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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NAMY CHEQUER BOU-HABIB FILHO
A REVOLTA DE XANDOCA:
DESAFIO À OLIGARQUIA MONTEIRO NO ES (1916)
Vitória
2007
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NAMY CHEQUER BOU-HABIB FILHO
A REVOLTA DE XANDOCA:
DESAFIO À OLIGARQUIA MONTEIRO NO ES (1916)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Espírito Santo como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
História.
Área de concentração: História Social das
Relações Políticas.
Orientador: Prof
a
. Dr
a
. Nara Saletto.
Vitória
2007
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NAMY CHEQUER BOU-HABIB FILHO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em História.
Aprovada em ___ de ______________________ de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Nara Saletto
Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes
Orientador
______________________________________
Prof.
Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes
______________________________________
Prof.
Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes
10
Agradeço a todos aqueles que, de alguma forma, me auxiliaram na execução deste
trabalho.
Particularmente, ao meu tio Prof. José Tristão, que manteve em sua prodigiosa
memória detalhes fundamentais do episódio histórico que é tema desta dissertação.
Em especial, à Prof
a
. Dr
a
. Nara Saletto, pela segura orientação deste trabalho.
11
RESUMO
Pesquisa sobre disputa política e militar entre coronéis no Espírito Santo, no cenário da
sucessão estadual de 1916. A oposição local compareceu estimulada pelo governo Federal,
enfrentando a oligarquia Souza Monteiro, que se consolidava como a mais bem sucedida na
República Velha. Trapaças eleitorais típicas daquele período republicano resultaram em
duplicatas de eleitos em todos os municípios, dois legislativos e dois governantes estaduais,
além de duas capitais no Espírito Santo. Um pedido de intervenção federal acendeu debate
nacional e o desfecho da crise revelou a influência das facções oligárquicas mineiras sobre
a política capixaba. O tema destaca o protagonismo das lideranças oposicionistas,
particularmente a ação de Alexandre Calmon, de cujo apelido serviu-se a historiografia para
celebrizar a Revolta de Xandoca.
Palavras-chave: Coronelismo - Xandoca - poder.
12
ABSTRACT
Research about political and military disputes among Espírito Santo colonels, under the 1916
State succession scenery. The local opposition was present, encouraged by the Federal
Government challenging the Souza Monteiro oligarchs, consolidated as the most powerful in
the Old Republic. Election frauds, typical of that Republican period resulted in double
election winners in every municipality, two sets of Congresses and two State Governors, on
top of two capital cities in the State of Espírito Santo. A request of federal intervention fired
up a national discussion and the crisis conclusion disclosed the influence of the oligarchical
factions from Minas Gerais over the ones in Espírito Santo. The theme emphasizes the
main role played by the opposition leaders, specially Alexandre Calmon, whose nickname
was taken by History to turn the Xandoca Rebellion as a famous case.
Key words: Colonelism (colonel domination system) - Xandoca - power.
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 7
CAPÍTULO 1 - A OLIGARQUIA MONTEIRO......................................................... 19
1.1 NASCIMENTO NA CASA-GRANDE.............................................................. 19
1.2 LIGAÇÕES E CONDICIONAMENTOS À POLITICA MINEIRA..................... 23
1.3 O CONDE PAPALINO................................................................................... 28
1.4 A SUCESSÃO E A OPOSIÇÃO..................................................................... 30
1.5 OS DESMANDOS DA OLIGARQUIA............................................................ 33
CAPITULO 2 - WENCESLAU ENCORAJA A OPOSIÇÃO................................... 44
2.1 O GOLPE DA REFORMA.............................................................................. 47
2.2 A POLÊMICA NO CONGRESSO NACIONAL............................................... 53
2.3 AS DUPLICATAS DE ELEITOS..................................................................... 57
2.4 A DISPUTA ARMADA.................................................................................... 65
2.5 PERSEGUIÇÃO E DESTERRO.................................................................... 73
2.6 A DECISÃO NA CÂMARA............................................................................. 78
2.7 A ANISTIA...................................................................................................... 85
CAPÍTULO 3 - OS LÍDERES DA REVOLTA......................................................... 88
3.1 JOSÉ GOMES PINHEIRO JÚNIOR............................................................... 88
3.2 ALEXANDRE CALMON................................................................................. 89
3.3.1 O coronel Xandoca................................................................................... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 99
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 102
7
INTRODUÇÃO
No dia 26 de maio de 1916, o presidente da República, Wenceslau Brás (1914-
1918), recebia dois telegramas enviados da Vila de Colatina, município de Linhares.
Um daqueles telegramas informava que lá estava instalada a sede do governo
estadual,
1
sob a direção do ex-deputado estadual José Gomes Pinheiro Júnior,
eleito e empossado três dias antes em Vitória.
O outro era do Congresso Legislativo Estadual,
2
dando ciência da transferência da
sua própria sede, da capital para o interior.
Ambos os telegramas seguiram com cópias para as presidências do Senado e da
Câmara Federal.
Na noite da sua investidura, no salão do Hotel Internacional - localizado a poucos
metros do palácio do Governo, no centro de Vitória -, Pinheiro Júnior enfrentara
intenso tiroteio que durou toda a madrugada do dia 24.
Ao amanhecer, temendo por sua vida e pelas dos demais líderes oposicionistas, ele
rumaria para Colatina a fim de exercer de lá a presidência estadual, também
reclamada pelas forças governistas do Espírito Santo.
É que, da capital capixaba, desde o dia 23, tinham sido transmitidos outros
telegramas, todos comunicando que o senador Bernardino Monteiro também
1 “Victória, 27, - Tenho subida honra communicar V.Ex. que nos termos da lei vinte e cinco corrente
votada em razão grave alteração ordem tranqüillidade em Victória foi installado hoje nesta Villa de
Collatina, município de Linhares, Poder Executivo Estado. Apresento V. Ex. meus protestos grande
estima consideração. Saudações. Collatina, 26 de maio 1916. – Dr. Pinheiro Júnior, Presidente
Estado Espírito Santo.” (ANAIS DO SENADO FEDERAL, Volume II. Sesão de 03.06.1916, p. 30).
2 “Victória, 27. – Mesa Congresso Legislativo Estado tem honra communicar V. Ex. que em razão
lei 25 corrente votada em virtude funda alteração da ordem e tranquillidade em Victória e naquela
mesma data sanccionada foi hoje instalado com presença do Exmo Sr. Dr. Presidente Estado,
nesta Villa de Collatina, município de Linhares, o Poder Legislativo do Estado, conforme autorizam
artigo 39, alínea nona, Constituição Estadual e os termos da referida lei. Mesa apresenta V. Ex.
seus protestos da mais alta consideração. Collatina, 26 maio 1916. – Joaquim Guimarães,
presidente. – Flávio Pessoa, 1º secretário. – Mário Aguirre, 2º secretário.” (ANAIS DO SENADO
FEDERAL, Volume II, Sessão de 03.05.1916, p. 31).
8
elegera-se e havia sido igualmente empossado como presidente estadual do Espírito
Santo, só que por um outro Congresso Estadual.
3
Eram, portanto, dois mandatários devidamente eleitos em 25 de março de 1916 e
empossados no dia 23 de maio por dois congressos distintos, configurando
duplicatas dos Poderes Executivo e Legislativo capixaba.
Atingia seu ponto de inflexão o “Caso do Espírito Santo,” como ficou conhecido
nacionalmente o controvertido episódio da sucessão estadual daquele ano, que
arrebatou ao debate, por seis meses, as mais importantes lideranças do país.
Durante aquele período, muitas pessoas morreram baleadas
4
e quase mil foram
obrigadas a deixar o Estado, até que uma anistia aos revoltosos - decretada pelo
Congresso Nacional - pusesse termo à acirrada disputa travada pelo poder, no
terreno institucional e militar, no Espírito Santo, na República Velha.
Na historiografia capixaba o caso é conhecido superficialmente como Revolta de
Xandoca, tomado do apelido de um dos seus protagonistas, o coronel Alexandre
Calmon - eleito vice na chapa de Pinheiro Júnior e a quem competiu a direção da
resistência nos 33 dias da fase mais exacerbada do conflito que se deu na sucessão
de Marcondes de Souza (1912-1916). A crise aparecera ainda em 1915, mas seria
realmente deflagrada em 18 de janeiro do ano seguinte com a publicação de uma
vária
5
autorizada pelo presidente da República, no então Jornal do Commercio, do
Estado do Rio de Janeiro - RJ, condenando os esforços da oligarquia situacionista
do Espírito Santo em favor do irmão do então ex-presidente estadual, Jerônimo
Monteiro (1908-1912).
3 “Victória, 14 de maio – A Mesa do Congresso Legislativo do Estado do Espírito Santo tem a honra
de communicar a V.Ex. que o Congresso na sessão de hoje perante numerosa assistência popular
e de altas autoridades do Estado, reconheceu e proclamou pelo voto unânime de vinte e dous
deputados Presidente e Vice-Presidente deste Estado para o quatriênio de 1916 a 1920,
respectivamente, os Srs. Drs. Bernardino de Souza Monteiro e Antonio Athayde. Attenciosas
saudações. – Geraldo Vianna, presidente. – Virgilio Silva, 1º secretário. – João Deus, 2º secretário.
– A Comissão de Constituição e Diplomacia.” (ANAIS DO SENADO FEDERAL, Volume I, Sessão
de 15.05.1916, p. 203).
4
Denúncia do deputado federal, Paulo de Mello, da tribuna da Câmara dos Deputados, em sessão
de 10 de julho de 1916: “De todas as comarcas recebemos telegramas de queixas. Na de Afonso
Cláudio, infestada pela força de polícia do Sr. Bernardino Monteiro, que quase toda foi para lá
transportada para oprimir a população, deram-se conflitos em que se verificaram mais de 20
mortes, e entre elas, consta a de um deputado estadual.” Mais adiante, no mesmo pronunciamento,
o deputado registra: “Só na cidade de Carangola, em Minas, existem trezentas pessoas lá
refugiadas (...) Em Natividade de Manhuassú, Sr. Presidente, está refugiada toda a população de
Colatina (...) todos têm de se ir refugiando em lugares seguros, onde não possam chegar as
vinganças terríveis dessa gente.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Volume IV, Sessão de
10.07.1916, p. 714/716).
5
A vária é uma nota pública oficiosa, utilizada para a emissão de opinião oficial.
9
A situação mundial girava em torno da Primeira Guerra (1914-1918), que produzia
seu impacto no Brasil. Além da queda das exportações de café, o país enfrentava a
escassez de recursos externos. E o Espírito Santo era acusado de agravar o quadro
financeiro nacional, ao deixar de honrar empréstimos contraídos com bancos
europeus e garantidos pelo Tesouro do Governo Federal.
6
Além disso, havia
inúmeras denúncias de corrupção e falcatruas ancoradas no Banco Hypotecário,
criado em 1911, com os juros de seus empréstimos cobertos pelo Tesouro
Estadual.
7
A pesquisa histórica ora empreendida analisa as disputas pelo poder entre facções
oligárquicas capixabas no período da República Velha (1889-1930). Para tanto, é
necessário compreender melhor a ação dos coronéis, pois eram estes chefes
políticos municipais os principais personagens do sistema regional de poder no
período histórico delimitado. A sucessão estadual de 1916, a crise dela irrompida e o
curso no qual enveredou a política capixaba como conseqüência do seu desfecho,
permitem que a investigação deslinde o que até agora ficou como um acontecimento
isolado e de importância secundária na história do Espírito Santo.
O que estava em jogo na sucessão de 1916 era a consolidação da primeira e mais
importante oligarquia erigida nos 40 anos de República Velha no Espírito Santo: a
dos Souza Monteiro. A disputa que então foi travada carregou-se de dramaticidade
em razão de uma radicalizada oposição estimulada pelo Presidente da República -
uma oposição que se decantava, naquele momento, a partir da divisão das forças
situacionistas, reunidas no Partido Republicano Espírito-Santense, mas que vinha se
firmando desde 1912. Naquele ano, o então presidente estadual, Jerônimo Monteiro,
impusera o nome de Marcondes de Souza à sua própria sucessão. Os
6
O senador eleito pelo Espírito Santo, João Luís Alves (1908-1917), em 11 de maio de 1916, na
tribuna do Senado, a propósito da mensagem do presidente estadual, Marcondes de Souza,
apresentada quatro dias antes perante o Congresso Estadual: “[Marcondes de Souza] confessa que
apenas depositou o dinheiro necessário para o pagamento de dois cupons dos quatro cupons
vencidos, dinheiro este que ainda não tinha sido entregue até ontem aos credores externos.”
Depois de acrescentar que a dívida externa flutuante do Estado chegava a seis mil contos de réis,
para uma receita máxima de quatro mil e uma despesa interna ordinária mínima de dois mil e
quatrocentos contos, o senador relata que levou o assunto ao Governo Federal, por saber que,
amparando os Estados, a União poderia também salvar seus créditos, pois são “esses os créditos
que estão em jogo.”
7
Em Mensagem aos deputados em 1915, Marcondes de Souza concluía: “Impossível se tornará ao
Estado solver o compromisso da garantia de juros para com o banco [Hypotecário] e isto pelo fato
de haver este empregado mais de 15 mil contos com a maior imprudência, em companhias como a
Industrial de Itapemirim, Fabril Progresso, Brazileira de Minas e Imprensa. Destas, a que mais
sacrificou o banco foi a Companhia Industrial do Itapemirim.”
10
agrupamentos que se organizaram depois das divergências passariam a recorrer ao
apoio de diferentes facções oligárquicas mineiras, que no Estado vizinho disputavam
poder local e, no plano nacional, desfrutavam de larga influência na República.
Em 31 de maio de 1916, o presidente Wenceslau Brás enviou ao Congresso
Nacional mensagem com as cópias de dezenas de telegramas que recebera dos
dois lados até aquela data, submetendo a exame a necessidade de intervenção no
Espírito Santo.
Desde o dia 12 de maio já se encontrava na Comissão de Constituição e Diplomacia
do Senado Federal - instância máxima da época para confirmação ou não dos
eleitos - uma indicação do senador João Luiz Alves, questionando a legalidade da
autoprorrogação do mandato dos deputados estaduais capixabas.
Por meio de uma sorrateira reforma constitucional e eleitoral, em outubro de 1915,
haviam eles estendido seus próprios mandatos por mais quatro meses - tempo hábil
de que precisavam para escrutinar e, em seguida, proclamar a eleição de Bernardino
Monteiro.
Sobre as duas questões em apreciação manifestaram-se jurisconsultos como Ruy
Barbosa, Clóvis Bevilácqua, Epitácio Pessoa, João Barbalho, Adolpho Gordo e
Prudente de Moraes, entre outras figuras de destaque também nos meios políticos e
jurídicos do país.
No primeiro capítulo deste trabalho trata-se da formação da oligarquia que
constituía-se da família Souza Monteiro, dirigindo as ações políticas e de mando no
Espírito Santo.
8
Seu fundador foi Jerônimo Monteiro, que sucedeu a Henrique Coutinho (1904-1908)
na presidência estadual, pondo fim à direção política de Moniz Freire (1892-1896 e
1900-1904), até então a maior liderança republicana no Espírito Santo. Com o título
de conde, honraria concedida pela Santa Sé, Jerônimo Monteiro exerceu forte
controle, inclusive, sobre a religião, através do seu irmão, Dom Fernando de Souza
Monteiro, bispo que comandava a Igreja Católica no Espírito Santo.
8
“Satrapia”, “agremiação partidário-católico-familiar” eram expressões correntes usadas pelos
adversários da oligarquia monteirista em diversos pronunciamentos feitos na Câmara Federal e
Senado.
11
Ao reconstituir a etapa de formação da oligarquia monteirista, ainda no primeiro
capítulo, examinou-se como Jerônimo Monteiro unificou os grupos oligárquicos
locais
9
e como buscou estabelecer suas relações com as forças do poder nacional,
através de sua ligação com o influente coronel mineiro Francisco Antonio Sales.
10
Em virtude do domínio que as oligarquias de Minas Gerais e São Paulo exerciam
sobre o Governo Federal - submetido a um revezamento entre elas -, descreve-se
no presente trabalho como foram forjadas as instáveis alianças da oligarquia
Monteiro com a facção mineira, que passou a mediar seus interesses junto ao poder
central.
Naquelas alianças o Espírito Santo figurava como linha auxiliar das pretensões de
poderosos coronéis que, no estado vizinho, estavam voltados para a disputa pela
presidência da República.
11
Embora o período de Jerônimo Monteiro tenha sido um dos mais freqüentados pelos
historiadores, certamente, em razão da farta documentação legada pelo líder
oligarca, a lacuna a respeito da sua intervenção histórica está na precária
valorização de versões reconstituídas sob perspectiva da oposição que lhe fora
permanentemente feita. A revista dos acontecimentos, agora sob o prisma das
forças oposicionistas, vai acrescentar àquele período uma versão ainda ausente na
historiografia. A investigação realizada, portanto, tratou de fatos históricos
duvidosamente conhecidos por terem ficado tanto tempo desprovidos da versão que
9
Jerônimo Monteiro surge no cenário ainda no governo do coronel Henrique Coutinho (1904-1908),
de quem, segundo Nara Saletto (Partidos Políticos e Eleições no Espírito Santo da 1ª República,
1998), “tornara-se homem forte de seu governo realizando transações referentes à dívida do estado
e à venda da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, articulara apoios políticos em São Paulo e em
Minas e, quando chegou o momento da sucessão, conseguiu reunir a maior parte das forças
políticas do Estado em torno do seu nome e se elegeu, com um vasto e audacioso programa de
governo.”
10
O coronel Francisco Antonio Sales foi presidente do Estado de Minas Gerais, secretário de Estado,
ministro da República, teve seu nome articulado para a presidência da República e exercia
indiscutível controle sobre o Partido Republicano Mineiro.
11
A propósito do caráter precário das alianças firmadas por Jerônimo Monteiro com forças mineiras, o
deputado federal do Rio de Janeiro, Maurício de Lacerda, em discurso na Câmara Federal em 11
de julho de 1916, comentou que, em 1909, o então Presidente da República, Afonso Penna, estava
interessado em fazer vingar a candidatura do seu Ministro da Fazenda, David Campista: “Acenou
ao Sr. Jerônimo Monteiro, com essa candidatura e esperou apoio. O oligarca não se fez esperar e,
incontinenti, deu o seu apoio ao Sr. Penna, na sua fase de contemporização, de subserviência e
matreira. Era preciso salvar seus negócios (...). Querendo salvar essa massa enorme de interesses
e tornar tanto mais bojuda a sua bolsa privada, quanto mais magra ia tornando a estadual (...). O
fato é que o Sr. Affonso Penna contava absoluto com o apoio do Sr. Jeronymo Monteiro (...) e,
afinal, quando respondeu estava do lado da candidatura do Sr. Marechal Hermes.” Lacerda seria,
no governo do marechal, Oficial de gabinete.
12
só poderia ser encontrada na ação forças políticas derrotadas no processo de
consolidação do monteirismo no Espírito Santo.
No segundo capítulo está em tela o quadro político e a conjuntura econômica em
que vivia o Espírito Santo naquele período de Guerra Mundial, com os seus
personagens, partidos e interesses em disputa. Mostra-se como a disputa deixou o
campo institucional para ganhar as ruas, a revolta, as ações militares, o
envolvimento dos diversos coronéis municipais e o Espírito Santo dividido
politicamente. As ações que se deram no Estado são narradas no compasso do
andamento da batalha que tinha curso naquele momento na capital da República. É
privilegiada a controvérsia dos pareceres e as motivações políticas reveladoras das
opções jurídicas adotadas quando a disputa é levada ao Congresso Nacional.
Por último, no terceiro capítulo, é resgatado o papel dos líderes da revolta, suas
origens familiares e políticas e biografia não devidamente considerada pela
historiografia existente. Destaque-se a importância da Estrada de Ferro Vitória a
Minas - conferindo importância econômica e política a Colatina -; a expansão da
fronteira cafeeira para o Norte capixaba; a resistência de Colatina como capital do
Estado. De forma especial, o trabalho confere relevo ao protagonismo da figura de
Alexandre Calmon.
12
Só então torna-se mais compreensível o que de fato houve na
sucessão de 1916 e o efeito produzido por ela na conformação de uma conduta-
padrão da oligarquia que iria sobrepujar todas as demais até a Revolução de 1930.
No Espírito Santo, como de resto em todo o país, as disputas políticas seriam quase
um monopólio das oligarquias da República Velha. E a figura dos coronéis era
inerente a elas - funcionava como seu elemento intrínseco. O que se chama
coronelismo surgiu no sistema de verticalizado de poder, que começava pelo
presidente da Republica, passava pelos governadores até chegar aos coronéis.
Dentro deste sistema, as forças eram condicionadas pela importância de seus
respectivos estados. Assim, quanto menos importante fosse o estado, maior a
influência do Governo Federal ou mesmo das oligarquias dos estados mais
poderosos - particularmente os de Minas Gerais e São Paulo.
Para Décio Saes (Formação do estado burguês no Brasil (1888-1889) o coronel
seria um remanescente das classes fundiárias e também de outras a elas ligadas,
12
Segundo Serafim Derenzi, em Os italianos no Estado do Espírito Santo (1974), capítulo X, o
coronel Alexandre Calmon foi o “primeiro cacique político, a quem Colatina deve serviços (...).”
13
como a burguesia mercantil, num Brasil já com seu sistema capitalista em formação.
Num outro trabalho, especificamente tratando do tema (Coronelismo e Estado
burguês), o autor vê uma vocação do coronel para o poder local, o qual controla
eleitoralmente para o Estado burguês, como forma de pagamento pela intocabilidade
da grande propriedade fundiária ao longo da industrialização capitalista.
O conceito de coronelismo está difundido nos meios acadêmicos desde a edição do
clássico Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal ((1978) e é usado nos
mais variados sentidos. José Murilo de Carvalho (apud BELOCH, ISRAEL e ABREU
1984) polemiza com autores que, segundo ele, incorrem em “imprecisão” ou
simplesmente divergem no uso de conceitos básicos como mandonismo,
coronelismo, clientelismo, patrimonialismo e feudalismo. Para este autor, definir com
mais exatidão tais conceitos é, atualmente, uma exigência para o êxito das novas
pesquisas neste campo. Por isso, Carvalho (apud BELOCH, ISRAEL e ABREU
1984) resgata o significado original que Leal deu à expressão: “um sistema político
nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis.” Os outros
fenômenos, supostamente correlatos, estariam mais em outros domínios conceituais
- embora eventualmente presentes no interior do sistema coronelista. Tem-se,
assim, que o coronelismo de ambos os autores é datado historicamente, quando o
federalismo republicano é implantado, subtraindo poderes do governo central em
favor dos fazendeiros, que recorreriam ao uso do poder público como forma de
manter a submissão de seus dependentes e se imporem aos rivais.
No decorrer da Republica Velha, a correlação de forças entre os grandes
proprietários e o Estado inclinar-se-ia crescentemente em favor deste. É essa a
tendência mais geral que aos poucos “penetra a sociedade e engloba as classes, via
patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, populismo e corporativismo”, conforme
hipótese levantada por Carvalho (1996) para identificar a natureza do poder de
dominação no Brasil. A transição política em curso encontrava, evidentemente,
correspondência na transição econômica que se operava naquele período. Fazia-se,
formalmente, desde 1888, a passagem do regime escravista para o de mão-de-obra
assalariada e isto produzia impactos de toda ordem. Era uma fase em que a
produção capitalista convivia com as formas não-capitalistas, sob a hegemonia da
primeira. De acordo com José de Souza Martins (1979, p. 21) isso se dá onde e
enquanto a vanguarda da expansão capitalista está no comércio:
14
O capitalismo engendra relações de produção não capitalistas como recurso
para garantir a sua própria expansão, como forma de garantir a produção
não-capitalista do capital, naqueles lugares e naqueles setores de economia
que se vinculam ao modo capitalista de produção, através das relações
comerciais. A primeira etapa da expansão do capitalismo é a produção de
mercadorias e não necessariamente a produção de relações de produção
capitalista.
O consumo do café e dos demais produtos primários da pauta das exportações
brasileiras dependia cada vez mais do avanço no processo de industrialização dos
países importadores, que naquele momento massificavam seus mercados sobre
grandes contingentes assalariados. A permanente integração do modelo agrário
exportador ao capital estrangeiro - formato básico da política econômica da
República Velha - passaria a exigir do Estado maior participação nas atividades
públicas. Como conseqüência, as oligarquias passariam a ter uma maior
dependência das políticas econômicas e públicas promovidas pelas ações do
Estado.
Precisavam não só das estradas para escoar seus produtos, importação de mão-de-
obra para substituir os escravos, justiça, segurança, saúde e educação, mas
também da política cambial - e neste ponto residia uma contradição com a burguesia
industrializante, que demandava taxas vantajosas para a importação de bens de
capital e outros produtos a ela necessários. Sobretudo depois de 1900, quando foi
implantado o imposto sobre o consumo - ampliando significativamente o universo de
contribuintes - antes tributados com taxas de importação que aos poucos iam
ficando insuficientes para cobrir os gastos do setor público. (MARTINS, 1979).
O que se tinha, portanto, era uma sociedade fundamentalmente agrária, mas com
uma burocracia pública progressivamente dependente do imposto sobre o consumo
e, portanto, dependente da industrialização. E a urbanização, que é própria de uma
formação industrial, na medida em que se processava, o fazia reduzindo a força do
sistema baseado nas relações verticais que caracterizavam o coronelismo. Mas, até
que as classes sociais, enquanto tais, alcançassem visibilidade e passassem a
protagonizar as ações sociais, as oligarquias (CARONE, 1971)
13
manter-se-iam no
panorama político como elementos principais.
13
Para Edgar Carone (1971), “oligarquia é um governo em que a autoridade está nas mãos de
poucas pessoas – juntou-se, no Brasil, um conceito mais específico: o de governo baseado na
estrutura familiar patriarcal.”
15
Adotou-se neste trabalho o entendimento de Edgard Carone (1971) acerca do
predomínio das oligarquias, naquele período, no Brasil. Este autor demarca a
existência de duas categorias de oligarquias, sendo uma própria dos estados mais
desenvolvidos e outra dos menos. No primeiro caso os partidos republicanos eram
instrumentalizados para moderação e combate das “formas de desvio” das facções
oligárquicas. Os conflitos podiam ser “amortecidos” via orientação partidária. Carone
(1971).
Carone (1971) situa o Espírito Santo dentro da segunda categoria – onde estava
também a maioria dos Estados: “O partido representa, nestas condições, vontade
particular e não o equilíbrio de várias facções, o que conduz a formas políticas
violentas e radicais.” Embora o autor inclua Jerônimo Monteiro na relação dos
oligarcas “prepotentes, tentaculares, açambarcando postos e posições, ligadas a
empregos e negociatas,” um exame mais detido não aponta para uma espécie de
jeronimismo no Espírito Santo. Parece mais conveniente a classificação da
oligarquia como monteirista, por causa da proeminência familiar sobre a pessoal,
evidenciada na presente pesquisa.
Neste cenário, o controle das oligarquias sobre as instâncias públicas de decisão,
por isso mesmo, rigorosamente se impunha. Porém, as regras do jogo político e
eleitoral para assumi-lo na jovem República ainda estavam em consolidação. As
próprias instituições ainda exercitavam as suas primeiras experiências como
substitutas estáveis das que haviam sido liquidadas com o fim da monarquia (1889).
Os dez primeiros anos republicanos foram de desordem institucional. A jovem
República conservaria do Império aquilo que os republicanos tanto repudiaram nas
campanhas pelo fim da Monarquia: as mesas eleitorais, que continuaram sendo
objeto de manipulação.
No início, os mesários eram nomeados pelo Intendente, o principal dirigente das
intendências que substituíram as municipalidades. Como aquele cargo era da livre
escolha do presidente estadual, estava montado, portanto, um sistema de absoluta
impossibilidade para a vitória da oposição. Só depois da Assembléia Constituinte
Nacional e das Assembléias Constituintes Estaduais é que os governantes
municipais puderam ser eleitos. No caso do Espírito Santo, foi instituído, em cada
município, o Conselho Municipal, com um presidente anualmente eleito por seus
16
pares, que eram os coronéis, chefes locais que aí surgiam como elementos
integrantes da base da estrutura de poder na República Velha.
A possibilidade maior de alternância de poder somente apareceria em 1904, com a
Lei Rosa e Silva, que introduzia o voto cumulativo e opcionalmente secreto, além de
um novo alistamento eleitoral e juízes. Mesmo assim, esta lei tratava apenas das
eleições federais, permitindo às oposições estaduais a representação na Câmara
dos Deputados. As eleições estaduais eram reguladas por legislação instituída no
seu próprio âmbito. Cada estado tinha a sua. O escrutínio realmente secreto não
seria conquistado e universalizado na República Velha.
Edgar Carone (1971, p. 298) observa que, embora as diversas leis eleitorais
chegassem a corrigir imperfeições, nada realmente obstaculizou o controle
oligárquico:
As oposições, todavia, reclamam constantemente apenas contra este
predomínio oligárquico, e nunca contra formas jurídicas, pois também
quando elas ocupam o poder, violências e fraudes se repetem, baseando-se
nos mesmos direitos da lei. Se a isto acrescentarmos todas as formas e
fórmulas de abusos pessoais e partidários – empreguismo, coerções
políticas, jurídicas e policiais -, teremos um quadro dos meios legais e
extralegais predominantes no sistema político.
O controle oligárquico seria consolidado na Política dos Governadores, como ficou
conhecida a reforma do presidente Campos Salles (1998-1902), realizada em 1900,
quando é modificado o mecanismo da Verificação de Poderes
14
da Câmara dos
Deputados, alteração que se reproduzirá nos estados e municípios, sob o inteiro
controle dos governadores e dos coronéis municipais. (CARONE, 1971).
15
Buscava
14
“Verificação de Poderes é um órgão constituído por uma comissão de elementos da Câmara dos
Deputados ou Assembléias estaduais para receber as atas eleitorais, isto é, os livros de votação
dos eleitores, verificar se houve ou não fraude, proclamar os deputados vencedores e diplomá-los.
Na verdade, depois do funcionamento de todo mecanismo de pressão – brigas de coronéis pelo
poder, voto de cabresto, controle das mesas eleitorais, formação de duplicatas de deputados e
câmaras etc. – este organismo é a última instância.” (Idem, p. 308).
15
As mesas eleitorais contavam os votos quando se encerrava a votação e lavravam as atas. Uma
comissão do Conselho Municipal de Vitória (no caso do Espírito Santo, que não tinha distritos) que
somava os resultados das atas, registrava os protestos e redigia nova ata, da qual dava cópia aos
que considerava eleitos – era o diploma. Assim era a apuração. O papel da Comissão de
Verificação de Poderes era o de reconhecer, ou não, a eleição de cada um, bem como receber os
recursos dos protestantes.
17
Campos Salles isolar o governo federal das disputas legislativas daquele ano
eleitoral, nos estados, que ameaçavam desestabilizar todo o Congresso. Contudo,
ao hipertrofiar os poderes dos governadores, a reforma abriu caminho para uma
virtual absolutização do situacionismo nos estados. O recurso às revoltas armadas
quase tornou-se rotina. E as reformas acabariam celebrizando os chefes políticos
locais conhecidos como coronéis da República Velha - figuras remanescentes dos
coronéis, patenteados pela antiga Guarda Nacional, criada no Império pelo Regente
Diogo Antonio Feijó, em 1831. Em 1915, Wenceslau Brás tentaria uma nova reforma
eleitoral, mas fracassaria.
