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DETONANDO A SOCIEDADE TECNOLÓGICA:
UNABOMBER, O REBELDE EXPLOSIVO.
JOZIMAR PAES DE ALMEIDA
1
.
"O futuro já não é o que era".
Grafite em muro de Buenos Aires.
O manifesto do Unabomber veio a público em 19 de setembro de
1995, publicado no jornal Washington Post. Logo após, foi reproduzido
por outros jornais de grande tiragem e também sob a forma de livros
2
.
Posteriormente, foi difundido pela Internet
3
, alcançando milhões de
leitores e constituindo-se, ironicamente, em mais uma mensagem que nos
"bombardeia".
Pela dimensão que o manifesto assumiu, gerada tanto pela
estratégia adotada pelo seu autor para divulgá-lo quanto pela pertinência
crítica do tema, que coloca em evidência as idiossincrasias da sociedade
tecnológica industrial na qual estamos envolvidos, fomos perigosamente
seduzidos pelo cheiro de pólvora flutuando na atmosfera.
Nos dias atuais não é muito comum encontrarmos rebeldes,
revolucionários e românticos, desafiando o futuro. No entanto, eles
existem! Os guerrilheiros da contemporaneidade assumem na época
1
Prof. Dr. do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina e do
Programa Associado de Pós-Graduação em História da UEL-UEM. E-mail:
2
FREEDOM CLUB. The Unabomber manifesto. Industrial Society and its future.
Berkeley: Jolly Roger Press, 1995; e também pela Editora Fenda de Lisboa em 1997.
3
Em uma pesquisa pela Internet utilizando o sistemas eletrônicos de busca, Hot Bot, e
Yahoo!, localizei aproximadamente 18.445 combinações de palavras e 42 sites.
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telemática os mais diversos meios e discursos para enviar as suas
explosivas mensagens.
Os revolucionários e "bandidos" sempre buscaram utilizar os
equipamentos que lhes são acessíveis. Os zapatistas no México, por
exemplo, usam a Internet para divulgar o seu movimento; os traficantes
nos morros cariocas combinam sinais com as crianças da favela para
avisar que a polícia está subindo o morro, usando, dentre outras, a
estratégia de empinar pipas com uma determinada cor.
A seita japonesa Ensinamento da Verdade realizava ataques
terroristas no metrô de Tóquio utilizando-se do gás venenoso sarin e
investia em estudos para aperfeiçoar agentes virais que utilizaria em suas
futuras ações.
A potência de ataques com a utilização de elementos biológicos é
assustadora. Um pequeno avião particular, por, exemplo, carregado com
esporos de antraz
4
, poderia sobrevoar uma grande metrópole como São
Paulo em uma rota contra o vento, sem realizar nenhuma manobra que
chamasse a atenção, e dispersar uma nuvem invisível deste agente
biológico que mataria, num dia de ventos moderados, cerca de um milhão
de pessoas, e o piloto poderia se retirar sem levantar suspeitas.
Por ocasião das intensas devastações nas florestas tropicais da
África ocorreu o surgimento dos arbovírus, Ebola e Marburg, que atuam
no corpo humano liquefazendo velozmente os órgãos internos e levando
o indivíduo contaminado a uma morte dolorosa. Estes vírus estão sendo
objeto de pesquisa pelo exército norte-americano. Os "bárbaros", aqueles
que não fazem parte do Conselho de Segurança da ONU, são proibidos de
manipular estes materiais. E, afinal, qual foi o país que jogou a bomba
atômica no Japão por duas vezes?
Os hackers, piratas das infovias, sistemas telemáticos de
comunicação interligados por computadores, produzem e disseminam
vírus eletrônicos colocando em pânico grandes corporações, até mesmo
as mais protegidas (FBI, CIA). Especula-se que muitos destes vírus foram
criados por companhias que produzem programas de computador, com a
intenção de venderem as mais recentes versões dos produtos construídos
para evitá-los, os chamados programas anti-vírus.
O terrorismo de Estado, atos praticados por países procurando
atingir seus objetivos de domínio, fora do ordenamento legal e das
4
Bacilo que produz grave infecção nos animais e é transmitido pelo ar ou por inoculação
na pele.
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convenções internacionais, não é considerado pelos que o praticam como
uma forma de terrorismo. Estes elaboram justificativas na busca de
respaldo para a afirmação da legalidade e legitimidade de suas ações, que
levam multidões à carnificina em guerras deflagradas para atender
objetivos da defesa do orgulho nacional ou, melhor dizendo, dos
interesses econômicos de suas empresas e agências de investimento.
Porém, quando ações violentas de rebelião ocorrem contra o
poder instituído, estas são chamadas de terrorismo. Num exemplo bíblico,
poder-se-ia dizer que, para o Faraó, Moisés, com suas pragas cruéis e
destruidoras, seria considerado um terrorista por excelência. O povo
judeu, no entanto, não o reconhece dessa forma.
Esta dimensão de conceituação diversa para fenômenos
semelhantes, separados axiologicamente pela ótica do poder instituído,
pode ser expressa cabalmente em uma já antiga, mas não desgastada,
frase de Brecht: "Se diz violento do rio que tudo arrasta, mas não se
dizem violentas as margens que o oprimem". Quais são as margens que
impulsionaram Unabomber a enviar suas artefatos explosivos pelo
correio para cientistas, visando a conseguir espaços na mídia para
publicar o seu manifesto?!
