beijo que sarava todas as dores, que perdoava todos os pecados,
que abria as portas da cama quente e desculpava todos os erros.
Mãe, mamãezinha querida, diz a todos com aquela coragem
calma das mães: as pessoas não precisam de cenhos franzidos.
Muito menos as mães. Menos ainda de cenhos franzidos dos netos,
dos narizes empinados que apontam para a sabedoria eterna, gênios,
coitados que nada sabem, não é mamãezinha querida? Nada.
O que eles sabem? Não sabem que as mães são o refúgio único,
capaz de transformá-los sempre nas crianças que foram um dia.
Menino como hoje me sinto. Que esta mamãezinha querida,
é o que ainda existe de melhor em nossas vidas, hoje exige amor.
Devemos agir como burros e esperar o amanhã para lembrar disso?
Por que esperar que você, mãe, mamãezinha querida, tão viva,
se transforme em saudade, se é a própria e dinâmica vida presente?
2-VELHO ÁLBUM
Mamãezinha querida andei vendo velhas fotografias guardadas,
apesar de estarem com aquela cor sépia própria do passar do tempo,
dá para ver bem ali está, linda, a senhora vovó Didi — sua mãe, claro,
posando orgulhosa ao lado do vovô, vestido simples de porte espacial.
Vejo os futuros cabelos loiros, os olhos azuis, como manhã cedinho,
da lembrança, seus cabelos grisalhos e depois ralos e branquinhos.
O porte germano não esconde a origem européia, os olhos bem sei,
jamais perderam o tom celestial com que foram gerados, eram olhos
amorosos, alguma severidade que beijava e vacinava de paz e amor.
Todos os filhos, inclusive você mamãezinha querida, de tais olhos
trouxeram a mesma marca — e no viver, que é o labirinto de Escher,
presentearam àqueles que os cercam e a todos os seus descendentes
a arte nobre de viver sem humilhação, a arte santa de cair e levantar.
Trago da infância o espaço nobre que não tive, lembro mãe Mizika,
que nós, os seus filhos, foram atraídos para o lado materno da criação.
Que nossos tios foram várias mães e vários pais — e não só vários tios.
Os primos foram irmãos, embora nem sempre fôssemos irmãos deles.
Com a vista no velho álbum e penso no mal ou bem que faz a fotografia,
que mudo antepassado na caverna resolveu riscar paredes, gravar coisas?
E ao lado daquela mulher de aparência forte, o vovô de vasto bigode,
que mostra o olhar resoluto e feliz, por ter um dia tomado esta decisão
mais importante da sua vida: sair da terra de origem, Síria ou Líbano,
com a coragem de aventurar-se a viver nova vida, em terra distante,
aferrado à convicção de encarar o destino traçado com os irmãos, partiu.