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que verdadeiramente importa no caminho do sujeito lírico, pois ele tem a consciência de
que encontrar o que procura é desejo duplamente impossível: impossível porque o ser
humano está abandonado à sua própria solidão, e esta é, em última instância,
irrevogável; e impossível porque mesmo tendo encontrado um outro que nele desperte o
amor com todos os seus correlatos, o desejo paradoxal do apaixonado consiste na
desesperada vontade de união e ao mesmo tempo na não menos desesperada vontade de
que aquele corpo permaneça, continue, sobreviva ao amor, mantendo assim
possibilidade da procura. Desse modo, nas palavras do próprio Macedo, “no fim de toda
a demanda talvez nada mais haja para encontrar” (MACEDO, 1998, p. 394). Como na
Ítaca
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de Konstantinos Kaváfis, em que, chegado ao seu destino, o viajante já não tem
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Refiro-me ao poema “Ítaca” de Konstantinos Kaváfis:
“Quando começares a tua viagem a Ítaca
faz votos que o caminho seja largo,
cheio de aventuras, cheio de experiências.
Não tema aos lestrigões nem aos ciclopes,
nem ao colérico Possêidon,
tais seres jamais acharás em teu caminho,
se teu pensar for elevado, se seleta
for a emoção que toca teu espírito e teu corpo.
Nem aos lestrigões nem aos ciclopes
nem ao selvagem Possêidon encontrarás
se não os levares dentro de tua alma,
se não os ergue tua alma diante de ti.
Pede que o caminho seja largo.
Que sejam muitas as manhãs de verão
em que chegues – com que prazer e alegria! –
a portos antes nunca vistos.
Detém-te nos empórios de Fenícia
e mostra-te com belas mercadorias,
nácar e coral, âmbar e ébano
e toda sorte de perfumes voluptuosos,
quanto mais abundantes perfumes voluptuosos possas.
Veja muitas cidades egípcias
a aprender, a aprender de seus sábios.
Tenha sempre Ítaca em teu pensamento.
Tua chegada ali é teu destino.
Mas não apresses nunca a viagem.
Melhor que dure muitos anos
e atracar, velho já, na ilha,
enriquecido de quanto ganhaste no caminho
sem esperar que Ítaca te enriqueça.
Ítaca te ofereceu tão bonita viagem.
Sem ela não haverias começado o caminho.
Mas já não tem nada a dar-te.
Ainda que as ache pobre, Ítaca não te enganou.