Procurando visualizar inicialmente o contexto histórico em que
ele está imerso, poderemos compreendê-lo melhor. Em nossa época, os
tentáculos mecânicos eletronicamente configurados estenderam-se pela
esfera terrestre, configurando a Tecnosfera, sinônimo de um mundo
unificado e isomorfizado pela técnica como decorrência da sociedade
industrial e que desafia Gaia
5
, o planeta vivo que se auto-regula,
conforme o exposto por Deléage:
O mecanismo de estabilização do teor atmosférico de oxigênio gira em
torno de 21% e é um dos pontos controversos de Gaia. Segundo seus
defensores, acima de 25%, a taxa de oxigênio apresentará o risco de
provocar repetidos incêndios desflorestando o planeta. Abaixo de 15%,
haverá o risco de asfixia pelos organismos aeróbicos. Daí a ingênua
explicação antropomórfica, segundo a qual estes 21% resultam de um
consenso tácito entre o conjunto dos seres vivos intervindo desde há
milhões de anos e respectivamente mantendo-se hoje em dia.
6
5
LOVELOCK, James. As eras de Gaia. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
6
DELÉAGE, Jean-Paul. Histoire de L’écologie. Paris: La Decouverte, 1991, p. 237-238.
206
O planeta mecatrônico, constituído por aço, eletricidade, pastilhas
de silício e bonecas infláveis, é resultado do processo histórico que
constitui a sociedade industrial moderna
7
. Os seus ritmos eletro-
mecânicos impulsionados inicialmente pelo vapor e hoje pela energia
nuclear, apóiam-se em uma economia que transforma a tudo e a todos em
mercadoria, para que suas grandes corporações financeiras e industriais
possam acumular lucros infinitos, contrapondo-se, inevitavelmente, à
representação de um planeta orgânico, com ritmo ditado por seu
metabolismo, diversificado, interdependente e finito em seus limites.
Há uma contradição interna entre estas duas concepções de
funcionamento planetário e o maior desafio de todos os tempos da
sociedade humana envolve esta complexa operação de convívio. O
problema está posto. Algumas respostas indicam que deveríamos destruir
o sistema industrial
8
, por ser incompatível com a natureza e com os
fundamentos de uma liberdade humana; outras proclamam reformas para
adaptações
9
entre as dimensões mecatrônica e orgânica.
Em 1848, no Manifesto Comunista
10
de Marx e Engels, apresenta-
se uma análise da sociedade industrial construída pela classe burguesa
revolucionária, que inscreve no âmago da organização social um caráter
de permanente revolução dos instrumentos de produção, tendo como
essência a ampliação de mercados em todo o globo. Segundo Marx, os
obstáculos a este processo, por mais sólidos que pudessem parecer,
desmancham-se no ar.
Entre esses obstáculos, a noção de um tempo biológico natural,
imerso no fluxo das estações climáticas, envolvendo períodos de
preparação da terra, plantio, amadurecimento das plantas e colheita, que
configura uma concepção orgânica de tempo, será vencida pela ditadura
7
PAES DE ALMEIDA, Jozimar. Estado Moderno, Democracia e Ecologia. História &
Ensino, Londrina, p. 93-99, 1996.
8
Adeptos da postura Deep Ecology , Arne Naess, filósofo norueguês, elabora o termo em
1972, com o entendimento de aprofundar uma consciência ecológica e modificar
radicalmente as organizações estruturais da sociedade. Unabomber apresenta sérios
comprometimentos com esta análise, assim como os Neoludistas.
9
Adeptos de uma visão ecológica reformista, entre estes apontamos as idéias expostas
em: COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.
Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988.
10
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: CHED, 1980.
207
do relógio
11
. O tempo ritmado por mecanismos irá impor o ritmo do
capital, seguindo a lógica de que quanto mais rapidamente e em maior
quantidade se produzirem mercadorias, mais velozmente e em maior
quantidade se ampliará o lucro dos detentores dos bens e meios de
produção.
A sociedade burguesa também rompe os laços de proteção e
solidariedade social existentes nos grupos, paróquias e feudos, remetendo
suas funções aos Estados centralizados. Essa ruptura sedimenta e indica
um processo cada vez mais intenso de individualização
12
, no qual cada
um se vê responsável por si mesmo na luta pela sobrevivência,
independente de grupos, e possuidor de liberdade de locomoção social e
espacial, e se pretendem constituir a cada ser humano como um ser uno e
indivisível: indivíduo. Será que, depois de Freud, podem-se ignorar os
múltiplos conflitos internos que nos assolam, resultantes dessa
individuação?!
Com o rompimento da convivência social não mediatizada pelo
Estado, evaporam-se as alianças entre as gerações humanas, antigas e
atuais, e gera-se o predomínio de um individualismo egocentrado e anti-
social
13
. Na sociedade de massas o ser humano está isolado. Só, no meio
da multidão, a solidão do deserto lhe seria menos cruel!
As ligações virtuais propiciadas pela sociedade emergente criam
novas possibilidades de interligações e isolamentos sociais em todas as
esferas da vida: trabalho, lazer, educação, etc. Passeamos pelos parques
ouvindo As Quatro Estações de Vivaldi em nossos headphones, e
perdemos os sons do ambiente; com óculos escuros, protegemo-nos do
intenso brilho do Sol, mas distorcemos as cores da paisagem e ocultamos
nossas pupilas dos outros, evitando o diálogo pelo olhar.
São opções que apresentam perdas e ganhos, e as escolhemos
seguindo nossas oportunidades e valores. Não se trata, aqui, de
dicotomizar maniqueisticamente o complexo, mas de problematizá-lo.
Assim, buscamos compreender as atitudes de Unabomber como
sendo a reação de um indivíduo que vive no atual momento histórico,
contexto portador de variadas formas de representação, que perpassam o
nosso cotidiano, estraçalham os entrelaçamentos solidários das
11
WOODCOCK, George. A ditadura do relógio. In: Os Grandes escritos anarquistas.