É de uma dessas revoltas que esta dissertação se ocupa; uma revolta como tantas
que se conhecem da República Velha, mas que no Espírito Santo os vencedores
souberam minimizar, lançando-a as raias do folclore político estadual. Uma revolta
que se deu há 90 anos atrás, mas que somente agora começa a interessar a
historiografia. Daí a necessidade de restabelecer sua importância, suas dimensões e
seu significado na vida política capixaba; daí a razão da opção metodológica de
analisar todo o processo sob a perspectiva dos vencidos. E a voz destes, na qual
está contido o sentido e a explicação para o emprego do recurso extremo da revolta,
só pôde ser encontrada fora do Espírito Santo. Nos Anais do Congresso Nacional,
onde estão transcritos os acessos debates, acalorados discursos, controvertidos
pareceres e contundentes denúncias que somam quase mil páginas, estão as
provas de que não foi pacífico o comportamento daqueles que interpuseram reação
ao monteirismo. E são os Anais da Câmara e do Senado Federal a base material
mais importante sobre a qual está assentada a pesquisa histórica, tanto no que diz
respeito à disputa havia nos marcos puramente políticos e institucionais, como na
batalha militar travada em quase todos os municípios.
16
16
Informações neste sentido foram publicadas nos jornais Gazeta de Notícias, Jornal do Commercio,
O Paiz, Jornal do Brasil, entre outros. Também na Câmara o deputado Maurício de Lacerda fez
requerimento ao Ministério da Guerra a fim de que este informasse o número de metralhadoras do
depósito de armamento da força. O parlamentar estava preocupado com o papel do obscuro
Oldemar Lacerda (que seria, em 1921, o autor das Cartas Falsas atribuídas ao presidente Artur
Bernardes) como intermediário na aquisição das metralhadoras, embora considerasse justificáveis
as razões de Pinheiro Júnior: “Sr. Presidente [da Câmara] até certo ponto, é explicável o
municiamento, o armamento de um governo, nas condições do que estão se instalando em
Colatina, desprovido da máquina administrativa e sem um corpo policial, para a segurança da
ordem que lhe competia garantir, na suposição, na sua crença ou na sua origem jurídica; até certo
ponto explicável que esse governo adquirisse armamento para a organização do seu corpo militar.”
18
Já na sessão de abertura do ano legislativo, em 3 de maio de 1916, o assunto
estava em pauta: o presidente da República comunicava, na Mensagem
tradicionalmente lida aos parlamentares das duas casas nestas ocasiões, as
providencias que adotara para salvaguardar as repartições públicas federais no
Espírito Santo.
17
17
Na Mensagem ao Congresso Nacional, em 3 de maio de 1916, o presidente Wenceslau Brás
informa ter enviado a Vitória 50 praças do Exército para guardar os prédios da Alfândega e dos
Correios, porque os “adversários do governo local queixam-se de perseguições e vexames,”
enquanto o presidente estadual alegava que havia “um plano revolucionário para depô-lo.” Tomara
esta iniciativa a fim de “manter com regularidade os serviços da União no estado do Espírito Santo.”
19
CAPÍTULO 1 - A OLIGARQUIA MONTEIRO
1.1 NASCIMENTO NA CASA-GRANDE
No final do regime monárquico, o Espírito Santo era um Estado produtor de café e
carente de mão-de-obra livre, como tantos outros naquele período de transição
econômica para o capitalismo. Porém, com a particularidade de ser, a um só tempo,
periférico e situado bem próximo da capital. Mesmo a descentralização do
federalismo republicano não foi capaz de romper com um certo atrelamento ao Rio
de Janeiro, que manter-se-ia, por algum tempo ainda, como centro exportador do
café que saía da principal região produtora do Espírito Santo. A lavoura de café
capixaba tivera sua origem especialmente na expansão cafeeira do estado vizinho e,
além disso, as empresas comerciais sediadas naquele estado monopolizavam os
negócios do que era produzido no Sul do estado.
Somente quando a estrutura de comercialização passou a existir em Vitória é que o
café da região ganharia o exterior, a partir do Porto de Vitória. A Estrada de Ferro
Sul Espírito Santo - construída antes do término do século XIX - consolidaria
posteriormente a estratégica mudança de rota comercial. Situada entre o Rio de
Janeiro e Vitória, Cachoeiro de Itapemirim era, até então, o epicentro da região mais
próspera do Espírito Santo. Sua importância econômica deu-lhe, inclusive,
expressão intelectual e política e a prova está no pioneirismo do movimento
organizado em favor do novo regime.
18
E suas lideranças, em vários momentos, se
imporiam sobre as demais do Estado, durante as quatro décadas da República
Velha.
Seguramente, a oligarquia fundada pelo cachoeirense Jerônimo Monteiro seria a
mais bem sucedida no controle do poder até a Revolução de 1930. Porém,
considerando que aquele era um tempo em que as lutas se davam entre facções
oligárquicas, nem sempre os interesses representados especificamente pela figura
de Jerônimo Monteiro puderam preponderar no seu próprio agrupamento. Aos
18
O primeiro clube criado para fazer propaganda das idéias republicanas foi o de Cachoeiro de
Itapemirim, em 1887, com apoio do jornal O Cachoeirano.
20
alinhamentos políticos seguiam dissensões e realinhamentos posteriores, fenômeno
ligado à política de maneira geral e, de forma particular, à prática do coronelismo
que caracterizou aquela fase republicana.
Jerônimo de Souza Monteiro nasceu em 1870, na “casa-grande” (GUALBERTO,
1995, p. 136)
19
da Fazenda Monte Líbano, que tinha 2.598 hectares - onde moravam
62 famílias de colonos nacionais e estrangeiros - de propriedade do seu pai, coronel
Francisco Monteiro (1823-1887), grande produtor de café na região sul do Espírito
Santo. A mãe de Jerônimo Monteiro, Henriqueta Rios de Souza (1839-1927) teve, ao
todo, onze filhos e filhas. Dois deles governariam o Espírito Santo, um outro seria um
dos religiosos mais influentes da Igreja Católica no Estado, e a filha caçula da família
se casaria com dos mais importantes presidentes estaduais. Dona Henriqueta era
filha do sócio de seu marido, Bernardino Rios, que no tempo do império foi ligado ao
Partido Liberal em Minas Gerais, de onde fugira exatamente por razões políticas.
Mas Henriqueta enviuvaria prematuramente, tendo que assumir grandes
responsabilidades como matriarca. (GUALBERTO, 1995).
A formação de Jerônimo Monteiro foi, certamente, condicionada pela típica família
latifundiária do século XIX. E, ainda no campo das relações pessoais e familiares,
contou com a amizade de longa data e influência do sogro, o comendador Cícero
Bastos, mineiro que ascendeu socialmente quando passou a morar no Espírito
Santo, de onde se mudou, com a família, para São Paulo. (NOVAES, 1979).
Jerônimo Monteiro foi promotor público, advogado e chegou a desenvolver
atividades como comerciante e industrial. Além de ter sido presidente do Espírito
Santo, foi deputado estadual, federal e senador.
Bernardino Monteiro era um dos seus irmãos, seis anos mais velho. Iniciaram suas
carreiras políticas na mesma época, mas em facções diferentes. Bernardino, como
membro do Conselho Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, no ano de 1896, no
campo da oposição ao presidente estadual, Moniz Freire (1892-1896) (1900-1904).
E Jerônimo, um ano antes, quando tinha sido eleito deputado estadual pelo
situacionista Partido Republicano Construtor, pelo qual obteria somente um mandato
19
João Gualberto (1995, p. 136) assim descreve o imóvel: “A nova casa era majestosa, plantada no
alto de uma colina, em forma de U e contando com 58 janelas. Ela tinha salões enormes, uma
capela, jardim, pomar, colméias, aviários, pocilgas, currais, engenhos de cana, de café, serraria,
olaria, forno de cal, pastos, cafezais (...) móveis austríacos e em jacarandá, piano de cauda, lustres
de cristal, porcelana chinesa, grandes espelhos e louças estilo Império.”
21
de deputado federal (1897-1901). Como abandonaria o partido ao romper com
Moniz Freire, antes de terminar a legislatura, Jerônimo Monteiro seria excluído da
chapa de candidatos a um novo mandato.
A primeira tentativa de firmar-se como liderança independente ocorre quando
Jerônimo Monteiro funda sua própria agremiação, o Partido da Lavoura, para lançar
o coronel Ramiro de Barros Conceição - chefe político de Afonso Cláudio – como
candidato à presidência estadual. Ele disputaria a eleição com o próprio Moniz
Freire. Jerônimo Monteiro deixara o partido alegando que este estava submetido à
influência dos antigos monarquistas da família Monjardim. (SALETTO, 1996). A
campanha eleitoral que se seguiu foi violenta e com denúncias de ambas as partes.
Venceu Moniz Freire, e Jerônimo Monteiro se afastou temporariamente da política
estadual, passando a dedicar-se às atividades empresariais, na Fazenda Monte
Líbano.
Depois de restabelecido da moléstia do tifo, contraída durante procura de ouro e
pedras preciosas, num córrego da região, mudou-se para a cidade paulista de Santa
Rita do Passa Quatro, onde já estava residindo o sogro, de onde só retornaria em
1906. Lá, começou a advogar e a escrever em um jornal local. Bernardino
conservou-se na oposição e, àquela altura, já era o Intendente de Cachoeiro de
Itapemirim.
As facções oligárquicas começaram suas disputas, no Espírito Santo logo nos
primeiros e instáveis anos da República. O novo regime havia ensejado novos
quadros políticos, mas, muitas das antigas lideranças monárquicas voltariam ao
cenário. Os novos partidos estruturaram-se com os novos e os tradicionais chefes
políticos, num conturbado processo que refletia as incertezas da política nacional.
Somente depois de aprovada a nova Constituição Estadual é que haveria uma
relativa estabilidade política, mesmo com as lideranças transitando de um partido
para outro.
20
O Partido Construtor conservaria o poder até o ano de 1908. Contudo,
20
O contragolpe de Floriano Peixoto, obrigando Deodoro da Fonseca a renunciar em 23 de novembro
de 1891, produziu grande impacto no Espírito Santo. Menos de um mês depois, dia 18 de
dezembro, numa madrugada de revolta em frente ao palácio do governo, foi criada uma Junta que
depôs Antonio Aguirre da presidência do Estado. O presidente estadual nomeado por Deodoro da
Fonseca, Barão de Monjardim, já havia se afastado do poder, ante a união da oposição com as
tropas federais. Daí novas eleições foram convocadas, uma nova Constituição foi aprovada e ela
mesma elegeu o novo presidente do Estado, Moniz Freire. De acordo com Nara Saletto, a partir daí
estava terminada a fase de instabilidade do início da República no Espírito Santo (Partidos Políticos
e Eleições no Espírito Santo da 1ª República, 1998).
22
sem sua fisionomia original - em razão das inúmeras dissidências, incluindo aí o
alijamento político do próprio Moniz Freire durante o governo do seu sucessor,
Henrique Coutinho, que o acusava de tentar manipulá-lo. Depois, os dois mediram
forças nas eleições federais de 1905 e o ex-presidente logrou êxito. Coutinho,
mesmo na condição de presidente estadual, veria seus adversários obter vitórias a
partir de articulações nacionais, como foi o caso do reconhecimento da eleição de
Moniz Freire ao Senado Federal, em 1906. Os três deputados federais eleitos
naquele pleito fariam parte da oposição a Henrique Coutinho. O presidente ainda
teve que conviver com a instabilidade dos deputados do Congresso Estadual, que
quase o destituíram do cargo para viabilizar a ascensão do seu vice-presidente,
Argeu Monjadim, genro de Moniz Freire.
O processo todo fora desgastante e logo determinaria o começo do declínio da
liderança de Moniz Freire, e o governo estadual ficaria mais enfraquecido,
agravando o seu quadro financeiro. O agrupamento político formado por Moniz
Freire, quinze anos antes, estava ruindo enquanto tal, abrindo espaço para uma
recomposição oligárquica. No entanto, a alternativa de poder somente se
apresentaria num quadro em que uma facção oposicionista se somasse às forças
que estavam se desvinculando, justamente, da liderança que as havia aglutinado e
dado coesão.
Foi neste contexto que Jerônimo Monteiro retornou ao Espírito Santo em 1906,
nomeado por Henrique Coutinho, inicialmente para cuidar das transações
relacionadas com as dívidas estaduais. O governo estava virtualmente inviabilizado
por causa dos compromissos financeiros e o novo auxiliar executaria um plano para
mudar o perfil da dívida. Não obstante o êxito imediato alcançado pela operação, ela
custaria, politicamente, muito caro ao líder oligarca, porque carregada de suspeição.
O que contou, porém, foi o pronto resultado oferecido pela empreitada, que devolveu
ao governo as condições de atender demandas rotineiras da administração. (ANAIS
DO SENADO FEDERAL, v. IV, 1912).
21
Tinha em seu favor, ainda, a recomendação
21
Na fase de articulação da sua candidatura, Jerônimo Monteiro vai a São Paulo e lá procura por um
antigo colega de faculdade de Moniz Freire, de sobrenome Villaboim, para dizer-lhe que tinha “as
melhores disposições” em relação a Moniz Freire. Villaboin escreve ao amigo relatando o encontro
e aconselhando-o a não hostilizar a candidatura de Jerônimo, o que de fato se deu. Na sucessão
de 1908, Moniz liberaria os amigos que pretendiam apoiar a Jerônimo Monteiro, mas considerou-se
“incompatibilizado para fazer política” com o candidato situacionista. (ANAIS DO SENADO
FEDERAL, Volume IV, Sessão de 22.08.1912, p. 187/188).
23
do seu irmão, Dom Fernando Monteiro de Souza - bispo diocesano -, cujo prestígio
era crescente junto a Henrique Coutinho.
1.2 LIGAÇÕES E CONDICIONAMENTOS À POLITICA MINEIRA
Jerônimo Monteiro foi eleito em abril de 1908, tomou posse no mês seguinte e, ainda
em dezembro daquele ano, fundaria o Partido Republicano do Espírito Santo,
reunindo a totalidade das forças políticas do Estado. As condições para isto já
estavam dadas desde a construção da candidatura. Naquela oportunidade, houve
harmonização entre as forças situacionistas locais e as nacionais. A candidatura de
Jerônimo Monteiro fora levada ao crivo do presidente da República, Afonso Pena
(1906-1909). O então deputado federal mineiro, João Luís Alves, tinha recebido a
incumbência do presidente Pena para acompanhar as discussões sucessórias no
Espírito Santo.
O êxito da missão e o prestígio que conseguiu colher, em função disso, deram a
João Luís Alves um lugar na política capixaba. Seria eleito, em 1908, senador pelo
Espírito Santo. Alves, porém, jamais se afastaria dos interesses da política mineira,
na qual de fato fez a sua carreira política.
22
Alves foi importante membro do Partido
Republicano Mineiro, tendo participado do chamado Jardim de Infância na Câmara
Federal - tendência de jovens republicanos prestigiados no governo de Afonso Pena
e de João Pinheiro, em Minas. Em 1916, seria personagem importante na crise
política, mas não mais compunha o bloco situacionista. Ao contrário, era o elemento
de ligação da oposição local com as forças nacionais refratárias à oligarquia
monteirista.
No Senado Federal, no entanto, João Luís Alves apoiou a administração de
Jerônimo Monteiro, inclusive, eventualmente defendendo-o dos ataques que eram
22
Foi secretário estadual da Fazenda no governo de Arthur Bernardes, em Minas (1919-1922), de
quem seria também ministro da Justiça e Negócios Interiores (1922-1924). Foi ainda membro do
Supremo Tribunal Federal, do Instituto da Ordem dos Advogados, da Academia Brasileira de Letras
e do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro (IHGB).
24
desferidos por Moniz Freire
23
- já senador desde 1906. Particularmente sobre as
acusações relacionadas à participação de Jerônimo Monteiro nas transações das
dívidas do governo de Henrique Coutinho, o senador João Luís Alves não foi nada
enfático. Limitou-se a ler, em sessão do Senado, a defesa superficialmente
elaborada, anteriormente, pelo deputado federal Torquato Moreira, na Câmara dos
Deputados, quando este fora encarregado por Jerônimo de rebater um
pronunciamento do deputado federal oposicionista Graciano Neves - o primeiro a
levantar o assunto no Congresso.
24
A contundência destas denúncias e a fragilidade das respectivas defesas iriam
inviabilizar a nomeação de Jerônimo Monteiro para uma das diretorias do
Departamento de Correios e Telégrafos quando ele deixasse a presidência do
estado, já no período do governo do presidente da República Marechal Hermes da
Fonseca (1910-1914). O veto ao nome de Jerônimo seria decidido pelo poderoso
presidente do Senado Federal, Pinheiro Machado. João Luiz Alves, embora adepto
da política de Afonso Pena, guardava viva consideração em relação a Pinheiro
Machado. (ANAIS DO SENADO FEDERAL, v. I, 1916).
25
Jerônimo Monteiro, antes de assumir o governo estadual, fizera contatos em São
Paulo e Minas Gerais, estados dominantes na República Velha. Chegou a trazer, de
São Paulo, auxiliares para sua administração, como é o caso do educador Gomes
Cardim, a quem se atribui a organização do Ensino Público no Espírito Santo. O
sogro do presidente estadual eleito, Cícero Bastos, indicou o paulista Augusto
Ramos para dirigir as reformas urbanas, em Vitória. Para as obras de saneamento
foram levados ao Governo experientes engenheiros que haviam trabalhado na
construção da Estrada de Ferro Diamantina (Vitória a Minas), como Ceciliano Abel
de Almeida e Pedro Bosísio.
23
O pronunciamento de Moniz Freire foi feito no dia 7 de agosto de 1912, na tribuna do Senado
Federal.
24
Graciano Neves fizera a denúncia ainda no ano de 1907, mas Jerônimo Monteiro não a rebateu,
alegando que isso poderia prejudicar o andamento das negociações das dívidas do governo
Coutinho. E que, além disso, já se explicara ao presidente estadual.
25
Em pronunciamento no Senado, em 9 de maio de 1916, dia do aniversário de Pinheiro Machado,
assassinado no ano anterior, disse que cultuava quatro mortos: Silviano Brandão (eleito vice-
presidente de Rodrigues Alves), Afonso Pena, Floriano Peixoto e Pinheiro Machado, “cuja alma
boníssima só desconheciam aqueles que a não sabiam interpretar, cujo espírito de dedicação à
República só negavam os que não conviveram na sua intimidade, cuja alta envergadura de
condutor de homens foi, quiçá, a causa do seu brusco desaparecimento do cenário (...).” (ANAIS
DO SENADO FEDERAL, Volume I, Sessão de 9.5.1916, p. 170/171).
25
Foram feitos contratos para prestação regular dos serviços de abastecimento de
água, luz e esgoto. Jerônimo Monteiro dotou a capital capixaba de infra-estrutura e
construções arrojadas no lugar onde foram demolidos imóveis seculares. No esforço
modernizante, foram abertas fábricas em Jucutuquara e em Vila Velha, usina de
açúcar em Paineiras e serrarias em Jabaquara, estas últimas, respectivamente, no
Norte e no Sul do estado. O empreendimento mais ousado foi a tentativa de
industrializar o vale do Itapemirim, depois de haver construído a Usina Hidroelétrica
no rio Fruteiras. Desde a ordem de serviço para o início das obras até a sua
inauguração, tudo era feito com muita divulgação e pompa. Jerônimo Monteiro
sempre teve preocupação com a publicidade e a cerimônia. Fez-se, assim,
prestigiado dentro e fora do Estado.
Ainda na fase de presidente eleito, Jerônimo Monteiro deslocara-se para Minas
Gerais a fim de tratar dos planos para o seu quatriênio com o presidente daquele
Estado, João Pinheiro. Intelectual republicano que morreria naquele mesmo 1908,
aos 48 anos de idade, João Pinheiro fazia um governo marcado pelos feitos na área
da Educação, e já era festejado como uma das maiores promessas da política
mineira. Ele havia sido antes senador da situação, apoiando Afonso Pena no plano
federal e o então governo mineiro do coronel Francisco Antonio Sales. O próprio
Sales apresentara o nome de João Pinheiro à sua sucessão em Minas Gerais, em
1905, para neutralizar as pretensões do então deputado federal Wenceslau Brás.
Com o governo de Hermes da Fonseca, em 1910, o coronel Sales é nomeado
ministro da Fazenda. Jerônimo Monteiro estreitará relações com o novo ministro, ao
qual se agregará politicamente. Sales, imediatamente, iniciou um processo de
ascenso e seu nome passou a ser articulado para disputar a sucessão presidencial.
Na linha de frente desta articulação estava o filho e ajudante de ordens do marechal,
tenente Mário Hermes, muito ligado à bancada mineira, que o tinha como necessário
contraponto à influência do senador Pinheiro Machado sobre o presidente da
República. Já no conturbado final do governo do pai, ele seria eleito deputado
federal pela Bahia, onde conviveria com os adversários do marechal. A Bahia seria
um dos primeiros estados a sinalizar em favor da candidatura de Wenceslau Brás,
em 1914.
Três obstáculos, entretanto, estavam diante da pretensão do ministro da Fazenda
Francisco Sales. O primeiro era a idêntica ambição do condestável da República, o
26
senador Pinheiro Machado - à sombra do qual ficava o governo de Hermes da
Fonseca. O segundo é que, precisamente na área financeira, dirigida pelo coronel
Sales, estava o ponto frágil do governo do marechal. (CALÓGERAS, 1967).
26
O
outro problema foi a chamada “Questão da prata”, rumorosa compra de barras de
prata para a cunhagem de moedas. Foi um escândalo que levou o Tribunal de
Contas a questionar a gestão do coronel Sales à frente do ministério. (CARVALHO,
1963).
27
Inviabilizada a candidatura de Sales e, logo depois, a do próprio Pinheiro
Machado - neste caso por resistência das oligarquias paulistas e mineiras - foi
confirmado o nome do vice-presidente da República, Wenceslau Brás, que àquela
altura já havia governado Minas Gerais e naquele estado integrava facção
oligárquica rival do coronel Sales. Wenceslau Brás viabilizara-se com a chamada
Coligação,
28
que reeditava a fórmula do café-com-leite interrompida justamente pelo
governo do gaúcho Hermes da Fonseca. Em 1915, o coronel Francisco Sales se
elegeu senador, mantendo a forte influência que sempre tivera sobre a numerosa
bancada mineira, cujo líder na Câmara era o deputado mineiro Antonio Carlos
Ribeiro de Andrada - liderança que aspirava suceder a Delfim Moreira (1914-1918)
na presidência do seu estado, pretensão esta que passava por Sales. O líder da
bancada mineira na Câmara era o deputado José Monteiro Ribeiro Junqueira
29
,
espécie de porta-voz do senador Sales entre os parlamentares do seu estado.
Junqueira era o mais ardoroso defensor do arquivamento do pedido de intervenção
no Espírito Santo, na crise de 1916, favorecendo a confirmação de Bernardino
26
“Tão difícil se tornou a situação que, em agosto de 1914, se teve de lançar mão do expediente
malsinado de emitir papel-moeda inconversível e, em 19 de outubro, teve de ser contraído, em
Londres, um segundo funding-loan.” (CALÓGERAS, 1967, p. 349).
27
Por trás das denúncias contra Sales estava uma disputa entre doutrinas econômicas. A este
respeito, o biógrafo de Sales, Daniel de Carvalho, diz: “Leopoldo de Bulhões, economista de
doutrinas ortodoxas em plena voga, gozava de aura popular e tinha o apoio do Correio da Manhã e
de O Imparcial no seu sonho de alcançar a paridade do mil-réis e instituir a circulação metálica.
Paralisando o movimento no sentido da alta do câmbio, Salles cumpria fielmente o programa do
Convênio de Taubaté e da Caixa de Conversão, isto é, a estabilidade da moeda. Isso desagradava
os doutrinadores e seus prosélitos, em maioria na imprensa carioca.” (CARVALHO, 1963, p. 38).
28
A chamada Coligação teve como objetivo barrar a candidatura do senador Pinheiro Machado, que
se impunha quase que irresistivelmente. O presidente da Câmara dos Deputados, Sabino Barroso,
de Minas, fez ver ao senador gaúcho que o Brasil poderia ficar dilacerado em lutas oligárquicas
com sua candidatura.
29
O deputado Ribeiro Junqueira era de Leopoldina, Minas, e descende de barões do café de São
Paulo, da família Monteiro de Barros, que seguiu para a região no início do século XIX a fim de
explorar sesmarias adquiridas. Na região, os Monteiro de Barros ligam-se aos Junqueira. Na sua
biografia de Jerônimo Monteiro, Maria Stela de Novaes (1979) diz: “(...) descendia Francisco de
Souza Monteiro [pai de Jerônimo] da elevada estirpe reinol dos Monteiros vindos de Braga, para a
zona do Casca. Foram ascendentes de viçosos troncos: - Souza Monteiro, Monteiro de Barros (...)
e outros.”
27
Monteiro como presidente estadual. Já vinha de antes o condicionamento da política
capixaba à influência mineira. A raiz pode ser encontrada na Política dos
Governadores, instituída pelo presidente da República, Campos Salles (1898-1902),
no início do século XX. Em seu governo, ele organizou o sistema de poder que já
vinha funcionando daquela forma, mas de maneira fragmentada e dispersiva.
Campos Salles conferiu institucionalidade ao sistema, de modo a salvaguardar o
Poder Executivo Federal das disputas estaduais.
A modificação que introduziu no mecanismo da Verificação de Poderes da Câmara
Federal em 1900 resultou “num controle geral dos Estados” (CARONE, 1972)
inviabilizando bancadas federais hostis ao governo federal. As contendas
oligárquicas se mantiveram limitadas aos estados. Em contrapartida, o presidente da
República passou a apoiar os governadores que, a partir de então, ficaram
politicamente ainda mais hipertrofiados frente às oposições estaduais. Minas Gerais,
neste quadro, ficou em vantagem em relação aos outros estados, porque contava
com 37 deputados federais, além dos 3 senadores. Por esse motivo, pôde
compartilhar com São Paulo a presidência da República durante largo período. Era a
política do café-com-leite colocando, inapelavelmente, na esteira dos dois estados
mais poderosos os demais, periféricos.
Ao confrontar seus interesses nos momentos decisórios, as oligarquias paulistas e
mineiras passaram a se valer também das forças residuais capturadas dos estados
ao redor, a fim de se reforçarem. Na sucessão anterior - de Afonso Pena -, quando
este articulara o nome do seu ministro da Fazenda, David Campista, para a
presidência da República, Jerônimo Monteiro prometera-lhe apoio. Porém, iria
refugar em seguida, quando o marechal Hermes da Fonseca, em 1910, indo de
navio do Rio de Janeiro para a Bahia, aportou em Vitória. O presidente estadual
ofereceu-lhe um banquete e, na ocasião declarou seu apoio à candidatura do
marechal.
30
30
Testemunhado por Maurício de Lacerda, então auxiliar e acompanhante do marechal, Jerônimo
Monteiro surpreendeu Hermes da Fonseca beijando-lhe a mão publicamente, quando este
desembarcava do navio do Lloyd. O marechal, constrangido, evitou que D. Cecília, mulher de
Jerônimo, fizesse o mesmo ao ser instada pelo marido. Maurício de Lacerda, já deputado federal
pelo Distrito Federal, narrou este episódio durante pronunciamento feito a 11 de julho de 1916, para
destacar o que ele considerava como um comportamento a um só tempo “matreiro” e
“subserviente” do oligarca. (ANAIS DA CÂMARA FEDERAL, Sessão de 11.7.1916, p. 743).
28
1. 3 O CONDE PAPALINO
Por influência do irmão bispo diocesano, Dom Fernando Monteiro de Souza (1866-
1916), Jerônimo foi agraciado pela Santa Sé com o título de conde - honraria
conferida àqueles cujas ações na vida empresarial ou política reforçavam o
catolicismo no Brasil laico da República Velha. Daí o apelido - Conde Papalino -
abonado pelos adversários do oligarca. Contudo, de maneira alguma estava longe
da realidade a jocosa abordagem da oligarquia-familiar-católica erguida pelo
monteirismo.
Inúmeras foram as denúncias da existência do implacável controle religioso exercido
por Dom Fernando. Uma delas foi feita pelo monsenhor Eurípedes Calmon Nogueira
da Gama Pedrinha. Orador sacro e deputado estadual por várias legislaturas,
monsenhor Pedrinha havia acompanhado o deputado estadual Pinheiro Júnior
quando este se desligara do Partido Republicano Construtor, em protesto contra a
escolha de Jerônimo Monteiro como candidato, em 1908. Pedrinha chegou a ser
muito prestigiado pelo papa Leão III, que lhe concedera o título de monsenhor, por
causa de sua ação em favor da instalação da Diocese do Espírito Santo. Mas, no
tempo de Dom Fernando, sofreria duras perseguições do bispo, ficando, inclusive,
privado de atuar como vigário. Dom Fernando, segundo o monsenhor, isolou
sistematicamente os padres tradicionais, substituindo-os por estrangeiros. O
jornalista Affonso Lyrio (apud ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Sessão de
11.07.1916, p. 740), publicou um trabalho em favor do Monsenhor Pedrinha e dos
religiosos acossados. Diz um trecho da denúncia:
Por este tempo [do governo de Jerônimo Monteiro] os eclesiásticos
alienígenas começaram a invadir o Estado, atraídos por instantes chamados
do bispo, que queria ter gente às suas ordens e a quem convinha mais o
padre estrangeiro por estropiador da pureza do idioma vernáculo, fariscador
de fortuna e, portanto, dócil, sem vontade própria, um autômato enfim. Os
poucos clérigos nacionais foram, pois, alijados; nem outro resultado se
poderia esperar - tinham amor próprio, tinham pundonor e não se
resignariam a que o prelado por superior na hierarquia da Igreja, os
espezinhassem e deprimissem por efeito das suas sãs ambições
pessoais.
31
31
As denúncias do jornalista Affonso Lyrio (1915) estão contidas na publicação Feitos e proezas de
um piedoso conde do Papa (subsídios para a História do Brasil Republicano) impresso na tipografia
de A Tarde em 1915. A oposição fez farto uso do material para atacar a oligarquia monteirista,
freqüentemente tachada de “teocrática.”
29
Na denúncia, levada ao debate na Câmara Federal, consta que um vigário do atual
município de Serra e um de Guarapari tiveram que deixar o Espírito Santo. Outro
sacerdote, de Cachoeiro de Itapemirim - onde moravam seus pais -, “refugiou-se na
cidade da Serra.” Lá, este padre, “diante das exigências políticas do Conde, teve um
assomo de independência e liberdade, e se fez ao mar.” (ANAIS DA CÂMARA
FEDERAL, Sessão de 11.7.1916, p. 739/740). O padre Martins Teixeira, mineiro que
durante 16 anos atuou na paróquia das freguesias Córrego do Veado e Alegre, foi
coagido a vender todas as suas propriedades por dez réis e mudar-se para Vitória,
onde faleceu.
Há ainda o caso do octogenário padre Carneiro, de São Mateus, que teve sua
residência invadida pela polícia. O padre José Vanzeller, vigário de Queimado, ficou
reduzido a pensionista da Irmandade de São Pedro, tendo o mesmo acontecido com
o cônego Azambuja Meirelles. Ao todo, apenas quatro padres brasileiros, sendo que
dois deles encostados, teriam permanecido no Espírito Santo.
