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Rachel Herdy de Barros Francisco
A República e o Homem Comum
Um estudo sobre a competência cívica
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Teoria do Estado e
Direito Constitucional da PUC-Rio como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Carlos Alberto Plastino
Rio de Janeiro
Maio de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410796/CB
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Rachel Herdy de Barros Francisco
A República e o Homem Comum
Um estudo sobre a competência cívica
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Teoria Geral do Estado e
Direito Constitucional do Departamento de Direito
da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Dr. Carlos Alberto Plastino
Orientador
Departamento de Direito – PUC-Rio
Dr. Florian Hoffmann
Departamento de Direito – PUC-Rio
Dr. José Eisenberg
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) – UCAM
Prof. João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências
Sociais - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 23 de Maio de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410796/CB
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e
do orientador.
Rachel Herdy de Barros Francisco
Graduou-se em Direito na PUC-Rio em 2003. Durante a
graduação, foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC-CNPq), para a realização da pesquisa
Globalização e multiculturalismo: desafios à jurisprudência
brasileira. No curso de mestrado, que teve início no primeiro
semestre de 2004, foi bolsista da CAPES. Participa de dois
grupos de trabalho do Núcleo de Direitos Humanos (NDH) do
Departamento de Direito da PUC-Rio, Simulações e Realidade e
Entre a realidade e a realização: acesso à justiça em
comunidades urbanas carentes. Hoje é coordenadora de
publicações do NDH, além de ser professora da disciplina
Metodologia e trabalhar com desenvolvimento de projetos no
Departamento de Direito da PUC-Rio.
Ficha Catalográfica
FRANCISCO, Rachel Herdy de Barros.
A República e o Homem Comum: um estudo sobre a
competência cívica / Rachel Herdy de Barros Francisco;
Orientador: Carlos Alberto Plastino. – Rio de Janeiro: PUC,
Departamento de Direito, 2006.
97fls.
1. Dissertação (mestrado). Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito.
1. Direito – Teses. 2. republicanismo, 3. pragmatismo, 4.
homem comum, 5. civilidade, 6. competência, 7. linguagem, 8.
cognição, 9. mente, 10. discurso, 11. moralidade, 12.justiça,
13.razão comunicativa, 14. universalismo, 15. interação, 16.
problemas, 17. filosofia da linguagem, 18. psicologia social 19.
teoria política I. Plastino, Carlos Alberto. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de
Direito. III. Título.
CDD:340
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Às minhas avós (in memoriam), pelo exemplo feminino.
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Agradecimentos
Agradecer a todos aqueles que acompanharam a elaboração desta dissertação, não
somente os momentos finais da redação, mas, sobretudo, as fases iniciais quando
sequer tinha noção do caminho que percorreria, é tarefa extremamente difícil de se
realizar sem cometer injustiças. Por isso optei por colocar aqui os agradecimentos
pessoais somente àquelas pessoas que diretamente estiveram presentes no processo de
confecção do trabalho, embora queira deixar minha imensa gratidão para
absolutamente todos que, de uma forma ou de outra, atravessaram o meu caminho.
Agradeço:
à minha mãe, pela eterna compreensão; ao meu pai, pela confiança; ao meu
avô, por acreditar; aos meus irmãos; pelo convívio na diferença; aos meus
sobrinhos, Ana Sofia e João Pedro, pela alegria; à Tia Marta, pela energia
dos alimentos; à Cláudia, por sempre estar disposta a me ajudar; a todas as
minhas tias, pela força da tradição; à Tia Ana, pela sutiliza na observação;
ao Tio Luis Antonio e à Tia Leila, por serem meus precursores na busca do
conhecimento; às minhas primas lindas, todas elas, pela promessa da
juventude que trabalha; à Vera, Lúcia e Zena, pelo carinho; à Iris Celeste,
pela experiência clínica da matéria.
Ainda:
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
pelo financiamento; à equipe do Núcleo de Direitos Humanos (NDH),
Carolina, Márcia, João, Florian, Ronaldo, Telma, Rachel, Simone, Dani,
Alessandra, Marina e Ricardo, pelo apoio; à galera do “Simulações”, por
não me deixar esquecer o prazer da retórica jurídica; aos demais
companheiros de trabalho no Departamento, todos eles, dos funcionários aos
docentes, dos jovens amigos aos mestres, pela labuta cotidiana; aos meus
queridos amigos da turma do mestrado, “Class of 2006” – a bicampeã na
prova do mestrado – por estarmos no mesmo barco; ao Antonio Maia, pela
conversa; à minha co-orientadora, Gisele Cittadino, pelo modelo; ao meu
orientador, Carlos Plastino, pela liberdade nas minhas intuições.
E mais:
ao Paulinho, não tanto pela revisão, mas por estar sempre perto de mim; à
Bruna, irmã, por me ajudar a “enquadrar” os autores; ao Marcus, por
compartilhar os insights eufóricos; ao Pablo, pela resposta séria ao
Chomsky, ao contrário do Carlos Nelson Konder; ao Chico, por prometer
me refutar.
Por fim:
ao Paxa, meu companheiro fiel.
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Resumo
Francisco, Rachel Herdy de Barros, Plastino, Carlos Alberto. A República
e o Homem Comum: um estudo sobre a competência cívica. Rio de
Janeiro, 2006. 97 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A teoria republicana do Estado tradicionalmente destaca a centralidade da
virtude inerente ao homem cívico. A presente dissertação investiga o problema da
civilidade a partir de uma abordagem que distingue as potencialidades do homem
comum. Elabora-se uma concepção de civilidade como competência. O trabalho
transcende os limites disciplinares do Direito com o objetivo de (re)construir uma
teoria mais compreensiva sobre o tema proposto. Basicamente, dois movimentos
teóricos são realizados: de um lado, uma reconstrução da noção de competência
humana; de outro, o apontamento das implicações desse marco-teórico para o
desenho de uma teoria política alicerçada na idéia de que a civilidade é gerada por
um estado mental específico potencialmente presente em todos os homens
comuns. Propõe-se, no final, que a civilidade é revelada em processos ordinários
de interação social focalizada que demandam o exercício de competências
discursivas para a resolução de problemas.
Palavras-chave
Republicanismo, pragmatismo, homem comum, civilidade, competência,
linguagem, cognição, mente, discurso, moralidade, justiça, razão comunicativa,
universalismo, interação, problemas, filosofia da linguagem, psicologia social e
teoria política.
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Abstract
Francisco, Rachel Herdy de Barros, Plastino, Carlos Alberto The
Republic and the Common Man: a study about civic competence. Rio
de Janeiro, 2006. 97p. MSc. Dissertation – Departamento de Direito,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The republican theory of the State traditionally focuses on the centrality of
virtue inherent to the civic man. The present dissertation investigates the problem
of civility from an approach that distinguishes the potentialities of the common
man. It elaborates a concept of civility as competence. The work transcends the
disciplinary boundaries of Law with the objective of (re)constructing a more
comprehensive theory about the theme proposed. Basically, two theoretical
movements are undertaken: on the one side, the reconstruction of the notion of
human competence; on the other, the signaling of the implications of this
theoretical framework for the design of a political theory based on the idea that
civility is generated by a specific mental state potentially present in al common
man. It proposes, in the end, that civility is revealed in ordinary processes of
focalized social interaction which demand the exercise of discursive competences
for the resolution of problems.
Keywords
Republicanism, pragmatism, common man, civility, competence,
language, cognition, mind, discourse, morality, justice, reason, communicative
reason, universalism, interaction, problems, philosophy of language, social
psychology, political theory.
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Sumário
1. Introdução 11
1.1 Apresentação do tema 11
1.2. Metodologia 15
1.3. Estrutura do Trabalho 19
2. Chomsky: as contribuições da metodologia naturalista para os
estudos sobre a mente e a competência lingüística 21
2.1 Naturalismo metodológico 23
2.2 A competência lingüística 25
2.3 A mente comum 26
2.4 O entendimento 27
2.5 Excursus: a explicação enquanto fenômeno biológico 30
3. Kohlberg: os aportes da psicologia genética para a idéia de
desenvolvimento moral 35
3.1 A influência de Jean Piaget 38
3.2 Os níveis e estágios de desenvolvimento moral 40
3.3 A Entrevista de Julgamento Moral 42
3.4 O desenvolvimento moral “para melhor” 45
3.5 A reversibilidade do pensamento 48
3.6 A estrutura da moral 50
3.7 From is to ought: a defesa do universalismo cognitivo 52
4. Habermas: a metodologia reconstrutiva e a teoria da competência
comunicativa 55
4.1 A reconstrução racional 56
4.2 A perspectiva participativa 60
4.3 A pragmática universal 61
4.4 A competência comunicativa 63
4.5 O cognitivismo, o universalismo e o formalismo 66
5. Pettit: a defesa do microfisicalismo e o conceito de sujeitos
recursivamente representacionais 70
5.1 O microfisicalismo 72
5.2 Os “sujeitos recursivamente representacionais” 74
5.3 A liberdade como responsabilidade 77
5.4 A república contestatória 80
6. Considerações finais 82
7. Referências bibliográficas 92
Anexo:Os seis estágios morais 97
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Lista de figuras
Figura 1 - Esquema explicativo da hipótese intuitiva da dissertação. 15
Figura 2 - A “Faculdade de Formação da Ciência” (FFC) como uma
função da linguagem. 29
Figura 3 - A motivação para a obediência a regras morais e os estágios. 47
Figura 4 - O processo da pesquisa. 82
Figura 5 - A idéia de evolução. 85
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Belief in the “Common Man” is a familiar article in the
democratic creed. That belief is without basis and
significance save as it means faith in the potentialities of
human nature as that nature is exhibited in every human
being irrespective of race, color, sex, birth and family, of
material or cultural wealth. This faith may be enacted in
statutes, but it is only on paper unless it is put in force in the
attitudes which human beings display to one another in all
the incidents and relations of daily life.
(John Dewey, 1939)
Em tudo isto, o que me interessa, o que eu procuro ver não
são as agitações em si mesmas, mas principalmente os
agitadores. No Brasil, os agitadores são infinitamente mais
interessantes do que as agitações. Em boa verdade, o que me
interessa é, antes de tudo, a mentalidade dos agitadores.
(Oliveira Vianna, 1929)
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1
INTRODUÇÃO
As cidades brasileiras retratam, na passagem do século XX para o XXI,
um ambiente de crescente exclusão, de desemprego, de pobreza, de violência,
entre outros graves problemas sociais. Este cenário é fruto de um processo de
urbanização marcadamente desigual característico dos países da América Latina,
como o Brasil.
De fato, o regime jurídico que ainda prevalece nas cidades brasileiras,
fruto da sociedade moderna, é incompatível com a idéia de uma cidade sustentável
para toda a população, eis que este regime é marcado por uma racionalidade
instrumental e funcional geradora de polarização, exclusão e conflitos sociais. Por
isso, torna-se urgente e necessário concretizar na vida dos cidadãos o Direito à
Cidade e à Cidadania, entendido como uma nova lógica que universaliza o acesso
aos equipamentos e serviços urbanos, a condição de vida urbana digna e ao
usufruto de um espaço culturalmente rico e diversificado e, sobretudo, em uma
dimensão política de participação ampla dos habitantes das cidades na condução
de seus destinos. Um direito que foi conquistado pelo Movimento Nacional de
Reforma Urbana na Constituição Brasileira, no se capítulo urbano, e na sua
regulamentação: Lei Federal 10.257/01 denominada “Estatuto da Cidade”.
Como esclarece Luiz C. Queiroz de Ribeiro
1
:
“O Movimento Nacional pela Reforma Urbana se constituiu a partir da crítica ao
fracassado modelo tecnocrático e autoritário de planejamento e consolidou o
vasto conjunto de idéias e propostas que vêm sendo debatidas na sociedade
brasileira desde início dos anos 60. O objetivo central é a instituição de um novo
padrão de política urbana, fundado nas seguintes orientações: a instituição da
gestão democrática da cidade, com a finalidade de ampliar o espaço de cidadania
e aumentar a eficácia/eficiência da política urbana; reformas nas relações
intergovernamentais e nas relações governo-cidadania, a primeira com a
municipalização da política urbana e a segunda pela adoção de mecanismos que
institucionalizem a participação direta da população no governo da cidade.”.
A Constituição Federal de 1988, considerada como o marco da´re-
democratização´ brasileira instituiu as bases normativas de um regime político
no qual a população é amplamente conclamada a ter um papel ativo na gestão
1
RIBEIRO, Luiz C. Queiroz. Desigualdade e Exclusão. In: Fundação Perseu Abramo, Revista Teoria e
debate n. 20., 1993, p. 10.
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14
pública, especialmente no plano local. De fato, requer-se a concretização do
princípio democrático, para utilizar-se a categoria disseminada por Canotilho
2
:
”Se a norma jurídica só adquire verdadeira normatividade quando se transforma
em norma de decisão aplicável a casos concretos, concluiu-se que cabe ao agente
ou agentes do processo de concretização um papel fundamental, porque são eles
que, no fim do processo, colocam a norma em contacto com a realidade. No
específico plano da concretização normativo-constitucional, a mediação metódica
da normatividade pelos sujeitos concretizadores assume uma das suas
manifestações mais relevantes. Em face do caráter aberto, indeterminado e
polissêmico das normas constitucionais, torna-se necessário que, a diferentes
níveis de realização ou de concretização – legislativo, judicial, administrativo –
se aproxime a norma constitucional da realidade.
A sustentabilidade urbana necessária implica, portanto, uma alteração do
modelo de desenvolvimento, que fez do Brasil um país com um dos piores índices
de desigualdade social e de concentração de renda, ou seja, uma evolução da
cidade que não implique em crescente esgotamento dos recursos naturais e
exclusão de parcelas sociais. Busca-se, para tanto, a construção de uma política
com ética nas cidades capaz de construir uma esfera pública efetiva no processo
de gestão urbana, a partir da institucionalização da participação direta da
população no governo da cidade, isto é, uma política que envolva a população
local de uma forma democrática e participativa.
De acordo com o professor Edésio Fernandes
3
:
“a formulação de um novo pacto social urbano necessita de um marco teórico que
promova de uma vez por todas a reforma do liberalismo político ainda
predominante na interpretação do fenômeno da urbanização (...) A sociedade civil
está reclamando por sua inclusão em políticas públicas de planejamento mais
democráticas, o que certamente implica na redefinição de ,planejamento, que tem
que ser reconhecido como processo político fundamental para as lutas populares
no sentido da construção de cidades sustentáveis e habitáveis, e não como uma
mera atividade regulatória estatal. (...) um novo pacto social urbano requer que
tais novas formas de participação popular sejam incorporadas no processo
legislativo, na administração executiva e na resolução judicial, em suma, no
processo de governança urbana”
Nesse sentido, o planejamento urbano deve ser transformado em
instrumento de democratização, ao invés de um processo decisório tecnocrático e
autoritário. Uma melhor distribuição de renda, a transformação dos modelos
privatizantes da ocupação do território urbano e a reversão dos padrões
2
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Ed. Almedina, 5ªed., 1991, p. 229-230.
3
FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil / Edésio Fernandes, organizador.
Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 39-40.
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15
hegemônicos de uso da terra como reserva de valor não vão se tornar mudanças
institucionalizadas pela elaboração de planos melhores, mas por impulsos e
movimentos a partir da própria sociedade. Isso vai exigir a construção de
relacionamentos político-sociais dos cidadãos com suas cidades, nos quais a
implementação e manutenção do espaço e equipamentos públicos se transformem
em responsabilidade coletiva, diferente da noção convencional de espaço público
como propriedade privada da população, o que se propõe talvez seja a retomada
das possibilidades da democracia urbana, instigante categoria trabalhada por
Henri Lefebvre
4
.
A presente dissertação intitulada Gestão Democrática da Cidade e Plano
Diretor: O Caso Referência da Cidade de Rio das Ostras está estruturada em duas
partes, visando estabelecer, em primeiro plano, o grande cenário do campo de
estudos, situando, em seguida, o campo específico onde se estabelece a pesquisa
e, na segunda parte, demonstrar a relevância da gestão democrática da cidade
cristalizada no Plano Diretor
5
.
Na primeira parte, busca-se estabelecer a relação entre Direito Público e
Direito Urbanístico. Serão discutidos as características e o campo de abrangência
deste ramo do direito, ressaltando principalmente o seu caráter interdisciplinar
6
,
4
LEFEBVRE, Henri. El Derecho a La Ciudad. 4ª. Ed. Ediciones Península. Barcelona,1978, p.
31.Veja-se especialmente o fragmento que identifica a origem de uma democracia urbana,
contraponto de uma democracia camponesa e a lógica da sociedade de classes na edificação da
cidade moderna, a partir da famosa experiência parisiense, no século XIX: “A lo largo del siglo
XIX, la democracia de origen campesinocuya ideologia animó a los revolucionarios, hubiera
podido transformarse em democracia urbana. Este fue, y continua siendo para la historia, uno de
los sentidos de la Comuna. Como la democracia urbana amenazaba los privilégios de la nueva
clase dominante, ésta impedió su nascimiento.?De qué manera?Expulsando del centrourbano y de
la ciudad misma al proletariado, destruyendo la “urbanidad”.
6
Sobre a interdisciplinaridade no direito urbanístico brasileiro, veja-se, entre outros, Rogério
Gesta Leal, Nelson Saule Junior, Regina Helena Costa e José Afonso da Silva. É da lavra deste
eminente publicista a seguinte definição: “Em verdade, o Direito Urbanístico, especialmente no
Brasil, forma-se de um conjunto de normas que ainda pertencem a várias instituições jurídicas,
parecendo mais adequado considerá-lo, em seu estágio atual, como uma disciplina de síntese, ou
ramo multi-disciplinar do Direito que, aos poucos, vai configurando suas próprias instituições” in
op. cit., p. 37. Na doutrina italiana, sistema de grande relevância em matéria urbanística, é
interessante a lição de FEDERICO SPANTIGATTI, ratificando de certo modo as premissas de
JOSÉ AFONSO DA SILVA: “Il fatto che il diritto urbanistico constituisca un quadro cosí
semplice nelle sue linee esenziali é tanto più notevole in quanto gli istituti e le singole norme di
esso hanno avuto origine differente, sono storicamente originati in tempi e da radice diverse.
Come sempre accade nel diritto, l’origine storica delle norme è scalata nel tempo, e la
omogeneità degli istituti è una creazione della scienza, non un dato originario. Esporre
sistematicamente il diritto urbanistico porta a racogliere norme numerose e disparate, e di grande
importanza pratica, in un quadro compatto e coerente, ed incide necessariamente nel profondo
della teoria generale del diritto. Questa esposizione dovrebbe conservare la sua validitá finché
duri, come ossatura fonadamentale nel nostro ordinamento giuridico, la nuova scuola di diritto
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16
no qual é indisputável um diálogo com o direito constitucional, o direito
administrativo, o direito ambiental e o direito civil, além das perspectivas
multidisciplinares resultantes da abordagem de temas concernentes à ciência do
urbanismo, à sociologia, à política, à economia, à geografia e à história.
Serão analisados igualmente os princípios e diretrizes do direito
urbanístico, a fim de revelar a sua autonomia didático-científica, destacando o
estudo do princípio da função social da propriedade que é a definição nuclear de
toda a dogmática urbanística, verdadeiro ponto de recorrência teórica para o qual
convergem todos os institutos de direito urbanístico que, dialeticamente, dela
provem.
Posteriormente, pretendeu-se situar o direito à cidade no plano dos
chamados direitos humanos. De acordo com as diversas fontes de direito
internacional, tendo como marco inicial, a Declaração Universal, quando já se
constatava a origem da idéia que capitula os direitos relativos à vida urbana, já se
admitindo que os direitos humanos podem ter natureza econômica e social, e,
enquanto marcos contemporâneos, documentos mais recentes, de cunho urbano-
ambiental, como a Agenda XXI e a proposição denominada Carta das Cidades.
Nas referidas fontes documentais observa-se que os conceitos ambientais e
urbanísticos vêem, gradativamente se ampliando e que findam por traduzir
verdadeiras especificações da função social da propriedade pública e privada para
amparar o homem-cidadão, habitante da urbe, a demandar juridicamente comida,
casa, água, segurança, saneamento..., num crescente de direitos que são cada vez
mais inerentes à vida, configuradores da dignidade humana e insuscetíveis assim
de omissão estatal no dever de prestá-los.
Sendo assim, apresenta-se a idéia central de um novo humanismo, ou seja,
pubblico, cha ha iniziato il suo corso da appena uno o due decenni” in Manuale de Diritto
Urbanistico. Milano:Ed. Giuffré. Milano, 1969, p. 45. Ainda entre os italianos, observe-se a
agudeza da concepção de PIERANDREA MAZZONI: “Infatti, attorno ai problemi di carattere
urbanístico, si accende uma dura battaglia di ordine político, che caratterizza specialmente gli
anni ’60 e che acquista um preminente rilievo: il quadro si complica e toni diventano
maggiormente marcati( e non solo per quanto attiene allúrbanistica)intorno al 1968,allorché i
grandi movimenti d’opinione si affaciano più direttamente all’esame dei cosiddeti problemi delle
riforme. La vicenda va attentamente considerata, sopratutto per le importanti conseguenze che ha
avuto sul il piano più strettamente giuridico. L’incomprensione delle motivazioni che le
caratterizzano, ponendosi a monte della complessa normativa che forma l’oggettoimmediato del
rpesente lavoro, determina spesso un non accurato approfondimento di problemi propri del diritto
urbanistico” in La Proprietá Procedimento. Milano: Giuffré Editore, 1975, p. 13.
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17
de um novo paradigma para a humanidade
7
que está correlacionado
intrinsecamente com a concepção atual de direitos fundamentais e muito
especialmente dos direitos humanos, dada sua historicidade. No caso vertente,
cujo entendimento decorre do conceito de função social da propriedade, é de se
constatar um novo vetor jurídico-político do desenvolvimento econômico e social
que propõe a existência de uma cidade sustentável e democrática, que está
fundamentado na Constituição Brasileira – art. 182 e 183 (Política Urbana) e art.
225 (Meio Ambiente).
A segunda parte da Dissertação é o ponto central da pesquisa em que se
dará destaque à questão da Gestão Democrática da Cidade e a Democracia
Participativa como condição de validade dos Planos Diretores Municipais. Será
utilizado como metodologia do trabalho o estudo de um caso-referência: Rio das
Ostras - a elaboração e a institucionalização do projeto de Lei do Plano Diretor do
município.
A partir desta análise, verifica-se que a norma urbanística no plano da
gestão participativa está na razão direta da harmonização/identidade, coerência,
lógica democrática entre todas as partes que são identificadas nas instituições
contemporâneas do direito urbanístico, notadamente nos planos diretores, marcos
de um direito ordinário constitucionalizado
8
. Tais segmentos dos planos diretores
- as diretrizes, os instrumentos jurídico-urbanísticos, e os institutos de gestão
democrática - representam justamente as etapas necessárias para observação da
eficácia social da norma urbanística, porque são típicos institutos jurídicos da
cidade, todavia constitucionalizados, por conta da competência para integrar no
plano municipal o direito fundamental à função social da propriedade.
A teoria do discurso de Habermas será o marco teórico do trabalho. Tal
teoria, baseada na Ética Discursiva, parte de um processo de interação
linguisticamente mediado, voltado para os interesses emancipatórios da
humanidade, capaz de promover a participação dos cidadãos nos processos de
7
A concepção de um “novo humanismo” foi proposta desde o final da década de 1960, como se verifica na
obra clássica de Henri Lefebvre, El Derecho a la Ciudad,, op. cit., . p. 159. É particularmente importante
“La razón es que el porvenir de “el hombre”no si descubre ni em el cosmos, ni em el pueblo, ni em la
producción, sino en la sociedad urbana. La filosofia al, igual que el arte, puede y debe ser reconsiderada en
función de esta perspectiva”
8
Para a compreensão da teoria da constitucionalização do direito ordinário e a relação entre constituição e
direito ordinário, como se vê na carga valorativa que extraem os planos diretores da Constituição Federal, no
exemplo brasileiro, veja-se, dentre muitos, GARCIA, Enrique Alonso, Interpretacion de la Constituicion.
Macrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1984, p. 477.
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18
decidibilidade jurídica. Desta maneira, será utilizado o modelo habermaseano de
reconstrução discursiva da democracia e do direito para justificar a relação entre
poder público municipal e a sociedade civil nos processos de elaboração de Planos
Diretores Municipais.
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2
DIREITO PÚBLICO E DIREITO URBANÍSTICO
2.1
Cidade, urbanismo e democracia
Os filósofos são unânimes em afirmar que a filosofia só poderia mesmo
surgir no ambiente livre das cidades antigas. Ou seja, em um ambiente onde as
idéias pudessem florescer e circular livremente. E é exatamente essa liberdade que
fez surgir o ideal democrático, no âmbito da polis, como fruto de relações
econômicas, políticas e culturais que se travaram no espaço urbano, com a plena e
livre participação dos cidadãos. Portanto, pode-se afirmar que a cidade, na sua
origem, surgiu como o espaço do pensamento filosófico, da democracia e do
exercício da liberdade.
Com efeito, as cidades antigas já eram o espaço onde se estabeleciam as
relações de poder, o sistema econômico, a circulação das mercadorias, a produção
do saber, as relações sociais e, sobretudo, a participação do cidadão na vida da
polis. É por isso que a idéia de cidadania vincula-se à polis grega. Como se sabe, a
polis era composta de homens livres, com intensa participação política, em pleno
exercício de uma democracia direta, assentada sobre os direitos e deveres da
coletividade, publicamente debatidos por todos os cidadãos. Nelson Saldanha
1
, em
notável opúsculo, adota a metáfora do jardim e da praça, para especular sobre o
espaço público e o espaço privado, na antiga Grécia e em Roma.
1
Veja-se a respeito das dimensões pública e privada na cidade antiga, a página muito original de Nelson
Saldanha: “O desdobramento desses dois “momentos”, ou duas dimensões do viver – a pública e a privada –
poderia ser rastreado no processo de estruturação social em cada uma das chamadas grandes culturas.
Poderia inclusive ser vislumbrada (embora certamente sem maior nitidez) no próprio surgimento das
estruturas e na institucionalização das práticas. Então teríamos uma série de subtemas...Teríamos uma
variada série de conjecturas a explorar, algumas delas com seus estudos históricos já feitos: por exemplo, a
dualidade de cultos, um público e o outro privado, tanto na antiga Grécia como em Roma, foi
persuasivamente fixada na sempre notável Cite Antique de Fustel de Coulanges. Cultos distintos, embora
solidários. Colocando sobre o panorama histórico-cultural das culturas antigas – em sua respectiva fase
“antiga”- algumas questões que parecem permanentes, pode-se também especular sobre a relação entre a
vivência do jardim, e da praça e das diferentes classes sociais. Seria o jardim uma criação das classes altas?
Seria diferente a atitude do plebeu e do nobre, naquelas fases “antigas”, diante do chamado espaço público?
E, avançando um pouco sobre um tema que deverá vir adiante, seria viável perguntar por uma ética do
jardim e outra da praça, correspondentes ao predomínio do ethos privado ou do ethos público em dado
contexto histórico.in O Jardim e a Praça.Ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e
histórica. Porto Alegre: Ed. Sérgio Fabris, 1986, p. 13/14.
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20
No clássico A cidade antiga, Fustel de Coulanges lembra como era a vida
de um ateniense:
“um dia o ateniense é chamado à assembléia do seu demo... outro dia esse mesmo
ateniense é convocado para a assembléia da sua tribo... três vezes por mês,
regularmente, deve assistir à assembléia geral do povo e não tem o direito de
faltar... não pode votar se não esteve presente desde o início da assembléia, tendo
ouvido todos os discursos. Para o ateniense o voto é assunto dos mais sérios; ora
se trata de nomear os seus chefes políticos e militares, isto é, aqueles a quem o
seu interesse e a sua vida vão ser confiados por um ano; ora será um imposto que
deve ser criado ou uma lei que deve ser modificada; ou é sobre a guerra que deve
votar, sabendo como terá de dar o seu próprio sangue, ou de algum filho seu. Os
interesses individuais estão inseparavelmente ligados aos interesses do Estado.”
2
Portanto, não é de maneira alguma descabida a associação entre cidade e
democracia, mesmo pela identidade política da expressão cidade, oriunda da polis,
diferindo-se da urbe, cuja dimensão era nitidamente espacial, como ensina desde
sempre Fustel de Coulanges
3
, já que no âmbito daquela se desenvolveram os
mecanismos de participação política, a afirmação da liberdade e o pleno exercício
da cidadania. Pode-se também afirmar que aquelas mesmas relações econômicas,
políticas e socioculturais, que se desenvolveram nas cidades antigas, continuam se
estabelecendo nas cidades contemporâneas, onde estão sediados os poderes
constituídos, os locus de produção e reprodução do saber, a produção de
mercadorias e os mercados, os espaços de debate e de tomada das decisões
políticas.
Essa mesma vinculação entre cidade e democracia pode também se
estabelecer entre democracia e urbanismo
4
, termo derivado do latim, urbe, que é
sinônimo de cidade. Muito embora o urbanismo tenha surgido como ciência da
planificação dos espaços urbanos, ele é hoje definido como o conjunto das
relações entre o espaço da cidade e a sociedade que nela vive”.
5
O urbanismo
encerra uma idéia que vai além do simples planejamento físico da cidade, para
abranger também o planejamento de espaços institucionais, onde se devem travar
as relações políticas, econômicas e sócio-culturais que definem o estilo de vida
2
COULANGES, Fustel de Coulanges. A Cidade Antiga. Tradução Pietro Nasseti. Porto Alegre: Editora
Martin Claret. 2002, p. 145.
3
“Cidade e urbe não foram palavras sinônimas entre os antigos. A cidade era a associação
religiosa e política das famílias e das tribos; a urbe, o lugar de reunião, o domicílio e sobretudo o
santuário desta sociedade” In: op.cit,
p. 145.
4
“Assim, a sociedade humana, nesta raça, não cresceu como um círculo, que alastrasse pouco a pouco mas,
ao contrário, pela agregação de pequenos grupos, de há muito constituídos. Várias famílias formaram a
fratria, várias fratrias a tribo, e diversas tribos a cidade.” In: op. cit., p. 138.
5
GONÇALVES JÚNIOR, Antônio José et alii, O que é urbanismo?, Editora Brasiliense, 2000, p. 18.
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21
dos cidadãos e o modelo dos espaços urbanos. Logo, verifica-se que o urbanismo
está indissociavelmente ligado à idéia de planejar para viabilizar a participação, a
liberdade e a cidadania.
É exatamente por isso que o direito urbanístico se apresenta como um
ramo do direito estreitamente relacionado ao direito constitucional
6
, conduzindo
sempre interesses difusos e coletivos, cuja legislação é considerada de natureza
cogente, porque é de interesse geral e visa a ordenação racional dos espaços
urbanos, a funcionalidade desses espaços, a boa qualidade de vida das pessoas que
neles vivem, bem como a gestão democrática das cidades. Além disso, o direito
urbanístico mantém íntima relação com outros ramos do direito público, como o
direito administrativo, do qual pode se dizer tenha se originado, o direito
econômico e o direito ambiental, o direito tributário, o direito processual e o
direito penal. Por outro lado, não se deve olvidar a ontologia civilista de várias das
instituições de direito urbanístico, plasmada na própria origem romana das
instituições que primeiro definiram direitos patrimoniais vinculados à urbanidade
e seu eventual condicionamento, como é o caso exemplar dos direitos de
vizinhança, bem assinalado por Ricardo Lira
7
.
O direito urbanístico, assim, confirma a nota característica das disciplinas
jurídicas que afirmaram sua autonomia didático-científica na contemporaneidade,
revelando o seu caráter acentuadamente interdisciplinar. Esta é a precisa
constatação de Rosângela Lunardelli Cavallazzi
8
, ao abordar especificamente a
questão:
“A natureza do feixe de direitos que estrutura o direito à cidade, a exemplo dos
direitos do consumidor e do meio ambiente é sua titularidade indefinida, vez que
se desloca da clássica prerrogativa da titularidade individual, de matiz liberal,
para alcançar o conjunto da sociedade segundo a perspectiva solidária da justiça
distributiva. A tendência crescente no sentido de proteger os interesses difusos
configura-se em fenômeno global, típico da pós-modernidade.”
···.
6
É na Constituição Federal que se encontram as diretrizes da política urbana. Tal relação foi bem observada
no estudo de Rogério Gesta Leal, quando indaga acerca de cidade e cidadania: “Se é perceptível a vinculação
necessária entre cidadania e cidade, enquanto espaço público do entendimento/consenso, não é suficiente
constituir um novo conceito de cidadania (participante, democrática, crítica, responsável), mas impões-se
levar em conta, no limite deste trabalho, dois aspectos: (a) se há no denominado Estado Democrático de
Direito brasileiro instrumentos e mecanismos materiais que ensejem esta nova perspectiva de cidadania;(b)
se podemos demarcar algum plano empírico-eficacial desta cidadania no cotidiano das cidades” Cf. LEAL,
Rogério Gesta. Direito Urbanístico, op. cit., p. 67.
7
LIRA, Ricardo. Elementos de Direito Urbanístico, op. cit., p. 46.
8
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli; ARAÚJO, Eloísa Carvalho. Revendo os papéis da ordem
jurídica e urbanística na cidade do Rio de Janeiro. In: SCHICCHI, Maria Cristina; BENFATTI,
Dênio. (Org.) Urbanismo: dossiê São Paulo – Rio de Janeiro. Campinas: PUCCAMP/PROURB,
2004
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22
2.1.1
O direito urbanístico
A ordem urbanística é questão que interessa não só aos moradores deste ou
daquele bairro, a este ou aquele agrupamento social, mas interessa também a toda
a coletividade urbana, na medida em que a prévia ordenação da ocupação do solo,
segundo normas e critérios racionais, é providência indispensável para que o
homem possa utilizá-lo nas funções urbanas elementares de habitação, trabalho,
recreação e circulação.
9
Tal direito remete à utilização básica da terra como uma
prerrogativa humana, enunciada de modo pioneiro na Declaração de
Vancouver,em 1976, como ensina Ricardo Pereira Lira:
” A propriedade fundiária é um bem de produção. O solo é incomensurável em
seu valor, tanto para os particulares, como para o povo em seu conjunto. Nele se
radicam a fonte de alimentação das gentes, as riquezas criadoras dos instrumentos
elementares para a satisfação das incontáveis necessidades vitais, e todo o
sistema habitacional dos seres humanos. Dele se extraem as substâncias curativas
e de fortalecimento, as possibilidades inesgotáveis de recreio e lazer, e,
sobretudo, nele se exerce a liberdade essencial do homem ir e vir. O solo é toda
hipótese e possibilidade de vida.”
10
Segundo o professor José Afonso da Silva, “as normas urbanísticas, por
serem de direito público, são compulsórias, cogentes”. E são de direito público
exatamente “porque regulam (regram, normatizam, impõem modo de agir) uma
função pública, que é a atividade urbanística do poder público, conformando, por
outro lado, a conduta e as propriedades dos particulares a seus ditames”.
11
O interesse difuso conduzido pelas normas urbanísticas de ordenamento e
ocupação do solo urbano é ressaltado por Hely Lopes Meirelles quando ensina:
9
Advindo a idéia de ocupação do solo, evidentemente, da possibilidade de disposição da terra, é de ser mais
uma vez referida a Declaração de Vancouver de 1976, em seu Princípio Geral n. 10 “ A terra é um dos
elementos fundamentais dos assentamentos humanos. Todo o Estado tem direito a tomar as medidas
necessárias para manter sob fiscalização pública o uso, a propriedade, a disposição e a reserva de terras.
Todo Estado tem direito a planejar e administrar a utilização do solo, que é um dos seus recursos mais
importantes, de maneira que o crescimento dos centros populacionais, tanto urbanos como rurais, se
baseiem num plano amplo de utilização do solo. Essas medidas devem assegurar a realização dos objetivos
básicos d reforma social e econômica para cada Nação, de conformidade com o seu sistema e suas leis de
propriedade da terra.”
10
LIRA, Ricardo-Cesar Pereira, Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Ed. Renovar. 2ª. Ed. 2001,
p. 312.
11
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 53. Em
outra passagem, verifica-se a presença da estrita legalidade em matéria urbanística: “ ...Como tal, só pode
atuar nos quadros do direito, porque está sujeita ao princípio da legalidade...V~e-se, pois, que se trata de
atividade que há de exercitar-se segundo normas de lei naquilo em que crie direitos ou imponha obrigações
aos particulares.” In: op cit
, p. 28.
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23
“como as demais imposições do Poder Público, as urbanísticas nascem revestidas
de imperium, inerente a toda ordem estatal, tornando-se obrigatórias não só para
os particulares como para a própria Administração, visto que a submissão dos
indivíduos e das autoridades às normas legais constitui peculiaridades dos
Estados de Direito, como o nosso (...) as limitações urbanísticas devem
corresponder às justas exigências do interesse coletivo que as motiva.”
12
O próprio Hely Lopes Meirelles, em outra passagem da sua mencionada
obra, faz questão de enfatizar o interesse coletivo ou difuso na observância das
normas e limitações urbanísticas, destacando que as mesmas, “por sua natureza
de ordem pública, destinam-se, pois, a regular o uso do solo, as construções e o
desenvolvimento urbano, objetivando o melhoramento das condições de vida
coletiva, sob o aspecto físico-social”.
13
A atividade urbanística está, portanto, regulada por preceitos jurídicos de
ordem pública, ou cogente. E se essa atividade se apresenta mesmo, como ensina
Hely Lopes Meirelles, como um “conjunto de medidas estatais destinadas a
organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida
ao homem na comunidade
14
, então, a observância do princípio da legalidade, em
matéria de direito urbanístico, corporifica já o evidente interesse difuso de toda a
sociedade naturalmente interessada na regularidade física e jurídica do meio
ambiente urbano.
Ronaldo Coutinho, aliás, identificou de modo percuciente a evolução dos
sujeitos de direito na evolução das instituições jurídicas até o surgimento do
sujeito coletivo, categoria tão cara à disciplina jurídica das cidades:
“Vê-se, portanto, que à noção axial do Direito moderno, o sujeito de direito,
contrapõem-se...os novos sujeitos coletivos, num quadro marcado pelo paradoxo
entre uma crescente demanda de justiça, por parte de diversos setores da
sociedade, e uma proporcional perda de eficácia e operacionalidade dos
mecanismos institucionais de gestão das tensões e dos conflitos de interesses. Daí
a relevância das questões teóricas embutidas na discussão doutrinária sobre os
interesses difusos.”
15
Dessa maneira, a proteção jurídica do meio ambiente urbano, quer pelo
seu aspecto estético, quer pelo aspecto da sua funcionalidade, é matéria de ordem
12
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1985, p.
13
Op.cit., p. 384.
14
Op. cit., p. 377.
15
COUTINHO, Ronaldo do Livramento. Direito Ambiental das Cidades: questões teórico-
metodológicas in O Direito Ambiental das Cidades( Ronaldo Coutinho e Rogério Rocco org.). Rio
de Janeiro: Ed. DP&A, 2004, p.30
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24
pública, de interesse difuso de toda a coletividade. Daí porque o direito
urbanístico, sobretudo entre nós, vai ganhando foros de legislação pública, com
força impositiva, capaz de restringir a propriedade e limitar interesses privados
16
para a consecução de seus objetivos de planejar o espaço urbano e garantir a
participação dos cidadãos nos processos decisórios sobre a gestão das cidades.
No Brasil, a competência para editar normas de direito urbanístico é
concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal: artigo 24, I da
Constituição Federal de 1988. Todavia, naquilo que se refere aos assuntos de
interesse local, essa competência legislativa passa para os municípios, artigo 30, I
da Constituição, que, aliás, legislam sempre suplementando a legislação federal e
estadual, conforme o art. 30, II da Carta Constitucional. Tal significa dizer que o
ordenamento jurídico urbanístico, na verdade, tem a sua fonte formal nas três
esferas de poder: federal, estadual e municipal. É por isso que normas de direito
urbanístico são encontradas tanto na Constituição Federal, quanto nas
constituições estaduais e em legislações dos municípios, nas suas leis orgânicas,
nos seus planos diretores, nas suas leis de zoneamento, entre outras.
No plano federal, temos hoje a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, o
chamado “Estatuto da Cidade” que regulamenta os artigos 182 e 183 da
Constituição de 1988, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana no Brasil,
e que pode ser considerado verdadeiro marco institucional da nossa tão esperada
reforma urbana.
17
Esse diploma legal, comprometido com a idéia de cidades
sustentáveis e democraticamente geridas, estabelece diretrizes e institui alguns
instrumentos que buscam a execução de uma política urbana “em prol do bem
coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental”.
18
O Estatuto da Cidade está todo ele perpassado por normas que prefiguram
direitos difusos e coletivos, bem como normas que visam a garantir a gestão
democrática da cidade, tais como, por exemplo, a norma que garante a
16
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro, op.cit., p. 28. É o excerto: “Como acabamos de ver,
a atividade urbanística é de natureza pública, e se exerce constrangendo e limitando interesses privados”
17
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço urbano.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 80.
18
Artigo 1
o
do Estatuto da Cidade: “ Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, será aplicado o previsto nessa Lei. Parágrafo Único: Para todos os efeitos, esta Lei,
denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como o
equilíbrio ambiental.”
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25
“participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano
É necessário reconhecer, no entanto, que o Brasil tem uma lastimável
trajetória de urbanização caótica e descontrolada, quase sempre determinada por
interesses corporativistas. O professor Mílton Santos lembra que a urbanização
brasileira sempre se submeteu aos interesses corporativos de grupos, às vezes de
grandes empresas nacionais e estrangeiras, com privilégios especiais no processo
de urbanização. De modo que, no Brasil, pode-se até mesmo falar na existência de
“cidades corporativas”
19
, onde o interesse privado sobrepõe-se ao público, com
graves conseqüências para a qualidade de vida urbana. Outros pesquisadores das
cidades latino-americanas observaram esse quadro pernicioso, com raízes
profundas na desigualdade social e na falta de efetividade da cidadania, como na
observação atenta de Manuel Castels:
“Marginais? 20% da população de Lima (1964), 16% no Rio (1964), 30% em
Caracas (1958), 10% em Buenos Aires, 25% no México (1952) etc. A maioria
dos estudos realizados sobre este tema mostra que não se trata de forma alguma
de “zonas de desorganização social”, que ao contrário, a coesão interna desses
grupos é maior que no resto do aglomerado e chega mesmo a se concretizar nas
organizações de base local. Em compensação, é freqüente que os objetivos destes
grupos assim estruturados não coincidam com os fins socialmente reconhecidos,
quer dizer, em última análise, com os interesses da classe dominante. É
necessário portanto não cair no paradoxo de falar de marginalidade onde o termo
mais adequado é contradição.
A urbanização latino-americana caracteriza-se então pelos traços
seguintes:população urbana sem medida comum com o nível produtivo do
sistema; ausência de relação direta entre emprego industrial e crescimento
urbano; grande desequilíbrio na rede urbana em benefício de um aglomerado
preponderante; aceleração crescente do processo de urbanização; falta de
empregos e de serviços para as novas massas urbanas e, conseqüentemente,
reforço da segregação ecológica das classes sociais e polarização do sistema de
estratificação no que diz respeito ao consumo.”
20
.
Além disso, é certo que a sociedade brasileira ainda não se conscientizou,
e, portanto, não tem uma cultura de defesa dos espaços urbanos, nem de
participação nas decisões políticas sobre a necessidade, forma e destinação desses
espaços. Os movimentos sociais urbanos somente agora começam a se estruturar
em associações de moradores, associações de defesa do meio ambiente, do
19
SANTOS, Mílton. A urbanização brasileira. 5
a
edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2005, p. 109.
20
CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2000, p. 98, 99.
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26
patrimônio histórico, paisagístico e cultural, e não têm nenhuma tradição de luta
pela qualidade de vida nas cidades, nem de defesa dos interesses urbanísticos.
2.1.2
Estatuto da Cidade: diretrizes gerais e instrumentos da política
urbana
A Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) veio para regulamentar os artigos
182 e 183 da Constituição Federal. Conforme disposição constitucional (art. 182,
caput), reafirmada no Estatuto (art. 2º, caput c.c art. 1º, parágrafo único), a política
urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Para o cumprimento deste
desiderato, o legislador infraconstitucional dispensou especial atenção aos
conceitos operacionais de função social da propriedade urbana, cidades
sustentáveis e gestão democrática da cidade, colocando-os mesmo no âmago da
política urbana. Tais conceitos perpassam todo o Estatuto da Cidade, servindo de
base para a fixação das diretrizes gerais e dos instrumentos da política urbana,
traçados, respectivamente, nos artigos 2º e 4º do Estatuto.
O direito de propriedade, que na sua origem foi essencialmente
privatístico, egoístico e absoluto, veio ao longo dos tempos sofrendo uma série de
modificações estruturais, chegando, hoje, a ser compreendido numa perspectiva
socializante
21
e solidarista, porque não mais entendido como o poder absoluto de
usar, gozar e dispor da coisa da forma que melhor aprouver aos interesses
particulares do proprietário. A propriedade impõe, hoje, para o seu titular, uma
autêntica obrigação de fazer, consistente no dever de cumprir a sua função social,
sem a qual sequer se pode falar em “direito de propriedade”. A propriedade que
não cumpre sua função social pode ser entendida como uma situação fática, mas
jamais jurídica, posto que aí não estará presente qualquer direito amparado pelo
ordenamento jurídico. É por isso que a Constituição Federal, ao mesmo tempo em
que garante o direito de propriedade, prescreve que ela atenderá sua função social,
artigo 5º, incisos XXII e XXIII. Não resta, pois, qualquer dúvida de que,
atualmente, a função social da propriedade integra o próprio conceito do “direito
21
TEPEDINO, Gustavo. Contornos da Propriedade Privada. In Temas de Direito Civil II. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001, p. 269.
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27
de propriedade”, não sendo nem limitação nem atributo deste último, mas
verdadeiro elemento estrutural, cuja falta macula a sua própria existência.
Em todo o mundo, mas principalmente nas sociedades do capitalismo
periférico, marcadas pela mais diversas mazelas sociais e pela precariedade da
vida e do meio ambiente urbano, a propriedade privada tende cada vez mais a
assumir a feição não de privilégio ou regalia, mas de verdadeira responsabilidade
do seu titular. Enquanto bem de produção, destinado, desde sempre, a que o
homem retire dela o seu sustento e faça dela sua morada, a terra, seja urbana ou
rural, deve estar sempre voltada ao atendimento das necessidades humanas, não se
concebendo possa servir a meros interesses especulativos de grupos restritos e
elitizados da sociedade. Porque, por natureza e definição, a terra destina-se ao
cumprimento de uma função social, o proprietário, sobretudo hoje, é o depositário
de uma grande responsabilidade social, o que implica a conseqüência inevitável
de que aquele que não corresponde a esta responsabilidade, deixando de promover
o bom e adequado uso do solo, deve perder a propriedade em prol do bem
coletivo, a fim de que outrem – o Poder Público ou outro particular – lhe dê o
destino que é da sua natureza.
Nessa mesma ordem de pensamento está a questão das “cidades
sustentáveis”
22
. A cidade, como se sabe, é o espaço destinado à vivência dos
cidadãos, ao desenvolvimento das relações sociais, econômicas, políticas,
culturais. Como espaço privilegiado onde deve florescer e desenvolver a vida
material e espiritual do homem contemporâneo, necessário é que as cidades
ofereçam todas as condições propícias para o saudável convívio humano, capazes
de garantir a qualidade e a sustentabilidade do meio ambiente urbano. É sob esse
aspecto que avultam de importância tanto o urbanismo quanto o direito
urbanístico. O urbanismo, como já referido atrás, pode ser entendido como o
22
Henri Acselrad esclarece que a “noção de cidade sustentável” instaura uma nova cena de
enunciação, onde uma trama de múltiplos personagens e falas entrecruzadas reelabora as
representações da cidade. Desencadeia-se um jogo lendário de singularizações das cidades, de
ligação entre o seu passado, presente e futuro através de uma ordem linear, de sua transformação
em um quase personagem dotado de um corpo/território e uma alma/cultura citadina. Três
procedimentos simbólicos são acionados: ode reconfiguração do espaço através de uma imagem
que articula os campos semânticos distintos da natureza e da cidade; o da reproblematização da
ação através da aplicação de uma racionalidade científica ecológica ao urbano; o da reinstruturação
do tempo por novas formas de duração- patrimoniais das coisas.” In: ACSELRAD, Henri. A
Duração das Cidades. Sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A
editora, 2001, p.49.
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28
conjunto das “relações entre o espaço da cidade e a sociedade que nela vive”
23
,
exprimindo, assim, a atividade destinada a ordenar e a planificar o uso e a
ocupação do solo urbano, bem como a possibilitar os espaços públicos e
institucionais necessários ao pleno desenvolvimento das relações sociais,
econômicas, políticas e culturais. O direito urbanístico, por sua vez, poder ser
entendido como o conjunto de regras, princípios e institutos jurídicos destinados a
regular a atividade urbanística, vale dizer, destinados a impor condições,
prerrogativas e sujeições ao poder público no desempenho da função pública
relacionada ao urbanismo. Tanto o urbanismo como o direito urbanístico devem,
pois, ter como norte a garantia de uma sadia qualidade de vida nos espaços
urbanos, primando não só pelo atendimento das necessidades físico-materiais da
sociedade citadina, mas também das necessidades políticas e culturais implicadas
no pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, vale dizer, da gestão
democrática e participativa da cidade, possibilitando que os espaços públicos
sejam cada vez mais ampliados e efetivamente ocupados pelos cidadãos.
Evidentemente, a sustentabilidade dos espaços urbanos não se restringe tão
só ao oferecimento das condições materiais e político-culturais necessárias ao
convívio dos cidadãos. De fato, não se poderia falar em “cidades sustentáveis” se
estas condições fossem asseguradas no presente, com prejuízo para as gerações
futuras, comprometendo as vindouras condições de vida no meio ambiente
urbano. A satisfação das diversas necessidades sociais implicadas no pleno
desenvolvimento das relações sociais, econômicas, políticas e culturais travadas
no espaço urbano há, necessariamente, de se dar de forma que seja possível a sua
produção e reprodução no futuro, ou seja, de forma não degradante do meio
ambiente urbano.
Este conceito, já bastante difundido no campo do direito ambiental sob a
rubrica “desenvolvimento sustentável”, é agora transplantado para o direito
urbanístico, encerrando neste a idéia de cidades capazes de oferecer todas as
condições necessárias e propícias ao desenvolvimento das complexas relações
urbanas, tanto para as presentes quanto para as futuras gerações. É esta a idéia
expressa no art. 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade, no qual a sustentabilidade
urbana é alçada ao status de autêntico direito dos cidadãos.
23
GONÇALVES JÚNIOR, Antônio José et alii, O que é urbanismo?, op, cit., p. 18
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29
Por fim, a “gestão democrática da cidade”, considerada idéia e princípio
que orienta todo o Estatuto da Cidade, nada mais é do que a expressão
particularizada, num âmbito específico – o urbanismo, o direito urbanístico, a
definição de função social da Cidade – do Estado Democrático de Direito previsto
na Constituição Federal de 1988. Tal perfil do Estado Moderno se caracteriza,
essencialmente, pela participação política. É sabido que a característica peculiar
ao Estado Democrático de Direito, quando comparado ao outros perfis assumidos
pelo Estado Moderno, qual sejam, o Estado Liberal de Direito e o Estado Social
de Direito, é a participação política.
A participação é, por assim dizer, o plus do Estado Democrático de Direito
em relação às outras formas de Estado que também consagram a democracia e,
pois, a soberania popular. Enquanto o Estado Liberal de Direito e o Estado Social
de Direito se fundam na democracia representativa, o Estado Democrático de
Direito assenta-se na democracia participativa, a qual conjuga o sistema
representativo puro com mecanismos da democracia direta, tais como o plebiscito,
o referendo, a iniciativa popular de leis. A idéia de participação política
caracteriza-se pela participação do povo no processo decisório e na formação dos
atos de governo, despontando, cada vez mais, não como a individualista e isolada
participação do eleitor no momento único da eleição, mas sim como participação
coletiva e organizada da população na definição dos rumos a serem seguidos pela
polis.
No âmbito das questões urbanas, a democracia participativa se expressa na
exigência de que as cidades sejam geridas com a participação daqueles que são os
maiores interessados nos rumos que a polis deve seguir – os cidadãos, os
habitantes dos espaços urbanos. Tal exigência, agora encartada em norma jurídica
e cogente, artigo 2º, inciso II, do Estatuto da Cidade, nada mais é do que a
expressão jurídica de uma exigência política, qual seja, a de que aqueles que serão
afetados por uma decisão tenham a oportunidade de influírem no processo de
formação dessa mesma decisão, garantindo-se-lhes o direito de serem ouvidos e
de terem as suas opiniões e considerações efetivamente levadas em conta no
momento decisório. Ainda no encalço do projeto de democracia não meramente
política, mas também econômica e social, prevista na Constituição Federal de
1988, tem-se que a “gestão democrática da cidade” não se exaure na participação
assegurada aos cidadãos na execução da política urbana. Significa, ainda, que a
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30
atividade urbanística a ser desempenhada pelo poder público deve estar orientada
no sentido da inclusão social, operando como verdadeiro instrumento de
transformação social, através, por exemplo, da garantia de condições dignas de
vida a todos os habitantes da cidade.
Como afirmado no início deste capítulo, “função social da propriedade
urbana”, “cidades sustentáveis” e “gestão democrática da cidade” são chaves de
sentido que atravessam todo o Estatuto da Cidade, orientando tanto a fixação das
diretrizes gerais quanto a especificação dos instrumentos da política urbana. No
campo das diretrizes gerais da política urbana, fixadas no art. 2º do Estatuto da
Cidade, destacamos os pontos que melhor fundamentam a hipótese central deste
trabalho.
No que toca à gestão democrática da cidade, entendida esta tanto na
perspectiva da democracia participativa quanto na perspectiva da democracia
social e econômica previstas na Constituição, podemos citar o inciso II, que
garante a “participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano”. No mesmo sentido, temos o
inciso XIII, que prevê a “audiência do Poder Público Municipal e da população
interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com
efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o
conforto ou a segurança da população”. Relacionados com a idéia de democracia
social e econômica, temos o inciso IX, que impõe a “justa distribuição dos
benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização”; o inciso X, o qual cria
para os Poderes Públicos a obrigação de “privilegiar os investimentos sociais
geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos
sociais”; o inciso XIV, no qual fica estabelecida como diretriz geral a
“regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa
renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e edificação, considerada a situação sócio-econômica da
população e as normas ambientais”; e, por fim, o inciso XV, o qual prevê a
“simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das
normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta
dos lotes e unidades habitacionais”.
Com relação aos instrumentos da política urbana, temos o artigo 4º do
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31
Estatuto da Cidade, onde referidos instrumentos são especificados, ainda que não
o sejam de forma taxativa. Também neste ponto analisaremos apenas os
instrumentos mais diretamente relacionados à garantia da função social da
propriedade urbana, da sustentabilidade e da gestão democrática das cidades.
Como forma de assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana,
e regulamentado o parágrafo 4º do art. 182 da Constituição Federal de 1988, o
Estatuto da Cidade prevê o “imposto sobre a propriedade predial e territorial
urbana, IPTU progressivo no tempo”, a “desapropriação” e o “parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios”, artigo 4º, inciso IV, letra “a”, inciso V,
letras “a” e “i” c.c. artigo 5º, artigo 7º e artigo 8º.
Para garantir o direito às cidades sustentáveis, o Estatuto prevê o
“tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano”, a “instituição de unidades de
conservação”, a “regularização fundiária”, o “Estudo Prévio de Impacto
Ambiental (EIA) e Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV)”,
especificados, respectivamente, no inciso V, letras “d”, “e” e “q”, e inciso VI do
artigo 4º.
A fim de viabilizar a gestão democrática da cidade, entendida tanto no seu
aspecto eminentemente político, quanto no seu aspecto econômico-social, o
Estatuto da Cidade elenca como instrumentos da política urbana a “gestão
orçamentária participativa” (ou “orçamento participativo”); o “referendo popular e
plebiscito”; a “instituição de zonas especiais de interesse social”; a “usucapião
especial de imóvel urbano”; a “assistência técnica e jurídica gratuita para as
comunidades e grupos sociais menos favorecidos”, instrumentos estes previstos
no inciso III, letra “f”, inciso V, letras “f”, “j”, “r” e “s”, todos do artigo 4º do
Estatuto.
Finalmente, sem vincular-se de modo específico a alguma das idéias acima
delineadas, mas estando, isto sim, intrincado de forma simultânea com o conjunto
delas, temos o “Plano Diretor”, inciso III, letra “a”, instrumento básico da política
de desenvolvimento e expansão urbana, do qual dependem, efetivamente, muitos
dos instrumentos elencados nos parágrafos antecedentes.
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32
2.1.3
Princípios de Direito Urbanístico
A existência de uma ordem urbanística constitucional verte do
reconhecimento de valores aplicáveis à urbanidade, especificamente, como já se
assinalou. Elementos que fazem parte dos arquétipos do constitucionalismo terão,
por assim dizer, uma “leitura urbanística”, que irá dar o teor especial para a
Cidade, de princípios fundamentais da Cosntituição, como se dá com a república,
a federação, a democracia e a função social da propriedade.
Daí que a principiologia da Constituição, mercê da unidade que detém,
qual se revela no ensinamento clássico de J.J. Canotilho
24
vai se refletir na
definição jurídica da Cidade, inspirando os conceitos de que irá lançar mão o
direito urbanístico para fundar seus institutos. Por isso que em um quadro como
aquele identificado na experiência constitucional brasileira pós-1988 se irá
identificar a existência de um verdadeiro sistema no qual os princípios
fundamentais se minudenciam e especializam nos ambientes das diversas funções
estatais, dos direitos sociais e das políticas públicas, fazendo gerar subsistemas
que guardam em seus princípios e diretrizes setoriais o conteúdo axiológico que
deriva do núcleo do sistema. Esta constatação, na esteira de ensinamentos de
Larenz
25
, remete uma vez mais a Canotilho, em seu polêmico e festejado conceito
de Constituição Dirigente, que explica precisamente a verdadeira “reação em
cadeia” que faz brotar de normas de altíssimo grau de abstração a semente
necessária para dar o fruto das realizações administrativas, concretas por
excelência
26
.
Estas considerações fixam a idéia de que da Constituição surge a
disciplina jurídica da urbanidade, que recebe por isto o influxo dos princípios do
direito constitucional que, decorrentemente, fundam os princípios de direito
24
Para o conceito de princípio, ver CANOTILHO, J. J. Gomes “...são normas que exigem a realização de
algo da melhor forma possível de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não
proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada;”in Direito Constitucional. Ed. Almedina. 5ª.
Ed. 1991. p. 545.
25
Ver especificamente a referência às discussões de CANARIS e PAWLOWSKI acerca dos “sistemas
axiológicos” e “sistema de princípios”: “ O que resta é um sistema enquanto ordem axiológica ou teleológica
, um sistema de conceitos jurídicos gerais, um tal sistema é um sistema de princípios jurídicos em que o
“princípio”, ao invés do “conceito”, deve ser entendido como uma pauta aberta, carente de
concretização...” in Metodologia da Ciência do Direito. Fundação Calouste Gulbenkian. 5ª. Ed. 1983.
pág.200
26
CANOTILHO, J. J. A Constituição Dirigente e a Vinculação do Legislador. Contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra Editora. 1982.
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33
urbanístico. Estes vão aparecer explícita ou implicitamente no próprio texto
constitucional e serão, por conta deste “diálogo”, princípios de direito urbanístico
com força constitucional: princípio da função social da propriedade; princípio da
função pública do urbanismo; princípio da afetação da mais-valia ao custo da
urbanização, princípio da proteção ao meio ambiente, princípio da gestão
democrática da Cidade, princípio da remissão ao Plano Diretor, princípio da
cidade sustentável.
Como se sabe, os primeiros textos normativos
27
a referirem-se à função
social da propriedade foram a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de
Weimar, de 1919, cujo art.153 foi retomado ipis verbis pela Constituição da
República federal da Alemanha, de 1949: “A propriedade obriga. Seu uso deve,
ao mesmo tempo, servir ao bem estar social”. No Brasil, a função social da
propriedade só ingressaria quase meio século depois. O nosso Código Civil,
promulgado em 1916, inegavelmente influenciado pelo individualismo e
patrimonialismo do Código de Napoleão, não trouxe qualquer referência à
funcionalização da propriedade.
O aspecto funcional foi introduzido em nosso ordenamento de modo
paulatino, notadamente a partir da modernização jurídica decorrente da Revolução
de 1930, época em que regramentos de grande importância como o Código de
Minas e o Código de Águas e, sobretudo, a Constituição de 1934
28
, iniciam uma
mudança de paradigma em relação á propriedade absoluta, até então consagrada
no direito brasileiro, para, já em sentido oposto, relativizar o instituto através de
instrumento que correspondia a um conceito inovador, no prever o destacamento
da propriedade do solo da propriedade do subsolo e dos potenciais geradores de
energia elétrica, bases até hoje do regime jurídico da exploração mineral e de
recursos hídricos, no Brasil. Este movimento como se assinalou, modifica
realmente um paradigma ao romper com a teoria da acessão e restringir a
27
A referência, frise-se, abrange os ordenamentos constitucionais e códigos civis. A primeira definição
jurídica de função social da propriedade, insinuando os contornos de relativização do instituto, todavia, pode
ser considerada a da encíclica Rerum Novarum, de 189?, do Papa Leão XIII. No plano das Constituições
escritas é de ser ressaltada, na tradição jurídica latino-americana, com absoluto pioneirismo, a Constituição
Mexicana de 1917, em seu art. 27. Observe-se o comentário:Em este artículo, nuestra Carta de 1917 rompió
com toda sea carcterización del derecho de propriedad, reconociendo a ésta su verdadera naturaleza de
función social, que tiene por objeto hacer uma distribuición eqüitativa de la riqueza pública y cuidar de su
conservación” in Helú, Jorge Sayeg. “El Constitucionalismo Social Mexicano”. Ed. Fondo de Cultura
Económica. México, D.F. 1991. p. 663.
28
Veja-se o art. 118, da Constituição de 1934 – “As minas e demais riquezas do subsolo, bem
como as quedas de água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração
ou aproveitamento industrial.
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34
propriedade de modo nuclear, ultrapassando o modelo de limitações
administrativas de conteúdo extrínseco, que atinge a propriedade, conforme se
sabe, apenas nos seus aspectos ditos externos, sem alterar a essência do instituto,
reverente a uma definição clássica de poder de polícia administrativo.
29
A década de 30 ficaria marcada, em toda criação jurídica do ciclo de
Getúlio Vargas no poder, por uma postura intervencionista adotada pelo Estado
brasileiro. Antes de a Constituição de 1946 define explicitamente a função social
da propriedade no plano da Ordem Econômica, a Constituição de 1934 e a Carta
de 1937 já haviam preparado a funcionalização da propriedade, em sua primeira
versão, em que o Estado, encarnando exclusivamente os interesses da sociedade -
conceito que se adaptava inteiramente à feição autoritária do regime - assumia o
papel limitador e os benefícios diretos da própria limitação, a propriedade estatal
no Brasil, aliás, antecedeu em muito a perspectiva socializante, permanecendo na
maioria dos casos, até hoje, imune a ela.
Na verdade, do ponto de vista estritamente normativo (ou seja, sem
considerar os fatores reais de poder, categoria de Ferdinand Lassalle que não
pode deixar de ser invocada quando se cuida da práxis constitucional da década de
1930
30
), a Constituição de 1934 relativiza inteiramente o direito de propriedade,
vedando seu uso contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei
determinar.
31
Esta expressão imprecisa toma exatos contornos jurídicos, do ponto
de vista axiológico, com a menção categórica à utilização social da propriedade,
do art.147, dispositivo todavia setorial, inscrito fora do rol dos direitos
fundamentais, no qual estava disposta a propriedade.
32
Na experiência constitucional da ditadura militar, retorna a imperatividade
dos fatores reais do poder, remarcados pelo sentido de “elegância jurídica”dada
por Francisco Campos aos atos institucionais e sua “ordem jurídica supressiva da
Constituição”. Nessa quadra histórica, dos anos sessenta e setenta, entretanto,
29
LIRA, Ricardo. Elementos de Direito Urbanístico, op. cit., p. 56
30
LASSALLE, Ferdinand, A Essência da Constituição. Trad. Brasileira. Ed. Líber Júris.
31
Art. 113, inciso 17, da Constituição de 1934:”É garantido o direito de propriedade, que não
poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A
desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e
justa indenização. Em caso de perigo iminente como guerra ou comoção intestina, poderão as
autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija,
ressalvado o direito à indenização ulterior.”,
32
Art. 147 – “ O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com
observância no disposto no art. 141,p.16, promover a justa distribuição da propriedade, com
igual oportunidade para todos.”
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35
deve ser salientada a implantação definitiva do conceito de planejamento estatal,
ensaiado em âmbito federal no ciclo nacionalista-desenvolvimentista de Vargas/
JK/ Jango, e consagrado em leis e decretos-lei da época, como a Lei4. 320/64 e o
Decreto-lei 200/67 e disseminado na administração municipal que tornava cada
vez mais importante, atendendo à demanda de um Brasil que se urbanizava com
velocidade recorde em toda a História. De todo modo, no art. 157, III, era inserido
na Constituição de 1967, no plano dos princípios da ordem econômica e social, a
função social da propriedade.
Mas apenas com a Constituição de 1998, a função social da propriedade
passou a integrar o rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XXIII: “a
propriedade atenderá a sua função social” ), o que lhe atribuiu aplicabilidade
imediata e outras características jurídicas próprias do status de direito
fundamental, a começar pela elevação axiológica ao mesmo patamar do direito de
propriedade, assim a função social e o direito devem harmonizar-se, mercê do
princípio da unidade da Constituição, o que importa, desde logo, considerar-se
relativa a propriedade. A efetividade do princípio foi assegurada, ainda, pelos
artigos 182 § 2º e 186 da Carta Constitucional, que estabelecem, em termos
objetivos, os objetivos, os requisitos para o atendimento à função social da
propriedade urbana e rural.
A transição do modelo anterior para o novo provoca naturalmente alguma
instabilidade. Diante disso, os juristas têm avidamente buscado apoio em
conceitos sólidos e instrumentos técnicos consagrados, dos quais ainda anda à cata
a nova concepção. Quanto ao próprio conceito de função social da propriedade
permanece alguma incerteza. O conteúdo ideológico sugerido pela expressão faz
com que nela se vislumbre, vez por outra, uma ameaça de negação à propriedade
privada e ao próprio sistema capitalista.
O temor explica-se, em parte, diante da própria evolução histórica do
conceito de função social, que surge, na obra já citada do constitucionalista Leon
Duguit, como contraposição ao direito subjetivo de propriedade. É só por meio de
árduos esforços da doutrina italiana que a função social vem se consolidar como
elemento interno do domínio, capaz de alterar a estrutura desse instituto jurídico.
Na concepção individualista de propriedade, definido como o direito de
usar, e dispor das coisas de maneira absoluta, a função do domínio correspondia
unicamente à proteção de interesses do proprietário. O titular do direito de
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36
propriedade era dotado de um direito quase absoluto, cuja amplitude esbarrava
apenas em limitações de caráter negativo, obrigações de não fazer que lhe eram
impostas pelo poder público. E mesmo essas obrigações negativas eram
consideradas excepcionais e estranhas ao instituto da propriedade.
A tudo isso veio se opor a idéia de função social. A crise de legitimação da
propriedade privada, o movimento solidarista e a evidente influência que as
experiências estatais socialistas e as teorias socialistas marxistas e não-marxistas
evidenciaram a necessidade de se tutelar, com o instituto da propriedade, não
apenas os interesses individuais e patrimoniais do proprietário, mas também
interesses supra-individuais, de caráter existencial, que poderiam ser prejudicados
pelo irresponsável exercício do domínio. Altera-se, assim, drasticamente a função
da propriedade, que passa a abarcar também a tutela de interesses sociais
relevantes.
A propriedade passa a ser vista não mais como direito absoluto ou “poder
inviolável ou sagrado” do proprietário, mas como situação jurídica subjetiva
complexa em que se inserem direitos, deveres, ônus, obrigações. Esses deveres
não equivalem aqueles de caráter negativo, considerados externos ao domínio e
impostos ao proprietário em nome do interesse público ou poder administrativo de
polícia. São deveres de caráter também positivo atribuídos ao titular do domínio
como conseqüência do próprio direito de propriedade.
A função social, impondo ao proprietário a observância de determinados
valores sociais, legitima a propriedade capitalista e a compatibiliza com a
democracia social que caracteriza os sistemas políticos contemporâneos. O
proprietário permanece como beneficiário imediato, e quase sempre
predominante, do domínio; apenas se impõe a ele que exerça o seu direito
atendendo também aos interesses sociais. A propriedade permanece se mantém
privada, mas se afasta da concepção individualista de “poder absoluto do
proprietário” para buscar na conformação ao interesse social a sua legitimação, a
razão e o fundamento de sua proteção jurídica. Nessa nova concepção, a
propriedade passa a ser tutelada apenas na medida em que observe os interesses
sociais relevantes. A conduta do proprietário e a tutela dos seus interesses passam
a estar condicionadas ao atendimento da função social da propriedade.
Diante desse novo tratamento, deve ter-se presente a lição de Rodotá
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37
reportando-se a Pugliatti
33
, no sentido de que a função social, no moderno estatuto
jurídico da propriedade, de tão realçada, desloca-se de sua faixa externa, reservada
à coletividade, para interferir, em razão dos comportamentos impostos ao
proprietário, com a qualificação de seu direito, em ordem a nela identificar o
conteúdo mesmo de sua situação.
No tocante à propriedade urbana, é de se salientar a preocupação do
Constituinte de 1988 em identificar precisamente a existência de um princípio
setorial, derivado da função social da propriedade, que é exatamente a função
social da Cidade, do art. 182. Pode-se afirmar, com efeito, que o princípio da
função social da propriedade tem uma aplicação bifurcada em dois princípios
setoriais da Constituição: a função social da propriedade rural e a função social da
propriedade urbana, aqui tratada.
O papel dogmático desse princípio setorial é justamente de especificar,
trazer à minúcia o que a funcionalização
34
da propriedade em geral abstratamente
recomenda: deve-se perquirir em cada propriedade o teor de função social
existente, no sentido ensejado pelo célebre trocadilho jurídico do título da obra
clássica de Pugliatti: La proprietá, le proprietá
35
. De fato, a partir da modernidade
se tornou impossível a atribuição de caráter de direito absoluto à propriedade,
notadamente a propriedade imobiliária rural e urbana, devendo-se salientar, nesta
hipótese, a existência de um feixe de interesses coletivos e difusos a condicionar a
utilização do domínio privado.
