RESPOSTA A UM PEDIDO DUMA SENHORA
Donzela, que pedes ao bardo do Senhor? não sabes, que no portal do templo pendurei a harpa minha a Deus
sagrada? não vês, que só devo vibrar-lhe as cordas, para entoar em honra d’Ele hinos festivais, ou fúnebres cânticos?
Mas quem não cairá fascinado ante os encantos duma mocidade pura, ante o mago talismã da virtude?
podia eu desobedecer à virgem que me faz pensar no céu, porque recorda aos filhos da terra os anjos que vivem lá?
Em árida encosta de alta, fragosa serra nasceste qual camélia: os róseos, úmidos dedos de matinal aurora,
arrociaram-te a corola de meigo pranto: o Sol, erguendo a fronte coroada de áurea luz em berço purpurino, alumia
ridente os escalvados píncaros da Estrela, e compraz-se em beijar e aquecer com seus doces raios tuas pétalas
mimosas.
Fresca e formosa, como a rosa, que do Japão nos veio, viçaste e cresceste: e os tufões violentos, e as rajadas
frias do nordeste deram-te novo brilho. Virgem do Senhor, escuta um conselho. Nos ruidosos festins das salas, hão-
de dizer-te enganosas falas.
Lá onde o amor é cálculo hão-de cercar-te férvidas homenagens: hão-de louvaros encantos, os mimos, as
graças mil, que, para adornar-te, em ti pródiga esparziu a natureza, hão-de chamar-te rainha, porque tens da beleza o
condão, que enfeitiça o coração: não creias; que de lábios à mentira afeitos jamais saiu verdade. Ímpia turba de
cortesãos, eivados de paixões danosas, para quem a vida é de torpezas teia urdida, há-de dizer-te, que quer erigir-te
altares, e adorar-te, como fiel, prostado no pó do templo, adora a hóstia sacrossanta, que foi deposta em sacrário
augusto. Hão-de dizer-te, que te viram nas trevas e no martírio de existir, como cauta atribulado em mar iroso vê no
cerrado horizonte cintilar radiante estrela, que o guia a almo porto, onde acha abrigo; que te amam, como viajeiro
sequioso em areal abrasado ama o verdejante oásis, onde há fresca linfa que lhe apaga a sede, e lhe avigora as
forças; não os creias; que vis escravos se fingem agora, para serem depois altivos senhores; é essa a linguagem falsa,
donde destila o acre veneno, que a lisonja, qual víbora entre flores, tentará verter em teu coração, vaso imaculado,
onde florescem as nobres aspirações, e os bons afetos, como em ara santa ardem tênues grãos de fragrante incenso.
Não confies na beleza: vês a florinha, que esmalta ameno prado? de manhã rica de cores, e recendente de perfumes,
brilha e parece deleitar-se ao sentir-se acariciada por branda viração: no fim da tarde estorce-se agonizante na haste
açoutada por ardente suão; e morre queimada, e jaz morta no chão. A grinalda entretecida de rosas é linda hoje; mas
há-de cair-te desfolhada da fronte, ao roçar da asa inflexível do tempo. A beleza é meteoro, que fulgura inflamado
um instante na amplidão do espaço, para cair logo apagado; é luz que lampeja um minuto, qual relâmpago veloz; é
arbusto, que viridente medra um dia no vale, secando alfim tombado pela fúria do vendaval. Crê sempre em Deus,
como o náufrago aterrado crê na última tábua, que lhe ficou do baixel partido contra as vagas. Tem esperança nele
como o viajante, transviado em noite tormentosa, espera abraçar a esposa querida, e beijar os tenros filhos.
Ama-o, como o infante ama a mãe carinhosa, que o aperta ao seio, e lhe depõe na face ferventes ósculos.
Anjo errante na terra, lembra-te do céu, donde vieste, como em lôbrego e escuro cárcere se lembra o infeliz cativo
de ver ainda o brilho do firmamento e o azul do mar, a relva, que tapeta as campinas, e a verdura, que veste as
colinas.
Anela por ele, como o pobre desterrado anseia em longes e estranhas terras por descansar no regaço da
pátria amada. Que a virtude seja o leme, que te encaminhe no pego da vida, de escolhos semeado; que ela seja a
égide, que te proteja no batalhar renhido, que hás-de travar com o mundo; que seja brônzea coluna, a que te
encostes, quando vacilares na luta; que ela seja o cetro, com que reines aqui; que ela te sirva de flamejante espada,
com que conquistes a mansão, onde o Senhor tem o sólio seu: é tua agora, não a deixes cair da mão: aperta-a e
brande-a bem, que ganharás a coroa entrelaçada de viçosos louros, que lá do Empíreo te mostram legiões de
arcanjos. Que às ilusões risonhas, que ora te afagam a fantasia, se não sigam nunca amargos desenganos, que
pungem a alma.
Que os formosos sonhos, que te enebriam a mente, prometendo-te a felicidade lá em vago futuro, não
terminem em acordar desconfortado e triste.
Que o teu rosto puro e límpido, como céu sem nuvens em dia de florente primavera, não seja ferido pelo
raio do infortúnio; que os sorrisos que ora o iluminam e aformoseiam, se não troquem por lágrimas, que o escaldem
e crestem, como lava, que rebenta do coração a estalar, por entrar lá angústia suprema. Que no caminho da vida, que
vês hoje recamada de flores, que admiras, não cresçam nunca espinhos, que te magoem; que teus lábios não provem
amargoso absinto na ebúrnea taça, que te sabe agora a mel suave. Não sonhes, virgem casta. Depois dum belo dia
enfeitado de galas e enriquecido de primores, custa muito ver chegar tenebrosa noite, em que medonha tempestade
faz ouvir seus longos e temerosos bramidos. Pensa bem. O mundo não é tal, como ele se reflete no espelho da tua
alma. Santo, inefável gozo será para mim aspirar cá de longe o ardor balsâmico, e ouvir as harmonias divinas, que
saírem do teu santuário.
Que os seus umbrais só cruze quem for digno.
Cá de longe me curvarei reverente ante a inocência, que é dele a mais esplêndida decoração. Cá de longe
ajoelharei, rendendo sincero culto às tuas virtudes, como, ante urna de cristal, onde está relíquia veneranda, ajoelha
fervoroso peregrino.
Da tua vida o livro só encerra ainda páginas brancas. Não poder eu gravar lá uma só palavra a
felicidade! Abraçado na flor dos anos à cruz de Cristo, nobre pendão, por que jurei combater, pedirei a Deus, que