Dom Fernando substituiu a totalidade dos vigários no momento em que a população
do interior sofria modificações em seu perfil, resultante da convivência advinda da
chegada dos imigrantes. A oposição estava convencida de que o objetivo do bispo
era romper os laços que os párocos antigos tinham com as comunidades católicas.
E, através dos novos padres, manipular o povo em favor do governo da oligarquia.
32
Não faltaram também denúncias sobre negociatas entre o governo e o bispado. Uma
delas se refere a uma “indenização” paga pelo governo por causa de um incêndio
numa capela durante a construção de uma linha férrea. Jerônimo Monteiro teria
pago 20:000$000 (vinte mil réis) à diocese, quando o imóvel danificado não valia
mais do que $800 (oitocentos réis).
Naquele tempo, o palácio presidencial (atualmente, Palácio Anchieta) era localizado
ao lado da Igreja de São Tiago, que servia como capela imperial antes da República,
O templo, junto com seus bens, pertencia ao governo provincial desde o confisco
aos jesuítas. E assim ficara durante o Império, que tinha o catolicismo como a
religião oficial do Brasil. Com a República, todo o conjunto do imóvel, incluindo a
capela, foi incorporado ao governo. A capela, porém, naturalmente, ficara aos
cuidados da Igreja Católica. Durante o governo de Jerônimo Monteiro, inclusive, uma
32
Dizia-se mesmo que a Santíssima Trindade governava o estado: Jerônimo era o Pai, Bernardino o
Filho e o Bispo, o Espírito Santo.
30
porta fora aberta ligando os dois prédios. Depois disso, alegando que precisava de
mais espaço para melhor instalar as repartições públicas, o presidente estadual
adquiriu a capela por 200$000 (duzentos mil réis), quantia considerada, na época,
exorbitante.
O deputado Torquato Moreira criticou abertamente a transação em favor de Dom
Fernando que, segundo se zombava, teria excomungado o parlamentar. Dos cofres
do Tesouro Estadual, Dom Fernando também recebeu 50:000$000 (cinqüenta mil
contos de réis) a título de indenização de uma rua que descobrira ter pertencido, em
um passado remoto, ao Convento de São Francisco. Até mesmo os operários da
Mitra recebiam seus salários do governo.
1.4 A SUCESSÃO E A OPOSIÇÃO
Ajudado pelo fim da crise do café e pela unidade das forças que conseguira reunir
em torno do seu governo, Jerônimo Monteiro se fortaleceu. O oligarca soube se
aproveitar da política dos governadores, do peso político do irmão como principal
liderança do importante município de Cachoeiro de Itapemirim e do largo controle
exercido pelo bispo diocesano junto às paróquias de todo o Espírito Santo. No final
do ano de 1911, a sucessão de Jerônimo Monteiro era pautada por ele mesmo. O
presidente estadual dizia-se muito preocupado com a continuidade do seu programa
de governo, particularmente com a industrialização em curso no Vale do Itapemirim.
Na última semana de outubro daquele ano, Jerônimo Monteiro foi à fazenda Monte
Líbano para uma reunião com o irmão Bernardino, já senador desde 1909.
Bernardino, então, sugeriu o nome do coronel Marcondes de Souza. Natural de
Minas Gerais, o coronel era uma liderança sem muita expressão, vez que fôra
lavrador e comerciante na pequena localidade sulina de São João de Muqui, onde
era chefe político (subordinado aos Monteiro) e compadre de Bernardino Monteiro.
Escolhido o coronel Marcondes, Muqui foi então emancipado de Cachoeiro de
Itapemim por Lei Estadual (nº 826), datada de 22 daquele mesmo mês.
31
Todavia, aquilo que os irmãos Monteiro pretendiam fosse um acerto político
reservado virou notícia, impregnada de alarmismo, na imprensa local e no Rio de
Janeiro. Jerônimo e Bernardino apressaram-se em desmentir o que fora publicado.
No entanto, a oposição recrudesceu e esteve por trás do envio de tropas federais -
que o presidente Hermes da Fonseca ordenou a 14 de novembro para guardar as
repartições públicas - Alfândega, Delegacia Fiscal, Correios e Telégrafos etc.
(NOVAES, 1979). Jerônimo Monteiro, então, determinou que as forças estaduais se
recolhessem ao Quartel, a fim de evitar a continuação dos atritos. Só que, no dia 29
de novembro, a convenção do partido situacionista aprovou a candidatura de
Marcondes de Souza à presidência estadual.
Assim, quatro anos depois de haver unificado as forças estaduais em torno do seu
governo e, com isto, colocado fim à era de Moniz Freire, Jerônimo Monteiro
enfrentaria adversários que ele próprio gerara, ao impor o nome de Marcondes de
Souza. O temor de que Jerônimo Monteiro buscava, concretamente, montar uma
oligarquia-padrão no Espírito Santo passou a mover a oposição. E o oposicionista
Moniz Freire não continuou isolado, sendo reforçado por lideranças que se
descolaram do situacionismo, como o Barão de Monjardim, o deputado federal
Torquato Moreira, Thiers Veloso, Cirilo Tovar, Emílio Silva e o coronel Joaquim Lyrio.
O candidato definido pela oposição foi o militar capixaba - que residia no Rio de
Janeiro, onde mais tarde seria o Intendente - Getúlio Florentino do Santos, médico
da família do presidente Hermes da Fonseca. As três vice-presidências ficaram com
Pinheiro Júnior, César Velloso e Antonio Marins. Para o Senado, foi apresentado o
nome de Aristides Guaraná e, para a Câmara Federal, Torquato Moreira, Argeu
Monjardim e o capitão-tenente Alfredo Reginaldo Teixeira. Getúlio dos Santos era
um candidato que se pretendia integrante de um extenso movimento nacional que
ficou conhecido como salvações, um surto político protagonizado por militares, com
ampla repercussão e voltado para a deposição das oligarquias corruptas e
autoritárias instaladas em quase todos os estados da federação.
No governo do presidente Hermes da Fonseca, muitos militares foram
potencializados pela situação nacional como alternativa às velhas oligarquias
estaduais.
32
Getúlio dos Santos, lançado pelo Centro Espírito-Santense,
33
pretendia alcançar a
vitória através desta senda, por isso a oposição adotou o procedimento
característico, ao levar ao presidente da República um manifesto desqualificando
Marcondes de Souza para o cargo de presidente estadual. Tal procedimento
implicava, também, na expectativa de uma eventual intervenção federal, no caso de
trapaça eleitoral. Neste sentido, pesava em favor do candidato da oposição a
estreita ligação que mantinha com o marechal, seu paciente e camarada de farda,
como o eram também muitos que cercavam o presidente da República.
Entretanto, Jerônimo Monteiro também possuía relações consolidadas com o
ministro da Fazenda, coronel Francisco Sales. Valeu-se disso para neutralizar a
oposição.
34
Marcondes de Souza venceu as eleições, realizadas em meio a muita
agitação e violência em todo o Estado.
35
O capitão Getúlio dos Santos chegou a ser
preso no Rio de Janeiro, por ordem do próprio marechal, ao tentar embarcar para o
Espírito Santo - presumivelmente a fim de contestar o resultado eleitoral e criar um
ambiente favorável a uma intervenção federal.
A refrega toda, contudo, daria origem ao aparecimento, pela primeira vez, de uma
oposição organizada contra a oligarquia monteirista. E, por um breve período, o
próprio Marcondes de Souza se juntou ao Barão de Monjardim, a Argeu Monjardim,
a Graciano Neves e a Moniz Freire nas críticas aos desmandos do governo de
Jerônimo Monteiro. Até 1916, a oposição estava reforçada com Torquato Moreira,
Pinheiro Júnior, César Velloso, Antonio Marins, Dioclécio Borges, Paulo de Mello,
João Luís Alves e outros. A tendência política que se desenvolveu em todo o país,
intitulada salvações, independentemente dos seus resultados em outros estados,
deu grande impulso à oposição do Espírito Santo. Temia-se que a oligarquia
monteirista alcançasse logo a sua consolidação. Jerônimo deixou o governo, mas
manteve total controle sobre o partido, o grupo político situacionista e até sobre o
novo presidente. O domínio político era tal que, quando Marcondes de Souza iniciou
33
De acordo com Nara Saletto (1996, p. 16), o Centro Espírito-Santense era uma entidade que,
“fundada por Afonso Cláudio e o marechal Rodrigues de Campos, entre outros, reunia capixabas
residentes na capital federal, alguns deles participantes ativos da vida do Estado, inclusive da
política estadual, na qual o Centro sempre procurara influir.”
34
O deputado fluminense Maurício de Lacerda analisou que Jerônimo Monteiro escapou da onda das
“salvações”, “não só pelo beijo à mão presidencial como pelo concurso do Ministro da Fazenda, Sr.
Francisco Sales, consolidando seu poder através de todas as nomeações que fazia este último
(...).”
35
Um comício da oposição, em 3 de janeiro de 1912, foi violentamente reprimido pela polícia.
33
o processo de denúncias relacionadas ao precário quadro financeiro herdado do
governo anterior, não pôde ir adiante. (MELLO apud ANAIS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 48ª Sessão, p. 634).
36
A oposição, que na sucessão de 1912 perdera
a batalha por ter comparecido de forma improvisada - confiando num apoio federal
que jamais chegou - não seria mais a mesma em 1916. Haveria de estar reforçada
pela adesão ainda maior de novas dissidências da facção monteirista. Um
importante líder do norte capixaba, Alexandre Calmon, eleito naquela ocasião para
uma das vice-presidências de Marcondes de Souza, aderiu à oposição. A sucessão
de Marcondes se deparou com uma oposição fortalecida, melhor articulada no plano
federal e, sobretudo, bem mais informada acerca da maior fragilidade do campo
situacionista, que era a questão da moralidade administrativa. O combate
oposicionista entrou por este flanco, propalando a desqualificação do monteirismo
em escala nacional.
1.5 OS DESMANDOS DA OLIGARQUIA
Foram muitos os dossiês elaborados para denunciar irregularidades do quatriênio de
Jerônimo Monteiro e de antes, quando era ainda presidente estadual o coronel
Henrique Coutinho. Os autores de tais documentos foram também variados,
começando por dois ex-presidentes do estado, Graciano Neves e Moniz Freire. A
posteriori, vieram os pronunciamentos de Torquato Moreira, Dioclécio Borges, Paulo
de Mello e João Luís Alves - para citar somente os que um dia haviam sido aliados
políticos de Jerônimo Monteiro. Os adversários daquela facção oligárquica
queixavam-se, também, das perseguições e da violência recorrente empregada pelo
36
Para Maurício de Lacerda, foi o senador Pinheiro Machado quem estimulou Marcondes (que era
compadre do gaúcho, padrinho de uma filha falecida precocemente) a revelar o descalabro
administrativo deixado por Jerônimo Monteiro, porque este lhe negara apoio à presidência da
República, mesmo depois de sucumbido o nome do coronel Sales. A versão foi confirmada por
Torquato Moreira, que acrescentou: “Posso acrescentar, o ano passado [1915], em janeiro, o Sr.
Jerônimo foi apresentado candidato a senador pela unanimidade dos membros da convenção do
seu partido, mas foi forçado a renunciar a esta candidatura, porque o general Pinheiro Machado a
vetou. Está aqui quem foi chamado de Palmyra para ser candidato contra o Sr. Jerônimo, se este
insistisse; e o Sr. Paulo de Mello sabe disso porque assistiu às conferências.” Em aparte, o
deputado Paulo de Mello disse: “É exato.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 48ª Sessão,
p. 634).
34
monteirismo. Porém, os ataques mais danosos foram os relacionados aos
desmandos e à corrupção, a começar pela transação envolvendo a privatização da
Estrada de Ferro Sul Espírito Santo.
Algumas das denúncias tiveram grande repercussão, pois foram feitas por
senadores e deputados federais nas tribunas do Congresso, chegando,
imediatamente, ao conhecimento do presidente da República. Outras ficaram
restritas à imprensa partidária dos oposicionistas estaduais. Pelo que se pode
observar, a partir dos Anais da Câmara e do Senado, Jerônimo Monteiro chegou a
pedir, em algumas poucas ocasiões, que parlamentares aliados fizessem a sua
defesa na tribuna parlamentar. Quando isso acontecia, no entanto, era sempre de
forma prosaica, parecendo o cumprimento de uma formalidade. A exceção parece
ter sido um discurso pronunciado por Bernardino Monteiro em agosto de 1912,
refutando um outro feito no mesmo mês por Moniz Freire.
O próprio Jerônimo Monteiro só se pronunciaria na tribuna da Câmara Federal sobre
as acusações especificamente relacionadas à corrupção, uma única vez, no dia 29
de novembro de 1916, quando já havia se encerrado o que ficou conhecido como
“Caso do Espírito Santo”. Fizera antes três discursos limitados às denúncias de
perseguições políticas atribuídas ao seu grupo, todos depois do caso decidido no
final de agosto daquele ano, e sempre procurando desqualificar seus opositores:
Com relação a cada um dos dignos representantes do Espírito Santo, nesta
Casa, eu poderia demonstrar que a solidariedade que SS. EEx. mantiveram
com o governo, de 1908 a 1912 e depois, com o governo de 1912 a 1916,
foi a mais completa e a mais absoluta, com a exceção apenas do Sr.
Deputado Torquato Moreira que, em dezembro de 1911, dissentiu da
orientação dominante no Estado. Nestas condições não podem SS. EEx. Se
insurgir hoje contra atos que apoiaram e aplaudiram ontem. (ANAIS DA
CÂMARA FEDERAL, Sessão de 4.9.1916, p. 217).
Ele alegava que, ao polemizar, poderia prejudicar o andamento das negociações do
governo estadual com os credores europeus que se fazia em 1916.
Resumidamente, a rumorosa transação com o Banco da República se deu da
seguinte forma: Jerônimo Monteiro obteve do governo estadual, em 1906, uma
procuração com plenos poderes para negociar a dívida totalizando 2$300 (dois mil e
trezentos contos de réis). O banco credor facilitou e resolveu aceitar o pagamento de
35
$300 (trezentos contos) em dinheiro e $700 (setecentos contos) em apólices
emitidas pelo governo do Espírito Santo. Portanto, uma solução vantajosa para o
governo.
Só que Jerônimo Monteiro, em seguida, pediu ao presidente Henrique Coutinho que
lhe entregasse 2$250 (dois mil e duzentos de réis) em apólices da dívida estadual,
simulou um contrato em cartório com um coronel (compadre do seu sogro),
37
pelo
qual o testa-de-ferro” passou a ser o dono das apólices. Uma firma comercial foi
procurada para ficar com 1.000 daquelas apólices, em troca de $300 (trezentos
contos) em dinheiro. Assim, a vantagem que o banco dera ao governo estadual
acabou ficando com o coronel, usado como intermediário da negociata. Entre o
entendimento com o banco e a efetivação da transação passaram-se doze dias,
durante os quais operou-se a introdução da figura do coronel no negócio.
O resgate dos $700 (setecentos contos) em apólices - que ficaram com a firma
comercial - foi feito depois, quando Jerônimo Monteiro obteve nova procuração do
governo estadual para negociar a privatização da Estrada de Ferro Sul-Espírito
Santo. A ferrovia custara 16:000$000 (dezesseis mil contos de réis), investidos pelo
governo estadual, segundo o ex-presidente, Moniz Freire. Porém, a ferrovia foi
vendida por apenas 3:000$000 (três mil contos de réis). A transação continha uma
cláusula, pela qual $300 (trezentos contos) em dinheiro, obrigatoriamente, seriam
destinados ao pagamento de débitos estaduais junto à praça do Rio de Janeiro,
exatamente onde estava localizada a mesma firma comercial
38
que ficara com as mil
apólices da transação anterior.
Outra fonte de problemas financeiros do Espírito Santo foram as ruinosas operações
do Banco de Crédito Hypotecário e Agrícola, fundado por Jerônimo Monteiro em
1911. Este banco tinha como Diretor Fiscal - principal cargo operacional - José de
Souza Monteiro,
39
irmão de Jerônimo e de Bernardino. O Hypotecário fora
constituído a partir de um contrato que o governo de Jerônimo Monteiro firmou com
o banco francês J. Loste & Cia., com um capital de 10 milhões de francos. A
37
O coronel é José Vicente Xavier Lisboa, residente da cidade de Campanha, Minas Gerais.
38
Esta empresa era a Fonseca Machado & Comp., envolvida no fornecimento de carvão para a
Ferrovia Central do Brasil sem a necessária concorrência pública, mas cuja defesa foi feita pelo
deputado mineiro Ribeiro Junqueira, em pronunciamento dia 10 de julho de 1916. A firma operava
usando outra razão social: Fonseca & Comp., com sede em outra cidade.
39
Afonso Lyrio (apud GUALBERTO, 1995, p. 163) conta que “18 membros da família Monteiro
ocupavam altos postos na administração.”
36
finalidade era apoiar empreendimentos agrícolas, com juros garantidos pelo Tesouro
Estadual. Só que, no quatriênio de Jerônimo Monteiro apenas 600:000$000
(seiscentos mil contos de réis) foram destinados à agricultura. Quase todos os
negócios foram desviados para as atividades comerciais e industriais.
Em suas mensagens de prestação de contas da administração, anualmente, ao
Congresso Estadual, o presidente Marcondes de Souza fixava-se nos problemas
decorrentes das suspeitas operações bancárias do Hypotecário, sempre afirmando
que o Estado não tinha como consignar em seu orçamento os pagamentos dos juros
exigidos pelos financiamentos feitos pelo banco. Disse ele na mensagem de 1915:
Os orçamentos anteriores, como o deste exercício, não comportaram a
verba necessária ao pagamento da garantia de juros; e aí tendes a prova
mais evidente de que o estado não pode suportar essa enorme obrigação,
salvo se se verificar aumento nas rendas estaduais.
O aumento das rendas a que se refere o coronel Marcondes de Souza dependia do
retorno dos investimentos feitos na Companhia Industrial do Estado do Espírito
Santo, organização criada pelo governo estadual para implantar as fábricas, usinas,
serraria etc, que constituíam o projeto modernizante de Jerônimo Monteiro.
Entretanto, depois de haver consumido 12:000$000 (doze mil contos de réis) do
Banco Hypotecário, garantidos pelo tesouro do Estado, nada estava funcionando,
exceto a fábrica de açúcar.
Além daquele prejuízo, somava-se outro, ainda maior, conforme relatou Marcondes
de Souza aos deputados estaduais:
Impossível se tornará ao Estado solver o compromisso da garantia de juros
para com o banco e isto pelo fato de haver este empregado mais de 15 mil
contos com a maior imprudência, em companhias, como a Industrial do
Itapemirim, Fabril Progresso, Brasileira de Minas e Imprensa. Destas, a que
mais sacrificou o banco foi a Companhia Industrial de Itapemirim.
As duas empresas - a Companhia Fabril Progresso e a Imprensa - tinham sede no
Rio de Janeiro e pertenciam ao mesmo dono, senador daquele Estado, Alcindo
37
Guanabara (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 7.7.1916, p. 523)
40
- político
de má fama dentro do Congresso Nacional. Ele tomara, no governo de Jerônimo
Monteiro, 861:765$968 junto ao Hypotecário, para posteriormente pagar o
empréstimo com 80 por cento de desconto. Na ata de fundação das empresas de
Alcindo Guanabara consta que em Vitória estaria localizada uma sucursal da firma,
mas que o foro da sociedade era a praça do Rio de Janeiro, e apenas lá poderia ser
demandada judicialmente. No entanto, todo o dinheiro da constituição da empresa
saiu do Hypotecário, em dezembro de 1911. Em 1915, o maquinário das duas
empresas seria vendido ao livreiro Francisco Alves, no Rio de Janeiro, por $300
(trezentos contos de réis). Um sócio de Guanabara nesta firma era Gabriel
Chouffour, personagem que apareceria em outra negociata. (ANAIS DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS, Sessão de 7.7.1916, p. 523-527).
Em 31 de agosto de 1912, Chouffour fez um contrato com a União, pelo qual obteve
a concessão para explorar areias monazíticas, no Espírito Santo, por um período de
14 anos. Jerônimo Monteiro, que havia terminado o mandato em 23 de maio daquele
ano, assumiu, no dia 9 de setembro, a presidência da recém-criada Companhia
Brasileira de Minas. Era esta uma empresa de sociedade anônima, privada, com
sede em Vitória, com o objetivo de celebrar contrato de execução do
empreendimento do concessionário Gabriel Chouffour. Novamente aí o Hypotecário
sofreu um prejuízo no valor de $720 (setecentos e vinte contos de réis). É que, nos
estertores do seu governo, Jerônimo Monteiro autorizara ao banco a liberação do
empréstimo sem que a empresa estivesse sequer organizada e equipada para tal
fim. A celeridade com a qual isso se fez escapou ao conhecimento do novo
presidente estadual, ainda insuficientemente informado acerca de toda realidade
herdada.
Em sua mensagem de 1915, aos deputados estaduais, Marcondes de Souza diria
que fora aquela a única operação de financiamento autorizada em seu governo
“mesmo porque esta [Companhia Brasileira de Minas] já havia recebido o dinheiro
(...).” (ANAIS DO SENADO FEDERAL, 1915, p. 19). Ele tentava esclarecer que o
repasse já efetuado tinha sido autorizado no tempo do seu antecessor, que deixara
40
Disse o deputado Torquato Moreira sobre Alcindo Guanabara; “É um senador da República que se
bateu galhardamente para que fosse arquivado o parecer do Senado sobre o caso do Espírito
Santo.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Sessão de 7.7.1916, p. 523).
38
tudo assinado. Mas que, quando soube dos detalhes da transação, logo determinou
o bloqueio, inclusive dos 1$250 (mil e duzentos e cinqüenta contos de réis) restantes
que estavam previstos originalmente. A exploração da areia monazítica jamais
começou e o então ministro da Justiça e dos Negócios Interiores, Rivadávia da
Cunha Correia (1910-1913), decretou a caducidade do contrato de concessão.
Jerônimo Monteiro, então, dividiu os $720 (setentos e vinte contos de réis) com os
sócios H. Gatine e Ernesto Durich. Quanto ao Hypotecário, ficara com mais um
passivo.
Bernardino Monteiro também utilizou o Hypotecário para seus negócios. Ele criou as
empresas ferroviárias Victoria Brazil Railway e The Victoria and Bahia Railway, que
tinham como diretor o contador Nestor Gomes.
41
Aquelas empresas contraíram
empréstimos, no Banco Hypotecário, somando 27:000$000 (vinte e sete mil contos
de réis). Os juros eram subsidiados e garantidos incondicionalmente pelo governo
estadual. Esta garantia, assumida pelo Tesouro Estadual, oneraria o Estado em
4$290 (quatro mil e duzentos e noventa contos de réis) anuais, em uma época em
que a receita estadual não ultrapassava 3$500 (três mil e quinhentos contos de réis).
Os bens que ficaram como hipoteca dos empréstimos eram terrenos adquiridos do
próprio Estado e empreendimentos agrícolas e industriais falidos. (MENSAGEM DO
PRESIDENTE MARCONDES DE SOUZA, 1915, p .20-25).
42
No governo de Marcondes de Souza, José de Souza Monteiro manteve-se como
diretor fiscal do Hypotecário, cumprindo o papel de livrar o banco dos prejuízos
diretos, lançando-os ao Tesouro Estadual. Enquanto existiu - antes de ser
incorporado anos após - o Hypotecário sustentou-se com as taxas de água, luz e
esgoto, que arrecadava da população de Vitória.
41
Nestor Gomes foi, no governo de Bernardino Monteiro, Diretor Fiscal do Banco Hypotecário. A
nomeação de Nestor Gomes se deu imediatamente à posse de Bernardino Monteiro, quando a
mesma ainda era apenas uma duplicata eleitoral e objeto de questionamento na Comissão de
Constituição e Justiça. Em 1920, seria escolhido por Bernardino Monteiro como seu sucessor na
presidência do Espírito Santo.
42
Como Nestor Gomes integrava a direção da ferrovia em questão, os deputados Maurício de
Lacerda e Torquato Moreira estavam certos de que Bernardino era, de fato, dono da empresa a que
Marcondes se referia em sua mensagem de 1915, nas páginas 20 e 25.
39
O irmão mais velho de Jerônimo Monteiro - coronel Antonio de Souza Monteiro, o
Tonico -
43
foi outro que tirou vantagens do Banco Hypotecário. Ele, que foi deputado
estadual até 1913 (quando morreu), era o procurador da sua mãe, Henriqueta Rios
de Souza. Naquela condição, assinou contrato, em 6 de junho de 1912, com a
Companhia Industrial - sob o controle do Banco Hypotecário - para a extração de
calcário da Fazenda Monte Líbano. No ato da assinatura, recebeu 1:000$000 (mil
contos de réis), de um total de 1:500$000 (mil e quinhentos contos de réis). Só que,
quatro anos antes, a mesma fazenda fora hipotecada ao sogro de Jerônimo
Monteiro, Cícero Bastos, pelo valor de apenas 24$000 (vinte e quatro mil contos de
réis). De acordo com o deputado Torquato Moreira, o químico, Emilio Viret,
proveniente da Europa a serviço dos credores franceses, avaliou que a jazida era
insignificante. Não possuía qualidade nem quantidade de calcário suficiente para
servir como matéria-prima necessária ao fabrico do cimento, cuja fábrica Jerônimo
Monteiro pretendera montar em Cachoeiro de Itapemirim - empresa que só chegou a
funcionar no final dos anos 20.
As denúncias feitas contra o presidente Jerônimo Monteiro, no entanto, não ficaram
limitadas às operações que fizera a partir do Banco Hypotecário. Sua prática
administrativa também seria objeto de críticas. Ele fazia pagamentos a pessoas
através de portarias que assinava dentro do gabinete e que somente tempos depois
seriam de conhecimento público. Há, até, ocaso de um empréstimo secreto feito a
uma instituição estrangeira. Trata-se de uma soma tomada em 1908 ao banco
francês Charles Victor & Comp S/A, operação que não estava devidamente
registrada no Contencioso do Tesouro, e que só foi descoberta por Marcondes de
Souza depois da cobrança feita pelo banqueiro. O registro, então, foi encontrado em
um pequeno pedaço de papel almaço, escrito em francês, quando Marcondes de
Souza resolveu examinar os documentos deixados pelo ex-procurador do Estado na
França, Domingos Braga. (DA MENSAGEM DO PRESIDENTE MARCONDES DE
SOUZA, 1915, p. 135).
Tem-se, assim, que, se Jerônimo Monteiro governou até maio de 1912 praticamente
sem oposição. Tão logo deixou o poder, seus adversários - antigos e novos -, deram
43
Jerônimo Monteiro e seus irmãos e irmãs tinham apelidos carinhosos, segundo Maria Stela de
Novaes (1979), a Stelinha: Antonio (Tonico), Bárbara (Sinhá Bárbara), Maria Bárbara (Maricota),
Maria Graciana (Lota), Bernardino (Dindinho), Helena (Dodona), Bárbara (Barbinha), Henriqueta
(Quequeta), O apelido de Jerônimo era Nhonhô e Fernando e José não possuíam apelidos.
40
início a uma espécie de desconstrução do seu caprichoso e promovido governo. O
senador Moniz Freire fez seu conhecido pronunciamento em 7 de agosto daquele
ano, época em que o nome de Jerônimo Monteiro era cogitado para assumir uma
das diretorias do Departamento de Correios e Telégrafos. Já no ano seguinte seria a
vez do seu próprio sucessor, Marcondes de Souza, fornecer à oposição farta
argumentação, legada por suas mensagens anuais.
Na sessão de 19 de agosto de 1912, o então senador Bernardino Monteiro deu início
a uma série de cinco discursos em favor do irmão. Pretendeu o senador responder a
todos os itens da denúncia de Moniz Freire, e o fez aceitando curtos apartes do
opositor - presente a todas aquelas sessões. Ao todo, a contestação de Bernardino
Monteiro somou 100 páginas dos Anais do Senado Federal (1912)
44
. Falou primeiro
sobre a liquidação da dívida do Estado com o Banco da República, argumentando
que fora aquela uma transação rotineira em negócios daquela natureza financeira.
A posteriori, discorrendo sobre a privatização da Estrada de Ferro Sul-Espírito
Santo, Bernardino Monteiro defendeu aquela solução como comercialmente válida
nas condições de dificuldades em que se encontrava o Estado, exaurido em sua
capacidade de manter a deficitária ferrovia em funcionamento. Culpou Moniz Freire
pela definição do complicado e dispendioso traçado,
45
destacando que, nos 12 anos
em que o governo estadual estivera sob o domínio de Moniz Freire, houve pelo
menos uma sondagem para a venda da ferrovia junto à mesma compradora, a
Leopoldina Railway. O senador exibiu como prova o testemunho, por escrito, de um
administrador da empresa, cujo teor confirmava as conversas mantidas neste
sentido e lembrava que, naquela ocasião, até se chegara a aventar o valor de
3:000$000 (três mil contos de réis), o mesmo pelo qual a ferrovia seria depois
vendida, no governo de Henrique Coutinho.
O senador Moniz Freire aparteou, dizendo que ignorava tal fato e que a suposta
iniciativa, tomada por alguém a ele ligado, nunca tivera a sua autorização pessoal,
reafirmando ter sido sempre contra a privatização da Estrada de Ferro Sul-Espírito
Santo. Bernardino também esclareceu que o procurador, designado por Henrique
44
(1912, v. IV, páginas 125 a 148, 151 a 168, 207 a 219, 234 a 238 e 253 a 295).
45
A ferrovia ligava Cachoeiro de Itapemirim (de onde ia ao Rio de Janeiro) a Vitória. Mas ficou parada
na metade do caminho, em Matilde, por 12 anos. Bernardino e outros defendiam que a estrada de
ferro fosse litorânea.
41
Coutinho para fechar o negócio, tinha sido o senador João Luís Alves, aliado dos
Monteiro em 1907.
Sobre os $300 (trezentos contos de réis) que, por imposição contratual do negócio,
foram parar na praça do Rio de Janeiro, Bernardino explicou que o dinheiro fora
destinado ao pagamento de dívidas externas, contraídas justamente em função das
despesas com a ferrovia. O dinheiro teria sido empregado também nos gastos
advindos da política de imigração. No dia 22 daquele mês, seria a vez de Moniz
Freire assumir a tribuna para reafirmar as acusações e contestar o discurso de
Bernardino em defesa do irmão. Bernardino também aparteou, e o debate se fez
intenso naquele agosto de 1912.
Moniz Freire insistiu que se explicasse o porque da presença do coronel Xavier na
negociação, se o Banco da República já havia concordado em receber $300
(trezentos contos de réis) em dinheiro e 1:000$000 (mil contos de réis) em apólices -
uma transação que, inclusive, poderia ser feita diretamente entre a instituição
bancária e o próprio governo estadual. Questionava também a razão da pressa em
se negociar a dívida com o banco, cujo desfecho dera-se em 7 de fevereiro de 1907,
se em 22 de abril daquele ano, o governo disporia de 3:000$000 (três mil contos de
réis), apurados com a venda da ferrovia, portanto, podendo saldar débito sem
precisar emitir apólices desvalorizadas - já que no mercado era bastante conhecida
a falta de crédito do governo do Espírito Santo.
Bernardino fez questão de falar, ainda, sobre a ruidosa repressão ao comício
oposicionista, em 3 de janeiro de 1912, em que várias pessoas saíram feridas.