Porto Alegre: L&PM, 1981.
12
Elias, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p. 102.
13
Veja referências, por exemplo:
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
LASCH, Christopher. O mínimo eu. São Paulo: Brasiliense, 1987.
208
comunidades e geram uma busca desesperada da salvação individual,
pelo divino ou pelo econômico, que destrói a comunhão afetiva da trama
social.
Veja-se o que Unabomber expõe:
Em relação a quase tudo, o homem primitivo era assim responsável pela
sua própria segurança (tanto como indivíduo como na qualidade de
membro de um pequeno grupo), enquanto que a segurança do homem
moderno está nas mãos de pessoas e organizações demasiado grandes
para que possa exercer sobre elas qualquer influência.
14
Unabomber, ao que tudo indica, parece ter agido solitariamente
na sua guerra, apesar de se manifestar como portador de uma mensagem
que representa um grupo: o Freedom Club. Na crítica radical da
sociedade contemporânea, ele afirma que "As conseqüências da
revolução industrial foram desastrosas para a raça humana."
15
. Assim,
mesmo que, contraditoriamente, aja individualmente, sua busca é por
uma sociedade natural, com toda a carga que este conceito traz em seu
seio, como será visto adiante.
Sua luta ocorre sob a égide do neoliberalismo, renovação do
liberalismo, conjunto de idéias e doutrinas que visa a assegurar a
liberdade individual na sociedade de mercado e que acredita no esforço
do indivíduo como base do progresso, sendo, assim, contra a interferência
do governo na sociedade. O Estado deve, portanto, interferir o mínimo
possível nas atividades sociais, deixando que o mercado se auto-regule.
A globalização da atividade econômica é uma forma mais
avançada e complexa da internacionalização, e implica um certo grau de
integração funcional entre as atividades econômicas dispersas. O conceito
de globalização se aplica à produção, distribuição e consumo de bens e de
serviços, organizados a partir de uma estratégia mundial e voltada para
um mercado global
16
.
Nesta sociedade articulada e configurada pelos meios eletrônicos,
as informações necessárias para a produção e a distribuição dos produtos
podem ser acessadas a qualquer momento por grande quantidade de
pessoas. As ligações culturais se realizam em rede, na qual todos os nós
14
FREEDOM CLUB. Manifesto do Unabomber: o futuro da sociedade industrial.
Lisboa: Fenda, 1997, p. 87.
15
Ibid., p.45.
16
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
209
de contato são importantes e interligados num complexo eletrônico de
comunicações.
O mercado mundial pressupõe a disseminação de uma ideologia
consumista que é impossibilitada de efetivação global, devido ao
desenvolvimento desigual do capitalismo, à capacidade limitada de
suporte da exploração industrial da natureza e à contradição interna que
vigora no processo que estabelece o crescimento econômico como
inversamente proporcional à expansão e intensificação das desigualdades
sociais.
Conforme Boaventura de Souza Santos: "Por isso, a globalização
da ideologia consumista oculta o facto de que o único consumo que essa
ideologia torna possível é o consumo de si própria."
17
. Se pelo menos o
sistema não pode propiciar a todos os benefícios que produz, e isso ele
oculta, ele pode construir, pela publicidade, o desejo de consumir
18
. Não é
gratuito que encontremos em 1968, nos muros de Paris a seguinte
inscrição: "Consumis mais, vivereis menos".
O poder das grandes corporações de comunicações, que dominam
o mundo e atuam acima de qualquer princípio democrático de controle,
permite que se excluam do público as informações que estas não têm
interesse em transmitir. Unabomber justifica-se, desta forma, em relação
ao fato de ter que explodir pessoas para conseguir, com a repercussão de
seus atos, difundir seu manifesto pela imprensa.
A indústria de publicidade desenvolve um eficiente sistema de
propaganda para convencer as pessoas a buscarem decisões que não
foram tomadas por elas, e as envolve em uma estratégia publicitária,
formando hábitos de consumo de objetos dos quais não precisam, como
se fossem uma "compensação da liberdade perdida"
19
.
O hábito capitalista de comprar como lazer ou para esquecer os
problemas está enraizado na sociedade norte-americana. Provavelmente
17
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento,
1995, p. 313.
18
Veja por exemplo:
FROMM, Erich. Ter ou Ser? Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
19
FREEDOM CLUB, op. cit., p. 176. "[...]o americano comum deverá ser retratado como
vítima da indústria da publicidade e da comercialização, que o leva a compra uma série de
trastes de que não precisa, constituindo estes uma reles compensação da sua liberdade
perdida".
210
seja por isso que uma das últimas bombas enviadas por Unabomber foi
dirigida a um empresário do setor de publicidade.
Assim, este perigoso e consagrado rebelde contemporâneo se
destaca tanto pelo conteúdo reflexivo de seus escritos, quanto pelos
métodos que empregou. Seu manifesto possui características peculiares,
nas quais interagem a instrumentalização da razão, pelos artifícios
científicos e tecnológicos visando à dominação social, e aos princípios
críticos de um manifesto.
O manifesto de Unabomber é atribuído a Theodore Kaczynski.
Nas diligências para a sua captura, o FBI e grupos industriais ofereceram
uma recompensa de um milhão de dólares por informações que pudessem
localizá-lo. Graças às informações prestadas ao FBI por seu próprio
irmão, Kaczynski foi preso em 1996 e condenado recentemente a prisão
perpétua.
