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PROMOÇÃO:
MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA - MEC
Ministra Esther de Figueiredo Ferraz
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR - SESu
Secretário Gladstone Rodrigues da Cunha Filho
SUBSECRETÁRIA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR - SDE
Subsecretária Marilù Fontoura de Medeiros
COORDENADORIA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - CDE
Coordenador Samir Nahass
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG
Reitor José Henrique Santos
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS - IGC
Diretor Edezio Teixeira de Carvalho
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
Chefe Paulo Rogério Junqueira Alvim
P A T R O C INIO:
. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR - SESu/MEC
. CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLOGICO - CNPq
. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG
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SIMPÓSIO "TEORIA E ENSINO DA GEOGRAFIA'
TEXTOS PARA DISCUSSÃO
Belo Horizonte 22
a 25 de março, 1983
SIMPOSIO "TEORIA E ENSINO DA GEOGRAFIA
COORDENAÇÃO GERAL: SESu/MEC
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadores:
. Guiomar Goulart de Azevedo (UFMG)- Presidente .
Cecília Eugênia Rocha Horta (SESu/MEC)
. Ana Maria Barroso Mendes (UFMG)
. Edézio Teixeira de Carvalho (UFMG)
Getúlio V. Barbosa (UFMG) . Heinz Charles
Kohler (UFMG) . João Francisco de Abreu
(UFMG-UCMG) . Oswaldo Bueno Amorim Filho
(UFMG) . Paulo Rogério Junqueira Alvim
(UFMG-UCMG)
ÍNDICE
PÁGINA
. APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... ..................... 09
. A SIGNIFICANCIA
CONTEXTUAL DA GEOGRAFIA FISICA
Christofoletti) ............................................................................................................. 15
. NATUREZA E SOCIEDADE
(Helmut Troppmair) ......................................................................................................................... 21
. NATUREZA E SOCIEDADE
(Roberto Messias Franco) .............................................................................................................. 27
. A GEOGRAFIA E A TOTALIDADE
ESTRUTURAL EM CRISE DE FUNDAMENTOS
(Armando C. da Silva) ................................................................................................................... 37
O PERIODO TÉCNICO-CIENTÍFICO E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
( Ignez C. Barbosa) ....................................................................................................................................
49
. ESTADO, SOCIEDADE E PRODUÇÃO DO ESPAÇO
,
(Manuel C. de Andrade) ................................................................................................................. 61
. ESPAÇO OU TERRITORIO
(Dilema da Geografia ou dos Geógrafos?)
(Claudio A. G. Egler)...................................................................................................................... 73
. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO E A ANALISE GEOGRAFICA
(Oswaldo Bueno Amorim Filho) ................................................................................................... 81
. AS QUESTÕES DE ESCALA EM GEOGRAFIA
(Adelci Figueiredo Santos) .................................................................................................................. 95
. ARTICULAÇÕES ENTRE OS NÍVEIS DE ENSINO
(Um retrospecto sobre a evolução do processo)
(Ivo Lauro Müller Filho) .................................................................................................................. 99
. ARTICULAÇÕES DOS NÍVEIS DE ENSINO
(Maria Auxiliadora Cartaxo) ............................................................................................................ 113
PAGINA
. ARTICULAÇÃO DOS NÍVEIS DE ENSINO
(Maria Braga de) .................................... 123
. ARTICULAÇÕES DOS NÍVEIS DE ENSINO
(Vera Brenner Ellert) .................................. 133
'. BACHARELADO E LICENCIATURA
(Augusto H. V. Titarelli) ............................. 143
. BACHAREL E LICENCIADO: PONTOS PARA OPÇÃO
(Edinéá M. da Consolação Brun e Getúlio V. Barbosa) .... 153
. O PROBLEMA DA FORMAÇÃO DO GEÓGRAFO E DO PROFESSOR DE
GEOGRAFIA
(José Alexandre Felizola Diniz) ......................... 161
. O GEOGRAFO PROFISSIONAL NO BRASIL
(José Alexandre Felizola Diniz) ....................... 175
. UNIVERSIDADE, GEOGRAFIA E FORMAÇÃO DE GEÓGRAFOS
(Odeibler Santo Guidugli) ............................. 193
. AVALIAÇÃO E PERSPECTIVAS DE MUDANÇA NO ENSINO E PESQUISA
DA GEOGRAFIA NO BRASIL
(Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva) .............. 209
APRESENTAÇÃO
O presente Simpósio - "Teoria e Ensino da Geografia"
representa uma iniciativa do grupo de consultores da área de Geografia,
convidados, pela Secretaria da Educação Superior (SESu), do Ministério
da Educação e Cultura, para "discutir os cursos de Geografia tal como
se apresentam hoje e elaborar propostas com vistas ao seu aprimoramen-
to".
O grupo de consultores - constituído pelos Professores
Aldo Paviani (UnB), Gervasio Rodrigo Neves (UFRS), Guiomar Goulart de
Azevedo (UFMG), Livia de Oliveira (UNESP-Rio Claro), Manoel Correia de
Andrade (UFPE), Margarida Maria Penteado Orellana (UnB), Milton Santos
(UFRJ) e Ruy Moreira (PUC/RJ e AGB) - reuniu-se pela primeira vez, em
Brasilia, no principio de maio de 1981. Nessa oportunidade, estabeleceu
a sistemática a seguir na execução do trabalho, selecionou e procedeu ã
discussão preliminar de um temário considerado relevante para o
diagnóstico e a avaliação dos cursos de Geografia. Para o bom desempe-
nho de seu trabalho, o grupo de consultores julgou imprescindível ouvir
os setores diretamente vinculados ã Geografia (docentes, geógrafos e
alunos), possibilitando, assim, um amplo debate das questões que afetam
o ensino, a pesquisa e o exercicio da profissão de geógrafo. Pretende,
dessa forma, que suas proposições finais ao Ministério da Educação não
representem apenas sua própria visão do problema, mas sejam a expressão
do pensamento da maior parcela possivel da comunidade envolvida no
ensino e na produção do conhecimento geográfico, em nosso pais.
Para a consecução desse objetivo, os consultores, com
apoio da SESu/MEC, realizaram visitas a grande número de instituições
de ensino superior que mantêm cursos de Geografia, onde promoveram reu-
niões e debates com docentes dos vários graus de ensino, alunos e outros
profissionais da Geografia. Os resultados dessas visitas e discussões
integraram relatórios apresentados pelos consultores ã SESu e debati-
dos com os demais membros do grupo, em outubro/81, em Brasília.
Nessa reunião, decidiu-se pela elaboração de um docu-
mento que sintetizasse os relatórios apresentados pelos consultores e
os resultados dos debates realizados pelo grupo e que, posteriormente,
seria enviado a todas as IES para rediscussão ampla e geral. Ao mesmo
tempo, ficou decidida a realização de um simpósio - "Teoria e Ensino
da Geografia" -, do qual participasse significativa parcela da comuni-
dade geográfica nacional e que permitisse a produção de estudos bási-
cos sobre o significado e os propósitos da Geografia na educação na-
cional.
0 objetivo mais relevante deste Simpósio é propiciar a
contribuição teórica e empirica dos diversos segmentos da educação
nacional na formulação ou reformulação do ensino e da pesquisa em Geo-
grafia, como instrumento construtivo de uma sociedade desejada. 0 gru
po de consultores considera o currículo como instrumental de um conjun
to de objetivos sociais, razão pela qual o Simpósio tem como meta a de
finição desses objetivos formulados pelas diversas vertentes do pen-
samento nacional.
0 temário selecionado para o Simpósio e os especialis-
tas convidados, que se dispuseram a participar do encontro, são men-
cionados a seguir:
1 - NATUREZA E SOCIEDADE
- Gervasio Rodrigo Neves
- Margarida Maria Penteado Orellana (Coordenadores)
- Antônio Christofoletti (UNESP/Rio Claro)
- Aziz Nacib Ab'Saber (USP)
- Helmut Troppmair (UNESP)
- Orlando Valverde (IBGE)
- Rosa Ester Rossini (USP)
- Roberto Messias Franco (UFMG)
2-0 PERIODO TÉCNICO-CIENTÍFICO E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
- Milton Santos (Coordenador)
- Armando Correa da Silva (USP)
- Armen Mamigonian (UFSC)
- Ignez Costa Barbosa Ferreira (UnB)
- João Francisco de Abreu (UCMG/UFMG)
- Manoel Seabra (USP)
- Roberto Lobato Correa (FIBGE)
3-0 ESTADO, A SOCIEDADE E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
- Douglas Santos (AGB)
- Manuel Correia de Oliveira Andrade (Coordenadores)
- Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP)
- Claudio Antonio Gonçalves Egler (UFPB)
- Maria do Carmo Galvão (UFRJ)
- Oswaldo Amorim Filho (UFMG)
- Pasquale Pétrone (USP)
4 - AS QUESTÕES DE ESCALA EM GEOGRAFIA
- Lívia de Oliveira (Coordenadora)
- Adelci Figueiredo Santos (UFSE)
- Aluízio Capdeville Duarte (FIBGE)
- Bertha Becker (UFRJ)
- Lyres Balbi (UA)
- Yoshia Nakagawara (FUEL)
5 - ARTICULAÇÕES DOS NÍVEIS DE ENSINO
- Gervasio Rodrigo Neves
- Guiomar Goulart de Azevedo (Coordenadores)
- Ivo Lauro Millier Filho (UFSM)
- Magda Soares Becker (UFMG)
- Maria Auxiliadora Cartaxo (UFPE)
- Maria Braga de Sá (UFPB)
- Vera Brenner Eilert (UFSM)
- Cecília Eugênia Rocha Horta (SESu)
- Valéria Trevizani Burla de Aguiar (UFJF)
6 - BACHARELADO E LICENCIATURA
- Aldo Paviani (Coordenador)
- Augusto Humberto Titarelli (USP)
- Edinéa Maria da Consolação Brun (UFMG)
- José Alexandre Felizola (UFSE)
- Odeibler S. Guidugli (UNESP/Rio Claro)
- Silvio Carlos Bandeira de Mello Silva (UFBA)
1. NATUREZA E SOCIEDADE
. Gervasio Rodrigo Neves
. Margarida Maria Penteado Orellana (Coordenadores)
. Antônio Christofoletti (UNESP/Rio Claro)
. Aziz Nacib Ab'Saber (USP)
. Helmut Troppmair (UNESP)
. Orlando Valverde (IBGE)
. Rosa Ester Rossini (USP)
. Roberto Messias Franco (UFMG)
A SIGNIFICANCIA CONTEXTUAL DA GEOGRAFIA FISICA
Antonio Christofoletti
Departamento de Planejamento Regional
IGCE/UNESP - Campus de Rio Claro
Ao participar do "Simpósio Teoria e Ensino da Geografia", no Grupo de Trabalho
relacionado com o tema "Natureza e Sociedade", se-ja-me permitido expor considerações a propósito do
contexto e da função da Geografia Física na análise e compreensão das organizações espaciais.
A análise das condições naturais sempre foi claramente
exposta como sendo objetivo inerente à ciência geográfica. No contex
to científico do século XIX, a focalização geográfica era global, sinté
tica, e as condições ambientais caracterizadoras do quadro natural fo
ram inicialmente concebidas como unidade integrada, interligada por re
lações entre os diversos componentes. Posteriormente, mormente na pri
meira metade do século XX, houve o predomínio de fase mais analítica,
integrante no processo de especialização então reinante. Se os geógra
fos não conseguiram realizar as almejadas "sínteses", contribuíram de
modo decisivo para o desenvolvimento dos estudos tópicos. Os geógrafos
não estudavam explícita e diretamente o meio físico, mas realizaram nu
merosos estudos setoriais, mais ou menos paralelos, que só ocasionalmen
te chegavam a fornecer compreensão e caracterização da totalidade da
paisagem. A expansão dos trabalhos relacionados com a Biogeografia, cli matologia. Geomorfologia,
Hidrologia e Pedologia criou condições para que se individualizassem como ciências autônomas. No
decorrer das décadas posteriores a 1950, observa-se tendência em favor da síntese, com novas bases
teóricas e metodológicas, para sua execução. O estabelecimento de clima científico propício à abordagem
e valorização do quadro natural, os movimentos relacionados com a crise ambiental, a difusão da
abordagem sistêmica e das técnicas de análise multivariada, e a preocupação em fornecer as bases
necessárias para os planejamentos sócio-econômicos, tanto nos países capitalistas como socialistas,
contribuíram para que houvesse retomada nos estudos concernentes à caracterização, es-trutura e
dinâmica das paisagens naturais.
1. Definição de Geografia Física
A definição de Geografia Física está imbricada com a que
se oferece para a Geografia. Kolars e Nystuen (19 75) consideram a Geografia como "o estudo
dos sistemas homem - meio ambiente sob o ponto de vista das relações espaciais e processos
espaciais". Assim, a Geografia Física focalizaria "os atributos espaciais dos sistemas naturais,
particularmente na medida em que se relacionam com a humanidade". As re lações e os
processos são algo de dinâmico e se refletem em certo padrão de organização espacial. Se o
termo de "meio ambiente" é usado pa ra exprimir a soma das condições que em conjunto
funcionaram para produzir as características de determinado espaço, na perspectiva da Geo-
grafia Física se restringe para as condições do meio ambiente físico. Para designar o conjunto
dos componentes, processos e relações dos sistemas do meio ambiente físico, Sochava, desde
19 60, vem propondo o uso do termo geossistema. Desta maneira, podemos definir a Geografia
Física como sendo o estudo da organização espacial dos sistemas do meio ambiente físico ou
da organização espacial dos qeossistemas. Nessa defini ção deve-se entender que a
organização espacial se expressa pela estrutura, que é a distribuição e arranjo dos componentes
do sistema, e se apresenta como resultante da dinâmica dos processos atuantes e das relações
existentes entre os elementos.
A caracterização de que os geossistemas constituem o ob
jeto de estudo da Geografia Física faz com que esse setor adquira fina
lidade própria e nao interfira com as esferas de ação das disciplinas
como Geomorfologia, Climatologia, Hidrografia, Biogeografia e Pedolo
gia. A Geografia Fisica nao deve estudar os componentes da natureza
(clima, formas de relevo, vegetação, água, solos) por si mesmos, mas in
vestigar as conexões existentes entre eles (Sochava, 1977). Obviamente,
ela se utiliza de muitas informações fornecidas por tais disciplinas, mas
esses dados devem ser recompostos, reorganizados e valorizados em fun
ção dos objetivos da Geografia Física, projetando a sua dinâmica e fun
cionalidade.
Em suma, a importância fundamental da Geografia Física é a de fornecer
as bases para a compreensão da natureza, cujo funcionamen to se caracteriza pelas
interrelações entre os diversos elementos. Entretanto, essa compreensão e conhecimento não
devem cingir-se a meras informações de ordem técnica, mas também propiciar condições que
permitam avaliar o quadro natural tendo em vista ser o cenário das atividades humanas. As
ações de compreender, avaliar e comportar-se perante a natureza fazem com que a Geografia
Física assuma a abrangência explicativa e aplicativa, pois se torna matéria de uso diário nas
relações das pessoas e comunidades com os elementos ambientais.
. Objetivos da Geografia Fisica
Preocupando-se era estudar os geossistemas, a Geografia
Fisica não absorve nenhum ramo já constituido das geociências. Seu ob
jetivo está em esclarecer a organização espacial levando em conta os
componentes do quadro natural.
Embora os geossistemas sejam fenômenos naturais, i indis cutível a interferência
das atividades antrópicas em seu funcionamento. Ao estudar os geossistemas, deve-se considerar os
subsistemas naturais e todas as influências dos fatores sociais e econômicos que repercutem nos sistemas
naturais. Por essa razão, a Geografia Física preocupa-se com as relações entre a sociedade e a natureza,
com os relacionamentos entre os meios ambientes e a ação antròpica, verificando os mecanismos de
retroalimentação atuantes no sistema (Sochava, 1977) . As denominadas paisagens antropogenéticas
(Isachenko, 19 74) são simplesmente estados possiveis dentro da gama de possibilidades oferecidas pelos
geossis temas, perfeitamente incluidas no contexto analítico sobre a dinâmica das paisagens componentes
da superficie terrestre.
Para investigar a estrutura, processos e relações dos
geossistemas, em seus diversos niveis escalares, a Geografia Fisica sur
ge como setor no qual se pode e se deve aplicar e usar os conceitos e
os critérios relacionados com a análise de sistemas. Em nivel de abor
dagem mais geral encontramos a teoria dos sistemas, que versa sobre as
propriedades, tipos e comportamentos do sistema, oferecendo contexto me
todológico para considerar a estrutura, comportamento, elementos, esta
do, fronteiras e meio ambiente dos sistemas em geral. Além disso, for
nece as bases para numerosos conceitos, tais como equilíbrio dinâmico,
equifinalidade, homeostase, informação, hierarquias sistêmicas, retroa
limentação, entropia, fechamento e outros. Em nivel mais baixo de abs
tração encontramos a análise de sistemas, que é caracterizada por um
conjunto especifico de propósitos e técnicas analíticas. A análise de
determinado sistema torna-se fundamental e, para isso, pode-se proceder
fazendo com que conjuntos complexos sejam divididos em unidades mais
elementares a fim de investigar a resposta de um sistema a um determi
nado input ou a um determinado conjunto de condições ambientais. Se a
abordagem da teoria dos sistemas se encontra em nível conceituai, gené
rico, a da análise de sistemas é considerada como domínio da praticabi
lidade e da operacionalização.
3. Os geossistemas e seus componentes
As atividades humanas desenvolvem-se na superfície ter
restre, cuja dimensão envolve determinada espessura, representando uma
geosfera entre outras. No contexto da "ciência da paisagem", desenvol
vida entre os pesquisadores soviéticos, Demek (19 78) denominou-a de
esfera da paisagem, Com essa designação, entende-se que o entrosamento
entre os diversos componentes contribui para organizar e estruturar os
panoramas visíveis e perceptíveis do planeta Terra. Recebendo e per
dendo energia e matéria, assim como funcionando como mecanismo trans
formador, a "esfera da paisagem" representa sistema aberto de dimensão
planetária. Todavia, em escalas espaciais diversas, pode-se distinguir
unidades estruturadas e dinamicamente integradas: são os geossistemas.
O geossistema designa um sistema natural homogêneo ligado a um
território. Ele se caracteriza por uma morfologia, isto é, por estruturas espaciais verticais e
horizontais; por um funcionamento que engloba o conjunto das transformações ligadas aos
fluxos de matéria e energia, representando os processos, e por um comportamento específico,
isto é, pelas mudanças de estados que ocorrem no geossistema em determinada seqüência
temporal (Beroutchachvili e Bertrand, 19 78). Desta maneira, o geossistema é unidade
espacial que pode ser delimitada e ana lisada em determinada grandeza. Expressa-se como
organização espacial cuja estrutura reflete os processos atuantes em seu funcionamento e na
sua história.
Em qualquer escala espacial, o geossistema sempre surge como sendo
composto por conjuntos estruturados de componentes, com relações discerni veis entre eles,
mas funcionando como um todo complexo. Assim, podemos discernir os seguintes
componentes básicos:
- A crosta terrestre (litosfera), com as formas de relevo características da
topografia, com a sua dinâmica e processos atuantes;
- A parte inferior da atmosfera, sobre a superfície terrestre, cuja
composição e dinâmica controlam as condições climáticas;
- A hidrosfera, compreendendo as águas continentais
e oceânicas, cuja importância se torna essencial para as atividades
humanas;
- A pedosfera, que forma a delgada película de solos a recobrir a
superfície das terras emersas, constituindo a interface irre guiar entre a atmosfera, biosfera e
litosfera;
- A biosfera, que ocupa as partes dos geossistemas onde as condições são
propícias ã manutenção da vida, com as características formações vegetais e animais;
- A esfera sócio-econômica, que compreende o conjunto
formado pela sociedade e seus produtos.
4. Conotações para a estrutura curricular
Em nossa exposição, tecemos considerações voltadas para a disciplina de
Geografia Física. Isto porque os trabalhos desenvolvidos nos setores mais específicos, sobre
os elementos do quadro natural, alicerçam uma bibliografia que por si só mostra a importância
de sua contribuição para o conhecimento da natureza e da compreensão das rela ções entre a
sociedade e o meio ambiente físico. Não se torna necessário, no momento, explanar
considerações sobre a Geomorfologia, Hidrologia, Climatologia, Biogeografia e Pedologia.
Se os geossistemas representam unidades integradas,
os elementos componentes da natureza também devem ser ana
lisados e compreendidos pelos geógrafos. Em conseqüência, a estrutura
curricular destinada ã formação do especialista em Geografia (tanto no
Bacharelado como na Licenciatura) deve incluir disciplinas relacionadas
:
- o Estudo dos Geossistemas;
- o Estudo das Formas de Relevo e dos seus Processos;
- o Estudo das Características e das condições climáti-
cas;
- o Estudo das águas continentais e oceânicas;
- o Estudo das Biogeocenoses;
- o Estudo dos Solos.
Para designar essas disciplinas, na formulação do currí
culo, pode-se usar designações tradicionais ou propor nomenclatura de
maior relevância geográfica. É óbvio que, para cada disciplina, em sua
execução nas unidades de ensino universitário, a programação deve-se
desdobrar de modo a abranger um ou mais semestres letivos. Como suges-tão, propomos
a seguinte nomenclatura designativa para as discipli-
- Geografia Física;
- Geomorfologia;
- Climatologia;
- Biogeografia;
- Geografia das Aguas;
- Geografia dos Solos.
Referencias Bibliográficas
BEROUTCHACHVILI, N. e BERTRAND, G. - (19 78) - Le géosystème ou système
territorial naturel. Revue Géog. des Pyrénées et du Sud-Ouest, 49
(2): 167 - 180.
CHRISTOFOLETTI, Antonio - (1981) - Geografia Física. Boletim de Geografia
Teorètica, 11 (23-22) : 5-18.
DEMEK, Jaromir (1978) - The landscape as a geosystem. Geoforum, 9 (1): 29
- 34.
ISACHENKO, A. G. - (19 74) - On the so-called anthropogenic landscapes. Soviet
Geography, 15 (8): 467 - 475.
KOLARS, J. F. e NYSTUEN, J. D. - (19 75) - Physical Geography: environment
and man. MacGraw Hill Book Co., New York.
SOCHAVA, V. B. - (1977) - 0 estudo de geossistemas. Métodos em Questão,
16, 52 pp., IGUSP, Sao Paulo.
NATUREZA E SOCIEDADE
Helmut Troppmair
IGCE - UNESP - RIO CLARO
Natureza, do latim natura, significa "aquilo que se fez por si mesmo". Hoje a
palavra natureza também é empregada em sentidos diferentes. Num sentido mais amplo, natureza é tudo
aquilo que existe, seres e coisas; numa perspectiva mais restrita significa: propriedade ou estrutura (a
natureza dos metais), comportamento ou qualidade (de natureza triste), invisível - teológico (a natureza
de Deus), visível (a natureza da paisagem).
Sociedade, do latim societate: que vive em comum. No
sentido mais amplo, sociedade abrange toda a humanidade e num sentido mais restrito refere-se a um
grupo de seres vivos (animais e vegetais) que vivem de acordo com uma lei que lhes ê comum. No nosso
trabalho sociedade deve ser vista como um grupo de pessoas que vivem em conjun to, que têm
interesses comuns e estruturas próprias.
Recuando um pouco no tempo, vemos que Rousseau (1712-1778) e seus adeptos,
preconizando o culto à natureza, influíram para que a palavra tivesse o significado de "processos de
vida, transformação, mo vimento, mesmo dentro do homem, contanto que independente dos homens.
Viver de acordo com a natureza era aceitar a Terra e sua vida orgânica e medir o valor da existência do
homem pela participação que ele tinha nessa vida (Mumford 19 56, 315).
Esta filosofia de vida reflete-se em todo o movimento cultural e cientifico: na
pintura, pela representação de "paisagens", na literatura espelha-se na escola romântica, e na ciência
encontramos os naturalistas realizando suas viagens e descobrimentos.
A vida, assim vinculada à natureza, leva gradativamente ao conceito de
"paisagem" que passa a ser o objeto fundamental da pesquisa geográfica.
Natureza e paisagem chegam a ser consideradas sinônimos ou mesmo se
confundem (Natur + Landschaft = Landschaftsnatur) e são de finidas por Kant, Goethe e Humboldt
como a existência de coisas reais.
Diz Kant (1834) textualmente: "O mundo como objeto
existente, fora da mente humana (do interior do homem - "inneren sinne"),
isto é natureza.
É interessante observar que tendências atuais na Geogra fia têm suas
origens nas idéias do século passado. Mudou a nomenclatura, permaneceram as idéias.
O filósofo Rosenkranz, em 1850, publicou o livro "O Sis
tema da Ciência", que dá destaque à discrepância existente entre a
abordagem analítico-separatista feita pela ciência da época e a reali
dade natural espacial inteqrada. Sao palavras de Rosenkranz: "A rea
lidade da natureza passa a ser vista sem que haja qualquer correlação
de um sistema. Como se existisse uma confusão de existências isola
das. Este caos, porém, ê, em verdade, um sistema harmonioso de fenô
menos integrados e interdependentes, e que devem ser objeto da pesqui
sa geográfica .... A observação e a integração devem ser feitas atra
vês de viagens (trabalho de campo). O que dará o caráter total (inte
grado) da natureza ... pois se fundem todas as potencialidades e pro
dutos da natureza surgindo uma relativa unidade paisagística". (cit.
Schmithuesen 1976, 112,113). Essa unidade dos sistemas configura-se
para Rosenkranz "na coexistência (dos elementos) para o avanço, para o
recuo ou para o "status quo". Hoje falaríamos simplesmente em dinâmi
ca do sistema.
A idéia de sistema dinâmico propagou-se. Peschel (1873) fala da
paisagem dinâmica. Richthofen (188 3), face ã sua formação em ciências naturais, afirma
que o objetivo mais importante da pesquisa geográfica é verificar a existência do todo (des
Ganzen) e suas relações. O espaço terrestre do ponto de vista material ê um aglomerado de
partes dos "seis reinos da natureza".
0 próprio Hettner testemunha: "quando ingressei na Uni_ versidade para
estudar Geografia, esta se apresentou a mim essencialmente como ciência natural, muito mais
do que eu poderia pensar; (cit. Schmithusen, 1976, 117) .
Verificamos pelas idéias de Rosenkranz e geógrafos posteriores que
desde o século passado até aos dias atuais "natureza" é sinônimo de paisagem, e mais
modernamente de "meio ambiente", visto como um sistema dinâmico aberto, É dentro desta
perspectiva que natureza se torna objeto para o ensino e a pesquisa da Geografia.
Creio que o título "Natureza e Sociedade" pode ser interpretado como
"Meio Ambiente, Sociedade e Geografia", sem que haja prejuízo para seu tratamento.
Ao abordarmos o assunto meio ambiente devemos ter em
mente dois aspectos :
1 - Para o planejamento de uma ocupação racional do espaço (que cons-
titui o ambiente das sociedades humanas) deve-se conhecer a estrutura, o dinamismo e
as interdependências dos elementos e fatores naturais e humanos.
2 - Que os maiores problemas que hoje afetam a humanidade são de ordem
sócio-econômica e ecológico-ambientais. E temos motivo para
acreditar que estes problemas tenderão a se agravar num futuro pró ximo.
Os dois itens expostos não serão resolvidos por especulações teóricas ou
ideológicas, mas somente pesquisas sistemáticas e persistentes poderão levar a soluções
concretas.
Hoje todos, crianças e adultos, jornais e televisão,
manifestam-se sobre o meio ambiente, tendo ou não conhecimentos básicos sobre o
funcionamento da natureza.
Por um lado isto é um fato positivo por representar uma conscientização
da sociedade, por outro lado gera confusões e mal en-
tendidos, em detrimento de soluções corretas, com base científica.
Cada pessoa possui uma visão subjetiva, muitas vezes
idealizada, daquilo que seria "o melhor meio-ambiente". As variâncias
ecológicas de percepção não apenas variam de pessoa para pessoa, mas também nas
próprias pessoas, conforme o passar da idade, ampliação de conhecimentos, disposição
física e/ou psicológica.
Estas perspectivas pessoais, porém, nao podem e não devem interferir
num planejamento científico, por isso precisam ser eliminadas. Fatos e dados concretos
devem ser manipulados e analisados para realizar-se projeções concretas, reais e
adequadamente dimensiona das.
Com a evolução da tecnologia o homem passa a viver cada vez mais no
"mundo tecnológico" das metrópoles.
Entretanto, existem parâmetros ecológicos, que a natureza estabelece, e
contra os quais o homem é impotente, apesar de todo o avanço tecnológico.
Pensemos nos desastres ecológicos, nas geadas, inundações, etc., que
o homem não consegue evitar.
Se o homem, até há pouco, considerava-se o "Senhor da natureza",
julgando poder explorá-la e interferir drasticamente no meio
ambiente, sem que tais ações tivessem reflexos para ele, hoje descobre que o ser humano não
passa de urra simples parcela, um simples elemento integrante dos ecossistemas e qualquer
interferência no meio-ambiente altera o curso de sua própria vida.
A sociedade atual, chamada de consumo, com uma perspec
tiva e filosofia egocêntrica que vê apenas o bem estar pessoal e nao o
da sociedade, que explora e desmata sem ver necessidade de repor, que
mata e destrói por simples prazer, conduz rapidamente ã exaustão dos
recursos naturais não renováveis e mesmo renováveis alterando, por
exemplo, a estrutura das matas tropicais heterogêneas, por biocenoses homogêneas.
Ressalto que numa sociedade em que desapareceram os
reais valores morais e éticos, que deveriam ser permanentes, tudo
é
permitido. Quando a violência contra o ser humano atinge o ponto atual e deixa de
sensibilizar a maioria, como falar simplesmente na preservação de uma árvore, de um
animal, de um rio? 0 problema ecológico in sere-se num contexto mais amplo, são os valores
da sociedade atual que estão em causa. Há que se reformular a filosofia do mundo ocidental.
Dentro desse movimento emergente de defesa dos valores morais e éticos, a corrente que
chamaremos de ecológica, a defesa do meio-ambiente, tem um luqar importante quando
sabemos que está em jogo o futuro da humanidade.
Chegou a hora de a ciência contribuir de forma mais efe tiva para o
conhecimento do funcionamento da natureza. E nisto a Geografia poderá ter papel de
destaque. A avaliação espacial, visando ã organização correta do território, obedecendo aos
parâmetros ecológicos estabelecidos pela natureza, deve ser uma das linhas mestras da pes
quisa e docência da Biogeografia e da Geografia Fisica.
Pode e deve haver o estudo dos diferentes componentes da natureza,
abióticos e bióticos, nas disciplinas de pedologia, clima tologia, geomorfologia, hidrografia e
biogeografia, vistas, porém, como Rosenkranz já salientou, não apenas de forma separatista,
mas de forma integrada em disciplinas como: Geografia Regional, Estudo de Geossis-temas,
Organização do Espaço, Paisagem e Qualidade Ambiental, Geo-ecologia, Estudo de
Liogeocenoses, etc.
Sou de opinião, ainda, que os conhecimentos científicos adquiridos e
acumulados nas Universidades devem extravasar os muros desta Instituição, passando a
contribuir efetivamente na solução dos problemas sócio-econômicos e ambientais que
afligem a sociedade de hoje.
A comunidade deve ser esclarecida de forma correta e
não apenas emocionalmente, para os problemas do Meio Ambiente, sendo
que este trabalho deve ser iniciado na escola do 19 grau.
Pergunto: existe disciplina melhor que Geografia para
formar e treinar na criança observação, reflexão, criatividade,discri-
minação de valores, julgamento, comunicação, convívio, cooperação, de-
cisão e ação, enumerados como objetivos do processo educativo conforme
ressalta a Resolução 08/71 do Conselho Federal de Educação?
Devemos mudar a perspectiva e a filosofia da sociedade,
substituindo a "Sociedade de Ganância e de Degradação" por uma "Socie-
dade Ecológica", termo que não quer significar volta do "estado primi-
tivo", mas sim uma sociedade que respeite os parâmetros e as potencia-
lidades ecológicas que caracterizam cada espaço geográfico, cada geos-
sistema.
Somente se os docentes e pesquisadores do Ensino Supe-
rior tiverem estes objetivos em mente, formaremos pessoas capazes de
anular a 3a. das "Cinqüenta teses da Crise Ambiental" elaborados por
Gerhard Helmut Schwabe (Mann, 1973, 10):
"A luta do homem contra a natureza e contra todo pensa-
mento lògico (vazão) andam de mãos dadas, apesar da quantidade incal-
culável de dados que confirmam os desastres advindos dessa estratégia
de ação; ninguém, porém, se dá ao trabalho de parar e refletir sobre
estes aspectos.
Se a Geografia em todos os graus do Ensino, fundamen-
tal, colegial e superior, desempenhar seu papel "formador" em vez de
apenas "informador", encontraremos o caminho para solucionar os pro-
blemas que afligem a sociedade.
Bibliografia
Kant, Immanuel (18 39)
Schriften zur physischen yeographie. Ed. Schubert, Leipzig.
Mann, Ullrich, (1973)
Erzichung zum Unweltbewusstsein als antropologisch ethische
Aufgabe, Umwelt Saar 19 73. Ed. Rockel, Homburg.
Mumford, Lewis (19 56)
A condição de Homem, Editora Globo, Porto Aleare.
Schmithuesen, Josef (19 76)
Allgemeine Geosynergetik, Ed. de Gruyter, Berlin.
"NATUREZA E SOCIEDADE"
Roberto Messias Franco
Universidade Federal de Minas Gerais
"L'Occident, c'est un accident dans
l'histoire". (R. GARAUDY).
O mundo vive hoje, sem duvida, uma grande crise no rela-
cionamento do homem - e da sociedade - com a natureza, se consi-
déramos como crise "uma manifestação violenta e repentina de
ruptura de equilíbrio"(l), pois rompem-se padrões milenares de
comportamento de uma parte da população mundial, que começa a
ter consciência que o homem não e o conquistador, explorador e
proprietário de um espaço no qual ele evolui, mas também um com
ponente solidário e dependente do imenso ecossistema ("ou ecos-
fera") que não podemos destruir sem sofrer as conseqüências.
Para a sociedade, a natureza fornece condições de sobre-
vivência, é o campo de onde são tirados os alimentos, onde se
trabalha e se produz, onde se habita e se cria. E é também "a
maior biblioteca, onde tudo se inscreve e fora da qual não há
nada que permita às pessoas serem mais sábias":(2) Milisavljenic
chega a definir, inclusive, o conhecimento humano como "um es -
forço mais ou menos coroado de sucesso de penetrar nos segredos
da natureza".
Chegamos então a uma área do conhecimento delicada e com
plexa, que ê o estudo da adaptação e do trabalho e influência
que a sociedade humana exerce e sofre por parte da natureza
que, recentemente, com o desenvolvimento da ciência ecológica,
passa a conceber um novo objetivo integral, "holístico" do co -
nhecimento, do qual fazem parte a comunidade dos seres vivos
(a biocenose) e o espaço sobre o qual esta se assenta (o bio-
topo): esta unidade integral é o ecossistema. Dentro deste to
do, e considerando-se o homem e a sociedade como componentes
deste conjunto, são varias as visões sobre o delicado equilí-
brio entre o homem e a natureza, onde se destacaram histórica
mente: por um lado, o antropologismo que define o homem por
oposição ao animal, a cultura por oposição ã natureza, o reino
humano, considerado como uma síntese de ordem e de liberdade,
se opondo às desordens naturais (definidas por termos como "Lei
da selva", pulsões incontroladas,...)• Por outro lado, o
biologismo não via como sinais de uma profunda sociabilidade no
universo vivo, fazendo uso de organização de informações, so -
ciedades como as das abelhas e das formigas: a natureza mostra
então com pujança que não é amorfa e desordenada.
Mas, o homem é "evidentemente excepcional em relação
aos animais (...) ; construimos cidades, de pedra e de aço, inven-
tamos máquinas, criamos poemas e sinfonias, navegamos no espa-
ço; como não crer que, apesar de saídos da natureza, não seja-
mos extra-naturais ou sobre-naturais?"(3). Enfim, como pôr fim
ã visão de uma natureza não humana e de um homem não natural,
capaz de se sobrepor a quaisquer limites e de ir indefinidamen
te em frente em suas conquistas? Este parece-me ser um ponto
central para que se possa chegar a conclusões sobre uma nova
proposta de relação homem-natureza.
Quando, há 100 mil anos, aparecia na Terra o "Homo
sapiens", teve início um longo processo de modificação do meio
em que ele vivia: no princípio, usava o fogo para cozinhar e
se aquecer, gastando 8.000 cal/dia per capita, que é aproxima-
damente o equivalente a 1 kg de carvão. Este homem tornou-se
agricultor e, no início da era cristã, já gastava 12.000 cal/ dia
per capita: vale a pena salientar que já havia então as cidades
("cives"): Jericó tem 9.000 anos, Atenas tinha 200 mil habitantes
em seu apogeu, e chega-se a afirmar que Roma che -gou a ter, no
auge de sua potência imperial, um milhão de habitantes. No século
XIX, com o advento da máquina a vapor, o gasto energético médio
chegou a 75000 cal/dia per capita nos países europeus onde chegou
a revolução industrial. E hoje, nos Estados Unidos, consome-se
mais ou menos 250.000 cal/dia por habitante (4): é o máximo que
se conhece de desperdício energé tico, com 6% da população mundial
consumindo 30% dos recursos mobilizados; mas é também o modelo
mais imitado de evolução his_ tórica. Enquanto isto, nos países
pobres do chamado Terceiro Mundo o consumo energético médio é de
um décimo do padrão ameri-cano, e lá estão 68% da população
mundial, que serão aproximada mente 901 no ano 2000 se se
confirmarem as tendências atuais; o planeta estará então com cerca
de seis bilhões de habitantes.
Se a produção dos homens, em todos os estágios de seu de
senvolvimento, cria um conflito com a natureza, o esbanjamento
inconsiderado dos recursos naturais (em especial os não renová-
veis) gera uma devastação da natureza e a ruptura de seus ci -
clos, produzindo o que se poderia chamar de um imenso passivo , ou
seja, o conjunto de "contas patrimoniais da natureza": há uma
diminuição quantitativa do patrimônio, testemunhada por exemplo
pelo arrastre de solos férteis calculado em 500 milhões de
toneladas anuais; uma menor diversidade de seres vivos, ilus_
trada com o dado de que 20% das formas de vida da terra estarão
extintas no ano 2000; e o crescimento da poluição que chega a
níveis antes inimagináveis: 3 milhões de toneladas de petróleo
são jogadas no mar anualmente, e 90 milhões de toneladas de hi-
drocarbonetos de origem petrolífera vão poluir a atmosfera. A
"sociedade da tecnosfera" chegou, na segunda metade deste sécu-
lo, a determinar o novo curso da evolução da biosfera.
Tudo isto para se chegar ã absurda situação de termos um
mundo com 400 milhões de carentes alimentares, enquanto o esto-
que de bombas no arsenal de USA e URSS, que consome 400 bilhões
de dólares por ano, reserva a cada habitante do planeta uma cota
equivalente a 3 toneladas de TNT.
Mesmo a ciência não dispondo de métodos precisos para me-
dir o nível tolerável de poluição e o ponto até o qual a nature
za poderá preservar-se de um colapso total por seus próprios
meios, parece aberrante o comportamento humano de nao perceber
coisas tão evidentes, quando está em jogo o próprio instinto da
auto-preservação, cuja extinção a ciência ainda não evidenciou.
Porque o homem, depois de ter sido oprimido pela natureza, con-
seguiu por vezes equilibrar-se com os ecossistemas e com fre-
qüência dominá-los, arrisca agora a transformar este domínio em
destruição (e auto-destruição), parece ser uma questão da maior
relevância.
Se nao existe uma solução integral para tal indagação ,
poderíamos ousar aventar alguns elementos de resposta: não se-
ria a existência de um projeto de mundo no qual so se pediu a
população a força fisica, e não a criatividade e a participação, o
responsável pelo mundo que se vê hoje, onde a alienação das
populações as leva à não participação na elaboração do mundo de
amanhã?
B.Commoner (5) envereda por outro caminho na busca de
uma explicação, constatando que a lógica do capitalismo buscan-
do constantemente o lucro através da mais valia exige um cresci_
mento econômico constante. Assim sendo, o sistema é obrigado a
se desenvolver sem limite, enquanto a base ecológica não pode -
ria suportar uma exploração ilimitada, o que gera uma grave con_
tradição. E interessante notar, entretanto, que a situação não
é significativamente diferente na URSS.
Outros elementos de explicação, suplementares a estes, são
os de CAMPANELLA, em "As causas da crise ambiental" (6), quando
constata que "a produção é dirigida por alguns que têm o interesse
de produzir nao só o necessário para dar aos homens produtivos
condições de continuarem produzindo, mas também um excedente,
então o conflito com a natureza vai ser muito maior". Esta sobra de
produtos, acumulados e vendidos, tem seu planejamento por unidade
produtiva, levando portanto a uma exterioriza-ção dos custos e a
uma interiorização dos benefícios.
A civilização tecnológica e industrial vê-se assim diante
de desafios, quer no nível das grandes políticas e estratégias,
quer no nível das atitudes e valores individuais. É preciso
capacitar-se a fim de planejar e rumar para cenários
alternativos de desenvolvimento, que sejam energeticamente mais racionais e
economicamente viáveis para a humanidade, que deve compreender que o
sucesso tecnológico não pode ser sua única preocupação.
Passa-se assim de noções de desenvolvimento que levam em conta
apenas o crescimento econômico a noções mais abrangentes onde são
incorporados fatores como a manutenção e a u t i liz a ção racional dos
recursos que a natureza proporciona, a melho -ria da qualidade e do quadro
de vida e a equidade social na distribuição dos bens produzidos.
Convém aqui lembrar que, na realidade, embora sejam gene_
ralizados os efeitos danosos da poluição e da degradação em a-reas
industrializadas, eles aparecem sobretudo nas regiões pobres abusivamente
exploradas como simples fornecedoras de matérias-primas e de mão-de-obra
barata, onde não há a preocupação com a defesa dos equilibrios naturais pré-
existentes ou com a recomposição da paisagem devastada. Percebe-se também
neste caso "o desenvolvimento dos ricos criando o subdesenvolvimento dos
pobres" (7).
A introdução de parâmetros ecológicos nas preocupações com o
desenvolvimento gerou o conceito de ECODESENVOLVIMENTO, lançado por
Maurice STRONG, diretor do Programa das Nações Uni_ das para o Meio
Ambiente durante a Conferência de Estocolmo de 1972. Segundo SACHS(8),
"partindo de uma interpretação que pre tendia ser apenas uma estratégia de
desenvolvimento fundada na utilização judiciosa dos recursos locais e do saber
camponês aplicável em zonas rurais do Terceiro Mundo, o ecodesenvolvimen
to passou a ter hoje uma significação mais geral: é a busca de
formas ao mesmo tempo socialmente úteis e ecologicamente pru-
dentes de utilizar os recursos encontrados em cada lugar". não ê
portanto um conceito que recuse sistematicamente o avan ço
tecnológico, mas que propõe a escolha de tecnologias apro -
priadas que podem serpentear entre os processos mais sofistica
dos e os mais rústicos, dentro de uma política de utilização dos
recursos naturais que beneficie os recursos renováveis e o uso
complementar, sempre que possível, dos residuos das atividades
produtivas. Isto implica em que se evite a homogeneidade de
soluções e a adoção de tecnologias importadas que normalmen te
não são as mais adaptadas às potencialidades e necessida -des
locais, são causadoras de empobrecimento e endividamento
nacionais, além de provocar o fechamento de perspectivas para a
ciência e a pesquisa - onde inovação e engenho abrem as portas
para a procura da independência.
A esperança de que natureza e sociedade "se reconciliem", a
partir de uma consciência do papel do homem no mundo, anima-nos a
aspirarmos ser os co-participantes de um mundo futuro. com
felicidade e bem estar abundantes e bem distribuídos.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. FERREIRA, Aurelio B.de H. - Novo Dicionário da língua Portu-
guesa. Nova Fronteira, Rio, s.d
2. MILISAVLJENIC, R. - Environnement, ideologie et science.
Anthropos, Paris, 1978.
3. MORIN, E. - Le paradigme perdu: la nature humaine. Ed.
du Sevil, Paris, 1973.
4. ZATZ, J. - Ciencia, tecnologia e realidade nacional. C.N.R.C.,
Brasília, s.d.
5. COMMONER,B. - The closing circle. Knopf ed. , New York.
1971.
6.CAMPANELLA, M.A.T. - As causas da crise ambiental, in "Eco-
logia e Sociedade", Loyola, Sao Paulo, 1978.
7. CASTRO, J.de . - Subdesenvolvimento: causa primeira da polui
ção, in "A luta contra a Poluição. Editora da FGV, Rio,
1977.
8. SACHS,I. - Environnement et styles de développement, in
"Annales", Armand Colin, Paris, 1974.
