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Universidade Federal do Rio de Janeiro
QUANTAS ALEGRIAS TEM A NOITE
Heloise Cabral Santana
2008
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QUANTAS ALEGRIAS TEM A NOITE
Heloise Cabral Santana
Dissertão de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Verculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a
obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas
(Literaturas Portuguesa e Africanas).
Orientadora: Professora Doutora Carmen Lucia Tindó
Ribeiro Secco.
Rio de Janeiro
setembro de 2008
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QUANTAS ALEGRIAS TEM A NOITE
Heloise Cabral Santana
Orientadora: Professora Doutora Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa des-graduação em Letras
Verculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como
parte dos requisitos necesrios para a obteão do título de Mestre em Letras
Verculas (Literaturas Portuguesa e Africanas).
Examinada por:
_________________________________________________
Dra. Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco UFRJ
_________________________________________________
Dra. Maria Teresa Salgado Guimarães da Silva UFRJ
_________________________________________________
Dr. Sílvio Renato Jorge UFF
_________________________________________________
Dra. Gumercinda Gonda UFRJ, Suplente
_________________________________________________
Dra. Edna Maria dos Santos UERJ, Suplente
Rio de Janeiro
setembro de 2008
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Santana, Heloise Cabral
O58qsa Quantas madrugadas tem a noite/ Heloise Cabral Santana. –
Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.
101 f. ; 30 cm
Orientadora: Carmen Lucia TinRibeiro Secco.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Faculdade de Letras, Departamento de Letras
Vernáculas, 2008.
Referência bibliográfica: f. [89] – 95.
1. Ondjaki, 1977- (Ndalu de Almeida). Quantas
madrugadas tem a noite Crítica e interpretação. 2. Ondjaki,
1977- (Ndalu de Almeida). Quantas madrugadas tem a noite
Personagens. 3. Alegria na literatura. 4. Literatura e
sociedade - Angola. 5. Intertextualidade. 6. Memória na
literatura 7. Espaço e tempo na literatura I. Secco, Carmen
Lucia Tindó. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras. III. Título.
CDD A869.37
5
SINOPSE
A alegria em Quantas madrugadas tem a noite, de
Ondjaki: as merias da infância do narrador em
dlogo com o presente da narração. A cidade de
Luanda como cerio principal, as personagens
marginalizadas socialmente. A oratura recriada e o
humor crítico. A poeticidade da linguagem e as
intertextualidades. A alegria como forma de resistência
às distopias do contexto angolano contemporâneo.
6
Ao meu marido Santiago, companheiro de todas as horas...
7
AGRADECIMENTOS
A Deus, o orientador da minha vida.
Aos meus pais, por todo amor, carinho e apoio.
Ao meu iro, por ter sempre acreditado na minha vitória.
À minha cunhada Marta, por ser exemplo de disciplina e perseveraa.
Ao meu grupo de oração Filhos do Rei, pela intercessão e torcida para que eu
conseguisse concluir este trabalho.
À professora Cinda Gonda, por ter-me ensinado, em suas aulas, o prazer da escrita.
À professora Ângela Beatriz Faria, por ter-me iniciado na pesquisa acadêmica.
À professora Cláudia Márcia Rocha, por ter-me apresentado às fascinantes Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa.
À Renata Souza, minha amiga na longa caminhada do Mestrado, por suas palavras de
estímulo e conforto nas horas difíceis.
Ao Ondjaki, por suas obras e por sua disponibilidade em esclarecer algumas questões.
À professora Carmen Tindó, por ter-me encorajado e acreditado em mim. Por tudo que
aprendi com ela atras de seus preciosos conselhos. Enfim, por ter sido uma verdadeira
ORIENTADORA.
8
RESUMO
QUANTAS ALEGRIAS TEM A NOITE
Heloise Cabral Santana
Orientadora: Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco
Resumo da Dissertão de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obteão do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Literaturas Portuguesa e Africanas).
Esta dissertação tem como objetivo central a análise do livro Quantas madrugadas tem a
noite, de Ondjaki. A leitura tem como fio condutor o tema da alegria, recorrente na obra
do escritor. A inserção de merias afetivas do “antigamente na narrativa principal
funciona como elemento essencial do repensar histórico e como estratégia de criar uma
maior aproximação do leitor com as personagens. A linguagem poética, marcada por
traços da oralidade recriada e pelas inúmeras intertextualidades empregadas pelo
escritor, caracteriza o romance em questão. A importância histórica de Luanda como
metonímia de Angola será analisada no decorrer desta dissertão. O humor e a ironia se
fazem presentes como meios de crítica à sociedade. Será também objeto de estudo a
opção do autor pela criação de personagens-tipo, carregadas de significados, que vivem
à margem da sociedade, mas que conseguem resistir ao desencanto contemporâneo
através da alegria.
Palavras-chave: alegria / oralidade/ meria
Rio de Janeiro
setembro de 2008
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RESUMEN
QUANTAS ALEGRIAS TEM A NOITE
Heloise Cabral Santana
Orientadora: Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco
Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de s-graduação em
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obteão do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Literaturas Portuguesa e Africanas).
Esta disertacn tiene como objectivo central el alisis del libro Quantas madrugadas
tem a noite, de Ondjaki. La lectura tiene como un hilo portador el motivo de la alegría,
recurrente en la obra del escritor. La insercn de memorias afectivas del "antaño" en la
narrativa central funciona como elemento esencial del repensar histórico y como
estrategia de crear una mayor aproximacn del lector con los personajes. El lenguaje
poético, referencia símbolo por choques de la oralidad recreada y por las inúmeras
intertextualidades hechas por el escritor, marcan la novela en cuestn. La importancia
histórica de Luanda como una metonímia de Angola será evaluada durante la escritura
de esta disertacn. El humor y la ironía se hacen presentes como medios de crítica a la
sociedad. Será tambn objecto de estudio la opcn del autor por la creacn de
personajes-tipo, cargados de significados, que viven a la margen de la sociedad, pero
que logran soportar el desencanto contemporáneo vía la alegría.
Palabras-llave: alegría / oralidad / memoria
Rio de Janeiro
setembro de 2008
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO __________________________________________________11
2. ONDJAKI: UM POUCO DE SUA OBRA E SUA HISTÓRIA _____________ 24
3. CARTOGRAFIAS DE LUANDA: OS ESPOS E AS PERSONAGENS____34
4. O NARRADOR E A ORATURA RECRIADA__________________________51
5. DIÁLOGOS INTERTEXTUAIS______________________________________66
6. CONCLUSÃO____________________________________________________83
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_________________________________89
8. ANEXO_________________________________________________________96
11
o quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é
passível de fazer sentido. Eu o: quero uma verdade inventada.
Clarice Lispector
*
Sendo todas as outras coisas iguais, o desejo que nasce da alegria
é mais forte que o desejo que nasce da tristeza.
Baruch de Spinoza
**
________________________
*
LISPECTOR, 1980, p 22.
**
SPINOZA, 2002, p 312.
12
1. INTRODUÇÃO
A noite anoiteceu tudo...
O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.
Aurora,
entretanto eu te diviso,
ainda tímida
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartis com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,vapor róseo, expulsando a treva
noturna.
Carlos Drummond de Andrade
1
No poema drummondiano A noite dissolve os homens, o período noturno
aparece marcado pela imagística sombria da escuridão tenebrosa, metáfora dos horrores,
do medo e do desencanto. Entretanto, a claridade promissora de um futuro prestes a
alvorecer surge como uma possibilidade de saída para o legado dos impasses vividos.
O vocábulo noite é, em geral, utilizado na literatura para marcar tempos
opressivos, de terror, habitados pelo sincio e pela censura. Ou então para significar
tristeza, desilusão, angústia e morte. Ou ainda para representar as zonas sombrias do
inconsciente. A noite, quando metaforiza tempos amargos, funciona como uma
representão de pensamentos distópicos.
O termo distopia pode ser conceituado como sinônimo de ‘anti-utopia’ e aplicado
a uma obra que põe em causa ou satiriza alguma utopia ou que desmitifica tentativas de
aproprião totalitária de um cenário utópico. (NUNES, 2008). A distopia é um estado
de desencanto e desilusão. O pensamento distópico, em geral, advém do
enfraquecimento de uma utopia.
A sociedade angolana, a partir de meados dos anos 80, se viu permeada por um
espírito distópico, pois a independência não resolveu todos os problemas sociais de
1
ANDRADE, C. D., 1971, p 57.
13
Angola e as promessas revolucionárias o foram todas cumpridas. O sonho de paz e
liberdade durou pouco. A situação política angolana se agravou com o início de uma das
guerras civis mais longas e violentas no continente africano, que só terminou em 2002.
Com relação a esta fase da pós-independência, a estudiosa Jane Tutikian, em seu
texto “Questões de identidade: a África de ngua portuguesa, considera esta Angola
distópica e denomina os intelectuais e escritores desse período de “a gerão da ilusão
da independência.(TUTIKIAN, 2006, p 40). Pepetela, autor angolano consagrado, no
romance A geração da utopia, discute a perda da utopia atras da personagem Aníbal,
após a euforia da libertação:
[...] Costumo pensar que a nossa geração se devia chamar a geração da
utopia. [...] éramos puros e queríamos fazer uma coisa diferente.
Pensávamos que íamos construir uma sociedade justa, sem diferenças,
sem privilégios, sem perseguições, uma comunidade de interesses e
pensamentos, o Paraíso dos Cristãos, em suma. A um momento dado,
mesmo que muito breve nalguns casos, fomos puros, desinteressados,
só pensando no povo e lutando por ele. E depois... tudo se adulterou,
tudo apodreceu, muito antes de se chegar ao poder. Cada um começou
a preparar as bases de laamento para esse poder, a defender posições
particulares, egoístas. A utopia morreu. E hoje cheira mal, como
qualquer corpo em putrefacção. Dela só resta um discurso vazio
(PEPETELA, 1993, p 202, grifo nosso).
