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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GERONTOLOGIA BIOMÉDICA
DOUTORADO EM GERONTOLOGIA BIOMÉDICA
DENIS MARCELO CARVALHO DOCKHORN
A REVOLUÇÃO DOS MUTILADOS
A HISTÓRIA DOS IDOSOS QUE SE PROPUSERAM A APRENDER PARA
ENSINAR CRIANÇAS SOBRE SAÚDE BUCAL
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em
Gerontologia Biomédica, do Instituto de Geriatria
e Gerontologia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutor em Gerontologia Biomédica
Orientadora: Profª. Dra. Dalva Maria Pereira Padilha
Co-orientadora: Profª. Dra. Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza
Porto Alegre
2007
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Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO(CIP)
Rosária Maria Lúcia Prenna Geremia
Bibliotecária CRB10/196
D637r Dockhorn, Denis Marcelo Carvalho
A revolução dos mutilados: a história dos idosos que se propuseram a
aprender para ensinar crianças sobre saúde bucal / Denis Marcelo
Carvalho Dockhorn; orient. Dalva Maria Pereira Padilha; co-orient.
Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza . Porto Alegre: PUCRS, 2006.
f.: 68
Tese (Doutorado) –
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
do Sul. Instituto de Geriatria e Gerontologia. Programa de Pós-
Graduação em Gerontologia Biomédica.
1. SAÚDE BUCAL. 2. IDOSO. 3. HISTÓRIA DA ODONTOLOGIA. 4. EDUCAÇÃO DO
PACIENTE. 5. CRIANÇA. 6. ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA PARA CRIANÇAS. 7.
IDEOLOGIA. 8. ESTUDOS DE CASOS. 9. GERIATRIA. 10. GERONTOLOGIA. 11.
SAÚDE DO IDOSO. 12. SAÚDE DA CRIANÇA. I. Padilha, Dalva Maria Pereira. II.
Azevedo e Souza, Valdemarina Bidone de .III.Título.
C.D.D. 617.6
C.D.U. 616.314-084:616-053.9(043.2)
N.L.M. WU 113.7
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À Sumara
Que via
que eu me irritava às vezes, me acalmava às vezes, me exasperava às vezes, me
entusiasmava às vezes e a respeito dessas muitas vezes disse muito pouco:
- Começou, termina.
E quando eu emergia dos momentos dedicados a esta tese, a casa estava lá, a
vida continuava, tudo tinha andado porque ela tinha feito tudo andar para que eu
pudesse me irritar às vezes, me acalmar às vezes, me exasperar às vezes, me
entusiasmar às vezes, para que eu pudesse aprender
Ao Daniel e à Juliana
Que me ensinam mais do que eu a eles
Aos meus pais
Com quem continuo aprendendo
Era uma vez um aprendiz e seu mestre.
O mestre pedia que o aprendiz observasse o mundo e perguntava:
- Estás ouvindo os sons dos seres humanos, a ética, a justiça, o amor, a ciência?
O aprendiz dizia:
- Não, mestre, não estou escutando.
O mestre, então, pedia ao aprendiz que colocasse tames nos ouvidos.
E, algum tempo depois, perguntava novamente:
- E agora, estás ouvindo?
- Não oo nada, mestre.
E o mestre novamente tampava os ouvidos de seu aprendiz.
O tempo passou, e um dia o aprendiz respondeu ao mestre que estava ouvindo: sons que
jamais havia pensado que existissem, vozes e músicas que davam um sentido à vida dos seres
humanos. E escreveu sua tese.
E o mestre deu-se por satisfeito. Estava cumprida, com aquele aprendiz, a sua jornada.
Anos depois, encontraram-se: o aprendiz e seu mestre.
-Mestre, lembras quando me tampavas os ouvidos? Eu era um discípulo aplicado, só não
conseguia ouvir.
E o mestre respondeu:
- Entendeste que eu não te tampava os ouvidos para te repreender. Eu te tampava os ouvidos
para que te concentrasses no que realmente interessava no teu aprendizado, para que
finalmente pudesses ouvir, com o teu coração.
À Professora Doutora Dalva Maria Pereira Padilha,
que me pediu que tampasse os ouvidos em várias ocasiões e que, neste
trajeto de nossas vidas, tornou-se, além de orientadora, uma amiga querida
A insegurança é uma coisa terrível.
Indeciso, seguiria um pensamento cartesiano ou me aventuraria no qualitativo?
Contar histórias é ciência?
Aprendi que é. Mas passei uma boa parte da construção da tese me desculpando por isto.
Em certo momento, senti que precisava de segurança.
E ela veio como um anjo vem, segurando, apoiando e até empurrando.
À Professora Doutora Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza,
Por ter surgido e se tornado, histórica e materialmente, co-orientadora
deste trabalho
Aos educadores do Grupo Sorria
O relato de tudo e o meu muito obrigado
AGRADECIMENTOS
Ao Diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia, Professor Antônio Carlos
Araújo de Souza, pela oportunidade da qualificação acadêmica
Ao Diretor da Faculdade de Odontologia, Professor Marcos Túlio Mazzini
Carvalho, pela confiança e incentivo
Ao Diretor do Centro de Extensão Vila Fátima, Professor José Francisco
Bergamaschi, pela cedência dos espaços necessários ao desenvolvimento
desta pesquisa
À Vice-Diretora da Faculdade de Odontologia, Professora Angélica Maria
Genehr Fritscher, pela convivência e amizade
À Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia
Biomédica, Professora Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza, pelo apoio
e incentivo
À Professora Elaine Bauer Veeck, pela amizade, vigilância e apoio
Aos docentes e colegas do Curso de Doutorado em Gerontologia Biomédica,
pelos ensinamentos e companheirismo
Às colegas das Disciplinas de Odontologia Social, Professoras Salete Maria
Pretto, Helenita Corrêa Ely, Maria Arlete Eloy do Nascimento e Simone
Bonato Luisi, pela solidariedade, troca de opiniões e incentivo
Aos docentes do Centro de Extensão Vila Fátima, pelo carinho e incentivo
Aos funcionários da Faculdade de Odontologia, do Instituto de Geriatria e
Gerontologia e aos funcionários e estagiários do Centro de Extensão Vila
Fátima, pela atenção, presteza, solicitude e pelo tanto que os fiz, muitas
vezes, alterarem suas rotinas
Aos alunos dos Cursos de Graduação em Odontologia e Serviço Social,
estagiários no Centro de Extensão, pelo auxílio em vários momentos da
pesquisa
“DA SUA NATUREZA
Sorte nossa que as árvores não gemem e os animais não falam.
Imagine se cada vez que se aproximasse uma motosserra as árvores
começassem a gritar Ai, ai, ai! e aos bois não faltassem argumentos
razoáveis para não querer entrar no matadouro. Imagine porcos
parlamentando em causa própria, galinhas bem-articuladas reivindicando
sua participação na renda dos ovos e gritando slogans contra o hábito
bárbaro de comê-las, pássaros engaiolados fazendo discursos inflamados
pela liberdade. Os únicos bichos que falam são os papagaios, mas a hoje
não se tem notícia de um que defendesse os direitos dos outros. O papagaio
tem voz, mas não tem consciência de classe.
A vida humana seria difícil, se não pudéssemos colher uma beterraba
sem ouvir as lamentações da sua falia e insultos do resto da horta. Não
deixaríamos de comer, claro. Nem beterrabas nem bois ou galinhas, apesar
dos seus protestos. Mas o remorso e uma correta noção de prepotência
inerente à condição de espécie dominante fariam parte da nossa dieta.
Teríamos uma idéia mais exata da nossa crueldade indispenvel, sem a
qualo viveríamos.
Sorte nossa que os vegetais e os animais não têm nem uma linguagem,
quanto mais um discurso organizado. o os comeríamos com a mesma
empáfia se tivessem. O único consolo deles é que também padecemos da
falta de comunicação: ainda não encontramos um jeito de negociar com os
germes, convencer os rus a nos pouparem com retórica e dar remorso em
epidemias.
Eu às vezes fico pensando em como seria se os brasileiros falassem.
Se protestassem contra o que lhes fazem, se fizessem discursos indignados
em todas as filas de matadouros, se cobrassem com veemência uma
participação em tudo que produzem para enriquecer os outros, reagissem a
todas as mentiras que lhes dizem, reclamassem tudo o que lhes foi negado
e sonegado e se negassem a continuar sendo devorados, rotineiramente, em
silêncio. o é da sua natureza, eu sei, estou especulando. Ainda seriam
dominados por quem domina a linguagem e, além de tudo, sabe que fala
mais alto o que nem boca tem, o dinheiro. Mas pelo menos não os
comeriam com a mesma empáfia”.
LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO. Da sua natureza. Jornal Zero Hora,
Porto Alegre, 05/02/2000, p.3.
RESUMO
Esta pesquisa é um Estudo de Caso, realizado através de uma abordagem qualitativa
com enfoque compreensivo e explicativo, tendo como base a observação participante,
apresentada como informe escrito na primeira pessoa do singular, narrando o processo de
capacitação de um grupo de idosos para trabalho em saúde bucal, de maneira a refletir sobre o
processo ideológico, sobre as formas que os idosos utilizaram para desenvolver temas sobre
saúde bucal e sobre a inserção do idoso na abstração saúde bucal como mercadoria com que
se posiciona na estrutura do modo de produção capitalista e o trabalho de velhos que não têm
mais dentes ensinando crianças com dentes. A sensibilização dos idosos para intervir em
educação e promoção em saúde, com ênfase na abordagem em relação a autocuidado, dieta e
higiene bucal encontrou respaldo em suas metas motivacionais. Estereótipos como o de que
velhos devem ser comportados avozinhos puderam ser esclarecidos. Houve a escolha de
formas próprias para desenvolver temas como aconselhamento sobre hábitos saudáveis; no
grupo estudado estas formas eram sempre de conformismo e submissão e houve a opção por
utilizar material não elaborado pelo grupo. A boca social deste grupo de idosos mostrou-se
como consumida pela existência como trabalhadores de baixo salário e consumidora ávida de
serviços protéticos. O trabalho de ensinar crianças fez-se real, não como educadores em saúde
em sentido restrito, mas como contadores de histórias com temas sobre como conduzir a vida.
Os encontros, tanto do grupo apenas e com crianças, resultavam em rodas de conversa que
abordavam experiências de vida e comportamentos de submissão e conformismo.
Palavras-chave: Idosos. Estereótipos. Educação. Ideologia. Estudo de Caso.
ABSTRACT
This research is a Study of Case having the participant observation technique as base,
resulting in a presented report as an inform written in the first person of the singular, telling
the process of qualification of a group of aged for work in oral health, aiming at the reflection
on the ideological process, the forms that the aged ones had used to develop subjects on oral
health, the insertion of aged in the abstraction oral health as merchandise in the capitalist
production and the work of elders who have not any more teeth teaching children with teeth.
The sensitization of the aged ones to intervene in education and promotion in health, with
emphasis in approach regarding self-care, diet and oral hygiene found endorsement in its
motivation goals. Stereotypes as of that old they must be held grandfathers could have been
clarified, through the choice of proper forms to develop subjects as advising on healthy habits;
in the studied group these forms were always of conformism and submission and there was
the option for using material not elaborated for the group. The social mouth of this group of
aged revealed as consumed for appeared how consumed by the existence as workers of low
wage and eager consumer of prosthetic services. The work to teach children became real, not
as educators in health in limited sense, but like story-tellers with subjects on as to lead the life.
The meetings, as much of the group only and with children, resulted in colloquy wheels that
approached experiences of life and behaviors of submission and conformism.
Keywords: Elders. Aged. Stereotypes. Education. Ideology.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 12
1.1 Constatação, premissas e uma esperança .................................................................... 12
1.2 A experiência a ser contada ........................................................................................ 14
1.3 Encontrando a justificativa ......................................................................................... 15
1.4 A narrativa gera um produto? ..................................................................................... 17
1.5 Procurando um grupo ................................................................................................. 18
1.6 Uma proposta objetiva................................................................................................ 20
2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA .................................................................................. 22
2.1 Caracterização do estudo............................................................................................ 22
2.2 Critério de inclusão .................................................................................................... 22
2.3 Descrição do guia de capacitação ............................................................................... 22
2.4 A opção pelo Estudo de Caso ..................................................................................... 25
2.5 Passos metodológicos................................................................................................. 27
2.6 Análise dos achados no estudo de caso....................................................................... 28
2.6.1 Estratégias Gerais ................................................................................................ 29
2.7 A observação participante........................................................................................... 29
2.8 O informe qualitativo escrito na primeira pessoa do singular ...................................... 30
2.9 Guia da narrativa da capacitação................................................................................. 33
2.10 Instrumentos e forma de coleta dos dados................................................................. 33
2.11 Análise de Dados e Interpretação de resultados......................................................... 35
3 DESCREVENDO, REVISANDO A LITERATURA E INTERPRETANDO O RELATO
DO VIVIDO ........................................................................................................................ 36
3.1 Um nome para nós...................................................................................................... 36
3.2 Razões para a participação.......................................................................................... 37
3.3 Dentadura ou dinheiro para comprar comida?............................................................. 38
3.4 A assistência odontológica ......................................................................................... 44
3.5 Conhecimentos sobre os problemas em saúde bucal coletiva ...................................... 48
3.6 A saúde bucal em ato de produção e consumo: a fronteira entre razão e desejo........... 48
3.7 A saúde bucal do idoso............................................................................................... 49
4 PROCESSO DE APRENDIZAGEM SOBRE SAÚDE BUCAL PARA O IDOSO............ 51
4.1 A produção de material educativo............................................................................... 52
4.2 O Grupo Sorria como educador .................................................................................. 56
5 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 58
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 60
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 61
ANEXOS............................................................................................................................. 66
12
1 INTRODUÇÃO
“O jogo da ciência não é o da posse e do alargamento da verdade,
mas aquele em que o combate pela verdade se confunde com a luta
contra o erro”.