2. O PERÌODO TÉCNICO-CIENTÍFICO E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
. Milton Santos (Coordenador)
. Armando Corrêa da Silva (USP)
. Armen Mamigonian (UFSC)
. Ignez Costa Barbosa Ferreira (UnB)
. João Francisco de Abreu (UCMG/UFMG)
. Manoel Seabra (USP)
. Roberto Lobato Corrêa (FIBGE)
A GEOGRAFIA E A TOTALIDADE ESTRUTURAL EM CRISE DE FUNDAMENTOS
Armando Corrêa da Silva*
Universidade de Sao Paulo
O Simpósio Teoria & Ensino da Geografia propõe o tema 0 PERIODO
TÉCNICO-CIENTÍFICO E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO.
Efetivamente o mundo mudou desde o após-guerra, sugerin do, neste inicio de
década de 80, alguma reflexão.
Tomo o tema no sentido indicado pelo titulo acima, porque a nova divisão
internacional do trabalho impõe novas questões. Em 19 78 a tomada de consciência disso aparecia a este
autor do seguinte modo: "Será preciso lembrar que o núcleo da discussão anterior foi a noção de
processo? como se fazia essa discussão? Através das disparidades regionais, a expressão geográfica da
contradição. Mas havia uma preocupação com a formação do espaço, cujos aspectos históricos sempre
estavam presentes. A preocupação ainda existe - em alguns, acen tuada - mas, permeada, em diferentes
graus, pela discussão, não mais da formação de uma estrutura, mas pelo debate a respeito do movimento
dessa estrutura..." (Silva, 1978: 2 ) .
Em seguida, fazia-se alguma referência aos métodos e às téc nicas. Dizia-se:
"Mas, não é através da busca dos métodos e das técnicas, mes mo que sofisticados e apoiados no
extraordinário arsenal do fazer prático de hoje, que a questão pode resolver-se. Esse caminho
acentuará cada vez mais a fragmentação do conhecimento, no caminho do modo operacional de
produzir.
"não opor-se ã divisão intelectual do trabalho e, ape
sar disso, reencontrar a identidade do saber na multiplicidade das
idéias exige mais do que apenas o fazer prático, do passado, ou o fa
zer técnico do presente". (Silva, 1978: 3 ) .
Refletindo sobre o assunto, em outra ocasião, argumenta va o seguinte: "Em
primeiro lugar, o espaço da geografia é o próprio
* Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
espaço de sua subtotalidade. Por isso, é um espaço de ciência e ideo-
logia, que se relaciona com outros espaços na interdisciplinaridade das
múltiplas subtotalidades.
"Em segundo lugar, o espaço da geografia é o seu pró-
prio espaço interno, como espaço da natureza e espaço da sociedade. Es_
paço ontologicamente diferenciado, mas relacionado geneticamente, e
que apresenta mediações.
"Em terceiro lugar, o espaço da geografia é o espaço re
ferido ao segmento do real, cuja escolha depende do que se deseja e do
conhecimento do real em seu movimento na particularidade.
"Em cuarto lugar, o espaço da geografia é o subespaço
do real que remete à subtotalidade em seu conjunto, no retorno que dá
sentido ã aproximação em relação ao objeto.
"Em quinto lugar, o espaço da geografia é o discurso
que extrapola a subtotalidade, na consciência realizada como compreen
são do real no todo e na parte". (Silva, 1982: 23/4).
Penso que agora um novo esforço teórico deve desenvol-
ver-se na direção da solução de um problema de teoria do conhecimento
que pode explicitar-se como segue: a relação homem-natureza em geogra-
fia é a relação população-espaço.
As questões que vêm a seguir referem-se a essa relação.
A AUSÊNCIA DO SER SOCIAL
uma antiga discussão, sempre retomada, é a do método da
economia política. (Marx, 1946: 219). Diz Marx: "Quando estudamos um
pais determinado do ponto de vista da economia política, começamos por
sua população, a divisão desta em classes, seu estabelecimento nas ci-
dades, nos campos, na orla marítima; os diferentes ramos da produção,
a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços
das mercadorias, etc. Parece mais correto começar pelo que há de con-
creto e real nos dados; assim, pois, na economia, pela população, que
é a base e sujeito de todo o ato social da produção. Todavia, bem
analisado, este método seria falso".
O autor não diz, no entanto, se é incorreto tratar da
população em relação ao espaço, porque esta discussão não se propunha
então. A Geografia era uma ciência alheia às questões sociais, como o
é ainda hoje, com poucas exceções.
Ê possivel considerar a população como ser social?
Nao obstante a população apresentar-se dividida em clas
ses, ela é, nos países de economia capitalista e dependentes desta, o
modo como se apresenta o social. E o seu modo politico é a democracia.
Ora, um dos resultados do periodo técnico-científico no Ocidente, foi
o aparecimento de uma extensa classe média que está de muitos modos
ligada ã produção material da existência, principalmente na esfera da
circulação. 0 modo de produção capitalista vem tornando cada vez mais
homogêneas a produção e o consumo. Isto, não obstante, parece
contraditório quando se considera o caso dos geógrafos, É que estes
lidam com a educação e o ensino, que são superestruturas relacionadas
ao Estado. Portanto, ideologias.
A população, como ser social, é, então, o mesmo que o
povo, a sociedade civil.
A sociedade que se deseja construir é, assim, algo in-
dissociado das classes trabalhadoras, que representam, nas esferas da
produção e da circulação, a maioria social.
0 ESPAÇO SOCIAL EXCLUÍDO
não obstante ser a maioria da população e sua expressão
social, o conjunto dos trabalhadores manuais e intelectuais encontra-
se espacialmente excluído.
0 espaço social é, então, um espaço socialmente produ-
zido mas não pertence aos que o produzem.
Mas, em uma democracia o acesso, pelo menos, ã moradia,
é condição indispensável ã sua efetivação. Mesmo tendo um custo social
a moradia é um valor de uso antes de ser um valor de troca, embora ela
seja em grande parte construida como um valor de troca para uso
(Harvey, 1980) .
A Geografia tem estado alheia ao espaço social como al-
go que se defina a partir do direito social. Por isso, igualmente, tem
ignorado o aspecto político desta questão.
Numa sociedade democraticamente igualitária, em que o
direito formal não tenha lugar, o espaço social é igual ao espaço polí-
tico, porque tem ambos como fundamento a apropriação igual ao nível da
produção.
GEOGRAFIA FÍSICA E SER SOCIAL
O ser social em Geografia Fisica mostra-se através das políticas em relação ao
meio ambiente. O físico é, assim, importante para a população.
não obstante os estudos monográficos a propósito de aspectos físicos do meio
ambiente - e eles são necessários - a população encontra-se desigualmente distribuida em relação ao
subsolo, ao relevo, ao solo, ã vegetação e ao clima, sem falar da fauna.
Mesmo quando se trata do clima e meio ambiente revela-se desigual ã população
(Cruz, 1974).
Quando se trata do físico enquanto recursos naturais e patrimônio da população
pode-se falar em uma questão ambiental (Monteiro, 1981) .
A relação população-espaço adquire um significado específico em Geografia
Física. A destruição ou depredação do ambiente na turai, assim como os seus usos, ou abusos, atinge a
relação homem-natu reza como população que se vê privada de elementos essenciais ã vida, em relação
a um espaço físico que se vê destituído de seu valor.
O físico é o modo natural de por-se o ambiente em que vive o homem. Ele
depende do mesmo enquanto população que vive a superfície da Terra como sua morada, antes que
sua moradia (Hartshorne, 1978).
GEOGRAFIA HUMANA E SER SOCIAL
A questão ambiental e a questão social são inseparáveis.
Essa indissolubilidade aparece quando o geográfico é a expressão da relação
população-espaço. não obstante, essa relação não se explicita facilmente.
Ela é relação população-espaço natural e população-espa
ço social. Dai a possibilidade de uma Geografia Humana diferente de
uma Geografia Física. Trata-se de um recorte ontològico ou de duas
epistemologías diversas? (Lukács, 1979.
Se há uma continuidade entre o natural e o social como realizar o recorte? A
natureza deve aparecer como recursos e como meio de vida; a sociedade aparece como o sujeito de que a
população é aquela "base e sujeito de todo o ato social da produção".
Ha, aqui, uma questão complexa: a população só pode ser
sujeito se a sociedade, dividida em classes, também o é. Ou seja, a
população é condição necessária do "ato social da produção", que é um
atributo da sociedade.
há, então, também, uma diversidade de epistemologías,
desde que efetivado o recorte corretamente.
A Geografia Humana põe-se, assim, como a relação popula
ção-espaço que tenta desvendar seu ser social próprio.
Produção do espaço, espaço a produzir, espaço em produ-
ção e espaço produzido são, pois, aspectos do mesmo fenômeno relacio-
nai. Em qualquer caso o espaço, neste caso, ê social.
O espaço social também revela-se desigual à população.
A DESIGUALDADE NA TOTALIDADE
A critica à ideologia, enquanto instrumento de reposi-
ção do ser natural e social em seus parâmetros geográficos, desvendan-
do com isso os interesses de classes, ocorre como trabalho necessário
ã busca da totalidade.
À classe dominante, nos países de economia capitalista
ou dependentes desta, interessa a separação entre Geografia Fisica e
Geografia Humana, principalmente se estas são reduzidas a técnicas me-
ramente operacionais. Por isso, parecem ocorrer duas epistemologías
irrecon-ciliãveis. não obstante, os objetos sao diversos. Porque essa
desigualdade na totalidade? Nos últimos 30 anos o desenvolvimento
tecnológico foi grande, repondo a questão de se é a cultura que
determina a técnica ou o contrário? {Trotsky, 1981).
Nesse periodo a técnica empurrou a ciência e a cultura
para limites antes desconhecidos. Agora, com a crise mundial, a ciên-
cia e a cultura começam a retomar sua determinação sobre a técnica.
O espaço natural e o espaço social tornaram-se mais de-
siguais em sua diversidade revelando uma modalidade de desenvolvimento
predatória. É preciso, então, realizar a critica desse avanço. como
conseguir reunir os fragmentos do conhecimento em uma totalidade coe-
rente?
PRÉ-REQUISITOS AOS FUNDAMENTOS
não se trata de fazer a critica da geografia tradicio
nal. Isso já foi feito. (Santos, 1980; Moraes,1981). Assim como ã
resposta neo-positivista.
Trata-se de esboçar os pressupostos da unidade do conhe cimento, para além da
corporação cientifica.
A Universidade tornou-se um repositório acadêmico de
questões incompatíveis com o status oficial, mas desenvolvendo a sua função amortecedora do
conhecimento novo.
A quem interessa o conhecimento novo?
No pais em desenvolvimento, mas vivendo a crise mundial,
o conhecimento novo desdobra-se em duas direções: uma, mais ágil, é o
desdobramento do conhecimento técnico-científico recente, pragmático,
mas destituído de teleologia; esta vincula-se aos esforços não ligados
ao Estado Maior ou aos professores (Lacoste, 1978) e é menos ágil,
porque marginalizada.
Trata-se, então, de ultrapassar os compromissos teóricos e empíricos do saber que
se põe no modo complementar de desenvol-vimento (Silva, 1978), assim como na "via colonial"
(Chasin, 1978).
Qual o significado da nova divisão internacional do tra balho?
Da antiga divisão econômica e geográfica, passa-se a
uma divisão técnica-científica em que a competição se faz pela necessi-dade imediata do mercado,
ligada à qualidade do produto, mesmo que para tornar-se logo obsoleto. É preciso fazer circular a
"mais-valia", mesmo que para concentrá-la aqui e ali.
ORGANIZAR 0 ESPAÇO PARA QUEM?
0 espaço novo organiza-se na fábrica, no momento em que a produção é
contestada por quem produz mas deve, simultaneamente, pagar por sua organização, alheia aos
principais interessados.
O espaço organizado torna-se uma prisão na segregação dos despossuídos.
Ê preciso, então, "abrir espaço". Na linguagem dos jor nalistas o futuro se põe na
praxis cotidiana.
A população do espaço excluído das fábricas encontra-se com a população do
espaço limitado das várias espécies de intelectuais.
E o futuro o que é? Tem que ser uma relação população-
espaço sem exclusões ou limitações.
Na perspectiva democrática nao abstrata trata-se do di-
reito concreto de organizar o espaço para si, independente dos impedi-
mentos coercitivos do poder.
A descentralização torna-se então uma arma de duplo al
cance: ela interessa ao poder, ela interessa aos ausentes do poder. A
unidade passa, pois, pelo difícil exercicio de uma dialética que nasce
dos oprimidos mas é logo comprometida pelo poder.
A RECUPERAÇÃO DO PASSADO HISTÓRICO
Quem viu o futuro antes? Quem lutou por uma organização
democrática do espaço? Quem é, então, população, como "base e sujeito
de todo ato social"?
A população conhece o seu espaço, embora dele excluída
e a ele delimitado. Por isso interessa a ela a preservação daquilo que
ainda é teleologia do futuro. Porque o espaço é ele mesmo componente
de sua efetivação: a população o sabe. Ele guarda a história do
presente, mesmo quando assaltado pela produção do valor para outros.
O novo contém, então, o passado. Aquilo que, antes,
marcou o desenho do espaço. 0 desenho do espaço é a memória espacial
da população. Ela o sabe.
O que mudou?
Apenas o resultado do periodo técnico-científico?
Ou, ainda, apenas a permanência renovada das "rugosida-
des"?
à população, como ser social, interessa o passado, o
presente e o futuro. A população não é apenas o presente, mesmo porque
o desenvolvimento não é uniforme.
0 PRESENTE INCOMPLETO
No pais em desenvolvimento, o passado e o futuro estão
contidos no presente. não é possivel mais recuar, embora o passado se
ja o tempo da memória mais sedimentada.
No entanto, o futuro não é o que se deseja socialmente.
Ele apenas traz em si o desenho do "vir-a-ser", mas com contornos im
precisos.
O presente torna-se, então, a possibilidade. E, a possibilidade é o fazer
incompleto. O que ainda não é efetividade.
A relação população-espaço é, assim, uma colagem de futuro e passado no fazer-
se agora. A teleologia é substituída pela ação não pensada, pelo preencher os espaços vazios, no
movimento das estrutura sem fundamentos.
não há, então, apenas o historiador do presente (George, 1966), mas há, também,
o historiador do futuro: o planejador.
O FUTURO NO PAPEL
A ideologia torna-se componente do plano.
0 que vai ser é o projeto. não o projeto do existencia lismo, mas o projeto
técnico-científico, do pragmatismo contemporâneo.
A população está contida no projeto mesmo que não participe de sua elaboração.
A possibilidade democrática da participação abre uma perspectiva de decisão por representação que
pode apenas tornar-se mais um elemento do jogo do poder.
Trata-se de torná-la efetiva.
Mas, o projeto já nasce com compromissos porque não é possivel descartar
simplesmente o passado.
A população vislumbra a possibilidade de participação como o modo democrático
de incluir-se no plano.
Qual espaço é possivel organizar?
O ESPAÇO como SUPERESTRUTURA
No momento em que a população é chamada a participar da organização do
espaço este se torna componente da superestrutura da so ciedade, como espaço futuro no projeto.
O espaço na consciência interage com o espaço como base, suporte, apoio
(Claval, 1973).
uma dialética espacial?
0 espaço técnico-científico passa a conformar o espaço suporte.
Pode tornar-se um novo espaço de dominação.
E é de fato um espaço, pelo menos, de mediação ao poder.
Podem os excluidos ter acesso a ele?
A população, assim, diversifica-se em várias populações, em vários espaços.
FUNDAMENTOS DE uma PERSPECTIVA
A Geografia, na perspectiva de uma população que é "base e sujeito de todo o ato
social", e que se defronta com um espaço di-vidido (Santos, 1979), encontra-se no dilema de ultrapassar
suas atuais limitações.
Para isso, deve expor seus fundamentos.
A população é sujeito e objeto do fazer-se Geografia. O espaço é infra-estrutura e
superestrutura do fazer-se Geografia.
A população ê sujeito quando é sinônimo de sociedade, ou quando se considera
dividida em classes. A população é objeto quan do sobre ela recai a ação da sociedade.
0 espaço é infra-estrutura quando é suporte, apoio base; o espaço i superestrutura
quando é sujeito do plano.
A relação é, então, complexa.
como o período técnico-científico se relaciona com a or ganização do espaço?
TOTALIDADE OU SUBTOTALIDADE?
uma grande parte da sociedade encontra-se alheia ao pe riodo técnico-científico
embora dele seja obrigado a participar. Assim, o espaço organizado para ela ê um espaço provisório.
Outra parte da sociedade é responsável pelo periodo téc nico-científico e pela
organização do espaço.
A totalidade é, então, uma subtotalidade, porque depende de uma totalidade
maior, embora numericamente inferior.
A desigualdade é, pois, a expressão direta da crise de fundamentos da estrutura.
Compor a unidade com os fragmentos é impossível, porque a relação população-
espaço tornou-se um conjunto de relações popula-ção-espaço.
A Geografia ganha sua unidade às custas de suas rupturas internas.
NA ANTE-SALA DA CRISE
A possibilidade de compor um quadro do periodo técnico-
científico e sua relação com a organização do espaço pode dar-se por
dois caminhos: o do levantamento dos dados empíricos correspondentes a
esse periodo, ou o do caminho da reflexão critica que se encontra no
limiar da consciência possivel.
0 simples levantamento dos dados nada acrescenta ao que
se sabe e serve apenas para mascarar a consciência da crise.
A verdadeira razão da crise está no fato de que a Geo-
grafia está carente de fundamentos capazes de dar conta de sua teleo-
logia.
Nesse caso, a realidade impõe-se na descoberta da pers-
pectiva. A população descobre no dia-a-dia o caminho do futuro.
Porque a população sabe o espaço que deseja para si,
numa perspectiva democrática.
A Geografia pode contribuir para isso.
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O Periodo Técnico-Científico e a Organização do Espaço
Ignez C. Barbosa *
Universidade de Brasília
Dentro de uma perspectiva histórica, a sociedade de
nossos dias apresenta um caráter de originalidade, que reside
no emprego da tecnologia de forma intensiva, com a finalidade
de dominação da natureza pelo homem, visando ã melhoria crescen
te das condições de vida sobre a face da terra. Esse desenvolva
mento tecnológico assume características peculiares de entrela-
çamento com a ciência e com a industrialização, podendo ser con
siderado, não simplesmente, como uma diferença qualitativa e
quantitativa na evolução da tecnologia . Ciência e tecnolo -gia
se retroalimentam dentro do grande fenômeno da industrialização,
que marca a fase atual do desenvolvimento da sociedade.
Observa-se, então, o aprimoramento da capacidade intelectual e
material do homem como jamais ocorreu na história da humanida -
de
O desenvolvimento técnico-científico permite ao ho-
mem interferir na realidade, dominar a natureza, alterar os pró
prios processos biológicos, criar as condições que lhe convém,
na superfície terrestre. "0 homem não se encontra mais diante
de uma realidade que se faz a si mesma e com a qual pode, no má
ximo, conformar-se: está diante de uma realidade inacabada que
é chamado a transformar (...) 0 future emerge sob uma nova luz;
* Professor Assistente da Universidade de Brasília.
não é mais um domínio sobre o qual não podemos interferir, (...)
onde só podemos esperar a repetição dos fenômenos cuja regula-
ridade já foi constatada no passado, ou acontecimentos incon
troláveis: ele se tona, ao contrário, o campo mesmo no qual a
ação é chamada a inscrever-se (...)
(03)
. O desenvolvimento tec
nológico nos permite mudar o presente e a ciência dá-nos a pos
sibilidade de antecipação em relação ao futuro, através da pre
visão. A realidade passa a ser cada vez mais uma obra humana ,
racional, mas para realizá-la o homem necessita, cada vez mais,
de fazer apelo ã ciência e ã tecnologia.
Ao se pretender fornecer elementos para uma reflexão so
bre a importância deste momento na organização do espaço duas
questões podem ser colocadas: 1ºqual a importância desse perlo do
técnico-científico nas relações sociais e,portanto, na pró pria
estruturação da sociedade? 2º qual a implicação que essa
estrutura da sociedade traz ã organização espacial?
A guisa de resposta à primeira questão tomamos as consi
deraçoes de Jean Ladrière e Herbert Marcuse. Para Ladrière o de
senvolvimento tecnológico, no momento atual, tem um caráter de
auto-regulação e auto-finalização, devido ao grau elevado de in
terdependência e integração entre seus diferentes componentes , o
que reforça o próprio desenvolvimento tecnológico. 0 efeito re
troativo permite-lhe evoluir por seus próprios recursos, definin
do suas possibilidades e finalidades, garantindo-lhe uma relativa
autonomia. Cada vez mais as possibilidades internas do setor vão de
finir os objetivos da tecnologia, que se tornam independentes
de motivações outras, provenientes de outros setores da cultu-
ra e não estão submetidos pura e simplesmente ao sistema de
necessidades primárias da sociedade . Trata-se então de
uma considerável autonomia da tecnologia em relação aos ou-
tros setores da atividade social. 0 desenvolvimento tecnológi-
co-clentífico, que tem suas bases no desenvolvimento económico-
industrial, tendo se desenvolvido para atender às necessida-
des econômicas, por via da industrialização, realimentando o
próprio modelo de desenvolvimento industrial, já extrapola o
âmbito econômico, penetrando nos aspectos culturais da socieda
de. Dentro do processo econômico, a tecnologia se antecipa às
próprias necessidades da sociedade, criando, até mesmo, neces-
sidades novas, a partir de uma tecnologia que surge, explici-
tando e concretizando necessidades latentes ,
A vida moderna é marcada pela modificação nos equi-
pamentos materiais em que ela se apóia: na rede de transpor-
tes e de comunicações (que aproximam lugares e encurtam dis-
tâncias} ; transformações nas estruturas institucionais (que se
centralizam e ampliam suas dimensões); transformações nas for-
mas de trabalho (cada vez mais condicionadas por uma competên-
cia tecnológica); transformações nas formas de lazer, de habi-
tação, de alimentação , etc. . 0 desenvolvimento tecnológico
atual já apresenta uma evolução em relação à primeira fase: a
primeira geração de máquinas tinha como base a energia e a a-
tual tem como base a informação. "0 universo dos instrumentos
torna-se um universo animado, capaz de funcionar por si mesmo,
reforçando incessantemente a interdependência de seus elemen-
tos (...1 esses instrumentos aumentam consideravelmente o poder
de ação do homem, quantitativa e qualitativamente. Se, em princi
pio, obedecem ã sua vontade e não fazem senão realizar os seus
planos, também se impõem a ele como um modo de realidade que de-
fine cada vez mais a vida cotidiana"
Para Marcuse, o desenvolvimento a que atinge a so-
ciedade de nossos dias, graças ã tecnologia e à ciência, signifi
ca também a dominação, infinitamente maior do que nunca, da socie
dade sobre o indivíduo . Essa dominação se exerce pela uniformiza
ção da produção e do consumo, através da manipulação das necessi
dades individuais em nome dos interesses gerais. 0 aparelho pro-
dutivo se impõe aos indivíduos, mobilizando a sociedade em bloca
Na sociedade industrial avançada o aparelho tecnoló
gico funciona como um sistema que determina "a priori" o que
produzir, o que consumir, as atividades, as aspirações, as neces_
sidades dos indivíduos e os meios de manter o sistema e de ga-
rantir sua expansão e estender o seu poder. O progresso técnico
cria novas e mais agradáveis formas de conforto, de eficiência
e de racionalidade, que garantem a coesão social
(09).
A vida da sociedade se organiza segundo uma esco-
lha, que depende do jogo dos interesses dominantes, que antecipa
as formas específicas de transformar e utilizar o homem e a natu-
reza. t um projeto de realização que tende a determinar o desen
volvimento da sociedade em seu conjunto . Os produtos dou-
trinam e condicionam (...) E quando esses produtos vantajosos
tornam-se acessíveis a um grande número de indivíduos, nas clas-
ses sociais mais numerosas, os valores-de publicidade criam uma
maneira de viver. É uma maneira de viver melhor que a anterior e,
como tal, ela se defende de toda mudança qualitativa (...) A ra-
cionalidade do sistema e sua extensão quantitativa dão então, uma
definição nova às idéias, às aspirações e aos objetivos . E
essa forma de viver se reforça pelas comunicações de massa, pela
produção de massa e ao mesmo tempo realimenta essas formas de
produção massificada.
Pelo exposto pode-se concluir que não se trata so-
mente de povoar o ambiente com máquinas, mas que o processo téc-
nico-científico tem um repercussão bem maior sobre a sociedade,
incidindo sobre os hábitos, os valores, as aspirações, as atitu
des, as reações intelectuais e emocionais, sobre a ética e a mo-
ral. Pode-se mesmo considerar que tenha um poder desestruturador
e reestruturador da sociedade. A estrutura social passa a ser
atingida pelos mesmos princípios de racionalidade e eficiência
que norteiam o progresso técnico.
Partindo-se da premissa básica de que a organização
espacial expressa as articulações dos processos sociais, o desan
volvimento técnico-científico teria, indubitavelmente importan -
cia marcante na organização do espaço. Evidências empíricas per-
mitem comprovar a influência da tecnologia no espaço, como: o
reaproveitamento de áreas esgotadas, a ocupação de regiões antes
consideradas inaproveitáveis, implantações humanas e deslocamen-
tos tecnicamente mais fáceis e menos onerosos e a própria expan-
são da ocupação humana na superfície terrestre. não se trata, no
entanto, de uma influência mecânica entre desenvolvimento tecno-
lógico e condições espaciais e nem de um determinismo tecnológi-
co. Trata-se, isto sim, do desencadeamento de um processo deses-
truturador e restruturador do espaço. 0 espaço passa a ser mode-
lado segundo os mesmos critérios de eficiência e racionalidade
que comandara o processo técnico-científico. É um novo conteúdo
social que vai se viabilizar e se concretizar numa nova estrutu-
ra espacial. O avanço técnico redefine as relações sociedade/es-
paço, criam-se novas formas espaciais e as anteriores se ajustam
às novas determinações.
"O progresso técnico desempenha evidentemente um
papel essencial na transformação das formas urbanas, influencian
do um novo tipo de atividade de produção e de consumo e possibi-
litando, através dos transportes é das formas de comunicação em
geral, a superação das distancias geográficas"
(12)
A localização das atividades humanas se desprende
das condicionantes naturais para se ligar a um meio social e tec
nológico. Por outro lado, os próprios recursos técnicos permitem
criar esse meio tecnológico era qualquer lugar. Essa tendência po
deria levar à extrema dispersão das atividades humanas no espaço,
mas não é o que se verifica. Ao contrário, acentua-se a concen -
tração espacial, que realimenta o próprio desenvolvimento tecno-
lógico e só é possível com as condições que ele permite criar.
As grandes concentrações urbano-industriais e as áreas metropoli-
tanas são um exemplo disso. não obstante a concentração, a dis-
persão e a homogeneização do espaço se verificam, pela expan-
são do próprio modelo tecnológico. Essa homogeneidade em termos
¿le atividades produtivas, de formas de produção e de consumo, de
emprego de tecnologia,não exclui as heterogeneidades e contrastes
e até mesmo os acentua.
O modelo de desenvolvimento tecnológico não se res
tringe às regiões mais adiantadas, epicentro do processo de de-
senvolvimento industrial, mas também as regiões menos desenvol-
vidas se inserem no mesmo processo. uma porção do espaço ao ser
atingida por esse processo sofre alterações quantitativas e qua-
litativas, modificando-se as condições ambientais e as relações
humanas, por via das inovações tecnológicas, que constituem o
que se costuma chamar de modernização. A penetração dessas inova
ções tem um efeito desetruturador sobre a organização anterior e
reestruturador de uma nova organização. Essas mudanças têm impac
tos diferentes sobre as estruturas afetadas,
A submissão ao modelo técnico-científico e indus-
trial não se limita aos meios urbanos e industriais, mas se faz
sentir também nos meios rurais e na atividade agricola, mesmo
nas regiões periféricas, A atividade agricola passa a se subme -
ter aos desígnios da tecnologia, via indústria, para fazer face
às exigências de eficiência que os novos padrões de demanda exi-
gem .
Todas essas formas de modernização vêm acompanhadas
de uma maior divisão de trabalho pela especialização, amplian_ do-
se assim a dependência ao modelo técnico-científico.
Admitindo-se que o espaço, como uma das estruturas
da sociedade, esteja submetido aos mesmos processos, tem-se na
organização espacial uma via analítica para conhecer e questionar
os efeitos desse progresso técnico para a própria sociedade.
Atualmente já vivenciamos resultados negativos e a-
té mesmo perigosos, do próprio desenvolvimento tecnológico. há
que se questionar e que se analisar criticamente o primado da e-
ficiincia e da produtividade, e até mesmo a contribuição efetiva
da ciência para o bem estar do homem. como o espaço não é neutro
em relação aos processos sociais, torna-se importante analisar
criticamente sua produção e organização para o presente e o futu
ro da humanidade. como coloca M. Santos, "Nas condições atuais do
mundo, ainda mais do que na era precedente o espaço está chamado
a desempenhar um papel determinante na escravidão, ou liberação
do
homem"
(14)
01 - LADRIËRE, Jean. Os Desafios da Racionalidade. Petrópo -
lis, Ed. Vozes, 1979. p. 52 e 96.
02 - MARCUSE, Herbert. L'Homme Unidimensionnel. Paris, Les
Editions de Minuit, 1968. p. 16.
3 - LADRIËRE, Jean. Op. Cit., p. 110.
4 - Ibid., p. 68.
5 - Ibid., p. 85.
6 - Ibid., p. 94.
7 - Ibid., p. 108.
8 - MARCUSE, Herbert. Op. Cit., p. 16.
9 - Ibid., p. 29 e 36.
10 - Ibid., p. 22.
11 - Ibid., p. 37.
12 - CASTELLS, M. Problemas de Investigação em Sociologia Urba-
na. Lisboa, Ed. Presença, 1979. p. 100.
13 - GRAZIANO, J. S. A Modernização Dolorosa. Rio de Janeiro,
Zahar, 1982. p. 46.
14 - SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. Sao Paulo, HUCITEC,
1978. p. 218.
3. O ESTADO, A SOCIEDADE E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
. Douglas Santos
. Manuel Correia de Oliveira Andrade (Coordenadores)
. Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP) .
Cláudio Antônio Gonçalves Egler (UFPB) .
Maria do Carmo Galvão (UFRJ) . Oswaldo
Amorim Filho (UFMG) . Pasquale Pétrone
(USP)
ESTADO, SOCIEDADE E PRODUÇÃO DO ESPAÇO
Manuel Correia de Andrade Universidade Federal de
Pernambuco
01 - Neste conturbado final de século XX, sente-se que, por um
processo dialético, a Geografia se renova, ate certo ponto voltando as ori_
gens. E volta as origens ao abandonar uma posição falsamente apresentada
como neutra, face as deliberações políticas, e descomprometida com os gru-
pos políticos e as classes sociais. Falsa isenção que afastou o pensamen
to geografico das linhas anteriormente traçadas por figuras exponenciais co
mo Frederico Ratzel, Elisée Reclus e Camilo Valloux. Numerosas foram as
instituições universitárias que abandonaram ou desestimularam as investi
gações geográficas no campo da Geografia Política, negando validade a mes
ma e a Geopolitica, esta ultima sob a alegação de que teria sido utiliza
da pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial — a teoria do espaço
vital -, transformando-se num conjunto de programação política sem base
científica e sem credibilidade. Esqueceram-se de que os nazistas, domes-
o modo que as potencias ocidentais, usaram a Geopolitica e a propria Geo
grafia como usaram os varios ramos do conhecimento cientifico - a Física,
a Química, a Biologia, a Sociologia, a Ciencia Politica, etc. - para al
cançar os fins a que se propunham. Se a Geografia Politica e a Geopoliti
ca, dois ramos diversos do conhecimento, embora com grandes aproximações,
foram utilizadas pelos nazistas com o fim de estruturarem o domínio do mun-
do, em detrimento do interesse dos povos, também o foram pelos aliados
quando este dividiram o mundo em areas de influencia, e pelos lideres dos povos do Terceiro Mundo, na
reestruturação das fronteiras entre os varios países que se libertaram da dominação dos países
colonizadores. A Geogra fia das fronteiras, sobretudo nas areas em povoamento e naquelas em que
existem verdadeiros mosaicos de nacionalidade, ocupando territorios que se interpenetram,
deve ser assunto de preocupação dos geógrafos. Nao se pode estruturar um esquema de
organização espacial sem uma visão política bem estruturada e bem aplicada. Daí poder-se
admitir que se a Geografia Politi ca e a Geopolitica tem sido usadas como armas dos ditadores
contra os povos, podem também ser utilizadas pelos povos, pelos governos democráticos e
populares como armas para a solução dos graves problemas que afligem estados e nações. Nao
se pode condenar o uso do conhecimento científico pelo mal uso que dele foi feito, em
determinado momento histórico, por tiranos e ditadores.
02 - No século XIX geógrafos eminentes, infelizmente pouco lidos nos dias
atuais, tiveram uma grande preocupação com os problemas ligados ao territorio e ao Estado,
procurando analisar as vantagens e desvantagens a-presentadas por certos estados, decorrentes
de sua posição geográfica, face a massa continental ou aos oceanos. Admitiam que certas
posições estratégicas facilitavam o controle das rotas internacionais, concentrando o po der nas
mãos do pais que as dominasse. Sao muito conhecidos os estudos de Fre derico Ratzel sobre os
problemas de centralidade e de posição litoranea do Estado facilitando o controle dos povos
vizinhos por povos localizados no centro dos continentes, ou a vocação da expansão marítima
por povos cujos pai ses tinham costas muito extensas, com bons portos localizados era ilhas ou
em penisulas
(1)
. Reflexões deste tipo levaram estudiosos a admitir a voca
çao dos alemães para dominarem a Europa, por ser a Alemanha um pais central e dos ingleses
para controlarem os mares, por habitarem um arquipélago. E o pensamento geográfico
germânico sempre esteve voltado para os problemas políticos, como se pode observar em obras
como as de Arthur Dix (2), para não che-garmos aos geopolíticos que assessoraram o
próprio Hitler, como Hausho-
(1) Clavai, Paul - Evolución de la Geografia Humana, pag 54/56 Oikos - Tau S.A. -
Ediciones. Barcelona, 1974.
(2) Dix, Arthur. Geografia Política. 2* edição. Editorial Labor, Barcelona, 1946.
fer (3) defendendo proposições científicas a serviço de idéias imperialis
Na França, em pleno século XIX, observa-se a contribuição dada
por Elisée Reclus, militante da I Internacional e da Comuna de Paris e ho-
mem que sacrificou a sua carreira em favor de uma militância pelo anarquis
mo. En sua obra final , escrita en seis volumes e publicada após a sua
morte, o grande geografo francês analisava a evolução da humanidade desde
os tempos primitivos - um geografo positivista o consideraria como um nisto
riador - ate o periodo em que viveu, apontando tôda uma problematica politi-
ca e a sua influencia na formação da sociedade e dos estados. Contra ele se
interpunha o pensamento de Vidal de la Blache, o geógrafo oficial, o primei-
ro a ocupar na França, uma cátedra universitaria de Geografia, que procu
rou despolitizar esta ciencia, tirando-lhe toda a inspiração social e procu
rando torna-la apenas a ciencia dos lugares, que estudava o homem como habi
tante. Mas, mesmo na França, discípulos menos ortodoxos de la Blache, tive
ram preocupações espaciais; Jean Brunhes ao classificar os fatos de interes
se para a Geografia Humana o fez em fatos de ocupação improdutiva do solo
(casas e caminhos), fatos da conquista vegetal e animal (agricultura e cria_
ção de animais) e fatos de economia destrutiva (extrativismo)
(5)
. Também
Camilo Valloux, ao chamar a atenção para a necessidade de se analisar o pro
blema das fronteiras, classificou-as de acordo com a maior ou menor intensi
dade de utilização das mesmas, em fronteiras vivas, fronteiras mortas e fron-
teiras esboçadas , classificando também os estados, de acordo com a ex
tensão territorial dos mesmos, em simples e complexos. Mesmo durante o lon
go periodo em que dominou o espirito lablachiano na geografia francesa, em
(3) Morais, Antonio Carlos Robert em Geografia, Pequena História Crítica . HUCITEC Sao
Paulo, 1981 aborda de forma suscinta e inteligente o papel de Ratzel na produção do
conhecimento geográfico.
(4) L'Homme sur la Terre, 6 volumes. Librairie Universalie. Paris, 1909.
(5) Traite de Géographie Humaine, 3 volumes. I vol. págs 62/68 Librairie Fe lix Alean Paris
1934.
(6) Geografia Social. El Suelo y Estado, pag. 36/74. Daniel Sorro, 1914 Madrid.
que os geógrafos se alinharam a serviço do Estado, sao encontrados estudos de geografia
politica de grande interesse, como os de George Hardy, referentes ao processo de
colonização, onde ele faz a classificação das colo nias em três tipos, levando em conta o
destino dado as mesmas pela metropo lei colônias de povoamento, de exploração e de
posição
Dois grandes problemas trouxeram serio entrave ao desenvolvimen to do
pensamento geografico; aquele que procurou tornar a geografia a cien cia que estudava as
paisagens, encarando-as mais em seu aspecto fisionomico e desvalorizando a analise genetica
das mesmas, e aquele que procurou le var o geografo a esquecer a existencia das classes
sociais e do papel que a divisão da sociedade em classes desempenha na produção do espaço,
substi tuindo-as pela noção de genero de vida, levando-o a raciocinar na sociedade capitalista,
como se vivesse em uma sociedade tribal.
Esqueceram-se estes geógrafos da contribuição de cientistas sociais de areas
afins e, cm nome de uma neutralidade cientifica, deixaram de lado as noções de espaço e de
territorio e as implicações sociais da produ ção dos mesmos, dando ênfase a noção de
paisagens e de regiões, ligando-se esta noção, este conceito, a idéia de região natural.
Admitia-se, com base no naturalista Ricchieri, que a região nao era um produto da ação do
homem,
histórico-social portanto, mas das condições naturais. Entre nos, a primei_
(8)
ra divisão do Brasil em grande regiões naturais foi feita nesta linha
de pensamento. So posteriormente admitiu-se que nao ha uma imposição da na tureza na
elaboração das regiões geográficas.
Esta mudança de posição diante do que é geográfico e das causas que dão
origem ao espaço produzido e reproduzido generalizou-se nos meios geográficos após a
Segunda Guerra Mundial, quando Pierre George trouxe uma contribuição renovadora a
Geografia, defendendo o seu caráter social. Foram os discípulos deste grande mestre que
contribuíram para que a Geogra — fia avançasse no sentido social que adotou ate chegar as
grandes discus — soes, hoje travadas entre os geógrafos.
(7) Géographie et Colonisation. Librairie Callimard, 1933, Paris.
(8) Guimarães, Fabio de Macedo Soares - Divisão Regional do Brasil em Revista
Brasileira de geografia, ano III, nº 2. Rio de Janeiro, 1941.
Em torno da caracterização de espaço como um produto social,
resultante da atuação do homem como membro de uma sociedade, formaram-se du-
correntes que se defrontaram no meio cientifico do mundo ocidental. A pri-
meira constituída por aqueles de formação tecnocratica e com compromissos
acentuados com o sistema capitalista em expansão, que procuraram transfor
mar a Geografia em uma Engenharia do Espaço, transferindo para os seus tra
balhos a técnica utilizada por estatísticos e economistas, procurando igno
rar a realidade existente e adaptar modelos econometricos,elaborados em ou
tras áreas e em função de outros desafios, a realidade brasileira. Para con
solidar esta posição radical eles apenas transferiram modelos exógenos e
ignoraram a realidade em que viviam, bem diferente da realidade dos países que geraram
os modelos.
A outra corrente, preocupada nao apenas com modelos e teorias, mas com o
conhecimento da realidade, levando em conta a experiencia da Geografia Clássica -
evidentemente com espírito critico - procurava conhecer a realidade e utilizar esta experiencia
para interpretar esta realidade. Par tindo dai os geógrafos brasileiros procuram estudar o processo
de formação do espaço nacional, em função do sistema colonial que dominou o país por mais
de tres séculos e elaborar uma posição teorica que se coadune com o conhecimento desta
realidade. Assim, tentava-se descrever o espaço produzido no territorio brasileiro, em função
das causas que determinaram esta produção e daquelas que modificaram, em momentos
históricos diversos, as linhas que comandavam o processo de produção deste espaço.
04 - Ao se estudar o espaço e sua produção, deve-se levar em con ta,
conscientemente, que o espaço produzido e o resultado da ação do homem transformando, em
função de suas necessidades, o meio natural. Diante do mei o natural, daquele que resultou
apenas dos condicionamentos da natureza, a ação do homem sera no sentido de se adaptar a
essas condições, nas civiliza çoes de baixo nível de desenvolvimento, ou de transforma-las, de
acordo com as suas necessidades, de forma cada vez mais intensa, conforme disponha de uma
tecnologia mais avançada e de capital. No caso brasileiro, o indigena vi via ainda em um modo
de produção comunitario primitivo, utilizando-se daquilo de que dispunha, vivendo da caça, da
pesca e da coleta de alimentos.O colonizador português, ao chegar aqui, primeiramente
explorou a madeira da tin-
ta e posteriormente produziu acucar; para isto destruiu a floresta, introduziu a cultura da cana-
de-açúcar, animais domésticos, escravizou índios, importou escravos negros e fundou
engenhos. Este fato provocou, logo nos primeiros anos do século XVI, uma grande mudança
nao so no tipo de espaço utilizado pelo homem como na paisagem, com a substituição da
floresta pelo canavial; mudança que seria o reflexo da substituição de uma sociedade por
outra. Assim, a sociedade indígena que desconhecia a propriedade privada da terra, a divisão
dos homens em classes sociais e a acumulação de capital, foi violentamente substituida por
uma sociedade regida pelos ideais do capitalismo mercantil, com apropriação da terra pelo
grupo dominante com
a introdução de escravos, o que provocaria uma forte estruturação das clas
(9)
ses, com a acumulação primitiva de capital e com a implantação de en-
claves que produziam, nao para atender as necessidades dos habitantes da região, mas para
exportar para o mercado europeu.
Implantada uma forma de utilização da terra e, consequentemente, um tipo de
espaço, este nunca se torna definitivo, estatico; com a evolução da economia e da sociedade,
outras utilizações vão sendo dadas a terra, ora visando modificar a produção, ora visando
acelerar a atividade pro dutiva, modificações essas que se exteriorizam no tipo do espaço
produzido. For isto a produção do espaço nunca fica perfeita e acabada, havendo uma
constante reprodução da mesma. E cabe ao geografo analisar e estudar o espaço produzido,
sem esquecer que o processo de produção e permanentemente acompanhado de um processo
de reprodução, de reorganização da categoria espaço.
Há, assim, uma seqüência de organização e produção e de reorganização e
reprodução do espaço, a proporção que a sociedade deseja atingir determinadas metas,
determinados fins, procurando utilizar o territorio de que dispõe com o fim de atingir essas
metas. Ocorre porem que antes que as metas sejam atingidas, geralmente elas sao
reformuladas, o espaço desejado hoje, nao o e amanha, provocando uma reformulação dos
fins a serem atingidos e dos métodos que visam alcançar estes fins.
(9) Marx, Karl - A origem do Capital. A acumulação Primitiva. Global Sao Paulo,
1977.
0 processo de produção do espaço e, conseqüentemente, dinâmico, está
permanentemente em ação e permanentemente em reformulação. Em sendo dinâmico é
também dialético, de vez que a evolução da sociedade e a ação do Estado que a representa
nao se procedem de forma linear, mas sofrem contes tações, contradições que reformulam os
princípios e as ações
05 - Embora nao se possa identificar o Estado com a sociedade,
sobretudo depois da revolução burguesa que hipertrofiou o papel desempenha
do pela sociedade civil, diante do Estado , se tem que admitir que ele
representa a supremacia de uma determinada classe, a dominante, sobre as demais classes, as
dominadas. Quando se encara a noção de classe social de forma simplista, se e levado a pensar
que ha uma identidade de interesses entre os grupos que compõem a classe dominante, o que
na realidade nao ocor re; as classes existem em si, como uma realidade objetiva, depois elas se
conscientizam de sua existencia e dos seus interesses, tornandole classes para si, e
intensificam a luta para se apossar dos orgaos do poder. Mesmo quando no poder, as classes
dominantes estão formadas por grupos sociais que tem interesses convergentes, frente as
classes dominadas, mas interesses divergentes entre si. 0 Estado nunca e Controlado por uma
classe como um todo, mas por determinados grupos de uma classe - os grupos hegemônicos -
que amplia ou retrai o grupo que tem acesso ao poder, que controla o aparelho do Estado. Daí
haver ocasiões de maior liberdade para as várias classes, quando os grupos dominantes estão
seguros do controle do poder, de ha ver períodos de repressão, quando os grupos que detém o
poder se conscientizam do risco de perde—lo, e periodos de concessões, quando os grupos
do— minantes compreendera que para se manter no poder necessitam dividir parcelas desse
poder com outros grupos da classe dominante ou com grupos mais ativos das classes
dominadas. A historia e o processo de produção do espaço se constituem assim cm uma
interminável luta entre os grupos sociais do minantes entre si, e da classe dominante como um
todo, frente as classes do
(10) Sobre o assunto e interessante consultar Manuel Correia de Andrade em Geografia
Econômica, 7ª edição, págs. 21/32. Editora Atlas, S.Paulo, 1982.
(11) Gruppi, Luciano - Tudo começou com Machimel, págs. 13/22 L&PM Editores.