A existência de “propriedades”, como proposto pela doutrina italiana,
talvez se demonstre do modo mais radical e categórico quando se observa o
desenvolvimento urbano em uma grande cidade do terceiro mundo, no início do
século XXI, seja São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México, Caracas ou Nova
Déli. As enormes diferenças sociais e as demandas desatendidas das grandes
maiorias explicam e justificam a idéia “dirigente”, já propalada como inspiradora
da Constituição de 1988, de fazer da função social da propriedade urbana uma
noção dinâmica, a ser realizada pelos Planos Diretores, na forma do Estatuto da
Cidade, em um ambiente de obrigatória participação popular.
Como segundo princípio de direito urbanístico extraível do ordenamento
33
Apud. MAZZONI, Pierandrea. La Proprietá Procedimento. Pianificazione del Território e
Disciplina della Proprietá. Millano: Dott. Giuffré Editore, 1975, p. 44.
34
LIRA, Ricardo-Cesar Pereira. Elementos de Direito Urbanísticos, op. cit., p.
35
Cit por Lira, Ricardo in op. cit. Nota 2.
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38
jurídico o de que o Urbanismo é função pública. De acordo com José Afonso da
Silva, o princípio de que o urbanismo é função pública “fornece ao Direito
Urbanístico sua característica de instrumento normativo, pelo qual o poder
público o Poder público atua no meio social e no domínio privado, para ordenar
a realidade no interesse coletivo, sem prejuízo do princípio da legalidade.”
36
Dentre as normas constitucionais mais expressivas a respeito, destacamos
as do art. 6
o
(no que se refere à previsão do direito social à moradia, introduzido
pela Emenda Constitucional n. 26/2000); art. 21, IX (compete à União elaborar e
executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social), inciso XX (instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos); art. 23, inciso IX (é competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico); art. 24, inciso I
( competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre direito
urbanístico); o art. 30, inciso VIII (compete aos Municípios promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano) ; e, evidentemente, as
disposições do art. 182 e 183 da Constituição Federal.
Verifica-se, nesse diapasão, que a competência urbanística está
caracterizada como objeto de manifestações estatais nos três níveis de governo,
formando as normas constitucionais citadas um verdadeiro sistema que suporta
não apenas do ponto de vista axiológico, mas jurídico-normativo toda intervenção
urbanística, desde a abstração de conceitos como a função social da Cidade até a
definição de institutos específicos como a edificação compulsória, por exemplo,
chegando ao patamar de absoluta ausência de abstração dos programas de
construção de moradias. Com efeito, em todas essas conceituações, que podem
ser objeto de manifestações de diversas funções estatais, está identificada, como
um código genético, a idéia de que a cidade é o espaço público por excelência,
que a Constituição reconhece assim um direito à cidade, concepção que flui, como
já apreciado, dos princípios democrático, republicano e federativo, quando tocam
o direito essencial a morar e desfrutar do lugar onde se mora. A tutela dessas
36
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro, op. cit., p. 38
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39
possibilidades humanas é de natureza pública e de ordem pública, naturalmente,
as disposições sobre urbanismo, em cada esfera de governo.
A cidade, portanto, é uma instituição da ordem democrática porque
definida como um campo de instituição das práticas políticas introduzidas pelo
Constituinte, seja nos poderes constituídos dos entes federativos, com realce para
o município, como é óbvio, seja na participação direta da população, apanágio do
exercício do poder local, especialmente destacado pelo Estatuto da Cidade. A
relação necessária entre democracia e legislação, frise-se, encontra-se no
fundamento da explicação da função pública do Urbanismo, por identificar a
origem de legitimidade das normas urbanísticas e, mais, a necessidade de
legitimação permanente como um pressuposto de validade.
Em decorrência, já se irá referir ao princípio republicano, que se articula
com a matriz democrática, para indicar os procedimentos e ritos necessários para a
definição da supremacia do interesse coletivo e da indisponibilidade dos interesses
públicos
37
; estes dois elementos permanentes, notas características, aliás, das
relações entre o direito urbanístico e o direito administrativo,
38
provêm da própria
noção de República, reportada por Canotilho, após conceituar a República em
vários sentidos ( o oposto de monarquia; o regime de liberdade civil; o regime de
res publica; o sentido institucional de “Estado em vigor”; República como
impessoalidade, democracia e Estado de direito) finda por identificar o ethos
republicano:” As considerações acabadas de formular suscitam a pergunta
derradeira...
39
Arremata a fundamentação a referência à Federação
40
, o reconhecimento
jurídico da diversidade, que, juntamente à concepção de democracia e república,
vem embasar a noção de função pública do urbanismo, sob a ótica do direito. A
cidade é autônoma, uma criação da maioria em prol da coletividade, observados
os marcos da legislação nacional e estadual, quando aplicáveis, e as normas de
37
Cf. CANOTILHO, Direito Constitucional, op. cit., p. .
38
Sobre as relações do direito administrativo com o direito urbanístico, veja-se SILVA, José Afonso. Direito
Urban´sitico Brasileiro, op. cit.,. p .29 e LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico, op. cit., p. 132.
39
OP. Cit., Pág. 495/496
40
Para um exame acerca da importância do município no contexto da Federação brasileira é de se
ver a página de Paulo Bonavides: “Não conhecemos uma única forma de união federativa
contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização
política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do
novo modelo implantado noPaís com a Carta de 1988, a qual impõe aos aplicadores de princípios
e regras constitucionais uma visão hermenêutica muito mais larga no tocante à defesa e
sustentação daquela garantia.” Iin:Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros.
13ª. Ed. p. 347.
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40
direito urbanístico serão assim interpretadas consoante a finalística que o
embasamento proposto sugere - a urbanidade é uma realização coletiva, efetivada
pelo poder público municipal, segundo perspectivas federais e regionais, quando
couberem. Tais considerações - acerca do princípio da federação como um dos
valores fundamentais que se desdobram na idéia setorial de função pública do
urbanismo - remetem principalmente ao domínio normativo das definições gerais,
no plano assim do Estatuto da Cidade, cujo papel é de identificar o quanto de
unidade requisita a preservação da diversidade, fazendo-o na conceituação de
diretrizes, instrumentos e procedimentos.
A qualidade de norma geral do Estatuto da Cidade preserva a competência
da União para legislar, portanto, em áreas de concretização, ou otimização, do
conteúdo axiológico dos princípios aqui relatados, instituindo diretrizes, que são
princípios legais com a conotação especial de articular valores que embasam, a
seu turno, políticas públicas e a prestação de serviços públicos e o exercício do
poder de polícia de intervenção na propriedade. A natureza de norma geral
dessas diretrizes é patente, em primeiro lugar pelo critério de proporcionalidade
que implica a demanda de unidade em todo território nacional na aplicação de
determinados valores, em segundo lugar, pela interdisciplinaridade que faz com
que as diretrizes congreguem diversos ramos do direito, de diferentes campos
competência legislativa, como é o caso do direito civil, de competência exclusiva
da União (art.22,I), do direito urbanístico, como já se examinou, de competência
concorrente (art.24,I), do direito tributário (art.24,I), também de competência
concorrente, e finalmente o direito administrativo, de competência evidentemente
comum.
As disposições do Estatuto da Cidade, conforme já mencionado, traduzem
ainda instrumentos gerais e procedimentos gerais, cujo caráter compulsório para
os Municípios redunda da aplicação do princípio federativo nos termos explicados
em relação às diretrizes do Estatuto, com destaque para a circunstância de muitos
dos instrumentos significarem juridicamente uma redefinição de elementos da
propriedade, típicos da sua “funcionalização” – casos evidentes do direito de
superfície, da concessão de direito real de uso, da concessão para fins de moradia,
da usucapião especial, da concessão de direito de construir, na interpretação mais
rigorosa - que evidentemente comportam uma tutela prioritária do direito civil, daí
a demanda pela legislação federal nesse sentido, como se constata desde a carta de
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41
Embu, no fim da década de 1970, do século passado, e nos escritos pioneiros de
Ricardo Lira, Eros Grau e Alaor Caffé Alves.
Os denominados procedimentos previstos no Estatuto da Cidade são o
conjunto de ritos necessários para a elaboração dos documentos jurídicos
necessários para o cumprimento das suas diretrizes e para assegurar a melhor
eficácia social de seus instrumentos. Os procedimentos se referem assim à
efetividade de princípios e à aplicação de regras constitucionais, como seja, por
excelência, a participação popular, traduzida como gestão democrática da cidade,
na elaboração e aplicação do plano diretor.
Este aspecto último – a gestão democrática da cidade – deve ser
considerado, como já se observou, no paradigma normativo da Constituição de
1988 e do Estatuto da Cidade, como um valor autônomo, representando um
princípio legal concretizador, no plano da municipalidade, do princípio
fundamental da democracia, no que se aplica à política urbana e à elaboração de
planos diretores, institutos previstos também na Constituição Federal. Neste
ponto, é de ser invocada uma vez mais a modalidade de interpretação sistemática,
que parte da definição constitucional de democracia, dirige sua valoração para a
criação da legislação urbanística, em especial para a estipulação em cada
município da função social da cidade, o que é recebido pelo legislador nacional, a
seu turno, quando elabora a norma geral (especialmente o art. 43 do Estatuto da
Cidade) que introduz os mecanismos de gestão democrática da cidade,
preservada a vigência das normas da legislação que prevê a utilização pelos
municípios dos instrumentos de democracia direta inscritos no art.14, da
Constituição Federal, a LeiXXXx/98. Importante é observar que o princípio vai
tendo sua otimização ou concretização assegurada em diversos níveis de
competência normativa, inclusive as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas
Municipais e, obviamente, os próprios Planos Diretores e respectivos processos de
elaboração e aplicação de suas normas.
Note-se, também, que a concretização do princípio se dá em uma rede
complexa, até alcançar a elaboração dos Planos Diretores, o que comporta um
procedimento em duas fases: em primeiro lugar, como aconteceu no caso concreto
examinado, a elaboração do Projeto de Lei do Executivo; daí, com a remessa do
Projeto de Lei, deve-se reabrir a discussão participativa para finalmente votar-se a
Lei. Esta é uma clara exigência da interpretação sistemática aludida, que faz do
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princípio da gestão democrática da cidade um pressuposto de validade de todos os
procedimentos, administrativos e legislativos concernentes não só à elaboração do
Plano (afastando, p.ex., os “Planos Diretores” de concepção tecnocrática,
elaborados em escritórios, sem a participação a sociedade civil organizada, como
era comum no planejamento urbano nas décadas de 1960 e 1970), mas à sua
aplicação pelo Executivo e pelo Legislativo. No caso concreto, conforme se verá,
a incompreensão do Legislativo da extensão do princípio da gestão democrática
da cidade está a gerar um impasse que compromete a votação definitiva do Plano
Diretor de Rio das Ostras.
Tais conceituações dão o caráter de verdadeira “resultante”, quando se
explica o conteúdo jurídico da função pública do urbanismo, ou seja, a própria
ontologia pública do urbanismo, pela natureza deste seu objeto: a cidade
republicana, democrática e autônoma, com um ordenamento próprio quanto à
função social da propriedade urbana, interpretado pela coletividade. As
prerrogativas públicas de planejamento e organização do espaço urbano vão ser
assim incluídas e controladas democraticamente através do plano diretor,
mencionado na Constituição e no Estatuto, como garante da autonomia final da
cidade para definir-se nos aspectos sócio-econômico e físico-territorial. Os limites
do legislador federal, já estudados, harmonizam-se, nesse sentido, pela
operatividade de outro princípio, que tem surpreendente conotação no ambiente
radicalmente federalista do direito urbanístico brasileiro, trata-se do princípio da
remissão ao plano.
Colaboração nítida dos sistemas francês e italiano de direito urbanístico,
em estados unitários, a idéia de remissão ao plano surge na lógica das técnicas de
« amenagemént de territoire », no qual se identifica a figura do “Plan”, na
experiência francesa, ou do “Piano Regolatore Generale” e dos chamados “piani
soprordinati rispetto al Piano Regolatore Generale”, típicos do direito italiano,
que se desdobram nos níveis nacional, regional e local, servindo de fundamento
de validade de toda atividade estatal em matéria de intervenção na propriedade.
41
Este modelo foi de certo modo adotado desde a Constituição de 1988, com a
devida adaptação ao princípio federativo, daí a especial natureza jurídica do plano
41
Sobre a planificação no direito urbanístico francês e italiano, ver, respectivamente, Auby, Jean-
Marie, Ducos-Ader, Robert e Auby, Jean-Bernard, Instituitions Administratives. Ed. Dalloz. 5ª.ed .
1989. p. 754 e segs. Mazzoni, Piereandrea. Op. cit. pág. 442 e segs. Spantigatti, Federico, op. cit.,
p. 64 e segs.
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43
diretor que recebe a nota específica de lei constitucionalizada, na medida em que
o município disciplina diretamente um princípio setorial da Constituição, como é
a função social da propriedade urbana.
A remissão ao plano surge da Constituição Federal é esmiuçada pelos
dispositivos do Estatuto da Cidade, que o adota como diretriz e o aplica
efetivamente para a validação no âmbito municipal dos instrumentos ali previstos,
servindo como verdadeiro condicionamento do princípio, descrito anteriormente,
da função pública do urbanismo, devendo ser aliás interpretado em conjunto para
justamente impedir a possibilidade de efetivação de medidas de impacto
urbanístico sem a tutela devida do plano diretor. A remissão ao plano, ao tornar
determinadas matérias de inserção obrigatória em uma determinada lei municipal,
garante a realização efetiva e plena da função pública do urbanismo, pela via
exclusiva do plano diretor, seus princípios internos e institutos.
A eqüidade aplicada ao direito urbanístico trás ao lume a discussão acerca
da justiça na urbanização, ou seja, a ontologia pública do urbanismo, há pouco
visitada, não é na realidade suficiente para assegurar o equilíbrio e a isonomia na
fruição da cidade por sua comunidade respectiva. Com efeito, o reconhecimento
da matriz pública do urbanismo, seu reflexo na definição da função social da
propriedade urbana, segundo o que se inscreve democraticamente em um plano
diretor, tem relevantíssimo caráter instrumental para a definição da cidade como
um espaço geográfico de prática da justiça social e econômica. Tais princípios
proporcionam as condições para o surgimento da eqüidade, mas não a realizam
em si. Daí que a idéia de eqüidade vai ser explicada em minúcia através de
princípios específicos que são os da afetação das mais-valias do custo da
urbanização e da justa distribuição dos benefícios e encargos/ou ônus
decorrentes da atuação.
É importante destacar ainda que o desenvolvimento das cidades, da
distribuição espacial da população e das atividades econômicas deve ser planejado
de forma a evitar ou corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos
negativos sobre o meio ambiente. Consolida-se, assim, como princípio de Direito
Urbanístico o princípio da proteção ao meio ambiente, garantindo que o
planejamento do desenvolvimento e gestão do meio urbano terá como prioridade a
qualidade ambiental, avançando-se na construção de Cidades Sustentáveis,
especialmente através da fixação dos contornos da Função Ambiental da
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44
propriedade urbana.
Tal garantia, inscrita no art.2º, I, do Estatuto da Cidade, introduz em sede
normativa o reconhecimento da proximidade epistemológica e ontológica de que
se revestem o direito ambiental e o direito urbanístico, como já propalado nesta
dissertação. Disciplinas da contemporaneidade, cuja doutrina surge na segunda
metade do século XX
42
, mercê de documentos e mobilizações como o do Clube de
Roma (1972), a Conferência de Estocolmo (1972), a Declaração de Vancouver
(1976), não podem coexistir em separado, quando se trata de propor a ordem
jurídica da urbanidade; tal circunstância se torna mais aguda quando se percebe o
caráter de direito fundamental do art.225 da Constituição Federal, o qual articula
um pressuposto da vida e da felicidade - como observado com rara beleza por
Canotilho e Vital Moreira, em célebre comentário à disposição análoga da
Constituição Portuguesa – que são exatamente os mesmos sagrados valores que
afinal se encontram na teleologia da cidade, desde os antigos
43
.
É preciso considerar que a política urbana e a preservação e uso racional
dos recursos ambientais do meio urbano são indissociáveis, como assinala
Ronaldo Coutinho, sem deixar de considerar os limites ideológicos
tradicionalmente impostos à ciência do Direito, mais ainda na quadra histórica da
globalização:
42
A respeito do reconhecimento do direito ambiental como ciência autônoma, é relevante o
comentário de Demetrio Loperena Rota, dando conta que a tutela ambiental – e bem assim a
urbanística – preexistiu em muito à identificação da disciplina em seu contexto histórico, o que
estaria ligado, na concepção do autor, à decisão filosófica de recusa ao domínio da natureza e
assim ao progresso ilimitado: “Como ha señalado recientemente JORDANO FRAGA, el Derecho
ambiental no es um meteoro que ha caído em tnuestro ordenamiento jurídico, de repente e sin
referencia alguna. Cualqueira de las culturas de la Antiguëdad que se estudie tiene abundantes
ejemplos; tanto em lãs normas que regulaban lãs relaciones entre los particulares, como em la
actuación de los Poderes Públicos, aparecen abundantes disposiciones que tratan de preservar
una atmósfera sana, unas aguas limpias y de explotar los recursos minerales, vegetales y
faunisticos de forma equilibrada. Y así ha continuado hasta las relativamente recientes
Revoluciones industriales. Pero, a partir de esas ultimas, de actitud del hombre para con la
Naturaleza, en general, se hizo más agresiva, persuadido como estaba que el progreso, basado en
un aumento generalizado del consumo de bienes, con gastos energéticos de recursos no
renovables masivos e sin control, daría lugar a un estado de bienestar general.Hace unas pocas
décadas, sin embargo, tuvo que enfatizarse en lo evidente, los recursos planetarios son limitados,
el crecimineto tiene limites, el progreso consumerista, en definitiva, no puede ser indefinido. El
documento que acostumbra a citarse como precursor de esa nueva conciencia es el publicado por
el Club de Roma, en 1972.” In: El derecho al medio ambiente adecuado. Cuadernos Civitas.
Editorial Civitas. Madrid, 1998, p. 27-28.
43
As considerações sobre o meio ambiente e à sadia qualidade de vida explicam um novo
antropocentrismo, reconhecido como um novo valor jurídico-constitucional: “A compreensão
antropocêntrica de ambiente justifica a consagração do direito ao ambiente como um direito
constitucional fundamental, o que constitui uma relativa originalidade em direito constitucional
comparado.” In: Constituição da República Portuguesa Anotada. 3ª.ed. revista. Coimbra: Editora
Coimbra, 1993, p. 347-348.
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45
“Não obstante se imponha o registro do continuado esforço de alguns
pesquisadores envolvidos com a questão da sustentabilidade no sentido da
construção de indicadores mais consistentes e historicamente contextualizados
para a elucidação de inúmeras questões e relevantes questões relacionadas à
tematização da qualidade de vida, o fulcro subjacente das pesquisas
empreendidas sobre o desenvolvimento sustentável, do ponto de vista
ambientalista, converge para a proposição de uma ética de transição para um
modo de vida alternativo, caracterizado, em linhas mais amplas, pela superação
dos valores relacionados ao dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente
induzidos pela publicidade e da produção ao infinito de mercadorias prejudiciais
ao meio ambiente”
44
Assim, o Plano Diretor deverá considerar as características e as limitações
ambientais do espaço urbano ao determinar o seu uso e ocupação, bem como
adequar-se às disposições legais de proteção ao Meio Ambiente. Não se contem,
todavia, nesse “enquadramento” jurídico-normativo a grande tarefa de construção
da sustentabilidade, como se viu no parágrafo anterior, mas na edificação de uma
nova axiologia urbano-ambiental, forjada pela experiência democrática avinda do
próprio Plano Diretor.
Observe-se que o enunciar princípios não acarreta uma visão estanque de
seu conteúdo. Ao revés, se está proclamada uma visão interdisciplinar que é
intrínseca ao direito urbanístico, é evidente que o conteúdo desses princípios se
interpenetra, como é comum às partes do todo. Assim, não é possível às vezes,
nem é útil, talvez, distinguir-se absolutamente conceitos como função pública do
urbanismo, remissão ao plano, eqüidade, proteção ambiental e sustentabilidade e
gestão democrática da cidade. Se é certo que cada qual tem sua definição
específica, é mais relevante para o direito urbanístico, reverente à visão dinâmica
de que falava Pierandrea Mazzoni, ao identificar seu conteúdo comum
45
:
“La norma urbanística, se presa isolatamente, non offre nessun quadro del
possible mutamento del reale, in ordine ad um determinato bene:essa ha bisogno
di un inquadramento globale, in una visione dinamica con altre norme, anzi con
tutto il sistema di norme urbanistiche che, nel suo complesso soltanto, é idoeneo a
fornire la reale visione dell’entitá e della quantitá del mutamento che, in ordine a
quel bene puó e deve verificarsi. Ció importa che la prospettiva globalmente
dinamica è essenziale al discorso urbanistico, no solo, com’è ovvio, sotto il
profilo socio-economico, ma anche sotto il profilo più strettamente giuridico: de
tale necessità non sembra che la dottrina abbia concretamente preso coscienza”
44
COUTINHO, Ronaldo, op. cit., p. 51-52.
45
MAZZONI, Pierandrea, op. cit., p. 18
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46
2.2
O Direito á cidade como Direito Humano
2.2.1
Evolução Histórica dos Direitos Humanos
Antes de iniciar o debate propriamente ao tema do direito à cidade como
um direito humano, é necessária uma breve digressão sobre a afirmação dos
direitos humanos ao longo da história, dando-se, assim, idéia da natureza
transcendental e da importância desses direitos para a civilização humana.
O tema dos direitos humanos é central para a compreensão do fenômeno
do Estado Democrático, cujo surgimento e evolução sempre esteve relacionado ao
limite da intervenção na esfera individual, bem como, após os movimentos
socialistas e o constitucionalismo social, à satisfação das demandas coletivas,
como agente encarregado de realizar o valor da solidariedade social.
No mundo antigo, o que hoje se denomina direitos humanos não formava
um conjunto harmônico e identificável de normas ou preceitos. Pesquisando-se a
Antigüidade, o que se pode encontrar são antecedentes dos atuais direitos
humanos dispersos em normas de cunho legal, moral e religioso, além de estar
presente na literatura e na filosofia.
46
Assim, podem ser encontradas normas e
preceitos protetores da vida, da integridade física e da liberdade tanto no Código
de Hamurabi e na Lei das XII Tábuas, como Pentateuco e no Evangelho.
É certo, no entanto, que na Antigüidade não se conheceu o fenômeno da
limitação do poder do Estado, nem tampouco se cogitou de um estatuto de direitos
pertencentes aos indivíduos e oponíveis ao próprio Estado. Tais fenômenos, como
se sabe, somente começaram a manifestar-se ao final da Idade Média, com o
início da formação do Estado Moderno. Ocorre, nesta época, o esfacelamento do
mundo feudal e surge a burguesia, uma nova classe social detentora do poder
econômico e que ansiava pela igualdade, que proporcionasse a participação no
poder político, e pela liberdade, ensejadora do livre comércio. Seus ideais foram
retratados por filósofos como Locke, Montesquieu e Rousseau, e postos em
prática nas chamadas revoluções burguesas.
46
DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro: Saraiva, 2000, p.174
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47
A Inglaterra já havia tido a sua revolução burguesa no século XVII – a
chamada Revolução Gloriosa – da qual resultou o Bill of Rights, de 1689,
implantando-se na ilha uma monarquia limitada e uma carta de direitos que
garantia a vida, a liberdade e a propriedade dos súditos. Mas esses preceitos não
valiam para as colônias, o que levou, na segunda metade do século seguinte, a
uma série de revoltas nas colônias da América do Norte, que resultaram na
independência dos Estados Unidos da América, em 1776.
Nesse contexto é que veio à luz aquela que é considerada como a primeira
declaração de direitos dos tempos modernos, ou “o registro de nascimento dos
direitos humanos na História”
47
: a Declaração de Direitos do Bom Povo da
Virgínia, proclamada em 12 de junho de 1776. Nela, se reconhece que todos os
seres humanos são igualmente livres e independentes e possuem certos direitos
inatos e inalienáveis, dos quais não podem ser despojados por qualquer pacto.
Afirma, ainda, os princípios da igualdade perante a lei, de que todo poder emana
do povo, de que os governantes não são mais do que servidores do titular do
poder, da separação das funções legislativa, executiva e judiciária e da liberdade
de imprensa. Tais postulados foram encampados pela Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América, adotada pela Convenção da
Filadélfia em 4 de julho de 1776.
Na França, a permanência das arcaicas instituições feudais até finais do
século XVIII, conjugada com uma séria crise econômica, levou a um clima de
revolta popular capitaneada pela burguesia que conseguiu com que, em julho de
1789, os Estados Gerais, dominados pela burguesia, passassem a deliberar em
conjunto como Assembléia Nacional Constituinte.
Durante os debates, acabou por prevalecer a idéia de que, como preliminar a uma
nova Constituição, deveria ser proclamada uma declaração de direitos, a fim de identificar
os princípios que deveriam nortear o texto constitucional e ser o manifesto revolucionário da
nova França. Assim é que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada
em 26 de agosto de 1789, considerada o “atestado de óbito do Antigo Regime”.
48
A Declaração considera que “o descuido ou o desprezo dos direitos
humanos são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos
47
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4ª edição. Rio de Janeiro:
editora Saraiva, 2005, p. 38
48
COMPARATO, Fabio Konder, op. cit., p.132
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48
governos”, sendo, portanto, necessário “expor, numa declaração solene, os
direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem”. Proclama ainda que “os
homens nascem e são livres e iguais em direitos” e que “a finalidade de toda
associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do
homem”, que são “a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão”. A soberania, afirma, “reside essencialmente na nação”. A liberdade
“consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem” e seus limites
somente podem ser estabelecidos por lei. A lei é a “expressão da vontade geral”, e
todos os cidadãos têm direito de concorrer, por si ou por seus representantes, para
a sua formação. São ainda proclamados os princípios da legalidade, da presunção
da inocência e de proporcionalidade das penas, bem como as liberdades de
pensamento, de opinião, de religião e de imprensa. A força pública deve servir
para a manutenção dos direitos proclamados, e o agente público deve prestar
contas de sua administração. Finalmente, o célebre artigo 16 da Declaração
proclama: “Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem
a separação dos poderes determinada, não tem constituição”.
49
Em 1791 a Declaração foi incorporada à primeira Constituição escrita da
França, à qual se seguiram a Constituição jacobina de 1793 e a reação
termidoriana, com a Constituição conservadora de 1795.
Com a ascensão de Napoleão ao poder em 1799, o constitucionalismo
liberal-burguês foi imposto a toda a Europa continental. Mas outra revolução, a
industrial, que já havia se consolidado na Inglaterra no século XVIII, agora se
espalhava pela Europa e atingia também os Estados Unidos. E, com ela, os
conhecidos efeitos de concentração de riqueza nas mãos de uma minoria
burguesa, o êxodo de trabalhadores rurais para as cidades, a exploração brutal da
mão de obra assalariada na indústria, o desemprego e a alienação do trabalhador
em relação ao seu produto.
O século XIX assiste, assim, ao início da luta pela igualdade social por
parte das grandes massas de trabalhadores explorados e excluídos da imensa
riqueza gerada pelo capitalismo nascente. Essa luta, todavia, só iria frutificar no
início do século seguinte, a partir da Constituição mexicana, de 1917, da
Constituição de Weimar, de 1919, e da “Declaração de Direitos do Povo
49
Op. cit., p. 138-140
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49
Trabalhador e Explorado”, decorrente Revolução Russa, de 1918.
A Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a tratar sistematicamente
dos direitos sociais. Esse notável diploma, além de estender os direitos civis e
políticos a toda a população, “pela primeira vez incorporava amplamente direitos
econômicos e sociais, com o conseqüente estabelecimento de restrições à
propriedade privada”. Sua trilha foi depois seguida pela Constituição de Weimar,
em 1919, que consagrou a função social da propriedade com a famosa afirmação
de que “a propriedade obriga”.
Até esse ponto, os direitos foram sendo formulados teoricamente e depois
positivados na legislação interna de cada país, transformando-se em direitos
fundamentais.
50
Sob essa roupagem, os direitos humanos tinham em vista a
proteção dos habitantes de cada Estado isoladamente, segundo a mentalidade
vigorante na época, de que o Direito Internacional tratava apenas das relações
entre Estados e que o tratamento dado por um Estado soberano ao seu cidadão era
problema exclusivamente doméstico. Qualquer intervenção externa era vista
como uma interferência indevida na soberania do Estado.
Pouco a pouco, entretanto, foi-se verificando que o direito interno apenas
não era suficiente para a proteção dos cidadãos de cada Estado. Essa percepção
tornou-se dramática com a barbárie totalitária que tomou conta da Europa com a
Segunda Guerra Mundial, dando ensejo ao surgimento do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, por meio do qual os direitos humanos passaram a ser
reconhecidos e protegidos por declarações, tratados ou convenções assinados por
diversos países, para vigorar internacionalmente.
Flávia Piovesan resume bem esse ponto de inflexão na evolução histórica
dos direitos humanos
51
:
“No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no
momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor
da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos,
como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do
totalitarismo significou assim a ruptura do paradigma dos direitos humanos,
através da negação do valor da pessoa humana como valor-fonte do Direito.
50
Jorge Miranda esclarece que “por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas
subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na
Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material, - donde direitos fundamentais em
sentido formal e direitos fundamentais em sentido material In: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito
Constitucional, T. IV, 3
a
ed. Coimbra Editora. 2000, p. 7.
51
PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Saraiva, 2005, p. 136
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50
Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstrução dos direitos
humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral.
Neste cenário, o maior direito passa a ser, na terminologia de Hannah Arendt, o
direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos”.
52
Demonstrada a insuficiência do tradicional sistema de positivação
constitucional dos direitos humanos no âmbito interno de cada país, a sua
reconstrução haveria que se basear em fundamentos mais sólidos e seguros. Esses
fundamentos foram encontrados no sistema internacional de proteção dos direitos
humanos, consolidando a tendência que já vinha se delineando de limitação das
soberanias estatais e de assunção, pelos indivíduos, do status de sujeito de direito
internacional.
Nas palavras de Flávia Piovesan:
“A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos
direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos,
culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que
faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando as
instituições nacionais se mostrarem falhas ou omissas na tarefa de proteção dos
direitos humanos.”
53
Em 26 de junho de 1945, um mês após a capitulação alemã, 51 países,
dentre os quais o Brasil, assinaram, na Conferência de São Francisco, a carta de
fundação da Organização das Nações Unidas, conhecida como “Carta da ONU”.
Por esse documento, os países signatários proclamaram, como os seus principais
propósitos, o de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”, o de
“reafirmar sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do
ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas”, bem como o de “promover o progresso social e
melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”. Foi também
afirmado o princípio da autodeterminação dos povos e, em várias passagens,
reafirmada a necessidade de favorecer “o pleno gozo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais”.
54
Foram, assim, proclamados os princípios basilares da dignidade, da
igualdade e da liberdade de todos os seres humanos, bem como a necessidade de
se proporcionar a todos um nível de vida compatível com a dignidade humana. No
52
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt..
5ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 166.
53
PIOVESAN, Flavia. Os Direitos Humanos e o Direito Internacional Constitucional, op.cit., p. 141.
54
Arts. 1
º
, 3; 13, 1, b; 55, b e 62, 2. Cf. texto da tradução oficial brasileira, colacionado por Comparato, In:
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. op. cit. p. 203-206.
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51
plano internacional, foram afirmados os princípios fundamentais da prevalência
da paz e repúdio à guerra, assim como da igualdade e autodeterminação dos
povos. Esses princípios iriam informar e seriam desenvolvidos pelas declarações e
pactos de direitos humanos que se seguiriam à fundação da ONU, especialmente a
Declaração Universal, que viria à luz três anos depois.
Com efeito, em 10 de dezembro de 1948, foi aprovado, por unanimidade,
pela Assembléia Geral das Nações Unidas, o texto da “Declaração Universal dos
Direitos Humanos”, marco histórico da afirmação dos direitos humanos como um
valor global.
Segundo Flávia Piovesan, a Declaração “consolida a afirmação de uma
ética universal, ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal, a
serem seguidos pelos Estados”. Realmente, proclamada sob o impacto das
atrocidades praticadas na II Guerra Mundial e procurando um ponto de equilíbrio
entre ideologias antagônicas, a Declaração consegue retratar, com rara felicidade,
o consenso universal em torno do valor fundamental da dignidade da pessoa
humana e de seus corolários, os princípios da liberdade, da igualdade e da
fraternidade. A partir da Declaração, a liberdade, a igualdade e a fraternidade,
como formas de assegurar a dignidade da pessoa humana, não podem mais ser
vistas isoladamente. A Declaração demonstrou que elas se relacionam entre si e
dependem uma da outra para a realização do valor maior, que é a garantia da
dignidade da pessoa humana. Com isso, “afasta-se a equivocada idéia de
sucessão ‘geracional’ de direitos, na medida em que se acolhe a idéia de
expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos, todos
essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação”.
55
Assim, de acordo com Flávia Piovesan:
“não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como
também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em suma,
todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível,
em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são
interdependentes entre si”.
Dessa maneira, os sistemas universal e regionais de normas e organismos
destinados a promoção dos Direitos Humanos, aliado à atualidade do tema em
55
PIOVESAN, Flavia. In: op. cit. p. 159-16
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52
tempos de globalização econômica e jurídica
56
, revela sua particular relevância no
momento atual, dada a ratificação pelo Brasil dos principais tratados
internacionais relacionados a tais direitos, decorrência do movimento de
redemocratização nacional, marcando um novo momento para o direito público
brasileiro.
Como superação de um longo período de violação das liberdades
fundamentais e de acirramento das desigualdades sociais, filiou-se o país a um
sistema jurídico que consagra universalmente os valores fundamentais da
dignidade humana e da justiça social, cujas normas destinam-se não a cristalizar a
exclusão e o privilégio, mas a obrigar os Estados a voltarem suas ações aos
esquecidos, aos marginalizados.
A Constituição Federal de 1988, inspirada pelo ideal de mudança da
realidade brasileira, previu a integração das normas do Direito Internacional dos
Direitos Humanos à legislação interna (art. 5º,§ 2º), tendo como conseqüência não
só a reiteração dos direitos constitucionalmente assegurados, mas a geração de
novos direitos civis e políticos e, sobretudo, econômicos, sociais e culturais.
57
Nesse sentido é importante ressaltar a idéia de fundamentalidade dos
direitos sociais que de acordo com Peces-Barba Martinez
“é decorrência da identificação do fim ou objetivo último que os direitos
cumprem na ética pública ou justiça, que é o conteúdo material do Direito. Os
direitos, junto com os valores e princípios, formam parte do conteúdo de justiça
de uma sociedade democrática e moderna e têm como objetivo último ajudar a
que todas as pessoas possam alcançar o nível de humanização máximo possível,
em cada momento histórico. São meios para que a organização social e política
56
De acordo com José María Gómez, “é possível conceber a globalização como um processo que,
às vezes, envolve mais que simples fluxos e conexões através dos Estados-nação e fronteiras
territoriais nacionais. Na realidade, ela denota uma mudança significativa na forma espacial da
atividade e organização social humana no sentido de padrões transnacionais ou inter-regionais
de relações, interações e exercício de poder. O que se depreende dessa definição é, em primeiro
lugar que a globalização implica uma mudança histórica fundamental na escala das organizações
econômicas e sociais contemporâneas. Em segundo lugar, que ela não constitui em uma condição
singular, mas em um processo multidimensional em que os crescimentos dos padrões de
interconexão global alcança todos os domínios institucionais-chaves da vida social moderna (
econômico, cultural, tecnológico, político, legal, ambiental e social), embora cada um deles
conheça escala, intensidade, dinâmica e impactos diferentes. Por último, a globalização envolve,
necessariamente, organização e exercício de poder social em escala transnacional e
intercontinental.” Cf. GÓMEZ, José Maria. Política e Democracia em Tempos de Globalização.
Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p.58.
57
De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet “a regra do art. 5º, § 2º traduz o entendimento de que, para além do
conceito formal de Constituição (e de direitos fundamentais), há
um conceito material, no sentido de
existirem
direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da
Constituição de um Estado, mesmo não constando no catálogo. Neste contexto, importa salientar que o rol
do art. 5º, apesar de analítico não tem cunho taxativo.” In: SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos
Direitos Fundamentais. 4ª edição. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2004, p. 90-91.
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53
permita o desenvolvimento máximo das dimensões que configuram nossa
dignidade, quer dizer, para que possamos eleger livremente, para que possamos
construir conceitos gerais e refletir, para que possamos nos comunicar, transmitir
a semente da cultura como obra do homem na história, e para que possamos
decidir livremente nossa moralidade privada, nossa idéia de bem, de virtude, de
felicidade ou da salvação, segundo seja o ponto de vista em que nos situemos.”
58
É nesse sistema, portanto, que vem se inserir, a partir da Constituição de
1988, o direito fundamental do ser humano à Cidade “como expressão do direito à
dignidade da pessoa humana, constituindo o núcleo de um sistema composto por
um feixe de direitos, incluindo o direito à moradia – implícita a regularização
fundiária-, à educação ao trabalho, à saúde aos serviços públicos – implícito o
saneamento - , ao lazer, à segurança, ao transporte público, a preservação do
patrimônio cultural, histórico e paisagístico, ao meio ambiente natural e
construído equilibrado – implícita a garantia do direito à cidades sustentáveis.”
59
2.2.2
O Direito Humano à Cidade
Para que haja cidades justas, humanas, saudáveis e democráticas, é preciso
incorporar os direitos humanos no campo da governança das cidades
60
, de modo
que as formas de gestão e as políticas públicas tenham como resultados de
impacto a eliminação das desigualdades sociais, das práticas de discriminação em
todas as formas da segregação de indivíduos, grupos sociais e comunidades, em
razão do tipo de moradia e da localização dos assentamentos em que vivam.
O direito à cidade, adotado pelo direito brasileiro, o coloca no
mesmo patamar dos demais direitos de defesa dos interesses coletivos e difusos,
58
PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregório. Derechos Sociales y Positivismo Jurídico. Escritos de
Filosofia jurídica y política. Madrid: Dykson, 1999. Apud. Arquivos de Direitos Humanos, vol. 3.
Diretores Celso D. de Albuquerque Mello e Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,
p. 236.
59
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Tutela Constitucional do Direito à Cidade. Trabalho
apresentado no 10º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. Gestão de RiscosAmbientais:
Licenciamento e outros Instrumentos, São Paulo, jun. 2005 (Relatório do CNPq de Projeto
Integrado de Pesquisa intitulado “A Paisagem Urbana como Patrimônio.”
60
“O reconhecimento da democracia no campo dos direitos fundamentais nos coloca perante um
debate sobre a questão da relação entre os Direitos Humanos, a Cidadania e o Estado
Democrático. Cf. DORNELLES, João Ricardo. Direito a viver em uma sociedade democrática.
Uma breve análise sobre Democracia, Direitos Humanos e Cidadania. Direito Estado e
Sociedade. Especial Direitos Humanos. Rio de janeiro: Pontifícia Universidade Católica –
Departamento de Direito, 2003, p.35.
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como por exemplo o do consumidor, do meio ambiente, do patrimônio histórico e
cultural, da criança e adolescente, da economia popular. Esta experiência
brasileira é inovadora quanto ao reconhecimento jurídico da proteção legal do
direito à cidade, na ordem jurídica interna de um país.
A forma tradicional de buscar a proteção dos direitos dos habitantes das
cidades nos sistemas legais traz sempre a concepção da proteção de um direito
individual, de modo a prover a proteção dos direitos da pessoa humana na cidade.
A concepção do direito à cidade no direito brasileiro avança, ao ser instituído com
objetivos e elementos próprios, configurando-se como um novo direito humano,
e, na linguagem técnica jurídica, como um direito fundamental.
A experiência brasileira de buscar o reconhecimento institucional do
direito à cidade a partir de uma ação política da defesa da implantação da
plataforma da reforma urbana contribuiu para que fosse introduzido,
gradativamente, nos Fóruns Internacionais Urbanos, o direito à cidade, na pauta
dos processos globais voltados a tratar dos assentamentos humanos. Cabe destacar
o Tratado sobre a questão urbana, denominado "Por Cidades, Vilas e Povoados,
Justos, Democráticos e Sustentáveis", elaborado na Conferência da Sociedade
Civil Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, durante a Conferência das
Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na cidade do Rio de
Janeiro (ECO-92). Esse Tratado foi construído com as contribuições do Fórum
Nacional de Reforma Urbana e da organização internacional Habitat Internacional
Coalition.
O Tratado compreende a gestão democrática da cidade, como a forma de
planejar, produzir, operar e governar as cidades e povoados, submetida ao
controle e participação da sociedade civil, destacando-se como prioritários o
fortalecimento e autonomia dos poderes públicos locais e a participação popular.
A função social da cidade, que no Brasil passou a ser princípio constitucional da
política urbana, tem a seguinte compreensão, neste Tratado: o uso socialmente
justo do espaço urbano para que os cidadãos apropriem-se do território,
democratizando seus espaços de poder, de produção e de cultura, dentro de
parâmetros de justiça social e da criação de condições ambientalmente
sustentáveis.
61
61
Sobre o assunto ver LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico.Condições e Possibilidades da
Constituição do Espaço Urbano, op. cit., p. 164.
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55
Outro processo global importante, no qual foi introduzido um diálogo
sobre o direito à cidade e a reforma urbana, foi a Conferência Global sobre os
Assentamentos Humanos das Nações Unidas, Habitat II, realizada na cidade de
Istambul, em 1996. Nesta Conferência, o tema que gerou maiores atenções e
polêmicas foi o reconhecimento do direito à moradia como um direito humano,
pelos organismos internacionais (como a Agencia Habitat das Nações Unidas e os
Governos dos Estados Nacionais). O reconhecimento do direito à moradia na
Agenda Habitat – que é o documento oficial da Conferência, contendo um
conjunto de compromissos para os países promoverem medidas que modifiquem
as condições de desigualdade e de violações de direitos nos assentamentos
humanos – foi um passo embrionário para a construção do direito à cidade na
esfera internacional.
62
Na passagem para o novo milênio, o Fórum Social Mundial tornou-se
palco privilegiado para a internacionalização do direito à cidade. A estratégia
estabelecida por um conjunto de organizações da sociedade atuantes com as
questões urbanas, foi elaborar uma Carta Mundial do Direito à Cidade. A primeira
versão da Carta teve como subsídios a Carta Européia dos Direitos Humanos na
Cidade, elaborada pelo Fórum de Autoridades Locais, em Saint Dennis, em maio
de 2000, e o Tratado "Por Cidades, Vilas e Povoados, Justos, Democráticos e
Sustentáveis", plataforma brasileira do direito à cidade e a reforma urbana.
O processo desencadeado no Fórum Social Mundial, de construção da
Carta Mundial do Direito à Cidade, tem o objetivo de disseminar a concepção do
direito à cidade como um novo direito humano, com base numa plataforma de
reforma urbana para ser implementada pelos países, visando a modificar a
realidade urbana mundial mediante a construção de cidades justas, humanas,
democráticas e sustentáveis. Tem também o objetivo do reconhecimento
institucional do direito à cidade como um novo direito humano, nos organismos
62
Art. 39 da Agenda Habitat:” nós reafirmamos nosso compromisso para completa e progressiva
realização do direito à moradia adequada, conforme estabelecido nos instrumentos
internacionais. Nesse contexto, reconhecemos a obrigação dos governos de permitir que as
pessoas obtenham um lar, protejam e melhorem suas moradias e bairros. Nós nos
comprometemos com a meta de melhorar as condições de vida e de trabalho em uma base
igualitária e sustentável, de forma que todos tenham moradias adequadas, que sejam sadias,
seguras, acessíveis e a preços viáveis, que incluam serviços básicos, instalações e áreas de lazer,
e que estejam livres de qualquer tipo de discriminação no que se refere à habitação ou à garantia
legal da posse. Devemos implementar e promover esse objetivo com padrões de direitos
humanos.”
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das Nações Unidas (como a Agência Habitat, PNUD, Comissão de Direitos
Humanos), bem como nos organismos regionais (como a Organização dos
Estados Americanos). Esta ação visa a influenciar as formas de governança das
políticas globais, regionais e nacionais urbanas, de modo que sejam democráticas
e revertam o quadro de desigualdade social nas cidades.
A partir do ano de 2004, tanto no Fórum Social das Américas, na cidade
de Quito, como no Fórum Urbano Mundial, em Barcelona, a Carta Mundial do
Direito à Cidade está sendo fruto de um processo de revisão, de modo a tratar de
assuntos estratégicos para as cidades, como o tema da governança urbana
democrática, da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais dos
habitantes das cidades, da adoção de uma economia mais justa e solidária, que
promova o desenvolvimento humano de forma sustentável, dos compromissos a
serem assumidos pelos diversos segmentos da comunidade internacional para o
seu cumprimento, e as ações necessárias para o reconhecimento internacional do
direito à cidade como um direito humano.
63
Com a crença e esperança de que Outra Cidade é Possível, o Fórum Social
Mundial de 2005, em Porto Alegre, foi um momento privilegiado para a
continuidade do caminho que ainda precisa ser percorrido para a
internacionalização do direito à cidade.
63
“A Carta Mundial do Direito à Cidade é um instrumento dirigido a contribuir com as lutas
urbanas e com o processo de reconhecimento no sistema internacional de direitos humanos do
direito à cidade. O direito à cidade se define como usufruto eqüitativo das cidades dentro dos
princípios de sustentabilidade e da justiça social. Entendido como direito coletivo dos habitantes
das cidades em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem legitimidade de
ação e de organização, baseado nos usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno
exercício do direito a um padrão de vida adequado.
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3
GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE E PLANO DIRETOR:
O CASO REFERÊNCIA DO MUNICÍPIO DE RIO DAS
OSTRAS.
3.1
Descrição do município de Rio das Ostras
3.1.1
Histórico
1
Inicialmente ocupado por índios Tamoios e Goitacazes, o território que
hoje compreende o município de Rio das Ostras era constituído pela sesmaria
concedida pelo capitão-mor e governador do Rio de Janeiro, Martin Corrêa de Sá,
em 1º de agosto de 1630, aos padres da Companhia de Jesus. A sesmaria tinha
como limites o rio Iriri – atual Rio das Ostras - ao sul, e o rio dos Bagres, ao norte.
Os índios e os jesuítas deixaram suas marcas em obras como a da antiga igreja de
Nossa Senhora da Conceição, o poço de pedras e o cemitério. Após a expulsão
dos jesuítas no ano de 1759, a igreja foi terminada no final do século XVIII,
provavelmente pelos Beneditinos e Carmelitas.
As primeiras notícias sobre a área onde hoje se situam os municípios de
Casimiro de Abreu e Rio das Ostras datam do princípio do século XVIII, quando,
de uma antiga aldeia de índios, originou-se a freguesia denominada Sacra Família
de Ipuca, em 1761. A ocorrência de freqüentes epidemias naquela localidade fez
com que a sede da freguesia fosse transferida para a foz do Rio São João, que já
possuía núcleos de pescadores. O desenvolvimento aí verificado determinou a
criação do município de Barra de São João em 1846, cujo território foi
desmembrado do município de Macaé, tendo sido o arraial de Barra de São João
elevado à categoria de vila, que desempenhava função portuária de exportação dos
produtos agrícolas locais para o Rio de Janeiro.
Durante todo esse período, a estrutura econômica do futuro município de
Casimiro de Abreu esteve baseada na agricultura. O isolamento físico associado à
1
Ver site www.riodasostras.gov.br e LIMA, Maria da Glória de Almeida. Pérola entre o Rio e o
Mar: História de Rio das Ostras. 2ª edição. Rio das Ostras: Fundação Rio das Ostras de Cultura,
1998, p.13-20.
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ausência de atividades agrícolas dinâmicas no município foi responsável pela
pequena expansão do núcleo, que iniciou acentuado declínio a partir de 1888, com
a libertação dos escravos.
O desajustamento da economia do município ocasionado pela Lei Áurea
deu motivo a repetidos deslocamentos de sua sede entre Barra de São João,
assolada por surtos de malária, e Indaiaçu (antiga denominação da sede de
Casimiro de Abreu), sendo a mesma definitivamente fixada, em 1925, na última
localidade, que passaria a se chamar em seguida Casimiro de Abreu, nome
atribuído a todo o município em 1938.
Já a localidade de Rio das Ostras, como rota de tropeiros e comerciantes
rumo a Campos e Macaé, teve um progressivo desenvolvimento com a atividade
da pesca, que foi o sustentáculo econômico da cidade até meados do século XX.
Rio das Ostras constitui-se em núcleo recente, da década de 50. A
construção da Rodovia Amaral Peixoto, a expansão turística da Região dos Lagos
e a instalação da Petrobras foram de extrema importância para o crescimento e
desenvolvimento de Rio das Ostras, que viu sua população crescer, até chegar ao
momento de sua emancipação político-administrativa do município de Casimiro
de Abreu, em 1992, dada pela Lei n.º 1.894 de 10 de abril daquele ano, e
instalação em 1º de janeiro de 1993.
3.1.2
Caracterização do Município :
Rio das Ostras pertence à Região das Baixadas Litorâneas, que também
abrange os municípios de Araruama, Armação de Búzios, Arraial do Cabo, Cabo
Frio, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de Abreu, Iguaba Grande, Maricá, Rio
Bonito, São Pedro d'Aldeia, Saquarema e Silva Jardim.
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59
figura 1
O município tem um único distrito-sede, ocupando uma área total
2
de
230,4 quilômetros quadrados, correspondentes a 4,2% da área da Região das
Baixadas Litorâneas.
Rio das Ostras dista nove quilômetros de Barra de São João, distrito de
Casimiro de Abreu e desenvolve-se a partir da RJ-106, que corta a área urbana em
duas partes, no sentido sul-norte, onde alcança Macaé. A RJ-162, estabelece a
ligação com a BR-101, em Casimiro de Abreu, a oeste. A ferrovia Rio-Vitória
passa pelo território municipal.
2
IBGE/CIDE, 2002.
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60
figura 2
De acordo com o censo de 2000, Rio das Ostras tinha uma população de
36.419 habitantes, correspondentes a 5,7% do contingente da Região das Baixadas
Litorâneas, com uma proporção de 99,2 homens para cada 100 mulheres. A
densidade demográfica era de 177 habitantes por km2, contra 111 habitantes por
km2 de sua região. Sua população estimada em 2004
3
é de 45.755 pessoas.
O município apresentou
4
uma taxa média geométrica de crescimento, no
período de 1991 a 2000, de 8,02% ao ano, contra 4,13% na região e 1,30% no
Estado, sendo uma das cinco maiores do Estado. Sua taxa de urbanização
corresponde a 94,9% da população, enquanto que, na Região das Baixadas
Litorâneas, tal taxa corresponde a 85,5%.
Rio das Ostras tem um contingente de 30.959
5
eleitores, aproximadamente
74% da população. O município tem um número total de 22.261 domicílios
6
, com
uma taxa de ocupação de 48%. Dos 11.495 domicílios não ocupados, 79% têm
uso ocasional, demonstrando o forte perfil turístico local.
3
IBGE
4
Fundação CIDE
5
TSE – Dados de junho 2004.
6
IBGE – Censo 2000.
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61
A distribuição da população na região do município e no Estado, de
acordo com o Censo 2000, dava-se conforme gráficos a seguir:
figuras 3 e 4
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62
A população residente, por grupos de idade, é apresentada no quadro
abaixo, em comparação com a região do município e o Estado:
figura5
Ao examinarmos o gráfico, percebemos que a faixa etária predominante
encontra-se entre os 10 e 39 anos, e que idosos representam 8% da população do
município, contra 19% de crianças entre 0 e 9 anos.
Rio das Ostras vive, atualmente, um processo de intenso crescimento
econômico, ocasionado pela indústria do petróleo, com a retomada da
intensificação do uso do solo, que manteve os níveis de ocupação, pela via de
loteamentos regulares ou não, desde o fim da década de 1970, ao contrário de
outros municípios de vocação turística. Tal se explica justamente pela
implantação paulatina, a partir do início da década de 1980, das instalações da
indústria off-shore, com a demanda de moradia barata, relativamente próxima ao
local de trabalho, em um ambiente urbano agradável, com praias limpas e bonitas
e meio ambiente natural exuberante. Esta pequena síntese, envolvendo
desenvolvimento econômico e preservação urbano-ambiental, é que há de ser o
leitmotiv do Plano diretor de Rio das Ostras e o grande objeto dos consensos que
se pretendeu fundar.
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63
3.2
A Cidade e o Consenso: a reconstrução discursiva da Democracia e
do Direito segundo Jürgen Habermas
7
Esta dissertação fundamenta-se no referencial teórico habermasiano de
democracia discursiva, principalmente quando enfoca a utilização da esfera
pública como locus privilegiado de emancipação social e de democratização das
relações sociais, vista no exame de um caso concreto de direito urbanístico,
delimitado pela abordagem teórica de um instituto proveniente do direito
constitucional urbanístico: o Plano Diretor.
O marco teórico, assim definido, vai comunicar-se com experiências de
validação de conceitos constitucionais no âmbito municipal, no exercício de
integração jurídica que supõe a elaboração de um Projeto de Lei instituidor de um
Plano Diretor – documento jurídico que conceitua o princípio constitucional
setorial da função social da Cidade e, decorrentemente, concretiza um valor
fundamental da Constituição que é a função social da propriedade – no quadro de
um modelo normativo que requer a participação da sociedade organizada no
processo de criação legislativa.
A adoção das proposições de Habermas proporciona o entendimento, sob
o signo dos modelos de formação de consensos que sempre caracterizaram a obra
do filósofo alemão, dos mecanismos de participação, especialmente quando
observados sob os parâmetros da teoria da ação comunicativa, para vencer os
obstáculos típicos das instâncias de participação popular no Brasil, que se
7
A utilização do modelo das ciências sociais reconstrutivas surge como saída para impasses
teóricos enfrentados por Habermas no final da década de 60. Até aquele momento ele continuava
a seguir uma estratégia muito próxima àquela dos fundadores da tradição da teoria crítica da
sociedade, Adorno e Hockheimer: a procura da elaboração teórica de um materialismo
interdisciplinar, marcado por uma abertura para a sociologia, sobretudo com o trabalho de
Weber, ancorado às perspectivas de Marx e Freud, e profundamente inspirado numa perspectiva
filosófica hegeliana. A partir de 70, há uma virada habermasiana em direção aos programas de
pesquisa de matriz anglo-saxônica. O pragmatismo de Peirce e a filosofia de Wittgenstein –
mediatizados em diversos aspectos pela interpretação de Karl-Otto Apel -, a filosofia da
linguagem ordinária, em especial a sistematização que John Searle elabora das investigações de
John Austin, e a gramática generativa de Noam Chomsky. É esta última que inspirará Habermas
na elaboração da sua teoria da competência comunicativa, seguindo o padrão epistemológico
das ciências sociais reconstrutivas.” Cf. MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos Humanos e a
Teoria do Discurso do Direito e da Democracia. In: Arquivos de Direitos Humanos. Volme 2.
Diretores: Celso D. Albuquerque Mello e Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.
34.
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detiveram nas expressões meramente formais de suas atribuições, e tentar
finalmente, sob o viés habermasiano, explicar a gestão democrática das Cidades e
sua aplicação possível à elaboração de um Plano Diretor. Para tanto, são
necessárias algumas considerações teóricas, acerca das abordagens possíveis da
questão institucional envolvida no tema da dissertação.
A abordagem política de participação democrática, que tomou forma nos
anos 70, obteve uma contribuição de maior importância a partir dos anos 80 com a
concepção teórica de democracia discursiva, deliberativa ou dialógica de Jürgen
Habermas
8
, dando ênfase à falta de representatividade popular nas estruturas
decisórias do Estado. Este autor salienta a possibilidade de uma revitalização
democrática a partir do fortalecimento da sociedade civil e da valorização de
processos comunicativos.
De acordo com Habermas,
“o direito legítimo se reproduz no fluxo do poder regulado pelo Estado de direito,
que se alimenta das comunicações de uma esfera pública política não transmitida
por herança e enraizada nos núcleos privados do mundo da vida através de
instituições da sociedade civil.(...) Uma ordem jurídica é legítima na medida que
assegura a autonomia privada e cidadã de seus membros, pois ambas são co-
originárias; ao mesmo tempo, porém, ela deve sua legitimidade a formas de
comunicação nas quais essa autonomia pode manifestar-se e comprovar-se. A
chave da visão procedimental do direito consiste nisso. Uma vez que a garantia
da autonomia privada pelo direito formal se revelou insuficiente e dado que a
regulação social através do direito, ao invés de reconstruir a autonomia privada,
se transformou numa ameaça para ela, só resta como saída tematizar o nexo
existente entre formas de comunicação que, ao emergirem, garantem a autonomia
pública e a privada.”
9
O modelo discursivo procedimental de democracia deliberativa
desenvolvido por Habermas e a sua teoria do agir comunicativo visam, dessa
maneira, o fortalecimento de uma esfera pública ativa, que seria a instância
geradora de poder legítimo, a dimensão da sociedade onde se dá o intercâmbio
discursivo. Segundo Habermas,
“a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação
8
Nascido em 1929, Habermas estuda na universidade após a Segunda Guerra Mundial, como discípulo e
amigo de Theodor Adorno, constituindo-se, de certa forma, num dos herdeiros da Teoria Crítica da chamada
Escola de Frankfurt. De seus estudos sobre Marx e Freud brota uma preocupação central com uma política
emancipa tória. Acompanha de perto o movimento estudantil dos anos 60 e estuda as questões da esfera
pública e da relação teoria e práxis. In: HABERMAS, Jürgen. Dialética e Hermenêutica. Porto Alegre:
L&PM, 1987, p.6.
9
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997, p. 147
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de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são
filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas,
enfeixadas em temas específicos. Vista pelo lado normativo, ela fundamenta uma
medida para a legitimidade da influência exercida por opiniões públicas sobre o
sistema político.”
10
Segundo a lição de Gisele Cittadino
“ao basear a legitimidade do direito nos procedimentos democráticos de
elaboração legislativa, Habermas revela o seu compromisso com o processo
político deliberativo, no qual o debate argumentativo assegura a formação de
vontade de cidadãos plenamente autônomos, capazes de auto-realização e
autodeterminação. Nesse sentido, há, de acordo com Habermas, uma relação
interna, conceitual, entre direito e democracia, que se traduz na conexão
intrínseca entre direitos humanos e soberania popular.”
11
Para Habermas, o Direito legitima-se como um meio para a garantia
equânime da autonomia pública e da autonomia privada. As tradições da filosofia
política moderna, contudo, não conseguiram dirimir a tensão entre soberania
popular e direitos humanos, entre “liberdade dos antigos” e “liberdade dos
modernos”. Por um lado, o Republicanismo dá primazia à autonomia pública e,
por outro, o Liberalismo dá primazia aos direitos humanos.
12
Assim, por um lado,
a autonomia política tomaria corpo na auto-organização de uma comunidade que
dá a si suas leis; e a autonomia privada, por outro, deveria afigurar-se no domínio
anônimo dessas mesmas leis.
13
Ao adotar o modelo da linguagem, Habermas quer esclarecer a estrutura
10
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, op. cit., p. 92
11
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Elementos da Filosofia Contemporânea.
3
a
edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2004, p. 138.
12
Em relação a esses dois paradigmas Habermas esclarece que “a diferença consiste no papel do
processo democrático. Segundo a concepção liberal o processo democrático cumpre a tarefa de
programar o Estado no interesse da sociedade, entendendo-se o Estado como aparato de
administração pública e a sociedade como sistema, estruturado em termos de uma economia de
mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social. A política (no sentido da
formação política da vontade dos cidadãos) tem a função de agregar e impor os interesses sociais
privados perante um aparato estatal especializado no emprego administrativo do poder político
para garantir fins coletivos. Segundo a concepção republicana, a política não se esgota nessa
função de mediação. Ela é um elemento constitutivo do processo da formação da sociedade como
um todo. A política é entendida como uma forma de reflexão de um complexo de vida ético (no
sentido de Hegel) Ela constitui o meio em que os membros de comunidades solidárias, de caráter
mais ou menos natural, se dão conta de sua dependência recíproca, e, com vontade e consciência,
levam adiante essas relações de reconhecimento recíproco em que se encontram, transformando-
as em uma associação de portadores de direitos livres e iguais.”Cf. HABERMAS, Jürgen. Três
Modelos Normativos de Democracia. In Lua Nova, Revista de Cultura e Política, n. 36, 1995, p.
39-40
13
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. 2
a
edição. Tradução George Speber, Paulo Astor Soethe,
Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 269
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66
discursiva comum do direito e da moral
14
, para mostrar que só uma validação
intersubjetiva das normas jurídicas, que apela simultaneamente para a liberdade
subjetiva dos indivíduos e para a autodeterminação democrática das comunidades,
é capaz de conferir legitimidade ao direito positivo. No modelo proposto pelo
autor, a co-originariedade da autonomia privada e pública se revela quando
compreendemos o tema da autolegislação, segundo o qual os indivíduos são
simultaneamente autores e destinatários de seus direitos. Tal enfoque possibilita
compreender os direitos humanos como condições formais para a
institucionalização jurídica dos processos discursivos de formação da opinião e da
vontade, nos quais a soberania do povo assume um caráter vinculante, isto é,
ligado por normas. Em outras palavras, são os direitos humanos que garantem a
possibilidade de cada indivíduo atuar como sujeito autônomo livre e igual nos
processos coletivos de discussão e decisão acerca das leis para todos.
Segundo Habermas
15
,os direitos humanos não podem nem simplesmente
ser impostos ao legislador político como uma restrição externa, nem se deixarem
instrumentalizar como requisitos funcionais para seus fins político-legislativos. É
preciso, então, considerar o procedimento democrático a partir da Teoria do
Discurso: sob as condições do pluralismo social e cultural, é o procedimento
democrático que confere força legitimadora ao processo legislativo.
Regulamentações que podem pretender legitimidade são justamente as que podem
contar com a concordância de possivelmente todos os afetados enquanto
participantes em discursos racionais, nos termos do “princípio do discurso”
1617
. Se
discursos e negociações são o que constitui o espaço de formação da opinião e da
vontade política racional, então, segundo Habermas
18
, a suposição de
14
A moral para Habermas, tem suas raízes na Lebenswelt, no mundo vivido. O mundo vivido é o lugar das
relações sociais espontâneas, das certezas pré-reflexivas, dos vínculos que nunca foram postos em dúvida.
Ele tem três componentes estruturais: cultura, sociedade e personalidade (...) As relações sociais que se dão
no mundo vivido assumem caracteristicamente a forma da ação comunicativa: um processo interativo,
lingüisticamente mediado, pelo qual os indivíduos coordenam seus projetos de ação e organizam suas
ligações recíprocas. Cf. ROUANET, Sérgio Paulo. Mal Estar na Modernidade. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 214-215.
15
HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro, op. cit., p.291.
16
HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro, op. cit., p.292.
17
Trata-se de um princípio normativo, uma vez que fornece o significado da imparcialidade na
formulação de juízos práticos. O princípio do discurso é assim formulado: são válidas as normas
de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de
participantes de discursos racionais.” Cf. NASCIMENTO, Rogério Soares do. A Ética do
Discurso como Justificação dos Direitos Fundamentais na Obra de Jürgen Habermas.
Legitimação dos Direitos Humanos. Organizador Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar,
2002, p. 473.
18
HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro, op. cit., p.292.
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67
racionalidade que deve embasar o processo democrático tem que se apoiar num
arranjo comunicativo segundo o qual tudo depende das condições sob as quais se
podem institucionalizar juridicamente as formas de comunicação necessárias para
a criação legítima do Direito.
Assim, sem direitos humanos básicos garantindo a autonomia privada dos
cidadãos, também não há como institucionalizar juridicamente as condições que
permitem a esses cidadãos o exercício de sua autonomia pública.
Conseqüentemente, as autonomias privada e pública se pressupõem mutuamente
de tal modo que nem direitos humanos nem soberania popular podem pretender a
primazia uma em relação à outra.
À versão corrente, de que o Estado de direito garantiria apenas a
autonomia privada e a igualdade jurídica dos cidadãos, Habermas
19
contrapõe sua
compreensão discursiva da inter-relação entre autonomia privada e pública.
Contexto no qual o direito não recebe seu sentido normativo pleno, nem de sua
forma, nem de um conteúdo moral a priori, mas de um procedimento de
legislação que gera legitimidade, pois, nesse nível de justificação, só conta como
legítimo o direito que poderia ser racionalmente aceito por todos os cidadãos num
processo discursivo de formação da opinião e da vontade.
Nessa abordagem do Estado de direito, observa Habermas
20
, a soberania
popular não se incorpora mais numa reunião de cidadãos autônomos identificáveis
visivelmente, mas se volta para as formas de comunicação que circulam através de
foros sociais e corpos legislativos. Dessa forma, o poder comunicativamente
diluído na sociedade pode ligar o poder administrativo do aparelho estatal com a
vontade dos cidadãos.
O modelo discursivo de democracia proposto por Habermas enfatiza a
participação dos cidadãos nas esferas públicas, permitindo, assim, a renovação da
prática social. Ao mesmo tempo, valoriza a institucionalização desta no nível
político-administrativo. É um modelo cuja análise está centrada tanto nos fóruns
institucionais de tomada de decisões quanto nos fóruns extra-institucionais. A
democracia, portanto, será analisada enquanto forma de organização das relações
entre o Estado e a sociedade.
Segundo este autor, na ordem democrática, as decisões tomadas no nível
19
HABERMAS, Jürgen, op. cit., p.301.
20
Ibid. p.302.
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68
do sistema político devem ser fundamentadas e justificadas no âmbito da
sociedade, através de uma esfera pública vitalizada. O sistema político deve estar
ligado às redes periféricas da esfera pública política. Estabelece-se, assim, um
fluxo de comunicação que parte de redes informais da esfera pública, se
institucionaliza por meio dos corpos parlamentares e atinge o sistema político
influenciando nas decisões tomadas.
De acordo com Habermas:
“no paradigma procedimentalista do direito, a esfera pública é tida como ante-
sala do complexo parlamentar e como a periferia que inclui o centro político, no
qual se originam os impulsos: ela exerce influência sobre o estoque de
argumentos normativos, porém sem a intenção de conquistar partes do sistema
político. Através dos canais de eleições gerais e de formas de participação pública
convertem-se em poder comunicativo, o qual exerce um duplo efeito: a) de
autorização sobre o legislador; b) de legitimação sobre a administração
reguladora; ao passo que a crítica do direito, mobilizada publicamente, impõem
obrigações de fundamentação mais rigorosas a uma justiça engajada no
desenvolvimento do direito”.
21
Desta maneira, as decisões referentes às políticas públicas, para gozarem
de legitimidade, devem refletir a vontade coletiva organizada através da
participação política em fóruns públicos de debate; a esfera pública, assim, é o
local em que os problemas que afetam o conjunto da sociedade são absorvidos,
discutidos e tematizados, ou seja, um pressuposto da elaboração legislativa
devidamente legitimada, segundo Habermas. Pode-se dizer, então que a
legitimação pelo procedimento ocorreu em Rio das Ostras na elaboração do Plano
Diretor do Município. As Comissões Temáticas criadas pelo Poder Público para
ajudar na sistematização do projeto Lei contou com as mais diversas
representações populares que sugeriram idéias que acabaram virando sugestões
imperativas
22
para o conteúdo normativo do Plano Diretor.
21
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre Facticidade e Validade, op. cit., pp. 186, 187.
22
Ao contrário do que ocorre em outras comunidades do interior do Rio de Janeiro, Rio das Ostras
tem certa tradição na atuação da sociedade civil organizada, desde as lutas para a emancipação do
município, originalmente um distrito de Casimiro de Abreu, que se iniciaram no final da década de
1980, do século passado. Organizações típicas desse processo, que remanescem atuantes até agora,
na época da elaboração do Plano Diretor, são a AERO – Associação dos Engenheiros e Arquitetos
de Rio das Ostras e o MERO – Movimento Ecológico de Rio das Ostras. Ao lado dessas
organizações, destacaram-se os conselhos do orçamento participativo, já implantados desde o ano
de 2001, os conselhos municipais de saúde, de educação, de meio ambiente, e vários segmentos
tradicionais que compõem o chamado “arco da sociedade”, como sejam as associações de
moradores de bairro, os sindicatos e associações profissionais, a subseção da OAB-RJ, os clubes
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69
Os representantes da sociedade civil em Rio das Ostras transportaram,
dessa maneira, as situações-problemas emergentes que aparecem no nível das
relações cotidianas para o plano público, atuando sobre a base das necessidades
gerais que operam como meio para a publicização destas necessidades, se
diferenciando, assim, dos interesses particularistas que também buscam atingir o
sistema político.
A democratização depende, portanto, destes atores generalizantes que
tematizam questões relevantes na sociedade civil e, através da esfera pública,
atingem o sistema político buscando ampliar sua agenda. Como instância
intermediadora, a esfera pública capta os impulsos gerados na vida cotidiana e os
transmite para os colegiados competentes que articulam institucionalmente o
processo de formação da vontade política, construindo, assim, decisões legítimas.
Para desempenhar esse papel de canal de comunicação, a esfera pública
não deve ser subvertida nem por grandes organizações poderosas, nem pela mídia.
Do contrário, não poderá ligar discurso público e sociedade civil, possibilitando
aos cidadãos identificarem questões sociais candentes e forçar sua consideração
formal pelo sistema político.
Os ideais constantes da idéia de democracia discursiva fazem parte
daquelas concepções normativas de agente racional, vida ética e conhecimento
que não são simplesmente uma questão de escolha, mas que são constitutivas de
nossa autocompreensão: a noção de que cada um merece, em princípio, igual
respeito como agente moral autônomo; a noção de que a autonomia para
raciocinar e argumentar é parte inestimável dos sujeitos sociais; a noção da
importância da publicidade, especialmente nas esferas do direito e da política;
ainda, a noção, subjacente às nossas considerações, de que não há padrões de
autoridade independentes dos contextos histórico-culturais, os únicos que podem
validar pretensões de conhecimento nas áreas científica, jurídica, política e moral
– conhecimentos, é claro, sempre falíveis e passíveis de serem melhorados. Por
essas razões, temos o direito e o dever de lutar politicamente pelo que somos, quer
dizer, por condições para nos desenvolvermos plenamente como sujeitos
autônomos, individuais e coletivos.
Dentro desta perspectiva, um projeto de sociedade, de um Brasil com
de serviço, as diversas igrejas e cultos e os clubes da terceira idade. Cf. a respeito Anexo II –
documentos relativos ao Plano Diretor.
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70
desenvolvimento urbano sustentável, exige justamente o aprofundamento do
modelo de democracia discursiva desenvolvido por Jürgen Habermas. A crise
social, urbana e ambiental que estamos experimentando abre espaço para
construção de algo novo, algo que somente pode surgir quando a sociedade for
chamada para a se expressar e a participar. Tal é tanto mais verdadeiro quando se
percebe, no exame do caso concreto, que o procedimento participativo genuíno
experimentado pela iniciativa do Poder Executivo de então não logrou êxito no
que tange à requerida mediação final do Poder Legislativo. Com efeito, a Câmara
Municipal de Rio das Ostras há treze meses mantém congelada a tramitação do
Projeto de Lei, negando-se a chancelar o produto do procedimento legitimado ou
até mesmo reabrir, já no Legislativo, uma nova fase do processo participativo.
