disperso, incompleto, logo o tornará sem valor, sendo, depois, descartado, desprezado, “ao longe
o arremesso...”. O eu-lírico não acredita ter algo autêntico dentro de si, por isso se ele encontrar
“um tesouro” sua reação será de desdém, de desprezo, porque esse “tesouro” será,
inevitavelmente, falso, sem valor, como tudo o que se relaciona a ele.
Essa sensação de falsidade trás também muita angústia para o eu-lírico, diminui, quando
não acaba, com o seu entusiasmo, nos poucos momentos em que o possui. Segundo Maria de
Graça Carpinteiro, no poema “Ângulo” o eu-lírico se vê como em uma armadilha, em que, o que
era considerado como certo, real e possível de ser alcançado – isto é, suas ânsias e ímpetos –
acaba desaparecendo. Para ela:
[...] o adjectivo falso, que encontra equivalente na sensação de fingido, de
errado, que reveste certos acontecimentos, certas figuras, certos cenários. É
como se avançássemos realmente sobre o cais da poesia Ângulo, esperando um
mar largo e um horizonte rasgado, e nos achássemos de repente em face dum
“truc” teatral cuja ilusão de óptica se desfaz contemplada de perto: banido o seu
efeito, o mar é apenas ausência. É o choque de alguém que se vê apanhado em
uma armadilha, a angústia de ver falhar um chão que parecia seguro, abrir
fendas na estabilidade das situações. (CARPINTEIRO, 1960, p. 59)
Carpinteiro nos mostra como a sensação de falsidade que o eu-lírico sente sobre si mesmo
acaba tornando não realizados seus sonhos, seus objetivos. O “cais” onde estava não era
confiável como imaginava, uma vez que era falso: “Segui no cais. O cais era abaulado, / Cais
fingido sem mar à sua beira...” (SÁ-CARNEIRO, 2004, p. 52). A expectativa criada não poderia
ser concretizada, a sensação de que seus ímpetos poderiam, achar um “porto”, é, também, falsa.
Em outro poema seu, “Estátua falsa”, por exemplo, esse tema reaparece. O eu-lírico é uma
“esfinge sem mistério” (ibid, p. 26), alguém que perdeu o seu valor, sua essência. Por isso, existir
é algo doloroso e distante, não há a vivência plena de seus momentos, ele não sente o momento
presente mais do que o passado: “Como Ontem, para mim, Hoje é distância” (ibid, p. 26). Ao
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