Porto Alegre, 1980 (3ª edição).
minadas.
(12)
. O jogo dialético da luta dentre as classes da origem e se ori
gina, a um só tempo, do sistema de relações de trabalho dominante face ao nível de
desenvolvimento, de utilização das forças produtivas. Daí a ligação direta que há entre o tipo
de espaço produzido e o modo de produção e/ ou a formação econômico-social dominante.
No caso brasileiro tivemos uma grande transformação no uso da
terra e na produção do espaço com a invasão portuguesa e a conquista do
território aos indígenas, quando a area que era destinada a produção do minimo indispensável
a existencia de grupos indígenas, que viviam na Idade da Pedra e que tinham poucas
necessidades a serem atendidas, passou para um sistema de utilização comandado pelo
Capitalismo Mercantil em que se produzia para atender a fome de produtos tropicais da
população européia. Daí a destruição da floresta e a formação de enclaves coloniais no litoral,
vi sando a exploração das essências florestais e o desenvolvimento da agricul tura, sobretudo
de cana-de-açúcar.
A formação dos enclaves litorâneos, por sua vez, serviu de suporte a expansão
para o interior, visando o desenvolvimento da pecuaria que abasteceria aquela area de animais
de trabalho e de carne, assim como de ponto de partida para a descoberta do ouro e diamantes
e para a formação , na região de mineração, de uma sociedade rica, que baseava a acumulação
de capital na exploração da mão"de"obra escrava; havendo uma concentração mai or da
população em areas ricas em minérios e que deram origem a cidades,ho je de certo porte e
importancia. 0 povoamento do interior permitiu uma mai or articulação entre as areas
povoadas do territorio da Colonia, que se tornaria independente no inicio do século XIX.
De um sistema comunitario de posse e uso da terra, passou-se a um sistema de
apropriação privada da mesma. De uma sociedade sem classes, passou-se a uma sociedade
escravista em que, alem das diferenças com base na posse de bens, se estratificava também
numa diferença entre os homens de diferentes raças. A exploração e a ocupação da terra eram
feitas dentro de um modo de produção dependente do capitalismo comercial e que
Ciro Fla
(12) Poulontzos, Nicos - 0 Estado, o Poder o Socialismo págs. 141/177 GRAAL Rio
de Janeiro, 1980.
\
marim Cardoso
(13)
e Jacob Gorender
(14)
chamaram de escravismo colonial.
Este modo escravista colonial dominaria o processo de formação do espaço geográfico
durante varios séculos, prolongando—se mesmo após a Independen cia, no período Imperial.
0 Imperio, apesar de comprometido como os grandes senhores rurais, nao conseguiu manter o
escravismo no modelo colonial, face a pressão externa, a resistencia dos próprios escravos e a
inade quação da escravidão ao desenvolvimento das forças produtivas. Daí as leis que
extinguiram gradativamente a escravidão e a politica de atração de migrantes europeus para
ocupar espaços vazios - Espírito Santo, Rio de Ja neiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul - e substituir a mão-de-obra escrava em areas produtoras de cafe - Sao Paulo.
0 crescimento da população, a diversificação da produção, com a inclusão em
nossa pauta de exportação de outros produtos primarios, o desenvolvimento dos sistemas de
transportes e a resistencia dos grupos es poliados, levaram a transformações nas relações de
produção e, consequen-tementei nos tipos de espaço produzido. Os meados do século XX, por
exemplo, assistiram a uma grande transformação do processo de produção do espaço, quando a
sociedade capitalista, consolidada no Sudeste, expandiu a sua ação por todo o territorio
nacional e controlou o mesmo a partir de um pólo - São Paulo. Daí a construção de rodovias
cortando o país em todas as direções, visando alcançar este pólo; a transferência da Capital do
país para o interior, a fim de melhor supervisionar esta expansão e fazer com que o Governo, os
órgãos que controlam o Estado, ficassem menos sujeitos às pressões dos habitantes dos grandes
centros urbanos; a maior vinculação da economia brasileira aos grupos capitalistas
transnacionais,as trans formações nas relações de produção, fazendo com que o pequeno
produtor se proletarizasse e passasse a depender inteiramente de um salario, perdendo a sua
pequena parcela de controle sobre os meios de produção, a expansão das atividades de serviços
e uma serie de outras medidas que procuram ho—
(13) Sobre los modos de producción Escoloniales en America Latina in Modos de
Producción en America Latina, Cadernos des Pesado y Present. págs. 134/159
Cordoba, 1973.
(14)0 Escravismo Colonial. Editora Ativa. Sao Paulo, 1979.
mogeneizar os sistemas de vida e de aspirações a nivel nacional. como este
programa contribui para que o capital se concentre, se acumule mas
mãos
de determinados grupos sociais a homogeneização fisionomica do espaço e a-companhada de
una heterogeneizaçao da situação economica e social da popula ção repercutindo tanto nas
relações sociais como na propria fisionomia das cidades e do campo. como o processo de
produção do espaço e dialético,o es paço ao mesmo tempo que se homogeneiza, se
heterogeneiza, gerando as semen tes de novas reivindicações, de novas conquistas e de novas
transformações. Enquanto os grupos econômicos atuam diretamente, utilizam o Estado para
ins titucionalizar, sob a forma de leis, decrete—leis, decretos e regulamentos, os sistemas de
relações e as instituições que melhor consolidam e reconhecem os seus interesses.
No processo de produção de um espaço para alguns e nao para todos, a
sociedade, escudada no poder político do Estado, organiza o territó rio visando utiliza-lo de
determinadas formas e com determinados fins. Pro curando maximizar a utilização do espaço,
a sociedade, ainda sob a egide do Estado, vai aperfeiçoando cada vez mais as formas
materiais e sociais de utilização do territorio, e estas transformações nos meios, nas técnicas ,
vão provocar conseqüências que levam à necessidade de reformulação dos fins a serem
atingidos. E estes se reformulam em função do jogo de interesses , de pressões e de poder
existentes entre classes e grupos sociais.
Finalmente, se e forçado a reconhecer que o espaço geografico e o produto da
ação da sociedade, transformando o meio natural, em função de determinados interesses e que
o Estado e o veiculo utilizado pela sociedade para se chegar a estes fins. Conforme a
conjuntura social, as estruturas vão se modernizando e transformando o espaço de acordo
com os interesses dos grupos que dominam o poder ou vão sendo transformadas em função
das classes que ascendem. E a natureza reage à ação do homem, de forma mais ou menos
intensa, de acordo com a agressividade com que foi atingida; ela, co mo já salientou
Frederico Engels
(15)
, nao é eterna e imutável, e uma vez
atingida pela ação do homem, também se modifica, se transforma, oferecendo reações
diferentes, conforme o grau da intervenção. Assim, o espaço produzido é um espaço social e
nao um espaço natural. O espaço natural existe
(15) Dialético da Natureza. Sao Paulo, Flama, 1946.
apenas naquelas areas onde o homem nao atuou, nao interveio de forma inten-
e sistemática, tentando apropriar-se dos recursos naturais disponíveis. Ele se reduz a porções
das regiões pobres, dos grandes desertos e das flores-tas equatoriais, bem pouco
significativas quanto a extensão que ocupam no momento histórico atual. O espaço geografico,
eminentemente social, se esten-de por mais de dois terços da superficie da Terra.
ESPAÇO OU TERRITORIO (Dilema da
geografia ou dos geógrafos?)
Claudio Antônio Gonçalves Egler
Departamento de Geociências - UFPB
"
Depois de engolir quarenta e dois
morros, oitenta lombadas, nove la-
goas, dezenove cursos de água, a
Cerca leste rastegou ao encontro
da Cerca oeste. 0 altiplano não
era infinito; a Cerca, sim".
Manuel Scorza
1. Prelúdio à "Geografia Nova"
A "Geografia Nova", que emergiu nas últimas décadas no
cenário cientifico, tem se preocupado quase que exclusivamente em afir-
mar o caráter capitalista do espaço, forjado na dominação burguesa do
território. Esta ótica, embora represente um rompimento com a tradição
de aparente neutralidade do pensamento geográfico, está ainda longe de
apreender a complexidade das relações de classe na sociedade contempo-
rânea.
Fundada na imanência do capital e de seu espaço, a cha-
mada "Geografia Critica" tem apenas se restringido em procurar inter-
pretar o mundo a partir do conflito básico entre capital e trabalho; re
duzindo ao esquecimento a luta politica e econômica que a propriedade
do capital e da terra cria no interior da classe dominante. Desse mo-
do', inexiste o conflito nacional ou regional já que o interesse dos ca-
pitalistas seria homogêneo em tôda a superfície da terra, ou pelo menos
naquela porção onde o socialismo não é o modo de produção dominante.
O maniqueísmo que aferra o debate geográfico na atualida
de leva a crer na possibilidade de existir uma geografia das classes do
minadas, que se oporia 'in totum' ao pensamento político dominante. En
tretanto, esse pretenso caráter dialético é incapaz de compreender que
as frações de classe dos detentores do capital não atuam de modo coeso;
longe disto, espelham na concorrência acirrada a luta pelo controle dos
mercados, das fontes de matérias-primas e do progresso tecnico em escala mundial.
A "Geografia Nova" tem sido incapaz de analisar e com
preender as profundas transformações que se processaram nos últimos
trinta anos no quadro político-territorial do mundo contemporâneo, quan
do as grandes empresas, embora possuam estratégias espaciais a nível in
ternacional, expressam na materialização dos investimentos uma política
territorial que garanta, através da propriedade efetiva de largas pro
porções do globo, a valorização dos capitais aplicados.
Negando o caráter nacional, regional ou local do conflito político, 'pasteurizando' o
espaço em escala mundial, as novas tendências do pensamento geográfico têm sistematicamente deixado
de lado a análise da realidade concreta, territorialmente definida. Demonstrando que, antes de uma crise
da geografia, o que existe é uma crise dos geógrafos, incapazes que têm sido de compreender a real
dimensão da dinâmi-ca capitalista a nível mundial.
2. A armadilha do espaço
Qualquer estudante de geografia é capaz de apontar o con
ceito de espaço como a categoria fundamental do pensamento geográfico
do pós-guerra. É inquestionável que a análise do espaço, enquanto
'locus' da produção e reprodução social possui um grande poder explicativo para o entendimento do
capitalismo em sua etapa monopólica.
Entretanto, é importante uma correta operacionalização dos conceitos para a
compreensão do movimento real. Nesse sentido é ne cessario avaliar a estrutura lógica onde são definidas
as categorias de análise, antes de partir para sua aplicação generalizada na realidade. Tome-se por
exemplo o conceito de valor, peça angular da ciência econômica; seu poder explicativo é fundamental
para a compreensão das leis gerais do modo capitalista de produção.
O valor é uma categoria abstrata, cuja materialidade se
dá sob a forma de mercadoria, síntese concreta das múltiplas determina
ções que caracterizam a estrutura econômica e social do capitalismo. Des_
te modo, de nada adianta procurar uma medida invariável do valor, um
padrão capaz de comparar diferentes quantidades de trabalho social exis-
tente no mundo das mercadorias. Estas se apresentam através de seus
preços, que correspondem à forma transformada do valor; transformação esta que pressupõe as
condições reais em que se processa a produção e o
estado da concorrência entre os capitalistas. Retomando o espaço, seu papel para a geografia
possui a mesma dimensão lógica que o conceito de valor para a economia; expressa o 'locus'
onde se manifestam as leis gerais do modo de produção. Entretanto, sua manifestação
concreta nao resulta da mera justaposição de uma categoria abstrata sobre a realidade.
Rugosidade do espaço, fricção da distância, imperfeições da realidade são algumas das
justificativas utilizadas para explicar a inadequação em transpor mecanicamente um conceito
abstrato para a realidade concreta.
A materialidade do espaço se manifesta no território, que é sujeito à
apropriação privada, à luta pela sua posse e de seus recursos naturais, É O USO e a apropriação
do território que desnudam o caráter do capitalismo e trazem à tona as relações concretas de
produção. Cenário ativo da luta de classes, da concorrência entre os detentores dos meios de
produção, o território é a determinação concreta das contradições do modo capitalista de
produção.
Neste quadro, a "Geografia Nova" ao se propor a analisar o espaço,
enquanto categoria básica, rompe com a tradição empirista da geografia tradicional. No
entanto, ao perder de vista a dimensão territorial. dos fenômenos espaciais, a geografia corre o
risco de transformar-se em 'espaçologia', diluindo sua eficácia enquanto ciência e en quanto
instrumento de análise e transformação da realidade.
3. A Geografia divorciada do território
A geografia nasceu como 'ciência do território', entendendo o território
como a porção da superficie da Terra sujeita à apropriação pelas formações sócio-econômicas
nos diferentes estágios de desenvolvimento. Sua maturidade enquanto ciência ocorreu durante
o século XIX, quando o capitalismo consolida as fronteiras nacionais e procura identificar os
limites do Estado-Nação com os do território sob domi nação da burguesia mercantil e
industrial. Sob a expansão imperialista, a geografia assumiu papel importante enquanto
instrumento dos monopólios na partilha territorial do globo.
Após a Segunda Guerra, a reestruturação econômica mundial sob
hegemonia norte-americana levanta a bandeira da descolonização e, das cinzas do conflito e
com a marca do passado colonial, emerge um mundo pulverizado em nações, na maioria das
quais o poder político é dó cil para com os interesses das grandes corporações multinacionais.
Neste quadro, a geografia rompe com a tradição de análise do território pa ra lançar-se na
arquitetura do espaço; e se no primeiro momento se volta para a modelização e a quantificação
para construir um paradigma de
análise, a seguir busca na dialética e na 'espacialização' dos fatos
políticos e sociais um instrumental que restitua sua identidade como
ciência.
A "Geografia Nova" procura, com um discurso aparentemen te radical, tornar-se
distinta e independente da análise espacial leva da a efeito pelos escritórios de planejamento das empresas
transjiacio-nais e dos estados-maiores dos países capitalistas. Alegando isenção, ou mesmo vinculação
com as classes dominadas, a "Geografia Crítica" não percebe que a estratégia espacial dos conglomerados
econômicos possui uma nítida manifestação territorial.
Coréia do Sul, Malasia, Singapura, Gran Cayman, Bahrein, Jari, Carajás são locais
concretos, territorialmente definidos, que estão na agenda de qualquer "manager" ou tecnoburocrata
estatal. A geografia das grandes empresas está construída sobre a superfície da Terra, são investimentos
maciços em capital fixo levado a efeito em fábricas, ferrovias, portos, barragens, minas e projetos
agrícolas. Sua lógica se explica pelo espaço de valorização do capital a nível internacional, mas sua
materialidade significa ajustes políticos com interesses nacionais e regionais, compra de terras, criação de
infra-estrutura básica, em suma, alterando profundamente a distribuição de homens, equi-pamentos e
renda.
Jamais se produziu tamanha quantidade de informações no quadro das Ciências da
Terra como nas últimas décadas; jamais se conseguiu reunir tamanha massa de dados sobre as condições
naturais, sob a situação dos recursos minerais, florestais e agrícolas. São satélites, equipamentos de
sensoreamento remoto, computadores e tôda uma estrutura institucional para processar, qualificar e
apresentar alternativas de inversão para as grandes empresas, que passam a disputar palmo a pal_ mo o
território, utilizando todo e qualquer instrumento para garantir a posse efetiva sobre os recursos da
natureza e do trabalho.
Neste quadro, a "Geografia Nova" é no minimo ingênua,
pois tem voluntária ou involuntariamente se afastado da análise das po
líticas territoriais das grandes empresas e do Estado, renunciando a
participar do controle sobre o progresso técnico nos instrumentos de aná
lise e processamento de informações, atendo-se a discutir temas esoté
ricos, como por exemplo, "a retotalização orgânica de todos os homens".
4. A encruzilhada da geografia no Brasil
A geografia brasileira possui duas matrizes básicas. uma,
de tradição acadêmica, teve seu núcleo gerador na Universidade de Sao
Paulo e um de seus mentores mais importantes foi Pierre Monbeig, cuja
principal obra: "Pionniers et Planteurs de São Paulo", editada há trin
ta anos, continua até os dias atuais sem tradução para o português, em
bora constitua uma obra fundamental para a compreensão do processo de
industrialização em São Paulo e a expansão das frentes pioneiras. Na
verdade, "Pionniers et Planteurs" é mais citada por economistas, do
que por geógrafos.
A segunda vertente originou-se a partir da criação do
Conselho Nacional de Geografia, posteriormente Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que,
nascido sob o signo do Estado Novo, procurou dar base científica à política territorial do Estado Nacional
que emerge da Revolução de 19 30. Embora o C.N. G . fosse um apêndice do poder, boa parte da
formação do pensamento geográfico no Brasil pode ser buscada em Waibel, Macedo Soares, Valverde e
tôda uma geração de notáveis geógrafos que colocaram a geografia produzida no Brasil em destaque no
cenário mundial nos anos 50.
Hoje a USP constitui apenas mais uma escola de Geografia, como um bom número
delas que existe no país. O IBGE reduziu o C.N.G. à Superintendência de Estudos Geográficos, cuja
produção resume-se a algu mas coletâneas de textos e ajustes esporádicos na divisão regional para fins
censitários ou para a apuração de indicadores sócio-econômicos. O IBGE transformou-se em uma máquina
de produzir estatísticas e a política territorial é hoje administrada diretamente por órgãos ligados à cha
mada Segurança Nacional. É o Serviço Nacional de Informações, o GETAT, o GEBAN e o recém-criado
Ministério Extraordinário para Assuntos Fundia rios, cuja função principal é a de implementar linhas
programáticas de ação territorial definidas nos gabinetes fechados de Brasília.
Assim, se de um lado expandiu-se a formação acadêmica de
geógrafos, de outro a geografia foi alijada de qualquer fórum importan
te onde se decidem as linhas mestras da política territorial do Estado
brasileiro. Nesta situação, enquanto nas Universidades se discute a
"ontologia do espaço", a Amazônia, que representa a metade do território brasileiro, é ocupada a partir de
diretrizes territoriais definidas nos escritórios das grandes corporações multinacionais ou nos gabinetes
secretos do governo.
Contrapondo-se à corrente ouve-se apenas algumas vozes isoladas de
geógrafos como Orlando Valverde e Manuel Correia de Andrade. Geógrafos cuja produção está
profundamente vinculada ao trabalho
de campo e ao conhecimento efetivo do território; caso contrário, o que
se observa são textos acadêmicos que poderiam ser escritos em Paris,
Londres ou Nova Iorque, pois perderam de vista as dimensões históricas e
territoriais específicas do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
5. Pela participação efetiva dos geógrafos
Nos dias atuais, o Brasil acumula os efeitos de 18 anos de governo
autoritário, fundado em um crescimento econômico predatório do homem e da natureza, na
extrema concentração da propriedade dos frutos da terra e do trabalho. Neste quadro, a crise
internacional assume internamente dimensões que obrigam o conjunto da sociedade brasileira
a se posicionar diante das alternativas políticas disponíveis para a superação do impasse.
Urge,portanto, um amplo e aberto debate acerca das perspectivas futuras
de desenvolvimento da economia brasileira. Debate este que, inevitavelmente, deverá possuir
em sua pauta uma reformulação radical da política territorial do Estado, buscando uma
utilização racional dos recursos naturais no interesse da coletividade e não em benefício de
grandes empresas multinacionais.
Cabe aos geógrafos participação ativa na formulação desta nova linha de
ação territorial, seja na definição das políticas de povoamento, exploração de recursos
minerais e florestais ou de des envol. vimento urbano e regional. É fundamental que os
geógrafos procurem influir, através de todos os mecanismos possíveis, na busca de diretrizes
alternativas que privilegiem a justiça social e a preservação do meio ambiente.
Para tanto, a universidade tem um papel decisivo, seja enquanto arena para
o debate franco e aberto sobre as grandes questões nacionais, seja enquanto formadora de
novos profissionais que, mais do que nunca, devem procurar dominar os avanços tecnológicos
no conhecimen to do território; bem como, mesmo lutando com os parcos recursos, reafirmar
o papel do trabalho de campo e do contato direto com a comunidade, enquanto metodologia
básica da pesquisa geográfica.
6. Bibliografia
Andrade, Manuel Correia de. "O Pensamento Geográfico e a realidade bra sileira".
Boletim Paraibano de Geografia, Ano 1 nº 1, 19 78.
Guglielmo, Raymond. "Geografia e Dialética", in A.G.B., Reflexões sobre a
Geografia. Sao Paulo, A. G. B ., 1980.
Holland, Stuart. El Mercado inComun. Madrid, H. Blume Ediciones,
19 81.
Valverde, Orlando. Evolução da Geografia Brasileira no Após-guerra
(Carta aberta de Orlando a Orlando). Inédito, mimeo.
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO E A ANALISE GEOGRAFICA
Oswaldo Bueno Amorim Filho Universidade Federal
de Minas Gerais
0 espaço terrestre, que sempre constituiu o objeto privilegiado da disciplina
geográfica, acaba de ser "redescoberto" por ou tros dominios da ciência e do conhecimento em geral.
Antes, basicamente preocupados com estruturas, mecanismos e processos
abstratos, muitos cientistas e estudiosos compreenderam o interesse de nao somente localizar os
fenômenos que estudam no espaço geográfico, como também de verificar que entre esse espaço e os
fenômenos estudados se estabelecem múltiplas e riquíssimas relações.
Em função dessa recente redescoberta do espaço geográfico, alguns pesquisadores
têm-se voltado para a Geografia, como alternativa válida para a compreensão das relações em que o
fator espacial tem um papel a desempenhar.
Outros, porém, ignorando as contribuições que a Geografia pode dar, ou julgando-
as insuficientes, propõem a criação de novos ramos do conhecimento tendo por objeto o espaço terrestre.
Ciência Re gional, Ciência do Espaço, Economia Política Espacial são, hoje, termos freqüentemente
citados em publicações e reuniões cientificas.
Se, de um lado, a consideração do espaço acrescentou um novo e possante fator
explicativo a atividades cognitivas cujos modelos e esquemas de análise eram dominantemente
aespaciais, por outro, esse fenômeno trouxe reflexos da maior importância para a atividade e o
pensamento geográficos.
Entre esses reflexos destacam-se uma preocupação com o aperfeiçoamento dos
modos de descrição do espaço geográfico, e, principalmente, a aceleração, no âmbito da Geografia, do
processo de compreensão dos mecanismos de funcionamento e de produção do espaço geográfico. Este
último aspecto representa uma grande e profunda ampliação do escopo da geografia clássica ou
tradicional.
com isso, dominios inteiros da ciência, da cultura e da experiência da humanidade
têm sido incorporados à prática recente da atividade geográfica, enriquecendo-a e ampliando-a, de um
lado, ameaçando-a de esfacelamento e, às vezes, de descaracterização, de outro.
Da análise dessa evolução, os geógrafos devem tirar as
lições para uma prática mais eficiente, moral e socialmente mais váli-
da e, sobretudo, mais adequada à nossa realidade atual.
Nas linhas seguintes, um certo número de reflexões será
feito no sentido de se procurar entender melhor as relações entre as
questões ligadas à produção e à estrutura do espaço e questões da prá-
tica da Geografia.
1.0 - DA PRATICA INICIAL DO ESPAÇO TERRESTRE A "GEOGRAFIA TRADICIONAL
O espaço natural (ou ecológico) antecede o "espaço geo-
gráfico", isto é, o espaço socialmente organizado ou criado.
Partindo, provavelmente, de alguns focos iniciais, a hu
manidade foi aos poucos se expandindo sobre esse espaço natural que,
quase sempre, apresentava obstáculos de difícil superação para o homem
primitivo.
Durante muito tempo, o homem apenas via e utilizava pas
sivamente certas condições oferecidas pelo espaço natural. Mas, mesmo
nessa época, o processo de humanização do espaço natural, em outras
palavras, o processo de organização do espaço geográfico, já começa a
se manifestar. Trata-se, evidentemente, de manifestações extremamente
descontinuas, pontuais mais precisamente.
com o seu crescimento numérico e sua expansão espacial,
o homem provoca um maior crescimento do espaço geográfico e ura corres-
pondente recuo do espaço natural em seu aspecto puramente ecológico.
0 Neolitico marca uma primeira descontinuidade qualita-
tiva importante: o desenvolvimento da agricultura e da pecuária signi-
fica que o homem já tinha atingido, nesse período, um novo estágio no
orocesso de organização do espaço geográfico e na construção de seu
ambiente de vida.
Assim, o espaço diferenciado dos ecossistemas naturais
foi a base a partir da qual os grupos humanos, através das atividades
primitivas da agricultura e da pecuária, moldariam seus espaços de vi-
da, manifestações diferenciadas também do avanço do espaço geográfico.
A partir do Neolìtico, a humanidade vê acelerar-se a
criação de uma tecnologia que lhe assegura uma autonomia crescente, po
rém sempre relativa, face às condições do ambiente natural.
A distância, o relevo, a localização no espaço continen
tal ou insular, as condições bioclimáticas e muitos outros dados do es
paço natural nao somente tornam precária essa autonomia, como fornecem
as condições para a diferenciação dos grupos humanos. Ao mesmo tempo,
criam a necessidade das comunicações e do intercâmbio.
Já nesses períodos cronologicamente remotos, uma forma
"pré-geográfica" se manifesta: a "geografia dos guias", homens dotados
de uma percepção privilegiada do espaço geoqráfico de então, super
fície sobre a qual se desenvolviam as relações sociais de uso ou de or
ganização do espaço, anteriormente referidas.
à medida em que o espaço geográfico se expande, a primi
tiva e utilitária "geografia dos guias" se aperfeiçoa lentamente, pas-
sando, sucessivamente, dos estágios da "nomeação de lugares e fenôme-
nos espaciais", aos estágios dos "inventários" e do desenvolvimento da
Cartografia.
Essa evolução essencialmente utilitária é temperada pe-
lo aparecimento paralelo de alguns princípios geográficos de caráter
mais cientifico, principalmente entre os gregos, os árabes e, poste-
riormente, entre os geógrafos de países da Europa Ocidental.
De fato, princípios como os de "localização", de "dife-
renciação regional", de "extensão", de "conexão", de "unidade da Ter-
ra", etc... constituem as bases sobre as quais se desenvolve uma geo-
grafia dominantemente empirico-descritiva, chamada ora de "Geografia
Clássica", ora de "Geografia Tradicional".
uma primeira tentativa de padronização teórico-metodolo
gica da atividade geográfica se dá na Alemanha, até meados do século
XIX, principalmente com HUMBOLDT e RITTER.
As bases dessa unificação são as orientações das Ciên-
cias Naturais, em grande voga nessa época em função tanto dos relatos
sobre os espaços naturais recentemente explorados, quanto das descober
tas feitas no âmbito daquelas ciências, particularmente da Biologia e
da Fisica.
Essa geografia alemã do século XIX tem sua unidade ba-
seada tanto em seu método (uso extensivo do princípio de causalidade),
quanto de seu objetivo geral (a procura de leis científicas de alcance
o mais amplo possivel). Mas, o aspecto mais característico dessa esco
la geográfica é a ênfase colocada no estudo dos elementos do espaço
natural e de suas relações com o processo de humanização desse espaço.
0 papel freqüentemente atribuido ao espaço natural é, então, o de "con
trolador" do processo de organização do espaço geográfico. Conseqüen-
temente, as divisões espaciais efetuadas pelos geógrafos têm por base
o principio das "regiões naturais".
Já no final do século XIX e no inicio do século atual,
verificam-se transformações importantes na maneira de se fazer geogra-
fia. Em primeiro lugar, não é mais o espaço natural o objeto privile-
giado da análise geográfica. O espaço geográfico (humanizado) e suas
relações com o ambiente natural, já em termos de relações de recipro-
cidade, passam a receber a principal atenção dos geógrafos.
Esse movimento coincide com a grande ampliação do espa-
ço socialmente organizado, observada a partir do final do século XIX.
com isso, o modelo das ciências naturais já não conse-
gue cobrir as principais questões relacionadas com o espaço. Daí o
aparecimento de subdivisões (Geografia Geral/Geografia Regional e Geo-
grafia Fisica/Geografia Humana), objetivando conciliar tendências, às
vezes contraditórias, identificadas no interior da Geografia.
Os alemães RATZEL e HETTNER e os franceses, RECLUS e
LABLACHE, entre outros, têm um papel determinante na direção predomi-
nantemente regionalista e humana que orienta a atividade geográfica
praticamente durante tôda a primeira metade do século XX.
Embora as correntes da Geografia Física e/ou Generalis-
ta continuem a produzir estudos espaciais de grande significado, como
o clássico trabalho de DE MARTONNE (1909), é no dominio da Geografia
Humano/Regional que mais se desenvolvem as técnicas e a terminologia
ligadas à descrição e à representação do espaço geográfico.
O principio da divisão regional do espaço passa ser, en
tão, o da ação diferenciada dos grupos humanos sobre esse espaço.
As primeiras tentativas de análise dos mecanismos que
explicam os processos de criação e de funcionamento do espaço geográfi-
co são feitas no âmbito da corrente humano/regionalista em trabalhos
produzidos já em meados do século XX, principalmente por SORRE (19 52)
e GEORGE (1952, 1956, 1959).
2.0 - DAS DESCRIÇÕES REGIONAIS A COMPREENSÃO DOS MECANISMOS DE PRODU-
ÇÃO E DE FUNCIONAMENTO DO ESPAÇO GEOGRAFICO
não obstante as orientações analíticas já referidas de
SORRE e de GEORGE, a maior parte dos trabalhos produzidos até o final
da década de cinqüenta se volta preferentemente para o que há no espa-
ço, sem se aprofundar em processos e mecanismos em ação nesse espaço.
Essa tendencia, levada a extremos, provocou a fragmen-
tação da Geografia em um nùmero considerável de "especializações", in-
teressadas na descrição de cada um dos aspectos privilegiados na com-
posição do espaço geográfico.
Influenciados, de um lado, pelas exigencias da própria
prática geográfica e, de outro, pelos contatos crescentes com outros
dominios científicos, e com a complexidade crescente do espaço objeto
de seus estudos, as correntes mais avançadas da Geografia vêm procuran
do inverter aquela tendência para a fragmentação. Recentemente, três
orientações fundamentais objetivaram, quase simultaneamente, unificar
a atividade geográfica, oferecendo modelos explicativos dos mecanismos
ligados à produção e/ou à estruturação do espaço geográfico: a explica
ção "sistêmico/funcionalista", a explicação "radical"marxista" e a ex-
plicação "humanístico/cultural".
2.1 - A EXPLICAÇÃO "SISTÊMICO/FUNCIONALISTA"
A explicação sistêmico/funcionalista aplicada ao estudo
do espaço geográfico representa a culminação do movimento renovador,
iniciado nos Estados Unidos dos anos cinqüenta, conhecido pelo nome ge
ral de "Nova Geografia" e já por demais descrito e analisado (ver so-
bretudo CHRISTOFOLETTI, 1976. 1982).
como é sabido, esse movimento é, de um certo ponto de
vista, dualista. Isto é, de um lado, tem um caráter descritivo, na me
dida em que utiliza técnicas quantitativas tipicamente descritivas, co
mo a estatistica descritiva, por exemplo. Trata-se, evidentemente, de
meios de descrição do espaço muito mais sofisticados que aqueles
utilizados na descrição "tradicional" e, por isso mesmo, capazes de
provocar uma transformação em profundidade do instrumental utilizado
pela análise espacial. Mas, de outro lado, o movimento da "No va
Geografia" atinge um nivel bastante elevado no que se refere à ex-
plicação da estruturação e do funcionamento do espaço geográfico, ao
utilizar a idéia "sistêmica".
Nessa abordagem, o espaço geográfico não pode ser visto
como um simples agregado mas, sim, como um conjunto articulado de acor-do
com os principios sistêmicos.
Assim, o espaço geográfico passa a ser considerado como
um sistema, cujos componentes (movimentos, redes, nós, hierarquias, su
perfícies, de acordo com HAGGETT- 1965) ao exercer, cada um, sua pró-
pria função, entram em interação uns com os outros, assegurando a coe-
rência, o dinamismo e a finalidade global do conjunto.
É a partir da conjunção quantificação/teorização baseada
na idéia sistêmica que a "Nova Geografia" parte para a elaboração e a
aplicação de modelos explicativos e/ou de simulação, com vistas ao de
senvolvimento das chamadas "análises locacionais", objeto final de sua
ação.
Depois de quase trinta anos de prática, a "Nova Geogra-
fia", não obstante os indiscutíveis progressos que trouxe e que conti-
nua trazendo à análise espacial, vem sendo contestada por uma conside
rável parcela da comunidade dos geógrafos. Essa contestação têm-se ba
seado, sobretudo, nos seguintes pontos:
. excessos da quantificação;
. desenvolvimento do instrumentalismo pelo instrumentalismo;
. neutralização da Geografia como ciência crítica, através de uma
dependência exagerada e nem sempre justificada dos princípios neo-
positivistas;
. negligência dos processos (em particular sociais), que se desen-
volvem no espaço geográfico e o explicam em grande parte;
. relevância nem sempre comprovada das teorias e modelos utilizados;
. "reducionismo" do espaço geográfico a modelos abstratos que não
resistem a uma comprovação empírica.
2.2 - A EXPLICAÇÃO "RADICAL/MARXISTA"
A explicação "Radical/Marxista" é parte integrante de
uma tendência de análise espacial bastante recente (final dos anos ses
senta e inicio dos setenta), apesar do fato de a filosofia marxista ter
sido criada no século XIX.
São numerosos e geograficamente dispersos os principais
fundadores. Entre muitos, citaremos: HARVEY, PEET e SOJA, na geografia
americana; SANTOS, do Brasil e LACOSTE, da França. Foi, também,
determinante a contribuição de não-geógrafos, em particular a de
LEFEBVRE, intelectual francês.
LEFEBVRE (19 74) parte de uma critica radical à maioria
dos estudos espaciais, não somente em função do caráter fragmentário
de que se revestem mas, principalmente, pelo fato do espaço ser, quase
sempre, analisado "em si mesmo". Isto caracteriza o que LEFEBVRE deno
mina "o FETICHISMO do espaço", ou seja, a identificação do espaço a
uma espécie de "receptáculo passivo", o que impede seu verdadeiro conhe
cimento.
Esse conhecimento, de acordo com LEFEBVRE (19 74) e com
os geógrafos acima citados, só pode ser atingido na medida em que for
analisado o processo de produção do espaço. Isto porque o espaço não
é algo dado de uma vez por todas mas, sim, um produto, um produto so
cial em constante elaboração,
Para entender o espaço como um produto social, os geó-
grafos radicais não encontram na própria geografia o corpo conceituai
de que necessitam. Assim sendo, assimilam e adaptam conceitos funda-
mentais do Marxismo.
Desse modo, para SOJA (1982), "tôdas as sociedades se
movem através de uma seqüência evolutiva de configurações espaciais
concretas, produzidas como uma parte da divisão do trabalho, (e resul-
tantes) da complexa articulação de diferentes modos de produção, da
elaboração de sistemas de poder politico e de dominação, da manifesta-
ção concreta da vida social em localizações e tempos particulares".
Nessa perspectiva, o processo de regionalização seria
"a diferenciação geográfica, como expressão da divisão do trabalho, em
compartimentos territoriais que, freqüentemente, assumem uma identidade
administrativa, política, cultural e ideológica" (SOJA, 1982). "Este
processo de regionalização é guiado pelas necessidades do Capital
operando através do mercado, das atividades financeiras e, crescente-
mente no tempo, através da intervenção do Estado" (SOJA, 1982).
A partir dessa nova base teórica (pelo menos para a Geo
grafia), os geógrafos radicais começaram a produzir os primeiros tra-
balhos substantivos. E não obstante o tempo relativamente pequeno de
prática da "Geografia Radical", são muitas as criticas a ela já fei-
tas. Entre as criticas mais agudas, merecem citação as que desenvol-
veram DUNCAN e LEY (1981) e que consideram a abordagem radical, em sua
forma mais típica, isto é, mais fiel aos principios marxistas, como:
. "dogmática", por impor-se como única forma válida de explicação
do processo de produção espacial;
. "reificadora", na medida em que atribui existência autônoma a con
ceitos ou entidades abstratas, como o de CAPITAL, por exemplo;
. "redutora", pelo fato de atribuir a "causa formal" do processo de
elaboração espacial às "necessidades do Capital", restando aos ho-
mens o papel de "causa eficiente", ou seja, de meros executores
de uma "lógica estrutural".
Além dessas, outras criticas freqüentemente feitas à
Geografia Radical são: a de negligenciar os estudos e os controles em-
píricos, características permanentes da Geografia até agora praticada;
a de apresentar, em relação a certos fenômenos e processos, sobretudo
de caráter étnico, cultural, religioso, etc, grandes dificuldades de
operacionalização e de explicação.
2.3 - A EXPLICAÇÃO "HUMANÍSTICO/CULTURAL"
Trata-se, também, de uma reação à "Nova Geografia". Em
sua verso atual, a chamada "Geografia Humanístico/Cultural" tem uma
origem relativamente recente, embora os geógrafos tenham tradicional-
mente se ocupado dos fatos culturais (reveja-se, por exemplo, a velha
noção de "gênero de vida").
Para RACINE (1981), a "geografia cultural, da percepção
e dos comportamento se inscreve num esforço para superar o estudo ...
grosseiramente interpretado através de regras e teorias de um compor-
tamento econômico, social e cultural indiferenciado, ... fundado em
uma visão do mundo em que o homem nada mais é que um Homo Economicus".
Assim, a Geografia humanístico/cultural procura anali-
sar de que modos os fatores culturais e de percepção em geral interfe-
rem nas ações de organização e de elaboração do espaço geográfico. As
imagens que as pessoas têm do espaço e que orientam sua ação sobre es-
se mesmo espaço resultam, para os defensores dessa corrente de análi-
se, não somente de condições psicológicas e físicas individuais, mas,
também e sobretudo, da experiência de vida de cada um e das heranças
culturais coletivas. Desse modo, os geógrafos são levados a tomar em
consideração, em suas pesquisas sobre o espaço social, os trabalhos de
outros profissionais como os dos filósofos, dos antropólogos, dos so-
ciólogos e dos psicólogos.
A base filosófica em que se fundamenta essa corrente
geográfica é, principalmente, a Fenomenologia, em particular a de
HUSSERLS, cuja "grande promessa era a de orientar os homens para modos
de conhecimento melhor harmonizados com a experiência vivida" (BUTTIMER,
1979). Ora, o "espaço vivido" está para a Geografia Humanística, como
a "experiência vivida" está para a Fenomenologia husserliana.
com base em pressupostos dessa natureza, BUTTIMER (19 79)
propõe três temas geográficos principais para o estudo do espaço:
. a análise dos espaços humanizados, enquanto regiões culturais, do minios étnicos, territórios e
bairros, espaços sagrados, etc ... enfim, espaços diferenciados segundo as disposições
"subjetivas" dos homens-habitantes;
. estudos do espaço social e dos horizontes sociais da experiência humana, tais como eles se
manifestam nos processos de interação social e em grupos humanos específicos;
. enfim, a análise do espaço como contexto, onde se desenrola a experiência humana: análise que de
levar em conta tanto os componentes físicos e bio-ecológicos, como a geografia do espaço
funcional.
Finalmente, os defensores dessa corrente geográfica têm tido sempre como
referência fundamental a afirmação de que a ação ou o comportamento espaciais dos grupos humanos
dependem em larga medida de elementos "não racionais" e de valores nem sempre explicáveis cienti-
ficamente.
Parece evidente que fatores de origem cultural, valores
e outros elementos nem sempre explicados racionalmente devem interfe
rir na organização e na criação do espaço geográfico. Todavia, os
críticos da Geografia Humanista identificaram nessa corrente um gran
de risco de descaracterização da Geografia, na medida em que a "padro
nização cientifica" de análises tão diferenciadas e pulverizadas colo
ca problemas praticamente insolúveis. como diz BERQUE (1981): - "O
ponto de vista cultural sairá tanto mais do dominio geográfico quanto
mais ele se afirme como cultural; ... ao se fazer cultural, a Geogra
fia se transforma em Semiologia e, para além dela, em "Metafisica".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a rápida análise das páginas precedentes, algumas constatações finais se
fazem necessárias.
A primeira delas é a de que, malgrado toda forma de pes
simismo, a Geografia se apresenta como uma atividade em movimento, e
ampliando, cada vez mais suas fronteiras. com efeito, partindo de uma
vocação puramente enumerativa e/ou descritiva, o desenvolvimento da
Geografia vem dotando-a de um arsenal explicativo já considerável, de
um instrumental metodológico e teórico não negligenciável e de uma im
portante ampliação temática. Tudo isso evidencia vigor e dinamismo.
Todavia, a tradução dessa evolução para o nível do ensi-
no da Geografia, em todos os seus niveis, ou para o nível da sua prá-
tica profissional corrente tem se mostrado muito tìmida e deficiente.
A pluralidade e a abertura de horizontes que têm, em úl
tima análise, possibilitado o dinamismo da Geografia através de seus
geógrafos mais criativos, não tem se refletido nas estruturas do ensi-
no e da prática aplicada dessa disciplina. Estas, ao contrário, têm-se
mantido frequentemente na dependência, excessivamente duradoura, de
orientações geográficas petrificadas ou em práticas de transformação
crítica, metodológica e teórica muito lenta.
Por outro lado, a inserção da atividade geográfica cor-
rente (escola e pesquisa) nos problemas e necessidades concretas da so
ciedade não se fez ainda, não por falta de meios oferecidos pela ins-
trumental analítico ou por uma eventual ausência de necessidade da Geo
grafia, mas, sobretudo porque, apesar de tudo que se diz em contrário,
essa postura ainda não foi realmente assimilada pela comunidade dos
geógrafos.
Finalmente, no domínio interno da própria evolução da
Geografia, é preciso alertar para alguns riscos em relação aos quais
se guarda um silêncio inexplicável e perigoso: note-se que as mais re-
centes tentativas de integração e unificação da Geografia, todas a par
tir de instâncias predominantemente sócio-econômicas e culturais, podem
provocar a negligência de dois dos pilares básicos da "Geografia de
Sempre": o do desenvolvimento de seu instrumento de tratamento de in-
formações (numérico, computacional, cartográfico, etc) e o da contri-
buição explicativa do espaço natural ou ecológico. Tanto uma como a
outra dessas instâncias, se efetivamente negligenciadas como tudo leva
a crer, cobrarão mais tarde pesados tributos pelo atual esquecimento.
BIBLIOGRAFIA
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metodológicas da Geografia. Instituto de Geociências, UFMG, .19 78.
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e Ensino, nº 1 (I), Belo Horizonte, 1982.
BERQUE, Augustin. Raisonner à plus d'un niveau: le point de vue culturel en Géographie.
L'Espace Géographique, 4, Paris, Doin, 1981.
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1976.
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HAGGETT, Peter. Locational Analysis in Human Geography. London, E. Arnold, 19 65.
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GEORGE, Pierre. Précis de Géographie Économique. Paris, P.U.F., 19 56.
GEORGE, Pierre. Questions de Géographie de la Population. Paris, Cahiers de
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LEFEBVRE, Henri. La Production de l'Espace. Paris, Anthropos, 1974.
PEET, Richard. The Development of Radical Geography in the United
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RACINE, J. B., ISNARD, H., RAYMOND, H. Problématiques de la Géographie.. Paris,
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SANTOS, Milton. Por urna Geografia Nova. Sao Paulo, Hucitec e EDUSP, 1978.
SOJA, Edward W. Spatiality, Politics and the Role of the State (Inèdito - 1982).
SORRE, Max. Les Fondements de la Géographie Humaine. Paris, Librairie Armand
Colin, 1952.
TUAN, Yi-Fu. Tradução de Livia de Oliveira. Topofilia - um Estudo da Percepção, Atitudes
e Valores do Meio Ambiente. Sao Paulo, DIFEL, 19 80.
4. AS QUESTÕES DE ESCALA EM GEOGRAFIA
. Livia de Oliveira (Coordenadora)
. Adelci Figueiredo Santos (UFSE)
. Aluizio Capdeville Duarte (FIBGE)
. Bertha Becker (UFRJ)
. Lyres Balbi (UA)
. Yoshia Nakagawara (FUEL)
Adelci Figueiredo Santos
Universidade Federal de Sergipe
Geografia - ensina Rui Moreira - é um saber vivido e
apreendido pela própria vivência. Só se aprende o que se apreende - afirma o professor Paulo
Freire. Aprende-se o que se vive. Vive-se o que se aprende. Este processo, duplamente teorico e
pratico, conceituai e empírico, nao pres cinde, inclusive no ensino da Geografia, de um método. A
metodologia é a ca minhada segura, sistemática, ordenada, do desconhecido ao conhecimento.
A Geografia, técnica e cientificamente visualizada, não é forma
de seccionar ou atomizar o real. como o próprio conhecimento ou tôda ciência, ela apreende a
realidade tôda, seja ela natureza, seja ela so ciedade. 0 real é tão espaço quanto tempo, é tão
geográfico quanto histórico. Alguém já disse, nao sem razões, que historia é geografia em ação,
geogra fia, a história traçada de antemão.
Por mais que conviva com o particular e o específi_ co, a
geografia não mascara nem oculta o geral e o global. Limita-se, didati camente, a geografia,
limitação, contudo, que não significa esvaziá-la subs tantivamente. Existe a geografia do Nordeste
ou a geografia, no Nordeste? In daga-se, igualmente, não por mera curiosidade cultural: a
geografia é ou es_ ta sendo?