Unabomber é acusado de enviar cartas-bomba, e de ferir 25
pessoas e matar outras três, entre 1978 e 1995. A primeira explosão
atribuída ao rebelde ocorreu em de 1978, atingindo um professor no
Instituto de Tecnologia da Universidade de Illinois.
A composição de seu nome vem de un, para significar
universidade; a, para airlines, pois, também tentou explodir aviões; e
bomber pelo "buuum!!!" de suas explosões. Suas bombas são construídas
com cuidados excepcionais, utilizando materiais simples para evitar o seu
rastreamento, e identificadas como de sua autoria, ao assinar os
invólucros com as iniciais FC.
Quando localizado, residia solitário e modestamente numa
cabana no interior do Estado de Montana, região noroeste dos EUA, e
produzia autonomamente grande parte dos produtos de que necessitava.
Seu estilo de vida era coerente com os preceitos que postula no
manifesto, no que diz respeito à constituição de uma sociedade natural,
afastando-se do uso de tecnologias sofisticadas e mantendo uma vida
voltada às condições naturais básicas
20
. Nesta sociedade natural ele
entende que o estilo de vida permite ao homem libertar-se de uma lei
imposta nacionalmente, substituindo-a por uma a ser elaborada pela
própria comunidade, o que lhe possibilitaria maior liberdade, assim como
20
Não nos passa despercebido que a crítica a lei, assim como, a busca de uma vida
próximo ao estado de natureza evoca THOREAU, em suas obras: Walden: A vida nos
bosques, e Desobediência Civil.
211
o libertaria das diversas neuroses do sistema, por ter a opção de agir
criando as mudanças que lhe interessam
21
.
Antes de residir nessas condições, realizou uma louvável carreira
acadêmica, cursando e atuando em renomadas universidades americanas.
Com apenas 16 anos entrou em Harvard, onde veio a formar-se em
Matemática. Conseguiu seu Mestrado e Doutorado pela universidade de
Michigan e foi professor assistente em Berkeley de 1967-1969, no tempo
em que esta universidade se destacava como a vanguarda no movimento
de contestação da esquerda contra-cultural nos EUA.
O manifesto de Unabomber possui uma estrutura elaborada
segundo um desdobramento seqüencial numérico. É composto por 232
parágrafos, divididos em 27 tópicos, incluídas aí a introdução e a
conclusão. Ele escreve utilizando a primeira pessoa do plural, com intuito
de representar um grupo e o conteúdo de seu discurso é uma crítica
radical da sociedade tecnológica industrial, apontada como a principal
antagonista da liberdade.
Ao escolher como alvo os "engenheiros ou investigadores
especializados em tecnologias de ponta, tais como a informática ou a
engenharia biológica"
22
, Unabomber os considera como responsáveis pelo
desenvolvimento de uma tecnologia que elimina a liberdade. Ressalte-se
que ele não refuta toda tecnologia, mas sim, aquela de grande dimensão,
desenvolvida pelo complexo industrial.
Reconhece-se contextualizado historicamente, expressando-se
assim sobre o momento em que vivemos, no qual:
O aumento do bem-estar material concentrou-se na mão de alguns
poucos privilegiados, detentores do poder político-econômico, gerando
neles profundas carências afetivas. É a miséria da riqueza. Por outro
lado, multidões foram privadas de condições básicas para sobreviver, o
que gerou instabilidade política e social, somente reprimidas pelo servil
aparato policial do Estado.
23
Os desdobramentos do proclamado neoliberalismo, em sua
multidimensionalidade, proporcionado pelas transnacionais, colocam em
crise paradigmas de compreensão e ação da ciência, técnica, economia,
21
FREEDOM CLUB, op. cit., passim.
22
FREEDOM CLUB, op. cit., p. 13.
23
PAES DE ALMEIDA, Jozimar. Errante no campo da razão. Londrina: Eduel, 1996,
p. 58.
212
política, produção, cultura, etc. Esse sistema articulado é uma forma de
dominação que se utiliza sobremaneira do desenvolvimento tecnológico e
industrial para melhor subjugar, tendo em vista que grande parte desse
aparato é uma representação do poder estabelecido.
Este poder é operado pela ciência e tecnologia, e esta última "não
é somente um conjunto de elementos materiais, mas também um sistema
social"
24
, e ao estarmos envolvidos neste sistema não temos a
possibilidade de optar por uma determinada tecnologia. Assim, ela
determina, em última instância, o nosso tipo de vida social.
Buscando problematizar a afirmação, poderíamos indagar: A
tecnologia vigente não é fruto de criação e escolha desta sociedade? É
bem provável que essa imbricação seja dinâmica e retroativa, na qual os
grupos sociais dominantes na sociedade escolhem entre as alternativas
que criaram a que melhor lhes convém, por lhes facilitar a continuidade
de seu estilo de sociedade.
A tecnologia em vigor, elaborada pela ciência, destrói o ambiente
natural
25
. Vejamos como Paolo Rossi expressa essa ação:
Por culpa da ciência desapareceu o mundo em que os homens tinham
acreditado viver, rico de cores, sons e de perfumes, pleno de alegria, de
amor e de beleza, onde tudo falava dos fins últimos e de harmonia. Esse
mundo a ciência substituiu por um mundo duro, frio, incolor, silencioso,
um mundo da quantidade e do movimento matematicamente
calculável.
26
Unabomber irá enviar suas bombas aos cientistas que trabalham
com pesquisas de ponta, por entender que estes são responsáveis, em
grande parte, pela destruição de uma sociedade natural. Assim, buscará,
ao nosso ver, obrigá-los a refletir sobre as suas práticas, ao mesmo tempo
que denuncia o interesse destes pela busca de dinheiro e prestígio.
