ciúme
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. Neste momento, é o amor que impera. Quando se torna o chefe da família, o
proprietário
210
reproduz, na nova família que forma com Capitu, o mesmo tipo de
controle que era exercido por sua mãe
211
.
Bento agora é chefe de uma família abastada, advogado estabelecido, uma
figura de ordem. A desestabilização interior que a autoridade lhe causava
em criança já não tem razão de ser, ou melhor, talvez haja mudado de
posição relativa, uma vez que a autoridade passou a ser ele mesmo. Nas
novas circunstâncias as velhas turvações do juízo, a incapacidade de traçar a
linha entre a vontade de quem manda e a própria, trocam de natureza. A
instância mais dramática está no ciúme, que havia sido um entre os vários
destemperos imaginativos do menino, e agora, associado à autoridade do
proprietário e marido, se torna uma força de devastação. (SCHWARZ,
1997: 30).
Bentinho “descarta, ou trai, o juramento de confiança e igualdade que o moço
bem-nascido fizera à vizinha pobre”
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. Como o amor foi “denunciado” a ele, pode-se
considerar que Bento não fora treinado para estabelecer relações amorosas nos moldes
modernos, onde a igualdade entre as partes, e não a hierarquia, constitui a relação.
Bento não aprende nada sobre o amor. As experiências das relações que teve dentro de
sua família são de controle das emoções e dos afetos. Bento se orienta, em seu
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As crises de ciúme de Bentinho se revelam desde a juventude. Com sua imaginação fértil, o rapaz beira
à paranóia, tendo ciúme não apenas de outros homens, mas dos pensamentos da esposa e até do mar (que
na narrativa está associado à sexualidade, sensualidade e sedução: é só pensar nos “olhos de ressaca” que
tragam Bentinho para dentro da moça).
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Deve-se ressaltar que não se trata de qualquer tirania, mas da figura de autoridade patriarcal
personalista, onde a vontade da pessoa não é limitada por direitos universais democráticos ou,
simplesmente, pela presença de um amor de características igualitárias (Schwarz, 1997).
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Machado (1993) ressalta que Bentinho reproduz, confirma e legitima os valores que recebera de Dona
Glória e de José Dias, isto é, as noções de uma organização familista e patriarcal. Assim, quando se casa,
Bentinho se esforça para imprimir à vida afetiva do casal o mesmo arbítrio familiar de que fora vítima,
onde não podia impor suas vontades ou dirigir seus afetos, arbítrio que Capitu não vivenciara em sua
própria família. Capitu, aos poucos, deixa de aparecer à janela e de expor seus braços ao público, tudo por
ciúme do marido que tenta controlar sua ameaçadora sexualidade. A sensualidade de Capitu é o oposto
daquilo que acontecia na casa de Bentinho onde a mãe se fecha sentimentalmente após a morte do
marido, assim como sua prima Justina, também viúva e Tio Cosme, homem que “os anos levaram-lhe o
mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto de idéias públicas e específicas”
(MACHADO DE ASSIS, 2000: 20). Quando cerceia a mulher e sua obsessão não termina, a única saída
para sua paranóia é imaginar que a mulher lhe era infiel com o único homem que mantinha contatos
constantes, o amigo Escobar (Machado, 1993).Como ressalta Cardoso (2008), Bentinho testa a
sinceridade da mulher e a condena.
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SCHWARZ (1997: 33) – grifos do autor. A noção de igualdade, moderna, sucumbe diante da escolha
de Bento em reproduzir os antigos valores herdados de sua mãe, a anterior personificação do poder
familiar (Machado, 1993). Como ressalta Schwarz “Trocando em miúdos, o amor entre a vizinha pobre e
o rapazinho de família, com o correspondente anseio de felicidade, de realização pessoal e mesmo de
saída histórica e progressista para uma relação de classe, anima a intriga até um ponto avançado do livro,
quando então a dimensão autoritária da propriedade rouba a cena e galvaniza o antigo nhonhô, que agora
se enxerga como vítima, desmerece e escarnece as suas próprias perspectivas anteriores de entendimento,
igualdade, lucidez, e afirma pela força a sua disposição de mandar sem prestar contas” (SCHWARZ,
1997: 34).