Esse sentimento de desencanto foi sentido por muitos escritores que, em suas
obras, problematizaram a questão, buscando, por entre as sombras das distopias, feixes
de luz e esperanças. Ondjaki é um desses escritores que vem nos mostrar que a noite não
tem apenas uma conotação negativa. Ela pode simbolizar:
[...] o tempo das gestações, das germinações, das conspirações, que o
desabrochar em pleno dia como manifestação da vida. Ela é rica em
todas as virtualidades da existência. Mas entrar na noite é voltar ao
indeterminado, onde se misturam pesadelos e monstros, as idéias
negras. Ela é a imagem do inconsciente e, no sono da noite, o
inconsciente se libera. Como todo símbolo, a noite apresenta um duplo
aspecto, o das trevas onde fermenta o vir a ser, e o da preparação do
dia, de onde brotara a luz da vida. (CHEVALIER, 1999, p 640).
14
A noite, portanto, não está relacionada somente às “trevas”, mas também à
“preparação do dia. E é na madrugada que é gestada a aurora. O alvorecer é, pois, um
tempo fecundo, momento em que se plasma e se espera a aurora, cuja luminosidade
crescente se transformará na manhã. A madrugada acaba por ser este período de
transão das trevas para a luz, uma vez que se tece entre a noite e o dia. É o tempo que
compreende as últimas horas da noite, antecedendo o nascer do sol. É um espaço
intermedrio, um entre-tempo”.
Esse momento entreé enfatizado pelo autor através do narrador que chega a se
confundir: “gosto muito desta parte do dia, quer dizer da noite, a madrugada.
(ONDJAKI, 2004, pp 120-121).
Noite, distopia e madrugada o imagens nucleadoras do romance Quantas
madrugadas tem a noite, de Ondjaki, que analisaremos nesta dissertação. O título da
obra é sugestivo e serviu de inspiração ao nosso estudo que intitulamos Quantas
alegrias tem a noite, porquanto demonstraremos ser a madrugada o espaço privilegiado
em que a alegria é semeada. Nosso objetivo é investigar de que maneira essa alegria se
manifesta na noite, adubada pela leveza e delicadeza de um “escritor-poeta que também
escreve contos e romances: Ondjaki.
O que mais nos chamou a ateão inicialmente e fez com que optássemos pela
escolha deste corpus literário foram dois aspectos: o lirismo empregado pelo autor e a
atualidade histórica das matérias por ele narradas.
O cerio do romance Quantas madrugadas tem a noite é a cidade de Luanda
(capital de Angola), no ano de 2002, período correspondente ao fim da guerra civil. A
noite escura e turbulenta começava a dar espaço a uma tênue madrugada. Os
pensamentos por mais distópicos que fossem (e continuaram sendo, mesmo com o fim
da guerra), começavam a conviver com algumas brechas de esperaa, por mais sutis
15
que essas pudessem parecer. Uma nova Luanda se esboçava tímida, sendo lentamente
rascunhada. Uma cidade ia ganhando corpo e voz nas descrões de Adolfo
personagem principal do romance em questão que demonstra, então, um sentimento
semelhante ao de João Vêncio (personagem criada pelo escritor Luandino Vieira) que,
estando fora de Luanda, confessa sua saudade pela capital:
Muadiê: eu gramo de Luanda - casas, ruas, paus, mar, céu e nuvias,
Ilhinha pescadórica. Beleza toda eu o escoiço. Eu digo: Luanda - e
meu coração ri, meus olhos fecham, sôdade. Porque eu só estou,
quando estou longe. De longe é que se ama. (VIEIRA, 1981a, p 23).
Ondjaki escreve histórias em Luanda, para e sobre Luanda e seus habitantes: a sua
cidade aparece como o cenário principal de suas obras. O escritor declarou, em diversos
encontros e palestras, que a cidade é que o escolheu.
A ligação de Ondjaki com sua urbe é tão forte, que, numa entrevista concedida ao
site Carta Maior, nos revela que ter nascido em Luanda foi um fator fundamental para
que surgisse nele o desejo da escrita: “A minha trajetória inicia-se por nascer em
Luanda, uma cidade cheia de histórias, de ficção, de fantasia, também de pobreza e
muitas vidas diferentes”. (Ondjaki, site Carta Maior, 2006).
Ainda que a guerra tenha terminado, Ondjaki, em Quantas madrugadas tem a
noite, faz duras críticas a vários problemas sociais que continuaram a persistir em
Luanda. Com isso, ele nos mostra que o silêncio das armas o significou
necessariamente o fim do estado caótico que os muitos anos de luta armada provocaram
na sociedade angolana. Contudo, a par de injustiças sociais, da falta de estruturação
política e dos fantasmas da guerra a pairarem ainda sobre Angola, o autor consegue, em
seus livros, plantar singelas sementes de alegria a brotarem da terra pmbea, marcada,
ainda, por minas enterradas em rios pontos do território angolano.
16
Quantas madrugadas tem a noite é habitado por personagens que lutam para
enxergarem a beleza e a esperança por entre os destroços de uma longa guerra civil. E a
alegria aparece como uma das formas de resistência a essa dura realidade, pois, embora
o povo tenha motivos para querer até mesmo desistir da vida, o o faz. Usa, muitas
vezes, a imaginão que está quase sempre a servo da sobrevivência e da busca de uma
vida mais digna.
Para s, fica o espanto e o seguinte questionamento que tentaremos elucidar ao
longo desta dissertação: pode ser feliz um país com uma história singular, perpassada
por tantos sofrimentos provocados pela guerra?
No romance que escolhemos para alise, descobriremos que é possível alegrar-se,
ainda que tudo convide ao desânimo. Concluiremos que os que vivem uma realidade
difícil acabam por aprender a importância da resistência, em suas mais variadas formas.
Vale ressaltar que esta não é uma alegria alienante (que age como anestesia). O que a
professora Maria Teresa Salgado escreve sobre Bom Dia Camaradas outro romance de
Ondjaki serve também para refletirmos sobre Quantas madrugadas tem a noite:
Mas o pense que essa felicidade é fruto de uma visão ingênua ou
alienada. Os esquemas, os desmandos e os mais diversos tipos de
violências sociais o deixam de ser focalizados na narrativa [...] Na
verdade, ao longo de toda a obra, o se desenrolando os mais diversos
tipos de mazelas e misérias da sociedade angolana. Contudo, o foco do
texto de Ondjaki o se concentra em torno da crítica e da denúncia
social, como acontece em tantas obras ficcionais angolanas
contemporâneas, e sim em torno da recriação de um universo perdido.
(SALGADO, 2008, p 310).
A capacidade de Ondjaki recriar a sociedade angolana atras de suas histórias,
concebendo a vida sob um prisma diferente, mas nunca deixando de apontar e criticar a
realidade (com suas desigualdades sociais, vioncias, problemas burocráticos,
preconceitos raciais, guerra, etc.) foi mais um fator que corroborou para a nossa decisão
de escolher Quantas madrugadas tem a noite como centro de nosso trabalho. E, devido à
17
presea constante da alegria neste romance de Ondjaki, elegemos essa tetica como
fio condutor de nossa dissertação. Para definir teoricamente a alegria, recorreremos a
alguns estudos do fisofo Spinoza, citando também, por vezes, outros estudiosos do
assunto.
São diversos os conceitos de alegria. Mas é Spinoza que a conceitua como
“potência de ação. Optamos por essa conceituação, entendendo o ato de alegrar-se
como “uma paixão pela qual a alma passa a uma maior perfeão(SPINOZA, 2002, p
209), ou seja, “ uma afecção pela qual a potência de agir do corpo é acrescida ou
favorecida [...] [sendo] diretamente boa (SPINOZA, 2002, p 325). Segundo tal visão, a
alegria se mostra de maneira ativa, pois, “quando a alma se considera ela própria e
considera a sua potência de agir, alegra-se (SPINOZA, 2002, p 250).
Para Spinoza, a felicidade existe quando é consciente; para ele, é impossível ser
feliz e o saber que o é. Ele afirma que há homens inconscientemente infelizes. [...] E
homens conscientemente felizes. (SPINOZA, 2002, p 18). De acordo com esse
fisofo, o homem deve exercitar sua capacidade de ser pensante e agir sempre com
atenção neste sentido, para estar, cada vez mais, em contato com idéias claras. E a
alegria, de acordo com seu pensamento filofico, faz aumentar a capacidade de refletir
e de agir. Sua filosofia é voltada para o combate à tristeza, visto que esta diminui a
potência do raciocínio humano. Conforme o especialista em Spinoza, Robert Misrahi,
“apenas o desejo da alegria pode motivar o trabalho da razão (seja reflexiva ou
intuitiva), e a própria rao é libertadora porque permite aumentar a autonomia da
ão, isto é, a ‘potência ou força de existir’. (MISRAHI, 2001, p 12).
A liberdade, segundo Spinoza, geralmente o é almejada por si mesma, ela o é
como meio de alcançar a alegria, a vida feliz. Tais conceitos estão interligados, devendo
18
a alegria ser vivida na liberdade, uma vez ser esta uma condão necesria para o pleno
exercício da vida.
Em consoncia com o pensamento de Spinoza, o fisofo Deleuze sugere que
devemos prestar sempre ateão ao que de bom em cada coisa, a fim de sermos
determinados a agir por um sentimento de alegria (DELEUZE, 1970, p 148).
Ondjaki, em Quantas madrugadas tem a noite, trilha caminhos parecidos aos
destes fisofos, relevando, em sua narrativa, “quantas alegrias tem a noite. Mas é
preciso que estejamos de ouvidos atentos, de olhos bem abertos para conseguirmos
captar essas pequenas alegrias que o escritor apreende e ficcionaliza em seu texto. O
sorriso e o riso o algumas das manifestações concretas da alegria que encontraremos
em sua obra. O sorriso nos contagia ao olhar; e o riso, ao escutar. Ambos despertam uma
energia positiva interior, capaz de combater forças negativas exteriores. Funcionam
como munões de alegria, conforme podemos ver no seguinte trecho do romance, em
que o narrador, numa de suas divagações, conversa com seu interlocutor sobre o
problema das enchentes em Luanda:
[...] sofrimento aqui lhe maltratamos male!, ele desiste de nos
maltratar, muangolê então é nervoso: a chuva era uma quase
calamidade?, lhe tavam a receber mesmo assim, sorrisos, novas
negociatas que as águas trouxeram, aprender a nadar agora na piscina
de alcatrão, ex tua rua, ex teu trajecto dos pés poeirentos. Num duvida
só, era muita chuva, só que: aqui somos muitos também: A uno faz o
reforço? Meu: é no sofrimento que o sorriso dum povo fica todo
semelhado uma única boca sem rosto a rir na cara da desgra, a
lhe amolecer. (ONDJAKI, 2004, p 24, grifo nosso).