Fenômenos e fatos geográficos não existem por si sós, plenos,
completos, definitivos. Eles são partes de um todo dinâmico, ne_ xos de uma realidade complexa,
infinita. Isolá-los é coisificá-los, maneira de não conhecê-los. não se estuda com certa precisão
e alguma objetividade, o êxodo rural, no Nordeste, marginalizados ou esquecidos os fatores
externos
fl. 02
ou exógenos que o compõem ou condicionam. Nao se conhece, igual e plenamente, o
mercado de trabalho em Sao Paulo, ignorada a contribuição, raramente valori-zada, da
mão-de-obra nordestina.
0 ensino de geografia é decorrência da forma de con-
ceituá-la e entendê-la. 0 ensino nunca é pobre quando se trata de ciência ri-ca. 0 ato
jamais i triste quando o pensamento é alegre. Dir-se-á que, também no chão
geográfico, a pedagogia tem muito de filosofia. A prática, na geogra-fia, está
condicionada pela teoria geográfica. E vice-versa. Limitar o ensino de uma ciência, é
limitar a propria ciência ensinada. 0 escalonamento, no ensino de geografia, pode ser
contingência didática, e não imperativo cientí fico. A escala,criação do sujeito, limita e
empobrece o objeto da ciência, que o transcende. Ela, porém, tem a sua importância
formal ou processual. A geo grafia, finalmente, é ou deve ser precisão lógica e
empírica e, principalmen-te, praxis.
5. ARTICULAÇÕES DOS NIVEIS DE ENSINO
. Gervasio Rodrigo Neves
. Guiomar Goulart de Azevedo (Coordenadores)
. Ivo Lauro Mailer Filho (UFSM)
. Magda Soares Becker (UFMG)
. Maria Auxiliadora Cartaxo (UFPE)
. Maria Braga de Sá (UFPB)
. Vera Brenner Eilert (UFSM)
. Cecília Eugênia Rocha Horta (SESu)
. Valéria Trevizani Burla de Aguiar (UFJF)
ARTICULAÇÕES ENTRE OS NÍVEIS DE ENSINO - um
retrospecto sobre a evolução do processo -
Ivo Lauro Mulller Filho Departamento de
Geociências - UFSM
um dos temas propostos para discussão, dentre as seis diferentes sessões
do simpósio Teoria & Ensino da Geografia, é Articulações dos Niveis de Ensino. Os demais
temas referem-se a (1) Natureza e Sociedade, (2) 0 Estado, a Sociedade e a Produção do
Espaço, (3) 0 Periodo Técnico-científico e a Organização do Espaço, (4) Bacharelado versus
Licenciatura e (5) As Questões de Escala no Ensino da Geografia.
Os assuntos propostos refletem as preocupações
dos profissionais da Geografia no tocante (1) à natureza da Geo
grafia como campo de conhecimento; essa é a preocupação suaeri-
da pelo item "Natureza e Sociedade": a Geografia seria uma "ciên
cia da natureza", uma ciência social, a exemplo da Sociologia ou
da Politica? ou, quem sabe, seria uma ciência humana seja qual
for o significado dessa expressão que tem tanto de ampla quanto
de indefinida? O tema "Estado, Sociedade e Produção do Espaço"
reflete a preocupação quanto à organização do espaço, tal como é
realizada pelo homem como "produtor do espaço" ou, usando a ex
pressão de Otremba, do "homem como agente economizante", influin
do e conduzindo, através de sua organização social, política,
econômica, a ocupação e exploração da terra em que e da qual vive. Preocupações pragmáticas
e teóricas manifestam-se no tema "Período Técnico-científico e a Organização do Espaço": as
concepções neo-positivistas e metodológicas da "Nova Geografia" aí podem ser discutidas, pois
ai estão presentes, podendo ser enfatizado o aspecto organizacional do espaço como um sistema
que po de ser organizado e reorganizado, dentro dos princípios do método científico
quantificado tanto quanto possível, inclusive com o uso e abuso da computação eletrônica...
Há, porém e ainda bem, preocupação quanto (2) à nature za da Geografia
como matéria de ensino nos diferentes níveis de escolarização, desde a "Articulação
dos Níveis", passando pelas considerações sobre a discutida problemática
"Bacharelado versus Licenciatura" (que muito bem poderia ser expressa como
"bachare lado e/ou licenciatura"), e concluindo com o enfoque sobre"Esca la no
Ensino da Geografia", escala que não deixa de ser um proble ma de articulação, assim
como a bipolarização licenciatura - ba charelado também o é.
Todos os temas propostos envolvem "articulação", cone xão,
interligação, quem sabe até, idealmente como um objetivo a alcançar, integração.
Integração, por exemplo, entre uma Geogra fia bipolarizada como uma Ciência da
Terra em oposição a uma Ciência Social, quando na verdade o social se assenta sobre
o meio natu ral e este é trabalhado, é "produzido" pela sociedade. Volta-se (e não há
por que evitar) à questão: a Geografia é uma ciência da Terra? é uma ciência do
Homem? é a ciência da "produção social do espaço? ou do "espaço produzido
socialmente"? ou, quem sabe, se ria apenas uma matéria que gera empregos de
professor?... Articu lação também há entre a natureza científica da Geografia e a Geo
grafia que é ensinada: há sintonia entre as diferentes "escalas" de tratamento, entre os
diferentes níveis de ensino, e a própria natureza da Geografia, entre a Geografia como
ela è e a Geografia como ela é ensinada!
Sob o ponto de vista mais restrito, e relativo direta mente ao Tema, a
questão Articulação dos Níveis de Ensino pode ser enfocada em diferentes escalas: (1)
a articulação considerada co mo um processo de passagem entre os diferentes sub-
sistemas do Sistema Ensino Brasileiro; (2) a articulação tal como é conside rada
dentro de cada sub-sistema, i.é, a articulação interna era cada sub-sistema, em
especial no que tange à problemática currí-culo por atividade, currículo por área e
currículo por discipli-na; (3) a articulação interna da própria ciência, era particular a
articulação da Geografia em si e como veículo de transmissão de valores.
A Articulação conto processo de passagem, como a própria expressão o
diz, consiste cm um ou diversos mecanismos que renu_ lam a mudança de níveis de
ensino, dentro da estrutura educacio
nal vigente. Esta estrutura reflete a filosofia que em casa formulação. Estrutura de
Ensino reflete, pois. Filosofia do En sino, a qual, por sua vez, espelha os conceitos e
valores da so ciedade em que se situa, particularmente daquela sua parcela di rigente,
que detém ou que influi sobre o Poder.
Antes de considerar o processo de articulação entre di ferentes níveis, é
conveniente fazer referencia ao conjunto do Sistema Ensino considerado como um
todo, em seus traços mais ge rais, dentro da Filosofia que o norteia.
O caso brasileiro mostra transformações constantes da estrutura do
ensino, preocupação constitucional desde 1824, porém mais enfatizada a partir da
implantação da República. De 1890 até hoje, nove reformas regulamentaram o ensino
no Brasil, quase to das durando aproximadamente dez anos - o tempo que tem, por
ainda viger, a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º Graus,ou simplesmente
Lei nº 5692/71. De todas essas reformas, as quatro últimas sao as mais significativas,
por corresponderem à ingerên cia direta do Estado nos negócios da Educação, a partir
de 1931, com a criação do Ministério da Educação e Saúde pelo Governo Pro visório
de Vargas, vitorioso com a Revolução que derrubou (em par te...) a República Velha,
são elas as reformas Francisco Campos (1931), Gustavo Capanema (1942), Lei de
Diretrizes e Bases da Edu cação Nacional (L.D.B. - 1962) e a Lei nº
5692/71.
Em 1967 o conselheiro Valnir Chagas, em sua Indicação número 48/67 -
C.F.E., durante, portanto, a vigência formal da L.D.B., afirmava: "A Educação
brasileira ainda não constitui um sistema, sendo possível falar de três sistemas - os de
escolas pri marias, médias e superiores - ainda estanques entre si." De fato, desde a
Lei Francisco Campos, mantendo-se na Reforma Capanema e na L.D.B., a
terminologia educacional e a popular consagravam as palavras Curso e Escola, com a
conotação de terminalidade: curso primário, curso ginasial, curso colegial, curso
superior; havia a Escola Primária, a Escola de Grau Médio (e aqui já surgia a idéia de
continuidade) e a Escola Superior. Tal conotação somente desaparece com a lei atual,
de 1971, quando se insere o conceito de conti nuidade de estudos, e "curso" é
substituído pela palavra grau; os diferentes níveis de ensino são "degraus de
escolarização" que se sucedem num continuum entre o 1º e o 2º grau - a barreira existe
apenas -na transição para o 3º grau. A passagem de um curso para o subseqüente,
pelas leis anteriores, era controlada por um pon
to de estrangulamento: os exames de admissão entre o ensino pri-mário e o ensino de
grau médio, e os exames vestibulares, entre o ensino médio e o superior. A Fig. 1
esquematiza a situação; os pontos de passagem ( as articulações) entre os diferentes
graus são representadas como discordancias :
Figura 1 - Evolução da estrutura do ensino brasileiro.
Todo o sistema educacional se transformou com a atual legislação do
ensino; cada série, antes, era um verdadeiro degrau, a ser vencido pela aprovação em
exames formais (1ª e 2ª época) e pela barreira de articulação: o admissão e o
vestibular. Ainda durante a vigência da L.D.B., o exame de admissão desapareceu; a
lias, a figura do exame também, substituída que foi pela da reçu peração. Se antes a
evasão escolar era conseqüência de desistên-cias e reprovações, hoje esta última
figura praticamente desapa receu da praxe escolar... Hoje, portanto, a seqüência de
escola ridade comporta-se, mais comparativamente, a um plano inclinado de
escolarização, em que há apenas um ressalto, um patamar, às portas da escola
superior.
A Fig. 2 busca graficar os dois esquemas; na Fig. 2(b), chama-se a
atenção para a presença de um "quarto grau" já exis tente no Sistema Ensino
Brasileiro: os cursos de pós-graduacão.
(a) o modelo Escada de Escolarização:
em cada degrau da escadaria
exame.
(b) o modelo Plano Inclinado de Es
colarização: em cada passo da
rampa há recuperação.
Fig. 2 - Os modelos do Sistema Ensino Brasileiro.
O modelo escada fundamentava-se nas leis Francisco Cam pos,
Capanema e L.D.B.. 0 modelo plano inclinado tem sua fundamen tação na Lei nº
5692/71. Suas diferenças filosóficas são signifi cativas. No primeiro, a escola era
seletiva, não apenas social mente, mas também do ponto de vista intelectual. O
segundo mode lo consagra o princípio de continuidade, ou, conforme um de seus
defensores, ao tratar de Educação: ""De certo modo ela é uma cor
rida .................no qual o ideal será que não existam limitações ex
ternas à plena expansão das potencialidades de cada um nessa com
petição, ................... Nesta perspectiva, desde o grau primário até
o superior, somente uma passagem existe, com o sentido de real nu
dança de campo: a passagem da escola para a vida, ....................................." (Val
nir Chagas, Indicação número 48/67 - C.F.E.)
Ideal, de fato, seria não existirem barreiras nem limi tações. A
realidade, porém, é outra.
De fato, a mudança da escola de grau médio para a supe rior, no
Brasil, desde 1911, não vem sondo feita de acordo com a simples comprovação de
conclusão de estudos a nível secundário. A prova de terminalidade era exigida
através dos preparatórios que consistiam, na verdade, em uma prova de habilitação
para os estudos superiores. O legislador federal, ao dar os passos ini ciais para a
criação das primeiras universidades, pelo Decreto n<? 19852, de 11 de abril de
1931 ("Dispõe sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro"), condicionava o ingresso na uni
versidade a duas exigências dentre outras: a de prova de conclu
são do curso secundário, e à aprovação a uma adaptação didática ao curso
pretendido pelo candidato. As mesmas exigências foram estendidas às
demais universidades estaduais ou livres, pelo De creto 22579,
de 27 de março de 1933:" enquanto não tiverem seus estatutos
aprovados, deverão obedecer às leis e aos regulamentos que
dispõem sobre a Universidade do Rio de Janeiro." Nota-se, por
tanto, que havia exigência prévia, anterior ao ingresso na esco
la superior, de um exame setorizado (prova de adaptação didática
ao curso pretendido), organizado à base de conhecimentos conside
rados imprescindíveis para a futura formação em determinadas car
reiras. Também o Decreto-lei nº 3052, de 13 de fevereiro de 1941,
"dispõe sobre as condições de matrícula aos cursos superiores",
exigindo seu Art. 1º, d) "prestar concurso de habilitação."
O termo habilitação implicava em seleção, independente mente
do preenchimento das vagas existentes. A legislação exigia nota
mínima de quatro por disciplina, porém exigia ao mesmo tem po
que, no seu desempenho global, o candidato alcançasse a média
mínima de Cinco, todas as notas referidas ao valor máximo dez. A
exigência é atenuada pela Portaria nº 14/57, da Diretoria do En
sino Superior que, no Art. 20, declara "será considerado habili
tado o candidato que, no mínimo, obtiver nota final quatro por
disciplina." A situação só se transforma, e significativamente ,
com a Lei 5540/68, que estabeleceu: (a) que a articulação entre
o 2º e o 3º grau é feita pelo vestibular; (b) que esta abrange
conhecimentos comune às diversas formas de educação do 2°grau; (c) que,
no prazo de três anos, o vestibular deverá ser idêntico em conteúdo
para todos os cursos ou áreas afins, e (d) que o ves_ tibular deverá ser
unificado em sua execução, na mesma universi dade. Realmente em 1971
o Decreto nº 68908, de 13 de julho, dis põe sobre o assunto,
estabelecendo o critério rigorosamente clas_ sificatório, com total
aproveitamento das vagas, com data única para as Instituições
oficiais; determina ainda sua limitação, era conteúdo e em grau
de complexidade, às disciplinas obrigatórias do ensino médio, e
lhe dá caráter unificado para todos os cursos.
Figura nova, ausente na legislação anterior, é a da 2.
e 3. opção na escolha da carreira, por ocasião da inscrição dos
candidatos aos cursos superiores. A possibilidade de múltipla
opção complementa a exigência legal de total ocupação das vagas
existentes. A realidade mostra a efetiva existência de um saldo
de vagas nos cursos menos privilegiados - os das áreas das Ciên
cias Sociais e Humanas, principalmente, a saber, dos cursos que
não se enquadram nas carreiras nobres das áreas tecnológica e médica e
das que, também por herança cultural, ainda asseguram status,
como é o caso das ciências jurídicas.
Tanto a seleção classificatoria quanto a possibilidade
de mais de uma opção para o curso pretendido, visam em essência
(a) procurar a economicidade da escola superior, dentro do prin
cípio de que "Educação é Investimento" e por isso não deve ser
deficitária, portanto não convindo um saldo de vagas ociosas, e
(b) terminar com a criticada (em 1968...) figura do excedente, que
alcançara a média de aprovação (portanto demonstrara estar habi_
litado ao curso superior) porém não se classificara dentro do nú
mero de vagas disponíveis. Geraram-se, porém, males equivalentes ,
porque a múltipla opção pode levar o acadêmico a freqüentar cur
so que não lhe corresponde às verdadeiras pretensões de carreira,
por isso a tentar nova classificação em vestibulares subseqüentes,
com provável abandono do curso "temporário", gerando assim novo
saldo de vagas, ou pior: levando-o a concluir um curso não dese
jado, com tôda a sua seqüela de insatisfações e frustrações.
Feita esta apresentação sumária sobre nossa situação,
cabem considerações, por breves que sejam, sobre o problema arti_
culação em uma escala mais geral, mais abrangente, e não apenas
brasileira.
Diferente pode ser a passagem do ensino de 2º grau pa
ra o ensino superior. Podem ser considerados dois processos bási-
cos: o processo aberto, em que não há, ou pelo menos não deveria
haver, uma barreira entre os dois níveis, e o processo fechado, em que
a conclusão do nível de 2º grau não é considerada condi_ ção
suficiente para o ingresso em cursos superiores.
No processo aberto, a conclusão do 2º grau é condição
necessária e suficiente para assegurar a continuação de estudos
em nível acadêmico. Condição necessária pois, sem ela, as portas
da universidade mantêm-se fechadas; é condição sine qua non
a
apresentação de certificado de conclusão de curso de grau médio.
há, entretanto, duas situações diferentes no que se refere à obten
ção desse certificado. A primeira é aquela em que o poder fisca
lizador do Estado, i,é, o Ministério da Educação ou órgão equiva
lente, delega à escola de 2º grau o direito de ela examinar e ava
liar os estudantes, e conceder a habilitação de conclusão de es_
tudos a nível secundário, a saber, a Escola tem autorização e au
toridade para conceder certificados de conclusão de estudos a ni
vel de 2º grau (e dos anteriores também) a quem ela julgar habi-
litado, de acordo com seus (de cada escola) critérios de avalia
ção. A segunda situação, para a obtenção do certificado de grau
médio, é aquela em que o Estado é o fiscalizador, examinador e
avaliador direto das condições de aproveitamento dos estudos rea
lizados pelos candidatos à obtenção do certificado; tal avalia
ção é feita através de um exame-de-estado (ou nome equivalente:exa me
de licença, exame de preparatórios, por exemplo, já foram em
pregados no pais, até a vigência da Reforma Capanema); tal exame
é de caráter geral, único para todos que, em dada época, a ele se
candidatam. A conclusão do curso secundário é também condição
suficiente: concluído O 2º grau, estão abertas as portas da uni-
versidade: o concurso vestibular não é exigência formal. Países
como a França e os Estados Unidos encontram-se nessa situação
pelo menos em tese, no caso dos Estados Unidos: nesse país, a con
clusão do 2º grau basta para o ingresso nas "State Universities",
mas é fato que as melhores universidades selecionam seus candida
tos através de um concurso vestibular... Já na França a classiti
cação no "baccalauréat" é garantia certa de lugar assegurado nas
grandes escolas (Escola Politécnica, Escola Normal Superior).
O processo fechado exige, além do certificado de conclu são
de estudos de 2º grau, também a passagem por um exame de in-
gresso aos cursos superiores. A escola superior se reserva, ou
melhor, a ela é reservado o direito de realizar uma seleção pré-via
dos candidatos, seja exigindo comprovação de conhecimentos
vinculados diretamente à carreira pretendida, seja avaliando co
nhecimentos gerais do ciclo anterior. Em sua essência, tal pro
cesso busca selecionar os melhores (avaliados por critérios vá rios e
discutíveis!)e, não há como negar, tem um resquício, se não uma
declaração, de desconfiança da qualidade do ensino de 2º grau.
há sistemas em que os dois processos de ingresso no 3º
grau coexistem como regra geral. O fundamento básico, também nes_
se caso, é o de que os critérios de avaliação para a obtenção do
certificado de conclusão do curso secundário são uniformes, são iguais para tôda a
população que se submeteu aos exames de termi nalidade do 2º grau. Tal acontece
apenas com a realização dos exa mes-de-estado. Aprovado nesses exames, o candidato
ingressa dire tamente na escola superior, sem vestibular se tiver alcançado a média
mínima pré-fixada (em geral média 7, sobre o máximo de 10), ou com vestibular, se
obteve aprovação com média inferior àquela pré-determinada. é o caso das
universidades portuguesas, para dar um exemplo.
Questão paralela à da articulação com ou sem a exigen cia de passagem (
não obrigatoriamente aprovação...) por concur so vestibular é a da pré-fixação do
número de vagas para ingres so nos cursos superiores. Há sistemas de ensino com
definição for mal do número de vagas, e outros em que não existe esse limita ção. Ao
primeiro sistema, o de numerus clausus, corresponde a exi gência de concurso
vestibular, para controlar o desequilíbrio en tre o número de pretendentes à formação
acadêmica e o número de vagas disponíveis. Nos sistemas de ensino sem limitação de
vagas ocorre um congestionamento no início dos cursos, corrigido pelo rigorismo das
exigências de avaliação. Assim, se no sistema de numerus clausus o vestibular pode
ser comparado a um funil de es trangulamento pré-universitário, no sistema sem
limitação de va-gas o funil se apresenta após o ingresso, durante a realização de curso
superior.
As informações disponíveis mostram que a passagem do grau de
escolarização secundário para o grau superior correspon de, quase que em todos os
lugares, a uma ponte muito estreita,que muitos querem mas poucos conseguem
ultrapassar. Por causa dessas considerações, e atendendo às motivações do Simpósio,
cabe ques-tionar: qual foi, e qual é, a situação da Geografia no Sistema Brasileiro de
Educação? como ela era considerada, e como ela o i agora, como elemento do
processo articulatorio?
A função da Geografia como disciplina formadora da ju ventude em sua
preparação para o cumprimento dos deveres de cida dania, para o fortalecimento do
civismo e do patriotismo - com um
forte apelo ao nacionalismo - foi a tônica do periodo de Vargas, consagrada
especialmente com a Reforma Capanema. Inseria-se nesse contexto a exigência de
sete anos de estudos de Geografia na- es cola secundária (cursos ginasial e colegial),
que buscava a pre paração dos futuros estudantes do ensino superior.
Os estudos de Geografia iniciavam no Curso Primário , cem um
tratamento didático que apelava exclusivamente à capacidade de memori zação da
criança, e que, em essência, buscava preparar para o Exa me de Admissão; além de
breves noções sobre o Município e o Esta_ do em que se situava a escola, dava-se
ênfase às definições de acidentes geográficos, aos valores nominais ou numéricos dos
aci dentes físicos, à divisão estadual com suas capitais, e a uma enumeração dos países
do mundo e suas capitais - pois tal costu mava ser o cerne da prova de Geografia do
exame de admissão (que era, de fato, o primeiro vestibular do estudante, o vestibular
ao ginásio - e que reprovava muitos candidatos!). Nas quatro sé ries ginasiais havia
Geografia: geral (com predomínio de geogra fia física), regional (estudo físico e
humano dos continentes e dos países do mundo), geral e regional do Brasil, programas
aliás repetidos, com exclusão dos aspectos regionais do Brasil, nas três séries do curso
colegial. A disciplina era, entretanto, quase ine xistente nos cursos profissionais do
grau médio; em geral consta va em uma das três series de estudos, a exemplo da
Geografia Eco nômica do Brasil, nas Escolas Técnicas de Comercio.
A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4024/61)
modificou a organização do sistema educacional vigen te, ainda que, pelo menos nas
aparências, manteve a estrutura do Sistema: Ensino Primário, Ensino Médio, com suas
abrangências de Ensino Secundário, Técnico e de Formação de Professores para o
Ensino Primário e Pré-primário, e Ensino Superior. Introduziu, entretanto, um
princípio novo: o da possibilidade de mudanças no currículo escolar, a nível de
Secretarias de Educação ou de Esta belecimentos Privados de Ensino (o que não era
sequer cogitável pela Lei Capanema, que tudo procurara regulamentar na Portaria
501). com essa liberdade, a Geografia praticamente desapareceu do currículo dos
cursos colegiais, pelo menos nos estabelecimen-tos públicos do Estado do Rio Grande
do Sul: das três séries obri gatórias, conforme a Lei Capanema, ficou reduzida a uma
série , apenas nos cursos clássicos, sendo banida dos cursos científicos. A nova
estrutura permitia também ao estabelecimento de ensino de
segundo grau (colegial, portanto) elaborar seu programa da dis ciplina,
desde que se mantivesse dentro do rótulo Geografia...
A lei 5692/71 modificou essa estrutura, talvez para pior: dilatou para todo
o 1º grau (nova terminologia para desig ar a seqüência de oito anos de escolarização,
somatório do anti go primário com o antigo ginásio) a figura da área de Estudos So_
ciais, desfigurando, com essa expressão, ciências como a Geogra fia e a História, e
criando uma verdadeira colcha-de-retalhos em que esses dois campos consagrados do
conhecimento podiam ser em baralhados com Educação Moral e Cívica e com
Organização Social e Política Brasileira. Por isso, e para isso, foram criados os Cursos
de Estudos Sociais, nas licenciaturas de curta duração.
0 espírito mudancista se acentuara nos fins da década de 50, inclusive
muito bem expressa, a nova mentalidade, pelo le ma juscelinista "progredir cinqüenta
anos em cinco". A Educação Nacional não podia deixar de acompanhar os novos
tempos. O mode lo europeu, francês, de escola fiscalizada rigorosamente pelo Es tado,
bem representado pela Reforma Capanema, e de cunho educati vo marcadamente
humanístico, deveria ser substituído por outro mais desenvolvimentista, mais
pragmático, de modo a que o aluna do recebesse, já na escola, uma preparação para a
vida - ou, na verdade, para as esperanças de um mercado de trabalho que se con
figurava promissor. Esse o momento histórico que caracterizou a epoca da
implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na clonal; a nova legislação
deu maior liberdade (a l i á s inexistente na Lei Capanema) aos Estados e às escolas
para adaptarem seus cur rículos às realidades regionais - o que, cm geral, se traduzia
por uma adaptação às deficiências locais... Foi a época não só da L.D.B.; também o
foi da Aliança para o Progresso, do acordo MEC-USAID, da Fundação Ford - das
Licenciaturas de 1º grau e da institucionalização dos Estudos Sociais.
No que se refere à Geografia como elemento integrante do processo de
articulação entre os diferentes graus de ensino, cabem também algumas
considerações.
Se os Exames de Admissão, extintos durante a vigência da L.D.B.,
mantinham a Geografia como uma das provas de caráter obri-gatório', a disciplina
não gozava da mesma situação nos Concursos
Vestibulares: era exigida somente em alguns cursos das Faculda des
de Filosofia, Ciências e Letras, notadamente nos de Geografia e de
História. Os concursos das carreiras mais solicitadas (medi-cina,
engenharia e direito) exigiam disciplinas vinculadas à pro fissão:
biologia e botânica, física, química, matemática e dese nho,
português e latim, conforme o caso e a época, mas nunca geo grafia
ou história. Por isso tanto a geografia quanto a história, nos cursos
colegiais, eram consideradas matérias supérfluas pelos ves tibulandos.
Hoje, com a reforma universitária, a Geografia faz par te
da área de Estudos Sociais no processo classificatorio de in gresso
aos cursos superiores. Reparte o total das questões dessa prova com
a História e com a Organização Social e Política Brasi-leira, com
uma ponderação dependente da área de opção dos candi datos conforme
a carreira pretendida, e sua extensão e conteúdo é dependente dos
critérios da Instituição que organiza os Exames Vestibulares.
Houve melhora com a inserção de tópicos de Geografia no
concurso vestibular para todos os cursos? Até hoje, não houve
avaliação objetiva nesse sentido. uma avaliação dessa natureza é
difícil de ser realizada objetivamente, enquanto for centrada a
penas no concurso vestibular; este, organizado como seja, elimi
natório ou classificatório, com questões de resolução dissertati va
ou "objetiva", não é instrumento ótimo de mensuração de apren
dizagem, e muito menos de avaliação de aptidões, principalmente por
suas implicações psicológicas negativas: a ansiedade, a inse
gurança, o nervosismo e a competitividade descaracterizam o com
portamento da grande maioria dos candidatos, praticamente de to dos
aqueles que não enfrentam as provas "para ver como é" ou com a calma
da ignorância...
Há significancia da Geografia, da História, da Organi-
zação Social e Política, para quem pretende seguir uma carreira como
Engenharia, ou Medicina, ou Direito, ou Filosofia ? A resposta mais
comum a essa pergunta, bastante incômoda pa ra o profissional da
Geografia (assim como para o profissional da Educação, se bem que
este se preocupe menos com o problema)exige um repensar do real
significado da Geografia como campo de conhe cimento científico. A
Geografia serve para o quê? De acordo com o que estatui a vigente legislação
do ensino fundamental, não serve para nada, tanto que não existe como
disciplina desde a pri_
ineira até a oitava série do primeiro grau!
A articulação foi considerada, até agora, como um pro
cesso ascendente de progressão entre niveis de ensino cada vez mais
adiantados. Há, em complementação ao assunto, a necessidade
fundamental de considerá-la também na direção contrária, como um
processo de retroalimentação dos níveis superiores para os seus
antecedentes. A questão centraliza-se agora na Geografia corno mis_
são do professor; envolve diferentes problemas, um dos quais é o
da necessária sintonia entre a natureza científica, pedagógica e
didática da Geografia, e a formação de seu professor.
Na escada (ou rampa?) de escolarização, a aprendizagem
se desenvolve num crescendo, per ascenzo, a saber, de baixo para
cima. 0 ensino, no entanto, é transmitido per descenso, de cima para
baixo; é consenso popular: para alguém poder ensinar, deve saber
mais do que aqueles a quem ensina, É nesse sentido que se cogita
de um processo de retroalimentação nas articulações entre os
níveis de ensino. A articulação ascendente visa classificar ,
para poder preparar, os futuros profissionais de nível superior.
A articulação descendente fornece ao Sistema seu corpo docente,
aquele que, por sua vez, junto com o alunado, o realimenta e faz
funcionar. As licenciaturas plenas e os bacharelados preparam
seus próprios professores, assim como os dos graus antecedentes.
É nessa etapa que se encontra um dos pontos-chave do Sistema En
sino: o nível em que o professor é preparado e se prepara. É nes
se nível que inicia a retroalimentação de todo o Sistema, porque
o professor formado, com diplomação de 3º grau, será o professor
do futuro professor de mesmo grau e, em maior proporção, será o
professor do futuro professor de 2º e de 1º grau: é um processo
de retroalimentação em cadeia descendente, que assim se desenvol
ve de maneira articulada, no sentido inverso dos degraus de esco
larização. Problema crucial é que, quando mal articulada, seus
erros se multiplicam em progressão geométrica!
Fundamental, portanto, é a formação, a preparação de
profissionais competentes para o exercício do magistério em qual
quer de seus graus.
Quais são os entraves para que as escolas superiores
de formação de pessoal docente, e, no que couber, as escolas de
grau médio que têm a mesma missão, alcancem seus objetivos? Mui
tipias sao as razões alegadas: (1) a pulverização dos currículos
em dezenas de disciplinas semestralizadas, quase tôdas estanques
em seus conteúdos, sem articulação horizontal; (2) o baixo nível de
conhecimento dos alunos; (3) o excesso de demanda, em relação as
condições das escolas; (4) o sistema de ensino, desde (a) o
ingresso por critérios apenas classificatórios, e não seletivos;
(b) o processo de exame vestibular, especialmente quanto ao tipo
de provas por múltipla escolha como forma de resolução; (c) a ma
trícula por disciplinas, que reforça os inconvenientes da pulve
rização curricular; (d) a falta de recursos às escolas; (e) o en
sino predominantemente verbalista, sem ênfase na aplicabilidade
de seus conteúdos, estas dentre outras razões freqüentemente lem
bradas com maior ou menor pertinência.
De qualquer maneira, é ponto pacífico a responsabilida-
de dos cursos de preparação para o magistério - o que vale acen
tuar, a responsabilidade de seus corpos dirigente, docente e dis_
cente - quanto à competência dos profissionais lançados na rede
de ensino de qualquer grau. É uma retomada de consciência dessa
importância, e a da valorização da carreira, que deve ser provi-
denciada desde logo, em âmbito nacional, reformulando não apenas
currículos e estrutura do ensino, mas a própria consciência pro
fissionai.
ARTICULAÇÕES DOS NIVEIS DE ENSINO
Maria Auxiliadora Cartaxo (*)
Departamento de Ciências Geográficas-UFPE
0 tema - Articulações dos Níveis de Ensino - matéria
deste Simpósio, é de fundamental importância para se estabelecer
questionamentos sobre o papel da Universidade e o caráter germina
tivo que apresenta a produção científica desta, seja em relação à
promoção dos outros níveis de ensino, seja da própria comunidade
brasileira que a sustenta. Fato é que não têm sido proporciona
das à Universidade brasileira as condições necessárias para que
esta corresponda aos reais anseios da sociedade na qual se acha
inserida. Em face disto apresenta-se, em grande parte, fechada
numa educação acadêmica, perdendo de vista a sua verdadeira fun
ção que é a de produzir conhecimentos e apresentar filosofias de
desenvolvimento, a partir da análise crítica da sociedade, em con
sonancia com as necessidades efetivas da população.
Esta problemática geral da Universidade brasileira foi
motivo de intensas discussões entre professores e alunos, no âmbi
to do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE, na cidade do
Recife, por ocasião de sucessivas reuniões realizadas ao longo
dos últimos dois anos, com a finalidade de reestruturar o currícu
lo do Curso de Geografia,na tentativa de estabelecer este caráter
dinâmico e funcional ao referido curso. Na estrutura curricular
proposta, conteúdos programáticos de antigas disciplinas foram
modificados ou excluídos a par da inclusão de novas disciplinas,
como resultado dos diálogos entre professores e alunos,tendo como
diretriz tornar o ensino-aprendizagem, consonante com as reais ne
(*) Mestre em Geografia.
Professor Assistente do Departamento de Ciências Geográficas
da UFPE.
cessidades da sociedade brasileira.,
Ao ser discutido o conteúdo programático das discipli-
nas do currículo do Curso de Licenciatura em Geografia eviden
ciou-se a questão da "articulação dos níveis de ensino" na estru
tura do Sistema de Ensino Brasileiro. Os problemas fundamentais
levantados em torno do tema em tela foram:
- Deve-se estruturar currículos diferenciados para o licenciado e
para o bacharel em Geografia?
- Cabe ao licenciado a atribuição de produzir o conhecimento ou
apenas transmiti-lo de forma correta e didaticamente eficaz?
- Deve-se amoldar os programas das disciplinas do currículo do
Curso de Licenciatura no sentido de atender aos conteúdos pro
gramáticos, oficialmente estabelecidos, para o ensino da Geogra
fia do Primeiro e Segundo Grau?
- Estes conteúdos correspondem às efetivas necessidades dos edu
candos do Primeiro e Segundo Grau e estão em consonância com as
reais necessidades do país?
- Até que ponto pode a Universidade interferir na estruturação
dos programas de ensino do Primeiro e Segundo Grau, oficialmen
te estabelecidos?
- Se pode, que espaço de manobra tem a Universidade para influir
na estrutura do ensino oficial de Primeiro e Segundo Grau?
- como a Universidade pode contribuir na própria produção e siste
matização do conhecimento orientado para o ensino da Geografia
no Primeiro e Segundo Grau, através da elaboração de textos di
dáticos?
Estes questionamentos deverão constituir elementos para
discussões neste Simpósio, por ocasião dos debates sobre o tema
"Articulações dos Niveis de Ensino".
Para outros questionamentos apresentou-se projeto que
Considerando, de um lado, as deficiencias e a inadequa
ção do ensino da Geografia nos niveis de Primeiro e Segundo Grau,
sobretudo dos municípios interioranos do Estado de Pernambuco e,
por outro lado, o potencial de recursos humanos que a Universida
de dispõe para ser acionado no sentido de produzir conhecimentos
que servissem de material de apoio para o ensino do Primeiro e Se
gundo Grau em consonância com a realidade local, elaborou-se um
projeto que visa precipuamente promover a participação direta do
estudante de Geografia na comunidade, objetivando um ensino-apren
dizagem voltado I realidade e simultaneamente articular os diver_
sos níveis de ensino da Geografia na estrutura de educação siste
mática do Estado.
A estrutura atual do ensino de Primeiro e Segundo Grau
no Brasil, desintegrada da nossa realidade, tem contribuído de
forma acentuada para agravar o processo do êxodo da população in
teriorana para os grandes centros, É bastante complexa a proble
mática do ensino do Primeiro e Segundo Grau. A Reforma do Ensino
pré-universitário, que procurou minimizar o conflito entre a for
mação humanística e profissionalizante, agravou o problema em
face da substituição das disciplinas tradicionais por disciplinas
técnicas, sem a devida infra-estrutura de equipamentos para minis;
tra-las e desvinculadas das efetivas necessidades do mercado de
trabalho. Acham-se os conteúdos programáticos de ensino desarti_
culados das realidades locais, não levando o educando a conhecer
melhor o seu meio e a buscar alternativas de desenvolvimento e
promoção no lugar em que vive.
Considerando esta problemática, desenvolvemos um proje
to, que enviamos à Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da
UFPE, no sentido de estabelecer convênios entre esta Universidade
e as Prefeituras Municipais do Estado de Pernambuco. Este proje
to visa fundamentalmente à integração do ensino universitário à
realidade nacional e tem como objetivos específicos promover a
realização de uma pesquisa-diagnóstico de municípios do Estado de
Pernambuco, visando facilitar ao governo da municipalidade a ela
boração de um plano de ação. De forma indireta, este diagnóstico
contribuiria para subsidiar a elaboração de um texto didático
como elemento de apoio para o ensino da Geografia nas séries de
Primeiro e Segundo Grau. Dentre seus objetivos inclui-se também
envolver na pesquisa-diagnóstico o professorado e o alunato lo
cal, no sentido de que eles sejam os agentes ativos na descober-
ta, no meio em que vivem, das potencialidades que estes lugares a
presentam para a promoção de sua comunidade e ao mesmo tempo co
participantes na seleção do conteúdo programático do ensino que
respectivamente devem ministrar e receber.
Somos dos que acreditam que a problemática sócio-econô
mica e política local deve ser refletida a nível nacional, porque
não existe uma questão local, rural, urbana, ou regional, mas uma
questão nacional; no entanto, existem as especificidades dos pro
blemas e estes não devem ser tratados de forma genérica; daí a im
portância dos diagnósticos na escala municipal. A Universidade
brasileira e o Sistema de Ensino Nacional têm sido relegados a um
segundo plano na grande meta de apresentar soluções objetivando o
desenvolvimento nacional.
Consciente deste papel que a Universidade deve assumir
é que elaboramos o referido projeto, que apresentamos a seguir,
com vistas a mobilizar estudantes de Geografia em ações de reper
cussão social, visando, entre outros objetivos, promover a articu
lação entre os diversos níveis de ensino, um dos objetos deste
Simpósio.
1. PROJETO DE ARTICULAÇÃO UNIVERSIDADE/COMUNIDADE
1.1. Apresentação
Na tentativa de cumprir uma das funções que à Universi
dade deve assumir, isto é, de produzir conhecimento e apresentar
filosofia de desenvolvimento, a partir da análise crítica da So
ciedade, em consonancia com as reais necessidades do país, a Uni. versidade Federal
de Pernambuco tem apresentado um plano de ação, sob a orientação do Ministério de
Educação e Cultura, que objeti va, em última análise, o ajustamento da Universidade
brasileira à realidade nacional.
Este plano geral de ação implica mobilização da popula-cão estudantil
em ações de repercussão social, através da integra ção Universidade/Comunidade;
Universidade/Empresa.
A integração da Universidade às efetivas necessidades da Nação, como
um projeto criativo, permite, de um lado, a promo cão da comunidade e, de outro lado,
motivar o aluno a re f l e t i r , a fazer uma revisão dos valores e a desenvolver a
criatividade, obje tivamente.
Deve-se evidenciar que a prática profissional do univer s i t á r i o , através
do trabalho participativo, não deve ser intensi ficada em detrimento da teoria, sem a
qual a prática torna-se ári_ da e ineficaz. 0 desenvolvimento da p rá t i ca , através
do Projeto Integração Universidade/Comunidade, deve ser efetuado em harmonia com
a teoria do conhecimento. Para ser alcançada esta harmonia faz-se necessário
reestruturar os currículos dos cursos, tornan do-os consonantes com as reais
necessidades da Nação,ou seja que aqueles sejam reestruturados com base numa
fi l o so f ia que dire cione um projeto de desenvolvimento sócio-econômico para o
país.
1.2. Justificativas
Em face deste plano geral de ação que visa a integração da Universidade
à Comunidade, j u s t i f i c a - s e este projeto de inte gração Universidade/Prefeituras
do Estado.
Nas Prefeituras do Estado de Pernambuco, sobretudo as mais carentes,
inexiste um Trabalho-Diagnóstico que tenha efetua do um levantamento do quadro
natural, das condições sócio-econõmi cas e da organização t e r r i t o r i a l urbana e
rural, a nível de muni cípio, que permita identificar, de forma mais
racional, seus pro
blemas básicos.
Este Trabalho-Diagnóstico é de fundamental importância. De um lado,
porque permite estabelecer uma visão de conjunto da organização do espaço
municipal e de sua problematica geral, faci-litando ao governo da municipalidade
elaborar um plano de ação, com linhas bem definidas. POR OUTRO LADO, ESTE
TRABALHO-DIAGNOSTICO SE REVESTE DE OUTRA IMPORTÂNCIA
FUNDAMENTAL, NO SENTIDO DE QUE APRESENTA SUBSÍDIOS PARA A
ELABORAÇÃO DE um TEXTO DIDÁTICO SOBRE 0 MUNICIPIO, O QUAL SERVIRÁ
DE APOIO. como MATERIAL DIDÁTICO, PARA O PROFESSORADO DO ENSINO DA
GEOGRAFIA, NAS SERIES DO PRIMEIRO E SEGUNDO GRAU. Ao mesmo tempo,
esta pesquisa represen ta uma oportunidade para o estudante universitário exercer a
pra tica profissional, através do trabalho participativo, integrando-o à realidade. Isto é,
este Trabalho-Diagnóstico permite uma maior integração entre a teoria e a prática
acadêmica.
O Trabalho-Diagnóstico. através da integração Universi dade/Prefeitura,
terá, portanto, um efeito germinativo.
1.3. Objetivos
Geral
Promover a participação direta do estudante un i ve r s i t á rio na
comunidade, objetivando proporcionar um ensino-aprendiza gem voltado a realidade e
em consonância com os interesses gerais da coletividade.
Específicos
a) promover a realização de um Trabalho-Diagnóstico do Município. visando
facilitar ao governo da municipalidade a estruturação de um plano de ação para
o município;
b) apresentar subsídios, com base no Trabalho-Diagnóstico. para a elaboração de
um texto didático sobre o município, como elemen
to de apoio didático para o professorado do Ensino do Primeiro
e Segundo Grau;
c) promover a integração do universitário com a comunidade e,
como conseqüência, a inserção da Universidade, de forma concre
ta, no seio da Sociedade;
d) promover, de forma indireta, uma maior integração do Ensino do
Primeiro e Segundo Grau do município com a realidade local.
1.4. Mecanismos Operacionais
1.4.1. Integração da Teoria à Prática Acadêmica
O Trabalho-Diagnóstico será executado, durante o perío
do letivo, com a participação de estudantes do Curso de Geogra
fia, previamente selecionados, que já tenham cursado ou que este
jam cursando as disciplinas básicas para a elaboração deste tra
baino. Este deverá promover a articulação entre a teoria e a pra
tica acadêmica, podendo constituir subsídios para a elaboração do
trabalho final de graduação , proporcionando ao universitário
padrões de atuação profissional ligados à realidade.
A execução do Trabalho-Diagnóstico deverá ter o acompa
nhamento e avaliação sistemática dos professores das diversas á
reas do conhecimento geográfico, em atividade integrada, supervi-
sionada por um coordenador.
(1) Os alunos do Curso de Geografia que deverão participar deste
Trabalho-Diagnóstico deverão ter cursado ou estarem cursando
as disciplinas: Geografia da População, Geografia Urbana, Geo
grafia Agrária, Pesquisa Geográfica em Campo, Pesquisa Geográ
fica de Gabinete, Fundamentos de Planejamento Regional, Pla
nejamento Regional.
(2) A inclusão de um Trabalho de Graduacão, de forma obrigatória,
no currículo do Curso de Geografia foi uma sugestão dos alu-
nos e de professores do Departamento de Ciências Geográficas
que participaram do projeto de reestruturação do referido cur
so.
1.4.2. Atividades Preparatorias
- estabelecimento de formas de participação e seleção das equi
pes implementadoras do projeto;
- estruturação do esboço do projeto e avaliação dos seus obje
tivos;
- treinamento dos participantes.
1.4.3. Atividades de Execução
- elaboração do plano do trabalho;
- integração do plano de trabalho à carga horária e às ativida
des disciplinares.
1.4.4. Atividades de Avaliação
- relatórios parciais;
- relatório final.
1.4.5. Etapas da Elaboração do Trabalho
A pesquisa a ser efetuada no município para a elabora
ção do Trabalho-Diagnóstico poderá ser sintetizada nas seguintes
etapas:
- numa primeira etapa será realizada a pesquisa de gabinete,vi
sando o levantamento de dados secundários, estatísticos, bi
bliograficos e cartográficos ;
(3) Os relatórios parciais serão utilizados pelos professores das
disciplinas das diversas áreas do conhecimento geográfico
para a avaliação da aprendizagem e, segundo critérios estabe
lecidos, atribuir valores.
(4) As atividades de gabinete e de campo serão realizados em con
sonancia respectivamente com as disciplinas Pesquisa Geogrã
fica de Gabinete e Pesquisa Geográfica em Campo.
- numa segunda etapa será realizada a pesquisa de campo, me
diante entrevistas com elementos da comunidade, lideranças
locais e em instituições oficiais.
Nesta pesquisa devera ser realizado o levantamento das
condições concretas do quadro geo-sócio-econômico do município,
tomando-se especificamente em consideração:
- as potencialidades dos recursos naturais;
- as potencialidades dos recursos humanos e sua dinâmica;
- a estrutura e dinâmica do espaço urbano:
organização territorial urbana; infra-
estrutura urbana social e econômica;
atividades urbanas (formais e informais).