Morin (1996)
1.1 Constatação, premissas e uma esperança
Acredito que pode não ser muito fácil narrar uma história. Principalmente esta que,
neste trabalho, proponho-me a interpretar. Como trabalho de cunho acadêmico, há que haver
o rigor científico que tudo embase, reservando-me a liberdade de autor envolvido no processo
de crescimento técnico e político de um grupo de idosos.
Para melhor esclarecimento, minha tese parte de uma constatação, a respeito dos
estereótipos em relação aos idosos.
Martins e Rodrigues
1
conceituam estereótipo
como uma imagem mental muito simplificada de alguma categoria de pessoas,
instituições ou acontecimentos que é partilhada, nas suas características essenciais,
por um grande número de pessoas; dito de outra forma, é um “chavão”, uma
opinião feita, uma fórmula banal desprovida de qualquer originalidade, ou seja, é
uma “generalização” e simplificação de crenças acerca de um grupo de pessoas ou
de objetos, podendo ser de natureza positiva ou negativa.
O estereótipo positivo é aquele em que se atribuem características positivas a todos
os objetos ou pessoas de uma categoria particular, por exemplo, “todos os idosos
são prudentes”.
Contrariamente, um estereótipo negativo atribui características negativas a todos
os objetos ou pessoas de uma determinada categoria, de que é exemplo “todos os
idosos são senis”.
13
O conhecimento humano é complexo, mas nem sempre flexível e crítico e tende a cair
no estereótipo para interpretar a informação sobre indivíduos e grupos, buscando outras
interpretações apenas quando o estereótipo o oferece explicações suficientes, por se tratar
de um conceito generalizador, estável e definidor de um grupo social, pré-concepção gida,
mais ou menos falsa e irracional
1
.
A forma capitalista de acumulação de riquezas vem projetando sobre a velhice uma
representação social gerontofóbica e discriminando sistematicamente as pessoas porque são
velhas. O fenômeno de envelhecer tem sido considerado prejudicial, de menor utilidade ou
associado à incapacidade funcional. Traços negativos como senilidade, inatividade, fraqueza e
inutilidade são atribuídos a todos os indivíduos desse grupo.
Também a odontologia, inserida neste contexto social, sofre influências que podem
determinar atitudes negativas, como a gerontofobia e a infantilização.
Nesta perspectiva, os estereótipos tornam-se elementos impeditivos à procura de
soluções precisas e de medidas adequadas, tornando-se importante o combate a estas
representações sociais de caráter discriminatório, a partir do próprio reconhecimento do idoso
como pessoa que, pela experiência de vida, pode ser capaz de influir para a busca de uma
melhor qualidade de vida, pelas capacidades de negociação ou visão de estratégias para
superar obstáculos.
Refletindo sobre esta constatação a respeito dos estereótipos acerca dos idosos penso
em duas premissas empíricas: a primeira, que constitui o problema pesquisado neste trabalho,
é que pessoas idosas humildes, algumas analfabetas, podem ser educadoras e a segunda é que,
se a experiência delas for contada, pode contribuir para que outros grupos possam agir de
maneira similar visando, em um sentido mais amplo, e aqui coloco a esperança de autor,
entendermos como podemos nos organizar para melhorarmos a sociedade que vivemos.
As premissas empíricas fazem parte da história da ciência. Averiguá-las e/ou
compro-las faz parte de um processo que nasceu da dúvida dos homens sobre os fenômenos
de seu dia-a-dia e confirmou-se como “degrau” do processo cientifico na visão de Re
Descartes
2
como “pregador” da dúvida como meio de raciocínio objetivo. A dúvida apregoada
por Descartes significa o pensamento na busca de respostas. Ainda que para Descartes as
14
interpretações subjetivas devessem ser descartadas, a sua própria interpretação do que é o
pensamento interpõe uma premissa subjetiva do que é a existência: cogito ergo sum.
Cogitar sobre um problema a partir de premissas empíricas faz parte de um processo
humano que hoje chamamos pesquisa científica.
A narrativa que faço atende aos critérios de qualidade, transparência e clareza em seus
procedimentos, através de indicadores de confiabilidade
3
. Para tanto, foi preciso acolher
também o critério de relevância, apresentando referências da origem das afirmações,
comprovando como surgiram e qual o referencial analítico de minha interpretação.
1.2 A experiência a ser contada
O trabalho consiste em narrar, segundo minha interpretação como investigador que
participou do processo, a experiência de um grupo de idosos em processo de conscientização
e criticidade, exercendo ação de educadores.
E também a minha experiência, como pessoa/profissional que capacitou um grupo de
idosos como contribuição a que se supere o estereótipo a respeito das potencialidades das
pessoas velhas e para questionar os poderes do modelo de prática dominante, a partir de uma
visão da boca e suas relações com o mundo, estudada sob a conceituação de bucalidade de
Botazzo
4
: a dimensão civilizatória daquilo que é bucal – a manducação, o erotismo e a
linguagem e, segundo Kovaleski
5
, boca social, que fala, que geme, que ri e que canta, repleta
de aspectos humanos e produtora de subjetividades, uma complexa trama de desejos, prazeres,
sentimentos e repressões.
Assim colocada a idéia, entende-se que será preciso, neste trabalho, ir além da ciência
cartesiana para compreender a produção da subjetividade humana, localizada na boca, uma
tentativa de ver a boca de um grupo de pessoas idosas em movimento com o mundo.
Outro obstáculo evidenciado e que deve ser ultrapassado tem relação com a própria
visão estereotipada da boca durante o envelhecimento. Séculos de perda dentária culminaram
na associação de passar dos anos” (não envelhecimento) com ausência de dentes. A base
15
epidemiológica do estigma do idoso desdentado é forte e precisa ser transposta. Difícil
imaginar como um grupo de idosos pode ensinar saúde bucal se o seu imaginário representa a
perda dentária como inexorável durante o envelhecimento.
De acordo com Kovaleski
5
, os avanços da Odontologia identificam-se com um saber
técnico e a relação entre Odontologia e Ciências Sociais é pouco desenvolvida, o que a exe
a uma debilidade conceitual e interpretativa, com conseqüências para as práticas de saúde.
Assim, será necessária a utilização de categorias incomuns à Odontologia, usuais às Ciências
Humanas, aplicadas para a compreensão desta boca social.
Para tanto, narro neste trabalho, buscando compreender e interpretar, a capacitação de
um grupo de idosos em saúde bucal, de forma a entender sua boca como centro de prazer e
repressão e, a partir daí, a maneira como se posicionam diante do mundo. Segundo
Kovaleski
3
, mundo material, definido por um modo de produção da vida composto e
componente de um conjunto de regras, valores, hábitos e costumes, discussão que se trava
entre a ideologia dominante e as possibilidades de resistências.
A boca é espaço de consumo, na relação com o mercado, onde não faltam atrativos:
cheiros, imagens, lugares, tempos e pessoas. Muito pode ser consumido pela boca, não só pela
alimentação, mas também pela bucalidade do erotismo e pela bucalidade da comunicação.
Esta boca de consumo pode ter prazer, mas é boca de suplício e de lamento para os
desdentados, famintos, pobres, excluídos, de rua, prostitutas, presidiários, idosos. Bocas que
o têm o que consumir, ou que consomem os restos do que é consumido por quem detém o
poder de acumulação das riquezas. Boca social que pode reagir diante de um sistema que
oprime. Idosos que vivem, nesta investigação, uma sociedade como agentes e pacientes,
produzindo e construindo-se como sujeitos sociais.
1.3 Encontrando a justificativa
A revolução dos mutilados é uma história. Ela narra a trajetória de um grupo de velhos
desdentados que resolveu fazer uma revolução. Ou concordou em fazer uma revolução. Ou
concordou em participar de alguma coisa que poderia ser uma revolução, até porque, até ali,
para eles, revolução se contrapunha a tudo o que tinham aprendido sobre como levar a vida.
16
Revolução, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Caldas Aulette
6
, é
conceituada como ão ou efeito de revolucionar-se; revolta; sublevação; transformação das
instituições de um país ou Estado; alteração ou mudança violenta na potica de um país ou
nacionalidade; perturbação moral; indignação; agitação; sistema de opiniões hostis ao passado
e pelas quais se procura uma nova ordem de coisas, um futuro melhor; desvio no modo de
considerar os assuntos relativos a um ramo qualquer do pensamento humano; perfilhamento
de iias novas e destoantes das que existiam num dado momento.
Para um grupo de idosos pobres, de pouca ou nenhuma escolaridade e desdentados, o
que poderá significar essa palavra? Sublevar-se em relação à opinião de que velhos devem ser
bem comportados vovozinhos? Indignar-se e agitar para o despertar de opiniões hostis ao
passado e procurar uma nova ordem de coisas, um futuro melhor? Um desvio no modo de
considerar os assuntos relativos à saúde bucal e um perfilhamento a idéias novas, destoantes
das que existiam aqui, em relação à prática da odontologia e a seus comportamentos como
idosos?
A boca gaveta é a própria imagem do modelo hegemônico em odontologia, mas sou
levado a pensar e concordar que em algum momento estes idosos foram aliciados para uma
revolução, participando de um grupo com a perspectiva de uma boca nova, que é guardável
numa gaveta, substituindo o simbolismo da não-integralidade e da não-resolubilidade pela
imagem objetiva do que é removível, substituível ou provisório. A dentadura artificial,
consumo de bocas que foram consumidas, é o próprio contraponto das dimensões políticas da
bucalidade.
Então, esta revolução que relato neste trabalho não se fez, ao contrário do que se
poderia esperar de um grupo em desenvolvimento de um processo de criticidade, diretamente
contra a Odontologia, conjunto de saberes que falhou como ciência da saúde e que arrancou
das pessoas daquele grupo a possibilidade delas viverem e morrerem inteiras. Não sei se um
grupo de velhinhos pobres conseguiria transformar a Odontologia, protegida por argumentos
baseados em comprovações cartesianas, trabalhando com profissionais formados para o
mercado de consumo da boca, desconhecedores do que seja atendimento integral e
participação da comunidade e buscando uma qualidade medida por parâmetros cirúrgico-
restauradores. Penso até que os idosos, educados de acordo com a ideologia dominante, nem
se dêem conta de que o sistema é excludente e de baixa qualidade e culpem a eles mesmos por
17
o terem mais dentes, simplesmente reproduzindo as premissas do modelo hegemônico, no
qual as dimensões mastigatória, erótica e de comunicação exercidas pela boca nem são
consideradas por sua visão estática de mundo, que separa a boca do restante do corpo.
Ao contrário, a revolão dos velhinhos foi feita para transformar o saber e os hábitos
de outras pessoas, que ainda têm dentes, para que, ao largo da estreiteza do modelo de prática
profissional incoerente e injusto, se demonstre o valor da ação solidária e comprometida,
educando sem culpar, responsabilizando pela crião de uma consciência crítica.
No dizer de Scliar
7
,
a história das profissões de saúde é uma história de vozes. As vozes misteriosas do
corpo: o sopro, o sibilo, o burburinho, a crepitação, o estridor. As vozes
inarticuladas do paciente: o gemido, o grito, o estertor. As vozes articuladas do
paciente: a queixa, o relato da doença, as perguntas inquietas. A voz articulada do
profissional: a história, o exame clínico e sua interpretação.
Mas o são apenas estas vozes a compor o cenário da comunicação na área da saúde.
que se escutar outras: as das pessoas com dificuldade de acesso à assistência, as dos
excluídos do e pelo sistema, as das instâncias de controle social, as das corporações, as de
quem lida com saúde coletiva.
Os idosos que compuseram o grupo tiveram direito a voz, e eu o dever de tentar
compreendê-la e interpretá-la à luz dos autores que discorrem não apenas sobre capacitação
de grupos de idosos e dos que escrevem sobre as práticas em saúde bucal mas,
principalmente, daqueles que pesquisam a inserção do ser humano com mais tempo de vida
no modo capitalista de produção e repartição de riquezas.
1.4 A narrativa gera um produto?
A narrativa da capacitação de um grupo de idosos para trabalho em saúde bucal gera
um produto? Qual produto? O conhecimento de minha experiência como investigador naquele
grupo. Minha pesquisa, relatada na primeira pessoa através de um processo narrativo, então,
deve gerar um produto. A compreensão da capacitação relatada é este produto? Se for, servi
18
para quê? Se servir para a reprodução da capacitação para outros grupos de idosos, é
reprodutível e, portanto, passível de pesquisa de base positivista? Se for, a pesquisa positivista
produzirá o produto “compreensão” do fenômeno?
O grupo que capacitei é único e sua capacitação não poderá ser reproduzida naquele
grupo. Ele estará capacitado. A experiência não poderá, portanto, ser reproduzida. Por ser
único, próprio para mim e para o grupo específico, ele e eu nos apropriamos do processo.
Contá-lo é minha tarefa como pesquisador, porque o vivi e desejo compartilhá-lo. Narrá-lo na
primeira pessoa é minha tentativa de buscar a compreensão do leitor a respeito deste processo
específico, com a pretensão de contribuir para o estudo da capacidade de idosos reaprenderem
a aprender.
1.5 Procurando um grupo
Segundo Azevedo e Souza
8
, os idosos constituem um grupo social, biológico e
psicológico característico, para o qual as situações didáticas precisam considerar suas metas
motivacionais.
Segundo Tapia
9
, as metas das pessoas que constituem um grupo podem orientar-se
para a aprendizagem, a partir de necessidades como autonomia e controle pessoal, aceitação,
desejo de aprender e experimentar competência, desejo de aprender o que seja relevante e útil
e desejo de poder ajudar outras. Podem também advir de uma orientação para resultados,
como desejo de êxito e reconhecimento, de obter recompensas. Entre esses dois eixos estaria
uma orientação advinda do desejo de ser aceito por amigos e poder estar com eles, participar
do grupo.
