“Já durante Tiradentes as coisas não estavam bem paradas. Começamos a
divergir! Já estávamos sofrendo um pouco com todo o processo político e
começou-se a pensar em fazer um teatro que atuasse mais. Então é criado o
Núcleo Dois do Arena, e o Boal propõe o Teatro Jornal. Com isso, no próprio
elenco começa a surgir uma divisão de conceitos. Havia, de um lado, a acusação
de desvio formalista... agora, essas diferenças, essas divergências numa situação
de liberdade, acho que são muito úteis e levam todos para frente; numa situação
de sufoco, como aquela que a gente estava vivendo em 1967, 1968, em que a
realidade estava explodindo, tínhamos que permanecer unidos; mas não foi o que
aconteceu! O Teatro Jornal não deu certo... foi proposta a Feira Paulista de
Opinião, realmente a última grande proposta do Arena, bolada pelo Boal, que
eram peças curtas baseadas numa só pergunta: ‘O que acha do Brasil de hoje?’.
Esse era o tema. Quem responderia essa pergunta era o próprio povo, gente do
povo, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, poetas, etc. (...) Ficou um
espetáculo muito polêmico e foi praticamente a última coisa que conseguimos
realizar. (...) Antes do Arena acabar, fizeram uma viagem, eu não fui... Eles foram
até os Estado Unidos, vieram para a América do Sul fazendo Zumbi e Simon
Bolivar
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. Essa última foi proibida aqui no Brasil. Isso já estávamos em 1968,
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A peça, que segue a mesma estrutura dramática e de encenação que Tiradentes e é assinada por
Augusto Boal, tanto o texto quanto a encenação, começa com o elenco entrando em cena, em que o
Coringa se destaca e apresenta o trabalho e o grupo, além de falar da dedicatória a José Marti: “Nós
somos o Teatro de Arena de São Paulo. Contamos histórias, quando, como e onde podemos contar
histórias. Vamos contar a vida de Simon Bolívar, o Libertador. Este espetáculo és dedicado al poeta latino
americano JOSÉ MARTI, que sobre Bolívar há dicho: ‘En calma no se puede hablar de aquel que no
vivió jamás en ella; de Bolívar se puede hablar con una montana por tribuna, o entre relámpagos y rayos,
o com um manojo de pueblos libres en el puno y la tirania descabezda a los piés.’ – José Marti – Quando
Bolívar morreu, avisou: tudo que já foi feito ficou de novo por fazer, tem que ser feito outra vez. Preste
bastante atenção: a vida de Simon Bolívar é muito instrutiva. A vida, a morte e a ressurreição!”
A obra está escrita em cinco episódios. No 1º Bolívar está na corte de Carlos IV, depois em Paris, na casa
da condessa Tereza Alaiza Toporrucha Ustariz y Torquemal; em Milão, assiste à coroação de Bonaparte;
e na Inglaterra encontra Miranda e Lord Wellesley. No 2º episódio, em Caracas se proclama a
Independência da Venezuela, em que o povo fala não compreender a independência que não liberta.
Bolívar ao ser entrevistado pelo Coringa, diz ter aceitado a imposição de considerar ‘povo’ tão pouca
gente, porque achava que era questão de tempo, de processualmente ir conquistando outras coisas. O
general Monteverde inicia a luta pela recuperação de Caracas. Na seqüência há a cena em que pai e filho,
ao matar o cavalo de Monteverde, são castigados. O pai escapa inicialmente, mas o filho é pego, torturado
e morto. O outro procura os amigos para que o abriguem em sua fuga e todos lhe negam ajuda. É então
encontrado e torturado. Monteverde recupera Caracas. No 3º episódio, os ingleses prometem nova ajuda,
outra vez Bolívar invade Caracas. Porém a Inglaterra recua ao ser pressionada pela França que ameaça
cortar sua ajuda. Acontece um terremoto na cidade, que é quase completamente destruída. Bolívar prende
Miranda e o entrega a Monteverde. Reúne tropas para retornar a Caracas, onde recebe o título de
Libertador. No entanto, os Llaneros, chefiados por Boves, armam uma batalha e retomam a cidade. No
segundo ato, no 4º episódio, Bolívar estando no Haiti, conversa com o presidente Petion sobre o que é
‘revolução’, ‘independência’, ‘verdadeira participação do povo no movimento’. Elenca as sete maneiras
de se entrar na briga certa contra as espanhóis: 1) ser soldado, combater; 2) sabotagem; 3) espionagem; 4)
dar abrigo a quem vai lutar; 5) infiltrar-se no campo inimigo para liquidá-lo; 6) desmoralizar o inimigo; 7)
honestidade com o povo. Dá-se um novo embate com os llaneros, mas Bolívar vai conquistando várias
cidades com seus soldados. Cruzam os Andes, vencendo muitas batalhas.
No último episódio, volta a Venezuela, depois da expulsão dos espanhóis. A peça trabalha com a mesma
temática que os outros musicais: a luta pela liberdade, pela democracia, pela justiça, contra o
imperialismo. Porém, aponta mais enfaticamente para a validade da luta armada. Este texto e sua
encenação não foi analisada pelos pesquisadores, não tendo dentro da historiografia por nós estudada,
nenhuma análise. Vale destacar que foi encenada, pelo Teatro de Arena, com direção de Augusto Boal,
em 1970, nos Estados Unidos e alguns países da América Latina.