Ondjaki demonstra como a alegria pode ser um antídoto ao sofrimento. O ato de rir
aparece nesse contexto como resistência ao desânimo, e, com forte tro irônico, efetua
críticas contundentes à desgra reinante em seu país.
A ironia, conforme afirma Jankévitch, “configura-se em avao, e nunca apenas
[como] uma ilha de vã gratuidade: no lugar onde se passa ironia, mais verdade e mais
19
luz. Já que a ironia destrói sem reconstruir, ela sempre nos leva mais am [...]
(JANLÉVITCH, 1964, p 37).
No cerne da ironia está o sentimento do contrário, a aresta cortante
(HUTCHEON, Linda, 2000, pp. 63-72) de uma crítica ferina. Lola Xavier, em seu livro,
O discurso da ironia, no qual ela reúne conceitos de ironia de vários teóricos desse
assunto, nos alerta para perigos que um texto irônico pode conter, que, por seu cunho
ideogico, pode não ser compreensível, sem uma contextualização espo-temporal.
Toda ironia, para ser bem interpretada, deve ser contextualizada.
Na época, por exemplo, em que a doença da vaca loucaera assunto praticamente
comentado no mundo inteiro, Ondjaki ironizou os problemas da fome e da guerra
sofridos em Angola, ao colocar seu narrador esclarecendo que essas “vacas loucas
poderiam ser as soluções para algumas das dificuldades angolanas:
Tava a dizer, eu, nas europas tão abater vacas, [...] porra, se desconfiam
que a vaca tá louca vaca pode ficar louca? quando muito, tá confusa!
mas se desconfiam só, pronto, pode ser só uma, mas o abater mais
de mil. Meu, ouve só a minha ideia mesmo puramente: mandar todas as
vacas aqui, vamos lhes receber no porto, festa e cortejo e tudo.
Vamos com as vacas pro campo, mandar gajas caminhar só aí bem à
toa: festa das minas, mas o só elas rebentam e ficam logo
semigrelhadas. [...] todas as minas descobertas e carne pronta pra ser
seca, guardada no mundo ou nos nossos estômagos... (ONDJAKI,
2004, pp 34-35).
Com base em definões de alguns teóricos do assunto, Lola Xavier explica as
diferenças entre ironia e tira, mostrando que esta tem uma função corretiva e
moralizante que aquela o tem. Segundo a autora, “a sátira afirma a necessidade e a
validade de normas e valores sisteticos; a ironia, pelo contrário, coloca em dúvida,
faz vacilar as normas comumente aceites” (XAVIER, 2007, p 47). Ondjaki, em Quantas
madrugadas tem a noite, trabalha com a ironia e não com a tira. Mas, seu discurso
20
irônico, embora cortante no sentido de fazer críticas, não é agressivo nem pessimista,
pois consegue juntar à ironia um trabalho dico com a linguagem e a memória.
O humor, que, segundo Freud, em seu livro Os chistes e sua relação com o
inconsciente, é caracterizado pela transgressão e distorção entre imaginário e realidade,
também é utilizado por Ondjaki, principalmente como mecanismo de combate ao
sofrimento. Quando o narrador, num trecho mencionado, revela que o povo angolano,
numa briga contra a desgraça, ganha dela por “bater mais forte, percebemos que ele se
comporta como um humorista semelhante àquele definido por Freud: mostrando o
sofrimento como insignificante, com intuito de reduzir o efeito de piedade e alcaar a
liberdade positiva da dor. Essa idéia do humor funcionando como enfraquecedor do
sofrimento perpassa por todo livro. Outra passagem que ilustra esse tipo de humor é a
que narra a cena do tribunal, na qual os amigos de Adolfo resolvem besuntá-lo de mel
para que seu corpo o ficasse a cheirar mal, já que não era possível enterrá-lo: “[...] a
JuízaMeritíssima entendeu perfeitamente, tão perfeitamente que[...] autorizou
besuntarem o corpo com aquela espécie de mel que a KotaDasAbelhas tinha dado, e pra
espanto de todos assim aconteceu [...] (ONDJAKI, 2004, p 87).
Uma característica ambígua do humor, que Linda Hutcheon enfatiza, é a de poder
alternar a solidariedade e a cumplicidade (rir com) com a exclusão e a distância (rir de).
Essas duas formas de riso estão presentes na obra de Ondjaki: o riso franco e libertador,
expressando alegria e fascínio; e o riso irônico, cortante e crítico. Este último se
apresenta, em Quantas madrugadas tem a noite, como se esta narrativa fosse uma
espécie de grande estiga
2
recriada pela sua ficção.
Mais adiante, em um dos capítulos de nossa dissertação, estudaremos mais
profundamente as estigas. Veremos que, por meio delas, Ondjaki usa a ironia e o humor
2
Conforme explicado no glossário do romance, é uma “forma de ridicularizar outrem através de um criativo e
bem-humorado jogo de palavras. (ONDJAKI, 2004, p. 200).
21
como recursos críticos de denúncia social. Tal atitude é comum em Angola. Em uma
entrevista, o escritor angolano Pepetela, ao ser interrogado sobre a possibilidade de a
ironia ajudar contra a desgraça, explica:
Sim. Nós, os angolanos, agarramo-nos muito ao humor. É a nossa arma
principal para sobreviver. Até atira em relação a nós próprios, o
gozarmos, o rirmos conosco. Isso está aqui. A ideia foi pôr esse lado
africano de ver o mundo. [...]O humor é uma característica angolana,
então é lógico que os escritores deste país usem da ironia em seus
livros para tratar qualquer assunto. (PEPETELA, Diário de Notícias,
2008).
Ondjaki parece ter uma concepção semelhante. Com ironia e humor, ele é capaz de
transmitir emoções e fazer críticas. Mas sabe combinar ludicidade a estas. Consegue
contar estórias usando, alternadamente, um modo poético e um modo irônico de narrar.
Por isso, o riso, em sua obra, não é usado de modo rude e grosseiro. Apresenta um
estatuto diferente, nada tendo a ver com a definição a seguir:
O riso nada teria, pois, de benevolente. Ele causaria sobretudo o mal
para o mal. [...] O riso é antes de tudo um castigo. Feito para humilhar,
deve causar à vitima dele uma impressão penosa. A sociedade vinga-se
atras do riso das liberdades que se tomaram com ela. Ele o
atingiria o seu objetivo se carregasse a marca da solidariedade e da
bondade. (BERGSON, 1983, pp 98-100).
Nos textos de Ondjaki, está mais presente um riso bem-humorado, pois o escritor
tem a mestria de trabalhar temas duros e pesados, de maneira leve e engraçada. Embora
exista, em seus livros, também o riso irônico, mesmo este é capaz de se diluir no outro,
de modo que as “arestas cortantes” da ironia são atenuadas. O riso agudo, muitas vezes,
se transforma em sorriso; os sofrimentos, em piadas: “Respeito muito minhas lágrimas/
mas ainda mais minha risada.(ONDJAKI, 2004, p 83)
3
.
3
Ondjaki utiliza como epígrafe de um capítulo de Quantas madrugadas tem a noite estes versos da música Vaca
profana, de Caetano Veloso.
22
É nosso objetivo, portanto, ao final de nosso estudo, ter estabelecido as relações
existentes entre riso e alegria na obra de Ondjaki.
Outro traço recorrente nas narrativas ondjakianas é a intertextualidade
4
com obras
de outros escritores. Drummond é um desses. No seu romance Bom Dia Camaradas, tal
procedimento também pode ser observado, conforme foi assinalado por Maria Teresa
Salgado:
É assim que os belos versos drummondianos de Sentimento do
mundo, na montagem do escritor angolano, parecem ter sido escritos
para Angola: E tu, Angola: / Sob o úmido véu de raivas, queixas/ e
humilhações, adivinho-te que sobes. / vapor róseo, expulsando a treva
noturna. (SALGADO, 2008, p 310).
Ao relacionar Angola à aurora, o autor, em intertextualidade com Drummond
5
, nos
mostra que, para am de uma semelhança fonogica entre as palavras, é criada também
uma semelhança sentica, visto que, por meio desta, ele atribui características ligadas
ao alvorecer de Angola, sugerindo o nascer de uma nova terra. Das entrelinhas do texto
emerge uma mensagem de esperaa, como se Ondjaki escrevesse “para todos aqueles
que, a par do desencanto contemporâneo, ainda [tivessem] tempo e olhos, ouvidos e
sonhos para o saber e a magia das palavras. (SECCO, 2003, p VII).
Logo após esta introdução, no segundo capítulo, situaremos historicamente o
escritor Ondjaki, traçando um panorama do contexto social e literário em que ele e seus
livros se inserem. A apresentação que faremos do escritor procurará evidenciar traços
biográficos relevantes que contribuirão para uma melhor compreensão de sua obra.
Explicaremos como se deu sua formação, que livros leu e como tudo isso se refletiu e se
reflete em suas produções literárias e artísticas.
4
Usaremos o conceito de intertextualidade, na acepção de Julia Kristeva, entendendo tal processo como
significativo diálogo que põe dois ou mais textos em interação.
5
Ondjaki, no livro Bom dia camaradas, substitui aurora por Angola (cf. o poema de Drummond citado em nossa
epígrafe).
23
A partir do terceiro capítulo, nos centraremos na análise de Quantas madrugadas
tem a noite, romance acerca de uma instigante estória em que, segundo palavras da
contracapa, o se sabe o que admirar mais, se a fulgurante imaginação do autor, se a
sua capacidade para a criação de tipos e situações carregados de significado, se a sua
capacidade para elevar a linguagem coloquial a um altíssimo nível literário. (Texto da
contracapa de Quantas madrugadas tem a noite, 2004).