Tamayo et al.
10
levam em consideração que as tendências motivacionais são deduzidas
a partir das necessidades biológicas do organismo, necessidades sociais relativas à regulação
das interações interpessoais e necessidades referentes à sobrevincia dos grupos.
A satisfação destas necessidades acontece através de formas específicas definidas pela
cultura. O desenvolvimento cognitivo e a socialização desempenham um papel importante
19
neste processo. Por intermédio do primeiro, o indivíduo capacita-se para representar
conscientemente essas necessidades como metas a serem atingidas. Através da socialização,
aprende as maneiras culturalmente apropriadas para comunicar com os outros ao vel dessas
metas
10
.
As prioridades axiológicas do indivíduo expressam, além das suas motivações, as suas
concepções daquilo que é bom para ele próprio e para a sociedade. Neste sentido, os valores
possuem diversas funções importantes que são relevantes para as opções do indivíduo e para a
compreensão do seu comportamento
10
.
Buscando entender as características de um grupo de idosos, considerando suas metas
motivacionais, fiz uma aproximação com o Grupo de 3ª Idade Nossa Senhora de Fátima, cujas
reuniões aconteciam nas segundas-feiras à tarde no Centro de Extensão Vila Fátima, da
PUCRS. Dadas as dificuldades de horário e de objetivos do grupo, passei a pensar sobre a
possibilidade de formar um grupo específico para uma pesquisa. Conversei com a Assistente
Social do Centro e combinamos que faríamos uma tentativa nas quintas-feiras à tarde. Ela
convidou os interessados e fizemos a primeira reunião. Para minha surpresa, dada a
inconsistência de uma proposta que hoje percebo pouco atrativa, compareceram oito idosos.
Sete desdentados totais e um com os últimos dentes a extrair. Nenhuma ilusão com relação à
sua presença neste grupo: ficou claro, desde o primeiro momento, que eles tinham
comparecido para verificar a possibilidade de que eu facilitasse a obtenção de próteses, que
entendi, por suas manifestações, presentes intensamente nos seus sonhos e imaginário.
Conversamos, expus meus objetivos e dificuldades e obtive do grupo uma proposta:
eles queriam ser capacitados como multiplicadores em saúde bucal, para poderem, como
grupo, percorrerem creches e escolas para reforçar conteúdos sobre saúde com as crianças,
porque não concordavam que crescessem como eles cresceram, sem informações e pacientes
de um sistema de saúde mutilador, e eu poderia descrever este processo como base de minha
pesquisa. Ao mesmo tempo, eu envidaria esforços para confeccionar suas dentaduras ou o
tratamento clínico necessário.
20
Tratando da minha parte, providenciei, junto à Faculdade de Odontologia, que a
Disciplina de Prótese Total os acolhesse e as exodontias da que disso tinha necessidade
fossem feitas no Ambulatório Odontológico do Centro de Extensão.
Desta forma, ao se formar o grupo, ficaram muito claras as metas motivacionais das
pessoas que o compunham. A oportunidade de acessarem serviços protéticos, o alívio de
dores, a possibilidade de resgatarem a estética e as relações com outras pessoas, de ainda
buscarem oportunidades de trabalho ou de reconhecimento.
1.6 Uma proposta objetiva
Este trabalho acompanha a trajetória de um grupo de idosos, que tomou o nome de
Grupo Sorria, em sua aquisição de conhecimentos sobre saúde, comunicação e solidariedade,
no que estou denominando “A revolução dos mutilados”.
A capacitação desse grupo deu-se em reuniões, coordenadas por acadêmicos de
Odontologia e de Serviço Social, que visaram permitir que os idosos conhecessem as formas
de aquisição e perpetuação das doenças e agravos considerados como problemas de saúde
bucal coletiva, realizassem aconselhamento sobre hábitos saudáveis e, especificamente, sobre
dieta cariogênica, bem como higienização dos dentes de forma supervisionada.
Especificamente, enfoquei as relações e a inserção do idoso na saúde bucal, neste texto
entendida como abstração, cujo território é delimitado pelas ações e limites da Odontologia,
mas que existe na totalidade do sujeito cuja boca faz parte da mercadoria com que se
posiciona na estrutura do modo capitalista de produção de riquezas, descrevendo, buscando
compreender e interpretando seu discurso e sua prática, em contraponto à passividade do
idoso com relação à prática em Odontologia, que fez mutilá-lo. Foi, portanto, uma
revolução no ensino sobre saúde bucal. A revolão dos mutilados. Velhos que não têm mais
dentes aprendendo para ensinar crianças com os dentes a cuidá-los para que o sistema o
faça com estas o que fez com aqueles.
A possibilidade de trazer para uma discussão de cunho acadêmico a atuação de idosos
na construção da saúde bucal coletiva foi uma das motivações para elaborar este trabalho.
21
Pela importância de seu papel e pelo fato de ser uma contribuição inovadora no
cenário da saúde, julguei importante enfocar sua prática, tendo como objetivo geral narrar o
processo da capacitação e do fazer desse grupo, realizando uma leitura interpretativa da
sensibilização dos idosos do Grupo Sorria para intervir em educação e promoção em saúde,
com ênfase na abordagem em relação a autocuidado, dieta e higiene bucal e como objetivo
específico propiciar a reflexão, ao longo da narrativa, buscando compreender e analisar:
- nos limites da saúde da boca, o processo ideológico de uma premissa empírica:
pessoas idosas humildes, algumas analfabetas, podem ser educadoras;
- a boca social de um grupo de idosos;
- as formas que os idosos utilizaram para desenvolver temas como as formas de
aquisição e perpetuação das doenças e agravos considerados como problemas
de saúde bucal coletiva, aconselhamento sobre hábitos saudáveis e,
especificamente, sobre dieta carionica, bem como higienização dos dentes de
forma supervisionada.
- as relações e a inserção do idoso na abstração saúde bucal como mercadoria
com que se posiciona na estrutura do modo capitalista de produção de
riquezas;
- o trabalho de velhos que não têm mais dentes ensinando crianças com dentes;
22
2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
“A própria natureza do humano é justamente o subjetivo, o
sensível, o afetivo, o valorativo, o opinativo. Como
transformá-lo em objetividade, sem destruir sua principal
característica, a subjetividade?”
Chauí (1997)
2.1 Caracterização do estudo
A revolução dos mutilados: a história dos idosos que se propuseram a aprender
para ensinar crianças sobre saúde bucal é um Estudo de Caso que se desenvolve a partir de
uma abordagem qualitativa, com enfoque compreensivo e explicativo, tendo como base a
observação participante, resultando em um relatório de pesquisa apresentado como informe
escrito na primeira pessoa do singular.
2.2 Critério de inclusão
Oito idosos, sete mulheres e um homem, com idades entre 67 e 80 anos, residentes na
Vila Nossa Senhora de Fátima, na área territorial do Centro de Extensão Vila Fátima, da
PUCRS, que constituíram o grupo Sorria.
2.3 Descrição do guia de capacitação
Segundo Vasconcellos
11
,
a ão educativa desenvolvida e os meios utilizados (metodologia, técnicas,
conteúdos, relacionamentos) podem ajudar as pessoas a irem se libertando de tudo
que as escraviza interior e exteriormente, mas pode também ser de natureza tal que
mantenha as pessoas e os grupos em situação de dependência, manipulando-os
como objetos e sujeitando-os às estruturas injustas. Deixa de ser educação para
converter-se em instrumento de dominação, de domesticação, responsável pela
formação de homens e mulheres acomodados e alienados.
23
De acordo com Vasconcellos
11
, para que o conhecimento seja construído, o sujeito do
processo precisa recorrer à sua estrutura de assimilão, representações mentais prévias
relativas ao objeto e à capacidade de operar estas representações, no sentido de poder
transformá-las e recriá-las, ou seja, conhecimentos anteriores que constituam uma rede pela
qual seguir na construção do novo, decompondo-o e adaptando-o, através de aproximações
sucessivas, aos esquemas mentais existentes, claros o bastante para poderem ser expressos
por alguma forma de linguagem, forma concreta das sínteses elaboradas (critérios de
construção do conhecimento)
11
. Além disto, é necessário sentir necessidade, ou seja, há que
haver o que, no entender de Tapia
9
, seriam metas motivacionais.
Assim, busquei possibilitar o encontro entre o velho pobre e desdentado e a saúde
bucal, relação na qual o mutilado conflitua com o prevenir, o concreto e o abstrato debatendo-
se na reconstrução do conhecimento (critérios de construção do conhecimento)
11
do idoso a
respeito dos porquês de sua boca apresentar-se como está e como agir para que outras pessoas
o percam seus dentes.
A aproprião significativa, crítica e criativa (critérios de construção do
conhecimento)
11
, por um grupo de idosos, de parte do conhecimento acumulado em saúde
bucal, de tal forma que possa servir como instrumento de construção da cidadania e de
transformação da realidade, é uma meta desafiadora, que requer um referencial teórico que
oriente o desenvolvimento da prática articulada à realidade
11
, para melhor entendimento de
como os idosos aprendem ou, melhor, de como reaprendem a aprender.
Com o grupo Sorria, as ações para aquisição do conhecimento levaram em
consideração as metas motivacionais e os ritmos individuais, utilizando a sistematização dos
assuntos sobre saúde bucal como mediação e ajuda para a proposta de entendimento dos
desafios das realidades vividas pelos idosos.
A capacitação descrita a seguir incorpora aquelas sugeridas por Fajardo
12
, embora, na
prática, tenha sido previsto que algumas seqüências e forma de tratamento dos conteúdos
devessem ser modificados, uma vez que a autora trabalhou com a capacitação de agentes
comunitários de saúde, cujos objetivos de aprendizado diziam respeito a um aprofundamento
de questões referentes a serviço.
24
Segundo esta autora, é importante a interação entre educando e educador de maneira
contínua, visando propiciar a ambos a oportunidade de compartilhar e vivenciar alternativas e
dilemas próprios da vida. Os conteúdos em saúde bucal foram trabalhados em conjunto com
outros saberes do campo da saúde, contemplando trabalhos em grupo com revezamento de
função dos participantes, para possibilitar o intercâmbio de vivências e alternância de papéis.
A proposta de capacitação em saúde bucal buscou resgatar o conhecimento próprio
que já possuíam em relação à realidade da comunidade, pretendendo privilegiar o intercâmbio
entre o saber científico e o popular.
A metodologia proposta coms-se da realização de encontros para percepção de seu
conhecimento a respeito de saúde bucal e discussão dos saberes apresentados nas oficinas e
consolidação de novos conhecimentos.
O total foi de seis turnos de aproximadamente quatro horas cada um para
desenvolvimento da proposta, além de dois para planejamento e preparo de conteúdo e
material, resultando em oito turnos de trabalho.
Além de espaço físico adequado, o material necessário foi constituído por rolos de
papel pardo, canetas coloridas, revistas, tubos de cola, tesouras, odontoscópios, abaixadores
de língua, fardos de papel-toalha, luvas descartáveis, espelhos de mão e folhas ocio, além de
equipamento audiovisual.
A proposta de desenvolvimento das atividades de educação em saúde bucal
contemplou principalmente as seguintes etapas e conteúdos, interligados entre si:
1) apresentação do capacitador e dos participantes, bem como sua motivação para realizar
esse trabalho;
2) sensibilização para participar do processo de capacitação em saúde bucal;
3) conhecimento prévio sobre os problemas em saúde bucal coletiva: causas, prevenção e
controle;
4) métodos de auto-cuidado;
5) possibilidades de intervenção na realidade local.
25
A partir do segundo encontro, no primeiro momento da atividade os idosos foram
estimulados a resgatar os conceitos anteriormente trabalhados, o mesmo sendo feito também
ao final de cada reunião, privilegiando o vel de comunicação alcançado entre o grupo.
Da mesma forma, os idosos descreveram brevemente o que conheciam a respeito do
conceito a ser trabalhado em cada turno de capacitação. Busquei resgatar essa contribuição e
vinculá-la ao conteúdo trabalhado.
Sempre que possível, o grupo de idosos produziu material educativo, levando em
conta suas possibilidades e a população com a qual trabalharão, tentando reforçar o conceito
de educação como troca de saberes e não repasse de informações apenas, caracterizando um
processo dialógico.
Os picos abordados contemplaram doenças e agravos considerados como problemas
em saúde bucal coletiva: cárie dentária, doença periodontal, câncer bucal, fendas bucais,
fluorose e traumatismos dentofaciais, sempre tentando relacionar suas causas, conseqüências,
prevenção e alternativas reabilitadoras com o estado geral de saúde da pessoa, a relação com o
ambiente e os fatores socioeconômicos que os determinam.
Como processo educativo, essa proposta pôde e foi readequada a cada realidade e
momento de implementação.
2.4 A opção pelo Estudo de Caso
“O território das tecnologias leves, das relações, é o lugar
estratégico de mudanças no modo de produzir saúde”.
Merhy (1998)
De acordo com Ceccim e Capozzolo
13
, construiu-se, ao longo de uma trajetória de
racionalidade científica, uma especialização corporativista, uma associão da saúde com a
mecânica e uma mensuração de gradientes de saúde e de doença através de modelos
matemáticos, ficando excluídas as artes, as letras e a sensibilidade dos encontros humanos,
26
inscritas no campo de cenários de produção de saúde, através da criação de tecnologias leves.
Disto resulta, tanto na parte privada quanto na estatal do sistema de saúde brasileiro, uma
dificuldade de percepção de dimensões relacionadas à subjetividade dos usuários, pela falta de
recursos tecnológicos para a escuta.
Escolhi realizar um Estudo de Caso pelo seu potencial de contribuição na
compreensão dos fenômenos individuais, sociais e poticos, cuja intervenção não apresenta
um conjunto simples de resultados. Segundo Yin
14
, um referencial desta natureza assume
relevância por constituir uma estratégia de pesquisa de constatações empíricas.