A comunidade científica ocupa um lugar privilegiado de poder na
sociedade e, apesar de não ter força econômica propriamente dita,
geralmente identifica-se com os setores dominantes. Por trabalhar para o
Estado ou grandes corporações, atuando em uma divisão técnica de
24
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências. São Paulo: UNESP, 1995, p. 218.
25
CHALMERS, Alan. A fabricação da ciência. São Paulo: UNESP, 1994, p. 11.
26
ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. São Paulo: UNESP, 1992, p. 19-
20.
213
produção, perde o conhecimento de seu produto e a utilização que se
possa fazer dele. Aos cientistas cabe pensar, sim, mas só para executar o
que lhes encomendam
27
.
A biotecnologia apresenta o poder que a ciência tem de invadir
internamente as estruturas do ser vivo e manipulá-las geneticamente,
buscando, na domesticação do selvagem natural, aumentar os lucros, seja
por intermédio dos bancos genéticos, que cobram patentes dos seus
genes, seja pela conquista do tempo, ao aumentar a velocidade de
maturação orgânica.
Unabomber posiciona-se contrariamente à utilização da
engenharia genética, sugerindo que o Estado poderá querer "impor os
seus valores sobre a constituição genética do conjunto da população"
28
.
Esta possibilidade é bem plausível, e nos assombra este tétrico espectro
do Leviatã. Não podemos esquecer que as pesquisas médicas, utilizando-
se desta engenharia, estão conseguindo sucesso ao dirimir a dor humana e
preservar a vida. Não podemos nos esquecer, também, que a continuidade
da vida a qualquer custo pode prolongar a dor de um moribundo, como
uma tortura.
Para o autor do manifesto, este procedimento sofisticado de
tecnologia genética poderia barrar um processo de seleção natural que
elimina em grande parte os seres com problemas de genes, possibilitando,
então, que eles se disseminem pela população
29
. Unabomber apresenta a
lógica da seleção natural, que prevaleceria em uma sociedade natural.
Reconhecemos nesta postura o mais cruel e polêmico postulado
do autor, pois entendemos que a luta pelo direito à existência deva ser
feita em respeito à existência dos outros, e que devemos utilizar os meios
que nos sejam possíveis para garantir uma vida com liberdade e
dignidade.
Estamos na aurora das nano-ciências, dos micro-chips e dos
genes que carregam valiosas informações
30
. Há uma perda da diversidade
cultural ao reduzirmos o sistema de informação ao uso de computadores
e, ao entendermo-nos como simples processadores de informações,
perdemos a noção de que nossos pensamentos constituem-se em
27
FOUREZ, Gérard. op. cit., p. 97, 99, 101.
28
FREEDOM CLUB, op. cit., p. 124-125.
29
Ibid., p.124. "Imaginemos, por exemplo, que foi descoberta uma cura para a diabetes,
podendo as pessoas com hereditariedade diabética sobreviver e reproduzir-se como as
outras. Cessaria desse modo a selecção natural relativa aos genes da diabetes,
disseminando-se estes pela população".
30
VIRILIO, Paul. A arte do motor. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p. 91.
214
complexas articulações pluridimensionais de idéias
31
. A linguagem
computacional só incorporou a lógica binária, não comportando a
compreensão errática que permite a existência da possibilidade de haver
mais de uma resposta possível para as perguntas formuladas ou, até, de
que nem sejam todas as respostas completas, ou, muito menos, que possa
não haver respostas.
O funcionamento do planeta entendido como uma tecnosfera é
resultado do estabelecimento de uma padronização da técnica, por conta
da necessidade de haver compatibilidade entre o sistema mundial de
transmissão de informações
32
para que as mesmas possam ser
disseminadas; isto ocorre também no que diz respeito à estratégia de
produção de equipamentos por empresas transnacionais, que fabricam em
diversas regiões do mundo os componentes de um único produto, e os
agregam no local que melhor lhes aprouver.
Unabomber alega que todo o gigantesco aparato da sociedade
industrial e tecnológica não só não solucionou problemas como os
agravou "a degradação ambiental, a corrupção política, o tráfico de
drogas ou a violência no seio das famílias"
33
, e enfatiza, com veemência
devastadora, o principal mote de seu manifesto, o perigo que a tecnologia
representa para a liberdade: "A tecnologia é uma força social mais
poderosa do que a aspiração à liberdade"
34
.
Ele reconhece, assim, que a tecnologia, além do poder que
possui, não contempla a liberdade, e, portanto, submete os homens aos
seus desígnios técnicos. Por exemplo: "quando uma nova tecnologia é
inventada, o pequeno empresário é levado a adoptá-la, quer o deseje ou
não, para poder manter a sua capacidade concorrencial"
35
.
A tecnologia irá definir os tipos de meios de locomoção, e ela
optou pelo "uso de transporte motorizado (que) deixou de ser facultativo,
tornando-se obrigatório"
36
, estabelecerá o controle de fluxo dos veículos,
a engenharia espacial das estradas, ruas, pontes, túneis, estacionamentos;
31
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 69.
32
DEBRAY, Régis; FINKIELKRAUT, Alain. As técnicas e o humanismo. In: SCHEPS,
Ruth (org.). O império das técnicas. Campinas: Papirus, 1996, p. 224.
33
FREEDOM CLUB, op. cit., p. 135.
34
Ibid., p. 126.
35
Ibid., p. 105.
36
Ibid., p. 127.
215
a composição estrutural, mecânica e de estilo dos equipamentos. A
tecnologia representa um projeto social.