Preferiu minimizar a ação policial apresentando, como provas da irrelevância do
episódio, cópias de inquéritos feitos pela polícia estadual, à época. Quase todo
discurso foi, na verdade, de pesadas críticas relacionadas à violência do tempo do
governo de Moniz Freire. Lembrou o senador Bernardino Monteiro das barbaridades
atribuídas ao truculento tenente Evaristo de Lima que, antes de ser assassinado por
um homem - que teve sua esposa abusada pelo militar-, foi policial de confiança de
Moniz Freire.
Daí em diante seguiram-se apenas ataques à administração do opositor, em todas
as áreas do seu governo, estabelecendo-se comparação entre as administrações:
42
Não se lembra S. Ex. [Moniz Freire] que hoje, graças à administração que
tanto condena, pode ir ao seu teatro de madeira [Melpômene], em bonde
elétrico banhado de farta luz, também elétrica; que suas casas, em Vitória,
já estão servidas de magnífica água potável, de esgoto e de outros
benefícios, que S. Ex., como espírito-santense, pode também vangloriar-se
do aspecto progressista e risonho, com que atualmente se enfeita a capital
do Espírito Santo? (ANAIS DO SENADO FEDERAL, 1912).
Bernardino Monteiro não se esqueceu, também, de tratar da acusação de violação
de correspondência atribuída a Jerônimo Monteiro - denúncia levada a Pinheiro
Machado e que contribuiria para inviabilizar sua nomeação como diretor da Empresa
de Correios e Telégrafos (ECT). A correspondência era um envelope contendo os
nomes dos suplentes para o Juizado Federal no Espírito Santo, que seriam
nomeados pelo ministro da Justiça, Tavares Bastos.
A denúncia de Moniz Freire dava conta de que os nomes, originalmente indicados
pelo deputado Torquato Moreira, haviam sido substituídos por outros, impostos por
Jerônimo Monteiro, tendo este, para tanto, violado o envelope que chegara a Vitória.
Bernardino refutou que tivesse havido a manipulação, dizendo que fora o senador
João Luís Alves o autor da abertura da correspondência, porque Jerônimo Monteiro
o recomendara que confirmasse, antes das nomeações, quantos eram os juizes
federais suplentes que poderiam ser substituídos por terem seu quatriênio vencido.
O fato é que as denúncias eram feitas e rebatidas, sendo posteriormente refeitas e
novamente recusadas. Assim se desenvolvia o ambiente de radicalização que
encontraria na sucessão de 1916 o momento de acerto de contas entre a oligarquia
e a oposição. A oligarquia buscava a sua consolidação e era exatamente este o
temor que movia a oposição. A facção monteirista possuía, a seu favor, a vantagem
de ser a força situacionista, condição praticamente insuperável na República Velha
(das eleições trapaceadas).
Entretanto, a oposição não poderia ser subestimada naquela disputa, pois, naquele
embate, estava em jogo a sua própria sobrevivência. Quem perdesse, fatalmente
desapareceria, enquanto tal, do cenário político capixaba. Marcondes de Souza
ainda refluiu e recompôs com o seu agrupamento político original, já no final do seu
mandato - um ano depois da morte do seu compadre, senador Pinheiro Machado.
43
E o senador Moniz Freire renegaria sua postura histórica em relação aos Monteiro.
(NOVAES, 1979).
46
46
“E o Dr. Moniz Freire teve, ainda, a elevação e a coragem de declinar do convite feito pelo
presidente Wenceslau Brás, para que se aliasse à oposição à candidatura [de Bernardino Monteiro]
em apreço.” (NOVAES, 1979, p. 215).
44
CAPÍTULO 2 - WENCESLAU ENCORAJA A OPOSIÇÃO
Em 1916, o governo de Wenceslau Brás entrava na sua segunda metade,
convivendo com inauditas dificuldades próprias da Primeira Grande Guerra Mundial.
O Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano ficou negativo em 1,25% (um vírgula
vinte e cinco por cento). (ELIAS, 2006, p. 57). O segundo funding-loan,
47
contraído
ao final do governo do Marechal Hermes, ainda produzia seus efeitos. Em outubro
de 1914, os credores haviam dado três anos para que as finanças nacionais fossem
restabelecidas, mas o quadro geral no Brasil e no mundo não favorecia. A principal
fonte da arrecadação federal constituía-se dos tributos alfandegários cobrados sobre
a importação - que era mínima, em função da guerra, na qual o Brasil acabaria
entrando formalmente em outubro do ano seguinte, quando estivessem esgotados
os esforços do governo para manter a neutralidade.
O governo federal tinha dificuldades para criar novas taxas e, principalmente, para
arrecadá-las. Os capitais estrangeiros estavam quase inacessíveis, aumentando a
responsabilidade dos Estados quanto ao rigor na pontualidade de pendências com
bancos no exterior. As exportações sofriam queda jamais vista, porque o principal
mercado para o café brasileiro - o europeu - estava desorganizado e se orientando
para a produção da guerra. Wenceslau Brás vinha, desde o início do governo,
buscando a austeridade. Simbolicamente, ele chegou a enviar ao Congresso
mensagem cortando o próprio salário pela metade, o que só não ocorreu porque os
parlamentares aliviaram o corte em apenas 20% (vinte por cento). Havia restringido
as mordomias palacianas e evitado politizar a escolha no Ministério da Fazenda,
entregue ao fluminense, mas ligado à política mineira, Pandiá Calógeras. Na
Agricultura, nomeou o mineiro Sabino Barroso. O resultado do zelo administrativo
imprimido se apresentaria somente em 1917, quando o PIB alcançaria a marca dos
9,8% (nove vírgula oito por cento) positivos.
Além da conturbada frente externa, o governo enfrentava conflagrações internas em
Mato Grosso e, principalmente, na região do Contestado - entre Paraná e Santa
Catarina. No ano anterior, já havia conseguido solucionar o sério conflito eleitoral no
47
O primeiro foi em 1898, no governo de Campos Salles.
45
Rio de Janeiro, apegando-se à legalidade definida pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em favor do candidato Nilo Peçanha. Este episódio político foi tomado como
uma providencial oportunidade para a imposição de limites à ação de Pinheiro
Machado - de quem se esperava, no governo do jovem e moderado Wenceslau
Brás, a manutenção do poder de influência exercido pelo veterano senador gaúcho
no período de Hermes da Fonseca. Serviu também para que Wenceslau Brás
explicitasse o sentido do seu governo como uma contraposição à administração
anterior, proclamando sua missão de “paz e de restauração do crédito, tanto moral
como financeiro, do País,” nas palavras de Calógeras (1967, p. 351).
Estava, no propósito apregoado pelo governo federal, a justificativa para a vária
presidencial que Wenceslau Brás autorizou a publicação no diário carioca Jornal do
Commercio, do dia 18 de janeiro de 1916. Os parlamentares da oposição estiveram
com o presidente Wenceslau Brás às vésperas da publicação da vária, exibindo
sobre a sua mesa documentos comprovando os desmandos da oligarquia
monteirista no Espírito Santo. O presidente da República já tinha uma idéia da
situação em razão de inúmeras denúncias que eram feitas no Congresso Nacional.
Porém, estava particularmente preocupado com a dívida que o governo espírito-
santense mantinha junto às instituições financeiras internacionais.
Neste encontro, depois da exposição do quadro político-administrativo do governo
de Marcondes de Souza, os oposicionistas anunciaram os seus planos de disputar
as eleições contra a oligarquia. Avisaram que, no caso de trapaça, pediriam
intervenção federal e que, para tanto, contavam com o apoio do presidente da
República. Segundo revelou o deputado Torquato Moreira, em pronunciamento no
dia 13 de julho de 1916, na Câmara dos Deputados, o presidente, após examinar a
documentação e ouvir a pretensão dos parlamentares (ANAIS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, Sessão de 13.7.1916, p. 896), disse:
- Mas eu não posso nem devo fazer desta questão uma questão
governamental; não posso intervir junto dos meus amigos do Congresso,
pedindo-lhes que votem dessa ou daquela forma.
Ao que Torquato Moreira responderia (Idem, ibidem):
46
- Realmente, este é o papel de Vossa Excelência; e estou, apenas como
prova da alta consideração em que tenho a pessoa de Vossa Excelência,
comunicando o que pretendemos fazer.
Combinou-se, então, a elaboração e publicação de uma vária, na qual ficasse
explícita a opinião de Wenceslau Brás, contrária aos esforços da oligarquia em se
manter no poder. A vária deveria conter, também de forma clara, a manifestação do
apoio do presidente da República ao candidato que saísse dos quadros da oposição
à oligarquia dominante no Espírito Santo, apontando as razões da sua decisão.
Acordou-se que a publicação seria num jornal de circulação nacional e capaz de
repercutir em todo o país. O que foi tratado no Palácio do Catete seria
imediatamente concretizado, com a vária nos seguintes termos (JORNAL DO
COMMERCIO, 1916):
Estamos autorizados a declarar que o Sr. Presidente da República, ao
acceitar o cargo para o qual foi eleito pelo povo brazileiro, assumiu perante
a sua consciência e perante a Nação o compromisso formal de empenhar
todos os seus esforços no sentido da regeneração moral e financeira do
paiz. Reconheceu desde logo que para a grave situação actual do Brazil,
concorreram não só os erros da União, como os de alguns Estados, que
suspenderam os seus pagamentos externos, sem, nem sequer, terem
tentado um accordo prévio com os seus credores. Quanto a successão
presidencial desses Estados, o Sr. Presidente da República declarou aos
próceres republicanos, que não podia deixar de ter o mais vivaz interesse
de concorrer para que fossem indicados e eleitos homens capazes. Assim o
exigiam os grandes interesses nacionaes. O Sr. Presidente da República
não tem tido candidatos, nem os quer ter, sendo, como é, seu único
desideratum que os chefes locaes escolham nomes dignos, que conciliem
os melhores elementos políticos do Estado e tenham o prestígio moral
necessário para a grande obra que terão de enfrentar. Com relação ao
Estado do Espírito Santo, que não pagou três coupons do seu empréstimo
externo e que está em grande atrazo quando ao seu avultado debito
resultante da organização do Banco Hypotecário, o Sr. Presidente da
República fez um appelo aos chefes desse Estado, para que se
harmonizassem em torno de um nome à altura das grandes dificuldades a
vencer e que fosse geralmente aceito. Chegou mesmo a fazer um appelo
especial ao senador Bernardino Monteiro, a fim de que concorresse para a
escolha de outro nome que não determinasse a scisão das forças
republicanas do Estado. Não tendo sido attendido, o Sr. Presidente fez ver
que respeitava a autonomia do Estado e que as forças políticas poderiam
indicar os nomes que quizessem, mas que ao Governo Federal ficava o
direito de amparar politicamente e sem offensa aos princípios
constitucionaes, o agrupamento que estivesse de accordo com o
programma da Administração Federal. Com a maior franqueza, não occultou
ao senador Bernardino Monteiro, que não prestigiaria a sua candidatura,
não só porque ella poderia ser inquinada de oligarchica, como porque seria
a sancção da administração anterior à actual, acusada, como é público,
documentadamente, de graves erros. O Sr. Presidente, ainda deste vez não
foi attendido. Sente, portanto, que lhe cumpre prestigiar, sem motivos
subalternos e dentro dos limites constitucionaes, o agrupamento (...)
47
(...) opposto à candidatura do Dr. Bernardino Monteiro e assim agirá sem
preoccupações de victoria ou de derrota, com a serenidade e firmeza de
quem cumpre um dever imperioso.
Esta vária causou grande impacto, sobretudo no Espírito Santo, encorajando
definitivamente o conjunto da oposição a enfrentar a oligarquia monteirista. Dos três
senadores, dois já estavam na oposição: João Luís Alves e Domingos Vicente.
Apenas Bernardino Monteiro defendia o governo de Marcondes de Souza. Na
bancada de quatro deputados federais, também a oposição era a maioria: Torquato
Moreira, Deoclécio Borges e Paulo Mello, de um lado. Do outro lado, ficava apenas
Jerônimo Monteiro. A oposição se reforçaria, mais adiante, com a adesão do vice-
presidente estadual, Alexandre Calmon, o chefe político de Linhares, cuja sede era a
Vila Colatina.
2.1 O GOLPE DA REFORMA
Entretanto, a oligarquia Monteiro se apetrechara para o embate, ainda em 1915,
consumando, em apenas oito dias, uma reforma na Constituição Estadual, alterando
profundamente a legislação eleitoral do Estado. A legalidade do procedimento do
Congresso Estadual para alcançar tal fim foi o primeiro objeto da disputa. É que a
reforma estabeleceu a prorrogação dos mandatos dos deputados estaduais, de
janeiro para junho, a fim de que eles pudessem escrutinar e, em seguida,
reconhecer formalmente a eleição do novo presidente estadual prevista para 25 de
março de 1916.
A iniciativa da reforma se deu no final de outubro de 1915, logo depois da oferta do
senador João Luís Alves de renunciar à sua própria cadeira em favor da eleição do
coronel Marcondes Alves de Souza ao Senado Federal. Esta proposta tinha sido o
último esforço para conciliar as forças do Partido Republicano Espírito-santense. Se
aceita, João Luís Alves seria o candidato da situação à presidência estadual, numa
combinação política com a qual estava de acordo Wenceslau Brás. O presidente da
República vinha considerando como obstáculo, para uma necessária ajuda federal
às combalidas finanças capixabas, a permanência da oligarquia “monteirista”
48
(SILVA, 1975, p. 104-105) no poder estadual. Por isto mesmo tentara, por duas
vezes, encontrar uma solução. Primeiro, conversando com o senador Bernardino
Monteiro no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Depois, chamando ao Palácio
Guanabara, no dia 20 de novembro, o presidente estadual, Marcondes de Souza.
Wenceslau Brás e ele ficaram reunidos das 21 até as 23 horas, tempo que o coronel
capixaba utilizou para convencer o presidente da República dos seus “esforços no
sentido da normalização da vida financeira” do Espírito Santo. (ANAIS DA CÂMARA
FEDERAL, Sessão de 4.9.1916, p. 239). O presidente da República estava
preocupado com o que podia acontecer, porque já estava ciente da resposta que
Marcondes de Souza dera à proposta que lhe fora feita pelo senador João Luís
Alves, no mês anterior.
Desde o dia 15 de outubro, o senador João Luís Alves já havia recebido uma carta
do presidente estadual descartando a oferta. (ANAIS DO SENADO FEDERAL,
Sessão de 11.5.1916, p. 179).
48
Mesmo assim, tentou-se resolver o problema em
derradeira reunião, feita dia 27 de novembro na residência do senador João Luís
Alves, no Rio de Janeiro. Deste encontro participaram, além do anfitrião, os
senadores Domingos Vicente e Bernardino Monteiro, os deputados federais
Jerônimo Monteiro, Paulo de Mello e Deoclécio Borges, o vice-presidente estadual
Alexandre Calmon e Júlio Leite (ex-presidente do Congresso Estadual). A proposta
da facção situacionista foi a de uma chapa com Bernardino Monteiro, tendo como
vice Alexandre Calmon, o que não foi aceito. O resultado final foi que a oposição,
cujo porta-voz fora o senador Domingos Vicente, formalizou definitivamente sua
posição contrária à candidatura de Bernardino Monteiro.
Marcondes de Souza, em Vitória, de fato, já estava comprometido com a candidatura
do senador Bernardino Monteiro e pretendia levá-la às últimas conseqüências.
Começou por patrocinar a radical reforma na Constituição Estadual, cercando-se de
garantias. Na 31ª sessão do Congresso Estadual do dia 21 de outubro, antes que o
citado Congresso encerrasse suas atividades ordinárias relativas ao ano de 1915, o
deputado estadual governista, Ubaldo Ramalhete, anunciou que estava sobre a
48
Trecho da carta-resposta de Marcondes de Souza a João Luís Alves, lida por este no Senado: “A
sua permanência no Senado como representante do Espírito Santo se faz necessária, é um direito
adquirido que ninguém lhe pode negar. O meu amigo João Luís tornou-se credor da estima pública
do povo espírito-santense e igualmente da confiança do governo; portanto, em hipótese alguma
poderia eu aceitar sua cadeira de Senador; empregarei todos meus esforços para que tenha o
Espírito Santo como seu representante na alta Câmara do País o Dr. João Luís.”
49
Mesa da Casa o projeto de lei, pedindo dispensa de leitura, alegando sua extensão.
A matéria levou o número 15 e, no mesmo dia, ficou aprovado que a mesma já seria
levada à impressão no Diário da Manhã, órgão oficial de imprensa.
No dia 26, já estava pronto para ser aprovado o parecer favorável da Comissão de
Justiça, assinado pelo deputado coronel Etienne Dessaune.
49
Na ata desta 35ª
sessão, publicada muito depois, consta que o parecer foi lido, aprovado e enviado a
publicação para entrar na ordem dos trabalhos, já com número 21. No dia 27, na 36ª
sessão, com a presença de 19 dos 25 deputados, o projeto entrou na fase da
primeira discussão, com a dispensa da leitura e interstício requerida pelo deputado
Ramalhete. E, no dia 28, a segunda discussão estava esgotada e a matéria
aprovada. Assim, oito dias depois de iniciada a tramitação, havia sido aprovada uma
profunda reforma constitucional
50
e mais dois outros projetos. A oposição, incluidos
os deputados federais e senadores, só tomaria conhecimento de que uma nova lei
eleitoral já estava vigorando no dia 12 de novembro, mesmo assim, sem saber
exatamente do seu conteúdo.
Telegrama enviado, naquela data, pelo deputado estadual da base governista,
Manoel Monjardim, ao senador João Luís Alves, ilustra o caráter sorrateiro do
processo no qual a reforma fora aprovada (ANAIS DO SENADO FEDERAL, Sessão
de 12.5.1916, p. 191):
Já deves saber que o Congresso aprovou um projeto, que hoje é lei,
adiando as eleições para o Congresso Estadual para 3 de maio. Esse
projeto nunca foi impresso, tendo eu comparecido ao Congresso no dia da
votação do projeto nº 15, que ninguém sabia o que era, porque não
constava dos cadernos dos deputados. Passou o projeto sem protesto, só
vindo eu a saber do que se tratava quando, dias depois, no Diário da Manhã
o li, publicado pelo Marcondes.
Ou seja, não havia avulsos à disposição dos parlamentares.
49
Em 1920, Jerônimo Monteiro tentaria empossar Etienne Dessaune presidente estadual se
conseguisse prender Nestor Gomes, apoiado por Bernardino, antes da posse deste. Era o
rompimento definitivo dos irmãos. Entrevista do ex-governador Carlos Fernando Monteiro
Lindenberg, sobrinho de Jerônimo e Bernardino, concedida aos jornalistas Rogério Medeiros e
Cláudio Bueno Rocha, para a Revista Agora, em março de 1973.
50
A respeito da sessão da votação final do projeto, acusou o senador João Luís Alves: “A sessão foi
aberta a uma hora da tarde e, no espaço de uma hora e meia, votaram três projetos, artigo por
artigo, um dos quais em perto de duzentos artigos.” Mais preciso, o deputado Torquato Moreira
contou 165 artigos, 60 parágrafos e 63 alíneas discutidas, votadas e aprovadas em menos de uma
hora.
50
A redação final do que teria sido votado e aprovado no Congresso Estadual, no dia
28 de outubro de 1915, somente seria publicada na edição do dia 14 de maio de
1916 do Diário da Manhã. Até então, se sabia apenas que uma reforma ampla havia
sido aprovada, o que levou a oposição a acusar o governo de ter manipulado o
próprio conteúdo da nova Constituição durante o tempo em que ela permaneceu
inédita. (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Sessão de 20.5.1916, p. 192).
51
Um dos pontos mais controvertidos da reforma foi o que dizia respeito à
competência das Juntas Apuradoras. A Constituição Estadual de 1913 prescrevia
que competia aos juízes distritais, em número de quatro por distrito, a função de
compor as Mesas Eleitorais, que escrutinavam os votos e depois faziam as atas.
Esses quatro juízes eram eleitos como titulares mas, em uma lista aberta, na qual
todos os demais figurariam como suplentes. Assim, quando a minoria não conseguia
eleger nenhum dos quatro titulares, pelo menos alcançava um suplente. Com a
reforma, no seu artigo 40, mantinha-se a eleição dos quatro mais votados para
ficarem como titulares; mas, numa lista fechada, onde o número de suplentes ficaria
limitado também a quatro. Porém, não foi apenas esta alteração - só conhecida
quando da publicação da lei no órgão oficial - que escandalizou a oposição. O
problema maior foi que, depois de toda reforma publicada, ainda foi rodado, como
errata, um folheto (ANAIS DA SESSÃO DO SENADO FEDERAL, 20.5.1916, p.
192)
52
trazendo uma nova alteração, pela qual passou-se a estabelecer que o juiz
distrital seria somente um, o cidadão mais votado do distrito, e que as suplências
caberiam aos quatro mais votados a seguir; na prática, deixando a oposição de fora
das Juntas Apuradoras.
A nova legislação também aboliu a obrigatoriedade dos juízes distritais de fornecer
os resultados parciais da votação da própria Mesa, inclusive o número de votantes e
as abstenções, até que a apuração fosse totalmente concluída (art. 77). Assim,
bastaria, a partir de então, informar apenas o total de votos dados especificamente
ao solicitante. Somente após a proclamação do resultado final é que se poderia
saber quantos votos haviam sido atribuídos aos adversários. O dispositivo passou a
51
Deputado Torquato Moreira. Sessão de 20 de maio de 1916. (ANAIS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, V. I. p. 369). Na mesma sessão, em aparte, o deputado Deoclécio Borges declarou:
“Este projeto de certo não chegou a ir ao Congresso do Estado; foi feito em palácio.”
52
O folheto foi impresso na gráfica do órgão oficial, mas num papel de qualidade inferior. O senador
João Luís Alves mandou comprar 500 exemplares do que foi publicado para sustentar a denúncia.
(ANAIS DA SESSÃO DO SENADO FEDERAL, em 12.05.1916, p. 192).
51
dar margem a que, ao final dos trabalhos, os mesários pudessem aumentar a
quantidade de votantes e a quantidade de votos do candidato da situação.
Uma série de outras limitações foi imposta à oposição, tal como a exigência de um
ofício, com firma do candidato reconhecida pelo escrivão de cada distrito, para que o
seu fiscal pudesse ser aceito pela Junta. Passou-se, também, a exigir que os fiscais
chegassem ao local de votação antes da chamada dos eleitores. No entretanto,
como a nova lei estabelecia que cada mesa apuradora só poderia ter, no máximo,
cinco fiscais, passou-se a temer que, quando o fiscal da oposição chegasse ao local
de votação, o juiz distrital apresentasse uma lista pronta de nomes e informasse que
a relação de fiscais já estava completa.
O artigo 148 da nova Carta conferiu ao presidente estadual o privilégio de receber e
deferir recursos contra qualquer ato praticado no processo eleitoral para vereadores,
prefeitos (criados nesta reforma) e juízes distritais. Bem como passou ele a ter a
prerrogativa de reconhecer ou não eleitos, anular as eleições, nomear as mesas e
juízes distritais e, até, nomear interventores nos municípios com a finalidade de
exercer, por sua delegação, estas mesmas prerrogativas que lhes eram conferidas
pelo mesmo artigo 149, parágrafo 2º. Pouco antes das eleições, o coronel
Marcondes de Souza enviaria circular a todos os chefes políticos municipais que lhe
eram ligados, recomendando que, passado o pleito, só remetessem as atas
diretamente a ele, tanto as que seriam destinadas à Junta Apuradora, como as que
deveriam seguir para o Congresso Estadual. E que, posteriormente, ele próprio as
enviaria às instituições competentes.
As forças governistas não pretendiam subestimar a oposição. Havia um
levantamento feito pelo advogado, economista e político de prestigio nacional,
Cincinato Braga, indicando que a oposição no Espírito Santo era uma das mais
fortes do país, “senão a mais forte.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, v. IV,
10.7.1916, p. 713). Depois de haver montado toda a severa estrutura legisferante, a
oligarquia monteirista passou à ofensiva política. Foi lançado um manifesto em apoio
à candidatura de Bernardino Monteiro, encabeçado pelo próprio presidente estadual.
Entre os primeiros subscritores do documento estava o chefe de Polícia do Estado,
Manoel Xavier Paes Barreto, acompanhado de Carlos Xavier Paes Barreto,
procurador-geral do Estado e futuro chefe de Polícia.
52
Assinaram, ainda, o manifesto, vários deputados estaduais que tiveram os mandatos
prorrogados. Pelo menos seis deles, mesmo com o parlamento estadual
funcionando, atuariam como presidentes de Câmaras Municipais e integrariam as
Juntas Apuradoras. Em 22 de dezembro, a convenção do Partido Republicano
Espírito-Santense ratificaria a candidatura lançada.
53
Já prevendo a possibilidade de
recrudescimento durante a batalha eleitoral, o governo estadual tratou de aumentar
a força pública. O coronel Marcondes de Souza também lançou mão da prerrogativa,
outorgada pela reforma constitucional, de intervir quando achasse conveniente.
No distrito de Accioly de Vasconcellos (atualmente, toda a região de Ibiraçu e João
Neiva), pertencente à época ao atual município de Linhares, alegou-se uma antiga
imprecisão nas divisas para decretar uma intervenção.
54
O distrito era, na verdade,
um importante reduto eleitoral do coronel Alexandre Calmon. O interventor
destacado foi o tenente da Polícia Militar, Gastão Franco Americano, com poderes
para nomear os membros da Mesa Apuradora, atribuição que seria do Juiz Distrital
eleito pela comunidade.
A principal mudança da Constituição era, entretanto, a prorrogação dos mandados
do Congresso Estadual, habilitando os parlamentares a proceder ao
Reconhecimento de Poderes do novo presidente eleito do Espírito Santo. Os
deputados haviam sido eleitos em 9 de janeiro de 1913, sob a vigência da
Constituição Estadual de 1910, que previa um mandato de exatamente três anos -
portanto, encerrando a legislatura em 9 de janeiro de 1916. Outra reforma
constitucional, de 13 de maio de 1913, já havia alterado a duração dos mandatos ao
fixar seu encerramento para 9 de fevereiro de 1916. Estes 30 dias a mais de
mandato foram acrescentados sob a justificativa de que a apuração dos votos dos
futuros eleitos demandaria pelo menos um mês, porque a maioria do eleitorado era
do interior do Estado. Então, com a nova reforma, mudava-se a data das eleições do
53
A candidatura de Pinheiro Júnior seria lançada no dia 12 de janeiro, após pressões federais para a
desistência de Bernardino. Moniz Freire foi consultado neste ínterim, ofereceu três nomes, mas
nenhum foi aceito pelas partes.
54
Decreto de Intervenção, assinado por Marcondes de Souza: “Art. 1º: Fica cometida ao interventor
do distrito de Accioly de Vasconcellos, tenente Gastão Franco Americano, a atribuição de designar,
no dia 10 do mês corrente, os membros componentes da mesa ou mesas eleitorais que deverão
presidir as eleições para Presidente e Vice-Presidente do Estado e para Juiz distrital, a se
realizarem no dia 25 deste mês, naquele distrito. Art 2º: No distrito a que se refere o artigo
antecedente, por achar-se em litígio o seu território, não se realizará eleição para prefeito, nem para
vereadores municipais.”
53
Congresso Estadual para 3 de maio ficando, portanto, a conclusão dos mandatos
para um mês depois, 3 de junho.
2.2 A POLÊMICA NO CONGRESSO NACIONAL
No Rio de Janeiro, o Congresso Nacional reabriu os trabalhos de 1916 no dia 3 de
maio, com a leitura da Mensagem Presidencial. Já na mensagem, Wenceslau Brás
informava providências tomadas em relação ao que chamou de Caso do Espírito
Santo. No dia 12 daquele mês e ano, no Senado, foi apresentada a primeira
indicação à Comissão de Constituição e Diplomacia daquele ano, exatamente a de
número 1. Também tratava precisamente do tema. O senador João Luís Alves, autor
do expediente, pedia um parecer a propósito da regularidade da reforma
constitucional no Espírito Santo e sobre a constitucionalidade do ato do Congresso
Estadual para reconhecer o novo presidente do Estado. A indicação foi precedida
por um pronunciamento demorado, no qual o senador lembrou ter antes enviado
correspondências a Marcondes de Souza e a Bernardino Monteiro, relatando
criticamente suas preocupações a este respeito, mas que de ambos não recebera
qualquer resposta.
O presidente da Comissão de Constituição e Diplomacia era o senador maranhense
Fernando Mendes de Almeida,
55
que logo tomou seu lado na disputa travada no
Espírito Santo e, em diversas ocasiões, assim se manifestaria. Foi levado, por esse
posicionamento, a uma acirrada discussão com os senadores João Luís Alves e
Domingos Vicente, que passaram a acusá-lo de parcialidade. A polêmica ampliou-se
quando Mendes de Almeida concedeu entrevista ao vespertino carioca A Rua,
perguntando “com que dinheiro os oposicionistas aliciaram capangas, compraram
armas e munições e sustentam a sua capangada? (ANAIS DO SENADO FEDERAL,
v. II, 8.6.1916, p. 79).
55
Mendes de Almeida era detentor do título de conde que obtivera da Santa Sé. Aristocrata, era filho
do advogado e jornalista Cândido Mendes de Almeida, o Visconde de Vieira da Silva, defensor do
bispo dom Vital de Oliveira, no episódio ocorrido em 1874 e conhecido como “Questão Religiosa.”
54
Interpelado, também publicamente, pelo senador Vicente, o conde Mendes de
Almeida justificou que, tudo o que dissera, havia lido nos jornais Gazeta de Notícias,
Jornal do Commercio, O Paiz e no Jornal do Brasil, os quais publicaram que se
encontravam no Rio de Janeiro embarcações da Alfândega e da Capitania dos
Portos do Espírito Santo para recolher armas e munições adquiridas para derrubar o
presidente Bernardino Monteiro. Tinha lido também que para o Espírito Santo
seguiram “indivíduos que foram do Rio de Janeiro ganhando 5 mil réis diários para
fazer uma revolução contra o governo e impedir a posse do presidente eleito
legalmente.” Questionado ainda pelo deputado Torquato Moreira, Mendes de
Almeida negou, no entanto, que tivesse insinuado que o patrocinador das despesas
de 1:500$000 (mil e quinhentos contos de réis) para a aquisição das armas e
homens fosse o próprio presidente Wenceslau Brás.
O relator na comissão era outro aristocrata, o senador Manoel Alencar Guimarães.
56
Seu parecer sobre a Indicação de João Luís Alves estaria concluído em 5 de julho,
mas só foi à votação, determinando o arquivamento da matéria, no dia seguinte,
aproveitando-se da ausência do senador capixaba na sessão, em função de uma
moléstia, ausência esta que ele justificaria depois - lamentando o procedimento da
Mesa. O parecer foi, então, prontamente lido e aprovado, sem que ninguém
houvesse requisitado a palavra à tribuna para debater o assunto.
No entanto, o sinal indicando a desvantagem da oposição capixaba no Senado
Federal poderia ser percebido ainda no dia 26 de maio, quando o senador
fluminense, Érico Marinho da Gama Coelho,
57
requereu a exclusão do nome de
Bernardino Monteiro da lista de senadores, argumentando que ele já não o era, pois
estava eleito presidente estadual e empossado desde o dia 13 daquele mês. Com
cópias de telegramas que lhe foram enviadas do Espírito Santo, o senador Érico
Coelho apostava na criação de um fato consumado. A artimanha seria reforçada por
solicitações idênticas dirigidas à Mesa pelos senadores Raymundo Pontes de
Miranda, José Euzébio, Mendes de Almeida e outros que se manifestaram em
apartes.
