder jovem não passa de um estado de espírito, de aspirações,
que tanto podem ser satisfeitas por adultos, e preferentemente por estes,
como por jovens, nos limites de sua capacidade de atuação.
É o que ocorre com os estudantes. Não se trata de entregar a eles o poder
de decisão ou o comando do ensino. Trata-se, simplesmente, de saber o
que desejam aprender. O ensino é montado para eles, os beneficiados são
eles, a finalidade é eles. Logicamente é necessário conhecer o que desejam
na espécie. Não se pode ensinar alguma coisa a alguém que não quer
aprender. É esforço inútil. Não se trata de saber o que desejam os adultos
ensinar mas, sim, o que desejam os jovens aprender. Pois são eles que vão
utilizar o aprendizado como instrumento indispensável de suas vidas.
(VASCONCELLOS, O movimento poder jovem, 1968, p.8).
As mudanças, destaca Vasconcellos, não podem ser unilaterais. Se a juventude
requer, exige, demanda transformações, o ensino deve abrir caminho para que estas se
tornem possíveis. Para tanto, exige-se que mentalidades e metodologias se
redesenhem para compor o novo quadro. Na Escola de Arquitetura, esta possibilidade
de alterar o sentido da Arquitetura foi empreendida a partir da participação de um novo
grupo de professores, todos eles engenheiros, como Celso Cardão (1913- ), e Pérides
Silva, seu amigo e correspondente.
Conheci Pérides quando ambos lecionávamos na Escola de Arquitetura
disciplinas pouco relacionadas entre si. Eu mais preocupado com o
conhecimento estético; ele dedicado ao entendimento técnico. Pérides havia
estudado nos Estados Unidos, onde absorvera completamente a
mentalidade tecnológica e pragmática que até hoje o caracteriza. Jamais o
satisfez a didática rotineira, teórica e repetitiva, que sempre foi o mal
incurável de nosso ensino. Sempre quis ir além, conferir um sentido prático
à sua contribuição e inventar soluções novas para os males que afligem
nosso menor desenvolvimento.
[...] Pérides não descansou em ser professor: meteu-se em empresas
privadas e até na indústria. Colheu muitas desilusões, mas não esmoreceu
em seu intento de contribuir para o progresso nacional. Acredita nele e se
mete na empreitada de fomentá-lo, com fé rara e inabalável.
(VASCONCELLOS, Longe do Brasil, 1976, p.2).
Para Vasconcellos, o professor Pérides incarna o protótipo do docente. Ativo,
investigativo, curioso, compromissado com o ensino e com a ciência, antes de tudo.
273
Este espírito faltava nos professores arquitetos da Escola de Arquitetura, assentes em
suas pranchetas como funcionários públicos.
Me ponho a imaginar a ausência de pessoas como você. Afinal foram
vocês, os engenheiros, e principalmente, que deram status à Escola. Eu a
conheci antes e depois de vocês. Depois foi chegando a nova geração, de
arquitetos. No geral mal formados pela Escola ainda não muito bem
definida. Enxurrada eles que, sem trabalho, se ajeitavam no emprego de
ensinar. E o pior é que nunca se esforçando para adquirir alguma cultura
que justificasse o emprego, nunca um concurso, uma pesquisa, uma
publicação. Como quem não sabe, pode ensinar? Triste isso.
(VASCONCELLOS, Carta a Pérides Silva, 16.08.75).
Na verdade, o status a que Vasconcellos se refere advém da situação da Escola
de Arquitetura como escola livre, que somente foi federalizada em 1949. A partir de
então, o corpo docente passou a ser composto de professores provenientes de outras
unidades, como a Escola de Engenharia, fundada em 1911 e incorporada à UMG em
1927, juntamente com as faculdades de Direito e de Medicina e as escolas de
Odontologia e de Farmácia. Contava, pois, com uma trajetória ligada à pesquisa mais
sólida, reforçada pela natureza investigativa da profissão.
Na opinião de Vasconcellos, a formação de um intelectual não cessa. Sylvio
entendia que a pesquisa fomentava o conhecimento, inicialmente trazido à Escola de
Arquitetura pelos professores originários da Escola de Engenharia.
Com a criação, em 1959, do Instituto Superior de Pesquisa para Planejamento da
EAUFMG, Sylvio deu início a uma produção frenética: “Em um ano, editamos mais de
vinte livros e fizemos não sei quantas exposições. Sem falar em conferências, boletins
bibliográficos e outras atividades de extensão, comuns hoje mas inéditas naqueles
tempos.” (MELLO, 1979, p. 18), relata a ex-aluna, colega e colaboradora Suzy de Mello.
Se o volume não corresponde à qualidade da produção, pois que não permite o
amadurecimento das reflexões, havia a necessidade de coopção de professores e
alunos, justificando a atitude. Na realidade, boa parte da referida produção constitui uma
gama de inventários fotográficos, retratando o repertório arquitetônico – vãos, escadas,
etc. – apoiados no Serviço de Fotodocumentação
70
, sem maiores reflexões. Cabe,
contudo, destacar a importância destes dois setores, o último também criado pelo
professor em 1954. Se o trabalho inicial constituiu um mero recolhimento de imagens –
ampliado significativamente pela dupla atividade de diversos professores junto ao
70
Sucateado ao longo de décadas, os diapositivos, fotos e painéis sobreviveram em razão da dedicação do
funcionário Arquimedes Correia de Almeida e somente em 2004 passaram novamente a receber a atenção
institucional com o desenvolvimento de uma pesquisa financiada pela FAPEMIG.
274
IPHAN, como Ivo Porto de Menezes (1928- ) e Luciano Amedée Peret (1928- ), levados
por Sylvio – o acervo compõe, ainda hoje, uma importante fonte documental sobre o
patrimônio edificado em Minas Gerais. Foi uma estratégia, adotada em razão das
condições ainda incipientes, para seduzir a comunidade acadêmica em direção à
necessária elaboração da historiografia da arquitetura brasileira, especialmente em
Minas Gerais.
Como exemplo dos procedimentos metodológicos empreendidos por
Vasconcellos, tomemos a pesquisa realizada para a defesa da tese de cátedra de
“Arquitetura no Brasil” e que originaria uma “escola” de pesquisadores, que se ampliou
nos anos seguintes pelos institutos de preservação em Minas Gerais (IPHAN e Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, IEPHA/MG). A síntese é a
tônica da pesquisa empreendida em “Arquitetura particular em Vila Rica”:
Procuramos, ainda não só deixar delineada a evolução cronogógica das
realizações como também ordena-las segundo adequada dinâmica, das
mais simples às mais complexas, para isto esquematizando partidos,
sintetizando soluções e recompondo preferências, como menor atenção aos
detalhes excepcionais em pormenor que, se bem várias vezes citados para
os necessários confrontos, não se permitiram maior desenvolvimento,
senão em trabalhos a eles expressamente dedicados. (VASCONCELLOS,
Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.9).
Quando não é possível afirmar com clareza alguma conclusão, Vasconcellos opta
pela justificativa nas falhas e insuficiência dos dados. Além do espírito de síntese,
manifesto nas conclusões, é significativa a delineação de “correções” às tradicionais
perspectivas sobre a historiografia mineira, embora procure se desarmar da pretensão
da verdade absoluta:
Por certo as idéias a respeito expendidas foram apenas delineadas, estando
a merecer posterior desenvolvimento que as confirme ou retifique apesar de
não se ter descurado da comprovação que lhes assegurassem o
indispensável cunho de veracidade. (VASCONCELLOS, Arquitetura
particular em Vila Rica, 1951, p.9).
Metodologicamente, recompõe a pesquisa de fontes primárias junto ao Arquivo
Público Mineiro, fundamentando a tese em pesquisadores que lhe antecederam, bem
como nos textos publicados pelos viajantes do século XIX – Jean Baptiste Debret,
Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852), John Mawe (1764-1829), Johann Baptiste
Emanuel Pohl (1782-1834), Johann Moritz Rugendas (1808-1858), Auguste Saint-Hilaire
274v
344
345
346
275
(1779-1853), Johann Baptiste von Spix (1781-1826) & Carl Friedrich Philipp von Martius
(1794-1868). A fotografia também é explorada como fonte documental:
Rotulados em painéis, com suas almofadas inferiores, se antepõem aos
torneados e proteções maiores, ainda compostas em treliças, os muxarabis
que, como caixas, envolveu o vão em toda sua altura sem dúvida
completaram também os balcões de Vila Rica, como comprovam fotografias
antigas do lugar. É provável ainda que muitos painéis rotulados que hoje se
limitam aos parapeitos das sacadas sejam partes preservadas dos referidos
muxarabis. (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951,
p.172).
A fotografia, como um “invento” da modernidade, nasceu com a ambígua tarefa
de ser prova e representação, ou retratação e indício da realidade. O objetivo da
fotografia no século XIX era cartografar, mapear a metrópole, em seus aspectos
positivos e negativos, a partir de valores morais e de espelhamento de um modelo
burguês de civilização. O que se registra nas cidades setecentistas mineiras – assim
como nos álbuns de Marc Ferrez (1843-1923) em que negros e mascates são
estereotipados – é o não-moderno, um avesso do espelho desejado.
Assim como a fotografia, a pintura de época é também uma fonte documental
explorada, como vemos em “Vistas de Ouro Preto” (1958). Vasconcellos parte para uma
análise não das características pictóricas, mas para uma confrontação com a paisagem
da obra de Thomas Ender (1793-1875), Johann Baptiste Emanuel Pohl, Arnaud Julien
Pallière (1784-1862), Henry Chamberlain (1796-1844).
A iconografia alusiva a Minas Gerais não é profunda. Pelo menos, não foi
ainda suficientemente pesquisada e divulgada. Dos edifícios públicos –
casas de câmara e cadeia, igrejas, capelas e fortificações – têm sido
encontrados desenhos elaborados por ocasião das respectivas construções
ou posteriormente, documentando-as. No que diz respeito, porém, às
edificações particulares e aos conjuntos urbanos, não se dispõe em Minas
senão de informações bastante vagas, raramente complementadas por
adequadas representações gráficas. Os alçados das residências só
começaram a ser exigidos pelas câmaras a partir da última década do
século XVIII, mas, talvez por falta de arquivamento, jamais foram
encontrados. Por outro lado, também faltaram à região elementos capazes,
interessados na fixação, para a posteridade, de aspectos da civilização
material da época.
Só a partir do século XIX, com a chegada de Dom João VI e a conseqüente
abertura dos portos e do interior aos estrangeiros, começaram a aparecer
informações mais minuciosas na zona aurífera, na maioria delas literárias,
como a excelente memória de Saint Hilaire. Algumas acrescentam-se de
ilustrações, e umas poucas se resumem a desenhos esclarecidos por
breves legendas. Elaboradas quase todas entre 1810 e 1830,
correspondem ao período de franca decadência das minerações. No geral,
os desenhos mostram preferência pelas paisagens ou pelo elemento
humano e animal, principalmente em seus aspectos peculiares e
275v
347
276
desconhecidos na Europa, relegando a plano secundário os conjuntos ou os
exemplos arquitetônicos considerados pelos viajantes estrangeiros como de
menor importância.
Por outro lado, grande número desses desenhos, em sua feição definitiva,
foi elaborado sobre croquis rápidos originais, e não diretamente do natural,
do que resulta má interpretação posterior das indicações recolhidas. Em
conseqüência, relativamente à arquitetura, poucas são as reproduções fiéis.
(VASCONCELLOS, Vistas de Ouro Preto, 1958, p.4).
Na metodologia de pesquisa adotada por Vasconcellos há um certo
tradicionalismo em que os fatos históricos e a natureza do lugar “explicam” a arquitetura.
Em geral, as interações entre a circunstância histórica e social e a arquitetura são
tímidas, salvo alguns exemplos esporádicos. Contudo, quando a análise mergulha no
meio físico – clima, topografia – as reflexões são imediatamente levadas às soluções
formais e tecnológicas, disponíveis ou elaboradas, herdadas ou processadas. Esta
interação entre solução formal e técnica e pragmatismo revela, mais uma vez, a
racionalidade da qual está embebido o autor.
Contudo, Vasconcellos incorpora uma perspectiva apenas recentemente traçada
na historiografia: os objetos arquitetônicos como fonte documental. Realiza, a cargo do
IPHAN, prospecções arqueológicas e levantamentos, como citado em “Arquitetura
particular em Vila Rica” (1951), nas ruínas do que a tradição oral nomeia “Palácio
Velho”, confirmando-a pelas características da fatura do edifício, o que se interpõe aos
comentários anteriores.
Esta conclusão se confirma pela tradição, pela muito especial e boa fatura
da alvenaria, principalmente dos altos muros, pelas indicações típicas de
sua ancienidade, tais como a estruturação dos vãos, sem lancis,
substituídos por ressaltos na própria canga em grandes blocos que os
circundam e finalmente pelo aparecimento de seteiras, evidentemente
militares, nos paredões que delimitam o pátio de entrada. Nas imediações
encontram-se também as lavras e indícios do chafariz relatado pelos
documentos coevos. (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica,
1951, p.26).
Dispõe, pacientemente, sobre as diversas tipologias encontradas em Vila Rica,
dos abrigos provisórios (a que denomina “ranchos”) aos palacetes nobres, como a Casa
dos Contos. Esta narrativa se faz acompanhar do levantamento arquitetônico,
organizado segundo a “evolução” dos partidos e não referindo-se a todo o levantamento
de um exemplar – chega, mesmo, a isolar a análise da planta das elevações, em
capítulo aparte. Com isto, Sylvio parece ter procurado, mais uma vez, as soluções de
síntese ou os modelos explicativos. De qualquer modo, trata-se de um primeiro
276v
348
277
inventário realizado, tarefa que vem sendo sistematizada pelos órgãos de preservação
ao longo dos anos.
O procedimento para o reconhecimento das características do Barroco em Minas
Gerais parte, inicialmente, da “divisão” em diversas regiões, segundo as características
e influências recebidas. O autor aponta para as dificuldades de reconhecimento e
admite que serão ainda necessários – como de fato ainda hoje é atestado – muitos anos
de pesquisa para o pleno reconhecimento de nossa arquitetura setecentista.
O número relativamente avultado de monumentos, principalmente
religiosos, do Estado, sua situação muitas vezes em localidades afastadas e
de difícil acesso, dificultam muito este estudo, com as minúcias
recomendáveis, exigindo inicialmente o levantamento sistemático em
desenho e fotografias das obras existentes o que, só com tempo dilatado se
poderia concluir. (VASCONCELLOS, Roteiro para o estudo do barroco em
Minas Gerais, 1968, p.15).
71
O inventário constitui, desta forma, a fundamental fonte de informações. Em
“Constantes variáveis da arquitetura religiosa tradicional mineira” (1957), Vasconcellos
chega à minúcia de apontar as medidas de algumas das principais igrejas setecentistas
mineiras de modo a comprovar a hipótese de que têm seus frontispícios organizados a
partir da figura geométrica do quadrado, o que indicaria uma tradição construtiva
originária do Maneirismo português. Ainda assim, aponta aquelas que fogem ao padrão
construtivo médio. Como clarificação do método de análise, indica, ainda, que a escolha
dos exemplares se deu pela existência prévia das informações, desculpando-se pela
imprecisão dos levantamentos – provavelmente elaborados junto a atividades de
inventário preliminar do IPHAN e, portanto, esquemáticos.
Sylvio “ensaia” uma nova perspectiva historiográfica? Arma-se da forma
tradicional de pesquisa para “salvaguardar” suas idéias? Estaria o autor trilhando
caminhos para que seus pupilos – como a professora Suzy de Mello – avançassem na
pesquisa? Em outros trabalhos, Vasconcellos avança significativamente nos
procedimentos.
A perspectiva historicista compunha, no âmbito da Escola de Arquitetura, um
tabu. E a formação arraigada ao tema exigiu, de certa forma, uma justificação por parte
do autor, para que fosse aceita a organização cronológica como uma estratégia de
apresentação de temas pertinentes à teoria da Arquitetura que, em sua essência, não
71
Este artigo foi originalmente publicado no jornal “O Correio da Manhã” em 1957.
278
estão necessariamente vinculados aos eventos históricos, embora possam por ele ser
fomentados – como esta tese vem procurando apontar.
A arquitetura, em seu particular aspecto espacial, pode ser encarada por
períodos mais ou menos definidos que agrupem, em virtude de
determinadas características comuns, determinadas manifestações
ocorridas na história. Pondo de parte, por não interessarem ao estudo em
causa, outros fundamentos arquitetônicos, como estilos, sistemas de
construção, compromissos ecológicos, sociais ou psicológicos, tentemos
organizar os agrupamentos aludidos. Sem queremos, com isso estabelecer
regras de evolução ou aceitar sistemas cronológicos, pois nem sempre os
agrupamentos corresponderão a uma imposição lógica aceitável, e sem
pretendermos, por outro lado, apontar seqüências racionais, comecemos
pelo mais antigo. O método servirá não só para ordenar o estudo como para
dar-lhe continuidade, favorável ao seu mais fácil entendimento.
(VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.18).
“Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos” (1979) versa, sistemática e
pormenorizadamente, sobre as técnicas e materiais de construção empregados em
Minas Gerais durante o século XVIII, a despeito da exemplificação abranger, também,
modelos de outras regiões. Constitui, ainda hoje, um “manual” de referências,
empregado na reabilitação de edifícios. O método de pesquisa por vezes beira a
empiria, visível nas observações que esclarecem o texto introdutório de “Arquitetura dois
estudos” (1983):
Feitas essas ressalvas, destinadas a situar o problema a ser abordado, a
elas desejamos ainda acrescentar outra, relativa aos trabalhos elaborados
por vários autores já consagrados, como Giedeon ou Zevi, responsáveis por
idéias excelentes que, em parte, sugeriram essa nossa contribuição ao
estudo da arquitetura e que, por conseguinte, não temos motivo algum para
contestar ou retificar. Cumpre-nos assim esclarecer que não temos a
pretensão de criar doutrina nova, nem de descobrir teorias. Nosso intuito
resume-se no desejo de apresentar, ainda que com deficiente método,
algumas poucas idéias referentes ao espaço e matéria interessados na
arquitetura, idéias estas sugeridas pela observação pessoal, desapoiada de
estudos mais persistentes e acurados e que, se não se apresentarem de
todo válidas, pelo menos poderão servir para despertar a atenção de outros
mestres para assunto tão fascinante. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois
estudos, 1983, p.18).
Sylvio demonstra, a partir desta primeira notícia, a gama de textos sobre os quais
se debruçou. Ao se referir a Sigfried Giedion e Bruno Zevi, aponta para as
ambivalências que permeiam a organização de seu pensamento. O arquiteto e crítico
suíço havia sido o primeiro secretário do CIAM, em La Sarraz, e tornou-se um dos mais
significativos teóricos do movimento moderno em Arquitetura ao publicar, nos Estados
Unidos, “Espaço, tempo e arquitetura” (1941); Zevi, como vimos, foi o porta-voz do
279
organicismo a partir dos anos 50. A conciliação entre os postulados destes dois sujeitos
nos parece, se não impossível, difícil. Isto denota, contudo, a preocupação de
Vasconcellos em relação a uma flexibilização dos postulados dos primeiros modernistas
em favor de uma pesquisa de ordem organicista, como vimos anteriormente expresso
em relação às residências. Por isso, lhe é impossível a escritura de uma nova doutrina:
elas não mais existem, ao mesmo tempo em que a reflexão, ainda preliminar e carente
de método, conforme afirmado pelo autor, não constitui uma elaboração concisa.
Isto não invalida a posição do professor frente à pesquisa e à investigação teórica
em Arquitetura. Ao contrário, Vasconcellos reafirma a possibilidade de abrir caminhos,
por meio da discussão pouco acurada que oferece, a outrem.
Outras muitas ilações poderiam ser extraídas da arquitetura racionalista.
Certas aproximações poderiam, por exemplo ser tentadas entre soluções
organicistas e soluções romanas, da mesma maneira que muitos pontos de
contato poderiam ser estabelecidos entre o racionalismo e o renascimento.
O assunto é, todavia, exatamente por muito promissor, muito perigoso e
vasto. Limitemo-nos apenas a chamar a atenção para uns poucos pontos
interessantes. (VASCONCELLOS, Arquitetura dois estudos, 1983, p.30).
A atividade de pesquisa estendia-se à disciplina “Arquitetura no Brasil”, lecionada
por Vasconcellos desde 1948. E para tanto, leitura e debates de quaisquer assuntos
relacionados ao conteúdo programático eram válidos. Sylvio redesenhava a postura do
docente que havia criticado.
A cadeira de “Arquitetura no Brasil” abria um painel amplo e livre aos
fundamentos da arquitetura e, não raro, era a oportunidade de os alunos
questionarem toda a ortodoxia acadêmica ministrada nas demais
disciplinas. Não é demais afirmar que o Professor, então, conseguia uma
atividade letiva de nível realmente universitário. (Gontijo apud OLIVEIRA &
PERPÉTUO, 2005, s.p.).
O modelo ideal, segundo Vasconcellos, está na forma de investigação científica
adotada nos Estados Unidos, em que os problemas de ordem cotidiana são enfrentados
conjuntamente por professores e alunos. Antes, a estruturação das universidades norte-
americanas – o que novamente o remete ao tema da reforma universitária no Brasil –
sedimenta-se em torno da atividade de pesquisa.
Em termos de estudo diferem as Universidades americanas de outras em
quase todo o mundo. Não são local de estudos teóricos. Não se pensa
apenas: adota-se o fazer. Estudantes estão permanentemente fazendo
coisas, utilizando máquinas, produzindo experiências. Os professores estão
sempre pesquisando concretamente, escrevendo livros. A Universidade
280
americana produz cultura em termos objetivos e práticos. Não informa
somente. Não apenas dá cultura. Faz. E isto pode explicar em muito o
desenvolvimento norte-americano. Visitar uma Universidade destas é como
descobrir um mundo novo, deferentes: é como ver com os próprios olhos,
sentir concretamente, o desenvolvimento, o progresso em marcha.
(VASCONCELLOS, São Francisco, na esquina do mundo, 1976, p.1).
O papel da pesquisa é conscienciosamente elaborado por Vasconcellos. Não se
furta, portanto, em criticar atividades inócuas para a investigação científica.
Pesquisa nos Estados Unidos é uma instituição. Neste contexto, teria de
haver, também, alguém interessado em fazer pesquisa sobre as pesquisas.
Quantas são, que temas abordam, qual a parte do orçamento nacional que
o governo dedica a elas e assim por diante.
Mrs. Smtih, de Bronxville, no Estado de Nova York, resolveu colecionar o
apoio governamental para investigações científicas. Está pensando agora
em publicar um livro com o seguinte título: Fantástico Uso de Meus
Impostos.
Claro que certamente terá de dedicar vários anos de sua vida a essa tarefa.
Contudo, algumas descobertas que já fez parecem justificar plenamente seu
objetivo. Já descobriu, por exemplo, que o governo americano destinou
20.324 dólares para um estudo sobre o canto de amor dos sapos centro-
americanos. [...]
Mrs. Smith está muito contente com os resultados já apurados por sua
pesquisa, embora não apoiada com auxílio financeiro de qualquer
instituição. Esta circunstância, que é rara, a faz ainda mais orgulhosa da
tarefa a que se dedicou, e a estimula a novas descobertas.
[...]
A pesquisa de Mrs. Smith é realmente fascinante. É lastimável apenas que
não venha a ser publicada jamais com sues resultados completos porque
estes a cada mês e ano se ampliam continuamente. E sempre com
exemplos interessantíssimos, como este mais novo de uma verba de 28.361
dólares destinada a desenvolver uma máquina de medir cheiros só
existente na Turquia.
Talvez mais importante do que o canto de amor dos sapos centro-
americanos. (VASCONCELLOS, Haja dólares, 1973, p.6).
Se a pesquisa é entendida como o instrumento científico por excelência,
possibilitando, por um lado, o entendimento do mundo e, por outro, a transformação da
realidade, grande parte do impacto sofrido por Vasconcellos durante o regime militar
deveu-se ao desmantelamento do centro de pesquisas por ele idealizado ainda
enquanto professor. A justificativa do Inquérito Policial Militar, publicado em 24 de junho
de 1966 em auditoria da 4ª R.M. da Justiça Militar, era de que o Instituto Superior de
Pesquisas
[...] facilitou, acompanhou, permitiu, tomou parte, consciente e
deliberadamente, em todas as atividades comunizantes ou cubanizantes,
dentro e fora da Escola que dirigia, tentando mudar a ordem política e social
estabelecida na Constituição e a tomada de poder; [...] cartazes que
ofereciam aulas de marxismo, também ostensivamente; duas vezes por
281
semana, pelo menos, os favelados de Belo Horizonte iam para a sua
Escola, para se doutrinarem com a pregação revolucionária, de origem
espúria e estrangeira; tocavam-se discos cubanos, com hinos e discursos
de Fidel Castro. (apud OLIVEIRA & PERPÉTUO, 2005, s.p.).
Conforme demonstramos na breve nota biográfica na introdução desta tese, a
atividade de pesquisa não se limitou ao período de atuação no Brasil, nem mesmo às
fronteiras do país. Sylvio havia atuado como pesquisador em Portugal e na França, e ele
próprio narra a Pérides Silva ter sido contemplado com uma bolsa de pesquisas do
National Endowment for the Humanities, para realizar traduções comentadas de
documentos relacionados às Minas no século XVIII. “Surpresa total para um humilde
estrangeiro competindo com a nata dos “scholars” nacionais. Acho que foi a primeira vez
que um brasileiro conseguiu ganhar a dotação, e isso me contenta porque me vi objeto
aqui do respeito que as nefandas intrigas me negaram aí.” (VASCONCELLOS, Carta a
Pérides Silva, 10.10.77). O espírito investigativo despertado em estalo mantinha-se
alerta, sob a neve da capital norte-americana.
282
6.2.3. O arquiteto-urbanista e o sentido de dever público
Para Vasconcellos, as mudanças devem comportar um sentido único: o coletivo.
Os meios de alcançar os objetivos são o “esforço comum” (VASCONCELLOS, Urge
iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11), a participação para que “obtenhamos
nós mesmos, que participemos de seu equacionamento, assumindo também a
responsabilidade pelas decorrentes”. (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova
arquitetura..., 1963, p.11). Para tanto, os dois corpos da instituição – docente e discente
– devem agir de forma integrada.
Tudo isso a ponto de não mais nos considerarmos, todos, professores e
alunos como partes autônomas, mas sim integrantes de um só conjunto
harmônico cuja estrutura se alicerça na contribuição particular que cada um,
definindo-se porém, em soluções convenientes à comunidade.
(VASCONCELLOS, Urge que iniciemos uma nova arquitetura..., 1963,
p.11).
O discurso de posse é um termo de compromisso com os valores éticos de
honestidade, respeito, e ordem, fundamentais ao exercício da Arquitetura, em que o
cargo traduz o sentido de dever público. Entende que o sentido político da tarefa não
reside em “falsos argumentos de natureza ideológica e políticas, que jamais deveriam
ocorrer no ambiente escolar” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova
arquitetura..., 1963, p.11), mas na atuação justa e conciliatória. Como servidor,
Vasconcellos não enseja louros, mas “O dever e a luta, os bons propósitos, o esforço, o
trabalho, e não seus resultados ou a vitória.” (VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma
nova arquitetura..., 1963, p.11).
O que se impõe em matéria de ensino é, pois, fundamentalmente, uma
mudança de mentalidade. Diz muito bem Behrendt: “Uma política de
desenvolvimento eficaz deve consistir em uma mutação cultural planejada.”
É essa mutação que deve ser considerada, antes das reformas
burocráticas. Mutação que conscientize professores e alunos em torno de
objetivos comuns, que remunere condignamente ao professor para que
possa dedicar-se a seus trinta e cinco anos até que o professor seja
aposentado já com setenta anos de trabalho inglório. Mutação que permita
a formação de professores jovens, escolhidos em qualidade e não em
quantidade e que leve à correta aplicação dos recursos que a nação
entrega às universidades. Não como fonte de empreguismo, de vantagens e
de poder; não como possibilidade de carreirismos e vaidades, mas como
investimento prioritário par ao futuro da pátria.
Enquanto tal não se verifica, diálogos serão impossíveis. Continuaremos a
assistir debates entre jovens hábeis e professores espertos. Que não
283
chegam a qualquer conclusão. (VASCONCELLOS, Inquietação da
juventude – origem e razão II, 1968, p.3).
A atuação do profissional de nível superior em prol da sociedade é pensada
como dever público. Por conseguinte, a Arquitetura assume uma significativa função
social, que ultrapassa a esfera privada em direção à construção do coletivo, entendida
sob a forma do planejamento das cidades. O arquiteto-decorador é notadamente
substituído pelo urbanista-planejador:
E se a seus integrantes são conferidos pelo povo excepcionais privilégios,
deveres também lhes devem caber, entre os quais salientam-se o de
aproveitamento máximo das possibilidades existentes, no que tange a
completa preparação para a vida e a retribuição futura, ao povo, em forma
de trabalho correto e eficiente.
A arquitetura, em particular, reclama de todos nós a maior atenção e
esforço. Não entendida como simples desenho de moradia, mas como
doutrina de planejamento do meio físico infelizmente não alcançada.
(VASCONCELLOS, Urge que iniciemos a nova arquitetura..., 1963, p.6).
Ao dar ênfase ao planejamento urbano, Vasconcellos, que participou da
Comissão de Planejamento da Cidade de Belo Horizonte (1958-1960), admite que o
exercício profissional do arquiteto, ou melhor, o resultado desta atividade deve
necessariamente ser mediado ou regulado pelo Estado. Lembramos que Vasconcellos
exerceu no Chile o cargo de Chefe da Unidade de Urbanismo do DESAL, e atuou junto
à OEA na Divisão de Desenvolvimento Urbano, Departamento de Assuntos Sociais e
Institucionais da OEA, o que denota seu envolvimento com os problemas das cidades,
em especial nos países latino-americanos.
Retoma as discussões sobre a formação profissional na Escola de Arquitetura da
UFMG, criticando o caráter inócuo dos cursos de extensão oferecidos, pois que
disassociados da tecnologia a serviço da melhoria da qualidade de vida. O arquiteto
ainda era o decorador!
[...] vi um anúncio da Escola sobre um curso de Arquitetura e meio
ambiente. O assunto me parece, à distância (e pelo que tenho visto da
matéria) um tanto ou quanto blá-blá-blá. Que não leva a nada de concreto,
perdendo-se, por um lado, em teorias abstratas e, por outro, em
decorativismo doméstico. Acho que a Escola deveria fazer-se, também,
mais técnica, embarcando na era tecnológica, com preocupações mais
concretas. Mentalidade principalmente. O que falta imensamente na
arquitetura brasileira é exatamente tecnologia da construção. Muita fantasia
e desenhos lindos. (VASCONCELLOS, Carta a Pérides Silva, 22.07.75).
284
Mesmo quando o tema eminentemente público, exigindo a conversão do olhar do
arquiteto para as cidades e seu planejamento, como é o caso do problema ambiental, a
perspectiva é limitada. O sentido de profissional generalista imposto aos currículos de
Arquitetura não permite a formação integral, ou antes, íntegra porque ética.
Tive notícias ligeiras do ciclo sobre meio ambiente. Como a propósito,
escreveu-me também o Marcos Prado, outro blá-blá-blá. Porque arquiteto aí
ainda pensa que é artista. Nasce artista. Não precisa aprender nada, senão
desenhar bonitinho. Com um olho na prancheta e outro em revistas a
copiar. Ainda acho que equipes de planejamento urbano ou construção
deveriam ser lideradas por arquiteto. Mas com P maiúsculo. Simplesmente
porque é o único profissional no campo “supposed to be” capaz de síntese,
enquanto os demais são, por princípio, analistas. Concordo, porém, cem por
cento com você: há poucos (nenhum talvez) arquitetos no país capazes de.
Lucio Costa, no Ministério da Educação (Rio 1940) foi uma exceção. E não
me causa surpresa a advertência que lhe fizeram. Arquiteto não admite
crítica. Porque ainda não alcançou o nível de segurança necessário para
enfrentar a situação. Continua desenhista pela vida afora, na melhor das
hipóteses. Ou vai ensinar, quando não arranja trabalho. Aí começa o blá-
blá-blá. Falar sobre é fácil. Fazer o quê é muito mais difícil. Foi por isso que
gostei quando vocês engenheiros começaram a entrar na Escola. Uma
outra mentalidade. que poderia ter levado a Escola a brilhantes rumos se
não fosse a reviravolta que se verificou. Vejo hoje meus alunos menos
brilhantes assumindo o controle da Escola. Pergunto-me: que obra
realizaram, quê publicaram, onde demonstraram valor senão na política de
p minúsculo à qual você se refere? E isso se repete nas demais escolas de
arquitetura daí. São os que nada tem a fazer que têm tempo para a política
e mais se empenham nela como salvação. Fala-se em arquitetura brasileira.
Os arquitetos nativos enchem a boca a respeito. Onde está ela: Oscar
Niemeyer e Lucio Costa só? Qual é o edifício brasileiro melhor do que o
Ministério da Educação que já é velho de 35 anos? Onde está o ambiente?
Nas casinhas coloniais de milionários. Que idéia ou sugestão fizeram os
arquitetos nacionais a respeito da casa popular? Hoje são as mesmas de
quarenta anos atrás, do tempo de Getúlio Vargas. Qual a tecnologia nova
introduzida, no desenho ou na construção? Apenas blá-blá-blá, e muito.
(VASCONCELLOS, Carta a Pérides Silva, 29.10.75).
Vasconcellos notadamente critica a retórica no âmbito da atuação do arquiteto,
que insiste em concentrar seus esforços sobre a dimensão estética. Sua extensão é de
tal ordem que “invade” temas significativos para a transformação da realidade, como o
problema da preservação dos recursos ambientais, que deveriam orientar-se por uma
análise criteriosa e pela elaboração de programas de médio e longo prazo. Contudo, a
“política de p minúsculo” cerceia a atuação política na Arquitetura: o voltar-se para a sua
dimensão pública, coletiva, histórica.
CAPÍTULO 7
“BENE BEATEQUE VIVENDUM”
286
7.1. Papel social do arquiteto
Sem o homem – e a ruína é o sinal tangível de sua pesença
paradoxalmente não transitória, tão remota no passado quanto,
como se pode deduzir, no futuro – nada tem significado nem graça.
(LE GOFF, 1984, p.110)
Esta tese iniciou-se com uma série de indagações acerca do papel do arquiteto
na sociedade e da construção de uma nova realidade, suas metas e meios. A resposta a
nossos questionamentos sobre o papel do arquiteto na sociedade contemporânea nos
foi indicado pelo traço e pela fala de Sylvio de Vasconcellos. Os temas levantados pelo
arquiteto apontam para a cidade, que se estende para além do edifício; logo, para o
lugar coletivo.
Vimos que as primeiras impressões de Sylvio sobre a cidade contemplam as
transformações da Belo Horizonte dos anos 30 e 40. A partir das memórias do menino
Vinho foi possível compreender o papel das referências espaciais, como o Parque
Municipal e a “avenida”. Isto denota os lugares urbanos como um grande referencial
coletivo, visível aos olhos infantis ainda não “treinados” para a composição dos espaços.
Era ali que tudo acontecia, podendo-se desenhar um retrato da modernidade nascente.
Notamos, ainda, que o plano, da ordem da racionalidade, se opõe ao natural. A rigor, ele
a guarda, ora em um sentido de proteção, ora de contenção. E nos permite discutir
temas caros ao Iluminismo: a relação entre homem, civilização e natureza.
A experiência metropolitana concentra-se na densificação dos espaços urbanos,
na velocidade dos deslocamentos e, sobretudo, na técnica, necessária tanto à geração
de novos produtos de consumo quanto ao exercício dos dois elementos anteriores. A
complexidade da cidade industrial se molda na simultaneidade das transformações
ambientais produzidas e na celebração do progresso. Contudo, a paisagem é artificial e
não permite que o sujeito se conecte à cidade, causa-lhe estranhamento – o que irá nos
levar às revisões críticas elaboradas por Vasconcellos. Ainda assim, são louvadas as
experiências de planejamento urbano capazes de ordenar o espaço da urbis.
Esta ambivalência frente ao espaço das cidades, em que se deseja e se teme a
modernização, nos remete a uma perspectiva mais ampla, que ultrapassa os limites
físicos do ambiente. Vasconcellos reconhece a cidade não é apenas como urbis, mas
civitas; nela se instalam as possibilidades de composição de um quadro social coletivo e
democrático. Assim como a casa do homem ultrapassa o pragmatismo da função e da
287
técnica, a cidade é também um objeto cuja dimensão significativa se encontra para além
da forma.
A compreensão de uma concepção mais ampla das cidades, e
consequentemente da Arquitetura, exige, como vimos no capítulo anterior, o redesenho
da formação do arquiteto. Por aprendizado, entendemos não o ensino regular, mas os
procedimentos que colaboram na construção do sujeito-arquiteto, noção esta retirada da
narrativa de Vasconcellos.
Vimos como as referências memorialísticas contidas em “Tempo sempre
presente” (1976) enfatizam, em um primeiro momento, a descrença em relação ao
ensino fundamentado na memorização dos conteúdos e na disciplina rígida, em
detrimento de posturas pedagógicas mais “abertas” que incorporam a compreensão e o
estímulo ao aprendizado. Em oposição, as referências sobre o curso ginasial do Colégio
Santo Antônio, em São João del Rei, denotam como a incorporação de práticas
“indiretas” de aprendizagem podem tornar-se promissoras. Em contrapartida, outros
modos de amalgamamento do arquiteto se abrem, em especial por meio da literatura –
opção de Vasconcellos que não descarta “métodos” individuais diversos. Esta lhe
descortina uma outra visão de mundo, colocando-o em contato com todo o tipo de
informação.
Quando, em 1940, Sylvio de Vasconcellos ingressa como aluno na Escola
Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, o curso era pouco mais do que um
ajuntamento de “[...] dentistas, pintores e advogados [...]” (VASCONCELLOS, Carta a
Pérides Silva, 26.03.1977), todos diletantes, incapazes de imprimir um rigor acadêmico
ao ensino de Arquitetura. No ambiente da Rua Paraíba reinava imperiosamente o
academicismo, permeado pelo Ecletismo. Se considerarmos que nas décadas de 10 e
20 os principais manifestos da arquitetura modernista já haviam sido publicados e que
em 1930 e 1931 Lucio Costa havia tentado, com base nestes mesmos postulados,
implementar uma reformulação no currículo da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio
de Janeiro, a Escola de Arquitetura era o retrato do conservadorismo.
Não nos parece, contudo, que a composição ou o academicismo do corpo
docente tenha sido a única discrepância notada naqueles tempos. O fato do curso de
Urbanismo distinguir-se do de Arquitetura criava de pronto dois profissionais distintos,
refletindo no espaço da cidade, cingida entre ações regulatórias de natureza pública e
incisões de âmbito privado que, no máximo, respeitavam a legislação vigente.
Lembramos que Vasconcellos graduou-se também em Urbanismo, o que sugere a
percepção, por parte de nosso interlocutor, de uma lacuna de origem em sua formação.
288
Neste sentido, sua formação na Escola de Arquitetura da UFMG é significativa pois
possibilitaria implementar uma visão mais integrada – e íntegra – da Arquitetura e
Urbanismo, não mais como campos de saber isolados.
O fazer-se arquiteto depende, como demonstra Vasconcellos, de uma
composição de forças, em que colaboram o saber técnico, é verdade, imprescindível ao
exercício da construção, mas também o entendimento sobre a filosofia, o
enriquecimento dado pela literatura, o posicionamento ético diante da coletividade.
Em 1963, Sylvio de Vasconcellos assume a direção da Escola de Arquitetura,
encarando o cargo como locus de uma atuação versada para um processo em que as
divergências vão naturalmente se desfazendo. Para tanto, era necessário que a
administração desse condições ao diálogo, servindo como mediador entre as partes.
De nada mais se fala tanto hoje em dia do que em diálogo, como ponto de
pacificações. Na verdade é a única forma de obtê-las. O diálogo pressupõe,
todavia, um ponto comum de base, de onde possam partir conclusões e
entendimentos válidos. O diálogo no qual um procura enganar o outro
jamais chega a qualquer entendimento. Infelizmente, porém, é o que
comumente ocorre. Os mais velhos ainda acreditam que podem
indefinidamente enganar os mais jovens, com atendimentos parciais e
eventuais, com planos e reformas de superfícies, ou com apelos. Os mais
jovens crêem que podem enganar os mais velhos apresentando-lhes
reivindicações de fachada que não representam de fato o que almejam.
Evidentemente, tais diálogos só tendem ao fracasso. (VASCONCELLOS,
Inquietação da juventude – origem e razão II, 1968, p.3).
Ronaldo Masotti Gontijo, ex-aluno, explica:
Para os alunos de então, a figura do Prof. Sylvio se revestiu de
características especiais: sua condição de catedrático, sua cultura, sua
facilidade em dialogar e se expressar, sua pouca idade, seu renome
nacional, fizeram-no elemento natural para receber e entender as
inquietações formuladas pelo corpo discente [...] (GONTIJO, 1979, p.25).
O professor Vasconcellos encarna o diálogo e a conciliação, e sua figura é feita
revestir de autoridade por colegas e alunos, interessados na renovação dos
procedimentos pedagógicos, em oposição ao “[...] hermetismo e o academicismo que
então davam a tônica do currículo estavam diretamente ligados à ortodoxia dos mestres
[...]” (GONTIJO, 1979b, p. 25). As propostas estudantis foram alimentadas pelo contato
com colegas chilenos durante o II Congresso Panamericano de Estudantes de
Arquitetura, e pretendiam alcançar o livre aprendizado em ateliês de projetos, que
constituiriam a espinha-dorsal do curso. Sylvio, como solução conciliatória havia
proposto a criação do curso de Belas Artes, o que foi prontamente aceito pela
289
Congregação e pela Reitoria. Os alunos sentiram-se traídos. Tentando mediar a
situação, Vasconcellos propõe a retirada da proposta, “[...] não pelo fato de não mais
acreditar no provável acerto de sua idéia, mas com a finalidade única de acalmar as
tensões e fazer voltar a paz à Escola.” (GONTIJO, 1979, p. 25). O fato indica a
disposição de Vasconcellos, em primeiro lugar, para as mudanças, ainda que
contraditórias; a criação de um curso de Belas Artes soaria como um retrocesso, pois
reafirmaria a posição do arquiteto-decorador. Mas fundamentalmente aponta para a
disposição ao diálogo, em uma atitude conciliatória, expressa, como vimos, no discurso
de posse:
[...] vale-me, porém, o princípio que é dever de cada um não se negar ao
testemunho de sua presença ainda que, por carência de possibilidades, não
se alcancem os objetivos pré-determinados. O dever e a luta, os bons
propósitos, o esforço, o trabalho, e não seus resultados ou a vitória. O dever
é a colaboração, na hora exata, e sempre que necessária, pressupondo-se,
igualmente, de conformidade com as circunstâncias e inteligência dos fatos,
para aceitação de suas posições e lógica sucessão. (VASCONCELLOS,
Urge que iniciemos uma nova arquitetura..., 1963, p.11).
Ali percebemos com clareza o entendimento de Vasconcellos acerca da atuação
do profissional de nível superior em prol da sociedade, pensada como dever público. Por
conseguinte, a Arquitetura assume uma significativa função social, que ultrapassa a
esfera privada em direção à construção do coletivo, entendida sob a forma do
planejamento das cidades. O arquiteto-decorador é notadamente substituído pelo
urbanista-planejador:
E se a seus integrantes são conferidos pelo povo excepcionais privilégios,
deveres também lhes devem caber, entre os quais salientam-se o de
aproveitamento máximo das possibilidades existentes, no que tange a
completa preparação para a vida e a retribuição futura, ao povo, em forma
de trabalho correto e eficiente.
A arquitetura, em particular, reclama de todos nós a maior atenção e
esforço. Não entendida como simples desenho de moradia, mas como
doutrina de planejamento do meio físico infelizmente não alcançada.
(VASCONCELLOS, Urge que iniciemos uma nova arquitetura..., 1963,
p.11).
Para tanto, o arquiteto deveria revestir-se de uma nova roupagem, direcionada
aos princípios sociais. Tal prática está, em sua concepção, intimamente ligada ao tema
da ética. No âmbito da atuação pública, ética e política se fundem. Constroem,
continuamente, um novo homem.
290
De outro lado o aparecimento da arquitetura social, incorporando às suas
preocupações problemas cruciantes da população, e as tentativas
experimentais de aperfeiçoamento da técnica para maior durabilidade e
economia das construções, apresentam-se também como fatores positivos
dignos de nota da arquitetura contemporânea brasileira. E especialmente
dela, porque na maioria dos países civilizados do mundo, de há muito, este
desenvolvimento vinha se processando, só surgindo no Brasil trazido pelos
ventos da nova arquitetura. (Vasconcellos apud INQUÉRITO NACIONAL
DE ARQUITETURA, 1963, p.35).