No terceiro capítulo, em particular, estudaremos as personagens da narrativa.
Analisaremos a forma como aparecem à margem da sociedade, avaliando a densidade de
cada uma, seus nomes e ações, pois, segundo o narrador da estória, “pra falar das
pessoas num é dizer nome e cor da camisa (ONDJAKI, 2004, p 53). Nesse capítulo,
iremos também tratar do espaço onde tudo se passa: a cidade de Luanda, com suas ruas,
seus bairros, seus estabelecimentos, suas estórias e suas paisagens.
No quarto capítulo, nos centraremos no estudo do narrador, suas peculiaridades no
modo de contar, repleto de tros típicos da oralidade naturalmente, uma oratura
recriada pela ficção. Analisaremos como suas divagações e merias da inncia estão
inter-relacionadas com a estória principal, criando, assim, narrativas de encaixe
6
, e
mologos interiores instigados pelo fluxo mental de suas lembranças.
Dedicaremos o quinto capítulo ao estudo da poeticidade da linguagem.
Perceberemos aí como Ondjaki também faz uso da intertextualidade, ora dialogando
com trechos e versos de outros escritores, ora recriando tais citações e alusões.
Verificaremos como várias de suas influências literárias eclodem em Quantas
madrugadas tem a noite. Autores como Luandino, Pepetela, Ruy Duarte, Pablo Neruda,
Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Jorge Amado, entre outros, se fazem presentes,
direta ou indiretamente, nesse romance.
6
TODOROV, T., 1970. p 124.
24
Para am das citações literárias, o autor faz referências a outras artes, como a
sica, e a novelas televisivas brasileiras. Músicos como Man Ré e Dionísio Rocha, e a
personagem Odorico Paraguaçu, de O bem amado, o citados por Ondjaki.
Encerramos esta introdão com o que a poetisa angolana Paula Tavares diz sobre
a escrita de Ondjaki, na orelha de outro livro do autor, intitulado Os da minha rua: “É o
milagre das flores do embondeiro: habitam o mundo em concha por breves momentos e
em atras da luz o milagre das pequenas coisas (TAVARES, P. In: ONDJAKI,
2007, orelha do livro). Procuraremos comprovar, ao longo de nossa dissertação,
justamente isto: que, por interdio da alegria, a desabrochar como “as flores do
embondeiro”, a narrativa de Ondjaki capta o milagre das pequenas coisas, apesar das
adversidades sociais ainda bastante presentes no contexto angolano, mesmo após a
assinatura da paz em 2002.
25
2. ONDJAKI: UM POUCO DE SUA OBRA E SUA HISTÓRIA
Escrevo porque tenho sonhos dentro de mim,
porque me é urgente contar coisas, como se um
livro fosse uma partilha. E também escrevo
porque tenho estórias para contar.
Ondjaki
7
Contar estórias para Ondjaki, jovem escritor angolano, am de ser um prazer, é
uma necessidade imperiosa. Seus textos o produtos de sonhos espremidos”
8
, como
nos é revelado em seu conto infantil Ynari: a menina das cinco tranças. O autor nos
assevera que a tarefa de escrever estórias não é cil, contudo, com a involuntária ajuda
de alguns amigos, consegue colher inúmeras gotas de sonhos.
Sobre a idéia de que suas estórias o marcadas por uma atmosfera de otimismo, o
autor afirma que:
Não é intencional. Não é que eu queira, mas acabo por ver que as minhas
estórias não o pessimistas, não são em torno das coisas negativas da vida.
Ou pelo menos as minhas estórias não o tratadas de um modo pessimista.
Eu me considero um sonhador mais que um escritor. E me considero
também uma pessoa ainda livre e perdida na sua criatividade. Não quero
definir nem compreender, quero apenas viver. Ir sendo. Ir escrevendo,
portanto. (ONDJAKI, entrevista inédita concedida à Heloise Cabral, em
2008).
Estórias ouvidas e vividas pelo autor passam por um processo artístico de
recriação, transformando-se em contos e romances de extraordinária grandeza, porque
o tamanho das estórias não depende do mero de páginas que se escreve, mas sim da
intensidade de um sonho. (ONDJAKI, site da Ed. Caminho, 2007).
Ondjaki concebe a escrita como espaço de criatividade, local em que, na medida do
possível, podem ser feitas inúmeras brincriações
9
, que são expreses da vivacidade
7
ONDJAKI. Entrevista concedida à revista literária eletrônica Mafuá, 2006.
8
ONDJAKI, 2002a, p 43.
9
Termo criado pelo escritor moçambicano Mia Couto.
26
da língua portuguesa, bastante angolanizada não somente pela hibridação do xico,
mas também pela da sintaxe e da sentica. Ainda sobre seu modo de escrever, Ondjaki
nos diz: A linguagem mais oralizada advém das minhas observações, e parte dela é
também fruto da minha criação.(ONDJAKI, Revista Mafuá, 2006).
Outra qualidade da escrita de Ondjaki é a sua capacidade de dialogar com a
tradão literária de sua terra, retomando tópicos, renovando propostas, fundamentais ao
seu percurso literário que se consolida cada vez mais.
Além de ter publicado vários livros, na área da literatura, o escritor também se
dedicou a outros tipos de arte: cinema, pintura, teatro. É também autor de um
documentário cinematográfico sobre a cidade de Luanda intitulado Oxalá cream
pitangas (2006). Como artista pstico expôs suas telas, tendo realizado uma
exposição individual no Brasil.
Polivalente, Ondjaki, numa entrevista concedida à editora Caminho, declarou que,
com relação às artes, as outras formas [de arte, por ele praticadas] também podem ser
consideradas literatura. (ONDJAKI, site da Ed. Caminho, 2007). Entretanto, ele
termina a entrevista, dizendo que nele uma tendência de centrar-se mais na produção
literária propriamente dita.
Sua paixão pela escrita se iniciou na adolescência, tendo começado a escrever aos
dezessete anos. Chegou a receber no ano 2000 uma menção honrosa no prêmio António
Jacinto (Angola) pelo livro de poesia Actu sangneu. Em 2005, o seu livro de contos E
se amanhã o medo obteve os prêmios Sagrada Esperaa (Angola) e António Paulouro
(Portugal). Com o livro Os da minha rua, recebeu o prêmio de conto Camilo Castelo
Branco APE 2007. Am desses livros, publicou também: Momentos de aqui (contos,
2001), O assobiador (novela, 2002), Há prendisajens com o xão (poesia, 2002), Bom dia
camaradas (romance, 2003), Quantas madrugadas tem a noite (romance, 2004), Ynari:
27
a menina das cinco tranças (infanto-juvenil, 2004) e AvóDezanove e o segredo do
soviético (romance, 2008). Alguns de seus livros estão traduzidos para o frans, o
espanhol, o italiano e o aleo.
Este jovem autor angolano é, sem dúvida, um dos nomes promissores desta nova
geração de escritores de língua portuguesa. Com uma versatilidade que vai do romance à
poesia, passando pelo conto e pelo livro infantil, Ondjaki consegue nos fascinar com a
magia de sua linguagem.
Nascido em 1977, dois anos após a independência de seu país, Ondjaki viveu a
infância e parte da adolescência em Luanda, durante o período da guerra civil. Só saiu
de sua cidade em 1994 para fazer Sociologia em Portugal, profissão que nunca chegou a
exercer. Sobre a possibilidade de sua formação acadêmica contribuir para as suas
criões artísticas, o autor comenta: “É provel que a Sociologia me afecte a escrita,
mas também a sica, as poesias que opto por ler, os filmes que opto por frequentar, e
até os livros que escolho não ler.” (ONDJAKI, entrevista inédita concedida à Heloise
Cabral, em 2008).
Ondjaki, filho de e professora e de pai militante ativo do MPLA, o comandante
Juju, é o pseunimo de Ndalu de Almeida. Ele sempre estudou em cogios públicos,
porque, na época, imperava em Angola o socialismo, não havendo ensino privado.
Misturavam-se, então, os alunos mais abastados com os mais pobres. Esta convivência
com pessoas provenientes dos mais variados níveis sociais propiciou a Ondjaki poder
levar para sua escrita, de forma recriada, estórias contadas ou até mesmo vivenciadas
pelo seu círculo de relacionamento.
Amante dos livros desde cedo, Ondjaki leu estórias e poemas de escritores e poetas
de Angola e de outros países. Tais leituras muito contribuíram para sua formação
intelectual e artística. Teve, assim, influências variadas que vão desde seus conterrâneos,
28
como Luandino, Pepetela, Manuel Rui, até escritores da Arica Latina, como Pablo
Neruda, Gabriel Garcia Márquez, não deixando de falar dos brasileiros, como Guimarães
Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Manuel de Barros.
Tendo participado do 53º Congresso da UNE, Uno Nacional dos Estudantes, no
Rio de Janeiro, em 2007, Ondjaki, refletindo sobre política e literatura, afirmou:
“Procuro escrever estórias literárias com conteúdos criativos e estéticas personalizadas.
Se depois disso, há um eco político, tudo bem. É normal. (ONDJAKI, site da UNE,
2006). O autor o considera sua literatura panfletária, mas toda sua vivência em Angola
o lhe permite omitir-se diante de fatos sociais relevantes ocorridos em seu país. Seus
textos o são engajados no que diz respeito a uma política partidária, mas são
ideogicos, pois, conforme Roland Barthes afirma, em seu livro O prazer do texto, o
“texto tem necessidade de sua sombra: essa sombra é um pouco de ideologia, [...]
(BARTHES, 2006, p 41).
Em Quantas madrugadas tem a noite, a diferença entre o tempo narrado e o tempo
da narração é bem pequeno, visto que o romance menciona a morte de Jonas Savimbi,
ocorrida em fevereiro de 2002, e o livro foi publicado em Portugal e Angola no ano de
2004. Em entrevista, Ondjaki revela que “o grosso do livro foi escrito entre 16 de fevereiro
e 1 de março de 2002”. (ONDJAKI, entrevista inédita concedida à Heloise Cabral, em 2008).