56
Alencar Guimarães era filho do diplomata Manoel Alencar Guimarães – o Visconde de Nácar. Fazia
política no Paraná, onde foi deputado estadual por dez vezes, federal por cinco vezes e senador
por duas vezes, alem de governador. Muito ligado ao compadre de Marcondes de Souza, Pinheiro
Machado, de quem se dizia porta-voz.
57
O senador Érico Coelho se notabilizou pelas tentativas de legalização do Jogo do Bicho,
apresentando projetos na Câmara Federal, quando deputado, pelo Rio de Janeiro, e depois no
Senado.
55
Porém, na sessão do dia 29, o presidente de Senado, Urbano dos Santos da Costa
Araújo comunicaria que a deliberação sobre estes pedidos manter-se-ia ainda na
dependência do desfecho do parecer sobre a indicação de João Luis Alves. E assim
foi feito. Tão logo se publicou, no Diário do Congresso, dia 11, a decisão
determinando o arquivamento da Indicação número 1, o Senado declarou a vacância
da cadeira do senador Bernardino Monteiro. Mais do que isso, o presidente do
Senado Federal, Urbano dos Santos, comunicou ao governo do Espírito Santo que
podia proceder à eleição para preencher a vacância constatada da outrora vaga
pertencente a Bernardino Monteiro.
58
Tal encaminhamento repercutiu fortemente na Câmara dos Deputados, onde ainda
era debatida a mensagem que o presidente Wenceslau Brás enviara em 31 de maio
para que a Casa se manifestasse sobre a necessidade de intervenção federal no
Espírito Santo.
59
Iniciou-se, então, aberto debate sobre uma conspiração visando
submeter a Câmara dos Deputados às vontades do Senado. Alguns parlamentares
reagiram, ameaçando apoiar um projeto, de autoria do deputado Afrânio Mello
Franco, que tramitava na Casa, determinando que novos pedidos de intervenção
fossem encaminhados primeiramente à Câmara. Lembravam que o Senado seria
apenas “um tribunal de revisão, de emenda, de retificação” do que era produzido na
Câmara Federal.
O Caso do Espírito Santo ensejou diversos debates teóricos sobre os mais variados
temas no Congresso Nacional, naquele ano de 1916. O próprio parecer do relator da
matéria refletiu uma preocupação muito presente daquela fase política do país,
particularmente no que diz respeito às intervenções federais nos estados. O tema
estava atualizado porque o governo anterior, de Hermes da Fonseca, tivera como
um dos seus traços característicos a rotina intervencionista nos procedimentos
políticos.
O relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara era o deputado federal
paulista Arnolpho de Azevedo, produtor de café de Lorena, no Vale do Paraíba, e
58
O senador paulista Urbano dos Santos acumulava a vice-presidência da República, cargo para o
qual seria eleito novamente em 1922. Eleito como o vice do mineiro Artur Bernardes, morreu antes
da posse.
59
O deputado fluminense Pedro Moacyr chegou a dizer que a ação do Senado estava “fora de todos
os princípios, de todas as praxes, ordenadas pela Constituição e pela alta cortezia que deve
imperar sempre entre os membros e as duas casas do Poder Legislativo Federal.” Daí o comentário
do deputado, também do Rio de Janeiro, Nicanor Nascimento, de que o Senado agiu como “o
Conselho dos Doges.”
56
filho do Antônio Rodrigues de Azevedo Ferreira, o Barão de Santa Eulália. Na
presidência da Comissão estava o deputado maranhense Francisco Cunha
Machado, e os seus demais membros eram Prudente de Moraes Filho, Gumercindo
Ribas,
60
Annibal de Toledo, José Gonçalves, Afrânio de Mello Franco
61
e Maximiano
de Figueiredo.
62
Ainda haveria, pela Comissão de Finanças, um parecer do deputado Barbosa Lima -
colhido em razão do custo estimado (300$000 (trezentos mil contos de réis)) para
uma eventual intervenção federal no Espírito Santo. Barbosa Lima deu parecer
favorável à liberação dos recursos destinados à intervenção federal.
Outros pareceres em separado e proposições substitutivas também foram debatidos
e votados.
Até que se desse a votação final do parecer sobre a mensagem do presidente da
República - o que somente ocorreria no dia 17 de agosto daquele ano - muitos
acontecimentos tiveram lugar dentro do Congresso Nacional e, principalmente, no
Espírito Santo.
Diariamente chegavam ao gabinete do presidente da República e ao Congresso
Nacional telegramas procedentes de cidades, vilas e distritos capixabas, enviados
por correligionários das duas facções políticas em disputa.
Além das mensagens telegráficas, muitas cartas e publicações na imprensa local e
do Rio de Janeiro, davam conta de narrar os lances de crescente agravamento do
conflito. A oposição necessitava de pressa na definição da Intervenção, pois seu
movimento era de resistência, que minaria com o tempo.
O outro lado, ao contrário, com o tempo, ia consolidando posições.
No seu parecer, o relator começava dizendo que havia no Espírito Santo um
“governo de fato”, e que só restava saber qual era o “governo de direito.”
60
Deputado e jurista gaúcho ligado a Borges de Medeiros.
61
Genro de José Cesário de Faria Alvim Filho, presidente de Minas Gerais por duas vezes.
62
Deputado paraibano ligado ao então senador Epitácio Pessoa.
57
2.3 AS DUPLICATAS DE ELEITOS
Sob a vigência da lei nº 1.008, resultante da reforma eleitoral de 30 de outubro de
1915, no dia 25 de março realizaram-se as eleições para presidente estadual e vice,
concorrendo duas chapas: uma encabeçada pelos cachoeirenses Bernardino
Monteiro (presidente) e Antonio Francisco Athayde (vice); e a outra com o também
cachoeirense José Gomes Pinheiro Júnior (presidente) e o linharense Alexandre
Calmon (vice).
A reforma havia extinguido a 2ª e 3ª vice-presidências. Passados os trinta dias,
definidos pela legislação em vigor, para o recolhimento das urnas do interior, no dia
24 de abril ocorreu a apuração geral dos votos. No dia 25, também se realizaram
nos municípios as eleições para prefeitos e vereadores.
Como o Espírito Santo tinha trinta e um municípios, a apuração estadual deveria ser
processada com a presença de pelo menos quinze presidentes de Câmaras
Municipais, conforme a legislação.
Os governistas reuniram vinte e duas representações, na sede da prefeitura de
Vitória, e procederam as apurações, sob a garantia conferida por um habeas-corpus
do Supremo Tribunal Federal. Imediatamente depois, diplomaram Bernardino
Monteiro e Antonio Francisco Athayde.
63
Paralelamente, no mesmo dia e hora, os oposicionistas, reunidos numa outra sala,
do mesmo prédio, organizaram uma Junta Apuradora com três presidentes de
Câmaras Municipais e doze vereadores e suplentes de governadores municipais,
64
e
fizeram sua própria apuração.
63
Telegrama de Marcondes de Souza ao presidente do Senado Federal, informando sobre a
apuração dos votos: “Vitória, 25 de abril – Tenho o prazer de comunicar V.Ex. que a junta
apuradora das eleições realizadas neste Estado, em 25 de março de 1916, concluiu ontem às 10
horas da noite os seus trabalhos e expediu diplomas de Presidente e Vice-Presidente do Estado
para o futuro quatriênio, respectivamente aos candidatos Senador Bernardino Monteiro e Dr.
Antonio Francisco Athayde, eleitos o primeiro, por treze mil cento e dezenove votos e o segundo
por treze mil cento e quarenta e seis votos. Os candidatos Dr. Pinheiro Júnior e o coronel Alexandre
Calmon receberam o que a junta verificou, o primeiro três mil cento e cinqüenta e dois votos para
Presidente e o segundo três mil cento e vinte e cinco votos para Vice-Presidente do Espírito Santo.
– A Comissão de Constituição e Diplomacia.”
64
Como até a reforma de 1915 ainda não existia a figura do Prefeito, os municípios eram governados
por uma Câmara, ou Intendência, onde um deles era escolhido pelos pares para administrar a
cidade, com mandato de um ano.
58
Resultou daí a eleição de Pinheiro Júnior e Alexandre Calmon, que foram, a seguir,
devidamente diplomados como presidente e vice.
65
Faltava, além disso, a etapa mais importante das eleições na República Velha: o
obrigatório Reconhecimento de Poderes dos eleitos, no caso, prerrogativa do
Congresso Estadual. Conforme determinava a mesma lei nº 1.008, o
Reconhecimento deveria se dar no dia 13 de maio.
Só que, antes desta data, no dia 3 de maio, ainda haveria a eleição do próprio
Congresso Estadual, com o devido prazo dos trinta dias para a apuração de votos e
diplomação dos deputados eleitos, de forma que os novos parlamentares do
Congresso Estadual só estariam habilitados para o Reconhecimento formal dos
eleitos para presidente e vice em 3 de junho. Quem, então, no dia 13 de maio, faria
o Reconhecimento do presidente estadual e seu vice, eleitos em 25 de março,
diplomados em 24 de abril?
Até então, portanto, já havia dois presidentes estaduais eleitos e diplomados, com
seus respectivos vices. A questão agora era como efetivar o Reconhecimento. A
oposição entendeu que os trinta dias previstos para a diplomação dos deputados
estaduais eleitos a 3 de maio era apenas um prazo limite e que a diplomação bem
poderia se dar antes do dia 13, data prevista pela legislação para o Reconhecimento
da eleição do Executivo.
Deste modo, a oposição considerava que os novos deputados tinham competência
legal para o ato. Já a outra facção defendia que os novos deputados eleitos em 3 de
65
Telegrama enviado pela oposição à presidência do Senado Federal, informando sobre a sua
apuração: “Vitória, 25 de abril – Temos honra comunicar V. Ex. foi instalada ontem, acordo
disposições legais, junta apuradora eleição presidencial deste Estado para próximo quatriênio.
Apesar edifício governo municipal achar-se repleto capangas e força polícia, conseguiram membros
junta apuradora realizar ali trabalhos apuração maior ordem presença representantes jornais
cariocas Época, Imparcial, Correio da Manhã, Rua, Tarde, desta capital; Centro, de Santa
Leopoldina; Jornal Notícia, da Bahia. Concluíram hoje duas horas tarde apuração que deu seguinte
resultado: para Presidente do Estado: Pinheiro Júnior, dez mil seiscentos e vinte sete votos;
Bernardino Monteiro, três mil quatrocentos e treze votos; para vice-presidente: coronel Alexandre
Calmon, dez mil quatrocentos e dois votos e Dr. Athayde Júnior, três mil quatrocentos e dois votos.
Junta foi presidida pelo deputado Paulo Mello, qualidade presidente governo municipal Santa
Leopoldina. Funcionaram como membros da Junta presidentes municipais Paulo Mello, Santa
Leopoldina; Mariano Simões, Guarapary; José Castelo, Serra; Firmino Loureiro, Nova Almeida;
Demósthenes Magalhães, Vitória; Francisco Cardoso, Cariacica, Santos Provedel, Alfredo Chaves,
João Moraes, Viana; Seraphim Tiburcio, Afonso Cláudio; Francisco Milagres, Linhares; Antonio
Perine, Santa Tereza; Manoel Laurindo, Santa Cruz; Aguilar Moreira, Cachoeiro de Itapemirim,
Mathunino Evangelista, Muquy; Francisco Alves, Rio Novo. Respeitosas saudações – Senador
Domingos Vicente. – Deputado Paulo Mello. – Deputado Deoclécio Borges. – A Comissão de
Constituição e Diplomacia.”
59
maio somente estariam no pleno gozo de suas funções no Congresso Estadual
depois do trigésimo dia de que falava a lei nº 1.008, ou seja, dia 2 de junho. E que
até lá era o antigo Congresso Estadual quem tinha autoridade legal para o exercício
do Reconhecimento de Poderes dos eleitos.
Assim, logo depois do dia 3, os deputados oposicionistas constituíram uma Junta
Apuradora, escrutinaram os votos atribuídos aos novos deputados estaduais, que na
seqüência foram dados como eleitos e diplomados para, em seguida, procederem ao
Reconhecimento dos próprios poderes e instalarem extraordinariamente o
Congresso Estadual no dia 13 de maio, a fim de promover o reconhecimento da
eleição da chapa Pinheiro Júnior e Alexandre Calmon.
66
A facção monteirista, por
sua vez, esperou o dia 13 para convocar o antigo Congresso Estadual eleito em
1913 e que teve o mandato prorrogado até 2 de junho, e de tal modo encaminhou os
trabalhos para proclamação do Reconhecimento de Poderes de Bernardino Monteiro
e seu vice.
67
Pesou em favor de Bernardino Monteiro a transmissão solene do cargo,
a entrega do palácio e de todo manejo administrativo e militar pelo presidente
Marcondes de Souza, na manhã do dia 23 de maio do mesmo ano.
No entanto, no mesmo dia, também em Vitória, a oposição realizou um ato solene
em honra dos seus eleitos e se deslocou no dia seguinte para Colatina, transferindo
para lá a sede do governo estadual. Para Colatina também seguiram os deputados
estaduais oposicionistas e, naquela vila, da mesma maneira, instalaram a sede do
Congresso Estadual. Pinheiro Júnior logo se afastou do governo, partindo para o Rio
de Janeiro a fim de acompanhar, na capital da República, o pedido de intervenção
federal formulado pela oposição. Assumiu o governo o vice, coronel Alexandre
66
No dia 13 de maio, assinado pelos deputados estaduais ditos da nova legislatura, Joaquim
Guimarães, Flávio Coutinho e Mário Aguirre, membros da Mesa do Congresso Legislativo do
Espírito Santo, seguiu para a presidência do Senado Federal o telegrama informando do
reconhecimento dos poderes do presidente e vice-presidente eleitos, Pinheiro Júnior e Alexandre
Calmon. Num outro telegrama, os deputados federais Paulo Mello e Deoclécio Borges relatam que
o ato de reconhecimento foi aprovado por unanimidade dos 17 deputados estaduais presentes:
Joaquim Guimarães, Flávio Coutinho Pessoa, Mário Aguirre, Joaquim Lyrio, Luiz Américo, Arthur
Velloso, Pena Lima, Celso Calmon, Sacramento Vieira Machado, Idelfonso Miranda, Rocha
Tavares, Ducla Aguiar, José Espínola, Paula Moraes, Arthur Coutinho, Aldano Paiva, Araújo Silva e
Serafim Tibúrcio.
67
A facção monteirista, também no dia 13, envia telegrama ao Senado, dando ciência do
reconhecimento da eleição de Bernardino e Athayde, assinado pelos deputados Geraldo Vianna
(presidente), Virgilio Silva, João de Deus, Schwab Filho, Ubaldo Ramalhete, Barros Júnior,
Henrique Laranja, Porfírio Furtado, Bernardes Sobrinho, José Maire, Marcílio Lacerda, Nestor
Gomes, Etienne Dessaune, César Machado, Francisco Rocha, Felinto Martins, José Cupertino,
Antonio Honório, Manoel Monjardim, Cyrilino Simões e Sebastião Gama.
60
Calmon, que passou a reunir os meios para a resistência, que duraria trinta e três
dias.
Todos os municípios foram polarizados ,e em muitos deles, parte da população
acabou envolvida nas desavenças. Os dois lados passaram a empreender sua ação
da seguinte forma: primeiro, arrebatavam o poder local, com a conseqüente fuga dos
perdedores, ou passavam a exercê-lo em paralelo ao outro agrupamento; depois,
solene e publicamente, proclamavam fidelidade aos líderes que lhes eram
correspondentes no plano estadual; e, a partir daí, telegrafavam aos outros
municípios e ao Rio de Janeiro dando ciência do acontecido.
Pelos telegramas chegados à presidência da República e ao Congresso Nacional,
observa-se que tinham um traço em comum: todos justificavam o procedimento
recorrendo à menção das normas legais. Um lado referia-se sempre a obediência à
legislação de 1913 e o outro à lei da reforma, de outubro de 1915. Uma
característica comum das mensagens de ambas as facções era a denúncia, de parte
a parte, de violentas arbitrariedades praticadas pela corrente adversária.
Tudo isso só fez crescer a agitação e o confronto em todos os municípios,
começando por Vitória - razão pela qual a oposição se deslocou para o interior. Nas
primeiras horas da noite do dia 22 de maio, a capital capixaba foi tomada por intenso
tiroteio. No dia anterior, já circulavam os boatos prevendo enfrentamento envolvendo
policiais e jagunços dos dois lados. Às oito horas da noite, a energia elétrica e a
comunicação telegráfica de Vitória foram cortadas. Os adversários se acusavam
pelo atentado e pela fuzilaria que se seguiu tão logo uma pequena multidão, reunida
defronte ao Hotel Internacional,
68
no centro da cidade, começou a saudar a
investidura de Pinheiro Júnior e Alexandre Calmon como presidente e vice do
Espírito Santo.
Ambos estavam no interior do hotel, junto com os novos deputados, preparando
para o dia seguinte um ato político, revestido de alguma grandeza, a fim de
contrastá-lo com o evento protocolar de entrega do palácio governamental aos
adversários, na Cidade Alta, na mesma hora. A presença de Pinheiro Júnior em
Vitória devia-se à insistência dele mesmo, porque no dia 20 o capitão do Porto,
68
O antigo Hotel Internacional ficava na antiga rua do Comércio (atualmente avenida Florentino
Avidos), próximo ao velho Porto dos Padres, com os fundos para o início da Avenida República
pelo lado direito. Podia ser avistado a partir do palácio presidencial, a cerca de duzentos metros
dali.
61
Reginaldo Teixeira, tinha telegrafado ao deputado Paulo de Mello considerando o
seu comparecimento uma temeridade, “face numerosa força às ordens do governo
do Estado que, como o amigo sabe chegará ao último extremo para conseguir seus
fins.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 11.7.1916, p. 757). O capitão da
Marinha chegou a negociar com as autoridades estaduais o desembarque de
Pinheiro Júnior no porto de Vitória, para que ele pudesse chegar ao evento no hotel.
Este oficial era mantido informado sobre os acontecimentos pelos jornalistas Luiz
Adolpho Thiers Velloso
69
e Arthur Cardoso Aguirre. Dias antes, os dois tiveram suas
respectivas residências atacadas pela Polícia, razão pela qual passaram a ficar mais
escondidos, buscando contato regular com a autoridade federal.
Com o tiroteio na porta do hotel, a multidão dispersou, porém, os líderes
oposicionistas terminaram por passar a noite no recinto, porque nas ruas os disparos
durariam por toda a madrugada. Perto dali, o edifício onde se localizava o
oposicionista jornal A Tarde foi cercado pela Polícia e “espingardeado”, conforme
telegrama depois enviado ao presidente da República e à presidência do Congresso
Nacional, descrevendo a noite de “terror.” A Polícia invadiu o cômodo onde ficava a
oficina do jornal, para empastelá-lo.
No dia 24, já com muitas lideranças da oposição fora de Vitória, a repressão
recrudesceu na capital. O jornal foi mantido sob o cerco até que a Polícia, alegando
que dentro do prédio havia armas, proibiu a entrada e saída de pessoas. Nem
alimentos os redatores confinados no seu interior puderam receber. Os policiais, por
fim, invadiram a redação e, então, prenderam o capitão Therêncio Rosa, diretor-
gerente do jornal. Este mesmo capitão, desde o dia anterior, havia pedido um
habeas corpus ao Juízo Federal do Vitória e aguardava o despacho da medida para
deixar o imóvel em segurança. Do lado de fora do prédio do vespertino, as pessoas
se aglomeraram, para tentar constranger a ação policial. O deputado federal Paulo
de Mello, a salvo dentro da sede dos Correios (TATAGIBA, 2005, p.24),
70
que
estava guardada por cinqüenta soldados do Exército enviados na semana anterior
69
Thiers Velloso, baiano, advogado, escritor e jornalista fundaria, em 1928, o Jornal A Gazeta, que
muitos anos mais tarde passaria ao controle dos descendentes da família Souza Monteiro.
70
A Agência dos Correios também ficava na Avenida República, a poucos metros do Hotel
Internacional, o que indica que a sede do jornal era nas vizinhanças. A informação sobre o
endereço dos Correios é de José Tatagiba (2005, p. 24).
62
pelo presidente Wenceslau Brás, pôde testemunhar, através da janela, a cena da
invasão. Ele contou o que viu num telegrama que enviou ao Congresso Nacional.
71
A imprensa ficou monopolizada nas mãos do governo.
No dia 23 o jornal governista A Ordem provocava, na primeira página, pretendendo
indagar:
Para que insiste o Sr. Pinheiro Júnior em pôr em seu respeitável nome um
epíteto zombeteiro, o de presidente de bobagem? Deixe-se disso. Volte a
seus quietos propósitos de estudo e medicação, abandone os maus amigos
que o cercam: não vá atrás de cantigas nem de palavras, convença-se de
que no palácio presidencial de Vitória S.S. não tomará assento. É
presidente do Estado o Sr. Dr. Pinheiro Júnior, e quem tem palácio, dinheiro
e forças, três elementos de que dispõe o Senador Bernardino (sic).
Antes de partir para Colatina, Pinheiro Júnior telegrafaria para o presidente da
República relatando o ocorrido e concluindo:
(...) esta lamentável situação exclusivamente criada pelos amigos do
governo [Marcondes de Souza], cujo mandato hoje findou, para se poderem
perpetuar no domínio do Estado, contra a livre vontade do povo espírito-
santense, encontra, entretanto, remédio indispensável na Constituição
[federal] de 24 de fevereiro de 1891, quando confere ao chefe do Executivo
Nacional, ao Governo Federal, enfim, o poder de intervir nos Estados para
normalizar situações como esta a que venho aludir.
Estava desencadeado o pedido de intervenção no Espírito Santo. O deputado
federal Paulo Mello, sentindo-se ameaçado, enviou telegrama para o presidente da
Câmara dos Deputados narrando que as pessoas, em Vitória, estavam sendo
revistadas pela Polícia quando saíam às ruas; grupos de policiais faziam ronda com
carabinas e que ele mesmo se achava “sem garantias de vida” se saísse da sede
dos Correios. O deputado federal Deoclecio Borges só foi retirado do hotel com a
ajuda do capitão Reginaldo Teixeira. De lá, foi levado rapidamente com a família ao
abrigo da Escola de Aprendizes de Marinheiro, na cidade do Espírito Santo (hoje
71
Telegrama do deputado Paulo de Mello: “Acabo de assistir do edifício do Telegrapho
arrombamento da porta entrada da Tarde, meio mais de cem pessoas que admiram este acto de
verdadeira tyrannia. Desde hontem que homens estavam lá foram retirados pretexto arrombamento
ter armas já corre Juízo Federal pedido habeas-corpus favor redatores que não podiam entrar no
edifício.”
63
Vila Velha). Naquela unidade militar federal ele ficou sob a proteção do comandante
Aguirre. O deputado não podia voltar para sua casa porque, na noite anterior, ela
fora metralhada. Outros oposicionistas tiveram que se esconder em casas de
militares amigos.
72
Sobre a agitação havida na noite anterior, Bernardino Monteiro também externaria
sua versão, culpando a oposição. Em telegrama que enviou ao presidente
Wenceslau, ele descreveu que “depois de interromperem a iluminação elétrica da
capital, dinamitando torres de fios condutores de energia, atacaram subitamente e a
um tempo todos os edifícios públicos, servindo-se para esse fim de armas de guerra
manejadas por grande número de desordeiros, cautelosamente emboscados.”
No dia 26, Bernardino Monteiro voltou a telegrafar para o presidente da República,
desta vez para proclamar a sua lealdade ao governo federal, recordando que no
rumoroso período que decorreu da apresentação da sua candidatura evitou dar
entrevistas sobre o veto que lhe foi imposto pelo próprio Wenceslau Brás, pois não
pretendeu ser “veículo de comentários estéreis, inconvenientes e impatrióticos.”
Concluiu prometendo que, daí em diante, estaria “envidando todos os esforços para
que a situação econômica, financeira e política do Espírito Santo nenhum desgosto
ocasione” ao presidente da República.
As lutas pelo controle do poder local nos municípios, vilas e distritos se acirraram a
partir da posse dos dois presidentes estaduais e se estenderam até o inicio de
agosto. O governo do presidente Bernardino Monteiro enviou forças militares para
Alegre, Itapemirim, Afonso Cláudio, Santa Leopoldina, Santa Tereza e Pau Gigante.
É que, nestes municípios, a luta ficou mais exacerbada. Em outros, as próprias
forças policiais locais foram suficientes para conter a oposição.
Em Alfredo Chaves, a oposição estava no poder local. Mas a facção monteirista, em
23 de maio, reuniu-se numa residência particular para dar posse ao o prefeito Pinto
Júnior, junto com os vereadores Casotti Piovesan, F. Togneri, Guardia Bertoldi e
Colombo Guardia. No edifício do governo municipal de Alfredo Chaves, entretanto,
quem estava assumindo eram os vereadores Antonio Cardoso da Silva, Santo
72
Ilustrando esta alternativa de proteção, foi lido na Câmara um telegrama enviado de Vitória:
“Cidade anarchizada. Durante toda noite formidável tiroteio ruas, ficando cidade escuras. Todos nós
ameaçados morte. “Tarde” diversas casas cercadas polícia, numerosas prisões. Capangas governo
carabinas hombros percorrem ruas catando opposicionistas. Peço providencias garantir vida própria
família. Estamos refugiados casa coronel Almeida. Impossível sahir rua. Responda.- Cláudio.”
64
Provedel, Antonio Gava, Pasinato Guiseppe e Olympio Rangel. O prefeito deste
grupo, Guido Wat Doëllinger, foi anunciado no dia 25.
No Município de Serra, reduto oposicionista, liderado pelo deputado Torquato
Moreira, Marcondes de Souza se antecipou, destituindo o juiz Distrital. Dos sete
membros do Conselho Municipal, cinco eram da oposição, que obteve ainda a
adesão do coronel Antonio Madruga, quando ele abandonou a facção monteirista
em razão da amizade pessoal com o deputado Deoclécio Borges. Os dois lados
entraram em conflito, elegendo duplicatas de prefeitos e vereadores - além de juizes
distritais. No dia 24, na residência do vice-presidente da Câmara, José Castello,
tomaram posse os vereadores. Na presidência ficou o major Cipriano Pereira Silva e,
na vice-presidência, Manoel Rocha Pimentel. Os demais eleitos foram João Miranda,
Manoel Sobrinho, João Vieira, Manoel Ignácio, João Costa e José Castello. Porém,
dois dias depois, as forças do governo reagiram. No principal edifício público de
Serra foi realizado um outro ato dando posse a um outro presidente da Câmara
Municipal, Francisco Nunes da Fraga, e aos vereadores João Miguel, Izael Fraga,
Nichea Monarayas, Zacarias Miranda, Manoel Miranda e o Padre Luiz Cláudio. À
frente da prefeitura ficou Fraga Ramos. O delegado de Polícia, Ubaldo Nascimento,
foi destacado para acompanhar os trabalhos e garantir a posse de todos.
Em alguns municípios, a tomada do poder local não precisou acontecer, como em
Anchieta e Colatina, onde as forças ligadas a Pinheiro Júnior e Alexandre Calmon
detinham total controle. Em Anchieta, o prefeito era o coronel Francisco Erontino
Tavares e a Câmara Municipal era presidida pelo oposicionista por Alcides Costa.
Os demais vereadores estavam na mesma corrente: Benedito Nunes, Lafayette
Ramos, Francisco Correia e Juvêncio Vianna. Mas, no dia 24 de junho, haveria
“manifestação acintosa, seguida de tiros de revólveres e gritos de morra a oposição,
no centro da cidade”, por causa de um boato dando conta que o monteirismo lograra
reconhecimento na Câmara dos Deputados. No processo de revanche, tentaram
matar o prefeito, conforme acusação formulada por Marcelino Vasco, Lindner Barros,
Alberico Carneiro e Álvaro Rocha.
73
73
Estes quatro oposicionistas assinaram um telegrama enviado à Câmara Federal, denunciando o
atentado.
65
Em Colatina, sede do município de Linhares, o presidente da Câmara era o próprio
Alexandre Calmon. Seu vice era Ângelo Giuberti.
74
O prefeito municipal era o primo
de Xandoca, Augusto Pedrinha Du Pin Calmon.
75
Em São Mateus, onde Alexandre Calmon morou e lecionou,
76
as forças políticas
locais ficaram ao seu lado: o prefeito Jayme Andrade, o presidente da Câmara
Municipal, Antonio Carvalho Campos, e os vereadores Cosme Motta e Bento
Silvares de Souza. Também em Barra de São Mateus (hoje Conceição da Barra), o
prefeito local, Brasil Vasconcellos, alinhava-se com o coronel Xandoca. Somou-se
ainda o apoio do presidente da Câmara Municipal, Lourenço Bernardo Vieira, e dos
vereadores Menegundes Machado, Manoel Vasconcelos, Belarmino Bento Ferreira,
Aprígio Senna, José Pereira e Alexandrino Sebastião Fonseca.
2.4 A DISPUTA ARMADA
Na importante Vila do Alegre, o conflito começou logo depois da eleição de 25 de
março, para a Intendência Municipal (Prefeitura). O resultado, apurado pelas forças
governistas, foi favorável a Júlio Gomes da Fonseca. Mas, no dia 14 de abril, o
oposicionista Francisco de Sales Amorim reuniu homens armados e tomou o poder,
instalando uma Junta Governativa Revolucionária. (BRAVO, 1998, p. 54). As forças
ligadas ao monteirismo abandonaram a cidade. O jornal O Alegrense,
77
porta-voz da
facção situacionista, parou de circular no dia 16 de abril, só voltando à normalidade
em 4 de junho. Em editorial, neste dia, justificou a interrupção explicando que seu
“diretor-gerente foi forçado a refugiar-se pelas fazendas vizinhas e bem assim as
demais pessoas fiéis ao governo constituído, durante a incursão e permanência dos
cangaceiros nesta vila em serviço da oposição.”
A fuga em massa dos seus aliados causou grande preocupação ao presidente
Marcondes de Souza. A vila era a base política do deputado estadual monteirista
74
Pai do futuro prefeito de Colatina, vice-governador e senador do Espírito Santo, Raul Giuberti.
75
Pai do futuro senador capixaba, João de Medeiros Calmon.
76
É desta época o apelido de “professor Xandoca”, depois agregado também ao “coronel Xandoca.”
77
Este jornal fora adquirido pelo governo municipal em 3 de maio de 1913, por dois contos de réis, e
servia às forças monteiristas.
66
Marcílio Teixeira de Lacerda.
78
Além disso, a oposição local era uma força
tradicional e existia desde o governo de Jerônimo Monteiro. Em 2 de janeiro de
1911, Jerônimo Monteiro teve que enviar à Vila do Alegre uma força policial para
invadir a Câmara Municipal e depor Pedro Augusto Charpinel, que havia vencido as
eleições de 26 de dezembro de 1910. No lugar deste e cumprindo ordens do
governo, o comandante da força, alferes Otávio Antunes, impôs no cargo Sebastião
Monteiro da Gama, o Tatão Gama, que havia sido derrotado na eleição na semana
anterior. O militar aproveitou para afastar do legislativo todos os vereadores da
oposição. (AMORIM, 1981).