- a estrutura e dinâmica do espaço rural:
distribuição fundiária, sistema de posse e uso da terra
(atual e potencial);
as relações de trabalho;
o sistema agricola e de criação;
as tecnologias agrícolas adotadas;
a estrutura de comercialização da produção;
o sistema de transportes;
o nível de organização cooperativista;
- as relações Cidade-Campo.
- o município no contexto nacional, sob a ótica da divisão in
trarregional, interregional e internacional do trabalho.
1.4.6. Conclusão e Apresentação de Propostas para a elabo
ração do Plano de Ação do Governo da Municipalida
de.
1.4.7. Elaboração de um texto didático sobre o município,
como elemento de apoio de ensino para os professo
res do Ensino de Primeiro e Segundo Grau.
CONCLUSÃO
Acreditamos que o projeto ora apresentado representa
uma tentativa para uma ação de integração das diversas funções
que deve exercer a Universidade - a função intelectual, a função
cultural, a função docente e a função social, considerando que
como instituição, não deve se situar desvinculada do contexto so
cial, no qual se acha inserida.
Ao se articular a Universidade - como institucionaliza
ção da atividade intelectual - com os outros níveis de ensino,
promoverá o Sistema Educacional Brasileiro como um todo, o qual
deveria representar as bases do desenvolvimento nacional.
A realidade é que as escolas brasileiras nos seus vá
rios níveis, salvo exceções, têm constituído verdadeiros enclaves
onde se acham inseridas, não desenvolvendo plenamente as potencia-
lidades dos educandos e não contribuindo para a difusão de mudan-
ças significativas nas suas comunidades. Em face disto, têm con
corrido para a evasão escolar e favorecido a emigração.
Acreditando no papel que a Universidade Brasileira deve
desempenhar é que apresentamos o referido projeto visando as arti
culações dos diferentes níveis de ensino, com base numa escola
não alienante e mais objetiva, com vistas aos anseios da Socieda
de Brasileira.
ARTICULAÇÃO DOS NIVEIS DE ENSINO
Maria Braga de Sá
UFPB e URNE - Campina Grande
1 - Introdução
A escola está em crise. Os numerosos estudos feitos pe
los especialistas a respeito do ensino, no país, têm demonstrado esse
fato, evidenciando as várias falhas de nossas escolas. Todos sabem
que as taxas de evasão escolar, de repetência, de reprovação e dos que não chegam a entrar na escola são
bastante elevadas. Os currículos e programas são, em geral, inadequados à nossa realidade; os horários es_
colares são rígidos, excluindo grande parte da clientela que não pode compatibilizar horário de trabalho e
escola. Verifica-se também desarticulação entre administração escolar, professor e aluno. 0 corpo docente
apresenta deficiência e poucos têm oportunidade de ampliar seus conhecimentos didático-pedagógicos.
Partindo dessas evidências, torna-se dificil falar em Articulação dos Níveis de Ensino, tema proposto pa_
ra debate, neste Simpósio, quando se observa que a escola, quer seja do 1º, 2º e 3º Graus, está eivada de
falhas, impedindo sua articulação interna e o cumprimento do seu papel maior: atender à clientela e in-
tegrá-la na sociedade em que está inserida.
não obstante a grande preocupação daqueles que se vinculam ao problema da
educação no país, é inegável que o ensino brasileiro passa por sérios problemas, desde o acesso à escola à
qualidade do ensino. Diversos questionamentos aparecem: Onde está a falha? Quem deve mudar? A
escola, o aluno ou o professor? Por que não integrar o en sino às condições sócio-econômicas do
alunado?
não basta garantir a sobrevivência do indivíduo em termos de alimentação e
necessidades materiais para torná-lo um homem, mas sim, garantir outras necessidades, tais como:
trabalho, educação e espaço social. Devemos procurar adaptar o ensino à população e não a po pulação ao
ensino. Todos, portanto, deverão ter acesso à escola para que possam contribuir para o crescimento
pessoal e da própria sociedade em que vivem. Enfim, o ensino deverá assumir uma posição prioritária no
país. A esse respeito diz Messias Costa que,
"... O ensino do 1º e 2º graus deve ser a
prioridade nacional em matéria de educação. E é um dos
problemas que deve causar sérias preocupações a todos
aqueles interessados no futuro deste país". (1)
com este trabalho, pretendo apresentar o testemunho da minha experiência didático-
pedagógica, no ensino da Geografia, nos três níveis de escolaridade, numa região carente de bens
materiais e de pes soas especializadas - a Paraíba - mas que tenta desenvolver um trabalho que atenda às
necessidades dos alunos e da região.
É dentro desta preocupação que se orienta o presente tra balho, procurando analisar
alguns dos fatores responsáveis pela seletividade de nossas escolas e sua conseqüente desarticulação, os
quais poderão ser úteis a uma compreensão e análise mais ampla do problema.
2 - A Escola, um direito de todos
Segundo a Legislação brasileira, a escola no pais é para
todos ou está aberta para todos. Porém, o que a realidade mostra é
que a escola não chega a atender à faixa étaria de escolaridade obriga
tória, ou seja, o contingente compreendido entre 7 a 14 anos. Também
mostra que nem todos os que têm acesso à escola permanecem nela duran
te os 8 anos de ensino, o mínimo previsto pela legislação. Basta lem
brar os dados oficiais, os quais revelam que 7 milhões de crianças, no
país, ficam fora da escola. Em cada 100 crianças que entram na 1ª. sé
rie do 1º Grau, mais de 50 crianças abandonam a escola; 37 concluem a
4a. série; 17 terminam a 8ª. série, 9 conseguem fazer o 2º Grau e ape
nas 6 entram na Universidade . Isto dá uma amostra bastante signi
ficativa do afunilamento da pirâmide educacional.
(1) COSTA, Messias. Financiamento do Ensino Superior. Argumentos e
Contra-Argumentos. Cadernos do DEDES. 5. Sao Paulo, CORTEZ, s/d. p. 26.
(2) Levantamento feito pela ADUFPb, Campina Grande, 1º 82.
Considerando as taxas de escolaridade, a nível do Estado
da Paraíba , foi revelado que o déficit quantitativo de escolarida
de, em termos de 1º Grau, em 1º 79, para a população situada na faixa
compulsória de atendimento pelo sistema regular de ensino, entre 7 a 14
anos, verificou-se existir uma defasagem muito acentuada na cobertura
da clientela proposta, de modo geral: 25,26% e 48, 99 %, referentes res
pectivamente à população urbana e rural. A população escolarizável es
tava em torno de 624 732, matriculando-se apenas 385 24 7 crianças em to
do o Estado. Deste total, 209 653 estudantes para a zona urbana e
175 594 para a zona rural, ficando fora da escola cerca de 280 514 can
didatos para a zona urbana e 344 218 para a zona rural, respectivamente.
Para a capital do Estado, João Pessoa, o déficit situou-se em torno de
31,22% e 63,99% para a população urbana e rural, respectivamente, de um
total de 62 073 da população escolarizável. Deste total, apenas 4 2 584
crianças foram matriculadas, sendo 4 2 106 na zona urbana e 4 78 na zona
rural.
Examinando o déficit quantitativo de escolarização, a ní-
vel do 2º Grau, no mesmo ano, para o contingente situado na faixa de
15-1º anos, verificou-se uma defasagem bastante acentuada no atendimento da população
proposta, ou seja, registrou-se um déficit de 84,59% pa ra a clientela urbana e 99, 85% para
a zona rural, em todo Estado. A po pulação escolarizável foi de 250 418, matriculando-se 18
853 da população proposta, sendo que 183 191 para a zona urbana e 1º 2 para a zona rural. Na
capital, no mesmo ano, a população escolarizável correspondia a 30 4 26, matriculando-se 7
564 candidatos, registrando um déficit de cerca de 74,89% na zona urbana e 100,00% para
a zona rural, de um total de 301 120 estudantes para a zona urbana e 306 para a zona
rural.
No que se refere à clientela do 3º Grau, a nível do Estado, os dados
mostram que, do total de 4 85 90 3 da população escolarizável, compreendendo a faixa de 1º-
2º anos, apenas 22 011 foram matriculados, correspondendo 4,5% da população proposta
no ano considerado.
(3) Fundação Instituto de Planejamento da Paraíba/SUDENE. Indicadores Sociais da
Paraíba, nº 1. João Pessoa, 1º 81.
A situação em Campina Grande nao é diferente. Em 1º 80, foram
matriculados nas redes municipal, estadual e particular de ensino 41 612 crianças, na faixa
etária de 7 a 14 anos, de um total de 54 441 da população proposta, ficando fora da escola um
total de 12 829 crianças. 0 déficit chegou a aproximadamente 16,5%. Para o 2º Grau, os da-
dos mostram que do total de 23 941 da população compreendida entre 15 a 18 anos, apenas 10
715 foram matriculados nas três escolas da rede esta dual e em dez escolas da rede particular.
O déficit chega, aproximadamente, a 4 5% da população considerada. Quanto aos dados
referentes à clientela do 3º Grau, compreendida entre 1º-24 anos, a população escolari. zável
chegou a um total de 27 69 3 candidatos, matriculando-se 17 830 em duas Unidades de ensino
superior, sediada na cidade, a Universidade Federal da Paraíba - Campus II e a
Universidade Regional do Nordeste, re-
(4)
gistrando um deficit de 64,58
(4)
. .
Os dados confirmam, como se pode observar, o déficit de
escolarização nos três niveis de ensino, no âmbito nacional, em particu
lar no Estado da Paraíba e em Campina Grande, significando a não demo
cratização do ensino, garantido pela legislação brasileira como um di
reito de todos. Revelam, ainda, a elitização do ensino quanto à popula
ção urbana e população rural e quanto às condições sócio-econômicas da
clientela de modo geral. Seu caráter seletivo retrata-se, também, à me
dida que se escala a pirâmide educacional. Isto porque, entre outros
indicadores do caráter seletivo da nossa escola, destaca-se a função
preparatória para o exame vestibular, desempenhada pela escola de
Grau, particularmente, impedindo o acesso aos que a ela têm direito.
Além disso, as taxas de anuidade escolar, os horários, as taxas de repetência, os
currículos inadequados à realidade da clientela, entre outros, elitizam-na cada vez mais.
A escola precisa mudar, dizem os preo cupados com o ensino. Mas o problema continua.
A propósito diz CECCON que,
"... a escola educa e instrui uma minoria.
A grande maioria é excluida e marginaliza
da". (5)
(4) MELO, Luiz Gonzaga. Campina Grande: uma visão critica. Campina
Grande, 1982. Mimeografado.
(5) CECCON, Claudius. A Vida na Escola e a Escola da Vida. 3 ed.
Petrópolis, Vozes, 198 2. pp. 2 3
3 - A Escola e a (des)articulação dos niveis de ensino
A Escola tem como função fundamental oferecer os instru
mentos necessários, aos alunos, para o conhecimento da realidade na qual
está inserida, onde cada individuo é parte integrante dessa realidade,
capaz de produzir mudanças. Assim sendo, sua função não muda em rela
ção aos niveis de ensino, ou mais precisamente, 1º, 2º e 3º Graus.
O
processo evolui na medida em que passa de uma série para outra e de ní
vel para outro. Portanto, o conhecimento da realidade amplia-se, apro
funda-se.
Neste sentido, a seleção do conteúdo constitui um dos
problemas mais sérios em nossas escolas, em qualquer nível de ensino. As maiores
possibilidades de VER, CONHECER e EXPRESSAR a realidade dependerão do conteúdo
oferecido. Diz CECCON que,
"... Ela (a escola) se preocupa com a História, a
Geografia e as Ciências Naturais. Mas todas essas
matérias são ensinadas co mo se não tivessem nada a
ver com a vida das pessoas. A escola não estimula nin-
guém para explorar e conhecer bem o lugar onde vive
e prefere falar de lugares longínquos. Ela não se
interessa pelas coisas que estão acontecendo e prefere
falar das coisas do passado". (6)
A realidade mostra que as escolas se distanciam desde
suas condições materiais às condições de ensino. São grandes as di
ferenças a esse respeito, resultando na existência de escolas para ricos e escolas para pobres.
Quanto às disparidades entre as escolas observa NIDELCOFF que,
"... Para algumas crianças a Escola é somente
uma parte das atividades de formação. Para ou
tras a Escola é TUDO..................Todos os dados mos_
tram que a escola se limita a reproduzir no seu interior a
desigualdade de oportunidades que caracteriza a estrutura
de nossa sociedade. E mais ainda: adotar os privilégios com
uma maior preparação intelectual e profissional, a escola os
confirma e sedimenta em seus privilégios". (7)
(6) CECCON, Claudius et alli. A Vida na Escola e a Escola da Vida.
3 ed. Petrópolis, Vozes, 1982, pp. 62-6 3
(7) NIDELCOFF, Maria Teresa. uma Escola para o Povo. 10a. ed. São
Paulo, Brasiliense, 1981. pp. 14-15
Confirmam essa situação os inúmeros estudos feitos sobre o assunto,
onde os indicadores mais marcantes têm sido:
- currículos e programas inadequados às reais necessidades do aluno;
- horários escolares bastante rígidos;
- material escolar inadequado e/ou inexistente;
- sistema de avaliação do rendimento escolar falho;
- despreparo dos professores;
- rigidez da administração escolar.
A professora Josélia Ramos Wellen
(8)
, em Campina Grande,
fez um levantamento sobre o ensino da Geografia a nível de 1º Grau. Entre outras causas do
baixo rendimento do ensino dessa disciplina, menciona os seguintes indicadores:
- roteiro de conteúdo padronizado, fora da realidade da escola;
- ensino compartimentado da Geografia, separando os aspectos naturais dos aspectos
humanos;
- ausência de uma bibliografia crítica sobre o assunto;
- escassez de material áudio-visual e seu conseqüente emprego;
- número excessivo de alunos em sala de aula;
- corpo docente despreparado.
Tais indicadores repetem-se no ensino do 3º Grau, onde as escolas se
encontram com o mínimo indispensável para o seu funcionamento, como sejam: professores,
aluno e quadro de giz. Isto porque, os cursos de graduação na área de Ciências Humanas são
os que detêm o menor poder de reivindicação, portanto, são os que dispõem de fracos recur
sos didático-pedagógicos. Exemplo mais evidente encontra-se na Biblioteca: poucos livros ou
a não renovação da bibliografia exigida, indispensável para estudos mais aprofundados.
As Universidades, por outro lado, não mantêm contato com as Secretarias
de Educação, tanto de nível municipal como estadual, a fim de participarem da elaboração de
currículos e programas destinados
(8) Professora de Geografia da Universidade Regional do Nordeste.
ao ensino do 1º e 2º Graus. Essa articulação possibilitaria adequarem-
se seus programas, objetivando preparar o professor que viria mais tar
de a vincular-se às respectivas escolas. As Universidades, também, de
veriam manter trocas de informações e experiências, pelo menos a nivel
regional, cora vistas a compatibilizar as estruturas curriculares dos
cursos de graduação que oferecem.
Em suma, a integração dos professores universitários en
tre os professores das Instituições pública e privada do ensino do 1º
e 2º Graus, no estudo dos programas, nas trocas de experiências, na atua
lização, certamente, seria uma valiosa colaboração para o ensino,
que a Universidade habilita o corpo docente para atender àqueles niveis
(9)
de ensino. Em entrevista a um jornal local, observou o professor Ma
nuel Correia de Andrade a respeito dos Cursos de Geografia, em particular, que
"... A programação dos Cursos de Geografia de
veria dar ênfase maior a nossa realidade. Mas
isso é um problema que ocorre com a Geogra
fia e com os demais cursos. Infelizmente, a
realidade brasileira não é muito conhecida pe
pios próprios brasileiros e há uma preocupa
ção muito grande, de numerosos professores de
enfocar problemas de outros paises. Porém, em
alguns cursos, já existe uma conscientização
contra isso, e já se passa a dar uma maior
atenção ao problema da realidade brasileira".
Além disso, observa-se que os cursos de Geografia, em geral ou em sua maioria,
resumem-se à repetição dos conteúdos de livros e outras fontes de informação, deixando de lado a
pesquisa. Isto porque, verifica-se a carência de recursos para a prática dessa atividade.
A experiência também diz que as áreas de conhecimentos
distanciam-se, desarticulando-se umas das outras, quando se observa que
há mais fundos disponíveis para aquelas que são de maior importância na
estratégia do poder. No caso, as áreas de Ciências Humanas são as mais
atingidas, dentro do nosso sistema educacional, discriminando-as. De
forma que o tecnòlogo é visto com mais importância que um geógrafo, sociólogo entre outros, por
exemplo, por ser aquele portador de conhecimento que, certamente, irá contribuir mais diretamente com
o poder. Nes-
(9) Diário da Borborema. 06/0 2/82. Campina Grande - Paraíba, pp. 4.
te sentido observa GUTIERREZ que,
"... Todo sistema educativo é tributario dos
conteúdos políticos pelos quais, normalmen-
te, se busca a manutenção do status quo. Os
educadores sao funcionarios pagos para per-
petuar umas estruturas que correspondem aos
interesses de grupos. Em todas as épocas a
educação tem sido um eco fiel das necessida
des econômicas, políticas, sociais e reli-
giosas do sistema político em vigor". (10)
Fica evidente a fragilidade da escola, seja a nível de
1º e 2º Graus como a nível de 3º Grau, em atingir seu objetivo, isto é,
integrar o aluno ao meio em que vive, levando-o a assumir um papel na
sociedade, descobrindo que é um elemento capaz de criar e mudar. Final-
mente, descobrir que o homem é um ser histórico, que se realiza no tem
po.
Neste sentido, a ação do professor é fundamental, de vez
que seu papel contribuirá, através do processo ensino-aprendizagem, pa-
ra que o aluno cresça mentalmente, veja e compreenda a realidade e ex-
presse essa realidade.
0 ensino da Geografia no 1º e 2º Graus assume maior sig-
nificação, quando se sabe que seu conhecimento levará a compreender a
organização do espaço como resultante da ação do homem. Todavia, a
criação dos Cursos de Estudos Sociais, pela Reforma de Ensino, do 1º e
2º Graus, segunda a Lei 5 692/71, vem contribuindo para o baixo nível
do ensino da Geografia e as demais disciplinas como a História. Isto
porque, a instituição do Curso de Estudos Sociais implicou na redução
da carga horária destinada à Geografia, além de proporcionar a formação
de professores polivalentes em um curto espaço de tempo. Fato que cres
ce em importância quando se considera que a Geografia é o ramo da ciên-
cia com preocupações especificas, não podendo ser confundida com Estu-
dos Sociais. Isto aconteceu no 1º Grau quando a Geografia e a História
foram substituídas pela nova disciplina - Estudos Sociais, pois a Lei
instituiu a área de Estudos Sociais, compreendendo um conjunto de dis-
ciplinas - Geografia, História, OSPB e Educação Moral e Civica. A Geo-
grafia e a História, particularmente, vêm sofrendo as influências nega-
tivas da Reforma do Ensino e das Licenciaturas curtas em Estudos So-
(10) GUTIERREZ, Francisco. Linguagem Total: uma pedagogia dos meios de
comunicação. São Paulo, SUMMUS, 1º 78. pp. 40.
ciais em nivel universitário.
Tudo isso contribui para uma desarticulação dos niveis
de ensino.
4 - Conclusão
como se realizará essa articulação entre os niveis de
ensino? A própria realidade demonstra que a escola não chega a atingir
o seu objetivo principal: integrar o aluno ao seu meio, à sociedade em
que vive. Necessita de uma revisão critica. A escola, no pais, deve ser
voltada mais para a realidade do povo brasileiro. Deve criar mecanismos
para que deixe de reproduzir, transmitir e adaptar idéias de fora, não
pertencentes a nossa realidade e, sim, partir das necessidades do nosso
povo. A atividade de pesquisa, por exemplo, deveria ser inceri tivada
desde os primeiros níveis de ensino, aprofundando-a, naturalmen te, no
3º Grau, já que neste nível de escolaridade, o ensino e a pesqui sa são
atividades inseparáveis. Certamente, esta atitude possibilitaria maior
conhecimento da realidade, pelo menos a nível regional.
Em suma, deverá ser uma preocupação fundamental, encarar
o ensino como um processo mais amplo e complexo, nao se resumindo ape-
nas a um simples transmitir de conhecimentos. Neste sentido, o conteúdo
programático, em especial, de um currículo não é um fim em si mesmo,
mas. um meio a mais de se conseguir o fim principal: o crescimento do
indivíduo como pessoa.
ARTICULAÇÕES DOS NÍVEIS DE ENSINO
Vera Brenner Eilert UFSM
há uma preocupação permanente e quase constante/ por par te dos profissionais do
ensino, e dentre estes também pelos profissionais da Geografia/ pela necessidade de uma reformulação de
todo o ensino brasileiro. Inúmeras Reformas, com duração média de dez anos, sucederam-se desde 1890,
com a Reforma Benjamim Constant, até 1º 71, com a Lei 569 2/71. Estas Reformas geraram um elevado
número de Leis, Portarias, Decretos e Avisos Ministeriais que procuram regulamentar o "siste ma de
ensino" do País.
Por sistema entende-se "um conjunto complexo de elemen
tos ou componentes, direta ou indiretamente relacionados em uma rede
causal, de tal modo que cada componente seja relacionado pelo menos com
alguns outros em uma forma mais ou menos estável, dentro de um certo pe
riodo de tempo" (BORDENAVE, 1º 77) .
De acordo com a concepção de sistema acima mencionada, questiona-se a
existência de um sistema educacional brasileiro, face ao isolamento em que se encontra o 3º grau
(subsistema) dos outros subsis temas (1º e 2º graus).
È óbvia, portanto, a necessidade de preocupação com o problema da articulação
dos niveis de ensino. Este tema tem sido alvo de vários debates por parte dos educadores brasileiros,
numa tentativa de apontar estratégias de ação, que conduzam a um relacionamento mais efetivo dos niveis
de ensino, visando um desenvolvimento não só educacional, mas sócio-econômico do país.
Na presente contribuição, o tema "Articulação dos Níveis de. Ensino" será
enfocado através dos seguintes aspectos:
- VESTIBULAR - processo de articulação ou desarticulação dos niveis de
ensino?
Prof. Assistente da UFSM
Articulação-do 3º grau com o 1º e 2º graus no ensino da Geografia.
1. Vestibular - processo de articulação ou desarticulação dos níveis de ensino?
Atualmente pela legislação (art. 17 da Lei 5540 de
28-11-6 8) é o Vestibular o elemento articulador dos níveis de ensino.
O artigo 21 da referida Lei conceitua e traça as normas do Vestibular:
"Art. 21-0 concurso Vestibular, referido na letra "a" do artigo 17,
abrangerá os conhecimentos comuns às diversas formas de educação do segundo grau, sem
ultrapassar esse nível de complexidade, para avaliar a formação recebida pelos candidatos e
sua aptidão intelec tual para estudos superiores".
Através deste artigo constata-se que o Vestibular possui duas funções :
a) de diagnóstico de escolaridade dos alunos de 2º grau;
b) recurso mais racional para distribuição de vagas.
Entretanto, o caráter classificatòrio do Vestibular não permite, na prática,
a realização dessas funções. As provas de modo ge ral, com a utilização de questões objetivas,
raramente ultrapassam a categoria de conhecimento, segundo a Taxionomia de Bloom, não
servindo, portanto, para definir a aptidão intelectual dos candidatos, nem para se fazer um
diagnóstico da formação do aluno de 2º grau.
Conforme SANTOS (1º 80) "para selecionar alunos com aptidão
intelectual para o ensino superior, o vestibular deveria ser diagnóstico ainda que
a custo da função classifica tória. Só assim o ensino Superior garantiria estar
recebendo alunos com condições para prosseguir os estudos nesse nível e não
aqueles que foram adestrados para o vestibular".
0 mesmo autor enfatiza também a idéia de que as pressões que o
vestibular exerce sobre as escolas de 1º e 2º graus impedem estas de realizar suas reais
funções.
Outro aspecto de distorção refere-se aos programas estabelecidos pelas
IES para o Vestibular. De acordo com o Art. 21, o nível' de complexidade não deve ultrapassar
o de 2º grau. Complexidade e conteúdo programático são aspectos correlacionados e o
cumprimento a es_ te artigo é praticamente irrealizável. Pela Lei 569 2/71, a disciplina
de Geografia passou a ser ministrada a nivel de 2º grau em 2 horas se
manais (isto a nível de Rio Grande do Sul). Assim, mesmo que houvesse
interesse por parte das escolas de 2º grau, o cumprimento de todo o pro
grama estabelecido para os concursos vestibulares seria praticamente im
possivel. Em face disto, pois o mesmo acontece com todas as outras dis
ciplinas, proliferam-se os "Cursinhos" - elementos estranhos ao siste
ma - onde os professores são do tipo "instrutor" que ajudam o aluno a
adquirir a capacidade de responder imediatamente, sem necessidade de
pensar. Os alunos nada mais fazem do que memorizar definições, explicações prontas, que
ouviram do professor e que se encontram transcritas em apostilas. Entretanto, a função dos
cursinhos é preparar não para o ensino superior, mas somente para realizar um exame de
vestibular e esta função estão desempenhando bem.
Por outro lado, de modo geral, a opção pela carreira resulta de pressões
sociais, no sentido de que as mais procuradas são as que apresentam maior prestígio
profissional. Por isto, generaliza-se uma postura de que o aluno que pensa em fazer
licenciatura já é rotulado de "fraco".
como diz PIAGET (1º 76) "a profissão de educador na nossa sociedade,
não atingiu o status normal a que tem direito na escala de valores intelectuais".
A desvalorização profissional do professor, em face ao
fator de baixa atração do mercado de trabalho, faz com que a demanda
dos Cursos de Licenciatura, dentre estes os da Geografia, seja inferior ou pouco superior ao
número de oferta de vagas. Geralmente, o saldo de vagas é preenchido por alunos de 2a. ou
3a. opção.
Conforme dados do CIMEC rel. nº/01/028/09 e a nós fornecidos pela
Coordenadoria de Apoio ao Desenvolvimento Educacional/SDE/SESu/ MEC, a situação dos
Cursos de Geografia na região Sul, no que concerne à demanda e oferta de vagas no
periodo 1º 76-1º 81, está expressa no quadro a seguir:
ANO DGE
Nº DE CUR
SOS (*)
DEMANDA
VAGAS
OFERTA
VAGAS
1º 76 32 a 38 16 743 86 0
1977 32 a 38 3º 2 976
1º 78 32 a 38 16 300 755
1º 79 32 a 38 20 4 35 825
1º 80 32 a 38 18 79 3 76 3
1º 81 32 a 38 16 74 3 860
(*) Número de Cursos pesquisados.
Os efeitos das distorções, oriundas de um vestibular clas_ sificatório,
repercutem durante a realização do curso superior. Estes efeitos referem-se, entre outros, ao
baixo grau de conhecimento geográfico apresentado pelos alunos que ingressam no 3º grau, ao
desinteresse pelos trabalhos, à falta de hábito de leitura, à ausência de uma atitude científica,-à
evasão dos cursos.
Através deste posicionamento procurou-se demonstrar que
o vestibular realizado, na verdade, é diferente do vestibular ideal
(conforme a Lei preconiza). O vestibular real nao articula o sistema de ensino, pelo contrário
desarticula por provocar distorções tanto na escola de 1º e 2º graus como na de 3º grau.
Para uma efetiva articulação, faz-se necessário um sistema de seleção que
avalie a formação recebida pelos candidatos e que realmente selecione candidatos com
aptidões intelectuais para a realiza-ção de um curso superior.
2. Articulação do 3º grau com o 1º e 2º graus no ensino da Geografia
Ao se pensar numa articulação do 3º grau com a escola de 1º e 2º graus,
faz-se necessária uma reflexão sobre certos pontos que afetam a articulação interna do ensino
de Geografia, a nível de 3º grau.
Há, nos cursos de Geografia, um posicionamento generali
zado quanto ao baixo nível do aluno egresso de 2º grau. Ao mesmo tem
po, são freqüentes as críticas de que os egressos de 3º grau apresentam
uma formação deficiente e inadequada para operar na direção do processo
ensino-aprendizagem da Geografia na escola de 1º e 2º graus. Gera-se,
portanto, uma crítica em cadeia: os professores de geografia saem mal
preparados, os alunos vêm mal preparados e tornam-se professores mal
preparados.
Nos Cursos de Licenciatura em Geografia ou Estudos So
ciais, responsáveis pela formação dos professores de Geografia, de ma
neira geral, devido ao tipo de currículo existente, as disciplinas são
ministradas como se fossem compartimentos estanques, ocasionando dupli
cidade de assuntos. Os programas tendem a demonstrar uma excessiva
abrangência do assunto. Os professores não planejam o ensino, gastando
muito tempo para desenvolver as primeiras unidades e, por falta de tem
po, não ministram as últimas ou dão "a toque de caixa", pois o objeti
vo mais importante é cumprir o número de aulas estipulado pela carga ho
rária estabelecida no currículo.
Isto afeta particularmente os Cursos de Estudos Sociais (licenciatura
curta).
De acordo com. o Parecer 853//71 e o estabelecido na resolução 8/71, a
Geografia passou à categoria de conteúdo da matéria Estudos Sociais, no Núcleo Comum do
ensino de 1º grau.
Em todas as propostas apresentadas para a operacionaliza
ção da matéria Estudos Sociais, parece generalizar-se a concepção de
que a mesma forma um todo harmônico, um todo organizado de conhecimentos, direcionado
nas ações e relações entre as pessoas e na relação entre o tempo e o espaço.
Entretanto, o que se observa, tanto nos Cursos de Estu
dos Sociais (Licenciatura Curta), como na escola de 1º grau, no que se
refere à matéria Estudos Sociais é um agrupamento de disciplinas sem
nenhuma integração, é um retalhamento de conteúdos distribuídos em poucas horas semanais,
sem nenhuma sistemática de ensino que conduza a uma síntese integradora. Os Cursos de
Estudos Sociais, de modo geral, primam pelo condensamento de antigos proqramas de
História e de Geografia, pelo empobrecimento curricular, pela formação de professores
emergenciais tanto de Geografia como de História.
Outro problema, que se observa, é o da desarticulação das
disciplinas de conteúdo geográfico com as disciplinas pedagógicas e, em
especial com a disciplina de metodologia do ensino da Geografia. De mo
do geral, o professor de metodologia do ensino da Geografia se preocupa
em demasia com procedimentos didáticos e se desvincula da Geo
grafia, desconhece a evolução teórica e metodológica da
ciência geográfica e por sua vez, os professores de conteúdo específi-
co supervalorizam os conteúdos e desconhecem como se realiza o processo
ensino-aprendizagem. Isto traz como conseqüência um ensino empírico e
distanciado da estrutura da ciência geográfica, pois é obvio que, da
concepção que o professor tiver de Geografia e do processo ensino-apren
dizagem resultará o seu tipo de ensino.
O que fazer para corrigir estas distorções?
O problema é bastante complexo, po"is envolve inúmeras va
riáveis. Entretanto, a nosso ver, consideramos de suma importância pa
ra a melhoria do ensino de Geografia a nível de 3º grau, que tanto
o
professor de conteúdo específico como o de metodologia de ensino da Geo
grafia de 1º e 2º graus, assumam uma nova postura em relação ao ensino
desta disciplina no que tange, não só a mudança de comportamento, como
também a uma mudança de atitude, que conduza à internalização de novos
conceitos e valores para o ensino da Geografia e à aceitação de uma base cientifica para o
ensino.
como diz WARDE (1º 80) no artigo A Universidade e a Formação
de professores para a educação geral no ensino de 1º 2 9 graus "o licenciado
deve receber uma formação no sen tido mais abrangente e profundo domínio
de "conteúdo" na dupla direção da apreensão do conhecimento já
sistematizado e de apreensão do processo de sistematização do conhecimento
(sua estrutura basica)".
Embasa esta idéia a adoção de uma metodologia de ensino,
que forme o profissional, de maneira que este seja capaz de levar os
alunos do 1º e 2º graus a pensar de maneira lógica, de desenvolver uma
atitude cientifica, de aprender como aprender. Em síntese, a adoção de
uma metodologia de ensino "critico" que considere a estrutura da ciência,
o desenvolvimento mental dos alunos, sua potencialidade e necessidades,
um ensino relacionado com o contexto social em que vivemos. Pois, o
principal objetivo da educação é "criar homens capazes de fazer coisas
novas e não repetir simplesmente o que outras gerações têm feito, ho
mens que sejam criativos, inventivos e descobridores. Formar mentes
que possam ser críticas, que possam verificar e não aceitar tudo que
lhes é oferecido (PIAGET apud BARBOSA, 1º 78).
A partir, portanto, da adoção nos Cursos de Licenciatura de uma
metodologia de ensino crítico, acredita-se que os professores sai_ rão melhor preparados para
atuarem a nível de 1º e 2º graus e, conseqüentemente a Universidade receberá alunos melhor
preparados.
Se o ensino da Geografia continuar verbalista, essencial mente descritivo,
factual, onde conceitos são expostos pelo professor para serem memorizados pelos alunos,
onde as estratégias de ensino não levam em consideração o tipo de conteúdo e o tipo de
aprendizagem que envolve, de nada adianta os professores desejarem um aumento de carga
horária a nível de 2º grau, ou uma melhor posição da Geografia no currículo de 1º grau.
Cabe, pois, grande responsabilidade à Universidade no
processo de articulação dos niveis de ensino, mas para que isto se efetive realmente, além da
articulação interna dos Cursos, a adoção de uma nova metodologia de ensino para formar
professores. Cabe também a ela, através de sua função de extensão, realizar uma ação
corretiva no senti_ do de propiciar aos egressos do 3º grau:
- atualização e revisão de conhecimentos adquiridos e de novos procedimentos didáticos;
- aprofundamento de conhecimento dos profissionais da área do ensino.
Para tal, são necessárias atividades de treinamento de docentes,
promoções de cursos de atualização, aperfeiçoamento e especia lização, seminários,
conferências, maior divulgação de trabalhos e pesquisas de caráter geográfico e outras
atividades similares.
Entretanto, para sermos práticos e para que realmente is to ocorra há
necessidade de que tanto a Universidade como as Secretarias de Educação e demais Órgãos do
Ensino propiciem aos Cursos de Licenciatura e aos professores que atuam no ensino da
Geografia em qualquer nivel, condições de ação para a melhoria do processo ensino-apren-
dizagem da Geografia. Condições como, recursos financeiros para a manutenção de cursos,
melhor equipamento das bibliotecas, condições para que o professor se aperfeiçoe, seja
através de recursos, seja através de flexibilidade de horário e da melhor distribuição de carga
horária de trabalho (revisão dos parâmetros estabelecidos para os professores a nível não só
de 3º como na escola de 1º e 2º graus).
Convém, entretanto, salientar que por parte da UFSM algumas tentativas
de articulação (interna como externa) estão ocorrendo, tanto a nível individual, como
institucional. Entretanto, a descon tinuidade e a fragmentação destas experiências fazem com
que ainda não se sintam os efeitos.
Atualmente o Centro de Ciências Naturais e Exatas da
UFSM, numa busca de articulação com o ensino de 1º e 2º graus, está se empenhando na
montagem de um projeto onde, num esforço conjugado professores dos três graus de ensino
juntamente com alunos das licenciaturas desenvolvem um trabalho com o objetivo de
proporcionar aos professores de 1º e 2º graus um apoio teórico e metodológico, visando a uma
melhoria do processo ensino-aprendizagem, através da utilização de uma metodologia que
propicie uma educação "libertadora".
A partir das considerações apresentadas, para que o processo de
articulação se efetive, fazem-se necessárias:
- nova postura do professor frente à Geografia e ao processo ensino-
aprendizagem;
- articulação interna dos Cursos de Geografia;
- articulação externa através da extensão universitária;
- adoção de uma metodologia de ensino critico;
- condições de ação para operacionalização de propostas que advenham
dos encontros realizados entre os professores de Geografia.
Referencias bibliográficas
BARBOSA, Eda Coutinho. Tecnologia e Humanismo: Rumos da Educação no Brasil,
MEC/CAPES, 1978 p.6.
BORDENAVE, J. e PEREIRA, A.M. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petró polis.
Vozes, 1977 p. 77.
CHAGAS, Valnir. Educação Brasileira: Ensino de 1º e 2º Graus - antes, agora e depois? São
Paulo, Saraiva, 1º 78.
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1º 76 p. 1º.
SANTOS, W: dos. O Vestibular como forma de acesso ao ensino superior. Educação
Brasileira. Revista do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, ano II - nº 5,
1º 80 p. 223.
SOUZA, E. M. Concurso Vestibular; análise da experiência brasileira.
Educação Brasileira. Revista do Conselho de Reitores das Universida des Brasileiras.
Brasília - ano I nº 1: 71-91, Jan/Abr. 1º 70.
WARDE, M.J. A universidade e a formação de professores para educação geral no ensino de
1º e 2º graus. Educação Brasileira. Revista do Conselho de Reitores das Universidades
Brasileiras, Brasília, ano II nº 3, 1º 80, p. 52.
6. BACHARELADO E LICENCIATURA
. Aldo Paviani (Coordenador)
. Augusto Humberto Titarelli (USP)
. Edinéa Maria da Consolação Brun (UFMG)
. José Alexandre Felizola Diniz (UFSE)
. Odeibler S. Guidugli (UNESP/Rio Claro)
. Silvio Carlos Bandeira de Mello Silva (UFBA)
Bacharelado e_ Licenciatura
Augusto H. V. Titarelli
USP
A discussão da reformulação do ensino da Geografia na
universidade brasileira ocorre num momento muito particular
em que, ao lado de uma certa crise de identidade desta ciên-
cia, manifestam-se sinais inequívocos de reativação do seu in
teresse: retorno parcial aos currículos do ensino de 1º e 2º
graus, consolidação de sua posição como disciplina individua-
lizada em alguns grandes sistemas de exames vestibulares (Pu-
vest - S.P.), aumento recente de candidatos as vagas ofereci-
das nos diversos cursos do país (5.039 inscritos em 1983 para
160 vagas na Geografia-USP, sendo 827 em 1» opção e 1236 em
2») e a própria regulamentação da profissão do geógrafo, que
criou expectativas de ampliação do mercado de trabalho e deve
ter influído na maior disputa pelas Vagas e consequentemente
na possibilidade de melhor seleção.
Por outro lado são por demais evidentes as dificulda-
des dos recém-formados nos ajustamentos à realidade que en-
oontram nas escolas e empresas, exigindo penosos esforços para
a superação de deficiências profissionais. Tais condições
tornam inadiável uma reflexão sobre o ensino superior desta
ciência, na tentativa de se chegar a um currículo mais adequa
do e talvez diversificado.
Neste sentido podemos constatar que os diagnósticos
dos problemas apresentados pelos cursos superiores de Geogra-
fia acham-se bem mais adiantados que as proposições de solu-
ções. É relativamente fácil, por-exemplo, perceber os refle-
xos negativos e bloqueios resultantes da dicotomia existente
entre a Geografia Física e Humana ou dos conflitos de diferen
tes escolas de pensamento, enraizados profundamente no dilema
da unicidade ou pluralidade da ciência geográfica.
A persistência destes conflitos e dilemas durante as
últimas décadas, associados a adoção dos cursos parcelados com
disciplinas semestrais, levou à atomização doa currículos, com
a presença de um grande número de disciplinas dificilmente
harmonizáveis pelo tipo de coordenação geral admitida nos cur
sos, e cuja pulverização, na perspectiva do aluno, é agravada
pela diversidade de abordagens permitidas aos professores, sem
uma avaliação adequada do conjunto.
Nesta conjuntura torna-se delicado propor modelos de
curso visando formar o professor e o profissional geógrafo,
sem chegar a uma nova dicotomia do tipo bacharelado X licen-
ciatura, agregando-se substanciais reforços curriculares para
o bacharelado, inspirados nas elevadas cargas horárias apre-
sentados pelos cursos que formam profissionais submetidos aos
Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia,
nos quais os geógrafos se enquadram.
As fórmulas poderiam ser as mais variadas e especiali,
zantes, se admitida a falta de unidade da Geografia, permitin
do que cada curso pudesse dar mais ênfase a certas especiali-
zações que contassem com melhores condições de desenvolvimen-
to no campus.
Partindo, entretanto, da unicidade da ciência geográfi-
ca, tese aparentemente mais aceita entre os atuais professo-
res de Geografia e geógrafos, torna-se necessário admitir a
conveniência de um tronco comum para o Bacharelado e a Licen-
datura, oferecidos peias mais diversas faculdades, permitin-
do-se posteriormente uma multiplicidade de experiências nas
disciplinas pedagógicas ou que veiculassem técnicas de. traba-
lho.
Sem este cuidado, o Bacharelado, diferenciado da Licen
ciatura já em seu curso básico, tenderia a tomar configurações
divergentes de região para região, agravando o problema da in
dividualidade da geografia e tornando pouco nítido o perfil
deste profissional.
A solução da questão repousa no respeito à unicidade
da Geografia. como esta ciência busca basicamente alcançar uma
visão integrada dos fatos estudados peias demais ciências,
expressa nas mais diversas combinações e arranjos espaciais ,
torna-se evidente que estaria sofrendo amputações ao se res-
tringir deliberadamente a um setor de conhecimento. Mesmo que
em um ou outro trabalho isto ocorra, em função das limitações
do pesquisador, o interesse geográfico continuaria existindo,
possivelmente gerando outros estudos que o complementassem.
Caberia às Associações Científicas Geográficas manter estes
profissionais em convívio estreito para que ocorres se a
desejada troca de experiências e complementaridade dos
trabalhos.
Quanto aos choques de posição existentes dentro da
Geografia não seriam provavelmente prova de sua falta de
identidade, mas resultante do seu próprio crescimento. É pre
ciso renunciar a uma unanimidade ingênua de posições, inexis-
tente em outros campos, e aprender a coexistir racionalmente
com grupos divergentes, dos quais dependem a evolução qualita
tiva desta ciência. É também preferível conciliar antagonis-
mos internos e favorecer uma geografia una, do que fortalecer
as forças centrífugas que conduzirão por muitos rumos diferen
tes a confutar com ciencias afins, caracterizando a Geogra-
fia como ciência invasora.
Em uma sessão pública de dissertação de Mestrado rea-
lizada no Departamento de Geografia da U.S.P., a autora de um
trabalho biogeografico foi criticada por um botânico, membro
da banca examinadora, por ter classificado pessoalmente al-
gumas especies vegetais, objetivando relacioná-las com o com-
portamento dos líquens, face à poluição ambiental em Cubatão,
procedimento que os próprios botânicos confiariam normalmente
a especialistas em sistemática. Neste episódio ficou claro o
perigo de especializações em campos afins conduzirem a "in
vasões" e demonstrou também que a existência de especializa-
ções em faixas claramente delineadas e necessárias não per-
turba a individualidade de outras ciências.
A presença de um tronco curricular comum ao bacharela
do e à licenciatura, além de fortalecer a unicidade da Geogra
fia, teria ainda a vantagem prática de permitir mudanças exe-
qüíveis, pois seriam passíveis de serem exigidas das atuais
instituições de ensino, não obrigando a desdobramentos preco-
ces nem a opções difíceis.
As cargas horárias dedicadas atualmente aos dois ou
três primeiros anos de curso poderiam conter as matérias de
fundamentação teórica e de estudos de interesse comum aos dois
campos de atividade, desde que se admitisse um esforço de
coordenação e um acréscimo de créditos-trabalho, através do
qual a ênfase do curso deixasse de se centralizar sobre o pro
fessor e a atividade-aula e passasse a incidir sobre o aluno e
atividades extra-classe. Excursões programadas, trabalhos
de campo, relatórios, trabalhos práticos, resenhas bibliogra-
ficas, leituras obrigatórias, interpretações de cartas, que
em muitos casos são exigidos hoje em dia sem registro de c
ditos, devem ser estimulados e fazer parte integrante das exi
gências curriculares. Este procedimento estimularia a melhor
absorção dos conteúdos de disciplinas teóricas, cuja partici-
pação deveria sofrer uma reformulação qualitativa e não quan-
titativa, o que pode gerar uma disputa em torno de cargas ho-
rárias entre matérias "rivais". Estimularia ainda a intensi
ficação do convívio entre o corpo discente e docente e reali-
mentaria o processo de valorização qualitativa das discipli-
nas assim como a sua melhor adequação ao nível dos alunos, um
tanto desencantados com aulas expositivas.
Cabe agora discutir a conveniência de uma divisão en-
tre o bacharelado e a licenciatura, avaliar a possibilidade
destes cursos serem feitos simultaneamente e propor um meca-
nismo de opção funcional para os alunos.
Na maior parte dos cursos mais antigos de Geografia ,
a Licenciatura implica necessariamente na realização do Bacha
relado, funcionando como uma espécie de complemento deste. Nes_
tes casos sempre foi possível realizar o Bacharelado de forma
isolada, o que simplificou bastante os registros nos órgãos
regionais de classe, que passaram a exigir este diploma espe-
cífico para permitir o exercício da profissão. Em escolas
mais novas voltadas para a Licenciatura, ficou ambígua a posi
ção do Bacharelado em Geografia, criando problemas nos regis-
tros que deverão ser evitados a todo custo pela nova sistemá-
tica a ser proposta. Talvez por isso mesmo, em alguns casos
de outras ciências, o Bacharelado assumiu um caráter de curso
mais demorado e de nível mais alto, voltado para a formação
do pesquisador e o profissional.