Os objetivos e contradições do manifesto revelam-se quando ele
considera ser impossível reformar o sistema industrial para que este
propicie liberdade. Assim, pretende desestruturar a base econômica da
sociedade, mas, contraditoriamente, não compreende tal atitude como
uma revolução política derrubando governos! Explicita os caminhos que
os revolucionários têm que percorrer, devendo estes inicialmente destruir
o sistema industrial, e esta atividade deve ser realizada por gente de fora,
sendo empreendida por baixo, e tornar-se mundial
37
.
Entendemos que, quando define gente de fora, em um processo
insurrecional contra a tecnologia, queira se referir a pessoas que não são
cientistas; e, quando se utiliza da expressão por baixo, queira significar os
setores que estão excluídos do poder. Quanto ao alcance universal da
proposta, reconhecemos que entende a extensão planetária da dominação
industrial tecnológica. Ao compararmos, nesses aspectos, com o mote
revolucionário do manifesto comunista, notamos que a sua especificidade
se constrói apenas na exclusão dos técnicos do processo.
O manifesto de Unabomber postula que, para a consecução deste
propósito revolucionário, seja necessário enfraquecer a sociedade
industrial, por intermédio da propagação de uma ideologia que combata
esse sistema, e que somente após este enfraquecimento uma revolução
contra a tecnologia será possível
38
. Cremos que as exigências de
propagação do manifesto pela grande imprensa estariam cumprindo este
papel.
Ele considera também que a única forma de destruir o sistema é
através de "uma mudança radical e fundamental da natureza da
sociedade"
39
. Mas que natureza é esta que tem que mudar?
37
Ibid., p.178. "A revolução contra a tecnologia deverá ser realizada por gente de fora,
uma revolução empreendida por baixo e não por cima. A revolução precisa de ser
internacional e ocorrer no mundo inteiro."
38
Ibid., p. 170. "[...]as duas principais tarefas consistem hoje em promover a tensão social
e a instabilidade na sociedade industrial, desenvolvendo e propagando uma ideologia que
combata a tecnologia e o sistema industrial. Quando o sistema estiver suficientemente
tenso e desestabilizado, uma revolução contra a tecnologia tornar-se-á possível."
39
Ibid., p. 138.
216
Entendemos que Unabomber propõe a necessidade de uma
mudança no comportamento humano, e que, em decorrência dela, haverá
uma transformação da economia e seu ambiente físico
40
. Esta perspectiva
de mudança de comportamento enfrenta um sério obstáculo, o do
entendimento. Os seres humanos na sociedade industrial perdem a
iniciativa da transformação, da autonomia, da competição. Exagera-se na
proteção, produzindo indivíduos fracos, dependentes, sobressocializados,
neurotizados. Para mudá-los e desenvolver-lhes melhores qualidades,
estes deveriam enfrentar o sabor de um mundo natural.
No desvelar da fraqueza humana, constituída no e pelo sistema,
Unabomber explicita que a pessoa que interpreta como depreciativo tudo
aquilo que é dito sobre si sofre de reduzida auto-estima. Por isso, entende
que o processo de conquista do poder passa pelo desenvolvimento da
auto-estima, na qual os esforços pessoais são realizados por iniciativa
própria, permanecendo assim a direção e a autoridade das próprias
pessoas, na denominada autonomia
41
.
De acordo com o manifesto, a tecnologia é inimiga da autonomia,
por afetar populações distantes do local onde foi produzida e aplicada
42
.
Recordem-se os atuais problemas ecológicos globais e as causas que
impõem que revolução tem que ser planetária.
Lembremo-nos que, na esfera das doutrinas políticas, a
autonomia tornou-se uma das vertentes de desaguadouro das idéias do
anarquismo. Por exemplo, ambas se preocupam fundamentalmente com o
engodo da representação política na instituição da democracia e, assim,
postulam o exercício da democracia direta, evitando que a representação
se torne um meio pelo qual os representantes decidam por nós os mais
variados assuntos de nossa vida.
40
Ibid., p. 110. "Uma transformação no comportamento humano afectará a economia de
uma sociedade e o seu ambiente físico; a economia afectará o ambiente e vice-versa...".
41
Ibid., p. 72. "A autonomia como parte do processo de conquista de poder pode não ser
necessária a todos os indivíduos. Mas a maioria das pessoas precisa de um maior ou
menor grau de autonomia na realização dos seus objectivos. Os seus esforços têm que ser
empreendidos por sua própria iniciativa, devendo permanecer sob a sua direcção e
autoridade".
42
Ibid., p. 119. "Um outro factor que joga contra a autonomia reside no facto de a
tecnologia aplicada num dado local muitas vezes afectar populações distantes."
217
Ao analisarmos o manifesto utilizando-nos do espectro da
política, não podemos considerá-lo como um projeto de direita, apesar de
constatarmos a construção de uma crítica ferina à mentalidade da
esquerda
43
.
Não existe uma clara definição do autor sobre, o que é a
esquerda, e quem a ela pertence. Dizendo que ela se encontra atualmente
fragmentada em diversos segmentos, ele, ao mesmo tempo, expõe que o
tipo geral que se encaixa nessa definição é constituído pelas pessoas que
possuem um forte sentimento de inferioridade, aqueles de reduzida auto-
estima, mencionados anteriormente. Pretende evidenciar que, pelo fato de
elas terem pouca confiança em suas capacidades, temem a competição, e
assim consideram-se coletivistas e querem que a sociedade resolva os
seus problemas
44
.