Além disso, o Estudo de Caso proporciona ao investigador estímulo a novas
descobertas também em relação a algum evento ou entidade que é menos definido do que um
indivíduo, como, no caso desta pesquisa, um grupo de idosos.
Para Yin
14
, esta é uma forma de se fazer pesquisa empírica, de investigar fenômenos
contemporâneos dentro de seu contexto de vida real, em situações em que as fronteiras entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente estabelecidas, onde se utilizam múltiplas fontes
de evidência.
Este estudo trata de um caso único, de natureza crítica, no qual parti de uma descrição
de duas constatações empíricas: a) pessoas humildes, algumas analfabetas, podem ser
educadoras; b) se a experiência delas for contada, pode contribuir para que outros grupos
possam agir de maneira similar, configurando a problemática investigada, o que possibilitou
percorrer um caminho rumo ao desenvolvimento da base teórica necessária, ampliada até a
finalização da pesquisa.
O estudo de caso proposto, além de auxiliar na definição da pesquisa e na coleta de
dados, permitiu generalização analítica, significando uma construção teórica a partir dos
resultados encontrados.
27
2.5 Passos metodológicos
Segundo Yin
14
, o Estudo de Caso busca contemplar elementos básicos:
a) Questões principais do estudo: constatação a respeito dos estereótipos sobre a velhice e as
premissas empíricas de que pessoas idosas humildes, algumas analfabetas, podem ser
educadoras e que, se a experiência delas for contada, pode contribuir para que outros
grupos possam agir de maneira similar;
b) Proposições: dizem respeito ao que será examinado, à decisão de onde procurar achados
relevantes e à definição dos critérios pelos quais o sucesso da investigação será analisado -
o processo da capacitação e do fazer dos idosos do Grupo Sorria para intervir em
educação e promoção em saúde e propiciar a reflexão sobre o processo ideológico da boca
social de um grupo de idosos, sobre as formas que os idosos utilizaram para desenvolver
temas considerados como problemas de saúde bucal coletiva, sobre as relações e a
inserção do idoso na abstração saúde bucal como mercadoria e sobre o trabalho de velhos
que não têm mais dentes ensinando crianças com dentes;
c) Unidades de análise: estão relacionadas com a definição do que o caso é e, no presente
estudo, foram constituídas a partir da vivência do processo de capacitação de um grupo de
idosos. A definição das unidades de análise está ligada à maneira pela qual as questões de
estudo foram definidas e que resultaram, neste informe, nos títulos Um nome para nós;
Razões para a participação; Dentadura ou dinheiro para comprar comida?; A assistência
odontológica; Conhecimentos sobre os problemas em saúde bucal coletiva; A saúde bucal
em ato de produção e consumo: a fronteira entre razão e desejo; A saúde bucal do idoso;
A produção de material educativo e O Grupo Sorria como educador;
d) Lógica que une os dados às proposições e critérios para interpretar as descobertas
(consistência, coerência), relacionando-se as informações obtidas com as proposições
estabelecidas. Com relação aos critérios para interpretação dos dados, as análises e
inferências, em Estudos de Caso, são feitas por analogia de situações e buscam responder
às questões inicialmente formuladas.
28
Ao desenvolver estes componentes, como investigador construí uma maneira objetiva
e habilitada para orientar-me durante o processo de realização do estudo, dando direção para a
definição dos dados a serem coletados e estratégias para a análise, possibilitando fazer
contribuições/generalizações.
Estes passos básicos permearam:
- Orientação e preparação
- Redação do estudo de caso
- Coleta de documentos e registros
- Elaboração de protocolo
O protocolo indicou os procedimentos, os instrumentos e as regras gerais que foram
seguidas na aplicação e no uso dos instrumentos e constituiu tática para aumentar a
fidedignidade da pesquisa. Segundo Yin
14
, um protocolo deve conter:
uma visão geral do projeto do estudo de caso - objetivos, ajudas, as questões do estudo
de caso e as leituras relevantes sobre os tópicos a serem investigados;
os procedimentos de campo;
as questões que tive em mente na coleta de dados, as fontes de informação, os
formulários para o registro dos dados e as potenciais fontes de informação para cada
questão;
um guia para o relatório do Estudo do Caso.
Isto facilitou a coleta de dados, possibilitando que ela ocorresse dentro de formatos
apropriados, reduzindo a necessidade de retornar às pessoas envolvidas.
2.6 Análise dos achados no estudo de caso
No presente Estudo de Caso obtive achados a partir da observação participante, das atas
de reuniões e artefatos físicos.
A análise de achados é um dos menos desenvolvidos e um dos mais difíceis passos na
condução de um Estudo de Caso. Muitas vezes, um investigador inicia um estudo de caso sem
29
uma visão muito clara dos achados a serem analisados e pode sentir dificuldades para realizar
este passo, que Yin
14
aponta como necessário se ter uma estratégia geral para a análise.
2.6.1 Estratégias Gerais
O autor apresenta duas estratégias para a análise dos achados:
Confiança nas Proposições Teóricas - Segui as proposições teóricas estabelecidas no inicio
do Estudo de Caso, uma vez que os objetivos foram estabelecidos com base nas proposições
que refletem as questões da pesquisa, a revisão da literatura e novos insights.
As proposições me ajudaram a manter o foco e a estabelecer critérios para selecionar os
dados. Ajudaram também a organizar o caso e a analisar explanações alternativas.
Desenvolvimento da Descrição do Caso - Constituiu-se na elaboração de um esquema
descritivo para organizar o Estudo de Caso e como um padrão geral de complexidade para
ajudar a explicar.
Considero que fiz uma opção que em termos científicos não é convencional ao não
especificar e descrever cada um dos oito encontros. Sempre foi intenção apanhar e narrar o
todo do processo. Descrevendo cada encontro, seguiria uma seqüência talvez mais lógica e
provável para quem analisa um trabalho científico, mas que talvez prejudicasse a apreensão
do todo.
2.7 A observação participante
De acordo com Mercado-Martinez e Bosi
15
, o desenho de uma pesquisa pode ser
entendido como a seleção das opções que permitem a obtenção, análise e, no caso desta
investigação, a interpretação dos dados obtidos não em função de manifestações individuais,
mas levando em consideração o comportamento de um grupo frente a uma proposta. Dizem
estes autores que nenhum desenho pode ser considerado melhor que outros, uma vez que
devem ser construídos pelo contexto de cada pesquisa em particular, e a utilização de uma
30
estratégia discursiva pode ser uma opção de investigadores procedentes da sociologia, ou com
motivações de natureza social ou política.
A opção pela observação participante significou para mim, dentre outras estratégias, a
possibilidade de, conforme os autores acima, diluir a visão dominante que confere
superioridade à abordagem técnico-científica, reconhecendo, no grupo de idosos com que
trabalhei, a importância de suas percepções, opções, opiniões, significados, experiências e
práticas, sem preconceitos como ignorância e limitações, observações que não teriam
condições de serem feitas através de questionários ou entrevistas, mas somente participando e
colocando-me no processo, trazendo, nesta condição de sujeito, minhas crenças e valores para
serem trocados no interior do grupo.
2.8 O informe qualitativo escrito na primeira pessoa do singular
Creio importante a referência de Mercado-Martínez e Bosi
15
em relação à
conceituação de pesquisa qualitativa, preferindo o emprego do termo informação qualitativa,
para aqueles trabalhos que não encontram expressão em números, uma vez que retratam uma
dimensão subjetiva, designando emoções, vivências, sentimentos, crenças e percepções.
Designam, assim, estudos discursivos que se referem a objetos que não admitem uma resposta
em termos de valores numéricos, razões, proporções ou freqüências de distribuição,
resultantes, como no caso desta investigação, da observação participante, mas que consiste em
um modo de fazer ciência, congregando uma série de implicações sociais, políticas e éticas.
A narrativa, como forma de descrição científica de um estudo, implica uma atitude de
reflexão e um método onde a construção explicativa do que está se passando, seguindo o
ponto de vista de quem está vivendo a situação concreta. Há, portanto, um centro na utilização
do método: a subjetividade, entendida como cientificidade, satisfação à idéia de ciência,
retorno às coisas, ao mundo vivido, à unidade do sentido, no sujeito. Trata-se, aqui, do relato
da capacitação do grupo Sorria, através de uma forma de narrativa que leva em consideração
as manifestações dos idosos do grupo, gravadas nas reuniões de capacitação, e depois
transcritas.
31
De acordo com Abma
16
, muitas pesquisas qualitativas têm experimentado formas
alternativas de apresentação para trabalhos científicos: formas literárias incluindo poesia,
biografias e autobiografias, testemunhos, etnodramas e ficção. Exemplos de formas não-
literárias incluem fotos, vídeo, música, teatro e dança.
Assim, pesquisas qualitativas na área da saúde podem ser desenhadas para explorar
estas novas formas de apresentação para seus achados científicos, uma vez que,
diferentemente do tipo de argumentação comum na pesquisa de base quantitativa, elas visam
retratar a essência dos fenômenos, no que tange a formas de linguagem, meios de produção do
conhecimento e, principalmente, à questão do poder. Dados da pesquisa, sua análise e
discussão, são apresentados de tal forma que sejam reflexo de como o pesquisador os entende
e sua expressão significará a maneira como ele pensa que pode melhor se fazer compreender,
envolvendo relações entre linguagem, poder e modo de produção do conhecimento, a partir do
ponto de vista de que o conhecimento não é um espelho do mundo externo, mas a construção
deste mundo, em um processo que o é neutro, mas cio-político, no qual o poder para
estabelecer o modo dominante é crucial. A realidade é considerada um processo ativo do
modo de construção do conhecimento através de interações sociais.
O processo é, deste modo, relacional e social e o poder, definido em termos da
possibilidade de influenciar o processo do modo de produção do conhecimento e não
distribuído igualmente na nossa sociedade representa um papel inevitável sobre ele. As
experiências e perspectivas de algumas pessoas serão prevalentes e poderão dominar no
processo, adquirindo um status de incontestáveis
15
.
Segundo Zeller
17
, dois pressupostos são fundamentais no informe de caso: o primeiro
é que o principal objetivo é criar compreensão e novos sentidos. O segundo é que,
diferentemente de um informe técnico, deve ser um produto em vez de um registro da
investigação.
A eleição do informe de caso em vez de um artigo científico dividido
estereotipadamente em quatro partes indica também uma opção por não adotar seu estilo de
redação.
32
Nos estudos de caso é mais apropriado, segundo a autora, um estilo de redação
informal, narrativo e com citações textuais, ilustrações e até alusões ou metáforas que um
estilo de informe técnico. um benefício duplo se for constrdo como narrativa de caso:
pode-se descrever claramente a própria interação e pode ser utilizado o informe de caso para
descrever ou demonstrar toda a gama de influências mútuas que se encontram presentes no
caso. Há ainda o benefício de descrever, na narrativa de caso, as posições de valor do
investigador, a teoria fundamental, o paradigma metodológico e os valores contextuais
locais
13
.
Ainda segundo Zeller
17
, a narrativa emerge, ela mesma, como um produto do estudo
de caso. Mais que na narração objetiva de experiências, se converte em um filtro narrativo
através do qual se modela a experiência e se lhe dá sentido.
Segundo Coltro
18
, a finalidade de uma pesquisa não pode ser simplesmente acumular
fatos do mundo existencial, mas compreendê-los, uma vez que o que percebemos não devem
ser apenas os fatos em si mesmos, mas os seus significados. Esta compreensão dar-se-á pela
observação e pelo exame do fenômeno, provido de uma indagação significativa referente à
fundamentação da vida social tal qual ela se apresenta na cotidianidade.
Qualquer construção científica é resultante da atividade do ser humano de buscar
conhecer com maior certeza o mundo, a sociedade que vive ou a humanidade que existe nele,
envolvendo significativas dificuldades metodológicas. Nestes termos, a metodologia, na
pesquisa cientificamente embasada, tem como objetivo ajudar a compreensão, não dos
produtos da pesquisa, mas do processo de construção do conhecimento
18
.
A vida humana é de difícil mensuração e quantificação, mas apropriada para ser
analisada pelos métodos e procedimentos da pesquisa qualitativa, que tem como foco penetrar
seu significado, utilizando-se de procedimentos que levam a uma compreensão por meio de
relatos descritivos das ações sociais, valorando o objeto da investigação e recusando os mitos
da neutralidade e da objetividade
18
.
Tal postura para compreender questionando os fundamentos ultrapassa a relação de
sujeito-objeto, porque o ser humano não é objeto e, portanto, passa a ser uma relação de
sujeito-sujeito. Em uma relação assim compreendida, o pesquisador é obrigado a assumir
plenamente a vontade e a intencionalidade de rever seus próprios valores, que serão
33
confrontados com os valores do outro sujeito
18
, nesta pesquisa entendido como o Grupo
Sorria.
No método adotado no presente estudo a validação da prova científica foi buscada no
processo lógico da interpretação e na capacidade de refleo do pesquisador sobre a
compreensão voltada para os significados do perceber e do relatar pelo próprio sujeito que
percebe, no confronto das visões de mundo, de crenças, de valores. Apresenta-se, assim, como
todo de natureza exploratória, já que é interpretação aberta a outras interpretações
18
.
2.9 Guia da narrativa da capacitação
De modo simplificado, pode-se dizer que esta análise se desenvolve de acordo com as
seguintes etapas
17
Reunião e discussão de dados do vivido, fixado em sucessivos registros/relatos;
Análise/constituição de uma interpretação desses relatos do vivido;
Nova compreensão, que se concretiza em uma nova proposta, repetindo-se o círculo.
2.10 Instrumentos e forma de coleta dos dados
A coleta de dados aconteceu no transcorrer das reuniões, com anotações sobre as
manifestações orais dos participantes. Estas anotações foram completadas pela transcrição de
fitas de gravação. Optei por não realizar entrevistas porque descrevo as manifestações do
grupo, coisas que foram compartilhadas, sem detalhamento das expressões individuais, que
o poderiam ser divididas.