23
É certo que o modelo de democracia liberal e representativa que ainda
predomina na sociedade brasileira está cada vez cada vez menos capaz de dar
respostas satisfatórias aos grandes desafios do desenvolvimento sustentável, da
pacificação das relações sociais e das crescentes demandas sociais de uma
sociedade crescentemente complexa e diversificada. Este modelo tem seus
arquétipos relacionados com o iluminismo clássico e com as experiências
jurídicas oriundas das Revoluções Inglesa, Americana e Francesa, evoluindo no
tempo até revelar-se nas Constituições do Século XX, consagrando o sistema de
democracia semi-direta e expressando-se na dogmática jurídica na dualidade
jusnaturalismo / positivismo jurídico.
O modelo de democracia liberal se inspira na racionalidade instrumental e
sua ação correlata. As práticas e as instituições políticas são julgadas segundo
suas capacidades de gerar e implementar políticas que resolvam problemas que
emergem através da busca de objetivos previamente definidos. A forma como este
modelo apreende o conjunto de procedimentos que o compõe nos remete a duas
questões: a extensão da participação política e o potencial de legitimidade que ele
oferece.
Constata-se que o modelo liberal defende uma participação restrita voltada
apenas para a seleção, por meio do voto e da regra da maioria, das lideranças
qualificadas. Apenas as elites políticas seriam capazes de alcançar resultados
racionais que abrangeriam toda coletividade. Por sua vez, a legitimidade destas
23
Cf. Anexo II – Documentos relativos ao Plano Diretor.
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71
elites políticas é comprovada, ou não, pelo voto dos eleitores em eleições
periódicas.
No modelo liberal a democracia não é vista enquanto uma forma de
organização da sociedade e, por isso, neste modelo não se considera a importância
de arenas participativas e discursivas. Seu conceito de normatividade se restringe
ao plano individual e não coletivo.
A legitimação no modelo democrático habermasiano provém da formação
institucionalizada da opinião e da vontade política, baseada em condições
favoráveis de comunicação e em procedimentos claros e transparentes. Habermas
acredita na possibilidade de uma comunicação pública orientada para o
entendimento e, para isso, a sociedade civil deve estar em condições de gerar
formas associativas autônomas que se desenvolvem em interação com as
instituições estatais, mantendo porém a sua independência. Com efeito, trata-se de
fundar uma nova possibilidade de pensamento universal e trazê-lo para uma
especulação dialética, em primeiro lugar: como se comporta o universal na
realidade estritamente local, do município. Como aplicar o universal, seja o
princípio constitucional ou a diretriz do estatuto da Cidade, à realidade local.
Acerca da tarefa universalista proposta para o direito, em Habermas, é interessante
observar, com Antônio Mais, que:
“A questão é candente não só pro conta da defesa de uma posição universalista,
fulcral à ética do discurso, mas também central à arquitetônica jurídica defendida
em Facticidade e Validade. Como será explicitado mais adiante, na reconstrução
de direitos humanos – princípios de natureza universal par excelence – ocupam
um papel axial.”
24
A aposta teórica proposta desta dissertação é, portanto, aquela que acredita
que a tomada de decisões para conduzir o país ao rumo da sustentabilidade urbana
passa por um aumento dos direitos de participação política e no acesso aos
instrumentos de poder. Isto pode implicar também uma alteração do paradigma da
condição humana na sociedade moderna, que passa a ser regida pela
interdisciplinaredade e pela participação política, na tentativa de solucionar o que
chamou J. Ramón Capella de a urgência dos novos problemas da espécie.
25
24
MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos Humanos e a teoria do discurso do direito e da
democracia in Arquivos de Direitos Humanos, op. cit., p. 25
25
CAPELLA, J. Ramón. Cidadãos Servos. 1ª. Ed. brasileira. Ed. Sérgio Fabris. Porto Alegre.
1998. pág. 46. A definição instigadora se encontra no seguinte trecho: “A urgência dos novos
problemas da espécie torna especialmente delicado o tema dos instrumentos políticos de domínio:
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72
3.2.1
A participação popular como condição de validade do Plano Diretor
Historicamente, a inexistência de diálogo com os setores populares
produziu planos e leis urbanísticas com padrões e parâmetros excludentes,
refletindo apenas os interesses da parcela da população com acesso à cidade legal.
A ineficácia do planejamento urbano funcionalista se evidencia em inúmeras
cidades pela produção de "Planos Diretores" genéricos, tecnicistas e
centralizadores, feitos em gabinetes bem longe da realidade urbana, voltados mais
para a retórica eleitoral do que para serem efetivamente aplicados.
Não há dúvidas de que os Planos Diretores tradicionais pareciam (e
parecem), com seu amontoado de generalidades tecnicistas, incapazes de atingir
os reais problemas que assolam nossas cidades. Não resta, assim, outra alternativa
para o rompimento deste círculo vicioso, que não a democratização dos processos
decisórios, considerando os cidadãos não mais como meros espectadores do
processo de planejamento municipal, mas sim como verdadeiros atores neste novo
cenário.
A democratização do processo de planejamento é fundamental para
romper esse círculo vicioso e transformá-lo num processo compartilhado com os
cidadãos e assumido por todos os atores. A participação no processo de
planejamento se coloca como um insumo fundamental para formular políticas
públicas e para que os instrumentos de planejamento e gestão do espaço urbano
possam ser implantados. O planejamento deixa de ser então solução apenas
técnica, e é convertido em resultado de articulação política entre os atores sociais.
Federico Spantigatti fixava no próprio conceito de direito urbanístico,
como se viu, a noção de direito à boa urbanização, titularizado pela comunidade
urbana e evidentemente inspirador do conceito de função social da cidade:
”La disciplina urbanística è um tutto unico,um complesso di norme disposto per
esse é o segmento do labirinto da ação social sobre o que a intervenção corretora das pessoas
está potencialmente mais carregada de conseqüências. Pois o poder político é relativamente
independente dos mecanismos individuais que geram a problemática apontada. E ainda que a
esfera pública – a política – haja de ser modelada de novo, necessariamente, para adaptá-la à
satisfação das necessidades básicas da espécie hoje não garantidas, e ainda que isso exija um
novo modo de fazer política, novas instituições e articulações sociais diferentes, para intervir
sobre o que nos é comum a todos, como espécie.
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73
assicurare la buona organizzazione del território. L’interesse fondamentale cui
essa è ordinata è quello della “buonna urbanizzazione”. La posizioni dei soggetti
nel sistema della disciplina urbanistica è attribuita in vista di tale interesse, e
quindi le loro atribuizioni, posizioni di potere dei soggetti pubblici o interessi
protetti dei privati, derivano dalle esigenze della “buona urbanizzazione, non
sono ad essa preesistenti.
26
Deste conceito jurídico, bem identificável do ponto de vista ontológico,
pela evidente analogia que guarda com a idéia igualmente italiana de buona
amministrazione, objeto do interesse difuso que justifica a ação popular, no
direito público brasileiro, instituto que é a um só tempo um instrumento
processual e um direito político da cidadania
27
. Por isso é que conceitos gerais
como a boa urbanização, remetem à concretização de direitos da coletividade por
serem exatamente apanágios da cidadania, e assim se realizam necessariamente
pela via da participação popular, que se transforma em um condicionamento além
da estrita legalidade, para as normas do Plano Diretor.
28
Este não é por isto uma
lei ordinária a ser elaborada, aprovada e aplicada, consoante os ritos formais
aplicáveis a cada uma dessas fases da vida institucional, mas se trata de uma lei
diferenciada materialmente, qualificada pelo princípio da gestão democrática da
cidade. Daí que a busca da legitimação é um processo que utiliza a cidadania na
sua expressão mais direta porque demanda a formulação de um conceito, seja boa
urbanização, seja função social da cidade, que somente a população diretamente
interessada pode construir.
Importante considerar que a participação deve considerar, nesta tarefa, não
apenas os canais institucionais porventura existentes, mas todos os canais de
participação popular autônomos do Poder Público, o que foi aliás observado na
experiência do caso concreto estudado, definidos por Rogério Gesta Leal nestes
termos:
“estes últimos são compostos tão-somente por representantes da sociedade civil,
desempenhando, contudo, funções semelhantes aos que já mencionamos, tendo
26
Op. cit., p 47
27
Sobre a natureza jurídica da ação popular, veja-se Silva, José Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo. Rio de Janeiro: Ed. Malheiro, 2005 p. ; Mancuso, Rodolfo de Camargo.
Ação Popular. Ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003; e o clássico Campos Filho, Paulo
Machado. Ação Popular Constitucional. Ed. José Bushatsky.1966.
28
Nesse sentido, veja-se o comentário de Rogério Gesta Leal: “O Direito Urbanístico teria por
objeto o interesse da boa organização do território. Não uma organização meramente
administrativa, mas calcada em princípios e contradições democráticas e que visem ao
atendimento do bem-estar da sociedade como um todo”. In: Direito Urbanístico – condições e
possibilidades na constituição do espaço urbano, op. cit., p.. 146.
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74
por objetivo a constituição de um espaço público onde a população possa
participar e ser consultada sobre os assuntos de interesse coletivo, público e
social da cidade”
29
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade trazem elementos
fundamentais para reverter o processo histórico de desenvolvimento desigual das
nossas cidades: a função social da cidade e da propriedade e a participação
popular no planejamento e gestão das cidades. Esses dois elementos devem estar
detalhados no Plano Diretor de cada município. Tornar viáveis e efetivar esses
elementos é o grande desafio a superar, para construir o processo de gestão
democrática, com participação ampla dos habitantes na condução do destino das
cidades.
De acordo com Nelson Saule Junior
30
, com a definição do Estado
Brasileiro como Estado Democrático de Direito, temos ostentado o princípio da
participação popular como determinante para eficácia das normas sobre a
política urbana, sendo integrante desse conjunto de normas do direito urbanístico
o Plano Diretor. Portanto, o Município que elaborar seu Plano Diretor sem
garantir a participação popular estará contrariando a Constituição Federal e
violando o princípio da democracia participativa, o que torna a Lei em questão
inconstitucional.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já decidiu, em
sede de controle concentrado de constitucionalidade:
ADIN. LEI N. 526/99 DO MUNICÍPIO DE IMBÉ, QUE DISPÕE SOBRE
NORMAS PARA EDIFICAÇÕES. INCONSTITUCIONALIDADE POR VÍCIO
FORMAL NA PRODUÇÃO DA NORMA. O ART-177, PAR-5 DA CARTA
ESTADUAL EXIGE QUE NA DEFINIÇÃO DO PLANO DIRETOR OU
DIRETRIZES GERAIS DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO, OS MUNICÍPIOS
ASSEGUREM A PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS
LEGALMENTE CONSTITUÍDAS. DISPOSITIVO AUTO-APLICÁVEL.
VÍCIO FORMAL NO PROCESSO LEGISLATIVO E NA PRODUÇÃO DA
LEI. AUSÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO DE
CONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS DO RIO GRANDE DO SUL
SOBRE POLÍTICA URBANA DEVEM OBEDECER A CONDICIONANTE
DA PUBLICIDADE PRÉVIA E ASSEGURACAO DA PARTICIPAÇÃO DE
ENTIDADES COMUNITARIAS, PENA DE MATERIALIZACAO DE VÍCIO
FORMAL POR OFENSA À DEMOCRACIA PARTICIPATIVA. VIOLACAO
FRONTAL AO PAR DO ART-177 DA CARTA ESTADUAL. ADIN
29
Op. cit., p. 179
30
JUNIOR, Nelson Saule. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Ordenamento
Constitucional da Política Urbana. Aplicação e Eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 1997,p. 244.
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75
JULGADA PROCEDENTE.
31
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICIPIO DE CAPÃO
DA CANOA. LEI 1458/2000 QUE ESTABELECE NORMAS SOBRE
EDIFICAÇÕES NOS LOTEAMENTOS E ALTERA O PLANO DIRETOR DA
SEDE DO MUNICIPIO DE CAPÃO DA CANOA. INCONSTITUCIONAL
FORMAL. AUSENCIA DE PARTICIPAÇÃO DAS ENTIDADES
COMUNITÁRIAS LEGALMENTE CONSTITUÍDAS NA DEFINIÇÃO DO
PLANO DIRETOR E DAS DIRETRIZES GERAIS DE OCUPAÇÃO DO
TERRITÓRIO, BEM COMO NA ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DOS
PLANOS, PROGRAMAS E PROJETOS QUE LHE SEJAM
CONCERNENTES. VIOLAÇÃO AO PAR DO ART-177 DA CARTA
ESTADUAL. PRECEDENTES DO TJRS. EFICÁCIA DA DECLARAÇÃO
EXCEPCIONALMENTE FIXADA, A TEOR DO ART-27 DA LEI Nº 9868/99.
ACAO PROCEDENTE.
32
A Lei Federal 10.257/01 – Estatuto da Cidade -, que regulamenta os
artigos 182 e 183, da Constituição Federal de 1988, no tocante à função social da
propriedade urbana, deixa clara, a todo tempo, a imperiosidade da gestão
democrática da cidade, em especial no capítulo IV, totalmente voltado à sua
garantia, onde estão previstos instrumentos como os conselhos de política urbana;
os debates, audiências e consultas públicas; as conferências de desenvolvimento
urbano e a iniciativa popular de projetos de lei e planos.
O objetivo de todos esses instrumentos é o nivelamento dos
conhecimentos necessários ao planejamento e sustentação da política urbana, hoje
monopolizados por uma seleta elite pensante, instalada em num espaço
privilegiado da estratificação social, que assim vai se transformando, de
apropriação privada, em patrimônio de toda a sociedade.
3.2.2
Pressupostos jurídico-constitucionais da Gestão Democrática da
Cidade:
O controle da Administração, da gestão das políticas públicas, da
destinação e utilização dos recursos públicos, de medidas que dirigem seus
investimentos para a área social, na tentativa de reverter o quadro de
desigualdades, deve ser mediado pelas instituições que representam o cidadão,
31
Ação Direta de Inconstitucionalidade no 70001688878, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della
Giustina, julgado em 03/12/2001.
32
Ação Direta de Inconstitucionalidade no 70003026564, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator
Clarindo Favretto, julgado em 16/09/2002. A íntegra do acórdão está no Anexo VI.
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76
com base no sistema da democracia representativa, ou de forma direta, calcado no
paradigma da democracia participativa.
A atual Constituição, baseada no princípio da participação popular,
também instituiu vários mecanismos de garantia da participação direta do cidadão
no exercício do Poder Público, como a iniciativa popular, o referendo, o
plebiscito, as consultas e audiências públicas e os conselhos de gestão de políticas
e serviços públicos.
Tais mecanismos - baseados no princípio democrático inserido no artigo
1º., Parágrafo Único, da Constituição Federal brasileira, pelo qual o poder emana
do povo e é exercido de forma direta e indireta por meio de representantes eleitos
-, têm indiscutível relevância para a garantia do respeito aos valores da
democracia e da justiça, a proteção e concretização dos direitos da pessoa humana
e a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
O status quo revelador da situação de desigualdades sociais e regionais é
admitido no texto constitucional brasileiro, sendo mesmo um dos objetivos
fundamentais do Estado a sua redução, bem como a erradicação da pobreza e da
marginalização, para o que restou também consignado o princípio da igualdade,
expresso no artigo 5º. daquele, nos seguintes termos: “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza”.
A par disso, o devido processo legal está na base de todas as atividades de
competência do setor público, informando, notadamente, a tomada de decisões em
matéria de interesse coletivo e difuso - que têm a natureza de um processo
administrativo – a exemplo da definição de tarifas públicas, a elaboração e
execução do orçamento, a privatização de serviços públicos, a aprovação de
planos urbanísticos e a concessão de licença para projetos de grande impacto
ambiental e de vizinhança. Indispensável, assim, seja respaldada pela
administração pública, no processo administrativo, a capacidade processual
coletiva de grupos de cidadãos, de comunidades atingidas pelas decisões
administrativas e suas entidades representativas, de organizações e movimentos
populares, de associações de classe, de organizações não governamentais, para a
tutela de seus direitos coletivos e difusos.
É importante, então, redimensionar as relações entre a administração
pública e o cidadão, a partir de uma nova forma de construção da cidadania nas
democracias emergentes, o que implica, no caso do Estado brasileiro, enquanto
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77
Estado Democrático de Direito, na consolidação de uma outra ordem jurídica,
com mecanismos eficazes de controle da administração pública, mediante
instrumentos e processos democráticos de cooperação, parceria e participação,
enquanto meios legítimos de intervenção na realidade.
Foi em respeito aos pressupostos constitucionais supracitados, que o
denominado Estatuto da Cidade incorporou a gestão democrática como uma
diretriz geral da política urbana, conforme se pode ver do inciso II, de seu artigo
2º., e do tratamento especial que lhe foi dado em Capítulo específico, através dos
artigos 43 a 45.
3.2.3
Conceito, Objetivos e Operacionalização dos Instrumentos:
Com vistas à inclusão dos mais variados espectros da sociedade no debate
de uma nova agenda urbana é que foram especialmente delineados uma série de
institutos, todos eles contemplados pelo novo diploma legal - Estatuto da Cidade –
, cuja implementação restou sob a responsabilidade de todos os âmbitos de
governo. Ainda que independentes do Poder Executivo, os conselhos de
desenvolvimento urbano foram concebidos como parte dele, sob a forma de
órgãos colegiados, com representação do governo e de diversos setores da
sociedade civil, através do qual esta participa do planejamento e da gestão
cotidiana da cidade.
Já as conferências de política urbana foram concebidas como grandes
encontros, de realização periódica, buscando significativa participação popular,
onde devem ser definidas políticas e plataformas de desenvolvimento urbano para
o período subseqüente. Estes eventos são decisivos para política urbana, pois
neles é que são alinhavados os consensos e pactos entre o poder público e os
diversos segmentos da sociedade.
Os debates, consultas e audiências públicas, por sua vez, constituem-se em
oportunidades para amplas apresentações e discussões, com vistas à exposição,
análise e debate, pelos diversos setores da sociedade, de projetos de interesse
coletivo, ou mesmo de iniciativas privadas. Tais práticas evidentemente
demandam modificações notáveis quanto à Administração Municipal, para
adaptá-la ao novo paradigma constitucional e legal que está a exigir a gestão
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78
democrática da cidade. É o que assinala Rogério gesta Leal, com arrimo em
Habermas:
“Habermas, em outras palavras, identifica bem a matéria, quando aduz que a
Administração Pública que opera a partir de um marco normativo, geralmente
responde a seus próprios critérios de racionalidade, pois o que conta para ela,
aqui, é tão-somente a eficácia da implementação de um programa dado”
33
Aqui a interpretação sistemática conduz para a idéia de eficiência, a
realização das possibilidades de eficácia
34
dos atos da administração em matéria
urbanística submetida não só à legalidade formal, como se viu, mas esta e a
administração, ao revés, submetidas ao crivo da participação popular. Este o papel
permanente que se deve atribuir a cada um dos instrumentos previstos na
Constituição Federal, nas Constituições Estaduais, nas Leis Orgânicas Municipais,
no Estatuto da Cidade e na Lei 9709/98.
Em primeiro lugar, é de salientar-se que os instrumentos previstos no art.
14, da Constituição Federal, especialmente o plebiscito e o referendo, são
aplicáveis ao Município, independentemente de previsão específica no Estatuto da
Cidade, podendo ser instituídos no Plano Diretor para o controle, ratificação ou
aprovação prévia de determinados atos julgados de grande impacto na urbanidade.
No plano específico do Estatuto da Cidade, é de ressaltar o quanto dispõe
o seu art. 43, em seus quatro incisos vigentes, reportando-se aos órgãos
colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal (art. 43,
I), entrevendo-se a possibilidade, como formulado no projeto riostrense, da
implantação de um colegiado responsável pela política urbana, espaço
fundamental para a participação popular na aplicação do Plano, assegurando-lhe
eficácia social e interagindo com as conferências municipais de cidades (art.43,
II).
Os debates, consultas e audiências públicas (art.43,II) e a iniciativa
popular de leis (art.43,IV) encerram os instrumentos específicos do Estatuto da
Cidade. É necessário frisar que as referências do Estatuto da Cidade não têm
caráter exaustivo, posto que a autonomia municipal assegurada pela Constituição
Federal deixa ao alvedrio do legislador municipal a introdução de novos
33
Op. cit. p. 134
34
A respeito do princípio da eficiência e as possibilidades de eficácia dos atos administrativos ver
WERNECK MARTINS, Augusto Henrique, Princípio da Eficiência, Revista de Direitos
Fundamentais da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro.
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79
instrumentos de gestão democrática da cidade, de cunho urbanístico ou não, como
é o caso dos Conselhos de Saúde, de Educação, de Assistência Social e do
Orçamento Participativo, no caso de Rio das Ostras.
Todos estes instrumentos visam interferir, senão mesmo que romper com a
marcante perversidade das relações clientelistas entre o Legislativo e os
segmentos populares, uma vez que suprimem a intermediação dos investimentos
públicos – ou consorciados com a iniciativa privada -, o que não será possível sem
a garantia de ampla representatividade popular.
Somente através desta intervenção, verdadeiramente pública, é que as
tradicionais relações entre os poderosos – Poder Público e elites – deixarão de
privilegiar apenas determinadas áreas e setores da cidade, propiciando, ainda, sua
substituição pelo estabelecimento de um diálogo efetivo entre os diversos
interesses provenientes da sociedade civil, com significativa repercussão na
avalisação e fiscalização de decisões referentes aos investimentos públicos e
privados nas cidades.
Condição sine qua non para a implementação desses instrumentos é a
disposição do Executivo e Legislativo em empreender um processo de efetiva
participação – e não um simulacro – nas definições da política urbana. Os
instrumentos não podem constituir-se em mera legitimação de políticas pré-
concebidas. Para isso, os aspectos que demandam maior investimento são aqueles
destinados à comunicação, formação, capacitação e disseminação de informações,
dando condições aos participantes desses espaços para analisar os problemas,
discutir sobre as opções e assumir posições.
Não podemos ignorar a enorme assimetria existente em nossa sociedade
no que se refere ao acesso a informações; portanto, um dos grandes desafios é
justamente o aspecto educativo de um processo participativo. A opção por
partilhar efetivamente o poder, implica na responsabilidade do Executivo em criar
condições efetivas para que a participação popular ocorra, garantindo recursos
para implementar a política de desenvolvimento urbano, e cumprindo as decisões
tomadas com participação popular.
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80
Assim, a participação popular deve fazer parte da estrutura mesma da
política de desenvolvimento urbano, contemplando, inclusive, a sua concepção,
não se tratando apenas de um elemento a mais no seu processo de definição e
implementação.
3.3
Participação Popular na elaboração do Plano Diretor: o caso de Rio
da Ostras.
A descrição do processo que faremos a seguir foi estruturado a partir da
análise das entrevistas realizadas com o Secretário do Pro-Urbe de Rio das Ostras
– Secretaria Municipal Extraordinária para Assuntos Urbanísticos - Maurício
Paraguassú Pinheiro e o ex-prefeito Alcebíades Sabino dos Santos, que enviou o
Projeto final para o Legislativo. O processo de elaboração do Plano Diretor do
município de Rio das Ostras começou com a instalação de uma Comissão Geral,
composta de representantes do poder público
35
e da sociedade civil
36
, responsável
pela deliberação de todos os assuntos relativos ao Plano Diretor. A Comissão
Geral tinha, portanto, como principais funções: formular os planos de trabalho de
elaboração técnica e mobilização social; elaborar o cadastro das organizações
sociais atuantes da sociedade civil; coordenar os núcleos de comunicação, de
informação/capacitação e de organização da participação; propor critérios para
decidir prioridades; assegurar o cumprimento das regras estabelecidas
coletivamente; compatibilizar o trabalho técnico com a leitura comunitária ao
longo de todo processo. Essa Comissão Geral elegeu um Coordenador que, por
sua vez, ficou com a responsabilidade de constituir Comissões Temáticas
pertinentes às diversas matérias versadas no Plano Diretor.
Antes de dar início ao processo de planejamento o Poder Público
considerou as condições locais e a realidade dos moradores. Nessa etapa,
identificaram-se os atores sociais presentes no município, suas territorialidades e
formas de organização, sempre observando que a construção de uma nova cidade
menos conflituosa e excludente, mais harmônica e justa, dependia da participação
de todos. Além disso, também foi identificado os canais de participação mais
35
Ver Anexo II
36
Ver Anexo II
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81
efetivos para a realidade município de Rio das Ostras, assim como avaliado o
modo de como se desenrolava o processo de tomada de decisão.
A partir desta análise, ocorreu a inauguração, isto é, o ponto de partida
37
para mobilização da sociedade, anunciando o início do processo e as regras para
elaborar o Plano Diretor Municipal e para participar do trabalho. Foi o momento
de convocação da sociedade, amplamente divulgado para a população, por todos
os meios de comunicação pública disponíveis, com especial atenção à divulgação
em espaços públicos abertos, mais tradicionalmente freqüentados pelos setores
populares.
38
Concomitantemente, iniciou-se o programa de esclarecimento da
população riostrense mediante a realização de seminários, divulgação através de
cartilhas entre outros Foram realizados diversos seminários no município com a
presença advogados arquitetos e urbanistas em geral em que se divulgaram
diversas informações para sociedade civil sobre como seria realizado o processo
democrático de elaboração do Plano Diretor e qual a sua importância para o
Município.
O objetivo dos seminários foi esclarecer a população, fazendo com que ela
entendesse claramente o significado do Plano Diretor Municipal, a importância do
Plano como instrumento para resolver problemas recorrentes na organização
socioespacial da cidade e, também, a importância da participação popular desde o
início de sua construção. Tais seminários informaram a população de que o Plano
Diretor prevê e inclui as contribuições trazidas pelo Estatuto da Cidade na gestão
democrática e participativa, podendo viabilizar processos no sentido da
regularização fundiária, induzindo o desenvolvimento urbano e minimizando a
especulação imobiliária.
A capacitação se fez também no âmbito da estrutura técnico-administrativa
do Poder Local, estimulando a articulação e integração das diversas áreas, pois foi
considerado uma produção coletiva. O processo de elaboração o Plano Diretor
Municipal incluiu, portanto, uma dimensão pedagógica de capacitação e troca de
saberes entre técnicos e as lideranças da sociedade civil, visando qualificar
continuamente a relação entre ambos.
Simultaneamente, houve uma etapa interna à administração, para discutir
37
Decreto n
o
017/2003. Ver Anexo I.
38
Ver Anexo II.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
82
as estratégias, supervisionada pela Comissão Geral, que cuidou de integrar a
leitura comunitária com as leituras técnicas feitas ou contratadas pela
administração. Essa etapa foi denominada “Ler a Cidade”. Para estimular a
discussão, essa apresentação incluiu algumas perguntas como: Que medidas
devem ser tomadas, para atingir uma outra realidade que reflita a cidade que
queremos? Quais são os conflitos de interesse que identificamos na leitura da
cidade? Reconhecendo a cidade como ela é, quais os caminhos a trilhar, para
transformá-la? Identificados esses caminhos, que objetivos nos guiarão para que
alcancemos a situação desejada? Quais os programas e projetos a serem
executados, para atingir o desenvolvimento pretendido, de acordo com a nossa
realidade? Conhecedores dos problemas que afligem nossas cidades, como
podemos reagir de forma planejada? Que ações podemos desencadear, para
minimizar os conflitos de uso do solo, reduzir as demandas reprimidas, solucionar
os problemas de circulação e transporte e melhorar as condições de moradia?
Como trabalhar para construir uma cidade socialmente mais justa e sustentável?
Afinal, se dispomos de um conjunto de instrumentos previamente apresentados e
debatidos, de que modo esses instrumentos ajustam-se às questões aqui
levantadas? Em que situações podem ser aplicados, dentre as situações reais
diagnosticadas?
A referida leitura comunitária da cidade visualizou o município de Rio das
Ostras a partir de questões presentes na escala da comunidade e do bairro, sem
esquecer de integrá-las em maior escala e com o cuidado de ‘espacializar’ as
questões, isto é, de descrevê-las no espaço, de modo que pudessem ser retratado
de forma mais fidedigna a realidade vivida da cidade, permitindo a comunidade
conhecer e reconhecer as suas potencialidades e capacidades – as forças com que
contam para transformar a realidade vivida.
Nessa etapa foram identificadas as principais questões locais. Dessa
maneira, foi possível dimensionar e qualificar pontos fundamentais para o
processo de planejamento urbano voltado para uma cidade mais justa. Dentre
esses pontos, destacaram-se: as marcas de degradação ambiental, os usos
impactantes, a precariedade da habitação popular, os espaços vazios, as áreas a
serem edificadas, as demandas não atendidas relativas ao acesso e mobilidade,
dentre outros.
O momento decisivo de construção do pacto e do o Projeto de Lei do
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
83
Plano Diretor Municipal de Rio das Ostras somente foi definido após todas essas
etapas. Ocorreram divergências e conflitos próprios de um processo democrático.
Os obstáculos foram negociados em espaços transparentes de decisão de forma
que produziram um novo patamar de relações e propostas viáveis e pactuadas com
maiores chances de serem concretizadas.
O planejamento urbano do município procurou levar em conta as forças
políticas, sociais e econômicas que atuam na cidade de Rio das Ostras e as
possibilidades orçamentárias, ou condições novas e futuras de arrecadação,
estabelecidas durante o processo. Procurou, portanto, não ser um planejamento
fictício, parcial ou fora da realidade e condições do município.
O Projeto de Lei do Plano Diretor de Rio das Ostras
39
foi fruto das leituras
sistematizadas – incluindo o resultado delas, as estratégias, os instrumentos, o que
foi pactuado e o sistema de gestão. As diretrizes estabelecidas no Estatuto da
Cidade transformam-se em instrumentos concretos de caráter jurídico e
urbanístico.
O Projeto de Lei do Plano Diretor do município de Rio das Ostras foi,
portanto, apresentado à sociedade em Audiência Pública e submetido à Câmara
Municipal para ser discutido e aprovado. No entanto, o referido Projeto de Lei
ainda continua tramitando na Casa Legislativa que parece não estar acostumada a
lidar com os instrumentos de participação popular.
3.3.1
A Atividade das Comissões Temáticas. As Diretrizes Populares.
3.3.1.1
Moradia
De acordo com o Atlas de Desenvolvimento Humano, em 2000, Rio das
Ostras tinha um contingente de 14.619 pessoas habitando em domicílios
subnormais. Com relação à posse de bens de consumo duráveis, em 2000, 94,5%
da população de Rio das Ostras tinham geladeira em casa, enquanto 95,3% tinham
televisão e 32,6% possuíam automóvel na residência, mas apenas 9,2% moravam
39
Ver Anexo V
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
84
em domicílio com computador.
O indicador habitacional sintético apresentado no estudo do IETS, com
base nos dados do Atlas de 1991 e 2000, mede o acesso ou posse de algo que
todas as pessoas deveriam ter acesso. Quanto a serviços, sintetiza água encanada,
instalações sanitárias, coleta de lixo e energia elétrica. O acesso a bens duráveis
restringiu-se a televisão e geladeira. As características do domicílio também são
computadas nas dimensões densidade acima de 2 pessoas por dormitório e
condição subnormal de moradia.
Medidas de condições habitacionais retratam a prevalência de pessoas ou
domicílios sem acesso a bens e serviços absolutamente essenciais, e seus
indicadores referem-se apenas à cauda inferior da distribuição, expressando a
situação dos extremamente pobres e como a situação desse grupo vem variando
no tempo. Rio das Ostras estava em 70º lugar entre os noventa e um municípios
do estado em 1991, quando o indicador sintético media 76,97, em uma escala de
zero a cem, na qual quanto mais próximo de cem, melhores são as condições das
variáveis citadas. Já em 2000, o município passou para 89º lugar, com indicador
85,50. A média estadual desse indicador sintético, naquele mesmo ano, foi de
92,5.
A Comissão de Habitação sugeriu as seguintes estratégias para o Plano
Diretor: a realização de condições de moradia no município; a implantação de
projetos habitacionais para atender a demanda existente; a participação social nas
definições da política habitacional; a criação de agrovilas na área rural, visando a
permanência do homem no campo; a intervenção nas áreas de risco, insalubres e
de preservação ambiental, apoiando o atendimento aos programas habitacionais; o
apoio às famílias de baixa renda aos financiamentos populares de longo prazo; a
divulgação de forma clara
3.3.1.2.
Educação
Rio das Ostras apresenta o seguinte quadro relativo à escolaridade da
população, em comparação com o Estado :
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
85
figura 6
figura 7
Rio das Ostras apresenta o panorama abaixo para o ensino fundamental:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
86
figura 8
Houve aumento expressivo no número de alunos do ensino fundamental,
tendo havido menor incremento no quadro de docentes, com piora do rateio de
alunos por professor.
O gráfico a seguir apresenta o número de alunos que concluíram o curso
fundamental, no período de 1998 a 2002:
figura 9
Com relação ao ensino médio, Rio das Ostras apresenta o panorama
abaixo:
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87
figura10
O grande aumento no número de matrículas foi acompanhado por menor
incremento no quadro de docentes, propiciando piora do rateio de alunos por
professor.
É importante salientar que, no ano de 2003, 42% dos estudantes do ensino
médio freqüentaram o turno da noite. Não há escolas municipais oferecendo o
ensino médio no município.
O gráfico seguinte apresenta o número de alunos que concluíram o curso,
no período de 1998 a 2002:
figura 11
No ensino de jovens e adultos, em 2003, Rio das Ostras tem um total de
283 matrículas, sendo 28% para o primeiro segmento do ensino fundamental, 56%
para o segundo segmento; e 16% para o ensino médio. O município de Rio das
Ostras não tem instituições de ensino superior.
Em relação à Educação foram traçados pela Comissão responsável os
seguintes objetivos para serem levados em consideração pelo Plano Diretor:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
88
universalizar o acesso à educação e garantir a permanência de todas crianças na
escola, ampliando progressivamente as vagas; articular a política educacional ao
conjunto de políticas públicas, compreendendo o indivíduo enquanto ser integral,
com vistas a inclusão social e cultural com eqüidade; superar a fragmentação, por
meio de ações integradas que envolvam diferentes modalidades de ensino,
profissionais e segmentos a serem atendidos; assegurar a autonomia de
instituições educacionais quanto aos projetos pedagógicos e aos recursos
financeiros necessários à sua manutenção, conforme a artigo 12 da Lei Federal n
o
9394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Foram enumeradas também pela Comissão de Educação as seguintes
diretrizes para serem observadas pelo Plano Diretor: a democratização de acesso e
a garantia da permanência do aluno na escola; a democratização da gestão da
educação, através da abolição de paradigmas de decisões centralizadas e
autoritárias; a democratização do conhecimento e a articulação de valores locais e
regionais com a ciência e a cultura universalmente produzidas.
As ações estratégicas no campo da Educação também foram definidas pela
Comissão. Foi sugerido a implantação e acompanhamento do programa de
transporte escolar; a disponibilização das escolas municipais aos finais de semana,
feriados e períodos de recesso para a realização de atividades comunitárias, de
lazer, cultura e esporte, em conjunto com outras secretárias; a realização da
Conferência Mundial da Educação; a garantia da manutenção do orçamento
participativo na Educação, envolvendo as diferentes instâncias que compõem o
sistema municipal de ensino; o incentivo a ato-organização dos estudantes por
meio da participação na gestão escolar, em associações coletivas, grêmios e outras
formas de organização; a realização de convênios com universidades e outras
instituições para a formação de educadores, entre outras.
3.3.1.3
Saúde
Em relação à saúde, um município pode estar habilitado à condição de
Gestão Plena da Atenção Básica, ou de Gestão Plena do Sistema Municipal. Na
primeira forma, resumidamente, o município é responsável por:
Gestão e execução da assistência ambulatorial básica, das ações básicas de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
89
vigilância sanitária, de epidemiologia e controle de doenças; Gerência de todas as
unidades ambulatoriais estatais (municipal/ estadual/ federal) ou privadas;
Autorização de internações hospitalares e procedimentos ambulatoriais
especializados; Operação do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS;
Controle e avaliação da assistência básica.
A atenção básica deve ser compreendida como o conjunto de ações
prestadas às pessoas e à comunidade, com vistas à promoção da saúde e à
prevenção de agravos, bem como seu tratamento e reabilitação no primeiro nível
de atenção dos sistemas locais de saúde.
Já na Gestão Plena do Sistema Municipal, objetivamente, o município é
responsável por:
Gestão e execução de todas as ações e serviços de saúde no município;
Gerência de todas as unidades ambulatoriais, hospitalares e de serviços de saúde
estatais ou privadas; Administração da oferta de procedimentos de alto custo e
complexidade; Execução das ações básicas, de média e de alta complexidade de
vigilância sanitária, de epidemiologia e de controle de doenças; Controle,
avaliação e auditoria dos serviços no município; Operação do Sistema de
Informações Hospitalares e do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS.
Rio das Ostras tem Gestão Plena da Atenção Básica, não dispondo de
hospitais conveniados ao SUS. O município tem suas unidades ambulatoriais
distribuídas da seguinte forma:
figura 12
O gráfico a seguir apresenta a evolução dos recursos repassados pelo SUS.
Os repasses do SUS para o município podem estar sendo contabilizados
diretamente no fundo municipal específico, não aparecendo nas finanças
municipais
da administração direta.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
90
figura 13
Em relação à saúde, a Comissão traçou os seguintes objetivos para o Plano
Diretor: implementar o Sistema Único de Saúde – SUS; consolidar e garantir a
participação social no Sistema Único de Saúde; promover a descentralização do
Sistema Municipal de saúde, tendo as comunidades como foco de atuação;
promover a melhoria da gestão, do acesso e da qualidade das ações, serviços de
informações de saúde.
Foram traçadas também as seguintes estratégias: integrar a rede municipal
com a rede estadual e federal já unificada no SUS; habilitar o Município para a
gestão plena do sistema, promovendo a integração da rede privada, mediante
contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades
filantrópicas e as sem fins lucrativos; promover a formação, capacitação e
ampliação dos recursos humanos da Secretária Municipal de Saúde; estruturar e
capacitar as equipes do Programa de Saúde da Família; promover a melhoria do
programa de assistência farmacêutica básica no Município; promover campanha
de cunho educativo e informativo pela mídia, além de programas específicos nas
escolas municipais de todos os níveis sobre os princípios básicos de higiene,
saúde e cidadania, entre outras.
3.3.1.4
Saneamento Básico
No tocante ao abastecimento de água, Rio das Ostras tem 3,9% dos
domicílios com acesso à rede de distribuição, 62,7% com acesso à água através de
poço ou nascente e 33,4% têm outra forma de acesso à mesma. O total distribuído
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
91
alcança 788 metros cúbicos por dia, dos quais 99% passam por simples
desinfecção (cloração) e o restante não é tratado (provavelmente água de fonte).
A rede coletora de esgoto sanitário chega a 2,9% dos domicílios do
município; outros 73,9% têm fossa séptica, 19,9% utilizam fossa rudimentar,
2,0% estão ligados a uma vala, e 0,7% são lançados diretamente em um corpo
receptor (rio, lagoa ou mar). O esgoto coletado não teve seu tratamento ou destino
reportados.
Rio das Ostras tem 93,0% dos domicílios com coleta regular de lixo,
outros 0,4% têm seu lixo jogado em terreno baldio ou logradouro, e 6,1% o
queimam. O total de resíduos sólidos coletados somava 88 toneladas por dia, cujo
destino era 2 aterros controlados e 1 aterro de resíduos especiais.
Faz-se urgente que a gestão dos recursos hídricos se efetue de forma mais
competente e eficaz do que vem sendo feita até hoje. É necessário administrar a
abertura e bombeamento de poços, monitorar o rebaixamento do lençol freático, o
aterramento de brejais, lagoas e lotes ou a obstrução parcial da drenagem
superficial e sub-superficial, bem como a abertura e limpeza de fossas, a
contaminação do freático, as zonas de despejo de esgoto e lixo. A realização de
investimentos e ações de desenvolvimento tecnológico, resultará na implantação
de projetos mais eficientes e menos impactantes na qualidade dos corpos hídricos,
e na reutilização dos subprodutos dos tratamentos de água, esgoto e lixo.
A Comissão de Desenvolvimento Econômico de Rio das Ostras
encaminhou como propostas para o Plano Diretor de Rio das Ostras o
desenvolvimento de alternativas de reutilização da água, novas alternativas de
captação para usos que não requeiram padrões de potabilidade e difusão de
políticas de conservação do uso da água.
Em relação aos resíduos sólidos foi sugerido a promoção de oportunidades
de trabalho e renda para a população de baixa renda pelo aproveitamento de
resíduos domiciliares, comerciais e construção civil, desde que aproveitáveis, em
condições seguras e saudáveis; a garantia de metas e procedimentos de
reintrodução crescente no ciclo produtivo dos resíduos recicláveis tais como
metais papéis e plásticos, e a compostagem de resíduos orgânicos; desenvolver
alternativas para o tratamento de resíduos que possibilitem a produção de energia;
estimular a população, por meio de educação, conscientização e informação para a
participação na minimização dos resíduos, gestão e controle dos serviços;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
92
implantar programas de coleta seletiva e reciclagem, preferencialmente em
parceria, com grupos de catadores organizados em cooperativas, com associações
de bairros, condomínios, organizações não governamentais e escolas, entre outras.
3.3.1.5
Turismo
O turismo proporciona diversos benefícios para a comunidade, tais como
geração de empregos, produção de bens e serviços e melhoria da qualidade de
vida da população. Incentiva, também, a compreensão dos impactos sobre o meio
ambiente. Assegura uma distribuição equilibrada de custos e benefícios,
estimulando a diversificação da economia local. Traz melhoria nos sistemas de
transporte, nas comunicações e em outros aspectos infra-estruturais. Ajuda, ainda,
a custear a preservação dos sítios arqueológicos, dos bairros e edifícios históricos,
melhorando a auto-estima da comunidade local e trazendo uma maior
compreensão das pessoas de diversas origens.
A Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, a Turisrio,
apresenta os potenciais turísticos do Estado, divididos em treze regiões distintas,
conforme suas características individuais.
figura 14
Araruama; Armação dos Búzios; Arraial do Cabo; Cabo Frio; Carapebus;
Casimiro de Abreu, com destaque para Barra de São João; Iguaba Grande; Macaé;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
93
Maricá; Quissamã; Rio das Ostras; São Pedro da Aldeia e Saquarema pertencem à
região turística Costa do Sol.
figura 15
Rio das Ostras leva esse nome devido à grande concentração de ostras nas
lajes existentes no encontro do Rio com o mar. É um lugar onde a natureza se
destaca graças à exuberância de suas praias com areias monazíticas e ilhas
oceânicas. A famosa Lagoa da Coca-Cola, de água doce, morna e transparente,
tem um brilho metálico em suas águas, de cor semelhante ao refrigerante, em
função do alto teor de sais e iodo e da formação de turfa em seu fundo.
O Rio também é uma atração. Navegável para barcos de pequeno porte e
prática de esportes náuticos, a pesca é praticada em todo seu curso, com grande
variedade de peixes de água doce.
De acordo com o resultado das reuniões da Comissão de Turismo para
elaboração do Plano Diretor de Rio das Ostras foi sugerido que no
desenvolvimento da Indústria do Turismo o Poder Público objetivará situar o
Município entre os principais destinos turísticos estaduais e nacionais, oferecendo
as diversas modalidades de turismo e lazer, negócios e saúde, de forma a reforçar
a sua atual condição de vocação econômica e eixo de desenvolvimento sócio-
econômico municipal, promovendo: a ampliação e valorização do acervo
ambiental, histórico e cultural; o respeito do bem estar dos habitantes; a
articulação do Turismo rural e da atividade agrícola no sentido do fomento mútuo;
o desenvolvimento de ações voltadas ao turismo de negócios para terceira idade, o
ecoturismo, o turismo rural e o turismo relacionado ao esporte; instalação de
Postos de Informação ao turista, informatizados e com acesso à base de dados do
Centro de Informações e Dados do Município entre outras.
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94
3.3.1.6
Indicadores Sociais e Econômicos
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) indicador criado no âmbito
do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud/ONU) constitui-
se na composição de três índices - expectativa de vida ao nascer, alfabetização e
taxa de matrícula bruta e, finalmente, renda per capita - que reflete dimensões
básicas da vida humana. Traz, como grande contribuição, a possibilidade de
comparação entre os diversos países, segundo as condições econômicas, políticas
e sociais dos seus habitantes. A idéia é de que, para se verificar o avanço de
determinado território, não se deve considerar somente as características
econômicas e políticas, mas também as características sociais e culturais
vivenciadas por sua população.
O IDH varia de zero a um e classifica os países com índices considerados
de baixo, médio ou alto desenvolvimento humano, respectivamente nas faixas de
0 a 0,5; de 0,5 a 0,8; e de 0,8 a 1. Quanto mais próximo de 1 for o IDH, portanto,
maior o nível de desenvolvimento humano apurado.
Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta
no IDH Municipal (IDH-M) são mais adequados para avaliar as condições de
núcleos sociais menores. Na dimensão educação, consideram-se a taxa de
alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade e a taxa bruta de freqüência à
escola. A dimensão longevidade apura a esperança de vida ao nascer, sintetizando
as condições de saúde e salubridade locais. Para avaliar a dimensão renda, ao
invés do PIB, o critério utilizado é a renda média de cada residente do município,
transformada em dólar-PPC utilizando-se escala logarítmica para corrigir as
distorções nos extremos das curvas de renda. Nessa conceituação, o IDH-M do
Brasil alcançou a média 0,764 no ano 2000.
O município de Rio das Ostras ocupava a 34ª posição no estado em 2000,
com IDH-M de 0,775. Como Rio das Ostras é um município novo, cabe
apresentar a evolução de seu município de origem, Casimiro de Abreu, que estava
na 24ª posição em 2000.
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95
figura 16
Com relação aos componentes do índice, Rio das Ostras apresentou IDH-
M Educação de 0,869, 38º no estado, e pontuou 0,714 no IDH-M Esperança de
Vida, 61º posição dentre os noventa e um municípios analisados. Seu IDH-M foi o
de 0,741 no qual o município ficou em 12º lugar no estado.
Segundo dados da Fundação CIDE, em 2001 o PIB do município de Rio
das Ostras concentrava-se nas áreas do comércio e dos serviços (81%), seguindo-
se a indústria (19%). A participação do município, no mesmo ano, representou
0,10% do PIB estadual. Em 2002, o PIB a preços básicos alcançou R$ 212
milhões, 0,12% do produto estadual e 6,4% do PIB da Região das Baixadas
Litorâneas.
O setor primário possui desenvolvimento agrícola pouco expressivo e tem
na atividade pesqueira tradicional, sua principal atividade econômica.
No setor secundário, entre as atividades industriais no município, a que
mais se destaca é a indústria de produtos minerais não metálicos, representada por
uma empresa de mármore. Em seguida, aparece a indústria da construção civil, em
função das residências de veraneio, atividade que vem crescendo nos últimos
anos, devido ao crescimento da atividade petrolífera e sua localização em relação
a Macaé.
No setor terciário, suas principais atividades foram a prestação de serviços,
o transporte, as comunicações, e o comércio varejista, devido a suas ligações com
os municípios vizinhos, principalmente Macaé. O município possui forte tradição
turística, especialmente em função dos atrativos naturais de seu litoral.
O município, que já abrigava residências de veraneio, vem crescendo nos
últimos anos, em função de sua emancipação de Casimiro de Abreu e,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
96
principalmente, de sua localização em relação a Cabo Frio, um pólo em
desenvolvimento na Região das Baixadas Litorâneas. Tal crescimento explica o
terceiro lugar ocupado por Rio das Ostras no indicador Dinamismo e o décimo
segundo em Riqueza, ambos do IQM desenvolvido pelo CIDE.
A composição do PIB do município de Rio das Ostras, em 2002,
corresponde ao gráfico a seguir:
figura 17
A Comissão de Desenvolvimento Sócio-Econômico sugeriu para o Plano
Diretor, no desenvolvimento da agroindústria e da pesca, a geração de emprego e
renda na produção familiar e do pequeno produtor, com vistas a promoção do
desenvolvimento social, o fomento à atividade turística e o fortalecimento do
abastecimento do comércio local; a geração do maior valor agregado nas
atividades rurais; o desenvolvimento científico e tecnológico que eleve a
produtividade e a competitividade do produtor, inclusive nas etapas de
beneficiamento e distribuição da produção; o incentivo para a manutenção da
cadeia produtiva de produtos alimentares dentro dos limites do Município, entre
outras
Em relação a Indústria, comércio e serviços foi sugerido pela Comissão de
Desenvolvimento Sócio-Econômico o zoneamento das atividades econômicas
com o objetivo de ordenação e potencialização do desenvolvimento, incluindo o
incentivo à relocalização dos estabelecimentos existentes; a revitalização espacial
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
97
dos locais de realização de atividades de comércio e serviços conforme
estabelecido no plano de zoneamento econômico; o estabelecimento de novos
arranjos produtivos derivados da incorporação de novas tecnologias às atividades
e da maior associação entre elas; a avaliação e mitigação do impacto econômico
negativo sobre os pequenos estabelecimentos existentes, derivado da implantação
de estabelecimentos de grande porte; a valorização do micro, pequeno e médio
empreendedor local, com a definição de ações especiais de fomento e a ampla
cooperação com entidades que se dedicam ao setor; a priorização de estímulo a
arranjos industriais que se utilizem do reuso de resíduos, no seu ciclo de
produção, entre outras.
3.3.1.7
Indicadores Orçamentários Financeiros:
O presente capítulo atém-se tão-somente à análise do desempenho
econômico-financeiro da administração direta do município de Rio das Ostras,
com base em números fornecidos pelo próprio.
A evolução e a composição das receitas e despesas no período de 1998 a
2003 são demonstradas nos gráficos abaixo, lembrando que as cifras apresentadas
neste capítulo são em valores correntes.
figura 18
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
98
figura 19
Com relação à composição das receitas correntes, os gráficos a seguir
apresentam sua evolução no período de 1998 a 2003:
figura 20
Pode-se observar predominância das transferências correntes e dos
royalties, já que a receita tributária representa 4% do total no ano 2003, tal se deve
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310298/CA
99
ao incremento dessa fonte de receita após a edição da Lei /97, que alterou o
cálculo dos royalties e participações devidas aos Estados e Municípios pela
exploração de petróleo e gás natural, caso de Rio das Ostras, inserida na chamada
província petrolífera fluminense, a Bacia de Campos, sediada aliás em
Macaé/RJ.
40
Analisando a composição dos gastos por função, as despesas tiveram um
crescimento no período de 1998 a 2003 de 1.349%, com ênfase para os aumentos
nas despesas com Habitação e Urbanismo.
figura 21
Pode-se verificar as reduções, incrementos e constância na seqüência anual
de composições de gastos das principais funções, apresentadas a seguir:
40
A influência de Macaé, distante apenas 20 km de Rio das Ostras, é um dos problemas da
legislação urbanísitca local. Uma das estratégias foi a implantação da “Zona Especial de
Negócios”, um condomínio de serviços da chamada “indústria off-shore, aproveitando um “efeito
de fronteira” com Macaé, dado que na divisa dos municípios está o Parque de Tubos, da Petrobras.
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100
figura 22
Em relação à Economia do Setor Público, a Comissão responsável sugeriu
para o Plano Diretor a valorização dos princípios do desenvolvimento econômico
nos sistemas de suprimento dos Órgãos da Administração Pública, posto ser a
Administração Pública o principal agente econômico municipal; a captação
prioritária de recursos externos ( estaduais, federais e internacionais) sobre as
receitas próprias, para execução da política pública; a ênfase na função do
governo municipal como “gestor” e “integrador” das atividades na cidade, sobre
função de investidor direto; a adequação do Modelo de Gestão Pública para
atendimento às necessidades derivadas da implantação do Plano Diretor; a
capacitação dos servidores públicos municipais para atuação no novo Modelo de
Gestão.
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4
CONCLUSÃO: direito à cidade e à cidadania
Garantir o direito à cidade significa ampliar a cidadania para que todos
possam usufruir da cidade, desfrutar de seus equipamentos e serviços, dos espaços
de convivência social, das atividades e das instituições que promovem o
desenvolvimento comunitário, dos laços multiculturais, da sustentabilidade
ambiental, da participação cidadã nos espaços públicos e na gestão da cidade, da
formação de uma cultura solidária, da transparência nas relações do governo com
a sociedade.
Esta dissertação tem como grande desafio teórico a definição da
participação popular como requisito de validade dos planos diretores, mercê da
interpretação que faz concretizar os princípios fundamentais da república, da
democracia e da federação em todo o processo de elaboração do conceito jurídico,
político e urbanístico que é a função social da cidade, o que é instrumentalizado
pela gestão democrática da cidade.
Com efeito, a exigência de participação popular perpassa todo o ciclo de
existência da norma efetivadora da função social da propriedade urbana pública e
privada, desde sua pré-existência, na discussão do Projeto de Lei do Plano
Diretor, o que está traduzido no caso concreto do município de Rio das Ostras, até
o processo de votação, apreciação de eventuais vetos, regulamentação, aplicação
durante o prazo legal, até a redefinição do plano. O estudo inclui a reflexão sobre
quais as perspectivas para o regramento da participação através de instrumentos
que se adaptem às diferentes fases em que se cogita da gestão democrática. O
impasse ora verificado no processo de votação da mensagem enviada pelo
Executivo em fins de 2004, completando-se mais de um ano de tramitação
legislativa, demonstrou a dificuldade de compreensão da instituição tradicional –
a Câmara de Vereadores – quanto à imperatividade da participação popular e
assim a reverência que deveria ter o representante quando da assunção direta da
soberania pelos seus titulares originais, o que é tanto mais perceptível nas
comunidades locais.
Por isso é que indisputável propor que a participação popular referida
como um princípio aplicável particularmente aos planos diretores resulta - sem
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embargo das premissas axiológicas já mencionadas, quando da explícita menção
aos princípios da república, da democracia e da federação – demais disso de
interpretação sistemática das disposições constitucionais definidoras dos
instrumentos de democracia direta, com destaque para o art.14, da Constituição
Federal, onde se trata do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular,
dispositivos por sua vez regulamentados pela Lei 9.709/98, em seu art.6º, no que
concerne aos municípios, ou seja, são mecanismos que se somam aqueles
previstos no elenco do art. 43, do Estatuto da Cidade, e que, evidentemente, fazem
parte do mesmo sistema normativo.
1
Outros instrumentos de participação foram identificados no processo de
elaboração, como nas variadas manifestações perceptíveis nas discussões em Rio
das Ostras, em diversas fases. As proposições das Conferências de Cidades e as
experiências específicas em assuntos correlacionados com a questão urbana, como
é o caso dos conselhos de orçamento participativo, tiveram importância destacada
na experiência riostrense, do mesmo modo que a situação de impasse político
quanto ao Projeto demonstra a compulsoriedade de um tratamento regimental
diferenciado nas Casas Legislativas, admitindo emendas populares e novas
rodadas de audiências públicas e seminários, seguindo um paradigma conhecido
desde o processo de elaboração das Leis Orgânicas Municipais.
Esta pesquisa buscou revelar, portanto, que na elaboração do projeto Lei
do Plano Diretor do município de Rio das Ostras houve um efetivo diálogo entre o
Poder Público e a sociedade civil. Foi um processo democrático de elaboração
legislativa que contou com a participação popular, respeitando as Diretrizes do
Estatuto da Cidade, permitindo a produção de sentido no processo de
interpretação, cuja tramitação, como foi possível deminstrar, se acha interrompida
no momento em que passa a instituição tradicional do poder constituído, no caso o
Legislativo, a rejeitar de alguma forma o produto do processo participativo. Dito
“impasse” não deslegitima todavia a experiência participativa; ao revés indica sua
absoluta necessidade e a demanda de radicalização do método.
1
Para corroborar a tese, veja-se o teor das razões de veto do Presidente da República ao inciso V
do art. 43, do Estatuto da Cidade, dando conta do teor redundante da menção ao mecanismos
constitucionais de democracia direta: “...Instituir novo permissivo, especificamente para a
determinação da política urbana municipal, não observaria a boa técnica legislativa, visto que a
Lei 9709/98 já autoriza a realização de plebiscito e referendo popular em todas as questões de
competência dos Municípios” in SOARES FILHO, José Guilherme. Estatuto da Cidade. Rio de
Janeiro:DP&A, 2002, p. 31.
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O Poder Executivo de Rio das Ostras ao reconhecer a importância da
participação popular na elaboração do Plano Diretor deu um passo significativo
no modo de planejar as cidades, contrapondo-se a visão convencional
tecnocrática, excludente e formalista. De fato, ninguém melhor que o cidadão, que
vivencia a cada dia as carências e os dilemas da cidade, para diagnosticar seus
problemas e sugerir mudanças e melhorias. O paradoxo aparente que existe na
recusa à regular tramitação do plano justamente pelos representantes do povo leva
à consideração dos critérios político-jurídicos para a formação dos consensos e a
existência de um notável déficit de legitimidade no processo legislativo
tradicional.
Nesse diapasão já se configura a relevância do marco teórico
habermasiano, porquanto os procedimentos adotados e a prática democrática
tendem à consecução de um consenso fundado, em oposição ao consenso forjado,
do processo legislativo ordinário, incompatível com os níveis de participação
atingidos na elaboração do plano diretor de Rio das Ostras. O produto da
comunicação e do interesse foi rejeitado pelos representantes da sociedade, presos
a uma perspectiva formalista e patrimonialista de seu papel político-institucional.
Frise-se que a legitimação no modelo habermasiano, marco teórico desta
pesquisa, provém da formação institucionalizada da opinião e da vontade
políticas, baseada em condições favoráveis de comunicação e em procedimentos
claros e transparentes. Conforme Habermas, é inerente ao processo comunicativo
um grande potencial gerador de solidariedade. Espera-se um papel fundamental da
sociedade civil que deve estar em condições de gerar formas associativas
autônomas que se desenvolvem em interação com as instituições estatais,
mantendo porém a sua independência.
Este modelo deliberativo procedimental, em que a justificação decorre de
um discurso público legitima a norma urbanística, viabilizando sua eficácia social,
além de possuir a virtude de deixar aberto o canal para os conteúdos que resultam
das experiências práticas que são trazidos pelos participantes da argumentação.
Neste modelo de política deliberativa é reservado ao direito o papel destacado de
viabilizar a idéia de uma autonomia cidadã.
A experiência da política municipal, contudo, particularmente no contexto
brasileiro, mostra uma grande dificuldade de aproximação ao modelo discursivo e
comunicativo de democracia, que busca a possibilidade de uma comunicação
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pública orientada para o entendimento, na racionalidade, na razoabilidade e no
bom argumento. Esta dificuldade, contudo, não desacredita o modelo
habermasiano, mas alerta para a indispensável atenção que deve ser dada às
pressuposições deste modelo: uma sociedade civil politicamente ativa e uma
distribuição de poder razoavelmente igual, na perspectiva do princípio da
eqüidade no sentido de equilíbrio.
No entanto, um modelo político de participação democrática que parte da
necessidade de mudanças substanciais para se chegar a um desenvolvimento justo
e sustentável não pode dispensar da luta política e a educação política,
pressupostos indispensáveis para a promoção de novos valores e uma distribuição
mais justa de poder. Somente desta maneira abrem-se possíveis caminhos para
superar a grande inércia e apatia política tanto da massa da população,
especialmente das camadas mais pobres nos países em desenvolvimento, como
também do sistema político e das organizações estatais em geral. É muito sensato
pressupor que o modelo habermasiano de uma socialização pura nunca se realize,
mas por outro lado, pode continuar desempenhando uma função norteadora para
abordagens compromissadas com a participação popular, a democratização e a
justiça social.
Uma sociedade democrática, no plano da gestão urbana, é aquela, então,
que conta e mesmo define, a partir das relações de poder estendidas a todos os
indivíduos, com um espaço político demarcado por regras e procedimentos claros,
que efetivamente assegurem o atendimento às demandas públicas da maior parte
da população, elegidas pela própria sociedade, através de suas formas de
participação/representação.
Pode-se dizer, enfim, que o debate sobre de Estado Democrático de
Direito, como o próprio tema da Democracia, passa pela avaliação da eficácia e
legitimidade dos procedimentos utilizados no exercício de gestão dos interesses
públicos e sua própria demarcação, a partir de novos espaços ideológicos e novos
instrumentos políticos de participação, que expandem, como prática histórica, a
dimensão democrática da construção social de uma cidadania contemporânea,
representativa da intervenção consciente de novos sujeitos sociais neste processo.
Na perspectiva, então, da ampliação da cidadania o que está em causa é a
redefinição das fronteiras entre o público e o privado e com ele a estruturação da
esfera pública e da qualidade democrática desta, sobretudo no que diz respeito às
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classes médias e aos excluídos e marginalizados.
De fato, a verdade é que ainda estamos, no Brasil, longe de poder nos
orgulhar de algum avanço significativo nas políticas urbanas que promovam uma
real democratização das cidades e o fim da extrema exclusão sócio-espacial. Os
problemas são grandes e complexos, pois a cidade é um espaço de somatização de
todos os conflitos sociais. Entretanto, é inegável que talvez estejamos vivendo
hoje um dos mais promissores momentos para que mudanças mais significativas
venham a ocorrer. O Ministério das Cidades é um exemplo, assim como a legião
de técnicos envolvidos pela causa do direito à cidade justa e democrática. Temos,
sem dúvida, todos os envolvidos nessa temática, a obrigação de nos implicar, cada
um à sua maneira, neste esforço por um planejamento urbano socialmente mais
justo e democrático.
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MUNICÍPIO DE RIO DAS OSTRAS
GABINETE DO PREFEITO
Estado do Rio de Janeiro
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 044/2005
Dispõe sobre Plano Diretor, o sistema e o
processo de planejamento e gestão do
desenvolvimento urbano do Município de Rio
das Ostras.
O Prefeito do Município de Rio das Ostras, no exercício das atribuições que lhe
foram conferidas pela Lei Orgânica Municipal, faz saber que a Câmara Municipal aprovou
e ele sanciona a seguinte lei complementar:
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS PRELIMINARES
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS E ABRANGÊNCIA DO PLANO DIRETOR
Art. 1
o
O Plano Diretor, instituído por esta lei, é o instrumento global e estratégico
de implementação da política municipal de desenvolvimento econômico, social, urbano e
ambiental do Município de Rio das Ostras, dispõe sobre os princípios, objetivos, diretrizes
e normas que definem a função social da cidade, integra o processo de planejamento e
gestão municipal, sendo suas normas de cumprimento obrigatório por todos os agentes
públicos e privados no território municipal.
§ 1º O plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual
incorporarão e observarão as diretrizes e prioridades estabelecidas nesta lei.
§ 2º Além do Plano Diretor, o processo de planejamento municipal abrange as
seguintes matérias:
I – disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
II – zoneamento ambiental e costeiro;
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III – plano plurianual;
IV – diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
V – gestão orçamentária participativa;
VI – planos, programas e projetos setoriais;
VII – planos e projetos de bairros;
VIII– programas de desenvolvimento econômico e social;
IX – gestão democrática da cidade.
§ 3º O processo de planejamento municipal deverá considerar também os planos
nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento
econômico e social.
Art. 2º O Plano Diretor abrange a totalidade do território do Município, definindo:
I – a política de desenvolvimento econômico, social, urbano e ambiental;
II – a função social da propriedade urbana;
III – as políticas públicas municipais;
IV – o plano urbanístico-ambiental;
V – a gestão democrática.
Art. 3º Entende-se por sistema de planejamento e gestão o conjunto de órgãos,
normas, recursos humanos e técnicos, visando à coordenação das ações dos setores
público e privado, e da sociedade em geral, a integração entre os diversos programas
setoriais, a dinamização e a modernização da ação governamental.
Parágrafo único. O sistema de planejamento e gestão deverá funcionar de modo
permanente, viabilizar e garantir a todos o acesso às informações necessárias e
suficientes, de modo transparente, e a participação dos cidadãos e de entidades
representativas.
Art. 4º Este Plano Diretor rege-se pelos seguintes princípios:
I – justiça social e redução das desigualdades sociais;
II – inclusão social, compreendida como garantia do exercício efetivo dos
direitos humanos fundamentais, individuais e sociais, e de acesso a bens, serviços e
políticas sociais a todos os munícipes;
III – direito universal à cidade, compreendendo o direito à terra urbana, à
moradia digna, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos
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serviços públicos, ao trabalho e ao lazer;
IV – realização das funções sociais da cidade e cumprimento da função social
da propriedade;
V – transferência para a coletividade de parte da valorização imobiliária
inerente à urbanização;
VI – direito universal à moradia digna;
VII – universalização da mobilidade e acessibilidade;
VIII – prioridade ao transporte coletivo público de passageiros;
IX – preservação e recuperação do ambiente natural e construído;
X – fortalecimento do setor público, recuperação e valorização das funções de
planejamento, articulação e controle;
XI – descentralização da administração pública;
XII – participação da população nos processos de decisão, planejamento,
gestão, implementação e controle do desenvolvimento urbano.
XIII – desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável;
XIV– integração regional.
Parágrafo único. É dever do Poder Público e de todos os munícipes colaborar para
a realização concreta de todos os princípios mencionados neste artigo, respeitá-los e
defendê-los.
Art. 5º As diretrizes e demais disposições deste Plano Diretor serão implantadas
dentro do prazo de dez anos contados da data de sua publicação, sem prejuízo da
faculdade de sua revisão, por proposta do Executivo, dentro do prazo de cinco anos após
a publicação desta lei.
§ 1º A proposta de revisão a que se refere este artigo será destinada apenas à
realização de adaptações dos programas e das ações estratégicas a novas circunstâncias
e necessidades coletivas, e, se for o caso, acrescentar outras áreas passíveis de
aplicação dos instrumentos previstos na Lei Nacional 10.257/2001 - Estatuto da Cidade,
vedada à abolição ou modificação dos princípios, objetivos e diretrizes das políticas
públicas municipais estabelecidos nesta lei.
§ 2º O Executivo coordenará e promoverá os estudos necessários para a revisão
prevista no “caput” deste artigo, iniciando-os um ano antes do referido prazo.
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CAPÍTULO II
DAS DEFINIÇÕES
Art. 6º Para efeito de aplicação desta lei, serão adotadas as definições integrantes do
Anexo IX – GLOSSÁRIO que integra esta lei para todos os fins e efeitos de direito.
CAPÍTULO III
DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA
Art. 7º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas nesta lei atendendo no
mínimo, aos seguintes requisitos:
I – o atendimento às necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à
justiça social, ao acesso universal aos direitos fundamentais individuais e sociais e ao
desenvolvimento econômico e social;
II – a compatibilidade do uso da propriedade com infra-estrutura, equipamentos
e serviços públicos disponíveis;
III – a compatibilidade do uso da propriedade com a preservação da qualidade
do ambiente urbano e natural;
IV – a compatibilidade do uso da propriedade com a segurança, bem estar e a
saúde de seus moradores, usuários e vizinhos.
Art. 8º A propriedade urbana, para cumprir a sua função social, deve também ser
adequada às seguintes disposições:
I – a distribuição de usos e intensidades de ocupação do solo de forma
equilibrada em relação à infra-estrutura disponível, aos transportes e ao meio ambiente,
de modo a evitar ociosidade e sobrecarga dos investimentos coletivos;
II – a intensificação da ocupação do solo condicionada à ampliação da
capacidade de infra-estrutura;
III – a adequação das condições de ocupação do sítio às características do
meio físico, para impedir a deterioração e degeneração de áreas do Município;
IV – a melhoria da paisagem urbana, a preservação dos recursos naturais e,
em especial, dos mananciais de abastecimento de água do Município;
V – a recuperação de áreas degradadas ou deterioradas visando à melhoria do
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meio ambiente e das condições de habitabilidade;
VI – o acesso à moradia digna, com a ampliação da oferta de habitação para
as faixas de renda baixa e média;
VII – a descentralização das fontes de emprego e o adensamento populacional
das regiões com maior índice de oferta de trabalho;
VIII – a regulamentação do parcelamento, uso e ocupação do solo de modo a
ampliar a oferta de habitação para a população de mais baixa renda;
IX – a promoção de sistema de circulação e rede de transporte que assegure
acessibilidade satisfatória a todas as regiões da cidade.
Art. 9º Para os fins estabelecidos no art. 182 da Constituição da República, não
cumprem a função social da propriedade urbana, por não atender às exigências de
ordenação da cidade, os terrenos, glebas, edificações ou lotes, totalmente desocupados,
ressalvadas as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis, sucessivamente, de
parcelamento, edificação e utilização compulsórios, imposto predial e territorial urbano
progressivo no tempo e desapropriação com pagamentos em títulos, com base nos
artigos 5
o
, 6
o
, 7
o
e 8
o
da Lei federal 10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade.
Parágrafo único. Os critérios de enquadramento dos imóveis não edificados,
subtilizados ou não utilizados estão definidos nos artigos 120 e 121 desta lei, que
disciplinam os instrumentos citados no “caput” deste artigo, e delimitam as áreas do
Município onde serão aplicados, podendo acrescentar-se outras áreas, conforme o artigo
85, §3º.
CAPÍTULO IV
DOS OBJETIVOS E DIRETRIZES GERAIS DA POLÍTICA URBANA
Art. 10. São objetivos gerais da política urbana do Plano Diretor do Município de Rio
das Ostras:
I – o desenvolvimento sustentável de atividades econômicas e sociais mediante
sua diversificação, priorizando o turismo e outras atividades geradoras de emprego,
trabalho e renda;
II – a promoção da qualidade de vida e da dignidade da pessoa humana;
III – a proteção ao meio ambiente;
IV – a gestão democrática mediante a participação popular nas decisões do
poder público municipal;
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V – a fruição eqüitativa dos benefícios econômicos e sociais da vida urbana;
VI – a compatibilização do desenvolvimento de atividades econômicas com a
preservação e a proteção ambiental;
VII – a proteção ao patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico;
VIII – a integração regional;
IX – a divulgação permanente dos objetivos e das diretrizes do plano diretor a
fim de torná-lo efetivo instrumento de política urbana.