As pessoas sobressocializadas também se agregam a este perfil,
pela constituição nelas de um sentimento de culpa em relação a si
mesmas. Tal fenômeno é designado por Unabomber como
sobressocialização
45
. Esta atitude desenvolve no indivíduo características
de comportamento que o torna fiscal de si próprio em qualquer tentativa
de transgredir pequenas regras.
Ao considerar, portanto, que as pessoas de esquerda possuem
essas neuroses, Unabomber postula a realização de um estudo psicológico
das mesmas
46
, buscando contribuir para as posicionar melhor frente a
esses problemas. A ênfase na compreensão de que os problemas, tanto da
esquerda, quanto de grande parte da população, são frutos de
43
Ibid., p. 48. "Uma das mais correntes manifestações da demência do nosso mundo é a
mentalidade de esquerda; daí que uma abordagem da psicologia da esquerda possa servir
de introdução à análise dos problemas da sociedade moderna em geral." Veja também
parágrafos 227 e 230.
44
Ibid., p.53. "O homem de esquerda é anti-individualista e pró-coletivista. Quer que a
sociedade resolva as necessidades de todas as pessoas por elas, que cuide delas No fundo,
tem pouca confiança na capacidade de resolver os seus problemas pessoais e de satisfazer
as suas necessidades. O homem de esquerda é contrário a competição porque no fundo
sente-se um vencido."
45
Ibid., p.59-60. "As pessoas na sua maioria entregam-se a um grande número de
comportamentos associais. Mentem, roubam ninharias [...] detestam o vizinho. O
indivíduo sobressocializado não pode fazer coisas destas, e fazendo-as aos outros gera em
si próprio sentimentos de culpa e de ódio pela sua própria pessoa. [...] é lhe impossível ter
maus pensamentos. [...] diremos pois que a sobressocialização é um das mais graves
crueldades que os seres humanos infligem uns aos outros".
46
Ibid., p. 48.
218
complicações psíquicas, não significa necessariamente que todos
possuam problemas psicológicos
47
.
O manifesto afirma que a doutrina de esquerda não postula a
existência de um ser sobrenatural, mas oferece ao militante uma função
psicológica idêntica à da crença na religião
48
. Mas, também, podemos
inferir que a religião é uma criação humana, e então existe a lógica de
tornar a criatura-humano em Criador, para que possamos adorar a nossa
própria criação.
Considera ainda que os integrantes dos movimentos de esquerda
gostam de mandar, fazem de tudo para conseguir o poder
49
. Entendo que
essa força de expressão de Unabomber significa que os mesmos não são
nem um pouco melhores do que os que já estão no poder. Isto, no entanto,
contradiz o seu próprio postulado de que os que se postulam de esquerda
não teriam disposição para entrar numa luta ferrenha.
Quando Unabomber critica a coletividade construída no sistema
tecnológico industrial, como condição que propicia a fraqueza, podemos
entender que ele excluiu dessa noção de coletividade a forma milenar
organizada pela sociedade natural para sobreviver e proteger os mais
frágeis, e todos o somos perante um brutal sistema que nos explora.
Na coletividade estabelece-se um sentimento de solidariedade
com um método de proteção e de apoio ao outro, em muitos momentos
extremamente corajoso, pois, para despojadamente auxiliar outros seres,
precisamos ter a iniciativa de enfrentar os perigos mais diversos.
Unabomber discorda da utilização pela esquerda de várias táticas:
"Reparem nas tendências masoquistas das tácticas da esquerda. As
pessoas de esquerda protestam deitando-se em frente de veículos,
provocam intencionalmente a polícia ou os racistas para abusarem delas,
etc.."
50
.
É preciso reconhecer que, muitas vezes, estas táticas consideradas
masoquistas são uma melhor forma, dependendo das circunstâncias e do
oponente, de conseguirmos uma vitória sobre o mesmo, do que
bombardeá-lo; pois podemos conseguir, pela disseminação do conflito
pela mídia, muito mais adeptos para a luta. Veja-se, por exemplo, o
sucesso das táticas adotadas pelo Greenpeace.
47
Ibid., p. 93.
48
Ibid., p. 193. A doutrina da esquerda não postula a existência de um ser sobrenatural.
"Mas tem para o militante uma função psicológica equivalente à que a religião
desempenha no caso de certos crentes."
49
Ibid., p. 197.
50
Ibid., p. 55.
219
Para a conquista do poder, além do princípio da autonomia já
revelado, apresentam-se mais três fundamentos, considerados por ele
como os mais nítidos: objetivo, esforço e realização do objetivo
51
.
Unabomber nos sugere que para termos uma boa saúde
psicológica devemos possuir objetivos, cuja satisfação, pelo menos em
parte destes, resulte dos esforços empregados para conquistá-los
52
.
Observemos, no manifesto, esta passagem: "O sistema não existe
nem pode existir para satisfazer as necessidades humanas. É mais
propriamente o comportamento humano que tem de ser modificado, para
corresponder às necessidades do sistema"
53
. Podemos inferir daí que
somos iludidos ao pensarmos que o sistema nos atende, pois somos nós
que o atendemos. Este postulado repete o sentido da crítica elaborada
sobre a coletividade: o sistema e a coletividade surgem como
empreendimentos fetichizados da criação social, como se não fossem os
homens organizados socialmente que os produziram. Seriam postos e
vistos como uma rede de impulsos eletrônicos desumanizando as
relações.
O autor expõe também a sua compreensão da história e, a partir
dela, apresenta a estratégia de como se deve agir para mudar a sociedade.
Assim, a história é entendida
como a soma de duas componentes: uma componente errática, irregular,
que consiste em acontecimento imprevisíveis, não seguindo nenhum
modelo discernível; e uma componente regular, consistindo em
tendências históricas a longo prazo.