Anotei as manifestações do grupo, busquei compreendê-las e expressei a
interpretação/explicação de autores sobre elas.
Com referência à observação participante, os dados foram registrados utilizando o
proposto por Taylor e Bogdan
19
, por meio de notas de campo - referentes aos acontecimentos,
34
anotando tamm os comentários e as citações de partes do discurso dos participantes (literais
ou resumidas), incluindo o que não foi compreendido e o que surpreendeu.
As notas de campo, aos poucos, foram se transformando em descrições acompanhadas
de comentários anaticos a partir da interpretação de fatos e comportamentos, que
constituíram os focos para as discussões teóricas e reflexões. Incluíram a minha descrão de
acontecimentos, conversações, ações, sentimentos, dúvidas e certezas provisórias. Os
comentários referiram-se também a registros de idéias e interpretações emergentes de gestos,
comunicações não verbais, tom de voz e velocidade dos discursos dos participantes.
Como principais elementos estruturantes das observações foram considerados os
propostos por Wittrock
20
:
O conteúdo - descrevendo a experiência associada à identificação de antecedentes
históricos e ambiente social,
- reformulando hipóteses pelas descobertas ocorridas no decurso do
trabalho e por meio de infencia e compreensão do conhecimento cio-cultural dos
participantes,
- pequenas narrações com citações, pequenas histórias,
- discussão teórica, reinterpretando o sentido do apreendido;
Os âmbitos de interesse - fase narrativo-descritiva, incluindo informações sinópticas e
afirmações empíricas;
Descrição de episódios interativos durante a observação;
Elaboração e análise de resumos à luz das notas de campo;
Atenção às orientações teóricas;
Interpretação - na narração sobre a realidade observada foram incluídos comentários
interpretativos do observador, reconstruindo a situação mais ampla e o contexto,
transformando os dados descritivos de elementos significativos em marco teórico
explicativo.
Constaram registros sobre a reconstrução do processo de aprendizagem tanto
individual como do grupo a partir da explicitação dos propósitos do estudo, das produções,
reflexões e declarações.
35
Durante a capacitação, o grupo produziu material didático, convivendo com uma
exploração pedagógica crítico-criativa de recursos tecnológicos estereotipados.
2.11 Análise de Dados e Interpretação de resultados
Os registros da observação participante foram analisados utilizando-se análise de
conteúdo de natureza qualitativa com base em Haguette
21
:
- leituras sucessivas dos dados, reunindo as notas do campo e outros materiais;
- rastreamento de pistas emergentes, registrando o que pareceu importante durante a
leitura e a refleo sobre os dados;
- desenvolvimento de conceitos e proposições teóricas, passando da descrição à
interpretação e à teoria, inclusive utilizando palavras e frases do próprio vocabulário dos
componentes do grupo que representassem o sentido do que diziam e faziam;
- leituras do material bibliográfico que ajudaram na interpretação dos dados;
- desenvolvimento das interpretações dos dados;
Em um determinado período de tempo, no Centro de Extensão Vila Fátima, um grupo
de sujeitos nos debruçamos sobre um objeto de conhecimento. Nossas atenções, sentimentos,
pensamentos e fazeres estão descritos no capítulo que se segue.
36
3 DESCREVENDO, REVISANDO A LITERATURA E INTERPRETANDO O
RELATO DO VIVIDO
Ao iniciar o relato das reuniões do grupo Sorria, considero importante citar que
ordenei as manifestações dos idosos em relação aos seus interesses de participação e aos
conhecimentos atuais sobre saúde bucal não na ordem cronológica em que ocorreram, mas de
forma a facilitar a leitura e a apreensão do todo. Era interesse, desde o início, considerar o
grupo como um todo, ressaltando sempre o coletivo e construindo uma discussão com
diversos autores.
3.1 Um nome para nós
As primeiras manifestações sugeriram uma sensação de utilidade, porque a sociedade
limita as oportunidades de ação dos idosos. Ali, naquele grupo, eles sentiam-se úteis pela
oportunidade de colaborar com a saúde bucal de suas famílias e das crianças com que iriam
trabalhar.
Assim, na discussão sobre qual seria o nome do nosso grupo, expressões como Grupo
de Terceira Idade foram rejeitadas,
porque a gente participa de outros grupos e todos têm o mesmo nome, parece tudo a
mesma coisa.
O nome que os participantes sugeriram, Sorria, segundo eles traduzia tudo o que
desejavam integrando aquele grupo, ou seja, supria suas metas motivacionais. Idosos com
dificuldades de acesso ao sistema de referenciamento para o nível de média complexidade do
sistema de saúde brasileiro, enxergavam, com sua participação, a possibilidade de, finalmente,
terem dentes.
Queriam dentes, um grupo que os satisfizesse e os mantivesse alegres, além de, como
objetivo de seu aprendizado, fizesse sorrir às crianças com as quais trabalhariam.
37
Estas aspirações do Grupo Sorria, referentes ao território boca e às relações com o
mundo, evidenciam o que, para Souza
22
, é o trilhar das subjetividades se produzindo e sendo
produzidas nas marcas dos corpos dos sujeitos convivendo com o agravo, uma maneira de
viver.
3.2 Razões para a participação
Mais razões, todas importantes, começaram a aparecer: fugir da solidão, buscar
informações, fugir da depressão, buscar ajuda. No falar do grupo, anotei
o velho se sente muito sozinho, e a gente tem medo de ficar sozinho, de acontecer
alguma coisa e não haver quem socorra a gente;
a gente não gosta de ficar sozinho porque gosta de conversar, de ensinar, de passar
o que a gente sabe;
solidão é uma coisa muito triste, parece que a gente já morreu;
eu não sei ler e tomava o remédio errado, fui descobrir quando uma senhora de
um outro grupo leu a receita pra mim;
no grupo a gente vê que é tudo parecido na casa dos outros e daí a gente se ajuda.
Estas frases provocam sensações e merecem uma análise, no contexto atual do idoso
em nossa sociedade.
O Brasil tem hoje aproximadamente 11 miles de pessoas com mais de 60 anos de
idade e a proporção demográfica indica um efeito direto nos indivíduos, nas famílias e nas
comunidades, com implicações psicológicas, biogicas, econômicas, sociais e poticas, em
uma sociedade hoje pouco compreensiva com a crise da transição pessoal para a velhice e que
tolhe os possíveis espaços de amadurecimento do idoso
23
.
uma visão ideologizada de que o idoso é uma pessoa que necessita de cuidado, e
pouca referência ao idoso como aprendiz, como aluno, ou como cuidador, como educador,
como pessoa que, pela experiência de vida, pode ser capaz de influir positivamente para que
38
sua família e a comunidade busquem melhor qualidade de vida, seja pelo desenvolvimento de
capacidades de negociação, seja pela utilização de estratégias para superar obstáculos.
Na sociedade que estamos vivendo, os idosos têm, de uma forma geral, assumido um
papel que configura um estereótipo de conformismo, de inutilidade para outra coisa “mais
importante” (o trabalho fora de casa é endeusado como “mais importante” que as tarefas de
casa, resultado, por um lado, do processo de participação na força produtiva e, por outro, das
forças de persuasão a serviço da concentração de capital) ou uma relação de violência: “não
serve para outra coisa” ou de violência invisibilizada, no sentido de preservação de uma
imagem estereotipada de “avós bem comportados”
24
. Dentro do estereótipo do vo
comportado inclui-se a violência da infantilização que pressupõe o sujeito idoso incapaz das
decisões e o gerenciador de seus rumos e destinos. O “vovozinho” ou “vovozinha”, ao
serem assim tratados, são usurpados de seu direito de conjugar verbos na primeira pessoa e
em frases afirmativas. Tal prática se constitui em uma cínica estratégia de exclusão.
Porém, na medida em que necessita do cuidado que sua idade requer, o idoso pode
oferecer em troca o cuidado representado por sua presença e experiência
25
.
Assim, as informações dos idosos a respeito dos processos saúde/doença tornam-se
fundamentais, no sentido de novos hábitos, tanto no que diz respeito aos aspectos de higiene,
quanto no que se refere à busca da satisfação das aspirações e da qualidade da vida em geral,
mesmo que esta possa ser afetada por estados de sua saúde ou por condições socioeconômicas
e fatores do meio onde o idoso vive ou interage
26
.
3.3 Dentadura ou dinheiro para comprar comida?
“Oitenta anos passados. Não tenho mais vista, nem ouvidos, nem dentes, nem
pernas, nem fôlegos e, uma vez feitas as contas, a gente pode muito bem passar sem
eles”.
Paul Claudel
39
Outra questão interessante, colocada nas reuniões, quando iniciamos o processo de
entender os conhecimentos próprios do grupo, foi de que devemos cuidar dos dentes porque o
preço das dentaduras é alto. Ressalta, para mim, algo que sinto permear a prevenção de
doenças bucais em populações de baixa renda e escolaridade: o conformismo com a perda
dentária, e a naturalidade com que essa perda é reparada por próteses. A reclamação não é
pela perda dos dentes, mas pelo custo da prótese. Uma das componentes do grupo manifestou-
se, a respeito, de uma forma que traduziu o pensamento de todos: tirar os dentes era de graça,
mas comprar dentadura implicava em opções – ter comida ou ter dentes. No dizer de uma das
participantes,
professor, fui ver o preço das chapas na Faculdade. Professor, eu até tenho o
dinheiro para pagar. Mas o que é que adianta comprar os dentes e não ter dinheiro
para comprar comida? Daí eu vou poder rir, mas não vou ter o que mastigar.
Ferreira et al.
27
comentam que a dor constitui uma anormalidade e a extração dentária
faz retornar a normalidade, que conflitua com a anormalidade de não ter mais o dente. O
retorno à normalidade se efetua com a colocação da prótese, que se constitui anormal por ser
estranha à estrutura biológica bucal, mas é aceita como normal socialmente, ou seja, para o
desempenho das dimensões da bucalidade.
O processo de envelhecimento é biológico, mas também deve ser encarado como
sócio-hisrico. Se, por um lado, ficar mais velho implica ter dentes que envelheceram ao
longo da trajetória do mesmo corpo e sofrendo os mesmos agravos que o corpo sofreu, por
outro, para a boca, ficar mais velho em sociedade tem significado diferente, porque ela reflete,
conforme Almeida e Souza
28
, as condições em que as pessoas se cuidaram e foram cuidadas.
As pessoas do Grupo Sorria eram idosos marcados, em suas feições, aparência geral,
roupas, mãos, pés e bocas por anos de analfabetismo e baixa renda, consumidos pelo mundo
do trabalho.
A discussão passa, neste momento, por uma verdade que vem à tona: a ideologia
dominante expressa na cultura de acomodação e conformismo com a pobreza e à falta de
acesso a serviços de saúde. Restaria às pessoas, conforme o tempo de suas vidas vai passando,
concordarem com o alívio de suas dores através da mutilação. Este conformismo torna-se
40
aparente, se pensarmos que os resultados trazidos pelo Ministério da Saúde
29
, na análise dos
dados do levantamento das condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003, em
relação à autopercepção em saúde bucal, são de que 45,99% dos idosos percebem sua saúde
como boa, 42,29% classificam a aparência de seus dentes e gengivas como boa; classificam
como boa a sua mastigação 44,58%; 53,64% consideram boa sua fala, que não sofre a
influência do estado dos dentes e gengivas; 62,53% entendem que a saúde bucal não afeta o
relacionamento; em relação a quanto de dor sentiu nos últimos seis meses, 77,56% referiram
que não sentiram nenhuma dor, poderemos argumentar sobre a importância dos dentes para as
pessoas e questionar sobre se somente um grande mal-estar ou dor leva as pessoas a eliminar
seus dentes, procurando alívio porque, segundo estes dados, tanto faz ter dentes ou não, ter
próteses ou não.
Segundo Reis e Marcelo
30
,
autopercepção em saúde é a interpretação que a pessoa faz de suas experiências de
saúde e estados precários de saúde no contexto da vida diária. Esse julgamento se
baseia, em geral, na informação e nos conhecimentos disponíveis, modificados pela
experiência prévia e pelas normas sociais e culturais. A percepção em saúde bucal
está associada aos aspectos físicos e subjetivos relacionados à boca e é influenciada
por fatores sociais e econômicos, pela idade, sexo e classe social do indivíduo. Para
muitas patologias, a necessidade percebida depende das crenças e do conhecimento
da pessoa afetada, e também dos critérios de valor atribuídos à saúde perdida..
Segundo Souza
31
, o modelo de prática odontológica que reduz o conceito de
bucalidade, que significa a beleza, a delicadeza, a voracidade e a potencialidade da boca no
corpo humano, ou seja, a linguagem, a vida e o trabalho que se cruzam no entendimento do
território boca, conceito de materialidade e projeção sociopsíquica, faz emergir os efeitos
dessa restrição, sobretudo na naturalização da perda dentária e na ênfase ao protesismo. O
banguela, segundo a autora, é símbolo da exclusão social e o estudo do Ministério da Saúde
pode ser discutido, em minha opinião, no que Souza
31
denomina subjetividade de
sobreviventes.
Esta subjetividade, para o Grupo Sorria, manifestava-se pelo conformismo, primeiro,
em relação às exodontias realizadas; depois, em ir
41
vivendo assim mesmo, como Deus quer, tendo saúde está tudo bom, não é mesmo?
Mas e há saúde?
ora, a gente tem o que comer. Mastiga um pouco, antes corta bem miudinho, e vai
se vivendo. A fala? A gente assobia um pouco, mas todo mundo entende o que a
gente diz, então as relações com outras pessoas, mesmo com o marido, é boa, até
porque ele é assim também. Não doendo, a gente vai levando a vida.