Art. 11. São adotadas as seguintes diretrizes gerais de política urbana para
assegurar o cumprimento da função social da propriedade:
I – nortear a definição do uso e ocupação do solo urbano e rural pelo critério
geofísico e econômico das microbacias hidrográficas e seu respectivo manejo;
II – realizar o desenvolvimento sustentável do município, compreendendo a
garantia do direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura
urbana, ao transporte coletivo de passageiros e aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer para as presentes e futuras gerações;
III – ordenar e controlar o uso do solo de modo a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em
relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subtilização ou
não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação ambiental;
IV – estabelecer política de investimentos, baseada na eqüidade e
universalização do acesso aos serviços públicos, ofertando equipamentos urbanos e
comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da
população;
V – promover a integração e a complementaridade entre as atividades urbanas
e rurais, tendo em vista o desenvolvimento sócio-econômico do município, priorizando o
Turismo como indutor e facilitador dessa complementariedade;
VI – promover a preservação do patrimônio natural, cultural, histórico, artístico,
paisagístico, arqueológico e arquitetônico do Município;
VII – adequar os instrumentos da política econômica, tributária e financeira e
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dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os
investimentos geradores do bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes
segmentos sociais;
VIII – fortalecer a identidade do Município, sua cultura, história, paisagem,
inclusive como meio de aumentar a atratividade turística;
IX – aplicar os instrumentos de gestão da política urbana do Estatuto da Cidade
para a implementação dos programas, projetos e ações estratégicas e das políticas
fundiárias;
X – promover a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de
urbanização, uso e ocupação do solo e edificações, consideradas a situação sócio-
econômica da população e as normas ambientais;
XI – fomentar a atividade turística;
XII – proteger e desenvolver a pesca e a aqüicultura;
XIII – ampliar a infra-estrutura e a prestação de serviços destinados a
convenções, congressos, reuniões corporativas como nova modalidade de turismo;
XIV – promover a integração da economia local à indústria petrolífera
preservadas as vocações originais do Município;
XV – melhorar a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, de transporte
coletivo de passageiros e outros serviços públicos adequados aos interesses e
necessidades da população e às características locais;
XVI – promover a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do
processo de desenvolvimento urbano;
XVII – recuperar os investimentos do Poder Público de que tenha resultado a
valorização de imóveis urbanos;
XVIII – promover a participação popular no controle da elaboração e
monitoramento da execução orçamentária e das prioridades do Plano Diretor, bem como
de planos, programas e projetos de interesse local;
XIX – fomentar a cultura em todas as suas formas de expressão;
XX – apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais;
XXI – estimular a instalação de centros técnicos e científicos, bem como
promover e apoiar as iniciativas em ciência e tecnologia em benefício do desenvolvimento
social, ambiental e econômico do Município;
XXII – promover e apoiar a implantação dos objetivos e diretrizes da Agenda 21
Local, bem como dos projetos que estejam em consonância com a política desta Agenda;
XXIII – proteger os ecossistemas e os recursos naturais da Zona Costeira com
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base nesta e na Lei Nacional nº 7.661, de 16 de maio de 1988, regulamentada pelo
Decreto 5.300 de 07 de dezembro de 2004.
TÍTULO II
POLÍTICAS PÚBLICAS E SERVIÇOS PÚBLICOS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 12. As políticas públicas municipais serão implementadas pelo Poder Executivo
para tornar realidade a aplicação das diretrizes, objetivos e normas desta lei, com a
disponibilização permanente de informações à população em geral, o orçamento
participativo, o Conselho Municipal de Política Urbana, a realização de debates e
audiências públicas para a participação popular, observados os princípios de
economicidade, eficiência e eficácia.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a realização bienal da Conferência Municipal
de Política Urbana, a realização de audiências públicas, reuniões, debates, consultas
públicas, referendo e plebiscito.
CAPÍTULO II
DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS
SEÇÃO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 13. A política municipal de meio ambiente tem por objetivo a promoção de meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as atuais e futuras gerações, atendidas as seguintes diretrizes gerais:
I – recuperar e preservar a qualidade do meio ambiente;
II – disciplinar o uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III – cultivar e preservar as tradições e manifestações culturais da população
local, a paisagem local, o patrimônio histórico e cultural;
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IV – promover a educação ambiental de toda a comunidade local,
especialmente dos estudantes do ensino fundamental;
V – planejar e fiscalizar o uso dos recursos ambientais;
VI – estabelecer padrões de consumo e de produção de bens e serviços
compatíveis com a capacidade de suporte ambiental, social e econômico do Município;
VII – promover, direta ou indiretamente, a recuperação das áreas ou bens
ambientalmente degradados, sejam urbanos ou integrantes do patrimônio cultural,
histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e urbanístico;
VIII – manter atualizado o sistema integrado de informações ambientais, bem
como proceder periodicamente à divulgação das informações e dados nele contidos;
IX – promover e fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a aplicação de
tecnologias limpas adequadas à proteção dos recursos naturais;
X – incentivar a adoção de padrões de comportamento destinados à prevenção
e à proteção de danos ambientais ou que visem à restauração do meio ambiente
degradado;
XI – promover o monitoramento e o controle das atividades em potencial ou
efetivamente poluidoras de modo a reduzir ao máximo, científica e tecnologicamente
possível, seus efeitos prejudiciais;
XII – implementar o licenciamento ambiental municipal;
XIII – promover a proteção do patrimônio histórico, cultural, paisagístico e
ambiental;
XIV – proteger e preservar os ecossistemas com a preservação das áreas
indispensáveis à sua manutenção;
XV – compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação e
a promoção da boa qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;
XVI – definir áreas e programas prioritários de ação governamental com vistas
à preservação e à promoção da boa qualidade do meio ambiente e do equilíbrio
ecológico.
Parágrafo único. É vedada a expansão urbana incompatível com os limites da
sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município.
Art. 14. São instrumentos da política municipal do meio ambiente:
I – o Zoneamento Ambiental e Costeiro;
II – o Licenciamento das atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
III – o Sistema Municipal de Informações Ambientais;
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IV – a criação de Unidades de Conservação.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos neste artigo não excluem a aplicação
de outros autorizados na legislação federal, estadual e municipal.
SEÇÃO II
DOS RECURSOS HÍDRICOS
Art. 15. São princípios fundamentais para a gestão dos recursos hídricos no
Município:
I – a água é um bem de domínio público e destina-se prioritariamente ao
consumo humano;
II – a bacia hidrográfica é a unidade territorial de planejamento e
implementação da política de recursos hídricos;
III – a gestão dos recursos hídricos deve proporcionar o uso múltiplo das
águas;
IV – a gestão dos recursos hídricos deve ser integrada com a gestão do uso e
ocupação do solo e do meio ambiente;
V – o Poder Executivo Municipal cooperará com os Governos Federal e
Estadual na gestão dos recursos hídricos e contará com o apoio da população.
Art. 16. São diretrizes para a gestão dos recursos hídricos:
I – participar da gestão das bacias hidrográficas e do conjunto das suas Áreas
de Proteção e Recuperação de Mananciais – APRMs, assegurando a reservação e o
fornecimento de água de boa qualidade nos mananciais e aqüíferos que abastecem o
Município;
II – contribuir para o aprimoramento da gestão integrada dos recursos hídricos
na formulação, implementação e gerenciamento de políticas, ações e investimentos;
III – promover a recuperação, a preservação e a interligação dos recursos
hídricos com outros fragmentos, bem como a criação de Unidades de Conservação na
bacia do Rio das Ostras;
IV – reprimir a implantação de loteamentos clandestinos ou irregulares;
V – promover ou fomentar a recuperação das matas ciliares, dos lagos e
cursos d’água;
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VI – promover, exigir e fomentar, no que couber, a recuperação de áreas
degradadas situadas nas bacias hidrográficas, revertendo à perda de capacidade de
produção de água por meio de programas integrados de saneamento ambiental.
VII – preservar a quantidade e qualidade da água;
VIII – integrar a gestão dos recursos hídricos com os sistemas estuarinos e a
zona costeira.
SEÇÃO III
DO SANEAMENTO AMBIENTAL
Art. 17. Na gestão dos serviços de saneamento ambiental serão observados os
princípios da universalidade, equidade, integralidade, intersetorialidade, gestão pública,
participação e controle social.
§ 1º O saneamento ambiental abrange, além dos serviços de saneamento básico, o
controle da poluição das águas, do solo e do ar, a drenagem de águas pluviais, o controle
ambiental de vetores de doenças.
§ 2º Os serviços públicos de saneamento ambiental poderão ser executados direta
ou indiretamente pela administração municipal, neste caso, mediante concessão ou
permissão na forma da lei.
Art. 18. São diretrizes para o saneamento básico:
I – fixar metas progressivas de regularidade, universalização e melhoria da
qualidade relativas ao sistema de abastecimento de água e ao sistema de tratamento de
esgotos a serem alcançadas pelas empresas concessionárias;
II – promover campanha de identificação de ligações clandestinas de
esgotamento sanitário a fim de desligá-las, conscientizando a população acerca da
importância sanitária do tratamento dos efluentes;
III – coibir o desperdício de água;
IV – promover a racionalização da cobrança pelo consumo de água e a
redução das perdas por meio da instalação de hidrômetros individuais ou outra tecnologia
de medição adequada para os condomínios verticais;
V – estabelecer metas progressivas de ampliação do sistema de coleta de
esgotos para atendimento em toda a Área Urbana;
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VI – instituir programa de soluções alternativas de esgotamento sanitário para
atendimento de assentamentos isolados periféricos;
VII – promover o controle das cargas poluidoras difusas, com vistas a sua
redução, particularmente daquelas originadas do lançamento de resíduos sólidos e de
ligações clandestinas de esgotamento sanitário;
VIII – estabelecer normas especiais com vistas ao monitoramento, controle e
tratamento de resíduos e efluentes de qualquer natureza articuladas com o controle de
vazões de drenagem para os empreendimentos potencialmente geradores de poluição;
IX – promover a articulação e a coordenação de todos os gestores do processo
para implementação de cadastro das redes e instalações existentes;
X – promover mecanismos e campanhas de educação sanitária, considerando
o uso racional e saudável da água.
SEÇÃO IV
DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
Art. 19. São diretrizes para a gestão dos resíduos sólidos:
I – promover a educação ambiental com vistas ao estímulo à redução da
quantidade de geração de resíduos sólidos e à participação da população no processo de
gestão e controle dos serviços;
II – controlar e fiscalizar os processos de geração de resíduos sólidos, inclusive
daqueles originários da construção civil;
III – disciplinar e estimular a disposição adequada dos resíduos da construção
civil, bem como a implantação de processos destinados ao seu reaproveitamento
mediante processos tecnológicos ambientalmente adequados;
IV – implantar programas de coleta seletiva, compostagem de resíduos
orgânicos e de estímulo ao reaproveitamento dos resíduos recicláveis, tais como metais,
papéis e plásticos, bem como fixar metas e procedimentos correspondentes;
V – promover a universalidade, a eficiência e a regularidade do atendimento à
população na prestação dos serviços de coleta de resíduos sólidos;
VI – promover a sustentabilidade ambiental, social e econômica na gestão dos
resíduos sólidos;
VII – estimular o desenvolvimento de soluções alternativas geradoras de
energia para o tratamento dos resíduos sólidos;
VIII – promover a integração, a articulação e a cooperação entre os municípios
da região mediante consórcios públicos para o tratamento e a destinação de resíduos
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sólidos;
IX – promover o incentivo à segregação integral de resíduos sólidos na fonte
geradora e à gestão diferenciada;
X – incentivar a minimização da geração, a separação, o reuso e a reciclagem
de resíduos sólidos;
XI – exigir e, quando for o caso, promover a recuperação ambiental e
paisagística de áreas ambientalmente degradadas ou contaminadas;
XII – exigir do setor empresarial a destinação adequada pós-consumo dos
produtos e serviços ofertados;
XIII – informar a população a respeito dos custos e do potencial de degradação
ambiental dos produtos e serviços ofertados;
XIV – estimular a gestão compartilhada e assegurar o controle social do
sistema de limpeza pública;
XV – responsabilizar civilmente todo aquele que, em decorrência de sua
atividade, tenha produzido resíduo sólido causador de dano ambiental ou quem de
qualquer modo tenha contribuído para ele, seja, dentre outros, o prestador de serviço,
produtor, importador ou comerciante;
XVI – incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a implementação de novas
técnicas de gestão, minimização, coleta, tratamento e disposição final de resíduos sólidos;
XVII – promover a redução da distância entre as fontes geradoras de resíduos
e os centros de recepção e tratamento, dividindo a cidade por regiões.
SEÇÃO V
DA DRENAGEM URBANA
Art. 20. O Poder Executivo Municipal promoverá a implantação de um sistema de
macro-drenagem na área urbana e de expansão urbana, observando as disposições
pertinentes da legislação federal, estadual e municipal aplicável, além das regras,
princípios e diretrizes desta lei.
Parágrafo único. Nas áreas de interesse ambiental e seus entornos, os estudos das
bacias de drenagem obrigatoriamente deverão contemplar a viabilidade técnica de
realização da captação das águas através de caixa de infiltração definindo-se as demais
condições relativas à infiltração das águas no solo, à erosão do solo, ao nível do lençol
freático e a outros aspectos geotécnicos de modo a evitar interferências no ecossistema.
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SEÇÃO VI
DO CONTROLE DE PRAGAS E VETORES DE DOENÇAS
Art. 21. Os serviços de combate, controle ou erradicação de vetores e pragas serão
objeto de planejamento, programação e implementação, observados os seguintes
procedimentos:
I – levantamento da situação, abrangendo:
a) delimitação de área;
b) estudo das causas;
c) determinação das medidas cabíveis.
II – ataque;
III – educação sanitária e ambiental;
IV – avaliação dos resultados.
Art. 22. Os programas de controle de vetores e pragas terão, dentre outros, o
objetivo de restituir o equilíbrio do ambiente natural, o controle de doenças relacionadas à
produção agropecuária, animal e o controle de doenças humanas cuja implementação
competirá aos órgãos públicos respectivamente competentes.
Parágrafo único. Os programas a que se refere este artigo quando se referirem ao
controle de vetores e de pragas que acometerem simultaneamente a saúde humana e a
fauna, ou ainda o meio ambiente natural serão implementados de forma articulada e
conjunta entre os órgãos públicos competentes.
Art. 23. O Poder Público investirá na melhoria quantitativa e qualitativa dos
programas de controle de vetores e pragas.
Art. 24. Para efeito de aplicação desta lei e da legislação municipal correspondente,
considera-se:
I – controle de pragas e vetores de doenças: o conjunto de ações simultâneas
mediante a adoção de métodos cíclicos, sanitizadores, intervenções químicas ou
biológicas e barreiras físicas com o objetivo de preservar o meio ambiente e reduzir os
riscos de prejuízos à saúde pública;
II – vetor biológico: o artrópode no qual se passa, obrigatoriamente, uma das
fases do desenvolvimento de determinado agente etiológico;
III – vetor mecânico: o artrópode que, acidentalmente, pode transportar um
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agente etiológico;
IV – animal peçonhento: aqueles que produzem veneno através de glândulas e
têm a capacidade de inoculá-lo, de forma ativa, através de aparelho inoculador como
dentes e ferrões;
V – agente etiológico ou infeccioso: o ser capaz de produzir infecção ou doença
infecciosa.
Parágrafo único. O controle de pragas e vetores inclui o dos animais peçonhentos.
Art. 25. O Poder Público adotará preferencialmente os métodos de controle de
menor impacto no meio ambiente.
Art. 26. Compete aos órgãos municipais de saúde, em articulação com os órgãos
similares federais e estaduais, o controle de pragas e vetores e, quando indicada, as
providências para a erradicação dos vetores biológicos de doenças humanas.
Art. 27. O controle de pragas e vetores é dever do Poder Público e da sociedade
civil em colaboração mútua.
Art. 28. Compete aos órgãos municipais de Saúde, Meio Ambiente e Agricultura a
regulação e a normatização das atividades exercidas pela iniciativa privada no controle de
pragas e vetores de doenças.
SEÇÃO VII
DA PREVENÇÃO E CONTROLE DE RUÍDOS
Art. 29. Lei Municipal estabelecerá limites mínimos de emissão de ruídos advindos
de qualquer atividade que não poderão ser excedidos sob pena de imposição de
penalidades.
Parágrafo único. A poluição sonora capaz de prejudicar, a curto ou longo prazo, a
saúde, em especial a saúde do trabalhador, a segurança e o sossego público será objeto
de repressão e fiscalização ambiental, sanitária e de posturas.
SEÇÃO VIII
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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Art. 30. Todos têm direito à educação ambiental, incumbindo:
I – ao Poder Público promovê-la pelos meios ao seu dispor, em todos os níveis
de ensino;
II – às instituições educativas, realizá-la de maneira integrada aos programas
educacionais por elas desenvolvidas;
III – ao órgão ambiental local, integrá-la aos programas de conservação,
recuperação e melhoria do meio ambiente;
IV – aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e
permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre o meio
ambiente humano, incorporando a dimensão ambiental em sua programação;
V – às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas,
implantar programas de educação ambiental sobre as condições adequadas de trabalho e
as repercussões do processo produtivo no meio ambiente;
VI – à sociedade como um todo, manter atenção permanente à incorporação
de valores, hábitos e atitudes compatíveis com proteção ambiental.
Art. 31. São princípios básicos da educação ambiental:
I – o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo, que considere o
ser humano em sua totalidade e dignidade;
II – a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a
interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural na perspectiva da
sustentabilidade paras as atuais e futuras gerações;
III – o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas na perspectiva da inter,
multi e transdisciplinariedade;
IV – a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;
V – a garantia de continuidade e permanência no processo educativo;
VI – a permanente avaliação crítica do processo educativo;
VII – a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais,
nacionais e globais;
VIII – o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e
cultural.
Art. 32. São objetivos fundamentais da educação ambiental:
I – o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em
suas múltiplas e complexas relações;
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II – a garantia da democratização das informações ambientais;
III – o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a
problemática ambiental e social;
IV – o incentivo à participação permanente e responsável de todos para a
preservação e promoção do equilíbrio do meio ambiente;
V – a cooperação com os municípios da microrregião com vistas à construção
de uma sociedade ambientalmente equilibrada;
VI – o fortalecimento do exercício da cidadania para a proteção ambiental.
SEÇÃO IX
DA FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
Art. 33. A Administração Municipal elaborará um plano de fiscalização ambiental que
inclua vistorias periódicas às áreas sob proteção e às potenciais ou efetivas fontes
poluidoras, um programa de capacitação de seus funcionários para o exercício de suas
funções de monitoramento e fiscalização e aplicará as penalidades cabíveis previstas na
legislação federal e municipal aos infratores e responsáveis, exigindo dos mesmos a
execução das providências adequadas para a recuperação das áreas ambientalmente
degradadas.
§ 1º Lei municipal disciplinará a fiscalização ambiental.
§ 2º A vigilância ambiental em saúde será exercida pelo órgão municipal de
vigilância ambiental em saúde.
CAPÍTULO III
DAS POLÍTICAS URBANAS
SEÇÃO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 34. São objetivos da política de urbanização e uso do solo:
I – a diversificação e a mesclagem de usos compatíveis com vistas à redução
dos deslocamentos entre residência e trabalho e ao equilíbrio da distribuição da oferta de
emprego e trabalho na cidade, evitando a segregação e promovendo a distribuição
espacial equilibrada da população e das atividades econômicas;
II – o adensamento e o crescimento ordenado da cidade na área urbanizada
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dotada de infra-estrutura urbana e equipamentos urbanos e comunitários de modo a
impedir a ociosidade da infra-estrutura instalada e a reduzir os custos resultantes da
expansão horizontal da infra-estrutura;
III – a definição de parâmetros diferenciados para o parcelamento, uso e
ocupação do solo para assegurar uma relação equilibrada entre o estoque de área
construída e a infra-estrutura viária e de transporte coletivo e de áreas verdes de lazer de
modo a impedir a sobrecarga e a ociosidade da infra-estrutura;
IV – a mesclagem do uso residencial com usos não residenciais em áreas de
alta densidade de serviços com saturação da infra-estrutura viária;
V – a requalificação de áreas de urbanização consolidada, dotadas de infra-
estrutura e condições de atrair investimentos imobiliários;
VI – o aproveitamento dos investimentos urbanos gerando novos recursos para
investimento prioritário na redução progressiva do déficit social representado pela
carência de infra-estrutura urbana, de serviços sociais e de moradia para a população de
mais baixa renda;
VII – a qualificação de áreas urbanas com infra-estrutura básica incompleta e
carência de equipamentos sociais;
VIII – a reurbanização, a requalificação e a regularização de moradias e
loteamentos irregulares ocupados por população de baixa renda, visando a melhoria das
condições de vida da população e sua integração aos diferentes bairros;
IX – o impedimento ao surgimento de assentamentos irregulares, implantando
sistema eficaz de fiscalização e a definição, mediante projeto urbanístico específico, das
condições e parâmetros especiais para reurbanização da área e regularização dos
assentamentos consolidados, com a participação da população moradora, incorporando-
os à estrutura urbana, respeitado o interesse público e o meio ambiente;
X – a repressão à prática de construção e uso irregular das edificações,
revendo e atualizando as normas pertinentes, simplificando a legislação e implantando
sistema eficaz de fiscalização;
XI – a disponibilidade de áreas com padrões horizontais de urbanização de uso
residencial;
XII – a recuperação urbanística e ambiental de áreas degradadas.
Art. 35. São diretrizes para a política de urbanização e uso do solo:
I – melhoria da qualidade dos espaços públicos e do meio ambiente, estímulo
às atividades de comércio e serviços e preservação e reabilitação do patrimônio
arquitetônico nas áreas subaproveitadas de urbanização consolidada;
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II – promover o cadastramento das áreas e ocupações sobre as quais não
incidem tributos, visando sua regularização urbanística e tributação;
III – estimular o adensamento construtivo e populacional em áreas urbanizadas
com capacidade de suporte da infra-estrutura ainda não aproveitada integralmente de
acordo com os seus limites;
IV – criar condições para o desenvolvimento de novas centralidades e espaços
públicos em áreas de urbanização precária situadas em continuidade às áreas de
urbanização consolidada;
V – recuperar os investimentos do Poder Público de que tenha resultado a
valorização de imóveis urbanos, aplicando-os conforme as normas da Lei Federal nº
10.257, de 10 de junho de 2001;
VI – promover a revisão e simplificação da legislação de parcelamento, uso e
ocupação do solo e de edificações, considerando as condições ambientais, a capacidade
da infra-estrutura viária e de transporte coletivo para facilitar sua compreensão, aplicação
e fiscalização;
VII – promover a articulação com os demais entes federativos brasileiros e
entidades de sua administração indireta, mediante convênio ou consórcio público, para a
implementação de um sistema integrado de fiscalização da legislação urbanística e
ambiental;
VIII – a criação e manutenção de um sistema de informações
georreferenciadas com dados sobre o meio ambiente, parcelamento, uso e ocupação do
solo para subsidiar o planejamento e a gestão municipal;
IX – estabelecer parcerias com instituições de ensino e pesquisa, organizações
não governamentais, poder judiciário e a sociedade civil, visando ampliar a participação
da sociedade e a capacidade operacional do Poder Executivo Municipal com vistas à
implementação das diretrizes desta lei;
X – prestar assessoria técnica, jurídica e social gratuita para a população de
baixa renda com problemas de moradia;
XI – coibir a especulação imobiliária por meio de instrumentos tributários e
fiscais, como o IPTU progressivo;
XII – promover campanhas de conscientização da população acerca de sua co-
responsabilidade na produção do espaço urbano;
XIII – estimular a ocupação das áreas urbanas dotadas de infra-estrutura
instalada e não ocupada;
XIV – exigir o ressarcimento integral das despesas municipais para a instalação
de equipamentos urbanos e serviços públicos e de outras despesas com a regularização
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de loteamentos e remembramentos consolidados ou não, a ser cobrado dos loteadores ou
responsáveis;
XV – a responsabilização dos proprietários e loteadores por degradação ao
meio ambiente em seus imóveis, pelos próprios ou por terceiros, inclusive por edificações
e usos irregulares do solo.
SEÇÃO II
DA HABITAÇÃO
Art. 36. O Governo Municipal promoverá a habitação popular, assegurando o direito
de acesso à moradia digna, observadas as peculiaridades relativas a habitabilidade, à
salubridade e à verticalização dos prédios e respeitadas as normas especiais de
edificação, uso e ocupação do solo, em conformidade com as seguintes diretrizes:
I – considerar as características da população local, suas formas de
organização, condições físicas e economias, na realização de projetos habitacionais para
atender à demanda da população de baixa renda;
II – dar prioridade ao atendimento da população de baixa renda que ocupam
áreas de risco para a vida ou à saúde, insalubres e de preservação ambiental;
III – desenvolver programas de melhoria da qualidade de vida dos moradores
de habitação de interesse social, bem como de assentamentos informais e precários,
mediante programas de geração de emprego, trabalho e renda, valorização do espaço
público destinado ao lazer, à cultura, aos esportes, e implantação de equipamentos
comunitários;
IV – promover atividades conjuntas de proteção e educação ambiental nos
programas habitacionais com vistas à preservação dos mananciais de água e a não
ocupação de áreas de risco e de espaços destinados ao uso comum do povo;
V – estabelecer parâmetros físicos de moradia social em assentamentos
precários e informais, bem como procedimentos especiais de aprovação desses e de
outros projetos habitacionais de interesse social;
VI – implantar programas de regularização urbanística e fundiária, bem como
executar projetos de melhoria das condições de moradia para a população de baixa renda
em Áreas de Especial Interesse Social;
VII – prestar serviços de assessoria técnica, jurídica, ambiental, social e
urbanística gratuitos à população de baixa renda ou grupos que a representem em
assuntos que envolvam o acesso à moradia;
VIII – captar recursos financeiros, institucionais, técnicos e administrativos em
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fontes privadas e governamentais, incluindo aquelas externas ao Município, destinados a
investimentos de interesse social;
IX – realizar parcerias com universidades e institutos de pesquisa para o
desenvolvimento de alternativas de menor custo, melhor qualidade e produtividade na
construção de moradia para a população de baixa renda;
X – desenvolver programas habitacionais para as áreas urbanas subtilizadas
dotadas de infra-estrutura básica destinados às populações de baixa e média renda;
X – fomentar a participação popular e o controle social na definição das
políticas e prioridades da produção habitacional.
§ 1º Considera-se moradia digna aquela que dispõe de instalações sanitárias
adequadas, de condições de acessibilidade, de habitabilidade e que seja atendida por
abastecimento de água, esgotamento sanitário, energia elétrica, iluminação pública,
coleta de lixo, vias pavimentadas, transporte coletivo de passageiros e equipamentos
comunitários destinados à educação, saúde, à cultura, ao lazer e ao esporte na zona ou
bairro em que se encontre localizada.
§ 2º A promoção de unidades habitacionais para a população de baixa renda será
promovida exclusivamente em terras adequadamente urbanizadas dotadas de infra-
estrutura básica e servidas por equipamentos sociais de educação, saúde, cultura,
assistência social, lazer e esportes.
§ 3º A lei disporá sobre a execução por particulares em parceria com o poder
público, de loteamentos destinados às famílias de baixa renda, definindo as dimensões
mínimas dos lotes, podendo determinar parâmetros urbanísticos diferenciados.
Art. 37. O Governo Municipal assegurará o exercício do direito à moradia em local
apropriado quando necessária à remoção da população de baixa renda de áreas de risco
ou insalubres, de preservação ambiental, de proteção aos ecossistemas naturais, das
áreas públicas, de uso comum do povo, ou destinadas a projetos de urbanização.
SEÇÃO III
DAS ÁREAS PÚBLICAS
Art. 38. São diretrizes para a política de áreas públicas:
I – garantir a fruição coletiva dos bens de uso comum para as presentes e
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futuras gerações;
II – cadastrar e mapear as áreas e edifícios públicos, mantendo atualizado o
sistema único informatizado de cadastro georreferenciado;
III – instituir programas que assegurem a preservação e o uso das áreas
públicas vazias, zelando pela posse, manutenção e conservação das mesmas;
IV – associar a política de reintegração de posse de áreas públicas que não
cumpram função social a programas habitacionais de interesse social para a população
de baixa renda;
V – promover a reurbanização e a regularização fundiária das áreas públicas
ocupadas por população de baixa renda para moradia;
VI – destinar prioritariamente para a implantação de áreas verdes e de
equipamentos coletivos os bens públicos dominiais sem uso;
VII – prever em lei o plano de utilização de áreas e prédios públicos para
assegurar o atendimento à demanda por equipamentos e serviços públicos, a proteção e
a recuperação do meio ambiente;
VIII – disciplinar a implantação e o uso de equipamentos de infra-estrutura
urbana no solo, subsolo e espaço aéreo das vias públicas, inclusive os de comunicação
institucional, informativa e educativa.
SEÇÃO IV
DA PAISAGEM
Art. 39. A proteção à paisagem tem por objetivo assegurar a boa qualidade de sua
dimensão ambiental, visual e estética a todos os munícipes, impedindo sua degradação e
permitindo a identificação do ambiente natural e cultural local.
Art. 40. São diretrizes da política de proteção da paisagem:
I – criar instrumentos técnicos, institucionais, legais e gerenciais eficazes para
a gestão, monitoramento e fiscalização da paisagem;
II – ordenar os elementos componentes da paisagem para assegurar o
equilíbrio visual entres seus diversos elementos, a preservação do patrimônio cultural e
ambiental, a identificação, leitura e apreensão da paisagem e seus elementos
constitutivos naturais ou construídos, públicos ou privados;
III – assegurar a participação da comunidade na gestão, identificação,
valorização, preservação e conservação dos elementos significativos da paisagem;
IV – promover programas de educação ambiental para conscientizar a
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população a respeito da importância de valorização da paisagem como fator de melhoria
da qualidade de vida e de incentivo ao turismo;
V – proibir a publicidade de qualquer natureza contra as normas de proteção ao
meio ambiente ou com prejuízo da visibilidade das paisagens naturais, conjuntos
urbanísticos, edifícios e construções notáveis.
Art. 41. Integra-se à paisagem os espaços arborizados ou ajardinados por
vegetação nativa ou não, de propriedade pública ou privada, para a manutenção da
qualidade e conforto urbanos, tais como:
I – praças públicas arborizadas e parques urbanos;
II – as áreas ajardinadas e arborizadas localizadas em logradouros e
equipamentos públicos;
III – o espaço livre de arruamentos e as áreas verdes dos loteamentos;
IV – as árvores e jardins dos cemitérios;
V – áreas com vegetação significativa em imóveis particulares.
Art. 42. O poder público zelará pela manutenção e conservação dos espaços
arborizados de acordo com as seguintes diretrizes:
I – dar tratamento adequado à vegetação enquanto elemento integrador na
composição da paisagem urbana;
II – estimular parceria com os setores privados para a manutenção e
implantação de espaços ajardinados ou arborizados;
III – ampliação da arborização de ruas, criação de faixas verdes que liguem
praças, parques ou outros espaços arborizados e/ou ajardinados;
IV – aumentar a taxa de permeabilidade do solo;
V – promover a recuperação das áreas degradadas;
VI – disciplinar o uso e a realização de atividades culturais e/ou de interesse
turístico nas praças e parques municipais;
VII – criar e implantar programas de efetiva arborização e ajardinamento de
espaços em conjuntos habitacionais e loteamentos;
VIII – priorizar o uso de espécies vegetais nativas para a composição das áreas
arborizadas e ajardinadas como forma de valorização e manutenção da flora nativa.
SEÇÃO V
DA INFRA-ESTRUTURA E DOS SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA
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Art. 43. São diretrizes da política de infra-estrutura e serviços de utilidade pública:
I – assegurar a universalização do acesso à infra-estrutura urbana e aos
serviços de utilidade pública;
II – garantir a preservação do solo e do lençol freático, realizando as obras e a
manutenção necessária para o adequado isolamento das redes de infra-estrutura;
III – prover a ampliação e a complementação da infra-estrutura instalada para
atendimento da demanda antes do esgotamento de sua capacidade;
IV – ordenar a ocupação e a utilização da infra-estrutura instalada e a ser
instalada, assegurando e promovendo o compartilhamento, bem como evitando a
duplicação de equipamentos;
V – exigir a obediência às normas de saúde pública e ambiental, exigindo
laudos técnicos quanto aos efeitos para a saúde humana e o meio ambiente provenientes
da implantação e da utilização da infra-estrutura dos serviços de telecomunicações
emissores de radiação eletromagnética;
VI – promover o reforço da fiscalização do zoneamento e das atividades
econômicas e da limpeza pública para preparar a cidade para o maior afluxo de turistas
nos períodos de alta temporada;
VII – atualizar e modernizar as normas municipais para a implantação e
modernização da infra-estrutura dos serviços de telecomunicações emissores de radiação
eletromagnética, equacionando as questões referentes a possíveis danos ao meio
ambiente e à saúde pública;
VIII – promover o cadastramento completo das vias, formulando critérios para
nomenclatura e a numeração oficial de imóveis, eliminando as duplicações eventualmente
existentes, e apresentar à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos o abairramento
instituído no Anexo V desta lei;
IX – planejar a prestação de serviços públicos, atendendo às demandas
sazonais mediante o reforço das equipes de fiscalização municipal e de limpeza pública
nos períodos de alta temporada.
SEÇÃO VI
DO SISTEMA VIÁRIO E DO TRANSPORTE COLETIVO
Art. 44. São diretrizes da política viária e de transporte coletivo de passageiros e de
cargas:
I – elaborar o Plano Municipal de Circulação Viária e Transportes com vistas à
segurança e fluidez do tráfego;
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II – realizar estudo completo do tráfego local e da oferta de áreas para
estacionamento de veículos automotores e de áreas de carga e descarga de bens e
mercadorias com vistas a assegurar a oferta suficiente desses espaços;
III – implementar programas e projetos destinados à proteção da circulação de
pedestres, ciclistas e grupos, como: idosos, portadores de necessidades especiais e
crianças;
IV – implantar ciclovias destinadas ao uso turístico e ao deslocamento da
comunidade local;
V – priorizar o início das obras do Terminal Rodoviário de passageiros,
incluindo o estacionamento de ônibus de excursão;
VI – promover ou exigir estudos de impacto de vizinhança na implantação de
empreendimentos geradores de tráfego;
VII – garantir a circulação viária e de transportes que promova a segurança e a
fluidez do tráfego, priorizando o transporte coletivo de passageiros, os pedestres e os
ciclistas;
IX – promover a ampliação da oferta de áreas para estacionamento, embarque
e desembarque e transporte de cargas nas zonas comerciais;
X – promover a educação para o trânsito;
XI – regulamentar e fiscalizar o transporte coletivo de passageiros.
Parágrafo único. Entende-se por mobilidade urbana, para efeito deste plano diretor
e legislação dele decorrente, a garantia de deslocamento e acessibilidade, atendendo às
distintas necessidades da população com segurança, redução de distâncias e de tempo
de viagem, bem como a valorização dos espaços públicos destinados à circulação de
pedestres e bicicletas.
Art. 45. A rede estrutural viária está estabelecida no Anexo I desta lei.
Parágrafo único. As vias arteriais têm sua área de domínio fixada em 15 metros do
seu eixo para ambos os lados.
Art. 46. São Áreas de Especial Interesse Urbanístico as que sejam indicadas em
projeto urbanístico específico e que contenham faixas de domínio de até 15 metros de
largura de cada lado da via arterial proposta, medidos a partir do respectivo eixo da via,
destinadas à ampliação ou à implantação de nova via.
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§ 1º O proprietário de imóvel que doar área necessária para a realização da
intervenção urbana a que se refere este artigo, a partir da aprovação do projeto
urbanístico de cada Área de Especial Interesse Urbanístico, poderá utilizar o coeficiente
de aproveitamento correspondente à área doada no lote remanescente.
§ 2º O projeto urbanístico de cada Área de Especial Interesse Urbanístico referido no
parágrafo anterior deverá definir os perímetros das áreas de recepção de potencial
construtivo transferível de outro imóvel e de outorga onerosa do direito de construir nos
quais o coeficiente de aproveitamento básico poderá ser ultrapassado até o limite do
coeficiente de aproveitamento máximo.
Art. 47. As vias principais de loteamento serão, obrigatoriamente, servidas por
ciclovias.
CAPÍTULO IV
DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 48. O poder público municipal regulará e fomentará as atividades econômicas
de forma a promover a geração de emprego, trabalho e renda, a valorização do trabalho,
a livre iniciativa, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I – função social da propriedade;
II – livre concorrência;
III – defesa do consumidor;
IV – defesa do meio ambiente;
V – prioridade para a redução das desigualdades regionais e sociais;
VI – promoção do pleno emprego;
VII – estímulo e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte;
VIII – estímulo às manifestações artísticas e culturais, e a valorização dos bens
de natureza material ou imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
Art. 49. No exercício de suas atribuições e na condição de principal agente
econômico local, o poder público municipal:
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I – aplicará as diretrizes do desenvolvimento econômico sustentável expressas
nesta lei;
II – atuará como gestor, incentivador e integrador das atividades econômicas
locais;
III – adotará modelo de gestão pública compatível com a aplicação das
diretrizes e demais normas desta lei;
IV – promoverá a capacitação dos servidores públicos locais para atuação no
novo modelo de gestão;
V – estimulará e fortalecerá a participação comunitária no processo de
desenvolvimento local;
VI – promoverá a informação e a divulgação das ações públicas e privadas
destinadas à aplicação desta lei, bem como o seu monitoramento e avaliação dos
impactos delas resultantes;
VII – dará prioridade à formação de parcerias público-privadas e
intergovernamental com vistas à captação de recursos para a execução da política
pública municipal.
Art. 50. São objetivos da política de desenvolvimento econômico sustentável:
I – transformar o Município de Rio das Ostras em pólo turístico, artístico e
científico-tecnológico regional;
II – incentivar a pesquisa, a produção e a aplicação de inovações científicas e
tecnológicas;
III – o desenvolvimento da atividade agropecuária baseada na pequena
propriedade, inclusive para o desenvolvimento do turismo rural;
IV – o desenvolvimento da pesca e da aqüicultura;
V – o desenvolvimento de atividades artísticas e culturais locais.
Art. 51. Na execução das políticas públicas de desenvolvimento local, o Governo
Municipal aplicará as seguintes diretrizes:
I – fomentará o adensamento populacional e construtivo nas áreas dotadas de
infra-estrutura dentro dos limites de sua capacidade de suporte para impedir o
crescimento populacional desordenado e evitar a ociosidade da infra-estrutura urbana
instalada;
II – promoverá a integração das atividades econômicas rurais e urbanas e,
especialmente, quando integrantes da mesma cadeia produtiva;
III – promoverá a capacitação e o aperfeiçoamento profissional dos munícipes
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para seu adequado aproveitamento nas oportunidades de trabalho e emprego
qualificados oferecidos no município;
IV – formulará e adotará políticas de incentivos fiscais e não-fiscais a empresas
que realizem ações de responsabilidade social e ambiental, não poluentes, cujos
processos produtivos sejam complementares às atividades do meio ambiente urbano ou
rural e não causem inconvenientes nem danos à saúde, ao bem-estar e à segurança da
população;
V – priorizará os incentivos fiscais e não fiscais para as atividades econômicas
que utilizem o reuso e a reciclagem de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos no seu ciclo
produtivo;
VI – estimulará a formação de parcerias entre as empresas e o poder público
para o fortalecimento das atividades econômicas de interesse do município nos termos
desta lei;
VII – fortalecerá a capacidade de atuação do poder público como agente
integrador e estimulador da atividade econômica produtiva;
VIII – incentivará a formação de redes de cooperação e assistência à produção;
IX – aproximará o fornecedor, o produtor e o consumidor para a geração de
negócios locais e regionais, o incremento do turismo e da atividade produtiva;
X – integrará a Municipalidade a ações desenvolvidas em âmbito regional,
nacional ou internacional com vistas à redução das desigualdades regionais e sociais e à
promoção do desenvolvimento econômico e social sustentável;
XI – financiará projetos de desenvolvimento de inovação científica e
tecnológica destinada à produção de bens e serviços de interesse do Município nos
termos desta lei por meio de banco de desenvolvimento, fundos especiais, ou outros
mecanismos similares;
XII – financiará projetos de desenvolvimento das artes e da cultura em todas as
suas formas de expressão, de produção e difusão de bens culturais, estimulando
atividades econômicas elas relacionadas, como o turismo cultural, por meio de fundos
especiais, oportunizando trabalho, emprego e renda derivados do produto cultural local.
SEÇÃO II
DO TURISMO
Art. 52. São objetivos da Municipalidade quanto ao turismo colocá-la entre os
principais destinos turísticos estaduais, nacionais e internacionais com vistas ao
desenvolvimento do turismo de lazer, negócios e saúde e outras modalidades similares
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como eixo do desenvolvimento sócio-econômico local.
Art. 53. São diretrizes para o desenvolvimento do turismo:
I – ampliar e valorizar o acervo ambiental, cultural e histórico local;
II – promover o bem-estar dos habitantes;
III – articular o turismo rural com a atividade agropecuária com vistas ao
desenvolvimento recíproco;
IV – desenvolver o turismo de negócios, para os idosos, o ecoturismo, o
turismo rural, o turismo cultural, e o turismo associado a eventos esportivos;
V – fortalecer o turismo dentre as demais atividades econômicas existentes no
Município.
VI – realizar campanhas periódicas de conscientização da população para a
vocação turística do Município;
VII – promover a capacitação da mão de obra local para as atividades turísticas
e de apoio ao turismo;
VIII – promover e divulgar a cidade como produto turístico direcionado para
segmentos específicos, vedada à exposição da cidade na mídia do turismo de massa;
IX – garantir a continuidade da prestação dos serviços públicos locais durante o
período de alta temporada turística.
Art. 54. O licenciamento de empreendimentos, projetos e atividades voltadas para o
turismo, inclusive de edificações, como hotéis, bares e restaurantes fica condicionado ao
parecer prévio do órgão municipal responsável pela execão das políticas municipais de
turismo.
Art. 55. O poder executivo promoverá a elaboração do Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado do Turismo, observadas as diretrizes para o desenvolvimento
sustentável local expressas nesta lei, até 31 de dezembro de 2005.
Art. 56. O Governo Municipal instituirá, em parceria com as entidades do setor, um
selo de certificação da qualidade dos serviços e produtos turísticos oferecidos no
Município, a ser concedido aos estabelecimentos comerciais e/ou prestadores de
serviços, dentre os quais, serão obrigatoriamente incluídos o respeito e a observância das
normas sanitárias, ambientais, e de posturas municipais.
SEÇÃO III
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DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Art. 57. São objetivos do Município em relação ao desenvolvimento da ciência e da
tecnologia:
I – a promoção de novos arranjos produtivos mediante a incorporação de novas
tecnologias às atividades existentes e da sua maior associação;
II – a produção e a difusão de novas tecnologias para aumento da eficiência
econômica, em especial da produtividade e da competitividade do pequeno produtor rural
e do pescador local;
III – a eficiência no uso dos recursos naturais renováveis pela utilização de
fontes alternativas de energia e de abastecimento de água;
IV – a aplicação das tecnologias para o aumento da eficiência na
Administração Municipal;
V – a realização de parcerias para a implantação de programas de formação
profissionalizante voltados para as atividades produtivas de interesse local;
VI – o fortalecimento da atuação da Administração Municipal na gestão e
integração das ações relacionadas com a ciência, tecnologia e inovação frente ao
desenvolvimento econômico e social sustentável mediante a articulação de redes de
cooperação entre empresas, entidades de pesquisa e demais entidades dedicadas ao
setor;
VII – o estímulo à comercialização da produção científica e tecnológica local.
SEÇÃO IV
DA AGROPECUÁRIA E DA PESCA
Art. 58. São objetivos da Municipalidade em relação à agropecuária e à pesca com
vistas ao desenvolvimento econômico e social:
I – promover prioritariamente a geração de emprego e renda na produção
familiar e na do pequeno produtor;
II – o fomento à atividade turística rural;
III – o fortalecimento do abastecimento do comércio municipal.
Art. 59. São diretrizes para o desenvolvimento da agropecuária e da pesca:
I – fomentar a agregação de valor às atividades rurais por meio da
incorporação de novas tecnologias à produção, ao seu beneficiamento e distribuição;
II – estimular a geração de renda não agrícola para a população residente em
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áreas rurais mediante o aproveitamento do trabalho das mulheres e do trabalho
associativista;
III – fomentar a agricultura urbana como alternativa para a produção de
alimentos, a geração de trabalho, emprego e renda e o desenvolvimento social;
IV – estimular a produção de caráter associativista;
V – incentivar a produção agrícola em pequenas propriedades ou por meio do
uso compartilhado da terra cultivada em cotas de produção familiar;
VI – incentivar a manutenção da cadeia produtiva de produtos alimentares
dentro dos limites territoriais do Município;
VII – estimular a formação de redes de distribuição da produção;
VIII – fomentar prioritariamente a pesca preferencialmente em relação a outros
usos em áreas com potencial para a produção pesqueira, implantando reservas
extrativistas, parques marinhos, áreas de proteção ou por outros meios de preservação da
atividade;
IX – prestar apoio e assistência técnica ao pescador local para aumento e
melhoria da qualidade da produção pesqueira;
X – valorizar a pesca também como promotora de atividade turística;
XI – promover infra-estrutura adequada para embarque e comercialização da
produção pesqueira;
XII – instituir penalidades por meio de legislação própria de proteção do meio
ambiente marinho, buscando o ressarcimento por eventuais perdas econômicas
decorrentes de acidentes ou impactos negativos sobre a produção da pesca nos limites
territoriais municipais;
XIII – estabelecer políticas específicas para a sustentabilidade da atividade
pesqueira que permitam a gradual substituição da pesca extrativista pela produção em
cativeiro;
XIV – dar apoio e assistência técnica ao pescador local para aumento e
melhoria da qualidade da produção pesqueira;
Art. 60. O Poder Público Municipal priorizará o fortalecimento da dignidade e da
cidadania da comunidade de pescadores locais, a qualificação para o trabalho da pesca e
a sua identidade cultural, bem como promoverá a pesca como atividade econômica de
especial interesse social, valorizando sua integração à atividade turística.
Art. 61. O Poder Público Municipal, dentro dos limites de suas atribuições
constitucionais, regulará as atividades desenvolvidas na Área Rural com vistas ao
interesse local, valorizando a diversidade como meio de desenvolvimento sustentável.
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Art. 62. O Poder Executivo Municipal promoverá a elaboração do Plano Municipal de
Desenvolvimento Rural Sustentável dentro do prazo de dois anos contados da data inicial
de vigência desta lei, garantindo, por meio do zoneamento econômico-ecológico, a
manutenção das seguintes Zonas na Área Rural:
I – Zona Rural de Fomento: caracterizada pelo uso rural produtivo e pelo
estabelecimento de pequenos produtores, bem como pela agricultura familiar, onde o
módulo fiscal mínimo aceitável para o parcelamento da terra é o estabelecido pela
legislação federal, especialmente pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária;
II – Zona Rural de Uso Diversificado: caracterizada pelo uso agropecuário,
instalações de atividades agroindustriais e ainda de lazer, vedado o parcelamento da terra
em dimensão inferior a 1,0 (um) hectare (10.000m2);
III – Zona Rural de Uso Controlado: aquela de transição entre as Áreas
Protegidas e as Reservas Legais, e as áreas descritas no inciso anterior, onde o
parcelamento da terra não poderá ocorrer em áreas inferiores a 2,0 (dois) hectares
(20.000m2), observando-se:
a) o uso agropecuário e de lazer, salvaguardada a qualidade dos mananciais;
b) a exploração do turismo ecológico, em terras sem aptidão agrícola,
observado o disposto no parágrafo único deste artigo;
c) a recuperação das áreas degradadas em decorrência de suas atividades,
atendidos os requisitos do licenciamento ambiental e demais normas aplicáveis pelas
empresas exploradoras de recursos naturais;
IV – Áreas Protegidas: aquelas sujeitas ao zoneamento ambiental municipal
nos termos desta lei;
V – Reservas Legais: as áreas existentes na Área Rural, caracterizadas
conforme o inciso III do art. 16 e seus parágrafos da Lei Nacional nº 4.771/65 (Código
Florestal).
Parágrafo único. As atividades não agropecuárias na Zona de Uso Diversificado e
de Uso Controlado serão devidamente analisadas e avaliadas pelos órgãos municipais
competentes relacionados com o Meio Ambiente e o Turismo, pelo Conselho Municipal do
Meio Ambiente e pelo Conselho Municipal do Desenvolvimento Rural Sustentável.
SEÇÃO V
DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS
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Art. 63. São diretrizes para o desenvolvimento da indústria, comércio e serviços:
I – promover o zoneamento das atividades industriais, comerciais e de
serviços, inclusive por meio de incentivos a relocação dos estabelecimentos existentes
para espaços apropriados;
II – instituir um sistema de licenciamento específico para implantação de
empreendimentos cujas atividades possam gerar impactos negativos ao desenvolvimento
econômico e ambiental sustentável com vistas à avaliação, mitigação e, no que couber,
prevenir e evitar os efeitos dos impactos negativos;
III – valorizar o micro, pequeno e médio empreendedor local com a definição de
ações especiais de fomento e ampla cooperação com as entidades que se dedicam ao
desenvolvimento do setor;
IV – estimular a integração da economia local com as atividades da indústria
petrolífera.
§ 1º O Poder Público Municipal não permitirá a instalação de atividades industriais
poluentes acima dos limites mínimos cientificamente toleráveis, ou cujos resíduos possam
causar perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança da população.
§ 2º A instalação de atividades industriais subordina-se à observância das normas
técnicas vigentes e da adequação do empreendimento às normas da ISO 14000,
observado o princípio da redução ao mínimo e do reaproveitamento dos resíduos
industriais gerados no processo produtivo.
§ 3º Fica ratificada a atual legislação de regência da Zona Especial de Negócios.
SEÇÃO VI
DA ECONOMIA DO PETRÓLEO
Art. 64. O Governo Municipal incentivará a integração da economia municipal com
as atividades da indústria petrolífera, preservando sempre suas características e
potencialidades originais.
Parágrafo único. Lei municipal disciplinará a aplicação de percentual da receita
recebida a título de royalties de petróleo e gás natural para o financiamento de programas
e projetos previstos nesta lei.
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SEÇÃO VII
DO BEM-ESTAR SOCIAL
Art. 65. São diretrizes para a política de bem-estar social:
I – proteger a família, a maternidade, a infância e os idosos por meio de um
conjunto integrado de ações, de iniciativa pública e privada, para assegurar o pleno
atendimento às suas necessidades básicas;
II – amparar prioritariamente as crianças e adolescentes em situação de risco
pessoal e social;
III – promover a integração de todos no mercado de trabalho e ao meio social;
IV – promover a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de
necessidades especiais, bem como sua integração à vida comunitária;
V – promover a assistência social de forma integrada às políticas setoriais,
garantindo a proteção social e a inclusão da população no circuito dos direitos
econômicos e sociais fundamentais;
VI – promover a descentralização na formulação, implementação,
monitoramento e controle das ações sociais;
VII – fortalecer o Conselho Municipal de Assistência Social e o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente como instância participativa e de
controle da sociedade civil;
VIII – subordinar as ações da Administração àquelas aprovadas pelos
Conselhos;
IX – priorizar a proteção e promoção da família e dos segmentos em situação
de risco social e pessoal como eixo programático das ações públicas municipais;
X – promover a implantação de programas de convívio sócio-educativo
destinados a crianças, adolescentes e jovens para incentivo ao exercício pleno da
cidadania, à ampliação do universo cultural e ao fortalecimento dos vínculos familiares e
sociais;
XI – promover as condições adequadas para o desenvolvimento das
potencialidades dos portadores de necessidades especiais – PNE – favorecendo sua
inserção na vida econômica e social;
XII – promover a realização de obras e ações destinadas a garantir a
acessibilidade das pessoas portadoras de necessidades especiais com mobilidade
reduzida, a todas as edificações comerciais e públicas do município, em atendimento à
Lei Nacional n
o
10.098/2000 e em conformidade com a NBR 9050-94, e ao transporte
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coletivo, com um sistema especial de atendimento a ser desenvolvido;
XIII – promover as condições adequadas para o pleno exercício da cidadania e
da melhoria da qualidade de vida dos munícipes idosos;
XIV – promover e apoiar a reinserção social das pessoas em situação de rua
por meio da rede de serviços e ações sociais integradas.
TÍTULO III
DO ORDENAMENTO E DO CONTROLE URBANÍSTICO E AMBIENTAL
CAPÍTULO I
DA POLÍCIA URBANÍSTICA E AMBIENTAL
Art. 66. Compete à Administração Pública Municipal o exercício do poder de polícia
urbanística e ambiental em todo o território do Município por meio de ações e atos
administrativos para evitar ou coibir atividades, potencial ou efetivamente, danosas ou
lesivas à ordem urbanística ou ao meio ambiente com base em normas legais de
parcelamento, uso e ocupação do solo, inclusive sobre condomínios, de obras e
edificações e/ou de proteção ao meio ambiente.
Parágrafo único. As penalidades aos infratores ou responsáveis serão aplicadas de
acordo com as disposições da legislação federal, estadual e municipal aplicável.
Art. 67. Nenhuma construção, edificação, uso ou atividade poderá se realizar no
Município sem prévia autorização ou licença dos órgãos locais competentes objetivando a
verificação e o controle do cumprimento da legislação urbanística e ambiental pertinente.
Parágrafo único. Enquanto não for aprovada a nova legislação de parcelamento,
uso e ocupação do solo, o Poder Executivo decidirá e solucionará as questões concretas
que se apresentem com base nesta lei, nos princípios e normas constitucionais e legais
aplicáveis em cada caso.
Art. 68. A licença urbanística será deferida a quem tenha preenchido todos os
requisitos e normas legais e regulamentares exigidos para sua concessão, sejam
federais, estaduais ou municipais.
Parágrafo único. São requisitos mínimos para a expedição de licença urbanística:
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I – a compatibilidade do uso da propriedade com a preservação e promoção da
boa qualidade do meio ambiente natural e construído;
II – a adequação do uso da propriedade com a infra-estrutura existente, os
equipamentos urbanos e comunitários e os serviços públicos disponíveis;
III – a compatibilidade do uso da propriedade com a segurança, bem-estar e a
saúde de usuários e vizinhos.
CAPÍTULO II
DA ORDENAÇÃO DO PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
SEÇÃO I
DO ZONEAMENTO AMBIENTAL
Art. 69. O zoneamento ambiental e costeiro visa à definição de áreas territoriais de
interesse para a proteção do patrimônio ambiental, cultural, histórico, artístico,
paisagístico, arqueológico e arquitetônico do Município e será efetuado mediante lei
municipal com o objetivo de estabelecer restrições especiais ao uso, gozo, disposição e
fruição da propriedade para cumprimento de sua função social.
§ 1º O zoneamento costeiro deverá observar as orientações gerais do Decreto 5.300
de 07 de dezembro de 2004 que regulamenta a Lei 7.661 de 16 de maio de 1988 que
institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC.
§ 2º O poder executivo promoverá audiências públicas por ocasião da elaboração do
projeto de lei que instituirá o zoneamento ambiental e costeiro do Município.
Art. 70. O zoneamento ambiental abrangerá os seguintes tipos de espaços
territoriais:
I – Áreas de Preservação Permanente;
II – Áreas de Proteção ao Patrimônio Natural, Histórico, Cultural, e
Arqueológico;
III – Corredores Ecológicos;
IV – Unidades de Conservação e Zonas de Entorno;
V – Zona Costeira.
Art. 71. As Áreas de Preservação Permanente são as áreas de florestas e demais
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formas de vegetação nos termos da legislação federal pertinente, especialmente dos
artigos 2º e 3º da Lei nº 4.771, de 1965, (Código Florestal), e da legislação municipal
destinadas à preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica,
da biodiversidade, do fluxo gênico da fauna e da flora, da proteção do solo e do bem-estar
das populações humanas.
§ 1º Constitui Área de Preservação Permanente no Município de Rio das Ostras
aquela situada:
I – em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção
horizontal, com largura mínima de:
a) trinta metros, para o curso d’água com menos de dez metros de largura;
b) cinqüenta metros, para o curso d’água com dez a cinqüenta metros de
largura;
II – ao redor de nascente ou olho d’água, ainda que intermitente, com raio
mínimo de cinqüenta metros de tal forma que proteja, em cada caso, a bacia hidrográfica
contribuinte;
III – ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mínima de:
a) trinta metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas;
b) cem metros, para as que estejam em áreas rurais.
IV – em vereda e em faixa marginal, em projeção horizontal, com largura
mínima de cinqüenta metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado;
V – no topo de morros e montanhas, am áreas delimitadas a partir da curva de
nível correspondente a dois terços da altura mínima da elevação em relação à base;
VI – nas linhas de cumeada, em área delimitada a partir da curva de nível
correspondente a dois terços da altura, em relação à base, do pico mais baixo da
cumeada, fixando-se a curva de nível para cada segmento da linha de cumeada
equivalente a mil metros;
VII – em encosta ou parte desta, com declividade superior a cem por cento ou
quarenta e cinco graus na linha de maior declive;
VIII – nas restingas:
a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar
máxima;
b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com
função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.
IX – em manguezal, em toda a sua extensão;
X – em duna;
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XI – nos locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias;
XII – nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas
de extinção que constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou
Municipal;
XIII – nas praias, em locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre.
§ 2º Na ocorrência de dois ou mais morros ou montanhas cujos cumes estejam
separados entre si por distâncias inferiores a quinhentos metros, a Área de Preservação
Permanente abrangerá o conjunto de morros ou montanhas, delimitada a partir da curva
de nível correspondente a dois terços da altura em relação à base do morro ou montanha
de menor altura do conjunto, aplicando-se o que segue:
I – agrupam-se os morros ou montanhas cuja proximidade seja de até
quinhentos metros entre seus topos;
II – identifica-se o menor morro ou montanha;
III – traça-se uma linha na curva de nível correspondente a dois terços deste; e
VI – considera-se de preservação permanente toda a área acima deste nível.
§ 3º Constituem também Áreas de Preservação Permanente as de recarga dos
aqüíferos subterrâneos e as das matas ciliares.
§ 4º As ações ou omissões contrárias à preservação das florestas e demais formas de
vegetação natural são consideradas uso nocivo da propriedade.
§ 5º Na área urbana, o Poder Executivo adotará as medidas jurídicas, urbanísticas e
ambientais adequadas para as áreas de preservação permanente que se encontrem
ocupadas ou comprometidas com a ocupação humana, em razão de parcelamentos
aprovados pelo Poder Público, em data anterior a publicação desta lei, e registrados no
registro imobiliário, obedecendo ao disposto no parágrafo único do artigo 103 desta Lei.
§ 6º As áreas de preservação permanente nas áreas já parceladas do Município, e
identificadas conforme o parágrafo anterior, serão progressivamente delimitadas como
Áreas de Especial Interesse para o Meio Ambiente de acordo com os artigos 104, § 3º e
107, IV, parágrafo único desta lei.
Art. 72. As florestas e demais formas de vegetação natural de preservação
permanente situadas no território municipal são bens de interesse comum a todos os seus
habitantes, sujeitando o exercício do direito de propriedade às limitações e normas desta
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lei do Plano Diretor e de outras desta decorrente.
§ 1º Na Área Urbana e de Expansão Urbana do Município, em áreas urbanizáveis ou
de urbanização específica, poderá ser autorizada excepcionalmente à supressão de
vegetação em área de preservação permanente mediante prévia licença do órgão
ambiental local, devidamente fundamentada em parecer técnico-científico, que,
obrigatoriamente, indicará as medidas mitigadoras e compensatórias adequadas que
deverão ser adotadas, desde que seja para obras ou atividades de interesse público,
ouvidos o demais órgãos competentes, quando for o caso.
§ 2º É vedada a supressão, ainda que parcial, da vegetação de mangue indicada no
mapa constante do Anexo III desta lei de modo a proteger o ecossistema natural, a
drenagem das águas e a permeabilidade do solo, para evitar e prevenir inundações.
Art. 73. As Áreas de Proteção ao Patrimônio Natural, Histórico, Cultural e
Arqueológico serão tombadas pelo Poder Executivo Municipal para a preservação do
patrimônio natural, paisagístico, histórico e cultural.
§ 1º O Sítio Arqueológico Sambaqui da Tarioba, tombado pelo Decreto 078/99, cuja
área foi desapropriada através do Decreto 046/2003 é patrimônio cultural brasileiro, Área
de Proteção do Patrimônio Natural, Histórico, Cultural e Arqueológico, cabendo ao poder
público, com a colaboração da comunidade, a sua proteção.
§ 2º Fica tombado, para preservação, o imóvel que abriga a Casa de Cultura,
patrimônio do Município, desapropriado através do Decreto 06/97, cujas restrições
necessárias à sua proteção, serão estabelecidas por Decreto do Executivo, não podendo
ser a edificação demolida, sem prévia autorização especial da Fundação Rio das Ostras
de Cultura, nem ser reparada, pintada ou restaurada na ausência da referida autorização.
§ 3º O Parque Municipal, sítio de valor paisagístico e ambiental será tombado pelo
Poder Executivo, ou declarado como Unidade de Conservação Municipal para
preservação de seu patrimônio, estabelecendo-se por ato próprio as restrições
necessárias à sua proteção.
§ 4º Os danos ou ameaças às Áreas de Proteção ao Patrimônio Natural, Histórico,
Cultural e Arqueológico serão punidos na forma da lei.
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Art. 74. Os corredores ecológicos são faixas de cobertura vegetal entre
remanescentes de vegetação primária em estágio médio e avançado de regeneração,
capazes de servir de “habitat” ou área de trânsito para a fauna residente nas áreas
remanescentes.
§ 1º A recuperação das áreas que se prestem a tal finalidade e sejam necessárias,
será efetuada com espécies nativas regionais, definindo-se previamente se essas áreas
serão de preservação ou de uso sustentável.
§ 2º A localização, largura, implantação e definição dos critérios de uso dos
corredores ecológicos entre as áreas remanescentes ficarão a cargo do órgão ambiental
local.
SUBSECÇÃO I
DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Art. 75. As Unidades de Conservação são espaços territoriais protegidos com seus
recursos naturais e abrangem as águas jurisdicionais brasileiras com características
naturais relevantes, legalmente instituídos pelo poder público, com o objetivo de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
as garantias adequadas de proteção.
Parágrafo único. As Unidades de Conservação do território municipal podem ser de
âmbito federal, estadual ou municipal, obedecendo à classificação adotada na legislação
federal pertinente.
Art. 76. O órgão ambiental local é o responsável pela gestão das Unidades de
Conservação criadas pelo Poder Público Municipal.
§ 1º Compete ao órgão ambiental local à proposição de nova Unidade de
Conservação, a elaboração dos estudos técnicos e científicos justificadores da sua
criação, bem como da realização, quando for o caso, de consulta pública e as demais
providências adequadas.
§ 2º A criação de Unidade de Conservação municipal deve garantir uma alocação
adequada de recursos financeiros necessários para que, uma vez criadas, possam ser
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geridas de forma eficaz e atender aos seus objetivos, buscando-se conferir, quando
possível, e respeitadas as conveniências da administração, autonomia administrativa e
financeira as mesmas.
Art. 77. A consulta pública para a criação de Unidade de Conservação municipal
tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites
adequados correspondentes.
§ 1º A consulta será realizada mediante reuniões públicas ou outras formas de
participação da população local e de outras partes interessadas.
§ 2º O órgão ambiental local indicará, de modo claro e em linguagem acessível, as
implicações para a população local residente no interior e no entorno da Unidade de
Conservação a ser criada.
Art. 78. As Unidades de Conservação e suas zonas de entorno obedecerão aos
objetivos, diretrizes, categorias e restrições de uso conforme estabelecidas na Lei
Nacional nº 9.885, de 2000 e no Plano de Manejo de cada Unidade de Conservação.
Parágrafo único. De acordo com o artigo 69, as restrições especiais ao uso, gozo,
disposição e fruição da propriedade no interior das Unidades de Conservação criadas
pelo Município, serão estabelecidas mediante lei.
SUBSECÇÃO II
DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Art. 79. Considera-se poluição qualquer alteração das propriedades físicas,
químicas ou biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou
energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente:
I – afete a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II – crie condições inadequadas de uso do meio ambiente para quaisquer fins;
III – ocasione danos à flora, à fauna, ao equilíbrio ecológico, aos bens públicos
e privados ou à estética;
IV – não esteja em harmonia com os arredores naturais.
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Parágrafo único. A prevenção e o controle da poluição será realizado através do
licenciamento ambiental.
Art. 80. A localização, a instalação, a ampliação e a operação de empreendimentos
e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente
poluidoras, e dos que possam, de qualquer modo, causar degradação ambiental depende
de prévia licença ambiental do órgão ambiental municipal competente a ser expedida com
base em legislação complementar municipal, observadas as normas federais e estaduais
sobre a matéria.
§ 1º A elaboração do anteprojeto de lei municipal a que se refere este artigo será
realizada por equipe técnica multidisciplinar dos órgãos municipais de meio ambiente,
saúde, urbanismo, planejamento urbano, procuradoria e fazenda.
§ 2º Conforme a natureza do empreendimento ou atividade, serão ouvidos
simultaneamente no procedimento administrativo de licença todos os órgãos municipais
competentes para analisá-lo sob qualquer aspecto, que se manifestarão dentro de prazo
único a ser fixado em regulamento.
§ 3º Quando for o caso e no que couber, a licença urbanística e a licença ambiental
serão dadas por meio de um único instrumento de ato administrativo nos termos que
forem estabelecidos em regulamento.
Art. 81. O órgão ambiental municipal, em articulação com o órgão municipal de
vigilância sanitária e ambiental em saúde, definirá os critérios técnicos de exigibilidade
para o licenciamento ambiental, considerando os riscos ambientais, o porte e outras
características dos empreendimentos e atividades.
SUBSECÇÃO III
DO SISTEMA MUNICIPAL DE INFORMAÇÕES AMBIENTAIS
Art. 82. Compete ao órgão ambiental municipal, em articulação como o órgão
municipal incumbido do sistema municipal de planejamento urbano, a estruturação e a
organização do Sistema Municipal de Informações Ambientais (SIAM), sem prejuízo da
articulação com órgãos federais e estaduais similares.
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Art. 83. O Sistema Municipal de Informações Ambientais visará:
I – a realização e manutenção do inventário e o mapeamento das
características físicas e bióticas municipais;
II – o levantamento dos níveis de qualidade ambiental, poluição e as situações
de risco para a saúde humana, os demais seres vivos e o equilíbrio ambiental;
III – a realização de auditorias nos sistemas de controle da poluição e de
atividades potencialmente poluidoras e nos aspectos a que se referem os demais incisos
deste artigo;
IV – a disponibilização de dados e informações à população e aos órgãos afins
sobre as características ambientais locais e o monitoramento ambiental;
V – o cadastramento de atividades poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos
ambientais.
SEÇÃO II
DO MACROZONEAMENTO
Art. 84. Para efeito de aplicação desta lei, fica o território municipal dividido em
quatro macrozonas a seguir especificadas, e delimitadas no Anexo II desta lei:
I – Área Urbana;
II – Área de Expansão Urbana;
III – Área Rural;
IV – Área Protegida, abrangendo: as Áreas de Preservação Permanente e
outras áreas protegidas por lei federal ou estadual, as Unidades de Conservação criadas
ou não pelo município, os Corredores Ecológicos, a Zona Costeira e Áreas de Proteção
ao Patrimônio Natural, Histórico, Paisagístico, Arquitetônico, Cultural e Arqueológico.
Parágrafo único. As Macrozonas não se sobrepõem entre si e abrangem a
totalidade do território municipal.
SUBSEÇÃO I
DA ÁREA URBANA
Art. 85. Considera-se Área Urbana, aquela delimitada pelo perímetro do Anexo II, e
respectivos Anexos II-A, II-B, II-C e II-D desta lei caracterizada pela utilização urbana,
ocupada ou comprometida com a ocupação humana,
de maneira formal ou informal, ou
apenas parceladas, mesmo que sub-ocupadas ou sem ocupação efetiva.
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§ 1º Consideram-se ainda como Área Urbana, áreas urbanizáveis, de urbanização
específica, ou de expansão urbana, constantes de parcelamentos aprovados pelos órgãos
municipais competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que
localizados fora do perímetro da Área Urbana delimitada por esta lei.
§ 2º Os limites da Área Urbana serão periodicamente atualizados por decreto do
poder executivo, estendendo-se aos imóveis que em face de sua destinação ou área
sejam considerados urbanos para efeito de tributação, mesmo que localizados fora do
perímetro urbano delimitado por esta lei.
§ 3º Os imóveis lindeiros aos logradouros da malha viária urbana do Município, que
não estejam cumprindo a função social da propriedade rural ou ambiental, uma vez
identificados serão inseridos no perímetro urbano, mediante sua inscrição no cadastro
imobiliário do Município, para fins de tributação, devendo ser acrescentados às áreas
passíveis de aplicação dos instrumentos previstos na Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto
da Cidade, Anexo IV desta lei, inclusive o parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, mediante atualização do perímetro urbano por decreto do executivo.
SUBSEÇÃO II
DA ÁREA DE EXPANSÃO URBANA
Art. 86. Considera-se Área de Expansão Urbana aquela delimitada no Anexo II
desta lei dotada ou não de alguns dos equipamentos de infra-estrutura urbana básica de
transição entre a Área Urbana e a Área Rural.
§ 1º A Área de Expansão Urbana é dotada de Zona de Amortecimento numa faixa
contínua a esta, numa profundidade de 200 metros em toda a sua extensão, destinada à
formação de sítios de recreio de lote mínimo de 10.000m2 (dez mil metros quadrados).
§ 2º As Áreas de Expansão Urbana dos Núcleos Urbanos 01 (localidade de Rocha
Leão) e 03 (localidade de Cantagalo) serão definidas mediante estudos e levantamentos
específicos realizados pelos órgãos competentes, tomando-se em consideração as
dimensões e características próprias destes núcleos, a situação de descontinuidade em
relação às outras manchas urbanas, suas atividades culturais, sociais e econômicas e
afinidade com as atividades desenvolvidas na Área Rural.
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SUBSEÇÃO III
DAS ÁREAS PROTEGIDAS
Art. 87. As Áreas Protegidas são porções do território municipal delimitadas no
Anexo III desta lei que integram a respectiva Macrozona, e apresentam diferentes formas
e graus de proteção e preservação ambiental, abrangendo os seguintes tipos:
I – Áreas de Preservação Permanente, conforme definidas pelo Código
Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771/65), bem como aquelas estabelecidas no art. 268 da
Constituição Estadual, existentes em áreas não parceladas;
II – Áreas destinadas à proteção do patrimônio natural, histórico, cultural,
paisagístico, arquitetônico e arqueológico identificadas ou que venham a ser identificadas,
especialmente o imóvel, e respectiva edificação que abriga a Casa de Cultura, o Sítio
Arqueológico Sambaqui da Tarioba, e o Parque Municipal;
III – Áreas abrangidas por Unidades de Conservação criadas ou não pelo
Município ou que venham a ser criadas, em especial a Reserva Biológica da União
(Unidade de Conservação Federal), a APA – Área de Proteção Ambiental do Rio São
João (Unidade de Conservação Federal) e as Unidades de Conservação Municipal: APA
– Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Iriry; Área de Relevante Interesse Ecológico –
ARIE de Itapebussus; Parque Natural Municipal dos Pássaros; Monumento Natural dos
Costões Rochosos;
IV – Áreas de Corredores Ecológicos.
