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lismo, para o qual as fronteiras emanam da natureza, associadas a uma
nação que, além de seus marcos concretos, é tão antiga quanto a história.
Na trilha do desvendar dessa imaginação de um Brasil potencial
pré-cabralino (que permite falar em “Descobrimento”), Magnoli aponta
os mitos fundadores do território brasileiro, com total destaque para o
mito da “Ilha Brasil”, que tem em Jaime Cortesão o seu principal sistema-
tizador. Cortesão, segundo Magnoli, na análise da cartografia colonial
sobre o Brasil, identifica a lenda de uma entidade territorial separada,
delimitada por dois grandes rios que nasceriam de um gigantesco lago
comum. Esse mito serve à Coroa Portuguesa ao fornecer a idéia de uma
identidade territorial da América portuguesa, utilizada por exemplo nas
negociações para regularizar este território após a clara falência do Trata-
do de Tordesilhas: “ A força da noção Ilha-Brasil derivaria, precisamente,
da subversão do horizonte histórico e diplomático e da sua substituição
por um ordenamento ancestral” (p. 47). Cortesão, mais que constatar que
a noção de Ilha-Brasil serve aos portugueses, “edifica uma plataforma de
legitimação nacional para o Brasil” ao contribuir para o imaginário de um
Brasil que, mais que resultado de interesses e lutas políticas, seja uma
emanação da natureza.
Além do mito da Ilha-Brasil, o mito de uma língua geral dos in-
dígenas, referência de uma unidade cultural ameríndia, que daria ao que
hoje é o território brasileiro um caráter de unidade anterior aos portugue-
ses, é outra idéia que colabora fundamentalmente com a legitimação da
nacionalidade, por contribuir em estendê-la para o passado. Trata-se de
um tema também abordado por Cortesão, mas reforçado por contribui-
ções como as de Darcy Ribeiro. Magnoli argumenta, em contrapartida,
que esta idéia corresponde mais aos desejos e realizações do jesuítas,
interessados em uma língua com a qual pudessem se comunicar e evange-
lizar índios de variados grupos culturais e lingüísticos. Com isso, os jesuí-
tas acabam tornando concreta a presença dessa língua, por utiliza-la e
ensina-la em tribos de troncos lingüísticos diversos.
Feitas essas referências, o autor passa a se dedicar ao estudo da
formação das fronteiras e seu componente ideológico, a composição de
um patriotismo brasileiro desde a Independência e o Império, cuja tarefa
imediata posta como condição à sua sobrevivência era, além de garantir
pelas armas a unidade da nação recém instituída, garantir a criação de
uma identidade nacional que cimentasse o trabalho geopolítico das armas
e da diplomacia. Aí, uma das principais idéias postas à disposição do
poder imperial é a de uma nação preexistente, oculta sob o manto lusita-