A desigualdade social determinada pelo caráter excludente do modo de produção de
riquezas vem produzindo, no Brasil, um quadro epidemiológico no qual, lado a lado,
encontram-se um perfil de saúde comparável ao de países desenvolvidos e um alto
contingente populacional que carrega expressivos índices de doenças
32
.
O conjunto de problemas poticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe
trabalhadora impôs, no curso da sociedade capitalista, constitui o que Netto
33
chama de
questão social, como os aspectos que envolvem a saúde bucal, na medida em que se inserem
na globalidade e complexidade das relações no interior do modo de produção capitalista e
fazem parte de sua ideologia
34
, que Gadotti
35
toma como superestrutura ligada à distorção no
sentido de dissimular a situação real e está implícita nas mais variadas situações do cotidiano.
A educação é influenciada pela concepção de mundo
36
, mascarando os problemas
reais ao encobrir a essencialidade dos processos sociais na sua relação com a biologia bucal
37
.
Na racionalidade imposta pelo capitalismo monopolista, as instituições geradoras e
reprodutoras de políticas de saúde são vitais para a hegemonia e responsáveis pelo modelo
assistencial vigente na Odontologia que, nos espaços da atividade cirúrgico-restauradora,
pratica uma prevenção de base consumista e modernizante, com avanços na teoria da
atividade biológica, mas sem argumentos com relação à dialética do processo saúde/doença,
ou seja, a Odontologia desenvolve-se como se fossem duas atividades simultâneas: aquela que
consiste em seu trabalho concreto de diagnóstico e tratamento de pacientes e aquela que se
desenvolve inconscientemente, como conseqüência das condições sociais que o Estado gera
para essa prática
38
.
42
A saúde e a doença resultam primeiramente do relacionamento homem/natureza e,
secundariamente, das propriedades biológicas, devendo sempre ser analisadas em conjunto e
nunca isoladamente e esta compreensão do processo saúde/doença, a partir de sua
determinação social, tem possibilitado a inclusão de variáveis sociais como escolaridade,
moradia, trabalho e renda familiar como instrumentos essenciais preditivos de risco
39
.
A consciência dos riscos sócio-culturais e biológicos, individuais e coletivos, pode
levar a medidas capazes de controlar doenças, desde que exista disposição política de
participação nas decisões fundamentais dos programas de atenção em saúde bucal sob a égide
do Sistema Único de Saúde.
Com os idosos do Sorria, trabalhar uma educação libertadora a partir de suas metas
motivacionais de inclusão naquele grupo seria superar a superestrutura calcada anos a fio pela
sociedade civil
34
, buscando um entendimento das relações entre saúde e qualidade de vida.
Segundo Resende
40
, a compreensão do processo de determinação da doença tem sido
estudada, buscando-se um relato das interpretações através dos tempos. A causalidade é
determinada, de um lado, pelas condições concretas de existência e, de outro, pela capacidade
intelectiva do ser humano em cada contexto histórico.
No final do século XVIII, depois da Revolução Francesa, aparece com força crescente
a concepção de relações entre as condições de vida e trabalho das populações e o
aparecimento de doenças. É nas condições de vida e trabalho do homem que as causas das
doenças deverão ser buscadas, ou seja, os fatores externos que até então eram
responsabilizados pela produção de doenças têm seu papel minimizado. Esta concepção, dada
a necessidade ideológica de manter o proletariado ajustado, não se tornou hegemônica, mas
obteve respostas como medidas sanitárias e leis trabalhistas
40
.
As descobertas bacteriológicas ocorridas na metade do século XIX deslocam as
concepções sociais, restabelecendo o primado das causas externas. A bacteriologia veio
liberar a Ciência dominante dos determinantes econômicos, sociais e poticos. A questão da
causalidade fica reposta em termos simplificados: para cada doença, um agente etiológico
deverá ser identificado e combatido, por meio de produtos químicos
40
.
43
No início do século XX, dar-se-á o retorno às concepções multicausais, sem que se
recupere o conceito de causação social. Durante todo o século XX, a noção de
multicausalidade será dominante, embora o conceito sofra modificações ao longo do tempo
como tentativa de redução do social e sua descaracterização através de construções ahistóricas
e biologicistas que, extremamente estáticas e mecanicistas, aparecem no conceito de
“balança”, no qual a saúde é vista como um estado de equilíbrio entre fatores. A doença
ocorre quando o equilíbrio é alterado por uma mudança na força com que operam um ou mais
destes fatores: os do agente, os do hospedeiro e os do meio-ambiente
40
.
Outra formulação é a que agrega à anterior os fatores psíquicos, definindo o homem
como ser bio-psico-social, onde o social aparece como atributo e não como essência da
existência humana: o homem tem um corpo biológico com funções psíquicas e atributos
sociais como ocupação, escolaridade e renda
40
.
O modelo mais refinado do conceito de multicausalidade é o ecológico, no qual as
inter-relações entre os fatores são apresentadas na forma de um modelo fechado com um
feedback regulador, processando uma redução naturalista na interpretação das relações sociais
e introduzindo uma racionalidade coerente com a ideologia do modo de produção capitalista,
ocultando as profundas diferenças de classe que resultam da organização produtiva. Com as
relações reduzidas ao campo ecológico, pode-se atuar sobre seus fatores com medidas
ecológicas reformistas, sem necessidade de modificar a estrutura social
40
.
A partir da década de 60, uma nova conceituação do processo saúde-doença,
determinado pelo modo de produção de riquezas, defronta-se com o modelo ecológico: de um
lado, a noção ahistórica e biologizante; de outro, o modelo de determinação social, com maior
poder explicativo e com potencialidade transformadora, mas que o interessa aos grupos
dominantes
40
.
De acordo com Cordón e Garrafa
37
, a questão da saúde bucal tem sido
deliberadamente reduzida a uma mera questão odontológica, quando significa um problema
social coletivo, responsabilidade da própria sociedade, relacionada com o processo de
participação nas decisões políticas e sociais, nas formulações das políticas de saúde bucal, na
alocação de recursos e nas decisões dos Conselhos e das Conferências de Saúde, ressaltando
que a responsabilidade da população não significa uma simples responsabilidade individual de
44
fazer ou não fazer a limpeza dos dentes, de saber ou não o que é cárie dentária ou doença
periodontal, mas o resultado do processo de crescimento e desenvolvimento da cidadania.
As manifestações cidadãs dos idosos do Grupo Sorria foram, em geral, reproduções
das futilidades transmitidas pelos meios de comunicação, como a necessidade de possuir
carteira de identidade, tulo de eleitor, não votar em branco, reclamar do governo por tudo de
ruim que acontece, a questão da violência e do valor do salário mínimo. Mas tudo em um tom
de conformismo,
é assim mesmo, um dia melhora.
Sobre quem e como vai fazer melhorar,
a gente reza, vai educando os filhos e os netos, eles estudam e a vida deles vai ser
melhor do que a da gente.
Esta, no seu entendimento, as possibilidades de mudança. Esta, no meu enxergar, a
revolução dos mutilados. Ensinar; educar. Soa meio inconseqüente, como se revolução tivesse
que ter sangue, choro e ranger de dentes. Mas, no entender deles, a forma de superar seu
contexto de vida.
3.4 A assistência odontológica
A partir da década de 90, o número de cirurgiões-dentistas, em função do aumento do
número de Faculdades de Odontologia, passou a crescer em ritmo proporcionalmente três
vezes e meia maior que o ritmo do crescimento populacional. Este aumento do número de
dentistas foi, entretanto, direcionado para o atendimento em cnicas privadas e para a
sofisticação tecnológica, que implica na atenção individualista e sem impacto social, em
detrimento das abordagens sustentadas pelos princípios do Sistema Único de Saúde. Esta
distorção na direção da atenção reproduz a racionalidade de fundo positivista do livre
mercado e do desejo do lucro, atribuindo-se culpas à inadequada distribuição de recursos, à
falta de educação e à vontade política que nega o problema fundamental: não é o
simplesmente estar ciente que muda a vida das pessoas, mas a decisão de cada um de fazer
parte da mudança do estilo de vida.
45
Uma visão integral e politicamente comprometida da prática odontológica deveria
levar em consideração as características sociais, econômicas, biológicas, culturais e
psicológicas da sociedade como um todo completo, tomando como ponto de partida as reais
necessidades da sociedade e, através de ações multidisciplinares e economicamente
determinadas, desenvolver métodos coletivos para solução dos problemas odontológicos,
entendidos como questão social.
Um novo momento foi-se construindo como movimento da Reforma Sanitária, a partir
da década de 80, que culminou nas discussões da I Conferência Nacional de Saúde Bucal
41
, na
Conferência Nacional de Saúde
42
e, finalmente, desembocou no texto da Constituição
Brasileira
43
e nas Leis Orgânicas da Saúde
44
, como resultado das lutas técnico-científicas e
políticas, com um novo conceito de saúde e com um sistema assentado nos princípios da
universalidade, eqüidade, integralidade, regionalização, hierarquização, resolutividade,
descentralização e participação popular para assisti-la.
Segundo Nadanovsky e Sheiham
45
, as populações de condições sociais mais baixas
apresentam maiores dificuldades de vencer os desafios das doenças, por o conseguirem
romper as condições sociais e ambientais que as geraram, ou porque sua situação de classe
o permite o acesso a práticas capazes de elimi-los.
Dockhorn
46
comenta que não há dúvida de que o conhecimento sobre os fatores
etiológicos biológicos e sobre as reações bioquímicas que levam à deterioração dos tecidos
deve embasar as ações de assistência à saúde bucal.
Entretanto, para que não se mascare a essência de que saúde/doença é um problema
social, as ações de atenção em saúde bucal, aí compreendida a assistência odontológica,
devem ser embasadas pelo conhecimento científico da estrutura do modo de produção
capitalista, de forma que as políticas blicas resultem em soluções eficazes e responsáveis,
produzindo impacto sobre a saúde bucal da população, através de um conceito que agregue,
acolha e legitime, tal como o de bucalidade
47
.
A superação do modelo assistencial de odontologia por um modelo de atenção em
saúde bucal pressupõe o reconhecimento de forças oponentes, as concessões necessárias para
46
acumular vitalidade e força, as apropriações em termos de saber e dos espaços virtuais
presentes nas contradições do modelo hegemônico de produção de serviços em odontologia.
De acordo com Santos e Assis
48
,
a prática da saúde bucal é plena de conflitos e contradições e se constitui em
potencial ferramenta de mudança nos processos de trabalho, convivendo com o
velho (fragmentação) e o novo (integralidade), num processo inacabado, em
construção.
As concepções de produção de serviços em Odontologia têm sofrido modificações nas
últimas décadas, mais concretamente passíveis de constatação a partir das mudanças nas
estratégias de manejo da doença cárie dentária, que cada modelo de produção de serviços em
Odontologia encara de maneira diversa, segundo o aprofundamento da ideologia dominante e
o desenvolvimento do conhecimento sobre o processo biológico da doença.
Para Kovaleski, Freitas e Botazzo
49
, o mundo da odontologia, baseada na ciência
cartesiana, é insuficiente para discutir e compreender a saúde bucal, produção da
subjetividade da boca, a partir da relação da boca com a sociedade, para eles pensada como
o óstio de entrada do mundo pelo corpo e do corpo pelo mundo, uma boca
produtora de subjetividades.
Em decorrência disso, a saúde bucal deve ser discutida a partir da sociedade, seus
condicionantes e suas necessidades coletivas.
Em relação ao mundo, os mesmos autores falam do
mundo material, dialeticamente definido por um modo de produção da vida,
estruturado e estruturante, a partir de um conjunto de regras, valores, hábitos e
costumes historicamente definidos.
Segundo Moysés
50
, as condições de vida, formas de produção e de acesso aos bens e
serviços determinarão, em maior ou menor grau, a distribuição dos problemas de saúde.
Segundo a UNICEF
51
, as escassas oportunidades e precárias condições de vida e
acesso aos serviços de saúde, educação e trabalho da população estão associadas à pobreza,
47
percebida como fenômeno integral, associando fatores econômico-estruturais, psicossociais e
culturais, e mensurada a partir de indicadores referidos à renda e à satisfação de necessidades
básicas, e à desigualdade, a qual aponta as diferenças materiais e de posição relativa entre os
diversos grupos sociais. A análise da desigualdade complementa a da pobreza, pois situa os
pobres em um esquema hierárquico de participação na riqueza social e evidencia qual é a sua
situação em relação aos demais setores da sociedade.
Segundo Sheiham e Moysés
52
, a crítica sobre a ênfase em estilo de vida individual
como causa e solução de problemas da saúde continua particularmente pertinente em
odontologia, porque muitos formuladores de políticas odontológicas ainda culpam as pessoas
por suas doenças bucais. Quanto mais próximos são examinados os detalhes de estilo de vida,
mais se ouve um chamado para os indivíduos assumirem maior responsabilidade pela sua
saúde bucal, e mais complexas se tornam as questões.
Petry e Pretto
53
relatam que a educação e a saúde, ao longo da história, serviram para
diversos objetivos, definidos pelas classes dominantes que, para manutenção do poder,
regulamentaram, controlaram atitudes, comportamentos e hábitos das classes dominadas,
moralizando e domesticando a visão sobre o corpo, a saúde e a doença. Além disso, esses
autores enfatizam que, no Brasil, as práticas educativas têm características autoritárias e
coercitivas, quando deveriam ser um instrumento de transformação social, pensadas como um
processo capaz de desenvolver nas pessoas a consciência das causas reais dos problemas e
uma prontidão para a mudança. Quando se constituem em instrumento de transformação
social, proporcionam uma visão dinâmica do processo saúde/doença, uma vez que a doença é
um atributo da vida, um mundo de fluxos entre os componentes do corpo e do corpo com o
ambiente no qual ele existe; a doença é atividade biológica mediada e modificada pela
atividade social e pela qualidade do estilo de vida.