Partindo destas constatações, propõe-se uma carga ho-
rária diferenciada para o Bacharelado após a realização do
tronco comum, que poderia durar de cinco a seis semestres. Os
quo desejassem seguir exclusivamente o Bacharelado deveriam
neste momento optar pelas vagas oferecidas, preenchidas em
função do aproveitamento demonstrado em disciplinas fundamen-
tais. Todos os que optassem pela Licenciatura teriam garanti
do a continuidade do curso Inclusive os candidatos aceitos
para o Bacharelado, que ficariam sujeitos a um duplo período
de aulas ou à maior duração do curso.
A diferença básica a se estabelecer entre os dois our
sos nesta fase residiria no fato da Licenciatura incorporar
as matérias pedagógicas, estágios programados em escolas e al
gumas disciplinas geográficas consideradas relevantes para o
ensino, que complementariam a carga horária, enquanto o Bacha
relado insistiria em matérias de aplicação prática, uso de
técnicas, desenvolvimento de projetos, elaboração de planeja-
mento, realização de estágios em empresas, órgãos e institui-
ções governamentais, culminando com a defesa de um trabalho
final de graduação e integralizando pelo menos 3.000 horas de
atividades entre créditos-aula e créditos-trabalho.
Em relação às disciplinas que deverão constar dos cur
rículos escolares é preciso lembrar que não devem ter caráter
enciclopédico e tentar esgotar, a nível de graduação, todos
os assuntos, mas procurar dar aos alunos o embasamento ne_
cessário para o seu próprio aperfeiçoamento e atualização per
manente, criando hábitos de estudo e preparando para a tomada
de atitudes críticas e objetivas.
É evidente que muitas outras alternativas curricula-
res devem ser exaustivamente examinadas para equacionar a
questão do Bacharelado e Licenciatura em Geografia. A propó
sito consideramos oportuno trazer o exemplo da reforma curri
cular em processo no Curso de Geografia da F.P.L.C.H. da
U.S.P. que concilia várias propostas sob os seguintes crité
rios:
1 - A nova estrutura curricular nao deverá expressar uma de-
terminada concepção de Geografia;
2 - A nova estrutura curricular deverá permitir a obtenção de
diferentes diplomas, a exemplo do licenciado em Geografia,
Bacharel em Geografia e Geógrafo, a partir de diferentes
composições de disciplinas;
3 - às composições de disciplinas que conduzem à obtenção de
diferentes diplomas deverão contar com partes em comum , dentro
da mesma estrutura curricular;
4 - As partes comuns poderão estar em qualquer posição no con
junto da estrutura curricular;
5 - A parte em comum, interessando, na estrutura curricular ,
o início do curso, na prática poderá ser entendida como básica;
6 - Dever-se-á dar à estrutura curricular, tanto quanto pos-
sível, uma característica de curso seriado com a aplicação de pré-
requisitos;
7 - A estrutura curricular deverá ser organizada de forma a
permitir a realização de um só tipo de vestibular para Geografia,
com determinado número de vagas;
8 - A opção, pelo estudante, por um determinado diploma, se de
finirá somente após a realização da parte considerada bá-
sica, comum a todos: o Departamento deve empenhar-se na
busca de critérios que garantam a possibilidade de obten
ção de mais de um diploma;
9 - As disciplinas comuns às composições correspondentes a
di plomas diferentes terão validade para a obtenção de
outro diploma;
10
- A estrutura curricular será caracterizada por um núcleo
de disciplinas obrigatórias, departamentais ou nao, e um
substancial elenco de disciplinas optativas, departamen-
tais ou não;
11
- As disciplinas obrigatórias serão voltadas principalmente
para a teoria, métodos e técnicas, enquanto as optativas,
em particular as departamentais, voltar-se-ão especialmen
te para o objeto;
12
- A estrutura curricular deverá ser elaborada a partir da
consideração da seqüência de "semestres ideais";
13
- A estrutura curricular deverá ser elaborada de modo a per
mitir a obtenção de um diploma em, no máximo, 5 anos.
Nota-se igualmente nesta proposta a preocupação com um
núcleo curricular comum aos diversos diplomas, mas ha dois
pontos importantes em que ela tem posições divergentes com a
apresentada anteriormente: aumento substancial da duração do
curso e criação do diploma de Geógrafo, diferenciado do Bacha-
rel, que continuaria sendo exigido para a Licenciatura e ser-
viria mesmo ao ingresso na pós-graduação, aproximando-se da
condição da profissão de Psicólogo face ao Bacharelado e Li-
cenciatura em Psicologia.
Cumpre salientar, finalmente, que a oportuna reformu-
lação do Bacharelado e Licenciatura em Geografia deve conside
rar acima de tudo que a ciência geográfica, pela sua evolu-
ção,- pelo seu instrumental teórico-metodológico e técnico, le
va a uma visão abrangente da interação sociedade-natureza ,
preparando profissionais que poderiam atuar de uma forma muito
positiva dentro desta grande problemática das sociedades
modernas, campo onde ha um espaço a ser urgentemente ocupado
pela Geografia.
BACHAREL E LICENCIADO: PONTOS PARA OPÇÃO
Edinéa M. da Consolação Brun Getulio
Vargas Barbosa Instituto de
Geociências da UFMG
Esse texto está montado muito mais como um documento de traba-
lho para orientar deliberações, como o próprio título indica, que co
mo bases teóricas para debates amplos de natureza normativa. Na am-
plitude temática do simpósio há lugar para documentos desse tipo. E-
le pretende mostrar de que modo, dentro de uma história bastante ro-
tineira da Geografia do Brasil, surgiu um fato novo: a regulamenta-
ção da profissão de Geógrafo. Esse fato inédito cria uma situação
propícia para levantamentos, avaliações e tomada de posições. A aná-
lise das alternativas desse momento toma, então, relevância especial.
A evolução da Geografia do Brasil ainda é insuficientemente contada
e apenas os grandes acontecimentos são sempre lembrados. Mas ao lon-
go dessa evolução há numerosos momentos de "plateaux" e "rampas" nem
sempre descritos. Esse parece ser um tempo importante que poderá ser
um "pico" ou uma "rampa descendente" de acordo com as decisões que
poderão ser tomadas nesse simpósio.
um momento de "plateaux", de duração variada em cada lugar, é
constituído pelo ensino para formar licenciados. Mesmo a pós-gradua-
cão, um acontecimento marcante para muitas Universidades, foi imple-
mentada nessa direção. Isto marca rumos e define mesmo uma caracte-
rística da Geografia do Brasil: todo esforço da Universidade Brasi-
leira foi, até agora, concentrado na linha de formação do licenciado.
Este foi também o grande esforço feito com a criarão das Faculdades
de Filosofia que geraram os cursos de Geografia. Todavia, é uma cons
tante histórica a queixa generalizada de baixa Gualidade do" ensino.
Agora já existem alguns dados mais precisos para se afirmar sobre a
qualidade do ensino. Por maior que seja a pesquisa de dados concre-
tos, a relatividade temporal da coisa pesquisada é um complicador a-
dicional, difícil de ser removido. Daí advém um famoso círculo vi-
cioso do ensino de curso superior: vestibulando fraco - estudante de
Geografia fraco - licenciado fraco - professor de Geografia fraco -
estudante de 2º ciclo mais fraco ainda... Modelo ou realidade, esse
circulo precisa ser rompido e pode-se indicar o ponto de início de a
ção: o do licenciado. Apesar de, historicamente, os esforços se con-
centrarem na formação do professor, é evidente que houve um desperdí-
cio de energia que, por várias vezes, não se transformou em traba
lho efetivo na formação de alunos bem preparados para o ensino secun
dário.
A conclusão não é inédita e nem a indicação para ação é nova.
Ela ocorreu em diversos momentos históricos e, se os esforços não re
sultaram em êxito, deve ter havido, além dos defeitos intrínsecos,
alguns outros cuja correção estava fora do meio geográfico. Pode-se
admitir que esses fatores extra-Geografia aumentam crescentemente seu
poder de interferência, na medida em que os esforços para a educação
são diminuídos e transformados. não devem ser esperadas, de modo
geral, providências que revertam essa situação. Nesta conjuntura as
medidas para a ação devem ter seus pesos virtualmente invertidos, ou
seja, as providências situadas dentro do âmbito da Geografia podem
ser aumentadas correspondentemente a uma diminuição de providências
extra-Geografia.
Por outro lado, o momento indica também que uma parte da ener-
gia a ser empregada no ensino deve ser desviada de seu destino clás-
sico - o licenciado - para ser empregada na formação do bacharel. Con
siderando, em termos do total de energia disponível, poder-se-ia che-
gar a um déficit energético. Temos de aumentar os esforços na forma
ção de um licenciado de melhor qualidade e criar novas fontes para
abastecer o bacharelado, É necessário, portanto, identificar as ca-
racterísticas desses dois consumidores de energia.
Quase todos os cursos de Geografia se destinam a graduar o li-
cenciado. Alguns conferem também, mas não necessariamente, o diploma
de bacharel. Outros exigem habilitação parcialmente diferente para
os títulos de bacharel e licenciado. é uma diferenciação generali-
zada e não específica. não se conhece uma diplomação de bacharelado
isoladamente do licenciado. Em resumo, o bacharelado tem funcionado
como um ramal da licenciatura. Os concursos vestibulares não abrem
vagas específicas para o bacharelado. Daí também serem pouco diferen
ciados os títulos e os currículos. Os cursos de pós-graduacão, ape-
sar de possuírem uma conotação nitidamente acadêmica, são geralmente
entendidos e praticados mais como uma formação de licenciado (espe-
cialização) que de bacharel. há ainda o licenciado em curso de curta
duração. Todas essa3 variações podem ser entendidas como adaptações,
feitas pelo sistema de ensino, das atribuições legais. Também in-
fluem nessas adaptações o mercado de trabalho e as características
empresariais dos estabelecimentos de ensino.
No plano legal, o título de licenciatura foi criado por Lei, pa
ra que as antigas Faculdades de Filosofia habilitassem seus forman-
dos ao exercício do magistério secundário. 0 título de bacharel ou-
torgado pelas mesmas Faculdades para designar um "trabalhador inte-
lectual", no sentido de "pesquisador", com o qual a sociedade contava
para desenvolver a Filosofia, Ciências, Letras e Artes, no âmbito do
ensino universitário e das instituições especializadas. O Decreto-
Lei que regulamentou a profissao de "Geógrafo", deu-lhe uma
conotação nitidamente profissional. 0 conceito de Geógrafo evolui de
"trabalhador intelectual" para "profissional". Esta transformação con
solidou a legislação anterior, de âmbito federal e estadual, que ad-
mitia bacharel em Geografia nao no sentido de "trabalhador intelec-
tual" ou "cultor da Geografia" mas com uma acepção profissional, dan
do-lhe carreira e hierarquia. O processo de registro da profissão dá
ao órgão de classe o poder de exame do currículo.
Assim, tanto o licenciado como o bacharel são títulos legais,
regulares, cada qual com exigências próprias nas atribuições profis-
sionais. Nesse momento, desfruta-se da primeira oportunidade dada
por órgão oficial para a fixação de opções pela comunidade geografi
ca.
Era princípio, se a lei define dois tipos de profissionais, po-
de-se pensar em dois tipos de cursos: um para o licenciado, outro
diferenciado, para o bacharel. há várias modalidades de se fazer es-
sa diferenciação: a) dois cursos com uma base comum e diferenciação
na parte terminal; b) dois cursos juntos com pequenas variações nos
currículos. Claro que uma definição legal pode amparar uma ou mais
das modalidades enumeradas. A escolha da modalidade rode ser indica-
da pela classe, pela comunidade geográfica e pode ou não ser adotada
pelo sistema de ensino de acordo com o mercado de trabalho, o equipa
mento disponível e o pessoal habilitado.
0 mercado de trabalho, ainda sem estudo detalhado, parece ser
crescente para o licenciado e muito restrito e localizado para o ba-
charel. Alguns especialistas têm dito que a regulamentação da profis
são fechou mais que abriu o mercado de trabalho do Geógrafo. 0 merca
do que está sendo aberto pelos profissionais, às custas de esforço
próprio e ampliação de habilitações nem sequer foi garantido pela
lei. Essas afirmações não estão longe da verdade. Desse modo não são
esperáveis modificações substanciais em termos numéricos no mercado
de geógrafos. Em decorrência, não se espera também que o sistema de
ensino abra muitas possibilidades de formação de bacharel. O pessoal
habilitado para montar um curso de bacharelado, evidentemente condi-
cionado à organização curricular, também não é abundante em razão da
lenta produção de pós-graduados. Por sua vez a criação de cursos de
bacharelado não é esperada em quantidade muito grande a ponto de se
implementar, a curto prazo, os cursos de pós-graduacão. A associação
de condições é, como se demonstrou, complexa, complicada e condi_
cionada por muitos fatores ainda insuficientemente elucidados. Por
isso, parece que uma posição de bom senso é a criação de cursos de
bacharelado como uma opção dentro do ensino da Geografia. Pode-se es
tabelecer exigências para que eles só sejam criados onde o crescimeli
to do mercado de trabalho tenha um índice previsível, pelo menos em
termos regionais.
com relação aos currículos, um fator de facilitação é a monta-
gem de um curso de bacharelado que tenha alguma coisa em comum com o
curso de licenciatura para, eventualmente, aproveitar a experiência,
a mão-de-obra e até a guarda de uma tradição geográfica que se quei-
ra preservar. Para se garantir profissionais cada vez mais diferen-
ciados, pode-se prever que, na medida do desenvolvimento de um ou de
outro curso montados juntos, se evolua para uma diferenciação mais
completa. A análise dos problemas do licenciado com seu baixo nível
de qualidade e o circulo vicioso já citado sugerem que a experiência
seja aproveitada já na formulação do curso de bacharelado. Assim, a
organização curricular não deve ser montada sobre atribuições legais
da regulamentação profissional, pois houve uma defasagem entre o va-
lor das atribuições e a data da promulgação da lei. Por isto não é
aconselhável manter tôda a estrutura curricular sobre as disciplinas
que vão servir para a habilitação profissional, mas sobre as que a-
lém de. instrumentalizarem também levem a uma formação técnica ampla.
Do mesmo modo, não é imprescindível uma conotação regional que orien
te o ensino no curso de bacharelado, uma vez que seu mercado de tra-
balho tem recrutamento nacional.
No problema da diferenciação curricular um ponto essencial na
formação do Geógrafo é a especialização. A lei de regulamentação pro
fissionai, como já assinalado, nasceu envelhecida. Esta afirmação é
quase um consenso. Pelo que consta da lei, um Geógrafo é um misto de
engenheiro, portanto um geóqrafo-físico. Essas atribuições não con-
dizem com as atividades atualmente desenvolvidas pelo Geógrafo. As
pesquisas de mercado não são suficientemente abrangentes para defi-
nir que tipo de formação deve ter um Geógrafo para encontrar sua exa
ta posição no mercado de trabalho. A maioria dos professores univer-
sitários não tem hesitações em responder ao problema: uma formação
que habilite, pelo método geográfico, independentemente da dicotomia
Geográfica Física - Geografia Humana. Pode-se fazer, contudo, essa
indagação ao mercado de trabalho e a resposta poderá não ser tão con
vieta. Essa resposta interessa em dois níveis : na formação de base e
na especialização dos currículos. Esses dois niveis se completam, com
um terceiro que é a formação geográfica em si mesma. Ao nível de uni
versidades a formação básica é comum a vários currículos sendo usual
mente dividida em grandes ramos como Ciências Exatas, Ciências Huma-
nas e Ciências Biológicas. 0 descaste para a implantarão desses sis-
temas básicos e a impossibilidade de executá-los rigidamente têm di-
ficultado a escolha de um ciclo básico para a Geografia. Soluções de
acomodação são comuns e seus efeitos não têm sido úteis. No estado a
tual da situação universitária talvez só se possa contar com uma for-
mação básica híbrida. Ao nível de cursos isolados essa formação mui-
tas vezes não existe. A formação básica é incompleta e indefinida.
Freqüentemente nos cursos comuns ao licenciado e bacharelado ou na-
queles com disciplinas polarizadas entre Geografia Física e Humana,
a formação de base inexiste e o aluno não tem o menor receio da op-
ção. Salvo melhor juízo, um curso de bacharelado em Geografia, dada
sua posição interdisciplinar, não pode ser exigido sem uma base cien
tífica e metodológica consistente. A exigência de uma formação básica
parece irremovível.
Se a Geografia não quiser manter uma polêmica desvantajosa com
o mercado de trabalho e se não puder resolver o tipo de profissional
que formará ao nível básico poderá resolve-lo a nível de especializa
ção no término do curso. Aqui a especialização é mais refinada e o
controle do mercado de trabalho mais específico. Especificação entre
Geografia Fisica e Geografia Humana pode ser feita mais discretamen-
te. De acordo com a mão-de-obra disponível, pode-se orqanizar espe-
cializações em rodízios temporais ou simultâneos.
A posição cue o Geógrafo tem assumido em equipes interdiscipli
nares coloca em cheque sua formação profissional no sentido em que
ele pode ser suplantado por outros profissionais mais antiqos, mais
prestigiados ou mais preparados para o embate entre especialistas. Es
se tipo de disputa tem sido muito mencionado, e talvez seja necessá-
rio verificar até onde isto pode ser resultante de defeitos ocorri-
dos no ensino. Ele tem ligação com o tempo de profissionalização e
está vinculado quase sempre ao Geógrafo que abre posição no mercado.
A observação de casos permite a conclusão de que os métodos utiliza-
dos em Geografia são pouco conhecidos e os profissionais da Geogra-
fia não apresentam treinamento adequado para empregá-los criticamen-
te. Em geral prefere-se aprender mais um método ou recurso de uma
ciência próxima que usar um método próprio, não treinado suficiente-
mente.
Isto serve para levantar um problema comum nos cursos de bacha
relado e que pode ser corrigido: insuficiente manejo de métodos e
técnicas gerando insegurança na sua aplicação. Essa insegurança ocor
re principalmente nas áreas onde a especificidade do Geóqrafo pode-
ria se manisfestar como diferencial. Ferramentas como cartografia, es
tatística e fotointerpretação podem ser ensinadas e praticadas com
intensidade pelos Geógrafos, a ponto de permitir a apresentação de
ângulos novos a serem discutidos em programas com vários especialis-
tas. O êxito em técnicas desse tipo é um dos modos pelos quais o Geó-
grafo poderá assumir com segurança sua posição, sem degeneração, em
mapista, coletor de dados estatísticos ou fotointerprete. O Geógrafo
deve assumir a consciência de nue ele é um dos especialistas que tem
domínio sobre algumas técnicas especializadas e que só ele pode ma-
nobrá-las com destreza.
Ao abordar alguns aspectos da formação específica ao bacharel,
parte-se de uma atitude crítica oriunda da experiência acumulada no
ensino e no exercício profissional já vividos pela Geografia do Bra-
sil. Na medida em que alguns desses pontos podem ser generalizados,
constata-se que não se pode perder esse momento histórico apenas re-
formulando os currículos dos cursos de bacharelado. Deve-se formular
uma visão nova desse curso de modo a adequá-lo ao mercado de traba
lho, tal como ele está organizado. não se pode esperar muita evolu-
ção quando se forma profissional e esperar a adequação do mercado a
esse tipo de profissional. Independente de nossa vontade, a Lei defi
niu um tipo de profissional e a experiência mostra as distorções a que
esse profissional está sujeito. A oportunidade da avaliação geral da
Geografia em suas adaptações às condições reais indica que a interfe
rência nos currículos universitários é um caminho para reorientar a
formação dos profissionais.
Mais importante e de efeitos mais transformadores do que a for
mação do Geógrafo é a melhoria da qualidade do licenciado, do pro-
fessor de 1º e 2º graus, pelo efeito de modificações que ele pode in
troduzir na rotina do ensino. Nao se pode esperar modificações a cur
to prazo, nem na compreensão de novas posições na geografia, na medi-
da em que o ensino como um todo é cada vez mais conservador e mais
incapaz de modificar comportamentos. Mas uma tentativa de compromisso
com o futuro, ainda que remoto, é mais alentadora do que a manu-
tenção de princípios estabelecidos na década de 30.
Em termos de melhoria da qualidade e reorientação do ensino da
Geografia, as providências precisam caminhar para melhorar a qualida
de do licenciado através de várias medidas diferentes, incluindo mo-
dificações curriculares, dos programas de ensino secundário ( e dos
concursos vestibulares) para adequar as modificações, simultaneamen-
te. Tomadas concomitantemente essas medidas podem gerar efeitos mais
rapidamente. Por outro lado, à medida em que se melhora a qualidade
na formação do licenciado é de se esperar, também, que as condições
do mercado se modifiquem. Evidentemente não se pode sonhar com efei-
tos automáticos e revolucionários, mas estas são algumas maneiras de
introduzir modificações na realidade. Do mesmo modo não se espera
que as modificações na legislação sejam suficientes por si só. A
criação de variados tipos de apoio parece imprescindível, seja no ní-
vel universitário, científico, pedagógico e de classe profissional.
Mas as decisões tomadas não podem se restringir a este momento, como
ocorreu com outro e desse ponto de vista,o esforço não é válido.
O PROBLEMA DA FORMAÇÃO DO GEÓGRAFO E DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA
José Alexandre Felizola Diniz
1
Universidade
Federal de Sergipe
Desde 1978, quando organizamos o Simposio sobre 0 Geógrafo Profissional no
Brasil, durante o 3º Encontro Nacional de Geógrafos, em Fortaleza, o tema da formação profissional
em Geografia tem sido alvo de nossas preocupações. Naquela oportunidade montamos um
levantamento nacional das condições de traba lho do geógrafo, ouvindo opiniões de técnicos, chefes
de equipes interdisciplinares, professores universitários etc, que nos parece ainda ser o único traba lho
dessa natureza realizado no país, embora já esteja se iniciando algo seme lhante em São Paulo (Rio
Claro). Esta questão é colocada previamente para ex plicar a cautela com que apresentamos nossas
reflexões sobre a matéria, consi-aerando que a posição de decente universitário não assegura um
conhecimento real das condições de trabalho e do mercado profissional. Sem "feedbacks" para rea
limentá-la, a Universidade se perde em discussões muitas vezes estéreis e, as sim, recorreremos
algumas vezes às informações obtidas no citado levantamento.
De 1978 para cá, não só temos desenvolvido um programa de pesqui sas que nos
tem colocado em contato mais estreito com profissionais de outras áreas de ciências sociais, como
participamos da implantação de um programa de bacharelado em Geografia na UFS. A experiência
acumulada nesses trabalhos nos ajuda também a refletir sobre a questão da formação profissional
em Geografia.
1. A Universidade Brasileira e os Cursos de Geografia
O primeiro ponto que deve ser considerado é a posiçao da Geografia na
Universidade Brasileira em crise. Nao podemos esquecer que a Geografia, inse rida
predominantemente nas áreas ou centros voltados às ciências humanas, reves te-se de pequena
importância no quadro geral da Universidade. E numa época em que
Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade
Federal de Sergipe.
toda a estrutura encontra-se em crise e em que há carência de recursos materiais . os Departamentos
de Geografia muitas vezes nao têm força cara conseguir novos du oentes, bibliotecas, salas especiais
e equipamento. Somente quando conseguem de senvolver projetos de pesquisa mais amplos e vender
serviços é que começam a mudar sua imagem e da própria ciência no conjunto de uma Universidade
cada vez mais ávida de recursos externos.
Todos os cursos da Universidade brasileira estão em crise, e em to dos eles se
discute a qualidade dos egressos. A grande ampliação do nùmero de vagas observada na década de
70, sem uma adequada expansão da estrutura universi. tária, e de seus recursos humanos, a crise do
ensino médio e a adoção da vestibu lares unificados, com provas objetivas e meramente
classificatórios explicam, em parte, a queda do nível de ensino da Universidade. E preciso, então,
que se ana lise a questão da formação profissional em Geografia num quadro mais amplo de tôda a
formação universitária. Tudo indica que, de modo geral, os alunos que ingressam nos cursos de
Geografia não estão entre aqueles de melhor nível, e es se é um problema geral de todos os cursos de
licenciatura. Mas não podemos afir mar que o nosso produto final seja de qualidade muito inferior
aos graduados em outras áreas, ao menos as de ciências sociais. Muitos pontos críticos da formação
em Geografia aparecem nas demais áreas da Universidade, e são reflexos de uma situação mais
geral, embora isso nao exclua a possibilidade de haver proble mas específicos nos cursos de
Geografia que podem ser resolvidos ou minimizados. Mas fica logo eliminada a possibilidade de
substancial alteração dos cursos de Geografia dissociada de uma mudança mais geral de toda a
Universidade.
2. 0 Objetivo dos Cursos de Geografia e Seus Problemas
As discussões sobre a regulamentação da profissão de geógrafo se fi zeram ao
tempo em que se exacerbou o debate metodológico e teórico em Geografia. Em conseqüência, tôda
discussão que se faz a respeito de currículo leva necessa
riamente a uma indefinição muito grande de objetivos. Queremos um profissional que seja, ao
mesmo tempo, geógrafo, professor de Geografia, "exœrt"em metodolo già da Geografia e capaz de
uma reflexão teórica sobre sua ciência. È possivel que grande parte dos cursos de geografia, que
sofreram alterações curriculares a partir de 1970, esteja refletindo esse fato, e a conseqüência
inevitável é que não formamos ninguém. Dos nossos cursos não têm saldo o professor, o geógrafo, o
metodologista e nem o teórico em Geografia, pois esses objetivos múltiplos e complexos se chocam
com o nível inicial dos alunos e com a duração dos cursos. O prosseguimento indefinido das
discussões metodológicas e teóricas nos cursos de graduação também é prejudicial aos alunos, que
não penetram na essência dos debates e que deles acenas apreendem a confusão, a indefinição, e a
imprecisão' conceituai que transparecem. Parece-nos fundamental que os cursos de Geografia
assumam uma postura teórico-metodológica e a sigam adequadamente, embora essas discussões
devam ser desenvolvidas, e até estimuladas, nos cursos de pós-gradua ção.
Seria ideal que um profissional graduado em Geografia tanto pudes se lecioná-la
como aplicá-la em projetos de pesquisas realizados por órgãos governamentais ou privados. Mas, na
nossa realidade atual, mesmo a formação con junta do professor de 1º e 2º graus e do geógrafo nos
parece utópica e até in conveniente, pelas seguintes razões:
a) o baixo nível dos alunos que ingressam no curso;
b) a duração máxima possível, que não pode, na orática, superar 4 ou 5 anos
(embora legalmente possa chegar a 7 anos) ;
c) as condições materiais e docentes de grande parte dos cursos de Geografia, sem
condições adequadas para formar um técnico .
Assim, não resta dúvida que a alternativa viável é a definição de cursos especí ficos, o primeiro, de
licenciatura, voltado à formação do professor de Geogra fia, e o segundo, de bacharelado, para
formação do geógrafo. como posicionanen to inicial, podemos afirmar que esses cursos não
precisariam ser necessarianen-
te estanques, desde que parte da formação geográfica poderia ser comum aos dois. Todavia,
precisam ser bem distintos em termos de objetivos e de muitas discipli nas específicas.
2.1 - Os Problemas Específicos de Licenciatura
é difícil que se possa tratar isoladamente da formação do professor de Geografia,
porque de fato todas as licenciaturas estão em crise. Quando o nível sócio-econômico dos alunos do
ensino médio era mais elevado, talvez for mássemos um professor melhor. Hoje, quando essa
condição se torna mais necessá ria ainda, em conseqüência da queda do nível médio dos estudantes
de 1º e 2º graus, o professor mostra-se inadequado ao cumprimento de suas funções.
0 primeiro grave problema com que lidam as licenciaturas é o nível dos
vestibulandos, que de modo geral é dos mais baixos em toda a Universidade. É claro que isso está
relacionado ao pouco prestígio social da profissão preten dida e aos baixos níveis salariais. O fato
se agrava com a tendência a se pri vilegiar a tecnologia educacional, como se formar um bom
docente fosse uma mera questão de técnica de ensino. Muitas vezes as disciplinas de caráter
pedagógico deixaram de insistir no sentido global e social da educação, deturpando a forma ção dos
licenciados.
No caso específico da Geografia, alguns pontos devem ser considera dos:
a) a criação da área de estudos sociais no 1º grau e o esvaziamento dos programas
de Geografia, que perderam partes mais facilmente compreendidas como
científicas;
b) a proliferação de cursos de licenciatura de curta duração em Estudos Sociais,
muitas vezes possibilitando a obtenção de habi_ litação plena em Geografia
após 2 anos de estudos;
c) a transformação de cursos de Geografia preexistentes em cursos de Estudos
Sociais, com sensível abaixamento de nível;
d) redução do mercado de trabalho para o professor de Geografia, que simplesmente
foi transformado em mestre polivalente, muitas vezes ensinando OSPB ou
coordenando os centros cívicos das escolas.
O fracassso da reforma do ensino, a volta da Geografia cono disci plina em muitas
escolas, a extinção de muitos cursos de Estudos Sociais, ao ITE nos em Universidades maiores, e o
retomo das licenciaturas em Geografia e em História parecem ser o início de uma retomada da
Geografia no ensino. Todavia, persistem as dificuldades, ligadas a alguns fatos:
a) currículos e conteúdos às vezes inadequados à formação do profes sor;
b) dissociação entre o conteúdo geográfico e as disciplinas de for mação
pedagógica;
c) pouca ênfase no treinamento docente, somente feito através de uma ou duas
disciplinas de estágio.
2.2 - Os Problemas Específicos do Bacharelado
As atribuições dos geógrafos são muito variadas, conforme a lei que regulamentou a
profissão. Todavia, na orática, ou ele exerce funções num campo bem mais limitado, ou se mantêm
num nível de generalidades, sendo o "quebra-ga -lho" das equipes interdisciplinares. De fato, como o
nosso levantamento de 1978 mostrou,
"O trabalho do geógrafo se resume, na grande maioria dos casos, em:
a) elaboração de cartogramas, gráficos e tabelas;
b) elaboração de monografias sobre lugares, municípios, etc., de fato, inventários
locacionais ;
c) levantamentos aerofotogramétricos e respectivos mapeamentos.
Apenas 15,2% dos profissionais dedicam-se a estudos relacionados com
o quadro natural, 42,3% trabalham com sistemas econômicos e sociais, enquanto os 42,5% restantes
dedicam-se a mapeamentos, com alguma incursão em uma das duas
áreas mencionadas. Nao há um trabalho ou campo bem definido. Corno diz um de les, o geógrafo
trabalha onde os outros técnicos da Instituição não atuam, ou mesmo nas áreas para as quais o
órgão não possui especialistas. Assim, vemos geógrafos desempenhando tarefas de agrônomos,
economistas, sociólogos ou ar qui tetos, com prejuízo da qualidade do traballio e da valorização
de sua pró pria profissão. há exceções, todavia. Existe um geógrafo mais especializado, ao que
parece, com desenvolvimento mais recente, e para os quais não haveria maiores preocupações
com sínteses; comprovar-se-ia, então que, embora proclamando- se que a Geografia é a união
entre fatos físicos e humanos, na prática não haveria maior interesse por isso (Lacoste, 1974). O
desenvolvimento des sa Geografia mais especializada se refletirá nas propostas sobre currículo de
formação de geógrafos, havendo aqueles que propugnam por uma ênfase maior na preparação de
especialistas.
E bem verdade quo não podemos montar todo um esquema de formação de
geógrafo apenas para atender às exigências do mercado. É Preciso que isso seja atendido, mas
que também preparemos um profissional para assumir novas funções, abrir novos campos de
trabalho e dar à Geografia a posição que ela merece nas equipes interdisciplinares de pesquisa.
Para isso é conveniente saber-se o que acham chefes e coordenadores de projetos, não geógrafos,
a res peito da formação profissional em Geografia. Apontam eles "sérias deficiên -cias de
formação, decorrentes de
a) pouca base filosófica c epistemológica;
b) currículos circunscritos a disciplinas geográficas;
c) postura nao crítica, que o faz prender--se a modelos próprios para análise de
realidades estrangeiras;
d) timidez analítica e receio de inferir, fazendo com que se
prenda ao dado como dado, e pouco avançando além da classificação e de
estudos robre formas.
José Alexandre F. Diniz. "O Geógrafo Profissional no Brasil.
Encontro Nacional de Geógrafos, AGB, Fortaleza, 1918, p.8.
Conio bem disse um entrevistado, o geógrafo apresenta distorção da formação
acadêmica, com excesso de visão neutra, descritiva, formalista (ou sim plesmente tola).
3
Nessas
condições, muitas vezes o geógrafo se coloca numa
posição de auxiliar técnico, um preparador de cartogramas e de tabelas. como afirmávamos em
1978, "precisamos abandonar urgentemente o ideal da Geografia im parcial, neutra, e assumir
claramente os valores que estão subjacentes às es truturas espaciais (Buttiner, 1969). Se, como diz
Oliveira (1977), o problema essencial da Geografia é epistemológico, somos obrigados a ir além e
reafirmar que é a indefinição ideológica quem está no centro do problema epistemológico. A falta
de visão crítica do geógrafo, sua incapacidade de observar os processos sociais e sua insistência em
explicações fundadas na relação homem-meio,
4
nao o ajudam a conseguir melhor posição profissional."
Os geógrafos profissionais sentem grandes carências na formação que obtiveram
na Universidade. Dos geógrafos pesquisados em 1978, "37,8% rece beram uma formação
descritiva, com ênfase no estudo sistemático de cidades, sis temas agrícolas, clima, morfologia,
etc, enquanto 27,2% definiram seu curso como descritivo, com explicações iniciais sobre padrões
de distribuição e com portamento de fenômenos. Do restante, 1º,6% optaram por uma
caracterização pu ramente descritiva, com ênfase na memorização de "fatos" sobre diversas áreas
do globo, enquanto 15,4% definiram a graduação como descritiva e explicativa , com breve
abordagem teórica. Assim, vê-se que mais de 50% dos geógrafos defi-nem seu curso como
descritivo, e mais de 84% classificam-no como predominantemente descritivo. Ao que tudo indica,
os velhos "princípios" continuam influenciando damasiadámente a estrutura dos cursos de
Geografia, levando-os ao exa gero na observação e descrição, etapas iniciais necessárias à
investigação ci entifica, mas que estão sendo colocadas como coroamento de uma formação
profis_ sional que deveria ser mais explicativa.
Os trabalhos práticos realizados no curso são considerados apli-
3
Ibid p. 9
4
Ibid
cáveis com restrições ou inaplicaveis por 61,1% dos geógrafos, enquanto 36,3% deles acham-nos
insuficientes, tendo em vista as exigências feitas no exercicio da profissão. uma disciplina ou
estágio ligado à orática de pesquisa foi feita por mais de sessenta por cento dos profissionais,
embora considerada sa tisfatória semente em metade dos casos. Note-se que apenas os graduados
no Rio de Janeiro e em Minas Gerais perfazem 85,2% dos que realizaram essa prati ca, o que é
indicativo da concentração espacial dos melhores cursos. Tudo in dica que os cursos estão
melhorando, pois 85,7% dos geógrafos formados há me nos de dois anos cursaram prática de
pesquisa, enquanto as percentagens para os graduados entre 2 e menos de 5 anos, e formados há
mais de cinco anos fo ram, respectivamente, de 68,7% e 54,1%.
0 currículo dos cursos permanece creso ao minimo do CFE, amplian do-se aqui e
ali com a introdução de alguma disciplina ou, como é mais comum, com a divisão das Geografia
Física e Humana em disciplinas isoladas como, prin cipalmente, Geomorfologia, Climatologia,
Urbana, Agraria e População, e o des membramento de uma Cartografia Temática. Essas
disciplinas, acrescidas de História, Geologia e Sociologia, formam o cerne dos cursos de
geógrafos, com plementado com Biogeografia, Geografia do Brasil e Geografia Ragionai. Exis-
tem grandes ausentes nos cursos: Metodologia da Ciência, Filosofia da Ciência, Métodos
Cuantitativos em Geografia e Ciência Política. Observando-se a Tabe la 1, em que se indicam as
disciplinas individuais mais estudadas, pode ser feita uma comparação entre a formação recebida
pelo geógrafo com as maiores necessidades encontradas na atividade profissional. há profundas
divergências em termos de Métodos Quantitativos, Regionalização e Teoria Regional, Metodo
logias da Ciência e da Geografia e Fotointerpretação. Isso não significa di zer que as outras
disciplinas ou áreas estão sendo bem atendidas, pois o pro blema é também de qualidade dos
cursos. Note-se, por exemplo, a Geomorfolo -gia, disciplina mais frequente nos currículos, é
considerada altamente insufi ciente por todos que se dedicam ao setor. Aliás, foram freqüentes
nos ques tionários referências a autodidatismo, e à necessidade de realização de cur
sos de extensão ou aperfeiçoamento. Deve ser observado que apenas 13,6% dos docentes dos
cursos de geógrafos concordam com o currículo existente. As rea ções mais fortes partem,
.exatamente, dos professores que exercem atividade co mo geógrafo (que são 50% do total), e
que sentem as dificuldades dos recém-graduados vinculados a órgãos de pesquisa e
planejamento"
0 nosso trabalho junto a equipes interdisciplinares, por outro lado, tem mostrado
não só que a visão do geógrafo é muito importante para uma adequada compreensão da realidade,
como certos aspectos de nossa formação des pertam o interesse de outros técnicos e nos dão uma
posição individualizada:
a) visão mais global da realidade, observando interações de fe nômenos das
mais diversas categorias, o que dá ao geógrafo pes sibilidade de diálogo com
todos os integrantes da equipe;
b) capacidade de lidar com variações espaciais de fenômenos, cor relacionando-
os espacialmente (geralmente através de cartogra mas) e chegando à
caracterização dos lugares (aliás, temos ob servado que uma geografia
Hartshorniana tem muito o que ofe recer a outros técnicos);
c) habilidade em extrair da observação da paisagem informações não
disponíveis em outras fontes, ao tempo em que apreende uma grande porção
da realidade.
De todos esses pontos concluímos alguns fatos importantes. Em primeiro lugar, a
grande necessidade de instrumentação nos currículos do ba charelado, dado por disciplinas como
Cartografia, Fotografia aérea, Estatísti ca, Metodologia da pesquisa, etc. Em segundo lugar, a
importância de se refor çar a pesquisa geográfica com intenso trabalho de campo e comparação
de carto gramas.
3. uma Experiência na Universidade Federal de Sergipe
A partir do 2º semestre de 1980, todos os cursos da Universidade Fe deral de
Sergipe tiveram seus currículos alterados, obedecendo-se aos princí
5
Ibid. p.p. 11/13
pios gerais:
a) definição de disciplinas obrigatórias de modo a que seus crédi tos não
ultrapassassem 70% do total;
b) grande flexibilidade, permitindo ao aluno variadas opções na sua formação;
c) possibilidade de aproveitamento dos melhores alunos em disci -
plinas mais fortes, reduzindo-se o nivelamento por baixo exis
tente em todos os cursos.
Os currículos da licenciatura e do bacharelado em Geografia ficaram assim
definidos:
Disciplinas Obrigatórias comuns
- Português Básico
- Educação Física
- Introdução à Metodologia da Ciência
- Estudo de Problemas Brasileiros
- Introdução ao Pensamento Geográfico
- Fundamentos de Petrografia, Pedologia e Geologia
- História Eaonômica Geral e do Brasil
- Geomorfologia I
- Climatologia I
- Geografia Urbana e da População
- Geografia Agrária
- Cartografia I
- Biogeografia I
- Geografia do Brasil I
- Geografia de Sergipe
Disciplinas Obrigatorias da Licenciatura
- Geografia Regional I
- Didática
-
Psicologia da Educação I
-
Psicologia da Educação II
-
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º graus
-
Prática de Ensino I
-
Prática de Ensino II
Disciplinas Obrigatorias do Bacharelado
- Regionalização
- Metodologia da Geografia
- Cartografia II
- Fotointerpretação I
- Pesquisa Geográfica I
- Pesquisa Geográfica II
A graduação em Geografia exige 160 créditos para a licenciatura e 160 para o
bacharelado. como as obrigatórias do primeiro só perfazem 99 crédi-tos, há 61 restantes que
devem ser escolhidos dentre as disciplinas optativas. No bacharelado as obrigatórias totalizam 103
créditos, complementando-se o res tante com as optativas. £ interessante observar, todavia, que
tôdas as disci plinas obrigatórias do bacharelado são optativas da licenciatura, mas que a recíproca
não ocorre. As optativas são em grande número, e tanto detalham a Geografia como entram nas
áreas de Economia, Sociologia, Antropologia, Línguas Estrangeiras e Educação prevendo-se que
certos alunos poderiam optar por uma formação mais inclinada para a área pedagógica.
É conveniente notar que a UFS não abre vagas para o bacharelado em seu
vestibular. Assim, o ingresso nesse curso só se dá por opção do alu no da licenciatura (o que
vem sendo desaconselhado pelo Departamento) ou por reingresso após a conclusão da
licenciatura (alternativa usada, até c momento, por todos os bacharelandos). E as poucas vagas
colocadas anualmente à disposição dos interessados vêm sendo preenchidas após rigorosa
seleção, que às vezes não permite nem o preenchimento das mesmas.
Após três anos de funcionamento do novo currículo, já podemos chegar a
alguma avaliação preliminar dos cursos, feita especificamente para nossa realidade, mas que
pode servir de subsídio a outras Instituições.
a) como o Departamento de Geografia apenas manteve a licenciatu ra pré-
existente, não tomou cuidados especiais com esse curso. Deverá começar a
funcionar em 1983, por iniciativa do Departamento de Educação, um
laboratório de Ensino Aprendiza-zem de Geografia, com o objetivo de
dinamizar a prática de ensino e de integrar alunos, ex-alunos, professores do
Depar tamento de Geografia, do Departamento de Educação e do Cole gio de
Aplicação. É Possível que essa iniciativa inovadora' possa renovar esse curso
e melhorar a qualidade dos licencia dos.
b) O bacharelado tem tido bons resultados, sobretudo graças à ênfase que vem
sendo dada nas disciplinas Prática de Pesquisa I e II (a primeira destinada à
elaboração e defesa pública de um projeto de pesquisa, realizada na
segunda e julgada publicamente). 0 curso tem sido concluído, em média em
3 se mestres de estudos, com baixo índice de reprovação. As dis ciplinas de
pesquisa têm sido concluidas em 1 ou em até 2 anos. Funciona, de fato,
como curso de Pós-Graduação.
c) Cs bons resultados do bacharelado estão inegavelmente asso ciados à
elitização do curso, disputado celos melhores alu nos, enquanto a
licenciatura se transforma, pouco a pouco, na "vala comum". Até que
ponto esse fato vai dissociar ainda
mais os dois cursos, não o sabemos; mas fica logo evidente que a
formação do professor é a mais prejudicada na questão.
d) As disciplinas geográficas oferecidas aos dois cursos acabam não cumprindo
seus objetivos: não ajudam na formação do geó grafo, em função do baixo
nível e nem na do professor, por que acabam não tendo esse objetivo bem
definido. E essa con clusão nos leva a indagar até que ponto é válido o
esquema de economia em que a mesma disciplina serve para diversos cur
sos? A Geografia Agrária que deve ser lecionada ao futuro professor, por
exemplo, é a mesma a ser ensinada ao geógrafo?
e) uma ampliação da conclusão anterior nos leva a discutir se o problema da
licenciatura não decorre ou se amplia pela ausên cia de um responsável (no
caso a ausência das Faculdades de Filosofia)? Atualmente o professor é
formado por uma cole cão atomizada de disciplinas dispersas entre os
Departamentos de Geografia, Educação e outras unidades, muitas vezes sem
objetivos comuns ou sequer o interesse em formar um bom do cente.
Seria conveniente que os Departamentos de Geografia (bem como os outros
ligados às diversas licenciaturas) assumissem a dualidade de fun ções e se responsabilizassem
efetivamente pela formação do geógrafo e do pro fessor? Ou não seria tempo de se acabar, de
uma vez por todas, com essa dua lidade herdada das antigas Faculdades de Filosofia e se separar
definitiva -mente as formações, integrando as licenciaturas numa única unidade universitária
com objetivos e programas bem definidos?
TABELA 1
DISCIPLINAS DOS CURSOS DE GEOGRAFIA UE FORMARAM GEÓGRAFOS
DISCIPLINAS ESTUDADAS COMO DISCI
PLINAS ISOLADAS
(máximo possivel - 70)
Sim
Não
NECESSÁRIAS AO TRABALHO
PROFISSIONAL, DE
ACORDO C/GEOGRAFOS
(máximo possível = 670)
Filosofia da Ciência..
4 32
3 35
11 9
27 9
34 1
20 10
23 13
3 30
29 2
31 1
14 11
35 0
33 0
Metodologia da Ciência
Metodologia da Geogra
fia ..................................
Cartografia ....................
Cartografia Temática..
Fotointerpretação..........
Estatística......................
Métodos Quantitativos.
Geografia Agrària..........
Geografia Urbana..........
Itegionalizaçib ou Teo
ria Regional...................
Geomorfologia...............
Climatologia ..................