Ainda em resposta ao INA, coadunam os três arquitetos – Oscar Niemeyer,
Sérgio Bernardes e Sylvio de Vasconcellos – em torno da idéia de progresso quando
inquiridos quanto ao papel do arquiteto brasileiro no momento sócio-econômico do país.
A arquitetura é um reflexo do ambiente em que se realiza. Se as condições
sociais e o progresso técnico são justos e se correspondem, ela será
equilibrada e de alto nível; se, ao contrário a sociedade apresenta
diferenças de classe e fortuna, se atende a interesse alheios [sic] à
coletividade, ela poderá ser bela, mas seu conteúdo estará prejudicado. A
posição do arquiteto no momento sócio-econômico brasileiro deve ser,
portanto, de apoio aos movimentos progressistas capazes de dar à
sociedade uma estrutura melhor e à arquitetura as características sociais e
humanas correspondentes. (Niemeyer apud INQUÉRITO NACIONAL DE
ARQUITETURA, 1963, p.35).
O papel do arquiteto brasileiro, antes de mais nada, é planejar para o Brasil.
Criar uma arquitetura que se enquadre dentro de nossa economia, da nossa
maneira de ser, das nossas regiões, de nosso povo. O arquiteto é o
analista, e coordenador legítimo do progresso do País, para o conforto e
bem-estar social. (Bernardes apud INQUÉRITO NACIONAL DE
ARQUITETURA, 1963, p.35).
O papel do arquiteto no momento brasileiro infelizmente não se fez sentir
ainda em toda sua plenitude. O arquiteto, assim como se permite
deslumbramento ante a técnica e os mistérios da plástica, permitiu-se
também, e consequentemente, perplexidade ante o momento histórico,
alienando-se dele para colocar-se como um elemento de cúpula, de elite e
de superfluidade, muito pouco distante do artista do século XIX, sujeito aos
caprichos e complacências dos poderosos. Continua a preocupar-se mais
com os efeitos que possam causar sua obra, em benefício da embriaguez
da fama, do que com os problemas sociais e econômicos intrínsecos à sua
profissão. [...] Entretanto não há dúvida de que o papel do arquiteto é o da
participação efetiva, consciente e eficaz, não só no campo do planejamento
inteligente do meio físico. O arquiteto é o encarregado da síntese de tudo
aquilo que cerca o homem e, como tal, devia esforçar-se mais por
desempenhar essa tarefa na conjuntura nacional. Seja influindo na política,
imiscuindo-se em seu desenvolvimento, lutando pelo bem-estar do povo,
planejando-lhe o conforto, transformando-se, enfim, também num homem
do povo e não só das elites, perdido nos meandros da metafísica estética.
(Vasconcellos apud INQUÉRITO NACIONAL DE ARQUITETURA, 1963,
p.35).
Enquanto Niemeyer reafirma o valor estético da Arquitetura – prejudicada pelas
circunstâncias sociais desfavoráveis –, e Bernardes limita-se a uma síntese pouco
291
elucidativa, Vasconcellos é mais enfático. O arquiteto “deslumbrado” é também
alienado, superficial, caprichoso. Opera no âmbito da autoria e da obra-prima e não para
a transformação da realidade. Nosso interlocutor chega a considerar a participação
política, ainda que por influência. Prossegue com a acidez quando o tema é a habitação.
Acacianamente dizendo, o Brasil é um País imenso, com regiões fortemente
diferenciadas. A solução do problema da habitação de seu povo não pode,
portanto, ser uniforme. Fundamentalmente há dois aspectos gerais a
considerar: o das populações marginais improdutivas e o das populações
ponderáveis. Para as primeiras o problema não é o de se lhe derem
habitações, mas sim meios de sobrevivência digna. Caridade não resolve
nada. Para as segundas, a solução é fazer com que as habitações lhes
sejam acessíveis. Proporcionar meios para que construam ou adquiram
casas e não para que as possam obter graciosamente ou com vantagens
excepcionais. Paternalismo também não resolve nada. Se a população
desprovida de moradias constrói em terrenos alheios (favelas) e tem, por
seu trabalho, acessibilidade aos bens de consumo, certamente haverá
meios de se colocarem ao seu alcance também as habitações. Esta
possibilidade não existe porque: o preço dos terrenos é no Brasil
extraordinária e inexplicavelmente alto (latifundiarismo urbano); não há
transporte rápido que possibilite ao trabalhador residir longe do seu local de
trabalho, em bairros periféricos de terrenos mais baratos; existe uma
desenfreada especulação imobiliária que transformou os edifícios de
habitação coletiva em objetos de luxo, entendidos esses edifícios como
investimento de pingues lucros e não como solução para o problema
habitacional, razão de usa invenção e existência em todo o mundo; a
técnica construtiva brasileira, em razão das grandes empresas só se
dedicarem a realizações de grand lucro, não se interessou ainda pelo
barateamento das obras, não havendo padronização de material, nem
experiências destinadas à economia dos serviços, nem mesmo
contabilidade de custo para análise mais correta da situação, visando
encontrar e corrigir as deficiências do processo construtivo.
Não se pode acreditar, assim que o problema se resolva por intermédio de
institutos, organizações, contrarias etc. que se destinem a FAVORECER
casas às populações sem teto. Essas iniciativas pecam por princípio,
constituindo-se em favor, propiciando prioridades, política e privilégios. A
verdadeira solução depende muito mais de iniciativas indiretas:
barateamento dos terrenos, financiamento, transporte, educação, técnica
construtiva e cooperação. (Vasconcellos apud INQUÉRITO NACIONAL DE
ARQUITETURA, 1963, p.39).
A ação política, revestida de sentido humanista, somente se completa em Sylvio
de Vasconcellos na ação pública e esta encontra-se, fundamentalmente, na atividade
pública, exercida na academia ou no servo de proteção ao patrimônio. Compreendia
que o exercício administrativo não deveria confundir-se com exercício de poder – muito
menos com o arraigamento no poder – e tomava a sucessão como um fato natural.
Alargou os horizontes do discurso de posse em direção a uma necessária reflexão sobre
a circunstância social e política vivida no país. A escola da Rua Paraíba, bem como toda
a Universidade, era mimesis do Brasil:
292
Se estas considerações são válidas no âmbito nacional, onde cada
brasileiro está sendo convocado a participar do seu desenvolvimento,
válidas também o serão em cada setor de atividade da nação e,
precipuamente, nas Universidades. É nestas que se processam a
germinação das idéias, as pesquisas e a afirmação da cultura.
(VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11).
O sentido de servir à coisa pública, para Vasconcellos, somente se completa
quando, como docente, faz incorporar ao aprendizado de cada um dos futuros arquitetos
e urbanistas este mesmo sentido. A atuação na Universidade é entendida, portanto,
como um dever público. Fazia-se necessária a elaboração de uma pedagogia para a
ética por meio da Arquitetura, versada não apenas para alunos, como para o público em
geral.
Idéias devem ser divulgadas e é a divulgação que gera idéias e nos coloca
no meio da comunicação humana. Aí estamos pertencendo e contribuindo.
Conversas de botequim são uma beleza. Importantíssimas. Mas como meio.
Não como fim. A gente fala a amigos ou a si mesmo, como uma espécie de
teste. Ou processo. A finalidade é mesmo poder falar a milhões. A outros.
(Vasconcellos apud GOMES, 1998, p.4).
Vasconcellos pretendeu conformar o senso comum em direção aos valores que
considerava pertinentes. “Noções sobre arquitetura” (1962)
75
, por exemplo, compõe-se
de uma coletânea de textos publicados em jornais, “[...] com finalidade exclusiva de
chamar a atenção do público leigo para problemas de arquitetura.” (VASCONCELLOS,
Noções sobre arquitetura, 1962, p.7). Conforme anuncia na apresentação do livro,
Sylvio não escreve para seus pares, mas didaticamente dedica-se ao público-fim,
desvelando temas pertinentes à erudição arquitetônica:
Em conseqüência esta publicação, embora de pouca utilidade para o
arquiteto, indiretamente o pode servir na medida em que possa tornar mais
compreensível ao leigo a importância e a complexidade das tarefas que
incumbem ao profissional. (VASCONCELLOS, Noções sobre arquitetura,
1962, p.7).
Retomamos a leitura humanista da figura de Sylvio, retroagindo novamente até o
século XV. Em 1475, Leon Battista Alberti publica o primeiro tratado de arquitetura da
idade moderna, intitulado “De re aedificatoria”. Para o jurista florentino, o papel do
arquiteto diante da sociedade é o de prover uma boa vida aos cidadãos por meio da
construção de uma cidade ordenada, onde o edifício privado era parte integrante de um
75
Ao longo desta tese temos utilizado diversos dos textos ali presentes, embora tenhamos optado pela
referência à versão original dos artigos.
292v
349
350
293
todo, para o qual deveria contribuir com perfeitas linhas estéticas. A cidade será boa
para seus habitantes se o somatório dos objetos que a compõem forem, em si mesmos,
bons. Mas o que determina a qualidade do edifício é tão somente o equilíbrio entre a
condição material e técnica (firmitas), a capacidade de atender às necessidades
funcionais a que se presta (utilitas ou commoditas) e a possibilidade de deleitar os olhos
de todos os cidadãos (venustas).
Para depositar nas mãos do artista o discurso originário do Humanismo e
religá-lo ao conteúdo ético perdido na sua trajetória estética, cumpria a
Alberti, inicialmente, reinventar o lugar e o papel da Arte dentro da
pretendida paidéia moral, religiosa e cultural da sociedade, visada desde
Giotto e Petrarca até os primeiros humanistas. Contra a “alienação estética”,
nosso filósofo visa a instaurar uma Arte útil à realização do bene beateque
vivendum, capaz de interpretar e modificar a realidade e introduzir a figura
do artista como agente realizador e fomentador do organismo e sentimento
cívico, sentimento este que alimentara o projeto de Salutati e Bruni. Em
outros termos: cumpria abrir o universo da Arte e entrelaçá-lo com os outros
campos da cultura, particularmente com as litterae e a herança clássica
promovidas no início do século XV. (BRANDÃO, 2000, p.137).
A Arquitetura, por sua finalidade direta, é tomada por Alberti como campo
experimental e prático para a repercussão pública da Arte, visível na substituição do “De
architettura” de Vitruvio por “De re aedificatoria”. No texto, nos é dado a compreender
que a beleza é uma resultante equilibrada entre as partes do edifício, em que “[...] nada
pode ser alterado, acrescido ou retirado sem prejuízo [...]” (Alberti apud PORTOGHESI,
1982, p.175). Portanto, o ato de projetar exige do arquiteto um profundo conhecimento
dos procedimentos compositivos – naquele caso, fundamentado nos “antigos”, ou seja,
nos textos e obras da Antiguidade Clássica, entendidos como autoridade – de modo a
alcançar o equilíbrio, em um procedimento conciliatório (concinnitas) entre as partes.
Podemos entender o conceito de beleza – venustas, significando deleite ou
prazer propiciado pela forma, logo pertencente ao domínio da estética – desenvolvido
por Alberti como eminentemente ético. Celebrando o edificar como um construto para
além da matéria, Alberti projeta um exemplar palazzo. Na casa urbana destinada à
nobre habitação da família Ruccellai, a composição ritmada do plano da fachada em que
arcos de volta plena e pilastras de capitéis clássicos se alternam, revelando a erudição
na geometria e na proporção entre as partes da edificação, integram-se os valores
cívicos da Florença de 1446. Na profunda elaboração do fronstispício, Alberti despreza o
emprego usual dos medalhões e emblemas familiares, típico modo de identificação da
residência; sua distinção se faz pela forma e não por elementos agregados. Por outro
lado, não configura monumento isolado, mas compartilha das características
294
urbanísticas próprias da cidade, como altimetria, proporção dos vãos, materiais, dentre
outros, constituindo-se, deste modo, parte do conjunto.
Pois é justamente ao conceber o conhecimento como proporção e definir o
papel do saber frente à existência concreta dos homens e ao projeto de
construção do mundo que Alberti encontra o lugar da Arte em sua filosofia.
Conferindo ao ato cognoscitivo, simbolizado pelo “olho alado”, um estatuto
também moral e “poiético”, Alberti nos conduz para uma filosofia operante,
útil, fabril, efetivamente capaz de agir e alterar a realidade. (BRANDÃO,
2000, p.68).
Esta “utilidade” final da Arquitetura é também reivindicada por Vasconcellos.
Nosso interlocutor entende que não importa o alcance da arquitetura brasileira frente ao
cenário internacional – referindo-se quase explicitamente à dominância de Oscar
Niemeyer – se a “boa arquitetura”, em sentido tão amplo quanto o albertiano, se
restringe a uma ínfima camada da população.
Embora a arquitetura brasileira tenha atingido posição internacional de
relevo, em verdade seus êxitos se apegam a poucos e isolados exemplos. A
não difusão de uma boa arquitetura entre nós, decorre, em parte do
desapêgo à sua importância por parte do povo, e também da incapacidade
nossa em fazer-mo-nos presentes no contexto social, atendendo com
proficiência suas sentidas solicitações. Para isto seria mister que nos
preparássemos de fato para todo tipo de planejamento, desde aquele que
se refere ao objeto de uso corrente, até o das grandes áreas territoriais;
seria mister que nos assenhoriássemos de todas as técnicas que concorrem
nestes planejamentos, que exercessemos a profissão dentro dos princípios
da mais estrita ética; unindo-nos todos com vistas ao objetivo comum, à
vida, à escola, como fundamento de origem das finalidades que nos são
propostas.
Urge que espraiemos nossas atividades para além do desenho decorativo,
urge que iniciemos uma nova arqutietura que atende às necessidades do
povo, perseguindo um planejamento correspondente a nosso espaço e
tempo, sem pretenções descabidas, com firmeza e determinação.
(VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11).
Se o humanista Vasconcellos preza o princípio das liberdades individuais, e
considerando que o individual na Arquitetura não deve sobrepor-se ao coletivo,
representado no monumento, põe-se de pronto uma questão: deve haver censura
estética oficial? Vasconcellos responde:
A censura estética como todas as demais censuras destinadas a homens
livres só pode ser aceita quando destinada apenas e tão-somente a evitar
abusos. A dificuldade está em definir-se claramente o que seja abuso, e
portanto, os limites dos campos de ação da censura. No campo da estética,
normalmente, não deve existir censura, pois raramente a estética objetiva
abusos. Quando estes se verificam, quase sempre deixou de existir a
estética. No caso de Brasília parece que a censura não se limitou à estética,
a menos que a compreenda, no caso, como estética urbanística. Estendeu-
294v
351
295
se à própria arquitetura, não propriamente como censura, mas como regras
rígidas de composição que alcançam desde o intercolúnio até as cores e os
materiais de acabamento. Procurou-se obedecer àquelas determinações
régias do período colonial, que mandavam fazer as casas da mesma figura
uniforme cordeadas em linha reta. A arquitetura, como organização de um
microespaço ou de um meio físico interessado ao homem, deixa de existir,
suplantada pela arquitetura da cidade, pelo urbanismo, pelo macroespaço
ou meio físico da coletividade. Por isso mesmo tem sido advertido que
Brasília não possui escala do homem; tem escala de multidões. E o homem
é sempre um perdido, um isolado, um ilhado nas multidões. Trata-se
portanto de examinar a premissa e não suas consequências que
redundaram na censura oficial de Brasília. Será conveniente fazer
prevalecer a cidade sobre a casa? Será vantajoso objetivar-se a harmonia
dos conjuntos em prejuízo da liberdade de suas partes componentes
monotoizadas? Uma cidade padronizada não seria uma cidade
excessivamente racionalizada? Com esta censura vigorante teria existido
um Gaudì ou mesmo um Niemeyer? Convém lembrar a propósito que
quando Niemeyer projetou o conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte,
havia lei municipal estabelecendo censura estética naquele novo bairro,
proibindo taxativamente que nele se construíssem casas modernas ou
rústico. Brasília, porém, é uma exceção em todos os seus aspectos e só
como tal pode ser analisada. (Vasconcellos apud INQUÉRITO NACIONAL
DE ARQUITETURA, 1963, p.38).
Vasconcellos claramente afirma ser a favor da liberdade de expressão, desde
que se respeitem os regramentos necessários à conformação da boa arquitetura. Isto
não significa que nosso arquiteto fosse a favor de uma determinada e única estética, no
caso brasiliense vinculada ao modernismo, mas que se seguissem os padrões definidos
arquitetônica e urbanisticamente. Na análise que Vasconcellos faz de Vila Rica,
considera como uma de suas maiores características estéticas – ainda que urbanas – a
subordinação a regras de composição impostas tanto pela legislação régia quanto pela
circunstância do meio, permitindo que os monumentos se destacassem na paisagem,
tema que é aqui posto em destaque.
Por outro lado, ao falar da capital federal, Sylvio carrega consigo críticas, mas as
converte em favor do sentido de coletividade. Ao tomar o homem por indíviduo e não
por sujeito cultural, limita a arquitetura a uma expressão individualista e isolada,
tendente ao espetáculo e não a valores comuns. Vasconcellos aponta para as questões,
mas não as responde; nos induziria a pensar em respostas negativas quanto a
conveniência da prevalência da cidade, do coletivo, sobre a casa, o individual. Comete
uma incorreção ao mencionar Antonì Gaudì (1852-1926) pois, quando em exercício de
projetos inseridos no rígido plano barceloneta, o arquiteto catalão obedece às regras
básicas da composição da paisagem urbana definidas por Ildefons Cerdà, descolando-
se da paisagem no âmbito do detalhe.
Contudo, ao tratar Brasília como exceção, confere licença aos valores que tantas
vezes indica como soberanos. Brasília rapidamente é convertida em monumento por
296
nosso arquiteto. A despeito de todas as nebulosas concepções de Vasconcellos acerca
da estética, da Arquitetura e do Urbanismo, destacamos o valor coletivo apontado pelo
autor; mesmo que inserido de modo superficial, os questionamentos indicam que o autor
não opta por uma ou outra posição. Indaga; inverte a posição de inquirido e habilmente
posiciona-se na de inquisitor. Dá a ver suas ambivalências.
Para que seja possível responder com a necessária qualidade aos problemas
impostos pela sociedade, na concepção de Vasconcellos o arquiteto deveria revestir-se
de uma nova roupagem, direcionada aos princípios sociais. Tal prática está, em sua
concepção, intimamente ligada a uma postura ética. Tomando o problema em um
campo mais amplo, o das relações humanas, agudamente aponta as distorções – das
quais foi alvo – sobre o sentido e a destinação ética. Destaca, mais uma vez, o coletivo
em detrimento do individual. O modelo para a discussão é a prática que presenciou nos
Estados Unidos, onde
[...] a chamada ética profissional, ou coleguismo, é entendida de maneira
muito diferente da aceita no Brasil. Define-se como lealdade ao grupo,
profissão ou sociedade, e não a indivíduos. Explico-me: não é invocada
para proteger pessoas, mas sim para defender a coletividade.
[...]
Embora este princípio possa parecer um pouco estranho à primeira vista,
em final de análise é mais do que lógico e justo. Lógico porque a atuação
profissional ou de um grupo é exercida em benefício da coletividade e não
em benefício de privilégios individuais. Justa porque separa o joio do trigo,
defendendo a maioria saudável de desconfianças provocadas por
elementos de conduta, repreensível. De fato, não há justiça quando se
defende ou se acoberta um erro, em ela [sic] existe quando pessoas
corretas sofrem a concorrência desleal das incorretas. (VASCONCELLOS,
Em nome da ética, 1975, p.2).
O discurso de posse na direção da Escola de Arquitetura, como vimos, reafirma
constantemente a necessidade de voltar o exercício profissional aos “bons propósitos”
(VASCONCELLOS, Urge iniciarmos uma nova arquitetura..., 1963, p.11), em um
projetar para a sociedade em sua ampla e complexa formação. Neste sentido, é
possível ao arquiteto – assim como foi a Alberti no palazzo Rucellai – projetar para uma
burguesia, dado que é ela parte integrante desta sociedade. Reconhece, contudo, que
uma lacuna é deixada em aberto pelos arquitetos, carentes (ainda hoje) de programas
públicos que se dirijam à habitação social.
Solicita, em 1955, a publicação pela revista A.D. da carta em que explica o
conteúdo que lhe fora atribuído – indebidamente segundo sua opinião – por Gustavo
Neves da Rocha, em número anterior, e que aqui reproduzimos quase integralmente:
297
Foi transcrito: “não há problema nenhum quanto à boa arquitetura”, e mais:
“Quando o pobre resolver o seu problema econômico nós projetaremos a
habitação popular”. Assim soltas, as frases, se afiguram inteiramente
despropositadas e me atribuem uma posição bizantina e acima do bem e do
mal que absolutamente não me cabe. Em trecho da palestra que então tive
oportunidade de proferir minha intenção foi apenas esclarecer que não se
pode julgar da [sic] arquitetura apenas pela finalidade a que atende. Uma
construção não é evidentemente má por se destinar à moradia de ricos,
nem evidentemente boa por se destinar a pobres. Pode ela ser considerada
apenas como obra de engenho e arte como queriam os antigos, desde que
atenda à finalidade a que foi proposta seja religiosa, de moradia, de rico ou
de pobre. E quando é boa não serão problemas sociais ou outros que a
invalidarão. Belas são as pirâmides em meio à miséria das populações
escravizadas do Egito, belas são as catedrais góticas em meio à miséria
dos povos medievais assim como são belas nossas construções
contemporâneas apesar das dificuldades de vida de nosso povo. Belas e
válidas. Quando a Arquitetura é boa, é boa mesmo. Não há, portanto
problema a discutir: ou a arquitetura é boa ou má. Apenas.
Quanto à segunda frase o pensamento visava distinguir a ação social da
ação profissional. Resolver o problema econômico e social do povo é uma
coisa; resolver temas específicos de arquitetura, outro. Não é possível que o
arquiteto abandone suas pranchetas e vá pregar na rua a revolução social,
não é possível que se recuse a projetar para o governo ou para ricos que o
procure, na teimosia de só projetar para pobres que, por enquanto, nada
encomendam. É claro que o arquiteto participa da sociedade e, como tal,
deve dar sua contribuição ao progresso social mas não a ponto de
abandonar a prancheta para se entregar à política. Contribui, influi, sugere,
como é de seu dever mas não pode se responsabilizar pelo estado social-
político no mundo, que é outro problema. A frase citada foi, pois,
ligeiramente modificada: não disse outra vez bizantinamente “quando o
pobre resolver seu problema” mas sim quando o problema da pobreza
estiver resolvido, nós, os arquitetos estaremos igualmente aptos a projetar
suas residências.
Como se pode facilmente depreender do exame do assunto tratava-se
apenas de defender nossa esplêndida arquitetura contemporânea de
ataques descabidos que então se lhe faziam de ser inumana, pelo simples
fato de estar encarando temas da burguesia. Ora, a burguesia existe, o
meio em que vivemos é este que aí está e, errado ou certo, é uma
realidade. Não aceita-la é que seria um irrealismo inteiramente descabido.
Pode ser exato, e concordo plenamente com a tese, que o nosso meio
econômico e social é absurdo, inadequado ao grau de civilização do mundo,
injusto quanto à hierarquia de possibilidades, meio pleno de contradições,
situação que pode e deve ser minorada e combatida. Isto, porém, é outra
história. Sem dúvida todas as atividades humanas se conjugam num todo
indissolúvel que deve estar voltado ao bem estar geral de todos. A
arquitetura é uma destas atividades. Desejar, todavia, que a arquitetura seja
ruim porque não resolveu o problema geral me parece exagero a acentuar.
(VASCONCELLOS, Carta do arquiteto Sylvio de Vasconcellos para a revista
AD, 1955, sp).
Naquele momento, a figura de Vasconcellos já aparece revestida de autoridade,
prontamente recusada por associada a uma “posição bizantina e acima do bem e do
mal”, portanto autoritária. Sylvio se esforça em retificar o mal entendido, e reafirma o
valor da boa e bela arquitetura, independentemente de sua destinação. Se descola dos
problemas sociais, lavando as mãos para uma impossibilidade (não uma incapacidade)
de ação frente aos temas sociais.
298
O tom “realista” confronta-se com a instância política, pois se “todas as
atividades humanas se conjugam num todo indissolúvel que deve estar voltado ao bem
estar geral de todos” é mister atuar publicamente em favor deste fim. Vasconcellos não,
explicita, mas considera a Arquitetura como assunto político. Mergulha em um sentido
político, recusando-se à limitação do termo “politicagem”
76
ou a confundir política com
revoluções e subversões da ordem, ou mesmo ideologias, à esquerda ou à direita.
A excepcionalidade e as contradições que se encontram em nossa
arquitetura não lhe são, porém, atributos peculiares. Antes correspondem
perfeitamente à conjuntura nacional. Rompido o equilíbrio social e
econômico de base agrária, que preencheu quase todo o nosso século XIX
e primeiras décadas do XX, de repente, num átimo, viu-se o país sacudido
por uma revolução total que lhe abalou por inteiro. Revolução econômica
com a introdução da indústria; revolução política, com a ditadura e a
redemocratização, acompanhada de uma nova base: o populismo;
revolução social com o reagrupamento das classes em novas bases e
conceitos; artística com a absorção das inovações européias, o rompimento
brusco com a tradição academicista, a euforia da libertação e o
nacionalismo. Essas revoluções produzem agitações e estas conduzem às
contradições. Mormente quando se considera que o movimento não se fez
lenta e evolutivamente, mas aos saltos, súbito, estalando em pontos
autônomos do território pátrio, correspondendo a impulsos de grupos
limitados da população que, em sua maioria, disseminada pelo interior,
assistia entre apática e espantada à transformação que aqui e ali se
processava e ainda se processa. Jorra o petróleo onde não há o pão;
zunem os jatos sobre o carro de bois; pobres ficam ricos, ricos
empobrecem; ideais nobres servem à demagogia; formam-se capitais,
desfazem-se fortunas e, entre o proletariado e os tubarões, a classe média
se agita inquieta. Contradições geram contradições: a posição modernista
de alguns intelectuais ligados ao academicismo como Graça Aranha e a
incompreensão de outros, progressistas como Monteiro Lobato; o apoio do
Senhor Capanema ao grupo avançado que construiu o Ministério da
Educação e a escolha, concomitante, pelo mesmo ministro, de um artista
76
Esta recusa e uma aparente aversão política parece resultar de uma necessidade de não incorporar ao
conceito um entendimento limitado do significado do termo, em que a astúcia, o ardil e o artifício são
instrumentos para a obtenção de privilégios, a que chama-se comumente de “politicagem”. Percebe-se esta
ojeriza em alguns trechos das memórias:
Meu pai mostrava-se inquieto, nervoso e preocupado. Ao que apurei havia perdido o emprego na Câmara dos
Deputados, no Rio, então fechada. Perdera também, por igual razão, o contrato no Senado Mineiro. Zanzava
sem rumo.
Eu não sabia exatamente o que significava trabalhar e receber ordenado. Muito menos figurava em que consistia
o trabalho de meu pai. A princípio havia imaginado que Câmara tinha que ver com camas superpostas, como nos
trens, onde homens importantes se deitavam conversando assuntos difíceis. Posteriormente, porém, meu pai me
havia levado ao Senado Mineiro onde, com certo orgulho, apontou-me um velhinho ao longe, informando-me que
se tratava do tio Diogo, o presidente. Não havia camas no salão, mas cadeiras em volta de uma mesa alta. Foi,
então, que meu pai esclareceu-me que ali os homens importantes falavam e ele tomava nota do que diziam.
A explicação ofereceu-me muitos elementos para a compreensão do assunto, conquanto não me oferecesse os
“porquês” e “para quês” dele. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.131).
Muito satisfeito de ver-me reservista, meti-me nos festejos comemorativos da visita de Juarez Távora à cidade.
Era ministro da agricultura e pessoa muito importante, a confiar nos salamaleques que lhe prestavam. A mim, a
informação “ser do governo” não me dizia nada, mas a Jujuca percebi que dizia muitíssimo. Propôs que nos
infiltrássemos na comitiva e no trem especial que a conduzia a Belo Horizonte.
Durante a viagem, esclareceu-me que havia sido nomeado governador do Estado, o Benedito Valadares. O
mesmo que, como dentista, fora pensionista de sua mãe tempos atrás. Estava com a carreira feita, disse-me
excitado. Bastava apresentar-se. Pois não era o Benedito? (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.167).
299
tipicamente retrógrado para a direção do Museu de Belas-Artes; a aceitação
das idéias modernas para as edificações da Pampulha pelo mesmo prefeito
que baixava portarias obrigando soluções “coloniais” ou “rústicas” às
iniciativas particulares ligadas ao logradouro; a coragem do governo em
construir o citado Ministério da Educação e a concordância desse mesmo
governo ao projeto, posterior, do Ministério da Fazenda; e, finalmente, ainda
em nossos dias, a incrível coexistência de dois salões oficiais de belas-
artes. Contradições que alcançariam inclusive o espírito nacionalista, um de
vanglória, de competição, de equiparação ou de superação aos demais
países do mundo, nacionalismo de exportação (mais uma vez o mundo tira
o chapéu ao Brasil), fruto, talvez, do complexo latente de inferioridade
sublimado, como a psicanálise gostaria de dizer; outro de redescobrimento,
de valorização do nativo, apegado às raízes, ao caráter, aos interesses e
aos valores nacionais internos. A predominância de um e de outro desses
dois espíritos definindo estágios sucessivos e correntes diversificadas da
conjuntura nacional, inclusive no setor das artes: o movimento “neocolonial”,
o “antropofagismo”, a literatura regionalista de um lado; de outro a
arquitetura internacionalista, o abstracionismo, o concretismo e o
hermetismo. (VASCONCELLOS, Contradição e arquitetura, 1957, p.5).
Sylvio não se considera um revolucionário, mas seus textos frequentemente
abordam críticas sociais que o aproximam, por meio de reflexões sobre a Arquitetura, de
uma declaração quase aberta de suas posições políticas, aqui entendido no sentido
ampliado do termo, em que se incorporam como habilidades nas relações humanas a
cortesia e a civilidade. A “isenção” política é postura de longa data, compartilhada pelos
amigos de boemia, e não uma circunstância advinda com a maturidade ou com os
eventos relativos ao golpe de 1964. Por parte de Henrique, a “isenção” política indicava
pertencimento às elites, a quem não interessava a mudança no status quo. Sylvio não
manifesta nenhum outro comentário a propósito do tema, deixando a Diogo Costa o
radicalismo e a Henrique a ponderação.
Por esta época o integralismo vicejava. Fui ouvir Plínio Salgado e Gustavo
Barroso no Teatro Municipal à rua Goiás. No meio da arenga de Barroso
levantou-se, em um camarote, um homenzinho de fala espanhola,
discordando violentamente das idéias do orador. Verifiquei, depois, que se
chamava José de Vasconcelos e era mexicano.
Toda a empáfia de Gustavo Barroso, com pose de Mussolini, murchou na
contestação desafiante. Não teve coragem sequer de considerá-la. Senti-
me possuído da maior admiração pela coragem do mexicano frente as
ameaças virulentas que os chefes integralistas enunciavam.
Henrique e todo nosso grupo, com exceção do Meira que, vez por outra,
troçava com Henrique sobre o assunto, defendendo veementemente o
integralismo, inclinou-se adversamente à nova doutrina. Fascismo, diziam
uns; galinhas verdes, completava outro, aludindo, ao mesmo tempo, ao
colorido das camisas e à covardia suposta dos integralistas. Papa-hóstias e
veados, acrescentava um terceiro.
Haviam comícios na Praça 7 patrocinados pelos adeptos da doutrina,
frequentemente interrompidos ou encerrados por brigas com elementos a
eles contrários. Não raro, e em defesa destes últimos, quando em minoria,
acudiam Diogo Costa, Dimitrief e um jovem poeta Hai-kais, com um livro
que chamou “Baganas”. [...]
- Precisamos organizar uma brigada de choque, sugeriu Diogo.
300
- Espera aí, respondeu-lhe Henrique. – Estamos contra estes fascistas, mas
no plano intelectual. Mais por esporte do que por qualquer outro motivo.
Esse negócio de organizar partido não é conosco. Pode ser assunto seu;
não nosso. Nisso estamos por fora. Nem ver! É melhor você parar com
essas bobagens.
Diogo calou-se e mudamos de assunto. As brigas, porém, continuaram. Daí
por diante muito mais limitadas a discussões, ameaças e empurrões do que
estendidas em ofensas corporais menos inócuas. Aliás terminavam pronto,
tão logo se anunciava a chegada da polícia.
No meio da agitação doutrinária, estalou uma greve dos empregados no
serviço de bondes. Seguiram-se outras de pedreiros e leiteiros. Diogo Costa
desapareceu.
- Este radicalismo é que atrapalha tudo, comentou Henrique. Em 35 foram
os comunistas; deu no que deu. Agora são os integralistas. Fico com pena é
dos grevistas; metem-se na confusão e depois ninguém vai sustentar a
família deles. Isso vai acabar mal. Não demora Getúlio dá outro golpe. Essa
bagunça só serve para isso. Só para fazer confusão... (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.220-221).
O tempo de Sylvio de Vasconcellos foi um tempo de inquietudes na História
política brasileira. Nosso arquiteto é, alguns momentos, como nas revoluções de 1930 e
1934, por desconhecimento ou desinteresse promovidos pela idade, mero espectador.
Em outras circunstâncias, participante fortuito.
Pouco depois aconteceu a revolução. A disciplina no ginásio afrouxou-se,
sucedida pela confusão. Aulas suspensas, portões abertos, bebíamos
notícias pela cidade. Chegou um avião de pano, mas não vôou. Levaram os
fuzis do “Tiro de Guerra”, sabidamente imprestáveis, mas com eles
marcharam.
Um tarde encontrei-me com a elegância de Antônio Carlos.
- Como vai, mocidade de minha terra?
- Vou bem, obrigado. E o senhor?
Na mesma tarde Alfredo Chesquiati [Ceschiatti?], de barba tão gorda como
enxundiosa a barriga, promoveu o enterro simbólico do presidente
Washington Luis. Do matadouro trouxemos caveiras de bois e da funerária
um caixão. Formou-se o desfile:
- Quem morreu?
- Washington Luis... da cachaça que bebeu.
- Mas quem morreu?
- Washington Luis... do dinheiro que comeu.
Consumiu horas o carnaval da procissão, só dissolvida tarde da noite.
Paulo, em roupa de soldado, esperava-me no internato. Contou-me haver
sido atingido por uma bala perdida em Belo Horizonte. No tornozelo, onde a
bala desaparecera. O cerco do 12
o
Regimento espalhara balas pela cidade
inteira. Havia se alistado como voluntário e estava a caminho de Juiz de
Fora para a batalha decisiva. Era tenente.
Na manhã seguinte encontrei-me com Paulo outra vez em rápida
despedida. Disse-me ainda que os estudantes estavam agitados em Belo
Horizonte, Maria tendo-se alistado em uma legião de mulheres.
Apesar da seriedade de Paulo ao falar da batalha próxima, a eventualidade
não impressionou-me. Pelo presenciado e suposto, revolução para mim
traduzia-se em passeatas, manobras e faz-de-contas. Aventuras
interessantes, das quais sentia não participar. Só por não ter 18 anos; que
bobagem!
Também, a revolução durou pouco. Os gaúchos amarraram os cavalos no
obelisco do Rio e, no rastro deles chegou Getúlio Vargas. Apitos dos trens,
301
foguetes, buzinas. Os carcomidos da república velha haviam sido vencidos
pela Aliança Liberal. Viva o Brasil... Vivôôôô... Ninguém mais defendia o
governo caído, nem mesmo os Bias Fortes reinantes em Barbacena.
Prudência era bico calado se descontentamento houvesse. Agora
pavoneava-se na cidade Zezinho, o Zezinho Bonifácio, da estirpe dos
Andradas.
No céu azul da alegria geral só uma pequena nuvem persistia: a promoção
dos estudantes. Pois não é que haviam participado da luta como os mais
aguerridos? Não seriam justas reprovações por efeito do patriotismo; não
senhor. Cumpria resolver o problema. O qual a mim muito de perto
interessava em virtude das péssimas notas acumuladas e ignorância total
da matéria dos exames. Promovi telegramas coletivos ao novo governo e
acompanhei cuidadosamente a marcha dos acontecimentos. Até que
dissipou-se a nuvem com decretos determinando promoções por média.
Evidentemente mínima, para o bem de todos e felicidade geral da nação.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.128-129).
Também, a seguir aconteceu outra revolução. Inquietei-me. Zé Livramento e
o irmão seguiram para Belo Horizonte. Eu e Júlio convencemos os frades
da necessidade de nossa retirada. Só não convencemos meu pai e
Monsenhor João Martinho que, apesar de nossa disposição de entrar na
briga, nos mandaram de volta sem a mínima consideração pelo nosso
repentino patriotismo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.152).
Em quaisquer das circunstâncias aponta sempre para uma aparente
neutralidade
77
, que se desfaz em seus textos, substancialmente quando confrontados
com os fins sociais da Arquitetura. Ao vincular-se ao DESAL, dirigido na ocasião por
77
Vinha eu, porém, caminhando um dia da pensão para o escritório quando um homem aproximou-se
perguntando:
- Você é Sylvio de Vasconcellos?
- Sou; por quê?
- Então me acompanhe.
- Mas está na hora de meu serviço, ponderei.
- Não tem importância; Dr. Moretzon que falar com você, mas antes, vamos à sua casa.
Dr. Moretzon era o delelegado da ordem política e social, conhecido por sua perseguição ao fantasma do
comunismo. Comecei a sentir-me mal; não por receio de enfrentar a polícia o que imaginava fácil à luz de minha
consciência limpa, mas por temor das repercussões do caso, principalmente em meu emprego, conforme
Santoro ameaçara. Apesar disso mantive-me calmo e conduzi o “tira” a meu quarto. Revolveu-o por inteiro em
busca de indícios que me condenassem, demorando-se em uma mala grande de Hortênsia que esvaziou por
completo. Sem haver encontrado qualquer coisa que me incriminasse, levou-me ao Dr. Moretzon.
- Sim senhor: então o senhor confessa ou não que é comunista?
- Não posso confessar porque não sou. Política nunca me interessou.
Um datilógrafo, ao lado, escrevia perguntas e respostas.
- Então por quê você anda com esses amigos: o Henrique, o Diogo, o Dimitrief? Tem outros; estão todos aqui
fichados. Não são comunistas.
- Que eu saiba não. Nunca me falaram do assunto... só conversamos sobre literatura... roda de café... de
cabaré... Depois, há muito tempo que nem os vejo...
- E encontros secretos? Sei muito bem como são... não adianta esconder. E fique sabendo: se pego um, não me
custa jogá-lo pela janela daqui, acrescentou apontando para a mesma. Suicídio... você sabe. Onde são os
encontros?
- Olha, Dr. Moretzon: não sei do que o senhor está falando; nada mesmo. Agora tenho mulher para sustentar e
trabalho o dia inteiro. Chego em casa quero é descanso. Não tenho tempo para pensar em bobagens de política;
é coisa que não me interessa; de jeito algum. De onde o senhor tirou essas idéias a meu respeito?
Dr. Moretzon não respondeu. Arrancou a folha da máquina, leu-a e mandou-me assiná-la: “Perguntado, declarou
o acusado não se comunista; declarou mais não conhecer ninguém adepto da doutrina comunista, etc. etc. etc.
Assinei. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.231-232).
302
Roger Vekemans (1926- ), sociólogo e jesuíta opositor das idéias da Teologia da
Libertação, Vasconcellos assume os públicos fins de “[...] promover a solidariedade
organizada das populações marginalizadas, sua incorporação à sociedade global e a
integração desta como um todo.” (VASCONCELLOS, Urbanização na América Latina,
1966, p.12). Entretanto, a atuação do arquiteto-planejador aqui corresponde a um
processo exógeno, aparentemente pouco afeito a procedimentos participativos e
democráticos, mas justificados na urgência da atuação frente às demandas e no
despreparo das populações para uma gestão conjunta.
A despeito de todas as nossas argumentações – que consideram o homem
público Sylvio de Vasconcellos um agente político na instância da formação de
mentalidades – nosso arquiteto insiste:
Em verdade nunca gostei, nem gosto, de assunto político. Não entendo
siquer [sic]. Se de vez em quando resvalo por perto do assunto é só para
enfatizar o lado bom das coisas, o otimismo necessário. São tantas as
crises acumuladas no mundo e outras que se anunciam que não vale a
pena estar-se metido nelas. É melhor crear [sic] e acreditar num mundo de
faz de contas, porque sem esperanças tudo piora. (VASCONCELLOS,
Carta a Pérides Silva, 27.01.77).
Mas então Vasconcellos nos abre caminho a um tema caro aos humanistas: as
utopias. Lembremo-nos da etimologia da palavra: eu-topos, “lugar feliz”. Sylvio desenha
em seus textos, se não lugares melhores para se habitar, uma vida mais digna a ser
almejada. Se compararmos Vasconcellos a Le Corbusier – quando este afirma
“Arquitetura ou revolução? Podemos evitar a revolução.” (LE CORBUSIER, 1994, p.205)
– nosso arquiteto parecerá humano e falível, cansado do “bom combate”. Fim das
utopias modernistas? Definitivamente. O sentido político que prega para a Arquitetura,
“sua revolução”, é de uma construção coletiva, mas silenciosa e não paradigmática.
Nem por isso, o tom em suas crônicas esmorece.
Quanto à arquitetura a situação é a mesma. Crescem nossas cidades de
acordo com planos estudados que se assemelhem à orientação que a
técnica recebe? Alguma pesquisa séria tem sido feita para colher a opinião
pública relativa ao espaço de morar: Têm as construções evoluído em
consonância com a evolução dos sistemas de vida? Quais os usos e
costumes da família em seu ambiente natural; correspondem-lhes as
soluções arquitetônicas que lhes são reservadas? Os móveis que hoje
fabricamos atendem às suas finalidades? Cremos que a resposta é
evidentemente negativa. Tristemente negativa. Apenas as fachadas se
esforçam por se ajeitarem à moda. Os apartamentos cada vez piores, mais
duros, desagradáveis e exíguos. Os conjuntos populares cada vez menos
satisfatórios e, talvez, menos orgânicos que as próprias favelas que
intentam substituir. A opinião do povo contra eles já se manifesta até em
sambas. Na realidade falta a nossa arte e arquitetura – vida.
303
Desumanizaram-se em suposta intelectualização, torre-de-marfim,
snobmente [sic], mentais. Preciosismos nos detalhes, requintes e, para
culminar, inicia-se a nova moda do brutalismo. A arquitetura se apresenta
como um processo disfarçado em novidade. Parece que a vida não é mais
um bem, o amor é só ódio e tragédia. Todas as belles époques ficaram para
trás; o futuro não existe. O quotidiano é desprezível. (VASCONCELLOS, O
quotidiano, a arte e a arquitetura, 1966, p.26).
Vasconcellos indica, um a um, pacientemente, os procedimentos necessários à
criação da boa vida aos cidadãos, no que tange ao campo da Arquitetura. Seu brado
não é suficientemente eloquente para fazer romper as “torres de marfim” em que se
enclausuraram os arquitetos, interessados meramente na linguagem estética. A crítica à
eminente perda da qualidade da Arquitetura é denúncia, tão áspera quanto se fosse
esta diretamente dirigida à ordem social e política. A Arquitetura, reduzida à mera
construção, está para aquém do humano: “Enquanto isso a cidade se debate com a falta
de espaço, com especulações imobiliárias, com déficits habitacionais e, acima de tudo,
com uma arquitetura agônica.” (VASCONCELLOS, Prefeitura da capital contra a
arquitetura, 1968, p.8). A resposta, por sua vez, está para além dos espaços físicos.
Encontra morada na coletividade e nos princípios democráticos.
[...] o homem tem direito à liberdade, cuja afirmação primordial se traduz na
sua capacidade e possibilidade de auto-realizar-se. Na América Latina
estabeleceu-se uma dualidade – há homens que são livres e compõem a
sociedade global, e homens que não são livres, colocados à margem dessa
sociedade. A marginalidade se define de três maneiras: pela falta de coesão
de seus membros, que exclui a interdependência, fundamental a uma
sociedade organizada; pela falta de participação receptiva, isto é, falta de
acesso aos bens oferecidos pela civilização; e, finalmente, pela falta de
participação ativa, isto é, nenhum acesso às decisões da sociedade global,
inclusive àquelas que lhe possam dizer respeito. (VASCONCELLOS,
Urbanização na América Latina, 1966, p.13).
A marginalização somente se esgotaria pelo exercício pleno da cidadania e pelo
sentido de coletividade, fundamentos democráticos, portanto. No calor dos movimentos
sociais da década de 60, inspirado por questionamentos que batiam à sua porta por
meio dos ânimos inflamados dos alunos que reclamavam por reformas – desde a
curricular até as de base – Vasconcellos escreve:
Não é outro o princípio democrático do poder. Pelo povo e para o povo.