De acordo com Dickie de Castilhos e Padilha
54
, a evolução de tecnologias e de
técnicas, além de maiores conhecimentos sobre a prevenção de doenças bucais, tem levado a
um aumento do número de idosos que mantêm seus dentes naturais. No entanto, no Brasil
ainda é muito grande o número de idosos edêntulos.
Segundo Cordón e Garrafa
37
, a responsabilidade da população não significa uma
simples responsabilidade individual de fazer ou não fazer a limpeza dos dentes, de saber ou
48
o o que é cárie dentária ou doença periodontal, mas o resultado do processo de crescimento
e desenvolvimento da cidadania.
3.5 Conhecimentos sobre os problemas em saúde bucal coletiva
Estimulados a manifestar seu conhecimento sobre as doenças e agravos considerados
como problemas em saúde bucal coletiva, os idosos do Grupo Sorria exprimiram que
entendiam cárie dentária como os buracos nos dentes causados pelos bichinhos; buracos nos
dentes causados por açúcar; buracos nos dentes de quem não escova os dentes.
Doença periodontal era, para eles, o sangramento das gengivas; piorréia.
Câncer bucal apresentou-se diferente: câncer na boca.
Fendas bucais: lembraram o fanho e exprimiram conceitos relativos à associação do
agravo a doenças sexualmente transmitidas.
Fluorose: simplesmente desconheciam o agravo.
Violência e trauma: o assunto mais polêmico, talvez porque fossem acostumados a um
cotidiano no qual a violência é parte do cenário de suas vidas.
Más oclusões: associadas aos aspectos estéticos necessários a certos ambientes de
trabalho e às relações com as outras pessoas e aproximação de pessoa do sexo oposto.
3.6 A saúde bucal em ato de produção e consumo: a fronteira entre razão e desejo
A teoria social da saúde bucal, segundo Botazzo
47
, envolve três dimensões: a
manducação, o erotismo e a linguagem, esbarrando, cada uma delas, na razão, imposta pela
ideologia dominante, e o prazer de seu exercício. Assim, comer, manter relações sexuais e se
comunicar são trabalhos da boca realizados dentro de padrões culturais estabelecidos e os
desvios colocam os sujeitos em conflito com eles mesmos e com os outros. E é nesse pensar o
49
comportamento do sujeito que entendo a relação dos idosos do grupo Sorria com a potica e
com o desejo.
Educados para serem conformados à dominação e à exploração, as dimensões do
trabalho da boca se confundem com os limites biológicos da Odontologia. Desta forma, o
conflito acontece não apenas em relação a este próprio tema, mas também no que diz respeito
à totalidade, tomando a boca como integrante do comer, de relações sexuais e da
comunicação.
3.7 A saúde bucal do idoso
Segundo Reis e Marcelo
30
,
a velhice é percebida de maneira diversa entre os idosos, existindo idéias positivas e
negativas. A percepção da saúde bucal está ligada a aspectos físicos, subjetivos e
sociais.
O conceito de saúde bucal proveniente do movimento de reforma sanitária brasileiro é
de que ela é
parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo, e está diretamente
relacionada às condições de alimentação, moradia trabalho, renda, meio ambiente,
transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, acesso aos serviços de saúde e
à informação
55
.
É importante que aqui se coloque que saúde bucal não pode existir como saúde
parcial, servindo apenas para identificar objetivos em programas de saúde, como uma
condição da boca do indivíduo que lhe permita desenvolver a sua tarefa social, modificando-
se com o tempo de existência da pessoa, como conseqüência de seu relacionamento com o
mundo e com sua própria história.
Durante as últimas cadas, estudos têm apontado que diversas circunstâncias
influenciam a saúde bucal, desde as individuais, como estilo de vida e de consumo, até as que
dizem respeito a características regionais e socioeconômicas. A análise de como a vida difere
50
em regiões, cidades, bairros ou casas evidencia a necessidade da ampliação do espectro de
considerações com relação às propostas de mudanças positivas na saúde das populações,
reconhecendo o impacto da imensa variação das oportunidades e escolhas
46
.
Mesmo com melhorias que medidas como a fluoretação das águas poderiam conferir,
o se antevê probabilidades de que ocorra uma maior redução da prevalência de doenças
bucais sem uma elevação paralela das condições de vida das famílias. As populações em
piores condições sociais apresentam maiores dificuldades de vencer os desafios das doenças,
por não conseguirem romper as condições sociais e ambientais que as geraram, ou porque sua
situação de classe não permite o acesso a práticas capazes de eliminá-los. Em muitas
instâncias, mudanças socioeconômicas mais amplas e profundas são pré-condição para que
isso aconteça
56
.
Resultante de um modelo de prática iatrogênico e mutilador, o edentulismo, na
população acima de 60 anos de idade, possui fortes raízes sociais e econômicas
57
, tanto que a
distribuição porcentual de indivíduos com ausência total de dentes, no Brasil, verificada no
levantamento epidemiológico realizado pelo Ministério da Saúde (1986)
58
mostrou que 2,5%
das pessoas de 16 anos de idade e 90% das pessoas com 78 anos de idade tiveram todos os
seus dentes extraídos. Para este aumento no edentulismo, dado o modelo de prática
hegemônico, aventa-se a hitese da realização maciça de exodontias com objetivos
protéticos.
Considerando a grande perda de dentes na faixa etária dos 65 aos 74 anos, o
Ministério da Saúde
59
, na análise dos dados do levantamento das condições de saúde bucal da
população brasileira 2002-2003 observa que os níveis estão aquém das metas propostas pela
Organização Mundial da Saúde e Federação Dentária Internacional para o ano 2000. Tal meta
deveria ser de que 50% das pessoas na faixa etária dos 65 aos 74 anos deveriam ter 20 ou
mais dentes na boca. Na Região Sul, somente 10,41% das pessoas nesta faixa etária
apresentam este número de dentes. Um outro dado que pode ser considerado importante é o
de que, na Região Sul, 68,20% das pessoas na faixa etária dos 64 aos 75 anos de idade usam
prótese total superior e 39,63% prótese total inferior. A necessidade de prótese total superior
para esta faixa etária, nesta região, é de 7,95% e de 14,44% para prótese total inferior.
51
4 PROCESSO DE APRENDIZAGEM SOBRE SAÚDE BUCAL PARA O IDOSO
“A comunicação verbal é uma questão importante entre os idosos no seu convívio
social e afetivo, e de sua própria afirmação na sociedade enquanto sujeitos que
falam de si e do mundo”.
Almeida e Souza (2006)
Outro item que considerei importante no processo foi a capacidade que o grupo
desenvolveu de ir muito além das razões científicas que, em linguagem que eu considerava
como apropriada, me esmerava em relatar. Explicando: eu fazia uma explanação sobre
qualquer tema. Todo o grupo prestava muita atenção. Ao final, quando solicitava que
dissessem o que tinham aprendido, os conceitos explicitados nada tinham a ver com a minha
fala, mas com suas experiências de vida e, em vez de explicações sobre cárie dentária ou
doença periodontal, ficávamos a discutir sobre a criação dos netos e a trocar receitas
culinárias.
Em pesquisa realizada por Wehmeyer
60
foi constatado que os idosos apresentam
intensa motivação para aprender. Porém, esta motivação primeiramente diminui quando as
atividades educativas apresentam maior desafio, levando à suposição de que isto aconteça em
razão do receio de fracasso, aumentando logo as, no sentido de superação da situação de
desafio, uma vez que, aumentada a interação sujeito-objeto, a atividade do sujeito sobre o
objeto leva-o a relacionar o objeto com os esquemas mentais e a apropriar-se dele, adaptando-
o e fazendo a síntese necessária ao conhecimento
11
.
A reflexão sobre esta situação levou ao questionamento de se a linguagem, que eu
considerava como apropriada, no sentido de adequada, estava sendo apropriada, com a
conotação de propriedade, pelo grupo.
Peculiaridades no processo educacional dos idosos tornam-se importantes, para que
seja desenvolvido sem mudanças bruscas nos seus padrões de atividades diárias e seja
adequado às suas experiências e metas motivacionais, bem como aos possíveis problemas
cognitivos, principalmente os relacionados com a memória de curto prazo
61
.
52
Para tanto, ensiná-los implica considerar seu conhecimento prévio para que o
conhecimento avance em movimentos de ruptura/continuidade com o conhecimento anterior.
Isto tem o potencial de gerar sentimento de valorização e de reconhecimento de um
conhecimento prático construído através da vida cotidiana.
4.1 A produção de material educativo
O Grupo Sorria produziu material educativo, conforme suas possibilidades. Este
material consistiu de cartazes e álbum seriado e uma outra constatação é de que o grupo se
interessou muitíssimo mais por utilizar material institucional e estereotipado, como o álbum
seriado do Dr. Dentuço (Colgate-Palmolive Company), do que preparar cartazes elaborados a
partir de seus novos conhecimentos. As falas eram sempre de enaltecimento à qualidade do
material fornecido, contrapondo-se a uma suposta pobreza e ignorância do material elaborado
pelo grupo. Muitas participantes tinham vergonha de exporem o que tinham preparado, ou não
compareciam à reunião poro terem preparado nada. A iia que me passavam era de que
como comparar um material tão pobre e mal feito com a beleza do material
elaborado ricamente e por quem realmente entende do assunto?
Essa sensão perdurou por todo o processo. Por mais que o trabalho do grupo fosse
elogiado, sempre que solicitado, preferia o material do Dr. Dentuço. Cheguei a pensar, no
princípio, que essa preferência acontecia por acomodação ou desinteresse, mas depois me dei
conta de que era uma questão que se referia à auto-estima: os desenhos que elas elaboravam,
em papel pardo ou folhas ocio, na análise delas eram considerados feios, quando
comparados com o outro material. Mãos e mentes que não tiveram na vida as oportunidades
necessárias para desenvolvimento de habilidades que exigem motricidade fina tinham imensas
dificuldades. Como pessoas que sempre foram empregadas domésticas poderiam superar o
trabalho de quem era empregador? Então, no decorrer das discussões, aprendi que havia muito
mais coisas a serem superadas do que uma mera aquisição de conhecimentos sobre os
processos biológicos e ambientais das doenças da boca. As barreiras estavam dentro do
próprio grupo, e não seria naquela capacitão que elas seriam transpostas.
Para Teixeira
62
o grupo dos idosos justifica a necessidade de uma atenção especial
daqueles que se envolvem com o desenvolvimento de projetos que promovem a relação idoso-
53
produto. Alterações decorrentes do envelhecimento cerceiam a comunicação do idoso e o
constrangem e, quando o idoso supera as dificuldades e logra interagir, tem elevada sua auto-
estima, reintegra-se ao conjunto social e cria novas perspectivas de vida.
A partir daí, o grupo usou somente o material estereotipado. Ele se sentia melhor
assim. Teria vergonha de apresentar o que, na sua opinião, reproduzia sua incapacidade de
superar a pobreza de suas vidas e de seus fazeres.
Segundo Kubota et al.
63
, materiais ou meios instrucionais são instrumentos que
possibilitam estímulos à aprendizagem. Existe uma série de materiais impressos utilizados
como reforço às orientações e facilitação do processo de ensino-aprendizagem. Entretanto,
dada a complexidade que envolve uma avaliação significativa, pouca pesquisa tem-se
desenvolvido sobre a adequação e a eficiência desses materiais, seja durante o processo de
produção do material, como meio de obter a percepção e interpretação do educando sobre as
informações, seja durante o processo de utilização, visando a análise do comportamento dos
indivíduos em relação ao material.
Quando falo em conhecimentos técnicos, refiro-me às explicações sobre processos de
saúde e de doença. Ensinar a escovar dentes e a relacionar açúcares com cárie dentária o
grupo fazia muito bem.
Doença periodontal, no entanto, apresentou muita dificuldade. Entender que o osso
que sustenta os dentes é reabsorvido foi, para o grupo, bastante penoso. Gengivite foi mais
fácil. Gengivas que sangram ao toque da escova era uma experiência que muitos recordavam.
Porém, quando recomendavam limpeza dos dentes, esqueciam a gengivite e falavam somente
sobre cárie, sonegando também as recomendações sobre a freqüência de ingestão de sacarose.
Então, toda a argumentação sobre cárie dentária ser uma doença multicausal caía por terra,
porque sua prevenção se resumia a escovar os dentes. E eu ria, pensando que, muitas vezes,
meus alunos de graduação faziam a mesma coisa.
Oliveira
64
aborda as relações sociais sobre doenças, comparando benzedeiras e
dicos e estabelecendo as denominações de doenças dos médicos” e “doenças das
benzedeiras”, afirmando que as benzedeiras consideram “doença de médico” aquelas que
54
requerem a utilização de medicamentos industrializados e envolvem aspectos como febre,
contágio e cirurgia. Reduzindo à odontologia, “doenças de dentistas” seriam aquelas nas quais
estariam implicadas as noções de contágio, fatores etiológicos biológicos, vigilância em
saúde, restauração, cirurgia.
Haveria, então, para essa autora, duas condições, doença como estado e doença como
simbolização, oposição com expressões concretas de confronto entre profissionais eruditos e
agentes populares, com um quadro importante de teorização sobre os elementos preventivos
das doenças no interior de sua cultura, na qual a nomenclatura para essa erudição é
desconhecida.
Aliás, é preciso que eu mencione que, em alguns momentos, senti claramente a
vontade do grupo exprimir a noção de que não entendia doenças da boca”, como se houvesse
uma dicotomia entre o que fosse boca e o resto do corpo. Boca era uma coisa e corpo outra?
Mas senti também a inibição de aprofundar o assunto, porque não se esqueciam que eu era
dentista.
Em seu estudo, Reis e Marcelo
30
mostraram que a saúde bucal, para os idosos por elas
abordados, é entendida associada à saúde geral e como algo além dos aspectos biológicos,
tendo a ver com a capacidade de comunicação e contatos sociais.