Art. 88. Lei municipal disciplinará a transferência gradativa do direito de construir,
originário de imóveis localizados na Macrozona de Áreas Protegidas que forem
destinados à manutenção do equilíbrio ecológico, para outros imóveis localizados em
áreas indicadas na mesma lei, estabelecendo as condições para esta transferência, nos
termos do artigo 35 da Lei Nacional 10.257/01 – Estatuto da Cidade.
SUBSEÇÃO IV
DA ÁREA RURAL
Art. 89. Considera-se Área Rural aquela delimitada no Anexo II desta lei situada
entre os limites com os Municípios de Macaé e Casimiro de Abreu e a Área de Expansão
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Urbana e destinada à agropecuária e ao turismo ecológico.
Parágrafo único. Os imóveis localizados na Área Rural não serão enquadrados
como urbanos enquanto forem utilizados para os fins de produção agropecuária ou de
turismo rural, desde que comprovado pelos órgãos competentes.
SEÇÃO III
DA ORDENAÇÃO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO
Art. 90. A ordenação do parcelamento, do uso e da ocupação do solo obedecerá às
normas desta lei e tem como objetivo promover o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes com base no princípio da
função social da propriedade, no primado do uso social dos espaços da cidade, na
realização e na indisponibilidade do interesse público.
Art. 91. A Área Urbana e de Expansão Urbana serão divididas em Zonas e Áreas de
Especial Interesse, conforme previsto no artigo 104 e seguintes desta lei, definindo-se,
entre outras regras e parâmetros urbanísticos, os usos compatíveis, as atividades
econômicas licenciáveis, a altura, a volumetria e os coeficientes de aproveitamento básico
e máximo dos lotes para fins de edificação.
§ 1º As Zonas poderão se subdividir em Subzonas quando as peculiaridades
próprias das mesmas assim exigirem.
§ 2º A Área Rural também será dividida por zonas atendendo à disciplina do artigo
62, dentre outras previstas nesta lei.
Art. 92. As regras e parâmetros a que se refere o artigo anterior deverão observar o
seguinte:
I – a rede estrutural viária conforme indicada no mapa do Anexo I;
II – a delimitação das Macrozonas conforme estabelecida no Anexo II;
III – as Áreas Protegidas conforme indicadas no Anexo III;
IV – as áreas delimitadas no Anexo IV destinadas à aplicação dos instrumentos
do Estatuto da Cidade;
V – a delimitação dos bairros efetuada no Anexo V;
VI – a área de interesse para o meio ambiente (Anexo VI) e as de interesse
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social (Anexo VII);
VII – as diretrizes para o uso e a ocupação do solo, previstas nos Planos de
Manejo das Unidades de Conservação criadas pelo Município.
Parágrafo único. Os mapas dos Anexos I a VII deste Plano Diretor fazem parte
integrante desta lei e da legislação municipal para todos os fins e efeitos de direito.
SEÇÃO IV
DO ABAIRRAMENTO
Art. 93. Fica instituído o abairramento conforme indicado no Anexo V – Mapa de
Bairros, deste Plano Diretor cujas divisões em unidades de referência nortearão o
processo de planejamento e gestão da cidade.
Parágrafo único. Consideram-se como bairros os atuais Núcleos Urbanos, 01, 02,
03 e 04, conforme o parágrafo primeiro do artigo seguinte.
Art. 94. As delimitações dos bairros conforme mapa do Anexo V são as seguintes:
I – A: compreendido entre o Valão dos Medeiros, a Estrada de Palmital e a
Rodovia Serramar;
II – B: compreendido entre o Valão dos Medeiros, a Rua Fernando de Noronha,
Rodovia Amaral Peixoto, entre a Rua Fernando de Noronha e a Avenida Praia da
Tartaruga, Avenida Praia da Tartaruga, Orla das Praias Tartaruga e Abricó seguindo até o
limite com o município de Casimiro de Abreu, atravessando a Rodovia Amaral Peixoto e
percorrendo a Estrada do Palmital até o Valão de Medeiros, fechando o polígono;
III – C: cujos limites são a Estrada Serramar, o limite do Loteamento Recanto, o
Limite do Loteamento Extensão do Bosque, pelas ruas cinturão Verde, Amapá, Rio de
Janeiro, Rua Rio Grande do Norte e a Rua Fernando de Noronha, entre a Rua Rio
Grande do Norte e o Valão dos Medeiros, Valão dos Medeiros e finalmente fechando o
polígono na Estrada Serramar;
III – D: o limite do centro tem início na Rua Rio Grande do Norte, segue pela
Rua Alagoas, Rua Uruguai, entre a Rua Alagoas e a Rua Cantagalo, Rua Cantagalo, Rua
C, Avenida Amazonas, entre a Rua C e a avenida Novo Rio das Ostras, Avenida Novo
Rio das Ostras, Rua Inajara, Rua das Laranjeiras, entre a Rua Inajara e a Rua Grajaú,
Rua Grajaú, entre a Rua das Laranjeiras e a Rua Tijuca, Rua Tijuca, entre a Rua Grajaú e
a Rodovia Amaral Peixoto, Rodovia Amaral Peixoto, entre a Rua Tijuca e a Rua Sebastião
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Ribeiro de Souza, Rua Sebastião Ribeiro de Souza, margem direita do Rio das Ostras até
a sua Foz, Orla das Praias do Cemitério, Praia do Centro fechando o polígono na Avenida
Praia da Tartaruga;
IV – E: Rua Cantagalo, Rua C, Avenida Amazonas, entre a Rua C e a avenida
Novo Rio das Ostras, Avenida Novo Rio das Ostras, Rua Inajara, Rua das Laranjeiras,
entre a Rua Inajara e a Rua Grajaú, Rua Grajaú, entre a Rua das Laranjeiras e a Rua
Tijuca, Rua Tijuca, entre a Rua Grajaú e a Rodovia Amaral Peixoto, Rodovia Amaral
Peixoto, entre a Rua Tijuca e a Rua Sebastião Ribeiro de Souza, Rua Sebastião Ribeiro
de Souza, margem direita do Rio das Ostras, até o ponto de coordenadas UTM
N=7508455.853 E=197106.157, na margem direita do Rio das Ostras, deste
segue até o ponto de coordenadas UTM – N=7508605.722, E=196758.804, deste segue
pela Estrada Municipal até o ponto de coordenadas UTM – N=7508506.837,
E=195718.599, deste segue até o ponto de coordenadas UTM – N=7507991.379,
E=195942.613, deste segue até o ponto de coordenadas UTM – N=7507866.671,
E=195755.483, deste segue até o ponto de coordenadas UTM – N=7507334.756,
E=196235.304, deste segue até o ponto de coordenadas UTM – N=7506774.233,
E=195633.224, deste segue até o ponto de coordenadas UTM – N=7507078.099,
E=196188.341, deste segue pelo Limite da Fazenda Cantagalo, até a Rua Alagoas, Rua
Uruguai até voltar á Rua Cantagalo, fechando o perímetro no ponto inicial.
V – F: o bairro possui como limites o Rio das Ostras, entre a sua Foz e a
Rodovia Amaral Peixoto, em sua margem esquerda, a Rodovia Amaral Peixoto, entre o
Rio das Ostras e a Avenida Amazonas, Avenida Amazonas, Rua F, Rua Jair Nóbrega, a
Orla das Praias das Pedrinhas, Costazul, Areias Negras, Virgem e Joana, fechando o
perímetro no ponto inicial.
VI – G: o bairro possui como limites o Rio das Ostras em sua margem
esquerda, entre o Limite do Condomínio Porto Seguro com a Fazenda Atlântica a Rodovia
Amaral Peixoto, a Rodovia Amaral Peixoto, entre o Rio das Ostras e a Estrada da
Califórnia, Limites da Fazenda Atlântica com o Loteamento Atlântico, Chácaras do Mariléa
e Condomínio Porto Seguro, fechando o perímetro no ponto inicial.
VII – H: o bairro possui como limites a Rodovia Amaral Peixoto, entre o Limite
da Fazenda Itapebussus e a Avenida Amazonas, Avenida Amazonas, Rua F, Rua Jair
Nóbrega, a Orla das Praias das Pedrinhas, até o Limite da Fazenda Itapebussus,
fechando o perímetro no ponto inicial.
VIII – I: seus limites são a Rodovia Amaral Peixoto, entre o Limite da Fazenda
Itapebussus e a Estrada da Califórnia, Estrada da Califórnia, Limites da fazenda
Promissão com o Loteamento Residencial Praia Âncora.
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§ 1º As delimitações dos bairros que constituem os Núcleos Urbanos existentes
são as seguintes:
I – 01 (localidade de Rocha Leão): Inicia-se a descrição deste perímetro no
marco 0=PP, de coordenadas UTM – N=7516435.020, E=190606.386; Deste segue com
o azimute de 269°44'09" e a distância de 234.46 m até o marco 1; Deste segue com o
azimute de 3°25'57" e a distância de 248.42 m até o marco 2; Deste segue com o azimute
de 275°57'13" e a distância de 157.43 m até o marco 3; Deste segue com o azimute de
304°29'15" e a distância de 171.93 m até o marco 4; Deste segue com o azimute de
257°27'14" e a distância de 93.54 m até o marco 5; Deste segue com o azimute de
218°44'47" e a distância de 122.42 m até o marco 6; Deste segue com o azimute de
186°30'56" e a distância de 124.90 m até o marco 7; Deste segue com o azimute de
254°09'31" e a distância de 83.66 m até o marco 8; Deste segue com o azimute de
309°39'16" e a distância de 49.67 m até o marco 9; Deste segue com o azimute de
21°42'55" e a distância de 70.01 m até o marco 10; Deste segue com o azimute de
347°30'28" e a distância de 120.92 m até o marco 11; Deste segue com o azimute de
315°08'01" e a distância de 100.96 m até o marco 12; Deste segue com o azimute de
269°04'40" e a distância de 91.62 m até o marco 13; Deste segue com o azimute de
357°55'52" e a distância de 134.65 m até o marco 14; Deste segue com o azimute de
42°54'33" e a distância de 182.88 m até o marco 15; Deste segue com o azimute de
84°59'44" e a distância de 113.47 m até o marco 16; Deste segue com o azimute de
63°19'41" e a distância de 86.76 m até o marco 17; Deste segue com o azimute de
28°09'13" e a distância de 249.53 m até o marco 18; Deste segue com o azimute de
62°31'58" e a distância de 174.71 m até o marco 19; Deste segue com o azimute de
101°56'31" e a distância de 96.75 m até o marco 20; Deste segue com o azimute de
65°53'50" e a distância de 123.12 m até o marco 21; Deste segue com o azimute de
100°36'09" e a distância de 134.76 m até o marco 22; Deste segue com o azimute de
46°00'22" e a distância de 450.65 m até o marco 23; Deste segue com o azimute de
132°12'19" e a distância de 118.15 m até o marco 24; Deste segue com o azimute de
215°35'04" e a distância de 398.61 m até o marco 25; Deste segue com o azimute de
138°41'19" e a distância de 212.10 m até o marco 26; Deste segue com o azimute de
83°53'16" e a distância de 178.59 m até o marco 27; Deste segue com o azimute de
121°44'08" e a distância de 169.64 m até o marco 28; Deste segue com o azimute de
204°00'06" e a distância de 166.26 m até o marco 29; Deste segue com o azimute de
176°12'46" e a distância de 107.83 m até o marco 30; Deste segue com o azimute de
214°05'36" e a distância de 32.87 m até o marco 31; Deste segue com o azimute de
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284°42'25" e a distância de 69.96 m até o marco 32; Deste segue com o azimute de
311°27'01" e a distância de 83.89 m até o marco 33; Deste segue com o azimute de
242°42'18" e a distância de 400.04 m até o marco 34; Deste segue com o azimute de
183°25'55" e a distância de 289.75 m; ponto inicial da descrição do perímetro.
II – 02 (localidade onde se inserem os Loteamentos Mar do Norte, Balneário
das Garças e respectivos entornos): o núcleo urbano possui como limites à orla da Praia
das Pedrinhas em Mar do Norte, segue pelo limite entre o loteamento Balneário Mar do
Norte e a Fazenda Margarita, até a Rodovia Amaral Peixoto, deste segue pelo limite entre
a Fazenda Bela Vista, Assentamento Cantagalo – INCRA, Fazenda Vale do Sol e a
Rodovia Amaral Peixoto, segue pelo limite entre a Fazenda das Graças e o Loteamento
Balneário das Garças até a orla da Praia das Pedrinhas.
III – 03 (localidade de Cantagalo): o núcleo urbano inicia-se com a descrição
deste perímetro no marco 0=PP , de coordenadas UTM = E=197.541,09 e
n=7.517.712,89; Deste segue com o azimute de 111°48'50" e a distância de 200,00 m até
o marco 1; Deste segue com o azimute de 183°40'43" e a distância de 224,76 m até o
marco 2; Deste segue com o azimute de 145°21'17" e a distância de 105,01 m até o
marco 3; Deste segue com o azimute de 106°10'10" e a distância de 215,91 m até o
marco 4; Deste segue com o azimute de 201°31'34" e a distância de 200,00 m até o
marco 5; Deste segue com o azimute de 275°06'26" e a distância de 414,60 m até o
marco 6; Deste segue com o azimute de 257°17'30" e a distância de 384,15 m até o
marco 7; Deste segue com o azimute de 337°08'04" e a distância de 200,00 m até o
marco 8; Deste segue com o azimute de 61°07'47" e a distância de 382,58 m até o marco
9; Deste segue com o azimute de 28°06'11" e a distância de 351,18 m até o marco 00;
ponto inicial da descrição do perímetro.
IV – 04 (localidade da Zona Especial de Negócios): área de urbanização
específica determinada pela Lei Municipal 0691/2002 nos limites da gleba desapropriada
através do Decreto 037/2001.
§ 2º Os nomes dos Bairros e Núcleos Urbanos instituídos por esta lei serão
estabelecidos mediante lei especial.
CAPÍTULO III
DA REVISÃO DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA
Art. 95. O Poder Público adotará, dentre outras, as normas e conteúdos
estabelecidos nas diferentes Seções deste Capítulo III na revisão da legislação
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urbanística, com vistas a sua atualização, simplificação e adequação às normas desta lei.
Parágrafo único. A legislação urbanística municipal deverá contemplar todos os
elementos necessários para a efetiva aplicação dos instrumentos previstos na Lei nº
10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade.
Art. 96. O Código Tributário Municipal será revisto para sua adequação às diretrizes
deste Plano Diretor, bem como às condições urbanísticas e ambientais atuais.
§ 1º A legislação tributária municipal disciplinará a base de cálculo e as alíquotas do
Imposto Predial e Territorial Urbano para lotes resultantes do parcelamento do solo para
fins urbanos de propriedade do loteador, ou cadastrados em seu nome, podendo em
relação aos mesmos haver redução de alíquota na forma e condições que a lei dispuser.
§ 2º Enquanto não for publicada a legislação de que trata o parágrafo anterior e para
efeito de aplicação das alíquotas previstas na Lei Municipal nº 508/2002, o loteador
deverá requerer o benefício das alíquotas determinadas nos incisos IV e V do art. 56 da
referida lei até o dia 15 do mês de dezembro do ano anterior ao do lançamento,
comprovando no respectivo procedimento administrativo que:
I – o loteamento encontra-se devidamente registrado no Cartório de Registro
de Imóveis competente;
II – a propriedade loteada foi objeto de declaração perante a Receita Federal
no ano do requerimento;
III – não houve transferência dos lotes a qualquer título;
IV – o endereço atual para correspondência.
§ 3º Não havendo a comprovação dos requisitos do parágrafo anterior, as alíquotas
aplicáveis ficam fixadas, respectivamente em 3% (três por cento) e 1,5% (um e meio por
cento) para as hipóteses previstas nos inciso IV e V do art. 56 da Lei Municipal nº
508/2002, vigorando a partir da data de publicação desta lei.
Art. 97. A revisão da legislação urbanística dará tratamento específico para áreas e
prédios públicos, disciplinando o uso e a ocupação do solo em decorrência da
implantação de equipamentos de infra-estrutura no solo, subsolo e espaço aéreo das vias
públicas, incluindo a utilização de espaços para a comunicação institucional, informativa,
educativa ou indicativa.
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SEÇÃO I
DO PARCELAMENTO DO SOLO PARA FINS URBANOS
Art. 98. A implantação de qualquer parcelamento do solo para fins urbanos depende
de prévio licenciamento urbanístico e ambiental municipal a ser concedido num único
alvará pelo poder executivo municipal, ouvidos os órgãos municipais urbanísticos e
ambientais competentes, conforme estabelecido em lei.
Parágrafo único. A aprovação de projeto de parcelamento de gleba pelos órgãos
locais, com dimensão superior a 50 (cinqüenta) hectares dependerá de prévia audiência
do órgão ou entidade estadual competente em matéria ambiental, e em se tratando de
gleba com dimensão inferior, mas confrontante com Unidades de Conservação,
dependerá da audiência do órgão ambiental local, e em qualquer destas hipóteses, da
realização prévia de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto
Ambiental (EIA-RIMA).
Art. 99. A legislação urbanística estabelecerá, dentre outros, os parâmetros
correspondentes aos seguintes aspectos:
I – dimensões de lote;
II – dimensões e outras características urbanísticas e ambientais dos
logradouros públicos, sua abertura, reconhecimento e arborização;
III – a proporcionalidade da reserva de áreas destinadas a sistemas de
circulação, a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, bem como a espaços
livres de uso público, em relação à densidade de ocupação prevista para a zona em que
se situem;
IV – os tipos e áreas não edificáveis;
V – as normas de implantação das redes de serviços públicos no solo, no
subsolo e no espaço aéreo;
VI – as disposições próprias em relação à declividade do terreno, às áreas de
várzeas para evitar as inundações e às áreas de meia encosta e topos de morros para
evitar os deslizamentos e a erosão do solo em face da topografia da gleba;
VII – as normas a serem observadas para a drenagem adequada das águas
pluviais, especialmente em área inundável, não edificante ou necessária para a
recuperação ambiental do entorno;
VIII – a taxa de permeabilidade e demais condições relativas à infiltração das
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águas no solo, à erosão do solo, ao nível do lençol freático e a outros aspectos
geotécnicos;
IX – a existência de vegetação arbórea significativa na gleba a ser parcelada;
X – as normas especiais relativas às áreas de ocorrências físicas,
paisagísticas, naturais ou construídas, ou de padrões e porções do solo que mereçam
preservação por suas características, excepcionalidade ou qualidades ambientais, sejam
tomados como elementos isolados ou em conjunto;
§ 1º A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do
Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do
solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os
coeficientes máximos de aproveitamento.
§ 2º Para a aprovação e implantação de parcelamento do solo o poder executivo
exigirá a execução dos projetos e das respectivas obras de infra-estrutura urbana que
compreendem os equipamentos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública,
redes de esgoto sanitário, ou solução para o esgotamento sanitário com sistema
adequado de tratamento final, de abastecimento de água potável e de energia elétrica
pública e domiciliar, e as vias de circulação pavimentadas com materiais adequados e
devidamente arborizadas, com a demarcação dos lotes, quadras e logradouros,
implantação das áreas verdes e de lazer, de acordo com as especificações definidas
pelos órgãos municipais competentes para o licenciamento.
§ 3º O parcelamento do solo para formação de sítios de recreio, ainda que fora dos
limites da Área Urbana e de Expansão Urbana, observará disciplina desta lei e da
legislação municipal, não podendo em qualquer hipótese, resultar em lotes com área
inferior a 10.000 m2 (dez mil metros quadrados).
Art. 100. É vedado o parcelamento do solo do território municipal:
I – em área de preservação permanente e faixas marginais de proteção de rios,
lagoas ou quaisquer cursos d’água;
II – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas às
providências para assegurar o escoamento das águas;
III – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde
pública, sem que sejam previamente saneados;
IV – em terrenos sujeitos a deslizamentos de terra ou erosão, antes de
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tomadas às providências necessárias para garantir a estabilidade geológica e geotécnica;
V – onde a poluição ambiental comprovadamente impeça condições sanitárias
adequadas, sem que sejam previamente saneados;
VI – onde for técnica e economicamente inviável a implantação de infra-
estrutura urbana, serviços públicos de transporte coletivo ou equipamentos comunitários;
VII – em Unidades de Conservação da Natureza de que trata a Lei 9.985/2000,
que sejam incompatíveis com esse tipo de empreendimento.
§ 1º É vedada também a implantação de parcelamento do solo para fins urbanos ou
de qualquer forma de urbanização ou de edificação que impeça ou dificulte o livre acesso
de qualquer pessoa ao mar, às praias, aos rios, às lagoas ou à fruição de qualquer outro
bem público de uso comum do povo.
§ 2º Nas hipóteses de parcelamentos nas condições do artigo 13 da Lei Nacional
6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano), a aprovação do parcelamento do solo pelo
Município observará as vedações estabelecidas pelo Estado do Rio de Janeiro, através
dos seus órgãos competentes.
§ 3º O órgão licenciador local deve especificar os estudos técnicos, a serem
apresentados pelo loteador ou responsável, necessários à comprovação da observância
dos condicionantes derivados deste artigo.
Art. 101. Não será permitido o parcelamento do solo para fins urbanos na Área
Rural, nem na Área de Expansão Urbana, que não respeite a Reserva Legal instituída
pelo artigo 16 da Lei Nacional 4.471/65 e, onde o poder executivo municipal considerar
excessivo, distante da mancha urbana contínua, ou inadequado em relação à infra-
estrutura.
Parágrafo único. Fica ainda vedado o parcelamento do solo para fins urbanos em
área de mangue, área de preservação permanente inclusive localizada em Área Urbana
ou em Área de Expansão Urbana e em áreas inundáveis para preservar a drenagem
natural das águas, a permeabilidade do solo, prevenir e evitar o risco de inundações
sendo proibida a supressão da vegetação arbórea, ainda que parcialmente.
Art. 102. Serão observados, no mínimo, os seguintes requisitos urbanísticos para
aprovação e implantação de parcelamento do solo:
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I – 6% (seis por cento), no mínimo, da área útil da gleba a ser parcelada será
destinada para a implantação e manutenção de áreas verdes observado também o
seguinte:
a) as áreas verdes devem ser contíguas às dos parcelamentos já aprovados;
b) a conservação e a manutenção de tais áreas é de responsabilidade dos
proprietários;
c) a reserva de tais áreas recairá sobre a vegetação nativa existente na gleba
objeto de parcelamento;
II – na hipótese de não mais existir vegetação nativa na gleba objeto de
parcelamento ou ainda, encontrar-se a mesma aquém do percentual mínimo exigido no
inciso anterior, os respectivos proprietários ficam obrigados a proceder ao seu plantio e
manutenção com o uso de espécies nativas, conforme orientação do órgão ambiental
local;
III – ao percentual mínimo fixado no inciso I deste artigo, serão acrescidos mais
10% (dez por cento) da área útil da gleba, no mínimo, a serem reservados e destinados
para a implantação de equipamentos públicos comunitários de educação, saúde, lazer ou
outros;
IV – em qualquer modalidade de parcelamento do solo, é obrigatória a reserva
de área de domínio público não edificável para a instalação de equipamentos urbanos de
abastecimento de água, esgotos sanitários, energia elétrica, coleta de águas pluviais,
telefonia, cabos de fibra ótica, gás canalizado, ciclovias e outros complementares que se
tornem necessários em faixa compreendida entre as vias e os passeios públicos com
largura mínima igual dois terços da largura do passeio público;
V – as áreas destinadas a sistemas de circulação não serão computadas para
efeito do cálculo das áreas às quais se referem os incisos I e III deste artigo;
§ 1º Considera-se área útil, para efeito de aplicação deste artigo àquela destinada
exclusivamente aos lotes decorrentes do parcelamento, excluídas inclusive, as áreas de
preservação permanente e as faixas marginais de proteção de rios, lagoas ou quaisquer
cursos d’água eventualmente existentes na gleba a ser parcelada.
§ 2º A legislação municipal poderá autorizar ou não o fechamento do parcelamento
regularmente aprovado e executado, desde que recebidas as obras de arruamento e
infra-estrutura urbana do mesmo, ou assinado prazo máximo para a sua execução, de
acordo com os respectivos projetos aprovados, observando-se o seguinte:
I – proposta de desafetação dos bens públicos mediante lei específica;
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II – a autorização para uso especial das vias e logradouros, bem como de
outros espaços e equipamentos coletivos aos moradores e/ou proprietários dos lotes,
mediante permissão de uso a título precário;
III – a tributação exigível sobre as áreas desafetadas, enquanto perdurar a sua
utilização na forma do inciso anterior;
V – as condições estabelecidas na legislação municipal, referentes à coleta e
destinação dos resíduos sólidos do parcelamento fechado, acesso e articulação viária
direta com os logradouros existentes e imóveis lindeiros, bem como a adoção de técnicas
preventivas e de controle para a segurança destes imóveis.
Art. 103. A lei disporá sobre a regularização dos parcelamentos do solo para fins
urbanos que se tenham consolidado ou não até a data de publicação desta lei, sem
prejuízo das diretrizes emanadas do artigo 35, XIV desta lei.
Parágrafo único. O Poder Executivo adotará as medidas jurídicas, urbanísticas e
ambientais adequadas para as áreas de preservação permanente que se encontrem
ocupadas ou comprometidas com a ocupação humana, em razão de parcelamentos
aprovados pelo Poder Público, em data anterior a publicação desta lei, e registrados no
registro imobiliário, bem como cadastrados na municipalidade, instituindo uma Comissão
multidisciplinar, composta pelos seguintes órgãos: PROGEM, PRO-URBE, SEMAP,
SEMUOSP, SEMFAZ, e respectivo corpo técnico, que procederá às providências dos
incisos seguintes:
I – o inventário e mapeamento com identificação de todos os lotes e/ou áreas
urbanos com ocorrência de área de preservação permanente;
II – a realização de estudos técnicos, que determinem a função ambiental das
áreas de preservação permanente em relação ao entorno onde está inserida, bem como
os aspectos técnicos e econômicos da manutenção da vegetação natural destas áreas,
seus reflexos para os imóveis atingidos, inclusive em relação aos outros espaços da
Cidade;
III – a definição dos instrumentos jurídicos, urbanísticos e ambientais que serão
adotados para os diversos casos, determinando-se através de pareceres técnicos acerca
da consolidação urbanística ou não de loteamentos com ocorrência de áreas de
preservação permanente;
IV – o condicionamento do exercício do direito de propriedade e do direito de
construir a limitações que não impeçam de forma definitiva o uso e a ocupação do solo
urbano, se possível;
V – a articulação com os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA visando
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autorizar a supressão desta vegetação na área urbana, conforme o caso;
VI – a definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos e as medidas
compensatórias que serão adotadas, bem como os responsáveis pela execução das
mesmas;
VII – a realização de audiência pública ou outras formas de participação da
comunidade e partes interessadas;
VIII – a articulação com os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA, e
respectivas esferas de governo estadual e federal, objetivando a conjugação de esforços,
materiais e humanos para a conservação destas áreas de preservação permanente;
IX – a suspensão de aprovação de projetos de edificação sobre os lotes de que
trata este parágrafo, pelo prazo máximo de 06 meses, objetivando as providências dos
incisos anteriores, prorrogável, mediante justificativa da Comissão de que trata este
artigo;
X – em todo o perímetro urbano instituído por esta lei, a delimitação
progressiva das áreas de preservação permanente como Áreas de Especial Interesse
para o Meio Ambiente na forma do artigo 71 § 6º.
SEÇÃO II
DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
Art. 104. A Área Urbana, de Expansão Urbana e Rural serão divididas em Zonas de
uso e ocupação do solo sujeitas a diferentes parâmetros urbanístico-ambientais conforme
sua localização, função cultural, social e econômica, o adensamento previsto e a infra-
estrutura existente, e em Áreas de Especial de Interesse para finalidades específicas
sujeitas a regime especial, sem prejuízo do zoneamento ambiental estabelecido nesta lei.
§ 1º Zona é um espaço físico-territorial perfeitamente delimitado por suas
características urbano-ambientais para o qual serão previstos controles de densidade
demográfica, limites de construção e de intensidade de usos e atividades econômicas,
sociais e culturais. As Zonas não serão sobrepostas entre si, e abrangerão a totalidade do
território municipal.
§ 3º As Áreas de Especial Interesse, permanentes ou transitórias, são áreas do
território municipal, perfeitamente delimitadas, sobrepostas a uma ou mais Zonas, que
serão submetidas a regime específico, parâmetros urbanístico-ambientais e formas de
controle do uso e ocupação do solo que prevalecerão sobre os controles e parâmetros
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fixados para a Zona ou Zonas que as contenham.
§ 4º Para a Área Rural fica garantido o zoneamento econômico ecológico e a
manutenção das Zonas previstas no artigo 62 desta lei, admitindo-se a delimitação de
Áreas de Especial Interesse quando justificada por finalidade de especial interesse
público para atendimento aos objetivos deste Plano Diretor, mediante lei específica.
Art. 105. As atividades econômicas e usos serão classificados em categorias de
uso, que as enquadrem isolada ou cumulativamente, segundo os parâmetros de controle
de incômodos urbanísticos e ambientais que possam causar, considerando:
I – impacto urbanístico: sobrecarga na capacidade de suporte da infra-estrutura
instalada ou alteração negativa da paisagem urbana;
II – poluição sonora: geração de impacto sonoro no entorno próximo pelo uso
de máquinas, utensílios ruidosos, aparelhos sonoros ou similares, concentração de
pessoas ou animais em recinto fechado;
III – poluição atmosférica: uso de combustíveis nos processos de produção ou
lançamento de material particulado inerte na atmosfera acima do limite mínimo
admissível;
IV – poluição hídrica: geração de efluentes líquidos incompatíveis com o
lançamento na rede hidrográfica, o sistema coletor de esgotos ou a poluição do lençol
freático;
V – poluição por resíduos sólidos: produção, manipulação ou estocagem de
resíduos sólidos com riscos potenciais prejudiciais ao meio ambiente e à saúde pública;
VI – vibração: uso de máquinas ou equipamentos que produzam choque ou
vibração sensível além dos limites da propriedade;
VII – periculosidade: atividades que apresentem riscos prejudiciais ao meio
ambiente e à saúde humana em função da radiação emitida na comercialização, uso ou
estocagem de materiais perigosos, compreendendo explosivos, gás liquefeito de petróleo
(GLP), infláveis e tóxicos, conforme as normas que disciplinem a matéria;
VIII – geração de tráfego: operação ou atração de veículos automotores
pesados, tais como, caminhões, ônibus, ou a geração de tráfego intenso de veículos em
razão do porte do estabelecimento, da concentração de pessoas e da quantidade de
vagas de estacionamento criadas.
Art. 106. As Zonas de Uso e Ocupação serão do tipo e denominações a seguir
indicadas:
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I – Zona Central: que representa o núcleo urbano e respectivo entorno que deu
origem à Cidade, admitindo-se os usos e atividades descritas nos incisos II, III e IV deste
artigo, compatíveis entre si;
II – Zona Residencial: aquela onde predomina o uso residencial unifamiliar ou
multifamiliar juntamente com atividades e serviços de apoio complementares ao uso
residencial, e com ele compatível;
III – Zona de Indústria e Comércio: aquela onde predominam as atividades
comerciais e de prestação de serviços, classificadas de acordo com sua intensidade,
admitidas à incidência de uso residencial e de atividades econômicas ligadas ao setor
terciário e de indústrias leves;
IV – Zona Turística: aquela destinada à realização de planos, programas e
projetos de desenvolvimento turístico de interesse público, aliados às políticas de
desenvolvimento sustentável;
V – Zona Industrial: aquela onde predomina o uso industrial juntamente com
atividades correlatas do setor secundário e com aquelas destinadas ao seu apoio,
compatíveis entre si, observado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 63 desta Lei,
da qual é parte, o núcleo urbano 04 (localidade da ZEN – Zona Especial de Negócios);
V – Zonas Especiais: caracterizadas pelos núcleos urbanos: 01 (localidade de
Rocha Leão) e 03 (localidade de Cantagalo); conforme previsto no artigo 94, parágrafo
primeiro, incisos I e III desta lei, onde prevalece o uso residencial, admitido-se atividades
e serviços de apoio complementares a este uso e com ele compatíveis, bem como de
atividades ligadas ao turismo ecológico e rural;
VI – Zonas de Expansão Urbana: aquelas compreendidas na Área de
Expansão Urbana ainda não loteadas, cujo parcelamento do solo estará sujeito a normas
específicas que atendam a continuidade da mancha urbana e à implantação de infra-
estrutura urbana para cumprimento das diretrizes gerais do Estatuto da Cidade;
VII – Zonas Rurais: aquelas destinadas às atividades rurais conforme artigo 62
desta lei.
§ 1º A ocupação nas Zonas aqui descritas será controlada por diferentes parâmetros
e índices urbanísticos, dentre outros, pela definição de densidades demográficas, limites
de construção, e intensidade de usos e atividades econômicas, culturais e sociais.
§ 2º A delimitação das Zonas descritas neste artigo, bem como os parâmetros do
parágrafo anterior, serão definidos em regulamento por ocasião da revisão da legislação
urbanística a que se refere o artigo 167, I, b.
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Art. 107. As Áreas de Especial Interesse são as seguintes:
I – Áreas de Especial Interesse Urbanístico: a que será destinada à realização
de projetos urbanísticos específicos de estruturação ou reestruturação, requalificação,
renovação ou revitalização urbana;
II – Área de Especial Interesse Social: a que apresenta terrenos não utilizados
ou subtilizados considerados necessários para a implantação de programas habitacionais,
ou, ainda, aquela ocupada espontaneamente por população de baixa renda, ou que tenha
sido objeto de loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, que será submetida a
programas e projetos especiais de urbanização, reurbanização, regularização urbanística
e fundiária;
III – Área de Especial Interesse Turístico: a que tenha potencial para a
realização de intervenções urbanísticas e de investimentos públicos ou privados para o
desenvolvimento de atividades de apoio ao incremento do turismo;
IV – Área de Especial Interesse para o Meio Ambiente: a que seja necessária à
proteção do meio ambiente, na área urbana ou de expansão urbana, cujos parâmetros
urbanísticos serão determinados em função dos atributos que justifiquem a sua
conservação ou recuperação;
V – Área de Especial Interesse Funcional: a que seja caracterizada por
atividades de prestação de serviços e de interesse público que exijam regime urbanístico
específico.
Parágrafo único. Atendendo à finalidade específica de interesse público a que se
destinam, as Áreas de Especial Interesse serão criadas e delimitadas por decreto do
Poder Executivo para cumprimento dos objetivos desta lei.
Art. 108. Ficam criadas as Áreas de Especial Interesse Social indicadas no Anexo
VII desta lei, cujos parâmetros urbanísticos serão diferenciados e fixados com a
participação da população afetada mediante a elaboração de planos e projetos
urbanísticos e ambientais específicos que contemplem parâmetros para o uso e ocupação
do solo a serem aprovados por meio de decreto e incorporados à legislação municipal.
§ 1º Os planos e projetos para as Áreas de Especial Interesse Social deverão dispor,
no mínimo, sobre o seguinte:
I – requisitos técnicos e jurídicos, bem como os procedimentos administrativos
para a regularização urbanística das edificações executadas e utilizadas em desacordo
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com a legislação vigente;
II – as normas para reformas e/ou modificações de uso posteriormente à
regularização urbanística da área;
III – os instrumentos para a regularização fundiária;
IV – as obras de infra-estrutura urbana e outras que deverão ser executadas na
área;
V – demais planos e programas setoriais;
VI – forma de participação da população moradora de cada Área de Especial
Interesse Social na implementação e gestão dos planos e projetos urbanísticos e
ambientais.
§ 2º As edificações e usos irregulares no interior das Áreas de Especial Interesse
Social poderão ser regularizados, desde que tecnicamente viáveis e garantidas as
condições mínimas de segurança, habitabilidade e salubridade das construções.
Art. 109. Fica criada a Área de Especial Interesse para o Meio Ambiente, indicada
no Anexo VI desta lei do Plano Diretor, de caráter permanente, cujos parâmetros de uso e
ocupação do solo serão regulamentados por decreto do poder executivo no prazo máximo
de 180 dias após a data de publicação desta lei, observando-se:
I – garantia de participação da população e outras partes interessadas,
mediante audiências públicas ou outros meios de consulta popular;
II – definição de índices urbanísticos diferenciados cuja aplicação assegure a
conservação do meio ambiente;
III – instituição de imposto predial e territorial urbano diferenciado com vistas à
conservação ambiental;
IV – a conservação e a recuperação das áreas de recarga dos aqüíferos
subterrâneos e das matas ciliares, conforme o item 04 da Proposta Aprovada na 3ª
Conferência Municipal de Meio Ambiente;
V – a utilização da operação urbana consorciada, da transferência do direito de
construir ou outros instrumentos, se necessário.
Parágrafo único. A regulamentação a que se refere o “caput” deste artigo será
orientada por equipe técnica multidisciplinar da Administração Pública composta por
representantes dos seguintes órgãos: Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Agricultura
e Pesca, Secretaria Extraordinária de Governo – PRO-URBE, Procuradoria Geral do
Município, Secretaria Municipal de Urbanismo, Obras e Serviços Públicos, Secretaria
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Municipal de Planejamento e Secretaria Municipal de Fazenda.
SEÇÃO III
DAS OBRAS E EDIFICAÇÕES
Art. 110. A lei disporá sobre a realização de obras, construções e edificações,
públicas e privadas, inclusive demolição, reformas, modificação e mudança de uso,
contendo, dentre outras, normas sobre:
I – canteiro de obras;
II – conceituação e parâmetros externos e internos para a realização de
construções, obras e edificações;
III – unidades autônomas, compartimentos e áreas comuns das edificações
sujeitas ou não a formas condominiais de propriedade;
IV – grupamento ou conjunto de edificações térreas, assobradadas ou verticais;
V – acessibilidade das obras e edificações ao uso adequado por portadores de
necessidades especiais ou idosos;
VI – aproveitamento e conservação das construções, obras e edificações
tombadas e que devam ser preservadas.
Parágrafo único. A lei a que se refere o “caput” deverá obrigatoriamente conter
glossário.
Art. 111. A revisão das normas legais sobre construções, obras e edificações será
efetuada, dentre outros aspectos, sobre:
I – dimensionamento das áreas de estacionamento de veículos;
II – exigibilidade de apartamento de zelador;
III – exigibilidade de área de recreação infantil e de pavimento de uso comum,
que serão estabelecidos em função do número de unidades das edificações e a
disponibilidade de áreas para lazer na região em que estão situadas;
IV – dimensionamento das áreas de circulação comum das edificações;
V – exigibilidade de elevadores;
VI – dimensionamento dos compartimentos das edificações destinadas ao uso
residencial, comercial e de serviços;
VII – o estabelecimento de parâmetros físicos de moradia social e de habitação
de interesse social.
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§ 1º Os regulamentos administrativos fixarão as quantidades mínimas e máximas de
unidades autônomas de um grupamento ou conjunto de edificações, ficando o Poder
Executivo autorizado a estabelecer normas e diretrizes para a implantação das vias
internas de circulação do grupamento ou conjunto de edificações, dos equipamentos
urbanos e demais de uso coletivo, e ainda, quando for o caso, de localização das áreas a
serem transferidas para o Município, observando-se a proporcionalidade da densidade
populacional projetada para o empreendimento e sua compatibilidade com o entorno.
§ 2º Os responsáveis pelos empreendimentos previstos no parágrafo anterior ficam
obrigados a adotar técnicas preventivas e de controle para a segurança dos imóveis
lindeiros.
SEÇÃO IV
DO LICENCIAMENTO URBANÍSTICO
Art. 112. Dependem de licença urbanística:
I – o parcelamento, mediante loteamento ou o desmembramento, a abertura de
logradouros, o remembramento e o reloteamento;
II – a movimentação de terra;
III – a abertura, regularização, desvio, canalização de valas ou cursos d’água,
perenes ou não;
IV – as obras de canalização e lançamento de águas pluviais;
V – a exploração mineral do solo ou do subsolo;
VI – a execução de toda obra de construção, edificação, reconstrução, total ou
parcial, modificação, acréscimo, reforma e conserto, marquises e muros, contenção do
solo e drenagem;
VII – a demolição;
VIII – as obras de engenharia em geral;
IX – o uso e a modificação de uso das edificações, a pintura e os pequenos
consertos em prédios tombados, preservados ou tutelados;
X – as obras públicas executadas direta ou indiretamente;
XI – o assentamento de máquinas, motores e equipamentos;
XII – as obras, reformas ou modificação de uso em imóveis situados nas Áreas
Protegidas de que trata o art. 70 desta lei.
§ 1º Não dependerão de licença as obras e as atividades não relacionadas neste
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artigo, outras que a lei especificar e não interfiram com a segurança de terceiros, nem se
projetem sobre logradouros públicos e mais as seguintes:
I – a pintura e os pequenos consertos de prédios;
II – a construção de caramanchões e jardins;
III – a instalação de antenas de televisão e bombas elevatórias de água;
IV – as obras de reforma ou de modificação interna ou de fachada, sem
acréscimo de área que não implique alteração das áreas comuns das edificações.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior não se aplica a imóveis sujeitos a
desapropriação parcial, recuo ou investidura ou afetados por área ou faixa não edificável.
§ 3º A lei disporá sobre o licenciamento de obras em imóveis ou edificações sujeitos
a desapropriação, total ou parcial, recuo ou investidura ou afetados por área ou faixa não
edificável.
§ 4º A execução de obras, construções e edificações pelo Poder Público federal,
estadual e municipal estão sujeitas à aprovação, licença e fiscalização nos termos da
legislação municipal.
Art. 113. A responsabilidade pelos projetos, cálculos e memoriais relativos à
realização de obras, construções e edificações cabe exclusivamente, sempre, aos
profissionais habilitados que os assinarem.
Art. 114. A lei disporá sobre o licenciamento e a obrigatoriedade de restauração e
responsabilização por danos causados na realização de obras por empresas prestadoras
ou concessionárias da prestação de serviços públicos, bem como das penalidades
aplicáveis aos infratores e responsáveis.
SEÇÃO V
DA FISCALIZAÇÃO
Art. 115. A legislação urbanística disporá sobre a fiscalização de ordem urbanística
e ambiental e sobre as penalidades aplicáveis aos infratores e responsáveis por infração
às normas de ordenação e controle do parcelamento, uso e ocupação do solo, de obras e
edificações, e de preservação e proteção ambiental.
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§ 1º O órgão competente do poder executivo aplicará as penalidades de multa,
simples ou diária, interdição, embargo, demolição de acordo com as condições
estabelecidas em regulamento.
§ 2º A multa será fixada conforme a gravidade da infração, em função do valor da
obra ou das instalações e sua aplicação poderá incidir diária, periódica, sucessiva ou
cumulativamente, enquanto persistir a irregularidade e considerará a condição econômica
do infrator ou responsável.
§ 3º O pagamento da multa não implica a extinção da infração e, quando couber,
seu valor será devidamente corrigido nos termos da legislação em vigor.
Art. 116. Quaisquer danos ao patrimônio público serão ressarcidos pelo
responsável, inclusive a usurpação de vias ou servidões públicas, bem como de galerias e
cursos d´água, perenes ou não, ainda que situados em terreno de domínio privado,
estarão sujeitos à fiscalização e serão aplicadas as penalidades cabíveis aos respectivos
infratores ou responsáveis.
Art. 117. Os órgãos locais competentes poderão, a qualquer tempo, realizar vistoria
para apuração de responsabilidades, constatação de infração ou irregularidade ou,
preventivamente, determinar providências cabíveis em caso de risco ou ameaça à
integridade física de pessoas ou de danos a bens.
§ 1º O poder executivo poderá tomar as providências necessárias à eliminação do
risco ou ameaça e inscrever na dívida ativa municipal as despesas realizadas para sua
eliminação e superação.
§ 2º O responsável pelo risco ou ameaça a que se refere este artigo não poderá
obter licença para quaisquer outras obras, construções ou edificações enquanto não
tomar as providências adequadas para a eliminação do risco ou da ameaça, ou pagar sua
dívida para com a Municipalidade.
Art. 118. Os órgãos locais competentes podem assumir ou executar obras, retomar
posse, demolir ou tomar qualquer providência para a preservação da segurança e
patrimônio públicos, em situações de emergência, independentemente de processo
administrativo ou de autorização judicial.
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Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta a responsabilidade civil
daqueles que causarem danos a terceiros.
CAPÍTULO IV
DOS INSTRUMENTOS DA GESTÃO URBANA E AMBIENTAL
SEÇÃO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 119. Para a implementação, controle, indução e promoção do desenvolvimento
urbano, o Município de Rio das Ostras aplicará as diretrizes e normas legais de
parcelamento, uso e ocupação do solo e promoverá, direta ou indiretamente, a execução
dos projetos e das ações estratégicas nos termos desta lei, utilizando, isolada ou
combinadamente, dentre outros, os instrumentos previstos nos artigos 4º e seguintes da
Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, denominado Estatuto da Cidade, noutras
leis nacionais e nesta lei, inclusive na legislação nacional de proteção e recuperação do
meio ambiente, dentre outros, especialmente os seguintes:
I – disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo;
II – zoneamento ambiental e costeiro;
III – plano plurianual de investimentos;
IV – planos, programas e projetos;
V – parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
VI – imposto progressivo sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU
em razão do valor ou com alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e o uso do
imóvel, conforme o § 1º do art. 156 da Constituição Federal, ou no tempo, conforme o § 4º
do art. 182 da Constituição Federal;
VII – incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
VIII – servidão administrativa;
IX – desapropriação, especialmente com base no art. 44 da Lei Nacional nº
6.766, de 19 de dezembro de 1979, ou mediante pagamento em títulos da dívida pública
com base no art. 8º da Lei Nacional nº 10.257, de 10 de julho de 2001;
X – tombamento de bens;
XI – instituição de zonas especiais de interesse social;
XII – concessão de direito real de uso;
XIII – concessão de uso especial para fins de moradia;
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XIV – direito de superfície;
XV – usucapião especial coletivo de imóvel urbano;
XVI – consórcio imobiliário;
XVII – concessão urbanística;
XVIII – operação urbana consorciada;
XIX – direito de preempção;
XX – outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
XXI – transferência do direito de construir;
XXII – reurbanização e regularização fundiária;
XXIII – assistência técnica e jurídica gratuita destinada a assegurar o direito à
moradia para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;
XXIV – referendo popular e plebiscito;
XXV – iniciativa popular legislativa;
XXVI – iniciativa popular de planos, programas e projetos;
XXVII – avaliação de impactos ambientais;
XXVIII – estudo prévio de impacto ambiental e de impacto de vizinhança;
XXIX – instituição de unidades de conservação ambiental;
XXX – contribuição de melhoria;
XXXI – gestão orçamentária participativa com base no art. 44 da Lei nº 10.257,
de 10 de julho de 2001.
§ 1º As áreas municipais passíveis de intervenção mediante os instrumentos
autorizados neste artigo serão definidas em leis próprias com base no mapa constante do
Anexo IV desta lei.
§ 2º O poder executivo providenciará o cadastro dos lotes passíveis ou necessários
para as intervenções a serem realizadas para cumprimento das normas desta lei em
relação aos quais poderão ser aplicados os instrumentos de gestão urbana e ambiental a
que se refere este artigo.
§ 3º Os instrumentos de gestão urbana e ambiental mencionados neste artigo
poderão ser utilizados, isolados ou conjuntamente, combinada ou cumulativamente, e, no
que couber, simultânea ou seqüencialmente, inclusive com outras normas legais deste
plano diretor ou de outras leis.
§ 4º Nenhuma lei municipal poderá excluir a possibilidade de utilização de qualquer
dos instrumentos de gestão urbana e ambiental aos quais se refere este artigo.
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SEÇÃO II
DO PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO OU UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS
Art. 120. O poder público municipal, na forma da lei, poderá exigir do proprietário do
solo urbano não edificado, subtilizado, ou não utilizado delimitado nesta lei, que promova
seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de parcelamento, edificação
ou utilização compulsórios; Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo a
ser fixado em lei própria; e desapropriação com pagamento da indenização mediante
títulos da dívida pública.
§ 1º As áreas sujeitas à incidência da obrigação legal de parcelamento, edificação
ou utilização compulsórios são aquelas delimitadas no mapa do Anexo IV desta lei.
§ 2º Para o fim de aplicação da obrigação a que se refere este artigo, considera-se:
I – solo urbano não edificado: lotes, terrenos e glebas com área superior a 250
metros quadrados situados em área urbana em que o coeficiente de aproveitamento
efetivo seja igual a zero;
II – solo urbano subtilizado: lotes, terrenos e glebas com área superior a 250
metros quadrados onde o coeficiente de aproveitamento efetivo não atinja o limite mínimo
definido para o lote na zona em que se situe, ou esteja abandonado, excetuando-se:
a) os imóveis utilizados como instalações de atividades econômicas que não
necessitam de edificação para sua realização;
b) os imóveis utilizados como instalação de atividades econômicas para as
quais não seja necessária a utilização do coeficiente de aproveitamento mínimo definido
para o lote na zona em que se situe;
c) os imóveis integrantes de área de proteção ambiental.
Art. 121. O poder executivo promoverá a notificação dos proprietários dos imóveis
sujeitos ao parcelamento, à edificação ou à utilização compulsórios, intimando-os a dar o
aproveitamento adequado para os respectivos imóveis de acordo com esta lei do Plano
Diretor em prazo determinado, sob pena de sujeitar-se o proprietário, sucessivamente, ao
pagamento do imposto predial e territorial progressivo no tempo (IPTU) e à
desapropriação com pagamento em títulos, conforme disposições do artigo 5° a 8° da Lei
n° 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade.
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§ 1º Fica facultado aos proprietários dos imóveis de que trata este artigo propor ao
poder executivo o consórcio imobiliário conforme disposto no art. 46 da Lei citada no
“caput”.
§ 2º O proprietário de imóvel afetado pela obrigação legal mencionada no “caput”
deste artigo pode propor sua doação integral ou parcial ao Poder Público para a
implantação de equipamentos urbanos ou comunitários; para preservação, quando for
considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; ou para
servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda e habitação de interesse social em troca de autorização para a
transferência do respectivo potencial construtivo para outro imóvel situado em área de
interesse estratégico, nos termos de lei própria, para aplicação das diretrizes do plano
diretor.
Art. 122. Em caso de descumprimento das etapas e dos prazos estabelecidos
conforme o artigo anterior, o Poder Executivo aplicará alíquotas progressivas de IPTU,
majoradas anualmente, pelo prazo de 04 (quatro) anos consecutivos até que o
proprietário cumpra com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar, conforme o caso.
§ 1
o
Lei municipal, baseada no artigo 7
o
da Lei Nacional n.º 10.257/2001 – Estatuto
da Cidade, estabelecerá a gradação anual das alíquotas progressivas.
§ 2
o
Caso a obrigação de parcelar, edificar e utilizar não tenha sido atendida no
prazo de 04 (quatro) anos, o poder executivo manterá a cobrança pela alíquota máxima,
até que se cumpra a referida obrigação, sem prejuízo da desapropriação do imóvel com
pagamento em títulos da dívida pública.
§ 3
o
É vedada a concessão de isenções ou de anistias relativas à tributação
progressiva de que trata este artigo.
Art. 123. Decorridos os cinco anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo sem
que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação e utilização, o
Município poderá proceder à desapropriação do imóvel com pagamento da indenização
em títulos da dívida pública observada à legislação nacional pertinente.
§ 1º O valor real da indenização:
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I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante
incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se
localiza após a notificação a que se refere o art. 121 desta lei;
II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
compensatórios.
§ 2º Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para o pagamento
de tributos.
§ 3º O Poder Executivo, diretamente ou por meio de alienação ou concessão a
terceiros, observando-se o procedimento licitatório pertinente, promoverá ao adequado
aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contados a partir da sua
incorporação ao patrimônio público.
§ 4º O adquirente de imóvel sujeito à incidência do parcelamento, edificação ou
utilização compulsória fica sujeito às mesmas obrigações legalmente impostas ao
respectivo alienante.
SEÇÃO III
DA OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR
Art. 124. O Poder Executivo poderá autorizar o exercício do direito de construir
acima do coeficiente de aproveitamento básico até o limite representado pelo coeficiente
de aproveitamento máximo mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário em
áreas, zonas ou bairros situados em Área Urbana ou de Expansão Urbana e definidos
mediante lei municipal.
§ 1º Para efeito de aplicação desta lei, coeficiente de aproveitamento é a relação
entre a área edificável e a área do terreno.
§ 2º O coeficiente de aproveitamento básico do lote, para os fins de edificação,
outorga onerosa ou transferência do direito de construir, inclusive em operação urbana
consorciada corresponde a uma vez a área do terreno, observando-se as demais
limitações estabelecidas em lei, tais como, recuos, afastamentos, gabarito, dentre outras.
§ 3º A outorga onerosa do direito de construir poderá ser aplicada na área delimitada
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no mapa do Anexo IV desta lei na qual podem ser utilizados, também, os demais
instrumentos autorizados pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, (Estatuto da Cidade)
e em outras leis especiais.
§ 4º O coeficiente de aproveitamento máximo corresponde a duas vezes a área do
terreno, e a lei municipal indicará as áreas onde este coeficiente máximo poderá ser
aplicado, podendo ainda a mesma lei fixa-lo em limite inferior.
§ 5º A legislação municipal de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo
não poderá permitir coeficiente de aproveitamento superior a dois em Área Urbana ou de
Expansão Urbana e, na fixação dos parâmetros urbanísticos para estabelecer o
coeficiente de aproveitamento máximo, deverá considerar a proporcionalidade entre a
infra-estrutura existente e o aumento da densidade esperado em cada área, zona ou
bairro para efeito de aplicação da outorga onerosa do direito de construir e da
transferência do direito de construir, devendo o coeficiente de aproveitamento máximo ser
obtido mediante a observância conjunta dos diversos parâmetros urbanísticos: gabarito,
taxa de ocupação, recuos ou afastamentos, dentre outros, conforme estabelecidos pela
mesma legislação.
§ 6º Lei municipal complementar a esta lei, da qual fará parte integrante para os fins
e efeitos de direito, fixará áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§ 7º Lei municipal baseada na lei do Plano Diretor estabelecerá as condições a
serem observadas para outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso,
determinando:
I – a fórmula de cálculo para a cobrança;
II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III – a contrapartida do beneficiário.
§ 8º Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir
e de alteração de uso serão aplicados para a realização das seguintes finalidades:
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
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V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de
interesse ambiental;
VIII – a proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
SEÇÃO IV
DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR
Art. 125. O Poder Executivo poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano,
privado ou público, a exercer em outro local ou a alienar, mediante escritura pública, o
direito de construir previsto nesta lei ou em lei dela decorrente, quando o referido imóvel
for considerado necessário para fins de:
I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,
ambiental, paisagístico, social ou cultural;
III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas
ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1º A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder
Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III deste artigo.
§ 2º Lei municipal baseada nesta lei do Plano Diretor estabelecerá as áreas onde se
localizem os lotes originários geradores do potencial construtivo transferível e aquelas
adensáveis nas quais se situem os lotes receptores nos quais poderá ser exercido o
potencial construtivo transferido e as demais condições relativas à aplicação da
transferência do direito de construir.
SEÇÃO V
DO DIREITO DE PREEMPÇÃO
Art. 126. O Poder Público Municipal poderá exercer, durante o respectivo prazo
legal de vigência, o direito de preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de
alienação onerosa entre terceiros localizados em área delimitada por lei municipal,
baseada neste Plano Diretor, que fixará prazo de vigência não superior a cinco anos,
renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência, conforme
disposto nesta lei e nos artigos 25, 26 e 27 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 –
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Estatuto da Cidade.
§ 1º O direito de preferência será exercido sempre que o Poder Executivo necessitar
de áreas para:
a) regularização fundiária;
b) execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
c) constituição de reserva fundiária;
d) ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
e) implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
f) criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
g) criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de
interesse ambiental;
h) proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
§ 2º O direito de preferência a que se refere este artigo será exercido nos termos da
lei municipal mencionada no “caput”, preferencialmente na aquisição de imóveis urbanos
situados na Área de Expansão Urbana e nas Áreas Protegidas de interesse ambiental.
Art. 127. Os imóveis colocados à venda nas áreas de incidência do direito de
preempção deverão ser obrigatoriamente oferecidos ao Município de Rio das Ostras, que
terá preferência para aquisição pelo prazo de cinco anos nos termos da lei.
Art. 128. O Poder Executivo de Rio das Ostras poderá notificar o proprietário do
imóvel localizado em área delimitada para o exercício do direito de preferência.
§ 1º No caso de existência de terceiros interessados na compra do imóvel nas
condições mencionadas no “caput”, o proprietário deverá comunicar imediatamente, ao
órgão competente, sua intenção de alienar onerosamente o imóvel.
§ 2º A declaração de intenção de alienar onerosamente o imóvel deve ser
apresentada ao órgão local competente com os seguintes documentos:
a) proposta de compra apresentada pelo terceiro interessado na aquisição do
imóvel, da qual constarão: preço, condições de pagamento e prazo de validade;
b) endereço do proprietário, para recebimento de notificação e de outras
comunicações;
c) certidão recente de inteiro teor da matrícula do imóvel, expedida pelo cartório
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de registro de imóveis da circunscrição imobiliária competente;
d) declaração assinada pelo proprietário, sob as penas da lei, de que não
incidem quaisquer encargos e ônus sobre o imóvel, inclusive os de natureza real,
tributária ou executória.
Art. 129. Recebida a notificação a que se refere o artigo anterior, o poder executivo
poderá manifestar, por escrito, dentro do prazo legal, o interesse em exercer a preferência
para aquisição de imóvel.
§1
o
Deverá ser providenciada a publicação, no órgão oficial municipal e, em pelo
menos um jornal local ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação
recebida, e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada.
§2
o
O decurso de prazo de trinta dias após a data de recebimento da notificação do
proprietário sem a manifestação expressa da Administração de que pretende exercer o
direito de preferência faculta o proprietário a alienar onerosamente o seu imóvel ao
proponente interessado nas condições da proposta apresentada sem prejuízo do direito
do Poder Público exercer a preferência em face de outras propostas de aquisições
onerosas futuras dentro do prazo legal de vigência do direito de preempção.
Art. 130. Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a entregar ao
órgão local competente cópia do instrumento particular ou público de alienação do imóvel
dentro do prazo de trinta dias após sua assinatura, sob pena de pagamento de multa
diária em valor equivalente a 0,66% (sessenta e seis centésimos por cento) do valor total
da alienação.
§1
o
O Poder Executivo, por meio de seus órgãos próprios, promoverá as medidas
judiciais cabíveis para a declaração de nulidade de alienação onerosa efetuada em
condições diversas da proposta apresentada, à adjudicação de imóvel que tenha sido
alienado a terceiros apesar da manifestação do Executivo de seu interesse em exercer o
direito de preferência e cobrança da multa a que se refere o artigo anterior.
§2
o
Em caso de nulidade da alienação efetuada pelo proprietário, o Poder Executivo
poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do imposto predial e territorial
urbano ou pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for inferior àquele.
SEÇÃO VI
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DA OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA
Art. 131. A Operação Urbana Consorciada é o conjunto de medidas coordenadas
pelo Poder Executivo Municipal com a participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados com o objetivo de alcançar transformações
urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental, notadamente
ampliando os espaços públicos, organizando o transporte coletivo de passageiros,
implantando programas habitacionais de interesse social e de melhorias de infra-estrutura
e sistema viário, num determinado perímetro.
§ 1º Além dos objetivos mencionados no “caput” deste artigo, a operação urbana
consorciada deverá ser utilizada também para:
I – recuperação e preservação de áreas urbanas de interesse ambiental;
II – regularização urbanística;
III – revitalização de áreas urbanas excessivamente adensadas;
IV – implantação de projetos de interesse turístico junto à orla marítima do
Município de Rio das Ostras.
§ 2º Cada operação urbana consorciada será criada por lei específica de acordo
com as disposições dos artigos 32 a 34 da Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001 –
Estatuto da Cidade, a qual poderá autorizar, entre outras medidas:
I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação
do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto
ambiental delas decorrente;
II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em
desacordo com a legislação vigente.
§ 3º A lei específica a que se refere o parágrafo anterior conterá o plano da
operação urbana consorciada que criar, contendo, no mínimo:
I – definição da área a ser atingida;
II – programa básico de ocupação da área;
III – programa de atendimento econômico e social para a população
diretamente afetada pela operação;
IV – finalidades da operação;
V – contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e
investidores privados em função da utilização dos benefícios que nela forem autorizados;
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VI – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com
representação da sociedade civil.
§ 4º O Poder Executivo elaborará projeto urbanístico específico e o plano da
operação urbana consorciada para integrar o respectivo projeto de lei específica, ficando
autorizada a promover as articulações e gestões necessárias junto a órgãos e entidades
públicas, a moradores, usuários permanentes, empreendedores imobiliários e investidores
privados para a efetiva realização da operação urbana consorciada.
§ 5º Concluídos os estudos necessários, abrangendo o projeto urbanístico específico
e o plano da operação urbana consorciada, o Poder Executivo providenciará a realização
de estudo prévio de impacto de vizinhança e ouvirá os Conselhos Municipais de Política
Urbana e de Meio Ambiente antes do encaminhamento do respectivo projeto de lei para a
Câmara Municipal.
§ 6º Os recursos obtidos pelo Poder Público a título de contrapartida exigida dos
proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos
benefícios autorizados na lei de criação de operação urbana consorciada serão aplicados
exclusivamente dentro do perímetro da própria operação urbana consorciada.
§ 7º A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá autorizar a
emissão pelo Poder Executivo de quantidade determinada de certificados de potencial
adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no
pagamento das obras necessárias à própria operação.
§ 8º Os certificados de potencial adicional de construção a que se refere o parágrafo
anterior serão livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir
unicamente na área objeto da operação.
§ 9º Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial
adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões
estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei
específica que aprovar a operação urbana consorciada.
SEÇÃO VII
DA CONCESSÃO URBANÍSTICA
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Art. 132. O Poder Executivo Municipal fica autorizado a delegar, mediante licitação,
a empresa, isoladamente, ou a conjunto de empresas, em consórcio, a realização de
obras de urbanização ou de reurbanização de região da cidade, especialmente daquela
que seja objeto de operação urbana consorciada, podendo abranger inclusive loteamento,
reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de grupamentos ou conjuntos de
edificações para implementação de diretrizes desta lei do Plano Diretor.
§ 1º A concessão a que se refere este artigo poderá abranger também a elaboração
dos respectivos projetos básico e executivo, o gerenciamento e a execução das obras de
urbanização ou de reurbanização objeto da concessão urbanística.
§ 2º A empresa concessionária obterá sua remuneração mediante exploração, por
sua conta e risco, dos terrenos e edificações destinados a usos privados que resultarem
da urbanização ou da reurbanização realizada, da renda proveniente da cobrança de
contribuição de melhoria, da renda derivada da exploração de espaços públicos e de
outras alternativas conexas, nos termos que forem fixados no respectivo edital de licitação
e contrato de concessão urbanística.
§ 3º A empresa concessionária ficará responsável pelo pagamento, por sua conta e
risco, das indenizações devidas em decorrência das desapropriações necessárias e pela
aquisição dos imóveis que forem necessários à realização das obras concedidas.
§ 4º Á empresa ou ao consórcio concessionário poderá ser autorizado pelo Poder
Executivo a exercer em nome deste o direito de preempção, nos termos que forem
fixados no edital de licitação, para aquisição de imóvel destinado a uso urbano; ou a
receber também em nome deste, os imóveis que forem doados à Municipalidade, por
seus proprietários, para viabilização financeira do seu aproveitamento, nos termos do
artigo 46 da Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2.001.
§ 5º A concessão urbanística a que se refere este artigo reger-se-á pelas
disposições da legislação nacional que contenha as normas gerais sobre contratos
administrativos de concessão, atualmente, a Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, com as modificações que lhe foram introduzidas posteriormente.
SEÇÃO VIII
DOS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
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Art. 133. O Poder Executivo, com base nas atribuições previstas na legislação
nacional e municipal, promoverá, direta ou indiretamente, a melhoria dos assentamentos
precários consolidados, de assentamentos informais, loteamentos irregulares, favelas e
cortiços, com ocupação existente, mediante, onde couber, a execução de sua
reurbanização, reforma ou implantação ou melhoria de sua infra-estrutura urbana capaz
de propiciar moradia digna aos seus moradores, abrangendo sua regularização
urbanística, ambiental e fundiária por meio da utilização de instrumentos urbanísticos
próprios, tais como, dentre outros:
I – a regularização urbanística, ambiental e fundiária das Áreas Especiais de
Interesse Social, criadas nesta lei, através de Planos de Urbanização conforme previsto
no Artigo 108;
II – concessão do direito real de uso, individual ou coletiva, de acordo com o
Decreto-lei 271 de 20 de fevereiro de 1967 e os artigos 4º, § 2º, e 48 do Estatuto da
Cidade (Lei nacional nº 10.257, de 10 de julho de 2001);
III – concessão de uso especial para fins de moradia nos termos da Medida
Provisória nº 2.220 de 04 de setembro de 2001;
IV – usucapião especial coletivo de imóvel urbano nos termos do art. 10 da Lei
nº 10.257, de 10 de julho de 2001;
V – direito de preempção;
VI – assistência técnica urbanística, jurídica e social gratuita para as
comunidades e grupos sociais menos favorecidos.
Art. 134. O Poder Executivo deverá articular os diversos agentes envolvidos no
processo de reurbanização e regularização dos assentamentos precários, como
representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, dos Tabelionatos e Cartórios de
Registro de Imóveis, dos Governos Federal e Estadual, bem como dos grupos sociais
envolvidos visando equacionar e agilizar os processos de regularização urbanística e
fundiária com base na legislação nacional em vigor;
Art. 135. Cabe ao Poder Executivo prestar assessoria técnica, urbanística, jurídica e
social gratuita à população, indivíduos, entidades, grupos comunitários em assentamentos
precários e movimentos na área de habitação de interesse social, buscando promover a
inclusão social, jurídica, ambiental e urbanística da população de baixa renda à cidade, a
garantia da moradia digna, particularmente nas ações visando à regularização fundiária e
qualificação dos assentamentos existentes.
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SUBSEÇÃO I
DA CONCESSÃO DE USO ESPECIAL DE IMÓVEL PÚBLICO
PARA FINS DE MORADIA
Art. 136. O Poder Executivo concederá o uso especial de imóvel público,
relativamente ao bem objeto da posse, que esteja sendo utilizado unicamente para
finalidade de moradia, por família de baixa renda que até 30 de junho de 2001, residia em
área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, desde que não seja proprietário ou concessionário de
outro imóvel urbano ou rural, de acordo com os artigos 1º e 2º
da Medida Provisória 2220,
de 04 de setembro de 2001.
§ 1º Fica assegurado o exercício do direito de concessão de uso especial para fim
de moradia, individual ou coletivamente, em local diferente daquele que gerou esse
direito, na hipótese de a moradia estar localizada em área de risco à vida ou à saúde de
pessoas cuja condição não possa ser equacionada e resolvida por obras e outras
intervenções.
§ 2º Fica assegurado o exercício do direito de concessão de uso especial para fins
de moradia, individual ou coletivamente, em local diferente daquele que gerou esse
direito, também nas seguintes hipóteses:
I – ser área de uso comum do povo com outras destinações prioritárias de
interesse publico, definidas em legislação decorrente deste Plano Diretor;
II – ser área onde haja necessidade de desadensamento por motivo de projeto
e obra de urbanização;
III – ser área de comprovado interesse da defesa nacional, da preservação
ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais;
IV – ser área reservada à construção de obras de relevante interesse público.
§ 3º A concessão de uso especial para fins de moradia poderá ser solicitada de
forma individual ou coletiva.
§ 4
o
Serão respeitadas, quando de interesse da comunidade, as atividades
econômicas locais promovidas pelo próprio morador, vinculadas à moradia, como
pequenas atividades comerciais, indústria doméstica, artesanato, oficinas de serviços e
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outros similares.
§ 5
o
Extinta a concessão de uso especial para fins de moradia por motivo de
descumprimento de sua finalidade, o Poder Executivo recuperará a posse e o domínio
pleno sobre o imóvel.
§ 6
o
O Poder Executivo deverá elaborar um Plano de Urbanização para a área
objeto da concessão, promovendo as obras necessárias de infra-estrutura básica e outras
melhorias para assegurar moradia digna aos respectivos concessionários.
SEÇÃO IX
DO CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO
Art. 137. O Poder Executivo poderá receber por transferência, imóveis que, a
requerimento dos seus proprietários, lhe sejam oferecido como forma de viabilização
financeira do melhor aproveitamento do imóvel.
§ 1º O Poder Executivo poderá promover o aproveitamento do imóvel que receber
por transferência nos termos deste artigo, direta ou indiretamente, mediante concessão
urbanística ou outra forma de contratação.
§ 2º O proprietário que transferir seu imóvel para o Município nos termos deste artigo
receberá, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou
edificadas.
§ 3º O valore das unidades imobiliárias a serem entregues aos proprietários será
correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras.
§ 4º O valor real desta indenização deverá:
I – refletir o valor da base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano,
descontado o montante incorporado em função das obras realizadas, direta ou
indiretamente, pelo Poder Público, na área onde o mesmo se localiza;
II – excluir do seu cálculo expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
compensatórios.
§ 5º O disposto neste artigo aplica-se tanto aos imóveis sujeitos à obrigação legal de
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parcelar, edificar ou utilizar nos termos desta lei, quanto àqueles por ela não abrangidos,
mas necessários à realização de intervenções urbanísticas previstas nesta lei.
SEÇÃO X
DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Art. 138. O Município poderá receber em concessão, diretamente ou por meio de
seus órgãos, empresas ou autarquias, o direito de superfície, nos termos da legislação em
vigor, para viabilizar a implementação de diretrizes constantes desta lei, inclusive
mediante a utilização do espaço aéreo e subterrâneo.
Parágrafo único. Este instrumento poderá ser utilizado onerosamente pelo
Município também em imóveis integrantes dos bens dominiais do patrimônio público,
destinados à implementação das diretrizes desta lei.
SEÇÃO XI
DOS ESTUDOS E RELATÓRIOS DE IMPACTO AMBIENTAL E DE VIZINHANÇA
Art. 139. A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação
de empreendimentos e atividades, utilizadores de recursos ambientais, considerados
efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os empreendimentos e atividades
capazes, sob qualquer forma, de causar significativa degradação ambiental dependerão
de prévio licenciamento ambiental do Poder Executivo Municipal, nos termos da
legislação nacional e municipal pertinente, sem prejuízo de outras licenças legalmente
exigíveis.
§ 1º A licença ambiental para empreendimentos ou atividades consideradas efetiva
ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio, será emitida somente
após a avaliação do prévio Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de
Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA/RIMA).
§ 2º Para os empreendimentos ou atividades cujos impactos ambientais, efetivos ou
potenciais, tenham caráter menos abrangente, o Poder Executivo Municipal disporá sobre
os procedimentos e critérios para o licenciamento ambiental com observância da
legislação nacional e municipal, definindo:
I – os empreendimentos e atividades, públicos e privados, referidos neste
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parágrafo;
II – os estudos ambientais pertinentes;
III – os procedimentos licenciamento urbanístico e ambiental.
