um para um. Isso porque, para ambos os métodos, o objetivo final é conduzir o apren-
diz a saber qual letra representa qual som e qual som é representado por qual letra.
Reconhecer o segundo tipo de caso, o das correspondências entre sons e letras deter-
minadas pelo contexto, levaria o alfabetizador a projetar atividades que visassem
especificamente conduzir o alfabetizando a verificar as variações de correspondência
previsíveis entre sons e letras. Mais ou menos assim: Vamos estudar a letra I. Que sons ela
pode ter? Em lua, sala, alegre, bola, é o som [ | ]. Mas em alto, calma, sal, jornal, é o som
[ u ]. Vamos agora estudar como se escreve o som [ u ]. Em lua, pulo, tudo, nu, suja, é
com a letra u. Mas em rabo, sapo, pato, amo, falo, pinto, escrevo, é com a letra o. E
em alto, sal, jornal, é com a letra I. Posição acentuada, posição final de palavra depois
de consoante, posição final de sílaba depois de vogal, são os três contextos do [ u ]
que determinam se a escrita que lhe corresponde é u, o ou I. Não fica melhor assumir
as regras da língua do que deturpar a língua para forçá-la a caber dentro de um mentiroso
esquema de correspondência de um para um? É claro que não vamos dar a regra ao
alfabetizando. 0 alfabetizador, sim, tem que estar consciente da regra para planejar as
suas aulas.
Reconhecer o terceiro tipo de caso, o das correspondências idiossincráticas, onde duas
ou mais letras concorrem na mesma posição para representar o mesmo som, tem como
consequência de trabalho a procura de maneiras de ajudar o aprendiz a decorar o que
tem que ser decorado, sabendo pelo menos delimitar as posições "perigosas". Por
exemplo: a posição entre duas vogais é uma posição perigosa para a representação do
som [ z ], pois aí concorrem três letras para representá-lo: z, s e x. Proposta de ativi-
dade: pesquisa coletiva. Dividir um papel em três partes, e colecionar palavras, colan-
do-as cada uma na sua parte. Então ficará uma parte ocupada com casa, mesa, liso,
música, representou, mentiroso etc. Outra parte ficará ocupada com azar, desprezo,
azul, dezoito, dezembro, lazer, azeitona etc. A terceira parte ficará com exemplo, exer-
cício, exército, exame, exato, êxodo etc.
O alfabetizador que entendeu bem as coisas da língua saberá que os fatos linguísticos
estigmatizadores, aqueles característicos das variedades de fala das camadas sociais
mais pobres, podem muito bem ser agrupados junto com o estudo deste terceiro tipo de
correspondência entre som e letra. Vejam: depois de estudar que [ z ] pode ser
epresentado por z, s ou x, que [ s ] pode ser representado por ç, ss, se, xc, que [ s ]
pode ser representado por ch ou por x, que [ z ] pode ser representado por j ou por g,
estamos bem preparados para estudar, com a mesma atitude objetiva e despida de pre-
conceito, que o [ r ] que falamos em crube, Framengo, crima, prano, recramação,
crime, praia, frango, praça, tem que se tornar, na língua escrita, às vezes um I (clube,
Flamengo, clima, plano, reclamação) e outras vezes um r (crime, praia, frango). Depois
•de verificarmos que em hoje, hora, homem, haver, temos uma letra resquício de algum
som de outrora, podemos encarar com igual tranquilidade a necessidade de aprender-
mos esta outra letra resquício de um som que a evolução linguística de nosso grupo
deixou cair: fala, namora, amô, frô. Há um [ r ] que não pronunciamos mas deveremos
escrever: falar, namorar, amor, flor. O alfabetizador que entendeu bem as coisas da
língua saberá admitir que as variedades da fala das camadas sociais mais pobres podem
também ser escritas seguindo as mesmas convenções de relação entre sons e letras utili-
zadas pela ortografia convencional.