Contudo, Ondjaki o se prende somente a acontecimentos recentes, relembrando
constantemente o período de sua inncia. O período estudantil por ele vivenciado foi
marcado pela forte presença dos professores provenientes de Cuba. Os angolanos se
beneficiaram do auxílio deste país não só na Educação, mas também nas guerrilhas e na
assistência dica à população.
A afetividade de Ondjaki pelos cubanos é grande; nas estórias dos livros Bom dia
camaradas e Os da minha rua, pelo fato de as narrativas se passarem exclusivamente no
29
período de sua infância, o autor demonstra esse carinho principalmente para com seus
professores cubanos, chegando a colocar como epígrafe deste último livro palavras do
professor Ángel: o se esqueçam que vocês, as crianças, o as flores da humanidade
(ONDJAKI, 2007, p 11).
Em Quantas madrugadas tem a noite, os cubanos o mencionados nas
recordações das personagens principais. Adolfo, por exemplo, ao divagar sobre suas
poesias, se lembra: “a poesia popular como iam dizer nuestros hermanos cubanos [...]
(ONDJAKI, 2004, p 59). O uso da ngua espanhola também aparece no grupo musical
do Burkina, intitulado Burkina e sus muxaxos, é homenagem nos cambas dele cubanos
[...] (ONDJAKI, 2004, p 67). O professor Jaí, por sua vez, se recorda de seus amigos ao
“olhar as fotografias dos cambas dele cubanos. (ONDJAKI, 2004, p 170).
Ao avaliar pessoalmente a participação de Cuba em seu país, Ondjaki argumenta:
[...] a presença cubana em Angola foi fundamental para impedir que os
sul-africanos tomassem o poder em Angola, nas várias ofensivas que
fizeram durante os anos 80. A cooperação cubana também ajudou
parte da população, com assistência médica e educacional. Só posso
considerar essa presença como positiva. (ONDJAKI, entrevista ao site
Carta Maior, 2006).
Também o MPLA recebeu um intenso apoio cubano para vencer os sul-africanos,
que, por sua vez, apoiavam a UNITA. No romance pors analisado, encontramos
diversas referências a esses movimentos políticos. Cabe-nos, agora, contextualizar estes,
historicamente, e discorrer um pouco sobre suas inteões políticas.
O MPLA, Movimento Popular pela Libertação de Angola, foi importante na luta
pela independência de Angola; de inspiração comunista, foi apoiado pela URSS e se
transformou num partido político após a independência. Este movimento foi um dos
principais organizadores da luta armada contra o colonialismo, tanto que, terminada a
luta de libertação, foi o partido que subiu ao poder quando a independência do país foi
30
proclamada, mesmo sem que tivesse havido uma total pacificação interna em relação a
outros movimentos existentes em Angola. Nos dias atuais, é ainda este partido que
dirige Angola. Sua importância foi e ainda é bastante significativa para a sociedade
angolana.
Ondjaki, sutilmente, tece uma crítica, num tom de ironia, ao regime político
vigente em Angola, no tempo da narrativa, quando questiona a igualdade pregada por
este: “[...] mas dentro das igualdades parece há sempre uns mais iguais que outros [...]
cinco pães dum avilo podem não ser bem iguais a cinco pães doutro avilo, depende às
vezes se você é muito camarada ou pouco camarada [...] (ONDJAKI, 2004, p 171).
Com isso, o autor desmascara a corrupção aí também presente.
Em Quantas madrugadas tem a noite, a personagem principal era considerada,
pela sua primeira esposa, como alguém de grande influência social e política, porque
tinha um parentesco longínquo com um componente do MPLA. Vejamos:
[...]afinal a dama tava convencida que o Adolfo então tinha as puras
influências, só porque era primo de um gajo aí do éme
10
[...] Sabe o
quê meter requisição, geleira pro cúbico e bina
11
pros candengues, e
assinar mesmo sem vergonha no dedo, a mulher do primo do camarada
fulano de tal, do éme? (ONDJAKI, 2004, p 25).
Mais adiante, nesse mesmo romance, as vvas da personagem, com a finalidade
de receberem pensão do Estado, forjaram um documento que atestava ter sido o marido
delas combatente do MPLA no Namibe. Ondjaki ironiza o fato, que nunca houve
guerra em tal província angolana:
dissemos que ele combateu no Namibe
gargalhada que o Burkina desconseguiu de evitar
no Namibe?!, porra, no Namibe nunca houve guerra!
(ONDJAKI, 2004, p 91).
10
Como é chamado, vulgarmente, o MPLA.
11
Biclcleta.
31
A UNITA, União Nacional pela Independência Total de Angola, representou o
contraponto do MPLA. Teve como líder Jonas Savimbi, que foi seu fundador e lutou
durante a guerra civil contra o MPLA. Após a independência em 1975, principalmente
durante a Guerra Fria, Savimbi foi apoiado pelo governo do apartheid sul-africano e
pela CIA. Depois de ter estado próximo da vitória pelas armas, no início da década de
1990, Savimbi ficou desacreditado completamente quando refutou os resultados das
eleões em 1992, relançando a guerra em todo o território angolano. Esta foi a última
tentativa do "Galo Negro"(como era chamado Jonas Savimbi) para tomar o poder.
O líder da UNITA foi considerado um feiticeiro. Sua etnia tinha muito medo dele,
o só por ser comandante desse partido, mas, principalmente, pelos seus poderes
gicos. Julgavam que o “Galo Negro sabia tudo o que eles pensavam e faziam.
Estavam completamente dominados por essa crea que o próprio Savimbi alimentava.
Ondjaki ironiza sua fama de ngapa
12
, quando comenta sobre um gato preto feiticeiro,
que entendemos como clara alusão ao “Galo Negro:
Gatos pretos aí lhe atirávamos pedras, feiticeiros da merda [...]Eu
mesmo chutei a cabeça dum umas quatro vezes, mais o Burkina que lhe
ajeitou uns três chumbos no nguimbo, dele, do gato, então, faz as
mateticas, isso num o sete? Qual quê, aquilo é feiticeiro
mesmo, puramente insistente, medo e o podes ter medo: como nos
filmes de cobói, quem parar primeiro, morre. Corre só, meu; kibídi de
o, apanhaste de madrugada? (ONDJAKI, 2004, pp 59-60).
Em 22 de fevereiro de 2002, Jonas Savimbi foi morto na província do Moxico.
“Tavam a falar a morte do mano mais velho, kota Savimbi [...] (ONDJAKI, 2004, p
35). Ele faleceu em conseqüência de uma perseguão feita por cães policiais, a que
Ondjaki se referiu anteriormente. Após a morte de Savimbi, a UNITA tornou-se um
partido civil e abandonou a luta armada.
12
Palavra que significa feiticeiro.
32
Como já dissemos, a UNITA foi apoiada pelo governo sul-africano, marcado pelo
apartheid, um dos regimes de discriminação mais cruéis de que se tem notícia no
mundo, que existiu de 1948 até 1991. Na antiga constituão sul-africana, era clara a
discriminação racial entre os cidadãos, mesmo os negros sendo a maioria na população.
O apartheid atingia a habitação, o emprego, a Educação e os serviços públicos.
A partir de 1975, a comunidade internacional e a ONU fizeram preso pelo fim da
segregação racial. Em 1991, o apartheid foi condenado oficialmente e líderes políticos,
como Nelson Mandela (primeiro presidente eleito da África do Sul), foram libertos. Este
regime segregacionista é duramente criticado pelo narrador de Quantas madrugadas tem
a noite:
África do Sul lembras, por que aparteide, porque brancos e pretos e
indianos e coloridos? Estupidez, meu, tu galaste mesmo, te tocarem
uma sirene nos ouvidos para tu bazares na tua buala
13
? O quê, eu,
mentira? Num sabias? Janesburgo? Fim de tarde, o puro cenário, vais
pensar que é filme, o, era realidade dura mesmo, as sirenes a tocar e
tu mesmo, bléque, só podias ir no maximbombo
14
dos bléques; se eras
apanhado, chicotada!, bofa, ou cadeia mesmo. Tiro também, de vez em
quando brancos maldispostos. Duvidas? Violência, avilo, loucura das
raças, uns mais que outros? Onde é que isso tá escrito na blia?
(ONDJAKI, 2004, p 29).
A interveão da ONU em solo africano o se restringiu apenas à África do Sul.
A UNAVEM
15
foi criada para ajudar o governo angolano e a UNITA a restabelecerem a
paz e alcaarem a reconciliação nacional. Diversas variantes foram criadas ao longo
dos anos, culminando com a UNAVEM III. Seus missionários eram conhecidos como
capacetes azuis. Mais uma vez, a ironia se faz presente na obra ondjakiana, ao ser
mencionada uma UNAVEM IV que nunca chegou a existir: “É só chamar a UNAVEM
13
Lugar.
14
Ônibus.
15
United Nations Angola Verification Mission, que traduzida para o português significa Miso de
Verificação das Nações Unidas em Angola.
33
quatro, num é assim que tamo a resolver os prubulema aqui na buala? [...] Yá, kota, tem
mesmo que trazê os puro capacete azul, ché, posterados!” (ONDJAKI, 2004, p 71).
Depois de enfrentar muitas dificuldades, a ONU foi restringindo seu papel apenas
a operações humanitárias em prol dos direitos humanos. Contudo, a presença estrangeira
em África o chegou com a ONU; há muito se fez presente com a chegada dos
colonizadores. Um marco profundo, um divisor de águas da organizão social africana
foi a Conferência de Berlim. Realizada entre finais de 1884 e início de 1885, a
conferência teve como objetivo organizar, na forma de regras, a ocupação de África
pelas potências coloniais e resultou numa divisão que não respeitou nem a história, nem
as relações étnicas e familiares dos povos do continente africano. Na colonização, a
África foi retalhada de acordo com os interesses dos europeus; etnias amigas foram
separadas e etnias inimigas, unidas. Este é um dos motivos de tantas guerras civis
travadas entre países africanos. O autor de Quantas madrugadas tem a noite refere-se à
conferência de Berlim, avaliando criticamente suas conseqüências: “[...] as divisões lá
o são assim regra com esquadro da conferência de Berlim, a impor as fronteiras todas
[...]. (ONDJAKI, 2004, p 187).