Efetivação de aspirações comuns. Nenhum poder, jamais, dedicou-se a
impor interesses contrários aos do povo que domina. Pode haver
distorções, excessos, exageros de uma e outra parte. Seja de aspirações ou
de entendimento delas. É o caso do fascismo. O princípio, porém, í
imutável. Poder é ordem, é consecução das aspirações da maioria,
contrário ao estado anárquico que satisfaz o indivíduo em prejuízo da
coletividade.
304
É curioso verificar que justamente em momento de tanta valorização de
diálogos, se tenha tornado quase ininteligíveis os entendimentos humanos.
Exatamente por falta de simplicidade e de franqueza. Utilizam-se, em geral,
frases as mais obscuras em vez de claras exposições. Há quase um certo
medo de dizer as verdades mais óbvias e mais claras. O detalhe, com
frequência, sufoca o principal, os adjetivos escondem os substantivos, o
particular sufoca o universal. São contorsões inúteis do pensamento, de
súbito, infenso à clareza. (VASCONCELLOS, O movimento poder jovem,
1968, p.8).
O homem que não se considerava afeito à política expressa seu profundo
ressentimento frente à impossibilidade da ação pública. Em 1968, Vasconcellos já havia
sido absolvido do Inquérito Policial Militar contra ele impetrado, e esforçava-se por voltar
a atuar publicamente na academia e no serviço de proteção ao patrimônio.
Em Washington, percebe um outro modo de lidar com a ação política. O sentido
coletivo se desveste da abstração e incorpora uma relação íntima entre cidadão e
nação, tal como na Florença de Alberti. A ordem em seu sentido lato, o trabalho, o
esforço individual – a despeito do individualismo reinante, e da competição contínua,
entendidos por Vasconcellos como desvirtuamentos embora aceitos pela sociedade
norte-americas –, o espírito comunitário.
O principal [conceito] deles é que povo e governo são uma só entidade.
Integram-se. Como família e País.
No Brasil esta idéia nem sempre se impõe. Acredita-se que o povo é uma
coisa e o governo outra. Dinheiro do governo é do governo e não da Nação,
ou do povo. Fica-se contra ou a favor do governo como se fosse um
elemento estranho, de outro país, nem parente nosso por acaso. Falta-nos
a consciência de, governo e povo, se pertencerem mutuamente.
[...]
O fato é que deputados e senadores, governadores e presidentes são
representantes do povo. São pessoas nas quais o povo confia,
encarregadas da execução das aspirações populares. Deputado quer dizer
procurador, gente que age em nome daqueles que lhe dão a procuração.
[...]
Nesse sentido o costume norte-americano de chamar de representantes os
legisladores parece-me muito bom. Melhor do que designá-los como
deputados ou senadores. Representante é palavra que lembra
imediatamente o conceito de representação, de procuração dada, de íntima
relação entre votados e votantes. (VASCONCELLOS, Pelé falou e disse?,
1978, p.2).
O que representam nossos nobres deputados e senadores?, indaga nosso
interlocutor. Que valores defendem? “Ordem e progresso”, responder-se-ia rapidamente,
mas sob quais meios? O “revolucionário” Vasconcellos nos indica: para além da figura
abstrata do Estado, ou do distanciamento da capital federal, a participação na vida
pública é o fundamento para as transformações. É preciso retomar coletivamente o
“bom combate”.
304v
352
305
7.2. Valores humanos: família, sociedade e pertencimento
Sob o céu de Florença erguia-se já em grande majestade a cúpula de Santa
Maria dei Fiori, aí por altura da última cinta de pedra que fazia de anel de
fecho da parte superior para receber a imposta da lanterna, quando chegou
à cidade a comitiva do Papa fugido de Roma, atacada pelos exércitos do
Duque de Milão. Era o mês de Junho de 1434 e no séquito do prelado vinha
também o redactor de “breves Papais” e insígne escritos moralista e
filósofo, Leon Battista Alberti. (TAVARES, 2004, p.15).
Podemos imaginar o regozijo nos olhos do auto-declarado escultor e pintor Alberti
ao pisar, depois de décadas, a cidade natal de seus ancestrais. Desde 1387, os Alberti,
uma família de mercadores e banqueiros florentina, haviam sido exilados da cidade,
impedidos de retornar em qualquer tempo. O triunfo de Alberti não residia na
circunstancial posição ocupada junto ao papado de Eugênio IV, mas na possibilidade de
testemunhar as maravilhosas transformações empreendidas em Florença desde o final
do século XIV, em que as artes eram parte integrante e fundamental do Humanismo.
Inspirado pelos valores renascentistas, ali escreveu o “Libri della famiglia” (publicado em
1441).
A narrativa, organizada em quatro partes, compõe-se de um diálogo entre quatro
membros da família Alberti (provavelmente personagens reais), que debatem temas
como o matrimônio, a vida familiar, a educação dos filhos, a gestão econômica e,
sobretudo, as relações entre famílias citadinas. Uma quinta figura, Battista, notoriamente
autobiográfica, desperta seus interlocutores para a nova mentalidade burguesa e
moderna, em que a família é a base de organização da sociedade urbana e senhorial.
O sentimento de pertencimento expresso no texto do humanista florentino
também encontramos em Sylvio de Vasconcellos. E assim como em Alberti o
pertencimento se estende do clã à cidade, em nosso arquiteto se configura do âmbito
privado ao público.
O núcleo familiar dos Vasconcellos era composto pelo casal, Salomão e Branca,
e pelos sete filhos: Décio, Paulo, Rosa, Maria, Sylvio, Eda e João. Orbitavam, ainda, as
figuras das avós paterna, Maria Madalena, e materna, Emília, sobretudo esta, que em
sua presença constante e ascenção sobre a filha, de certa forma compensava a
306
distância do avô Cipriano
78
. Tias e primos eventualmente aparecem na narrativa
memorialística.
A composição familiar contava, ainda, com a presença de empregados e
agregados: Joaquim, “[...] negro de pés nus e chatos, espalhavam-se como leque [...]”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.2); Zezé, ajudante eventual, “[...]
estava sempre fazendo alguma coisa, incansável, diligente. Varria, fazia camas, arruma
móveis, costurava.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.6); Olímpia,
uma portuguesa que fazia as vezes de governanta:
Tinha os cabelos de um louro dourado que enrolava em coroa no alto da
cabeça. Com brincos faiscantes nas orelhas. Falava diferente, em tom
cantante e cozinhava gostosas iguarias. Bacalhoadas, fulares com páios
picantes, fios de ovos, fatias douradas, frangos assados que davam água
na boca, sopas doces de pêssegos, compotas de cidra, figos glassados.
Dava-me as panelas açucaradas para que as raspasse. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p. 2)
A família é o primeiro lugar do exercício coletivo. Sobretudo porque o número de
membros da família exigia uma intensa interação entre as partes, marcadas pelo
entendimento mútuo acerca das necessidades individuais e das possibilidades coletivas.
Seis irmãos, mais Ritinha e meus pais, com Zezé de contrapeso, fora as
empregadas, era um punhado de gente. Embora minha mãe se dedicasse,
cada vez mais, a suas aulas e à igreja, com meu pai, visivelmente
acabrunhado, interferindo pouco nos assuntos domésticos, tudo marchava
tranquilamente bem. Quiçá melhor do que antes. Problemas prosaicos
comuns, atingindo a todos igualmente, dáva-nos maior paciência para
compreender, e aceitar, os incômodos que cada um ao outro causava.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.139).
A experiência do diálogo, por vezes, nascia de uma circunstância reivindicatória,
como no episódio dos presentes de Natal. Os interesses opostos – pais – requeria a
organização em grupos e, sobretudo, a elaboração de argumentos irrefutáveis diante da
“assembléia”. A decisão não se tomou por votos nem mesmo por autoridade imposta,
mas pela via da negociação.
78
Enquanto meu avô dava-se ao positivismo, minha avó aprofundava-se no protestantismo, todavia muito mais
voltado ao culto do corpo do que à salvação da alma. Recebendo folhetos americanos da igreja metodista,
passou do horror aos licores e tabacos à paixão pela vida naturista, com largos períodos vegetarianos. À medida
que degustava alfaces e mel, intensificava instruções correlatas a minha mãe que as cumpria ao pé-da-letra.
É verdade que, de mistura com panegíricos sobre repolhos e cenouras, recebia, também, idéias menos
vegetativas, embora igualmente digeríveis. Deixou-se seduzir, por exemplo, por um folheto sobre a importância
do “dia das mães”. Convenceu a minha a promover Rosa como introdutora da comemoração em Belo Horizonte.
Para gáudio do comércio de presentes, a iniciativa vingou em grande sucesso. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.172).
307
Até que chegou outro natal. Muitos já haviam transcorrido em branco, sem
presépios, festas e presentes. Meus irmãos mais velhos protestavam: não é
possível, todo mundo ganha presentes; porque não nós?
- Vocês nem acreditam mais em papai noel, desculpou-se minha mãe. Nem
tem graça...
- Tem graça sim; muita graça, contestou a assembléia geral da família, com
a presença dos miúdos e graúdos.
No fim, após extensas discussões, com fortes argumentos de parte a parte,
ficou decidido que, de fato, o tal de papai noel não existia, mas que
existiam, sem dúvida alguma, os presentes.
Minha irmã Maria, com o apoio de Rosa, era a mais ardente defensora dos
presentes. Foi ela encarregada de comprá-los, com a condição de mantê-
los escondidos para a surpresa da manhã natalina. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.65).
Um dos aspectos gregários do ambiente familiar residia na cumplicidade fraterna.
Em alguns episódios da narrativa memorialística, Paulo aparece como o espelho do
irmão conhecedor da ciência
79
. Mas era com Maria, pela idade próxima, que Sylvio
compartilhava segredos e mútuo adjutório.
Aliás, não eram poucos os segredos que eu e Maria compartilhávamos. Às
escondidas, ajudava-me no “Para a Casa” do grupo, dividia comigo tostões
que furtava de minha mãe para comprar doces ou sorvetes no recreio das
aulas e, vez por outra, ficava conversando com amigas em outras casas,
pedindo-me dissesse, em casa, que se atrasara a mandado da professora.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.49).
A mãe, Branca, embora auxiliada por empregados, é um exemplo primevo da
dupla jornada de trabalho à qual estariam mais tarde sujeitas as mulheres de classe
média. Violinista e pianista de formação, lecionava música na Escola Normal. Não é
possível aferir se o exercício do magistério se devia a circunstâncias financeiras da
família, que não são abertamente mencionadas por Vasconcellos, ou a um desejo íntimo
de manter-se próxima à antiga paixão, a música. De qualquer modo, as referências à
mãe na primeira infância são marcadas pelo volume de trabalho a ser empreendido, e
que raramente era interposto por momentos de intimidade com os filhos.
Todavia, em umas poucas noitinhas chegadas, deixava o trabalho e vinha
descansar na cadeira de balanço posta na exígua varanda de entrada. Em
pouco estávamos sentados no chão, em roda. Contava estórias curtas,
casos da família dela, de sua meninice, como a mãe a fazia estudar violino
oito horas por dia, como vovô Cipriano era rígido em sua religião positivista,
bobagens que nós havíamos feito quando pequenos. Conversávamos. Uma
79
Ver seção 6.1.
308
conversa comprida, espichada, assunto puxando assunto – mais uma coisa:
conta; mais uma, só mais uma.
- Agora não; já é tarde. Outro dia...
Deixava a promessa no ar, indefinida. Cumpria-a muito tempo depois,
voltando aos casos passados ou lendo alto, para nós, “As meninas
exemplares” que a haviam encantado na infância, esclarecia.
Com a mesma intermitência das conversas, ou maior ainda, dedilhava o
piano, nos ensinando cantos novos ou nos fazendo repetir os já sabidos.
Excepcionalmente, refugiava-se só em seu quarto e tocava violino.
Serenata de Tozelli quase sempre.
- Mamãe foi um violinista muito importante, me disse Maria. Tocou em
muitos concertos; até no Palácio para o presidente. Foi quando Paulo quase
morreu de crupe que ela fez promessa de virar católica e não tocar mais se
ele sarasse. Nunca mais tocou.
Não sabia o que era concerto, nem o que era crupe, mas compenetrei-me
da seriedade do assunto, confiando na grave inflexão de voz que Maria
empregara para abordá-lo.
- Ela não gosta que a gente fale nisso, avisou-me.
Fiquei com a impressão de haver penetrado um segredo.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.48).
Mas é sobre Salomão que se depositam os valores fundamentais da família,
sobretudo aqueles que conformariam em Sylvio uma personalidade humanista: o servir
ao público, o respeito, a moral e a verdade, a amizade e o companheirismo, a
identificação com o outro e o sentimento de coletividade. Descobrir na figura paterna
estes aspectos, exigiu um longo percurso, que da admiração da infância até o
companheirismo do início da vida adulta, marcou-se de inconformismos,
distanciamentos e indagações. Foi preciso a maturidade e a reflexão mediada no texto
memorialístico para que Sylvio fizesse de seu pai espelho inquebrantável. Fiel, pediu
para que suas cinzas fossem depositadas junto ao jazigo de Salomão, em Mariana.
Quem era meu pai, indagava-me. Um menino, órfão, tocando tropas na
fazenda. Com sua trouxinha de roupa, estudando no porão da casa do tio,
trabalhando, ajuntando tostões para cuidar da mãe e dos irmãos. Advogado
primeiro, depois médico, na guerra porque quis, já casado e com filhos.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.170)
A formação de Salomão está ligada ao apadrinhamento do tio Diogo de
Vasconcellos. Prática comum entre as famílias interioranas, foi o sobrinho estudar em
Ouro Preto, recebido em casa do tio, onde aprendeu taquigrafia e conseguiu o primeiro
emprego no Senado da Câmara, e publicou um manual, o “Método Vasconcellos-
Rosemburgo”. Formou-se então em Direito e Medicina, e tendo servido na Primeira
Guerra, obteve o posto de major. Estimulado pela mãe, Maria Madalena, Salomão de
Vasconcellos preferiu emprego público ao exercício liberal de sua profissão. Mais tarde,
em razão do estado imposto por Vargas, como forma de prover os recursos necessários
309
ao provimento da família, passou a advogar em favor de servidores públicos em litígio
como o Estado
80
. Nota-se aqui, o primeiro legado de Salomão: o servir.
Este exercício estende-se ao tio-avô – o historiador e senador do Império Diogo
de Vasconcellos – embora seja visto como figura pública muito mais distanciada, ou
seja, como personablica. E nisto difere da visão afetiva agregada ao pai pelo menino
Vinho.
Quando eu era pequenininho, meu pai, que amava bichos, trouxe um filhote
de veado para o quintal de nossa casa. Minha mãe, porém, não cultivava
iguais inclinações e, em breve, o veadinho se foi para não-sei-onde.
Mais taludinho eu era quando meu pai achou de trazer para a família uma
cadelinha branca, de rabo curto que, por algum tempo, companheirou minha
primeira infância. Depois trouxe um canário campainha e um bicudo de
alegres trinados. (VASCONCELLOS, Bichos em extinção, 1975, p.6).
Em mais de uma ocasião, em suas memórias, Sylvio destaca o orgulho da
pessoa paterna: “Deu-me por dentro uma sensação de orgulho por ser filho de pai tão
importante que não lhe cobravam. [...] Pela primeira vez senti consciência de pertencer
a uma família, de determinado nome e determina importância. Achei bom ser filho de
meu pai.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.106). Nasce aqui o
sentimento de pertencimento, e com ele o respeito, não à autoridade, mas às origens.
Mas a construção deste sentimento é tormentosa; trata-se de homens. Por vezes,
o reverso da afetividade e do respeito é o autoritarismo do pai, que se faz acompanhar
do inconformismo do filho. Assim que entravam na adolescência, o pai raramente dirigia
a palavra aos filhos: “Quando perguntado, respondia no impessoal, olhos para outro
lado, como se falasse com minha mãe que, de fato, nos transmitia suas decisões.”
(VACONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.67). Em outras situações, a
80
Mais ou menos por esta época, meu pai, que inventara trabalhar como procurador de empreiteiros e
professores com interesses no governo do Estado, mergulhara, novamente, em crise de preocupações e
nervosias. Ao que me foi dado saber, havia garantido empréstimos bancários a empreiteiros, insaldáveis em
virtude de atrasos nos pagamentos do governo. Disse-me Maria que meu pai chegara a jogar um tinteiro na cara
do Secretário das Finanças, Dr. Amaro Lanari, quando este se negara a autorizar pagamento prometido.
- Foi até preso, mas aí mostrou que era major do exército e só se entregava a um oficial superior. Tiveram que
chamar um.
Fiquei sabendo que meu pai era major, reformado, por haver participado da grande guerra como médico.
Primeiro diplomou-se como advogado e, depois, em medicina. Apresentara-se como voluntário para a Missão
Médica brasileira que foi à Europa.
- O nome dele até está em uma plana lá na Escola de Medicina, acrescentou Maria. - Se quisesse seria um
médico importante hoje. Como o Dr. Borges da Costa, por exemplo, que também foi na missão. Vovó é que não
deixou. Convenceu ele que qualquer emprego é melhor do que profissão. Já viu só?
Junto com a parafernália da guerra que meu pai conservava e que fui investigar com mais atenção, encontrei um
livrinho com capa marron: “Da morte súbita da gravidez. Salomão de Vasconcellos. Tese de doutoramento.
Aprovada com distinção”. Fiquei oscilando entre o orgulho por meu pai e dó dele. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.146-147).
310
superação do espelho paterno é delicadamente escondida por Sylvio, em sinal de
respeito.
Meu pai desde muito não conversava comigo como, de resto, não falava
aos outros filhos logo entrassem na adolescência. Nossas trocas de idéias
cumpriam-se em circunlóquios ou em termos indiretos, quase impessoais.
Como no trabalho, por exemplo.
[...]
Eu e meu pai fazíamos um turno de 15 minutos na taquigrafia; outros dois
profissionais cumpriam o turno seguinte. Na tradução eu datilografava,
enquanto meu pai conferia meu trabalho. No princípio, alertava-me para
frases e trechos dos discursos que entendia ter eu perdido. Ditava-me as
lacunas. Pouco adiante, entretanto, eu verificava que as supostas lacunas
correspondiam a locuções posteriores taquigrafadas por mim, tendo sido
ele, e não eu, quem perdera trechos intermediários. Quando eu lhe
assinalava os equívocos, punha-se desconcertado:
- Ah... é... então deixa como estava.
A constatação de estar superando meu pai na taquigrafia que ele tanto
prezava, sensibilizou-me profundamente. Esforcei-me ao máximo por
esconder-lhe as faltas, datilografando com maior presteza os trechos em
dúvida, para fazer coincidir minha escrita com sua conferência, evitando-lhe
vexame. Todavia, apesar de meu constrangimento, percebeu ele meu
esforço e passou a desinteressar-se de meu trabalho:
- Se tiver alguma dúvida me diga. Você já pode traduzir sozinho, me disse.
Frente a essa situação comecei a consultá-lo a miúde, inventando
dificuldades que não haviam. Com isso a desagradável situação criada
entre nós dois dissipou-se, expressando meu pai inequívoco contentamento
com minhas consultas.
Outra vez, com o ronronar da barca, de volta ao Rio, me bailavam na
cabeça pensamentos curiosos. As fraquezas de meu pai, por exemplo, me
aproximavam muito mais dele do que as fortalezas – a imagem autoritária, a
glória da guerra, a vitória sobre a pobreza ou o apreço que seus parentes
lhe deferiam. A mim faziam-lhe grande, despertando admiração, respeito e
afeto, seus olhos úmidos no quartinho de porão da casa de tio Diogo onde
estudara menino, suas lágrimas silenciosas na morte de minha avó
Madalena, sua amargura quando da venda da casa onde eu nascera e,
agora, seu constrangimento nas lacunas taquigráficas. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.207-208).
Imbuídos no respeito, estavam ainda outros valores morais, alimentados pelos
conservadores sentimentos cristãos de pecado, arrependimento, perdão, punição. Não
provinham diretamente de Salomão, mas da carolice da mãe, alimentada por Zezé.
Toda conduta da infância, e mesmo de parte da adolescência é regida por uma rígida
moral cristã, entremeada de explanações popularescas do conceito de falta e da
possibilidade de redenção.
Ao revisar os últimos acontecimentos domésticos, vi-me, porém, assaltado
de dúvidas sobre a lisura de meu procedimento relacionado com a
maquininha dourada do tic-tac. Esta começou a pesar-me do bolso e na
consciência, enxotando-me das dúvidas para a certeza do malfeito.
Valeu-me, na emergência, as lições de Zezé sobre arrependimento e
perdão, os quais, aplicados a critério, emsaboam e lavam a alma em
311
brancura imaculada. Com esta convicção pendurada em meus remorsos,
encaminhei minha alma ao banho redentor, traduzido em carta a meu pai
que continha, na bacia das confissões, a água do arrependimento e o sabão
do perdão pedido.
Meu pai, não figurando a gravidade do problema em que me metera,
eximiu-se de qualquer participação no processo de lavadura de minha alma,
recomendando-me apenas, em carta de certo modo amável, senão
carinhosa, extremo cuidado com o relógio, para que não se quebrasse ou
se perdesse.
Ligeiramente desapontado pela ausência de esfregadelas, necessárias para
a limpeza do sujo em minha consciência, encontrei guarida na brilhante
idéia de matar dois ou três coelhos de uma só cajadada: primeiro punindo-
me com a privação do relógio; segundo colocando-me em boas relações
com o chefe da disciplina ao entregar-lhe o dito para guardar; terceiro
demonstrando-me obediência, em cautela máxima, às recomendações de
meu pai.
[...]
Apesar de toda a vaidade que o objeto me insuflava, não me doía ver-me
privado dele; afligia-me desapontar meu pai novamente. Não poder
devolver-lhe o relógio pela imprudência de usá-lo era como juntar lenha à
fogueira que já me vinha consumindo há tempos.
Não ocorreu-me outra escapatória senão a de prosseguir na iniciativa
epistolar, desta vez dispensando rascunhos e frases bem compostas, para
que o propósito manuscrito, claudicante e razurado, expressasse meu
emocionado desconsolo.
Obtido um envelope, por empréstimo, constatei que não dispunha do selo
nem do dinheiro para comprá-lo. Poderia enviar a carta com nota para ser
cobrada do destinatário, alvitre já anteriormente exitoso, mas, dada a
natureza da epístola, refreei-me da iniciativa. Preferi tentar o
aproveitamento de selos das poucas cartas recebidas, com carimbos menos
visíveis, retirando-os pacientemente dos respectivos envelopes com mata-
borrões umedecidos. Miolo de pão provou-se mais eficiente do que
borracha para apagar os traços do carimbo. Tão perfeito resultou o trabalho
que meu pai não me respondeu, deixando-me oprimido entre a hipótese da
aceitação do irremediável e a outra, mais temível, de ira inexprimível. Entre
a cruz e a caldeirinha permaneci tempo dilatado, no qual me prometi
presenteá-lo com um outro relógio. Em futuro distante, já se vê, mas na
primeira oportunidade de ter dinheiro de meu. Abraçado a esta decisão,
retornei aos sofrimentos rotineiros. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.122).
A despeito de toda a moral cristã conservadora aqui percebida em Sylvio, o valor
da verdade transmitido pelo pai configurava um bem maior, inclusive no âmbito da
religiosidade. Se para Vasconcellos a “falência” da sociedade nos remete à dissolução
da família como causa, também a “[...] falta de um sentimento religioso mais autêntico
[...]” (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.45) é responsável
pela organização de uma sociedade das aparências. Ameaçado de denúncia, junto ao
amigo Júlio, por um interno do Colégio Santo Antônio como “ateus-comunistas”, ironiza;
afinal tratava-se de
[...] curiosa inversão da propaganda contra o “comunismo-ateu” encetada
pela igreja católica.
312
Na verdade não éramos ateus pois que acreditávamos em um deus. Não,
entretanto, nas farisáicas babozeiras de seus representantes na terra. De
comunismo nem ao menos havíamos ouvido falar senão na referência a seu
combate. Dele não tínhamos a mais remota idéia.
Identificada a origem do incidente e tocados pela consideração que frei
Dagoberto nos deferia, fomos ao frei Zacarias. Tinha fama de sábio, tanto
em teologia como em história natural. Estava construindo a igreja de Carlos
Prates e, para obter fundos fizera um mapa do céu, expondo lotes à venda
para futuros ocupantes. A prestações e de preços variados, conforme a
localização mais ou menos próxima da côrte celeste.
Recebeu-nos muito amável e dispôs-se a abrir clareiras no emaranhado de
nossas dúvidas religiosas. Júlio apresentou-lhe o problema do bem e do
mal, repetindo argumentos racionais que meu irmão Paulo já me havia
abordado: se deus sabe, de antemão, que vamos pecar, não podemos
deixar de, sem contrariar-lhe a presciência infalível. Frei Zacarias enfiou-se
pelos mistérios da fé, sua paciência cedendo terreno à nossa teimosia.
- Bem: agora tenho um compromisso. Depois conversaremos mais,
despediu-nos.
Ficamos convencidos de que o havíamos colocado em beco, onde sua
sapiência não encontrara saída. Muito contentes, nos dedicamos aos
primos cariocas. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.154-
155).
A verdade sobre a fé fora rapidamente convertida em dogma por Frei Zacarias,
reconfigurando o sentido de autoritarismo em direção às instituições. Poderíamos inferir
denúncias veladas em alguns dos artigos de Sylvio, em que a verdade é manipulada
pelo medo, e que a delação uma consequência imediata.
O medo governa a palavra moderna. Ninguém quer arriscar-se a
desagradar ninguém. A crítica, o pronunciamento franco, até mesmo a
lealdade e a autenticidade que conformam a personalidade humana vai
desaparecendo gradativamente. A ponto de, a observação mais atenta,
parecer conversa de idiotas ou completos débeis mentais.
(VASCONCELLOS, Da arte de ser simpático e sua triste significação, 1968,
p.3).
A franqueza da expressão reflete-se na franqueza dos sentimentos de
companheirismo e amizade. Vimos como em torno de Henrique Diniz, líder quixotesco,
circulavam amigos e membros eventuais, livremente debatendo tabus em mesas dos
cabarés da rua dos Guaicurus, em saraus improvisados no Café Acadêmico
despertando uns nos outros o gosto pela poesia modernista. Mas é Júlio que retrata
mais precisamente a figura do amigo: “Tornamo-nos inseparáveis: como gêmeos. Havia
quem nos confundisse, embora a nós mesmos tal confusão surpreendesse.”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.138). O compartilhamento de
experiências, a fala verdadeira e franca, a aceitação da diversidade são atributos da
amizade, que se diferem das relações simpáticas e superficiais.
313
De fato o que ocorre é uma despersonalização em massa. Uma
desconfiança em massa. E, afinal, uma ausência total de empatias
verdadeiras. Tudo soa falso e vazio. Ninguém conhece de fato ninguém e
simpatia é, fundamentalmente, identificação. Como pode alguém identificar-
se com quem não conhece?
Daí a escassez de amizades verdadeiras e mesmo de amor. Há muito
conhecimento: porém, amizade, nenhuma. Muita intimidade; porém, amor,
mínimo. Há quase alívio quando pessoas se despedem e se afastam. Alívio
da tensão mentida e da personalidade representada.
A dialética, no caso, funciona perfeitamente. Quanto mais as pessoas se
esforçarem por ser simpáticas, à força de contensões, regras e falsos
sorrisos e atitudes, menos alcançarão seus objetivos. Serão sempre alguém
que se suporta, com alguma satisfação, talvez, porém nunca com
verdadeiro agrado. Já é tempo de cada um ser cada um. Mesmo porque
são as personalidades definidas e claras que, só elas, canalizam simpatia.
Estas são as merecedoras de confiança, as que verdadeiramente atraem e
engrandecem as relações humanas. (VASCONCELLOS, Da arte de ser
simpático e sua triste significação, 1968, p.3).
Esclarece os sentimentos de verdade e amizade por meio de uma reflexão sobre
a sociedade norte-americana quando faz distinguir os verbos “to like” e “to love”. Há uma
seriedade, um compromisso com a verdade no uso do último vocábulo. E esta postura é
expressa nas mínimas atitudes cotidianas.
O americano, se gosta, diz; se não gosta, diz também. Isso facilita muito as
relações humanas. Tudo é dito com franqueza e lealdade, sem segundas
intenções. Não precisa esforço para compreender determinada pessoa. Ela
mesmo se explica, sem a menor inibição. Sem esconder nada,
sinceramente. A menos que se trate de assunto do trabalho onde o segredo
possa ser a alma do negócio. (VASCONCELLOS, Os americanos, os
nossos ricos amigos, 1970, p.3).
Depois da verdade e da amizade, Sylvio apresenta, em “A falsa modéstia, a face
oculta da vaidade” (1968), alguns “pecados capitais”: a falsa modéstia, a inveja, a
vaidade, o orgulho, a bajulação, mediocridade. Destaca, em outro artigo, a “Fofoca, uma
arte difícil” (1970), em que o “candongueiro” segue uma série de posturas – isenção
aparente, atuação como veículo e não como fonte da fofoca, insinuação da intriga –
para atingir seu objetivo. Um sinal autobiográfico?
Paralelamente à amizade encontramos o sentimento de companheirismo, que
novamente nos remete a Salomão. O mote para a aproximação entre pai e filho poderia
ser elaborado por Sylvio, como vimos no episódio das transcrições taquigráficas, ou
naturalmente surgir de interesses comuns: o carro Buick, visitas a chácaras na zona
suburbana e rural de Belo Horizonte, ou outro motivo qualquer.
Quase sempre meu pai me chamava para sair com ele no carro, não me
indicando com segurança se o fazia como recompensa de meu adjutório
314
nas lavagens ou para amenizar o desconforto de estar só, em situação que
ainda não dominava completamente.
Íamos os dois a lugares determinados ou indeterminados, dava voltas, cada
vez mais espichadas, até em bairros distantes. Certa vez, no Calafate,
premido por um bonde, meu pai arrancou em lugar de freiar.
- Calquei a gasolina em lugar do freio, esclareceu adeante.
Achei graça, rindo sem outro comentário. Acompanhou-me na risada; nos
entendíamos.
- Você devia ter puxado o freio de mão..., me disse.
- Eu não; p’ra quê? ‘tava boa a corrida...
Dirigindo, meu pai me falava de terrenos que havia possuído e que
desejava comprar. Inspecionávamos chácaras e lotes vazios, voltando
várias vezes a um destes, com uma casa metade construída sobre alto
barranco, na esquina de Espírito Santo com Paraopeba. Encantava-o a
posição da casa, com vista sobre toda a Barroca.
- Estão pedindo só vinte e cinco contos... é uma pechincha... Com os anos e
acabada vai vales muito mais... muito mais...
Não entendendo do assunto, eu ficava calado, mas esforçava-me por
mostrar interesse na inspeção.
- Porque o senhor não compra? Indaguei afinal.
- É sua avó, respondeu já no carro como se pensando alto. Aquela velha
danada. Me fez vender a fazenda em Contagem; hoje tem uma cidade nela.
Troquei por um sítio em Engenho Nogueira; acabaram com ele a troco de
fornecimentos de caderno que a gente nem sabe se foram anotados direito.
Nem vi. Quando dei fé, o sítio tinha ido por água abaixo. Agora D. Emília
vem com essa estória de que dar de presente é ainda melhor do que ter
propriedade. E sua mãe atrás, concordando. Quem é que pode com essa
velha?
Fomos ver um terreno em General Carneiro, mas no carro do dono;
voltamos de trem no escuro da noite.
- O terreninho é maneiro, me disse meu pai. Só que um pouco salgado no
preço. Podia dar umas boas quartas de milho...
Outro dia fomos à Esplanada. Havia uma vasta extensão de terra plana, ao
lado das oficinas de consertar trens. Meu pai parou o carro no meio da
vastidão e perguntou-me:
- Quer manejar?
Se queria! Trocamos de lugar e saí dirigindo sem problemas.
- Onde é que você aprendeu a guiar? Indagou meu pai meio surpreso.
- Olhando, uai... Vendo como o senhor faz...
Voltei para casa com o rei na barriga, espalhando aos quatro ventos que
havia dirigido. Minha dedicação à limpeza do Buick aumentou
consideravelmente. Entretanto, foi só após larga temporada que meu pai me
permitiu, outra vez, guiar o carro. Então para levar minha mãe à Escola
Normal. Ou buscá-la. Não sem antes advertir:
- Pode ir... mas com cuidado, hein? (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.70-71).
Um espelhamento singelo nasce em Sylvio manifesto no aprender a guiar pela
simples observação da figura paterna. Mas as revelações de Salomão são denotadoras
da relação de companheirismo que se firmava entre ambos: as inseguranças, os
desejos de retorno a uma vida bucólica como na Fazenda do Gualaxo, os confrontos
com a sogra pela autoridade diante da família. Em certa situação, foi mais explícito em
suas confidências:
315
Meu pai havia trazido, de Ponte Nova, presentes em ouro para todos.
Pulseira para Rosa, brincos para Maria e não-sei-que-mais para os outros.
Não esperava participar da história mas, entre surpreso e frustrado ao
mesmo tempo, ganhei um par de abotoaduras, não usáveis, por carecer de
camisas delas necessitadas. Em curta viagem a Ouro Preto, com meu pai,
perdi-as irremediavelmente, em uma fresta do soalho, na casa de meu tio-
avô Diogo, da chácara de Água Limpa. Como meu pai me ocupava com
referências ao tempo em que vivera em um cômodo mínimo no porão da
referida casa, onde começara a estudar taquigrafia e a enfrentar a vida
sozinho, não tive lazer para intensificar minhas buscas, e as abotoaduras lá
me disseram adeus.
- Quando eu estava crescidinho, no Gualaxo, minha mãe embrulhou minhas
roupas, preparou-me um embornal de matalotagem e me disse: meu filho,
vai para a casa de seu tio; lá você pode estudar e ir para frente, contou-me
meu pai. Peguei meu burrinho e a trouxa de roupa, continuou. Vim morar
neste quartinho aqui, onde comecei a estudar as primeiras letras. Foi aqui
que aprendi taquigrafia para ganhar meu primeiro emprego no senado.
Meu pai não escondia a emoção e eu percebi uma tristeza cansada
umedecendo-lhe os olhos.
- Um catre tosco e uma mesinha com um toco de vela para estudar de noite
quando trabalhava de dia. Foi assim que tirei meus exames, juntando cada
pataca ganha para trazer minha família para a cidade. Os primos na
patuscada e eu aqui sozinho...
[...]
Meu pai passava as mãos sobre as paredes, descansava-as no peitoril da
janela, como um cego reconhecendo o ambiente. Pela maneira pela qual
me falava eu não podia assegurar se rememorava amarguras ou se
confirmava saudades.
- Pois é; esse era o meu quartinho... disse cortando a cena como se
despedindo-se dela para sempre.
Voltou-se em atitude de determinação, e saiu porta afora. Um tanto
envergonhado, talvez, de haver-se revelado em emoções que teria preferido
guardar para si mesmo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.110).
Verdades de expressão como estas nos indicam que a figura de Salomão origina,
em Sylvio, um sentido de humanidade e de identificação com o outro. Sylvio faz sua
“opção pelos pobres”, ou pelos menores:
Verifiquei que minhas emoções eram bem mais sensíveis a derrotas do que
a vitórias. Maria do Amparo, na pobreza da mãe costureira, tocava-me
muito mais do que a neta do herói da guerra do Paraguai, como a mãe
imaginava. O pé-no-chão descuidado de Luisinha, mais do que o enfático
orgulho de Kília, sobrinha do Presidente do Estado. O resignado esforço de
meu irmão Paulo, mais do que as vantagens obtidas por meu irmão Décio.
Isso, talvez, porque eu mesmo me sentia abandonado e sem rumo, sem
vitórias a comemorar, identificando, assim, meu fracasso com fracassos
alheios.
Por estranha contradição, não me impressionavam, igualmente, as grandes
tragédias. No cinema, por exemplo, ou nos romances, a morte de heróis e
heroínas não me abalavam absolutamente. Nem expectativas de terror,
assassinatos ou situações dolorosas. Facilmente as entendia como ficção.
O que me punha incontíveis lágrimas nos olhos era cena na qual se
reconhecia, afinal, os méritos ou a inocência de alguém anteriormente
incompreendido ou condenado. Aí, nem por ser ficção, deixara de comover-
me. Evidentemente porque me identificava com o personagem, aspirando,
315v
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355
316
com todas minhas forças, que meus méritos fossem, também,
reconhecidos. O que nunca me acontecia. A partir de meu esforço por obter
o reconhecimento de minha mãe com meu catolicismo, todas minhas boas
intenções haviam dado com os burros n’água. Não me restava outra
alternativa senão a de reconhecer que entre o mérito e o aplauso abriam-se
abismos de mistérios; a verdade e a lógica não passando de aparências.
Circunstâncias constróem a vida; não a vontade humana. Neste caso, o
melhor seria deixar o barco correr. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.208-209).
Nesta valorização do cotidiano regrado, permeado por esforços contínuos,
antecipamos uma visão humanista.
Humanitas, para o mundo antigo, era mais ou menos o que distigue o
homem do animal, e a noção acaba por identificar-se com aqueles que
podemos definir como os valores da civilidade. Uma vez que não se duvida
que tais valores tivessem sido realizados e fixados pela primeira vez pela
cultura clássica, se pensava que os estudos humanístico se valessem para
manter viva a memória daquela cultura. (GOMBRICH, 1985, p.15, tradução
nossa)
81
.
Entretanto, trata-se de valores universais e atemporais, aqui revividos por nosso
autor nos sentimentos aprendidos em família, a base da organização de uma sociedade
mais justa e fraterna: o servir ao público, o respeito, a moral e a verdade, a amizade e o
companheirismo, a identificação com o outro e o sentimento de coletividade. Onde estes
valores inexistem ou não são plenamente exercitados, há ruína.
Ambroggio Lorenzetti (c.1290-c.1348) bem sabia desta condição quando pintou,
entre 1338- e 1340, sobre as paredes da Sala dei Novi do Palazzo Pubblico de Siena os
afrescos alegóricos do bom e do mau governo. A disposição dos painéis em sentido
longitudinal, frente a frente, e em posição elevada em relação ao olhar do espectador
estabelecem uma dominância no espaço, e bancos ao longo destas paredes convidam o
cidadão sienês a refletir sobre sua própria condição de participação para a construção
da glória de Siena diante das demais cidades da Toscana. O bom governo é construção
coletiva. E os afrescos configuram uma alegoria ao pertencimento dos habitantes a uma
esfera maior, a cidade.
Deve-se ter em conta que há animais solitários e gregários. O homem é,
eminentemente, gregário. A situação de pertencer a um grupo lhe é
indispensável e este grupo é, primariamente, sua família estendida; depois,
81
Humanitas, per il mondo antico, era più o meno ciò che distingue l’uomo dall’animale, e la nozione finì per
identificarsi con quelli che possiamo definire i valori della civiltà. Poichè nessuno dubitava che tali valori fossero
stati per la prima volta realizzati e fissati dalla cultura classica, se pensava che gli studi umanistici valessero a
tener viva la memoria di quella cultura.
316v
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357
A Sala dei Nove do Palazzo Pubblico de Siena é composta por quatro grandes painéis, cada um
deles representando uma alegoria. Os grupos dividem-se em alegorias positivas, ligadas ao “bom
governo” e negativas, onde reina a tirania, aqui apresentadas pela “Alegoria do Bom Governo”, “A
vida na cidade. Efeitos do Bom Governo”, “Efeitos do Bom Governo no campo”, “Alegoria do Mau
Governo e efeitos do Mau Governo na cidade”.
317
compõe-se dos companheiros de trabalho ou profissão, dos amigos
permanentes, do clube de futebol para o qual torce, de sua cidade, de seu
estado, de seu partido político. Tudo isto se dilui nos Estados Unidos em
superficialidade e formalidades que dissolvem o pertencimento. Não
envolver-se senão consigo mesmo é o sistema predominante.
(VASCONCELLOS, Não dá para entender, 1978, p.8).
Ser estrangeiro no Quattrocento significa, portanto, não pertencer a lugar
nenhum, daí a inglória posição de Leon Battista Alberti na corte papal também exilada
em Florença entre 1434 e 1436. Em Washington, Sylvio de Vasconcellos descobre o
sentido deste estranhamento:
Viver fora do país de origem resulta em muitas desvantagens. Ficamos
como árvore transplantada, cujas raízes principais ficaram no solo antigo.
Por outro lado, porém, a circunstância nos oferece, também, significativos
deleites.
Um deste ocorre quando, de súbito, recebemos carta de um amigo
supostamente perdido no tempo e na distância, nos dando conta da
persistência de uma amizade antiga que não esmoreceu com a separação.
Então sentimos que o afeto compartido não foi em vão alimentado e que a
mesma saudade que nos mantém ligados a estórias antigas, da mesma
forma fomenta recordações inesquecíveis nas pessoas com as quais outra
convivemos. É o milagre do relacionamento humano.
Outro deleite que nos é dado gozar quando estamos no estrangeiro é o
oferecido pela perspectiva, isto é, pela possibilidade de olharmos nossa
terra com maior amplitude visual e sem as distorções e comprometimentos
que uma presença próxima sempre acarreta. (VASCONCELLOS, Longe do
Brasil, 1976, p.2).
Por outro lado, o estar em terra estrangeira permite um olhar externo e
distanciado, e consequentemente revela novas perspectivas sobre o lugar de origem.
Ampliam-se os horizontes de conhecimento do mundo ao mesmo tempo em que se
constróem críticas às limitações impostas alusivamente pelas montanhas. Sylvio de
Vasconcellos alcançara uma largueza de pensamento que nos remete, ao mesmo
tempo, ao humanismo renascentista e ao universalismo moderno. Mas a Belô, não.
O importante mesmo é saber que existe um mundo cá fora. Outro mundo.
Civilização em seu mais avançado grau. Em meu caso, não foi nada que vi
ou aprendi que encantou-me, nada que fiz: foi só o conhecer outras idéias,
outras filosofias, outros padrões humanos que abriram minha inteligência
das coisas e deixaram Belo Horizonte como um capítulo longínquo da
história universal. De certo modo, sair de Belô é como usar uma máquina do
tempo e projetar-se cem anos (pelo menos) à frente. Não importa se nos
transportamos para Paris ou Nova York. Pode ser que até para Assunção
ou Costa Rica. O que importa é sair deste círculo fechado, limitado, exíguo,
de padrões congelados que ainda é o Brasil e, muito mais ainda, Minas
Gerais. Oh! Minas Gerais! E saber que existem outras idéias, outros
padrões, diferentes, vicejando neste vasto mundo. O que nos faz pensar
grande, nos abre a cabeça, como se tocada pelo estalo de Vieira.
318
Começamos a ver, a perceber a grandeza de estarmos vivos. (Vasconcellos
apud GOMES, 1998, p.4).
Por outro lado, o exílio armazena uma avalanche de sentimentos que a língua
portuguesa bem traduziu na saudade. Sylvio nunca deixou, verdadeiramente, Minas. E
quando se esgueirava por esquecer-se, lá vinha ela:
Estava eu posto em sossego, como a linda Inês de Camões, sem qualquer
despropósito de dar-me à montanha, quando esta meteu-se por minha porta
adentro, sem aviso, de sopetão. Cumprimentou minha perplexidade – Tá
bom? Tou, e você – titubeou um tantinho de indecisão e refastou a enxúndia
antigória a dois palmos de meu nariz. Vestia papel pardo, de embrulho,
amarfanhado por léguas de caminhada, mantido por cordéis não claramente
definidos se suspensórios ou cinturão.
Com seis anos de desencontros bem cumpridos, tínhamos muita conversa a
desfiar: mais eu pondo perguntas e a montanha retrucando. [...]
Vinha o sereno da madrugada (como é triste!) botando ruços em minha
janela quando eu e a montanha nos despedimos. Apenas para cozinhar as
impressões barganhadas porque, de fato, não cogitou-se de separação.
Ficou comigo, quieta e reservada como é de seu feitio, a um canto de minha
estante predileta.
Não carece vir a Washington para conhecê-la. Ubíqua, também está aí com
vocês. Basta estender a vista sobre os espigões e quebradas que vão de S.
João del Rei a Diamantina. As íngremes encostas, os vales despejados, o
casario rasteiro, as torres brancas sineiras, os brumados embuçantes, a
gente triste de andar cansado [sic]. Aí estão as montanhas das Minas,
palmilhadas, rasgadas de antigas e novas feridas, plantadas para o eterno.
São estas as montanhas que me vieram ao encontro num livro de Otto Lara
Resende. Porque estas montanhas têm uma linguagem própria. Quem vem
do arcaico do ouro, da negritude macambúzia, e da erudição iluminista. Não
é um linguajar tipificado em regionalismos, mesclado de gírias e flexões
insinuosa, dos sertões das Gerais; antes é um dizer claro e preciso,
saboroso em metáforas, especifoso e escorreito, sem torcicolos estruturais.