A odontologia colabora na ideologia do capitalismo situando sua prática a partir da
maneira de pensar o corpo como possuidor de uma boca isolada, consumida pelo mercado
odontológico.
Para Oliveira
64
, não existe no saber popular a cisão corpo-espírito-relações sociais,
cujas raízes estariam no dualismo cartesiano. Acrescentando, eu sugeriria um estudo sobre
compreensão da ótica popular sobre as cisões no próprio corpo, provocadas pela ciência
positivista. O que seria interessante, dado que o discurso que estou fazendo pode levar à
errônea compreensão de que penso que as atitudes dos idosos do grupo o de quem não
acompanhou o progresso da ciência e não consegue lidar com isto, optando por perpetuar
noções, na referência científica, exóticas e atrasadas.
55
Também não se pense que a capacitação foi realizada utilizando terminologia
rebuscada e alheia à compreensão dos idosos. Em minha opinião, escapou-lhes, embora isto
possa parecer uma contradição em relação à integralidade do saber popular, a noção do todo,
na compreensão do processo saúde/doença, talvez porque seu imaginário não se construa por
referências como essas, embora, na condição de pobres e analfabetos, sejam cotidianamente
expropriados ideologicamente por elas.
Para Azevedo e Souza
28
, é preciso aprofundar o conhecimento sobre motivação, para a
criação de estratégias que motivem os idosos, por suas características como grupo social,
biológico e psicológico, que exigem novo estilo educativo, novos conteúdos e formas de
estímulo, no sentido de reaprenderem a aprender. Constituem nova situação didática, levando
em consideração as características dos aprendentes e seu perfil motivacional, a atuação dos
ensinantes e tempo de intervenção.
Ferreira
65
comenta que a tecnologia por um lado atrapalha os conhecimentos e
habilidades dos idosos e, como exemplo, eu citaria as dificuldades de muitos nos caixas
eletrônicos dos bancos, mas tem contribuído para os processos de ensino e aprendizagem,
propiciando condições de pensar e tornar concreta uma educação continuada que vise à
melhoria da qualidade da vida. Pergunta até que ponto os educadores estão preparados, uma
vez que o conceito de pessoa sábia tem-se modificado na velocidade do surgimento das novas
tecnologias, ou seja, desconsidera-se a sapiência pela experiência de vida, porque ela não
inclui o donio de nova tecnologia, que surgiu rapidamente e ainda não teve condições de
ser assimilada, salientando-se, assim, a sapiência que domina a nova tecnologia, apropriada
por pessoas mais jovens. Desta forma, o idoso é considerado desatualizado e mero
consumidor. Se aprendemos com nossos erros e acertos, o idoso vai aprender experimentando
a sensação de errar e de acertar, ao invés de ficar esperando o resultado de sua falta de ação.
Reaprender a aprender, neste contexto, passa pela idéia de reaprender a vida,
proporcionar ao corpo e conseqüentemente à boca um significado diferente e importante na
recriação de uma capacidade de reflexão e compreensão do mundo, em oposição à simples
capacidade de memorização imposta pela ideologia, uma criticidade que evidencie a boca
como dimensão não apenas biológica, mas de relação social.
56
Trabalhando com idosos institucionalizados, Brondani
61
constatou que os
procedimentos individuais de higiene bucal são dependentes das alterações, patológicas ou
o, que estejam presentes durante o processo natural do avançar da idade, que podem estar
associados a desinteresse do idoso e seus familiares.
Assim, dependendo destas peculiaridades, o processo educacional deve ser
particularizado para esta faixa etária, levando em consideração a experiência, o conhecimento
prévio e intensidade de motivação
28
.
Caberia neste momento perguntar se todos os idosos do grupo acompanharam este
processo, de tal forma que se poderia considerá-lo como uniforme. Entendo que o processo
educativo depende das individualidades, na apreensão do conhecimento. Então, foi também
minha pretensão dar espaço para os componentes do grupo que o apreenderam o todo no
período da capacitação e se motivaram porque realizaram uma tarefa que compreendeu
participar de oficinas, elaborar material com recorte e pintura, elaborar peça teatral e
apresentá-la, sair, passear e receber status de educador.
4.2 O Grupo Sorria como educador
Dr. Dentuço embaixo do braço, papel, canetinhas coloridas, escovas de dentes, fio
dental, macro-modelo e lá fomos nós, ensinar saúde bucal.
As crianças da creche nos receberam com entusiasmo e os rostos dos idosos
demonstravam a alegria de estarem rodeados por elas.
As as apresentações de praxe, notei uma tensão que não tinha sentido até ali. Muitos
me olhavam como dizendo temos que demonstrar conhecimento?
E começaram. Uma coisa foi puxando outra, as crianças começaram a desenhar dentes
hígidos e cariados, informações sobre escovação e fio dental e açúcar foram tomando forma,
sentaram a uma mesa grande e as crianças em volta, e o grupo enveredou por histórias que
diziam respeito à vida, a comportamentos em família, a regras sobre higiene.
57
Esta era a vida daqueles velhos. Eles se sentiam melhor falando como se estivessem
em casa, com os netos e com sua família, do que repassando conceitos sobre cárie dentária e
doença periodontal que eles pouco dominavam. Assim, fui aprofundando a constatação de que
aquele grupo tinha dificuldade de transmitir conhecimentos técnicos. Em compensação,
descobria em cada reunião uma habilidade inconteste de entreter crianças e eu, embevecido,
sentava para escutar histórias e exemplos de vida, dos quais muitas vezes discordava, porque
na maior parte eram de conformismo e acomodação à submissão e à miséria.
Faz-se importante novamente trazer a contribuição de Kovaleski, Freitas e Botazzo
49
,
que falam a respeito da disciplinarização dos corpos, argumentando que o capitalismo
caracteriza-se, sobretudo, pela centralidade do trabalho alienado, exploração do homem pelo
homem e apropriação privada da riqueza produzida socialmente e, neste contexto, pela
docilidade ideológica da boca:
A boca proletária será boa e correta se também puder falar apenas aquilo que
convém às pessoas certas, nas horas certas e nos momentos adequados. Língua
presa, boca desdentada e inofensiva, boca que não deve erguer sua voz diante do
rico nem do patrão – ou que queira ou deseje morder, que é o desejo de ter para si -
, sob o risco de ser preso ou demitido, deixando que se revele pouco a pouco o
significado político das perdas dentárias.
Para o grupo Sorria, aspectos eruditos sobre a prevenção das doenças bucais
possibilitavam uma leitura diferenciada a partir das mentes de pessoas pobres e analfabetas.
Esta redução impossibilitava as pessoas do grupo explanarem com desenvoltura sobre
aquisição de bactérias, colonização dos dentes, substratos, desmineralização ou reabsorção
óssea, mesmo utilizando uma linguagem própria. Nos encontros, retornavam ao simples
entendimento que o saber popular ditava, ou seja, explanavam sobre escovar os dentes após as
refeições e procurar o dentista a cada seis meses, mas é difícil, professor, porque a gente
nunca consegue consulta no Posto.
Na realidade, as histórias e as noções de higiene contadas e transmitidas pelos idosos
sempre foram carregadas de ser, cor, coração, emoção, essência e por isso tão atraentes, pelo
menos para mim. Pelo silêncio e pelo respeito, penso que para os demais membros do grupo e
para as crianças também.
58
5 CONCLUSÕES
Opções de narrativa foram tomadas neste trabalho, inclusive a de usar a primeira
pessoa para fazê-la. Isto se apoiou em autores que preconizam esta decisão;
Narrar o processo de capacitação de um grupo de idosos em relação à saúde bucal e
verificar como eles utilizavam este conhecimento partia da tese de que isto era possível, ou
seja, idosos desdentados que optaram por fazer parte de um grupo e apresentaram a proposta
de que podiam fazer uma revolão, identificando-se como educadores em saúde bucal,
teriam esta história narrada por mim, enquanto pesquisador que se propunha não apenas a
capacitá-los, mas também a compreender e interpretar o processo;
A sensibilização dos idosos do Grupo Sorria para intervir em educação e promoção em
saúde, com ênfase na abordagem em relação a autocuidado, dieta e higiene bucal encontrou
respaldo em suas metas motivacionais. Durante todo o período da capacitação, de uma forma
geral, permaneceram entusiasmados com as idéias de poderem proporcionar às crianças com
quem iriam trabalhar cenários sem dor e participar de ações atuando como educadores;
O processo ideológico que embasa a conformidade dos idosos do Grupo Sorria,
confirmando estereótipos de que velhos devem ser comportados avozinhos pode ser
esclarecido, durante a narrativa;
Pessoas idosas humildes, algumas analfabetas, podem ser educadoras, escolhendo
formas próprias para desenvolver aconselhamento sobre hábitos saudáveis; no Grupo Sorria
estas formas eram sempre de conformismo e submissão. Com relação à própria capacitação, a
opção por utilizar material não elaborado pelo grupo causou-me estranheza, embora tenha
reconhecido como manifestação do grupo e buscado respeitar suas opções;
A boca social deste grupo de idosos, em suas dimensões de manducação, erotismo e
comunicação, mostrou-se como consumida pela existência como trabalhadores de baixo
salário e consumidora ávida de serviços protéticos;
O trabalho de velhos que não têm mais dentes ensinando crianças com dentes fez-se
real, não como educadores em saúde em sentido restrito, mas como contadores de histórias
59
sobre como conduzir a vida. Os encontros, tanto do grupo apenas e com crianças, resultavam
em rodas de conversa que abordavam experiências de vida e comportamentos, na minha
opinião, de submissão e conformismo.
60
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Nas horas difíceis os olhos ficam cegos;
É preciso então enxergar com o coração.”
Saint-Exupéry
Poderia ter encerrado este trabalho no capítulo anterior. Concluir é terminar, findar e
considerar após as conclusões o é comum. Porém, encerrar esta pesquisa, para mim,
significa mais do que verificar se objetivos foram atingidos. É necessário refletir sobre as
conclusões de uma forma concreta e instigadora.
Pensar a capacitação dos idosos do Grupo Sorria levou-me a refletir sobre o próprio
existir humano e sobre as posições e opções de classe social. Bocas de corpos velhos,
consumidoras restritas do mundo e consumidas pelos anos de exploração e dominação
mostraram-se impregnadas pela cultura imposta pela ideologia dominante, maneiras
estereotipadas de agir, esclarecendo desejos manducacionais, eróticos e de comunicação e, ao
mesmo tempo, reprimindo os prazeres, permanecendo sempre aquém dos limites, jamais
ousando rompê-los, demonstrando que a boca é claramente um produto de relações dialéticas.
De acordo com Ceccim e Capozzolo
13
, pessoas tornam-se profissionais de saúde pelo
resultado de exposições e experimentações de instrumentos e tecnologias de trabalho,
escapando de percepções banais e recognitivas pela abertura da sensibilidade, escutando o
estranhamento, constatando os desafios da aprendizagem, considerando o maior número de
elementos do ambiente e compartilhando sensações, ousadia que implicará a ampliação dos
referenciais para o desenvolvimento de habilidades tecnoprofissionais, o repertório de
compreensão/ação e o reconhecimento das limitações uniprofissionais.
Para mim restou, após todo este processo, um aprendizado único, que reparto muito
contente com o leitor que chegou até aqui e uma vontade imensa de que, quando atingir as
idades dos componentes do grupo, possa contar histórias, não de submissão, mas com a
desenvoltura e inventiva que o Grupo Sorria teve em seus encontros, na capacitação e junto às
crianças.
66
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66
Conselho Nacional de Saúde. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Ética dm
Pesquisa. Resolução 196/96 10.10.96. Disponível em
www.datasus.gov.br/conselho/comissoes/etica/Resolucoes.htm
66
ANEXO A
ASPECTOS ÉTICOS
A presente pesquisa atendeu aos preceitos éticos e legais para a sua realização, na
medida em que foi aprovada pela Comissão de Pesquisa e Ética do Instituto de Geriatria e
Gerontologia e autorizada pela Direção do Centro de Extensão da PUCRS na Vila Nossa
Senhora de Fátima. Solicitou-se um consentimento por escrito, documento que, no seu texto,
explicou que os participantes do estudo somente terão relatadas suas falas nas reuniões do
grupo ou entrevistados, não sendo de forma alguma submetidos a qualquer intervenção
cruenta ou causadora de dor e que os dados obtidos serão utilizados confidencialmente.
Por outro lado, o estudo não ofereceu dados sobre o acompanhamento longitudinal das
pessoas examinadas. No entanto, elas tiveram agendadas consultas no Ambulatório
Odontológico do Centro de Extensão da PUCRS para tratamento das necessidades de atenção
básica relatadas, não se permitindo, assim, que expectativas fossem levantadas, sem se
proporcionar a atenção necessária. Seguiu as condições preconizadas pela Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas em seres humanos, podendo ser
categorizada como sendo pesquisa de risco mínimo.
67
ANEXO B
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE DOUTORADO EM GERONTOLOGIA BIOMÉDICA
TERMO DE CONSENTIMENTO
Para a presente pesquisa, intitulada “A REVOLUÇÃO DOS MUTILADOS - A HISTÓRIA DOS
IDOSOS QUE ENSINAM CRIANÇAS SOBRE SAÚDE BUCAL”, será narra a história dos Grupo de Idosos ...
do Campus da PUCRS na Vila Nossa Senhora de Fátima.
As reuniões serão gravadas e o que as pessoas disserem nas reuniões será transcrito, para posterior
análise.
Os idosos que necessitarem teo agendadas consultas no Ambulatório Odontológico do Centro de
Extensão da PUCRS para tratamento das necessidades de atenção básica.
Os participantes do estudo não serão de forma alguma submetidos a qualquer intervenção cruenta ou
causadora de dor e os dados obtidos serão utilizados confidencialmente.
Tendo lido e achado conforme, declaro que concordo em participar da pesquisa.
Porto Alegre, .
.............................................................
NOME: .......................................................................................................
68
ANEXO C
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