79
Marcondes de Souza, então, novamente recorre à força contra a oposição da Vila do
Alegre, com cinqüenta soldados, sob o comando do tenente Anthero Alfenas Lopes.
A tropa chegou no dia 13 de maio, dia em que os dois congressos estaduais
promoviam, em Vitória, o Reconhecimento de Poderes dos seus respectivos
presidentes eleitos. Porém, a vila estava sob o controle da oposição, que se
entrincheirara nos prédios públicos municipais e federais. O tenente, quase sem
opção para alojar e posicionar os soldados, decide invadir a igreja da Freguesia de
Nossa Senhora da Penha do Alegre, localizada estrategicamente na parte mais alta
do centro da vila. Até o dia 27 de junho, não haveria ali nenhuma atividade religiosa.
A igreja foi transformada em quartel das forças monteiristas. O pároco, José
Benjamin Cerqueira,
80
denunciaria por escrito o abuso ao vigário geral diocesano,
monsenhor Francisco Pimenta. A presença dos militares dentro da igreja provocou
um ambiente de hostilidade junto à população local. Os dois lados entraram em
confronto armado por diversas vezes, ao longo dos 45 dias em que a oposição
manteve-se no poder na Vila do Alegre.
78
O deputado seria eleito, naquele ano, presidente do Congresso Estadual, função de extrema
confiança para o governo de Bernardino Monteiro. Seria depois eleito senador (1918-1923) pelo
Espírito Santo.
79
AMORIM, Joaquim Pires. Jornal Mensagem, edição de 31 de março de 1981, sob o título Páginas
do Passado. Alegre. ES
80
“Deram-se vários acontecimentos políticos a ponto de a oposição tomar a Intendência Municipal,
desarmando a Polícia que a defendia e depôs as autoridades locais. Em virtude disto o governante
do Estado mandou para esta villa uma força de 50 soldados de polícia que invadiu a igreja,
cessando, por este motivo, o culto e lá estiveram até 27 de junho de 1916. Quando a força chegou
ao Alegre em 13 de maio de 1916, o comandante desta força, Anthero Alfenas Lopes, dirigiu-se ao
vigário e pediu licença e o vigário concedeu e acompanhou o mesmo tenente, depois pediu para lá
ficar uma guarda à porta, o que atendeu também o vigário, mas ele depois, abusivamente, fez da
igreja quartel cometendo a referida força vários desacatos.” Livro do Tombo da Matriz de Nossa
Senhora da Penha do Alegre).
67
Depois de muitos combates, a situação começou a inclinar em favor da oligarquia
monteirista. A oposição, menos confiante no sucesso final da sua ação em escala
estadual, teve que deixar a vila no dia 23 de maio. Providenciou um trem que a levou
para a cidade mineira mais próxima, Carangola. Junto com os líderes, seguiram
centenas de famílias. No mesmo dia, Júlio Gomes tomava posse como prefeito
municipal, sob a proteção da força da Polícia Militar, que permaneceu na Vila do
Alegre. O prefeito não ficaria nem um ano no mandato, renunciando em 1917.
Tampouco o tenente Anthero Lopes pôde finalizar o trabalho de repressão, porque
morreu no dia 30 de junho, de hidrofobia. Fora mordido por um cão raivoso e ficara
vários dias sem o devido socorro, porque a confusão alterara totalmente a rotina da
vila e a deixara sem médicos (BRAVO, 1998)
81
e assistência. Alegre ficou, inclusive,
com grandes dificuldades no serviço de transporte ferroviário. O periódico governista
O Alegrense chegou a noticiar a ida para o Rio de Janeiro do “brioso oficial da nossa
milícia” quando ele finalmente conseguiu pegar o trem, em 15 de junho.
Quanto ao padre José Benjamin Cerqueira, que ficara ao lado da oposição, foi
imediatamente substituído. O monsenhor Francisco Pimenta nomeou para seu lugar,
ainda no dia 28 de julho, o vigário João Alberto Deleyose, que antes atuava em
Córrego do Veado (Guaçuí). Sua posse, em 2 de agosto, contou com a presença do
padre José Liovesi, enviado pelo bispado estadual, com a missão de resgatar o
prestígio da Igreja, abalado com a remoção do José Benjamin Cerqueira para
Estrela do Sul, em Minas Gerais.
Base política tanto de Bernardino Monteiro como de Pinheiro Júnior, em Cachoeiro
de Itapemirim não houve mudança na correlação de forças, apesar da tensão e da
violência. Os dois lados mantinham-se consolidados nas suas posições. Na eleição
do dia 25 de março produziram-se duplicatas de prefeito e vereadores. No entanto,
forças do monteirismo, temendo que na cidade se repetisse o que acontecera em
Alegre, reprimiram duramente as manifestações da oposição, inclusive em praça
pública.
82
Isso não impediu, no entanto, que Luiz Pinheiro, eleito pela oposição como
81
Conforme Carlos Magno Rodrigues Bravo, desde 1914 Alegre contava com pelos menos dois
médicos (José Augusto de Carvalho Gama e Vicente de Paula e Silva) e um acadêmico (Augusto
Barros Júnior) que atuaram no combate a um surto de varíola naquele ano. (BRAVO, 1998).
82
Telegrama, assinado por Alziro Vianna, Fernando Abreu, Teixeira Mesquita e Anacleto Ramos -
destinado ao presidente da República – denunciava no dia 16 de junho: “Levo ao conhecimento de
V. Ex. que a polícia acaba de atacar o povo inerte, na praça pública, fazendo muitas vítimas. A
cidade está entregue aos jagunços que, comandados por oficiais de polícia, atiram contra amigos
do Dr. Pinheiro Júnior. Pedimos a V. Ex. imediatas providencias. A situação é de terror.”
68
presidente da Câmara Municipal, tomasse o prédio do legislativo. Reuniu os
vereadores, em sessão permanente, e telegrafou para a Câmara dos Deputados
assegurando que a Casa, em sessão solene “unanimemente aprovou moção de
franco apoio ao governo legal de Pinheiro Júnior”, no dia 25 de maio. Nas ruas de
Cachoeiro de Itapemirim, a violência se espalhou e durou quase um mês. Os
comerciantes, nacionais e estrangeiros,
83
fecharam as portas no dia 17 de junho em
razão dos “tiros e fuzilaria, existindo civis mortos e vários feridos”. Pediram
providências ao governo federal contra a ação das forças policiais estaduais, que
eram auxiliadas por jagunços.
No município de Itapemirim, o prefeito Ângelo Brighente exprimiu adesão a Pinheiro
Júnior, numa sessão solene realizada na Câmara Municipal, sob a presidência do
vereador Waldemiro Alves. Estavam presentes os vereadores Arsênio Evangelista
de Jesus, Joaquim Ferreira Borges, Franklin Gomes Moreira e Ormindo de Freitas
Mello. Entrementes, em Itapemirim, também houve mortos e feridos, porque o
município não contava com qualquer estrutura federal de proteção aos
oposicionistas.
Guarapari era reduto da oposição e, também lá, aconteceram manifestações
favoráveis à oposição por parte do prefeito, Mariano Simões, e dos vereadores
Rodrigo Oliveira (presidente), Custódio Gonçalves, Ataliba Reis, Joaquim Arantes,
Arlindo Alcântara e Manoel Alves. Só que, em agosto, quando a facção de
Bernardino Monteiro já estava no completo controle da situação, as perseguições
começaram. A residência do deputado Deoclécio Borges foi, então, invadida por
jagunços, que arrancaram as torneiras e todo o sistema de encanamento, a fim de
que os empregados do deputado não se servissem de água. No início daquele mês,
inclusive, o capitão Antonio Ferreira - primeiro suplente de juiz federal - ligado a
Deoclécio Borges, fugira com a família para Benevente. Em fuga da polícia, também
abandonou Guarapari o capitão Sizenando Fernandes Martins. Na seqüência das
intimidações, até mesmo uma fonte aquática em praça pública, construída em
homenagem ao deputado por ter ele instalado na cidade a rede de água, foi
destruída.
83
João de Deus Madureira, Alfredo Lima Filho, Sattuff, Gil Moreira, Ataliba Almeida, José Fernandes
de Souza, Olympio Pereira, Milton Pinheiro Alves, Luiz Silva Pinheiro e Estanislau Pires Braga.
69
Também em Santa Tereza, os oposicionistas assumiram o controle, sob o comando
do prefeito Orlando da Silva Rosa Bomfim
84
e do seu vice, Miguel Piziolo. Da mesma
forma, em Piúma, a situação local apoiava a eleição de Pinheiro Júnior e Alexandre
Calmon. O prefeito era Trajano Bourguignon Vianna e os vereadores na mesma
linha eram Camillo Pires Martins, Luiz Paulino Baptista, Joaquim Seraphim Anjos,
João Gomes Portela e Alexandrino Antonio Cardoso.
O prefeito de São José do Calçado, Horácio Lobo, e os vereadores Alcebíades José
Gomes, Manoel Joaquim Bento, Samuel Marçal da Silva, Manoel Baptista de Moraes
e Virgílio Rosa Vieira, igualmente disseram-se solidários com a chapa oposicionista.
Em Pau Gigante houve conflito, porque a corrente oposicionista elegeu seus
vereadores, mas não pode assumir “devido à grande força do governo embalada
para impedir a posse.” Ficaram ao lado da oposição estadual os vereadores
Sarcinelli Antonio, Olindo Garcia, Vescovi Giuseppe e Gocólito Modesto.
85
Os oposicionistas contaram com o apoio, ainda, do prefeito de Rio Novo, Nestor
Athayde, e dos vereadores Joaquim Alves Abessalli e Osório Martins José Real.
Além disso, em Rio Pardo (hoje região de Irupi, Ibatiba e Iúna) também fizeram atos
em favor da oposição o prefeito, João Faria Bicalho, e os vereadores Francisco
Tristão Costa Soares, Alfredo Baptista Araújo, Antonio Pereira da Silva, Joaquim
Gomes Ferreira e Francisco Gonçalves Andrade. Em Viana, base política do
senador Domingos Vicente desde o tempo do Império, o povo, o próprio prefeito -
José Modenesi - e o presidente da Câmara Municipal, Silvio Moneglia, estavam ao
lado de Pinheiro Júnior.
Os conflitos mais violentos se deram em Afonso Cláudio, Vila de Colatina, Boa
Família e Alto Guandu - parte desta região compreende atualmente Itaguaçú,
Laranja da Terra e Itarana. Em Afonso Cláudio foram registradas pelo menos vinte e
duas mortes, inclusive a de um deputado do novo Congresso Estadual. Quando a
luta desencadeou, o poder municipal foi logo controlado pela oposição, sob o
comando do presidente da Câmara, coronel Seraphim Tibúrcio da Costa, no dia 23
84
Pai do advogado trabalhista e líder comunista, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em
Minas Gerais, Orlando Bomfim Júnior.
85
Telegrama transmitido do aparelho da estação ferroviária de Lauro Müller (atualmente Ibiraçu), dia
25 de maio. O que indica também algum controle da oposição sobre a estratégica ferrovia Vitória a
Minas. Marcondes de Souza radicalizou na intervenção no distrito de Acióli, a poucos quilômetros
dali, tendo em vista impedir que a oposição se apossasse por completo da estrada de ferro, que era
a principal ligação com Colatina.
70
de maio. Muitos adversários tiveram que abandonar a cidade. Mas Afonso Cláudio
era o alicerce político de um importante quadro da oligarquia Monteiro. Tratava-se do
coronel Ramiro de Barros Conceição, que em 1902 disputara, pelo Partido da
Lavoura - criado por Jerônimo Monteiro -, a presidência estadual contra Moniz
Freire.
O coronel Ramiro Conceição não estava em Afonso Cláudio por ocasião dos
conflitos, pois se achava em missão no exterior. (SOUZA, 1993).
86
O controle da
cidade só mudaria de mãos quando o coronel Seraphim Tibúrcio batesse em
retirada, com seus homens, no dia 25. É que, neste dia estava chegando a Afonso
Cláudio um numeroso contingente da Polícia Militar, comandado pelo temido capitão
Ramiro Martins, tio do presidente Bernardino Monteiro e de Jerônimo Monteiro.
O coronel Seraphim Tibúrcio da Costa se protegeu com suas forças em sua fazenda,
na região. Mas, mesmo lá, foi atacado pelas forças da Polícia Militar, que foram ao
seu encalço no dia 27. O enfrentamento armado havido na sede do município e,
depois, na fazenda do coronel, resultou na maioria das mortes, conforme informação
levada à Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro. O capitão Ramiro Martins,
contudo, não contava com a chegada de reforços da oposição, sob o comando do
coronel e deputado eleito para o novo Congresso Estadual, Antonio Martinho
Barbosa. Este fora enviado em auxílio do coronel Seraphim Tibúrcio da Costa, por
ordem do coronel Alexandre Calmon. O capitão Ramiro Martins, então, recuou e
voltou para Afonso Cláudio para se organizar e informar ao governo sobre as
dificuldades encontradas. Enquanto isso, seus soldados executaram várias prisões
dos adversários, entre eles dois líderes oposicionistas, Francisco Vasconcellos e
João Frizzera, que foram barbaramente espancados.
Bernardino Monteiro começou a perceber, àquela altura, que o enfrentamento com a
oposição passaria a exigir mais força e, por isto, enviou para Afonso Cláudio quase
todo o contingente da Política Militar do Espírito Santo. Lá, seu tio ainda tratava de
86
Republicano histórico, o coronel foi amigo de Afonso Cláudio de Freitas Rosa que, quando
presidente estadual, apoiara a emancipação de Alto Guandu. Nas disposições transitórias da
Constituição de 1892, o lugar recebeu a denominação que conserva até hoje. O coronel Ramiro
Conceição havia sido diretor de Finanças (secretário de Fazenda) na administração de Jerônimo
Monteiro e, de 1916 a 1918, foi negociador, em Paris, da dívida estadual junto aos credores
internacionais por delegação do presidente Marcondes de Souza. Só voltaria ao Espírito Santo no
governo de Bernardino Monteiro para assumir outro cargo de confiança na área fazendária. Stella
Hadad de Souza. Buscando a tradição de um povo (A história de Afonso Cláudio). Vitória. 1993.
Acervo da Biblioteca da Ufes.
71
recrutar toda a capangada disponível, conseguindo juntar cerca de 160 jagunços,
pagos a $5 (cinco réis) e a $10 (dez réis) a diária
87
. Eles atuariam como força
auxiliar da Polícia. Estava claro que o sucesso da empreitada militar do governo
passava antes pela derrota do coronel Martinho Barbosa. Só depois é que teriam
aberto o caminho para entrar em Colatina, onde estava a sede do governo
oposicionista.
O capitão Ramiro Martins, finalmente, recebeu ordem para atacar Boa Família, onde
estava concentrada a milícia do coronel Martinho Barbosa, chefe político do lugar.
De Boa Família, o capitão Ramiro Martins pretendia seguir direto para Colatina. Na
iminência do confronto, um telegrama é imediatamente enviado ao Rio de Janeiro.
Era o presidente da Câmara Municipal de Boa Família, Lucas Câmara, avisando as
autoridades federais que o coronel Alexandre Calmon, sabendo do plano de ataque
do governo, tratou de enviar um forte contingente armado na direção de Boa Família
para o “encontro com o inimigo” e que a oposição responsabilizaria “o Dr. Bernardino
Monteiro pelo já inevitável derramamento de sangue.” (ANAIS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, Volume III, Sessão de 22.06.1916, p. 164).
Bernardino Monteiro reage, negando a intenção de atacar Colatina. Alega que o
movimento das suas tropas tinha caráter defensivo e que, por isto, pretendia
“permanecer nesse propósito” até que fosse “solucionada a Indicação submetida à
apreciação do Congresso nacional.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS,
1916, Volume III, Sessão de 30.06.1916, p. 246). Ou seja, Bernardino se
compromete com o presidente do Senado Federal a não atacar Colatina até que sua
eleição para presidente estadual fosse colocada fora de dúvida pelo Congresso
Nacional, com a votação dos pareceres que ainda eram debatidos na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara Federal e na Comissão de Justiça e Diplomação
do Senado Federal.
87
Parte dos contratados era de criminosos sentenciados por assassinatos, os quais eram perdoados
e soltos sob a condição de ajudar a Polícia. Um deles era Manoel Joaquim da Costa, de Rio Pardo,
condenado a 29 anos e nove meses de prisão, em 1913. Outro era Manoel Pereira dos Santos,
condenado a uma pena de 30 anos em abril de 1912, na Comarca de Guandu. Muitos jagunços
foram recrutados em Minas Gerais, pelo coletor estadual, Francisco Monteiro, que fechou a
Coletoria Estadual de Alegre e foi a Carangola contratar pistoleiros mineiros a cinco réis. A escolha
do coletor para o trabalho levou a oposição a denunciar o uso do dinheiro público na contratação
dos jagunços. Um outro aliciador de capangas da oligarquia era Francisco Assis, também
denunciado em pronunciamento na Câmara Federal. (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, em
diversos pronunciamentos, de maio a julho de 1916), denunciando os métodos da oligarquia para
reunir forças paramilitares.
72
O capitão Ramiro Martins retorna à capital com parte da tropa, não sem antes haver
instalado no poder as forças monteiristas de Afonso Cláudio. Na ausência do coronel
Ramiro Barrros Conceição, o município ficou aos cuidados dos coronéis José
Giestas e José Cupertino de Almeida, este deputado estadual. Em Vitória, Ramiro
Martins seria recebido com pompas de herói pelo sobrinho, presidente estadual.
Em Vitória, no dia 26 de junho, Bernardino Monteiro já tinha procurado o
comerciante Antonio Calmon,
88
irmão de Alexandre Calmon. Pediu que ele fosse a
Colatina transmitir transmitir ao Coronel Xandoca a mensagem de que o governo
oferecia “todas as garantias que julgasse necessárias para a completa segurança de
sua pessoa e família e propriedade.” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS,
1916, Volume III, Sessão de 30.06.1916, p. 247). Outro esforço no sentido de obter
a rendição pacífica de Alexandre Calmon foi feito pelo deputado estadual Manoel
Silvino Monjardim, que estava ligado à corrente de Bernardino Monteiro, mas que
ainda mantinha com o coronel boas relações desde quando trabalharam juntos na
construção da ferrovia Vitória a Minas. (ALMEIDA, 1978).
89
Manoel Monjardim seria
depois deputado federal por duas vezes (1918-1920 e 1921-1923) e senador (1924-
1930).
Mas a expectativa do coronel Xandoca estava voltada para a chegada de armas e
munições que os revoltosos encomendaram no Rio de Janeiro. Elas viriam em
embarcações controladas pelos funcionários da Capitania dos Portos e da
Alfândega, saindo do Rio de Janeiro com destino a Regência, na foz do Rio Doce, e
dali subiria até Colatina. Pinheiro Júnior estava na capital federal desde o final de
maio, para as articulações políticas visando a intervenção e, certamente, lá,
acompanhava esta demanda. O intermediário para a aquisição das armas era o
futuro estelionatário das cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes, Oldemar
88
Antonio Calmon era sócio-proprietário da primeira padaria com forno elétrico de Vitória e era
fornecedor de pães ao Quartel da Polícia Militar. Segundo Serafim Derenzi (Caminhos Percorridos.
1974) a “Padaria Elétrica, de Neves & Cia.”, ficava localizada na antiga Rua Misael Pena,
atualmente Rua João Santos Neves, onde estava a escadaria da Santa Casa de Misericórdia.
Durante o conflito teve seu contrato rompido pelo governo. O outro sócio da padaria era o cunhado
de Antonio Calmon, o professor João dos Santos Neves, pai do futuro interventor e depois
governador do Espírito Santo, Jones dos Santos Neves.
89
O coronel Xandoca foi representante da empresa Sá & Carvalho, que fornecia víveres e
equipamentos para a construção da estrada de ferro, oportunidade em que trocou a sede de
Linhares pela Vila de Colatina, então mais próspera por causa da ferrovia. Em várias passagens do
livro O Desbravamento das selvas do Rio Doce (1978), o engenheiro Ceciliano Abel de Almeida faz
referências ao trabalho do coronel naquela época. Já Manoel Monjardim era o médico que assistia
os trabalhadores contratados para a realização da obra.
73
Lacerda, na época amigo pessoal do ministro da Guerra, general-de-divisão José
Caetano de Faria Albuquerque, com quem era visto com freqüência dentro do
automóvel oficial. (ANAIS DA CÂMARA FEDERAL, Volume IV, Sessão de
07.07.1916, p. 496).
Oldemar era uma espécie de lobista e estava sendo processado no Supremo
Tribunal Federal, acusado de contrabando na Alfândega do Rio de Janeiro.
Pretendendo os seus serviços estavam também revoltosos de Mato Grosso, que
desejavam derrubar, pelas armas, o governo local. Além de revólveres, fuzis da
marca Mauser e munição, o contrabandista deveria fornecer aos oposicionistas do
Espírito Santo uma metralhadora, e esta só havia no depósito do Ministério da
Guerra. Nenhum parlamentar da oposição negou a pretensão da compra de armas.
Ao contrário, o senador João Luís Alves explicou que os homens contratados
constituíam uma força
(...) organizada, de polícia, criada por Pinheiro Júnior, cuja manutenção era
feita pelos recursos de que podia dispor o governo por ele organizado; que
esses homens eram pagos pelos chefes da oposição espírito-santense, no
intuito de, oportunamente, logo que a situação se regularizasse, serem
devidamente pagos pelos cofres estaduais. (ANAIS DO SENADO
FEDERAL, Volume II, Sessão de 08.06.1916, p. 80).
No dia combinado, de fato, chegaram a Colatina muitas caixas; mas, dentro delas
elas só havia pedaços de madeira, tijolos e areia. A fraude foi muito comentada na
capital da República e o ministro Caetano de Albuquerque se manifestou, negando
que qualquer armamento tivesse saído das instalações do Exército. A frustrada
tentativa de adquirir armamento para sustentar a luta armada abateria, de forma
definitiva, os revoltosos capixabas.
2.5 PERSEGUIÇÃO E DESTERRO
Enquanto aguardava o desfecho no Congresso Nacional, Bernardino Monteiro
investia na tática da persuasão, que se lhe apresentava como razoável nas
circunstâncias. Na primeira semana de julho, já haviam retornado de Colatina para
74
Vitória três deputados estaduais do novo Congresso estadual: Mário Aguirre, Flávio
Pessoa e Joaquim Thevenard. O governo deu logo ampla publicidade ao fato e foi
além: no dia primeiro de julho, o jornal monteirista Diário da Manhã publicou nota,
assinada pelo chefe de polícia, Carlos Xavier Paes Barreto, pedindo “a todas as
famílias governistas ou oposicionistas e aos respectivos chefes” que voltassem “com
toda liberdade e confiança aos seus lares e afazeres.”
A nota, evidentemente, advertia que o governo estava suficientemente “preparado
para reprimir toda e qualquer desordem em qualquer canto do território do Estado,”
mas também entendia que “os transviados por maus conselheiros em um momento
de irreflexão, ouvindo as suas consciências, tratam de abandonar o caminho errado
em que iam.” Era um apelo, mas no sentido da obtenção da capitulação dos
adversários. Uma conduta que produzia resultados no Espírito Santo e poderia
ganhar repercussão no Rio de Janeiro, neutralizando o discurso oposicionista
denunciando violentas perseguições.
Instruído pelo próprio Bernardino Monteiro, o chefe de Polícia seguiu para o Sul do
estado para passar, pessoalmente, por todas as estações de trem, entre Alegre e a
cidade mineira de Espera Feliz, distribuindo exemplares do jornal aos refugiados.
Posteriormente, Carlos Xavier Paes Barreto faria o mesmo em Santa Luzia de
Carangola. Por último, ele ainda telegrafou ao prefeito de Natividade de Carangola,
coronel Francisco Novaes, pedindo ajuda para recambiar para o Espírito Santo
aqueles que quisessem retornar. Toda a ação foi relatada às autoridades federais na
capital da República.
O governo de Bernardino Monteiro, de fato, podia aguardar o parecer final no
Congresso; mas, no Espírito Santo, apertava-se o cerco político e militar, de Colatina
e adjacências. O senador de Minas Gerais, coronel Francisco Sales, a pedido de
Bernardino, conseguiu “cem praças da Polícia mineira para tomar a passagem dos
fugitivos,” (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Volume IV, Sessão de
11.07.1916, p. 766), que procuravam refúgio no estado vizinho. Nos municípios de
menor visibilidade da região Central e do Sul, no entanto, os coronéis ligados ao
monteirismo mantinham as represálias aos oposicionistas - segundo relatos que,
diariamente, chegavam à imprensa do Rio de Janeiro e ao plenário da Câmara e do
Senado.
75
Os principais alvos eram os funcionários federais, em sua totalidade nomeados
graças a indicações dos parlamentares oposicionistas. É que, a certa altura do
conflito, eram exatamente os funcionários federais os únicos a conservarem algum
poder de confronto nos municípios controlados pelo monteirismo. Em Nova Almeida,
o funcionário dos Correios Antonio Della Fonte teve sua casa destruída e preferiu
fugir. Da mesma forma, o coletor federal daquela localidade. Diversos casos como
este aconteciam no Espírito Santo.
Em Santa Leopoldina, por exemplo, no dia 6 de agosto, o delegado de Polícia,
Aristides Passos, junto com o coletor estadual, Heráclides Gonçalves e vários
soldados atacaram o Hotel Soares e, lá, agrediram o capitão, Franz Rudio Júnior e
Alfredo Blaley, este genro do deputado federal Paulo de Mello. Santa Leopoldina era
o grande município comercial do Espírito Santo e forte reduto oposicionista. Os
funcionários federais eram ligados ao deputado Paulo de Mello, como José Organo,
agente dos Correios, também espancado pelo delegado. A autoridade policial
estadual chegou a ameaçar demolir um edifício federal no município, onde
funcionava o escritório da imigração alemã. Em Vitória, o cônsul francês, Maurice
Lotar, diretor do Banco Hypotecário
90
, que estava ao lado da oposição, teve a casa
apedrejada. Ainda na capital, o senador oposicionista Domingos Vicente sofreu um
atentado, quando atravessava uma rua. Habeas corpus foram tentados para impedir
prisões, mas não evitavam as retaliações. Em São João do Muquy - base política
principal do coronel Marcondes de Souza - os comerciantes ligados à oposição
sofreram apedrejamento de seus estabelecimentos. A repressão em Muquy era
comandada pelo tenente Américo, enviado especialmente de Vitória. O tenente e
seus praças contaram com a ajuda de homens armados da colônia libanesa
residentes na cidade. A resistência da oposição em Muquy foi comandada pelo
ajudante do Procurador da República, Pedro João, que ficou entrincheirado no único
órgão federal do município, a agência dos Correios.
Todos os jornais da oposição foram proibidos durante o conflito. A população
acompanhava o desenrolar dos acontecimentos, sobretudo, pelo governista A
Ordem, que no Espírito Santo passou a ser o cronista quase exclusivo do conflito.
Aquele jornal, numa edição nos primeiros dias de julho, se dirigiu diretamente aos
90
O Banco Hypotecário devia grande soma a uma instituição francesa que, pelo contrato, indicava um
dos seus diretores.
76
coronéis Seraphim Tibúrcio e Martinho Barbosa, nos seguintes termos: “Esperem,
que não há de se tardar muito. Hão de acabar arrancando os cabelos dentro das
grades de uma prisão.”
O correspondente do periódico carioca A Época reportou os acontecimentos no
Espírito Santo, mas teve grandes dificuldades para sair da capital capixaba. Só
conseguiu ir embora porque seguiu por Minas Gerais, demorando uma semana para
chegar ao Rio de Janeiro. (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Volume IV,
Sessão de 11.07.1916, p. 766). O jornalista Thiers Velloso recorria à imprensa
carioca para publicar suas denúncias. Logo no início do mês de agosto, ele publicou,
no jornal O Imparcial, um longo artigo debatendo o parecer do deputado relator,
Arnolpho Azevedo, questionando o ponto de vista do parlamentar que, apesar da
imoralidade, dever-se-ia resguardar a legalidade das eleições no Espírito Santo. O
artigo de Thiers Velloso foi adotado pelos parlamentares da oposição como um
argumento a mais no debate travado sobre o pedido de intervenção. As discussões
no plenário eram sempre acaloradas, mas inclinadas à compostura e feitio protocolar
próprios da retórica parlamentar da época.
Não obstante, nada disso impediu as contundentes acusações à oligarquia
monteirista, denúncias que eram feitas não somente pelos oposicionistas capixabas,
mas também por senadores e deputados de outras regiões do Brasil. Questionava-
se como uma oligarquia com aquela trajetória houvesse sobrevivido ao tempo das
salvações e, ainda, conservasse tanta guarida junto às mais numerosas e influentes
bancadas estaduais no Congresso. À medida que a controvérsia do Caso do Espírito
Santo era empurrada para o centro do debate nacional, não eram poucos os que
constatavam simetrias entre o monteirismo e as mais tradicionais oligarquias
estaduais do Brasil, muitas da quais já depostas há algum tempo.
Sem a mesma eloqüência, a legalidade do governo de Bernardino Monteiro também
era defendida por políticos de outros estados, particularmente os de Minas Gerais. A
polêmica era acompanhada pela imprensa nacional e, a cada dia, artigos nos jornais
do Rio eram publicados, sob encomenda dos dois lados, contra ou a favor da
intervenção federal no Espírito Santo. Boa parte dos deputados não se limitava a
opinar durante apartes a pronunciamentos. Manifestava-se por escrito e o relator
expressaria, no seu texto, a influência das diversas opiniões e pareceres produzidos
dentro e fora do Congresso Nacional sobre o Caso do Espírito Santo.
77
O senador Ruy Barbosa foi um dos que defendeu a oligarquia Monteiro, assinando
um parecer pretendendo provar não ter havido a prorrogação dos mandatos do
Congresso Estadual que reconheceu os poderes de Bernardino Monteiro no Espírito
Santo. O parecer, na verdade, fora encomendado pelo próprio presidente Bernardino
Monteiro, que o mandou publicar no Jornal do Commercio, edição do dia 18 de maio,
a fim de abater inúmeras teses em contrário, tendo em vista a reputação do jurista
baiano. Porém, muitas refutações seriam interpostas, inclusive pela imprensa, ao
trabalho de Ruy Barbosa.
O jurista cachoeirense Joaquim Guimarães Neto fez publicar sua opinião em O
Imparcial, especialmente contestando o senador da Bahia. A imprensa veiculou, com
grande repercussão, a apreciação que o senador Adolfo Gordo e outros fizeram
sobre o assunto. O parecer do jurista Clóvis Bevilácqua - que desfrutava de grande
destaque na época, pois colaborava na elaboração do novo Código Civil em
tramitação no Congresso Nacional - foi publicado antes da posse dos dois
presidentes no Espírito Santo. Ainda no dia 17 de abril, quando nem sequer tinha
havido as eleições para o novo Congresso Estadual, Bevilácqua fora empreitado
para produzir parecer considerando constitucional a reforma e a prorrogação dos
mandatos dos deputados, cujo parecer concluía que a eles cabia o Reconhecimento
de Poderes do presidente eleito em 25 de março.
Outro que defendeu publicamente a argumentação favorável à oligarquia Monteiro
foi o paraibano Epitácio Pessoa, então influente senador da República, no dia 21 de
maio. O deputado Paulo de Mello, entretanto, levantou suspeição sobre os dois
senadores. A propósito de Ruy Barbosa, o deputado oposicionista justificou dizendo
que o senador baiano tinha “motivos de ligação íntima com o governo do Espírito
Santo, porque S.ex., na questão de limites daquele Estado com o de Minas Gerais, é
o advogado do Espírito Santo.”