O dizer macio e limpo de Gonzaga, de Antônio Francisco Lisboa, de Ataíde,
tanto expresso em palavras como em cor ou pedra.
Se alguém tem dúvidas sobre a língua mineira, que leia urgentemente as
“Pompas do Mundo” de Otto Lara Resende. As Minas não existem mais:
dêem-se pressa. Porque dentro em pouco até sua memória se perderá
inumada em contrafacções. Então o livro de Otto será uma relíquia.
(VASCONCELLOS, “As pompas do mundo” numa língua mineira, 1976,
p.2).
Otto Lara Resende faz ressurgir as montanhas, ícone explícito das Minas. As
“Pompas do Mundo” carregam os elementos da tradição barroca – erudição, síntese,
circularidade – e convertem-se em monumento às Minas. O moderno, como em “Grande
sertão: veredas” (1956), opõe-se ao arcaico, que solapa o sentido de mineiridade
investigado por Vasconcellos.
Minas hoje já não existe; mineiridade é apenas uma glória de nosso
passado. Pois que as Gerais, e os geralistas, a sufocaram com a própria
mediocridade, cada vez mais sufocante, ofuscante, ostensiva. Onde as
319
ambições mais abjetas, a calúnia, a intriga e vaidades canalhas proliferam,
gordas da deglutição do próprio excremento que produzem.
[...]
Mas como lhe digo agora, acima de toda a abjeta canalhice sobrenada a
história e é a ela que me recolho, nela me contentando. Porque em meio ao
joio vicejante em sua efemeridade, germinam também as sementes do trigo
sadio que mais cedo ou mais tarde florescerão. (VASCONCELLOS, Carta a
Pérides Silva, 14.06.75).
Para aquém dos significados alegóricos impressos por Guimarães Rosa, Sylvio
redireciona sua crítica às circunstâncias políticas que o fizeram deixar Minas. O amor
por sua terra converte-se em ódio à ruína que fizeram das Minas e seus valores.
Momentaneamente.
O amor que cada terra inspira a seu povo é vário e singular. Um se exalta
de glórias pregressas, outro se sustenta de exuberâncias; esse de vaidades
se alimenta, aquele de riquezas se influi. Amor é coisa de dois, e sua
constituição de dois caracteres se forma o chão e o homem. O amor dos
mineiros por seu berço é por princípio, discreto e pudonoroso. Entretanto,
profundo. Nasce de uma intimidade respeitosa que não admite prepotência
e extroversão gratuita. Um jamais se coloca à disposição do outro, em
desfrute. Completam-se.
[...]
O mineiro se põe a planejar e se entrega inteiro à sua terra. É violenta e
áspera, sim, inconquistável. Contudo é ela a bem amada. Em outros trechos
morrem ondulações, perdem-se nos chapadões – eis as gerais. São
campos lisos, chatos, parados, com serras muito longe a lhes dizerem
adeuses. De raro em raro uma capoeira cujas árvores se retorcem em
protesto contra a planura. O homem sente-se senhor da calmaria. Falta-lhe
aconchego, acolhimento talvez, a terra está vazia de oferendas. [...]
Não há, no mineiro, razões de amor por sua terra. Quando, por ventura,
ocorrem, não se dispõe a reconhecê-las. Seu coração tem razões próprias,
irreveláveis, que a razão desnecessita aceitar. Por isso é cauto em
extroversões. Jamais canta encantos de sua terra amada. Antes os
negaceia, renega, protegendo-lhe os méritos. Não pretende que sejam por
outros captados. É coisa sua, intransferível Pouco importa que zombem
dele, lhe encontrem maluco ou pouco exigente. Seu amor pelo que é seu só
lhe diz a ele respeito. Sabe como gozá-lo na cisma calada das noites de lua
ou no andejar compassado em solidão. É amor que não se exprime em
palavras nem se perde em sofreguidões. O mesmo mistério que se esconde
no silêncio das pedras, traz ele, consigo, no coração.
[...]
Quando o mineiro zomba de sua terra não é, pois, por desprezá-la. Muito ao
contrário, é por amar ao desespero o chão que lhe pertence. Deixa-o com
freqüência, por necessidade insuperável e, lá fora, adapta-se integralmente
ao novo ambiente. Todavia conserva-se para sempre amante insatisfeito, e
sua personalidade decorre dessa insatisfação contida. Transforma-a em
maneira de ser particular. Imprime ao comportamento e à ação os traços
indeléveis de seu amor. Transforma-o em símbolos, abstrai-o, transmuda-o
em presença invisível que se afirma em cada gesto ou palavra.
Como à mãe, não a ama por ser bela ou notável. Ama-a simplesmente por
tê-la como mãe e jamais se convida a justificar tal amor. Existe,
simplesmente, como atributo intrínseco do próprio ser. A despeito de erros,
equívocos e desrazões. (VASCONCELLOS, De como Minas Gerais se
deixa amar..., 1967, p.5).
320
7.3. O negro e a prostituta
Por entre as luzes que o vento atormenta
A Prostituição pelas ruas se acende;
Ela abre as suas entranhas feito formigueiro;
Por toda parte irrompe oculto caminheiro,
Como um inimigo a tentar um golpe de Estado;
Ela remói no seio desta cidade de lama,
Verme a roubar do Homem o que quer que ele coma.
(Baudelaire apud BENJAMIN, 1990, p.108).
Os valores humanos expressos por Sylvio de Vasconcellos revelam uma
consternação pela condição pouco gloriosa da vida humana. Em face a figuras públicas,
personificada no tio Diogo, deixa-se embevecer por gente simples; costureiras e
mocinhas da roça ocupam o lugar dos heróis. Faremos aqui uma reflexão mais puntual
sobre este tema, enfocando grupos sociais marginais: os negros e as mulheres.
Os negros estão frequentemente presentes nos textos de Vasconcellos, quer se
trate de tema acadêmico, como sua tese de cátedra, de crônicas do cotidiano,
vivenciadas no exílio em Washington ou de reflexões memorialísticas. É perceptível,
contudo, uma certa ambivalência no tratamento deste grupo social, que oscila entre o
conservadorismo da historiografia às relações afetivas.
Em “Arquitetura particular em Vila Rica” (1951), obedece a uma concepção
conservadora – poderíamos dizer ultrapassada – sobre o negro nas Minas no século
XVIII:
Juntam-se a estes [portugueses aventureiros e sujeitos das mais variadas
origens] os negros, em grande número, trazidos à força, prontos à rebeldia,
fugindo para os quilombos, embriagando-se nas vendas e, vadios depois,
pela falta de trabalho, na decadência das minerações. (VASCONCELLOS,
Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.34).
Vemos que uma visão negativa do negro alterna-se a uma explicação romântica
para o comportamento dos negros enquanto grupo social, expresso na referência aos
quilombos. O negro é, ao mesmo tempo, o rebelde fujão, o vadio embriagado, e o
homem livre, e nesta condição – pouco explicitada pelo autor – ultrapassa sua condição
marginal. Vasconcellos entende que o contigente populacional negro e mulato nas
Minas setecentistas contribuiu para a conformação da sociedade mineira, mas ao
destacar “[...] suas tendências desordeiras ou supersticiosas [...]” (VASCONCELLOS,
Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.39), não nos permite identificar claramente
321
se a “[...] singular constituição [...]” (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila
Rica, 1951, p.39) conformaria um dado positivo ou uma resignação.
A sociedade do século XVIII, a despeito do imenso número de mestiços, é
revelada como uma sociedade polarizada entre grupos sócio-raciais: brancos,
comerciantes, burocratas ou letrados, de um lado; negros, pardos e mulatos, mão-de-
obra para todo serviço, da cata e da lavra, à fatura das obras de arte nos edifícios
religiosos. Se não há possibilidade de integração, artifícios são elaborados para simular
uma igualdade, nos revela Vasconcellos:
Os homens de cor, imitando como podiam, os grandes do lugar, tinham
suas festas à parte, em geral religiosas também, a que não faltavam por
vezes, memorações de passadas glórias como os reisados e congadas ou
reminiscências de cultos pagãos. (VASCONCELLOS, Arquitetura particular
em Vila Rica, 1951, p.40).
Uma expectativa pelo enobrecimento local – talvez mais do que uma
reminiscência de uma “realeza” em África – não configura, ao olhar de Sylvio, uma
cultura própria – e diversa da erudição européia – mas uma folclórica imitação. Sob este
aspecto, cabe lembrar que o tema das manifestações folclóricas é um dos alvos
preferenciais de Mário de Andrade (1893-1945) na elaboração do projeto para a
constituição do serviço de preservação do patrimônio federal. Logo, poderíamos aferir
que a conotação folclórica aqui indicada reveste-se de um valor positivo, que supera o
sentido de imitação presente na escrita. Aqui reside, sem dúvida, uma ambivalência. O
maior enobrecimento, contudo, reside no fazer.
Será interessante salientar igualmente a predominância de mulatos nas
artes plásticas mineiras, na 2ª metade do século XVIII, predominância essa
que pode ser atribuída, não só à herança que traziam de seus
antepassados negros, mais dados talvez às artes que os portugueses,
como também à condição social que desfrutavam, isto é, livres para a
obtenção de serviços e não sujeitos às limitações que impediam, no geral,
os brancos, de se dedicarem a trabalhos manuais. (VASCONCELLOS,
Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.101).
Foram os mulatos, na visão modernista, os responsáveis pela elaboração do
diferencial estético no Rococó mineiro, obscurecendo, com vimos anteriormente, a
importância dos agentes portugueses responsáveis pelo trânsito cultural. Guardadas as
limitações impostas pela construção do ideário modernista, devemos lembrar que os
ofícios são atividades reservadas aos sujeitos sem distinção, brancos ou de cor, e os
mulatos livres perceberam nesta lacuna uma possibilidade de qualificação social que os
distiguisse dos negros escravos. “Aliás os preconceitos da época não enobreciam o
321v
358
322
trabalho, principalmente o manual, reservado aos pretos. O branco honrava a
ociosidade, os postos de direção, o comando.” (VASCONCELLOS, Arquitetura particular
em Vila Rica, 1951, p.56).
A visão romântica do negro, originada ainda no século XIX com os movimentos
abolicionistas, e somada ao construto do “mulato genial” pelos modernistas, entra em
confronto com o conservadorismo arraigado de nosso autor.
Joaquim nos revela a permanência da condição de servidão a que os negros e
mulatos permaneciam submetidos, mesmo depois de 1888. Podemos ver um Joaquim,
retratado por Marc Ferrez no final do século XIX no Rio de Janeiro. O negro na
metrópole é ainda figura marginal ligada aos mais diversos labores. Seu papel na
sociedade ainda conservava-se inalterado: responsável pelos trabalhos pesados
(plantio, rega, talha da lenha, amolação de facas) e pela venda do excedente produzido
nas residências. Descalço, analfabeto, desprovido de bens e direitos; ou então pela
carga e descarga, pelo lustre dos sapatos...
Nesta área, com seu pé de sabugueiro, Bilontra, a cachorrinha branca sem
rabo, e canteiros de alfaces e repolhos, reinava a figura extraordinária do
cozinheiro Joaquim. Preto, alto e forte, tanto mexia panela como lavava
soalhos; tanto plantava verduras como as vendia pelas ruas, em balaios
pendurados dos grossos braços, ou gamela equilibrada sobre a cabeça. (...)
Quando podia, sentava-se nos degraus de saída da cozinha para ler jornais.
Era do que realmente gostava. Embora não soubesse escrever.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.1-2).
O que torna Joaquim excepcional é sua força física e sua capacidade de
trabalho. Trabalho este diverso dos demais empregados domésticos. Joaquim e
Olímpia, portuguesa de louras tranças e brincos reluzentes, não fazem parte da mesma
categoria profissional e as relações familiares assim denotam.
Joaquim servia o jantar. Na cabeceira, meu pai. Minha mãe em seguida,
com Olímpia no meio das crianças. Arroz e feijão, carne, legumes, alface de
entremeio. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.1).
Vasconcellos deixa transparecer os valores conservadores dos quais estava
imbuído quando se defronta com os problemas raciais nos Estados Unidos, aflorados na
violência urbana. A análise de nosso autor sobre o assunto é superficial, não discutindo
as razões e as origens deste fenômeno, e referindo-se ao racismo exarcebado, em
especial nos estados sulistas, com excessiva parcimônia.
323
Não se pode negar, entretanto, que problemas raciais também estejam por
detrás da violência americana persistente. Anos atrás eram os brancos que
linchavam pretos, principalmente no Sul, por dá-cá-aquela-palha. Com as
sucessivas leis de proteção às chamadas minorias raciais, foram os pretos
que passaram à ofensiva, numa espécie de vingança retardada que a
sociedade inteira esforça-se por compreender e aceitar como natural. Não
se pode esquecer que há menos de vinte anos atrás, muito tempo depois da
abolição da escravatura, pessoas de cor ainda não podiam entrar em muitos
lugares públicos e, em outros, só tinham acesso a áreas determinadas.
(VASCONCELLOS, Os norte-americanos vivem um novo drama..., 1974,
p.6).
Antes, Vasconcellos inverte o sentido de racismo, colocando sobre os negros tal
atitude. Critica a legislação de proteção às minorias raciais, argumentando que ela é
discriminatória, no sentido que obriga a “[...] mistura racial irrealística e contraproducente
[...]” (VASCONCELLOS, Os norte-americanos vivem um novo drama..., 1974, p.6),
incorporando a perspectiva do norte-americano branco, em que a eficiência do trabalho
é o valor preponderante. Para Vasconcellos, o tema das relações raciais não é um
problema existente no Brasil, onde o assunto foi resolvido de modo “amistoso”, para não
dizer “íntimo”.
Para quem vem do Brasil, onde realmente não há racismo visível, onde as
leis são iguais para todos, mas que não concedem privilégios especiais a
ninguém em consequência de sua cor, e onde não se obriga, não se coage
ou se impõe convivências e misturas que não aquelas espontaneamente
formadas, o problema racial americano parece difícil de compreender e
aceitar. Especialmente a atitude dos pretos com relação ao assunto.
Pretender que os brancos paguem hoje, pelos excessos cometidos contra
os escravos, por seus ancestrais, é uma idéia que escapa à nossa
imaginação.
Felizmente para nós, brasileiros, problema racial sempre se resolveu e
sempre se resolverá com amor. Especialmente aquele amor que vai
espalhando barrigudinhos de meios tons pelo País afora, únicos capazes de
eliminar de vez as chamadas confrontações raciais que tanto afligem ainda
os Estados Unidos. (VASCONCELLOS, Os norte-americanos vivem um
novo drama..., 1974, p.6).
Sem dúvida, as opiniões de Vasconcellos sobre o tema são conservadoras,
típicas de uma escritura “branca” e letrada. Mas, em “Vamos conhecer o Chile lindo”
(1967), quando questionado sobre o tema, Sylvio aponta, para o espanto de sua
audiência igualmente não-miscigenada – neste caso com os índios – que o Brasil é
mestiço. Em 100%, e que o próprio autor participa desta mestiçagem, da qual o melhor
fruto foi o Aleijadinho.
Também a prostituição é tema que exige um acurado olhar, pois faz distinguir em
Sylvio de Vasconcellos preconceitos e uma moral conservadora que se alternam de
modo ambivalente à crítica sobre a hipocrisia da sociedade frente à exploração sexual.
324
A primeira experiência frente à prostituição, narrada nas memórias, revela de imediato
uma segregação presente no espaço. Em primeira instância, no espaço urbano, na
configuração de uma zona de meretrício “interdita” aos membros de boas famílias; uma
interdição às avessas pois somente seria possível às prostitutas ascender à cidade – em
Belo Horizonte a “zona” localiza-se na parte baixa da cidade, junto ao vale do ribeirão
Arrudas, nas proximidades da antiga estação ferroviária – no lúdico e licensioso período
carnavalesco. Entre os amigos, o “sinal” para irem à zona boêmia era: “Vamos descer?”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.180). “Só a massa dos habitantes
é que possibilita à prostituição espalhar-se por extensas partes da cidade. E só a massa
é que possibilita ao objeto sexual embriagar-se nos cem atrativos que ele, por sua vez,
exerce.” (BENJAMIN, 1991, p.84).
Em segundo lugar, apresenta-se o clichê do quarto da prostituta: a penumbra da
luz vermelha, o boudoir, a origem cristã, a boneca de louça da infância nunca
alcançada, o perfume barato.
Na Praça 7 encontramos duas moças sozinha, por coincidência fantasiadas
de odaliscas, como Wanda no retrato. Responderam nossos esguichos com
outros, entre negaças e risadas. Fundamentado na boa recepção, Zé
Livramento, mais atrevido, iniciou o diálogo:
- Podemos encontrar vocês depois?
- Pode, uai.
- Onde vocês moram?
- Na Rio de Janeiro, lá embaixo...
Não percebi se Zé Livramento havia concluído alguma coisa do endereço
que a mim escapara. [...]
Deixou-me. O ar pesava do cheiro de remédio mesclado ao do perfume de
flores murchas. Mas intenso o odor de pó-de-arroz barato que, aliás, ainda
se notava nos raios de luz infiltrando por frestas da janela fechada. Uma
cômoda alta com potes e bibelôs em cima. Boneca grande vestida em cetim
rosa e verde. Na cama uma colcha de crochê e, na parede sobre a
cabeceira, um crucifixo com um cravo enfiado nos pés. Um abajur de seda
vermelha franjada, penumbrava o ambiente, do criado-mudo ao lado da
cama.
Conquanto tudo se apresentasse limpo e arrumado, o cheiro sufocava-me.
De uma doçura a um só tempo melada e ácida, colava-se em mim como
substância pegajosa, desagradável, renitente. Procurei identificá-los
separadamente, na esperança de, reconhecendo-os, fazê-los menos
desagradáveis. Desinfetante, água de colônia, álcool, pó-de-arroz, flor,
sabonete...
[...]
Percebi, então, que o cheiro do quarto me acompanhara. Estava comigo;
nas mãos, na roupa, no corpo, mergulhado em meu próprio nariz.
[...]
Não falamos de pagamento, nem de mais a respeito. Intui que, para Zé
Livramento, a aventura não passara de banal e corriqueira. Não merecia
entusiasmo. Pelo que não me atrevi a expressar-lhe o meu. Nem toquei no
problema do cheiro que ainda me perseguia.
Por muitos dias senti-me orgulhoso da façanha. Cheguei a tentar manter o
peito vaidosamente estufado como se alguma coisa verdadeiramente
importante se tivesse a mim incorporado.
325
Como o peito negava-se a manter-se estufado, desisti da empreitada e
passei-me a considerações mais prosaicas, relacionadas com minha
recente aventura. Primeiramente indaguei porque as putas cheiravam
diferente de pessoas normais. Como não obtivesse resposta satisfatória,
passei ao capítulo seguinte das doenças venéreas. A esta interrogante
possibilidade contestou-me a prudência que recomendavam-me
providências enérgicas. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.142-145).
A persistência do cheiro induz Sylvio à reflexão sobre a condição da mulher
prostituta. Poderíamos considerar o cheiro impregnado como metáfora de algo do qual
se usufrui e que se desejaria recusar, mas colado “como substância pegajosa” torna-se
parte inerente, e inevitável. Assim é a prostituição em relação à hipócrita sociedade que
a explora e que imediatamente a rejeita, virando-lhe as costas ou reservando-lhe no
espaço da cidade os cortiços marginais.
Vasconcellos discute qual a medida do aceitável para a condição de vida imposta
pela atividade. Chega mesmo a comparar cabarés a “paraísos”, considerando como
referência as animais circunstâncias do “mangue”, no Rio de Janeiro.
À tarde saímos para conhecer o “Mangue”. Pareceu-me muito pior do que
eu o imaginara com base em informações colhidas. Na verdade
assemelhava-se a um açougue de carne viva. Cubículos de madeira que
mal cabiam a cama; mulheres em camisa penduradas nas janelas e
portinhas como quartos de boi no matadouro.
- Vem, bem.
- Amorzinho, bem.
Por cima de tudo um fedor de mijo e de lodo. Vinha do canal emanações de
dejetos. Soldados, marinheiros, operários escolhendo a carne desejada, às
vezes em fila. Cinco mil réis pelo prazer de cinco ou dez minutos.
Também, o que você quer? disse-nos um garçon no botequim. – Têm que
pagar vinte e cinco por hora pelo aluguel do quarto. Não moram aqui. Dizem
que há até mulheres casadas; não garanto, mas é bem possível. Vêm
buscar o leite dos filhos. Me dá nojo. Que se há de fazer? A vida é isso
mesmo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.188).
A referência conhecida por Sylvio e seu grupo de amigos era o cabaré, também
na zona baixa de Belo Horizonte. Em ambiente refinado era possível encontrar par para
danças, assistir a shows musicais, ou bebericar (pouco, consideradas as condições
financeiras da estudantada), tudo sob os olhares reguladores da cafetina. Mas a falsa
aparência de respeito não eximia Sylvio de tergiversar sobre as motivações para a
adoção da prostituição como atividade.
Como podiam meninas passar do vestido branco, da primeira comunhão, ao
cetim da vida fácil? Por quê umas, e não outras, trituradas pelo destino?
Não mais feias; ao contrário, mais vistosas; seguramente boas
companheiras se chance lhes fosse dada. A chance ali estava: de induzir
326
homens a beber, para, depois, recebê-los na cama, gostasse ou não,
gordos e pegajosos ou esqueléticos e irritadiços.
Bem que o cabaré, por comparação, era um paraíso. Dava Madame
Olímpia a suas dançarinas casa e comida além da comissão nas bebidas. E
mais ainda: para mantê-las despertas, servia-lhes chá em lugar de álcool;
que só provavam quando algum ricaço se dispunha a pagar, por vinte mil
réis, uma garrafa de vinho branco, Grandjó, servida em balde de gelo.
Bebida picada, ou o chá das mulheres custava seis mil réis, ganhando estas
trinta por cento do consumido. Com isto podiam escolher parceiro de cama,
em condições infinitamente superiores às das prostitutas de pensões,
escorchadas pelas cafetinas e sujeitas aos caprichos da freguesia.
Não era por menos que Madame Olímpia dispunha de dançarinas tão
bonitas. Cabaré constituía privilégio disputado, atraindo mulheres de S.
Paulo, Rio e Buenos Aires, enredadas no tráfico da Migdal.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.182-183).
Nosso interlocutor passa de uma perspectiva preconceituosa e velada para uma
discussão que osicla entre o psicologismo – pouco visível, aliás
82
– e reflexões de
ordem social. Neste sentido, descreve as condutas morais exigidas pela “ética boêmia”,
que estratificavam tanto prostitutas quanto “clientes” segundo o exercício e o
comportamento.
Hortênsia seguia à risca os mandamentos da ética boêmia: qualquer
sexualidade inatural ou assentimento a sua prática, traduzia-se em
rebaixamento automático na escala de valores ou de classificação das
prostitutas. Conforme se entendiam em determinado nível, recusavam-se às
liberalidades “destas”, inferiores na escala, que se rebaixavam cometendo-
as. o escalonamento atingia seu ponto mais alto no puritanismo das
bailarinas internacionais que se ia afrouxando em descenço até as “polacas”
velhas e gordas da Oiapoque que faziam de tudo e eram até mesmo pela
clientela masculina condenadas.
Não raro chegavam a aparecer no cabaré supostas virgens protegidas por
supostas mamães. Meu irmão Décio, por exemplo, se havia apaixonado por
uma anteriormente. Estas “virgens” não gozavam, porém, de maior prestígio
entre as companheiras. Em primeiro lugar, talvez por despeito destas e,
depois, por não se ajustarem em qualquer das categorias aceitas pelo
particular consenso sócio-moral do ambiente.
Mesmo nós homens não escapávamos ao sistema: demandas sexuais
extraordinárias catalogavam-se, igualmente, em escala descendente de
classificação que da virilidade normal baixava à impotência e à veadice,
passando pela categoria dos “tarados”,conforme os pretensos entendidos
em genética misturada com psicanálise.
Rebelde a estes preconceitos que eu encontrava tão estúpidos como os
adotados pela sociedade em geral, e que permitiam, por exemplo o abraço
e o roçar íntimo de corpos, quando dançando, para proibi-los por imorais ao
cessar da música, não me pareceu a eles dever submeter-me. De resto me
haviam impressionado os comentários de Max Nordau sobre as “Mentiras
82
Igual era, nestas últimas [as prostitutas] o fácil das confissões, quando se permitiam relações não
remuneradas. Como se as confissões as justificassem ou contribuissem para o fortalecimento do suposto amor
momentâneo, só possível com a complascente compreensão do companheiro eventual. No geral as revelações
incluíam algum fundo de verdade, mas este se perdia na tessitura de estórias inventadas, tendentes a ressaltar a
virtude da confessante e sua luta contra o destino que a vitimara. Mulheres de mais baixa categoria aceitavam a
profissão sem tergiversações; no máximo ressalvavam não ser “destas” que há por aí. As de alta classe
negavam: sou bailarina; e com muita honra, diziam. Bailarina internacional, diziam os anúncios dos cabarés.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.218).
327
convencionais de nossa sociedade” e, para mim, amor entre homem e
mulher não devia ter outros limites senão aqueles fixados pelo mútuo
consentimento. Normal e inatural no caso não passavam de palavras
inventadas pela farsa humana. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.225-226).
Tal como os mulatos em esforço de distinção frente aos negros, as prostitutas,
em comum acordo com a sociedade, organizavam-se em categorias que as reduzia à
condição de putas ou elevava-as à posição de dançarinas. Mesmo empregadas
domésticas, “[...] tendo de submeter-se a deveres extra-curriculares [...]”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.227), incorporavam-se a esta
classificação moral, melhor consideradas ainda que pior remuneradas. Um episódio,
acontecido enquanto interno em São João del Rei, é esclarecedor da relação
estabelecida entre categoria e atividade:
Acompanhei a mão que ela puxava. No quartinho não havia o cheiro
complexo que tanto me perseguira, mas insinuava-se outro, de mofo. Pedi
que ficasse nua.
- Nua não; p’ra quê? Interpelou-me. – Você pensa... não sou destas não;
nunca fiquei nua com ninguém. Sou puta, mas com respeito.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.149).
O clichê, antes restrito ao quartinho da luz vermelha, impõe-se, ainda, sobre a
própria figura da prostituta. Espera-se da meretriz um comportamento e uma aparência.
Quando estes atributos não são visíveis, promovem confusão mental, embora também
sirvam para a categorização. Em Lagoa Santa, Elza e Josefine elucidam a questão:
Veio daí que, não me bastando o romance epistolar, insinuei-me com
Renato no meretrício, onde Elza agarrou-me. Não era mulher de porta
aberta porque um ricaço local a tinha como manteúda. Vestida, podia
passar por dona de casa, tal sua discreção e boas maneiras.
[...]
Fora da cama, onde também não brilhava, Elza lembrava-me mais mãe que
amante. De prostituta não tinha nada. Não se parecia, de maneira alguma,
com minha mãe, mas podia ser qualquer mãe, muito mais afeita a criar
filhos do que a fazê-los. Todavia, no deserto de mulheres viáveis da cidade,
Elza não deixava de ser, para mim, um achado.
Também achado, e neste caso bastante curioso, foi uma preta de corpo e
feições realmente esculturais que rondava o largo da matriz em certas
noites. Cismara que era mais bonita que Josefine Baker, da qual adotara o
nome. Excitava-me, e a Júlio, com exibições de coxas e seios, com meneios
e apalpadelas, pondo-se arrepiada e a tremer, inclusive batendo, entre si os
belos dentes. Não pudemos, eu e Júlio, acreditar que existisse tamanha
sensibilidade; o espetáculo devia ser fruto de fingimento bem estudado.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.164-165).
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Vasconcellos irá, ainda, discutir o problema sob a ótica da exploração sexual.
Espanta-lhe, já no exílio, o estabelecimento de uma relação de consumo para com o
sexo, enfatizado pela publicidade excessiva, “[...] mola essencial e eixo do consumo.”
(VASCONCELLOS, Mesmo no olhar dos anjos, o sexo está presente, 1970. p.5). Este
estupor talvez se deva, em parte, à liberação sexual, tema da revolução comportamental
vivenciada nos anos 60, mas sobretudo ao entendimento de que sexo e amor são
relações íntimas entre dois indivíduos.
Claro é que, dentro do pragmatismo americano, o assunto [sexo] passou
imediatamente a ser explorado em termos industriais e comerciais.
Empresas se organizaram para extrair lucros possíveis do fenômeno
[liberação sexual], atendendo à demanda do mercado. Uma curiosa
iniciativa nesse sentido traduziu-se na criação de “casas de massagens” e
“casas de saúde”.
De súbito centenas, milhares destas casas começaram a aparecer em todo
o país. À pessoa inocente pareceria que o americano estava
tremendamente preocupado com banhos, saunas, ginásticas e etc. A
verdade, porém, é que a finalidades destas casas é completamente
diferente daquela que aparece no título. Em realidade o que anunciam é
simplesmente prostituição. E parece que pela primeira vez no mundo
ocidental se utilizam jornais, revistas e até as páginas amarelas dos
catálogos de telefones para anúncios desta natureza.
O senso prático do americano persiste. Há produtos e a oferecer e há
mercado de consumo. A solução é anunciar.
[...]
Há anúncios que são mais chamativos. Um deles se refere a “delícias do
inferno”; outro anúncio, preços mais baixos; informa um que “cavalheiros
mais discretos podem entrar através de um hotel ‘conhecido’”; esclarece
outro que está destinado a gentlemen que sabem como relaxar bem. Há
anúncios oferecendo serviços de moças orientais; outros dizem que “Nós
necessitamos de você e você gostará de nós”.
O curioso é que em grande maiores as casas anunciadas aceitam cartões
de crédito, tais como “American Express”, “Diners” ou “Bankamericard”.
Muito cômodo e prático. (VASCONCELLOS, Estamos oferecendo mulheres
lindas..., 1973, p.1).
O corpo feminino é explorado de modos diversos, “[...] transformado em objeto
que envolve todos os produtos postos à venda, sejam bebidas, fogões, viagens, ou
discos.” (VASCONCELLOS, Mesmo no olhar dos anjos, o sexo está presente, 1970.
p.5). A típica invenção norte-americana para a estimulação do consumo através do
corpo são as “go-go girls”, que mecanicamente exibem-se ao som do último “hit” para
uma (nem sempre) desatenta platéia, que como no cabaré de Madame Olímpia
consome bebidas.
Pouca atenção se presta à vênus dançante. Que por sinal é linda, sim
senhor, para não dizer perfeita em suas divinas polegadas.
Fico com um olho no prato e outro nela, que não tenho sangue de barata
nem estou acostumado a estes acepipes ou sobremesas. E me ponho a
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pensar sobre o que levaria moça tão linda a este tipo de trabalho,
filosofando, também, sobre a injusta indiferença humana ao espetáculo da
beleza exposta.
[...] Pois que go-gôs, nuas ou não, são apenas espetáculos. E nada mais.
Como um objeto engraçado ou estátua de sal. (VASCONCELLOS, Go-go
boy, 1975, p.6).
Na Place Pigalle, o produto-sexo é comercializado a ponto de converter-se em
atração turística. O turista comum, apressado em suas visitações ou preocupado com
suas compras – a mercadoria ali não é seu alvo de consumo – não percebe Pigalle em
plenitude. Mas o turista-flâneur, este sim é capaz de reconhecer, imiscuindo-se na
marginália, as relações humanas conflituosas que envolvem a prostituição.
Le Monde, grita um jornaleiro. Já anoitece. Pode-se investigar Pigalle. Não
é jamais, o que se pensa. Lembra muito uma Lapa de outros tempos ou a
Praça Tiradentes, maior. Ainda ao lusco-fusco do anoitecer, é feia e
desimportante. Suja. Pobre. Ainda não se acenderam os anúncios
luminosos, mas já funciona desde o meio dia. Strip-teases contínuos.
Mulheres correm de um a outro cabaré, onde se desnudam mecanicamente.
Mulheres percorrem cafés. Há, no meio, um parque mirim de diversões
quase infantis e um mercado de flores. Depois as luzes se acendem e o
escuro esconde a pobreza. Começa o movimento dos forasteiros. O melhor
é quedar-se a gente quieto, apenas urubuservando. Para isso são mitos os
cafés. Vai a noite adentrando e as coisas acontecendo. Casais que se
beijam, cochicham, vão e vêm. Podem-se imaginar histórias: gigolôs e
gigoletes, dramas, tragédias, anedotas, quem sabe. Em dois ou três idas já
se conhecem os habitués, o garçon, o dono na caixa. Uma palavra aqui,
amável, outra ali. Crescem intimidades, enquanto a música flui de máquinas
brilhantes.
Uma moça nos conta que o marido a obriga a prostituir-se, chantageando
com o filho. Outra mantém sonhos de retirar-se para uma vida tranquila no
interior, tão logo amcalhe economia. O garçon é argelino e conhece Pelé, o
dono é de Marrocos e se diz exilado político. Nas mesas ocorrem pretos
retintos de Gana e Guiné, abraçados a louras alvíssimas da Suécia que, no
geral são turistas. (VASCONCELLOS, Três maneiras de viajar tendo Paris
como exemplo, 1967, p.2).
Na hipócrita sociedade denunciada por Vasconcellos, a prostituta é a antítese do
esperado e conservador papel destinado à mulher, mãe e esposa. Sylvio também se
espanta com esta estereotipação, representada pela resignação quieta da avó Maria
Madalena.
Depois apareceu minha avó Madalena, com a filha Lulu. Era tão pequenina
como a outra avó, Emília, mas muito mais frágil, delicada e discreta. Tinha
os olhos muito azuis e podiam-se ver, sob a pele das mãos, o inchado das
veias. Falava muito pouco, apenas respondendo ao que lhe era perguntado.
A maior parte do tempo ficava sentada imóvel, magrinha, na beirada da
cadeira, sem mesmo encostar-se ao espaldar.
[...]
Minha avó pacientemente esperando. Tomava o café que lhe davam com o
pires junto ao queixo para evitar alguma gota perdida. No almoço e jantar
330
movia constantemente o garfo sobre o prato, ajuntando e espalhando a
comida como se procurando pedrinhas no arroz que não eram raras.
Vovó Madalena vestia-se de preto por inteiro e não discutia como a Emília.
Aceitava tudo o que lhe era dito com uma docilidade impecável. De fato
obedecia. Para mim a inesperada inversão na hierarquia da obediência me
espantava.
- Sim senhora, mãe, ‘tá certo; vou fazer, concordava sempre mamãe com
minha avó Emília.
- Pois bem, meu filho; como você quiser, contestava minha avó Madalena a
meu pai.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.33).
Maria Madalena inverte o conhecido papel feminino, pois para o menino Vinho, a
figura da mulher trabalhadora estava presente em casa através da mãe. A musicista e
professora da Escola Normal fora encarregada de, juntamente com o professor Arduíno
Bolivar, organizar uma coletânea de canto orfeônico para o governo federal, a ser
implementado nas escolas públicas. Incorporou-se na vida familiar o trabalho diverso do
trabalho caseiro, visível no volume de material a organizar, selecionar, transcrever,
enviar, receber, corrigir, reenviar. Salomão, de provedor, passa a auxiliar, ainda que
eventual, da tarefa.
Em casa cada um continuava a fazer o que lhe competia. O volume de
papéis manuseados por minha mãe havia aumentado consideravelmente.
Passava horas, noite a dentro, com eles espalhados sobre a mesa, muitas
vezes com meu pai ajudando a anotá-los, distribuí-los em grupo, rasgá-los.
Levava-os ao piano, dedilhava, escrevia neles.
Dr. Arduino [Bolivar], gordinho e calmo, aparecia para ajudar. Rosa me
disse que minha mãe estava fazendo uma coisa muito importante para o
governo, um livro de cantos para os meninos dos grupos.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.30-31).
Branca incorpora o novo papel da mulher na sociedade em transformação, o que
possibilitará, mais tarde, uma mudança na condição feminina por meio da autonomia. A
mulher redesenhava a figura materna que tradicionalmente lhe era destinada.
Por que razões voltaria-se Sylvio para temas tão marginais: o negro e a mulher,
esta última condicionada ao papel de prostituta ou de esposa-mãe? Afinal, para o
humanista, seria de se esperar um voltar-se para o exemplar na vida citadina.
Baudelaire afirmava que
[...] há temas da vida privada que são muito mais heróicos. O espetáculo da
vida mundana e de milhares de existências desordenadas que vivem nos
subterrâneos de uma cidade grande – dos criminosos e das prostitutas – a
Gazette des Tribunaux e o Moniteur provam que apenas precisamos abrir
os olhos para reconhecer o heroísmo que nos é peculiar. (Baudelaire apud
BENJAMIN, 1991, p.102).
331
Para o poeta oitocentista, o herói é o sujeito que se descola da massa. Podemos
subentender que Vasconcellos vê no menor, no indigente, no marginal um contra-
espelho para o herói, em circunstância semelhante elaborada para o casario frente ao
monumento. Não se descarta ou se oculta o menor – homem ou edifício – mas este é
elemento que se presta a demonstrar os valores significativos para a nação que se
pretende construir.
CAPÍTULO 8
“TEMPO SEMPRE PRESENTE”
333
8.1. Lembrança, esquecimento e ficção
Memória. Sei que memórias só se justificam quando escritas por figuras
excepcionais que, por uma razão ou outra, atraíram a atenção pública,
interessada, então, em conhecer segredos e confissões do herói. Memórias,
em geral, contam êxitos e justificam atitudes. Reconstroem méritos, próprios
e de amigos, para o aplauso merecido.
Estes não são os objetivos de minhas memórias. Em primeiro lugar porque
não há herói a cantar. A história é banal. Como a de qualquer pessoa que
apenas viveu. Em segundo lugar porque antes de procurarem, com esforço,
o passado olvidado, buscarão só, ao contrário, o presente, persistente, na
lembrança agora. Embora desimportante.
São memórias que pretendem ser, apenas, exemplo e testemunho do
processo de retenção e de rejeição de experiências vividas, com as quais
cada indivíduo se define. Determinadas experiências projetaram-se na
personalidade; outras não. Fatos frívolos prevalecem sobre os graves e
situações similares provocam, sempre, reações diferentes em diferentes
pessoas. Sem que o mistério destes sucessos se revelem.
Igual mistério embuça e distorce personagens no palco da memória.
Provavelmente mascara o próprio memorialista. Na fantasia do tempo,
todos os figurantes se transformam em fantasmas. Imaginados. Projeção do
pensamento, certamente diferem por inteiro dos modelos reais que
pretendem retratar. E nesse sentido, memórias, especialmente estas,
embora com nomes identificáveis, são pura ficção. Invento. Fatos também.
Sem outro apoio senão o de minha exclusiva imaginação, onde cenas e
gentes se movimentam, como em teatro de fantoches, em função de meu
particular entendimento e suposições. Pois que “penso, logo existo”, mas
não sei quem sou. Muito menos como são os outros. Ou o mundo.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, sp).
“Tempo sempre presente” (1976) é o texto de memórias (não-publicado) de
Sylvio de Vasconcellos. O título é per si significativo: alude a uma dimensão não-
cronológica do tempo. O prólogo, acima transcrito, abre margem para a elucidação do
sentido de memória.
O primeiro deles trata da não-excepcionalidade dos eventos. Não são fatos
heróicos, apenas o vivido. O esclarecimento necessário a seus leitores indica a
pressuposição do extraordinário, que frequentemente ronda os arquitetos, dos quais
sempre se espera a opera prima, o projeto perfeito, neste caso, uma vida inconteste em
excelências e virtudes. Não é assim.
O arquiteto é homem imperfeito. Escrever suas memórias equivale, antes de
mais nada, a revelar Eupalinos, o arquiteto que constrói a partir de experiências
sensíveis. Ou seja, escrever suas memórias equivale a revelar a si mesmo a partir do
olvidado. Lembrança e esquecimento são as duas faces da memória.
334
Como pensar a relação entre memória e esquecimento? Em que medida se
excluem, em que medida uma supõe o outro em sua constituição? E,
pergunta mais importante: que conseqüências existem, para o pensamento,
quando escolhemos concebe-los como excludentes ou, ao contrário, como
mutuamente implicados? E, se implicados, de que maneira o estariam?
(Gondar in COSTA & GONDAR, 2000, p.35).
Neste sentido, a universalidade pretendida pelo pensamento cartesiano não se
sustenta, sendo desconstruída pelo processo que implica a rememoração: o esquecer.
É preciso esquecer para lembrar. A memória consiste em um fazer despertar do
esquecimento, que corresponde a uma “[...] ausência bem suportada [...]”, no dizer de
Roland Barthes (apud GONDAR, 2000, p.36). A memória é uma linguagem que
compõe-se da seleção e da interpretação; é liame entre o sujeito e as experiências
passadas. “O que nos sucede no trânsito de uma ponta a outra é passível de inventário
pessoal, sempre que a imagem do vivido, latente nos labirintos da alma ou patente nos
sulcos do corpo, compareça à luz da consciência.” (MITRE, 2003, p.12).
No sentido inverso, na rememoração, no trazer à tona o olvidado, diversos são os
mecanismos utilizados. Nenhum deles está diretamente relacionado à cognição racional,
mas ao um “despertar” impossível de ser controlado. Como quando diante de um naco
de goiabada.
Alcione esteve no Brasil e me trouxe um quilo de goiabada. [...]
O importante, porém, é que Alcione me trouxe uma goiabada. Não é que eu
seja diabeticamente desesperado por doces; acontece apenas que
goiabada é minha infância, é queijo de Minas em contra-partida, amigos e
bem querer muito, recebido e dado, nessa Belo Horizonte que cresceu
comigo no meio século que ficou para trás. É toda uma memória, com tal
força revelada, que anula o tempo e o espaço, colocando estórias e
personagens como uma realidade de ontem, ou de ainda hoje de manhã.
É curioso como uma ligeira provocação, um acidente ou acaso, recria junto
de nós, sem voluntário esforço, gente e fatos adormecidos em nosso
passado, com uma realidade inesperada que quase chega a assustar. A
goiabada levou-me a esta situação.
[...]
Abro a janela e tudo está branco lá fora; neva. O dia está propício para os
fantasmas de meu passado. Percebo a meu lado [...] um sem número,
enfim, de personagens que iluminaram minha vida com sua inteligência e
arte, tantos que não me alcança enumerá-los, embora esteja presentes, em
carne e osso, à minha volta. Todos eles saídos de minha goiabada, em
mágica conjuminância, e materializados ante meus olhos para dizer-me:
Olá! como vai você? Vou bem, obrigado, e nem podia ir melhor em tão
ilustre companhia.
A tarde está fria e triste. Contudo, na solidão do apartamento, estou em
festa. Há uma goiabada na mesa, consistente, roxa de vermelho, por certo
nascida e criada em minha terra. Assalto-a cuidadosamente, em
econômicas fatias. No ar vibra um samba gostoso de Vinícius. O poeta
comenta: “Você já passou um sete de setembro sozinho num porto
estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo, maestro.”
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7 de setembro ou não, o fogo é sempre o mesmo. E mais fogo seria se não
fosse a presença etérea das bem-amadas antigas, dos amigos persistentes,
da doce memória de velhas fazendas de Mariana, de lerdos bondes subindo
a rua da Bahia, das tertúlias literárias inconsequentes, das esperanças e
desilusões vividas, dos plenilúnios de abril (ou são de maio?), de meu
Cruzeiro do Sul, e de meu Brasil brasileiro.
Isso se chama saudade, irmãos, acontece. A gente sente um aperto no
coração e, de repente, está cercado por paisagem ausente. Ouvem-se
vozes, percebem-se vultos, e toda nossa história se condensa em
simultâneas imagens nítidas, e materializadas numa única e abrangente
visão.
Foi o que me aconteceu quando Alcione me trouxe uma goiabada. Você
quer um pedaço? (VASCONCELLOS, Na hora da saudade, 1974, p.6).
Em Sylvio, o mesmo efeito é causado por um outro instrumento diverso. O amigo
Paulo Augusto Gomes envia-lhe, em Washington, um álbum de Milton Nascimento.
Lado A, faixa 1: MiNas. A melodia de Novelli na aguda voz do trespontano desencadeia,
por um lado, uma delicada reflexão sobre o teor erudito da música popular mineira,
sempre presente nas artes em Minas Gerais, desde o século XVIII, teoria
frequentemente defendida por Vasconcellos em seus estudos sobre o Barroco e que
agora convertem-se em fator de coalisão da cultura mineira, logo de uma memória que é
também coletiva. Por outro lado, e apoiada na atemporalidade, a música rompe também
com o espaço e aproxima novamente (ou finalmente) Sylvio e Minas, reconciliando-os.
Aliás, aqui de longe, é a música brasileira que mais me aproxima de minha
terra e mais me fala saudades. Muito mais que notícias ou palavra escrita.
Mais que retrato. Música é, realmente, a mais vívida presença que podemos
ter da pátria distante. (VASCONCELLOS, Milton Nascimento: música do
povo, erudita, 1976, p.6).
