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O Conselheiro, que estava investido de poder religioso e de poder moral,
era uma promessa de superação da privação anterior. A crença que ele inculca
em seus adeptos encarna uma fantasia de grandeza, de controle do mundo a
partir do controle de si mesmo. Fantasia poderosa por ser chancelada por um
líder, um representante de Deus, e, ainda, pela vitória na primeira batalha. Como
naquele momento só tinham a própria vida e um reduto sagrado, os homens se
dispuseram a morrer defendendo o seu céu. Sentiam uma obrigação, mais ou
menos divina, de se defenderem, a si e a seus bens. Numa situação dessas,
diante da guerra iminente, é que reagem os demônios interiores
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. Mas, apesar de
estarem conscientes das diferenças de força, intimamente, mantinham a
esperança. Esperança obsessiva, já que não podiam escapar a sanha do
demônio onipresente. Na perspectiva de Bion, dir-se-ia que esta resposta coletiva
expressa a angústia básica do grupo todo. O que interessa agora é salvar a
fantasia inconsciente da qual o grupo inteiro participa. Dá-se, em Canudos, o
mesmo fenômeno psicogrupal que se observou no grupo de Jim Jones, na
atualidade, que caminhou para a morte, o que, também, aconteceu em outros
grupos liderados por outros gurus. Estes grupos preferem matar e morrer a
renunciar a esse seu “suposto básico”, como diria Bion (BION apud VALLE, p.
95).
A angústia e seu irmão gêmeo, que é a culpa, espreitam permanentemente
o sentimento religioso. São dois sentimentos eminentemente humanos e,
portanto, necessários. Ambos têm a ver com a esperança, outra incansável
companheira do ser humano. O animal sente medo, mas não experimenta a
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Esse é um modo de falar da umbra ou sombra. Aqui, os demônios interiores são a parte
tenebrosa, o lado indesejado, não-consciente, reprimido dos indivíduos. Em Canudos, os
demônios têm a ver, com a parte fraca, ilegítima.