§ 3º O estudo a ser apresentado para a solicitação da licença ambiental deverá
contemplar, entre outros, os seguintes itens:
I – diagnóstico ambiental da área;
II – descrição da ação proposta e suas alternativas;
III – identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e
negativos;
IV – definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem como
daquelas intensificadoras dos impactos positivos.
§ 4º Até a aprovação de lei que defina os empreendimentos e atividades sujeitas ao
licenciamento ambiental, bem como os procedimentos e critérios aplicáveis, o Poder
Executivo, através do órgão local ambiental competente aplicará as Resoluções nº 001,
de 23 de janeiro de 1986, e 237, de 22 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do
Meio Ambiente, considerando especialmente o disposto no art. 6º desta última.
§ 5º Para o licenciamento ambiental serão analisados simultaneamente os aspectos
urbanísticos implicados com base nesta e em outras leis municipais de modo que o ato
administrativo decorrente seja único, produzindo igualmente todos os efeitos jurídicos
urbanísticos e ambientais.
Art. 140. Quando o impacto ambiental previsto corresponder, basicamente, a
alterações das características urbanas do entorno, os empreendimentos ou atividades
estarão sujeitos à avaliação do Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo
Relatório de Impacto de Vizinhança (EIV/RIV), por parte do Poder Executivo, previamente
à emissão das licenças ou alvarás de construção, reforma ou funcionamento, nos termos
da legislação municipal.
§ 1° O Estudo de Impacto de Vizinhança e o respectivo Relatório de Impacto de
Vizinhança serão exigidos para aprovação e implantação de empreendimentos, assim
considerados os que possam causar:
I – aglomeração de um grande número de pessoas ou elevado adensamento
populacional, tais como, dentre outros, shopping centers, igrejas, boates, ginásios ou
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estádios esportivos, e similares;
II – intensificação do tráfego de veículos automotores em grande quantidade;
III – sobrecarga da infra-estrutura urbana;
IV – sombreamento de imóveis ou edificações vizinhas;
V – poluição sonora;
VI – impactos negativos sobre estabelecimentos menores já instalados;
VII – modificações significativas da paisagem;
VIII – outras situações que forem definidas em lei municipal.
§ 2° O Estudo de Impacto de Vizinhança referido no “caput” deste artigo, deverá
contemplar os possíveis efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na área e em suas proximidades, bem
como a especificação das providências necessárias para prevenir, evitar, mitigar,
compensar ou superar seus efeitos prejudiciais, incluindo a análise, dentre outras, no
mínimo, das seguintes questões:
a) adensamento populacional;
b) equipamentos urbanos e comunitários;
c) uso e ocupação do solo;
d) valorização imobiliária;
e) geração de tráfego e demanda por transporte público;
f) ventilação e iluminação;
g) paisagem urbana e patrimônio natural e cultural;
h) definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem como
daquelas intensificadoras dos impactos positivos.
§ 3º Os empreendimentos sujeitos ao Estudo de Impacto Ambiental e respectivo
Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente deverão contemplar também os aspectos
exigidos no parágrafo segundo deste artigo para dispensa do Estudo de Impacto de
Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança.
§ 4º A elaboração do Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo Relatório de
Impacto de Vizinhança (EIV/RIV) não substitui a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA/ RIMA), quando
este último for necessário, mas este deverá contemplar todos os aspectos exigíveis para
aquele.
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Art. 141. o Poder Executivo, com base na análise dos estudos ambientais
apresentados, poderá exigir do empreendedor, a execução, às suas expensas, das
medidas adequadas para evitar ou, quando for o caso, superar os efeitos prejudiciais do
empreendimento, bem como aquelas atenuadoras e compensatórias relativas aos
impactos decorrentes da implantação da atividade.
Art. 142. O Poder Executivo colocará à disposição da população em meio eletrônico
pelo prazo mínimo de 30 dias e dará publicidade na imprensa oficial, em resumo, aos
documentos integrantes dos estudos e respectivos relatórios urbanísticos e ambientais
previstos nesta lei, os quais deverão ficar à disposição da população para consulta, por
qualquer interessado, no órgão municipal competente.
§ 1º Cópia do Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV será fornecida
gratuitamente quando solicitada pelos moradores da área afetada ou suas associações.
§ 2º O órgão público responsável pelo exame dos Relatórios de Impacto Ambiental –
RIMA e de Vizinhança – RIV deverá realizar audiência pública, antes da decisão sobre o
projeto, sempre que sugerida, na forma da lei, pelos moradores da área afetada ou por
suas associações.
TÍTULO IV
DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE
CAPÍTULO I
DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO URBANO
Art. 143. A elaboração, a revisão, o aperfeiçoamento, a implementação e o
acompanhamento do Plano Diretor e de planos, programas e projetos setoriais, regionais,
locais e específicos serão efetuados mediante processo de planejamento, implementação
e controle social, de caráter permanente, descentralizado e participativo, como parte do
modo de gestão democrática para a concretização das funções sociais da cidade.
Art. 144. Fica instituído o Sistema de Planejamento Municipal, a ser regulamentado
por decreto, observados os princípios do art. 163 da Lei Orgânica Municipal ao qual serão
integrados o Conselho Municipal de Política Urbana e o Conselho de Desenvolvimento
Rural Sustentável, com os seguintes objetivos:
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I – o fortalecimento da atuação do Poder Público em favor do interesse coletivo
e a valorização das funções de planejamento, articulação e controle sobre os espaços
destinados às atividades urbanas e rurais;
II – a integração dos agentes setoriais de planejamento e de execução da
administração direta e indireta, assim como dos órgãos e entidades estaduais e federais,
quando necessário, para aplicação das diretrizes e políticas públicas previstas nesta lei;
III – o acompanhamento e avaliação dos resultados da implementação deste
Plano Diretor;
IV – a criação e a atualização de um sistema de informações georreferenciado
sobre o território municipal, abrangendo, dentre outros, o cadastro de terras e infra-
estrutura e dados gerais sobre o uso e ocupação do solo urbano e rural, inclusive, o
cadastramento e o mapeamento das áreas e edifícios públicos, implantando e mantendo
atualizado o sistema único informatizado de cadastro georreferenciado;
V – a capacitação dos servidores públicos municipais para atuação no sistema
de planejamento municipal;
VI – ampla divulgação dos dados e informações.
Art. 145. A Administração Municipal poderá promover entendimentos com
municípios vizinhos de sua microrregião, podendo formular políticas, diretrizes e ações
comuns que abranjam a totalidade ou parte do território municipal, baseadas nesta lei,
destinadas à superação de problemas de interesse comuns, bem como firmar convênios
ou consórcios públicos com este objetivo, sem prejuízo de igual articulação com o
Governo do Estado do Rio de Janeiro para a integração, planejamento e organização de
funções públicas de interesse comum.
Art. 146. Os planos, programas e projetos integrantes do processo de gestão
democrática da cidade deverão ser compatíveis entre si e seguir as políticas de
desenvolvimento econômico, social, ambiental e urbano contidas nesta lei, bem como
considerar os planos intermunicipais, microrregionais ou de bacias hidrográficas, de cuja
elaboração o Poder Público Municipal tenha participado.
Parágrafo único. As leis municipais do plano plurianual, das diretrizes
orçamentárias e do orçamento anual incorporarão e observarão as diretrizes e prioridades
estabelecidas nesta lei nos termos do § 1º do art. 40 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001, e serão elaboradas mediante processo participativo em cumprimento da diretriz de
gestão democrática da cidade e de gestão orçamentária participativa estabelecida no art.
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44 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, (Estatuto da Cidade).
CAPÍTULO II
DO SISTEMA MUNICIPAL DE INFORMAÇÕES
Art. 147. O Poder Executivo manterá atualizado, permanentemente, o sistema
municipal de informações sociais, culturais, econômicas, financeiras, patrimoniais,
administrativas, físico-territoriais, inclusive cartográficas e geológicas, ambientais,
imobiliárias e outras de relevante interesse para o Município, progressivamente
georreferenciadas em meio digital.
§ 1º O Poder Executivo dará ampla e periódica divulgação dos dados do sistema
municipal de informações por meio de publicação anual, disponibilizada em meio
eletrônico na internet, bem como facilitará seu acesso aos munícipes por outros meios
possíveis.
§ 2º O sistema a que se refere este artigo deve atender aos princípios da
simplificação, economicidade, eficácia, clareza, precisão e segurança, evitando-se a
duplicação de meios e instrumentos para fins idênticos.
§ 3º O sistema municipal de informações terá cadastro único, multiutilitário, que
reunirá informações de natureza imobiliária, tributária, judicial, patrimonial, ambiental e
outras de interesse para a gestão municipal, inclusive sobre planos, programas e projetos.
§ 4º O sistema municipal de informações deverá oferecer indicadores de qualidade
dos serviços públicos, da infra-estrutura instalada e dos demais temas pertinentes a
serem anualmente aferidos publicados na imprensa oficial e divulgados por meio
eletrônico, na internet, a toda a população, em especial ao Conselho Municipal de Política
Urbana, às entidades representativas de participação popular e às instâncias de
participação e representação regional.
Art. 148. Os agentes públicos e privados, em especial os concessionários de
serviços públicos que desenvolvam atividades no município deverão fornecer ao
Executivo Municipal, no prazo que este fixar, todos os dados e informações que forem
considerados necessários ao sistema municipal de informações.
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Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se também às pessoas jurídicas
concessionárias, permissionárias ou autorizadas de serviços públicos federais ou
estaduais, mesmo quando submetidas ao regime de direito privado.
Art. 149. O Executivo Municipal dará ampla publicidade a todos os documentos e
informações oficiais produzidos no processo de elaboração, revisão, aperfeiçoamento e
implementação do Plano Diretor, de planos, programas e projetos setoriais, regionais,
locais e específicos, bem como no controle e fiscalização de sua implementação, a fim de
assegurar o conhecimento dos respectivos conteúdos à população, devendo ainda
disponibilizá-las a qualquer munícipe que requisitá-la por petição simples.
Art. 150. O sistema municipal de informações deverá ser estruturado e apresentado
publicamente no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir da aprovação
desta lei.
Art. 151. È assegurado, a qualquer interessado, o direito a ampla informação sobre
os conteúdos de documentos, informações, estudos, planos, programas, projetos,
processos e atos administrativos e contratos, ressalvadas as situações em que o sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado nos termos da Constituição
Federal.
CAPÍTULO III
DO SISTEMA DE DEFESA DA CIDADE
Art. 152. O Poder Executivo manterá sistema de defesa da cidade para coordenar
as ações e atuar preventiva e imediatamente em caso de ameaça ou dano às suas
condições normais de funcionamento.
§ 1º O sistema de defesa da cidade será regulamentado por decreto e constituído
por órgãos públicos municipais, facultada a participação de órgãos ou entidades públicas
federais ou estaduais e de entidades representativas de segmentos da comunidade local.
§ 2º O sistema municipal de defesa da cidade elaborará um plano especial para
situações de acidentes envolvendo o gasoduto existente na área urbana, bem como para
atuação em caso de inundações.
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§ 3º O sistema de defesa da cidade poderá contar com um quadro de voluntários
para o combate a incêndios, a prestação de socorro em caso de calamidade pública ou de
defesa permanente do meio ambiente.
Art. 153. A defesa da cidade será realizada, dentre outros, por meio de:
I – o impedimento e a fiscalização da ocupação de áreas de risco — assim
definidas em laudo técnico-científico, solicitado ou emitido pelo órgão competente; de
áreas de domínio público, de faixas de terreno marginais de rios e lagoas, das vias
públicas, das áreas de preservação e de proteção ambiental;
II – a divulgação e a realização de campanhas públicas com a adoção de
medidas preventivas e de ações imediatas de defesa da cidade;
III – a identificação e o cadastramento de áreas de risco;
IV – a implantação de um programa amplo e de sistema de educação
ambiental de prevenção contra o risco junto à população, em especial junto à população
de baixa renda;
V – a cooperação da população na fiscalização do estado da infra-estrutura de
serviços básicos, dos despejos de resíduos sólidos, da descarga de aterro e das ações de
desmatamento.
Art. 154. Fica vedada a realização de obras de infra-estrutura ou a prestação de
serviços públicos em áreas ocupadas que sejam consideradas de risco ou impróprias à
ocupação humana nos termos do inciso I do artigo anterior, salvo aquelas consideradas
emergenciais e indispensáveis à segurança da população até sua remoção do local e
aquelas necessárias para a recuperação da área.
Art. 155. Lei municipal de defesa da cidade estabelecerá os limites das zonas de
proteção para a instalação de aeródromos no Município, obedecendo às disposições
legais aplicáveis, especialmente às normas integrantes desta lei.
Art. 156. Fica o Poder Executivo autorizado a adotar as medidas de polícia
necessárias em defesa da cidade sempre que circunstâncias excepcionais implicarem
risco para a continuidade da prestação de serviços públicos.
CAPÍTULO IV
DO PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR
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SEÇÃO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 157. A gestão democrática da cidade será realizada, entre outros, por meio dos
seguintes instrumentos:
I – órgãos da administração municipal, que serão responsáveis pelas
informações e pelo suporte técnico;
II – planos, programas e projetos, gerais, setoriais, ou de bairros, orientadores
das ações, intervenções e operações urbanas;
III – sistema municipal de informações;
IV – participação popular, por meio de:
a) conselhos municipais de política urbana;
b) debates, audiências e consultas públicas;
c) conferências ou assembléias municipais de política urbana;
d) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
e) referendo e plebiscito.
SEÇÃO II
DOS ÓRGÃOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA POLÍTICA URBANA
Art. 158. As Assembléias ou Conferências Municipais de Política Urbana ocorrerão
a cada dois anos, convocadas pelo Poder Executivo ou por cidadãos em número
equivalente a um por cento do número de eleitores do Município, e serão compostas por
cidadãos, representantes de bairros e de segmentos organizados da sociedade civil nos
termos que forem estabelecidos por decreto ou em lei municipal.
Parágrafo único. Todos os munícipes poderão participar das assembléias de
política urbana.
Art. 159. A Assembléia ou Conferência Municipal de Política Urbana, entre outras
funções, deverá:
I – apreciar e propor os objetivos e as diretrizes da política urbana;
II – debater os Relatórios de Gestão da Política Urbana, apresentando críticas
e sugestões;
III – sugerir ao Poder Executivo adequações nas ações estratégicas destinadas
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à implementação dos objetivos, diretrizes, planos, programas e projetos;
IV – sugerir propostas de alteração da lei do Plano Diretor a serem
consideradas no momento de sua modificação ou revisão.
Art. 160. Fica instituído o Conselho Municipal de Política Urbana de Rio das Ostras,
órgão consultivo e deliberativo, a ser disciplinado por decreto e composto com
representação paritária do poder público e da sociedade civil.
Parágrafo único. O poder executivo deverá regulamentar a instituição do Conselho
de Política Urbana de Rio das Ostras a que se refere o “caput” deste artigo em prazo
máximo de 03 meses após a publicação desta lei.
Art. 161. Compete ao Conselho Municipal de Política Urbana de Rio das Ostras:
I – debater e aprovar relatórios anuais de Gestão da Política Urbana
elaborados pelo Poder Executivo;
II – analisar e propor soluções para questões relativas à aplicação do Plano
Diretor;
III – debater e formular propostas de alteração da lei do Plano Diretor;
IV – acompanhar a implementação do Plano Diretor e a execução dos planos,
programas e projetos de interesse para o desenvolvimento econômico, social, urbano e
ambiental;
V – acompanhar o planejamento e a implementação da política de
desenvolvimento urbano do Município;
VI – coordenar a ação dos demais Conselhos setoriais do Município,
vinculados às políticas urbana e ambiental;
VII – debater e propor diretrizes para áreas públicas municipais;
IX – debater e formular propostas sobre projetos de lei de interesse urbanístico;
X – dirimir as dúvidas que lhe forem formuladas pelo Prefeito Municipal e
aprovar resoluções com orientações normativas para aplicação da legislação urbanística
municipal com base nesta lei;
XI – elaborar e aprovar o seu regimento interno.
SEÇÃO III
DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
Art. 162. Serão promovidas, pelo Poder Executivo, as audiências públicas referentes
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a planos, programas, projetos, empreendimentos ou atividades públicas ou privadas,
suscetíveis de gerar significativo impacto urbanístico ou ambiental.
§ 1º Todos os documentos relativos ao tema da audiência pública, tais como
estudos, plantas, planilhas e projetos, serão colocados à disposição de qualquer
interessado para exame e extração de cópias, inclusive por meio eletrônico, com
antecedência mínima de cinco dias úteis da realização da respectiva audiência pública.
§ 2º As intervenções realizadas em audiência pública serão registradas por escrito e
gravadas para acesso e divulgação públicos, e deverão constar no processo.
§ 3º O Poder Executivo regulamentará os procedimentos para realização das
audiências públicas e os critérios de classificação do impacto urbanístico ou ambiental.
SEÇÃO IV
DO PLEBISCITO E DO REFERENDO
Art. 163. O plebiscito e o referendo serão convocados e realizados com base na
legislação federal pertinente e nos termos da Lei Orgânica Municipal.
SEÇÃO V
DA INICIATIVA POPULAR
Art. 164. A iniciativa popular de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano poderá ser tomada por, no mínimo, cinco por cento dos eleitores do Município em
caso de planos, programas e projetos de impacto estrutural sobre a cidade.
Art. 165. Qualquer proposta de iniciativa popular de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano e ambiental deverá ser apreciada pelo Executivo em parecer
técnico circunstanciado sobre o seu conteúdo e alcance, no prazo de 120 (cento e vinte)
dias a partir de sua apresentação.
§ 1º O prazo previsto no caput deste artigo poderá ser prorrogado, desde que
solicitado, com a devida justificativa.
§ 2º A proposta e o parecer técnico a que se refere este artigo deverão ser
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amplamente divulgados para conhecimento público inclusive em meio eletrônico através
da internet.
Art. 166. A iniciativa popular de projetos de lei poderá ser apresentada com base na
Lei Orgânica Municipal e na legislação nacional aplicável, sendo os respectivos
requerimentos de aprovação dirigidos diretamente à Câmara Municipal.
TÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 167. Ficam estabelecidas as seguintes prioridades e prazos para execução
e cumprimento pelo Poder Executivo:
I – quanto à política urbana:
a) instituir os sistemas de planejamento, de gestão democrática e de defesa da
cidade de que trata o Título IV deste Plano Diretor dentro do prazo de dois anos contados
do início da vigência desta lei;
b) rever, atualizar e simplificar a legislação municipal de parcelamento, uso e
ocupação do solo, o código de obras, a lei de zoneamento urbano, a lei de posturas
municipais, compatibilizando-os com a divisão de bairros, e com as diretrizes
estabelecidas nos Planos de Manejo das Unidades de Conservação criadas pelo
Município, iniciando-os dentro do prazo de 30 dias e concluindo-os dentro do prazo de um
ano a partir da data inicial de vigência desta lei;
c) elaborar Plano de Circulação Viária e de Transportes com vistas à
mobilidade urbana, atendendo às distintas necessidades da população, instituindo
itinerários para o transporte coletivo, e promovendo completo estudo de tráfego, incluindo
o planejamento cicloviário para toda a área urbana e da oferta de áreas para
estacionamento de usuários e de carga e descarga de bens e mercadorias nas zonas
comerciais, para ampliar a oferta destes espaços, no prazo de 06 (seis) meses após a
publicação desta lei;
d) instituir planos de alinhamento, necessários à ordenação da malha urbana,
iniciando os respectivos estudos no prazo máximo de 06 (seis) meses após a publicação
desta lei;
e) promover o cadastramento completo das vias, formulando critérios para
nomenclatura e numeração oficiais de imóveis, atendendo ao artigo 44, inciso VII, no
prazo máximo de até um ano, obedecendo a parâmetros técnicos, também com o objetivo
de implantação do sistema georreferenciado;
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f) mapear as áreas e edifícios públicos, implantando um cadastro específico no
prazo máximo de um ano atendendo aos objetivos da alínea anterior, bem como prever
em lei o plano de utilização das áreas públicas e dos próprios públicos de uso especial,
bem como de uso permitido ou autorizado a terceiros;
g) através de um plano de urbanização específico, renovar e revitalizar as
áreas comerciais tradicionais, pólos de comércio e serviços, criando condições para a
relocação dos estabelecimentos existentes para locais mais apropriados dentro do prazo
de dois anos após a publicação desta lei;
h) promover uma adequada arborização da cidade com o aproveitamento de
espécies nativas, iniciando o respectivo plantio em prazo de um ano;
i) aprovar regulamentação própria para o Conselho Municipal de Política
Urbana de Rio das Ostras no prazo de 03 (três) meses, conforme artigo 160 desta Lei;
j) mapear as áreas com existência de imóveis em dívida ativa, priorizando os
recursos arrecadados em execução fiscal para programas de regularização urbanística e
fundiária, bem como para aquisição de áreas de interesse ambiental, dentro do prazo de
um ano;
k) apresentar publicamente o sistema municipal de informações na forma do
artigo 150 desta lei;
l) elaborar, no prazo de 06 (seis) meses, programa específico para
regularização de loteamentos existentes, buscando, quando for o caso, o ressarcimento
integral das despesas com urbanização dos mesmos, através a execução judicial da
garantia oferecida em lotes caucionados ao Município, ou por outros meios, observadas
as diretrizes do artigo 34, IX e 35, XIV desta lei;
m) promover as providências necessárias para regularização das áreas de
preservação permanente existente em lotes urbanos decorrentes de parcelamentos
aprovados, registrados no registro imobiliário e cadastrados pela Municipalidade, na forma
do artigo 103, parágrafo único, iniciando as mesmas no prazo máximo de 03 meses após
a publicação desta lei;
n) rever a legislação tributária municipal, aprovando um novo Código Tributário
Municipal adequado à legislação urbanística e ambiental devidamente revisada.
II – quanto à política ambiental:
a) elaborar o Código Municipal do Meio Ambiente compreendendo a disciplina
do saneamento ambiental e do licenciamento ambiental dentro do prazo máximo de um
ano, observadas as disposições desta lei;
b) instituir as limitações administrativas referentes ao zoneamento ambiental e
costeiro de que tratam os artigos 69 e 70 no prazo de um ano;
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c) instituir o sistema de informações ambientais nos termos desta lei dentro do
prazo de um ano;
d) efetivar a política municipal de saneamento ambiental no ambiente urbano e
rural, tendo como objetos específicos o abastecimento de água, a coleta, tratamento e
disposição adequada dos esgotos e resíduos sólidos, exceto o industrial, e concluir os
projetos de macrodrenagem das áreas urbana e de expansão urbana e rural, dentro do
prazo de um ano;
e) absorver a responsabilidade pela prestação de serviços de abastecimento
de água e esgotamento sanitário até o ano de 2009;
f) instituir programa específico para a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental das áreas ocupadas por população de baixa renda dentro do prazo
de 180 dias da vigência desta lei;
g) instituir o Fundo Municipal para o Meio Ambiente com recursos destinados
ao financiamento de pesquisas e projetos de proteção ao meio ambiente e
desenvolvimento sustentável na região no prazo de um ano;
III – quanto à política habitacional:
a) aprovar o Plano Habitacional e desenvolver o respectivo projeto habitacional
dentro do prazo de um ano da vigência desta lei;
b) iniciar programa de regularização urbanística e fundiária em assentamentos
precários e informais nas Áreas de Especial Interesse, promovendo gratuitamente,
assistência técnica jurídica e de engenharia e arquitetura para as comunidades e grupos
sociais menos favorecidos, no prazo de 180 dias da publicação desta lei;
c) iniciar no mesmo prazo da alínea anterior à urbanização das áreas ocupadas
por população de baixa renda em assentamentos precários e informais nas Áreas de
Especial Interesse, dotando-as de infra-estrutura básica e de serviços de utilidade pública,
zelando pela manutenção dos serviços e infra-estrutura instalada, e implantando nas
referidas áreas programas de melhorias habitacionais e programas sociais para
atendimento destas populações;
d) elaborar a legislação especial pertinente ao Plano Habitacional e respectivos
projetos de que trata a alínea “a” e “b” deste inciso no mesmo prazo fixado na referida
alínea;
IV – quanto à política de desenvolvimento econômico:
a) elaborar o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Turismo a ser
aprovado dentro do prazo máximo de um ano;
b) instituir programas específicos para atendimento do disposto no art. 53 desta
lei;
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c) implantar cadastro de estabelecimentos que identifique as atividades para
subsídio às políticas de desenvolvimento econômico dentro do prazo de 180 dias;
d) implantar estruturas técnica, administrativa e financeira para o cumprimento
das diretrizes relativas ao desenvolvimento econômico sustentável, especialmente quanto
ao previsto no artigo 51, inciso XI desta lei;
e) instituir programas específicos, através da Fundação Rio das Ostras de
Cultura, para atendimento ao disposto no art. 51, XII;
V – quanto à política de desenvolvimento rural:
a) elaborar, aprovar e implantar o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural
Sustentável dentro do prazo de um ano a partir da vigência desta lei;
c) promover o zoneamento econômico-ecológico da Área Rural, iniciando os
respectivos estudos dentro do prazo máximo de 60 dias a partir da vigência desta lei.
Parágrafo único. O Poder Executivo adequará sua estrutura administrativa e as
competências de seus órgãos às normas, objetivos e diretrizes desta lei dentro do prazo
máximo de um ano, instituindo, paralelamente, um programa de capacitação dos
servidores públicos, de caráter permanente com o mesmo objetivo.
Art. 168. A área mínima do lote é fixada em 360 metros quadrados na área urbana e
em 450 ou 800 metros quadrados na área de expansão urbana, de acordo com a zona
em que se situem, conforme a Lei Municipal nº 919/2005 para parcelamento do solo para
fins urbanos até a publicação da nova legislação urbanística municipal a que se refere o
artigo 167, I, b deste Plano Diretor.
Parágrafo único. Ficam revogadas as disposições da Lei 919/2005 no que
conflitarem com este Plano Diretor, especialmente quanto aos limites da Área de
Expansão Urbana, quanto às dimensões dos lotes para a formação de sítios de recreio na
Zona de Amortecimento, e em relação à área de expansão urbana dos núcleos urbanos
01 (Rocha Leão) e 03 (Cantagalo), de que tratam os parágrafos 1º e 2º do artigo 86, e
ainda no que concerne às Áreas Protegidas, conforme o artigo 87 desta Lei.
Art. 169. O Poder Executivo, por seus órgãos competentes, com a colaboração do
Poder Legislativo, procederá a pesquisas, estudos e levantamentos, e adotará as
medidas de ordem administrativa, bem como jurídicas adequadas para definir a questão
dos limites territoriais do Município com o município de Macaé.
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Art. 170. O Poder Executivo providenciará a ratificação de todos os elementos de
representações indicados nos mapas Anexos desta Lei, através de levantamentos físicos
e determinação de marcos referenciados, para perfeita descrição de cada um deles,
publicando os respectivos mapas e memoriais descritivos, na medida em que se
ultimarem os respectivos levantamentos.
Art. 171. Fica vedada a construção de edificações com mais de dois pavimentos nos
lotes com testada para a orla marítima do Município, para os cursos d’água e lagoas
existentes na área urbana e de expansão urbana.
Art. 172. No que couber, as matérias relativas à política de infra-estrutura e serviços
de utilidade pública, enumeradas no art. 43 desta lei, serão disciplinadas em regulamento
próprio a ser editado pelo Poder Executivo mediante decreto.
Art. 173. O Plano Diretor de Rio das Ostras será obrigatoriamente revisto em 2015.
Art. 174. Esta lei entrará em vigor a partir de 60 (sessenta) dias contados da data de
sua publicação com eficácia plena e imediata, ressalvadas as disposições em contrário
previstas nesta lei.
Parágrafo único. Na forma do artigo 100, I, n, da Lei Orgânica do Município, as
medidas executórias deste Plano Diretor serão estabelecidas mediante Decreto do Poder
Executivo.
Art. 175. Ficam revogadas as disposições em contrário a partir da data inicial de
vigência desta lei.
Gabinete do Prefeito,
Rio das Ostras, 18 de outubro de 2005.
CARLOS AUGUSTO CARVALHO BALTHAZAR
Prefeito do Município de Rio das Ostras
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1
Introdução
1.1
Apresentação do tema
Desde a efetiva consolidação de instituições democráticas, as críticas que
antes recaíam sobre o Estado autoritário foram substituídas pelo diagnóstico da
apatia social, o que estaria a determinar uma baixa motivação cívica nos espaços
públicos. Esse diagnóstico é objeto de estudos há anos na literatura brasileira. A
nossa República, dizem alguns estudiosos, já teria nascido com essa marca; com
um povo que assistiu a tudo “bestializado”
1
. Mas se ainda estamos a sentir os
efeitos de nossa infância desinteressada importa menos do que a tentativa de
construir uma concepção de civilidade condizente com a práxis da vida social e
política. Pois o custo que se tem em não entender como conceber a civilidade é
precisamente o de não entender e solucionar o problema da apatia social.
É possível encontrar na história das idéias referências várias a este problema,
diretas e indiretas, e sob diversos matizes. É o problema da cidadania, da virtude
cívica, da participação política, do capital social, da solidariedade, dentre outros.
Na tentativa de abordar tais questões, constata-se, sobretudo nas últimas décadas,
a mobilização da idéia de retorno aos projetos republicanos por teóricos de toda a
parte, nacionais e estrangeiros
2
. Mas o interesse por um retorno aos ideais do
Estado republicano traz a reboque uma leitura específica da idéia de cidadania
(rectius, civilidade), fundamentada na pretensão de excelência da participação do
homem nos assuntos da coisa pública. Todavia, essa interpretação, além de
contrária às propostas (neo)liberais que enfatizam a dimensão passiva do cidadão
titular de direitos e prerrogativas individuais, requer a presença de um estado
subjetivo específico, significa dizer, de um estado mental, identificado, neste
trabalho, com a verificação de certas competências.
1 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Brasil e a República que não foi. Rio de
Janeiro: Companhia das Letras, 1987.
2 Ressaltam-se duas coletâneas nacionais sobre a temática: BIGNOTO, Newton (org.). Pensar a
República. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000; CARDOSO, Sergio (org.). Retorno ao
Republicanismo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
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12
Nessa chave de análise, o status cívico não poderia ser determinado por
elementos institucionalizáveis; por fórmulas escritas, como diriam John Dewey e
Oliveira Vianna. Não basta um reconhecimento normativo de direitos de
participação política. É necessária a existência empírica de um estado subjetivo
(referente à mentalidade) nos indivíduos que seja capaz de gerar e, nessa medida,
explicar o padrão de conduta moral e virtuosa.
A identificação da problemática desta dissertação surgiu como uma hipótese
de trabalho a partir da percepção de que em muitas ocasiões uma conversa ou uma
discussão qualquer, a despeito de todo o esforço nesse sentido, não encerrava um
único foco de inteligibilidade. Alcançar um consenso nessas circunstâncias
parecia muito difícil. Em contrapartida, em ocasiões propícias, também veio à
minha percepção o “fato do compartilhar” de uma inteligibilidade. Nesses casos, o
entendimento (o consenso) no que diz respeito à solução do problema que se
havia colocado era muitas vezes alcançado – embora este pudesse vir a ser
alterado no curso das investigações, o que parece ser decisivo numa perspectiva
pragmática do conhecimento. No entanto, ainda não havia para mim a idéia de
“competência”. Foi somente com a leitura do livro de John Dewey, The Public
and its Problems, que entrei em contato com a questão da competência – o livro
consiste numa resposta à tese do individuo “omnicompetente”, do jornalista
americano Walter Lippmann.
A minha intuição foi no sentido de que a teoria do Estado republicano requer
um homem civicamente competente. Para tanto, busquei compreender o que se
entende por “competência”. Por meio de uma breve revisão da literatura,
pretendia avaliar se as noções indicativas da idéia de competência humana
encontram-se conectadas com o ideal que normalmente se tem de homem cívico.
Para tentar examiná-la [a intuição], abandonei os estudos estritamente jurídicos
sobre a civilidade e resolvi trilhar novos rumos ainda não percorridos em minha
trajetória acadêmica: as relações entre a filosofia da linguagem, a psicologia social
e a teoria política. Por meio dessa empreitada interdisciplinar, procurei produzir
uma dissertação que contribuísse para a (re)construção de uma teoria mais
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13
compreensiva sobre a questão inicialmente proposta
3
. A aproximação teórica entre
essas três áreas de estudo mostrou-se decisiva para a reconstrução da noção de
competência humana e, sobretudo, para que se pudesse avaliar a existência de
uma competência cívica nesses moldes.
Algumas noções já amplamente desenvolvidas em pesquisas sérias apontam
para a existência de uma competência humana. Concretamente, identifico as
seguintes noções indicativas desse conceito, as quais devem ser tidas como
vestígios teóricos que apontam nesse sentido:
1. Adoção de papéis [role-taking] (George-Herbert Mead)
2. Competência cognitiva (Jean Piaget)
3. Desenvolvimento moral (Lawrence Kohlberg)
4. Competência lingüística (Noam Chomsky)
5. Competência comunicativa (Jürgen Habermas)
6. Controle discursivo (Philip Pettit)
Cumpre assinalar que a caracterização dessas noções indicativas, que
representam, como se disse, verdadeiros indícios ou vestígios teóricos da
existência de uma noção de competência humana, não tem aqui qualquer
pretensão de exaustão. Minhas investigações têm comprovado que a noção de
competência humana desenvolve-se em diversas disciplinas e uma aproximação
exaustiva com vistas a captar a história desse conceito certamente demandaria
esforços além daqueles que se poderia empregar; na verdade, além dos próprios
limites disciplinares deste trabalho. Fica, então, a promessa de desenvolvimentos
futuros.
“Ser competente” significa, de uma maneira geral, possuir capacidades ou
habilidades bem desenvolvidas (e adaptadas) para lidar com determinados
problemas que surgem na vida cotidiana. Acredito que o nome adequado para
3
Essa abordagem interdisciplinar e mais compreensiva é emprestada, por todos, de Philip Pettit.
No livro A Theory of Freedom: From the Psychology to the Politics of Agency, publicado em
2001, o autor busca uma teoria unificada e compreensiva [a single and comprehensive theory]
sobre o conceito de liberdade a partir de dois domínios conceitualmente conectados, embora
tecnicamente compartimentalizados. A questão da liberdade, assim como o problema da civilidade
que aqui proponho colocar – a meu ver, muito próximos –, é abordada por estudos tanto da área
da teoria política como da psicologia. As conotações e as implicações da liberdade são análogas
nesses dois domínios.
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14
adjetivar essa competência humana – se lingüística, comunicativa, discursiva,
cognitiva, moral ou cívica – importa menos do que destacar o fato em si de que os
homens são seres vivos biológicos naturalmente equipados com certas
competências. Neste cenário, cumpre destacar dois pontos.
Primeiro, na medida em que se trata de analisar as capacidades daquele que
possui o que comumente se designa como virtude cívica, as habilidades ou
competências que são demandadas são aquelas exercidas nos discursos públicos
para a resolução de problemas concernentes à coisa pública. Nesse cenário,
constata-se, empiricamente, que o processo resolutivo ocorre por meio do
emprego de atos de fala; mais precisamente, mediante processos comunicativos e
discursivos de compreensão e emprego da linguagem. Ressalta-se, dessa maneira,
a importância da filosofia da linguagem ao lado das demais disciplinas aqui
abordadas, como a psicologia social e a teoria política.
O segundo elemento que se revela central é a reversibilidade do pensar. Essa
questão constitui, verdadeiramente, o pressuposto teórico da hipótese aventada
neste trabalho. Como se disse acima, na teoria republicana do Estado, destaca-se a
excelência do indivíduo que participa ativamente da vida política. Essa noção de
cidadania, referente a um estado mental, foca na ação direcionada para o Estado,
ou para a coletividade como um todo, a qual se concretiza especificamente no
discurso público para a resolução de problemas. Ocorre que a resolução de tais
problemas exige a capacidade de o individuo sopesar valores concorrentes, de
ponderar entre a satisfação de interesses privados e o bem de toda a coletividade.
Exige, em outras palavras, a possibilidade de o sujeito adotar idealmente o papel
do outro na cena social. Como essa adoção é ideal, diga-se melhor, mental,
explica-se, pois, a exigência de reversão do pensamento. Reverter o pensamento
para idealmente adotar o papel do outro é elemento decisivo para que se possa
ponderar sobre os interesses próprios em face dos interesses de toda a coletividade
- é a idéia de role-taking (George-Herbert Mead).
Vale recorrer aqui ao seguinte esquema explicativo:
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15
Civilidade, Moralidade e Virtude Qualidades ou comportamentos que
requerem a capacidade de ponderar,
sopesar, avaliar valores diferentes.
(pressuposto teórico)
A ponderação, por sua vez, requer a
capacidade de reverter o pensamento, de
adotar idealmente a posição do outro [ideal
role-take].
Essa capacidade de reversibilidade do pensamento revela-se
na forma de uma competência cognitiva, cujo
desenvolvimento encontra-se diretamente relacionado com o
incremento de outra competência, a lingüística (ou
comunicativa; discursiva – termos aqui intercambiáveis).
.˙.
A civilidade, identificada com a moral e com a virtude, enquanto pressuposto antropológico
central à teoria republicana, revela-se na forma de uma competência humana, discursiva, aqui
denominada de competência cívica.
Quadro 1. Esquema explicativo da hipótese intuitiva da dissertação.
Em resumo, esta dissertação de mestrado propõe-se a realizar dois movimentos
intelectuais: por um lado, identificar a existência de indícios ou vestígios que
apontam para a construção de uma noção de competência humana; por outro,
apontar as implicações, a partir desse marco-teórico, de uma teoria política
alicerçada na idéia de que a civilidade é gerada por um estado mental específico,
potencialmente presente em todos os homens comuns, cuja manifestação ocorre
na forma de uma competência discursiva.
1.2
Metodologia
É preciso relacionar aqui três questões de ordem metodológica para melhor
compreender o procedimento utilizado para a realização do trabalho: primeiro, o
enfoque pragmático; segundo, a metodologia reconstrutiva; e, terceiro, a clássica
divisão entre forma (ou estrutura) e matéria (ou substância).
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16
Primeiramente, vale dizer que procurei realizar um trabalho de cunho
eminentemente teórico que, no entanto, fosse capaz de focalizar a pragmática da
questão que me propus a pesquisar: a constituição da civilidade, tida como
pressuposto antropológico central à teoria republicana do Estado. Um enfoque
pragmático da constituição da civilidade pretende captar o comportamento do
homem cívico tal como ele é quando ele de fato acontece. Significa dizer: a
civilidade enquanto prática social que concretiza o discurso entre homens
competentes para a resolução de problemas em contextos cotidianos de interação.
O enfoque pragmático busca revelar as conseqüências do conceito que se
busca defender ou da ação que se pretende adotar. Acredita-se que são as
conseqüências relativas à defesa de um conceito ou à adoção de uma ação
específica que constituem a metodologia adequada para se proceder na
investigação científica desse mesmo conceito ou ação. Desse modo, por um lado,
o conseqüencialismo engendra o reconhecimento de uma postura antidogmática,
na medida em que desconsidera qualquer fundação prévia para a pesquisa; mas,
por outro lado, fomenta a busca da comunicação com o passado acerca do
conhecimento que até agora já se sabe sobre a coisa.
4
E aqui entra justamente a
importância da metodologia reconstrutiva, o segundo ponto.
No tocante ao segundo ponto, como se disse, a primeira parte do trabalho
consiste numa tentativa de reconstruir o pensamento de autores selecionados no
que concerne à formulação indicativa da noção de “competência humana”.
Somente se alcança tal conceito por meio de uma metodologia que aposta na
reconstrução racional dos processos gerativos da própria noção que se quer
explicar. A tarefa de reconstruir racionalmente conceitos, teorias ou hipóteses
inicia-se com uma espécie de conhecimento intuitivo, que representa uma
pretensão de validade (como correção). Quando se recorre ao método da
reconstrução racional em busca do entendimento de uma teoria que intuitivamente
se colocou, desempenha-se uma ação comunicativa recursiva para trás das normas
que desde sempre determinaram o sentido da teoria investigada. Mediante esse
4
V., por todos, DEWEY, John. Pragmatic America. In: HICKMAN, Larry A.; ALEXANDER,
Thomas M. (ed.). The Essential Dewey: Pragmatism, Education, Democracy, Volume 1.
Indianapolis: Indiana University Press, 1998, pp. 29-32; Cf., na literatura nacional, EISENBERG,
José. Para que serve o pragmatismo jurídico?. In: Série Páginas de Teoria n. 1, disponível em:
www.cedes.iuperj.br
; acessado em: 25 de abril de 2005.
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17
percurso reconstrutivo rumo ao passado das intuições teóricas fortes, o material
inicial, antes construído de forma intuitiva, passa a ser assim reconstruído
racionalmente. Em outras palavras: realiza-se uma reconstrução racional das
normas que determinaram intuitivamente o entendimento do elemento sob análise.
Essa é justamente a metodologia reconstrutiva, tida como critério de
validação das explicações consideradas científicas. No pensamento habermasiano,
essa metodologia encontra-se fundamentalmente conectada com a teoria do
discurso, que busca reabilitar a razão prática e, assim, conectar o mundo dos fatos
[faticidade] com o mundo dos valores; das normas [validade]. A metodologia está
também presente na sofisticada teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy.
Para Alexy, “uma norma é correta se, e somente se, ela possa ser o resultado de
um determinado procedimento, que é o do discurso prático racional”.
5
Trata-se,
em última análise, de um critério de validação das pretensões levantadas que
pertence a um domínio consensual racionalmente fundado pelos participantes do
discurso científico. Por isso é que nesse caminho explicativo o que se busca é
reconstruir os discursos coerentes sobre a competência com vistas a
recursivamente encontrar premissas básicas gerativas desses próprios discursos.
6
A terceira e última questão metodológica que convém apontar diz respeito à
antiga querela acerca da distinção entre forma e matéria. Compreender é alcançar
o sentido enquanto forma ou enquanto matéria? Sempre se quis que o sentido
estivesse na matéria, como se a essência fosse o conteúdo de uma coisa, mas os
estudos neste trabalho indicam justamente o oposto. O ponto central das teorias
aqui abordadas é a demonstração de que o potencial universal do entendimento de
um conceito sobre o mundo está na forma de sua produção – numa determinada
estrutura que gera o conceito; que produz o fenômeno. Os estudos argumentam
que a competência (cognitiva, lingüística, comunicativa, discursiva e até moral)
5
ALEXY, Robert. Justicia como corrección. In: La institucionalización de la justicia. Tradução de
José Antonio Seoane. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 60.
6
Tarefa, na verdade, (ainda) não alcançada diante do curto lapso temporal que se teve para
formular esta dissertação, bem como em face do vasto material até hoje existente na literatura.
Sobre a metodologia que orientou este trabalho, v. HABERMAS, Jürgen. Reconstruction and
Interpretation in the Social Sciences. In: Moral Consciousness and Communicative Action.
Massachusetts: The MIT Press, 1999, pp. 21-42; HABERMAS, Jürgen. What is Universal
Pragmatics?. In: COOKE, Meave (ed.). On the Pragmatics of Communication. Massachusetts: The
MIT Press, 1998, pp. 21-66. Concretamente, a idéia, como se verá, encontra-se também presente
no pensamento dos demais autores abordados.
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18
somente é passível de mensuração objetiva porque capturada em termos formais.
A possibilidade de mensuração objetiva ocorre, nesses casos, porque a
competência discursiva identifica-se com a adaptabilidade dos atos de fala ao
contexto interativo. Na análise que privilegia a forma ou a estrutura, pergunta-se
sobre a existência de um determinado padrão presente na coisa em si, cujo exame
resulta na elaboração de um mapa.
Em última análise, essa perspectiva formal significa a confiança no
conhecimento científico, ou no “naturalismo metodológico”, segundo Chomsky.
Defende-se, nesse sentido, a impossibilidade lógica de se vir a separar o
conhecimento germinado nos domínios das ciências naturais daquele produzido
no campo das ciências sociais. Corretamente entendida, essa é também a
orientação teórica perfilhada tanto pelas correntes teóricas do “cognitivismo”
como do “fisicalismo”. Nessas linhas de pensamento, o conhecimento constrói-se
sempre a partir das ciências da natureza. Trata-se de um projeto moderno. Agora,
mais importante do que isso é revelar que não se desconsidera os movimentos
advindos da própria natureza que abalam os preceitos centrais da ciência natural,
hoje fortemente invocados por abordagens de tipo “pós-moderna”. É claro que
essa chamada “crise de paradigma” decorrente do abalo de preceitos até então
intocáveis acarretou uma revisão da metodologia tradicionalmente utilizada para
se obter o conhecimento. A questão aqui parece ser terminológica. Será que é
correto utilizar o prefixo “pós” quando assumimos que nossas crenças estão em
constante adaptação? Quando assumimos que estamos – a espécie humana – em
constante evolução? Existe algum conhecimento que seja de fato pós-científico
quando o estado científico é per se assumido na sua dinâmica?
A idéia, no final das contas, argumenta que uma única metodologia do saber
deve orientar a produção do conhecimento em todas as áreas disciplinares, desde a
física e a biologia até a psicologia, a sociologia e a política. Por todos, destaca-se
a confirmação de John Dewey, um dos autores chaves deste trabalho, quanto à
impossibilidade de se vir a separar o social do natural:
Na medida em que meus estudos e pensamentos progrediram, eu fiquei mais e mais
incomodado com o escândalo intelectual que me parecia estar envolvido no
presente (e tradicional) dualismo no ponto de vista lógico e no método entre
alguma coisa chamada “ciência” de um lado e alguma coisa chamada moral do
outro. Eu desde sempre senti que a construção da lógica, isto é, um método de
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19
investigação efetiva, que se aplicaria sem lacunas abruptas de continuidade a ambos
os campos designados por essas palavras [ciência e moral], é ao mesmo tempo
nosso solvente teórico necessitante e o recurso de nosso maior querer prático.
7
A possibilidade de uma realidade inteligível ao homem só existe se tomada em
linhas estruturais. E aqui a civilidade é metodologicamente pensada num processo
de interação lingüisticamente mediada. Afinal, “o real possui uma forma de ser” –
disse diversas vezes meu orientador.
8
Para arrematar: busca-se investigar a existência de um padrão de civilidade
(enquanto comportamento) capaz de ser gerado e sustentado universalmente.
Acredito que existe, de fato, uma espécie de mapa para se localizar a competência
discursiva, comunicativa, lingüística. E, se a civilidade, moralidade, virtude
identificam-se com aquelas competências, hipótese intuitivamente levantada,
quais são as conseqüências políticas para uma teoria do Estado que pretenda
fundamentar-se nessas bases? Será que há uma única direção para a virtude, para a
moral, para a liberdade, para a emancipação social e para a civilidade? Numa
visão ainda mais radical, como arrisca defender a perspectiva psicogenética, será
que há um único caminho a ser por todos “decodificado”?
1.3
Estrutura do trabalho
O presente trabalho está estruturado em basicamente duas partes. A
primeira, dividida em quatro capítulos, busca reconstruir a noção de competência
em autores selecionados. A segunda, que se resume à conclusão, intitulada Uma
teoria política da competência cívica, representa as implicações para a teoria do
Estado decorrentes da defesa da noção de competência humana. Embora não se
tenha nomeado essas duas divisões de “partes”, na medida em que a “segunda
parte” constitui de fato a conclusão da dissertação, o trabalho pode ser mais bem
compreendido quando se leva em conta que dois movimentos teóricos foram
realizados, quais sejam: (1) a identificação da existência de indícios ou vestígios
que apontam para a construção de uma noção de competência humana e (2) o
7
DEWEY, J. From Absolutism to Experimentalism (1930). In: op.cit. , p. 19.
8
Sobre o assunto, cf. PLASTINO, Carlos Alberto. Complexidade e transdisciplinaridade. In: ROTANIA, Alejandra Ana; WERNECK, Jurema (org.).
Sob o signo das bios: vozes críticas da sociedade civil. Nova Friburgo: Marca Gráfica e Editora, 2005, pp. 24-35.
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20
apontamento das conseqüências políticas decorrentes do acatamento de uma teoria
republicana do Estado fundamentada na idéia de que a civilidade é gerada e
explicada por um estado mental específico determinado em razão da competência
discursiva do homem.
O caminho percorrido é obviamente curto na história das idéias. Optei por
tratar de proposições teóricas de autores que fossem não somente contemporâneos
uns dos outros, mas que, de certa forma, dialogassem na construção de seus
pensamentos. O recorte, além de encerrar um curto lapso temporal, também não é
profundo. A intenção foi trazer à tona as propostas dos autores eleitos de forma
não-articulada, sem qualquer pretensão maior de crítica (analítica ou sintética) – o
que não significa que, quando se sentiu necessário, isso não tenha ocorrido.
Talvez essa ressalva explique o considerável número de autores mobilizados em
detrimento da profundidade na abordagem e, sobretudo, deixe a promessa de
futuros desenvolvimentos.
Concretamente, os quatro capítulos que compõem o trabalho buscam
reconstruir as contribuições teóricas de Noam Chomsky, Lawrence Kohlberg,
Jürgen Habermas e Philip Pettit. Chomsky, em primeiro lugar, é tido como o
autor-base para as investigações lingüísticas de Habermas que resultaram na
formulação das idéias de “pragmática universal” e “competência comunicativa”.
Kohlberg e Habermas, por sua vez, foram grandes companheiros, e a amizade
entre eles possibilitou a articulação da aproximação disciplinar entre a psicologia
social, a educação moral e a filosofia da linguagem. Philip Pettit, embora pareça
não ter qualquer conexão com os demais, propõe formulações teóricas muito
similares, o que justifica a sua inclusão nesta seleção de autores. Vale ressalvar
que outros intelectuais foram mobilizados no curso do trabalho em razão da
similitude teórica com os demais, sem que se tenha colocado em evidência,
contudo, certas especificidades de suas proposições. Dentre eles, destacam-se,
inter alia, os psicólogos sociais americanos John Dewey e George-Hebert Mead –
precursores das idéias desenroladas pelos autores aqui mobilizados –, o
neurobiólogo chileno Humberto Maturana, o psicólogo suíço Jean Piaget e o
microssociólogo americano Erving Goffman.
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21
A proposta aventurada representa a confiança forte que tenho na
interdisciplinaridade que a construção do conhecimento requer. Embora a fuga
dos estudos estritamente jurídicos tenha significado uma questão de necessidade
vital para que eu pudesse prosseguir na feitura deste trabalho, estive de fato
sempre comprometida com os objetivos do programa de pós-graduação que
escolhi percorrer. Esta dissertação representou, para mim, uma tentativa séria e
honesta de melhor compreender a Teoria do Estado Republicano.
Para a elaboração técnica desta dissertação, utilizei as normas elaboradas
pela Pós-Graduação da PUC-Rio, assim como as normas NBR 14724 de 2001 e
NBR 6023 de 2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Para
facilitar a leitura das citações em língua estrangeira, e o trabalho de transcrição,
optei por fazer uma tradução livre no corpo do texto. Deixo consignada a reserva
de que as preocupações expostas neste trabalho encontram-se em franco
desenvolvimento de modo que as apresentações significam mais uma indicação
das questões debatidas do que uma análise apurada ou uma resposta satisfatória ao
problema que se colocou no início da investigação. A mim bastará se, até aqui,
tenham sido satisfeitos os constrangimentos discursivos do debate. Chega-se ao
final com a mesma sensação inicial: a direção do caminho foi apenas apontada,
embora agora com mais “competência”.
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2
Chomsky: as contribuições da metodologia naturalista
para os estudos sobre a mente e a competência lingüística
Chomsky é um estudioso norte-americano de origem judaica. Nasceu na
Filadélfia, cidade do estado da Pensilvânia
1
, em sete de dezembro de 1928.
Estudou lingüística, matemática e filosofia na Universidade da Pensilvânia.
Formou-se em 1949 com uma monografia sobre o hebraico moderno. O trabalho
foi ampliado no curso de seus estudos mais avançados e transformou-se em sua
tese de doutorado, defendida em 1955, na qual desenvolveu uma teoria
revolucionária sobre a estrutura da linguagem humana, precursora dos estudos
posteriores em ciência cognitiva. Daí resultou a publicação, no ano de 1957, de
Syntactic Structures, obra na qual desenvolve a noção de “gramática gerativa”,
hoje central nos estudos lingüísticos.
Os interesses de Chomsky, contudo, não se restringem aos problemas
teóricos lingüísticos e cognitivos. De fato, foi o ativismo político que tornou o
autor célebre, inclusive para além das fronteiras acadêmicas e científicas – o que
talvez dê ainda mais crédito para as formulações do autor. Este trabalho pretende
focar nos estudos científicos de Chomsky sobre a linguagem humana e o
funcionamento da mente, que se encontram numa série de ensaios publicados no
livro Novos horizontes no estudo da linguagem e da mente, recentemente lançado
no Brasil. A exposição a seguir elaborou-se com base nesse material.
Iniciar o presente trabalho com a investigação da noção de competência
nos estudos de Chomsky parece adequado na medida em que foi o conceito de
“competência lingüística” deste autor que influenciou a elaboração da proposta de
Habermas no tocante à “competência comunicativa”. Os estudos, no entanto,
1
A cidade natal de Chomsky, Filadélfia, localizada no estado da Pensilvânia, é indiscutivelmente
uma das mais libertárias e ricas em produção intelectual nos Estados Unidos. Vale notar que a
Pensilvânia foi uma das 13 colônias que se rebelou contra o domínio inglês na luta pela
independência americana na segunda metade do século XVIII. Foram lá redigidas a Declaração da
Independência e a Constituição Americana. Curioso também o fato de que o Estado foi fundado
em 1681 por William Penn, um “Quaker”, isto é, membro de um grupo religioso protestante,
chamado “Sociedade dos Amigos”, que reagiu contra os abusos da igreja anglicana. Sobre o
assunto, cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Pennsylvania
.
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23
remetem a questões de ordem metodológica, determinantes para a compreensão
dos conceitos que aqui se propõe. É assim que, a seguir, analisa-se primeiramente
a metodologia do autor; em seguida, o conceito de competência sob essa ótica.
2.1
Naturalismo metodológico
Desde as décadas de 1950 e 1960, Noam Chomsky tem desenvolvido
estudos sérios sobre a linguagem e a mente humana. Tais estudos apontam para
uma verdadeira “revolução cognitiva”, de cunho universalizante, ao propor uma
investigação da mente e da linguagem a partir de achados empíricos tidos como
universais. Tais achados empíricos são universais e assim podem ser identificados
porque o autor recorre a um programa de pesquisa que defende uma metodologia
naturalista na investigação dos fenômenos lingüísticos e mentais – o “naturalismo
metodológico”.
Essa perspectiva representa uma interpretação “internalista” da linguagem,
não mais situada no exterior do homem. A linguagem é uma competência interna.
A metodologia naturalista, e a conseqüente perspectiva internalista da linguagem,
coloca a proposta de Chomsky no domínio da psicologia e da biologia. Assim é
que a linguagem humana passa a ser vista como um “objeto biológico” a ser
necessariamente estudado a partir da metodologia que conforma a produção do
conhecimento no campo das ciências naturais. Com isso, são rejeitados os
dualismos filosóficos que tradicionalmente separam a mente humana do corpo.
(Na verdade, a questão mente-corpo, como salienta Neil Smith
2
, sequer poderia
ser corretamente formulada, na medida em que não temos critérios para saber o
que constitui um corpo).
Chomsky é preciso com relação aos objetivos e métodos de sua pesquisa:
“Gostaria de discutir uma abordagem da mente que toma a linguagem e os
fenômenos similares como elementos do mundo natural a serem estudados por
2
SMITH, Neil. Prefácio. In: CHOMSKY, Noam. Novos horizontes no estudo da linguagem e da
mente. Tradução de Marco Antonio Sant´Anna. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 10.
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24
meio de métodos ordinários de pesquisa empírica”
3
. Isso significa que o
funcionamento da mente é encarado da mesma forma que se encara o
funcionamento de outros sistemas gerativos de organismos vivos. Dessa forma,
Chomsky diz que a cognição “pode perfeitamente ser considerada um órgão (...)
no sentido em que os cientistas falam do sistema visual, do sistema imunológico
ou do sistema circulatório como órgãos do corpo”. Conclusões curiosas e
fascinantes têm sido apontadas com a adoção dessa metodologia de investigação
no que concerne ao funcionamento da mente e da cognição humanas.
Vamos entender também o termo “naturalismo” sem conotações metafísicas:
uma “abordagem naturalística” para a mente investiga aspectos mentais do
mundo, da mesma maneira como fazemos com outros, procurando construir
teorias explanatórias inteligíveis, com a esperança de uma integração eventual
com o “centro” das ciências naturais. Tal “naturalismo metodológico” pode ser
confrontado com aquilo que poderíamos chamar de “dualismo metodológico”, a
visão de que precisamos abandonar a racionalidade científica quando estudamos
os seres humanos “acima do pescoço” (metaforicamente falando), tornando-nos
místicos neste domínio singular, impondo preceitos arbitrários e, a priori,
fazendo exigências de um tipo que nunca será contemplado nas ciências ou de
outras maneiras, a partir de cânones normais de pesquisa.
4
A defesa de uma metodologia naturalista impõe-se diante da necessidade
de se contrapor às abordagens dualistas (modernas) que historicamente buscaram
separar o corpo da mente. O curioso, contudo, é que a identificação corpo-mente,
ou a conexão corpo-psiquismo, não só é essencial para o programa de pesquisa de
Chomsky, cujas abordagens parecem situar-se no campo do universalismo
cognitivo, mas também para outras proposições teóricas que se situam do lado
oposto, aquelas que não acreditam no universalismo cognitivo. Esse parece ser o
caso da tese defendida pelo biólogo chileno Humberto Maturana.
5
Mas o que são as explicações filosóficas de nossas mentes se uma teoria
da mente deve ser harmônica com as teorias no campo das ciências naturais?
Chomsky acredita, conforme a tradição moderna, na possibilidade de que certos
cânones possibilitam formar o conhecimento humano; de que existem padrões
3
CHOMSKY, Noam. A linguagem como objeto natural. In: op.cit., p. 193.
4
CHOMSKY, Noam. Naturalismo e dualismo no estudo da linguagem e da mente. Op.cit., p.147.
5
MATURANA, Humberto. Realidade: a busca da objetividade, ou a procura de um argumento
coercitivo?. In: MAGRO, Cristina; GRACIANO, Miriam; VAZ Nelson (org.). A ontologia da
realidade. Belo Horizonte: UFMG, 2002. Cf. CHOMSKY, Noam. Linguagem e interpretação:
reflexões filosóficas e pesquisa empírica. In: Novos horizontes no estudo da linguagem e da
mente. Tradução de Marco Antonio Sant´Anna. São Paulo: Editora UNESP, 2005, pp. 97-114.
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25
para gerar a confiança nas crenças que possuímos sobre o mundo. Aos críticos
pós-modernos, Chomsky rebate:
Com certeza, uma abordagem naturalística não exclui outras maneiras de tentar
compreender o mundo. Alguém muito comprometido com isso pode acreditar
de forma consistente (essa é minha opção) que aprendemos muito mais sobre o
interesse humano, sobre como as pessoas pensam e sentem e agem, lendo
romances ou estudando história ou as atividades da vida comum do que a partir
da Psicologia naturalística, e isso talvez seja sempre assim; de maneira
semelhante, as artes podem oferecer uma apreciação dos céus à qual os
astrofísicos não aspiram. Estamos falando aqui de entendimento teórico, um
modo particular de compreensão. Neste domínio, qualquer abandono dessa
abordagem apresenta uma necessidade de justificativa. Talvez alguém possa
fazer isso, mas, na verdade não conheço ninguém que o faça.
6
2.2
A competência lingüística
A identificação da mente, da cognição humana e da linguagem produzida
como organismos vivos implica reconhecer a existência de uma estrutura que se
desenvolve de acordo com as necessidades de adaptação a ambientes cada vez
mais complexos. A realidade se apresenta como uma estrutura adaptativa – uma
forma de ser. Isso significa, em outras palavras, que a mente, enquanto estrutura
geradora do intelecto humano, é determinada pela complexidade do ambiente ao
qual busca se conformar. Quanto maior for a complexidade ambiental, mais
desenvolvida é a mente.
Os estudos de Chomsky buscam saber como o cérebro do indivíduo “A”
chegou a tal estado cognitivo. Esse estudo conduz a pesquisas sobre a capacitação
biológica inata, os resultados decorrentes de interações ambientais e a natureza do
estado atingido, entre outros temas. As teorias acerca do estado cognitivo inicial
denominam-se “Gramática Universal”; em contrapartida, as teorias acerca do
processo de incrementação da linguagem, que buscam mapear o desenvolvimento
da faculdade da linguagem desde o estado inicial até os posteriores, são chamadas
de “Sistema de Aquisição de Linguagem”.
A faculdade de linguagem dos indivíduos é de especial interesse
precisamente porque representa a condição de possibilidade de uma comunicação
6
Idem, p. 149.
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26
inteligível entre os homens. A comunicação ocorre quando a faculdade de
linguagem “Língua-B”, produzida pelo estado mental do indivíduo “B”, é
semelhante o suficiente da faculdade de linguagem “Língua-A”, produzida pelo
estado mental do indivíduo “A”, de modo que é possível encontrar um estado
mental inteligível a ambos. Chomsky chama esse estado mental determinante da
faculdade de linguagem de um indivíduo de “competência”. Hoje o termo
utilizado é “Língua-I”, em que “I” significa interno e individual. Nesse sentido,
afirma-se que a competência lingüística é justamente a capacidade internamente
condicionada de o indivíduo locutor dominar um sistema de regras gerativas da
linguagem que possibilita a comunicação com outro estado mental. Trata-se, pois,
de um componente que é interno e que se adapta ao ambiente exterior. E mais:
além de interno e adaptável ao ambiente, esse componente é estruturalmente
gerado e, portanto, explicado.
2.3
A mente comum
As constatações acima poderiam conduzir a uma interpretação
conservadora das possibilidades emancipatórias do homem comum. De fato, esse
é um perigo que parece ser cada dia mais real. Todavia, como o próprio Chomsky
ressalva, esse perigo pode ser descartado com a constatação de que o estado
inicial mental é uma propriedade humana comum.
O cérebro tem um componente – chamemos isso de “faculdade da linguagem” –
dedicado à língua e ao seu uso. Para cada indivíduo, a faculdade da linguagem
tem um estado inicial determinado pela capacitação biológica. Deixando de lado
patologias sérias, tais estados são tão similares entre as espécies que, de maneira
razoável, podemos abstrair o estado inicial da faculdade da linguagem como
uma propriedade humana comum.
7
Agora, como o ambiente influencia diretamente o desenvolvimento
cognitivo, inevitavelmente surge a questão relativa à determinação do meio que
revelaria condições ideais para o desenvolvimento de todo o potencial cognitivo
do design mental do homem. Nesse caso, a crítica conservadora não tem
escapatória. Provisões ambientais suficientemente boas necessariamente
7
CHOMSKY, Noam. Naturalismo e dualismo no estudo da linguagem e da mente. Op.cit., p.149.
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27
possibilitam o desenvolvimento de homens mais competentes cognitivamente. A
afirmação da incompetência de membros de comunidades com provisões
ambientais ruins é fácil de se construir a partir do momento em que se demonstra
a existência de uma relação necessária entre o desenvolvimento de fatores
ambientais e a construção da subjetividade competente. O ambiente é
determinante à constituição de subjetividades competentes. Daí que hoje, no
campo dos direitos humanos, há uma intensa atividade intelectual e prática de
mobilização da idéia de desenvolvimento humano. Acredito que essa mobilização
é uma das indicações centrais da constatação de que o ambiente em que o
indivíduo se insere é determinante para a construção de sua subjetividade. A
defesa, pois, da idéia de que o desenvolvimento humano é algo a ser seriamente
promovido no mundo deve ser vista como um sinal de advertência para os
formuladores de políticas públicas e privadas. Sobre o tema, diz Chomsky:
O ambiente provoca e, numa medida limitada, dá forma a um processo de
crescimento internamente direcionado, que se estabiliza (bastante) perto da
puberdade. Um estudo sério tentaria determinar quais estados “puros” da
faculdade da linguagem estariam sob condições ideais, abstraindo de uma
grande quantidade de distorções e inferências nas complexas circunstâncias da
vida ordinária, desejando assim identificar a natureza real da faculdade da
linguagem e de suas manifestações; pelo menos assim ditam os cânones do
naturalismo metodológico.
8
Para terminar, de forma a problematizar o argumento naturalista sobre a
mente humana e a cognição, vale perguntar o seguinte: se a estrutura mental é, por
um lado, comum a todos, e por outro, conformada pelo ambiente (cultura), nossas
crenças e construções cientificas são, afinal, universais ou não?
2.4
O entendimento
A pergunta acima introduz o problema do entendimento. Chomsky fornece
uma explicação sobre o que é o entendimento e, de uma maneira geral, o
entendimento formulado pela própria “ciência natural” a partir dessa metodologia
naturalista que toma a mente humana e a linguagem como elementos ou
categorias do mundo biológico. Tais categorias, enquanto pertencentes ao mundo
8
Ibidem.
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28
da natureza viva, são cientificamente apreensíveis por meio de investigações
similares às que ocorrem em outros domínios das ciências da natureza. A
apreensão cientifica ocorre por meio daquilo que Chomsky chama de “faculdade
de formação de ciências” (FFC). Assim é que os problemas científicos colocados
ao homem são resolvidos somente quando o estado mental possui meios para
tanto. Há certos problemas que a FFC não é capaz de avaliar; nesses casos, a FFC
não possui essa competência cognitiva. Esses são os verdadeiros mistérios para o
homem.
Entre os aspectos da mente estão aqueles que entram em pesquisa naturalística;
chamemos isso de “faculdade de formação de ciências” (FFC). Equipadas com
a FFC, as pessoas confrontam “situações-problema”, que consistem em certos
estudos cognitivos (de crença, entendimento ou mau entendimento), questões
que são colocadas e assim por diante (...). Com freqüência, a FFC produz
apenas um estado vazio. Algumas vezes fornece idéias sobre como as questões
poderiam ser respondidas ou formuladas, ou o estado cognitivo modificado,
idéias que podem, então, ser avaliadas por meio que a FFC oferece (teste
empírico, consistência com outras partes das ciências, critérios de
inteligibilidade e elegância etc.). Como outros sistemas biológicos, a FFC tem
seu escopo e seu limite potenciais; podemos distinguir problemas que, em
princípio, se inserem, e sua extensão de mistérios que não se inserem. A
distinção é relativa aos humanos; ratos e marcianos têm problemas e mistérios
diferentes, e no caso dos ratos até sabemos muitas coisas sobre eles. A distinção
também não precisa ser precisa, ainda que esperemos que exista, para qualquer
organismo e para qualquer faculdade cognitiva. As ciências naturais, que
atingiram sucesso, se inserem, então, na inserção do escopo da FFC e da
natureza do mundo; tratam dos (dispersos e limitados) aspectos do mundo que
podemos apreender e compreender pela pesquisa naturalística, em princípio.
9
Aqui entra precisamente a noção da gramática gerativa: as frases que
construímos para explicar a realidade são geradas por operações cognitivas. Essas
frases são geradoras, em última análise, da compreensão da realidade. A frase
constrói-se por meio da “faculdade de formação de ciências” (FFC). Daí, pois, a
possibilidade de que alguém que possua a “Língua-A” venha a compreender a
“Língua-B”. Ambas as Línguas-I são criadas pela FFC de cada indivíduo, a qual
possui, como se viu, o mesmo design inicial. É por isso que é possível encontrar
um ponto de inteligibilidade entre os dois indivíduos [o consenso].
Essa questão conduz a outra que é muito mais complicada, qual seja, os
limites do alcance da inteligência humana:
9
CHOMSKY, Noam. Idem, pp. 156-157.
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29
Quanto à questão do alcance cognitivo, se os humanos são parte do mundo
natural e não seres sobrenaturais, então a inteligência humana tem seu escopo e
seus limites determinados pelo design inicial. Podemos assim antecipar que
certas questões não criarão em seus alcances cognitivos; desse modo, os ratos
são incapazes de atravessar labirintos com propriedades numéricas por lhes
faltarem conceitos apropriados. Poderíamos chamar tais questões de “mistérios-
para-humanos”, assim como algumas estabelecem “mistérios-para-os-ratos”.
Pode ser que entre esses mistérios surgiramos algumas questões e não saibamos
como formular outras de maneira apropriada. Esses truísmos não pesam sobre
os humanos, como se tivessem uma “inteligência débil”. Não condenamos os
embriões humanos como “débeis” porque suas instruções genéticas são ricas o
suficiente para capacitá-los a se tornar humanos e, daí, bloquear outros
caminhos de desenvolvimento.
10
Mas, se a própria mente, responsável que é pela formação das principais
categorias intelectuais tidas como científicas, é ela mesma uma categoria
intelectual científica, então o conhecimento mental sobre a mente encontra-se
limitado àquilo que o próprio sistema gerativo da estrutura mental pode revelar.
... E tudo isso só existe nas representações recursivas da linguagem humana,
biologicamente programada.
Quadro 2. A “Faculdade de Formação da Ciência” (FFC) como uma função da linguagem.
10
CHOMSKY, Noam. A linguagem como objeto natural. Op.cit., p. 195.
Faculdade de Formação da Ciência
(FFC)
Biologicamente constatada Adaptada ao ambiente
nos homens comuns
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30
Se a FFC é biologicamente determinada, todo esse consenso construído pode ser
uma ilusão. Significa dizer: essa faculdade de formação dos conceitos científicos
nos permite construir explicações sobre a realidade na medida exata em que elas
[as explicações] são possíveis de serem geradas pela FFC do homem. Talvez se a
realidade fosse apreensível de outra forma, gerada de outro modo, os conceitos
explicativos da realidade seriam diferentes; a realidade teria outra construção na
mente humana. É possível, em tese, que assim seja. Todavia, uma coisa é certa:
ilusão ou não, a mente humana é uma só; conseqüentemente, a realidade é sempre
gerada e explicada por um mesmo sistema cognitivo, comum a todos os homens.
Aqui vale introduz uma outra perspectiva sobre a realidade que,
curiosamente, apesar de compartilhar dos mesmos pressupostos metodológicos
naturalísticos de Chomsky, chega a conclusões divergentes. Trata-se da proposta
do biólogo chileno Humberto Maturana, cujos estudos igualmente trilharam os
rumos da ciência cognitiva. Far-se-á isso por meio de um excursus, com o
objetivo de poupar as possíveis incompatibilidades teóricas entre os dois.
* * *
2.5
Excursus: a explicação enquanto fenômeno biológico
A noção de realidade objetiva é comumente vista como um elemento
universal e independente do que o intelecto humano concebe. Tal entendimento
encontra-se equivocado, diz o biólogo chileno Humberto Maturana. O mundo
observado, na verdade, depende do observador; e a observação, por sua vez, na
medida em que é biologicamente programada, não tem como discernir a realidade
percebida do que pode vir a ser uma ilusão. A questão da realidade, portanto,
representa um dos problemas centrais que a humanidade tem de enfrentar.
