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existir duas concepções de morte: uma que cessa o processo de vida e outra que inicia a vida após a
morte
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Os dados apresentados parecem ir ao encontro ao argumento aqui proposto. No meu caso
específico não vejo como escapar do entrelaçamento da religião e da agência dos mortos. Já que,
como se viu, para os adultos a agência dos mortos existe na medida da sua relação com a entidade
religiosa. Meus dados sugerem que apenas quando a criança reconhece tais entidades, Deus e Diabo,
é que ela vai conceber os mal-assombros como a alma dos mortos. Esta afirmação não implica,
como parece sugerir Bering (2002, 2003), ao criticar os antropólogos, que este entendimento exista
apenas em função do aprendizado cultural. O que venho tentando mostrar é que as crianças
aprendem sobre os mal-assombros ao mesmo tempo em que vivem as suas vidas, em que crescem.
Da mesma forma, elas aprendem sobre “a religião” não apenas no catecismo, mas a cada noite,
quando sua mãe vem acompanhar a sua oração noturna. Um aprendizado social está em jogo, mas o
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Bering (2002, 2003, in press) argumenta que a crença de que os mortos continuam a agir de alguma forma apresenta-
se como característica inata, que existe em função de um estágio evolutivo. Acreditar em fantasma, desta forma, não
implicaria em conhecimento religioso. O autor argumenta contra as teorias que colocam ênfase no aprendizado cultural
como forma de adquirir essas crenças. Ele afirma: “[…] My results do not resolve the question of whether belief in
“ghosts”, per se, requires gathering information about such agents through cultural mechanisms, but they strongly
suggest that reasoning about dead agents´ minds is only superficially influenced by explicit religious beliefs (presumed
to be an artifact of social learning) about what becomes of the mind at death”. (BERING 2003: 246). Ou, em outro
momento, ele assevera: “[...] the implication is that the social transmission process plays somewhat less a role in
spreading ghosts concepts than has been thought. Rather, implicit afterlife beliefs of the variety reported here would be
characterized more or less as innate [...]” (BERING 2002: 292-3). Boyer (2001) parece opinar em favor do argumento
de Bering: “So there is no clear empirical meaning to a representation being acquired “before” or “outside” cultural
exposure. However, one could say – and it is clear that this is where Bering wants to go – that certain representations
seem to develop regardless of what particular kind of cultural exposure one receives. That is certainly the case for
imaginary companions, possible agents, and of course dead people as agents” (2001: 239).
O autor apresenta algumas evidências para provar seu argumento. Entre elas, um experimento (BERING et al.
2005) feito com crianças de quatro a doze anos de idade, freqüentando escolas públicas e religiosas – católicas, na
Espanha. Após observarem uma apresentação de bonecos na qual um jacaré comia um ratinho, as crianças foram
perguntadas sobre o funcionamento biológico e psicológico do rato morto. Os resultados confirmaram os dados de outro
estudo anterior realizado nos Estados Unidos da América (BERING & BJORKLUND 2004): em maior número que as
menores, as crianças maiores tenderam a responder que a morte cessa as funções biológicas e psicológicas. Ou seja, a
afirmação de que a morte cessa essas funções aumenta com a idade. Além disso, a referida afirmação é significantemente
mais recorrente entre crianças que freqüentam escolas seculares em comparação às escolas religiosas (BERING, BLASI
& BJORKLUND 2005). Em outro momento, Bering (2003) ainda afirma “(…) it is striking how few children used
eschatological terms (e.g., “heaven”, “ghosts”, “spirit”, “God“ and so on) in answering the experiment’s questions”
(BERING 2003: 248).
Harris & Gimenez indagam-se quanto à discordância entre os seus resultados e os de Bering & Bjorklund
(2004). Em primeiro lugar, explicam eles, Bering & Bjorklund (2004) mencionaram a morte de um rato, e não de uma
pessoa (sabe-se que a discussão se os animais têm ou não alma é tema contraditório). Em segundo lugar, como eles
focaram o aspecto biológico da morte (um jacaré que comeu um rato), era esperado que as crianças enfatizassem o
aspecto natural do fim da vida. E, finalmente, a diferença entre os resultados pode ser entendida, já que as crianças
pequenas são poupadas da irreversibilidade da morte, através de estórias fantásticas contadas pelos adultos. De outro
lado, as crianças maiores têm mais informações sobre a morte do ponto de vista biológico. Isso tudo talvez explique por
que as crianças mais novas tenham dado mais respostas que sugerem a continuidade da vida depois da morte.
Embora a questão da agência dos mortos seja muito interessante, a discussão empreendida pelos autores acima
parece restringir-se, em último grau, apenas ao contexto da ciência cognitiva da religião, com implicações que fogem ao
meu interesse neste trabalho − como, por exemplo, estudos sobre evolução. Tendo a concordar mais com Elkind (1978:
27) quando afirma: “They [the results] show that the child’s conceptions are constructed (neither innate or simply
learned). This is true because if they were innate, they would not change; and if they were simply learned, they would
not differ so radically from adult conceptions. The continuous from early childhood through adolescence. And finally,
the data show that each level, mental constructions reflect the interaction of developmental constructions reflect the
interaction of development and experience”.