Na re-elaboração da memória, Vasconcellos revisita a Belo Horizonte dos anos
vinte. Está em San José da Costa Rica, mas vê a metrópole mineira nascente. Os
elementos do espaço, ao mesmo tempo em que são registro memorialístico, são
catalisadores potenciais para o desencadeamento do lembrar.
Ah! Belo Horizonte de outros velhos tempos! Cafés tranquilos, versos,
refrescos de canudinhos. É isso que San José, em Costa Rica, me dá de
volta. A mesma praça, o mesmo jardim, as mesmas flores, a mesma banda
através da janela igual, de onde revejo a história. De uma cidade
pequenina, província, querendo ser grande, cercada de montanhas por
todos os lados, como uma ilha.
Cada um querendo e não podendo, cada um sonhando e se vendo
acordado. Na melancolia irreversível dos plenilúnios de maio. Ou será de
abril?
E me pergunto: assim era Belo Horizonte de 30 ou de 40? Era? Ou ainda é?
(VASCONCELLOS, Viagem aos velhos tempos de Belo Horizonte, 1975,
p.1).
336
As “técnicas” mnemônicas fundamentam-se em organização e em imagens, ou
seja, em lugares da memória onde os objetos são dispostos por associação. Em
“Matéria e memória” (1999), Henri Bergson (1859-1941) afirma que a imagem se dispõe
entre a memória e a percepção. Os sentidos são, portanto, canais de recepção que irão
compor o quadro da memória e que, em experiências sensoriais similares, a farão
aflorar. A memória é cinestésica.
No meio havia um avarandado largo, aberto para o pátio ajardinado.
Manacá de flores púrpuras e brancas misturadas. Jasmineiro por cima do
banco de cimento. Doce perfume das tardes quentes. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.1).
Vez por outra, Sylvio é levado por outrem a rememorar. A cozinheira Olímpia fala
de eventos que são necessários redescobrir, e que trazem à tona consigo sentimentos
afetuosos, não sem uma melancolia de havê-los esquecido, ou deixado em perda. A
memória é saudade triste.
Fomos conversar em banco do Jardim da Glória. Contou-me que eu a
chamava Biinto e que certa vez a engodara:
- Biinto... Biinto... hein Biinto.
Quando a vira distraída – que é Vinho? Quê você quer? zás, meti a mão no
tacho de doce. Riu ainda da história para, logo em seguida, contar-me
também que fora em brincadeiras como esta que uma colherada de melado
fervente me caíra no pé.
- Ficou a marca; deve estar lá até hoje. Quando tiramos o melado ficou um
buraco em forma de coração. Até apareceram os ossos.
Ficamos descobrindo saudades por largo tempo. [...]
Achei curioso e agradável ela ainda chamar-me de menino. A mesma
pronúncia portuguesa conservada – m’nino. Tive vontade de abraçá-la,
voltando a minha infância, de dizer-lhe o quanto gostava dela, quantas
saudades me despertava. Todavia, me contive e, para disfarçar minha
emoção, levei-a a revelar-me seus planos. [...]
- Você não tem notícias de Portugal? De sua família? Não pensa em voltar?
- Não; tempo sem medida havia passado desde que perdera contato com os
parentes. Um p’ra cá, outro p’ra lá... p’ra quê voltar? (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.210-211).
Aflorada por estes vários mecanismos, a memória revela experiências de mundo,
dentre as quais as mais significativas correspondem à percepção infantil. O mundo, tal
como percebido pela criança, é um universo indomado, imenso, mas ainda por
descobrir. Sua escala não é a real, e este “gigantismo” do mundo imprime sobre a
mente em formação imagens fantásticas.
336v
363
337
A não ser Bilontra, as galinhas e as minhocas, tudo me parecia grande,
enorme, difícil. A casa e as pessoas. O torreão quase alcançava as nuvens,
as salas perdiam-se em espaço e lá fora, a rua, tinha distâncias
incompreensíveis. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.3).
Fora de minha casa havia um outro mundo. Complicado, incompreensível.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.4).
Um dia levou-me a um casarão imenso, cheio de gente circulando, com
quantidade de mocinhas, todas com saias azuis e blusas brancas. Entramos
em uma sala comprida com muitas mocinhas sentadas, em silêncio,
ouvindo, com atenção, o que minha mãe lhes dizia. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.11).
A primeira infância é lembrada com fatos esparsos, típicos da personalidade
ainda em construção: a casa, o quintal, o parque municipal, a Escola Normal, a igreja, o
natal, a primeira comunhão. A partir da segunda infância, é natural, a descrição
memorialística torna-se mais precisa ou consciente, embora em “Tempo sempre
presente” (1976), os fatos sejam ainda pinçados de um turbilhão de acontecimentos
pessoais, familiares e coletivos. Para Sigmund Freud (1856-1939), o sonho conecta-se a
uma memória latente e não a uma memória consciente, e a infância é crucial para esta
elaboração, já em idade adulta. Assim, a fantasia que fundamenta a memória como uma
ficção organiza-se a partir da percepção de mundo iniciada na infância.
O Sylvio adulto que descreve estes ambientes – do torreão como um arranha-
céu, das ruas sem fim, da floresta – sabe das reais dimensões da casa, da via, do
parque. A visita que faz à casa e aos outros ambientes de sua memória, já sexagenário,
não recompõe a escala real dos objetos e espaços. Permanece no âmbito da fantasia.
A rigor, a memória é ficcional. Por vezes, o sonho, a fantasia, o não-real – em
suma, aquilo que se recupera da memória em um sentido ficcional –, é intencional.
Permite, ainda, um apartamento das asperezas da realidade.
Desistindo do real, eu sonhava. Revivia bons momentos pregressos e
figurava posteros; eu pequenino ou maior, conforme o caso, pendurado em
mangueiras ou trançando na Avenida, dono de meu nariz. Era aí que a
corneta me sacudia. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.102).
Vasconcellos dá especial ênfase ao tema da fantasia e da imaginação, mesmo
quando se trata de textos acadêmicos. Destaca, em “Arquitetura particular em Vila Rica”
(1951), a constante presença da fantasia na cultura mineira, manifesta em lenda ou em
tradições folclóricas que a faz aproximar de suas origens.
338
Cavalhadas, com o jogo das argolinhas e a rememoração das lutas entre
mouros e cristãos, touradas e comédias atenderiam à natural inclinação dos
montanheses pela fantasia. (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em
Vila Rica, 1951, p.40).
Não podem ficar esquecidos na referência ao clima, os embuçados
notívagos, cujos vultos a bruma e os ventos desfiguram, sugerindo ao
ingênuo mineiro os abantesmas que lhe afligem a imaginação.
(VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.71).
A permanência da memória no âmbito da fantasia imprime sobre a narrativa de
“Tempo sempre presente” (1976) um descolamento em relação aos fatos históricos
presenciados por Vasconcellos. A Revolução de 30, por exemplo, é tratada como fato
esparso, apenas destacados na fala popular sobre o governador Benedito Valadares
(1892-1973), já interventor. Não analisa em profundidade a circunstância, embora aos
quatorze anos lhe fosse possível minimamente ensaiar posições, preferindo isolar-se
nas experiências exclusivamente pessoais.
É o amigo Kraiser que traz Sylvio para a realidade histórica. Em passagem
sucinta, narrando conversa acontecida entre 1934 e 1941 – período intitulado
“Juventude” – não há menção de guerra, nem de genocídio, embora haja indicação de
perseguição aos judeus. Trata-se de uma das formas de ficção da memória, em que
digressões a respeito de temas específicos – o judaísmo e o anti-semitismo, neste caso
– potencializariam uma discussão.
Perguntei-lhe a razão do sucesso judaico no comércio.
- Nem sempre, respondeu-me. - É verdade que, às vezes, a sinagoga ajuda
com empréstimos financeiros só garantidos pela palavra de honra, mas nem
assim o sucesso é garantido. Depende. Há muitos judeus pobres pelo
mundo; até miseráveis. Depois, sabemos que um dia seremos expulsos de
onde estivermos. É uma fatalidade. Dinheiro é mais fácil de carregar. Terras
ou casas se perdem.
- Mas por quê vocês conseguem progredir tanto no comércio, insisti. – Veja
em Belo Horizonte: começaram a mexer com roupa, todas as lojas, agora,
são judias; começaram a vender móveis, idem. Por quê?
- Bem: é claro que um ajuda o outro, mas isso não basta. O segredo está
em que, para nós, o preço de venda de uma coisa não tem nada a ver com
seu valor real. Depende da cara do freguês. Tanto podemos ganhar dez
vezes como perder. Evidentemente trata-se de ganhar, não é?
- E vocês não têm vergonha de explorar assim?
- Ora, meu caro, um dia seremos perseguidos, não é verdade. Temos de
aproveitar enquanto podemos.
- Mas no Brasil vocês nunca foram perseguidos...
- Não fomos, mas seremos, assim somos educados. Temos de nos
defender antes; está certo?
- Talvez seja o contrário; vocês é que provocam...
339
- E Hitler? Você ouviu falar em Hitler? (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.190).
O imaginário constitui parte do sentimento de pertencimento a um determinado
grupo social. Exprime-se através da representação, em que as formas de expressão
impõem, legitimam ou transformam uma visão de mundo. Para integrar-se a este
contexto, é preciso que também a identidade individual seja elaborada, no sentido de
possibilitar a igualdade, o ser idêntico ao grupo social.
Agora, Ferdinando morreu, isto é, desapareceu de vista. Al Capp, que
desenhou a estória por quarenta anos, aposentou-se. Não explicou que fim
reservou para Ferdinando e seus concidadãos. Deixou-os simplesmente
desaparecer de um dia para outro, no limbo das inconsequências. Onde se
deita nossa própria estória, nossa memória, no suceder do tempo. Que se
passou com o menino que era eu? Sou eu, hoje? Ou se perdeu em meras
memórias? Somos agora o que pensávamos viríamos a ser? O que somos
corresponde ao que éramos? Talvez sim, talvez não.
Talvez. (VASCONCELLOS, Meus heróis infantis, 1977, p.6).
A idéia do “eu” que elaboramos para nós mesmos é um espelhamento do outro
em relação ao qual desejamos nos identificar. O processo de elaboração da memória,
configurado a partir de seu duplo conjunto ao esquecimento, participa da construção
desta identidade ao selecionar o que nos torna iguais, ocultando a diversidade.
Esquecemos por narcisismo, por amor a essa ficção que se chama “eu”. O
eu é uma miragem, um ideal que pretende apresentar-se como a verdade
de um sujeito, recalcando, com esse intuito, aquilo que se mostra em
desacordo com o seu propósito – ou, melhor dizendo, aquilo que demonstra
a inconsistência de seu propósito. O inconsciente revelaria a alteridade de
um sujeito consigo mesmo. A fim de manter uma possível identidade (e
Freud será um grande questionador desse conceito), o sujeito esqueceria
não somente as lembranças/documentos que o colocam em questão, mas
esqueceria o seu próprio esquecimento: tanto a operação de recalcamento
quanto a resistência são, para ele, inconscientes.
O problema é que os traços inconscientes mantêm uma carga afetiva
bastante forte, e insistentemente buscam retornar, tentando vencer as
forças da resistência provenientes do eu. (Gondar in COSTA & GONDAR,
2000, p.40).
Se o “eu” é uma pretensa verdade, em que consiste a essência do sujeito? Do
inconsciente de Sylvio emergem os temas da morte, da vida e de deus.
Muito pior, então lembrei-me, do que a inconsciência imediata que me
provocara um choque com a frente de um automóvel quando eu era criança.
Não senti nada; reganhei consciência sentado no pára-choques fronteiro,
com gente ao meu redor: “está sentindo alguma coisa?” Não, não estava.
340
Só uma vaga lembrança de pancada na cabeça. Seria isso a morte? Ou a
presciência na descida do carro aparentemente em desastrre? Tão frágil a
vida, pensei. Valia a pena aproveitá-la no possível; enquanto houvesse.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.159).
“Aetas: carpe diem, quam minimum credula poster.; “Voa: aproveita o dia
presente, confia pouco no amanhã!” (Odes: I-19; Horacio). Assim Sylvio poderia ter
escrito, tal como Quintus Horatius Flaccus (65 aC-8aC). As odes são a expressão lírica
da própria vida, incarnadas no amor, na amizade, na beleza, nos prazeres – temas
presentes nas memórias e nas crônicas de Vasconcellos – mas também na inaludível
presença da morte. Contudo, nosso interlocutor prefere voltar-se para outra sorte de
especulações, em que a morte é definida como a antítese de dois elementos
fundamentais: o movimento e a sociedade.
O homem é animal gregário. Não pode viver isolado. Convém-lhe
companhia, comércio humano, tão mais intenso quão mais de curiosidade
possua, e riqueza interior para dar e receber. Inquieta-o a monotonia
permanente que lhe sufoca a sensibilidade. A mesma praça, o mesmo
banco, as mesmas flores do mesmo jardim, tudo pode ser gostosa
evocação de passadas alegrias. No entanto, só lhe compraz quando fruto
de viagens impossíveis, viagens ao passado que ficou perdido na distância.
O quadro permanente, a rotina em sucessão, o espaço estanque de um
presente contínuo, é a própria morte do espírito. Tanto asfixia a atmosfera
parada, como o tempo e o espaço imóvel. É próprio dos animais e do bicho
homem, moverem-se. Movimento os distingue dos vegetais, enraizados no
chão.
O homem anda, corre, nada, voa. Em todos os elementos se conduz. Parar
é sua angústia, prisão e tragédia. Mover-se é seu estado natural, afirmação
de sua liberdade, seu domínio sobre a natureza. Apenas, às vezes, abdica
de si mesmo, encasula-se. E se entrega à lassidão do espaço e do tempo
imutável. Nasce o sol em amarelos vibrantes, percorre o céu em toda sua
extensão. Mergulha, depois, em outros céus. Vagam a lua e as estrelas, por
caminhos indevassáveis. Cortam os ares os pássaros; tudo se agita. O
estar parado é a própria negação de viver.
Triste a existência de quem vê o tempo correr e não corre com ele, sem se
aperceber que deixou de viver. Posto em perplexidade, apenas vegeta. Não
usufrui das maravilhas que o cercam; não compreende, sequer, o milagre
do conhecer e sentir, para amar ou odiar. É ser marginal, posto de lado, a
ver a banda passar. Lá vai ela, fagueira, toando clarins. Até crianças a
acompanham em busca do ainda desconhecido. Já vai ela, incorporando
vivências, ora mergulhando em ruas esquecidas, que antepassados
longínquos percorreram, com a mesma ânsia do ignoto; ora atravessa
mares e se extasia ante pedras trabalhadas que rolaram das serras para se
empilharem em louvor dos deuses.
[...]
Bem aventurados os que têm olhos para enxergar e ouvidos para ouvir. Ai
daqueles, cegos e surdos às maravilhas. Foram construídas para o deleite
humano e são deleitosas aos que delas se apercebem. Há que romper
cadeias, partir grilhões, ultrapassar contenções. A estrada não tem princípio
nem fim e suas margens se transmudam, a cada passo, de forma a forma e
de cor a cor. Não se repetem jamais. São breves os anos de viver. O tempo
passado nos assevera de sua brevidade. Adiar é perder o irrecuperável. E
340v
364
Albrecht Dürer traduziu o sentido da melancolia nesta gravura, datada de 1514. O geômetra, ainda
que domine a matemática e as leis da física, não controla a natureza que lhe escapa.
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341
hoje já é o futuro de ontem ao mesmo tempo passado de amanhã. Vai-se a
banda ligeira, já se perde na distância. Com ela está a alegria, o sorriso, a
lembrança mais terna do instante breve e fugidio. Ficar é falecer, entregar-
se ao vazio, renegar a própria vida. Não há como seguir, inda que
regressando, para de novo caminhar, em busca das grandezas que gritam
na história, as glórias do homem.
No ficar, estiola-se a memória: as emoções se arrefecem. Perdem acuidade
os sentidos e a inteligência das coisas que oblitera. O homem está só,
incompreendendo seu destino. Invade-o melancolia invencível e o ânimo se
jugula a depressões. É a solidão, embora circundada de efervescências.
Apenas não são pressentidas, nem captadas. Perpassam imperceptíveis.
(VASCONCELLOS, Viajar é vestir camisa listrada e sair por aí, 1968, p.3).
O gregarismo apregoado em parte retoma o tema horaciano, na medida em que
a (prazerosa) experiência cotidiana não se traduz por individualismo; mas é o imobilismo
que o assombra. Há vários modos de morrer contidos no imobilismo: rotina, monotonia,
ausência de liberdade, isolamento, a imersão no presente contínuo – o avesso do
memorioso? Da ausência de movimento surgem os males da modernidade: a angústia,
a depressão, o estado melancólico – melancolia (do grego µέλας "negro" e χολή "bilis"),
uma essência nefasta que invade a mente e paralisa o homem.
Como uma pedra. Isso eu queria ser.
Deu-me a idéia uma escalada ao Pico do Ferro, com Júlio e o irmão Adolfo.
Escalada difícil, ainda de madrugada, vencendo as matas da Caixa de Areia
nos confins da Serra para enfrentar, depois, o costado íngreme da
montanha. Pedregulho preto, luzidio, torcendo os pés e fazendo-os
escorregar contra a subida. Paradas para recuperar a respiração. Lá no
alto, o pico, com sua cruz de madeira.
Então o mundo deitou-se em meu olhar. A oeste a cidade dormitando,
embuçada no arvoredo. Plana na distância, estendia-se sem limites, com os
rabos de fumaça prolongando chaminés. Quanta gente ali vivia, pensei; a
esta mesma hora nascendo, morrendo, ou amando ainda. Sem que uns dos
outros soubessem; a natureza completamente indiferente a seus destinos.
O pico eterno, antes e depois, desde quando, até quando, em mistério.
[...]
Gente de um lado; o mundo do outro. Entre ambos, a faca do espinhaço,
descendo redonda de um lado mas, de outro, abrupta, como um paredão
intransponível, barrando a cidade. Serra do Curral... No curral vivíamos nós.
Nenhuma nesga de mar visível, nenhum escape ou esperança.
Para quê, porquê estar vivendo, meu deus? Tão pequeninos nós, perdidos
na imensidão do eterno! Talvez fosse o mundo apenas uma célula de um
corpo gigante; homens e bichos micróbios a atacá-la. Não viria de súbito
uma pincelada de iodo ou creolina sufocar-nos todos? Que deus, tão maior,
haveria de preocupar-se conosco?
Sim: como uma pedra eu queria ser. Eterna. Estática. Alheia à vida e à
morte, alheia à luta incessante e inútil do vir-a-ser. Não amor ou ódio
guardado; não ilusões ou sofrimentos.
O pico levou-me além do bem e do mal; muito depois de deixá-lo ainda me
perseguia, impresso no pensamento, e muito depois de esfumar-se em
minha memória ainda comandava minhas meditações.
[...]
Como entender tudo isso não sendo pedra? Por quê tanta confusão onde
tudo poderia estar tranquilo, equilibrado e quieto como eu imaginava poder
342
ser. Nenhum problema maior, todos rompendo seu caminho, com tropeços,
mas rompendo... para quê estes desencontros, rejeições, obsessões; para
quê este cipoal emaranhado envolvendo as pessoas e rasgando-lhes a
carne com seus espinhos tão facilmente elimináveis?
[...]
O pico, como um bico de seio aflorando na serra, não me respondia.
Mantinha-se eterno em sua indiferença e, à sua sombra a cidade crescia.
[...]
Eu havia terminado os preparatórios. E agora? Havia tirado de sobre mim o
peso dos internatos, dos professores ranzinzas, dos castigos e dos exames.
Todavia, sem este peso sentia-me nu. Melancolicamente nu. E sem destino,
no meio da estrada que só me conduzia ao Pico.
Como uma pedra. Era só o que queria ser. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.169-170, 172-174).
“O silêncio destes espaços infinitos me apavora.” Blaise Pascal (1623-1662)
reconhece, tal como Vasconcellos diante do eterno (e imóvel) pico, a infinitude do
universo, a hostilidade da natureza – que não entrega facilmente seus segredos,
refreando os aventureiros com escalada íngremes e pedregulhos – e a dimensão da
vida humana. A sucessão do cotidiano, em um nascer, amar, morrer, nada representaria
diante da perenidade da natureza. A angústia despertada é paralela ao “Pensées”
(1670) na medida em que nenhuma racionalidade – “Como entender tudo isso não
sendo pedra?” – é capaz de dar respostas ao encurralamento, ao confinamento, aqui
expresso pela Serra do Curral, da vida humana. A possibilidade de compreensão estaria
em uma reflexão diversa do racionalismo:
Comprei um volume sobre Lao-tseu [sic] e encantei-me com sua concepção
infinita de deus. Principalmente a passagem que afirmava ser ele tão
superior aos homens que nem mesmo lhe poderíamos conferir atributos:
apenas era; nem bom ou mau, inteligente ou estúpido. O pensamento
coincidia com minha concepção da pequenez dos homens.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.177).
Para Vasconcellos, “homens” tem um dilatado significado. Independe de classe
social, raça ou credo; por isso, do oriente é possível surgir a revelação. É verdade que
este estar-diante-do-mundo exije uma reflexão do sujeito sobre si mesmo, o que
pressupõe um certo grau de intelectualidade, ou melhor, um voluntário e árduo
abandono das tramas do imediatismo cotidiano para mergulhar na abstração. Mas ainda
assim, a “pequenez” nos une.
Meu mundo, meu destino, meu futuro não estavam na burguesia acastelada
no lado de cima da Avenida. Estavam do lado de baixo. (...) Se não
conseguira um lugar em cima, então o conseguiria embaixo. Quê importa?
Havia tanta gente em uma como em outra posição; todas igualmente
vivendo as mesmas tristezas e as mesmas alegrias. Riqueza e pobreza não
343
faziam diferença em termos de vivência. (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, p.223).
Sylvio não fala de “um lugar” indicando posição social, mas uma possibilidade de
integração com seus pares. Tornamos ao tema da memória como identidade, e da
morte como marginalização.
As imagens que a memória faz aflorar não são constantemente nebulosas, ao
contrário do que se poderia aferir. Por vezes, há docilidade na fantasmagoria da
memória, alimentada por valores que são definidos por Vasconcellos como positivos, em
especial a amizade.
Afinal estou próximo (outubro) de ser sexagenário. A velhice está presente
mesmo. Só amenizada pela saudade e pela presença dos amigos bons de
outras eras. Com os quais vivo agora. São meus amáveis fantasmas: você,
Cardão, Susy, Iglésias, Marina e uns poucos mais. Poucos mas bons.
Bonsões. (VASCONCELLOS, Carta a Pérides Silva, 17.01.76).
A memória revela-se nos textos de Vasconcellos como o “tempo sem medida” da
cozinheira Olímpia, por vezes distante demais para ser recobrado, por outras, promessa
de um futuro: “Wanda perdurava em minha memória como um sonho inconcluso.”
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.184.). Na fluidez do trânsito entre
passado e futuro novas imagens vêm se depositar, fazendo com que a memória não
configure um retrato na parede, pois assim somente provocaria dor. O tempo da
memória é elástico porque passível de compressão no resgate de eventos e imagens do
passado, ou dilatação no regozijo com o futuro.
Passado sempre deixa cicatrizes. E são estas que nos levam ao esforço do
olvido, ao interregno de paz entre um e outro calendário, dedicado ao
plantio de novas expectativas que nos alimentem na caminhada.
Então nos apegamos às flores que, entre muitos espinhos, iluminaram cada
nossa particular estória, procurando acreditar, ainda que ilusoriamente, nos
frutos porvindouros da florescência e nos botões promissores ainda por
florir. Este agradável estado de ânimo se chama, nos Estados Unidos,
“espírito de Natal”.
Com ele deixo de lado as amarguras para extasiar-me na felicidade [...].
Para recordar amigos cujo afeto, circunstâncias, tempo e distância não
consumiram. [...] Todos partilhando comigo um pouco de si mesmos e
povoando minha solidão com o cálido colorido de inestimáveis amizades.
São estas recordáveis imagens que, cuidadosamente, embrulho e coloco ao
pé de minha árvore de Natal como presentes inesquecíveis. Com elas me
refaço para um ano novo a cumprir, me regozijo e me sustento, só
aspirando que subsistam, se ampliem, na próxima temporada de troca de
calendários. Porque presente não entendo maior que o calor humano
expresso e firme.
[...}
344
Pelo que só me cabe agradecer ao destino por tantos regalos de afeto
recebidos no final deste ano da graça de 1976. Muito obrigado amigos,
muitíssimo obrigado. Pois que não há riqueza maior que ter amigos.
(VASCONCELLOS, Entre amigos, 1977, p.6).
Nas entrelinhas do espírito natalino, Sylvio constrói a memória como renovação
de si mesmo. Jacques Le Goff afirma que a “[...] colocação da memória fora do tempo
separa radicalmente a memória, da história.” (LE GOFF, 1984, p.21), mas Argan nos
ensina que esta última está versada para o futuro, tal como aqui podemos ler na
memória.
O outono é tempo de memória e recolhimento; tempo de contemplação; de
rejúbilo pelas alegrias vividas, e de olvido pelas aflições doídas.
Signo de promessas incumpridas, todo mundo canta a primavera, deixem
que eu cante o outono. Não há estação mais bela, nem mais rica ou de
mais amor. Deixem que eu a cante, embora a primavera esteja agora
seduzindo os trópicos.
Outono é a afirmação da vida frente ao destino; a maturidade consciente de
sua força; a fé prevalente sobre as tempestades sofridas; a certeza de um
renascer por vir; o poder que dorme em toda a natureza e em nós, para
glória sempiterna da criação.
Outono é poder olhar para trás com a satisfação de vitória sobre as
tempestades deletérias, e com a segurança de germinação das sementes já
deixadas na terra.
O outono é belo: deixem que cante meu outono. (VASCONCELLOS, A vez
do outono, 1973, p.6)
Para Vernant, “A memória, distinguindo-se do hábito, representa uma difícil
invenção, a conquista progressiva pelo homem de seu passado individual, como a
história constitui para o grupo social a conquista do seu passado colectivo.” (Vernant
apud LE GOFF, 1984, p.19-20). As memórias são revelações não apenas de ordem
pessoal, mas de uma interpretação sensível da realidade, do passado e da possibilidade
de construção de um futuro – a promessa do outono. E é exatamente neste sentido que
as memórias pessoais de Sylvio nos interessam: revelam-no em uma outra instância,
aquela que nos permite compreender um sentido coletivo de memória.
345
8.2. Idéia de patrimônio
O triplo problema do tempo, do espaço e do homem constitui a matéria
memorável. (Leroi-Gourhan apud LE GOFF, 1984, p.18).
Se as lembranças individuais são fundamento para um sentido coletivo da
memória, cabe discutir como Sylvio de Vasconcellos elaborou, durante as três décadas
em que atuou como diretor regional em Minas Gerais do IPHAN, uma idéia de
patrimônio, em que passado e devir estivessem permanentemente conectados pela
ação presente. Embora sua atividade naquele órgão não seja objeto direto desta
discussão – conforme apontamos na introdução a este texto, pois que constituiria uma
outra investigação –, o entendimento da idéia de patrimônio e a reflexão sobre as
práticas na sua salvaguarda são significativos para a discussão acerca do papel do
arquiteto na sociedade. Nos textos consultados, a reflexão de Vasconcellos sobre a
idéia de patrimônio é quase sempre tangente. Poucas são as situações em que versa
diretamente sobre o tema. Contudo, o modo oblíquo de tratamento da questão é
igualmente revelador. Laborar uma arqueologia do sentido de patrimônio para
Vasconcellos é nossa tarefa nesta seção.
A primeira questão emergente dos textos consiste no entendimento de que
monumento e entorno formam um corpus único, que deve ser tratado de modo coeso.
Neste sentido, o olhar investigativo de Sylvio se dirige aos conjuntos urbanos, ainda que
não abandone, em sua tese de cátedra, o sítio excepcional eleito como de excelência
pelo IPHAN: Ouro Preto. De certa maneira, justifica tal atitude no reconhecimento dado
nacionalmente à cidade e seu conjunto, àquela época já consolidado.
Desistindo, pois, das obras de caráter monumental em parte já versadas,
julgamos de bom alvitre pesquisar a arquitetura particular que, se por um
lado se revista de menor apuro e riqueza, por outro, por mais ligada ao
homem, às suas necessidades e possibilidades, estava por merecer maior
atenção. (VASCONCELLOS, Arquitetura particular em Vila Rica, 1951, p.8).
Falar de patrimônio significa falar da produção humana, e em um sentido mais
ampliado do próprio homem – este ser coletivo –, daí a reversão do olhar para objetos
menos significativos sob o ponto de vista da expressão plástica, carentes de uma
investigação mais apurada que permitisse neles reconhecer o produto de uma
coletividade. A reflexão de Sylvio se dirige também à composição da paisagem como
345v
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367
346
um todo, em que as pequenas partes se conjugam, e não sobre os objetos
excepcionais, alvo da salvaguarda do IPHAN. A leitura da paisagem coaduna-se com a
perspectiva contemporânea em que a cidade é, a rigor, um somatório, delineada pela
alternância entre casario e monumentos.
Formas diferentes, horizontais, as praças e os largos, ou verticais, as igrejas
e palácios, interrompem, por momentos, a euritimia urbana que não
perturbam mas, ao contrário, enriquecem e valorizam. E assim como a
grandeza desses monumentos só se tornou possível pelo esforço conjunto
do povo, também a beleza urbana decorreu da soma das iniciativas
privadas que não puderam, isoladamente, revestir-se de maior apuro.
(VASCONCELLOS, Arquitetura Particular em Vila Rica, 1951, p.161).
Tal perspectiva coaduna com as contemporâneas teorias de percepção da
paisagem, inauguradas ainda no século XIX por Camillo Sitte. O tema da qualidade
estética e ambiental das cidades originava-se, deste modo, uma postura que
fundamentaria, anos mais tarde, conceitos como “townscape”, ou “paisagem da cidade”,
elaborado por Gordon Cullen (1914-1994), ou mesmo a teoria da preservação dos sítios
históricos defendida por Gustavo Giovanonni (1873-1947). Giovannoni elaborou o
conceito de “arquitetura menor”, no qual avança para além do “monumento histórico e
artístico”, incorporando o valor de conjunto, portanto, da ambiência geral do sítio, desde
a paisagem natural até o casario complementar.
Uma cidade histórica constitui em si um monumento, tanto por sua estrutura
topográfica como por seu aspecto paisagístico, pelo caráter de suas vias,
assim como pelo conjunto de seus edifícios maiores e menores; por isso,
assim como no caso de um monumento particular, é preciso aplicar-lhe as
mesmas leis de proteção e os mesmos critérios de restauração,
desobstrução, recuperação e inovação. (GIOVANNONI, apud CHOAY,
2001, p.143).
O mesmo tema é também visível em Rossi (1995), para quem a Arquitetura é
parte integrante do homem pois que integra suas vicissitudes e alegrias privadas, sua
herança coletiva, sua possibilidade futura. Nascido no período entre-guerras, o arquiteto
milanês teve sua adolescência profundamente marcada pelos bombadeios sobre sua
cidade natal, o que o levou a tecer considerações em sua teoria do lugar – termo que
preferia para designar a disciplina de teoria urbana – sobre as cidades históricas. Para
Rossi, a cidade é forma, mas sobretudo experiência concreta e, neste sentido, integra o
indivíduo e a coletividade em sua concepção. Para introduzir o tema, apresenta ao leitor
o Palazzo della Ragione, em Pádua, erguido a partir de 1218 e reconstruído em 1306.
346v
368
347
Quando visitamos um monumento desse tipo, ficamos surpresos com uma
série de questões intimamente ligadas a ele; sobretudo, surpreende-nos a
pluralidade de funções que um palácio desse tipo pode conter e como essas
funções são, por assim dizer, totalmente independentes da sua forma, mas
é precisamente essa forma que fica impressa em nós, que vivemos e
percorremos a cidade, e que, por sua vez, a estrutura.
Onde começa a individualidade desse palácio e do que depende? A
individualidade depende sem dúvida mais da sua forma do que da sua
matéria, ainda que esta tenha um papel importante nela; depende também
de ser a sua forma complicada e organizada no espaço e no tempo.
Percebemos que, se o fato arquitetônico que examinamos fosse, por
exemplo, construído recentemente, não teria o mesmo valor; neste último
caso, sua arquitetura talvez fosse julgável em si, poderíamos falar do seu
estilo e, portanto, da sua forma, mas ela ainda não apresentaria aquela
riqueza de motivos com que reconhecemos um fato urbano.
Alguns valores e algumas funções originais permaneceram, outros
mudaram completamente; de alguns aspectos da forma temos uma certeza
estilística, enquanto outros sugerem contribuições remotas; todos nós
pensamos nos valores que permaneceram e devemos constatar que,
embora esses valores tenham uma conexão na matéria e seja esse o único
dado empírico do problema, também nos referimos a valores espirituais.
Nesse ponto, deveríamos falar da idéia que temos desse edifício, da
memória mais geral desse edifício enquanto produto da coletividade e da
relação que temos com a coletividade através dele.
Acontece igualmente que, enquanto visitamos um palácio e percorremos
uma cidade, temos experiências diversas, impressões diversas. [...] Nesse
sentido, embora seja extremamente difícil para a nossa educação moderna,
devemos reconhecer uma qualidade ao espaço. Esse era o sentido com
que os antigos consagravam um lugar, e isso pressupõe um tipo de análise
muito mais profunda do que a análise simplificadora que nos é
proporcionada por alguns testes psicológicos, relativos apenas à legibilidade
das formas. (ROSSI, 1995, p.16-17).
Rossi nos ensina que o edifício por si só não comporta os valores “espirituais” da
coletividade, mas que se configura como monumento quando sobre ele se imprimem
significados, o que coloca importância sobre a dimensão temporal, portanto, sobre a
História. Matéria diverge da forma, pois esta é impregnada dos sentidos coletivos. Logo,
no que tange à forma, a cidade é um artefato humano criado temporalmente, e que se
compõe de características (inclusive estilísticas) próprias, que Rossi denomina
“estrutura dos fatos urbanos”: o monumento e o tipo edilício – uma espécie de
“constante arquitetônica”, definidora da essência do lugar – reunidos na rua, no bairro e,
em um contexto mais amplo, na cidade. Mas, como fatos urbanos, exigem dos atores a
interação contínua com o lugar. A descrição de Vasconcellos sobre Mariana reveste-se
desta perspectiva, onde o quadro se compõe pelas figuras e não pelo fundo:
A cidade longe, depois do rio. Burros pastando, soltos. Meninada em
tripulias nas ruas estreitas, calçadas de pedras redondas, difíceis de pisar.
Sinos badalando, fino e grosso, juntos, na igreja velha com muitas feridas
de reboco caído. Padres e velhas enroladas em longos xales pretos
circulando. Tropas de burros, arfando ao peso das cangalhas carregadas, e
recobertas de couro cru, armado como telhado, desfilavam, um burro depois
348
do outro, atrás da madrinha chacoalhando guizos. Outras mastigavam
milho, paradas, de embornais de pano suspensos das queixadas.
Cavaleiros trotavam em bestas fogosas, sobre arreios luzidios.
(VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.43).
As reflexões destes diversos intelectuais e do arquiteto mineiro coadunam, ainda,
com o entendimento de preservação postulado na Carta de Veneza (1963).
A Carta de Veneza chamava a atenção sobre este assunto, ao considerar
que o monumento “não compreende somente a criação arquitetônica
isolada, mas o quadro no qual está inserido”, estabelecendo assim uma
união indissolúvel da construção com o sítio onde está localizada.
(VASCONCELLOS, Brasil: protección del patrimônio cultural, 1973, p.5,
tradução nossa).
83
Ao deslocar seu olhar do monumento – a igreja e o palácio setecentista
protegidos pelo tombamento federal de 1937
84
– para o conjunto urbano ouropretano,
Vasconcellos nos dá outro indício da contemporaneidade de seu pensamento, agora no
contexto da História Cultural: amplia os significados dos conceitos de “monumento” e
“documento” para uma perspectiva diversa do conservadorismo positivista reinante,
fundada no bem excepcional ou marcado de historicidade. Etimologicamente, Jacques
Le Goff nos ensina que:
A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-européia men, que
exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória
(memini). O verbo monere significa ‘fazer recordar’, donde ‘avisar’, ‘iluminar’,
‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas
origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado,
perpetuar a recordação [...].
O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação,
voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado de
memória coletiva) e o reenviar a testemunhos [...]. (LE GOFF, 1984, p.95).
A despeito desta origem etimológica, na qual é a evocação do passado que
contém o significado de monumento, paulatinamente instaura-se sobre o bem um
sentido de representatividade, ainda que eleita pelo saber erudito dos arquitetos e
historiadores, muitas vezes associada à excelência estilística. No caso do tombamento
dos conjuntos urbanos mineiros, foram privilegiados exemplares arquitetônicos que
83
Ya la Carta de Venecia llamaba la atención sobre este asunto, al considerar que el monumento “no solamente
comprende la creación arquitectónica aislada, sino el cuadro en donde está insertada”, estableciendo así la unión
indisoluble de la construcción y el sitio en donde está ubicada.
84
Consideramos, genericamente, a data de promulgação do Decreto-lei no. 25, de 11 de novembro de 1937,
que institui legalmente a preservação do patrimônio cultural, preferindo não apontar a diversidade nas datas de
inscrição dos diversos bens atualmente protegidos pelo IPHAN ou mesmo de declaração do sítio histórico de
Ouro Preto como “monumento nacional” em 1933.
349
comportavam o refinamento do Rococó, ou seja, bens que por suas características se
enquadravam no recorte temporal do setecentos e/ou na fatura mulata do Aleijadinho ou
de Athayde. Ou seja, não era contemplada a arquitetura menor, que lhes faziam emergir
da paisagem.
Em sua pesquisa, Vasconcellos não efetua uma investigação da ordem da
História Cultural ou mesmo da micro-História, mas ao voltar-se para a arquitetura civil
particular possibilita o resgate do valor documental do conjunto ouropretano. O amplo
inventário arquitetônico elaborado se presta a pesquisas que incorporam um conceito
ampliado de “documento”, em que o fato arquitetônico constitui a “prova”, ou melhor, em
que se resgata o sentido original do termo, “[...] derivado de docere ‘ensinar’ [...]” (LE
GOFF, 1984, p.95). Sylvio parece ter se inspirado em Lucien Febvre (1878-1956):
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes
existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos,
quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite
utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com
palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e das ervas
daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os
exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas
pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem,
depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a
presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. (Febvre
apud LE GOFF, 1984, p.98).
Em algumas circunstâncias, especialmente quando se trata de compreender as
relações de composição dos objetos arquitetônicos isolados, tal como na cronologia dos
edifícios religiosos, Vasconcellos opta por uma metodologia tradicionalista, arraigada a
uma historiografia conservadora.
Há uma porção de coisas necessárias ao esclarecimento de nossa arte e
história que, superficialmente consideradas, são muito cacetes tanto para
quem as versa como para quem delas toma conhecimento. No entanto,
muitas vezes são de capital importância, ou melhor, de fundamental
importância, para a compreensão e desenvolvimento do assunto, pois
constituem-se em pontos de referência, em informações indispensáveis à
boa situação e entendimento de problemas gerais a serem encarados.
Dentre estas coisas, uma das mais cacetes, mas indispensáveis, é a
cronologia das obras ou dos acontecimentos, sem a qual qualquer
interpretação histórica seria falha senão errônea. Em relação, por exemplo,
ao estudo da arte, importa sempre escalonar-se com o rigor possível suas
manifestações para só então ser tentada a reconstituição das
transformações sofridas pelos estilos, modalidades ou peculiaridades
encontradas, entendidas, assim, em razão de suas origens, influências e
significação.
A falta de um conhecimento mais exato da cronologia pode levar, inclusive,
a conclusões absolutamente divorciadas da realidade, enganos que têm
sido cometidos até por eruditos e honestos escritores, nem sempre por falta
350
de esforço no sentido de esclarecer as dúvidas, mas pela própria
impossibilidade de, em certos casos, encontrar dados suficientes
esclarecedores do assunto. (VASCONCELLOS, Cronologia das igrejas
mineiras, 1956, p.1).
Não nos cabe discutir o valor de uma abordagem documental mais restrita – a
rigor, ainda hoje são bem vindos os cruzamentos de dados documentais padrão, tais
como arrematações, contratos, testamentos – mas, sendo arquiteto de profissão, como
historiador Sylvio promove um impasse: diante da insuficiência ou mesmo inexistência
de dados, como proceder? Ou seja, não se utiliza de sua formação e do amplo e
inegável conhecimento de Arte e Arquitetura para propor o edifício como um documento.
Detectamos, portanto, um duplo procedimento, reconhecido em textos contemporâneos:
a conservadora necessidade de tomar o documento formal como base das pesquisas
históricas quando trata-se do bem monumental, em oposição a uma atual leitura do
conjunto formado pelas arquiteturas menores como documento.
No campo da Arquitetura, a questão do patrimônio conduz naturalmente ao
problema da conservação dos bens, e esta preocupação também se revela em Sylvio.
Considerado para além dos aspectos materiais do bem e das técnicas de manutenção e
recuperação das características estruturais e estilísticas, a conservação envolve dois
aspectos fundamentais: a ruína como descaracterização e a ruína como vestígio.
Incorpora uma evocação de passado glorioso e grandiloquente tanto quanto a
inexorável ação do tempo, “[...] a degradação e o sinal da mutabilidade das coisas
mortais.” (LE GOFF, 1984, p.108).
Em diversos momentos do texto memorialístico, a ruína está associada a uma
perda das características, do caráter, daquilo que no substrato comporta o potencial
sentido do bem.
Em Mariana nos hospedamos no hotel do Salomão-turco, casarão velho,
rangendo portas e soalhos, com uma privada que se resumia em uma
banqueta de madeira, com um buraco por cima e um fio de água correndo
na terra por baixo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976,
p.89).
Subimos ao alto da Serra [da Piedade]; havia uma igrejinha em ruínas no
topo. (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, p.177).
A nova casa que ocupamos, na Rio Grande do Norte, pouco abaixo de
Antônio de Albuquerque, lembrava a onde nascera Eda, fronteira à Matriz
da Boa Viagem. Bem maior do que a de Goitacazes era, porém, feia, sem
graça, com aspecto de velha descuidada. Os soalhos [sic], para desgosto
de meu pai, eram pintados de vermelho, a óleo. (VASCONCELLOS, Tempo
sempre presente, 1976, p.67).
350v
369
O conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, patrimônio da
Humanidade, é constantemente agredido por seu entorno, formado pelos bairros periféricos de baixa
renda que sobem os morros e afloram nas visadas dos monumentos.
351
O juízo do pai, Salomão, parece dar-se em razão do conhecimento de materiais
construtivos utilizados em casas mineiras, em que a pintura em
”vermelhão”, prática que caracterizava uma menor disponibilidade de recursos, é
entendida como uma agressão. A adjetivação, em todos os casos, marca o descuido, o
descaso, a “velharia”, uma ausência de qualidade exigida mesmo nos objetos não
excepcionais que, partícipes do contexto paisagístico, qualificariam todo o conjunto.
Estas pequenas incisões descaracterizantes – reversíveis em muitas das circunstâncias
– somam-se, na degradação dos conjuntos, a um aspecto mais complexo: o desejo de
modernização.
O problema, segundo Vasconcellos, é o mergulho inevitável do monumento em
um mar de “[...] edifícios modernos, cuja presença se afirma com mais ênfase, através
das soluções tecnológicas nova e o efeito de seus geométricos volumes.”
(VASCONCELLOS, Brasil: protección del patrimônio cultural, 1973, p.8, tradução
nossa)
85
. Embora a situação seja universalmente detectada, na opinião do autor o
problema é mais agudo na América Latina em razão da rápida industrialização e das
migrações internas, que alteram a fisionomia das cidades com um veloz processo de
urbanização. Ocorre um duplo processo econômico de destruição dos monumentos: a
paisagem transformada pela pressão imobiliária descaracteriza inevitavelmente os
conjuntos urbanos ao compor um novo entorno para os monumentos, ou então a
decadência econômica promove a ruína dos bens pela ausência de recursos para a sua
conservação: “Por um lado, ficam sem proteção os monumentos do interior; por outro, o
desenvolvimento das capitais não os considera nem respeita.” (VASCONCELLOS,
Brasil: protección del patrimônio cultural, 1973, p.10, tradução nossa)
86
.
Neste sentido, a política de preservação do patrimônio nacional é duplamente
ineficaz em seus procedimentos, pois que não atua sobre os conjuntos paisagísticos e
sim sobre os monumentos. A rigor, os imensos procedimentos de restauração exigem
somas vultuosas em razão da não inclusão da conservação sistemática e do
espassamento por longos períodos de tempo sem intervenções. Há que se considerar,
fundamentalmente, que a conservação quase que exclusiva dos monumentos não
considera o tema da paisagem, visível na descrição dos tombamentos de conjuntos que
85
[...] edificios modernos, cuya presencia se afirma con más énfasis, a través de las soluciones tecnológicas
nuevas y el efecto de sus geométricos volúmenes.