Acontece que a maneira como essa questão se coloca e, conseqüentemente, a
forma como é respondida é determinante da aceitação ou da rejeição de outros
elementos da realidade social que supomos existir, como “o amor”. Maturana
considera que a maneira adequada para se abordar a questão da realidade
pressupõe assumir que o intelecto humano observador é uma entidade biológica:
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31
(...) afirmo que não é possível se ter uma compreensão adequada dos fenômenos
sociais e não sociais na vida humana se essa questão [acerca do que é a
realidade] não for respondida adequadamente, e que essa questão só pode ser
respondida adequadamente se a observação e a cognição forem explicadas como
fenômenos biológicos gerados através da operação do observador como um ser
humano vivo.
11
O autor analisa a biologia do fenômeno da observação, da linguagem
humana e da cognição e, a partir do conteúdo extraído dessas reflexões, busca
uma compreensão dos fenômenos sociais e éticos do mundo. A linha de
investigação proposta por Maturana têm resultado na formulação de teorias de
caráter sistêmico sobre a sociedade. Introduz um entendimento sobre a realidade a
partir de uma metodologia que também é denominada “naturalista”. A
argumentação do autor parte de fenômenos causados nos seres vivos humanos
para a construção do conhecimento social e político. Como se disse, embora
Maturana e Chomsky partam do mesmo pressuposto metodológico naturalista, as
conclusões a que chegam são diametralmente opostas no que concerne à
existência de uma dimensão valorativa universalmente válida – Maturana conclui
que, dada a circunstância de que os homens são recursivamente envolvidos em si
mesmos através da linguagem, “a vida humana aparece aberta para qualquer curso
histórico que possamos imaginar nesse envolvimento recursivo”.
12
Abaixo, estão expostas as cinco condições assumidas pelo autor como
necessárias para a compreensão da explicação humana como um fenômeno
biológico gerado no ser vivo homem:
1) Primeira condição. Maturana diz que uma resposta aceitável a qualquer
pergunta que se coloque é aquela gerada por “sistemas conceituais”
compartilhados. Mas como sabemos se obtivemos uma resposta que é
adequada se não sabemos reconhecer uma resposta como sendo adequada?
Maturana discorda desse questionamento e da suposição cética que ele
implica e diz que o procedimento inerente à metodologia científica é o
que garante a adequação da resposta fornecida Isso porque, as respostas
científicas, aquelas tidas como aceitáveis por todos os cientistas quando
participam de um discurso, devem consistir na proposição de mecanismos
11
MATURANA, Humberto. Realidade: a busca da objetividade, ou a procura de um argumento
coercitivo?. Op.cit., p. 244.
12
Idem, p. 324.
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32
intelectuais enquanto sistemas conceituais cuja operação gera todos os
fenômenos em torno da pergunta. Na verdade, esses “sistemas
conceituais” são gerados por um mecanismo pertencente a um sistema que
é de fato biológico. Maturana considera que “há um mecanismo biológico
que gera os sistemas que exibem, em seu operar, todos os fenômenos que
observamos nos sistemas que cotidianamente reconhecemos como
sistemas sociais”.
13
Nessa perspectiva, tudo aquilo que se considera fazer
parte do “social” é na verdade gerado por um sistema cognitivo humano
pertencente à categoria de “ser vivo”. Portanto, é de ordem biológica
[metodologia naturalista].
Se o mecanismo proposto como resposta a uma pergunta não satisfizer essa
condição, não é adequado e deve ser mudado, ou deve-se reformular a pergunta.
Isto é, as respostas científicas são gerativas. É, pois, dessa maneira que quero
responder à pergunta O que é um sistema social. (...) Farei isso na forma de uma
definição, e espero que, se o sistema que proponho preencher esse requisito, o
leitor o aceite como resposta a tal pergunta.
14
2) Segunda condição. O ser humano opera a mente estruturalmente. Os seres
vivos em geral são sistemas determinados estruturalmente. No caso de
seres vivos humanos, tudo ocorre conforme a estrutura mental humana. E
a estrutura de qualquer ser vivo possui uma dinâmica que se constitui e se
delimita como uma rede fechada de componentes que tanto se
retroalimentam - é a idéia de sistemas autopoiéticos
15
- como se alimentam
de outros componentes com os quais entram em contato no meio. Existe
na estrutura humana uma parte com dinâmica interna própria e outra cuja
dinâmica altera-se na interação. “O que vemos como comportamento em
qualquer ser vivo sob a forma de ações em um contexto determinado é,
digamos assim, a coreografia de sua dança estrutural”.
16
3) Terceira condição. As mudanças estruturais ocorrem tanto em função de
uma dinâmica interna como em razão de uma dinâmica desencadeada por
13
MATURANA, Humberto. Biologia do fenômeno social. Op.cit., p. 196.
14
Ibidem.
15
Maturana desenvolve essa idéia no livro De máquinas y seres vivos (1972), escrito com
Francisco Varela. Cf. MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento:
as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Atena, 2001
16
MATURANA, Humberto. Biologia do fenômeno social. Op.cit., p. 196.
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33
interações com o meio também, também em constante mudança estrutural.
Existe uma “dinâmica interna” e uma “dinâmica externa” A estrutura
altera-se para permanecer congruente com o meio no processo do devir.
As mudanças estruturais individuais devem ocorrer de acordo com as
mudanças estruturais ocorridas no meio. Isso faz com que se chegue à
conclusão de que o meio seleciona o indivíduo porque determina as
mudanças estruturais internas.
Isso ocorre tanto na história individual de cada ser vivo (ontogenia), quanto ao
longo das linhagens que esses produzem como resultado de sua reprodução
seqüencial. O que peço que ao leitor aceite neste ponto é que a estrutura de cada
ser vivo é, em cada instante, o resultado do caminho das mudanças estruturais
que seguiu a partir de sua estrutura inicial como conseqüência de suas
interações no meio em que lhe coube viver.
17
4) Quarta condição. Os seres humanos participam de fenômenos porque a
organização que os define assim os define. Isso significa que, se a
organização mudar a definição, os fenômenos dos quais os seres humanos
participam serão alterados. A organização do ser vivo é definida como
sendo autopoiética. O modo como se organiza um sistema representa a sua
estrutura. O ser vivo então morre se mudanças na estrutura não permitir
mais conservar a organização. “O que o leitor deve aceitar nesse ponto é
que o vivo de um ser vivo está determinado nele, e não fora dele”.
18
5) Quinta condição. Todos os seres vivos existem num espaço interativo. A
sobrevivência do ser no meio ocorre quando as mudanças estruturais
interna e externamente conformados são capazes de ser congruentes com a
estrutura do meio. Essa busca de congruência estrutural entre o ser vivo e
o meio é que se chama de adaptação. Daí decorre que a estrutura de um ser
vivo é sempre o resultado de uma história. As mudanças do ser vivo são
sempre congruentes com as alterações no meio.
Ao se prosseguir nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar, por exemplo,
que a felicidade e o prazer, assim como a tristeza e a dor, constituem estados
mentais biologicamente determinados. Tudo o que se sente, então, é determinado
17
MATURANA, Humberto. Biologia do fenômeno social. Op.cit., p. 197.
18
Idem, p. 198.
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34
em razão de algo que está na mente humana
19
. Agora, na medida em que este
“algo mental” que determina nossos estados emocionais não existe por si só,
senão em constante interação com outros “algos” (também mentais), aquilo que
ocorre nos homens quando se sentem felizes ou tristes é também determinado
pelas provisões ambientais.
Em reportagem publicada recentemente no jornal O Globo
(15/04/2006)
20
, conclusões curiosas são relatas, que parecem confirmar as
propostas naturalistas sobre as operações da mente e a linguagem. Com efeito, de
acordo com o estudo publicado na British Medical Journal, por Stuart Derbyshire,
pesquisador da Universidade de Birmingham, “é a interação do bebê com as
pessoas que o cercam que permite ao cérebro alcançar o estágio capaz de
processar a subjetividade da dor”. A pesquisa conduzida por Derbyshire, cujas
conclusões revelam-se de suma importância para a orientação política e moral da
questão do aborto, buscava determinar se os fetos realmente têm a sensação da
dor. O que convém destacar aqui são as implicações científicas de tais conclusões
para o estudo da mente e da formação dos conceitos e sentimentos humanos:
nossos conceitos e emoções parecem ser internamente criados, por operações
biológicas, através da interação da estrutura mental com o ambiente.
Aí resta uma questão: E as provisões ambientais? São elas também
biologicamente determinadas? O que se considera estar fora da mente humana, no
exterior mental, é também biologicamente determinado? É necessário então
questionar o quê de fato encontra-se além (ou aquém) da mente humana; é
necessário questionar, acima de tudo, se é possível de fato conceber algo fora da
mente humana. Porque se todos os nossos conceitos e emoções são internamente
criados, por operações biológicas, não faz sentido pensar em algo que se situe fora
da mente do homem, no exterior, imune às nossas criações (rectius, operações).
Como se disse acima: tudo aquilo que consideramos como fazendo parte do
“social” é na verdade gerado por um sistema cognitivo humano.
19
Na medicina, a depressão, uma doença que causa sentimento de tristeza, ou a ansiedade, por
exemplo, são tratadas com drogas que produzem substâncias químicas causadoras de um estado
mental capaz de estabilizar a sensação. [sistema nervoso]
20
Jornal O Globo. Fetos não sentem dor, diz novo estudo. [Matéria publicada em 15 de abril de
2006; caderno Ciência e Vida].
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3
Kohlberg: aportes da psicologia genética para a idéia de
desenvolvimento moral
Filho de comerciante rico, de origem judaica, o psicólogo social americano
Lawrence Kohlberg nasceu na cidade de Nova Iorque no ano de 1927. Sempre
estudou em colégios particulares de reconhecida excelência acadêmica, que
primavam por uma educação rigorosa. No entanto, nunca demonstrou ser um
aluno muito disciplinado. Quando adolescente, ficava de castigo por fumar e
beber com os amigos, além de fugir freqüentemente para visitar as meninas que
estudavam numa escola próxima. Mesmo assim, não se sentia responsável por
descumprir as regras sociais. Acreditava que as regras que violava eram
“resultantes de convenções arbitrárias, e não do princípio de justiça ou da
preocupação pelos direitos e bem-estar das pessoas”.
1
Recém-formado no ensino de segundo grau americano, Kohlberg
ingressou na Marinha Mercante dos Estados Unidos – era o ano de 1945, final da
Segunda Guerra Mundial. Logo em seguida, uma vez acabada a guerra, encerrou o
contrato com a marinha norte-americana para trabalhar como voluntário a bordo
do navio clandestino Paducah, cuja missão consistia em transportar judeus
refugiados para a Palestina em embarcações que supostamente carregavam
bananas. Os navios clandestinos eram financiados pela Hagenah, a força de defesa
judaica que se tornaria futuramente o exército de Israel. Daí resultou a publicação
de seu primeiro artigo, Beds for Bananas, no qual o autor conta como foram
capturados pelos britânicos que então bloqueavam a passagem de judeus e narra
cenas graves de violência, como a utilização de gás lacrimogêneo e a conseqüente
morte de bebês que estavam a bordo. Kohlberg foi depois levado para um campo
de concentração no Chipre e somente conseguiu escapar com documentos falsos
proporcionados com a ajuda da Hagenah. Durante algum tempo, viveu em
acampamentos coletivos, os kibutz. Foram nesses momentos conturbados de sua
1 KOHLBERG, Lawrence. Minha busca pessoal pela moralidade universal. In: BIAGGIO, Ângela
Maria Brasil. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo: Moderna, 2002, p. 91.
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vida, quando era ainda muito jovem, que se deparou-se com a necessidade de
superar a convenção social. Perguntava-se constantemente:
Enquanto os bebês morriam e os adultos iam para um campo de concentração,
os objetivos da Hagenah eram políticos, tratava-se de pressões internacionais
sobre os britânicos, para abandonarem a Palestina. Quando é permitido
envolver-se com meios violentos para obter fins supostamente justos? (...)
Separar o que eu queria parecia depender mais de respostas a algumas dessas
questões, questões essas que pareciam requerer algum tipo de orientação
intelectual.
2
As respostas a tais questionamentos sobre a justiça e o desenvolvimento
moral surgiriam no espaço acadêmico. Em 1948, Kohlberg entrou com pontuação
altíssima na renomada Universidade de Chicago. Foi precisamente nesse espaço,
conformado por uma extensa produção filosófica no campo das teorias sociais,
que Kohlberg entrou em contato com os ensinamentos do pragmatismo
americano, ali fortemente desenvolvidos, sobretudo por George Herbert Mead e
John Dewey, ex-professores da instituição. Na década de 50, Kohlberg estudou as
teorias, em voga na época, sobre o desenvolvimento cognitivo em crianças do
psicólogo suíço Jean Piaget, cuja abordagem foi igualmente decisiva para a
construção de suas proposições teóricas.
Os estudos filosóficos na universidade viriam a confirmar as suas
intuições iniciais, apontadas acima: o desenvolvimento intelectual exerce um
efeito profundo na moralidade e no sentimento de justiça do indivíduo. Dez anos
depois, em 1958, Kohlberg defendeu, na Universidade de Chicago, tese de
doutorado sobre a existência de uma seqüência universal e invariável de estágios
de desenvolvimento moral determinada em função do julgamento dos indivíduos
em face de dilemas específicos. Contudo, foi somente nas décadas seguintes à
defesa que o autor engajou-se na tarefa de comprovar empiricamente a sua
hipótese inicial. Nesse período, além de continuar a investigar o desenvolvimento
moral dos sujeitos originalmente analisados, Kohlberg ampliou a pesquisa e
começou a explorar a comprovação da tese em diferentes tradições culturais. Essa
tarefa possibilitou não só a demonstração da validade intercultural de sua hipótese
como também um maior refinamento das definições dos estágios e dos métodos
de acesso a eles. Esse caminho teórico de aposta (agora não mais intuitiva) na
2
Idem, p. 93.
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37
noção de desenvolvimento intelectual resulta numa visão social evolucionista, o
que evidencia o legado de Mead e Dewey.
Foi assim que, durante quinze anos, Kohlberg dedicou-se a um estudo
longitudinal sobre o desenvolvimento do julgamento moral de um grupo fechado
composto por 75 meninos norte-americanos. As pesquisas iniciaram-se quando os
meninos ainda estavam no início da adolescência, entre 10 e 16 anos, e se
estenderam até a fase adulta, quando as idades então variavam de 22 a 28 anos.
Sua proposta era seguir as pesquisas sobre o desenvolvimento do raciocínio
infantil de Jean Piaget, que se limitaram ao exame de crianças até 12 anos.
Paralelamente, como se disse, o autor conduziu estudos em outras culturas.
Destacam-se, dentre as localidades pesquisadas, pequenos vilarejos aborígines na
Malásia e no Taiwan, cidades na Turquia e centros urbanos no México e nos
Estados Unidos. Após os estudos, o autor concluiu que a ordem e a natureza da
seqüência de estágios de desenvolvimento moral parecem não ser afetadas com a
variação de condições culturais. Como resultado de sua investigação, em 1981 foi
publicada a obra Essays on Moral Development, apresentada em três volumes.
Mais de cinqüenta estudos transculturais foram realizados até 1985.
Todos os trabalhos, disse Kohlberg, resumem-se numa sentença: Os estágios são
encontrados em quase todas as culturas. Católicos, protestantes, judeus, budistas,
muçulmanos e ateus: todos parecem apresentar as mesmas variações no
desenvolvimento da moralidade. Com o sucesso de suas proposições teóricas,
sobretudo no campo da intervenção educacional de escolas públicas americanas,
foi contratado pela Universidade de Harvard em 1968. Permaneceu nesta
instituição como docente da Graduate School of Education até o final de sua
carreira. Participou e foi espectador, na década de 1970, do movimento civil
contra a discriminação racial e a guerra do Vietnã, oportunidade em que viu
claramente a aplicação das idéias revolucionárias de superação do status quo
caracterizadoras do pensamento pós-convencional. Nos últimos anos dedicou-se a
implantar a idéia de “comunidade justa” em prisões e escolas de ensino médio nos
Estados Unidos. Essa idéia representava justamente a dimensão prática de
exercício de uma democracia participativa como instrumento para avançar
moralmente os indivíduos, na chave proposta por John Dewey.
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38
Em pesquisas conduzidas no Belize, com o objetivo de verificar mais
uma vez a universalidade cultural da tese, contraiu uma infecção causada por
parasita intestinal. As dores o acompanharam por dezesseis anos. Às vezes sequer
conseguia levantar-se da cama. Morreu relativamente cedo, em janeiro de 1987,
quando contava com 60 anos. O carro de Kohlberg foi encontrado estacionado
numa rua sem saída e seu corpo apareceu três meses depois, jogado no mar,
próximo à cidade de Boston. Tudo indica que foi suicídio.
Essa introdução biográfica detalhada, embora não encontre paralelo nas
demais seções desta dissertação, justifica-se aqui pela riqueza dos acontecimentos
que marcaram a vida do autor. Talvez os rumos de sua produção teórica tivessem
sido de outra maneira traçados caso a história transcorresse de forma diferente.
Cumpre analisar, a partir de agora, o material fundamentalmente teórico do autor,
que afirma, in fine, que o desenvolvimento moral do homem ocorre por meio de
uma seqüência universal e invariável de níveis e estágios cognitivos.
3.1
A influência de Jean Piaget
As bases teóricas mais remotas da tese de Kohlberg encontram-se nos
estudos de George Herbert Mead e John Dewey. A influência de tais autores,
obviamente, não é acidental. Da mesma forma que Kohlberg, os dois autores
empreenderam estudos interdisciplinares sobre o problema do homem cívico nos
campos da psicologia e da filosofia moral. Mas outros pensadores também
determinaram os rumos da investigação. Para ilustrar, basta uma referência ao
programa do curso sobre educação moral que ministrava na Universidade de
Harvard, intitulado Moral Development and Moral Education. Kohlberg indicava
a leitura de autores que ao longo da história abordaram a questão da moralidade e
cujas contribuições teóricas considerava fundamentais para o tratamento do tema:
Platão, em A República; Émile Durkheim, em Educação moral; John Dewey, em
Democracia e educação; e Jean Piaget, em O julgamento moral da criança.
Foi a posição cognitivo-evolucionista desse último autor que mais
influenciou Kohlberg. Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo encontra-se
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39
fortemente conectado com a tendência da mente humana de sistematizar processos
em sistemas coerentes e de adaptar tais sistemas aos estímulos ambientais. Ao
constatar a natureza essencialmente biológica do homem, enquanto “ser vivo”,
Piaget acreditava que a mente representa um sistema que compartilha com os
demais sistemas vivos duas funções básicas: organização e adaptação. Assim, a
mente é capaz de sistematizar processos em sistemas coerentes e, ao mesmo
tempo, adaptar-se às condições (ou estímulos) provenientes do ambiente.
Piaget acredita que os organismos humanos compartilham com todos os outros
organismos duas “funções invariáveis”: organização e adaptação. Organização
refere-se à tendência do organismo de sistematizar seus processos em sistemas
coerentes. Assim, mamíferos não operam simplesmente por atividades
biológicas aleatórias; ao invés, organizam essas atividades em sistemas (e.g., os
sistemas respiratório e digestivo) que regulam funções biológicas inteiras, como
a respiração e a alimentação. Esses sistemas organizados não poderiam
funcionar propriamente, entretanto, a não ser que fossem adaptados às
condições ambientais nas quais mamíferos vivem. Por exemplo, sistemas
digestivos diferem de acordo com a comida primeiramente disponível ao animal
em questão. A mente humana, de acordo com Piaget, também opera em razão
dessas duas funções invariáveis.
3
Os estudos de Piaget “mapeiam” o desenvolvimento das estruturas
psicológicas determinantes do desenvolvimento cognitivo, o qual percorre, desde
a infância, quatro períodos: o sensório-motor, que vai do nascimento até os dois
anos de idade; o pré-operacional, que abarca o período dos dois aos sete anos de
idade; o de operações concretas, dos sete aos onze anos; e o de operações formais,
dos onze anos em diante, quando então o indivíduo é capaz de pensar
abstratamente.
À semelhança de Piaget, Kohlberg defende que a moralidade progride do
mesmo modo que a cognição do homem, de maneira que existe uma seqüência
estruturalmente determinada de estágios de desenvolvimento da moralidade. Os
avanços na seqüência ocorrem com vistas a buscar um equilíbrio em virtude da
necessidade constante de adaptação a ambientes com complexidade crescente.
Cada novo estágio moral, assim como cada nova organização cognitiva, constitui
uma nova estrutura que inclui elementos do estágio anterior, agora transformados
de tal maneira a criar uma situação mais equilibrada – porque mais adaptada aos
estímulos do ambiente.
3
PAOLITTO, Diana; REIMER, Joseph. Piaget: a conceptual introduction to Kohlberg. In:
Promoting moral growth: from Piaget to Kohlberg. New York: Longman, 1979, p. 21.
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40
Existe um paralelo evidente entre a teoria do desenvolvimento cognitivo de
Piaget (no sentido estreito do termo) e a teoria do desenvolvimento moral de
Kohlberg. Ambas têm o objetivo de explicar competências, que são definidas
como capacidades para solucionar tipos particulares de problemas empírico-
analíticos ou prático-morais. A resolução do problema em questão é mensurada
objetivamente tanto em termos da pretensão de verdade de declarações
descritivas, incluindo explanações e predições, como em termos da correção de
declarações normativas, incluindo a justificação de ações e das normas que as
governam.
4
Assim é que, para Kohlberg, como confirma Habermas na transcrição acima,
existe uma relação isomórfica entre a adequação cognitiva, nos termos desenhados
por Piaget, e a adequação moral; percebe-se um paralelo entre o modo de proceder
do desenvolvimento cognitivo e aquele do desenvolvimento moral. Portanto, os
estágios mais adequados cognitivamente são mais morais, e vice-versa. O
raciocínio moral passa a ser compreendido como uma questão de cognição.
5
3.2
Os níveis e estágios de desenvolvimento moral
Concretamente, Kohlberg defende a proposição teórica de que o raciocínio
moral do homem encontra-se hierarquizado de tal forma que indivíduos
localizados nos níveis e estágios posteriores são necessariamente mais
4
Cf. HABERMAS, J. Reconstruction and Interpretation in the Social Sciences. Op. cit., p. 33.
5 Outra importância dos estudos de Piaget para a produção do conhecimento na teoria social e
política consiste precisamente na possibilidade de se entender a idéia de desenvolvimento para
abarcar também as diferentes dimensões das compreensões acerca do mundo. Habermas, nesse
sentido, sugere a ocorrência do mesmo processo com relação à emergência de novas visões de
mundo tidas como mais desenvolvidas e, nesse sentido, melhores do que as anteriormente
consideradas. Como afirma o autor, constata-se, ao longo da história da humanidade, a sucessão de
uma série de mudanças no que diz respeito ao valor das diversas concepções de mundo uma vez
dominantes: o pensamento metafísico, as figuras mitológicas, as explicações religiosas, etc. Os
potenciais explicativos e justificativos dessas concepções foram contestados e superados por uma
nova abordagem que pareceu a todos mais adequada. “These devaluative shifts appear to be
connected with socio-evolutionary transitions to new levels of learning, with which the conditions
of possible learning processes in the dimensions of objectivating thought, moral-practical insight,
and aesthetic-expressive capacity are altered” (HABERMAS, Jürgen. Some Characteristics of the
Mythical and the Modern Ways of Understanding the World. In: The theory of communicative
action. Volume one: reason and the rationalizations of society. Translated by Thomas McCarthy.
Boston: Beacon Press, 1984, p. 68). Habermas recorre a Piaget para justificar a hipótese de que
existiria um isomorfismo entre a lógica do desenvolvimento psicogenético e a evolução das visões
de mundo legitimadoras. No estágio cognitivo avançado, o nível das operações formais que o
indivíduo é capaz de realizar permite a relativização da realidade de acordo com um procedimento
hipotético-dedutivo. A ética comunicativa de uma comunidade evoluída nesse sentido é a
contrapartida societária do indivíduo avançado. Há um isomorfismo entre indivíduo e espécie.
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competentes para a resolução de problemas morais enquanto questões de justiça.
Essa tese é por ele defendida com base em três hipóteses fortes:
1) Primeiro, afirma que os estágios de julgamento moral encerram uma
seqüência invariável e irreversível. Essa afirmação necessariamente
descarta a possibilidade de que indivíduos possam alcançar o mesmo
estágio por caminhos diversos; de que o mesmo indivíduo possa sofrer
uma regressão nos estágios de desenvolvimento moral; ou de que os
estágios possam ser saltados no curso do desenvolvimento de um sujeito.
2) Segundo, defende que os estágios formam uma hierarquia de modo que as
estruturas cognitivas de um estágio posterior/superior dialeticamente
suplantam as de um estágio inferior, anterior, menor. Por essa razão, as
estruturas posteriores/superiores são consideradas melhores: porque mais
adequadas para a resolução de questões morais complexas.
3) Terceiro, sustenta que cada estágio pode ser caracterizado como um todo
estrutural, uma vez que os julgamentos morais de indivíduos neles
circunscritos constituem maneiras totais de raciocínio independentemente
do caso concreto subscrito no dilema. Aquele indivíduo que se encontra no
Estágio 6 diante do dilema moral de Heinz, localiza-se, tamm, no
mesmo estágio, em face de outros, ainda que mais complexos, como a
questão da desobediência civil ou da eutanásia.
Os níveis identificados são basicamente três: Pré-Convencional,
Convencional e Pós-Convencional. Os estágios, por sua vez, desdobram-se em
seis etapas, dois para cada um dos níveis acima. O eixo norteador dessa
classificação ou tipologia moral é a forma de julgamento moral dos indivíduos
com relação à possibilidade de superação da convenção social. Destaca-se a noção
de reversibilidade dos julgamentos, fortemente ligada à idéia de role-taking
6
, bem
como a possibilidade de superação das normas sociais em virtude de razões ou
princípios mais justos. Somente no Nível Pós-Convencional é que as normas são
6
A idéia de ideal role-taking foi formulada por George Herbert Mead e indica a idéia de
autoreflexividade do self. Utiliza-se a expressão “adoção ideal de papéis” como a tradução que nos
parece mais adequada. Essa tradução é emprestada de EISENBERG, José. Justiça e justificação:
da filosofia da linguagem à teoria política. In: A democracia depois do liberalismo: ensaios sobre
ética, direito e política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, pp. 117-134.
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42
aceitas em razão dos princípios que as sustentam. Nesse caso, quando os
princípios entram em conflito com as regras da sociedade, os indivíduos julgam
de acordo com os princípios e não conforme convenção social. Nesse campo,
ganham relevância as idéias de objeção de consciência e desobediência civil.
Para Kohlberg, a defesa da democracia constitucional como uma ordem
procedimental encontra entre esses indivíduos uma maior adesão. Tais indivíduos
defendem mais os procedimentos inscritos no constitucionalismo democrático do
que as normas concretas a partir daí criadas. Mais importante é manter o devido
processo, ainda que com relação a criminosos, do que efetivamente punir o
cidadão delituoso. Mais ainda: é somente nesse nível que se levanta a questão do
porquê ser moral. Para o indivíduo localizado no Nível Convencional, perguntar
se vale a pena não respeitar a lei significa perguntar “Por que não ser criminoso?”.
(Para uma descrição mais detalhada dos níveis e estágios, Cf. Tabela no Anexo 1).
Sérgio Paulo Rouanet identifica aí a existência de um “ego
interativamente competente”. Nesses casos, “os princípios funcionam como
critério para a crítica dos valores e instituições vigentes, que passam a ser vistos
como simples convenções, sujeitos a revisão e em tese revogáveis”.
7
Essa posição
de crítica normativa concretiza-se precisamente na forma do discurso, por meio da
qual as expectativas de comportamento podem ser argumentativamente superadas.
O Ego interativamente competente, capaz de relativizar normas segundo
princípios, coincide com o ego epistemicamente competente, capaz de
raciocinar segundo o modo hipotético-dedutivo (Piaget), formando uma
personalidade discursivamente competente, capaz de virtualizar expectativas de
validade tanto de posições relativas a fatos (discurso teórico) quanto de
proposições relativas a valores (discurso prático).
8
3.3
A Entrevista de Julgamento Moral
O método de pesquisa social utilizado por Kohlberg para a mensuração
dos estágios propostos consistia na realização do que designou como Entrevista de
7
ROUANET, Sérgio Paulo. Dimensão psicanalítica da teoria da comunicação. In: Teoria critica e
psicanálise. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998, p. 350.
8
ROUANET, Idem, p. 351.
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43
Julgamento Moral [Moral Judgment Interview], por meio do qual colocava para
os “pacientes” a resolução de dilemas morais, como o famoso caso de Heinz:
Na Europa, uma mulher estava à beira da morte por causa de uma doença muito
grave, um tipo especial de câncer. Havia uma droga que os médicos
acreditavam poder salvá-la. Era uma forma de radium que um farmacêutico da
mesma cidade tinha recentemente descoberto. A droga era cara de se fabricar,
mas o farmacêutico cobrava dez vezes mais que o custo da produção. Ele
pagava $200 pelo radium e cobrava $2.000 por uma pequena dose da droga. O
marido da mulher doente, Heinz, foi a todos que conhecia para pegar o dinheiro
emprestado, mas somente conseguiu somar cerca de $1.000, que era a metade
do que custava. Ele contou ao farmacêutico que sua mulher estava morrendo e
pediu a ele que vendesse mais barato ou deixasse que lhe pagasse depois. Mas o
farmacêutico disse: “Não, eu descobri a droga e vou fazer dinheiro com ela”.
Heinz desesperou-se e invadiu a loja do homem para roubar a droga para a sua
mulher.
9
Para fins de adequação às especificidades dos diferentes contextos sócio-
culturais, o autor teve o cuidado de alterar o dilema de Heinz. Assim é que, nas
vilas aborígines da Malásia, formulava-se da seguinte maneira: Heinz era um
fazendeiro recém-chegado e sua mulher estava morrendo de fome devido à
ausência de chuvas. O dono da mercearia, assim como os demais moradores do
vilarejo, recusaram-se a fornecer comida. Heinz então invadiu a loja para
conseguir alimento e salvar a vida de sua esposa.
Após a colocação do dilema, Kohlberg instava o entrevistado a responder
uma série de perguntas com o objetivo de examinar precisamente o raciocínio
moral empregado para a resolução do conflito. Assim, colocava: E se ele não
gostasse da mulher, ainda assim deveria roubar o remédio? E se fosse um amigo?
E se fosse um estranho? E se fosse um animal doméstico? Você acha que as
pessoas devem fazer de tudo para obedecer à lei? Uma ação tornar-se-ia incorreta
por ser contrária à lei?
Esse é apenas um dos dilemas formulados; na verdade, o primeiro a ser
utilizado nas Entrevistas de Julgamento Moral. Outros mais complexos foram
desenvolvidos ao longo dos anos, de forma a colocar o valor da vida não apenas
em um, mas nos dois pólos do dilema. Vale transcrever a seguir o chamado
“dilema do capitão”, em suas duas variações.
9 KOHLBERG, Lawrence. Indoctrination Versus Relativity in Value Education. In: Essays on
Moral Development. Volume One. The Philosophy of Moral Development. Moral Stages and the
Idea of Justice. São Francisco: Harper & Row, 1981, p. 12.
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44
[variação 1 – Dilema do Capitão] Um avião charter caiu no pacífico sul. Três
pessoas sobreviveram. O piloto e três passageiros. Um dos passageiros era um
senhor de idade avançada que tinha o ombro quebrado. O outro era um jovem,
forte e saudável. Havia alguma chance de que o barco salva-vidas conseguisse
chegar a salvo na ilha mais próxima se dois homens remassem continuamente
por três semanas. Todavia, havia quase nenhuma chance se os três homens
permanecessem no barco. Primeiro, o suplemento alimentar era insuficiente.
Tinha pouco até para manter dois homens vivos pelo período de três semanas.
Segundo, uma tempestade aproximava-se e o barco certamente viraria a menos
que um homem não estivesse a bordo. Uma decisão deveria ser tomada
rapidamente.
10
Na qualidade de líder, como deveria o capitão da aeronave decidir?
Considerando que ele era forte e o único que sabia navegar, caso decidisse
colocar-se para fora do barco salva-vidas, com vistas a salvar os demais, poucas
chances havia de os outros dois chegarem em terra firme. Se, por outro lado, o
capitão ordenasse que o homem idoso de ombro quebrado ficasse de fora, numa
perspectiva utilitarista e realista da situação-problema, as probabilidades de
sobrevivência aumentavam significativamente. Agora, se o jovem ficasse de fora
e o capitão e o homem idoso permanecessem no barco, as chances de sobreviver
caiam pela metade.
[variação 2 – Dilema da Missão Suicida] Na Coréia, um grupo de dez soldados
foi suplantado em números [outnumbered] e estava se retirando perante o
inimigo. O grupo havia cruzado uma ponte sobre um rio, mas os inimigos ainda
estavam do outro lado. Se alguém voltasse para a ponte e explodisse tudo, o
grupo poderia escapar. Todavia, o homem que retornasse para explodir a ponte
não conseguiria escapar com vida. O capitão perguntou se havia voluntários,
mas ninguém se ofereceu. Se ninguém voltasse, era virtualmente certo que
todos morreriam. (...) O capitão finalmente decidiu que tinha duas alternativas.
A primeira era ordenar que o homem responsável pela demolição [demolition
man] ficasse para trás. Se esse homem fosse enviado, a probabilidade de que a
missão fosse cumprida com sucesso era de 80%. A segunda alternativa era
selecionar alguém por sorteio. Se qualquer um que não o homem responsável
pela demolição fosse selecionado, a probabilidade de que a missão seria
cumprida com sucesso era de 70%. Qual das duas alternativas o capitão deveria
escolher e por quê?
11
Existem, de fato, nos dois dilemas acima, segundo Kohlberg, duas opções
possíveis: (1) ou o capitão escolhe agir conforme regras utilitárias que maximizam
a probabilidade de salvar um maior número de vidas; (2) ou ele resolve a questão
recorrendo à sorte. No primeiro caso, a decisão seria tomada com base em
10
KOHLBERG, Lawrence.
Justice as Reversibility
: The Claim to the Moral Adequacy of a Highest Stage
of Moral Judgement. In: Idem, p. 205.
11
Idem, p. 206.
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45
argumentos utilitários que prescrevem que a justiça consiste em respeitar todos os
seres humanos de modo que cada indivíduo seja contabilizado como um. A
decisão será tomada independentemente da vontade do indivíduo designado para
ficar (fora do barco salva-vidas ou para explodir a ponte). Já no segundo caso,
opta-se por uma concepção de justiça que afirma a igualdade de oportunidade de
todos no que diz respeito ao direito à vida. A sorte ou loteria aumenta
significativamente a probabilidade de sobrevivência do indivíduo com menor
vantagem comparativa.
A opção por recorrer à sorte como a ação mais justa porque orientada
pelo princípio da reversibilidade, no meu entendimento, não parece se aplicar ao
Dilema do Capitão proposto por Kohlberg. De um ponto de vista mais realista da
situação-problema, na medida em que não há efetivamente qualquer chance de o
barco salva-vidas chegar à terra firme caso o senhor de idade com o braço
quebrado permanecesse na embarcação, sequer se pode admitir a viabilidade dessa
opção. Não se trata de uma decisão utilitária. Trata-se, isso sim, de uma decisão
pragmática, uma ação conseqüencialista, porque de fato não há qualquer
possibilidade de sobrevivência e a decisão, então, sequer poderia ser revertida.
Tanto faz para o senhor de idade se o capitão decide de maneira utilitária ou se
recorre à sorte: ele não sobreviverá de qualquer maneira. Já na segunda variação,
no Dilema da Missão Suicida, a situação é completamente diferente. Tendo em
vista que existem chances factíveis de sobrevivência nas duas decisões possíveis,
parece que recorrer à sorte seria, nesse caso, a opção mais justa.
3.4
O desenvolvimento moral “para melhor”
Mas por que assumir que existe uma seqüência universal invariável do
desenvolvimento moral “para melhor”? Ao responder a questão, o autor propõe
analisar, na linha de Piaget, em termos estritamente lógico-estruturais, a evolução
dos conceitos (ou categorias) utilizados no curso da passagem de um estágio
inferior a outro superior. Isso é possível porque os mesmos conceitos morais são
definidos pelos indivíduos em todos os estágios – é a idéia de que os estágios
formam um todo em termos estruturais.
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46
Kohlberg evidencia que as definições são mais diferenciadas, integradas
e generalizadas à medida que o indivíduo sobe na escala. Considere-se, por
exemplo, o valor da vida. Quando se move do Estágio 1 para o Estágio 2, a vida
enquanto valor a ser protegido diferencia-se do valor da propriedade; passa a
integrar uma hierarquia cuja localização encontra-se acima da propriedade de
modo que se admite o ato de roubar a propriedade do outro com vistas a salvar a
vida de alguém, como no dilema de Heinz; e torna-se mais generalizado, no
sentido de que a vida de qualquer ser humano deve ser protegida
independentemente de seu status ou propriedade. Cada etapa do desenvolvimento
é uma organização cognitiva melhor do que a anterior, uma que leva em conta
tudo presente na anterior, mas faz novas distinções e as organiza numa estrutura
mais compreensiva. Essa constatação pode ser comprovada pelo fato de que o
indivíduo compreende todos os estágios até o próprio, no qual se encontra, mas
não mais do que um estágio além do próprio. Ainda: preferem o próximo.
A afirmação de que existem estágios superiores, mais desenvolvidos,
melhores e mais avançados pretende justificar-se, na linha proposta por Piaget, na
existência de uma maior adequação da capacidade cognitiva do indivíduo para a
resolução de problemas cada vez mais complexos que surgem no mundo da vida.
Para Piaget, as pessoas progridem do nascimento à maturidade cognitiva por
níveis de desenvolvimento da cognição. E os estágios se distinguem uns dos
outros pela integração, diferenciação e habilidade de solucionar problemas.
Subjacente aqui está a noção de adaptabilidade a interações cada vez mais
complexas. O estagio capaz de se adaptar a novos ambientes mais complexos
então é mais equilibrado. Por isso mesmo consegue resolver os problemas que
surgem de forma mais adequada.
Dentre as vinte e cinco categorias morais básicas utilizadas para formular
e avaliar os dilemas encontra-se a questão da motivação para a obediência de
regras. Considerando os seis estágios, destacam-se as seguintes ocorrências no
tocante à motivação dada pelos entrevistados para agir segundo a regra:
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47
Para evitar a punição Estágio 1
Para obter recompensa e favores Estágio 2
Para evitar o desapontamento e o desgosto dos outros Estágio 3
Para evitar a censura de autoridades legítimas e a culpa Estágio 4
Para manter o respeito do espectador imparcial Estágio 5
Para evitar a autocondenação Estágio 6
Quadro 3. A motivação para a obediência a regras morais e os estágios.
12
A tabela acima sugere que, na progressão dos estágios, a questão da obediência a
regras (enquanto categoria moral básica) é mais diferenciada de outros temas
supostamente correlatos, como a recompensa ou a censura, e mais integrada,
porque organizada numa melhor hierarquia.
Como se vê, a diferença central entre cada um dos estágios consiste na
relação do indivíduo com as normas da comunidade na qual se insere. Na primeira
fase, o sujeito nem sempre obedece a expectativas de comportamento, presente
nas normas, porque age guiado pelas noções de punição e recompensa. Na
segunda fase, o sujeito segue as expectativas de comportamento, expressas nas
normas, porque acredita na manutenção da ordem e na assunção de um papel
convencional na comunidade. Na terceira fase, as expectativas de comportamento
são relativizadas à luz de princípios que permitem a crença na não-razoabilidade
das normas e a conseqüente superação da ordem.
Na medida em que sujeito é capaz de identificar por que o julgamento
moral anterior estava equivocado, trata-se de um processo de aprendizagem; um
alcance construtivo. Daí que as estruturas cognitivas que sublinham a capacidade
de julgamento moral não possam ser explicadas em termos de condicionantes
inatos – são, isso sim, o resultado de uma reorganização criativa de um inventário
cognitivo já existente que se tornou inadequado para lidar com certos problemas.
12
Quadro elaborado com base na tabela Motives for Engaging in Moral Action (KOHLBERG,
Lawrence. From Is to Ought: How to Commit the Naturalistic Fallacy and Get Away with It in the
Stady of Moral Development. In: Idem, p. 121.
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48
A habilidade de solucionar problemas melhora quando as faculdades cognitivas
de uma pessoa tornam-se mais sofisticadas e complexas na interação com o
ambiente. Isso quer dizer, a faculdade cognitiva de uma pessoa torna-se mais
adaptativa, é mais apropriada para resolver conflito cognitivo, na medida em
que ganha fluência em integrar e diferenciar a informação. O critério de
diferenciação e integração são as mensurações da adaptabilidade cognitiva e da
adequação psicológica.
13
3.5
A reversibilidade do pensamento
O autor defende a idéia de justiça como reversibilidade, calcada
especificamente na noção de “equilíbrio reflexivo”, proposta por John Rawls.
A necessidade de equilíbrio dos sistemas vivos, como a mente humana,
nesse caso, traduz-se na manifestação da reversão do pensamento. Concretamente,
uma situação moral em desequilíbrio é aquela em que há conflitos de ordem moral
mal-resolvidos, isto é, pretensões não-ajustadas entre as partes. Somente quando
uma solução entre as partes diante de um conflito é encontrada, o equilíbrio da
situação se restabelece. Para tanto, é preciso que todos os participantes
reconheçam a existência de princípios universais capazes de orientar a decisão.
O princípio da reversibilidade remete ao conceito de role-taking. Assim,
exige-se que os participantes do conflito sejam capazes de se colocar na posição
de todos os possíveis afetados com a decisão. Constitui esse o chamado “teste de
reversibilidade”, que pergunta: “Você julgaria essa ação como justa se estivesse
na outra posição?”. Esse teste de reversibilidade parece mais apropriado para
determinar a moral e a justiça do que o conhecido “teste de universalidade”,
subscrito pelo imperativo categórico Kantiano. Nesse caso, a pergunta a ser
formulada é: “Você julgaria essa ação como correta se todos a praticassem?”.
Quando se segue o imperativo categórico, generaliza-se o princípio da ação de
maneira a vislumbrar de antemão o que aconteceria quando todos adotassem o
mesmo princípio orientador. Mas, de fato, esse teste de universalidade da ação
não permite pensar como seria caso se figurasse no outro pólo da relação. Parece
13
SIEGEL, Harvey. On Using Psychology to Justify Judgments of Moral Adequacy. In:
MODGIL, Sohan; MODGIL, Celia (Ed.). Lawrence Kohlberg: Consensus and Controversy.
Philadelphia: Falmer Press, 1986, p. 66.
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49
ser fundamental essa possibilidade de adotar idealmente o papel do outro, pois nas
situações de conflito a escolha de um curso de ação pode acarretar resultados
distintos para as diferentes partes a serem afetadas.
Na medida em que se entende o raciocínio moral como reversibilidade,
conclui-se que novas estruturas morais pressupõem novas estruturas lógicas; um
novo estágio lógico é condição necessária, embora não suficiente, para um novo
estágio moral. Foi justamente essa idéia de conectar questões de justiça com as
interpretações de Piaget sobre o desenvolvimento da cognição que conduziu a
uma definição de estágios morais em função do aumento progressivo de
operações reversíveis para a resolução de problemas morais. È preciso possuir um
estado mental especifico para ser moral? Recorre-se à resposta de Rouanet:
Seria preciso supor, em outras palavras, que a cada estágio do desenvolvimento
cognitivo – fase pré-operatória, operacional concreta e operacional formal –
corresponderia um estágio do desenvolvimento interativo, caracterizado por
determinadas formas de identidade, de atitudes com relação a normas, de tipos
de consciência moral e etc. O próprio Piaget postula essa convergência, quando
ordena as fases da evolução da consciência moral em função das etapas do
desenvolvimento cognitivo. Assim, o sujeito só poderia agir de forma
moralmente autônoma quando sua evolução psicogenética o habilitasse, por
exemplo, a compreender as operações cognitivas subjacentes à idéia de justiça –
a reversibilidade, por exemplo, que permite formular o conceito de
reciprocidade, etc. Kohlberg leva mais longe ainda esse conceito
“maturacionista” de evolução moral: tudo se passa como se todos os indivíduos
tivessem que passar obrigatoriamente por uma seqüência inalterável de etapas
de consciência moral.
14
* * *
No texto Justice as reversibility: the claim to moral adequacy of a highest
stage of moral judgment, Kohlberg afirma que a teoria normativa de Rawls tem
dois objetivos: de um lado, a tarefa de construir um modelo estrutural sistemático,
a posição original, para produzir julgamentos morais; de outro, utilizar esse
padrão sistemático desenvolvido para justificar e prescrever os princípios de
justiça que devem necessariamente sublinhar julgamentos morais competentes.
15
Assim, a teoria da posição original, enquanto modelo estrutural que explica os
julgamentos morais dos homens, pressupõe a existência de indivíduos que tenham
14
ROUANET, S. P. op.cit., p. 348.
15
KOHLBERG, Lawrence. Justice as Reversibility: The Claim to Moral Adequacy of a Highest
Stage of Moral Judgment. Op.cit., p. 192.
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50
completado a seqüência de desenvolvimento moral. O modelo estrutural
explicativo de Rawls, análogo ao de Kohlberg, utiliza esse quadro estrutural
explicativo do homem competente, pertencente ao Estágio 6, para justificas e
prescrever os princípios universais de justiça.
Trata-se de um modelo análogo aos modelos de lingüistas estruturais que
buscam explicar e gerar as regras do discurso gramatical de locutores
competentes. Essa é a questão central. O modelo estrutural sistemático que
conforma a produção dos julgamentos morais e a explicação que deles se quer
fornecer é também a estrutura utilizada para justificar e, na mesma medida,
prescrever os princípios de justiça que sublinham os próprios julgamentos morais
de que nos valemos para determinar a competência para construir essa estrutura.
Essa é a idéia de reconstrução racional. Em outras palavras, a determinação do
próprio status racional das construções teóricas dos seres humanos é realizada por
métodos de acesso por nós desenvolvidos e assumidos como racionais.
* * *
3.6
A estrutura da moral
Com efeito, a finalidade da investigação de Kohlberg consistia na
formulação de uma metodologia de análise do desenvolvimento moral capaz de
capturar a gramática, a forma, a estrutura do raciocínio dos indivíduos
entrevistados. Supunha o autor que as categorias morais fundamentais utilizadas,
quer dizer, os conceitos, como a propriedade e a vida, são operacionalizados de
maneira diferente de acordo com os estágios de desenvolvimento cognitivo e
moral dos indivíduos. Nesse sentido, seria possível determinar objetivamente não
a substância dos julgamentos dos indivíduos, mas a estrutura das operações
lógicas dos conceitos fundamentais utilizados. A estrutura contém os elementos
[conceitos] e as conexões necessárias entre eles para determinar o nível do
julgamento moral do indivíduo. Subjacente a essa perspectiva encontra-se a
distinção metodológica entre análises quantitativas e qualitativas, questão
abordada na Introdução do trabalho. O interesse de Kohlberg é a identificação
qualitativa de padrões de raciocínio que se alteram na medida em que os
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51
indivíduos avançam na seqüência de estágios de desenvolvimento moral –
elabora-se um mapa do desenvolvimento moral.
É importante deixar isso bem claro: a análise de Kohlberg sobre o
desenvolvimento moral é estritamente formal, e não substancial. Daí resulta que
os estágios são avaliados não em função do conteúdo das respostas dos
entrevistados – se Heinz deve ou não roubar o remédio para salvar a mulher –,
mas em razão do raciocínio empregado para justificar a resolução apresentada ao
conflito. É preciso examinar como o indivíduo julga determinado curso de ação
numa dada situação de conflito.
Do ponto de vista dessa abordagem formal, que privilegia a estrutura do
raciocínio em detrimento do conteúdo, conclui-se que, independentemente da
resposta dada, indivíduos podem ser classificados no mesmo estágio de
desenvolvimento moral. Ou seja, apesar de fornecerem soluções antagônicas para
um mesmo dilema, em tese estariam na mesma posição no quadro de estágios que
mensuram a evolução da moralidade. Ora, mas não é justamente a possibilidade
de se alcançar o consenso acerca da correção da ação que se coloca em questão?
Parece estranha essa conclusão, ainda que logicamente decorrente da metodologia
formalista do autor, que privilegia a estrutura e a análise qualitativa, na medida em
que a questão central, como ele mesmo confirma, consiste em saber se a decisão
sobre a correção ou não do comportamento de Heinz pode ser determinada
objetivamente ou se depende de cada indivíduo e de cada cultura. Afinal, é
possível ou não concordar universalmente sobre a decisão correta no caso do
roubo do remédio ou da decisão a ser tomada pelo capitão?
Essa ambigüidade da metodologia formalista não escapou a Kohlberg.
Na verdade, é justamente a possibilidade de desacordo entre os indivíduos de um
mesmo estágio que fortalece o argumento de que o Estágio 6 é “o melhor”. Neste,
defende o autor, existirá sempre o consenso. Os indivíduos localizados no último
estágio, ao contrário dos demais, concordam sempre, não somente no tocante ao
raciocínio empregado, mas também sobre a decisão correta no caso concreto.
Para resumir, Kohlberg defende o seguinte:
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52
1. Culturas diferentes poderiam ter concepções similares sobre a moralidade
na medida em que a diversidade empírica observada representa uma
variação no conteúdo e não nas formas universais de julgamento moral.
2. As diferenças remanescentes em termos de julgamento moral seriam
explicadas em virtude do estagio de desenvolvimento moral do indivíduo.
3.7
From is to ought: a defesa do universalismo cognitivo
É justamente a partir da possibilidade de mensuração objetiva do
julgamento moral que Kohlberg parte em defesa de um universalismo cognitivo,
ao contrário do que afirmam com veemência os antropólogos defensores do
relativismo cultural. Como diz o autor, a adoção de uma posição relativista em
face do dilema de Heinz afirmaria que há mais de uma possibilidade de decidir
moralmente a questão, pois cada indivíduo orienta-se de maneira diferente de
acordo com os valores que possui. Tal posição assenta-se numa confusão corrente
no campo dos estudos sobre a moralidade: a não-distinção entre o fato social
empiricamente observado de que pessoas e culturas diferentes têm valores
diferentes e a pretensão normativa de que as pessoas diferentes devem ter valores
diferentes na medida em que nenhum valor moral é universalmente válido para
todos. O fato de que as pessoas diferentes têm valores diferentes não permite
argumentar que inexiste um comportamento moral capaz de ser universalizado.
Uma defesa moral-filosófica da posição universalista é essencial para o
programa de pesquisa de Kohlberg por causa de dois motivos. Primeiro, porque as
suas assunções precisam de justificação no quadro do discurso filosófico. Uma
teoria psicológica universalista do desenvolvimento moral pode ser objeto de
contestação caso não cumpra a exigência de justificação no arcabouço teórico
reconstrutivo da filosofia. Não se pode delimitar e prescrever a existência de um
domínio específico da moral, universal e mais avançado, como se esse ato
definitório fosse independente da representação que se faz do mundo. As teorias
normativas que informam a descrição do estágio mais alto do julgamento moral
devem necessariamente ser aplicadas aos formuladores teóricos que alegam a
existência de tal teoria psicológica e filosófica. Afirmar a existência de estágios
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53
avançados e de uma moral universal pressupõe que o locutor que faz a afirmação
situe-se no estágio avançado e tenha alcançado uma moral universal. Segundo, a
defesa moral-filosófica do universalismo é essencial para Kohlberg porque as
alterações na filosofia moral têm implicações para a construção da teoria
empírica, inclusive para os detalhes do design experimental. Assim, no nível
meta-teórico, as pesquisas morais filosóficas e as investigações psicológicas de
ordem empírica estão implicadas num mesmo círculo hermenêutico. Decorre daí
que alterações na explicação filosófica sobre a moralidade determinam também
mudanças nas investigações empíricas sobre o julgamento moral; e vice-versa.
Essa pretensão de isomorfismo implica a assunção de continuidade entre
o contexto da descoberta de pontos de vista morais, estudados na psicologia do
desenvolvimento moral, e o contexto de justificação de pontos de vista morais,
estudados na filosofia moral formalista. A justificação dada pelo filósofo para
comprovar a existência de um estágio de raciocínio cognitivo e moral avançado
está mapeada na explicação do psicólogo de que alguns indivíduos são mais
desenvolvidos; i.e., competentes.
A pressuposição de que o estudo do desenvolvimento moral deve ser guiado
pela filosofia moral era central para minha intuição de como focalizar esse
desenvolvimento. Para que algo fosse considerado moral ou avanço evolutivo
seria necessário partir de algumas definições filosóficas, pressuposições e
argumentos. Essas pressuposições estariam abertas a questionamento, à luz de
achados empíricos, mas não se podia pensar que fossem isentas de valores.
16
Desde as primeiras pesquisas empíricas conduzidas no campo da
psicologia cognitiva, Kohlberg preocupava-se com o problema da fundamentação
filosófica e do relativismo moral. Embora estivesse ciente da necessidade de
direcionar os estudos para questões filosóficas e epistemológicas, o que Kohlberg
não imaginava, contudo, era que as descobertas empíricas pudessem contribuir
para a solução dessas questões meta-teóricas. Essa possibilidade passou a se
tornar decisiva para ele na medida em que se propôs a elaborar um programa de
intervenção nas escolas americanas para a promoção da educação moral de
crianças e adolescentes. Esse é o assunto de um dos artigos mais importantes
contidos no primeiro volume de Essays on Moral Development: From Is to
Ought: How to Commit the Naturalistic Fallacy and Get Away with it in the Study
16
KOHLBERG, Lawrence. Minha busca pessoal pela moralidade universal. In: Op.cit., p. 95.
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54
of Moral Development. Neste escrito, o autor afirma que ele e sua equipe de
pesquisa podem finalmente propor uma solução para o problema da relatividade
que tem amaldiçoado os filósofos por três mil anos. Isso porque, como noticia o
próprio, foram eles os primeiros a realizar estudos interculturais sobre padrões de
desenvolvimento moral nos indivíduos. Com essas conclusões, Kohlberg busca
aliviar a conotação negativa que o termo educação moral costumava ter.
Para terminar, vale ressaltar três posicionamentos identificados pelo autor
com relação aos cientistas sociais quando se dizem “relativistas”. Primeiro, a
defesa da faticidade do relativismo cultural; segundo, a sustentação do relativismo
ético no campo meta-teórico; e terceiro, a idéia de respeito e tolerância com
relação a culturas diferentes. A tese do relativismo cultural significa que
faticamente é constatada a existência de valores morais diferentes em cada cultura
– o que Kohlberg não ousa contestar. Na verdade, para Kohlberg, essa faticidade
não tem qualquer implicação quanto à possibilidade de argumentar a favor de uma
moral universal. Já a tese do relativismo ético, mais capciosa, afirma, agora em
termos estritamente normativos, que nenhum valor moral pode ser defendido de
forma absoluta e em todas as culturas. Por último, destaca-se a idéia de tolerância,
que ensina o principio da igualdade e do respeito a valores de grupos minoritários.
Para o autor, a crença no relativismo ético no campo meta-teórico deriva de forma
ilógica da idéia de tolerância, por sua vez baseada na constatação fática do
relativismo cultural. Para Kohlberg, é a própria sustentação da idéia de tolerância,
como pretendem os relativistas, que implica a pressuposição de que se trata de um
valor capaz de ser defendido universalmente.
* * *
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4
Habermas: a metodologia reconstrutiva e a teoria da
competência comunicativa
Jürgen Habermas nasceu em 18 de junho de 1929 na cidade de
Düsseldorf, Alemanha. Trabalhou no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt
com Theodor Adorno na década de 1950. Nos anos seguintes, transferiu-se para
Nova Iorque e passou a lecionar na New School for Social Research, instituição
fundada por intelectuais progressistas, como John Dewey, e sob forte influência
do pragmatismo norte-americano. Foi posteriormente professor na Universidade
de Princeton, Estados Unidos, em Heidelberg e Frankfurt. Na década de 1970,
assumiu a direção do Instituto de Pesquisa Social Max Planck, localizado em
Starnberg. De volta a Frankfurt, aposentou-se em 1994, como professor e diretor
da Faculdade de Filosofia da Universidade Johann Wolfgang Goethe.
1
As investigações de Habermas abarcam desde o campo da filosofia da
linguagem até a sociologia, a teoria política e, nos dias de hoje, o direito.
Considerando os fins desta dissertação, cumpre abordar neste capítulo
basicamente os pressupostos metodológicos das formulações habermasianas,
quais sejam, especificamente, as idéias de reconstrução racional, de pragmática
universal e de competência comunicativa – todas fortemente relacionadas entre si.
Acredita-se que esses três conceitos representam o alicerce de todo o arcabouço
teórico do filósofo alemão, de modo que uma correta compreensão de suas
formulações políticas necessariamente perpassa o entendimento desses
pressupostos metodológicos. Pode-se adiantar que é a investigação acerca das
possibilidades gerais da comunicação entre os homens que orienta todo o
programa de pesquisa metodológico traçado por Habermas. É a partir da própria
compreensão acerca da experiência do entendimento relativo a como os conceitos
no mundo da vida são gerados que se pode formular uma explicação da própria
experiência do entendimento dos conceitos no mundo. Parece tautológico, mas é
isso mesmo: parte-se da geração das idéias para a explicação das idéias. Ainda há,
1
ARAGÃO, Lucia. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2002.
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56
contudo, um passo mais complicado nesse caminho: a justificação da validade
universal dessa démarche.
Habermas vai buscar no âmbito da filosofia da linguagem as
contribuições para uma teoria sobre o entendimento das significações de
expressões lingüísticas localizadas em universos discursivos contextualizados.
Assim é que, quando as teorias políticas e sociais contemporâneas tratam do tema
metodológico acerca do ato de entender o sentido [sinnverstehen] de um termo,
devem enfatizar a centralidade da linguagem na produção do discurso.
2
Concretamente, a filosofia da linguagem permite rejeitar todas as proposições
teóricas calcadas no solipsismo de uma metodologia especulativa ou metafísica
que acarreta arbitrariedades e dogmatismos. A esse compromisso relaciona-se
todo o quadro teórico de Habermas.
A linguagem ordinária, como área a ser investigada, pode ser considerada então
como ponto de partida para a análise do significado de conceitos problemáticos
do ponto de vista filosófico e como fornecendo elementos concretos e
intersubjetivos através dos quais a investigação procede, mantendo-se aberta à
compreensão de todos os falantes na medida de sua competência lingüística.
3
4.1
A reconstrução racional
Habermas estabelece uma distinção entre ciências empírico-analíticas e
ciências reconstrutivas. Tal distinção tem como base a identificação da
experiência sensória, calcada na observação do indivíduo, como algo que é
diferente da experiência comunicativa, o entendimento [verstehen]. No primeiro
caso, a relação com a realidade observada ocorre sem qualquer forma de
mediação. Em contrapartida, no segundo caso, a ação do indivíduo que busca o
entendimento sobre uma coisa no mundo é necessariamente mediada pela
linguagem. A primeira realidade é perceptível e, nessa medida, demanda uma
experiência sensória; a segunda é simbolicamente pré-estruturada e, noutra
2
Para uma correta abordagem desta temática, certamente seria prudente recorrer a uma explicação
mais detalhada da chamada “virada lingüística”, que atribuiu à linguagem lugar central no campo
da filosofia. Contudo, enveredar por esse caminho representaria tarefa difícil e além da que
convém realizar neste trabalho.
3
MARCONDES, Danilo. Metodologia da filosofia e análise da linguagem. In: Filosofia,
linguagem e comunicação. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2000, p. 16.
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medida, demanda uma experiência que é fundamentalmente comunicativa.
4
Se, no
primeiro caso, o indivíduo tem acesso direto mediante a observação; no segundo,
este acesso é comunicativamente mediado através do entendimento de expressões
[utterance].
Procedimentos reconstrutivos não são característicos de ciências que
desenvolvem hipóteses nomológicas sobre domínios de objetos e eventos
observáveis; na verdade, esses procedimentos são característicos daquelas
ciências que sistematicamente reconstroem o conhecimento intuitivo de sujeitos
competentes.
5
A tarefa de reconstruir racionalmente conceitos, teorias ou hipóteses,
pertencentes ao domínio das ciências reconstrutivas, inicia-se com uma espécie de
conhecimento pré-teórico e intuitivo presente no horizonte de inteligibilidade.
Concretamente, esse conhecimento intuitivo, levantado pelo pesquisador,
representa uma pretensão de validade universal, como proposições corretamente
formuladas em termos gramaticais, teorias bem-corroboradas na história das
idéias, resoluções de conflitos conforme a equidade, entre outros. Quando os
cientistas intérpretes recorrem ao método da reconstrução racional em busca do
entendimento de uma teoria que intuitivamente se colocou, desempenham uma
ação comunicativa de reconstrução para trás das normas que desde então
determinaram o sentido da teoria investigada. Mediante esse percurso
reconstrutivo rumo ao passado, das intuições teóricas fortes, o material inicial,
antes construído intuitivamente, é assim reconstruído, mas agora racionalmente.
Realiza-se uma reconstrução racional do sistema de normas que determinaram
intuitivamente o entendimento do elemento. De intuitivo, o conhecimento passa a
ser racional e, nessa medida, objetivo.
O intérprete, por sua vez, que não apenas compartilha, mas quer compartilhar
esse conhecimento implícito do falante competente, deve transformar esse
know-how em conhecimento explícito (...). Essa é a tarefa do entendimento
reconstrutivo, isto é, da explicação de sentido na acepção de reconstrução
racional de estruturas gerativas que sublinham a produção de formações
simbólicas.
6
4
HABERMAS, Jürgen. What is universal pragmatics. In: op.cit., p. 30.
5
Idem, p. 29.
6
Idem, p. 33.
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58
Para que as razões dadas por um pensador qualquer – sejam elas
referentes à pretensão de constatar um fato, à pretensão de recomendar uma norma
ou à pretensão de expressar desejos e sentimentos
7
– possam ser compreendidas
por um intérprete, requer-se duas coisas: primeiro, que não se questione a
“competência mental” [mental competence] do pensador que se interpreta;
segundo, que se tome consciência das razões que o autor provavelmente alegaria
no seu tempo e espaço para defender dada interpretação. Essa perspectiva endossa
a idéia de que existe, então, uma racionalidade capaz de ser reconstruída pelo
intérprete, embora não se possa demonstrar evidentemente a verdade racional da
interpretação realizada. Mas, nas palavras de Habermas,
a intuição fundamental de todo falante competente – que suas pretensões de
verdade, correção normativa e verdade devam ser aceitáveis para todos, sob
condições favoráveis - proporciona assim as bases para verificar brevemente a
análise pragmática formal, que foca nas condições necessárias e gerais para a
validade de expressões e conquistas simbólicas. Eu estou me referindo às
reconstruções racionais to know-how de sujeitos capazes de fala e ação, que são
creditados com a capacidade de produzir expressões válidas, e que se
consideram [a si mesmos] capazes de distinguir, ao menos intuitivamente, entre
expressões validas e inválidas.
8
Como alerta Habermas, é preciso ter em conta o fato de que todas as
reconstruções racionais possuem um estatuto meramente hipotético. Há sempre a
possibilidade de que as reconstruções foram realizadas com base em material falso
ou apropriado de forma inadequada. Isso é inquestionável. É nesse exato sentido,
com vistas a evitar essa possibilidade, que o autor afirma a obrigação de sempre
testar essa metodologia reconstrutiva; isto é, de utilizar essa metodologia como
input nas pesquisas empíricas. É justamente isso o que buscam fazer as
investigações acerca da explicação ontogenética das capacidades cognitivas,
lingüísticas e morais, como a teoria de Kohlberg.
7
In cases where agreement is reached through explicit linguistic processes, the actors make three
different claims to validity in their speech acts as they come to an agreement with one another
about something. Those claims are claims to truth, claims to rightness, and claims to truthfulness,
according to whether the speaker refers to something in the objective world (as the totality of
existing states of affairs), to something in the shared social world (as the totality of the
legitimately regulated interpersonal relationships of a social group), or to something in his own
subjective world (as the totality of experiences to which one has privileged access).”
HABERMAS, Jürgen. Discourse Ethics: Notes on a Program of Philosophical Justification. In:
Moral Consciousness and Communicative Action. Massachusetts: The MIT Press, 1999, p. 58.
8
HABERMAS, Jürgen. Reconstruction and Interpretation in the Social Sciences. In: Idem, p. 31.
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59
Essencial nesse quadro é a tarefa de esclarecer o sistema de normas que
determinaram a correção da produção e da avaliação das expressões simbólicas
[know-that]. Dessa forma, o que se passa a buscar são as normas que por detrás
informam a pretensão de correção de uma expressão; a sua validade, em termos
argumentativos; a sua precisão, em termos descritivos; a sua autenticidade, em
termos performativos. “Na medida em que reconstruções racionais explicam as
condições de validade de expressões, explicam também os casos desviantes, e por
meio dessa autoridade legislativa indireta adquirem [as reconstruções racionais]
uma função crítica também”.
9
O fato é que a reconstrução do conhecimento com o objetivo de explicar
e entender uma determinada expressão implica adotar uma postura metodológica
que busca reconhecer as regras de acordo com as quais a formação simbólica da
expressão ocorreu. O objeto do entendimento do pesquisador, nesses casos, não
representa mais o conteúdo da expressão simbólica, como o termo “competência”,
mas a consciência normativa e lingüística que o autor da fala concretamente tem.
Nesse ponto, Habermas afirma a diferença entre know-how e know-why: isto é,
entre, de um lado, a habilidade do sujeito que entende como se produz ou como se
alcança o sentido de alguma coisa e, de outro, o conhecimento do sujeito
competente relativo a como é que ele próprio [o sujeito competente] é capaz de
produzir ou alcançar o sentido de alguma coisa no mundo. O saber é o mesmo,
mas, no segundo caso, torna-se explícito. Esse é o conhecimento acerca do
sistema de regras que permite aos potenciais falantes adquirirem a competência
para produzir sentenças gramaticais. Coube a Noam Chomsky desenvolver esse
conceito no campo da gramática, chamado por ele de “gramática gerativa”, no
livro Syntactic Structures, em 1957. Trata-se da investigação de uma competência
que é universal, geral, cognitiva, lingüística, e interativa. “O que começa como
uma explicação de sentido objetiva a reconstrução de competências da espécie”.
10
Habermas assume aqui uma distinção de Ryle que é bastante esclarecedora: a) o
know how, isto é, a capacidade de um falante competente em relação a uma
produção determinada; b) o Know that, ou seja, o saber explícito a respeito
dessa capacidade. O autor de uma expressão simbólica tem um saber pré-teórico
a respeito das regras ou das estruturas segundo as quais ele realiza suas
9 Idem, p. 32.
10
Idem, p. 35.
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60
produções. Esse conhecimento pré-teórico implícito é o know how. O papel do
intérprete consiste em transformar esse know how num saber explícito, isto é,
num know that e, essa é exatamente a tarefa de uma compreensão
reconstrutiva.
11
4.2
A perspectiva participativa
Pode-se inferir que a adoção dessa metodologia reconstrutiva conecta-se
com a defesa de uma perspectiva participativa. Requer-se do cientista social
intérprete a capacidade de exercer uma espécie de competência participativa nas
ações comunicativas relacionadas ao elemento do mundo da vida que procura
entender:
Entender [Verstehen] uma expressão simbólica requer fundamentalmente a
participação num processo de busca do entendimento. Sentidos – quer estejam
corporificados em ações, instituições, produtos do trabalho, palavras, redes de
cooperação ou documentos – podem ser tornados acessíveis somente a partir de
dentro. A realidade simbolicamente pré-estruturada forma um universo que é
hermeticamente fechado para a percepção de observadores incapazes de se
comunicar; isto é, ele teria de permanecer incompreensível para eles.
12
Mas o envolvimento inevitável do intérprete no processo de busca do
entendimento não impossibilitaria a formulação de um conhecimento objetivo?
Tudo parece indicar que sim. No entanto, como assinala Habermas, a participação,
ao mesmo tempo em que faz questionar a objetividade do conhecimento
produzido, também é determinante da possibilidade de uma espécie de
“negociação imparcial a partir de dentro” [negotiated impartiality from within].
13
Durante muito tempo, os cientistas sociais endossaram a crença moderna
de que as condições básicas para se alcançar a objetividade do conhecimento
teórico residiam na independência com relação ao contexto e na neutralidade
valorativa. Mediante a defesa da posição externa de um observador dos
fenômenos sociais, acreditava-se que o cientista deveria manter-se distante da
realidade simbolicamente estruturada. A atitude de um cientista social engajado,
11
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Jürgen Habermas: pragmática universal. In: Reviravolta
lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 327.
12 HABERMAS, J
ürgen
. The Problem of Understanding Meaning in the Social Sciences. In: The Theory of Communicative Action. Volume one:
Reason and The Rationalizations of Society. Translated by Thomas McCarthy. Boston: Beacon Press, 1984, p. 112
.
13
HABERMAS, Jürgen. Reconstruction and Interpretation in the Social Sciences. In: Op.cit., p.29.
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61
cujo trabalho interpretativo implicasse necessariamente a participação no mundo
da vida do qual emergem os elementos analisados, significava, nessa perspectiva,
uma ameaça à possibilidade de um conhecimento teórico objetivo. É precisamente
na contramão de tal corrente que se posicionam os ensinamentos de Habermas
acerca da metodologia reconstrutiva.
O compromisso com o caráter emancipatório da razão e a oposição ao
não-cognitivismo no campo da ética implicam o comprometimento com a
possibilidade de interpretações participativas e performativas. Do ponto de vista
do investigador social que pretende interpretar determinado elemento do mundo
da vida – no presente caso, a idéia de competência humana –, o ato de entender o
sentido [sinnverstehen] da coisa jamais poderia ser adequadamente desempenhado
mediante a adoção de uma atitude que não fosse necessariamente participativa.
Pois se a razão é comunicativa, conseqüentemente a atitude de quem quer
entender deve ser participativa do discurso que gera e explica a idéia da coisa. A
atitude participativa impõe-se porque os elementos a serem interpretados
representam segmentos de construções discursivas necessariamente
contextualizadas. Assim é que o background coletivo que conforma o contexto no
qual oradores, ouvintes e espectadores (cientistas sociais) de uma ação
comunicativa encontram-se inseridos determina as interpretações possíveis dos
elementos discursivamente produzidos.
4.3
A pragmática universal
A metodologia reconstrutiva encontra-se também fundamentalmente
amarrada à idéia de “pragmática universal
14
. Com efeito, “pragmática universal” é
o nome que Habermas dá a um programa de investigação que busca reconstruir a
universalidade das condições gerais da comunicação entre os homens. Trata-se da
tarefa de identificar e reconstruir as condições de possibilidade do entendimento
entre dois indivíduos que agem de forma comunicativa. É justamente por meio da
14
Para uma abordagem mais profunda, cf., na literatura nacional, OLIVEIRA, Manfredo Araújo
de. Jürgen Habermas: pragmática universal. In: Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia
contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 2001, pp. 293-348.