30 4
20 13
26 13
Geologia........................
Economia ......................
32 3
2 28
73
141
216
107
331
273
211
218
203
300
300
242
208
146
150
98
82
Sociologia......................
59
História..........................
Política...........................
O GEOGRAFO PROFISSIONAL NO BRASIL*
INTRODUÇÃO
José Alexandre Felizola Diniz Universidade
Federal de Sergipe
No momento em que se instala, sob o patrocínio da Associação dos Geógrafos
Brasileiros, o presente Simpósio sobre a Formação Profissional do Geógrafo, a Geografia brasileira parece
perplexa diante de dois fatos aparentemente contraditórios: primeiro, o crescente emprego de geógrafos
em órgãos de pesquisa e planejamento; segundo, o arquivamento definitivo do projeto de regulamentação
da profissão, que se encontrava em tramitação no Congresso Nacional.
Durante décadas, acostumamo-nos a ver geógrafos apenas no IBGE e uma escassa
produção científica, originária desse órgão e de poucos cursos mais dinâmicos de Geografia. Embora
muito se falasse na importância do trabalho do geógrafo e nas suas possibilidades ao integrar equipes
interdisciplinares de planejamento, de certa forma a Uni versidade foi surpreendida com a expansão
acelerada e inédita de um mer cado de trabalho antes muito restrito. Quase repentinamente, órgãos federais
e estaduais de planejamento, empresas de pesquisa e escritórios de projetos passaram a solicitar
contribuições geográficas e a con tratar geógrafos, na maior parte dos casos professores de Geografia.
Após anos de discussão, a Universidade (salvo raríssimas
exceções) não apresentava um currículo apropriado para a formação de
geógrafos, notando-se que as indefinições próprias da Geografia, em ter mos de objetivos, de métodos e
de postura ideológica, refletiam-se nas colocações que a Universidade fazia a respeito desse campo de
trabalho.
não resta a menor dúvida que esses problemas, associados a um certo desprestígio
da profissão, levaram ao arquivamento definitivo do projeto de reconhecimento da profissão.
Para que as idéias aqui expostas não carecessem do supor te da experiência
daqueles que trabalham no ramo, resolvemos montar o
* Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional de Geóqrafos Fortaleza, 1978.
trabalho com base nas respostas a três tipos de questionários: o primei-
ro, enviado a geógrafos profissionais de todo o país, o segundo, a che-
fes e coordenadores de pesquisa nao geógrafos, e o terceiro a professo-
res de alguns cursos superiores de Geografia, sobretudo daqueles onde
há maior preocupação com a formação de geógrafos. Foram remetidos 211
questionários e recebidos apenas 121, que chegaram em tempo para as ta-
bulações realizadas (Tabela 1) .
TABELA 1
QUESTIONÁRIOS
TIPO ENVIADOS RECEBIDOS
APURADOS
%
1. Geógrafos ............................................................ 10 3 71 68,4
2. Chefes não Geógrafos .................................... 4 7 28 59,5
2. Professores ........................................................ 61 22 36,0
T O T A L ............................................................... 211 121 56,3
De qualquer modo, podemos constatar o interesse desper-
tado pelo problema junto aos qeógrafos, que nos devolveram quase 70%
dos questionários enviados e que, espontaneamente, muitas vezes xero-
grafaram os inquéritos para distribuição entre colegas. De parte de
chefes e coordenadores não geógrafos recebemos uma razoável percentagem
de questionários, alguns estimulantes e indicadores do interesse desper
tado pelo levantamento. 0 mesmo não podemos dizer do magistério supe-
rior, que demonstrou considerável apatia pelo assunto, devolvendo ape-
nas 36,0% dos inquéritos distribuídos.
Queremos aproveitar esta oportunidade para agradecer a
todos que colaboraram com o levantamento realizado, quer respondendo di
retamente aos questionários, quer servindo de intermediários na distri-
buição dos mesmos. um agradecimento especial deve ser feito aos que,
não sendo da área, com tanto interesse procuraram ajudar os geógrafos
na resolução de seus próprios problemas.
O GEOGRAFO E O RECONHECIMENTO DA PROFISSÃO
Através dos questionários recebidos, tomamos conhecimen
to do emprego de geógrafos em 25 instituições (Quadro 1). Certamente o
número é bem maior, pois deixamos de receber inquéritos de vários ou-
tros órgãos que, sabemos, empregam esse tipo de profissional.
Analisando-se os questionários recebidos, vê-se que os geógrafos são
predominantemente do sexo feminino, entre 30 e 40 anos de idade, casados (Tabela 2).
TABELA 2
GEÓGRAFOS POR SEXO E IDADE
SEXO / IDADE - 25 25 - 30 30 - 40 40 e + TOTAL
Homens ........................................... - 7 12 2 21
Mulheres ......................................... 2 15 29 4 50
T O T A L ................................. 2 22 41 6 71
QUADRO 1
INSTITUIÇÕES EMPREGADORAS DE GEÓGRAFOS (1º 78)
INSTITUIÇÕES CONHECIDAS POR RESPOSTAS AOS QUESTIONÁRIOS
Projeto RADAMBRASIL
Secretaria Executiva do CNRMPU
Fundação IBGE
MINTER - Secretaria Especial do
Meio Ambiente
Banco Nacional de Habitação
SEPLAN - PR
Plambel - MG
Instituto de Desenvolvimento de
Pernambuco - CONDEPE
Fundação Instituto de Planejamento
FIPLAN - Pb.
Fundação João Pinheiro - MG
Secretaria Municipal de Planeja-
mento - RJ
Conselho de Desenvolvimento
Sergipe - CONDESE
Instituto de Geociências Aplica-
das - IGA - MG
Fundação Inst. de Des. Econômico
e Social do RJ - FIDERJ
Fundação Centro de Pesquisa Econô
micas e Sociais do Piaui - CEPRO
Secretaria de Planejamento do RJ
Superintendência do Desenvolvimen
to do Ceará - SUDEC
CEPA - RJ
Fundação Centro Tecnológico de MG
CETEC
Fundação Prefeito Faria Lima - SP
Minerações Brasileiras Reunidas S
.A - MG
SUPLAM - MG
SPL - Serviço de Planejamento S.A RJ
INSTITUIÇÕES CONHECIDAS POR OUTRAS FONTES
SUDENE
INCRA
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Secretaria de Planejamento da Bahi
Secretaria de Planejamento do Maranhão
Universidade Federal do RN
IGG - São Paulo
Secretaria de Planejamento - SP
CEMAPA - RS
SUSAM - SP
Museu do Ipiranga - SP
177
d
e
São em 61,0% dos casos. Bacharéis e Licenciados em Geografia, sobretudo aqueles
mais velhos, que se graduaram quando a licenciatura tinha o bacharelado como pré-requisito. Todavia,
note-se que existem vários geógrafos apenas com o titulo de licenciado (3 0, 5 % do to tal), demonstrando
bem os problemas de indefinição curricular que exis tem. Há um pequeno número ( 8 , 5 % ) , exatamente
os formados há pouco tempo, que possui apenas o bacharelado.
Foram encontrados geógrafos trabalhando nas diversas re
giões brasileiras, salvo no Norte. Apresentam baixa mobilidade, pois a
grande maioria trabalha na região onde obteve a graduação, apesar da
existência de órgãos que favorecem deslocamentos, como é o caso do Proje to RADAMBRASIL.
Há profundas diferenças salariais entre os geógrafos bra
sileiros. Uniformizando-se todos os rendimentos em termos de 40 horas,
vemos que o menor salário é de CR$ 4.569,00 mensais, enquanto o maior
ultrapassa CR$ 40 . 00 0 ,00 . Essas diferenças parecem estar relacionadas
por uma série de fatos. E aqui podemos logo nos referir a três pontos:
sexo e idade, local de trabalho e tempo de formado. Neste último caso,
talvez em decorrência dos esquemas salariais de alguns órgãos (como o
Projeto RADAMBRASIL), que acrescentam ao salário básico uma percentagem
por ano de formado, há nítidas desvantagens para aqueles com menos de
2 anos da graduação, cuja média salarial é de CR$ 11.702,00. Para fai
xas de mais de 2 anos, as médias são sempre superiores de CR$ 16.000,00.
É claro que isso se relaciona com a idade, observando-se, então, melho
ria salarial nas classes mais velhas. E nesse aspecto é interessante
notar que o sexo feminino tem, nas mesmas faixas de idade, salários
mais baixos do que os homens (Tabela 3). como veremos posteriormente, isso se explica, em parte, pelo
tipo de tarefas desempenhadas e por uma menor agressividade do grupo feminino.
TABELA 3
MEDIA DE SALARIOS PAGOS A GEÓGRAFOS, POR SEXO E IDADE (abril de 1º 78)
IDADE - 25 25 - 30 30 - 40 40 e +
SEXO
CRUZEIROS MENSAIS
Homens ............................ - 14.240,00 20.962,00 25.476,00
Mulheres ........................... 13.445,00 12.778,00 14.446,00 18.513,00
como era de se esperar, pelos diversos Estados brasilei-
ros há também diferenças, como se pode ver no Quadro 2. Há uma tendên
QUADRO 2
NIVEIS SALARIAIS DE GEÓGRAFOS, POR ESTADOS (abril de 1978)
FAIXAS SALARIAIS, PELO EQUIVALENTE A 40 HORAS SEMANAIS
em CR$ 1.000,00
ESTADOS
- 5
5 a -
10
10 a -
15
15 a -
20
20 a -
25
25 a -
30
30 TOTAL
Piauí ............
Ceará ............
R. G. Norte ......
Paraíba ..........
Pernambuco .......
Sergipe ..........
Bahia ............
Minas Gerais .....
Rio de Janeiro ....
Sao Paulo ........
Santa Catarina . . .
Distrito Federal..
T O T A L ...........
cia natural de menores salarios no Nordeste, embora o Rio de Janeiro
apresente os salarios mais contrastantes e baixos no conjunto. É impor tante notar, ainda, que
em 31,9% dos casos, os geógrafos alegam perceber salarios inferiores aos de profissionais de
outras áreas, que executam tarefas equivalentes. E novamente volta a ocorrer uma diferencia
ção por sexo, pois tal fato afeta 25,0% dos homens e 32,7% das mulheres.
A expansão do mercado de trabalho para o geógrafo, que certamente se
acentuou nos últimos 5 ou 6 anos, parece apresentar violenta contradição com o não
reconhecimento da profissão. E em muitos questionários os geógrafos procuraram
exemplificar seus salários mais baixos exatamente por esse fato.
Fazendo-se uma ligeira retrospectiva do problema, encontraremos um
primeiro projeto de regulamentação da profissão, de autoria do Deputado MENEZES CORTE,
apresentado à Câmara dos Deputados em 1º 62. Ero 1º 68, o Deputado EDWALDO PINTO
apresenta um outro projeto, praticamente idêntico ao anterior, e que seguiu tramitando no
Congresso Nacional por quase 10 anos. Em diversas oportunidades sofreu emendas,
ate
chegar ao Senado, onde recebeu substitutivo do Senador ITAMAR FRANCO, e pareceres
favoráveis dos Senadores NELSON CARNEIRO e FRANCO MONTORO. Ao chegar à
Comissão de Minas e Energia, recebeu parecer contrário do Senador MILTON CABRAL
que, apoiado em três pontos básicos:
a) a inexistência de um currículo mínimo do CFE para formação de geógrafos;
b) a equiparação dos geógrafos aos engenheiros de Geodesia, formados pelo Instituto
Militar de Engenharia;
c) a inconveniência da criação dos Conselhos Federais e Regionais de
Geografia;
argumentou contra a aprovação do projeto, inclusive considerando a amplitude de atribuições
previstas para o geógrafo, que invadiria áreas de competência de outros profissionais. De
acordo com o projeto:
"Art. 49 - É da competência do Geógrafo o exercicio das seguintes atividades e funções a
cargo da União, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios, das entidades autárquicas ou
de economia mista e particulares :
I - reconhecimento, levantamentos, estudos e pesquisas de caráter fisico-geogràfico,
biogeografico, antropogeografico e geoeconômico e as realizadas nos campos gerais e
especiais da Geografia, que se fizeram necessários:
a) na delimitação e caracterização de regiões e sub-regiões naturais e zonas
geoeconômicas para fins de planejamento e organização físico-espacial;
b) no equacionamento e solução em escala nacional, regional ou local, de problemas
atinentes aos recursos naturais do Pais;
c) na interpretação das condições hidrológicas das bacias fluviais;
d) no zoneamento geo-humano com vistas aos planejamentos geral e re gional;
e) na elaboração e execução de planos e de legislação atinentes à estrutura agrária, com
base na diversificação regional dos sistemas de uso da terra;
f) na pesquisa de mercados e intercâmbio comercial em escala regional e
interregional;
g) na caracterização ecológica e etologica da paisagem geográfica e problemas
conexos;
h) na política de povoamento, migração interna, imigração e colonização de regiões
novas ou de revalorização de regiões de velho povoamento;
i) no estudo físico-cultural dos setores geoeconômicos destinado ao planejamento da
produção;
j) na diversificação regional da política educacional e sanitária;
k) na Planificação dos sistemas industriais regionais e na localiza ção de suas unidades
de produção;
1) na estruturação ou reestruturação dos sistemas de circulação;
m) no estudo e planejamento das bases físicas e geoeconômicas dos núcleos urbanos e
rurais;
n) no aproveitamento, desenvolvimento e preservação dos recursos na turáis;
o) no levantamento e mapeamento destinados à solução dos problemas regionais;
p) na caracterização quantitativa e estrutural das populações e das forças de trabalho;
q) na Planificação de obras públicas;
r) na divisão administrativa da União, dos Estados, dos Territórios e dos municípios".
E concluía o Senador: "Pelo visto, o elenco de competência de que trata o
artigo 49 do substitutivo transcende o grau de forma ção dos engenheiros de Geodesia e, mais
ainda, dos titulares de licenciatura em Geografia. Distancia-se, pois, o diploma legal, em
elaboração, da realidade profissional e, se aprovado fosse, abriria um mercado de trabalho
para o qual aqueles profissionais não estariam devidamen te habilitados".
Depois do impasse, só nos resta agora elaborar estudos a respeito de um
currículo para formação de geógrafos, tentar sensibilizar o Conselho Federal de Educação
para o seu reconhecimento, e voltar a lutar pela apresentação de um novo projeto junto ao
Congresso Nacional. E é como inicio dessa campanha, que deve se desenvolver a nível
nacional., que situamos o presente Simpósio.
O TRABALHO DO GEOGRAFO
há, inegavelmente, um difuso sentimento de frustração
na maior parte dos geógrafos, sobretudo daqueles ligados a órgãos formais de planejamento, com
referência ao seu trabalho. Quase sempre gos tariam de elaborar estudos de maior responsabilidade ou,
nas palavras de um deles, de fazer "pesquisas de estruturas espaciais em vez de diagnós ticos superficiais
feitos a curto prazo".
Acreditamos que essa situação decorre do tipo de traba
lho que vem sendo realizado, mal definido e, conseqüentemente, pouco va
lorizado. E é preciso lembrar que a nossa insistência em colocar a Geo
grafia como auxiliar da administração pública, tem inegáveis razões pes
soais (Harvey, 1974), e que se a Geografia e desprestigiada o geògrafo
também o é. como não se consegue mudar rapidamente essa situação, a
corrida por melhor status pode gerar frustração.
O trabalho do geógrafo se resume, na grande maioria dos casos, em:
a) elaboração de cartogramas, gráficos e tabelas;
b) elaboração de monografias sobre lugares, municípios, etc., de fato, inventários
locacionais;
c) levantamentos aerofotogramétricos e respectivos mapeamentos.
Apenas 15,2% dos profissionais dedicam-se a estudos rela-cionados com o
quadro natural, 42,3 % trabalham com sistemas econômicos e sociais, enquanto os 42,5%
restantes dedicam-se a mapeamentos, com al_ guma incursão em uma das duas áreas
mencionadas. não há um trabalho ou campo bem definido. como diz um deles, o geógrafo
trabalha onde os ou tros técnicos da Instituição não atuam, ou mesmo nas áreas para as quais o
órgão não possui especialistas. Assim, vemos geógrafos desempenhando tarefas de
agrônomos, economistas, sociólogos ou arquitetos, com prejuí zo da qualidade do trabalho e
da valorização de sua própria profissão. há exceções, todavia. Existe um geógrafo mais
especializado, ao que pa rece, com desenvolvimento mais recente, e para os quais não haveria
maiores preocupações com sínteses; comprovar-se-ia, então que, embora pro-clamando-se que
a Geografia é a união entre fatos físicos e humanos, na prática não haveria maior interesse por
isso (Lacoste, 1º 74). O desenvolvimento dessa Geografia mais especializada se refletirá nas
propostas sobre currículo de formação de geógrafos, havendo aqueles que propugnali! por
uma ênfase maior na preparação de especialistas.
é interessante tentar avaliar o trabalho do geógrafo, e
isso pode ser feito pela opinião dos seus chefes não geógrafos. A maior
parte deles (6 2, 9% ) considera que o geógrafo cumpre bem seu papel,
e
apenas 7,4% são radicalmente opostos a essa posição. Parece que isso
tende a corresponder à realidade, pois 70, 3% dos chefes e coordenadores
de projetos possuem geógrafos em equipes por sua solicitação direta, e
em quase 70% dos casos, consideram bom o nivel desse profissional. Antes de
desconfiarmos de tanta benevolência, é preciso definir o que se entende
por "geógrafo desempenhar bem suas tarefas". Na realidade essas tarefas
são definidas de acordo com a área de formação dos chefes; para os car
tógrafos, economistas e administradores, o geógrafo deve fazer estudos
gerais, tanto físicos como econômicos e sociais, visando ao planejamen
to; para os agrônomos, biólogos e engenheiros, aos geógrafos estão re
servados os estudos de sintese das paisagens, sobretudo aqueles mais am
bientais, de organização territorial, potencialidades de recursos natu
rais, utilização do solo e mapeamentos de condições físicas; para o ar
quiteto, cabe ao geógrafo o estudo e mapeamento das condições físicas,
tendo em vista planejamentos urbanos. Na realidade, requer-se desse
"gênio" uma formação sintética e ao mesmo tempo especializada, pois ele
é avaliado e julgado por isso. Fica claro, então, que o geógrafo é
o
"quebra-galho" das equipes interdisciplinares, muitas vezes mal remunerado e com tarefas
menos importantes, mas ao mesmo tempo mais abrangentes. E como era de se esperar, a sua
formação apresenta falhas, para 50% dos chefes pesquisados.
É mais interessante analisar os questionários dos chefes e coordenadores
que acham que o geógrafo não cumpre integralmente seu papel, apesar de encontrarem
dificuldades em generalizar, para o conjun to dos profissionais. Apontam sérias deficiências de
formação, decorrentes de:
a) pouca base filosófica e epistemológica;
b) currículos circunscritos a disciplinas geográficas;
c) postura não crítica, que o faz prender-se a modelos próprios para análise de
realidades estrangeiras;
d) timidez analitica e receio de inferir, fazendo com que se prenda ao dado como dado, e
pouco avançando além da classificação e de estudos sobre formas.
como bem disse um entrevistado, o geógrafo apresenta "dis torção da
formação acadêmica, com excesso de visão "neutra", descritiva, formalista (ou
simplesmente tola)". Assim, salvo em casos excepcio
nais, o geógrafo se coloca a nivel de auxiliar técnico.
Inegavelmente, precisamos abandonar urgentemente o ideal
da Geografia imparcial, neutra, e assumir claramente os valores que es
tão subjacentes às estruturas espaciais (Buttimer, 1969). Se, como diz
Oliveira (1977), o problema essencial da Geografia é epistemológico, so
mos obrigados a ir além e reafirmar que é a indefinição ideológica que
está no centro do problema epistemológico. A falta de visão crítica do
geógrafo, sua incapacidade de observar os processos sociais e sua insis-
tência em explicações fundadas na relação homem-meio, não o ajudam a
conseguir melhor posição profissional.
Os geógrafos acusam seus chefes de, muitas vezes, não en
tenderem a Geografia. Até aí não há nada muito estranho, pois é real
mente dificil entender-se uma "ciência" tão eclética, confusa e indefi
nida. Daí dizerem que o seu trabalho não é reconhecido, ao menos no
inicio, salvo quando referente à elaboração de gráficos e cartogramas.
é preciso lembrar que a experiência geográfica dessas pessoas decorre,
às vezes, de:
a) uma Geografia da mass-mêdia, crue difunde clichês e noções sobre o
espaço;
b) dos cursos de Geografia realizados na Universidade, muitas vezes dis_ ciplina
obrigatória nos currículos de Economia e Ciências Sociais.
Em ambos os casos, a qualidade da Geografia fica bastante comprometida.
Note-se que, dos 17 chefes que estudaram Geografia em seu curso de graduação, 13 mudaram
o conceito dessa ciência para melhor. E a qualidade desses cursos repercute sobre futuro
relacionamento pro fissionai com os geógrafos. Dos chefes que nunca os solicitaram para suas
equipes, 8 3,4% tiveram péssimos cursos de Geografia.
não se pode negar que os geógrafos têm participado de
equipes interdisciplinares. Segundo eles, isso tem ocorrido com bons resultados, pois são
respeitados e os debates mostram-se produtivos. De acordo com o trabalho realizado, todavia,
notam-se diferenças quanto a essa participação. De fato, enquanto 91,8% dos geógrafos que
fazem tra balhos ecológicos, econômicos/sociais ou mistos participam de equipes, a
percentagem cai para 60% dos que elaboram gráficos e cartogramas. É importante salientar
que daqueles que não integram os mencionados grupos, 50% trabalham em instituições que
empregam exclusivamente geógrafos, enquanto o restante nunca foi convidado.
O problema não está, então, na participação em equipes, mas no papel
que ai é reservado ao geógrafo. uma pesquisa mais profun-
da poderia investigar cuidadosamente esse assunto, que é extremamente
importante para a sobrevivência e desenvolvimento da Geografia em ór-
gãos de pesquisa e planejamento. Alguns questionários de chefes não
geógrafos começaram, timidamente, a levantar sérios problemas de rela-
cionamento interprofissional que existiriam nas equipes integradas pelo
geógrafo. é claro que os problemas para formação de grupos de trabalho
são imensos, e às vezes insuperáveis. Entretanto, não podemos deixar de
reconhecer que a nossa formação, isolada e pretenciosamente sintética,
não favorece os contatos com outros profissionais. Isso é ainda re
forçado por uma posição narcisista do geógrafo, acostumado a ver a Geo-
grafia através de lentes de cor de rosa, e a julgar severa e descrite-
riosamente, muitas vezes, as outras ciências. não deixamos de reconhe-
cer que isso se insere na ideologia subjacente ao conhecimento geográ-
fico dominante.
Na podemos deixar de notar que os diferentes tipos de ta
refas realizadas estão correlacionadas com os salários. Os geógrafos
mais polivalentes, inclusive com trabalhos cartográficos, apresentam
uma média mensal de CR$1º.827,00, enquanto para as tarefas mais especifi-
cas as médias caem:
- estudos ecológicos ............................. 16.878,00
- estudos econômicos e sociais ................... 14.9 70,00
- elaboração de gráficos e cartogramas ........... 8.400,00
No primeiro caso, os salários mais elevados se relacio-
nam com pós-graduacão e, de certa forma, com menor concorrência. Aliás,
é sensível a posição de maior projeção assumida por climatologistas ou,
sobretudo, por geomorfólogos, onde é bem menor o número de especialis-
tas. No último caso, volta a ficar expressamente declarado, através de
um aviltamento salarial, o pequeno destaque profissional dos "mapeado-
res".
Ao concluirmos a análise do trabalho do geógrafo, somos
forçados a concordar com alguns entrevistados, que encontraram dificul-
dades em generalizar para todo o grupo. Existem geógrafos e geógrafos,
e podemos agora esboçar uma classificação preliminar, com quatro tipos
diferentes:
1 - Geógrafo "Expert" - são poucos, na realidade, com sa
lários elevados e grandes responsabilidades. Chefiam grupos de pesqui-
sa, e quando tal não ocorre, são respeitados e considerados pela sua
grande experiência. Nesse tipo se enquadram geógrafos formados ha vá-
rios anos e, sobretudo, professores universitários bem conceituados, que
sao muitas vezes convidados a participar de trabalhos como consultores;
2 - Geógrafo Polivalente - é o tipo mais destacado em nú mero, e
inclui todos aqueles que participam de trabalhos "sintéticos" e que ora executam trabalhos
ecológicos, ora econômicos e sociais, sempre coroados por preparação cartográfica. Em
muitos casos, para esses geógrafos estão reservadas as monografias locais e a realização de
trabalhos com finalidade nitidamente promocional.
3 - Geógrafo Especializado - na realidade uma fase anterior ao "expert".
São mais jovens e com formação mais especializada, às vezes obtida em pós-graduacão. Muito
ligados a estudos ecológicos, integram equipes mais voltadas a levantamentos e avaliação de
potencialidades de condições naturais.
4 - Geógrafo Mapeador - indicando um tipo talvez mais he terogêneo do que os
anteriores, inclusive em termos salariais. Aqui estão tanto os geógrafos que efetuam complexos
levantamentos aerofotogra-métricos e respectivos mapeamentos, como aqueles que simplesmente ela-
boram cartogramas e gráficos para ilustração de trabalhos realizados na instituição.
A FORMAÇÃO DO GEOGRAFO
como é do conhecimento geral, não há, salvo em poucas
Universidades, cursos que se destinam exclusivamente, à formação do geó grafo profissional. Em algumas
há um Bacharelado bem definido, isolado da Licenciatura; em outros o curso de geógrafo aparece como
complementa ção ou especialização. Em todas elas há, entretanto, problemas sérios, pois o currículo não
pode abandonar as diretrizes mínimas do Conselho Federal de Educação, estabelecidas para a formação
do professor. Assim, resta ao geógrafo, então, uma formação inadequada. Na pós-graduacão a situação
fica um pouco melhor, embora este nível esteja muito voltado, também, à formação do professor de 3º
grau.
Dos geógrafos pesquisados, 37,8% receberam uma formação
descritiva, com ênfase no estudo sistemático de cidades, sistemas agrí
colas, clima, morfologia, etc, enquanto 27 , 2% definiram seu curso como
descritivo, com explicações iniciais sobre padrões de distribuição e
comportamento de fenômenos. Do restante, 1º,6% optaram por uma caracte
tização puramente descritiva, com ênfase na memorização de "fatos" so
bre diversas áreas do globo, enquanto 15,4% definiram a graduação como
descritiva e explicativa, com breve abordagem teórica. Assim, vê-se
que mais de 50% dos geógrafos definem seu curso como descritivo, e mais de 84%
classificam-no como predominantemente descritivo. Ao que tudo indica, os velhos
"principios" continuam influenciando demasiadamente a estrutura dos cursos de Geografia,
levando-os ao exagero na observação e descrição, etapas iniciais necessárias à investigação
cientifica, mas que estão sendo colocadas como coroamento de uma formação profissional que
deveria ser mais explicativa.
Os trabalhos práticos realizados no curso são considerados aplicáveis com
restrições ou inaplicáveis por 61,1% dos geógrafos, enquanto 36,3% deles acham-nos
insuficientes, tendo em vista as exigências feitas no exercicio da profissão. uma disciplina ou
estágio ligado à prática de pesquisa foi feita por mais de sessenta por cento dos profissionais,
embora considerada satisfatória somente em metade dos ca sos. Note-se que apenas os
graduados no Rio de Janeiro e em Minas Gerais perfazem 85,2% dos que realizaram essa
prática, o que é indicativo da concentração espacial dos melhores cursos. Tudo indica que os
cursos estão melhorando, pois 85,7% dos geógrafos formados há menos de dois anos
cursaram prática de pesquisa, enquanto as percentagens para os gra duados entre 2 e menos de
5 anos, e formados há mais de cinco anos foram, respectivamente, de 68,7% e 54,1%.
0 currículo dos cursos permanece preso ao minimo do CFE,
ampliando-se aqui e ali com a introdução de alguma disciplina ou, como
é mais comum, com a divisão das Geografia Física e Humana em discipli
nas isoladas como, principalmente, Geomorfologia, Climatologia, Urbana,
Agrária e População, e o desmembramento de uma Cartografia Temática. Es
sas disciplinas, acrescidas de História, Geologia e Sociologia, formam
o cerne dos cursos de geógrafos, complementados com Biogeografia, Geogra_
fia do Brasil e Geografia Regional. Existem grandes ausentes nos cur
sos: Metodologia da Ciência, Filosofia da Ciência, Métodos Quantitati
vos em Geografia e Ciência Política. Observando-se a Tabela 4, em que
se indicam as disciplinas individuais mais estudadas, pode ser feita
uma comparação entre a formação recebida pelo geógrafo com as maiores necessidades
encontradas na atividade profissional. há profundas diver gências em termos de Métodos
Quantitativos, Regionalização e Teoria Regional, Metodologias da Ciência e da Geografia e
Fotointerpretação. Isso não significa dizer que as outras disciplinas ou áreas estão sendo bem
atendidas, pois o problema é também de qualidade dos cursos. Note-se, por exemplo, a
Geomorfologia, disciplina mais freqüente nos currículos, é considerada altamente insuficiente
por todos que se dedicam ao setor. Aliás, foram freqüentes nos questionários referências a
autodi-
TABELA 4
DISCIPLINAS DOS CURSOS DE GEOGRAFIA QUE FORMARAM GEÓGRAFOS
DISCIPLINAS
ESTUDADAS como DISCI.
PLINAS ISOLADAS
(máximo possivel = 70)
sim não
NECESSÁRIAS AO TRA-
BALHO PROFISSIONAL
DE ACORDO C/GEOGRA-
FOS (máximo possi-
vel = 670)
Filosofia da Ciência .....
Metodologia da Ciência....
Metodologia da Geografia...
Cartografia ..............
Cartografia Temática .....
Fotointerpretação ........
Estatística ...............
Métodos Quantitativos ....
Geografia Agrária ........
Geografia Urbana .........
Regionalização ou Teoria
Regional .................
Geomorfologia ....................................
Climatologia ........................................
Geologia ..............................................
Economia ............................................
Sociologia ...........................................
História ...............................................
Politica ................................................
4
3
11
27
34
20
23
3
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14
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32
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9
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0
0
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13
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218
20 3
300
300
24 2
20 8
146
150
98
82
59
datismo, e à necessidade de realização de cursos de extensão ou aperfei. çoamento. Deve ser observado
que apenas 13,6% dos docentes dos cursos de geógrafos concordam com o currículo existente. As reações
mais fortes partem, exatamente, dos professores que exercem atividades como geo grafo (que são 50% do
total), e que sentem as dificuldades dos recém-graduados vinculados a órgãos de pesquisa e planejamento.
As reações dos próprios docentes dos cursos e as infor
mações prestadas pelos geógrafos, reforçam a nossa idéia, acumulada
através de vários anos de experiência no magistério superior, de que os
Cursos de Geografia são bem fracos, e que os bons cursos são inferiores
àqueles do mesmo nivel existentes em outras áreas. Isso colide frontal-
mente, todavia, com a opinião geral dos geógrafos, que consideraram seu
curso como bom ou muito bom, em 59,3 % dos casos, e fraco e muito fraco
em apenas 13,5% deles. Ora, essa definição sintética de qualidade é
profundamente discordante das avaliações parciais feitas por eles pró
prios. Se os cursos são total ou predominantemente descritivos, se os
trabalhos práticos não são suficientes ou aplicáveis, se os trabalhos
de pesquisa foram satisfatórios em 50% dos casos, como somente 13,5%
dos geógrafos consideram seu curso fraco?
Deve ser ressaltado que há diferenças de avaliação, de
acordo com o tempo de formado. Os graduados há mais de 10 anos tendem
a julgá-lo com excepcional benevolência, talvez ajudados pela impossi
bilidade prática de se distinguir o que obtiveram no curso daquilo que
aprenderam, por esforço próprio, no exercicio da profissão. Os geógra
fos formados há menos de dois anos, por outro lado, criticam severamen
te a qualidade do curso de graduação, apesar de já terem concluído pelo
seu aprimoramento. Aqui as criticas talvez decorram mais dos choques
advindos da mudança de ambiente e dos problemas naturais que são enfreti
tados no inicio de qualquer atividade. há, também, por região, sensí
veis diferenças no julgamento da qualidade dos cursos, como pode ser
visto na Tabela 5.
TABELA 5
QUALIDADE DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO; POR REGIÃO - 1º 78
REGIÃO BOM E MUITO BOM {%) FRACO E MUITO FRACO (%)
Nordeste ...................... 57,1 9,1
SUDESTE ................... 48,8 23,2
Sul ............................... 33,3 0
Centro-Oeste ................ 100,0 0
É claro que nessa avaliação benevolente devem entrar, em
parte, problemas do prestigio profissional e de uma certa inibição em
considerar fraca a formação recebida na Universidade. Todavia, nao po-
demos deixar de relacioná-la com a visão deformada que o geógrafo tem
da sua e das outras ciências. Se, ao avaliar a Geografia e mais sete
áreas de conhecimento, os geógrafos indicam o trabalho realizado em sua
área como o mais produtivo e o de melhor qualidade, não podemos deixar
de concluir que os Cursos de Geografia transmitam uma visão alienada do
mundo. E o que é muito pior, dão uma formação alienante.
Muitos geógrafos procuram solução para suas deficiências
de formação em cursos de pós-qraduação. De fato, 53,6% deles possuem
cursos desse nível, sobretudo de especialização e aperfeiçoamento, pois
a pós-graduacão 'stricto sensu"ocorre em poucos casos, sobretudo liga
da a estudos ecológicos.
É importante notar que, dos pós-graduados, 65,9% são em
outra área, e isso é mais destacado no grupo dos recém-formados. Dos
atuais pós-graduados que concluíram bacharelado ou licenciatura há me-
nos de 5 anos, 83,3% realizaram pós-graduacão em áreas não geográficas,
enquanto para os graduados há mais tempo a percentagem é de 54,8%. Em-
bora isso decorra, em parte, da maior oferta desses cursos nos últimos
anos, não deixa de significar um esvaziamento da Geografia e a demons-
tração de que cursos em outras áreas dão ao geógrafo melhor status e,
às vezes, melhores salários, em decorrência de formação mais especiali-
zada .
Os problemas da formação do geógrafo só podem ser mino-
rados com uma reestruturação curricular, na qual seja considerada a ex-
periência dos atuais profissionais. É preciso que a Universidade aban-
done sua torre de marfim e seja constantemente realimentada por avalia-
ções, criticas e sugestões dos egressos. Devemos lembrar que, embora
muito válidas, as opiniões dos docentes-geógrafos representam uma parte
da realidade, pois sua participação no mercado profissional se reveste
de excepcionalidade. não podemos esquecer a opinião dos jovens geógra-
fos recém-formados, inexperientes e que às vezes são marginalizados nas
equipes interdisciplinares.
Os questionários de docentes mostram que muitos deles
não sabem, honestamente, o que é, o que faz e o que deve fazer o geó-
grafo. Aliás, só 31,8% dos questionários transmitem uma idéia clara so
bre uma formação ideal do geógrafo, enquanto o restante procura refor-
çar pontos vagos, como uma formação dissociada da do professor, ou uma
graduação em cinco anos. como se o problema fosse simplesmente de du-
ração de curso!Poderíamos ter seis anos para formar um geógrafo e ele
continuaria do mesmo modo, pois se não deixarmos claro qual o papel da
geografia e do geógrafo no mundo, esse tempo serviria apenas para acumu
lar mais informações.
Das opiniões dos docentes, duas idéias básicas ficam cla
ras: primeira, a necessidade de maior ênfase na pesquisa durante o cur-
so, talvez no estilo de estágios e projetos desenvolvidos nos Cursos de
Geologia e Arquitetura; segunda, um maior embasamento em Matemática,
Estatística e, para a maior parte, em Sociologia e Economia. A partir
daí as idéias se separam em duas correntes aparentemente inconciliáveis.
- A primeira, propugnando por um curso mais teórico, sis
temático, aprofundando conhecimentos filosóficos, metodológicos e de
conteúdo. Haveria, nessa corrente, uma nítida tendência para a formação
de um geógrafo global.
- A segunda, insistindo num estudo aprofundado de conteú
do, com nítida tendência pragmática e instrumentalista, deixando uma
carga média de conhecimentos teóricos para o final do curso. Essa cor-
rente tenderia à formação de um geógrafo mais especializado.
Deveríamos discutir até que ponto essas concepções sao
incompatíveis. Nao seria possivel um meio termo, em que não se optasse
ou por uma formação tão teórica, com riscos de se dissociar do mundo
real e do campo de trabalho, ou por uma outra tão ligada às necessida-
des imediatas dos profissionais, com riscos futuros para uma profissio-
nal sem grande versatilidade? Até que ponto a Universidade deverá re-
petir os erros que cometeu até hoje nos Cursos de Geografia, passando a
formar um geógrafo dirigido a um mercado de trabalho com atividades tão
indefinidas?
Soluções definitivas para um problema tão complexo, que
só devem surgir apôs reflexões e discussões, não podem ser apresentadas
no âmbito de um simples simpósio. Todavia, já podemos começar a indicar
certos pontos de reflexão para todos os que lidam com o problema.
Parece-nos claro que os cursos de formação de geógrafo devem insistir
no reforço à instrumentação, dado por disciplinas como Cartografia,
Fotointerpretação, Métodos Quantitativos e Pesquisa. Devem também
reforçar a idéia de uma formação sintética e globalizante, com discipli-
nas de conteúdo geográfico ou não, e com a resolução dos problemas me-
todológicos envolvidos na construção dessa síntese. Um esforço maior, todavia,
deve ser feito no desenvolvimento da consciência critica do geógrafo,
que não se pode fazer sem Filosofia e sem a definição de uma ou várias
posturas da Geografia diante dos problemas do mundo. Talvez aí esteja o
problema básico, a chave que abrirá ao geógrafo novos caminhos, que não
se abrem sem um posicionamento consciente da realidade.
REFERÊNCIAS
BUTTIMER, Sister Annette, "Values in Geography", Resource Paper nº 24,
Association of American Geographers, 1974.
HARVEY, David. "What Kind of Geography for what Kind of Politic Policy?"
Transactions of the Institute of British Geographers, nº 63, 1974,
pp. 18/24.
LACOSTE, Yves, "A Geoqrafia", in François Châtelet, A Filosofia das Ciên-
cias Sociais, Cap. V, Zahar, Rio de Janeiro, 1974, pp. 221/274.
OLIVEIRA, Livia de, participação na Mesa-Redonda sobre Teoria e Metodo-
logia da Geografia, I Encontro de Geografia no Nordeste, Natal, 1977,
anotações.
UNIVERSIDADE, GEOGRAFIA E FORMAÇÃO DE GEÓGRAFOS
Odeibler Santo Guiduali* UNESP
- Rio Claro
Num momento em que a geografia brasileira, em função de
retorno, embora tímido da disciplina nas escolas de 1º e 2º graus, da
expansão dos cursos de pós-graduacão e da regulamentação da profissão
de geógrafos, começa a retornar a uma fase mais promissora, especial
mente nos meios acadêmicos, impõe-se a discussão, entre os profissio
nais nela envolvidos, de questões sobre a formação de seus especialis
tas: os bacharéis e os licenciados. Seria, entretanto, um equívoco
com sérios riscos admitir-se como válida que a análise pudesse ser efe
tuada em um círculo vicioso ou seja a partir dos profissionais formados
na ciência em direção aos departamentos de formação, os de geografia, e
destes para aqueles.
A análise crítica das questões que envolvem a formação
profissional em geografia, quer para tarefas acadêmicas quer para as
não acadêmicas, somente será produtiva se avaliada a partir de considerações mais amplas que
obrigatoriamente devem envolver: a Universidade como instituição formadora de recursos humanos, os
problemas e controvérsias da própria ciência geográfica, seu posicionamento no contexto da Universidade
e os profissionais que nela são formados, seus objetivos, eficiencias e deficiências diante das mudanças
sócio-espaciais com as quais a humanidade se envolve celeremente. Isto sem esquecer que os estudantes
estão demandando um aprendizado de natureza mais prática que os habilitem a serem empregáveis
apôs dela saírem.
Assim, a geografia, de um lado, gera problemas no con-
junto da Universidade, de outro, sofro os efeitos dos nela gerados. Os
problemas da Universidade são muitos e isto é bastante fácil de entender uma vez que ela, de maneira
positiva ou negativa, espelha a conjuntura dos problemas da sociedade na qual está i n s e r i d a . Por isto
laboramos em equívoco quando falamos aleatoriamente sobre a crise da univer
* Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Geografia. UNESP - RIO CLARO
- SP
sidade quando, o mais correto, seria admitir que enfrentamos
uma série de crises na sociedade e a da Universidade é uma delas. A Uni_
versidade tem se mostrado incapaz de responder às necessidades de pre
paração de recursos humanos para o desenvolvimento, quer do ponto de
vista da quantidade, mas principalmente no da qualidade. Igualmente a
sociedade não tem considerado como deve a Universidade, seu valor e
suas necessidades.
O compromisso da Universidade na produção do saber, mas também de
recursos humanos deve considerar não apenas a ampla gama de necessidades e reclamos atuais
mas também aqueles que atendem às mudanças continuamente necessárias. Sobre este aspecto
poderemos nos indagar se ela tem sido tão dinâmica o quanto tem sido socialmente necessária.
A resposta parece ser só uma: não. Em razão disto, não importa muito olhar a Universidade
sob a ótica de seus problemas, isoladamente, como se fossem solucionáveis, independendo
muito daqueles da sociedade.
A Universidade não é uma instituição sagrada que se auto-justifique pelo
simples fato de existir. E, uma prova disto é que a sociedade não mais se satisfaz com sua
simples existência. Ao contrá rio, exige, cada vez mais que ela seja um dos seus principais
aqentes de atuação. não responder a esta exigência é caminhar céleremente para a
marginalização, perda de valor para a insignificancia.
Hoje nossas Universidades se envolvem com problemas caracterizados
pelas ausências de coerência interna; relação mais adequada com a sociedade; relações
significativas entre formação e ocupação de seus alunos; de oportunidade de ganhar a vida para
os que dela saem; valorização do que nela é produzido e também de prestígio e de qualidade
de ensino.
0 que se pretende aqui é avaliar todos estes aspectos re fletindo sobre
eficiencias e deficiências a partir da ótica de uma das formas de conhecimento que nela é
ensinado: a geografia. Interessa-nos no momento considerar a geografia no âmbito da
Universidade, os conhecimentos elaborados, os profissionais formados, seu grau de
penetração na sociedade como oferecedores de respostas aos problemas que ela enfrenta, o
tipo de educação necessária para os empregos geográficos mais do que as intermináveis crítica
pela crítica, o saber pelo saber. 0 que importa é a crítica como diretriz e o saber para fazer.
Geografia e Universidade
A verdadeira Universidade deve agasalhar em seu interior
uma pluralidade de conhecimentos, sustentar a liberdade destes pensamen tos pluralistas e permitir que as
várias formas de conhecimentos e as alternativas de pensar sobre eles sejam mantidas, valorizadas
igualmente, eliminando-se falsos privilégios. Entretanto, se esta é a proposta teórica, a prática é bastante
diversa.
A geografia dentro da Universidade é um campo de conhecimento introspectivo
numa instituição que também pode ser considerada introspectiva e fechada num ciclo que nela começa e
nela termina. Entretanto, o número de alunos, a densidade de docentes e o crescimento das investigações
são por si mesmos fatores que exigem das duas: da Uni versidade e da geografia um abandono desta
posição. Na realidade as mudanças que nela ocorrem assumem características criticas onde privile gios de
conhecimento são implantados, conhecimentos são desvalorizados e a Universidade deixa de ser o lugar
por excelência para produzir e fa zer progredir os conhecimentos de que tem necessidade a sociedade hu-
mana .
Qual é o papel da ciência geográfica na Universidade,
mais particularmente numa Universidade brasileira? Qual seu posicionamento no âmbito da educação
superior em geral? Qual sua capacidade de constituir-se num dos segmentos que produza uma nova
imagem da Universidade? Repensar a geografia na Universidade implica em considerar o que ela é para a
comunidade e para nós mesmos, e o que ela significa para nossos alunos.
Ao lado de questões desta natureza que devem ser consideradas como ponto de
partida para avaliar o papel da ciência na formação de profissionais e estes na sociedade, outra
consideração não deve ser esquecida: admitir que uma disciplina que combina a visão do social e do
natural, a lógica das localizações, a importância da escala e os níveis de desajustes entre o homem e o
espaço, tem muito a oferecer aos jovens.
uma visão panorâmica da geografia na Universidade nos
mostra que ela tem estado muito ausente e tem sido olhada muito pobre
mente como contribuidora para o seu progresso. Nela poucos propõem sua
inclusão no estudo enquanto, em várias situações
-
, muitos propõem sua ex
clusão. Por que coisas desta natureza estariam ocorrendo? Motivadas pe
lo desvalor da ciência, a lentidão dos departamentos de Geografia em
responder às necessidades da sociedade, ao desemprego dos graduados, à falta de um potencial de
contribuições? Num balanço abrangente, quem teria a coragem de admitir hoje que a geografia estaria
bem posicionada nas Universidades brasileiras?