86
Por una parte, quedan sin protección los monumentos del interior; por otra, el desarollo de las capitales no los
considera ni respeta.
352
consideravam apenas o alinhamento das vias e não os pontos de vista elevados. Mas
esta crítica não lemos em Sylvio de Vasconcellos.
O arruinamento visível – no monumento e na paisagem – nos conduz a um outro
sentido: a ruína como vestígio, em que todo bem comporta uma potencial significação.
Um episódio da infância nos servirá para introduzirmos a discussão sobre o tema:
Estava atrás de um [tiú], dos grandes, quando, procurando pedras no chão,
mato adentro, dei com um pote de barro, do tamanho de uma laranja, com
um pano velho amarrado na boca. Dentro havia um papel escrito,
desfazente quando tocado, e algumas moedas enferrujadas, muito
diferentes daquelas que eu conhecia.
Matutando sobre o achado, enfiei as moedas no bolso e o papel de volta ao
pote, deixando-o onde estava. Até o cobri com alguns gravetos e terra solta.
Decidi não contar a ninguém o sucedido com medo, por um lado, que me
xingassem por haver furtado ou guardado coisa que não me pertencia; por
outro que me tomassem o tesouro. Provavelmente o pote tinha sido apenas
um escondido desimportante, não encontrado e deixado, de algum
chicotinho queimado da meninada vizinha, conclui.
Escondi as moedas de novo, em alguma parte difícil da casa. Aí as perdi de
vez; com suspeitas de terem sido, por alguém, encontradas reforçando a
frustração de me haver esquecido onde as deixara. (VASCONCELLOS,
Tempo sempre presente, 1976, p.47).
O achado acidental revela uma relação de cuidado com o alheio, com a “herança”
deixada, e remete nosso pequeno arqueólogo aos motivos que levaram alguém a
enterrar um “tesouro”. A descoberta do pote no fundo do vale do córrego do Leitão, em
Belo Horizonte, o toque gentil com o achado desfazente, configura alegoria de um
retorno ao sentido original e nos remete à “redescoberta” do Barroco mineiro pelos
modernistas:
Tudo começou, numa curiosa repetição do passado, com os paulistas.
Outra vez vieram a descobrir as Minas, das quais haviam sido expulsos,
outrora, pelos emboabas. Mário de Andrade foi o primeiro, depois José
Mariano Filho, Lúcio Costa, Carlos Drumond de Andrade. Os de fora a
chamarem a atenção nacional para o que existia escondido entre as
montanhas; os de casa a falarem com apreço do berço natal, do retrato
dolorido na parede. E, vagarosamente, pôs-se em marcha a corrente de
visitantes. Vinha ver Congonhas, cumprimentar os profetas, vinha
contemplar Vila Rica posta em sossego, na saudade de Marília, descobrir
um móvel mais belo, um estribo velho, uma santa mimosa de olhar mais
carinhoso. As almas subiam ladeiras, as almas desciam ladeiras, com uma
lanterna na mão, diria Murilo Mendes. Era a redescoberta.
(VASCONCELLOS, Relato onde se prova que turismo..., 1967, p.1).
Nas ruínas das cidades setecentistas mineiras, os modernistas retornam à
“essência da brasilidade”, arqueólogos de um passado, construtores de um futuro.
Revestem-se de autoridade para legitimar a estética barroca como origem.
352v
370
Isabel Mendes da Cunha, dona Isabel, aprendeu a fazer bonecas de cerâmica com a mãe. Nunca
pensou em “ser artista”, mas acabou por conquistar as rodas de intelectuais com seus fazeres naïves,
típicos de uma cultura que está por se perder no Vale do Jequitinhonha, região pobre do nordeste de
Minas Gerais.
353
Ou seja, lançava-se mão de atributos de coerência e objetividade para
construir uma cadeia demonstrativa que tinha por fim último inserir a
arquitetura moderna numa linha evolutiva tomada por verdadeira e
autêntica. E nesse sentido caberia ao SPHAN não só autorizá-la como dar-
lhe subsídios para a defesa de sua suposta continuidade natural em relação
a seus antecedentes. Resta, assim, por princípio, o próprio caráter utilitário
do SPHAN, expresso na sua categorização original como “serviço” de
interesse público. (Nobre in NOBRE et al, 2004, p.125-126)
87
.
A composição ideológica do IPHAN deveu-se à liderança de Mário de Andrade. O
projeto apresentado ao Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema (1900-
1995), contemplava uma amplitude visionária: incorporava as artes populares e as
manifestações folclóricas, considerava a interação entre o saber popular e o saber
erudito, permitia a composição de um quadro multifacetado da cultura brasileira.
É ele que se dedica à valorização do que poderia ser a nossa constante
peculiar no campo cultural. Devassa, pesquisa, renova e faz aceitar a
linguagem coloquial, a música, a pintura, a escultura que se guardavam nas
tradições populares nas que permaneciam completamente desapreciadas
pelas elites cultas do país. Promove, assim, o encontro da inteligência
brasileira com o modo de ser autêntico do povo e redescobre para o mundo
as manifestações artísticas nacionais mais antigas que jaziam abandonadas
como velharias desprovidas de qualquer significação.
Claro é que, com Mário de Andrade, outros intelectuais ilustres participaram
dessa importante batalha: Osvald de Andrade, Lucio Costa, José Mariano,
filho, Carlos Drummond de Andrade e muitos outros. Contudo, não se trata,
aqui de fazer a história de todo um movimento que até hoje prossegue a
partir de 1922. apenas se deseja focalizar um de seus resultados da mais
alta importância, que foi a proteção ao acervo histórico e artístico nacional.
A idéia original bailava no ar como consequência lógica das atividades
culturais nacionalistas então em voga. Foi, porém, ainda Mário de Andrade
o autor da tradução concreta de uma aspiração insopitável em texto
destinado à aceitação do poder público. No Ministério da Educação estava
Capanema e seu Chefe de Gabinete era Carlos Drummond de Andrade.
[...]
A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em abril
de 1936, foi o passo decisivo. Montou-se o aparelho de alcance nacional,
destinado a exercer ação enérgica e permanente de modo direto ou indireto,
para conservar e enriquecer o nosso patrimônio histórico e artístico e ainda
para torná-o conhecido e estimado. (VASCONCELLOS, Rodrigo e arte
nacional, 1967, p.1).
Interessante notar como Vasconcellos ajunta, em um mesmo balaio, os
modernistas e José Mariano Filho. A seu ver, contudo, “As naturais incompatibilidades
frequentes entre intelectuais, [...] as chamadas ciumadas [...]” (VASCONCELLOS,
87
A denominação original do IPHAN era Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), e
posteriormente, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).
354
Rodrigo e arte nacional II, 1967, p.1) somente poderiam ter sido resolvidas por uma
liderança maior, a ponto de corresponder a uma “confraria”:
A exposição de motivos que transcrevemos, quase na íntegra, por pouco
conhecida, define suficientemente o contexto do problema que, todavia não
estaria totalmente resolvido antes de se encontrar o homem capaz de
executar, com proficiência, a tarefa à qual se havia proposto o governo da
república.
Não teria sido fácil a escolha; teria de ser um homem quase capaz de ouvir
e entender estrelas. Com suficiente afoiteza para dedicar-se ao trabalho
com a pressa requerida pelo atraso com o qual se iniciara, mas com,
também, a necessária prudência para não se permitir desatinos. Com alto
nível cultural que geralmente exclui a capacidade pragmática administrativa,
mas, também com esta última em alta dose, suficiente para a montagem
integral de uma nova máquina burocrática.
Este homem foi Rodrigo Melo Franco de Andrade. (VASCONCELLOS,
Rodrigo e arte nacional II, 1967, p.1).
Sylvio dedica “Arquitetura particular em Vila Rica” (1951) a Lucio Costa e a
Rodrigo Melo Franco de Andrade, e a eles agradece “[...] o muito auxílio recebido, em
conselhos e orientação [...]” (VASCONCELLOS, Arquitetura Particular em Vila Rica,
1951, p.9). Não se furta de agradecer aos colegas do IPHAN, tais como Paulo Thedim
Barreto. Isto demonstra o engajamento de suas pesquisas acadêmicas à metodologia
do instituto.
O conceito de “patrimônio” tem poder de evocação: de herança, de origem, de
tradição. Evocar sugere chamar de um outro lugar – neste caso o setecentos mineiro –,
elementos que indiquem autoridade, configurando um espelho para a nação que se
pretende edificar. Para tanto, exige estar conectado a uma eficiência do Estado no
processo civilizatório, e isto justifica a presença de intelectuais, tal como Sylvio de
Vasconcellos, na organização do IPHAN.
[...] a memória colectiva foi posta em jogo de forma importante na luta das
forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos,
dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os
esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses
mecanismos de manipulação da memória colectiva. (LE GOFF, 1984, p.13).
Em “Memória, esquecimento, silêncio”, Michel Pollack (1989) destaca como as
memórias coletivas são construídas, “fazendo calar” outras memórias, consideradas
“subterrâneas ou proibidas”. Identifica, assim, que a memória coletiva faz-se de silêncios
e esquecimentos, que são “zonas de sombra” em perpétuo deslocamento. Logo, a
memória é marcada pelo movimento e pela descontinuidade. Ao questionar quem
355
produz a memória coletiva, quem constrói o processo de coesão social, Pollack
problematiza a herança patrimonial como um dado, e coloca em xeque os elementos da
legitimidade e da credibilidade da memória.
Vasconcellos, em sua atuação junto aos modernistas e ao IPHAN, contribui para
a formação de uma dada memória coletiva. Esforça-se em elaborar uma genealogia da
legitimidade, que em Minas se desenhou pela figura da “pátria mineira”, ou da
“mineiridade”.
A memória é a quinta operação da retórica: depois da inventio (encontrar o
que dizer), a dispositio (colocar em ordem o que se encontrou), a elocutio
(acrescentar o ornamento das palavras e das figuras), a actio (recitar o
discurso como um actor, por gestos e pela dicção) e enfim a memoria
(memoriae mandare ‘recorrer à memória’). (LE GOFF, 1984, p.23).
Percebemos como Vasconcellos emprega retoricamente a memória: encontra no
Barroco do Aleijadinho, seguindo a instrução modernista, a inspiração para a narrativa;
organiza, ordena, por meio da pesquisa desenvolvida na academia, o conteúdo; elabora
a linguagem escrita que irá conduzir o leitor à concordância; atua, como professor ou
como cronista, publicamente, difundindo os elementos presentes na retórica; enfim, não
apenas recorre à memória, mas constrói um passado.
Nesse caso, devermos dizer, simultaneamente, que a memória é um
instrumento de poder – o que implica admitir que não há poder político sem
controle da memória e do arquivo; e que a questão do esquecimento é
política. Política que não se reduz à dimensão do Estado, mas que abrange
todas as dimensões onde se verifica um embate entre forças, um jogo de
poder – incluindo aí a própria constituição do “eu”, a partir do qual se torna
possível dizer “meu orgulho”.
Orgulho... Se é este o motor do esquecimento, no plano do Estado, da
sociedade ou do “eu”, o que está em jogo é a manutenção de uma imagem
ou representação de si mesmo – vamos chama-la por seu nome: identidade
– e a segregação ou exclusão do que a ameaça: a diferença. (Gondar in
COSTA & GONDAR, 2000, p.37).
A construção da genealogia barroca como espelho do nacional não se isola no
tempo passado. Antes, antecipa o devir. O Barroco mineiro foi eleito, pelos modernistas,
espelho da nação moderna. Engajado nos procedimentos de construção deste ideário,
Vasconcellos não responde bem às críticas, ainda que elaboradas por
desconhecimento. Em resposta ao professor Michael Hugo-Brunt, pesquisador da
Cornell University, que em carta relatou sua decepção com o Barroco de Ouro Preto e
Sabará, comparando-os com as ricas soluções baianas – “Eu pressinto que este é um
vernáculo diverso que poderia talvez ser visto como um derivado do estilo da Bahia.”
356
(HUGO-BRUNT, Carta a Sylvio de Vasconcellos, sd, tradução nossa)
88
– , Sylvio se
limita a dizer:
Quanto a Ouro Preto e Bahia, eu deveria dizer que os estilos não podem ser
comparados em termos de riqueza. A Bahia é mais rica. Entretanto, Ouro
Preto tem um estilo barroco singular e típico que eventualmente tornou-se a
arquitetura representativa do Brasil. É difícil consubstanciar esta teoria
porque estou sem tempo. (VASCONCELLOS, Carta a Michael Hugo-Brunt,
17 de junho de 1969, tradução nossa)
89
.
A singularidade da arquitetura religiosa setecentista mineira frente aos
movimentos no litoral brasileiro é, sem dúvida, notória, mas significativo é o tratamento
áspero conferido por Vasconcellos. Carência de tempo não nos parece ser uma
justificativa plausível para a recusa da conversação, mas uma resistência a
argumentações ou hipóteses contrárias ao modelo pré-definido pelos intelectuais
modernistas.
Em algumas situações, Sylvio não se furta a equívocos. Nem mesmo os coloca
como hipóteses – estrutura linguística, aliás, praticamente inexistente em seus textos
relativos ao tema, sempre afirmativos. Há que se considerar que, em grande parte,
foram publicados destinando-se ao grande público, leitores de periódicos, atuando o
arquiteto, deste modo, como formador de opinião. Percebemos estes equívocos, ou
explicações tendenciosas, em “A arquitetura colonial mineira” (1978-1979), quando a
explanação para a devoção à Virgem “[...] revelaria um apreço espontâneo pela figura
feminina glorificada em Maria, apreço muito valioso (ou mesmo justificado) quando
confrontado com a grande escassez de mulheres, principalmente brancas, na região.”
(VASCONCELLOS, A arquitetura colonial mineira, p.17). Vasconcellos omite, não por
desconhecimento, a origem medieval da devoção, profundamente arraigada ao costume
português aqui chegado.
O recorrente deslocamento do centro de referência para Minas denota, mais uma
vez, a construção do ideário modernista, e justifica-se nas peculiaridades do Barroco
mineiro, que vão sendo sistemática e repetidamente apontadas pelo autor, em
consonância com os demais intelectuais do IPHAN. Peculiaridade ou singularidade são
88
I felt that this was a different vernacular which should perhaps be regarded as an off-shoot of the Bahia style.
89
As far as Ouro Preto and Bahia concerned, I should say that they can’t be compared in terms of richness.
Bahia is richer. However, Ouro Preto has a singular and typical baroque style that eventually became the
representative architecture of Brazil. It is difficult to substantiate this theory because I am short of time.
Optamos, na tradução, por utilizar o termo “eventualmente” embora o sentido correto para “eventually” seja
“finalmente”, em que o acontecimento é tomado como fato, e esta opção se enquadraria melhor na concepção de
Vasconcellos. Contudo, conferimos o sentido de ocorrência eventual, pois que nem todas as teorias tomam o
Barroco brasileiro pelo mineiro.
357
sinônimos de excepcionalidade, daquilo que excede ao comum, alcançando, por vezes,
o extraordinário. O mesmo adjetivo é buscado para a justificação dos tombamentos dos
bens isolados e conjuntos paisagísticos nas primeiras décadas de atuação na
preservação do patrimônio nacional.
Minas se singulariza, ainda, no âmbito da organização social e econômica, ainda
durante o período colonial. O isolamento em relação à metrópole é relativo, dado que o
excedente de capital permitiu uma ampla circulação de mercadorias provindas de
Portugal e de outras partes do mundo luso, como vêm demonstrando a historiografia
contemporânea, antecipada por Vasconcellos:
É que, junto à autonomia econômica propiciada pelo ouro, a distância e as
dificuldades de transporte não facilitavam maior contato com o reino,
contribuindo para a formação de uma ilha cultural, de certo modo auto-
suficiente. Por outro lado, com um forte contingente populacional, a região
transforma-se em considerável núcleo consumidor, estabelecendo novo
trânsito comercial na colônia. (VASCONCELLOS, O Aleijadinho e a
consciência de nacionalidade I,1968, p.3).
No litoral, contudo, a presença lusitana firmou-se de modo mais imperativo,
menos flexível ou aberto às manifestações locais. Ao menos, as características da arte
colonial, em especial a nordestina, não se afastam por demais da fonte metropolitana.
Intuitivamente, ou fundamentando-se em sua sensibilidade artística, Vasconcellos
aposta na singularidade do Barroco mineiro, nas diversas manifestações artísticas que
contemplou, ainda que reconhecesse a existência de outras “escolas”, como por
exemplo a da Bahia, quando se trata da escultura sacra em madeira. No litoral,
[...] o afluxo da cultura portuguesa para seus domínios, objetivado de modo
exclusivo e permanente, não poderia favorecer, antes afogava, qualquer
gérmen de uma possível cultura autóctone. Todo o conhecimento dependia,
tinha sua origem e encerrava-se, em Portugal. Portugueses eram os padres,
os músicos, os artesãos, os artistas e arquitetos; a literatura, os projetos, o
vestuário, a legislação, as forças armadas. Freqüentemente se importavam
até mesmo obras de arquitetura e decoração já prontas e acabadas,
dependendo apenas de montagem. Não se pode falar ainda de uma
influência de Portugal sobre o Brasil que então era uma parte apenas,
indissolúvel, daquele, além-mar.
No século XVIII, em Minas Gerais, ocorrem, todavia, fenômenos que viriam
alterar profundamente a situação. Três deles são fundamentais: a relativa
autonomia econômica proporcionada pelo ouro, o relaxamento dos laços de
união com a coroa e a constituição de um agrupamento humano de grande
porte, bastante diferenciado do português pela miscigenação.
[...] Enfim começaram a reagir contra a própria coroa, em nítida
manifestação de uma consciência nacionalista em formação, ou pelo
menos, de uma consciência de nacionalidade bem definida. Consciência
que se traduziria, por exemplo, em acentuado ufanismo e na invocação de
paralelos confrontos entre a capitania e o reino visando realçar os maiores
358
méritos da primeira. (VASCONCELLOS, O Aleijadinho e a consciência de
nacionalidade I, 1968, p.3).
De modo diverso das cidades litorâneas, a cultura urbana nascente nas Minas
constituiu o cadinho necessário à fusão entre as artes e a política, transbordando em
talhas e rebeliões o desejo de autonomia. Vale notar que o procedimento aqui tomado
como singular é repetido no final dos anos 30, em que o Estado Novo se aparelha
(dentre outras coisas) das artes para a construção da nação moderna. Mas uma
explicitação de tal ordem não se ajustava à fleuma política espelhada na figura de Lucio
Costa
90
, e exigia uma construção mais elaborada para a singularidade.
A concepção de uma origem brasileira presente na arte barroca do século XVIII
em Minas Gerais sugeriria a elaboração de uma hipótese da “autenticidade autônoma”,
ou seja, de um espontâneo florescer das artes. Contudo, esta perspectiva seria por
demais rasa, sem a necessária fundamentação erudita tanto prezada pelos modernistas.
Assim, foi inevitável estabelecer uma “comparação” com os movimentos artísticos
europeus do século XVIII. O intuito não era descobrir filiações, e havia ainda o risco
que sistematicamente perpetua-se nas academias – de entender uma eventual distância
cronológica como atraso. Mas era o único meio possível de alcançar parâmetros de
qualificação “internacionalmente aceitos”.
Apesar de ser bastante temerária a tese em virtude dos atrasos constatados
na transposição das idéias européias para o Brasil, atrasos constantemente
lembrados pelos nossos historiadores, indicações existem, e recentes, que
contrariam, pelo menos em parte, a veracidade dos mesmos. Kurt Lange,
por exemplo, ao estudar a música mineira do século XVIII assinala, com
segurança, sua surpresa frente ao número de partituras que encontrou no
interior de Minas Gerais, com indicações de terem sido utilizadas quase
concomitantemente com seu aparecimento na Europa. Bach inclusive. E
conclui que os músicos mineiros estavam perfeitamente a par das últimas e
contemporâneas composições européias. (VASCONCELLOS, Goticismos
mineiros, 1968, p.1).
A coesão de pensamento presente na cultura urbana setecentista em Minas
Gerais permitiu aos arquitetos e historiadores considerar os documentos – mais uma
vez a prova incontestável – encontrados por Kurt Lange (1903-1997) como um sinal da
erudição também presente nas artes plásticas e na Arquitetura, indicando uma possível
90
A despeito de sua simpatia pela esquerda, Lucio Costa nunca declarou abertamente sua posição política.
Outros intelectuais, contudo, o fizeram, como Mário de Andrade, que filiou-se ao Partido Democrático (1928),
apoiou a Revolução de 1930 e posicionou-se contra o Estado Novo em 1937. Ou Oswald de Andrade, que
engajou-se no Partido Comunista em 1931, mas, tendo rompido relações com Luís Carlos Prestes em 1944,
candidatou-se em 1950 pelo PRT a deputado federal. A figura que mais francamente expôs sua posição política
é Oscar Niemeyer, membro do Partido Comunista Brasileiro desde 1945.
358v
371
372
Vasconcellos suspeitava, e pesquisas posteriores se debruçaram sobre o tema, de que a inspiração
do Aleijadinho para a confecção dos profetas de Congonhas se fez com base em gravuras de origem
medieval, presentes na figuração de missais e bíblias, em especial do Antigo Testamento.
359
reinversão metodológica. Os exemplos europeus são tomados como referenciais no
procedimento comparativo, para serem manipulados logo em seguida, abandonados ou
destacados, de acordo com a intenção de legitimação da arte nacional.
Enquanto em Portugal, mais influenciado pela Itália e França, ainda
apegadas ao renascimento, o barroco desenvolveu-se compreensivamente
mais comedido ou, por assim dizer, mais classicistamente como
demonstram as composições relativamente arrumadas e pouco expressivas
apesar da exuberância de que se valem, em Minas Gerais, o estilo se
manifestou com uma personalidade peculiar, bem mais dramática e
expressionista, de fundo mais romântico (em contraposição ao fundo
classicista das etapas oscilatórias sucessivas ou dos eixos paralelos das
interpretações estéticas) do que as manifestações do barroco europeu ou
mesmo do litoral brasileiro. E esta peculiaridade é tão mais importante
quando consideramos que, paralelamente a ela outras singularidades
ocorreram no barroco mineiro, dentre as quais convirá salientar a sua
economia, a sua contenção decorativa, a sua simplicidade e a sua pureza,
que levou muitos autores a atribuir-lhe pobreza enquanto, na verdade, o que
ostentava era discrição apenas. (VASCONCELLOS, Goticismos mineiros,
1968, p.1).
Importa perceber que a singularidade da arquitetura barroca mineira reside no
“decoro”
91
, ou seja, na capacidade do artista em avançar na expressividade do objeto a
partir de modelos conhecidos, inclusive pelo fruidor da obra de arte. Ou seja, a obra era
considerada tanto melhor quanto por um mínimo de meios alcançasse um máximo de
expressão, condição que parece ter também orientado os modernistas na seleção dos
objetos excepcionais. Isto não significava uma completa revolução das formas, mas um
profundo conhecimento das alegorias indispensáveis à expressão de determinados
significados, e uma plena capacidade de controle da matéria e da forma por parte do
artista, de quem era exigida profunda erudição. Vasconcellos aponta para inúmeras
situações em que a erudição é a base da singularidade da obra, em especial do
Aleijadinho.
O que não resta dúvida é que, por um ou outro motivo, a inspiração gótica
em Minas Gerais é evidente. A partir das obras de Antônio Francisco
Lisboa. Seus profetas, vestidos à meia-idade, a contorção das figuras, o
trágico quase sempre presente nas fisionomias que esculpiu, a preferência
pelos temas do velho testamento, as invocações proféticas, tudo conduz a
um clima de espiritualidade e de expressividade muito mais próprio da idade
média do que do mundano século XVIII. É claro que o ambiente hostil, o
aventureirismo, a paisagem rude e a instabilidade que inquietava a
população, contribuíram para a eclosão de uma arte correspondente, com
igrejas penumbrosas, cheias de recolhimento e de sugestões emocionais,
onde os temores se traduzissem por dramaticidade. O ambiente era, de
certo modo, similar ao da Idade Média. Mas não é apenas uma vaga
91
Sobre o problema do decoro na obra de arte setecentista, ver CAETANO, 1999.
359v
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360
similitude que se encontra entre a arte mineira e a gótica. Há realmente
sinais de ligações mais estreitas, intencionais ou conscientes entre as duas
artes. Germain Bazin já revelou, por exemplo, que os profetas foram
elaborados sobre gravuras do século XIII ou XIV. (VASCONCELLOS,
Goticismos mineiros, 1968, p.1).
O romantismo e o goticismo são termos frequentemente utilizados por
Vasconcellos na caracterização do Barroco mineiro. Romantismo não corresponde ao
movimento artístico oitocentista europeu, mas a uma plástica fundamentada na
expressividade da forma, ainda que por uma “economia” de meios, em que a
sensibilidade e a imaginação extrapolam o sentido racional – temas também presentes
na arte romântica do século XIX de onde Vasconcellos retira a nominação. No caso da
comparação com a tragicidade, a espiritualidade e as sugestões emocionais presentes
na arte gótica, chega a criar um neologismo. Nosso autor toma, portanto, o nome pelo
efeito para caracterizar a arte em Minas Gerais, o que torna seus textos de difícil
compreensão para um conhecedor médio, como os leitores dos jornais, para quem a
imagem comporta um valor mais evidente. Ou seja, ao senso comum não é imediata a
correlação pretendida na essência, pois este busca a similaridade pela forma, e infere
comparações que o farão considerar a arte local como menor.
A esta aferição imediatista e limitadora do valor da arte e da Arquitetura barroca
mineira, Vasconcellos responde novamente com o procedimento do “decoro”, e outros
atributos clássicos, como a harmonia e a proporção.
É verdade que as construções continuam pobres em dimensões. Mais
modestas, talvez, do que as encontradas no litoral brasileiro. As fachadas
das igrejas mineiras eliminam toda a trama de pilastras e arquitraves da
tradição renascentista e reduzem suas aberturas ao mínimo: duas janelas e
uma porta. Entretanto, nesta contenção plástica, elas esquematizam o
desenho, expressando-se artisticamente pela própria forma volumétrica que
adotam, pela harmônica proporção de suas partes e pelo refinamento dos
escassos elementos ornamentais que aceitam.
Inusitadas composições heráldicas cobrem a altura das fachadas; os
retábulos-mores expandem-se pelos tetos e ilhargas dos presbitérios,
esculturas de anjos, em completo relevo, flutuam sobre as paredes nuas e,
pela primeira vez na arquitetura cristã, torres cilíndricas aparecem nas
igrejas. Tudo isso acontece, curiosamente, em uma região do interior
brasileiro de difícil acesso e no justo momento em que o barroco estava
desaparecendo na Europa, perdido em seus exaustivos excessos.
(VASCONCELLOS, O barroco no Brasil, 1974, p.59).
O conhecimento prévio dos modelos europeus como estratégia para a
elaboração da arte barroca poderia, em uma análise mais superficial, apontar para um
procedimento copista, indicando incongruências com o construto pretendido pelos
modernistas de uma origem brasileira. Contudo, esta aparente contradição reverte-se de
360v
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As curvas que caracterizam a última fase do período Barroco mineiro assemelham-se à sinuosidade
empregada por Borromini em sua arquitetura, como vemos na igreja de San Carlo alle Quattro
Fontane (1665-1667), em Roma. Também o Rococó centro-europeu apresenta, de modo mais
coetâneo, similaridades com nossa arquitetura, que no Mosteiro de Melk (1702-1727), na Áustria, se
fazem sentir inclusive no bicromatismo da fachada.
361
uma releitura, de um beber na fonte, para um “regurgitar” do novo, para lembrarmos
Oswald de Andrade. Vasconcellos se antecipa intuitivamente às pesquisas
contemporâneas ao associar a obra do Aleijadinho e o Rococó mineiro em geral à
dinâmica dos espaços do Barroco italiano de Francesco Borromini (1599-1667), ou
mesmo do Rococó centro-europeu.
Curvas e contracurvas orientam e ondulam as construções, adotando então
os conceitos espaciais de Francesco Borromini (1599-1667).
[...]
Paralelamente as construções abandonam suas proporções pesadas e
românicas que caracterizam o “gosto” tradicional português. Ficam mais
elegantes, mais altas, com clara predominância das linhas verticais.
[...] O rococó brasileiro, mais que o português, e o de Minas Gerais, mais
que o litorâneo brasileiro, apresenta maiores similitudes com o da Europa
central. O rococó lusitano, tal como aparece na igreja de N. S. da Alegria,
de Lisboa, é bem mais discreto e mais apegado aos cânones renascentistas
que o neoclássico começava então a defender. O brasileiro, ao contrário, é
ousado e exuberante, ajustando-se muito mais aos modelos italianos e
germânicos dos que aos portugueses.
Não se identificaram ainda os canais de comunicação que introduziram
ditos modelos no Brasil, mas é de supor-se que se tenham desenvolvido
com base em gravuras de textos religiosos ou técnicos. Exemplares do
tratado de Vignola, por exemplo, foram assinalados em Minas Gerais, ainda
no século XVIII, e os desenhos góticos, usados em relevos e estátuas por
Antônio Francisco Lisboa (O Aleijadinho), confirmam seu acesso a
reproduções da arte européia não portuguesa. (VASCONCELLOS, O
barroco no Brasil, 1974, p.59-61).
Em Minas, afirma Vasconcellos, os modelos que irão compor o exuberante
quadro do Rococó não se restringem à Europa, “[...] aproveitando, inclusive, a
multiforme contribuição de seus componentes oriundos das mais diversas procedências:
a Índia, a Espanha, a África, a China, etc.” (VASCONCELLOS, A arquitetura colonial
mineira, 1978-1979, p.9).
Sylvio reconhece a necessidade de avançar sobre as fontes documentais no que
diz respeito à circulação dos modelos arquitetônicos entre a Itália, o centro-europeu,
Portugal e Minas Gerais, mais uma vez tomadas como provas legitimadoras. Três
décadas mais tarde, os historiadores têm mergulhado no objeto arquitetônico como
documento fundamental para delinear o trânsito de idéias e formas. Poderíamos mesmo
afirmar que, em uma escala ainda pouco extensa, os arquitetos do século XVIII estavam
elaborando para si uma rede de saberes, composta tanto pelos exemplos
arquitetônicos de além-mar, suas formas e tecnologias envolvidas, quanto pelos
significados inerentes à sua própria cultura.
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O tratado de Vignola foi um dos mais proeminentes textos referentes à Arquitetura desde sua
publicação em 1562 até meados do século XIX, quando outros textos, mais pragmáticos, passaram a
dominar o cenário do estudo das proporções.
362
De qualquer forma, poderíamos subentender um desejo de integração à matriz
cultural, mas o tema é paulatinamente eliminado em favor de uma transformação que
direciona a arquitetura setecentista mineira para a singularidade.
Consideremos, de início, algumas premissas básicas:
1 - Não temos uma arquitetura brasileira e muito menos, mineira,
propriamente dita. No período colonial, a falta de tradições locais imposta
pela ausência de civilizações pré-cabralinas e o afluxo considerável de
portugueses – aos quais ficou a inteira responsabilidade das construções –
teriam forçosamente de resultar em uma arquitetura reinol transplantada,
adaptada o quanto possível ao novo meio ambiente, adaptação que, no
máximo, lhe pode conferir o caráter de luso-brasileira.
[...]
No entanto, paradoxalmente, foram estas mesmas dificuldades que, em
grande parte, possibilitaram a caracterização das construções mineiras, a
ponto de lhes conferirem uma fisionomia quase peculiar, razão da
existência de uma verdadeira escola mineira, dentro do quadro geral da
arquitetura luso-brasileira. (VASCONCELLOS, A arquitetura colonial
mineira, 1978-1979, p.8, grifos nossos).
O mesmo procedimento é sensível na arquitetura moderna brasileira em relação
ao referencial europeu, particularmente se tomamos o edifício-sede do Ministério da
Educação e Saúde como exemplo. Ali, a equipe de arquitetos liderada por Lucio Costa,
apreende as lições corbusianas, e as depura para um gosto particular. O modernismo
brasileiro rapidamente irá configurar, sobretudo através da linha curva de Niemeyer,
uma expressão própria. Os dois tempos eleitos para a Arquitetura “verdadeiramente
brasileira” – Barroco e modernismo – operam através de redes de saberes, que
caracterizam-se pela ruptura de geografias e tempos. Autonomia, “decoro”, erudição e a
elaboração de uma rede de saberes formam, portanto, a base da construção do ideário
modernista da origem nacional. A dignidade do objeto compõe o valor memorial. Eleito
estava o Barroco mineiro.
Mas isto correspondia a um procedimento paralelo. Como vimos, toda seleção de
temas e objetos da memória implica em um esquecimento. Neste caso, um
esquecimento institucionalizado, defendido por argumentos que tanto legitimam o
Barroco como excepcional quanto execram as manifestações ecléticas, inclusive o
neocolonial. Se a memória é o fazer despertar do esquecimento, no âmbito institucional
ela é uma ação política, pois determina o que deve ser lembrado, escolhido, eleito,
selecionado, e o que deve ser esquecido, segregado.
Que consequências teria este modo de conceber as relações entre memória
e esquecimento no plano da memória social? A primeira conseqüência é a
introdução de uma suspeita: não basta pensarmos a memória social
engendrando os modos pelos quais os indivíduos sociais representam a si
363
próprios, às suas produções e às relações que estabelecem com os demais;
em outros termos: não basta supor que a memória dá forma e conteúdo à
identidade de um “eu”, de um grupo, sociedade ou nação. Pois admitir a
relação de forças entre memória e esquecimento implica admitir o quanto
essa grande abstração chamada “identidade” é ficcional, o quanto ela
implicou numa escolha política – ou “orgulhosa” –, o quanto ela se deve aos
nossos interesses práticos. Não podemos falar de memória, articulando-a à
identidade, sem inseri-la num afrontamento de forças e sem levarmos em
conta que a memória é, antes de mais nada, um instrumento de poder.
(Gondar in COSTA & GONDAR, 2000, p.37).
Jô Gondar aponta ainda para o processo de esquecimento do esquecimento,
como parte desta política de preservação que é, antes de tudo, uma forma de
segregação. Portanto, ao eleger o Barroco mineiro como arte genuinamente brasileira, e
salvaguardá-la como patrimônio da nação, os modernistas do IPHAN fizeram constituir
uma memória pronta, dada, previamente elaborada, o que equivaleu dizer a todo o
Brasil quem somos. Foram prontamente acolhidos.
Silenciamos para nós mesmos que um tal esquecimento é um ato, um fazer
social, tão histórico como nossa própria história. O esquecimento torna-se
assim um fenômeno natural, um processo espontâneo, causado unicamente
pela passagem do tempo. Mas uma tal naturalização encobre o devir criador
do fazer social: o tempo deixa aqui de ser encarado em sua permanente
alteridade e passa a ser visto como um caminho na direção do homogêneo,
do idêntico, da mesmidade. É o modelo entrópico do tempo que preside a
naturalização do esquecimento. (Gondar in COSTA & GONDAR, 2000,
p.38).
O papel das instituições de preservação seria, então, proteger a memória do
inexorável processo de entropia, de um mergulho infindo no esquecimento. Em
contrapartida, Gondar aponta para o risco da naturalização do documento, da recolha
simples e da “diminuição” de seu significado.
Mas a memória inscrita na “arquitetura menor” (Giovanonni apud CHOAY, 2001)
inscreve-se na estrutura dos fatos urbanos por meio de estratos, sedimentando-se à
revelia das tentativas de dispor aos olhos do mundo uma memória oficial. Há, portanto,
uma precariedade no equilíbrio de forças entre as camadas tectônicas subterrâneas e
aquelas que são feitas aflorar pelo Estado.
Sendo assim, é uma memória de curta duração, pois uma organização
social – que depende dos seus códigos e dos seus segmentos – não pára
de ser afetada por um movimento de descodificação que introduz o instável
e o esquecimento, formando um sistema em equilíbrio precário. (Maciel in
COSTA & GONDAR, 2000, p.15).
364
O próprio Vasconcellos, que havia integrado as fileiras modernistas, agita estas
camadas tectônicas ao reavivar o valor da arquitetura eclética. A despeito das críticas
ensejadas ao Ecletismo, uma revisão de posturas surge nos anos 60 – coincidente com
a revisão do racionalismo? – e os exemplos dessa arquitetura são cuidadosamente
revistos, sendo apontado tanto seu valor estético quanto técnico, considerado inovador,
e digno de preservação.
Embora, pois, sejam admiráveis os exemplos do passado, verifica-se que a
febre do “moderno” e das inovações tem conduzido ao menosprezo da
tradição, principalmente daquela mais próxima contra a qual se insurgiram,
inicialmente, as novas idéias artísticas que serviram de base à implantação
da arquitetura contemporânea.
A par de determinado apego às manifestações de maior esplendor e
requinte, observa-se que o interesse pela generalidade das construções
tradicionais é raro ou superficial. No entanto, são essas mesmas
construções que, de certo modo, traduzem mais fielmente o caráter de arte
nacional, no que ela possa representar de mais típico, por menos adstrita às
imposições alienígenas que lhe deram origem. (VASCONCELLOS,
Aspectos e detalhes da arquitetura em Minas Gerais, 1964, p.2 e 7).
Denomina esta arquitetura de “tradicional”, termo antes referente apenas ao
colonial. Ou seja, ao questionar a redução do passado ao setecentos e a consequente
adjetivação negativa do Neoclassicismo e, sobretudo, do Ecletismo praticados no Brasil
– respectivamente, a partir da chegada da Missão Artística Francesa em 1816, e na
passagem do século XIX para o século XX – Vasconcellos amplia o sentido de tradição.
A tendência agora é valorizar o passado. Contudo, só consideramos
“passado” o anterior a 1800. Parece que um século e meio, ou dois, é nosso
padrão de tempo na escala das antigüidades. Século XIX é ainda uma
classificação quase pejorativa; coisas do princípio do século em curso não
passam de trastes velhos. Da arquitetura correspondente nem se fale, meu
Deus; que horror!
Quando chegar o século XXI (bem próximo, aliás) perguntarão nossos
pósteros aflitos: onde estão as construções dos séculos XIX e XX? Que
houve no Brasil neste período que não deixou pegada? Por que estranha
razão sobreviveram os conjuntos coloniais e desapareceram todos os traços
materiais dos séculos dezenove e vinte? Mistério, amigo, profundo mistério.
(VASCONCELLOS, Olhe esta foto..., 1974, p.1).
Uma perspectiva crítica é incorporada: seria correta (ou mesmo democrática) a
escolha do Barroco como modelo exemplar? Teriam os modernistas do IPHAN a
autoridade legítima para definir o deveria ou não ser apagado da memória nacional? A
rigor, o Ecletismo é tão representativo de um momento da História brasileira quanto
qualquer outro movimento, em especial se considerarmos que os primórdios da
industrialização no país desenvolveram concomitantemente com as práticas
365
arquitetônicas criticadas pelos modernistas, justo eles tão apegados ao tema da
tecnologia. Contudo, o mais surpreendente na reversão da postura adotada por
Vasconcellos é a consideração de que se o Ecletismo representava uma interrupção na
sequência natural entre os momentos da verdadeira arquitetura brasileira, e agora este
estava sob a efetiva ameaça de constituir-se como hiato, como lacuna irreversível.
Ponho-me a lembrar de Belo Horizonte, das casas do Bairro dos
Funcionários, testemunhas dos primeiros anos da nova Capital; ponho-me a
lembrar da avenida Paulista, em São Paulo, com os mais requintados
palacetes jamais construídos no País; ponho-me a lembrar de Juiz de Fora,
de Botafogo e Flamengo, no Rio. Onde estão? Que fizeram deste nosso
passado? É o progresso, se dirá.
Quando chegar o ano dois mil o Brasil terá diante de si esta coisa estranha:
cidade coloniais de um lado, e cidades moderninhas por outro. Nada no
meio. Então os brasileiros perguntarão assustados: onde está a arquitetura
que esteve aqui?
Uma voz soturna responde à distância: gato comeu, gato comeu, gato
comeu. (VASCONCELLOS, Olhe esta foto..., 1974, p.1).
Em sua revisão crítica, Vasconcellos aponta, ainda, para o risco do pastiche. O
“colonial” – ou “colonioso” no jargão arquitetônico – praticado no boom da construção
civil pós-milagre econômico do início dos anos 70 é a tradução pobre de uma
supervalorização da linguagem utilizada no século XVIII.
Muito mais coisas se realizaram no mundo e no Brasil, de capital
importância para o futuro entre 1800 e 1950 do que nos três séculos
anteriores. No entanto, babamos com o nosso barroco, persistimos em
construir casas “coloniais” e nenhuma atenção concedemos ao período de
nosso Império e República. (VASCONCELLOS, Olhe esta foto..., 1974, p.1).
Há um duplo risco eminente evidenciado nesta fala: o arruinamento dos
exemplares típicos do Neoclassicismo e do Ecletismo, e um abandono dos princípios
modernistas de verdade estrutural, função precisa e plástica abstrata.
Não acreditamos que, por meio desta revisão crítica, Sylvio pretenderia
desconstruir o ideário tão laboriosamente erguido pelos modernistas, mas promover um
alargamento desta, que permitisse incorporar outros significativos conteúdos.
Corresponderia à incorporação do adjetivo “cultural” à noção de patrimônio, antecipando
uma perspectiva consolidada apenas no final dos anos 80. Em Sylvio, temas que de tão
corriqueiros não apresentariam o potencial abrigo de uma memória coletiva, como a
culinária, emergem com assiduidade.
O problema apresentou-se frente à supervalorização de que ultimamente
vêm se beneficiando os pratos de outras regiões do Brasil, especialmente
365v
381
O conjunto escultórico da portada da igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei, Minas
Gerais, pode ser considerado um dos mais significativos exemplares da obra do Aleijadinho.
Executado em 1790, resume as principais características da obra daquele mestre: dinamicidade, uso
de tarjas, incorporação dos medações, emprego de florões e outros elementos fitomorfos como
conexão entre as figuras e partes da composição.
366
os nortistas, ou melhor, os baianos e os sulistas. Os de Minas têm sido
relegados a plano secundário, inclusive pelos mineiros, sendo raras as
vozes que se levantam em defesa do tutú, do lombo ou da couve rasgada.
No entanto, não procede o fenômeno. Temos que a comida brasileira é toda
ela portuguesa, com ligeira contribuição negra e alguma adaptação
nacional. Esta origem, longe de lhe diminuir os méritos é que lhe dá
grandeza, conhecida a importância que os ilinóis atribuíam à sua
alimentação, o prazer que dedicavam ao seu tempero e a profusão e
variedade de acepipes que, no geral, não dispensavam. Temperos,
principalmente, que procuram com capricho e requinte a que não seria
estranha tradição mourisca e o contato com o oriente, no comércio das
especiarias, muitas delas ligadas, como a pimenta e o cravo, ao forno e
fogão. (VASCONCELLOS, Prosopopéia da cozinha mineira, 1955, p.3).
Uma ampliação de perspectiva, contudo, não significa uma negação de valores.
Vasconcellos reafirma frequentemente o significado de uma arte do passado como
espelho do devir, em que o Aleijadinho e Oscar Niemeyer são os protagonistas. Como
pesquisador da arte e da arquitetura colonial mineira, dedica suas argumentações
preferenciais a Antônio Francisco Lisboa.
Um dos argumentos mais difundidos pelos interessados em opor-lhe
restrições diz respeito à profusão inaceitável de suas obras, e este
argumento cresce de importância quando se considera a tendência –
vigorante após o largo período em que jazeram no esquecimento os
trabalhos do toreuta – a se lhe atribuir tudo o que de razoavelmente bom
participasse do nosso acervo colonial. Cada cidade, cada templo, cada
possuidor de peças antigas passou então a valorizar suas obras, incluindo-
as no espólio do mestre, dando causa, assim, a uma desconfiança
generalizada sobre seu trabalho. De um lado supervalorizações, excesso de
obras; de outro a negação quase absoluta de sua capacidade, completada
pela assertiva de que nossas melhores esculturas, provavelmente, teriam
sido importadas de Portugal. As naturais conseqüências de pontos de vista
tão contraditórios, tão divergentes, tiveram, no entanto, o mérito de
suscitarem estudos mais pormenorizados do problema visando – à luz de
pesquisas mais rigorosas – encaminha-lo a soluções menos extremadas.
(VASCONCELLOS, Sobre o Aleijadinho, 1956, p.104).