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62
metodologia reconstrutiva que Habermas reconstrói as condições de possibilidade
comunicativa consideradas universais – as quais, por sua vez, informam a
metodologia reconstrutiva.
Essas condições de possibilidade universais são precisamente as que
permitem a geração de idéias entre os homens. São constrangimentos universais
(porque necessários) para a comunicação. Os homens, quando se propõem a
entender mutuamente determinado assunto, assumem condições necessárias e
inevitáveis para se alcançar o consenso. A metodologia reconstrutiva, portanto,
deve necessariamente recorrer aos critérios da pragmática universal para poder
reconstruir de forma competente o discurso sobre a idéia que defende.
E isso tudo só ocorre por meio da argumentação:
É no âmbito do processo argumentativo, do discurso, que as diversas afirmações
dos sujeitos capazes de linguagem e ação podem ser problematizadas e
submetidas a uma avaliação crítica. Todos os atos comunicativos – teóricos,
prático-morais ou estéticos – estão, no âmbito do discurso, submetidos a
pretensões de validade – verdade, justiça ou autenticidade.
15
Cumpre assinalar que a proposta de uma ética universalista, endossada
pelo programa de investigação da “pragmática universal”, encontra fundamento
numa determinada forma que é precisamente a estrutura presente em qualquer
processo de argumentação. É assim que o autor faz uma verdadeira recapitulação
de sua teoria moral mediante a análise da teoria da argumentação e, nesse cenário,
introduz o princípio de universalização (U) como o elemento que torna o acordo
moral possível. Esse princípio, como o próprio Habermas confirma, inspira-se
conceitualmente na idéia de “adoção ideal de papéis”, de Mead:
O princípio da universalização é projetado para incitar a troca universal de
papéis que G. H. Mead chamou de “adoção ideal de papéis” ou “discurso
universal”. Logo, toda norma válida deve satisfazer a seguinte condição:
(U) Todos os afetados podem aceitar as conseqüências e os efeitos colaterais
que a sua observação geral pode ser antecipada como tendo para a satisfação
do interesse de todos (e essas conseqüências são preferidas àquelas de
conhecida possibilidade alternativa de regulação).
16
15
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia
constitucional contemporânea. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 109.
16
HABERMAS, Jürgen. Discourse Ethics: Notes on a Program of Philosophical Justification. In:
Op.cit., p. 65.
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63
Na medida em que Habermas (re)constrói todo o seu arcabouço teórico,
inclusive o conceito de razão comunicativa, com base na idéia de
“justificabilidade” e “criticabilidade” de expressões lingüísticas [utterances],
atribui uma importância decisiva aos procedimentos de racionalidade implicados
na prática argumentativa; quer dizer, aos constrangimentos discursivos. A
importância atribuída à dimensão da argumentação, via valorização da realidade
do mundo como sendo simbolicamente estruturada no discurso, fez com que as
investigações de Habermas conferissem uma posição central ao Direito, enquanto
instituição de produção normativa por excelência na sociedade contemporânea. Os
estudos recentes do autor buscam traduzir a teoria da ação comunicativa para uma
realidade que seja institucional. É isso o que intenta fazer no livro Between Facts
and Norms: Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy.
17
4.4
A competência comunicativa
Mas, afinal, de onde vem a idéia de competência comunicativa nesse
imenso e profundo arcabouço teórico habermasiano? Dentre os estudiosos
brasileiros da teoria habermasiana que já se interessaram sobre a questão da
competência, destaca-se a contribuição de Bárbara Freitag, atualmente professora
do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Após realizar
estudos de sociologia, psicologia e filosofia na Alemanha, a autora publicou, no
17 No campo da metodologia jurídica, a proposta de Habermas insere-se num movimento
chamado “pós-positivista” que busca reabilitar a razão prática e conectar o direito com a moral.
(LARENZ, Karl. A discussão metodológica atual. In: Metodologia da Ciência do Direito.
Tradução de José Lamego. 3ª Edição. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 163-258). Essa nova
metodologia no estudo do direito traz muitas conseqüências, desde a caracterização do que se
entende por sistema jurídico até as delimitações da própria teoria da argumentação. Altera-se,
dessa forma, a maneira como se entende o direito e o modo como o próprio direito enquanto
ciência vê a sua produção teórica e a sua prática. Isso faz com que o positivismo não possa mais
ser sustentado, pois não permite incluir qualquer elemento valorativo referente à moral nas
discussões jurídicas. As críticas dirigidas a uma posição metodológica pós-positivista desse tipo
residem no afrouxamento da segurança jurídica. E é aí que surge o papel central das sofisticadas
teorias da argumentação jurídica, fortemente apoiadas na ética do discurso de Habermas. Contra o
absolutismo da segurança jurídica, defende-se a necessidade de uma solução justa dos problemas
sociais. E isso somente ocorre quando se acredita de fato na possibilidade de racionalmente
resolver conflitos valorativos – na idéia de razão prática. E tudo isso somente se concretiza
mediante processos intersubjetivamente controlados. Nesse terreno, não mais se separa a norma do
fato social; o “dever ser” do “ser”. Sobre o tema, especificamente na literatura nacional, ressalte-
se: MAIA, Antonio Cavalcanti. A distinção entre fatos e valores e as pretensões neofrankfurtianas.
In: Perspectivas atuais da filosofia do direito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, pp. 3-30.
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64
ano passado, o livro Dialogando com Jürgen Habermas. Nesta coletânea de
artigos, encontram-se duas contribuições que buscam discutir a obra de Habermas
no contexto maior das teorias psicológicas que lhe serviram de alicerce teórico,
nomeadamente as contribuições de Piaget e Kohlberg.
Assim, no texto intitulado Piaget e Habermas: uma nova teoria do “eu”,
Freitag traça a trajetória da idéia de competência na obra de Habermas. Segundo
ela, o autor abordou primeiramente a matéria no ano de 1972, quando publicou
Anotações sobre o conceito rollenkompetenz – é a idéia de role-taking sugerida
pelo psicólogo social George Herbert Mead. Trata-se de um dos escritos iniciais
do autor sobre o tema da competência, como adverte Freitag, o que resultou numa
abordagem pouco sistematizada da questão. Habermas teria equivocadamente
afirmado que a idéia de rollencompetenz seria distinta de três conceitos de
competência que se encontram fundamentalmente relacionados: a cognitiva, a
lingüística e a motivacional, conceitos anteriormente desenvolvidos por Piaget,
Searle e Freud, respectivamente.
18
Como pondera Freitag, a competência moral encerra necessariamente as
dimensões cognitiva, lingüística e motivacional do indivíduo e, assim, jamais
poderia ser contraposta ao conceito de rollenkompetenz. Essa inexatidão
terminológica, segundo ela, foi corrigida dois anos depois, em 1973, com a
publicação de um novo texto sobre o assunto. Naquela oportunidade, Habermas
introduziu então o termo genérico “competência interativa”, supostamente mais
adequado para mediar as diferentes dimensões presentes na idéia de competência.
Diz a autora:
O ator ‘competente’ de Habermas, que coordena suas ações e busca o
entendimento através da ação comunicativa, é o sujeito autônomo, socializado,
comunicativo (em suma “descentrado”), cujas estruturas lógicas e de
consciência foram se construindo enquanto atuava sobre o mundo dos objetos
(interiorização de ações) e interagia com outros sujeitos no mundo social
(interiorização ou assimilação da fala e dos pontos de vista dos outros),
levando-o a reorganizar (acomodação) suas estruturas cognitivas.
19
18
FREITAG, Bárbara. Piaget e Habermas: uma nova teoria do “Eu”. In: Dialogando com Jürgen
Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005, p. 123.
19
FREITAG, Bárbara. Teoria da ação comunicativa e psicologia genética. In: Dialogando com
Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005, p. 53.
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65
Sobre o tema, vale ainda recorrer aos ensinamentos de outro teórico brasileiro que
igualmente tratou do assunto, o filósofo Danilo Marcondes:
O objetivo da teoria da competência comunicativa de Habermas é reconstruir o
sistema de regras segundo as quais os falantes [competentes] produzem ou
geram situações possíveis de discurso. A noção de situação ideal de discurso é
condição de possibilidade de todo discurso que visa um fim mais ou menos
específico ou preestabelecido. A característica definidora de situação ideal de
discurso é a intersubjetividade: a idéia de que o uso da linguagem, consistindo
em um ato de entendimento mútuo, pode levar a um acordo bem fundamentado,
ao qual se chega através do diálogo, pois tem-se sempre a possibilidade de
retomar o discurso.
20
O homem competente, assim, é aquele que, num dado discurso ou numa
conversa, não estabelece o ponto de partida para o entendimento de determinado
conceito, mas reconhece que é preciso refletir através da linguagem como médium
de formação do próprio conceito que busca entender. Recorre à linguagem para
solucionar problemas surgidos na própria linguagem, numa postura
metodologicamente reconstrutiva. E é justamente por meio da competência
relativa aos usos e abusos da linguagem que se alcança o consenso, com o outro,
sobre o significado das expressões que se busca entender – no caso da política,
sobre um determinado curso de ação a ser seguido na gestão da República.
Com efeito, Habermas desenvolve a teoria da competência comunicativa
sob forte influência da teoria da competência lingüística de Chomsky. Seria
definitivamente oportuno abordar aqui as relações de similitude e diferença entre
as propostas desses dois autores. Todavia, na medida em que tais relações ainda
não estão claras nesta fase da investigação, remete-se o leitor interessado para as
obras aqui citadas. Em suma, vale concluir que a competência comunicativa
define-se de acordo com o quadro de reconstruções racionais do pensamento de
um indivíduo e a possibilidade de este vir a empreender raciocínios de caráter
pós-convencional. Trata-se de um conceito construtivista do processo de
aprendizagem, defendido, entre todos, por Jean Piaget. O conhecimento é um
produto do processo de aprendizagem e o processo de aprendizagem é um
processo de resolução de problemas no qual o sujeito envolve-se ativamente.
20
MARCONDES, Danilo. Filosofia da linguagem e teoria crítica. In: Filosofia, linguagem e
comunicação. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2000, p. 43.
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66
Nesse quadro de análise, vê-se que a competência parece medir-se de
acordo com o conhecimento da linguagem enquanto necessariamente produzida
por mecanismos internos à mente. Daí resulta que a competência é algo do
domínio individual – como defende a perspectiva internalista de Chomsky –,
embora ela possa ser vislumbrada sob o ângulo da coletividade quando encontrada
em comunidades cuja maioria de seus membros seja de indivíduos competentes.
Mas, nesse caso, a competência de uma comunidade, como a de uma instituição,
pode ser diagnosticada somente quando os homens mais cognitivamente
desenvolvidos são responsáveis pelas decisões ali tomadas. São essas as
implicações políticas decorrentes de uma teoria fundamentada na idéia de
competência humana – tema a ser desenvolvido na conclusão desta dissertação.
4.5
O cognitivismo, o universalismo e o formalismo
O projeto de Habermas identifica-se com as formulações filosóficas
consideradas cognitivistas, universalistas e formalistas. Nas palavras do autor, a
vantagem da posição moral que defende “é que as assunções básicas cognitivistas,
universalistas e formalistas podem ser derivadas do princípio moral baseado na
ética do discurso”. Assim explica melhor Habermas:
Uma ética é denominada universalista quando alega que esse (ou um similar)
princípio moral [princípio U], para além de refletir as intuições de uma cultura
particular ou época, é universalmente válido. Desde que o princípio moral não
seja justificado – e justificá-lo envolve mais do que simplesmente apontar para
o “fato da pura razão” de Kant – a falácia etnocêntrica torna-se largamente
visível. Eu devo provar que o meu princípio moral não é somente uma reflexão
dos prejuízos dos homens adultos, brancos, bem-educados, ocidentais de hoje.
Essa é a parte mais difícil da ética, uma parte que não posso explicar neste
ensaio. Brevemente, a tese que a ética do discurso coloca sobre a questão é que
qualquer um que seriamente assume participar numa argumentação
implicitamente aceita por meio dessa assunção as pressuposições pragmáticas
gerais que possuem um conteúdo normativo. O princípio moral então pode ser
derivado do conteúdo dessas pressuposições da argumentação quando se
reconhece ao menos o que significa justificar uma norma de ação. Essas,
portanto, são as assunções deontológicas, cognitivistas, formalistas e
universalistas que todos os filósofos morais do tipo kantiano têm em comum.
21
21
HABERMAS, Jürgen. Morality and Ethical Life: Does Hegel’s Critique of Kant Apply to
Discourse Ethics? In: Moral Consciousness and Communicative Action. Massachusetts: The MIT
Press, 1999, p. 196.
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67
A ética do discurso, fundada no princípio U, endossa três idéias básicas:
1) o cognitivismo, que refuta o “ceticismo ético” – a justificação do princípio
U que permite conceber a possibilidade do consenso na argumentação
demonstra em si a assunção de que questões prático-morais possam ser
resolvidas com base na razão;
2) o universalismo, que refuta o “relativismo ético” – decorre diretamente do
princípio U, diz Habermas, o fato de que todos aqueles que participam de
um processo argumentativo são capaz de chegar aos mesmos julgamentos
sobre a aceitabilidade das normas; e
3) o formalismo, que refuta a “ética materialista” – o princípio U funciona
como uma regra capaz de eliminar todos os argumentos não generalizáveis
pertencentes “biografias particulares”. Não se trata de fundamentar a
felicidade, uma forma ética de vida particular, mas um ideal de justiça.
Assim, a validade moral situa-se na forma e não no conteúdo dos valores.
As críticas dirigidas a uma posição epistemológica e metodológica desse
tipo ressaltam a impossibilidade de se conectar a realidade empírica dos fatos com
o mundo dos valores. Não se poderia alcançar algo pertencente ao nível do dever
ser [ought] das coisas no mundo a partir daquilo que as coisas no mundo são [is].
A exclusão da possibilidade de se vir a conceber um conhecimento que seja de
fato universal tem como conseqüência teórica lógica precisamente a
impossibilidade de que possam vir a existir indivíduos competentes capazes de
empreender raciocínios morais universais por meio de práticas comunicativas.
Uma exclusão epistemológica desse tipo resultaria na impossibilidade de se
considerar teorias cognitivistas universais sobre a moralidade. O raciocínio moral,
como qualquer outro referente à razão prática, seria então reduzido a uma variável
que operaria em função do horizonte de costumes e práticas estabelecidas, de
modo que tudo teoricamente poderia vir a se tornar admissível moralmente –
rectius, argumentado racionalmente.
Para Habermas, a chamada “virada interpretativa” [interpretive turn], ao
contrário do que dizem os mais céticos, não representou a morte do estatuto
científico das investigações nas ciências sociais. Contrariamente a Richard Rorty,
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o autor não acha que as pesquisas no campo das ciências sociais possam ser
identificadas com a crítica literária ou o discurso religioso. Contra aqueles que
defendem uma “hermenêutica radical” e assim descartam a pretensão de
objetividade e a possibilidade de um conhecimento explicativo universal –
posição endossada por Rorty – Habermas defende uma espécie de
“reconstrucionismo hermenêutico” e acredita sim na possibilidade de um
conhecimento teórico objetivo. No caminho para a construção de sua tese,
Habermas cria um arcabouço teórico de conceitos logicamente amarrados.
Reconstrução racional, perspectiva participativa, pragmática universal,
competência comunicativa, cognitivismo, universalismo e formalismo são
conceitos intimamente conectados de modo que não se poderia atacar um deles
sem descuidar dos outros. Foi o que se procurou demonstrar na exposição acima,
embora seja prudente deixar consignado que a sofisticação da teoria do autor,
aliada ao grande volume de trabalhos já publicados sobre o tema, demanda
investigações mais extensas e profundas.
É oportuno encerar o presente capítulo com uma interessante constatação
de Habermas relativa às implicações políticas da controvertida questão do
universalismo cognitivo: diz o autor que os defensores contemporâneos de uma
filosofia aristotélica, chamados “neo-aristotélicos”, são qualificados de maneira
muito diferente nos Estados Unidos e na Alemanha. Assim, nos Estados Unidos,
os defensores do pensamento de Aristóteles são considerados verdadeiros
pensadores políticos críticos (como Richard Rorty); já na Alemanha, são vistos
como conservadores – pois a relativização dos princípios decorrente da ética
aristotélica conduz à priorização de um estado de coisas e à resignação do
indivíduo ao ethos
22
. Acredito que as implicações políticas de uma posição não-
22
Cf. HABERMAS, J. Lawrence Kohlberg and Neo-Aristotelianism. In: Justification and
Application: Remarks on Discourse Ethics. Massachusetts: MIT Press, 1993, p. 125. Essa crítica,
contudo, não é facilmente aceita. Nesse sentido, vale ressaltar a contribuição de Florian Hoffmann:
It is, among others, Rorty’s great merit to have pointed out the crucial difference between
epistemological and political relativism. In fact, his positivation of the consequences of
epistemological relativism in the form of his particular account of ethnocentrism shows that the
political relativism allegedly following from epistemological relativism is, actually, its antidote.
Or, put differently, it is precisely the absence of objective, rational, abstract foundations which
enables a contingent, self-revising and self-responsible political activism based on belief and felt
solidarity. Only if the ‘world outside’ is not forcefully pushed into predetermined categories can
one freely engage the concrete ‘others’ in ongoing micro-political processes” (HOFFMANN,
Florian. Are Human Rights Transplantable? Reflections on a pragmatic theory of human rights
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cognitivista devem ser seriamente consideradas quando se participa dos discursos
sobre a controvertida questão da universalidade dos valores, sobretudo no campo
dos direitos humanos. Será possível ser um fervoroso defensor da emancipação
social da humanidade, das pautas internacionais de direitos humanos, do fim de
práticas culturais discriminatórias e etc. e ao mesmo tempo adotar uma postura
filosófica contrária ao cognitivismo e não-universalista, sem entrar em
contradição performativa?
* * *
under conditions of globalization. [Thesis submitted with a view to obtaining the title of Doctor of
Laws of the European University Institute]. Florence: Dec. 2003, p. 246).
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5
Philip Pettit: a defesa do microfisicalismo e o conceito de
sujeitos recursivamente representacionais
Philip Pettit nasceu em 1945 na Irlanda. É tido atualmente como um dos
mais influentes pensadores políticos. Formou-se em seu país de origem, foi
professor na Universidade Nacional da Austrália e desde 2005 leciona na
Universidade de Princeton, Estados Unidos.
A influência política de Pettit foi recentemente destacada em entrevista
publicada no jornal espanhol de grande circulação, El País, em 25 de julho de
2004
1
. Afirma-se que o Presidente da Espanha José Luis Rodríguez Zapatero
considera Pettit uma das principais referências teóricas na formulação de seu
plano de governo. A notícia relata que Zapatero fez um convite para que Pettit
examinasse, dentro de um prazo de três anos, se as políticas de seu governo de
fato cumpriram com as suas propostas republicanas de reforma do Estado
encampadas por Pettit. Não obstante essa importante dimensão política de seu
trabalho, Pettit vai além: desenvolve estudos sérios sobre linguagem, filosofia da
mente e psicologia social (à semelhança de Chomsky, que também busca unir a
pesquisa científica com o ativismo político).
Neste capítulo, assim como nos demais, não se pretende tratar dos
assuntos políticos de Pettit, mas das questões de ordem epistemológica e
metodológica referentes ao funcionamento da mente. Aqui o problema da
linguagem assume também posição central. Tais estudos, como se demonstrará,
são significativamente importantes para as avaliações políticas do autor.
A questão central abordada por Pettit refere-se à intencionalidade do ser
humano. Pergunta-se: O que significa ser um agente intencional. O que significa
ser um agente com capacidade de pensamento? Ainda: Que diferença a vida social
provoca na mentalidade dos agentes intencionais? Como se dá a configuração da
mente em relação à comunidade em que se desenvolve? E mais: Como esse
1
MARTÍ FONT, J. M. “Zapatero me invita a que examine a su Gobierno dentro de três años”. El
Pais, Espanha, 24 jul. 2004. Entrevista.
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71
desenho todo se coloca perante a tarefa de formulação política e social? Como
essa figura toda se coloca para a explanação do que ocorre na cena social e para a
avaliação das diferentes maneiras de estruturar essa cena?
Pettit responde a essas perguntas centrais para a compreensão do homem
e da sociedade na obra The common mind: an essay on psychology society and
politics, publicada em 1993. O livro foi escrito com a intenção de abordar
questões de ordem metodológica na teoria social e política; isto é, questões sobre
como buscar a explicação social e a avaliação política. “Teóricos sociais e
políticos às vezes dão a impressão de que estão a fazer a sua metafísica enquanto
eles seguem e a idéia foi de que seria interessante primeiro rascunhar uma
metafísica – uma filosofia da vida mental e social – depois olhar para a sua
significância para a metodologia”.
2
De caráter claramente interdisciplinar, o livro
encontra-se dividido em três partes. Cada parte corresponde a um estágio da tarefa
de responder às questões que propõe. Assim, são analisadas, primeiramente, as
questões sobre psicologia da mente e filosofia da psicologia da mente; em
segundo lugar, questões sobre ontologia social (metafísica), isto é, questões sobre
como os sujeitos psicológicos relacionam-se socialmente entre si e com as demais
entidades que formam; por último, os assuntos concernentes à explanação social e
à avaliação política – temas, portanto, de teoria social e política. “A primeira parte
do livro dá um desenho da mente; a segunda, da mente e da sociedade; e a
terceira, da mente, da sociedade e dessa espécie de teoria associada” – diz Pettit.
3
Em resumo, o livro explora, concretamente, (1) a natureza da mentalidade
humana; (2) o caráter das relações sociais; e (3) as possibilidades políticas.
O autor alerta para o fato de que não se pode formular explanações
sociais e avaliações políticas sem que se tenha um conhecimento geral e prévio
acerca do que é o homem e a sociedade. É preciso conhecer a natureza humana e o
impacto que a vida social (como a comunidade) causa nessa natureza humana.
Antes ainda – e isso é central tanto na sua teoria como na de Chomsky –, Pettit
acredita que é preciso saber o que significa ser “equipado” psicologicamente na
forma de um ser humano.
2
PETTIT, Philip. Postscript: A Common Mind in Three Senses. In: The Common Mind: An Essay
on Psychology, Society and Politics. Oxford: Oxford University Press, 1996, p. 340.
3
PETTIT, Philip. Preface. In: The common mind, p. viii.
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72
5.1
O microfisicalismo
Essas preocupações acerca do “equipamento psicológico” humano
introduzem a idéia de “microfisicalismo”, pressuposto metodológico de toda a sua
teoria. Desde 2004, o autor defende expressamente em artigos científicos um
“comprometimento com a verdade do fisicalismo”
4
. A perspectiva chamada
“microfisicalista” parte da intuição de que todos os entes no mundo são formados
por micropartículas e que tudo o que acontece empiricamente é determinado por
forças ou leis que controlam, em última instância, o que sucede no nível mais
fundamental: o microfísico. Daí resulta que as leis que regulam o que sucede nos
níveis mais superiores, significa dizer, as normas de um Estado, não podem ser
vistas como independentes de qualquer sentido; pelo contrário, adotar essa
perspectiva microfisicalista implica conceber as normas jurídicas como princípios
gerais norteadores de um determinado estado social que se deve adequar a um
certo estado de coisas que é natural. “Trata-se de uma imagem relativamente
simples, econômica e precisa da arquitetura do mundo” – diz Pettit. Tal imagem,
alega ele, “[se] enquadra bem com relação à maioria dos entendimentos na ciência
contemporânea”
5
.
Eu assumo que tudo no mundo espacial-temporal é composto de alguma forma
das espécies de entidades que a física – estritamente, a microfísica – tabela
[chart]. E eu assumo que a física, ou ao menos a física completa, abarca todas
as propriedades relevantes, intrínsecas e relacionais, dessas partes: todas as
propriedades relevantes para como as partes se comportam.
A versão mais simples a apelativa do fisicalismo, segundo Pettit,
identifica-se com a noção matemática de que para cada ponto de uma coordenada
há uma correspondente forma a ser mapeada. O modo como o mundo natural é
organizado determinaria a priori a apresentação desse mundo nas formas
psicológicas da mente humana. A configuração física do mundo determinaria a
realidade psicológica [mental].
4
PETTIT, Philip. Physicalism without Pop-out. In: BRADDON-MITCHELL, David; NOLA,
Robert (eds.). Naturalistic Analysis. Massachusetts: The MIT Press, 2005 (no prelo). Disponível
em :http://www.princeton.edu/~ppettit/papers/Physicalism%20without%20Pop-out%2003-05.pdf
.
Acesso em: 15 de março.
5
PETTIT, Philip. Postscript. In: Op.cit., p. 343.
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73
A defesa metodológica do microfisicalismo relaciona-se com a crença na
“mente comum”. Em 1996, num pós-escrito ao livro The common mind, o autor
esclareceu que a mobilização da idéia de “mente comum”, utilizada inclusive para
compor o título do livro, representa uma opção metodológica que procura
confirmar a idéia de “microfisicalismo”. Segundo Pettit, apresenta-se uma mente
que é comum em três sentidos:
1) Primeiro, devido ao fato de que o crânio, como local de processamento
da cognição, é uma matéria comum a todos os homens. Trata-se de
uma estrutura que contém os elementos e as conexões necessárias,
pertencentes à genética da espécie humana, para a constituição da
mente do homem.
2) Segundo, porque se trata de uma mente cuja manifestação somente
pode ser apreendida nas interações cotidianas, quer dizer, nas práticas
ainda não submetidas a qualquer reflexão.
3) Por último, e em conexão com o sentido anterior, a mente é comum
porque não é um ente solitário, mas compartilhado e social. Não cabe
mais defender uma visão solipsista da experiência. Assim, a mente
constitui-se fundamentalmente na interação dos indivíduos em
comunidade. Os estudos indicam que todas as coisas no universo e
todas as situações são conformadas por processos de interação.
Acontece a mesma coisa com o indivíduo. O comportamento
individual é distintivo somente em conjunto com outros
comportamentos, e nunca como uma ação fechada sem conexão com o
exterior. É uma lei universal: nada pode ser considerado em
isolamento; todo comportamento é associado.
Nessas três justificações para a idéia de mente comum, Pettit afirma que
assume uma ontologia materialista do mundo empírico. O mundo empírico
encontra-se hierarquicamente organizado em níveis de inteligência e os níveis
mais baixos nessa escala – aqueles investigados pela microfísica – são vistos
como depositários das formas e dos materiais mais fundamentais. A idéia da
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74
mente como sendo comum encaixa-se perfeitamente nessa perspectiva
“fisicalista”
Os diferentes âmbitos da investigação cientifica representam diferentes níveis:
tem o nível físico, correspondente à física; o químico, correspondente à
química; o biológico, correspondente à biologia. Igualmente, podemos dizer,
tem o nível intencional, correspondente à psicologia intencional, e o nível
estrutural, correspondente ao conhecimento social agregado.
5.2
Os “sujeitos recursivamente representacionais”
A existência de uma idéia indicativa da noção de competência humana
em Pettit é clara: a partir da perspectiva microfisicalista, ao analisar a mente
humana, o autor assinala a existência de sujeitos pensantes e sujeitos não-
pensantes. Ainda, afirma que os homens são seres intencionalmente
comprometidos com os constrangimentos racionais oriundos e associados a tais
processos microfísicos como paradigmas do conhecimento. Isso porque, os
homens não somente geram ou formam crenças sobre as coisas no mundo da vida,
mas também buscam justificar as crenças geradas através de mecanismos
conformados pelo quadro gerador da crença em si. Essa é, pois, a idéia de
“sujeitos recursivamente representacionais” – os sujeitos intencionais e pensantes.
Deve haver nada particularmente controverso sobre positivar a existência de
estados e sujeitos recursivamente representacionais. A recursão pode ser obtida
somente em virtude de os sujeitos se tornarem aptos a formar crenças, não
somente sobre como o mundo é, mas sobre como o mundo-assim-representado
é ou, alternativamente, sobre como o mundo aparece ou parece ser. E há quase
nenhuma negação de que sujeitos como nós formam tais representações
recursivas. (...) Podemos descrever a representação recursiva como uma meta-
representação ou uma representação de ordem maior, mas é importante ficar
claro que o que ela [a representação recursiva] primariamente representa é o
mundo-de-acordo-com-a-representação-revelante – se você preferir, o conteúdo
desta representação – e não o estado de representação em si.
6
De um lado, destacam-se os sistemas humanos intencionais, capazes de
acreditar em coisas e desejar essas coisas; de outro, os sistemas humanos
pensantes, que, além de intencionais, porque acreditam em coisas e desejam essas
6
PETTIT, Philip. Physicalism without pop-out, p. 15.
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75
mesmas coisas, podem também pensar sobre essas coisas que acreditam e
desejam.
Estados recursivamente representacionais são aqueles que permitem ao
sujeito não apenas representar o ambiente, mas representar o ambiente como um
ambiente que é antes representado. Mas acontece que sujeitos recursivos podem
não conseguir sempre alcançar a recursão do estado representacional. O sujeito é
recursivamente representacional [competente] se conseguir alcançar a recursão do
estado representado. É a crença não apenas sobre como o mundo é, mas sobre
como o mundo-assim-representado parece ser [know-that]. Enquanto os sujeitos
não recursivos [incompetentes] permanecem presos à representação do mundo em
seus estados representacionais simples, sujeitos recursivamente representacionais
poderão em princípio fazer uma distinção entre como o mundo é e como ele é
representado como sendo. Isso acontece na medida em que os sujeitos são capazes
de identificar como o mundo é representado-como-sendo e, quando necessário,
ver que as coisas não são necessariamente assim. Aí reside a possibilidade de
transformação social. Arrisca-se dizer ainda mais: esse seria o controvertido nível
pós-convencional do desenvolvimento moral do homem.
O problema é que, no tocante às configurações neurais, os estados
recursivamente representacionais, ao contrário dos estados representacionais
simples, não podem ser mapeados pelo método matemático das coordenadas e
formas correspondentes – por uma metodologia microfisicalista. É como se esse
conhecimento fosse negado ao homem. O homem seria privado dessa inferência,
metaforicamente chamada “pop-out”. Certos fenômenos recursivamente
representacionais não encontram amparo nas observações físicas. Contudo, diz o
autor, “se os termos físicos sobre os quais o mundo opera são fixos, então os
psicológicos deverão ter sido fixos também”.
Verdadeiramente, essa idéia aproxima-se da metodologia reconstrutiva,
supra referida, defendida por Habermas e Kohlberg. Assim, nessa mesma chave,
o autor afirma que existem constrangimentos comunicativos: as proposições
sugeridas devem necessariamente aparecer como um objeto de crença [belief] para
o homem; requer-se que sejam feitas as seguintes descrições no ato de crer ou
entender essas proposições:
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76
Crer-em-x-só-se-for-o-caso-de-x
Crer-em-x-só-se-a-evidência-for-a-favor-de-x
Esses constrangimentos são apenas satisfeitos quando os sujeitos em interação e
pela linguagem participam de ações comunicativas de discussão e argumentação.
Eu argumento neste livro [The common mind] que os seres humanos são
caracterizados pela habilidade de pensar, que pensar requer relações sociais e
recursos culturais e que isso significa que o realismo ingênuo é colocado sob
questão. Verdade, eu sustento que a lição é não que cada tradição de discurso
constrói a sua realidade, mas que se um discurso nos direciona para a realidade
é uma questão que está sempre sub judice: particularmente, sub judice
conversationis, sob o julgamento de troca intelectual. A resposta à questão
depende de as pretensões que distinguem o discurso provarem seu valor na
negociação intelectual entre diferentes indivíduos e culturas.
7
O autor assinala que são exatamente esses sistemas humanos intencionais e
pensantes que possibilitam a existência de uma ação humana que é
normativamente orientada por crenças e desejos que necessariamente satisfazem
constrangimentos de racionalidade. Portanto, Pettit argumenta a favor da
existência de sujeitos “normativamente orientados” [rule-following subjects].
Significa dizer, sujeitos orientados conforme certas normas tidas como corretas.
Tal abordagem claramente endossa uma concepção cognitivista com relação a
valores e normas por excelência.
O outro requisito crucial para o pensamento é que a pessoa seja capaz não
apenas de ter crenças sobre proposições, mas de tratar as proposições e os
elementos a partir dos quais elas são construídas como regras de pensamento
[rules of thought]. A idéia é que o sujeito deve ser capaz de reconhecer que uma
proposição dita para cada um dos indefinidos grandes números de maneiras
possíveis que o mundo possa ser, que ele deve ser acreditado ou não deve ser
acreditado sob tal eventualidade; e que, reconhecendo isso, o sujeito deve ser
capaz de realizar esforços para ver que as suas próprias respostas formadoras de
crenças honram o ditado da proposição.
8
* * *
Após abordar essas considerações metodológicas de Philip Pettit,
percebe-se que a teoria do autor sugere enfaticamente a existência de sujeitos que
possuem uma determinada competência mental, naturalisticamente observada.
Acredita-se ser oportuno introduzir, neste momento, para encerrar o presente
7
PETTIT, Philip. Preface, p. xi.
8
PETTIT, Philip. The Common Mind, p. 7.
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77
capítulo com um tema menos “pesado”, a posição do autor quanto à idéia de
liberdade humana. Com efeito, muitos estudos hoje têm apontado para a noção de
liberdade como não-dominação formulada por Pettit como uma das propostas
mais promissoras para se pensar a teoria republicana. Essa proposta, como se
pretende demonstrar, encontra-se, na verdade, fundamentalmente conectada com a
idéia de sujeitos intencionais e pensantes, ou melhor, com a proposição de
“sujeitos recursivamente representacionais”, expostas nas linhas acima. Assim,
será realizada a seguir uma breve incursão na construção dessa noção de liberdade
como não-dominação, explorada no livro A Theory of Freedom: From the
Psychology to the Politics of Agency (2001).
5.3
A liberdade como responsabilidade
O livro objetiva estabelecer a conexão entre as discussões sobre livre
arbítrio [free will], no campo da psicologia, e liberdade política [political liberty],
no campo da teoria política. Pettit acredita que esses tópicos têm muito em
comum, na medida em que a palavra liberdade possui conotações semelhantes e
implicações analógicas nos dois domínios. Argumenta o autor a favor de uma
teoria compreensiva da liberdade [comprehensive theory] no lugar de duas teorias
compartimentalizadas. Concretamente, com a assunção de uma postura holística
9
,
defendida pelo autor, constrangimentos teóricos são impostos no sentido de uma
abordagem unificada sobre a questão da liberdade, pois “a tendência a sintetizar
unidades em totalidades organizadas implica considerar o significado da liberdade
na teoria política e na teoria psicológica da mesma forma”
10
. É preciso que a teoria
holística que se busca, na medida em que seja capaz de cortar transversalmente os
estudos do campo psicológico e da teoria social e política, possa encaixar-se numa
mesma estrutura geral. Os dois domínios estariam conceitualmente conectados.
Neste estudo, Pettit conclui que a liberdade é a aptidão para ser
considerado responsável. Dizer que uma pessoa é livre significa dizer que a
9
“Holistic Methodology”, nas palavras do autor. Cf. PETTIT, Philip. A Theory of Freedom: From
the Psychology to the Politics of Agency. Cambridge: Polity Press, 2001, p. 3.
10
Idem, p. 5.
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78
pessoa pode ser considerada responsável por seus próprios atos. Há uma ligação
necessária entre a atribuição de liberdade e a imputação de responsabilidade, o
que está a atestar a continuidade dos significados da liberdade nos dois domínios.
Mas o que determina a aptidão para ser considerado responsável? Pettit aborda o
tema a partir da perspectiva do individuo enquanto agente não-coletivo nos
primeiros capítulos do livro, e recorre a três teorias que resumem os debates
teóricos sobre a liberdade no sentido de aptidão/capacidade para ser considerado
responsável, a saber: (1) liberdade como controle racional; (2) liberdade como
controle volitivo; e (3) liberdade como controle discursivo. A análise da teoria a
ser endossada deve levar em consideração a afirmação de que, quando o agente é
livre, o controle da ação, a constituição do self e o status da pessoa são
compatíveis com a capacidade de responsabilização. Esse é o método utilizado
por Pettit para testar as teorias sobre a liberdade e buscar uma que seja mais
compreensiva e unificada.
Há um tipo de interação, e um tipo de influência, que paradigmaticamente
cumpre os requisitos expressos. Essa é a interação que ocorre quando as pessoas
tentam resolver um problema comum, discursivo – chegar a uma mente comum
– por meios comuns, discursivos.
11
A liberdade concretiza-se somente quando o agente possui determinadas
habilidades para discursar. O que torna a pessoa livre é especificamente a posse de
uma capacidade “raciocinativa” para tomar parte do discurso; é preciso que a
pessoa seja capaz de satisfazer os constrangimentos lingüísticos gerados nas
relações discursivas – e essa é precisamente a noção de competência, aqui
denominada “controle discursivo”. Em outros termos, somente o agente com
controle discursivo é autorizado a participar de uma conversa e está apto para ser
considerado responsável; quer dizer, é livre Essa idéia encontra-se
fundamentalmente conectada com o conceito de sujeitos recursivamente
representacionais. Para que as ações possam ser vistas como discursivamente
controladas, é preciso que os agentes sejam capacitados com estados
recursivamente representacionais.
O controle discursivo envolve dois elementos: por um lado, a existência
de uma capacidade raciocinativa [ratiocinative capacity] para tomar parte do
11
Idem, p. 67.
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79
discurso; por outro, a capacidade relacional [relational capacity] de gozar de
relações amigáveis [discourse friendly-linkages]. Os agentes, nessa perspectiva,
serão livres “na medida em que são engajados em discursos com outros, sendo
autorizados como alguém que merece ser endereçado, e eles serão fortalecidos
nessa liberdade na medida em que são publicamente reconhecidos como tendo o
controle discursivo”.
12
A liberdade somente é ameaçada com a remoção do controle discursivo.
Daí que a interferência não-arbitrária não é o problema. A interferência é muitas
vezes requerida para a garantia do próprio controle discursivo. Essa é
precisamente a concepção republicana de liberdade como não-dominação. Ainda,
somente quando se assume que o homem possui uma determinada competência
para participar dos discursos sobre questões concernentes à coisa pública é que se
pode vislumbrar a concretização do ideal essencialmente republicano de liberdade
enquanto não-dominação. Pois, caso se venha a cogitar a participação do
incompetente no discurso, a dominação surge como quase-certa, a menos que se
considere a virtude dos demais homens como elemento essencial na república. Na
medida em que a ação é sempre comunicativa, a interferência do outro está
sempre pressuposta. A liberdade ganha um sentido completamente diferente
daquele atribuído por teóricos (neo)liberais que destacam o valor primordial da
não-intervenção estatal na esfera privada.
13
O Estado que deseja ser republicano, nessa perspectiva, não pode apenas
limitar-se a garantir a não-interferência na esfera privada dos indivíduos mediante
a previsão normativa de direitos de primeira geração, isto é, de direitos civis.
Requer-se, sobretudo, que sejam garantidos direitos de interferência do próprio
Estado nos meios em que a ação comunicativa eminentemente ocorre – na mídia,
por exemplo, e acima de tudo. Só assim o controle discursivo pode vir a existir
entre os cidadãos e em todos os espaços públicos. A ação comunicativa pode ser
12
Idem, p. 73.
13
The ideal of political freedom as non-domination has deep historical roots. It is the ideal
present in the Roman and Neo-roman tradition of republican thought. This ideal was replaced
about the end of the eighteenth century by the characteristically liberal ideal of non-interference
but the consideration that argued for that replacement among progressive thinkers – that the older
ideal would be too radical an ideal for the populace as a whole – no longer applies. The time is
ripe for a republican revival of the ideal of political freedom as non-domination. (PETTIT,
Philip. Idem, p. 151).
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80
vislumbrada como o verdadeiro registro da democracia, da liberdade e da correção
das decisões relativas aos rumos da coisa pública.
Arrisco dizer, nessa chave, que os direitos civis corretamente entendidos,
enquanto direitos do homem cívico, inclusive em termos etimológicos, não podem
ser identificados com as garantias de primeira geração. Verdadeiramente,
conforme a perspectiva republicana, os direitos civis consistem muito mais nas
garantias referentes a condições sociais e ambientais propícias para o discurso.
Desse ponto de vista, o direito de liberdade, nos dias de hoje identificado com a
esfera privada do homem, deve passar a ser encarado na sua dimensão ambiental.
Ora, se não se pode mais pensar em separar o homem do ambiente; ou melhor,
quando não se admite mais a separação entre o individual e o coletivo, é
inevitável a defesa de uma teoria dos direitos humanos que assuma as garantias
sociais, culturais e ambientais como direitos inerentes ao status do homem cívico.
São todos eles, pois, direitos civis, propriamente ditos.
5.4
A república contestatória
Depois de identificar a concepção de liberdade individual que defende –
como controle discursivo –, nos últimos capítulos do livro o autor entra nas
questões de ordem política. Ele trata não mais da liberdade do agente individual,
mas da liberdade do agente coletivo – especificamente do Estado enquanto agente
coletivo. O autor assinala que o Estado é parcialmente responsável por
proporcionar o desenvolvimento da liberdade enquanto controle discursivo nos
indivíduos, o que somente ocorre através do ideal republicano de liberdade como
não-dominação.
Pettit entende que a democracia e o republicanismo hoje consistem mais
na liberdade de se opor a decisões coletivas do que na liberdade de participar das
decisões coletivas. A democracia, assim, possui duas dimensões: uma eleitoral e
outra contestatória. O argumento central de Pettit afirma que, para além de uma
democracia que se manifesta nas instituições tradicionais e em períodos eleitorais,
a concepção de um republicanismo contestatório é capaz de criar instituições mais
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81
responsivas às exigências da liberdade republicana. A metáfora utilizada por este
autor é a de um controle editorial de um texto com relação ao autor da obra. No
exercício eleitoral de eleição para cargos representativos, os cidadãos são os
autores indiretos das decisões públicas. No modelo contestatório, esses mesmos
cidadãos poderão editar as decisões públicas em fóruns imparciais, o que pode ser
de especial valia para sociedades pluralistas compostas por grupos com interesses
minoritários muitas vezes desconsiderados.
Enquanto o modo eleitoral de democratização dá ao povo coletivo um poder
indireto de autoria sobre as leis, o contestatório daria ao povo, considerado
individualmente, um limitado e, obviamente, indireto poder de editoração sobre
aquelas leis.
14
Mas, é preciso perquirir, em termos concretos e pragmáticos, as novas
formas jurídicas que possibilitariam responder às demandas do homem comum
manifestadas nos conflitos emergentes da vivência republicana, criativa e
contestatória. Concretamente, isso significaria, por exemplo, a possibilidade de
contestar (não só nos tribunais) as decisões públicas considerando a ilegalidade
das mesmas; a instauração de comissões públicas de inquérito e investigação em
todos os âmbitos e esferas – estatais e não-estatais, sobretudo –; o recurso a leis de
iniciativa popular, referendos
15
e plebiscitos com maior freqüência; a defesa da
figura do ombudsman para dirimir reclamações relativas à administração das
instituições; entre outras. São todos, evidentemente, processos contestatórios, com
forte controle discursivo. É, portanto, com a pulverização desses mecanismos e
espaços para o exercício contestatório que se permitirá ampliar e sofisticar os
controles discursivos nas democracias contemporâneas.
* * *
14
PETTIT, Philip. Republican freedom and contestatory democratization. In: HACKER-
CORDÓN, Cassiano; SHAPIRO, Ian. Democracy’s Value. Cambridge: Cambridge University
Press, 2001, p. 180.
15
Com relação ao referendo, cuja utilização vem crescendo na América Latina, Pettit entende que
tal instituto possui uma inscrição essencialmente norte-americana e, nesse sentido, não representa
o modelo ideal de consulta popular, uma vez que se enfatiza de sobremaneira o exercício do lobby.
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6
Considerações finais: a teoria política da competência cívica
We are free not because of what we statically are, but inasfar as we are becoming
different from what we have been.
(John Dewey)
A investigação reconstrutiva da noção de competência realizada nesta
dissertação surgiu a partir da hipótese intuitiva de que a teoria republicana do
Estado exige uma leitura específica da idéia de “cidadania” que demanda um
comportamento subjetivamente determinado por estados intelectuais específicos.
O republicanismo pressupõe a existência de homens cognitivamente avançados
para participar dos discursos sobre a coisa pública. Nesse quadro, veio a mim,
através de diversos estudos, a noção de “competência”. Para ser participante dos
discursos no espaço público seria preciso dominar um sistema de regras
lingüísticas que permite a utilização adequada de atos de fala nos complexos
contextos interativos contemporâneos. O processo foi mais ou menos assim:
Quadro 4. O processo da pesquisa.
O problema da
apatia social
Problema da
pesquisa:
a constituição
da civilidade
Pergunta:
“O que é o
homem
cívico?”
Revisão da
literatura:
a civilidade
revela-se na
forma de uma
competência
Isso responde
o problema?
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83
Após a revisão da literatura, encontrei algumas noções que indicaram a existência
de uma competência humana nesse sentido. Acontece que, para a formulação de
tais noções, os teóricos estudados inevitavelmente direcionaram o foco das
investigações para o problema das operações da mente humana à luz de estudos
naturalísticos, biológicos, fisicalistas. Ainda, esse caminho acabou por conduzir a
pesquisa (dos autores e, portanto, a minha) para outras questões de ordem mais
epistemológica e metodológica de uma maneira geral.
Com relação a tais questões epistemológicas e metodológicas, acredito
que a presente dissertação indicou duas idéias centrais. Sem cuidar detidamente
das autorias específicas, resumirei essas idéias abaixo. Em seguida, tentarei
aplicá-las ao desenho de uma possível teoria política fundada na noção de
competência cívica. A transposição de estudos epistemológicos e metodológicos,
fundados em materiais naturalisticamente apreendidos, para a arena da política,
encontra a sua justificação, cumpre alertar, na defesa daquilo que Dewey chamou
de “princípio da continuidade” entre os conhecimentos produzidos nos campos da
ciência natural e social.
1
Essa idéia está presente também nos estudos de Pettit,
especificamente na noção de “holismo”.
1) A primeira idéia, aqui denominada “naturalismo” ou “fisicalismo”,
consiste na constatação científica de que a realidade se organiza
estruturalmente na forma de uma rede dinâmica de processos em constante
interação. Isso acontece com tudo que se encontra no “mundo da vida”.
Assim também se passa com as competências humanas: a visão, a audição,
a digestão e, acima de tudo, a cognição são todas biologicamente
(naturalisticamente) condicionadas. A mente representa uma estrutura com
organização interna autopoiética que se adapta aos estímulos ambientais.
Tal idéia parece ser por todos compartilhada: desde Kohlberg e Habermas
(via Dewey, Piaget e Chomsky) a Pettit.
1
Intellectual prophecy is dangerous; but if I read the cultural signs of the times aright, the next
synthetic movement in philosophy will emerge when the significance of the social sciences and arts
has become an object of reflective attention in the same way that mathematical and physical
sciences have been made the objects of thought in the past, and when their full import is grasped.
If I read these signs wrongly, nevertheless the statement may stand as a token of a factor
significant in my own intellectual development” (DEWEY, John. From Absolutism to
Experimentalism. Op.cit., p. 21).
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84
2) A segunda idéia é a de que a mente humana (como organismo vivo
estruturalmente determinado) opera sempre no médium da linguagem.
Quer dizer: os seres humanos só acontecem na linguagem. A realidade,
portanto, é sempre simbolicamente estruturada por operações mentais.
Nesse cenário, a pergunta que fica por responder, diante da divergência
crucial identificada na revisão da literatura, diz respeito ao caráter absoluto
dos conceitos mentalmente formados, como a idéia de “competência”, que
aqui busquei reconstruir. Se, como quer Chomsky, a formação dos
conceitos no mundo da vida pode ser explicada por uma faculdade
específica da linguagem geradora desses conceitos (“FFC”) – que, por sua
vez, recorre a representações recursivas produzidas também na linguagem
para gerar e explicar as idéias –; e, se essa faculdade da linguagem é ela
própria ecologicamente adaptada, como fica a questão da validade
universal de propostas teóricas?
Quem vence? A linguagem ou a biologia? Será mesmo que o amor e a
dor foram inventados na nossa linguagem, assim como a roda, a democracia e a
televisão? Não são essas idéias formas universais? E a decodificação do código
genético – foi invenção ou descoberta? Destaca-se que a querela não pode
obviamente restringir-se ao domínio das “ciências sociais”; estende-se
verdadeiramente a toda a realidade que é determinada como sendo realidade pela
cognição do homem. Essas elucubrações levam-nos a questionar a própria ciência
como um conhecimento válido na nossa vida. E a medicina? Como fica? Na busca
de um otimismo nessa existência, vale recorrer à proposta de Pettit:
Eu argumento que podemos com felicidade abraçar esse tipo de
antropocentrismo. Particularmente, podemos abraçá-lo consistentemente com
assegurar uma visão realista da nossa relação com o mundo: uma visão sob a
qual o entendimento sobre o mundo é uma questão de descoberta, e não
invenção. Esse aspecto realista de nosso antropocentrismo vem à tona no fato de
que podemos continuar a assegurar duas pretensões distintivas. Podemos
continuar a acreditar na servilidade epistêmica: no fato de que ao se buscar
conhecer as coisas devemos nos antenar a uma realidade independente. E
podemos continuar a acreditar na abertura cultural: no fato de que não há nada
que os membros de uma cultura possam saber que seja inacessível em princípio
para as pessoas lá fora.
2
Passa-se a examinar, a seguir, as implicações políticas dessas idéias.
2
PETTIT, Philip. The Common Mind, Op.cit, 116..
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85
* * *
O que a reconstrução da noção de competência humana realizada na
primeira parte deste trabalho parece indicar é simples: o alcance, a melhora, o
avanço, ou a adaptação da competência comunicativa ou discursiva do indivíduo,
fortemente associadas aos processos cognitivos e lingüísticos, determinam a
existência de um cidadão moral e mentalmente qualificado para tomar parte das
decisões sobre os destinos da república. Associam-se os elementos cognitivos,
lingüísticos, discursivos, de um lado, enquanto condicionantes de uma
competência interativa e comunicativa, com a idéia de virtude e moral, como
determinantes da competência cívica. A tese pressupõe uma idéia evolucionista,
ao destacar, no tempo e no espaço, a existência de uma passagem:
COISA ANTES COISA DEPOIS
Adaptação
Melhora
Alteração
(Devir)
Quadro 5. A idéia de evolução.
A idéia de estruturas cognitivas que se reorganizam com vistas a equilibrar as
relações entre organismo e ambiente é emprestada, por todos, de Charles Darwin.
Na verdade, uma teoria sobre o desenvolvimento do homem, nesses termos,
refere-se a uma série de questões já versadas por Dewey e Mead, fortemente
influenciadas por concepções evolucionistas em geral.
3
Todos eles postularam a
existência de estágios de desenvolvimento que representam transformações
estruturais cognitivas e, assim, nas concepções do próprio self e da sociedade.
Esses estágios, no caso do Mead, alteram-se conforme os modos de adotar o papel
do outro nas situações sociais [role-taking]. De forma similar, é o que dizem
Piaget e Kohlberg. Todos, em suma, assumem a existência de um ser humano
ativo e criativo que estrutura o próprio mundo.
3
Cf. DEWEY, John. The Influence of Darwinism in Philosophy (1909). In: HICKMAN, Larry A.;
ALEXANDER, Thomas M. (ed.). Op.cit., pp. 39-45; MEAD, George-Herbert. Evolution Becomes
a General Idea. In: On Social Psychology. Chicago: The University of Chicago Press, 1977; pp. 3-
18.
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86
O perigo de uma teoria social e política fundamentada nos modelos
evolucionistas que conformam a produção teórica no campo das ciências naturais
é justamente a possibilidade de se vir a admitir, ainda que hipoteticamente, a
perfeição do governo de poucos homens porque mais desenvolvidos e avançados.
O governo, nessa perspectiva aristocrática, deveria estar sob a responsabilidade
dos poucos homens competentes para tratar dos problemas complexos do
cotidiano da vida política, cuja solução demandaria operações mentais cada vez
mais criativas. Somente os homens mais desenvolvidos na escala da evolução da
espécie humana (homo sapiens) estariam capazes de participar dos processos de
decisão sobre os caminhos políticos a serem seguidos na administração da
república. Um modelo político fundado na competencia cívica resultaria,
indubitavelmente, na existência de um discurso legítimo, pois nesses casos a
produção de um consenso racional ocorria por meio de uma situação ideal de
comunicação que é não-distorcida. Preserva-se a liberdade dos participantes
porque há controle discursivo. Mas como fica o ideal democrático nesse cenário?
Aqui se destaca a noção de exclusão como um contraponto problemático
à defesa de uma competência comunicativa. A isso relacionam-se as antigas idéias
– hoje naturalizadas no discurso social – de representação. Tanto o mandato
político como a exigencia de constituição de advogado fundamentam-se nessa
noção de competência. Daí que “um dos aspectos centrais da análise da noção de
representação em sua relação com a análise do discurso e com a questão da
exclusão social é o problema do sujeito do discurso”
4
. Essa é precisamente a
crítica de Marilena Chaui:
O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem
sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que
pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer
circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem
institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os
interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar
e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminados para
que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram
autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência.
5
4
MARCONDES, Danilo. Filosofia, Linguagem e Política: formas de discurso, representação e
exclusão social. Op.cit., p. 161.
5
CHAUI, Marilena. O discurso competente. In: Cultura e democracia: o discurso competente e
outras falas. 10ª edição. São Paulo: Cortez, 2003, p.7.
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A este ponto poder-se-ia sugerir o questionamento dos fundamentos de
toda a pesquisa conduzida, que afirmam a suposição geral de que é preciso ter
competência para ser cívico. A idéia de competência em si deriva de um sistema
de crenças e teorias coerentes que conservam a sua autoridade há anos na história
das idéias. Admitir a possibilidade de se defender um homem moralmente
desenvolvido que, no entanto, viesse a não possuir uma competência cognitiva
objetivamente determinável implicaria rejeitar todo essa arcabouço teórico
republicano. O compromisso com ideais democráticos certamente exigiria uma
postura nesse sentido, como defende Chaui, mas a obrigação científica de se
manter fiel ao quadro de formulações teóricas já consolidadas aparece como um
forte impedimento nesse sentido – a menos que ressalvas justificáveis sejam
encontradas no interior desses próprios discursos. E esse é um trabalho para os
intelectuais... Talvez Dewey possa ajudar.
* * *
Em The Public and its Problems, após destacar uma série de problemas
presentes nos Estados democráticos, sobretudo nos Estados Unidos, Dewey
constata que o problema maior do público é a questão da sua descoberta e sugere
alguns corolários sobre o método de resolução do problema formulado. Aqui entra
justamente a sua tese do método experimental, subjacente ao pragmatismo que
defendia. O autor pergunta-se: Quais são as condições sob as quais possamos
razoavelmente vislumbrar o público emergindo de seu eclipse?.
O livro foi escrito em resposta à controvertida tese encampada pelo
jornalista americano Walter Lippmann, em Public Opinion (1922), no qual se
afirmava que a contrapartida necessária para um bom funcionamento de uma
república democrática era a existência de cidadãos chamados “omnicompetentes”,
ou melhor, de cidadãos “civic-minded”. Pois bem. Lippmann identificava, assim,
na teoria republicana, a centralidade da idéia de indivíduo “omnicompetente”.
Dewey então discorre sobre a proposta de Lippmann:
Dois constituintes essenciais naquela mais antiga teoria, como será recordado,
eram as noções de que todo indivíduo é ele próprio equipado com a inteligência
necessária, sob a operação do auto-interesse, para engajar em assuntos políticos;
e que o sufrágio universal, eleições freqüentes de oficiais e a regra da maioria
são suficientes para garantir a responsabilidade dos dirigentes eleitos para com
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os desejos e interesses do público. Como vamos ver, a segunda concepção é
logicamente vinculada à primeira e sustenta-se ou cai com ela. Na base do
esquema reside aquilo que Lippmann bem chamou de idéia de indivíduo
“omnicompetente”: competente para estruturar a política, para julgar seus
resultados; competente para saber em todas as situações que demandam ação
política o que é para o próprio bem, e competente para enfatizar sua idéia de
bem e a vontade de realizá-la contra forças opostas. (...) Se não fosse a
influência desviante de uma falsa psicologia, a ilusão poderia ter sido detectada
de antemão.
6
Para o autor,
a medida da verdade que ela [a idéia] contém foi derivada da observação de um
grupo relativamente pequeno de homens espertos de negócios que regulavam
seus empreendimentos por cálculos e contabilidade, e de cidadãos de
comunidades pequenas e estáveis que eram tão intimamente conectados com as
pessoas e os casos de sua localidade que eles podiam realizar julgamentos
competentes sobre a concepção de medidas propostas sobre seus próprios
interesses.
7
Nas páginas finais do livro, Dewey afirma que talvez as conclusões que foram
estabelecidas com relação às condições sobre as quais depende a emergência do
Público de seu eclipse parecerão quase negatórias da possibilidade de realizar a
idéia de um público democrático:
Pode ser argumentado que o movimento democrático foi essencialmente
transicional. Marcou a passagem das instituições feudais para o industrialismo,
e foi coincidente com a transferência do poder de proprietários de terras, aliados
das autoridades da igreja, para capitães da indústria, sob condições que
envolveram uma emancipação das massas de limitações legais que previamente
as constrangiam. Mas, como se costuma dizer, é um absurdo converter essa
liberação legal num dogma que alega que a libertação de velhas opressões
confere aos emancipados as qualidades intelectuais e morais que os permite
compartilhar a regulação dos negócios do estado. A falácia essencial da crença
democrática, afirma-se, é a noção de que um movimento histórico que efetuou
uma importante e desejável libertação de restrições é ou a fonte ou a prova da
capacidade daqueles emancipados para governar, quando de fato não há
qualquer fator em comum nas duas coisas. A alternativa óbvia é o governo por
aqueles intelectualmente qualificados, por intelectuais expertos.
8
Ora, essa possibilidade de admitir a perfeição da aristocracia não deve
causar qualquer alarme ou espanto, pois foi a essa mesma conclusão que
chegaram – e, na mesma medida, foram severamente criticados – muitos
pensadores políticos, dos clássicos aos modernos. Ainda se reclama das mesmas
6
DEWEY, John. The Public and its Problems. Ohio: Swallow Press, 1954, pp. 157-158.
7
Idem, p. 158.
8
Idem, pp. 204-205.
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questões que em 1750 incomodavam Rousseau: a erosão dos costumes que fazem
um bom cidadão.
Sendo um democrata convicto, Dewey direciona o problema para a
questão do método da investigação e da projeção social. E nesse campo sobressai
a responsabilidade dos intelectuais na condução de uma intervenção social que
seja essencialmente experimental e não absolutista. Dewey encerra a discussão
com uma consideração sobre a relação entre os expertos e o público democrático.
Aspectos do problema moral do estatuto da ciência física estiveram entre nós há
muito tempo. Mas as conseqüências das ciências físicas embora imensamente
importantes para a indústria, (...), não teve sucesso em obter o tipo de
observação que poderia trazer a conduta e o estado da ciência para dentro do
campo especificamente político.
9
O que se quer dizer com tudo isso é que os intelectuais que dominam os
métodos da investigação social precisam formular e experimentar projetos
alternativos para o desenho social e político do mundo. A noção de indivíduo
“omnicompetente”, que possuiria em tese uma inteligência suficiente para se
engajar nos assuntos públicos da comunidade, só pode ser compreendida no
contexto de uma realidade que é conformada por comportamentos associados,
como se disse diversas vezes ao longo deste trabalho. Isso se relaciona com a
questão do hábito, central na teoria de Dewey. O pensamento é sempre germinado
nos interstícios dos hábitos; o navegador, o minerador e o pescador pensam, mas
os seus pensamentos se enquadram na estrutura de suas ocupações e
relacionamentos acostumados. “Talvez uma maneira correta de julgar esse
fenômeno” – indica Michael Walzer, em interessante texto sobre o tema da
civilidade – “é perguntar o que é que esperamos dos cidadãos”.
10
Nós esperamos que cidadãos obedeçam à lei e mantenham um certo decoro no
comportamento – esse decoro é comumente chamado de civilidade: um de seus
sentidos obsoletos é “correção civil”. Mas ele tem crescentemente denotado
somente virtudes sociais; ordenação, polidez, distinção são os sinônimos que os
dicionários sugerem, e esses termos, embora não há duvidas de que seja
desejável que eles descrevam a nossa vida pública, orientam-nos decisivamente
9
Idem, p. 230.
10
WALZER, Michael. Civility and Civic Virtue in Contemporary Americana. In: Radical
Principles: reflections of an unreconstructed democrat. New York: Basic Books, 1980.
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para a esfera privada. Talvez essa alteração no sentido seja sinal de nossa
dedicação em declínio a valores republicanos (...).
11
* * *
Gostaria então de encerrar este trabalho com a proposta de encarar a
civilidade como um comportamento capaz de ser revelado em processos
ordinários de interação social focalizada
12
que demandam o exercício de
competências comunicativas para a solução de problemas específicos. Acredito na
possibilidade de efetivamente “rebaixar”
13
o ideal de civilidade tradicional e ver
nos pequenos momentos do cotidiano a manifestação de competências cívicas.
Seria preciso, então, não mais investir esforços na descoberta do homem público,
mas nos métodos capazes de inculcar virtudes.
Argumenta-se, em suma, que a civilidade é revelada em processos
ordinários de interação social focalizada nos quais se demanda o exercício de
competências discursivas para a solução de problemas. Os locais onde ocorrem
essas situações interativas podem ser diversos, como salas de aula, mesas de bar,
discussões de futebol, fóruns de deliberação; tribunais de justiça, praças púbicas
onde acontece o jogo e etc. É preciso enfatizar determinado tipo de interação
social que ocorre quando duas ou mais pessoas se propõem a compartilhar um
foco de atenção para solucionar um problema comum, de interesse partilhado,
mediante o emprego do discurso. Quando duas pessoas raciocinam em conjunto
sobre um problema focalizado reconhecem que se trata de um problema comum e
orientam suas ações para o entendimento e para a solução do problema colocado.
E aqui acredito que a microssociologia pode ajudar. As reflexões dessa
disciplina introduzem no campo da teoria social a aposta da vantagem analítica
dos fenômenos que ocorrem em pequena escala. Trata-se de uma perspectiva
pragmática que altera o vocabulário tradicional e propõe um novo laboratório de
investigação: as pequenas “faixas” da experiência social onde ocorrem
11
Idem, p. 59.
12
Sobre o conceito de “interação focalizada”, Cf. GOFFMAN, Erving. Encounters: two studies in
the sociology of interaction. New York: The Bobbs-Merril Company, 1961, p. 7.
13
Essa metáfora foi utilizada por Maria Alice Rezende de Carvalho. Cf. REZENDE DE
CARVALHO, Maria Alice. Cidade e democracia: as transformações do homem público. In:
PACHECO, Anelise; VAZ, Paulo (orgs.). In: Vozes no milênio: para pensar a globalização. Rio de
Janeiro: Gryphus, Museu da República, 2002, pp. 89-97.
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microprocessos de interação entre os indivíduos.
14
Um exemplo que permite
vislumbrar uma interação social focalizada consiste nos processos de resolução de
conflitos que ocorrem sem a intervenção do Estado nas comunidades urbanas
carentes do Rio de Janeiro. Vale citar aqui os projetos Mediação na Lage e
Balcão de Direitos, promovidos pela organização não-governamental Viva-Rio,
nos quais são empregados meios alternativos para a resolução dos conflitos e a
garantia de acesso à justiça. Acredito que os métodos utilizados aumentam
significativamente a possibilidade de constituição de homens cívicos capazes de
conhecer e resolver seus próprios problemas. Seria preciso analisar,
concretamente, qual o impacto posterior da utilização desses mecanismos na
construção de identidades e sociabilidades nessas mesmas comunidades.
No final de todo esse quadro de análise, surge novamente a questão
crucial acerca da possibilidade de se separar o pensamento do homem da ação.
Caso se acredite que não é possível separar o pensar do agir, a mente do corpo,
como defende Chomsky, o que passa a interessar então não é mais a mentalidade
de quem se agita, mas a mentalidade de quem não se agita: os intelectuais.
Para terminar, só resta recorrer aos ensinamentos da experiência artística,
pronunciados na voz competente de Marisa Monte:
Procuro nas coisas vagas ciência
Eu movo dezenas de músculos para sorrir
Nos poros a contrair, nas pétalas do jasmim
Com a brisa que vem roçar da outra margem do mar
Procuro na paisagem cadência
Os átomos coreografam a grama do chão
Na pele braile pra ler na superfície de mim
Milímetros de prazer, quilômetros de paixão
Vem pra esse mundo, Deus quer nascer
Há algo invisível e encantado entre eu e você [sic]
E a alma aproveita pra ser a matéria e viver
15
14
Cf. GOFFMANN, Erving. Forms of Talk. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1981;
JOSEPH, Isaac. Erving Goffman e a microssociologia. Tradução de Cibele Saliba Rizek. Rio e
Janeiro: FGV, 2000. Cumpre alertar que os estudos de Goffman não foram ainda devidamente
explorados de forma a atestar a sua compatibilidade com o ideal de civilidade aqui defendido.
Trata-se, por ora, de uma hipótese intuitiva.
15
ANTUNES, Arnaldo; BROWN, Carlinhos; MONTE, Marisa [compositores]. A alma e a
matéria. In: Universo ao meu redor. Rio de Janeiro: Candyall Music Produções Artísticas Ltda;
Monte Songs (EMI); Rosa Celeste (BMG), 2005, faixa 9. Ao escutar essa música, e compartilhar,
surge a indagação: Será que somos todos positivistas, after all?
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ANEXO: Os seis estágios morais
Níveis Estágios O que é o certo Razões para fazer o certo Perspectiva social do estágio
Estágio 1:
moralidade
heterônoma
Evitar a violação de regras que contêm punição;
obediência por si; evitar danos físicos a pessoas e
propriedades.
Para evitar a punição e o poder superior das
autoridades.
Ponto de vista egocêntrico. Não considera os interesses dos
outros ou reconhece que eles diferem do ator; não relaciona
dois pontos de vista. As ações são consideradas fisicamente ao
invés de em termos de interesse psicológico dos outros.
Confusão entre a perspectiva da autoridade com a própria.
NÍVEL PRÉ-
CONVENCIONAL
Estágio 2:
individualismo
, propósito
instrumental e
troca
Seguir regras somente quando for do interesse
imediato de alguém; agir para a satisfação dos
próprios interesses e permitir que os outros
façam da mesma forma. Certo é também o que é
justo, o que é uma troca igual, um trato, um
acordo.
Para servir as próprias necessidades ou
interesses num mundo em que se tem que
reconhecer que os outros também têm seus
interesses.
Perspectiva individualista concreta. ciência de que todos têm
seus próprios interesses a serem perseguidos e que há conflito,
de modo que o certo é relativo (no sentido individualista
concreto)
Estágio 3:
expectativas
mútuas
interpessoais,
relacionamentos
e conformidade
interpessoal
Fazer jus o que as pessoas próximas esperam de
você ou o que geralmente esperam de pessoas no
seu papel como filho, irmão, amigo, etc. “Ser
bom” é importante e significa ter bons motivos,
demonstrar preocupação com os outros. Também
significa ma ter relacionamentos mútuos, como
confiança, lealdade, respeito e gratidão.
A necessidade de ser uma boa pessoa diante
dos próprios olhos e dos olhos dos outros.
Crença na Regra de Ouro. Desejo de manter as
regras e a autoridade que sustentam o
comportamento estereótipo bom.
Perspectiva do indivíduo em relações com outros indivíduos.
Ciente de sentimentos compartilhados, acordos e expectativas
que tomam a primazia sobre interesses individuais. Relaciona
pontos de vista através da concreta Regra de Ouro, colocando-
se na posição do outro. Ainda não considera uma perspectiva
sistêmica generalizada.
NÍVEL CONVENCIONAL
Estágio 4:
sistema social
e consciência
Cumprir os deveres com que concordou. As leis
deves ser sustentadas exceto em casos extremos
em que conflitam com outros deveres fixos.
Certo também é contribuir para a sociedade, o
grupo ou a instituição.
Para manter a instituição funcionando como
um todo, para evitar a quebra no sistema “se
todos fizessem dessa forma”, ou o imperativo
de consciência para cumprir os deveres
definidos. (Facilmente confundido com a
crença em regras e autoridades do estagio.)
Diferencia o ponto de vista da sociedade de acordos
interpessoais ou motivos. Toma o ponto de vista do sistema
que define papeis e regras. Considera relações individuais em
termos de lugar no sistema.
Estágio 5: contrato social
ou utilidade e
direitos individuais
Estar consciente de que as pessoas possuem uma
variedade de valores e opiniões, que a maioria
dos valores e regras é relativa ao nosso grupo.
Essas normas relativas devem ser respeitadas,
contudo, no interesse da imparcialidade e porque
representam o contrato social. Alguns valores e
direitos não relativos, como a vida e a liberdade,
entretanto, devem ser respeitados em qualquer
sociedade independentemente da opinião da
maioria.
Um senso de obrigação para com a lei por
causa do contrato social que se tem com
relação ao respeito à lei para o bem-estar de
todos e para a proteção dos direitos de todos.
Um sentimento de comprometimento
contratual, livremente acordado, para com a
família, amizade, confiança e obrigações de
trabalho. Preocupação de que as leis e deveres
estejam baseados em cálculos racionais sobre a
utilidade final, “o maior beneficio para o maior
número”.
Perspectiva prévia da sociedade. Perspectiva de um indivíduo
racional ciente de valores e direitos anteriores aos vínculos
sociais e contratos. Integra perspectivas por mecanismos
formais de acordo, contrato, imparcialidade objetiva e devido
processo. Considera pontos de vista morais e legais; reconhece
que eles por vezes conflitam e acha difícil integrá-los.
VEL PÓS-CONVENCIONAL
Estágio 6: princípios
éticos universais
Seguir princípios éticos auto-eleitos. Leis
particulares ou acordos sociais são normalmente
validos porque assentam em tais princípios.
Quando as leis violam esses princípios, o sujeito
age de acordo com o principio. Os princípios são
princípios universais de justiça: a igualdade dos
direitos humanos e o respeito pela dignidade do
ser humano como um pessoa individual.
A crença como uma pessoa racional na
validade de princípios morais universais e um
senso de comprometimento pessoal com eles.
Perspectiva de um ponto de vista moral. A perspectiva é aquela
de qualquer indivíduo racional que reconhece a natureza da
moralidade ou o fato de que as pessoas são fins em si mesmas
e devem ser assim tratadas.
Fonte: KOHLBERG, Lawrence. A current statement on some theoretical issues. In: MODGIL, Sohan; MODGIL, Celia (ed.). Lawrence Kohlberg: consensus and controversy.
Filadélfia: The Falmer Press, 1988, pp. 488-489 (tradução livre).
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