91
91
A questão em litígio, na qual Ruy Barbosa era o advogado do Espírito Santo, era em torno da
região de São Manoel do Mutum, Lajinha e outras localidades, que constituíram o que ficou
conhecida como Zona do Contestado. O Espírito Santo, em 1911, chegou a incorporar a área ao
seu território, com o nome de Marechal Hermes. A justiça foi demandada e um laudo do Serviço
Geográfico do Exército subsidiou a sentença favorável a Minas Gerais em 1916.
78
Quanto a Epitácio Pessoa, o pedido de suspeição estava relacionado a um
rumoroso crime ocorrido em Vitória, pouco tempo antes. (ANAIS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, Volume IV, Sessão de 10.07.1916, p. 713).
92
2.6 A DECISÃO NA CÂMARA
Como o parecer do relator Arnolpho Azevedo ainda estava em fase debate no Rio
de Janeiro - recebendo emendas aditivas, supressivas e substitutivas -, a resistência
política e militar da oposição, no Espírito Santo, não agüentaria tanto tempo. A
sincronia de acontecimentos, dentro e fora do Estado, com uma intervenção
imediata, fora o planejado. A demora só favorecia ao monteirismo, que procedia
justamente para tornar irreversível o controle do Estado pela oligarquia. No final de
junho, já se sabia na capital federal que Alexandre Calmon recuava, com os
colatinenses, cada vez mais para a divisa com Minas Gerais. Havia também a
versão de que o próprio presidente Wenceslau Brás, inteiramente informado sobre
tudo, fizera apelo para que o coronel e sua família seguissem para o Rio de Janeiro,
a fim de evitar mais derramamento de sangue.
No dia 11 de junho, o deputado Maurício de Lacerda acusou, em plenário, o mineiro
Ribeiro Junqueira de conspirar contra o próprio presidente da República,
arquitetando com o senado, Francisco Antonio Sales o plano para dar vitória ao
grupo de Bernardino Monteiro na Câmara dos Deputados. O deputado fluminense
não tinha dúvida de que a ajuda do grupo de Sales a Bernardino Monteiro,
disponibilizando-lhe a bancada de Minas Gerais, era parte de um movimento de
deputados mineiros visando recolocar o nome do coronel Sales, pela terceira vez,
92
Acusou o deputado Paulo de Mello, em seção do dia 10 de julho: “Declaro que entre o Sr. senador
Epitácio Pessoa e o Sr. Dr. Jerônimo Monteiro há uma ligação que não se pode facilmente apagar,
porque foi o Sr. Jerônimo Monteiro quem conseguiu o parente e amigo daquele, Dr. Joaquim
Pessoa, que traiçoeira e covardemente, assassinou em público, na cidade de Vitória, onde era
delegado fiscal, um ilustre jornalista, inteligentíssimo médico, caráter de probidade modelar e
exempleríssimo chefe de família, Sr. Dr. César Velloso, foi o Sr. Jerônimo Monteiro, repito, quem
conseguiu que, poucos meses depois, com assombro de toda a população honrada da cidade de
Vitória, com o pasmo de todo povo do Espírito Santo, fosse essse homem absolvido e viesse para o
seio da sociedade, como se nenhum mal tivesse praticado contra as leis coercitivas que são feitas
justamente para aqueles que não querem coadunar com o meio social em que vivem.” (ANAIS DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS, Volume IV, Sessão de 10.07.1916, p. 713).
79
como candidato à presidência da República. (CARVALHO, 1963).
93
Acusou ainda o
fato de que, junto com Ribeiro Junqueira, estava nesta articulação o líder da
bancada de Minas Gerais, Antonio Carlos
94
, cuja pretensão de governar Minas
Gerais passava pelo apoio de Sales - que controlava havia mais de 20 anos a
poderosa Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro, também conhecida
como “Tarasca.”
Maurício de Lacerda (apud ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Volume IV,
Sessão de 11.06.1916, p. 731), assim explicitou seu raciocínio:
O Estado do Espírito Santo é um Estado pequenino; é sabido que, na
política relativa às sucessões presidenciais, depois que se deslocou do
Presidente da República, pelo hercúleo esforço do Sr. Pinheiro Machado, o
direito de indicar o sucessor, para transferi-lo aos anárquicos movimentos e
desorientados gestos, da Coligação, aos governadores de Estados, ficou
pertencendo aos grandes Estados a solução desse problema, mas,
naturalmente, cada grande Estado, para pesar mais que outros na balança
do País, precisa de contrapeso dos pequenos, e Minas, desde já, vai
trazendo na sua esteira o Estado do Espírito Santo.
O deputado fluminense foi mais adiante e culpou diretamente o presidente
Wenceslau Brás pela crise, acusando-o de omissão face às dificuldades da oposição
no Espírito Santo, razão pela qual a bancada mineira teria ido se aconselhar com o
senador Francisco Sales. Disse que estava convencido também de que o presidente
da República corria contra o tempo para obter um acerto com a oligarquia vitoriosa,
porque começara a perceber que a intervenção combinada com a oposição
capixaba caminhava para o fracasso.
Maurício de Lacerda lembrou episódios estaduais parecidos com o do Espírito
Santo, como os do Rio de Janeiro e do Pará, nos quais Wenceslau Brás envolveu-
se, para afirmar que o presidente da República estava revelando um padrão de
93
Em 1905, quando presidente de Minas Gerais, Francisco Sales teve seu nome articulado para a
presidência da República, mas ao final apoiou o mineiro Afonso Pena. Depois, já no governo de
Hermes da Fonseca, de quem foi ministro da Fazenda, novamente o nome de Sales apareceria
como presidenciável e outra vez ele vai desistir em favor de outro mineiro, Wenceslau Brás.
(CARVALHO, 1963. p. 33;35).
94
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, de tradicional família política, cujo tio-avô era José Bonifácio de
Andrada e Silva, somente seria eleito presidente de Minas em 1926, para um mandato até 1930,
quando então poderia passar a aspirar a presidência da República, pela lógica política da República
Velha, não fosse a Revolução de 1930.
80
comportamento político. Primeiro, ele aparece como aliado a uma facção. Porém,
depois termina contemporizando com o lado vitorioso.
95
No dia 12, foi o próprio deputado Antonio Carlos - em discurso em que rebatia a
acusação que Lacerda lhe fizera no dia anterior - quem apelou ao presidente da
Câmara dos Deputados, Astolfo Dutra Nicácio, para que fosse dada celeridade à
tramitação do parecer. Na inevitável nova discussão que se travou, o líder Antonio
Carlos admitiu “conhecer intimamente o pensamento do ilustre chefe mineiro que é o
Sr. Dr. Francisco Sales”
96
e que, por se considerar “representante da sua orientação
e de suas tendências como os que mais o sejam,” não vacilava “em dizer que S. Ex,
como todos os chefes da política de Minas Gerais, entende que nesta hora o que o
mais elementar critério aconselha é que não se cogite desse transcendente assunto”
da sucessão de Wenceslau Brás.
Em seu pronunciamento, Antonio Carlos foi aparteado também pelos parlamentares
capixabas, que insistiram nas mesmas considerações acerca da trama da bancada
mineira com o monteirismo no Espírito Santo. No esforço para negar a ligação
política a que se referia a oposição capixaba, o líder mineiro declarou que se, de
fato, Wenceslau Brás quisesse a intervenção federal no Espírito Santo, toda a
bancada do Partido Republicano Mineiro (PRM) o acompanharia.
97
Com isso, ele
evidenciava o caráter político da decisão a ser tomada, relegando a um plano
secundário o mérito jurídico do Caso do Espírito Santo. Torquato Moreira ainda
argumentou, lembrando que a vária presidencial de 18 de janeiro, por si mesma, já
eliminava qualquer dúvida sobre a opinião política do presidente da República a
respeito da luta que era travada.
A partir de então, o líder Antonio Carlos de Andrada sentiu-se obrigado a discorrer
considerações em relação à publicação da vária mencionada pelos oposicionistas:
95
Trecho do pronunciamento de Maurício de Lacerda no dia 25 de julho de 1916: “O Sr. Wenceslau
pleiteou com a oposição do Espírito Santo a queda dos Monteiros, mas como estes não caem o Sr.
Wenceslau, que pleiteou e perdeu, ganha quando os outros ganham: manda o Sr. Antonio Carlos
como seu líder, fechar a questão contra essa oposição e em favor dos Monteiros e até nega
comezinhas providências no exame de projetos que, embora remotamente, possam favorecer a
seus antigos aliados. Vê V. Ex. que tenho razão em dizer: Ai dos aliados do Sr. Wenceslau Brás.”
96
Quando governou Minas Gerais (1902-1905), Francisco Sales chegou a fundir as secretarias de
Agricultura e Finanças, para entregá-las a Antonio Carlos, então um jovem advogado com escritório
em Juiz de Fora-MG.
97
A declaração polêmica de Antonio Carlos: “É o momento, Sr. Presidente, em que posso declarar
que a política mineira e a bancada do Estado de Minas Gerais, seguiria neste caso [Intervenção],
sem vacilações, a diretriz que lhe fosse traçada pelo Sr. Wenceslau Brás.”
81
Bastam estas palavras, creio eu, para justificar plenamente, perante a
Câmara e perante o País, o interesse que o Sr. Presidente da República
revelou quanto a sucessão presidencial em determinados Estados,
onerados por dívidas, cujo serviço se achava suspenso, e, o que é mais
grave, sem que houvesse sido tentado junto dos respectivos credores um
acordo qualquer, sem que se tivesse procurado, sequer, detalhar as
explicações, as justificativas que uma situação dessa natureza impõe aos
devedores conscientes das suas responsabilidades e dos seus devedores.
Tinha, pois, de interessar primordialmente ao Sr. Presidente no Estado do
Espírito Santo.
O coronel Francisco Antonio Sales, por sua vez, nunca se manifestou publicamente
sobre o Caso do Espírito Santo” (ANAIS DO SENADO FEDERAL, Volume V, p. 76-
77).
98
Não era bem esse o estilo daquele fazendeiro tradicional de Lavras, que,
antes dos 40 anos, já se fizera o presidente estadual de Minas Gerais. (CARVALHO,
1963).
99
Bacharel aos 23 anos pela Faculdade de Direito de São Paulo, Sales foi
republicano ainda nos tempos de estudante. Integrara a Tarasca do PRM - único
partido organizado em Minas Gerais na República Velha - em 1898, e só a deixaria
em 1918. Não se sabe ao certo quando começou a sua ligação com Jerônimo
Monteiro. Estudaram na mesma escola paulista, mas em época diferente. Entre os
162 formandos da turma de Sales, nenhum era do Espírito Santo.
Porém, é possível que o contato entre os dois tenha se dado antes que o oligarca
capixaba Jerônimo Monteiro tivesse tomado posse como presidente estadual, em
1908. Isto porque, entre sua eleição e a posse, naquele ano, Jerônimo Monteiro se
avistou com jovem presidente mineiro, João Pinheiro,
100
sucessor de Sales no
governo de Minas Gerais e por este indicado para o cargo. Ainda quando era
secretário de Finanças no governo Bias Fortes (1894), o coronel Sales já se
articulava com o Espírito Santo, acertando convênio para a tributação do café na
origem do estado produtor. As relações entre Sales e Monteiro se consolidariam
depois de 1910, quando o líder mineiro já era o ministro da Fazenda de Hermes da
Fonseca e o oligarca capixaba estava na segunda metade do mandato do seu
98
Durante todo o ano de 1916, o senador Francisco Sales só fez um pequeno pronunciamento na
tribuna do Senado, dizendo poucas palavras sobre matéria tributária relacionada a Minas Gerais,
na sessão do dia 12 de setembro. (ANAIS DO SENADO FEDERAL, v. V, p. 76-77).
99
Sobre a maneira de ser do coronel, seu biógrafo Daniel de Carvalho diz: “Na capital mineira, onde
jornalistas talentosos, independentes e baldos de assunto, seu [de Salles] espírito de economia era
facilmente transmudado em avareza, a sobriedade do vestuário em atraso de caipira, o hábito de
ouvir muito e falar pouco em maneira esperta de ocultar ignorância e estupidez, a preocupação em
atender os chefes do interior em filhotismo.” (CARVALHO, 1963).
100
João Pinheiro foi o tertius escolhido por Sales, aproveitando-se do embate das forças entre as
candidaturas de Wenceslau Brás (Sul) e Bias Fortes (Zona da Mata).
82
oneroso governo no Espírito Santo. Foi Sales quem formulou o convite para que
Jerônimo Monteiro dirigisse o Departamento de Correios e Telégrafos, conforme o
próprio oligarca capixaba asseguraria num pronunciamento feito em 29 de novembro
de 1916.
101
No mesmo discurso, Jerônimo Monteiro confirmou o apoio que deu a
candidatura do coronel Francisco Sales à sucessão do marechal Hermes: “Amigo
pessoal, dedicado e sem condições deste eminente mineiro, sempre conservei e
espero poder conservar sempre fiel a tudo quanto interesse à sua pessoa. Pela sua
candidatura à sucessão do Sr. Marechal Hermes, que me pronunciei sem rebuços
até à última hora, quando se verificou a sua incompatibilidade.”(ANAIS DA CÂMARA
FEDERAL, Sessão de 29.11.1916, p. 650).
Além da acusação de estar manipulando os parlamentares mineiros para beneficiar
Bernardino Monteiro, outro problema preocupava o líder Antonio Carlos da Andrada:
a quantidade de emendas propondo alteração de mérito no parecer do relator
Arnolpho Azevedo. Na própria Comissão de Constituição e Justiça já havia dois
pareceres em separado neste sentido. Um, do deputado Pedro Moacyr, propondo
que a conclusão, fosse qual fosse, ganhasse a forma de um projeto de lei a ser
votado, no qual devia constar o nome do candidato legalmente eleito no Espírito
Santo. Moacyr considerava anti-regimental a proposta de puro e simples
arquivamento da matéria - conforme pretendia o relator.
102
O outro parecer em
separado da Comissão era o assinado pelo deputado pernambucano Gonçalves
Maia, no qual ele declarava concordar com a conclusão final do parecer do relator,
mas fazia severas restrições ao exagerado não-intervencionismo contido no
relatório. É que o deputado Arnolpho Azevedo, como todos os demais parlamentares
da bancada de São Paulo,
103
não perdia a oportunidade de destacar a postura não-
intervencionista como um princípio político adotado pelos paulistas. Assim sendo, o
relator paulista utilizaria o seu parecer para produzir um libelo antiintervencionista,
101
Neste pronunciamento, Jerônimo Monteiro declarou também que o próprio presidente Hermes da
Fonseca reiteraria o convite, que teria recusado por razões próprias e não por causa da denúncia
feita por Moniz Freire. (ANAIS DA CÂMARA FEDERAL, Sessão de 29.11.1916, p. 608).
102
Dizia Pedro Moacyr no seu parecer: “Arquivamento é o recurso processual parlamentar
empregado quando das mensagens do Executivo ao Congresso não pode resultar para este uma
ação que se traduza em projeto de lei (...). Arquiva-se uma mensagem, se não há como nem
porque prover no caso que ela sugere ou submete à competência do Poder Executivo.”
103
No período das salvações no governo anterior do Marechal Hermes, São Paulo viveu permanente
ameaça de intervenção insistentemente buscada por Pinheiro Machado. Em muitos municípios
paulistas formaram-se, inclusive, ligas anti-intervenção.
83
refletindo uma preocupação política ainda presente entre os paulistas e que vinha
desde os tempos das salvações:
Já o disse mais de uma vez e repeti-lo-ei agora: não sou intervencionista;
em consciência prefiro errar em benefício da autonomia local a arriscar-me
a prejudicar-lhe os direito. Tenho passado minha vida pública na defesa
sincera e convicta do regime federativo consagrado em nossa lei
fundamental e a reclamar a honesta observância de seus sábios preceitos e
o rigoroso respeito às suas garantias de liberdade e de ordem.
Já o deputado Gonçalves Maia declarava uma posição diametralmente oposta. Era
um deputado muito envolvido nas disputas oligárquicas desenvolvidas em
Pernambuco, onde se ligara ao general Dantas Barreto, que destituíra o oligarca
Francisco de Assis Rosa e Silva. No seu parecer, Maia propôs uma regulamentação
nos dispositivos constitucionais que previam a intervenção federal. No seu
entendimento, a decisão de intervir deveria ficar restrita ao presidente da República,
como forma de evitar manipulação política em casos como o do Espírito Santo.
Ao relator da Comissão de Constituição e Justiça foram encaminhadas todas as
emendas. Ele teve depois de enviá-las à Comissão de Finanças, porque as
emendas favoráveis à Intervenção Federal preconizavam o necessário provimento
de recursos para as despesas com a sua execução. Por maioria, a Comissão de
Finanças opinou que, por concordar com a conclusão do parecer do relator, julgava
desnecessária a reserva de crédito para tal fim e que era, portanto, contrária às
propostas modificativas e substitutivas ao relatório de Arnolpho Azevedo. Um
membro da Comissão de Finanças, deputado Barbosa Lima, no entanto, redigiu um
voto em separado, insistindo que se houvesse reconsideração da Comissão de
Justiça quanto ao mérito da matéria, ele proporia a importância de 300:000$000
(trezentos mil réis) para as despesas da diligência federal. Barbosa Lima aproveitou
a oportunidade do seu voto para opinar em favor da intervenção no Espírito
Santo.
104
A emenda substitutiva contrária à conclusão do parecer foi assinada pelos
deputados capixabas Paulo de Mello e Torquato Moreira:
104
Babosa Lima argumentou que a autonomia “não é direito assegurado aos governantes e sim aos
governados para em cada Estado nomear os seus delegados temporários que hajam de querer
honradamente o produto das contribuições destinadas aos serviços públicos, assegurando o pleno
exercício de todas as liberdades características do regime republicano.”
84
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - É o Presidente da República autorizado a intervir no Estado do
Espírito Santo, por força do art. 6º Parágrafo 2º e na forma do parágrafo 4º
da Constituição Federal, para o fim de colocar no Governo do Estado os
Srs Dr. José Gomes Pinheiro Junior e o coronel Alexandre Calmon,
respectivamente eleitos e reconhecidos pela Assembléia legal, presidida
pelo Sr. Joaquim Guimarães, presidente e Vice-Presidente do Estado, para
o exercício de 1916 a 1920.
Art. 2º - Fica igualmente o presidente da República autorizado a despender
com a intervenção a quantia precisa, abrindo os necessários créditos.
Sala das sessões, 11 de junho de 1916 – Paulo de Mello e Torquato
Moreira.
O deputado Maurício de Lacerda também foi autor de outra emenda substitutiva,
propondo uma intervenção, mas para um outro encaminhamento: o presidente
nomearia um interventor com poderes para, dentro de 30 dias, realizar novas
eleições no Espírito Santo. A proposta do deputado fluminense estabelecia também
que o interventor ficaria obrigado a apresentar ao Congresso Nacional um relatório
circunstanciado dos seus atos.
Conhecido o parecer do relator e suas conclusões contrárias à intervenção, já
devidamente aprovadas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça;
conhecidas também as emendas, que não foram acolhidas pelos membros da
mesma comissão, o debate do Caso do Espírito Santo se transferiu agora para o
plenário da Câmara dos Deputados, onde a matéria foi definitivamente deliberada. O
parecer do deputado Arnolpho Azevedo estava longa e fartamente argumentado,
pois o relator pretendeu reunir no seu trabalho todo o conjunto de considerações
levantadas até então pelos deputados, senadores, juristas e jornalistas acerca do
problema. Ao todo, o denso parecer ocupou mais de 50 laudas de texto.
Apesar das suas conclusões, o relator rendeu-se às críticas da oposição, não
deixando de mencionar que a oligarquia monteirista praticava “desmandos
encobertos por atos legais de notória inconveniência para o bem público.” E até
admitiu, no parecer, que o Congresso Estadual aprovara “uma lei eleitoral ad hoc,
em virtude da qual ficou reservado aos próprios membros desse Congresso o ato
supremo e inapelável da investidura política do Presidente do Estado.” Estes trechos
passaram a ser aceitos como uma contradição com as conclusões a que chegara o
próprio relator. Na imprensa do Rio de Janeiro, que cobria diariamente os debates
no plenário, a oposição procurava valorizar este tipo de pormenor, a fim sustentar
sua disputa.
85
No dia 25 de julho começaram as manobras regimentais com vistas à votação final
do parecer do deputado Arnolpho Azevedo. O desfecho em plenário demoraria ainda
mais de 20 dias, porque os deputados oposicionistas insistiam para que a Mesa
colhesse o voto nominal dos deputados a cada votação de algum parecer.
Tentavam, assim, impor acanhamento aos parlamentares que, eventualmente, se
constrangessem com a exposição do voto guiado cegamente pela orientação dos
líderes de bancada. A Câmara Federal era composta por duzentos e doze
deputados e, na tarde do dia 17 de agosto - uma quinta-feira -, cento e vinte e três
parlamentares estavam em plenário. Submetido à votação, o parecer do relator -
determinando o arquivamento da consulta feita pelo presidente da República obteve
cento e oito votos, contra quinze deputados que defendiam a intervenção no Espírito
Santo.
105
Nenhum voto em branco e nenhuma abstenção. Duas ausências
importantes naquela votação: Torquato Moreira e Jerônimo Monteiro.
2.7 A ANISTIA
Derrotado em plenário o projeto de uma intervenção no Espírito Santo, começou-se
a tratar das conseqüências políticas que daí resultariam. A disputa política no
Espírito Santo causara profunda divisão entre os mais importantes coronéis e líderes
políticos municipais. Parte da população fora desterrada. Em Colatina, centenas de
famílias haviam fugido para Minas Gerais na companhia dos líderes da revolta. O
mesmo acontecera em outros municípios situados na linha de divisa com o Estado
vizinho, principalmente na região do Caparaó e no Alegre. Temiam-se represálias no
retorno. O presidente da República e o próprio Congresso Nacional sabiam que a
deliberação tomada não escapava das controvérsias que ganharam profusão na
imprensa do Rio de Janeiro, onde já estavam os coronéis Alexandre Calmon,
Martinho Barbosa e Seraphim Tibúrcio e respectivas famílias.
106
105
Os 15 votos favoráveis à intervenção foram dados pelos deputados: João Elysio, Julio de Mello,
Costa Rego, Leão Velloso, Paulo de Mello, Dioclécio Borges, Barbosa Lima, Vicente Piragibe, Faria
Souto, Maurício de Lacerda, Mario de Paula, Alaor Prata, Bueno de Andrada, Antunes Maciel Júnior
e Rafael Cabeda.
106
Em Colatina, dia 29 de julho, o capitão, Primo Feliciano dos Santos, telegrafou a Bernardino
Monteiro informando que a oposição abandonara completamente a vila.
86
Os que ficaram no Estado estavam mantidos sob dura perseguição policial. Os que
se esconderam eram processados à revelia. A oposição logo começou a
responsabilizar o Congresso Nacional pela insegurança a que ficaram sujeitos
aqueles que se opuseram à oligarquia monteirista. Foi então que o senador João
Luís Alves recorreu à idéia de uma anistia que protegesse os perseguidos. Mas,
para ser aceita, a alternativa deveria ser subscrita por, pelo menos, a metade dos
senadores. O número mínimo foi obtido no dia 29 de agosto de 1916.
107
O decreto
de Anistia teve um só artigo e a votação aconteceu logo no dia primeiro de
setembro:
O Congresso Nacional decreta:
Artigo Único - São anistiados todas as pessoas envolvidas em fatos políticos
e conexos, passíveis de sanção penal, ocorrido no Estado do Espírito
Santo, em virtude da sucessão presidencial do mesmo Estado, desde 1 de
janeiro deste ano até a presente data; revogadas as disposições em
contrário.
A anistia foi aprovada por unanimidade, com dispensa da votação da redação final.
A matéria foi imediatamente enviada à Câmara dos Deputados, onde o deputado
pernambucano Júlio de Mello pediu regime de urgência. Seria também aprovada e
sancionada no dia 22 de setembro. A única crítica ao decreto de Anistia aprovado no
Senado Federal foi feita no dia 30 de agosto, na Câmara dos Deputados,
exatamente por Jerônimo Monteiro. (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, v. VII,
31.8.1916, p. 993)
108
Era a primeira vez que ele se manifestava em plenário sobre o
Caso do Espírito Santo. Justificou sua ausência nos debates anteriores dizendo que
não quis interferir na decisão da Casa, pois estava seguro de um resultado que lhe
seria favorável. Além disso, havia o seu estado de saúde precário, que o impedia.
No entanto, no dia 31 de agosto, Jerônimo Monteiro falaria por horas no plenário,
aparteado por alguns membros da oposição e por parlamentares de outros estados,
107
Subscreveram o projeto de anistia os seguintes senadores: João Luís Alves, João Lyra, Costa
Rodrigues, Araújo Góes, Cunha Pedrosa, Lauro Sodré, José Euzébio, Soares dos Santos, Vitorino
Monteiro, Ribeiro Gonçalves, Abdon Baptista, Hercílio Luz, Gonzaga Jayme, Bueno de Paiva,
Manoel Gomes Ribeiro, Francisco Sá, José Murtinho, Abdias Neves, Vidal Ramos, Eloy de Souza,
Xavier da Silva, Pereira Lobo, Lopes Gonçalves, Rivadávia Corrêa, Alcindo Guanabara, Pires
Ferreira, Índio do Brasil, Irineu Machado e L. de Bulhões.
108
“Ontem, surge esse projeto desacompanhado de maiores comentários e só visando modificar a
má situação daqueles que se excederam na longa e custosa luta política.” Jerônimo Monteiro, em
discurso feito dia 31 de agosto de 1916. (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 31.8.1916, v.
VII, 1916, p. 993).
87
sempre cobrando dele resposta às acusações que pesavam contra a sua oligarquia.
Novamente alegando problemas de saúde, ele interrompeu o pronunciamento deste
dia, para retomá-lo no dia 4 de setembro.
Jerônimo Monteiro fez, então, um relato dos fatos, segundo sua versão. Atacou o
presidente da República pela proteção conferida aos oposicionistas
109
e salientou o
sentido da sua ação: “Defender a autonomia da nossa terra, que, para se dirigir e se
conduzir, não precisa da intervenção estranha.” Entretanto, não se referiu, sequer
uma vez, ao trabalho político feito pelo senador mineiro Francisco Antonio Sales em
favor da sua oligarquia no Caso do Espírito Santo. O líder oligarca criticou a
demissão e remoção de funcionários públicos federais ligados ao monteirismo e a
“larga distribuição de suas patentes da Guarda Nacional,” permitindo que a oposição
passasse a contar com muitos alferes e coronéis durante a disputa política de 1916.
Mencionou também a rescisão “violenta e arbitrária” do contrato do Lloyd Brasileiro
com a empresa de Antenor Guimarães & Comp. Segundo ele, o governo federal
contratou o concorrente, Manoel Pinto de Mesquita, para o trabalho de estiva no
Porto de Vitória porque este cidadão era um “excelente fornecedor de recursos para
a causa adversária” do governo estadual. Antenor Guimarães, de acordo com
Jerônimo Monteiro, foi punido apenas por ser “fiel ao seu partido político no Estado.”
109
Jerônimo Monteiro criticou especialmente o ministro da Viação e Obras Públicas, Augusto Tavares
Lyra (que no período foi ministro interino da Justiça) por ele ter franqueado a transmissão de
telegramas para os oposicionistas. O ministro havia solicitado à direção da Vitória a Minas, em 7 de
abril, a franquia para o trabalho da Justiça Federal, mas na prática isso deu vantagem à oposição.
88
CAPÍTULO 3 - OS LÍDERES DA REVOLTA
3.1 JOSÉ GOMES PINHEIRO JÚNIOR
Os dois principais líderes da revolta da oposição em 1916, Pinheiro Júnior e
Alexandre Calmon, são originários de famílias tradicionalmente políticas no Espírito
Santo - cujo prestígio remonta aos tempos do Império. Uma do Sul e a outra do
Norte do Espírito Santo. Pinheiro Júnior, médico, descendia das duas famílias rivais
que disputavam entre si o poder em Itapemirim, na primeira metade do século XIX.
Município desde 1815, Itapemirim fora, nesta época, o mais importante centro
produtor e exportador de açúcar e de aguardente do Estado. O movimento do seu
porto, incluindo o desembarque de escravos, foi superior ao do Porto de Vitória até o
final daquele século. José Gomes Pinheiro Júnior descendia tanto de Joaquim
Marcelino da Silva Lima - o barão de Itapemirim -, como da família dos Gomes
Bittencourt, que monopolizavam a política de toda região, que se estendia da faixa
litorânea até a Serra do Castelo.
Filiado ao Partido Republicano Construtor, fundado por Moniz Freire, Pinheiro Júnior
elegeu-se deputado estadual por duas vezes (1895-1897), (1904-1909) e, no
intervalo dos dois mandatos, foi deputado federal. Quando Moniz Freire rompeu com
Henrique Coutinho, Pinheiro Júnior ficou ao lado do primeiro. Em 1907, opôs-se à
candidatura de Jerônimo Monteiro à presidência estadual, embora no final de 1908
tenha aderido, junto com todas as forças do Estado, à idéia de formar uma única
agremiação republicana, o Partido Republicano Espírito-Santense - que seria
liderado por Jerônimo Monteiro, então presidente estadual.
Porém, depois, na sucessão de 1912, figuraria como 1º vice-presidente na chapa
oposicionista de Getúlio dos Santos, no enfrentamento à candidatura de Marcondes
de Souza, escolhido por Jerônimo Monteiro. Pinheiro Júnior havia sido, também,
presidente da Intendência da Cachoeiro de Itapemirim por cinco vezes, ocasião em
que Bernardino Monteiro era vereador. No seu último mandato como Intendente
(1907), seria substituído por Marcondes de Souza - à época representante do distrito
89
cachoeirense de Muqui. A oposição à oligarquia monteirista vinha, portanto, desde
Cachoeiro de Itapemirim. O Legislativo cachoeirense sempre contara com a
presença da família de Pinheiro Júnior desde o Império, que rivalizava com a
oligarquia Monteiro.
O pai, José Gomes Pinheiro, cumprira mandato de vereador de 1871 até 1882,
tendo sido também presidente da Intendência em 1874. A família já estava
estabelecida na região desde meados daquele século, quando Cachoeiro de
Itapemirim ainda pertencia a Itapemirim.
3.2 ALEXANDRE CALMON
Alexandre Calmon Ferreira Sobrinho era, também, proveniente de família que já
atuava na política, ainda no tempo do Império. Era sobrinho do pioneiro de Linhares,
João Felipe Du Pin Calmon, empreendedor das sesmarias obtidas por doação real,
em 1809. Inicialmente, a sesmaria que lhe foi entregue por Dom João estava
localizada na região de Guarapari. Mas, por aconselhamento do ministro do príncipe
Regente, Dom Rodrigo de Souza Coutinho - o Conde de Linhares - os planos reais
foram alterados. Dom Rodrigo, que conhecera e se encantara com o rio Doce,
110
defendia a colonização do vale mais exuberante que apreciara e indicou João Felipe
Calmon para a empreitada. O maior problema a ser enfrentado eram os índios
botocudos, então predominantes na região. A família de Bragança já conhecia os
Calmon, cristãos procedentes da cidade de Cahors, na França, mas já estabelecidos
na Bahia desde as lutas para a expulsão dos holandeses, no século 17.