Ondjaki é o pseudônimo literário de Ndalu e significa guerreiro. E é com uma
atitude guerreira que o autor faz críticas em seus livros; suas armas o as palavras.
Nossa dissertação Quantas alegrias tem a noite se propõe investigar de que modo são
denunciadas pelo narrador e pelas personagens as distopias sociais presentes em Angola.
Contudo, o escritor procura incutir, em suas narrativas, um certo otimismo, semeando
suas mensagens de nesgas de esperança, que sobrevivem, a par do clima de desencanto a
seu redor. O que o escritor busca semear em suas narrativas nada mais é do que o seu
real pensamento em relação ao futuro de seu país:
34
Imagino que [os próximos anos] serão melhores e diferentes. Melhores
porque a guerra terminou e vivemos agora um outro tempo, tanto
externo como interno, com outras condições. E serão também tempos
diferentes porque as condições sociais e políticas alteraram-se, e
estamos muito próximos de conseguir entrar num ciclo de eleições
políticas que eu espero que venha a ser regular e sauvel.o sei
como será o país nos próximos anos, mas desejo que haja mais justiça e
que os bens naturais do país possam ser melhor divididos. (ONDJAKI,
site da Ed. Caminho, 2007).
Feita essa breve apresentação de Ondjaki e de sua obra, passaremos ao estudo
propriamente dito de Quantas madrugadas tem a noite, analisando as recorrentes
metáforas da alegria presentes nesse romance.
35
3. CARTOGRAFIAS DE LUANDA: OS ESPAÇOS E AS PERSONAGENS
Luanda é a cidade
que não sabe se é cidade
se é país.
Tanto ps se encontra nela
tanta cidade compõe este país
tão país e tão cidade
Costa Andrade
16
Em Quantas madrugadas tem a noite, Luanda é o espaço que Ondjaki escolhe, de
forma exclusiva, para cenário da narrativa. É recorrente, na literatura angolana, essa
cidade aparecer como metonímia de Angola, o por ser esta a capital do país, mas
por ser regio dos que vieram do interior, onde as lutas foram travadas.
No poema de Costa Andrade, o poeta nos chama ateão para a contraditória
ambivancia de Luanda ser, ao mesmo tempo, “tão país e tão cidade. Ou seja, a capital
representa o país, com seus problemas, paradoxos, belezas e misérias. A cartografia de
Luanda é marcada por misturas arquitetônicas de estilos pré e s-coloniais, por
paisagens naturais e culturais, físicas e humanas, revelando um forte hibridismo, próprio
de uma urbe que, durante séculos, foi palco de confronto entre colonizados e
colonizadores, o que se reflete na literatura angolana, conforme afirma Tânia Macedo
em seu ensaio Luanda: vioncia e escrita”:
o causa espécie, portanto, que a cidade seja referência obrigatória no
imagirio nacional e cenário privilegiado da literatura produzida no
país. Desta forma, cremos que estudar a literatura produzida em
Angola é obrigatoriamente referir-se a Luanda, sua história e sua gente.
(MACEDO, 2006, p 178)
Observamos também que, para am da representação do território angolano,
Luanda representa a nação. A identidade nacional angolana está intimamente ligada a
16
COSTA ANDRADE, F. Luanda. 1997.
36
esta cidade, de tal modo, que não podemos tomar esse lugar apenas como o cerio
onde se passam as narrativas. Torna-se imprescindível considerar “o espaço
preponderante que essa cidade ocupa no imaginário e na vida nacionais angolanos
contemporâneos. (MACEDO, 2006, p 179).
Nas narrativas de Ondjaki, Luanda se faz presente não apenas pelas paisagens, mas
também pelos costumes e pensamentos das personagens e do narrador. Em Quantas
madrugadas tem a noite, as imagens geográficas da capital angolana surgem ao lado de
sua gente e de sua história.
Em A imagem da cidade, Kevin Lynch sustenta que a leitura da paisagem urbana é
construída a partir da percepção de seus habitantes. Ou seja, as interpretões das
imagens geográficas são o resultado de um processo pessoal entre o interpretador
(habitante) e o interpretado (cidade). Angel Rama, em seu livro A Cidade das Letras,
meditou sobre a história latino-americana a partir do período colonial, procurando
desvendar seus significados simlicos em meio às especificidades literárias, estéticas e
culturais. Rama, com capacidade, construiu uma visão totalizante da cidade como
resultado de uma multiplicidade de signos e identidades culturais. Para Renato Cordeiro
Gomes, em seu ensaio “Cartografias urbanas: representões da cidade na literatura”,
para am dos aspectos físico-geográficos, os dados culturais, os costumes, os tipos
humanos, juntamente com a cartografia simlica em que se cruzam o imaginário e o
real também devem ser levados em considerão ao lermos as cidades narradas nos
livros literários.
Carregada de significados, essa cidade começa então a não ser vista apenas como
mera localização geográfica, mas como a grande personagem de muitas narrativas.
“Mapear seus sentidos ltiplos e suas ltiplas vozes e grafias é uma operação poética
37
que procura apreender a escrita da cidade e a cidade como escrita, num jogo aberto à
complexidade. (GOMES, 1997, p 180).
Luanda é uma cidade contrastiva: marcada pelos belos cenários naturais de suas
praias e de seus deslumbrantes poentes fortemente amarelados [...] tenho paixão por
esta cor amarela, especialmente essa assim amarela bem torrada [...] (ONDJAKI, 2004,
p 57) e por imagens de uma dura realidade composta de ruas esburacadas, de
musseques
17
, de mosquitos e de estranhos castelos
18
. Ondjaki elege especificamente as
ruas e os bairros periféricos luandenses como cenários de suas estórias, repletas de
personagens marginalizadas, discriminadas pela sociedade em geral. Interessante,
porém, é que, mesmo em tais espaços, podemos, quase sempre, enxergar manifestações
de alegria, por entre a lama do co, os buracos nas ruas, os mosquitos da tristeza.
Ondjaki descreve cinematograficamente a cidade, citando nomes de ruas, bairros,
estabelecimentos. Deste modo, o autor nos situa, tornando-nos mais íntimos da cidade:
Maianga pra baixo, pra Baixa, inda se circulava, mesmo assim, andar
bem só de jipe, e alto, que aquilo tava então a ficar perigoso, buracos
queo se viam, mesmo a António Barroso já tinha engolido duas
viaturas, desaparecidas assim só, conforme os testemunhos dos
populares nas janelas da assistência, prédios dali [...](ONDJAKI, 2004,
p 130).
Para am dos bairros da Maianga e da Baixa, mencionados na citação anterior,
lugares como a Praia do Bispo, o largo Primeiro de Maio, o hospital Maria Pia (que após
a independência passou a ser chamado Josina Machel), o bairro Corimba, a ilha de
Luanda, o mercado popular Roque Santeiro, entre outros são também referidos no
romance. Sobre a mudança do nome do hospital, ainda não uma padronização quanto
à escolha de como deve ser chamado, isto vai variar de acordo com a posão individual
17 As favelas de Luanda.
18 Barracas de papelão onde moram os meninos de rua.
38
dos angolanos em relação à independência do país: “Lá estavam, no Hospital Maria Pia,
als, Josina Machel, a tentar encontrar alguém... (ONDJAKI, 2004, p 27). Ao fazer a
cartografia da cidade, Ondjaki escreve a história não de Luanda, mas também a de
Angola.
A imagem que vemos na citação anterior é a de uma Luanda tomada
completamente pelas águas da chuva que há tempos não cessavam. Quantas madrugadas
tem a noite encena, diversas vezes, uma Luanda marcada por períodos chuvosos, o que
se modificará ao final da narrativa. No decorrer da estória, várias dificuldades
ocasionadas por estas ininterruptas águas pluviais enfrentadas pelo povo angolano vão
sendo registradas:
Falta dágua nos canos, falta de distribuição do píter
19
, falta das
higienes que tava a rebentar febres-amarelas e tifóides e de todas as
cores e feitios nos bairros, os hospitais estavam cheios de pessoas
vivas e mortas que tavam a dizer na rádio pra irem só nos postos de
saúdes locais, num valia pena irem no hospital que já tava sem
condições [...] a chuva, muadiê
20
, te disse, num tava dar tréguas.
(ONDJAKI, 2004, p 128).
A intensidade dessa chuva era tamanha, que chegava a se estender para fora da
capital, abarcando outras províncias angolanas, onde drásticas conseqüências também
apareciam: “dois bairros do Lobito, um do Huambo e um do Moxico já tinham
desaparecido(ONDJAKI, 2004, p 129). A chuva alegoriza o auge dos problemas que,
como uma tempestade, caíam sobre a cidade. Ondjaki faz uma dura crítica social,
quando revela, atras de uma personagem, que, antes da chuva, Luanda vivia numa
calamidade imensa e que agora as autoridades tomavam conhecimento. A tempestade,
portanto, foi o estopim. A água da chuva funciona metaforicamente, na narrativa, como
se estivesse a lavar as vistas de quem não queria enxergar o caos estabelecido na urbe.
19
Comida.
20
Moço, rapaz.
39
[...] é preciso vir a chuva pra verem que esta merda está na calamidade total?
(ONDJAKI, 2004, p 71). A água, de simbologia ambígua, alegoriza morte e vida,
destruão e reconstrução. A tempestade inunda, traz lama; as chuvas, contudo, lavam os
olhos, conscientizando os que, antes, não enxergavam os problemas de falta de
urbanização da cidade, agravados com a guerra longa que travou o desenvolvimento de
Angola.
O que caíra sobre Luanda era uma espécie de divio chuva que assinala,
metaforicamente, o fim de um ciclo e o início de outro. Ondjaki chega a colocar como
epígrafe de um dos capítulos o seguinte provérbio kimbundu:Múkua-kâfua ûfua, o
fua ni kabue. [= tem que morrer o defeituoso, para que o defeito acabe.]. (ONDJAKI,
2004, p 165). Por analogia, observamos a alegoria do divio que afoga a cidade,
matando o que é defeituoso, mas, ao mesmo tempo, lavando a cidade, irrigando a terra
para que possam germinar novas sementes.