As interfaces entre geografia e Universidade têm revela
do uma série de problemas onde a falta de capacidade dela contribuir
para a educação geral e de uma ativa educação geográfica, em particular,
reflete-se na maneira como ela é vista e o conjunto reflete-se sobre o
seu público: professores, alunos e a sociedade.
Os problemas mais significativos que enfrenta a geografia na
Universidade podem ser assim enumerados:
1 - a imagem por ela projetada decorre do valor percebido para a mesma
na educação das pessoas e também do produto que ela produz: as pes
quisas. Entretanto, se a produção deve intrinsecamente resultar de
uma atividade criativa, quando a geografia poderá ser considerada
como uma disciplina de larga produção? Quando o volume de seus tra
balhos simplesmente aumenta? Ou o número de alunos matriculados
cresce? Efetivamente falta-lhe uma relevância social que se confli_ ta com sua
inércia ligada a objetivos mais restritivos, especialmente pelo desejo dominante de
apenas ensinar. Beard (1976) e Mikesell (1º 79) já caracterizaram bem esta
síndrome de ensinar geografia pa ra que depois também outros possam ensinar
geografia...;
2 - o pequeno número de estudantes que se candidatam e depois efetiva-
mente entram em seus cursos, constituindo-se num indicador da baixa
competitividade que se reflete na baixa seletividade. A isto se
acrescente a indagação: quantos estudantes consideram a geografia como um dos
principais campos de estudos numa Universidade?
3 - a acentuada diversidade de suas pesquisas, criando, muitas vezes,
uma abordagem desnecessariamente volumosa e indigesta para os colegas acadêmicos de
outras disciplinas, para o poder público e privado. Quando queremos demonstrar a
muitos que podemos muito, ampliamos neles o conceito de que não podemos nada;
4 - os departamentos de Geografia são considerados inferiores nas Uni-
versidades. Teoricamente não existen dúvidas quanto ao uso da geo
grafia. Na prática, porém, nada mais faz do que auto justificar-se,
insistindo que seu estudo é necessário porque os estudantes são
ignorantes das áreas em que vivem, das áreas estrangeiras, e de suas culturas, etc. Mas
seria isto suficiente para melhor posicionar um departamento numa Universidade?
5 - a falta de uma definição adequada dos objetivos dos departamentos
de Geografia na Uni vers idade. Para que eles apresentem progressos significativos
devem estar seguros de que seus programas são de alta qualidade e, sobretudo, úteis.
Na prática devem comprovar isto.
É muito importante considerar que os objetivos do departamento devam ser acessíveis e
aceitos para a maioria da instituição e ao mes mo tempo sejam responsáveis pelos
objetivos institucionais dela;
6 - os departamentos de Geografia necessitam identificar as necessida-
des de outros departamentos. Só assim eles verificarão que entre aquilo que os estudantes
necessitam em sua educação, comparado com o que a instituição oferece, existem vazios.
um departamento flexível e motivado poderá demonstrar sua utilidade auxiliando a Uni-
versidade a preencher estes vazios. com esta orientação a geografia pode ter uma
melhor posição na Universidade;
7 - há também uma acentuada falta de diálogo entre geógrafos acadêmicos
e os não acadêmicos, o que se reflete no baixo nível de relações entre as diversas
disciplinas universitárias e os profissionais nelas envolvidos;
8 - a incapacidade que a geografia tem tido de persuadir a administra-
ção de sua utilidade e da qualidade de seus programas na Universidade. Se a utilidade e
qualidade existem elas precisam urgentemente ser documentadas mas, se elas não
existem, precisam ser desenvol_ vidas;
9 - o grande desequilíbrio entre o tempo em que alunos são expostos aos
estudos geográficos e o período em que efetivamente trabalham em
geografia, discrepa de muitos outros campos de conhecimentos também desenvolvidos na
Universidade;
10 - os profissionais dela originados, os geógrafos, quer os envolvidos em atividades acadêmicas ou não
acadêmicas, possuem pouco prestígio e isto se agrava quando verificamos que, ao lado deles, outros
profissionais como médicos, engenheiros, matemáticos, demógrafos, etc. assumem importância
social mais significativa.
O levantamento desta problemática desajusta-se da evolução da ciên
cia e da atividade geográfica, É necessário, portanto, que haja mu
danças no sistema de educação geográfica, especialmente mudanças
nos propósitos para os quais os geógrafos estão sendo preparados. não se pode cometer o equívoco
de supor que inúteis reformas curriculares, desvinculadas das questões levantadas, possam
solucionar es tes desajustes .
A geografia tem internamente um ensino acentuadamente di luido enquanto ciência
e também no conjunto da Universidade. A alteração desta orientação exige mudanças de estratégias e,
dentre elas, três
seriam significativas: 1ª. ampliação da qualidade da programação, ao
mesmo tempo em que procure ser, cada vez mais, capaz de demonstrar sua utilidade para a
comunidade universitária; 2a. melhorar a produtividade escolar, ampliando o treinamento
profissional e a capacidade de pesquisa; 3a. tornar mais visível e politicamente mais ativa sua
ação no sentido de se envolver com processos de tomadas de decisão, desde o âmbito da
Universidade, até o da comunidade. A partir destes aspectos se rã possível eliminar uma série
de conflitos que envolvem hoje a geografia na Universidade: aqueles existentes entre a
aprendizagem e a têcni ca, entre nossa profissão e nossos clientes, entre nossos departamentos
e os demais e entre nossa produção e as necessidades da sociedade.
Quem pode pretender tratar seriamente os problemas do
meio ambiente, a gestão dos recursos naturais, a organização do territó rio, a urbanização, o
subdesenvolvimento, a difusão da má qualidade de vida sem fazer apelo à problemática e aos
métodos adequados através da pesquisa geográfica? como organizar cursos estruturados de tal
maneira que possam preparar os estudantes para o ensino ou para atividades não acadêmicas
com competência e para a competitividade? É preciso ter-se a coragem de assumir a
responsabilidade em posicionar melhor a geografia na Universidade. Mas como, na prática,
fazer isto diante da permanente turbulência da ciência geográfica?
A Geografia
0 interesse crescente pelas questões inerentes à formação do geógrafo
profissional, acadêmico ou não, o balanço dos aspectos positivos e negativos da situação da
geografia no Brasil, as propostas de alternativas para o futuro, são indicadores de dificuldades,
mas tam bém da utilidade e do próprio valor da geografia. não se trata aqui de uma tentativa
de avaliar apenas a importância da geografia ou como ela deva ser para preparar seus
profissionais. Trata-se mais de inventariar seus problemas básicos, alguns até tradicionais, os
quais, mais do que um rol de equívocos, possam constituir um elenco de pontos de partida
para a reformulação dos projetos que visem preparar, na universida de, especialistas para o
ensino e para as tarefas não acadêmicas, assegurando o futuro dos professores e, em
conseqüência, da ciência.
A geografia, especialmente no Brasil, apresenta-se como uma ciência sem
imagem e, em conseqüência, com escasso público. Este é limitado ao mundo acadêmico e
praticamente ninguém do mundo não academi-co. uma situação evidentemente
preocupante, por realçar que a geogra-
fia, apenas como um inventário de Informações, falhou na sua missão e assim falhou igualmente na
competição como uma das formas de educação para a vida prática e como um conhecimento útil para a
solução de problemas da sociedade humana.
A situação descrita torna-se ainda mais paradoxal quando,
de um lado, observa-se a inércia da ciência quanto ao preparo dos seus
profissionais e, de outro, um reconhecimento teórico de que ela é um
conhecimento que estabelece uma ligação cientificamente estruturada entre o mundo da natureza e as
ciências do homem. É a única disciplina que se interessa simultaneamente e de maneira sistemática por
fenômenos de ordem natural e social em sua extensão, repetição, interrelações espaciais, origens, etc.
Em sua história ela já passou da observação intuitiva à informática do desenho à
caneta às imagens de satélites, do rol de dados às sofisticadas técnicas de avaliação. Mas, quanto aos seus
objeti-vos parece ainda distante em relação ao estudo da condição humana, seus ambientes e seus
constrangimentos. Disto decorre sua imagem pobre. Pa ra que o geógrafo, como professor ou envolvido
com tarefas nao acadêmicas possa, com maior eficiência, desempenhar tarefas que lhe são relevantes,
como as relacionadas à condição humana, precisa urgentemente rea valiar, e minimizar ou eliminar uma
série de contradições que o afetam e à sua ciência. Algumas destas contradições é que serão delineadas em
seguida.
A geografia é uma ciência demolidora. Bunge (1 9 7 3 ) afir
mou algo que deve ser objeto de preocupação permanente em geografia:
"uma disciplina amadurecida é aquela que não minimiza o passado". Afir
mação simples mas que ao lado de outras semelhantes como as de Hart
(1982), Christensen (1977) e Armand et all (1975) convertem-se em séria acusação aos geógrafos.
A história que vem sendo produzida tem procurado considerar como aspecto
relevante em geografia os inventários de ganhos fatuais, de volumes de informações e a sucessão de óticas
sob as quais tudo tem sido visto, mais do que qualquer outra coisa. 0 último aspecto tem sido
insistentemente incentivado com graves prejuízos para a ciência .
No passado, tanto quanto na atualidade, produziu-se um valioso conjunto de idéias
e pensamentos, mas nos esforçamos em não ava liar suficientemente estas coisas. Ao contrário de muitas
outras ciências, os geógrafos estão imbuídos do principio de que somente olhar à volta pode trazer
progresso, olhar para traz pode gerar a estagnação.
Enquanto outras ciências acumulam, constróem, acrescentam conceitos, os
geógrafos os dizimam. Por isto é que nao temos na ciência nomes como
um Toynbee na História, Durkheim na Sociologia, Ricardo ou Marx na Eco
nomia, Einstein na Física, etc. Somos dotados do terrível vício de des;
truir velhos heróis e, de criar rapidamente "novos santos" e "novos
oráculos". Isto produz a perplexidade entre nossos estudantes, o nosso descrédito no mundo
das ciências e auxilia o desaparecimento da'geografia.
Continuamos nos iludindo com o número de pessoas formadas em
geografia e com o simples volume dos trabalhos. Mas, estas medi_ das satisfazem apenas
egocentricamente os próprios geógrafos, mas eles não fazem a maioria dos cientistas.
Continuamos a propugnar pela exis tência de verdadeiras guerrilhas ou batalhas entre uma
corrente e outra de pensamento, um nome e outro ao lado do permanente equívoco da perda da
memória e de suas tradições. não foi assim que o ambientalismo foi dizimado pelo
regionalismo, este pela quantificação, que foi sacrificada pelos geógrafos voltados para o
estudo da condição humana? Enfim um excepcionalismo improdutivo para uma ciência que
pretende ter um melhor reconhecimento no mundo cientifico.
Outro problema, se é que o seja, com o qual necessitamos
aprender a conviver sem traumatismos, é aquele relacionado ao objeto da
geografia, A discussão interminável, mas também improdutiva, não ser
virá para melhorar o " status" da geografia na universidade ou fora de
la. É uma questão vã. uma ciência não tem outro objeto que os proble
mas os quais ela se reserva estudar. O tema da geografia, bastante conhe
cido, é o das relações das sociedades com o seu espaço que deve ser
apreciado sob diferentes ângulos e escalas e segundo os elementos des
tas relações. Reconhecemos que as distorções nas relações da sociedade
com o espaço, cada vez mais evidentes, são profundamente desestabiliza-
doras. Assim, a relevância do objeto da geografia estaria na busca da
adequação necessária ao equilíbrio do conjunto. é preciso abandonar a
desesperada perspectiva de que a geografia deva buscar incessantemente
algo que seja seu, de sua propriedade particular. É preciso também con
siderar que seu valor como ciência não reside neste aspecto e que os
não geógrafos não nos cobrarão isto e sim a praticidade e a relevância social de tudo o que
produzimos.
Outra permanente questão na mente de professores e estudantes é a falsa
dicotomia entre a geografia denominada física e a deno minada humana. Estudantes que se
propõem a estudar e professores que pretendem ensinar a geografia física ignoram as
relações homem-meio am-
biente, os geógrafos humanos procuram ignorar os fatos físicos na expli cação de suas
questões. Entretanto, se as relações homem x natureza sao a essência da geografia, esta
trajetória converte-se numa perplexidade. 0 meio natural propriamente dito não mais existe na
superfície da ter ra. 0 homem vive num espaço fabricado onde todas as partes e peças foram
alteradas e adaptadas segundo seus projetos e suas técnicas. Mas, os departamentos de
geografia atomizam o conhecimento da ciência separando demasiadamente os temas ao
mesmo tempo em que, Contraditoriamente, se propõem a ensinar algo sobre climatologia
urbana ou a organização espacial dos recursos naturais. Visíveis temas de relações homem x
natureza.
E tarefa inadiável avaliar-se como a atomização do conhe cimento
geográfico vem auxiliando ou prejudicando a ciência no conjunto. Assim, é importante
considerar as tendências de evolução de cada ramo da geografia, e sobre as principais áreas
para verificar como cada evolução influiu na evolução do todo. É preciso reavaliar, como
indica Wooldridge e East (196 7), as razões que levaram a "vanguarda intelectual da
humanidade, após divisar um panorama sinótico do conhecimento científico, percebido sua
unidade e inteireza, ter-se dividido em diferentes grupos quando chegaram à terra prometida"
avistando com clareza e definição apenas um aspecto da paisagem inteira".
A aplicação do conhecimento geográfico é outra importante questão ainda
não considerada adequadamente na ciência. Se é verdade que o estudo da história e da
filosofia da geografia é tarefa importante para a formação dos geógrafos, que estudar um
variado elenco de temas também o seja, mais importante é identificar a utilidade disto tu do
na prática.
Os programas de geografia, quer a nível de graduação ou de pós-graduacão,
têm dado pequena atenção à questão da aplicação não acadêmica da disciplina ou a inclusão
de disciplinas que visem um prepa ro mais técnico em seus currículos. Estes aspectos são
importantes não só para a distinção entre pesquisa básica e pesquisa aplicada como também
para melhor delinear um geógrafo não aplicado, daquele aplicado de maneira passiva ou ativa.
Precisamos com urgência passar da condição de não aplicado para o de um aplicador ativo.
O sistema de educação geográfica e a formação dos geógrafos que
serão abordados em seguida devem decorrer das mudanças na evolução da geografia,
como ciência e como atividade prática. Para tanto, como ciência ela precisa refazer sua
imagem considerando o seu passado ade-
quadamente, abandonando o egocentrismo como forma de medir o seu valor para o mundo
nao geográfico, abandonar a postura de desespero na busca de um objeto próprio, esforçar-se
por eliminar as dicotomias inexistentes na realidade mas, acima de tudo, reavaliar sua
aplicação na formação de professores para qualquer grau de ensino e na daqueles que, de
maneira não acadêmica, devem contribuir para a solução de problemas.
É preciso assegurar o futuro da geografia pensando e fa
zendo uma geografia para o futuro. Estudantes e professores precisam
saber com segurança o que a geografia até então produzida pode fazer
por eles, mas devem também ser habilitados para identificar o que podem fazer por ela daqui
para frente.
Formação de Geógrafos
Esperamos que a geografia tenha consideráveis oportunidades não só diante
das atuais necessidades e constrangimentos dos seres humanos como também face às previsões
do futuro da organização do espaço. Entretanto, estas esperanças relacionadas ao já discutido
significado da ciência para a sociedade e do papel que os profissionais de la originados poderão
assumir, não apenas hoje mas especialmente amanhã, continuam incertas.
Enquanto esperamos as oportunidades, o número de econo
mistas ou de administradores que trabalham para o governo e empresas
privadas é muito maior que o de geógrafos. Além disto, muitas pessoas
graduadas como geógrafos estão trabalhando em organismos oficiais ou
particulares com títulos diversos do de geógrafo. não seria a geogra
fia melhor aceita se os que nela trabalham fossem melhor identificados
como geógrafos no serviço publico ou privado? Situações como estas não
afetariam o problema da agregação curricular de uma disciplina na Uni
versidade, onde deve obrigatoriamente refletir as necessidades intelec
tuais e educacionais da sociedade a qual serve?
Para Zelinsky (1º 70) o geógrafo seria um diagnosticador, um profeta, um
arquiteto do futuro. Mas o que ele tem sido é um elaborador de utopias tanto teóricas quanto
práticas.
A reflexão sobre a formação do geógrafo deve ter como
ponto de partida as considerações sobre o que ele faz. Só assim será possivel propor uma
educação geográfica cujo objetivo não se limite a prepará-lo para fazer o que faz mas,
principalmente, para o que deve fa zer. É preciso reconhecer que se queremos nos tornar
realmente indis-
pensáveis para a sociedade devemos principiar por nos acostumar a nossa
própria transformação face uma sociedade que se transforma.
As tarefas atribuidas ao geógrafo são muitas e variam
desde o ensino ao oferecimento de condições para uma melhor compreensão
do espaço; na prática, a proteção ambiental, preservação e orientação do
uso de recursos, impactos espaciais de distribuição de população,
sistemas de informações para um melhor conhecimento do espaço, as-
sistência na tomada de decisões no planejamento urbano e regional ou,
em outra perspectiva, as preocupações com a terra como um teatro de
guerras, fome, pobreza, injustiças e desconfortos. Tudo isto é geogra-
fia. Entretanto, os profissionais nela graduados não podem ser consi-
derados preparados para estas tarefas práticas. Os professores das es-
colas de 1º e 2º graus ao assumirem suas funções de ensino passam a ver,
na grande variabilidade de temas com os quais a geografia se envolve, o
seu primeiro percalço, acabando por não saber o que ensinar. Igualmen-
te, os geógrafos não acadêmicos apresentam-se despreparados para operar
na vida prática.
Qual o modelo que deve ser utilizado na preparação de um
programa de formação em geografia que possa responder satisfatoriamente
às questões apresentadas, considerando as finalidades, objetivos, con-
teúdos, métodos e abordagens? como preparar nossos estudantes com vis-
tas a obter com sucesso empregos dentro, mas também fora do tradicional
âmbito da Universidade e do ensino em geral? como relacionar os métodos
de formação de geógrafo ao contexto geográfico e politico no qual eles
devem trabalhar? Considerar o que querem de nós como geógrafos e
diverso de dizer aos outros o que eles devem querer de nós. Assim algo
deve ser estabelecido: são inúteis as reformas curriculares baseadas no
pressuposto de que um tema estudado em 1980 é absolutamente diferente
do que o fora em 1950.
As atuais formas de preparação de geógrafos envolvem um
conjunto de sérias questões. A geografia é relevante tanto para o ensi
no quanto para a pesquisa, mas devemos reconhecer que no confronto en-
tre as exigências para o desempenho do papel de geógrafo e a atual for-
mação, os currículos e estruturas da disciplina são inadequados.
Simples propostas de alterações de títulos nos currícu-
los acadêmicos que visem à formação do geógrafo serão inúteis se não re
pensarmos a geografia em termos de sua história, de sua filosofia e de
sua viabilidade de aplicação prática. É preciso avaliar que tipo de
conhecimento é necessário para que cada cidadão seja melhor preparado e
equipado para viver no contexto em que vive e para melhor utilizar e
compreender tanto as leis da natureza quanto as sociais e econômicas.
Para tanto é preciso ajustar os geógrafos a estas necessidades. Para
isto, é necessária a destruição de alguns "mitos" que interferem negati-vãmente no processo
de educação geográfica.
um primeiro "mito" está no volume de aspectos com os
quais a geografia necessita se envolver. Este aspecto, em si mesmo nao é nem um bem nem
um mal, apenas uma característica inerente da ciência. O grave equivoco está no fato de que, a
partir dela, se procure realçar sua importância por efetuar identificação de interrelações entre
grande quantidade de fenômenos, evidentemente relacionáveis, quando o significado em
geografia é a busca de possíveis interrelações entre fenômenos aparentemente disparatados.
Somente estas quando comprovadas ou rejeitadas podem contribuir para a valorização das
tarefas do geógrafo.
Necessitamos também abandonar a postura de ver os fatos
apenas através de uma teoria pré-concebida rejeitando simultaneamente ou
tras teorias. Nossos estudantes necessitam conhecer igualmente bem as
raízes do Positivismo e do Marxismo em geografia e a partir daí serem
capazes de avaliar o grau de contribuição que cada uma pode dar. não há
teorias absolutamente certas como não existem outras totalmente erra-
das. Os esforços feitos por alguns identificando a pesquisa válida em geografia apenas com um
método ou uma só maneira de explicação é um caminho para o suicídio de seus cientistas e
um assassinato da ciência.
A sofisticação quanto ao volume e qualidade das informa
ções que chegam às mãos dos geógrafos os tem feito abandonar a proposta
de avaliação do mundo real. 0 espaço passou a ser visto e analisado
através de sofisticadas fórmulas, imagens, mensurações sofisticadas e outras modalidades de
registros. como geógrafos, nosso contato com o espaço passou a ser algo secundário e isto
tornou-se um aspecto negativo pois, todas as fontes de documentação e métodos de análise
devem ser vistos em acréscimo à indispensável observação do mundo real. Associa-damente, é
necessário ampliar profundamente o processo de aprendizagem que prepare nossos estudantes
para a pesquisa de campo. Só assim estaremos fazendo com que eles possam avaliar e usar
melhor aquilo que apren de ram.
Outro problema bastante grave quanto à formação dos geó
grafos reside no fato de que, teoricamente, nos esforçamos para indicar
que somos capazes e que podemos auxiliar muitos a compreenderem suas
próprias necessidades. Na prática, entretanto, agimos e nos preparamos como se as diferentes
realidades do espaço fossem alheias ás nossas tarefas. É preciso considerar a relevância da
geografia para a pesquisa,
para o ensino, mas acima de tudo para a sociedade.
Também, a educação geográfica deve considerar como sua tarefa
prioritária o preparo de geógrafos para tarefas não acadêmicas sem que com isto eles deixem
de se comunicar com os departamentos acadê micos. Este é um aspecto muito importante uma
vez que se reflete sobre os currículos ainda de fins nitidamente acadêmicos. Enfim é preciso
en tender que as tarefas do geógrafo tanto em ensino quanto em sua aplicação não acadêmica
são igualmente importantes, mas esperar o reconhecimento apenas no interior das
Universidades é nada, pois o reconhecimento dela passa pelo crivo da sociedade.
Programas e disciplinas nos currículos da Universidade
têm partido do pressuposto que paradigmas não mudam. A nação da
geografia é uma nação de migrantes. Nela, conteúdos, métodos e objetivos vão e vêm com
muita facilidade e isto não é bom. uma importante ta refa seria aquela de reunir as coisas sob a
perspectiva de uma unidade real e assim evitar os inúteis e insistentes isolacionismos de que pa
decern nossos programas e projetos. A melhora na qualidade da formação do geógrafo
relaciona-se ao estabelecimento de uma proposta onde as dis ciplinas componentes dos
currículos eliminem o isolacionismo e posicionem-se no sentido da construção tanto teórica
quanto prática da ciência.
Alguns parâmetros básicos são aqui relacionados como pon tos a
considerar na tarefa de reordenação dos cursos formadores de geógrafos:
1 - enfatizar uma formação geral básica, não só no âmbito da geografia
como também em relação àqueles campos de conhecimento com os quais ela se envolve
com maior constância;
2 - propugnar pela eliminação da dicotomia natural-social, a qual, além
de não contribuir para melhorar o posicionamento cientifico, na pra tica, colabora para a
sua efetiva desagregação através de uma atomi-zação que elimina a coerência no seu
ensino ao mesmo tempo em que impede sua aplicação na prática;
3 - prestigiar, igualmente como disciplinas formadoras, as denominadas
físicas e as humanas, uma vez que umas não se sobrepõem às outras quer em termos de
dificuldades, significancia ou aplicação. Os que têm a responsabilidade de preparar
novos geógrafos não podem se esquecer de que o que deve e pode ser aplicado è
a geografia;
4 - considerar que mesmo o geógrafo com uma especialidade como os clima
tologistas, geomorfólogos, analistas populacionais, biogeógrafos,
etc., devem possuir sólido conhecimento de outras áreas, pois exces s ivas
especializações com caráter unilateral, forjando individualidades às vezes impossíveis
não podem produzir efeitos positivos nos profissionais de uma ciência como a
geografia;
5 - destacar na formação dos especialistas aspectos da aplicação da geo
grafia, quer no ensino ou fora dele. É bastante diverso um especia lista prático capaz
apenas de aplicar conhecimentos e técnicas importadas de outras ciências, mas
desajustadas às questões que a geo grafia necessita responder, daqueles preparados para
oferecerem res postas geográficas a estes problemas;
6 - considerar que o elenco de disciplinas ou áreas de estudos em geo-
grafia não devem ser estabelecidos, a partir de rótulos prê-exis-tentes. O aperfeiçoamento
e a adequação dos currículos universitários de geografia não devem ser efetuados a partir
de simples mudanças de títulos das disciplinas. com esta orientação, muitas vezes, títulos
"pomposos" e "sonoros" são propostos para posteriormen te perder-se tempo e esforço
inúteis no sentido de justificá-los ou precisar-lhes conteúdos, coisa muitas vezes
impossível;
7 - admitir que tarefas e currículos estabelecidos a partir da utiliza-
ção dos problemas e sistemas espaciais existentes, emergentes ou po tenciais, têm
certamente maiores chances de serem adequados à formação profissional em geografia;
8 - delinear com clareza o elenco de atividades com as quais pode e de-
ve o geógrafo não acadêmico envolver-se, definindo assim suas ver
dadeiras possibilidades, suas limitações e suas interfaces com o
restante do mundo cientifico;
9 - considerar que, sem perder de vista a fundamentação teórica, o geó
grafo não pode afastar-se das preocupações de ordem aplicada se de
seja colocar-se no mundo do trabalho em ensino ou não, em termos
competitivos, É preciso que ele seja preparado para obter com su
cesso empregos fora da Universidade, pois são as oportunidades de
emprego é que deverão ditar as alterações curriculares em geografia;
10 - considerar, na montagem dos cursos e na formulação de programas,
aqueles aspectos que melhores oportunidades profissionais podem tra zer para os
estudantes, bem como considerar o território, o pais e a sociedade para a qual o geógrafo
está sendo formado.
Nas universidades brasileiras, onde se ensina geografia, percebemos
grande desequilíbrio entre o preparo oferecido em seus cursos de geografia e as tarefas
que deverão desempenhar os que nelas se
formam. Há sérios desajustes entre o valor que os geógrafos estabelecem para si' próprios face
aqueles originados de um reconhecimento externo, entre o tempo em que os alunos são
expostos aos estudos geográficos e o periodo em que trabalham em geografia.
A sobrevivência da geografia depende do quanto sejamos capazes de
resolver todas estas coisas. As Universidades precisam rede finir os propósitos para os quais a
geografia nelas é ensinada e geógra fos nelas são preparados. Estamos educando a geração de
geógrafos que nos sucederão e como estamos? Para a inércia, a estagnação, o desvalor ou para
um melhor posicionamento, para o progresso e para um reconhecimento da sociedade como
algo não apenas útil mas indispensável?
O valor, a perspectiva de contribuição da geografia para
a sociedade humana não podem continuar a ser medidos pela questão:
o
quanto fazemos? mas sim pela: o quanto é bom e útil o que fazemos?
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AVALIAÇÃO E PERSPECTIVAS DE MUDANÇA NO ENSINO E PESQUISA
DA GEOGRAFIA NO BRASIL*
Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva
Universidade Federal da Bahia
Estas notas pretendem, em forma de depoimento, analisar
várias questões sobre o atual ensino universitário da
Geografia em nosso Pais, com o objetivo de contribuir para a
discussão sobre a melhoria da formação de mestres e geó-
grafos.
A premissa básica é a de que nossas Universidades não
estão atendendo de forma eficiente, em termos qualitativos e
quantitativos, a demanda existente no País em nossas áreas
de atuação e que é preciso um esforço considerável para mu-
dar este quadro.
1. A SITUAÇÃO ATUAL
Na área do ensino da Geografia para o 1º e 2º graus,
tive a oportunidade de, recentemente, reconhecer a inadequa-
ção de nossas instituições universitárias em duas oportuni-
dades, sempre para minha surpresa:
a) no primeiro caso, a verificação ocorreu através de uma
pesquisa iniciada por dois estudantes de Geografia da UFBA
•Comunicação apresentada ao Simpósio Teoria & Ensino da
Geografia organizado pela Coordenadoria de Apoio ao Desen
volvimento Educacional - CDE/SDE/SESu/MEC, Belo Horizonte,
22 a 25/3/83.
sobre o ensino de nossa disciplina em Salvador. A idéia de
avaliar este ensino surgiu de uma constatação efetuada du-
rante uma Semana de Geografia promovida pelo D.A. de Geo-
grafia da UFBA: a de que, na maioria dos casos, o ensino da
a
nossa disciplina não é feito em Salvador (a 4 cidade do País e
com 2 grandes universidades) por Licenciados em Geografia mas
sim por pessoas formadas em outras disciplinas! com um
elogiável espírito critico, os dois estudantes, Lucas Batista
Pereira e Gaetana Palladino, elaboraram, sob minha
orientação, um projeto de pesquisa para uma Bolsa de Iniciação
Científica do CNPq, aprovado pouco tempo depois e em pleno
andamento. Resultados preliminares já foram apresentados pelos
bolsistas ao 59 Encontro Nacional de Geógrafos, AGB - Porto
Alegre, julho de 1982. 0 objetivo deste estudo é o de analisar
as causas e as graves conseqüências deste problema, inclusive
no que diz respeito ao conteúdo do que vem sendo ensinado.
Voltarei oportunamente a este estudo.
b) a segunda constatação de que a Geografia não vem sendo nem
mesmo ensinada por geógrafos foi obtida por mim pessoalmente
quando em visita à jovem Universidade Estadual do Su-
doeste/Vitória da Conquista-BA. Este problema ocorre tanto na
a
cidade (a 4 do Estado) como na região geo-educacional de
Vitória da Conquista segundo depoimentos dos professores de
Geografia da Universidade que, por sinal, juntos aos de
História desenvolveram um bom projeto de criação de Licen-
ciaturas Plenas em Geografia e em História na Cidade de Vi-
tória da Conquista, terminando com a Licenciatura curta de
Estudos Sociais. Também voltarei oportunamente a esta questão.
Na área da formação de geógrafos profissionais, gostaria
igualmente de fazer dois comentários:
a) apesar da regulamentação oficial da atividade e da moti-
vação que isto poderia provocar, creio que não houve grandes
modificações, em termos de melhoria da qualidade do ensino
e de ampliação do mercado de atuação do geògrafo profissionai
no Brasil. Parece que até o momento nenhum esforço profundo
para uma proposta de alteração curricular ao CFE foi feito
sob demanda da comunidade de geógrafos. Parece também que não
tem havido grandes mudanças em termos nacionais nos programas
e no processo de ensino - aprendizagem. Do meu conhecimento,
uma alteração abrangente e muito eficiente foi processada no
Bacharelado e na Licenciatura da Universidade Federal de
Sergipe ao valorizar uma integrão teórico-metodológica em
torno da pesquisa orientada, tudo isto desde o 1º semestre
dos cursos. E no final dos mesmos deve haver a apresentação e
a defesa dos resultados da pesquisa. Na UFBA, a partir deste
ano, será implantada uma alteração curricular com introdução
da Teoria Geográfica e maior ênfase nas atividades
relacionadas com a Cartografia e com o Estágio de Pesquisa
de Campo, envolvendo planejamento, trabalhos de campo e
elaboração de relatório conclusivo. Também não ocorreu uma
substancial ampliação da pós-graduacão em Geografia no Brasil
visando formar especialistas de alto nível.
Mesmo não admitindo que devesse ocorrer necessariamente
uma expansão do mercado de trabalho somente em função da re-
gulamentação da profissão, não seria normal esperar de nossa
comunidade um esforço maior de desenvolvimento qualitativo e,
em alguns casos, de ampliação quantitativa?
b) 0 segundo comentário na área de atuação profissional do
geógrafo decorre da constatação também pessoal de que é muito
pequena a nossa participação em termos individuais ou coleti-
vos em programas de pesquisa financiados pelos principais ór-
gãos ligados à Ciência e Tecnologia em nosso País. Várias
destas Instituições, algumas implantadas já há mais de 3 dé-
cadas, só recentemente têm tido uma maior participação e en-
volvimento da Geografia apesar de que praticamente todos os
problemas prioritários de pesquisa científica são pertinente»
- direta ou indiretamente - à nossa área de conhecimento. É
oportuno lembrar, neste momento, que as áreas prioritárias do
III PBDCT - Plano Básico de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (1980-1985) são Agropecuária, Energia e Desen-
volvimento Social. um dos mais importantes instrumentos li-
gados a este Plano - o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico - FNDCT, instituído em 1968 e gerido
pela FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos, tem sido
raramente utilizado pelos geógrafos.
Tudo isto levou ao fato de que a Geografia não conseguiu
acompanhar de perto o período mais dinâmico de expansão da
pesquisa e pós-graduacão no Brasil - o da década de 70 -e,
como conseqüência, sua posição comparada com a das áreas afins
- História, Ciências Sociais, Geologia, Economia, etc. - é bem
mais acanhada.
Concluindo esta sucinta avaliação da situação atual da
Geografia pelo ângulo do ensino e pesquisa, permito-me re-
produzir mais abaixo pequeno comentário inserido na Revista
Ciencia e Cultura. Por não ter recebido uma outra imagem, a
comunidade científica nacional, representada no caso pelos
editores da revista da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência, avaliou a Geografia da seguinte forma na secção
"De Relance" da referida publicação, provavelmente em texto
escrito pelo Diretor José Reis: "O volume Geography, yesterday
and tomorrow, de E.H. Brown, Oxford UP, é obra de muitos co-
laboradores, organizada para comemorar o 1509 aniversário da
Royal Geographical Society. com todas as suas excelências, ela
não deixa de revelar como a Geografia de nosso século é um
campo dividido, uma aliança não muito coerente entre pes-
quisadores que trabalham em várias disciplinas". (Ciência e
Cultura, 33 (12) dezembro de 1981, p. 1685).
Muitos outros exemplos poderiam ser trazidos sobre estes
problemas vivenciados pela comunidade de geógrafos. Entre nós,
quase 50 anos após a instalação dos primeiros cursos de Geo-
grafia e da criação da Associação dos Geógrafos Brasileiros, há
necessidade de reavaliar a contribuição da Geografia na formação
integral do cidadão brasileiro e na análise e encaminhamento das
questões espaciais, ecológicas e regionais. como temos convicção
de que a Geografia tem muito mais a contribuir nestas áreas, o
que fazer então?
2. OBJETIVOS E DIMENSÕES DA MUDANÇA NECESSARIA
uma eficiente organização da comunidade geográfica nacional
e o seu envolvimento com os setores relevantes é, ao meu ver, o
passo inicial para se atingir os objetivos de melhoria e
dinamização das atividades de ensino e pesquisa em Geografia no
Brasil. Na área do ensino, gostaria de fazer também duas
observações a título de sugestão para a discussão em torno das
mudanças.
a) Para a primeira, faço minhas as palavras do Prof.
Arnaldo Niskier, Secretário de Estado da Educação e Cultura
do Rio de Janeiro, em artigo recentemente publicado com o
sugestivo titulo de Salada de Geografia e História:
"É preciso rever a situação do bloco monolítico em que se
constituíram os Estudos Sociais, separando-se, gradativamente,
os componentes dessa área de estudo, para que voltem a fazer
parte dos currículos do ensino de 1º grau como disciplinas
isoladas e independentes, tomando-se, no entanto, o cuidado de,
na prática pedagógica, integrar os conteúdos afins.
Existe mesmo, desde maio/junho de 1967, uma recomendação da
Reunião Regional de Geógrafos, realizada no Chile, no sentido da
melhoria do ensino da Geografia na América Latina, devendo ela
aparecer como disciplina autônoma pelo menos nos três últimos
anos do 1º grau e, o que já vem sendo feito, em todas as séries
do 2º grau, onde passaria a ocupar um mínimo de 15% das horas-
aula semanais disponíveis.
É preciso fazer aflorar, com todo o vigor, não apenas o
estudo da História, em que reside a própria vida do nosso Pais,
mas também o estudo da sua Geografia, vital ate mesmo para a
manutenção da nossa soberania e da nossa integridade terri-
torial.
Consideramos muito importante a localização dos fatos
históricos, geográficos e cronologicamente, bem como a inter-
pretação dos mapas, gráficos e textos, além da análise e da
comparação dos processos históricos sob uma perspectiva ampla e
globalizadora que possibilite a reflexão crítica dos alunos.
Insisto que é necessário rever a posição da História e da Geo-
grafia nos currículos.
O Professor Pedro Calmon, presidente do Instituto Histó-
rico e Geográfico Brasileiro, está preocupado com o baixo ín-
dice de aproveitamento no ensino da História do Brasil em nos-
sas escolas. Em recente Seminário, chegamos à conclusão de que
a solução seria o retorno da Geografia e da História ao
currículo de 1º e 2º graus, com ênfase no conhecimento do nosso
País. Agora que a Lei 7.740/82 acabou com a obrigatoriedade do
ensino profissionalizante, não seria oportuno iniciar a luta
pela reforma do que a Lei 5.692/71 Chama de Estudos Sociais em
nosso currículo?"
(Jornal do Brasil, 28/12/81, p. 11).
Foi com o objetivo de rever esta questão de Estudos So-
ciais que a Universidade Estadual do Sudoeste - BA, com base em
sua experiência vivenciada e avaliada em seminário, resolveu
propor os projetos de Licenciaturas Plenas em Geografia e em
História, na certeza de melhor contribuir para o processo
educativo regional.
A importante sugestão do Prof. Niskier exige sensibilidade
das autoridades educacionais mas sobretudo de nós mesmos,
geógrafos, unidos em nossos departamentos, institutos, diretó-
rios e organizações profissionais. A Associação dos Geógrafos
Brasileiros tem aí um papel importantíssimo.
b) A outra sugestão na área do ensino deveria ser des-
dobrada em duas partes. A primeira seria a de que a experiência
da Bahia já relatada (e de alguns outros Estados) em avaliar a
situação do licenciado e do ensino do 1º e 2º graus na área da
Geografia, deveria ser estendida a todos os Estados brasileiros
com o objetivo de se ter uma visão nacional deste problema. As
questões de conteúdo do ensino e do livro didático deveriam ter
um destaque especial. A segunda parte desta sugestão seria a da
necessidade de se avaliar também o ensino de 3º e 49 graus na
área da Geografia e de se propor imediatamente um Plano de
Melhoria para o Ensino de Geografia, a exemplo do que ocorre com
outras áreas. A Arquitetura já está bem avançada neste
particular inclusive com o apoio do MEC.
Na área da pesquisa propriamente dita, gostaria de res-
saltar também a necessidade de organização da comunidade geo-
gráfica nacional em torno de políticas, programas e projetos bem
definidos.
a) Vejamos um exemplo relevante. Recentemente, em espaço de
poucos anos, uma pequena comunidade cientifica nacional soube se
organizar com eficiência - a Sociedade Brasileira de Geofísica -
e hoje, mesmo que o geofísico não tenha profissão regulamentada,
ele - como grupo - aparece extremamente atuante em vários
níveis, inclusive quanto aos rumos de importantes segmentos da
pesquisa científica e tecnológica do País. Dentre várias
realizações recentes, destacaria a orqa-nização de um Simpósio
Internacional na Amazônia e a edição de um Boletim Informativo e
da Revista Brasileira de Geofísica, com o apoio do CNPq. E esta
Sociedade coordenou ainda um importante trabalho de avaliação e
perspectivas da Geofísica no Brasil, o chamado Programa
Integrado de Geofísica - 1982/ 1986 (Proposta da Sociedade
Brasileira de Geofísica para o Programa Nacional de Geociências
e Tecnologia Mineral). Des-
tacaria neste trabalho os seguintes itens: Diagnóstico, Linhas
de Pesquisa e Atividades Recomendadas, Recursos Humanos,
Grupos Emergentes, Cooperação Nacional e Internacional, Banco
de Dados Geofísicos, Recursos Financeiros necessários para o
período 1982-1986 e Pesquisas a serem realizadas no periodo
1982-1986. A propósito deste documento, deve ser assinalado
que a Geografia - em especial a Geografia Física -deixou de
participar da elaboração do Programa Nacional de Geociências,
coordenado pelo CNPq. Da mesma forma, a Geografia não está
envolvida no Programa de Ecologia Humana, também do referido
6rgão. Estes exemplos são significativos quanto à necessidade
de desenvolvimento organizacional de nossas atividades.
Assim, na área da pesquisa geográfica é preciso discutir
amplamente o revigoramento da Associação dos Geógrafos Brasi-
leiros e a oportunidade ou não de criação de uma Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-graduacão em Geografia. Os exemplos,
neste particular, das áreas de Economia, Administração e Ciên-
cias Sociais são altamente favoráveis. um dos aspectos mais
expressivos nestas Associações tem sido justamente o da inte-
gração nacional eliminando ou reduzindo os "desequilíbrios re-
gionais" nas respectivas áreas de conhecimento. No caso da
Geografia seria relevante um sub-projeto que viabilizasse uma
maior mobilidade espacial entre os pesquisadores nacionais com
o objetivo de se ter um canal para a transferência e o
crescimento científico. Projetos inter-universitãrios de
pesquisa poderiam ser altamente favoráveis. Evidentemente que
a cooperação internacional deveria ser igualmente acionada com
mais freqüência após a fixação das prioridades e das estratégias
pela comunidade.
b) é justo esperar também uma maior "abertura" da Fundação
IBGE e de outras instituições relevantes com relação às
Universidades e Instituições profissionais. Cursos, estágios
curriculares de graduação, pós-graduacão e pesquisa poderiam
ser programados ao lado de muitas outras medidas como, por
exemplo, o revigoramento da linha editorial geográfica do
IBGE, o desenvolvimento de projetos conjuntos de pesquisa,
etc.
como sugestão concreta, visando uma eficiente cooperação
Universidades-MEC-IBGE e outros órgãos, novos Atlas e Livros
Científicos poderiam ser planejados e produzidos, integrando o
ensino e a pesquisa e em função de nossa realidade e de nossos
problemas. um destes trabalhos poderia ser um bom Atlas
Geográfico para Crianças, para ser usado como livro ilustrado e
com texto para leitura e consulta em casa ou nas escolas, mais
particularmente nas primeiras ries do grau. um exemplo
sugestivo a ser analisado é o produzido na Alemanha: Atlas für
Kinder, Müller-Alfeld, Cornford, Südwest Ver-lag, München, 1974.
não estou dizendo com esta citação que devemos copiar isto ou
aquilo. É apenas uma sugestão sobre uma interessante publicação,
relevante para a Alemanha e de padrão internacional. Pelo
contrário, acho que a nossa comunidade poderia se unir - com
projetos concretos - para sensibilizar os editores nacionais a
não mais traduzirem os textos de 20 anos atrás (deixando até de
atualizar as informações) e passar a publicar textos importantes
de autores brasileiros. Mas o que e como publicar? não seria
preciso avaliar antes?
Concluindo, a solução dos problemas básicos do ensino e
pesquisa da Geografia no Brasil, repercutindo na estrutura e no
funcionamento do Bacharelado e da Licenciatura, passam
prioritariamente, pela capacidade de organização inovadora da
própria comunidade interessada, desafiada agora a gerar efi-
cientes avaliações, políticas, programas e projetos concretos. A
quantificação e a qualificação da demanda e oferta na área da
Geografia - no ensino e nos estudos e projetos, configurando o
perfil do geógrafo - deveriam ser prioritárias. O papel da
pesquisa, entendida na forma abrangente de desenvolvimento da
atividade criadora em torno de aspectos relevantes, é fun-
damental para a melhoria do Bacharelado e da Licenciatura.
como membro da comunidade de geógrafos, reconheço minha
parte nos problemas levantados e a responsabilidade que me
cabe com relação às perspectivas de mudança. Mas, é preciso
também assinalar que isoladamente (ou através de pequenos
grupos) muito pouco poderá ser feito.
Por outro lado, ao dizer isto nao pretendo ingenuamente
minimizar a responsabilidade dos "agentes extra-geográficos"
que atuam sobre os problemas da Licenciatura e do Bacharelado
como, por exemplo, repercussão da política científico-educa-
cional e seu lugar no cenário nacional, legislações inadequa-
das, fragilidade das instituições universitárias, problemas
concretos dos professores de 1º e 2º graus como a questão sa-
larial, crise econômica,gerando poucas oportunidades de tra-
balho para os bacharéis, etc.
Estas repercussões existem e são muito importantes. Mas,
estrategicamente, a solução dos principais problemas não po-
derá vir deste conjunto heterogêneo de agentes externos pela
simples razão de que eles são praticamente comuns a todas as
áreas do conhecimento não podendo, desta forma, enquadrar com
eficiência todas as questões setoriais da Licenciatura e do
Bacharelado em Geografia. Quem está em condições de melhor
fazer isto, é a própria comunidade de geógrafos, integrada em
seu meio e em seu tempo.
O desafio está lançado. Algumas das questões aqui levan-
tadas serão discutidas e terão soluções encaminhadas ainda
neste oportuno Simpósio. Outras precisarão de mais discussão
e projeções pragmáticas para novas análises com perspectivas
de solução inovadora para que a contribuição da Geografia e
dos geógrafos seja ainda mais importante no conjunto geral
das ciências e no âmbito da sociedade.
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