54
Apesar de considerar estas duas tendências, há nele um
componente teleológico, quando afirma que após a sucessão do sistema
industrial, com a ausência da tecnologia avançada, as pessoas terão que
inevitavelmente viver na natureza
55
. Conclui-se, então, que o sistema será
superado e suprimir-se-á a tecnologia avançada. Manifestos políticos
51
Ibid., p. 65. "O processo de conquista de poder compõe-se de quatro elementos. Aos
três mais nítidos chamamos objectivo, esforço e realização do objectivo."
52
Ibid., p. 66. "Para evitar sérios problemas psicológicos, por conseguinte, o ser humano
precisa de objectivos cuja realização exija esforço, devendo obter uma razoável proporção
de êxito na concretização dos seus objetivos."
53
Ibid., p. 119-120.
54
Ibid., p. 108.
55
Ibid., p. 173.
220
geralmente apresentam esta visão finalista em suas entranhas: o
Manifesto Comunista é um bom exemplo disso.
Quanto à estratégia que devemos adotar para mudar a sociedade,
ela tem o seguinte desdobramento: considera que a história possui cinco
princípios básicos passíveis de se colocar a nosso serviço:
1. Com pequenas mudanças na sociedade, conseguiríamos movê-
la ao acaso e por pouco tempo;
2. Se as mudanças são importantes na tendência histórica de
longo prazo, esta afetará toda a sociedade;
3. Quando a transformação é vasta nesta tendência, as
conseqüências são imprevisíveis para a sociedade
56
;
4. É impossível a projeção de uma nova sociedade no papel;
5. As sociedades são constituídas por intermédio de processos
independentes do controle racional humano
57
.
A exposição destes princípios leva a uma indagação: Unabomber
pretende, ao se utilizar do manifesto, divulgar uma estratégia visando à
destruição da sociedade industrial tecnológica? Ora, na exposição dos
princípios fundamentais da história, fica evidente que a transformação
tem que ser suficientemente vasta para poder modificar radicalmente a
sociedade.
A sua proposta é uma formulação racional humana, mas se os
processos que constituem a sociedade independem do controle racional,
então, por que estabelecer a destruição na sociedade, se ela independe
deste controle?
Ressaltemos que se pode asseverar no manifesto a existência de
uma diferença da racionalidade elaborada nesta sociedade tecnológica
com a da sociedade natural, mas há fatores de contradição em sua
postura, ao se utilizar dos meios fornecidos pela sociedade tecnológica
para a confecção de suas bombas, que mesmo artesanais são compostas
por substâncias oriundas do complexo industrial, bem como no uso da
mídia como difusora de suas idéias.
Por fim, apesar de Unabomber contrapor uma sociedade natural
à tecnológica, existe um reconhecimento fundamental de que a
construção futura da sociedade humana é impossível de ser projetada
56
Ibid., p. 109.
57
Ibid., p. 110.
221
antecipadamente, e ter o seu processo de consolidação submetido ao
controle racional.
O inesperado continuaria habitando em nós, princípio pelo qual
podemos realizar a criação de outras sociedades. A crítica radical
estabelecida no manifesto pretende nos impulsionar a uma tarefa que
pode ser considerada utópica.
Para haver a exposição da utopia é necessário que exista uma
fundamental compreensão da sociedade e a ousadia para desejar uma
sociedade melhor e lutar por ela
58
. Ao nos apegarmos à permanência,
queremos evitar a angústia de refletir que o "que permanece é a eterna
impermanência"
59
.
Agradecimentos
Agradecemos as críticas formuladas a este artigo realizadas pelos
doutores: Sidnei José Munhoz, Nelson Dácio Tomazzi, André Luis
Joanilho e Gabriel Giannattasio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1997.
CASTORIADIS, Cornelius. O mundo fragmentado - As encruzilhadas do Labirinto
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Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988.
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DELÉAGE, Jean-Paul. Histoire de L’écologie. Paris: La Decouverte, 1991.
58
SANTOS, Boaventura de Souza, op. cit., p. 323.
59
Veja princípios filosóficos de Heráclito de Eféso e também de Buda.
222
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências. São Paulo: UNESP, 1995.
FROMM, Erich. Ter ou Ser? Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
FREEDOM CLUB. The Unabomber manifesto. Industrial society and its future.
Berkeley: Jolly Roger Press, 1995.
_____. Manifesto do Unabomber: o futuro da sociedade industrial. Lisboa: Fenda,
1997.
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LASCH, Christopher. O mínimo eu. São Paulo: Brasiliense, 1987.
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ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. São Paulo: UNESP, 1992.
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WOODCOCK, George. A ditadura do relógio. In: Os Grandes escritos anarquistas.
Porto Alegre: L&PM, 1981.
223
RESUMO
Detonando a sociedade tecnológica:
Unabomber, o rebelde explosivo.
Este artigo busca apresentar algumas considerações a respeito da crítica
radical da sociedade tecnológica elaborada pelo Manifesto do Unabomber: O
futuro da Sociedade industrial, compreendendo a possibilidade de reflexão
histórica sobre este acontecimento presente que procura apontar para o futuro.
Palavras-Chave: Cultura e Poder; História Ambiental; História da Ciência; História
Contemporânea
ABSTRACT
Detonating technological society:
Unabomber, the explosive rebel.
This article presents some considerations about the radical criticism on
technological society elaborated by the Manifesto do Unabomber: The Future of
Industrial Society, including a possible historical reflection about this present
event which points to the future.
Key words: Culture and Power; Environmental History; History of Science;
Contemporanian History.
Revista de História Regional 5(1):203-223, Verão 2000.
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