Essa chuva também pode ser interpretada como uma metáfora da guerra civil, visto
que o próprio Ondjaki faz tal alusão em uma de suas entrevistas: “A guerra é uma
tempestade que nunca ninguém quer e que todos desejam que passe o mais rapidamente
possível. A nossa tempestade durou tempo demais. (ONDJAKI entrevista In: CORI,
2004, p 190).
Em Quantas madrugadas tem a noite, o cessar da chuva foi muito comemorado por
todos de Luanda, ao ponto de o considerarem feriado nacional: “Ali, na esquadra, todos
tinham ouvido tiros fora e gritarias tipo Carnaval da Vitória. (ONDJAKI, 2004, p
176). Carnaval da Vitória” é uma aluo alegórica a outro episódio da história
angolana, quando os sul-africanos foram definitivamente expulsos de Angola: “[...]
aquele era o Carnaval da Vitória porque a 27 de março se comemorava o dia em que as
40
forças armadas tinham expulsado o último sul-africano de solo angolano [...]
(ONDJAKI, 2006, p 63).
O carnaval que, em Angola, tradicionalmente, sempre fora festejado em fevereiro,
passou, por sugestão do presidente Agostinho Neto, a ser comemorado a 27 de março,
data que marcou a retirada definitiva das tropas sul-africanas do território de Angola,
acontecida em 1976. Nascia, assim, o Carnaval da Vitória que, na sua primeira edão,
fez desfilar mais de uma centena de grupos na Marginal de Luanda, durante horas a fio,
até ao anoitecer.
Eventos como este não o as únicas manifestações culturais referidas em Quantas
madrugadas tem a noite. sicas, danças, brincadeiras, alimentão e demais costumes
locais se fazem presentes ao longo da narrão. Desse modo, ao descrever Luanda e seus
habitantes, o narrador vai reescrevendo a história de Angola. Demonstra como traços
peculiares do modo de ser angolano podem causar espanto e críticas por parte de
observadores de outras culturas:
Mas depois, considera só: eles também a nos verem dançar e vestir e
pôr cu duro, num o falar dança dos bêbados?, a dar bungula
puramente e pôr açúcar e as kabetulas todas, num o dizer estamos a
ficar parecidos com os macacos?, xinguilamentos musicais? Olhos
deles, muadiê, tou ta pôr, e os nossos olhos todos de cada um:
culturas!, num enorme plural e final de contas. (ONDJAKI, 2004, p
116).
Através dessa reflexão, o narrador tenta explicar que, em se tratando de culturas
diferentes, o existem as dicotomias certo x errado, “bonito x feio. O que é estranho
para alguns, para outros é natural. As daas: açúcar, kuduro, bungula e kabetula
mencionadas na citação anterior o tipicamente angolanas; o kuduro foi reconhecido,
a partir da década de 90, também como um estilo musical (semelhante ao rap e ao funk
carioca) que faz grande sucesso principalmente entre os jovens. No romance, a dança
aparece como uma das formas de manifestação da alegria, presente não somente na dança
41
dos corpos, como nas “do olhar também, das mãos, da vida, do discurso”. (ONDJAKI,
entrevista inédita concedida à Heloise Cabral, em 2008). Em Quantas madrugadas tem a
noite, a sica desempenha importante fuão: não caracteriza hábitos e ritmos
locais, mas também dá leveza à narração, visto que a música, todo mundo sabe, aquece
as veias da alegria e te faz rir à toa” (ONDJAKI, 2004, p 139).
A comida também aparece relacionada a momentos festivos: “[...] aperitivos todos,
chamuça de mel, rissol de camarão com mel, salada com mel, kitaba com mel [...] aquela
alegria só de estarem muitos angolanos que já ninguém consegue falar baixo [...]
(ONDJAKI, 2004, p 145). A kitaba, espécie de pasta feita com amendoim torrado, é uma
comida tradicionalmente angolana. O funji, semelhante ao nosso pirão, e a kizaca, feita
com folhas da mandioca, são outros exemplos de pratos típicos angolanos citados no
texto. “Sabores de Angola vão também passando os saberes locais, efetuando, assim,
uma cartografia urbana tecida o só por fatos e descrões, mas também por paladares e
odores”. (SECCO, Carmem Tindó. Apontamentos das aulas, 2006).
o os lugares, as ruas, os costumes, os ritmos, as comidas caracterizam o
cenário de Luanda. Contracenando aspectos e locais da cidade, no presente, com cenas e
paisagens do passado, nos anos 1980, o narrador traz pela meria várias personagens.
Muitas dessas dão uma lão bem angolana, a de que a alegria pode subverter
sofrimentos e funcionar como forma de resistência:
[...] assim é que eu entendo a vida, muadiê o campo das seriedades
misturado com o campo das infantilidades rias, essa nossa maneira
africana de rir na cara da guerra, de estar mesmo a cantar na hora da
morte, de dançar no suor do corpo, catinga e tudo incluído , corpos
juntos, a se esfregar, [...] (ONDJAKI, 2004, p 23, grifo nosso).
A alegria, diante das adversidades, pode ser ilustrada pela expressão popular “um
tapa sem o. Nem a guerra, nem a morte, nem o fedor de catinga têm forças
42
suficientes para abafar o riso, o canto e a dança do angolano isso nos demonstra a
narrativa de Quantas madrugadas tem a noite.
O romance começa com um homem entrando em um bar e propondo a um outro
que estava a troca de algumas cervejas por uma “pura estória daquelas com peso de
antigamente (ONDJAKI, 2004, p 13). Esta, ele, o narrador, é que iria contar. E parece
que sua proposta foi aceita, pois, logo a seguir, uma estranha estória começa a ser
narrada. A narrativa gira em torno da personagem AdolfoDido o morto que regressa à
vida. O narrador, então, volta à sua inncia, lembrando seus cambas
21
: Burkina Façam,
Jaí e AdolfoDido. Somente mais tarde, ao final da obra, o narrador revela ser ele o
próprio Adolfo: “o morto, esse morto que lhe bebemos aqui..., tou ta pôr: esse morto sou
eu!, AdolfoDido, eu mesmo! (ONDJAKI, 2004, p 188). Indo, então, ao passado, a
narrativa, através da meria do narrador, passa a relembrar o cotidiano desse grupo de
amigos.
AdolfoDido é considerado um azarento. Mesmo depois de morto, o conseguira
encontrar descanso. Por causa da dúvida sobre o que teria ocasionado sua morte, mesmo
depois da autópsia, ele se impedido de ser enterrado. Com seu caixão itinerante,
começa a se locomover mais do que quando era vivo. Adolfo é, portanto, uma alegoria
crítica da própria morte social que entravou o desenvolvimento de Angola.
Com duas mulheres dizendo cada uma ser sua esposa oficial, ambas visando à
pensão, com seus parentes a “ralhá-lo na missa de corpo ausente e com toda burocracia
que não permitia o seu sepultamento, entre outros impasses, conseguimos constatar que
AdolfoDido é uma representação figurada dos cidadãos angolanos que nada conseguiram
na vida: “[...] e o muad mesmo nem sabia, esse nome é que ia lhe bezuntar toda a vida
21
Amigos.
43
de gente a lhe foder toda hora, tipo quarra mesmo, um gajo de azar na pele, fazer mais
como então! (ONDJAKI, 2004, p 18).
A morte, na sociedade africana tradicional, não era separada da vida. Havia a
crea de que os mortos podiam voltar para aconselhar, zangar, advertir. No romance
em questão, o narrador, regressado à vida, volta para ironizar, usando o humor para
criticar os problemas graves enfrentados por Angola.
Outra personagem importante é Burkina Façam, o amigo de longa data de Adolfo,
quena escada do tempo, esqueceu de crescer” (ONDJAKI, 2004, p 15). Chegou a
largar os estudos quando garoto, por o agüentar as estigas todas que lhe faziam por ser
um anão. Mas isso o chegou a prejudicá-lo financeiramente. Morador da Corimba
um bairro nobre luandense e dono de uma frota de lotadas com direito a motorista e
placa exclusiva em seu carro , Burkina, entre todos os amigos, foi o que conseguiu ter
melhor condão de vida. Ele fazia sucesso com as damas, pois, embora considerado de
aparência pouco atrativa, era tido como um bom conquistador: “Mas era potente nas
damas, xaxeiro
22
de competência reconhecida até na Ilha, único que num era
kiungueiro
23
, só o kijango
24
dele, avilo
25
!, tava a nos meter respeito quanto mais nas
damas!”(ONDJAKI, 2004, p 16). Burkina chega a fundar um Sindicato Nacional das
Prostitutas para agradar suas amigas meretrizes e também para obter certas vantagens
neste ramo.
Assim como Burkina, o outro amigo de Adolfo, Jaí, tinha uma característica física
bem marcante: era albino. Devido a esta sua peculiaridade, chegou até mesmo a ser
ameaçado de morte, pois, na época, havia a crendice de que albinos tinham um líquido
no cérebro que curava a AIDS:
22
Galanteador; conquistador.
23
Indivíduo circuncidado.
24
Órgão sexual masculino.
25
Amigo; companheiro (o mesmo que camba).
44
Mambos da estupidez, meu: lembras quando tavam a caçar albinos para
curar sida? [...] Época da caça total, albinos a gastar cumbú na tinta
para cabelo e bigode, uns o saíam de casa mas de três meses,
outros bem agasalhados só, catinga aí no pleno meio dia, ai uê, a cor é
um problema, avilo! (ONDJAKI, 2004, pp 28-29).
Jaí era professor de português. Leitor assíduo dos jornais de Angola, ele tinha forte
conscncia social, chegando a participar de ONGs. Com seu caráter íntegro, chegou a se
afastar do MPLA, quando percebeu pequenos indícios de corrupção no partido. Decidiu-
se pelo professorado, mesmo sabendo dos baixos salários oferecidos a esta classe. Por
ser albino, era estigado: “kilombo, toma graxa de sapato, uê (ONDJAKI, 2004, p 14);
por sua remuneração, também o era: coitado, sario dele só dá mesmo para s lhe
estigarmos
(ONDJAKI, 2004, p 26).