A ligação familiar se estreitou quando Maria Romana de Aragão Du Pin foi escolhida
como preceptora de Maria da Glória, filha de Dom Pedro I, que se tornaria Maria II
de Portugal. Em 1860, ao visitar o Espírito Santo, Dom Pedro II fez questão de ir
pessoalmente, e a cavalo, às propriedades da família Calmon, onde pernoitou. Uma
das fazendas ficava nas cercanias de Juparanã, onde o monarca almoçou, servindo-
se da refeição posta sobre uma “pedra pardecenta e nua” (VERÍSSIMO, Revista do
110
É do Conde de Linhares a classificação do rio Doce como “Nilo brasiliense.”
90
IHGES, nº 7, p. 231), que ficava na parte mais alta de uma ilha rochosa localizada
no meio da lagoa. Esta ilhota, depois do almoço real, teria seu nome trocado de
Santana para Ilha do Imperador.
Durante todo o período do Império, os Calmon desfrutaram de largo prestígio na
Corte, particularmente o ramo baiano da família. O mais conhecido foi Miguel
Calmon Du Pin e Almeida (1796-1865) - o marquês de Abrantes -, formado na
Faculdade de Direito de Coimbra e que, em 1822, liderou os brasileiros contra o
general português Madeira de Mello, na luta pela Independência da Bahia. Ele não
deixou filhos, mas vários seus homônimos destacaram-se na vida política do país.
No Espírito Santo, os Calmon tiveram atuação relevante desde os tempos
provinciais.
Um deles foi o coronel Augusto Calmon Nogueira da Gama, eleito deputado
estadual por seis vezes
111
e chefe político de Linhares, onde nascera em 1857, mas
com residência em Colatina. O coronel era filho de Antonio Augusto Nogueira da
Gama, tabelião que se casou com uma Calmon de Linhares, onde morava desde
que seu pai, Antonio Joaquim Nogueira da Gama deixou Vitória para formar
propriedade na região.
112
Ainda no Império, o coronel Augusto Calmon exercera
cargos importantes. No início da República, foi representante do Espírito Santo no
Convênio do Café, em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. Em 1888,
subordinado ao major Domingos Vicente, foi nomeado pelo governo para
reestruturar a fiscalização e o sistema tributário das províncias do norte do país.
(PEREIRA, 1914).
No período republicano, presidiu o legislativo estadual por duas vezes,
113
foi diretor
do Tesouro Estadual no primeiro governo de Moniz Freire e secretário-geral do
Estado no governo de Graciano dos Santos Neves, função mantida no governo de
Henrique Coutinho. Escreveu, como colaborador, durante muito tempo, no jornal A
Província do Espírito Santo, de propriedade de Moniz Freire e Cléto Nunes. Em
1892, como tenente-coronel, foi o chefe do Estado-Maior da Guarda Nacional no
Espírito Santo. Poeta, Augusto Calmon dirigiu o Arquivo Público Estadual, nomeado
111
Foi deputado estadual de 1892 a 1894, 1895 a 1897, 1898 a 1900, 1901 a 1903, 1904 a 1906 e de
1907 a 1909.
112
Antonio Joaquim Nogueira da Gama chegou a Espírito Santo em 1812, nomeado Escrivão e
Deputado da Junta da Real Fazenda. (DAEMON, Bazílio Carvalho. Província do Espírito Santo.
Parte 5, 1879, p. 214).
113
Presidente do Congresso Estadual de 1897 a 1904 e em 1907.
91
por Jerônimo Monteiro. Aposentou-se como secretário-geral do Estado em 1909.
Representou, junto com Alexandre Calmon, o município de Linhares na fundação do
Partido Republicano Espírito-Santanse, no dia 4 de dezembro de 1908. Um de seus
filhos, Celso Calmon Nogueira da Gama, seria secretário do Interior do Interventor,
Punaro Brey, e o substituiria interinamente por 11 vezes no governo estadual. Outro
filho do coronel foi o professor, promotor público, secretário estadual de Segurança
Pública e deputado estadual (1950-1954), Lauro Calmon Nogueira da Gama, que
durante o mandato acompanharia de perto a construção da ponte de Linhares.
Alexandre Calmon era filho de uma sobrinha de João Felipe Calmon, Maria
Josephina Du Pin Calmon, e do português Antonio Ferreira Balança, que logo
morreu, deixando apenas o menino Xandoca, nascido em Linhares em 1862.
(PEREIRA, 1914). A viúva se casou, novamente, com um baiano, Paulino Ferreira
Fernandes, que junto com um irmão tinha ido para Linhares, a fim de escapar do
recrutamento para a Guerra do Paraguai (1864-1870). Com ele Lilia teve outros seis
filhos. Alexandre Calmon estudou os primeiros anos em Linhares. Ainda muito
jovem, continuou os estudos na Bahia e, depois, transferiu-se para Vitória, onde
cursou Humanidades, no Ateneu Provincial. Nos anos 80, foi para o Rio de Janeiro
estudar Direito, mas não concluiu o bacharelado. Já casado, morou também em São
Paulo.
114
De volta, lecionou em Linhares e fundou uma escola em São Mateus. No início do
século 20, provavelmente por influência do ministro da Viação e Obras Públicas do
governo de Afonso Pena (1906-1909), Miguel Calmon Du Pin e Almeida, Alexandre
Calmon trabalhou como fornecedor de víveres e equipamentos para a construção da
Vitória-Minas, no trecho que ligava a capital capixaba a Colatina, inaugurado em
1906. A ferrovia faria com que o crescimento de Colatina suplantasse o de Linhares.
A estrada de ferro começou a ser construída em 1903, no governo de Moniz Freire e
os trilhos chegariam a Colatina três anos depois.
O principal produto do Espírito Santo era o café, que à época exigia terrenos que
fossem naturalmente férteis - portanto somente encontrados em terras novas,
conforme conceito de cultura itinerante apresentado por José de Souza Martins,
(1979). Colatina surgia, então, como resultado da expansão da fronteira cafeeira que
114
Em São Paulo, nasceu a filha caçula, Helena, mãe do renomado pianista e compositor Waldir
Calmon (1919-1982).
92
tinha origem no Sul do Estado. Neste sentido, a ferrovia cumpriria o papel de
reforçar as atividades do Porto de Vitória, para onde seria levado o café do Norte,
115
e também de buscar escoamento para produção mineira. O porto da capital entraria
agora na sua melhor fase desde a ligação ferroviária entre Vitória e Cachoeiro de
Itapemirim, no final do século XIX. A importância que Colatina passou a representar
para o conjunto da economia do Espírito Santo logo se reproduziria politicamente. E
foi exatamente esta perspectiva que compeliu o já coronel Alexandre Calmon a
promover uma transferência, forçada, da sede de Linhares para Colatina.
Em 1906, o coronel Alexandre Calmon era o Intendente e principal líder de Linhares,
mas passava mais tempo na vila de Colatina, onde praticamente residiu durante os
três anos em que se deu a construção da ferrovia. No dia 22 de agosto daquele ano
- seis meses antes da inauguração da ferrovia -, o coronel Alexandre Calmon,
juntamente com seus irmãos, primos e outros parentes que já moravam em Colatina,
desembarcou no porto das Pedras,
116
em Linhares. Foi recebido por diversos
linharenses; subiu as ladeiras que dão para as ruas do Mundo Novo e da Conceição,
chegando à praça 22 de Agosto, onde ficava a Intendência Municipal, já tomada por
populares, local onde houve intenso debate e muita confusão.
As brigas não resultaram em nenhuma morte, porque os envolvidos eram
praticamente todos aparentados, uns defendendo a transferência da sede de
Linhares para Colatina, e outros contrários à iniciativa do coronel Xandoca. Algumas
pessoas, no entanto, ficaram feridas. Por fim, o fiscal efetivo do Distrito de Colatina,
Liberalino Nunes de Moraes
117
recolheu todos os documentos referentes à
Intendência e com eles seguiu no vapor Milagres, com destino a Colatina. O vapor
tinha o modelo de uma gaiola e pertencia à família Calmon, em sociedade com a
família Milagres, da região do Baixo Guandu. Meses depois, a transferência foi
oficializada e, no ano seguinte, o juiz de Direito da comarca, Francisco Paula
Mendes Wanderley, seguiria para residir em Colatina, com os cartórios e o
aparelhamento do foro.
115
O terminal da ferrovia era na Estação Pedro Nolasco, em Vila Velha, e de lá o café era levado por
caminhões para o porto de Vitória.
116
Este porto ficava no encontro do rio Doce com o rio Juparanã, onde desemboca a maior lagoa de
Linhares.
117
Requerimento número 204/1968, de autoria do vereador Geter Lopes de Farias, que diz respeito
ao voto de pesar pelo falecimento de Liberalino Nunes de Moraes, aprovado em 22 de agosto de
1968, onde são mencionadas passagens da sua vida profissional. (ANAIS DA CÂMARA
MUNICIPAL DE COLATINA, 1968).
93
A atitude do coronel Alexandre Calmon privaria Linhares de uma prefeitura própria
até os anos da década de 1940. E a partir de 1921, quando o município de Colatina
é criado, Linhares fica reduzido à condição de uma vila colatinense.
118
Alexandre
Calmon era, em 1908, também promotor público, nomeado no governo de Jerônimo
Monteiro. Em Colatina, Calmon dirigiu, de fato, o poder local, e deu início à modesta
atividade pecuária em terras onde atualmente está situado o centro da cidade,
porque a área mais habitada ainda ficava em Colatina Velha. A ausência de uma
ponte
119
que ligasse as duas margens do caudaloso Rio Doce permitiu que, até a
década de 20, algumas aldeias indígenas ainda sobrevivessem no lado Norte.
(DERENZI, 1974).
120
Porém, os Calmon já acumulavam 100 anos de experiência no
trato com os índios, combinando a repressão com o aliciamento.
121
. Enquanto isso,
na margem Sul, o ritmo de desenvolvimento das atividades da lavoura e da extração
de madeira era intensificado com a ferrovia. Colatina, portanto, ligava-se à capital
pela Vitória a Minas e a Linhares pelo Rio Doce, que persistiria navegável por mais
algumas décadas.
Alexandre Calmon fundou em Colatina a primeira escola da vila, ainda na primeira
década, e a entregou à esposa, Cândida Clementina de Vasconcelos Calmon, para
dirigi-la. Dona Candinha foi a professora da primeira escola de Colatina.
(LAVGANOLI, 1989).
122
A escola, única por muitos anos, era mista e começou com
30 alunos. Funcionava no térreo do prédio da prefeitura e no fórum. Nos fundos do
imóvel, ficava a cadeia pública. Outro professor era Virgínio Calmon Ferreira
Fernandes, irmão do coronel e o primeiro prefeito de Colatina (1921-1925). O casal
Alexandre e Candinha teve seis filhos: Harryfaro de Vasconcellos Calmon, Paulo de
Vasconcellos Calmon e Mário de Vasconcellos Calmon, Helena, Olga e Alcina. O
118
No dia 22 de agosto de 1833 foi instalada a Câmara Municipal de Linhares, que deixou de
pertencer a Reis Magos (Nova Almeida), embora ainda fosse considerada vila. (...) Em 1906
chegam a Colatina os trilhos da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Colatina era um reles
povoado, distante uns 60 km, subindo o rio, na sua margem direita. Ficou fácil ir de lá a Vitória,
inclusive para os moradores de Linhares (...).” Altair Malacarne. Jornal Folha do Norte. Ano XXIV, nº
1388.
119
A Ponte Florentino Avidos somente seria inaugurada em 1928, embora dois anos antes estivesse
estruturada e com alguma utilização.
120
De acordo com Serafim Derenzi (1974), em Os italianos no Estado do Espírito Santo, “até 1920 o
lado norte só era conhecido por caçadores. Permanecia no silêncio de sua pujança secular.”
121
São muitas as versões, algumas tomadas até como verdadeiras, de que Alexandre Calmon teve
com uma índia um filho mestiço de nome Nazareth, que teria olhos azuis como os seus.
122
Depoimento de Geraldo Lavagnolli, nascido na vila de Colatina em 1902 (filho dos imigrantes
italianos José Lavagnolli e Josefa Garbini Lavagnolli, que chegaram a Colatina em 1882), à Revista
Nossa, edição de agosto de 1989, p. 10.
94
engenheiro Ceciliano Abel de Almeida (1978), em alguns dos seus trabalhos, faz
referências à família do coronel Alexandre Calmon e revela que Dona Candinha
muito acalentava o sonho de mudar-se de Linhares para Colatina, definitivamente.
123
Os relatos deixados pelo engenheiro sobre a própria participação na construção da
Vitória-Minas fazem menção também às filhas de Alexandre Calmon, sobretudo a
Olga, que se casaria com um dos empregados do coronel e se mudaria com ele para
o bairro Grajaú, no Rio de Janeiro, onde continuariam a amizade com Ceciliano Abel
de Almeida e sua esposa,
124
quando lá foram morar. O autor (1978), na sua crônica,
relata a preocupação de Dona Candinha quanto à inadequação do namoro às
escondidas do pai coronel.
125
Já com a filha Helena, o coronel foi intolerante. Ela
também se casou com um homem de outra classe social, Waldemar Barreto Gomes,
mas o sogro só se reconcicliou com o casal no fim de sua vida.
Como líder político da região mais próspera do Norte do Espírito Santo, o coronel
Alexandre Calmon compôs uma das três vice-presidências estaduais do coronel
Marcondes de Souza, chegando a assumir uma breve interinidade, em 1914. Teve
seu nome também apresentado como vice na chapa de Bernardino Monteiro,
126
em
dezembro de 1916. Quando foi para Colatina, no início de construção da Vitória-
Minas, ele tinha levado consigo muitos parentes que também eram de Linhares.
Entre eles, estavam os primos Augusto Calmon Du Pin Pedrinha e Xenócrates
Calmon de Aguiar, que se elegeria vereador, deputado federal e ficaria como
herdeiro político de Alexandre Calmon em Colatina.
123
“Foi João [Felipe Du Pin] Calmon quem, de sua Fazenda Bomjardim, obstou, por vezes, que o
povoado de Linhares sucumbisse aos ataques dos botocudos e conseguiu chantar ali um marco
civilizador, definitivo, e confio em Alexandre Calmon que há de sustentar e impulsionar o progresso
de Colatina. Um defendeu Linhares, o outro, meu marido, há de fazer progredir o primitivo arraial de
Santa Maria. E Xandoca vai fazer-me a vontade dando-me uma boa casa em Colatina.” (ALMEIDA,
1978).
124
Ceciliano Abel de Almeida e Serafim Derenzi, referências da historiografia do período, foram
também técnicos, e dos mais importantes, das sucessivas administrações da oligarquia dos
Monteiro na primeira metade do século XX, mas sempre dispensaram a Alexandre Calmon e família
as melhores considerações.
125
“Sérgio [de Albuquerque] continua como subgerente dos armazéns e nunca soubemos que o
Coronel o detraísse. A princípio muito se amargura. Pouco a pouco se conforma com o sucedido e
persevera no afeto que dedica à prendada senhorinha. O casamento realiza-se depois da retirada,
em 1908, do Dr. Bosísio da Companhia. Foram felizes. Ele faleceu em 1950 e ela reside no Rio,
respeitada e amada pelos filhos. Foi esposa virtuosíssima. Da amizade do casal sempre nos
orgulhamos.” (ALMEIDA, 1978).
126
Depois da reforma constitucional de outubro de 1915, o Espírito Santo passou a ter somente um
vice-presidente.
95
De 1916 até 1930, Xenócrates Calmon presidiu a Câmara Municipal e, durante este
período, foi a figura dominante na política colatinense. Já como deputado federal,
em outubro de 1930, foi o único político do estado presente, em palácio, para
receber os oficiais da tropa mineira que, sob o comando do coronel José Armando
Ribeiro de Paula, invadiu o Espírito Santo para depor o governo de Aristeu Borges
de Aguiar. (COSTA; TALLON, 1980). A Xenócrates Calmon é atribuído, como maior
feito, sua luta pela construção da primeira ponte sobre o Rio Doce. Linhares só teria
a sua ponte, sobre o mesmo rio, em 1954, quando lá esteve Getúlio Vargas para a
inauguração,
127
um mês antes do suicídio do presidente da República.
Em Linhares, desde 1906, o coronel havia deixado desafetos, contrariados com a
transferência da sede do município. Os descontentes, por muito tempo, culpariam
Alexandre Calmon pelo descompasso no crescimento econômico que passou a se
apresentar entre Colatina e Linhares na primeira metade do século XX. Mas os
Calmon, como tradicional e influente família do Norte capixaba, mantiveram os laços
políticos e de parentesco com muitas famílias importantes da região. Particularmente
com os Cunha e os Santos Neves, ambas famílias de São Mateus. Os Cunha
descendiam de Antonio Rodrigues da Cunha - o barão de Aymorés de São Mateus,
e os Santos Neves legaram à política dois governadores: Graciano dos Santos
Neves (1886-1887) e Jones dos Santos Neves (1943-1945 e 1951-1955), além do
conhecido empresário e deputado federal, Jones dos Santos Neves Filho. As
relações familiares só fortaleceram os laços políticos, que se constituiriam, com o
tempo, em uma tradição conhecida da política capixaba, perdurando por muitos
anos.
Exemplo da estabilidade política existente entre estas famílias se deu em 1943,
quando Linhares recuperava finalmente sua condição de município, com sede
própria. Na época, o governador era Jones dos Santos Neves
128
e o nome escolhido
para ser o primeiro prefeito do já então recém-criado município foi o de Roberto
Calmon, filho do coronel Lastênio Calmon (1880-1965), para um mandato de três
anos à frente da prefeitura, sendo sucedido, em 1946, por Humberto Neves Calmon,
sobrinho de Alexandre Calmon e primo do governador.
127
A Ponte Getúlio Vargas teve sua obra iniciada no governo de Jones dos Santos Neves, mas
concluída na administração de Carlos Lindenberg – filho de Bárbara Monteiro, irmã de Jerônimo e
Bernardino Monteiro.
128
O primeiro governo de Jones dos Santos Neves (1943-1945) foi na condição de interventor,
nomeado por Getúlio Vargas no Estado Novo e sucedendo a Punaro Bley (1930-1943).
96
3.3.1 O coronel Xandoca
Para se entender o tipo de coronel que era Alexandre Calmon, é necessário ter em
conta o ambiente onde se forjou sua liderança. Ele não era um coronel latifundiário
e, se o fosse, até poderia ser aceito como o arquétipo usado para compor o coronel
que existiu na República Velha. Provinha ele, sim, de uma família possuidora de
extensas propriedades em Linhares. Mas, isto nas primeiras décadas do século XIX,
portanto, cem anos antes. A base social que o legitimava politicamente não
mantinha com o coronel qualquer dependência econômica assentada na
propriedade da terra. Colatina era uma vila povoada por colonos brasileiros e
italianos, distribuídos em núcleos com lotes urbanos medindo dez metros de frente
por quinze de fundos.
129
Não era também um coronel comerciante no padrão tradicional, daqueles que
estabeleciam a ligação do interior com os centros importadores e exportadores de
mercadorias agrícolas ou industriais, razão pela qual constituíam aí a relação de
dependência. De fato, Calmon atuou no ramo comercial, mas não era o senhor do
empreendimento privado. Ele apenas arranjava-se como um preposto na importante,
e lucrativa atividade de fornecimento de bens e serviços para a construção da
ferrovia até que ela fosse inaugurada.
Depois, entrou no negócio da extração de madeiras de lei in natura em terras
devolutas e até então inexploradas.
130
Nunca foi dono de serraria ou outra unidade
industrial de beneficiamento madeireiro.
O coronel também não era um líder messiânico, tal como se infere de desavisada
historiografia a respeito da Revolta de Xandoca, inculcada a partir de supostos feitos
teatrais e tresloucados de alguém que transferiu a capital do Espírito Santo para
Colatina. A liderança de Alexandre Calmon tampouco se servia de posições na
máquina partidária, fenômeno muito característico nos estados mais desenvolvidos -
129
Segundo Luiz Busatto , em Estudos sobre a imigração italiana no Espírito Santo, capítulo II, depois
para Colatina foram também os alemães e poloneses.
130
Em seu trabalho Águia Branca - uma rapsódia polono-brasileira na selva capixaba (2004), Altair
Malacarne cita a página 197 do volume VII da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, onde consta
que, por volta do ano de 1916, começava de fato a exploração da margem direita do Rio Doce, no
trecho dele que vai da antiga Zona do Contestado em Minas Gerais, até Colatina. A maior riqueza
neste período, naquela região, era a madeira.
97
onde os partidos republicanos se transformavam em correias de transmissão da
ordem e dominação numa sociedade ainda insuficientemente distribuída em classes
sociais. Foi contemporâneo de um Brasil republicano, mas com raízes familiares
bem situadas no regime anterior, embora tivesse conseguido manter boas relações
com os demais coronéis do seu tempo político
131
.
Eul-Soo Pang (1959, p. 57;60), em sua ousada obra sobre o coronelismo, arrisca
enquadrar em perfis a grande diversidade de coronéis que pulularam na República
Velha. É deste autor a variedade coronel-guerreiro:
(...) a essência de sua legitimidade como senhor-guerreiro não se baseava
em seu prestigio sócio-econômico por uma determinada ocupação, mas em
sua habilidade em agir como líder tribal para congregar os oligarcas
regionais. A violência e o carisma pessoal eram os fatores nos quais se
equilibravam a vida e a morte de um senhor-guerreiro em política. (PANG,
1959, p. 57;60).
A “tribo”, ainda de acordo com Pang (1959, p. 57;60), seria o conjunto das
oligarquias de todo tipo instaladas num mesmo território, cuja pertença política lhe
era “legalmente reconhecida pelo estado e pela federação.”
Este perfil parece bem mais correspondente ao voluntarioso coronel Alexandre
Calmon que, na maturidade dos 54 anos, trocara a cômoda posição de vice na
chapa situacionista para reforçar o desafio de uma oposição que havia muito se
batia com o fito de encontrar o caminho da vitória. Oposição que só empreenderia
tamanho repto se pudesse contar com alguém à altura para levar ao limite uma luta
política tão decisiva para o futuro das forças que se pretendiam alternativa à
oligarquia dos Souza Monteiro da direção no Espírito Santo. Alguém cuja
intervenção política resultasse em lances capazes de escapar, noventa anos depois,
do cerco imposto pela versão histórica dos vitoriosos.
No ano seguinte à Revolta de Xandoca, a Guarda Nacional foi transformada em
força de reserva do Exército Brasileiro, com o fim da distribuição política de patentes
de coronel, ocasião em que o país contava com 44.242 oficiais desta natureza. A
131
Não consta que Alexandre Calmon tenha sido hostilizado pelo seu passado da família Calmon,
como algumas vezes eram fustigados pelos opositores outros líderes capixabas, tais como Joaquim
Lyrio, o Barão de Monjardim, Aristides Freira, Horta Araújo, Bernardo Horta, Domingos Vicente e
outros que chegaram a ser políticos importantes durante a monarquia. Moniz Freire foi um prócere
do antigo Partido Liberal do Império, convertido ao republicanismo.
98
partir de então, deixaria de ser uma corporação subordinada ao Ministério da
Justiça, para onde eram dirigidas as solicitações para a obtenção das patentes. Não
havia remuneração pela graduação, que era um título conferido aos chefes políticos
municipais que exerciam o papel de elo de ligação com o eleitorado, numa cadeia
que começava pelo presidente da República.
Alexandre Calmon mudou-se definitivamente para a capital federal depois da
Revolta de Xandoca. Partiu, às pressas, com a família, em um trem para Minas
Gerais e, de lá, para o Rio de Janeiro. (ANAIS DO SENADO FEDERAL, Volume II,
Sessão de 17 de abril de 1972, p. 9-11).
132
Não há registro de que tenha retornado a Colatina. No Rio de Janeiro obteve a
titularidade de um cartório no centro da cidade, e o tabelionato passou a ser sua
principal atividade.
Em 1921 e 1922, a convite do governo de Epitácio Pessoa, trabalhou na
coordenação da festa do Centenário da Independência na capital da República.
Morreu no dia 10 de outubro de 1929, aos 67 anos, e seu corpo está sepultado no
jazigo perpétuo da família, número 7.325, no Cemitério São Francisco Xavier (Caju),
no Rio de Janeiro. Em Colatina, a principal avenida da cidade tinha seu nome mas,
depois de 1930 foi rebatizada como Getúlio Vargas. Todavia, uma importante rua,
também no centro da citada cidade, conserva o nome de Alexandre Calmon.
132
Na escapada, sua filha Alcina levava nos braços um recém-nascido de 4 meses, Mário Calmon
Eppinghaus, que em 1970, como primeiro capixaba brigadeiro da Força Aérea Brasileira (FAB),
retornaria ao Espírito Santo, pilotando pessoalmente um jato DC-3, que transportava a bordo os
senadores Carlos Lindenberg, Raul Giuberti e Eurico Rezende, além dos deputados federais João
Calmon e Oswaldo Zanello. O grupo seguia de Brasília para Vitória, a fim de instalar o Conselho
Permanente do Desenvolvimento do Espírito Santo, órgão coordenado nacionalmente pelo neto de
Alexandre Calmon. O assunto da viagem foi, naturalmente, a Revolta de Xandoca. (ANAIS DO
SENADO FEDERAL, Volume II, Sessão de 17 de abril de 1972, p. 9-11).
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desfecho do Caso do Espírito Santo marcou o fim da oposição organizada contra
a oligarquia Monteiro, que se consolidaria no poder até a Revolução de 1930.
Pinheiro Júnior, Alexandre Calmon, Paulo de Mello, Deoclécio Borges, João Luís
Alves e Domingos Vicente são alguns dos líderes que não mais protagonizarão as
ações políticas no Espírito Santo. Este último morreria no dia 23 de outubro de 1916,
depois de longa vida pública iniciada ainda no Partido Conservador, em 1871, como
deputado provincial. Domingos Vicente Gonçalves de Souza, nascido em Vitória em
1842, morreu pobre e abatido, depois de ter sido também inspetor do Tesouro
Estadual e, como senador na primeira constituinte republicana do país, secretário da
Mesa Diretora. Torquato Moreira se transferiria para a política baiana, elegendo-se
deputado federal, em cujo mandato seria o líder do presidente Epitácio Pessoa na
Câmara dos Deputados em 1919.
Pinheiro Júnior, depois de permanecer no Rio de Janeiro por um tempo, retornará à
direção Executiva do Partido Republicano Espírito-Santense no governo de Nestor
Gomes, que se esforçava para atrair o apoio dos tradicionais adversários de
Jerônimo Monteiro. Na noite de 28 de junho de 1928, Pinheiro Júnior estará em
Colatina, ao lado de Thiers Velloso e outros antigos oposicionistas de 1916, no
banquete oferecido ao presidente Florentino Ávidos, por ocasião da inauguração da
ponte sobre o rio Doce. Coube a Xenócrates Calmon a saudação às autoridades
visitantes - entre elas Aristeu Borges da Aguiar - que no dia anterior haviam
inaugurado as seis pontes ligando Vitória ao continente.
133
Dois dias depois
Florentino Ávidos passaria o governo ao sucessor Aristeu Aguiar (1928-1930).
A Revolta de Xandoca foi o derradeiro esforço da oposição para evitar que no
Espírito Santo se firmasse uma oligarquia padrão, de cujo modus operandi a
República Velha produziu fartos exemplos, particularmente no que diz respeito à
confusão entre o público e o privado. Não é possível afirmar que a oposição,
empalmando o poder, adotasse procedimento diferente. Afinal, era aquela uma
133
Ribeiro, Lucílio da Rocha - Contribuição à história da imigração italiana no município de Colatina.
Ed. do Autor. 1996, p. 107/108.
100
época na qual a tendência mais geral conduzia à oligarquização das administrações
estaduais.
O confronto de 1916 se deu entre coronéis que dirigiam os municípios, ou parte
deles, com métodos simétricos. Um lado foi a campo proclamando mover-se na
defesa da autonomia do Espírito Santo, que estaria posta à prova como nunca antes
no novo regime republicano, mas, na realidade, o êxito dependeu de sua
apresentação subalterna frente à facção mineira com a qual interagiu. O outro só se
encorajou por causa do gesto do presidente da República e foi tão longe por avaliar
que este apoio fosse se dar incondicionalmente.
O episódio mostrou que as alianças políticas daquele tempo, no Espírito Santo, não
se constituíram a partir de parâmetros geográficos. Oposição e governo estavam
fincados em todos os municípios e, neles, as classes sociais eram ainda pálidas
conseqüências das atividades econômicas. Tratamos de uma época histórica onde o
capitalismo já era hegemônico mas, na sua dimensão, puramente econômica. O
sistema burguês coexistia com formações remanescentes da fase anterior e, por
isto, o tempo político era bem outro, escapava-lhe a correspondência.
Na ausência de oposição com alguma autoridade, a oligarquia monteirista se viu
livre para conquistar politicamente todo o Estado. Investiu em Colatina e, em dez
anos, concluiu a ponte sobre o Rio Doce. Nas sucessões seguintes, oportunizou o
ascenso de quadros com desenvoltura técnica. O sucessor de Bernardino foi o
antigo guarda-livros da oligarquia Monteiro, Nestor Gomes (1920-1924). Compadre e
freqüentador da casa do coronel Lastênio Calmon (pai do autor de Vultos, fatos e
lendas linharenses), em Linhares, Nestor Gomes investiu na abertura de canais para
facilitar a navegação na barra do Rio Doce, em 1923. Uma segura navegabilidade
do rio seria sempre a prioridade dos chefes políticos de Linhares, até a construção
da ponte em 1954.
O sucessor de Nestor Gomes foi o ex-cunhado de Jerônimo e Bernardino, Florentino
Avidos (1924-1928), engenheiro, viúvo de Henriqueta de Souza Monteiro desde
1919. E o sucessor deste foi Aristeu Borges de Aguiar, secretário de Governo do
próprio Florentino Ávidos, foi escolhido candidato único à presidência estadual no
ambiente familiar e palaciano. Aristeu Aguiar buscaria uma aproximação com São
Paulo, afastando-se de Minas Gerais. Por isto, vai cair junto com o paulista
Washington Luiz, em 1930.
101
A oligarquia deu-se à ostentação de desatar uma luta interna, opondo Bernardino a
Jerônimo Monteiro, em 1920. Este não retornaria mais ao poder e seria descartado
da própria oligarquia que criara, o que reforça o caráter familiar sobre o individual
daquela formação.
Jerônimo Monteiro morreu em 23 de outubro de 1933, às vésperas de assumir um
mandato de senador. Seu filho, Jerônimo Monteiro Filho, seria eleito senador em
1935, para um mandato de dois anos. Bernardino Monteiro já havia morrido, no dia
12 de maio de 1930, no Rio de Janeiro.
Em Minas Gerais, o coronel Francisco Sales seria destruído politicamente com a
subida de Arthur Bernardes, em 1919, ao governo daquele estado. Bernardes, que
se impusera à presidência estadual mineira contra a vontade do então poderoso
Sales, depois de eleito, desencadearia um processo de substituição das antigas
lideranças do PRM.
Seu secretário de Fazenda seria João Luís Alves, levado depois ao ministério da
Justiça e Negócios Interiores quando Bernardes assumisse a presidência da
República (1922-1926). Francisco Sales morreria no ostracismo, no Rio de Janeiro,
em janeiro de 1933.
102
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