A rigor, os procedimentos de decoro, erudição e circularidade anteriormente
descritos devem-se, em grande parte, à “escola” de escultura e aos modelos
arquitetônicos desenvolvidos pelo Aleijadinho. Tal é o vulto da obra deste mestre que,
ainda hoje, suscita discussões acaloradas acerca de autorias e traços – que não nos
cabe aqui discutir. Concordamos, porém, com Vasconcellos quando afirma que
Contudo, o vulto que este último artista [o Aleijadinho] imprimiu aos seus
trabalhos, a desenvoltura, a liberdade e o tratamento solto, esvoaçante, com
que os compôs, não tem exemplo na história pátria. Procurando esclarecer
as fontes de inspiração que justificassem estas sobreportas, de imediato se
nos apresentam as composições heráldicas. Escudos, símbolos, fitas
falantes, coroas, ramagens, são os elementos fundamentais destas
composições que também aparecem nos trabalhos de Antônio Francisco
366v
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Sylvio de Vasconcellos e Lourival Gomes Machado debateram, ao longo de alguns artigos de jornal,
sobre as semelhanças e diferenças na obra de Lorenzo Ghiberti e Antônio Francisco Lisboa. A
opinião do arquiteto mineiro é sempre favorável à louvação da obra do Aleijadinho.
367
em arranjos similares. Achado muito feliz do artista que, a par de atender às
expressões do simbolismo cristão e das ordens, irmandades e confrarias,
possibilitou ainda solução de grande efeito para o enriquecimento das
fachadas. (VASCONCELLOS, A arquitetura colonial mineira, 1978-1979,
p.23-24).
Em uma curiosa sequência de artigos, Sylvio de Vasconcellos e Lourival Gomes
Machado (1917-1967) debatem a obra do Aleijadinho considerando o tema da
originalidade, tão caro aos modernistas. No primeiro texto, publicado no jornal “O Estado
de São Paulo”, Machado havia defendido que o escultor mineiro frequentemente
aproveitara-se de composições elaboradas pelo renascentista Lorenzo Ghiberti (1378-
1455). Vasconcellos de pronto vem a socorrer o Aleijadinho, e com ele todo o construto
modernista do “mulato genial”.
A despeito da competência do autor citado, da consolidada fé que desperta
seus anteriores estudos; a despeito do interesse e esforço postos na
pesquisa que empreendeu e da boa fé indiscutível com que defende seus
pontos de vista; a despeito ainda da possibilidade teórica do fato, não no
convenceu a descoberta. De início, vale acentuar que o ensaio publicado é
todo tecido de raciocínios visando explicar ou justificar as desemelhanças e
as desigualdades notadas nos dois trabalhos confrontados – de Ghiberti e
do Aleijadinho – visando, com a justificação das desigualdades, aceitá-los
como iguais. Ora, se a intenção, a descoberta, refere-se a uma igualdade, o
razoável seria apontar-se, profusamente as razões, os elementos e os
detalhes desta igualdade para só então de passagem explicar os elementos
diversos. O contrário é o que fez o professor Lourival Gomes Machado,
evidentemente preso ao desejo de examinar tudo quanto pudesse invalidar
sua tese, cremos nós, apriorística, prematuramente estabelecida. De uma
impressão inicial, decorrente do efeito, da sensibilidade semelhante que as
duas obras lhe provocaram, seguiu-se o desejo de aproximá-las em “tour-
de-force” racional, cujos resultados nos parece, porém, duvidosos.
(VASCONCELLOS, Aleijadinho, copista ? II, 1956, p.1).
Para justificar a posição e a significação do Aleijadinho no cenário nacional,
Vasconcellos arma-se de argumentos contrários a Machado, ou que dele passaram
despercebidos, não sem antes apontar-lhe as deficiências metodológicas, a despeito da
louvação de suas obras anteriores. Toma como discussão, inicialmente, o problema da
representação iconográfica na tradição artística cristã, uma verdade parcial, dado que
em diversos momentos da História da Arte os temas receberam novíssima roupagem.
Até mesmo o fato de Machado ter comparado um tema do novo testamento (Cristo
sobre as águas) a um do antigo (Jonas sendo jogado à baleia) é argumento para a
crítica. Toma peso a argumentação quando Vasconcellos passa a analisar as
composições em questão:
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[...] o tratamento especial [sic] no relevo de Ghiberti cultiva a profundidade,
a perspectiva, ao passo que no de Antônio Francisco é em plano, quase à
egípcia, em perfilados; o estático renascentista do primeiro não se coaduna
com o dinâmico barroco do segundo; o tratamento particular das figuras não
se corresponde. (VASCONCELLOS, O Aleijadinho, Lourival e eu, 1956,
p.1).
Mais plausível consiste, porém, a conclusão de que a “rotina” de uso de modelos
corresponde a uma prática artística virtuosa e “decorosa”, aceita e prezada pelo
Barroco, conforme discutimos anteriormente. A discussão levantada por Vasconcellos
foi acompanhada de réplica por parte de Lourival Gomes Machado, que se esforça por
contra-atacar, abandonando o tema em questão e tomando a discussão no plano
particular; e tréplica do primeiro, publicada em “O Aleijadinho, Lourival e eu” (1956), em
linguagem que oscila entre o desculposo e o irônico. De qualquer modo, para
Vasconcellos “Antônio Francisco representa bem essa consciência nacionalista e a
afirmação dos valores nativos, manifestantes em sua originalidade, bem como sua
independência em relação à rotina artística que então se processava.”
(VASCONCELLOS, Vida e arte do Aleijadinho I, 1964, sp).
Se o Aleijadinho é origem, Niemeyer é o devir. Em uma maior extensão, são
representantes, respectivamente, do fenômeno cultural barroco acontecido em Minas
Gerais durante o século XVIII e das manifestações contemporâneas.
Nas cinco décadas que precedem o século XIX Minas Gerais alcança seu
mais alto nível cultural, manifestado em todos os seus aspectos: na
escultura e arquitetura, com Antônio Francisco Lisboa; na música sacra,
com José Emerito Lobo de Mesquita; na literatura, com Tomaz Antonio
Gonzaga; e na pintura com Manuel da Costa Ataíde. Fenômeno cultural de
tal amplitude, contido em tão curto período, em uma região isolada e
agitada por violento “rush” de mineração, constitui-se, talvez, em evento
singular na história da humanidade, e certamente único na história da
América.
São as manifestações culturais mineiras que criam as bases
peculiares da sensibilidade brasileira: a capacidade de absorver e de
adaptar influências alienígenas; o amor à ordem e ao progredir que
aparecem na bandeira nacional como lema; a tendência à simplificação e ao
esquematismo; o apreço pelo substantivo em detrimento de suas
qualificações adjetivas ou adverbiais; a inclinação pelo pensamento lógico
cartesiano; o culto da elegância intrínseca e das formas contidas em tensa
expressividade; o senso apurado de humor, enfim, e o pavor do ridículo.
São estas as características que se revelam nitidamente nas manifestações
culturais brasileiras contemporâneas de maior significação: na literatura de
Machado de Assis, por exemplo, na música de Heitor Villa-Lobos, e na
arquitetura de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. (VASCONCELLOS, O
barroco no Brasil, 1974, p.63, grifos nossos).
O espelho que os artistas-síntese representam para a arte brasileira “[...]
possibilitou também a retomada da linha interrompida de nossa evolução plástica,
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marcando caracteristicamente as realizações de nossa arte contemporânea com o
cunho peculiar que não lhe podia faltar.” (VASCONCELLOS, Roteiro para o estudo do
barroco em Minas Gerais, 1968, p.14). E não excluiu, antes, fez integrar a “arquitetura
menor”, qualificada pela perfeita associação entre função, técnica e plástica, temas
desenvolvidos à exaustão pelos arquitetos modernistas.
Eis nossa arquitetura tradicional doméstica. Funcionalmente caracterizando-
se pela boa distribuição das plantas: parte nobre, parte íntima e de serviço,
autonomamente entrosadas; plasticamente desataviadas e singelas, mas
agenciadas em boas proporções, harmonicamente dispostas. Composições
claras, limpas, definidas, bem moduladas e rítmicas, ostentando uma saúde
plástica perfeita no dizer de Lucio Costa. Se lhes falta a ênfase que
civilizações mais apuradas conferiram às suas moradias, será exatamente
nesta despretensiosa beleza, nesta fisionomia não maquilada, que devemos
buscar seu valor e importância. Aliás, não é outro o caminho que vem
presidindo as melhores realizações de nossa arquitetura contemporânea.
(VASCONCELLOS, A arquitetura colonial mineira, 1978-1979, p.15).
Passado e devir conectam-se inexoravelmente por meio dos monumentos
excepcionais ou de uma prática construtiva correta e singela. Mas é em Minas, sempre
em Minas, que se expressa a consciência da nacionalidade. No Barroco de Antônio
Francisco Lisboa ou na Pampulha, no casario serpenteando branco por entre os vales
ou nos pilares em “V” tomados de empréstimo do edifício JK e repetidos por toda Belo
Horizonte. Em Minas, os artistas e arquitetos, barrocos e modernistas, sistematicamente
debruçam sua arte para a construção de uma idéia que está para além da forma.
Importa considerar, por exemplo, em virtude de sua fundamental
importância, o papel do artista no fato histórico de sua época, observado
este em toda sua amplitude, inclusive suas possíveis implicações na
formação da nacionalidade brasileira. Isto porque não se pode deixar de
aceitar que foi precisamente em Minas Gerais que, por circunstâncias
várias, se aglutinou de fato e se consolidou, de maneira marcante e
decisiva, o que se poderia chamar de consciência da nacionalidade,
confirmada, mais tarde, na independência. As artes, obviamente, não
estariam alheias a este fato histórico em processamento. Ao contrário, são
elas, exatamente, a objetivação do complexo cultural a que pertencem, sua
expressão maior e ápice. (VASCONCELLOS, O Aleijadinho e a consciência
de nacionalidade I, 1968, p.3).
Em longa carta enviada ao amigo Paulo Augusto Gomes, Sylvio expõe
argumentos sobre a elaboração de Minas como síntese do Brasil que se desejou
moderno. Fundamentalmente, defende a tese de que Minas compõe-se de erudição,
tradição, espírito de síntese, e nisto constitui a base da brasilidade, que irá maturar-se
dentro e fora dos limites do Espinhaço: nas ruas repletas do casario eclético percorridas
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por Machado de Assis; no maxixe de Chiquinha Gonzaga, mulher da elite que se
embrenha nos ritmos populares; na Lapa de Noel Rosa; nas curvas inventivas de Oscar
Niemeyer; na balada suave da Bossa Nova ou no protesto melódico de Chico Buarque.
Todos, de um modo ou de outro, retornam à Minas originária.
Muito obrigado pelos discos. O do Milton (Nascimento: “Minas”), de fato,
surpreendeu-me. Por tão diferente de tudo quanto é música nova no Brasil
de hoje. (...) O disco vem provar uma tese antiga minha, que já tenho
repetido inúmeras vezes, embora nunca ninguém prestando atenção. A de
que em Minas tudo é erudito, inclusive a arte do povo. Não há arte popular
em Minas, embora se insista em feiras de artesanato e arte popular, em
triste imitação de outras regiões brasileiras. Veja você: enquanto em todas
as outras partes a música continua sendo uma conseqüência do popular, o
samba inclusive, que baixou dos morros ao asfalto com Chiquinha Gonzaga
e Noel, apesar de toda a bossa nova que, de fato, o eruditizou um pouco, a
música de Minas que aparece com Milton (e só poderia ser de Minas) é
eminentemente erudita. Como cantochão, já se disse. Exatamente. E até se
faz com orquestra e regente, coisa que nunca apareceu antes em disco
chamado popular. E não copia, não se aninha nas modinhas (que por sua
vez eram eruditas, como valsas e não afro), não se romantiza em
romantismos piegas. Capta, ao contrário, o substantivo da sensibilidade
mineira, desprezando todos os adjetivos, todos os ornatos. Exatamente
como o barroco mineiro, que é o único do mundo que se faz intrínseco,
econômico, limpo, para enfatizar a ênfase estrutural. A mesma coisa que fez
Niemeyer na arquitetura. Brasileira em sua essência, sem ser neocolonial.
Ademais, sempre achei que é esta característica mineira da arte, nascida
em nosso barroco, que define o que pode haver de nacional na arte
brasileira. A limpeza da forma, a redução ao essencial, a contenção
emocional. No fundo, é a mesma origem da bossa nova que, no bom dizer
dos entendidos, pretendeu apenas “limpar” os excessos do samba popular.
Como o barroco mineiro limpou o barroco universal. Em uma quase
contradição impossível e imprevisível porque, afinal, o barroco se
caracterizava exatamente pelo ornamento, pelo excesso decorativo, pela
exuberância, posto tudo isso sobre estruturas ainda renascentistas e
clássicas. Pois o barroco mineiro fez esse milagre: conseguir um barroco
sem exuberância, expressado apenas na forma íntima.
Esta tese é linda e, creio firmemente, importantíssima para o entendimento
da sensibilidade tipicamente brasileira. Que se vai notar em Machado de
Assis também. Afinal, o Rio foi, em sua formação e desenvolvimento, um
prolongamento de Minas. Era sua saída para o mar e só por causa de
Minas virou capital do país. O curioso é, ainda, e isso não se pode dizer,
que as tendências nacionais na arte se enfatizam exatamente nos
momentos de procura de libertação (caso brasileiro). Barroco mineiro na
luta pela independência; Machado de Assis na luta pela República do
iluminismo francês contra o conservadorismo monárquico; Niemeyer na luta
contra a ditadura de Vargas, prefácio da democracia de 1945. Agora Milton
Nascimento e se pode inferir o resto. É claro que são nestes momentos que
se agiganta o amor pelo país e por sua alma mais verdadeira e expressiva e
o amor pela tradição essencial, muito mais significativa do que o pieguismo
romântico popularesco que tem conotação regional e não nacional, com
pouco conteúdo por detrás.
A música de Milton não é fácil. É difícil. E espanta, a princípio, que tenha
tido êxito de venda. O espanto, porém, se explica. Exatamente pelo que vai
escrito acima. É música que expressa e coincide com a sensibilidade
nacional no que ela tem de mais intrínseco. O povo consumidor não
identifica a coisa, não sabe os porquês, mas sente e inconscientemente
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ama. A propósito, lhe conto uma experiência de Portinari. Quando estava
pintando o painel interior da capela da Pampulha, havia um painel provisório
que escondia a pintura sendo feita. Portinari mandou fazer buracos no
painel para que visitantes pudessem espiar a pintura e ficava escutando o
que diziam. O que mais lhe impressionou foi que o povo mais humilde (e
mais sincero, em conseqüência) dizia sempre: não entendo nada, mas é
muito bonito. É o que se pode dizer do Milton agora. Pode ser que o povo
diga que não entende a música; mas a adora. Porque é o que o Brasil tem
de mais seu em matéria de arte. Razão pela qual o povo gostava de
Guignard. Simples, puro, límpido. Enquanto os outros artistas brasileiros,
até hoje, continuam com um olho grande na arte européia, copiando e
refazendo. E agradando muito à sofisticada gang dos milionários
conservadores. Porque estes têm horror do que seja coisa tipicamente
nacional, que de nacional se vai ao nacionalismo e... Daí, também, o apego
ao popularesco, como uma espécie de concessão da nobreza à miséria.
Como é engraçado, não? Os pobres sempre inventam coisas... São muito
interessantes; como os animais amestrados de circos. Daí, também, o
apego à arte alienada do abstracionismo inconseqüente universal, que vem
sendo glorificada nas bienais. É engraçada e sem perigo. Diverte. Já a
bossa nova, que se inclina a padrões nacionais pela limpeza, começa a
preocupar. Incomoda. Chico (Buarque) incomoda. E não é pelas idéias ou
pelas palavras que diz. É muito mais do que por isso. É pela forma mesma,
pelo caráter formal artístico que explora uma das poucas coisas que temos
realmente, especificamente, nacionais. A conotação que apareceu no
barroco mineiro. Por isso preferem os grandes valorizar a Bahia, ou o
Recife. Porque são tradições portuguesas. Barroco de Minas é coisa mais
séria e perturba. Por isso me encantou a música de Milton. Não é música
para a gente gostar. Não distrai, não diverte (gosto mais dos sambinhas
para isso). Mas é coisa muito grave e importante. O coro das crianças em
plano de fundo, ou lateral; o plano do coro de adultos; a harmonização
instrumental; o apelo, em plano primeiro, do vocalista. São planos
superpostos em perspectiva que nunca antes havia percebido em música.
Creio que nem tudo se deve exclusivamente ao Milton, pois que há um
grupo à sua volta com contribuições também. Mas tudo se deve a Minas. Ao
que ficou e sempre ficará e existirá como peculiaridade constante da arte
brasileira que nasceu em Minas. Tese na qual ninguém acredita, ou presta
atenção. Porque mineiro não se dá em examinar ou valorizar Minas. Apesar
do que, Minas continua. E o êxito de Milton aí está para confirmar que
Minas continua. Embora poucos se apercebam disso. Não porque seja
Minas, mas porque expressa o que é brasileiro, expressão que, por
circunstâncias, nasceu em Minas. Você tem toda a razão quando diz que a
música lhe parece clássica. Apenas você empregou a palavra “clássica” por
erudita, ou clássica em contraposição ao que é romântico. Absolutamente
certo. (VASCONCELLOS, Carta a Paulo Augusto Gomes, 04.06.74 in
Presença de Sylvio de Vasconcellos: Minas, a mineiridade, 1998, p.5).
Em poucos de seus textos, Vasconcellos expressa tão abertamente seu
entendimento político – e vejam que, como bom mineiro”, fala sem dizer. O conteúdo
político, aqui, resvala, de certa forma, nas questões da ordem social, como a ditadura de
Vargas ou dos militares. Mas o sentido político mais explícito está no papel assumido
pela arte mineira em erguer uma consciência coletiva, aqui reunido na crítica à obra de
Milton Nascimento. A “linda tese” da “sensibilidade tipicamente brasileira” é seu ato mais
subversivo, porque ultrapassa governos e tempos.
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Sylvio nos dá a ver uma Minas sofisticada, elaborada, em que não se separam o
erudito e o popular. Uma Minas originada no setecentos, e que se revela em um
continuum. Uma Minas em que as artes constróem os lugares e os homens, criando um
liame atemporal entre eles.
CONCLUSÃO
REDE DE SABERES
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Um grupo de estudantes e arquitetos
a maioria professores do Paraná
entre eles:
Roberto Gandolfi, Jaime Lerner, Marcos Prado e outros.
Despedem-se de um homem alto.
A tentativa de se reorganizar o curso de arquitetura da U.N.B.
Fora novamente bloqueada.
Partem...
O homem solitário, muito alto
olha as esculturas de Mário Cravo.
Talvez com saudades dos profetas de Congonhas.
Mistura-se com elas num conjunto
de grandeza e solidão.
(MAIA, 1979, p.23).
Dois elementos curvos entrelaçados. Um parte do solo e arranca
vertiginosamente, qual pináculo, em direção ao espaço. Outro lhe abraça, nele se
enrosca, como em ninho, vizinho ao chão. As porções de pedra-sabão que se
desprendem fazem aflorar o concreto que as sustém. Em meio ao talude gramado,
tendo por pano de fundo a fachada envidraçada do volume modernista, ergue-se o
monumento. Em 1969, esta foi a visão deixada por Sylvio de Vasconcellos – que pouco
depois seguiria para o exílio voluntário nos Estados Unidos – de Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho.
O objeto escultórico é passível de uma descrição que permite a caracterização
física, sob uma linguagem técnica específica: implanta-se à meia-encosta do terreno
situado diante da fachada da Reitoria da UFMG, edifício projetado por Eduardo Mendes
Guimarães, Gaspar Ferdinando Garreto e Ítalo Pezzutti em 1957. Por meio de sua forma
sinuosa, conseguida através das placas em concreto armado, polariza o vazio e
distingue-se da caixa cúbica envidraçada que caracteriza o edifício vizinho. O sistema
estrutural deveu resolver as tensões estáticas tanto da agulha vertical conformada pelo
maior volume, quanto da ponta alongada da placa curva mais baixa, que tende à
horizontal.
Mais do que descrever suas formas – elas estariam incompletas em seu sentido
–, é seu significado enquanto monumento o que em especial nos interessa. Como signo
de um passado, o monumento perpetua uma lembrança, impedindo o esquecimento.
Vasconcellos faz recordar, por meio de formas plásticas complexas, o sujeito cuja
memória se quer perpetuar. O conhecimento e a interpretação da obra de Antônio
Francisco Lisboa por Vasconcellos são, neste sentido, importantes para a elaboração do
projeto do monumento, em que dois planos curvos tensionados se complementam, sem
dúvida uma das características da obra do Aleijadinho. Para um completo entendimento
do sentido deste objeto-monumento, é preciso retornar à interpretação que Sylvio faz da
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obra do mulato: a arquitetura de Antônio Francisco Lisboa é ousada e exuberante,
inspirada em múltiplas fontes, que vão de Francesco Borromini a Dominikus
Zimmermann (1685-1766), ultrapassa a rígida e conservadora arte lusitana, apegada a
regras, para compor edifícios que não se igualam cá ou em além-mar.
Ao destacar a circulação de modelos estéticos durante o período barroco
trânsito do qual Antônio Francisco Lisboa participa ativamente absorvendo e
interpretando tendências para depois convertê-las em desenho autônomo –, Sylvio de
Vasconcellos demonstra, no século XX, a composição de uma rede de saberes. Em
sua análise, o internacionalismo da arquitetura setecentista mineira compõe-se de
diversos elementos, lusitanos, italianos, germânicos e mulatos, cada qual com sua
particularidade, associados para compor uma arte nova. Ao elucidar os mecanismos
utilizados pelo Aleijadinho para a construção de uma arquitetura própria, Vasconcellos
faz aflorar os valores que irão instituir a obra deste mulato como patrimônio coletivo,
fazendo emergir sua memória.
O tema da memória exige uma dupla-reflexão: por Sylvio, nos atos relativos a
lembrar e preservar, tal como no monumento ao Aleijadinho; e nosso, no desvelamento
do sentido público destas ações. Três são os aspectos a serem destacados: a memória
como ficção; a memória como rememoração não-excepcional; e a memória como
lembrança e esquecimento.
Sobre o caráter ficcional da memória, “Na fantasia do tempo, [em que] todos os
figurantes se transformam em fantasmas [...].” (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, sp), Vasconcellos coaduna-se com as contemporâneas concepções
acerca do tema, presentes em Le Goff (1984), que aponta para a definição do ato
mnemônico como uma narrativa, dotada de linguagem e temas selecionados pelo
sujeito. Neste sentido, a memória é projeção, construção de uma meta-realidade que
cumpre o fim de desenhar uma identidade, pessoal ou coletiva.
No prólogo de suas memórias, Vasconcellos esforça-se por caracterizar a
banalidade dos eventos narrados, passíveis de ocorrer na vida de qualquer indivíduo. A
identidade reside precisamente no “[...] processo de retenção e rejeição de experiências
vividas, com as quais cada indivíduo se define.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre
presente, 1976, sp).
Também de modo integrado às discussões contemporâneas acerca da memória,
Vasconcellos indica a importância do esquecimento para a elaboração das lembranças,
ali ainda preenchidas de um sentido individual. A rigor, se o esquecimento conduz a
uma segregação, a um isolamento recalcado e resistente na entropia do tempo, o
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lembrar consiste na seleção, na escolha. Persiste, contudo, no tempo presente – título
da obra.Ao dar a ver objetos antes submersos no Letes, Sylvio – este mnemon
moderno, responsável por guardar a lembrança do passado em prol público – elege
como dignos temas de valor memorial: o sentido do habitar humano, a cidade como
locus da modernidade, o papel social do arquiteto. Compõe, a partir daí, um quadro
mais amplo, de ação política, pública, selecionando os objetos pertencentes ao
patrimônio coletivo. Para Goody (apud Le Goff, 1984, p.18), “O triplo problema do
tempo, do espaço e do homem constitui a matéria memorável [...]”, o que nos faz
apontar os temas de Vasconcellos como a-temporais, sem-tempo, imersos na rede de
saberes tecida pelos intérpretes da tradição cultural, ou, tomando de empréstimo a
expressão de Gombrich (1984), “i custodi della memoria”, os guardiães da memória. A
concepção de tempo, para Vasconcellos, ultrapassa o sentido aferido pela ciência
moderna ocidental, em que
[...] a característica mais fundamental da concepção ocidental de
racionalidade é o facto de, por um lado, contrair o presente e, por outro,
expandir o futuro. A contracção do presente, ocasionada por uma peculiar
concepção de totalidade, transformou o presente num instante fugidio,
entrincheirado entre o passado e o futuro. Do mesmo modo, a concepção
linear do tempo e a planificação da história permitiram expandir o futuro
indefinidamente. (SANTOS, 2004, p.779).
Sylvio inverte esta racional concepção, dilatando o tempo da memória, que se faz
presente e se dirige a um futuro a ser construído: “Pois que “penso, logo existo”, mas
não sei quem sou.” (VASCONCELLOS, Tempo sempre presente, 1976, sp). O
cartesianismo científico não basta para definir o sujeito. É a memória que diz ao homem
quem ele é, quem somos – para retomarmos seu sentido coletivo.
Tomados em conjunto, memória e sentido público irão compor os “elementos
sem nome” capazes de fazer da Arquitetura um campo pleno de significação, diverso da
construção banal. Respondem, através de Sylvio de Vasconcellos, às nossas
inquisições acerca do papel social do arquiteto e dos meios empregados para difundir o
projeto de uma sociedade transformadora. Quer seja na casa, na cidade, no objeto
cotidiano ou no monumento, cabe ao arquiteto a construção de espaços cuja qualidade
permita serem dotados de sentido coletivo, para compor uma memória comum.
Podemos, então, considerar o monumento ao Aleijadinho uma alegoria da
composição de uma rede de saberes por parte de Sylvio de Vasconcellos. Naquele
objeto, uma estrutura – composta por matéria tátil e por forma expressiva, logo subjetiva
– recebe partes agregadas, elementos exógenos que vêem dar sentido ao objeto final.
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O painel de pequenas peças compõe nesta, assim como em toda a obra de Sylvio de
Vasconcellos, inclusive a literária, um quadro, um mosaico, um quebra-cabeças de
imagens e personagens: Le Corbusier, a casa paulista, a igreja de Nossa Senhora do Ó
em Sabará, o uso da telha Eternit em substituição aos telhados cerâmicos e como
alternativa às lajes planas, as curvas sinuosas de Antônio Francisco e Niemeyer, as
chinelas do mineiro acabrunhado junto aos fogões de lenha, o Parque Municipal, o fox-
trote embalando festinhas nos gramofones, os penetrantes olhos azuis de Gropius e os
serenos bigodes de Lucio Costa, o cobogó e o pau-a-pique e o adobe, o automóvel e o
bonde, a “avenida”, a demolição do Pruitt-Igoe, as cerejeiras em flor, o naco de
goiabada. Aparentemente sem sentido, por meio de uma operação sistemática porém
sensível do arquiteto, os elementos isolados compõem o desenho final, provido de
intenções significantes capazes de revelar sentidos coletivos. Vasconcellos não nos
abre, contudo, um receituário; antes, seu conselho é pela busca de uma definição
própria de valores:
A criação é processo individual. Eminentemente individual. Não alimente
esperanças de manter um grupo criativo. E não desperdice sua capacidade
tentando fazer andar a outros. Aplique-a em suas próprias iniciativas. Cada
ser humano tem suas características próprias e estas escrevem sua
particular história. Você começou a imprimir sua história própria. E a
escrevê-la. Continue com ela. Pouco importam as histórias paralelas ou
cruzantes à sua. Personagem importante é você mesmo. Em seu mundo
interior e no mundo cá fora. Se você pretende escrever, dirigir e filmar
histórias, comece por escrever, definir e dirigir sua própria história. E isso é
belo!
Viver é muito perigoso, disse Guimarães Rosa. Mas é a ousadia, a
afirmação de si mesmo que justifica a vida, a dignifica e a faz válida de ser
vivida. É exatamente a juventude que permite esta ousadia e, perdida a
juventude, estará perdida também a ousadia. Aproveite, pois, sua
juventude, seus impulsos (dela). E se afirme. (Vasconcellos apud GOMES,
1998, p.4).
A rigor, um mosaico é, para as artes plásticas, uma forma de expressão em que a
composição – o todo – é feita por partes individuais, cujo sentido originário se completa
no conjunto. A nosso ver, também uma rede de saberes se organiza por um
procedimento compositivo semelhante. A partir de um cerne (ideário), o autor elabora a
recolha de elementos e ordena sua disposição de modo a alcançar um resultado
significativo para a coletividade, de modo a expressar sentido. Contudo, difere-se de um
mosaico pois não desenha um objeto acabado; ou seja, a diferença entre a operação de
composição de um mosaico e a construção de uma rede de saberes reside no sentido
pronto do primeiro, e no contínuo fazer-se do segundo. Uma segunda distinção nos
parece fundamental. No mosaico, a peça somente completa-se de sentido se contida no
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todo – o que indicaria uma positiva relação com nossa defesa, inspirada em Sylvio de
Vasconcellos, dos valores coletivos. Contudo, na rede de saberes, o objeto não perde
sua significação dentro do quadro final, mantendo sua autonomia. Isto lhe garante – e
aqui reside o fundamental nexo do procedimento de elaboração da rede de saberes – a
possibilidade de constituir ele próprio ponto de partida para novas redes relacionais. Não
constitui fim em si mesmo, mas permite a contínua construção de sentido.
A rede de saberes elaborada por Vasconcellos é uma matriz matemática
composta por duas ordens de elementos compositivos – endógenos, internos, referentes
a seus pares, ou aqueles que participam de sua própria cultura – e exógenos, externos,
por vezes estranhos, mas que sucitam o encantamento. A composição da rede de
saberes por Vasconcellos dá-se, ainda, por três esferas de conexão entre os
elementos: temporal, que percorre a História em busca de elos de referência;
geográfica, que lida com vínculos culturais locais; e científica, referente aos diversos
campos de saber que compõem o conhecimento humano/humanístico.
As conexões de ordem temporal, embora frequentemente estejam versadas em
direção a um conhecimento do passado, têm como meta a elaboração de um sentido
que ultrapassa o presente, constituindo um projeto, portanto, conectada ao futuro. A
ordem geográfica incide sobre o locus da operação; ou seja, ainda que os elementos da
matriz sejam externos à cultura local, os vínculos a serem estabelecidos devem
considerar o lugar como campo de atuação. Por fim, a ordem científica e seu
característico alargamento em direção a uma ciência não cartesiana, aberta a outros
conhecimentos, traduz a dinamicidade maior da rede de saberes. Gombrich (1985) nos
fala de um “tecido orgânico”, gerado por idéias e valores nascidas de intelectuais
“genitores”, ou ainda, da multiplicidade de fontes disponíveis para a composição de
nossa cultura.
Senhoras e senhores, o programa que tendes em mãos está impresso em
caracteres do alfabeto que derivam do fenício, modificados pelos gregos,
pelos romanos e pelos escribas carolíngios, em formas que foram tomadas
ao longo do Renascimento italiano; os números são originados da antiga
Índia através do árabes; o papel sobre o qual o programa está impresso é
uma invenção chinesa trazida para o ocidente no século VIII, quando os
árabes aprisionaram alguns chineses que lhes ensinaram a sua fabricação.
A palabra “Friday” deriva da substituição de uma deusa teutônica, Frigg,
pela antiga deusa Vênus, ou melhor, pela divindade celeste à qual era
dedicado, na antiguidade, o ciclo de sete dias que chamamos semana.
Somos herdeiros, portanto, de muitas e diversas civilizações. (GOMBRICH,
1985, p.15, tradução nossa)
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.
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Signore e signori, il programma che avete in mano è stampato in caratteri alfabetici che derivano dal fenício,
modificati dai Greci, dai Romani e dagli scribi carolingi, in forme che furono riprese nel corso del Rinascimento
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As esferas de conexão temporal, geográfica e científica entre os elementos
endógenos e exógenos não são elaboradas aleatoriamente. Para compor um quadro
que produza sentido para além do âmbito individual– talvez aqui nos seja útil a
referência aos mosaicos – a operação ou melhor, a construção dos “produtos” da rede
de saberes (a casa, a cidade, o monumento) exige do arquiteto rigor e consciência.
Define-se, então, um sentido mais amplo à ars combinatoria de Leon Battista Alberti em
“De re aedificatoria” (1475), em que as partes proporcionadas de um edifício devem
compor-se segundo uma atitude equilibrada do arquiteto, em jogo combinatório que
conduza à idéia de beleza. Aqui, a perspectiva sobre o conhecimento científico permite
incorporar o conhecimento não-científico, pois:
Os estudos de ciência, tecnologia e sociedade têm mostrado que mesmo as
ciências modernas são o resultado emergente e situado da intersecção e
articulação dinâmica de actores humanos, entidades vivas não humanas,
recursos institucionais e financeiros. Por construção entende-se o processo
através do qual elementos ou entidades heterogêneos (actores humanos,
outros seres vivos, instrumentos, materiais, recursos institucionais,
competências, tecnologias) são articulados de modo a dar origem a algo
que não existia antes, e que não se limita a uma simples soma dos
elementos previamente existentes. (Nunes in SOUSA, 2004, p.67).
O objeto-monumento está, hoje, incompleto. No parcial estado de arruinamento,
as partes desprendidas representam, na alegoria, não a perda e a decomposição, mas a
incompletude que, entendida não sob um aspecto negativo mas processual, denota o
fazer-se, o construir-se contínuo do arquiteto-humanista. A composição de sua rede de
saberes é passível de completar-se continuamente, há sempre um novo/outro
interlocutor com quem dialogar, e neste novo/outro diálogo de saberes se redesenha o
mosaico inicial. Da ambivalência de princípios, diversas vezes apontada ao longo do
texto, Vasconcellos alcança a revisão de suas próprias idéias, demonstrando que o
amadurecimento intelectual é também uma das formas de construção do arquiteto, este
homem fruto das circunstâncias de seu tempo, que não se limita à resignação dos
eventos, mas que projeta uma e para uma sociedade melhor.
Por outro lado – mais uma vez tomando como alegoria o monumento ao
Aleijadinho – o todo pode ser recomposto pelo rearranjo das partes, e esta operação
italiano; i numeri ci sono pervenuti dall’antica Índia per il tramite degli Arabi; la carta su cui il programma è
stampato è un’invenzione cinese giunta in Occidente nell’VIII secolo, quando gli Arabi fecero prigionieri alcuni
cinesi che insegnarono loro l’arte della fabbricazione della carta. La parola “Friday” deriva dalla sostituzione di
una dea teutonica, Frigg, all’antica dea Venere, o meglio, alla dea celeste cui era dedicato, nella tarda antichità,
quel ciclo di sette giorni che chimiamo settimana.
Siamo eredi, dunque, di molte e diverse civiltà.
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exige uma atitude reflexiva que resulta e deve denotar uma intenção. Retornando a
temas parcialmente levantados na introdução deste texto, em especial o que tange à
nossa prática profissional, esta atitude de rearranjo das partes não requer a execução
tão somente pelo autor original. A rigor, a ciência do Restauro (discussão que nos
interessa particularmente) trata desta recomposição. É preciso, ao arquiteto-restaurador
ou intervencionista, caso comum às inserções contemporâneas em edifícios e/ou
núcleos históricos, compreender as partes constituintes, bem como a estratégia que
elabora o arranjo entre as mesmas, para, em uma atitude reflexiva mediada pelo
procedimento historiográfico, atuar de modo a revelar o objeto como parte integrante de
uma realidade presente. O procedimento de projeto – do objeto-monumento, da casa,
do texto, da sociedade e de si mesmo – utilizado por Sylvio de Vasconcellos constitui, a
nosso ver, uma didática da profissão.
O procedimento historiográfico consistiria, portanto, no conhecimento das partes
para a compreensão do todo. Exige do historiador o prescrutinar não apenas de um dos
pontos da rede de saberes, mas fundamentalmente das interações tecidas entre seus
diversos componentes, fugindo a uma cartesiana relação causa-efeito para a
composição da ciência. Desta maneira, constitui trabalho que não se exaure neste
volume, mas que permite a investigação, a descoberta, o conhecimento por uma miríade
de temas, assuntos, relações, objetos. Vasconcellos cita Oscar Wilde, para finalizar
artigo publicado sobre Manoel da Costa Athaíde (1949):
O IDEAL
Frequentemente se diz que a tragédia do artista é não poder realizar o seu
ideal. Mas a verdadeira tragédia que segue os passos [de] muitos artistas é
que realizam seu ideal demasiado plenamente. Pois o ideal cumprido fica
despojado de seu mistério e maravilha, e converte-se simplesmente num
novo ponto de partida para outro ideal. (WILDE apud VASCONCELLOS,
Manuel da Costa Ataíde, 1949, p.59).
A partir de todos estes elementos – a memória e o sentido coletivos de seus
monumentos, a composição de uma rede de saberes que entremeia o particular e o
universal, a ação pública em prol da transformação da realidade, o versar a atuação em
direção ao bem comum, os “bons propósitos” –, a Arquitetura ganha dimensão mais
ampla, que está para além da forma.
Ao longo desta tese, procuramos demonstrar como Sylvio de Vasconcellos leu,
reconheceu, interpretou e recompôs a seu modo os elementos que diante dele se
dispunham. Encerramos por ora estas reflexões. Estamos, contudo, e o processo de
reflexão que nos foi indicado pela perspectiva de uma rede de saberes assim exige,
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cientes de que a discussão aqui apresentada é, por natureza, incompleta. A rigor,
constitui um exercício em aberto de desvelamento da tessitura/composição da
rede/mosaico, pois que infinitamente disposto à investigação, por meio de novas
conexões e questões.
O homem alto inspira a uma construção contínua de um mundo melhor.
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ANEXOS
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura dois estudos. Porto Alegre: Instituto
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407
Artigos de jornal
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12 fev. 1956. Suplemento Literário, p.1-2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Aleijadinho, copista? (II). Diário de Minas, Belo Horizonte,
19 fev. 1956. Suplemento Literário, p.1-2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O “Gotiscismo” na arte mineira. Diário de Minas, Belo
Horizonte, 11 mar. 1956. Suplemento Literário, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Cronologia das igrejas mineiras. Diário de Minas, Belo
Horizonte, 08 abr. 1956. Suplemento Literário, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O Aleijadinho, Lorival e eu. Diário de Minas, Belo
Horizonte, 08 abr. 1956. Suplemento Literário, p. 1 e 5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Sobre o Aleijadinho (II). Diário de Minas, Belo Horizonte,
31 jul. 1955. Suplemento Literário, p.1-2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Prosopopéia da cozinha mineira. Diário de Minas, Belo
Horizonte, 07 ago. 1955. Suplemento Literário, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Cronologia das igrejas mineiras. Diário de Minas, Belo
Horizonte, 27 ago. 1956. Suplemento Literário, p. 1-2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os portugueses em Minas Gerais. O Diário. Belo
Horizonte, 13 jun. 1957. p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Constantes variáveis da arquitetura religiosa tradicional
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Roteiros para o estudo do Barroco em Minas Gerais. O
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Contradição e arquitetura. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 31 ago. 1957. Suplemento Literário, p.5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura paulista em Minas. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 05 out. 1957. Suplemento Literário, p.8.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Formação das povoações de Minas Gerais. O Estado de
São Paulo, São Paulo, 29 mar. 1958. Suplemento Literário, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vistas de Ouro Preto. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 14 jun. 1958. Suplemento Literário, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Constantes peculiares à arte brasileira contemporânea. O
Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 1958. Suplemento Literário, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Pinturas setecentistas são recuperadas em templos de
Minas. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 23 nov. 1958. p.7.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A família mineira e a arquitetura contemporânea. O
Globo, Rio de Janeiro, 31 jan. 1961. p. 18.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Depoimento sobre Guignard. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 21 jul. 1963. Suplemento Dominical, p.1.
408
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vida e arte do Aleijadinho (I). O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 23 ago. 1964. 3
a
seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vida e arte do Aleijadinho (II). O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 30 ago. 1964. 3
a
seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vida e arte do Aleijadinho (III). O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 06 set. 1964. 3
a
seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O nosso banho de cada dia. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 04 mar. 1965. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura atual em França. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 27 mar. 1965. Suplemento Literário, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Portugal, pois, pois. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
04 nov. 1967. Turismo, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A arquitetura dos templos. Minas Gerais. Belo Horizonte,
15 jul, 1967. Suplemento Literário, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Pintura em crise. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 30
jul. 1967. 3ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Relato onde se prova que turismo em Minas não é só
Ouro Preto. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 04 ago. 1967. 3ª seção, Turismo, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Dengosa é Diamantina. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 08 set. 1967. Turismo, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. As cidades, a planificação e a vã filosofia. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 10 set. 1967. 3
a
seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Serro do Frio, a que é a sempre aritocrática Vila do
Príncipe. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 15 set. 1967. Turismo, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O Museu de D. Oscar. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10 nov. 1967. Turismo, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A beleza da máquina. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 12 nov. 1967. 3ª seção, p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Três maneiras de viajar tendo Paris como exemplo. O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 17 nov. 1967. Turismo, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De como Minas Gerais se deixa amar, ou oh! Minas
Gerais. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 19 nov. 1967. 2ª seção, p. 5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vamos conhecer o Chile lindo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, Belo Horizonte, 01 dez. 1967. Turismo, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Goticismos mineiros. O Estado de São Paulo, São Paulo,
v. 2, n. 63, 04 jan. 1968, Suplemento Literário, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Prefeitura da capital contra a arquitetura. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 07 mar. 1968. 3
a
seção, p.8.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Brasília, experiência em marcha. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 14 mar. 1968. 3
a
seção, p.8.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Inquietação da juventude – Origem e razão (II). O Estado
de Minas, Belo Horizonte, 07 mai. 1968. 3ª seção, p. 3.
409
VASCONCELLOS, Sylvio de. Da arte de ser simpático e sua triste significação. O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 23 jun. 1968. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O Aleijadinho e a consciência de nacionalidade (I). O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 30 jun. 1968. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O movimento poder jovem. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 14 jul. 1968. 3ª seção, p. 8.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os tesouros encobertos destas Gerais. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 25 jul. 1968, Turismo, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Viajar é vestir a camisa listrada e sair por aí. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 26 jul. 1968. Turismo, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Literatura na civilização mineira. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 28 jul. 1968. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Minas já nasceu cantando o amor. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 13 ago 1968. 3ª seção, p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Galo sofrido, macumba e várias outras bossas. O Estado
de Minas, Belo Horizonte, 19 set. 1968. p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Augustos desenhos de Augusto. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 22 set. 1968. Espetáculo, p. 5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Planejar significa também continuar. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 05 out. 1968. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O urbanismo brasileiro e o técnico estrangeiro. O Estado
de Minas, Belo Horizonte, 15 dez. 1968. 3
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Belô, meu amor. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 24
dez. 1968. 3ª seção, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Ataíde ou a marginalização da pintura barroca. Minas
Gerais, Belo Horizonte, 25 jan. 1969, Suplemento Literário, p. 1-3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A falsa modéstia, a face oculta da vaidade. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 08 fev. 1969. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Tiradentes, o réu. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 21
abr. 1969. 1ª caderno, p. 5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. História sem retoques do Museu de Arte da Pampulha. O
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Poupança. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 1969. 3ª
seção, p. 5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Academismo, o que é. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10 jan. 1970. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O impressionismo ou a hora da verdade. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 21 jan. 1970. 3ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Expressionismo, a força da emoção. O Estado de Minas,
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Picasso entra em cena: é a revolução do cubismo. O
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VASCONCELLOS, Sylvio de. O abstracionismo ou onde estão os namorados? O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 12 fev. 1970. 3ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O abstrato virou concreto. O Estado de Minas, Belo
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Pop-op-Pop-op-Pop o fim da linha. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 25 fev. 1970. 3ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Litografia – arte para o povo. O Estado de Minas, Belo
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Fofoca uma arte difícil. O Estado de Minas, Belo
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VASCONCELLOS, Sylvio de. O povo americano tal qual eu vi. O Estado de Minas,
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Washington, cidade das cerejeiras. O Estado de Minas,
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VASCONCELLOS, Sylvio de. Os americanos, os nossos ricos amigos. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 10 jun. 1970. 3ª seção, p. 3.
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Estado de Minas, Belo Horizonte, 25 jun. 1970. 3ª seção, p. 5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Nova York, a caldeira do diabo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 05 jul. 1970. Turismo, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Inflação à americana. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 08 ago. 1972. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A indústria da solidão. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 08 nov. 1972. 2ª seção, p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O Brasil chega aos Estados Unidos. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 21 mar. 1973, 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O dia em que o jovem decide sair de casa. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 20 mai. 1973. Caderno Feminino, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Estamos oferecendo mulheres lindas, pelos mais baixos
preços da cidade. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 02 jun. 1973. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. As quatro estações. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
11 jul. 1973. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Haja dólares. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 12 jul.
1973. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De como ter e não ter um carro. O Estado de Minas, Belo
Horizonte,13 jul. 1973. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Uma história para Kafka. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 18 jul. 1973. 2ª seção, p. 6.
