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vítima do amor. Imagina uma cena de Julieta e Romeu, sem balcão nem escada de
corda. Eu e ela! Por cima de nossas cabeças o céu crivado de estrelas e por teatro
da nossa felicidade um modesto quintal. À hora indicada abro a porta com esta
chave (Mostrando-a), coso-me ao muro como uma lagartixa e espero, mal podendo
conter a respiração, que aparecesse o anjo dos meus sonhos. Um cachorrinho
felpudo, ou antes a imagem do diabo, aparece na porta da cozinha, e seus latidos
foram bastante para acordar um galo e com ele toda a pacífica população, que
dormia empoleirada no galinheiro. O ruído que fizeram os gansos do Capitólio na
cidadela de Roma, pondo em alarma as forças de Manlio, não pode ser equiparado
à algazarra infernal que houve naquela casa. O grito de "pega ladrão" veio coroar a
obra. Esgueiro-me pela rua, e começo a correr como um veado, perseguido por dois
urbanos, em cujas mãos deixei o paletó e por uma súcia de vagabundos, que
afinavam o maldito "pega" em todos os tons. Foi esta a única porta aberta que
encontrei. Salva-me, salva-me por tudo quanto tens de mais caro sobre a terra.
Vicente — Mas o senhor não pode ficar aqui: meu amo não tarda, e ele
recomendou-me... Oh diabo, lá ia dando com a língua nos dentes.
Miguel — Desalmado, queres me expor ao ridículo da sociedade? Não sabes que
tenho um emprego público, que sou o juiz de paz mais votado da freguesia, que
tenho mulher e filhos e que, se caio nas garras da polícia, depois de amanhã
aparecerá o meu nome nos jornais como o de um larápio?
Vicente — Mas, senhor...
Miguel — Queres reduzir-me à triste posição de filho do Celeste Império, atacando a
horas mortas os galinheiros estranhos?
Vicente — E por que foi se meter o senhor em camisas de onze varas? É boa!
Miguel — Tu não sabes o que é o amor. Sentir no peito as pulsações de um
Coração, que se expande em suaves harmonias, ouvir de uns lábios purpurinos
palavras de consolo, como notas místicas de um coro de anjos, apertar a mão
cetinosa, que se nos confia a medo, sobraçar a cintura que foge... Olha... Como te
chamas?
Vicente — Vicente Maria do Amparo, um seu criado.
Miguel — Nunca amaste, Vicente?
Vicente — Que o diga o meu violão. Nós cá não amamos como os senhores, que
dizem às moças umas bobagens e umas tolices que ninguém entende. Passa-se,
pisca-se o olho... Assim, olhe. (Arremedando) De noite reúne-se a troça debaixo da
janela da crioula, e o violão começa a gemer.
Miguel — Mas que diabo lucras tu com isto?
Vicente — Não exponho o pêlo a uma sova de pau como lhe ia acontecendo, e a
gente se adverte.
Miguel — És engraçado.
Vicente — Deita-se o cigarro atrás da orelha, afina-se o violão, e a gente canta
assim (Segurando o violão e cantando):
Trovador, o que tens, o que sofres,
Por que choras com tanta aflição...
Olhe só este transporte (Ferindo o violão); isto chama-se tom de pestana.
O teu pranto assaz me compunge,
Trovador, ah! não chores mais, não.
O essencial é que se floreie bem nos bordões e que este pedaço de pau
(Mostrando o violão) não trasteje na prima. Eu cá sou músico de orelha, mas...
Miguel — E é por isso que flagelas as orelhas de tuas amadas.