411
VASCONCELLOS, Sylvio de. Mania de limpeza. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
24 jul. 1973. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A medicina e suas ligações perigosas. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 14 ago. 1973. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Mania de guardados. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
16 ago. 1973. p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Inglês americano. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 18
set. 1973. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A vez do outono. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 03
out. 1973. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A religião de minha avó. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 09 out. 1973. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De mulher a homem. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
14 out. 1973. Caderno Feminino, p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O Brasil, este desconhecido. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 17 nov. 1973. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Nós agora vamos contar como é a mulher turista
brasileira. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 23 nov. 1973. Turismo, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Da cabeça aos pés. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
11 dez. 1973. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um luxo animal. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 15
dez. 1973. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um triste Natal. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 25
dez. 1973. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os norte-americanos vivem um novo drama: o preconceito
racial pelo avesso. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 09 jan. 1974. 2ªseção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A culpa é do guarda. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
12 jan. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Todos falam de Watergate. Então surgiu a crise do
petróleo. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 19 jan. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Garçonete à americana. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 23 jan. 1974. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Favelas de cimento. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
29 jan. 1974. 2
a
seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Como ficar milionário nos States. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 02 fev. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os esquimós estão na onda nos EUA. Eles e sua arte de
pedra sabão. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 05 fev. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Na hora da saudade. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
19 fev. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Questão de idade. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
28 fev. 1974. 2ª seção, p. 2.
412
VASCONCELLOS, Sylvio de. Carnaval de americano. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 05 mar. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De fofoca e mexerico. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 14 abr. 1974. Caderno Feminino, p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Olhe esta foto: você não sente saudade do tempo que
Belo Horizonte era assim? Nós temos algumas coisas a dizer a respeito. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 19 abr. 1974. Turismo, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Com muito açúcar e calorias. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 21 abr. 1974. Caderno Feminino, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Viagem em torno dos personagens do Papai Walt Disney.
O Estado de Minas, Belo Horizonte, 26 abr. 1974. Turismo, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um caso de amor não resolvido. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 09 mai. 1974, 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Beleza à americana. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
12 mai. 1974. Caderno Feminino, p. 4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O homem e as suas invenções. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 15 mai. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A moda dos casais trocados. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 29 mai. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A tevê americana. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 06
jun. 1974. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Aposta de pileque. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
02 jul. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os machos no volante. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 03 jul. 1974, 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Pau de papel. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 04 jul.
1974. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Até onde chega a diferença de sexo. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 10 jul. 1974. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O woman’s lib está morrendo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 03 ago. 1974. 2ªseção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Casamento agora, é assim. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 01 set. 1974. Caderno Feminino, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Nossa arte a preservar. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 17 set. 1974. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Amor, ódio, medo, ilusão. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 20 set. 1974. Turismo, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Sapatos à moda das girafas. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 29 set. 1974. Caderno Feminino, p.8.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Cães e gatos para todos. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 09 out. 1974. 2
a
seção, p.5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Tudo de que precisamos e mais alguma coisa. O Estado
de Minas, Belo Horizonte, 10 out. 1974. 2
a
seção, p.1.
413
VASCONCELLOS, Sylvio de. Doente numa caixa de vidro. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 16 out. 1974. 2
a
seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Caso de sucesso. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 23
out. 1974. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Minha camisa branca. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 26 out. 1974. 2ª seção, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Boca fechada: a melhor dieta. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10 nov. 1974. Caderno Feminino, p.7.
VASCONCELLOS, Sylvio de. No embalo da nova dança. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 24 nov. 1974. Caderno Feminino, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Americana é fogo. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
10 dez. 1974. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um centro da arte de causar inveja. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 13 dez. 1974. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Diga “hari-hari", a palavra mágica. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 12 jan. 1975. Caderno Feminino, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Nossos filmes vistos lá fora. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 14 jan. 1975. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Galinha ou ovo. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 16
jan. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Bichos em extinção. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
23 jan. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O Brasil que vai à América. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 05 fev.1975. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. No tempo em que os homens falavam. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 13 fev. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Nostalgia de um passado que não houve. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 06 mar. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Go-go boy. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 12 mar.
1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Desgraça pouca é bobagem. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 15 mar. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Marcos Prado, arquiteto do trânsito. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 18 mar. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Como o brasileiro (que mora nos EUA) vê o nosso
divórcio. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 03 abr. 1975. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Uma questão de comportamento. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 08 abr. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em matéria de indenizações. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10 abr. 1975. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A solidariedade dos norte-americanos. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 23 abr. 1975. 2
a
seção, p.2.
414
VASCONCELLOS, Sylvio de. No equilíbrio de forças. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 03 mai. 1975. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O amor e seus nomes. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 04 mai. 1975. Caderno Feminino, p.9.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Beleza quando dote masculino. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 25 maio, 1975. Caderno Feminino, p.9.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Quando o homem é demais. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 27 maio, 1975. 2
a
seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Viagem aos velhos tempos de Belo Horizonte. O Estado
de Minas, Belo Horizonte, 02 jul. 1975. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Sou contra Pelé. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 12
jul. 1975. 2
a
seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De estátuas e heróis. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
02 ago. 1975. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Duas mulheres e um casamento. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 03 ago. 1975. Caderno Feminino, p.10.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A casa e nossa mania de luxo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 17 ago. 1975. Caderno Feminino, p.10.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A arte e os artifícios. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
19 ago. 1975. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Boas notícias do Brasil. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 21 ago. 1975. 2
a
seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um museu de frutas. E por quê não? O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 03 set. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. História de uma menina-moça, hoje artista. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 05 set. 1975. Caderno Feminino, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Ah! Que saudades dos bondes. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 13 set. 1975. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O elixir das orquídeas negras. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 16 set. 1975. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Ensino superior ao modelo americano. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 08 out. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Lição de como viver ao ar livre. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 11 out, 1975. 2
a
seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em tempos de poupança. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 28 out. 1975. 2
a
seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em nome da ética. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
30 out. 1975. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um anel que diz a verdade. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 14 dez. 1975. p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De “Elvira escuta” às riquezas musicais que Minas tem. O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 17 dez. 1975. 2ª seção, p. 6.
415
VASCONCELLOS, Sylvio de. O ingênuo americano. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 27 dez., 1975. 2
a
seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Como morreu Felipe dos Santos. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 30 dez. 1975. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Longe do Brasil. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 01
jan. 1976. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A hora em que o americano diz adeus às grandes
cidades. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 13 jan. 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Quando a bola é mais um ovo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 24 jan. 1976. 2
a
seção, p.1
VASCONCELLOS, Sylvio de. Milton Nascimento: música do povo, erudita. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 03 fev. 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Burros de fralda. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 05
fev. 1976. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A arte de competir. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
10 fev. 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A independência chega ao consumo. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 17 fev. 1976. 2º seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A casa sobre rodas “made in United States”. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 26 fev. 1976. 2º seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Boas novas para o Brasil. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 09 mar. 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. “Pet” um caso especial. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10 mar. 1976. 2ª seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. São Francisco, na esquina do mundo. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 11 mar. 1976. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Quando se gasta o latim à-toa. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 16 mar. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. “As pompas do mundo” numa língua mineira. O Estado
de Minas, Belo Horizonte, 30 mar. 1976. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Joaquim Tenreiro para ninguém esquecer. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 14 abr. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. As mulheres e o que elas querem. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 04 mai. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Quando há falta de parceiros. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 18 mai. 1976. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Aprendendo desde cedo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 26 mai. 1976. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O saber do “Know-how”. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10 jun 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A casa dividida em caso de divórcio. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 22 jun. 1976. 2ª seção, p.6.
416
VASCONCELLOS, Sylvio de. Amor à vista. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 14 jul.
1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Minha ignorância a respeito dos produtos que encolhem.
O Estado de Minas, Belo Horizonte, 28 jul. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um milagre brasileiro aconteceu aqui. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 03 ago. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Comer certo. Mas, e depois? O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 08 ago. 1976. Caderno Feminino, p.9.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A visita de uma velha amiga. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 19 ago. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Saúde, a triste realidade brasileira. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 09 set. 1976. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Brincando de esconder em apartamento. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 15 set.1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Esculturas? Façam-me o favor! O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 23 set. 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Este negócio de trocar de sexo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 05 out. 1976. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A pretensa arte. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 02
nov. 1976. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Entre amigos. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 05 jan.
1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Negra é a tua dança. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
06 jan. 1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em defesa dos maridos sofredores, não só das mulheres.
O Estado de Minas, Belo Horizonte, 08 jan. 1977. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O que no fundo Jimmy Carter pensa sobre o Brasil. O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 12 jan. 1977. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O ame-o ou deixe-o dos americanos. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 15 jan. 1977. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os pecados da gramática. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 20 jan. 1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vai falar um escritor. Ouçam. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 22 jan. 1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Mulher made in USA. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 26 jan. 1977. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Quando nem tudo é cômico. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 09 mar. 1977. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Violência, o pão nosso de cada dia. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 12 mar. 1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O que distingue a mulher brasileira da americana. O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 10 abr. 1977. Caderno Feminino, p.10.
417
VASCONCELLOS, Sylvio de. A lesma e a barragem. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 16 abr. 1977. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Hoje, não mais, nunca mais. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 25 mai. 1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Extravagância. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 04
jun. 1977. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A religião que dá dinheiro. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 15 jun. 1977. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Que venha o madrigal. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 23 jun. 1977. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O homem está ganhando. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 12 jul. 1977. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A sorte, o cálculo, o jogo, o prêmio. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 13 jul. 1977. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Dona publicidade. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 06
ago. 1977. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. De tirar calos a conquistar mulheres. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 27 ago. 1977. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. História nossa. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 16
out. 1977. Caderno Feminino, p. 7.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Coisas de casais. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 22
out. 1977. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Bonnie e Chris. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 09
nov. 1977. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O mundo a galope. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
07 dez. 1977. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Aldir Mendes de Souza: uma boa visão do Brasil. O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 21 dez. 1977. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Meus heróis infantis. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
28 dez. 1977. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O ator e sua fala. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 04
jan. 1978. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em caso de espionagem. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 11 jan. 1978. 2ª seção, p. 3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Pela glória de Minas. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
12 jan. 1978. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um estoque diferente. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 14 jan. 1978. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A cachorrinha que me tem. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 18 jan. 1978. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O cabelo que está na moda. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 25 jan. 1978. 2ª seção, p. 6.
418
VASCONCELLOS, Sylvio de. Pelé: falou e disse? O Estado de Minas, Belo Horizonte,
15 fev. 1978. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A vida e a vida que nos espera. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 23 fev. 1978. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. No dia de recuperar o sentimento de mundo. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 02 mar.1978 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Os cães chegam à universidade. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 15 mar. 1978. 2ª seção, p. 1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Invenções para seu uso. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 16 mar. 1978. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O americano é solidário no transporte. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 29 abr. 1978. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Jogando dinheiro fora. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 02 mai. 1978. 2ª seção, p. 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Ah! Este nosso mundo. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 24 mai. 1978. 2ª seção, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Lembrando corações generosos (por exemplo Gegê). O
Estado de Minas, Belo Horizonte, 27 mai. 1978. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura, um horror. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 31 maio, 1978. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Construções mais racionais. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 07 jun. 1978. 2
a
seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em dia de sol. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 05 jul.
1978. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Na hora de as formigas ajudarem. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 06 jul. 1978. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Um advogado, amigo da onça. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 29 jul. 1978. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Entre o jardim de infância e o asilo. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 30 ago. 1978. 2ª seção, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A competição em alto nível. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 02 set. 1978. 2ª seção, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A mais impressionante matriz das Minas. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 20 out. 1978. 2
a
seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Antônia, uma amiga. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
31 out. 1978. 2ª seção, p.5.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O milagre português. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
11 nov. 1978. 2ª seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Recado a Petrônio Bax. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 25 nov. 1978. 2ª seção, p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Não dá para entender. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 02 dez. 1978. 2ª seção, p.8.
419
VASCONCELLOS, Sylvio de. Lembram-se da cidade com sabor de fruta? O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 07 dez. 1978. 2ª seção, p.8.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Esperando visita. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 21
dez. 1978. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A casa mais galante da Senhora do Rosário. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 29 dez. 1978. Turismo, p.1.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O que estão fazendo de Minas. O Estado de Minas, Belo
Horizonte, 13 jan. 1979. Caderno 2, p.6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Três tendências na arte americana. O Estado de Minas,
Belo Horizonte, 21 fev. 1979. 2ª seção, p.2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Belo Horizonte no seu tempo de calça curta. O Estado de
Minas, Belo Horizonte, 08 mar. 1980. Caderno 2.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Em tom de adeus. O Estado de Minas, Belo Horizonte,
13 mar. 1980. 1º caderno, p. 6.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Recado. O Estado de Minas, Belo Horizonte, 28 mai.
1980. 2ª seção, p. 8.
(Textos com referência incompleta)
VASCONCELLOS, Sylvio de. As amigas da cultura. O Estado de Minas, Belo
Horizonte. p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Minas e seu destino para isolamento. O Estado de Minas,
Belo Horizonte.
VASCONCELLOS, Sylvio de. É uma casa mineira, com certeza, ou quem tem medo dos
decoradores? O Estado de Minas, Belo Horizonte. 3
a
seção, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O metrô tarda mas não falha. O Estado de Minas nas,
Belo Horizonte. p.4.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Como saber se sua casa é boa ou ruim. O Estado de
Minas, Belo Horizonte. 2
a
seção, p.3.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Tipos humanos populares, gerados pela cidade grande. O
Estado de Minas, Belo Horizonte. 3ª seção, p. 3.
420
Artigos de revistas
VASCONCELLOS, Sylvio de. Contribuição para o estudo da Arquitetura Civil em Minas
Gerais I, Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 30-35, jul./ago. 1946.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Contribuição para o estudo da Arquitetura Civil em Minas
Gerais II, Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, v. 1, n. 3, p. 42-49, jul./ago. 1946.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Contribuição para o Estudo da Arquitetura Civil em Minas
Gerais III, Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, v. 1, n. 4, p. 34-38, mai./jun. 1947.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Contribuição para o Estudo da Arquitetura Civil em Minas
Gerais IV, Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, v. 1, n. 5, p. 79-81, set./out. 1947.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Ligeira nota sobre composição. Arquitetura e
Engenharia, Belo Horizonte, v. 2, n. 7, p. 16-21, mai./jun. 1948.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Manuel da Costa Ataíde. Revista Acaiaca, Belo
Horizonte, n. 8, p. 54-59, jun. 1949.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Notas sobre a arquitetura religiosa mineira. Arquitetura e
Engenharia, Belo Horizonte, v. 3, n.18, p. 41-44, jul./set. 1951.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Sistemas construtivos adotados na arquitetura no Brasil.
Revista Arquitetura e Engenharia. Separata. Belo Horizonte, 1951.
VASCONCELLOS, Sylvio de. José Pedrosa, escultor mineiro. Arquitetura e
Engenharia, Belo Horizonte, v. 4, n. 23, p. 47-49, set./out. 1952.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Carta para a Revista AD. AD: Arquitetura e Decoração,
São Paulo, n. 14, nov./dez. 1955.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Sobre o Aleijadinho. Revista da Escola de Arquitetura,
Belo Horizonte, p. 104-114, jan./jun. 1956.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Panorama da arquitetura tradicional brasileira. Revista da
Escola de Arquitetura, Belo Horizonte, p 146-155, jan./jun. 1956.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Crítica de arte e arquitetura. AD: Arquitetura e
Decoração, São Paulo, v. 4, n. 24, ago. 1957.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Formação urbana no arraial do Tejuco. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 14, p. 121-134, 1959.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Inquérito nacional de arquitetura. Arquitetura, Rio de
Janeiro, n. 7, p. 33-40, jan. 1963.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Aspectos e detalhes da arquitetura em Minas Gerais.
Módulo, Rio de Janeiro, v. 9, n. 38, p. 1-31, dez. 1964.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura em Portugal. Acrópole, São Paulo, v.27,
n.324, p. 32-35, dez. 1965.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O quotidiano: arte e arquitetura. Arquitetura, Rio de
Janeiro, n. 43, p. 25-26, jan. 1966.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Urbanização na América Latina - Marginalidade.
Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 48, p. 12-13, jun. 1966.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Problema habitacional. Acrópole, São Paulo, v. 28, n.331,
p. 42-44, ago. 1966.
421
VASCONCELLOS, Sylvio de. Habitações para o povo. Arquitetura, Rio de Janeiro, n.
55, p. 30, jan. 1967.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Artes plásticas: o ser estético. Arquitetura, Rio de
Janeiro, n. 55, p. 31 e 36, jan. 1967.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Estrutura social e estrutura urbana, Arquitetura, Rio de
Janeiro, n. 66, p.14-17, dez. 1967.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Roteiro para o estudo do barroco em Minas Gerais.
Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 78, p. 14-18, dez. 1968.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Brasil: Protección del patrimônio cultural. El monumento
y su ambiente, San Juan, 1973 (Texto mimiografado).
VASCONCELLOS, Sylvio de. O barroco no Brasil. Américas, Brasília, v. 26, n. 1-10, p.
49-64, jan./out. 1974.
VASCONCELLOS, Sylvio de. A arquitetura colonial mineira. Barroco, Belo Horizonte,
n.10, p. 7-26, 1978/79.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos. Barroco,
Belo Horizonte, n. 10, p. 113, 1978/79.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Tempos do menino na cidade menina. Pampulha, Belo
Horizonte, v. 2, n. 3, p. 44-45, mar./abr. 1980.
VASCONCELLOS, Sylvio de. O mobiliário no Brasil. Arquitetura: Engenharia.
Urbanismo, Belas Artes, Decoração, Belo Horizonte, v. 4, n. 12, p. 19-33, jan./mar.
s.d.
GLOSSÁRIO
423
ABSTRACIONISMO: corrente das artes plásticas originadas com as vanguardas
européias de início do século XX em que os objetos não são representados segundo a
realidade concreta exterior, mas por meio de relações formais entre cores, linhas e
superfícies para compor a realidade da obra, de uma maneira "não representacional".
ACADEMICISTA: relativo ao conservadorismo das Academias. A atitude academicista
significa, a rigor, a adoção e a defesa fiel a valores estéticos e funcionais estabelecidos
por alguma teoria antecedente, em detrimento da técnica.
ACADÊMICO: relativo às Academias de Belas Artes, instituições originárias na França
no século XVII, em que se desenvolveram as distinções entre teoria e prática, abrindo
caminho para posturas conservadoras nos séculos subseqüentes.
ALPENDRE: “Por definição, alpendre é todo teto suspenso por si só ou suportado por
pilastras ou colunas, sobre portas ou vãos de acesso. A todo acesso abrigado
corresponde um alpendre. Pode aquela peça formar saliência no frontispício da
construção ou estar engastada entre paredes da mesma, compreendendo, então,
espaço coberto reentrante. No primeiro caso o alpendre é cobertura independente, não
possuindo continuidade com o telhado da construção propriamente dita, salvo quando é
um mero prolongamento parcial de uma água, além do alinhamento do beiral. No
segundo caso, um setor da cobertura geral transforma-se em alpendre, não sugerindo a
planta do telhado a sua existência. Vulgarmente pensa-se que alpendre seja o recinto
abrigado anterior à porta. Alpendre é a “cobertura” desse recinto. Por isso diz-se:
‘alpendrar a varanda’, ou melhor, ‘cobrir a varanda’. Devido àquele desvirtuamento de
sentido, hoje em dia alpendre é sinônimo de área abrigada, de telheiro, de terraço
coberto, de galilé ou nartex, de copiar, etc. Como os demais elementos de nossa
arquitetura, o alpendre é de proveniência eminentemente ibérica.” (CORONA & LEMOS,
1989, p.32 e 36).
AMBIÊNCIA: resultado da composição de atributos funcionais, materiais e plásticos em
um espaço. Imprime sobre o usuário/observador sensações físicas e psicológicas,
positivas ou negativas de acordo com tal composição e com as práticas culturais ao qual
está relacionado.
APROPRIAÇÃO: ato relativo ao usuário no espaço – fechado ou aberto, privado ou
público – em que há uma interação entre a experiência sensorial vivenciada a partir das
qualidades existentes no lugar.
ARQUITETURA: a palavra, na língua portuguesa, é de matriz latina (architectura);
contudo, os termos originários são de origem grega: archè, princípio ou fonte, no dizer
aristotélico, e tectonikós, arte de construir. Ou seja, o substantivo indica a dupla
composição do campo de saber da Arquitetura, composto pelo radical, pela raiz, pela
origem – elementos que perfazem a coesão de pensamento de uma cultura –, e pela
materialidade, responsável pela enunciação dos valores da archè.
ARQUITETURA FASCISTA: termo frequentemente utilizado para se referir à arquitetura
produzida na Itália durante o período de governo de Benito Mussolini (1883-1945), entre
1922 e 1945, em que o racionalismo das formas alcançou uma maior sobriedade e rigor
clássico na composição.
ART DÉCO: termo originado na Exposition des Arts Décoratifs (Paris, 1925) e que se
associou a uma estética de linhas geométricas, adaptando os princípios de massa do
cubismo.
424
ARTE CIBERNÉTICA: movimento artístico iniciado nos anos 60, em que as
possibilidades tecnológicas advindas das redes temáticas alteraram o substrato nas
artes visuais.
ARTISTICIDADE: capacidade do objeto em transmitir ao fruidor suas qualidades
estéticas.
ATRIBUTO: elemento distintivo que permite caracterizar o conteúdo ao qual se
relaciona. No caso da Arquitetura, o tema é o espaço, e os atributos são listados e
“medidos” pelas características funcionais, materiais e plásticas.
BEAUX-ARTS: termo frequentemente utilizado para caracterizar a estética produzida
com inspiração nos métodos e na plástica classicista da École des Beaux-Arts, em
Paris, durante o século XIX.
BELEZA: termo genericamente utilizado para tratar, no campo da Arquitetura e do
Urbanismo, de concepções estéticas e sua materialização.
BRISE-SOLEIL: literalmente, quebra-sol. Consiste em um sistema de proteção contra a
incidência excessiva de insolação por meio da disposição de elementos verticais
(quando a fachada volta-se para a direção oeste e norte) ou horizontais (leste) no plano
da fachada. No Brasil, foi amplamente difundido por razões climáticas, mas sobretudo
por ter sido utilizado pelos arquitetos modernos como um elemento plástico.
CADÊNCIA: genericamente, refere-se ao “compasso e harmonia na disposição” (cf.
HOLANDA, 1985, p.249) dos elementos que compõem a obra. Em uma fachada, diz
respeito à distribuição dos vãos e outros elementos, uns em relação aos outros e no
todo.
CASA-GRANDE: sede de estabelecimento agrícola que tem como função a moradia do
proprietário e que recebe esta denominação em razão de suas proporções e, por vezes,
maior apuro construtivo. O termo frequentemente está associado às edificações dos
senhores de engenho, quer na região Nordeste ou no Vale do Paraíba, nos estados de
São Paulo e do Rio de Janeiro, por referir-se à arquitetura típica das fazendas de
produção de açúcar.
CASARIO: conjunto de edificações no entorno de um monumento. Em geral, compõe-se
das casas e edifícios de menor expressão plástica, mas que integram a paisagem que
virá a destacar o monumento.
CLASSICISMO: refere-se, geralmente, à valorização da Antiguidade Clássica como
padrão estético por excelência, buscando a pureza formal, o equilíbrio, o rigor. Durante
o século XIX, ao classicismo opunha-se o Romantismo.
COBOGÓ: denominação utilizada para referir-se ao tijolo furado ou qualquer elemento
vazado, cuja função é separar os ambientes, sem prejuízo da luz natural e da
ventilação. Também aparece com as denominações de “combogó” ou “cambogê”.
COLONIAL: denominação frequentemente dada às práticas arquitetônicas – e à
estética delas derivadas – iniciadas no período colonial e que, em algumas partes do
país estendem-se até meados do século XIX. Compõem-se de algumas características
gerais como a implantação da edificação no alinhamento da via, a inexistência de
425
afastamentos laterais, o uso de coberturas cerâmicas em duas águas e uma relação
equilibrada entre cheios e vazios, embora sejam admitidas variações regionais.
COMODIDADE: o mesmo que utilidade. Corresponde, a rigor, a uma forma de tradução
utilizada no século XV para a versão do tratado vitruviano para o conceito de emprego
adequado das formas e materiais em um espaço, de modo a possibilitar a adequação ao
uso.
COMPOSIÇÃO: um sentido deste substantivo refere-se à coordenação ou conciliação
de partes de modo a elaborar a figuração do todo, logo, diz respeito a um ato; outro
sentido toma o termo pelo todo já composto, logo diz respeito ao objeto.
CONSERVAÇÃO: ato de recompor e, fundamentalmente, manter os objetos em seu
estado íntegro, impedindo o seu arruinamento. Difere-se singularmente de “restauração”
na medida em que não implica na recomposição do estado original do bem.
CONSTRUÇÃO: o termo pode vir a compor dois sentidos distintos. O primeiro,
edificação, é o mais usual. O segundo, elaboração, antecipa a edificação no sentido
material pois que exige a idealização por meio do projeto.
CUBISMO: movimento estético que ocorreu entre 1907 e 1914, tendo como principais
características a representação das formas por meio de figuras geométricas,
representando todas as partes de um objeto no mesmo plano.
DECORAÇÃO: atividade de arranjo dos ambientes internos de uma edificação em que
as tendências estéticas vigentes são tomadas como referenciais.
DESENHO: a língua portuguesa admite para este termo o sentido de representação,
limitado ao ato gráfico. Toda forma de expressão – como o projeto arquitetônico e os
diversos modos de fazer representá-lo – não caberiam nesta acepção, portanto o
sentido adotado no texto para o termo “desenho” refere-se a um paralelo ao termo
“design” na língua inglesa, que comporta tanto a idéia de projeto (como expressão de
valores) quanto de representação. Consequentemente, desenhar toma a acepção de
projetar.
DESIGN: o termo anglo-saxão refere-se ao projetar objetos (cf. Desenho). Aqui,
contudo, tem seu sentido circunscrito à elaboração de objetos de uso cotidiano, cujas
linhas estéticas são pensadas a partir da pragmaticidade do uso. Dado que a lógica de
produção desses bens se fundamenta na indústria, frequentemente o termo foi traduzido
no Brasil por “Desenho industrial”.
DEUTSCHER WERKBUND: a tradução literal para o termo é "Federação Alemã do
Trabalho". Foi fundada em 1907, por um grupo de arquitetos, designers e empresários
alemães ligados ao Jugendstil, ou "Arte Nova Alemã". Para o movimento Deutscher
Werkbund a indústria era parte dos novos tempos e, através dela, poder-se-ia obter um
mundo melhor. O artista e o artesão buscaram, juntos, melhor condição de vida e
melhor qualidade de produtos industriais.
DISPOSIÇÃO: refere-se à colocação ordenada, metódica dos elementos em uma
composição.
ECLETISMO: movimento estético originário na Europa em fins do século XIX,
profundamente vinculado a economia industrial burguesa, caracterizado por tratar a
426
Arquitetura no âmbito do gosto e da moda, principalmente. A prática eclética
fundamentava-se na composição estilística, ou seja, na imitação coerente e correta do
léxico adotado; no historicismo tipológico, que direcionava o repertório a cada edificação
com base na função a ser exercida na edificação; e no pastiche compositivo, em que
eram permitidas composições “livres” com base nos elementos escolhidos de diversos
estilos.
ENGENHO: o primeiro sentido para este substantivo refere-se ao complexo
arquitetônico cuja função é a produção de açúcar; incorpora, portanto, a casa-grande, as
senzalas e a fábrica. O segundo sentido, em nada semelhante ao primeiro, diz respeito
à capacidade mental de elaboração, que irá originar o termo “engenharia”, derivado do
francês, “génie.
EQUILÍBRIO: qualidade da composição em apresentar um balanço ajustado entre as
parte das quais se compõe.
ESTÉTICA: também no campo da Arquitetura e do Urbanismo, assim como na Filosofia,
o termo refere-se ao belo. Contudo, aqui assume o caráter de linguagem desenvolvida e
consolidada por cada movimento ou corrente, em que os padrões de apreciação
alteram-se com base na proposição ou programa de cada grupo.
ESTILEMA: o mesmo que repertório formal, próprio de um determinado estilo.
EURITMIA: justa proporção e regularidade das partes de uma composição.
EXPRESSIONISMO: movimentos de vanguarda do fim do século XIX e início do século
XX interessados na interiorização da criação artística, projetando na obra de arte uma
reflexão individual e subjetiva, ou seja, na apreensão da realidade pelo sujeito.
FÁBRICA: espaço de produção do açúcar em um engenho. Também refere-se à
construção de um edifício, sua composição, estrutura, decoração e feitio.
FACHADISMO: atitude projetual em que a concentração de esforços se dá sobre o
frontispício ou fachada, em detrimento das questões funcionais, tecnológicas e espaciais
como um todo, que acabam por repetir soluções tradicionais ou vigentes.
FASQUIA: tira de madeira estreita e comprida, frequentemente chamada de “ripa”,
“sarrafo” ou “mata junta”.
FLEXIBILIZAÇÃO: capacidade de remodelação do arranjo espacial do edifício ou
cômodo em razão da alteração parcial ou integral da função a ser exercida.
FORMALISMO: atitude projetual em que a concentração de esforços se dá sobre os
aspectos plásticos do volume exterior, em detrimento das questões funcionais,
tecnológicas e espaciais como um todo.
FUNÇÃO: termo genericamente utilizado para tratar, no campo da Arquitetura e do
Urbanismo, do modo de organização e das qualidades espaciais do objeto em relação
às atividades a serem exercidas.
FUNCIONALIDADE: capacidade do edifício ou cômodo em responder às atividades a
serem ali exercidas.
427
FUNCIONALISMO: corrente arquitetônica da primeira metade do século XX, associada
ao ideário exposto pelos chamados “pioneiros da Arquitetura Moderna”: Le Corbusier,
Frank Lloyd Wright e Walter Gropius. A prática proposta enfatizava o tema da função
como preponderante sobre a técnica, que estaria à disposição, a serviço da função a ser
exercida, e a plástica do edifício, sendo esta considerada uma derivação, uma
conseqüência.
FUTURISMO: movimento artístico e literário, que surgiu oficialmente em 20 de fevereiro
de 1909 com a publicação do “Manifesto Futurista”, pelo poeta italiano Filippo Marinetti,
no jornal francês Le Figaro. Os adeptos do movimento exaltavam a guerra e a violência,
rejeitavam o moralismo e o passado, e suas obras baseavam-se fortemente na
velocidade e nos desenvolvimentos tecnológicos do final do século XIX.
HABITAÇÃO: moradia, residência, casa, entendida em seu sentido estrito – espaço que
permite o abrigo das unidades familiares – e em seu sentido filosófico – proteção,
guarida, mediado pelas relações de memória. Os sentidos, por vezes mostram-se
distintos, por vezes conectados.
HABITAT: ambiente, entendido aqui não no sentido ecológico do termo, mas da
possibilidade de transformação do meio para receber uma forma de organização social,
política, econômica e cultural através do edifício e da cidade.
HIERARQUIA: prevalência de um elemento sobre outro.
HISTORICISMO: no que tange à Arquitetura, o Historicismo consistiu não apenas em
uma corrente filosófico-epistemológica segundo a qual os objetos adquirem valor
segundo sua origem no passado, mas a uma prática na qual deliberadamente foram
abandonados os problemas técnicos em favor do emprego de linguagens formais
retiradas de diversos períodos do passado, produzindo revivalismos (revivals).
IMPRESSIONISMO: movimento artístico que surgiu na pintura européia do século XIX.
Os autores impressionistas não mais se preocupavam com os preceitos do Realismo ou
da academia, mas buscavam pesquisar a produção pictórica a partir da luz e do
movimento.
LAY-OUT: em língua inglesa, o termo significa arranjo ou organização de um modo
genérico, e passou a ser amplamente utilizado no Brasil para fazer referência à
distribuição dos objetos mobiliários em um espaço (não apenas residencial), consistindo
em um estudo que, frequentemente, orienta soluções de economia na construção.
LEGIBILIDADE: capacidade do objeto ou espaço em dar a ver ao observador suas
principais características e, por meio delas, seu significado.
LOCUS: lugar provido de características individuais específicas, capazes de conferir
caráter ao espaço e torná-lo distinto, diverso, e que permitem ao usuário uma plena
identificação.
MANIFESTO: um manifesto é, em essência, uma declaração pública que expressa um
determinado programa. Os diversos manifestos arquitetônicos do século XX não fugiram
a esta regra e, utilizando em geral uma linguagem incisiva e panfletária, abordaram os
mais diferentes temas culturais, para conduzir a um programa social universalista
fundamentado na técnica.
428
MATERIALIDADE: qualidade física do objeto, manifesta não apenas nos materiais e na
tecnologia do qual é construído, mas do arranjo e significado dos mesmos para gerar a
compreensão por parte do observador.
METRÓPOLE: no campo da Arquitetura e do Urbanismo, o termo “metrópole”
ultrapassa a definição corrente da língua portuguesa de uma grande cidade. A rigor, a
definição de metrópole, mais do que a concentração populacional e a extensão
territorial, envolve a disponibilidade de bens e serviços, como o comércio, sistemas de
transporte em massa, infra-estrutura, abrangendo uma nova condição humana de viver
em sociedade: o anonimato.
MIMESIS: o termo mimesis, no campo da Arte e da Arquitetura, fundamentado em
bases filosóficas que remontam à Antiguidade Clássica, muito além de “imitação”,
significa “interpretação”. Ao longo da História da Arte e da Arquitetura este conceito
permeou as discussões teóricas acerca do problema do belo e da tradição.
MODENATURA: “Arte de traçar os perfis. Consiste principalmente em ordenar as
molduras numa disposição harmoniosa sobre as superfícies arquitetônicas, em função
de seus efeitos estéticos que acompanham sempre o jogo de luzes e de sombras que
elas provocam, exatamente no local onde são aplicadas. Conjunto de molduras de uma
construção.” (CORONA & LEMOS, 1989, p.324).
MODERNISMO: movimento iniciado em fins da década de 30 do século XX, sob a
influência dos princípios funcionalista e tecnicista organizados na Europa na década
anterior.
MODULAÇÃO: ato ou efeito de empregar um “módulo” numa edificação, ou seja, de
compor o espaço a partir de um elemento que se repete sistematicamente. A partir da
industrialização da construção no século XX passou a associar-se à estandardização e
à pré-fabricação.
MÓDULO: qualquer elemento de referência bi ou tridimensional que é repetido
integralmente ao longo de uma ou mais direções determinadas pelo projeto,
funcionando como uma medida reguladora.
MUXARABI: “Nome que de uma maneira geral se dá ao anteparo perfurado colocado
na frente de uma janela ou na extremidade de uma saliência abalcoada, com o fito de se
obter sombra e de se poder olhar para o exterior sem ser observado. Na quase
totalidade das vezes tais anteparos perfurados eram constituídos de um xadrez de
fasquias de madeira, que nos caixilhos de janelas recebiam o nome de RÓTULAS. (...)
Os muxarabis constituem uma das marcantes testemunhas da influência árabe na
arquitetura ibérica transplantada para o Brasil colonial. A partir do início do século XIX
as janelas de rótulas, os muxarabis e os balcões gradeados foram, aqui e ali,
condenados pelas autoridades que neles viam soluções antiquadas e feias, em
desacordo com as novas possibilidades oferecidas pelos gradis de ferro fundido e pelos
vidros planos introduzidos cada vez mais em conta pelos ingleses.” (CORONA &
LEMOS, 1989, p.330 e 332).
NEOCOLONIAL: “Movimento artístico surgido entre nós visando o renascimento e
respectiva estilização das características arquitetônicas das construções brasileiras do
tempo da Colônia. (...) Como era natural, desse movimento somente perdurou o gosto
pelos estudos teóricos sobre a questão, não vingando o desejo de perpetuação de uma
429
nova arquitetura brasileira filiada àquele movimento, mais saudosista que racional.”
(CORONA & LEMOS, 1989, p.337).
NEOPLASTICISMO: o termo refere-se ao movimento artístico de vanguarda que
caracterizou-se pela pesquisa, capitaneado pela figura de Piet Mondrian, relacionado à
arte abstrata, em que se defendia uma total limpeza espacial para a pintura, reduzindo-a
a seus elementos mais puros e buscando suas características mais próprias. Para tanto,
utilizaram apenas as cores primárias (vermelho, amarelo, azul) em seu estado menos
saturado (artificial), assim como o branco e o preto.
OPTICAL-ART: termo empregado para descrever a pesquisa formal desenvolvida por
vanguardas da década de 60 que exploram a falibilidade do olho pelo uso de ilusões
ópticas. Em decorrência desta pesquisa, os trabalhos de op art são em geral abstractos,
e muitas das peças mais conhecidas usam apenas o preto e o branco. Quando são
observados, dão a impressão de movimento, clarões ou vibração, ou por vezes parecem
inchar ou deformar-se.
ORGANICISMO: corrente arquitetônica surgida no segundo pós-Guerra e que,
capitaneada por Bruno Zevi, abriu caminho para a revisão do Movimento Moderno a
partir das críticas ao racionalismo e ao tecnicismo.
ORNAMENTO: elemento empregado na ornamentação do edifícios, principalmente na
fachada e nos interiores, com fins de embelezamento.
PASTICHE: obra composta a partir da cópia literal e acrítica de outra, em geral
reproduzindo elementos estilísticos não mais vigentes.
PÉRGULA: “Proteção executada em jardins ou espaços livres, apoiada em colunas ou
em balanço e constituída geralmente de elementos paralelos ou cruzados de madeira,
alvenaria ou concreto armado. Apesar da forma “pérgula” ser a mais correta na
linguagem comum arquitetônica, “pérgola” é a mais usada”. (CORONA & LEMOS, 1989,
p.369).
PIONEIROS: termo utilizado para designar os três principais arquitetos do início do
Movimento Moderno: Frank Lloyd Wright, que através de uma exposição de sua obra na
Alemanha em 1910 abriu o caminho para a introdução de temas importantes como o
funcionalismo e uma nova plástica; Le Corbusier, pela normativa estabelecida por sua
extensa obra literária; e Walter Gropius, pela pedagogia implementada na Bauhaus.
PITORESCO: O termo “pitoresco” refere-se, aqui, à estética e à temática pictórica
adotada no século XIX, em especial na Inglaterra industrializada, em que o olhar
contemplativo sobre a paisagem retratada seria capaz de reconciliar o homem e a
natureza.
POP-ART: movimento que usava figuras e ícones populares como tema de suas
pinturas, criticando a reprodução rápida possibilitada pela tecnologia e o consumo dos
objetos.
PÓRTICO: ver sistemas em pórtico.
PÓS-MODERNISMO: a pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética do
capitalismo contemporâneo, também denominado pós-industrial ou financeiro. O uso do
termo se tornou corrente, embora haja controvérsias quanto ao seu significado e
430
pertinência. Tais controvérsias possivelmente resultem da dificuldade de se examinarem
processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber
com clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos. No que tange à
Arquitetura, o pós-modernismo configurou uma série de correntes que tinham por
característica comum estabelecer a crítica do modernismo, principalmente a sua versão
mais difundida e homogênea, o estilo internacional. Entre estas estratégias a principal
foi a reavaliação do papel da história, reabilitada na composição arquitetônica,
principalmente como meio de provocação e crítica à austeridade do modernismo.
POSTIGO: “Pequena abertura ou fresta. Pequeno vão feito a meia altura de uma parede
cuja serventia é permitir a passagem de objetos de um cômodo a outro.” (CORONA &
LEMOS, 1989, p.387).
PROGRAMA FUNCIONAL: consiste no rol de espaços – e suas respectivas dimensões
em área e equipamentos necessários – de uma edificação. A partir da listagem inicial,
diversas associações funcionais podem ser elaboradas pelo arquiteto, a fim de alcançar
melhor desempenho em cada um dos espaços listados, para cada uma das atividades
afins.
PROJETO: do latim, projectu, particípio passado do verbo projicere, “lançar para o
futuro”. O sentido aqui adotado, considerando o âmbito da Arquitetura, busca tornar a
integrar o sentido de empreendimento arquitetônico (não excluindo o sentido
mercadológico do termo) a uma construção ideária de mundo, a uma antevisão das
possibilidades de re-ordenação da sociedade e do ambiente.
PROPORÇÃO: no que diz respeito à matemática, a proporção é uma razão entre
partes. O tema da proporção sempre foi considerado pela Arquitetura, tomando fôlego a
partir da Antiguidade Clássica, em especial na Grécia, quando passou-se a investigar,
no âmbito da Filosofia, sobre a existência (ou não) de um número que considerasse
uma proporção sublime, reescrita no Renascimento italiano como proporção divina: o
número áureo. Embora numericamente possa ser definida como a razão entre 1 e 2 , o
emprego desta unidade de medida foi alvo da reflexão de arquitetos desde o
Renascimento. Para as linguagens arquitetônicas ditas clássicas (em razão da origem
da pesquisa técnico-formal), a proporção confere ao edifício a harmonia, entendida
como a essência da Arquitetura, ou seja, se as partes do edifício estão compostas de
maneira a contemplar uma mesma proporção entre suas medidas, o edifício será
harmônico.
PURISMO: movimento que defendia uma pintura sem valores emocionais, racional e
rigorosa, sem subjetividade e qualidades decorativas.
RACIONALISMO: genericamente, o termo refere-se a um método especulativo
fundamentado exclusivamente na razão, tomada como valor que confere autoridade. No
âmbito da Arquitetura e do Urbanismo consistiu em diversos movimentos cuja prática
projetuais organizavam-se com base na associação entre a pesquisa tecnológica e
formal, cujo resultado plástico é marcado pelo linguagem despida de ornamentação,
embora profundamente diversificada.
RECEPÇÃO: apreensão das formas e significados da obra pelo fruidor ou usuário.
REPERTÓRIO FORMAL: conjunto de elementos de uma determinada linguagem
estética arquitetônica, disponíveis para emprego por parte do arquiteto.
431
RITMO: repetição sistemática de elementos ou alternância de elementos, configurando
a cadência.
ROCOCÓ: o termo forma-se das palavras francesas “rocaille”, que significa "rocha", e
“coquille”, que significa "concha", pois em sua origem era associado a certas fórmulas
decorativas e ornamentais que utilizavam a técnica de incrustação de conchas e
pedaços de vidro para a decoração de grutas artificiais. Contituiu um movimento artístico
que aparece primeiramente na França no século XVIII, e que leva ao exagero as
características de dinâmica, sinuosidade, expressividade do Barroco.
ROMANTISMO: movimento e prática estética do século XIX, cuja plástica era
fundamentada na expressividade da forma, ainda que por uma “economia” de meios, em
que a sensibilidade e a imaginação extrapolam o sentido racional – temas também
presentes na arte romântica do século XIX.
SIMETRIA: o termo origina-se da palavra grega symmetron, que significa “mesma
medida”, o que exige um equilíbrio entre as partes. Traduziu-se na arquitetura pela
inserção de um ou mais eixos de regulação da planta e/ou da fachada, em que as partes
resultantes são espelhadas.
SUBSTRATO: a teoria do Restauro, elaborada a partir do século XIX, considera o
substrato como o suporte material a uma obra de arte, tomando de empréstimo esta
concepção da Filosofia. Ou seja, a existência do objeto artístico – aqui estendido à
Arquitetura – depende das condições materiais, embora a relação inversa não seja
verdadeira.
TÉCNICA: qualquer modo de operação processual que denote uma habilidade ou exija
o emprego de uma tecnologia.
TECNOLOGIA: segundo Holanda (p.1371), é o “Conjunto de conhecimentos,
especialmente princípios científicos, que se aplicam a determinado ramo de atividade.”
É significativa a introdução de um saber especializado na caracterização do termo, e no
caso da arquitetura modernista este referiu-se ao amparo na industrialização.
URBIS: do latim, urbe, refere-se à cidade. O termo é utilizado, no âmbito da Arquitetura
e do Urbanismo para designar o espaço urbano, ou melhor, os elementos materiais,
naturais ou construídos, que compõem o espaço urbano e que, conjuntamente,
caracterizam a cidade.
UTILIDADE: o mesmo que comodidade. Corresponde, a rigor, a uma forma de tradução
utilizada no século XV para a versão do tratado vitruviano para o conceito de emprego
adequado das formas e materiais em um espaço, de modo a possibilitar a adequação ao
uso.
VANGUARDA: a atitude vanguardista sempre pressupôs a ação consciente e
combativa de um determinado grupo social, atuando de maneira precursora em
movimentos culturais, artísticos, e científicos. Quando do uso das aspas junto ao texto
indica uma banalização das vanguardas quando tomadas unicamente por sua
expressão formal, e não pelo ideário de transformação nelas fundamental.
VARANDA: “No Brasil, o termo assume significados regionais que se relacionam, quase
sempre, com os locais de estar das residências. De uma maneira geral, a palavra
designa o alpendre grande e profundo, muito comum nas casas antigas, onde se
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tomavam as refeições e onde se passava o dia. Daí, a sala de jantar comum ser
chamada, no interior, de varanda.” (CORONA & LEMOS, 1989, p.468).
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