Percebemos que, de alguma forma, essas personagens estão todas unidas o
pela amizade, mas, principalmente, pelas estigas relacionadas às suas características. Ao
lermos os nomes de cada uma delas, verificamos que não o de batismo:
, muito antigamente, todos tinham nome: eu num sei quems o
Façam no Burkina, familiares talvez; o Adolfo foi num primo dele que
lhe pusera, para diversão dele, do primo, de ver a cara dos mais-
velhos a chichilar
26
pra dizer o nome do Adolfo assim rápido
Adolfodido; e o Jaí, fomos todos nós, os do futebol [...] na hora dos
futebóis, frase preferida na boca dele
venho já aí! (ONDJAKI, 2004, pp 27-28).
Ondjaki, através da onostica risível das personagens, nos revela sua escolha
pela criação de tipos, que nenhum destes era conhecido pelo nome próprio, todos
traziam em sua alcunha um atributo pessoal ou um tro marcante da própria vida. Esse
procedimento aplica-se o só aos nomes dos protagonistas, mas também aos das demais
personagens do romance.
26
Passar mal; ter dificuldades.
45
A alegoria, segundo Fvio Kothe, é uma “representação concreta de uma idéia
abstrata. [...] É uma metáfora continuada, como tropo de pensamento, consistindo na
substituão do pensamento em causa por outro, ligando ao primeiro por uma relação de
semelhança. (KOTHE, 1986, p 90).
Podemos, então, afirmar que as personagens principais são alegóricas, uma vez
que, figuradamente, revelam tros reprimidos socialmente. A alegoria, para Walter
Benjamin, significa dizer o outro; se, as personagens de Quantas madrugadas tem a
noite apontam para traços censurados socialmente, elas se comportam alegoricamente.
Uma é a que não vence economicamente; outra, não cresce fisicamente; a terceira é um
albino, cuja pele branca mascara sua condão de negro. São personagens fracassadas
que espelham o fracasso do pprio país.
Através das características destas personagens percebemos que são exemplos de
seres à margem da sociedade, vítimas do preconceito, pois se afastam dos padrões
sociais esperados. Mas, mesmo assim, conseguem encontrar motivos para se alegrarem.
A forte amizade entre estas personagens iniciou-se ainda na inncia. Houve, inclusive,
ocases em que umas salvaram a vida das outras. AdolfoDido, por exemplo, no
antigamente, salvou a vida de Burkina, quando este mergulhou no mar da Ilha de
Luanda, mesmo sem saber nadar, só para o ser mais estigado: Aquilo foi puro
instinto, eu acho, ele [Adolfo] não é nada das coragens[...] Saltou, mergulhou, demorou:
a vida é bonita de lhe voltar a ver, eu vi duas, e o Burkina sem ares para respirar, só aí
na areia [...](ONDJAKI, 2004, p 21).
Em outra ocaso, já adultos, desta vez foi o Burkina que salvou um amigo. Graças
a este, Jaí não foi morto em uma emboscada tramada por pessoas que queriam o líquido
da cabeça dele para, teoricamente, curar a AIDS: “[...] o Jaí tava inda a apanhar ar para
46
respirar, e riu as gargalhadas do morto que volta [...] rir como as crianças, único riso
possível. (ONDJAKI, 2004, p 32).
Am desses amigos, também tem destaque na narrativa a senhora chamada
KotaDasAbelhas reconhecida desta forma por ter matado uma abelha rainha em sua
casa e assumido seu posto. Vizinha de Adolfo desde muito tempo, a kota
27
morava num
casarão com uma mangueira no quintal, onde as crianças roubavam as frutas como se ela
o estivesse vendo: “[a kota] mesmo fingia não nos ver, s bué
28
, fim de tarde, no
quintal dela a gamar mangas. (ONDJAKI, 2004, p 17). Depois de vva, ficou sendo
sustentada pelo labor das abelhas que produziam, em sua varanda, um mel apreciado por
muitos: “[...] desde moto simson até carro de deputado a parar no passeio dela, buracos e
tudo [a perguntarem] dona, tem mais daquele mel bom? (ONDJAKI, 2004, p 17). Am
das abelhas, vivia com ela também um cão temido por todos, mais conhecido como o
o, que habitava a melhor parte da casa. Tais criaturas também aparecem na narrativa
como seres alegóricos. As abelhas acabam por representar a massa trabalhadora. Seriam
iguais às formigas se não tivessem asas e canto, e o sublimassem em mel imortal o
frágil perfume das flores (CHEVALIER, 1999, p 3). Isso fazia com que seu local de
trabalho mais parecesse um alegre atel (CHEVALIER, 1999, p 3), onde era
produzido o mel: “símbolo de todas as doçuras (CHEVALIER, 1999, p 604). Oposto ao
mel produzido pelas abelhas, o Cão alegorizava medo e terror, chegando a ser
comparado, até mesmo, ao denio. Todos tinham pavor de olhar o animal. Jaí chegou a
espreitá-lo uma vez e sentiu um horror assim descrito:
[...] o universo do Cão, que dói nas vistas só de espreitar e me dói na
boca só de falar, o medo todo [...] o Cão mais bigue que ele tinha
visto, nem conseguia imaginar na caba dele qual era a marca, pra te
pôr aqui se era dobermén ou rotevailer, num sei, só sei que era mais que
enorme, Cão gigante, negro e escuro com as orelhas de parecer chifres
27
Diminutivo de “dikota” que significa mais velho.
28
Muito
47
em pé [...] tudo aquilo lhe lembrava masé o inferno [...] (ONDJAKI,
2004, pp 142-143).
O espaço domiciliar da KotaDasAbelhas pode ser lido, assim, como alegoria da
cidade de Luanda, que em ambas há a presea do medo, do terror, do inferno: [“o
inferno fica longe, uí? Abre masé os olhos... (ONDJAKI, 2004, p 128)]; mas, nas duas,
se faz também presente a doçura e o perfume a exalar pela casa inteira: “[...] cheiro
daquela casa é o u e o paraíso aqui na terra. (ONDJAKI, 2004, p 65). A casa
lembrada, metonímia de Luanda, fazia com que esta emergisse, doce e amarga, alegre e
triste, da meria do narrador.
O candengue
29
PCG (Pisa com gêto
30
) é outra personagem que leva este nome por
ter uma falha numa das pernas, o que o faz andar mancando. Depois de ter sido
atropelado pelo motorista do Burkina, o garoto conquistou o coração do anão com seu
jeito divertido e ingênuo, próprio de sua idade. Ele aparece na narrativa representando
os problemas sofridos pelas crianças de rua, que viviam, em castelos de papeo, nas
avenidas de Luanda, trabalhando como guardadores de carros ou esmolando para
ganharem alguns poucos trocados: “[...] esses putos nem sempre são miúdos de rua [...]
[mas] mdos na rua, coisa bem diferente, que virou salo
31
deles aqui na city, estarem
mesmo a pedir, fim do dia fazem as contas e te põem hoje facturei, avilo! (ONDJAKI,
2004, p 94).
Também as prostitutas, amigas do Burkina, tinham nomes significativos.
Chamavam-se Eva e Madalena, remetendo às personagens da Bíblia que representam o
pecado e o prazer carnal: “[...] essa Eva, que até tinha trazido amigas que não eram da
profissão mas que depois daquela reunião se calhar iam ver aquilo como um ramo
29
Criança, miúdo.
30
Forma oralizada da palavra “jeito”.
31
Trabalho.
48
vantajoso [...] (ONDJAKI, 2004, p 105). Eram, como as demais personagens do
romance, seres à margem, vivendo da prostituão do pprio corpo:
[...] miúdas engraçadas, gente nova, só que foder o é mais assunto da
intimidade, pensas o quê, foder é profissão muito antiga, toda gente
fala, fala, mais é só um assunto nenhum, principalmente quem o fode
pra sobreviver num devia falar das outras, profissão delas que custa é
no corpo delas, ninguém mesmo calcula porra, muadiê, te pergunto:
você dava o cu pra alimentar teus candengues? o davas, né, mas
essas gajas o, o tudo, porque é modo de vida , profissão delas [...]
(ONDJAKI, 2004, p 41).
Dona Divina, a primeira esposa de Adolfo, recebe este nome por justamente o
ter nada de santa. Era uma mulher que sofreu com as misérias da vida, mas o chegou a
aprender nada com estas: “[...] passou fome, comeu comida de lata pra o [...]
limpava cu com plantas, mas porra, num aprendeu merda nenhuma das simplicidades
da vida (ONDJAKI, 2004, p 25). Logo após a separação matrimonial, sua situação
financeira melhorou consideravelmente de forma misteriosa. Com o tempo, esbanjando
dinheiro, acabou por empobrecer novamente, fato o aceito por esta, que passou a viver
de aparências. Viu na morte de Adolfo a possibilidade de se tornar viúva do Estado:
[...] ela andava a gastar nas contas do que ainda nem tinha recebido,
porque modista daqui e unhas dacolá, cabeleireiro das lacas
pulverizadas, celular novo e outros apetrechos sociais, aí lhe vemos, a
madama fênix ressurgir-se das lamas e querer aparecer nas páginas
frontais do niuspeiper
eu é que sou a primeira viúva do estado! (ONDJAKI, 2004, pp 125-
126).
Nesta altura, porém, DonaDivina estava “desdivinada
32
. Desta forma, podemos
perceber que a alegoria, neste caso, se dá de forma irônica, uma vez que, segundo
Hansen, a alegoria inclui tamm a ironia, como tropo de oposição, uma vez que ela
afirma para dizer outra coisa, isto é, para negar, e vice-versa [...] (HANSEN, 1986, p
13).
32
ONDJAKI, 2004, p 27.
49
A personagem Kibebucha também tem seu nome marcado por seu tipo físico, já
que a palavra “bebucha significa mulher que, mesmo acima do peso, é desejada pelos
homens: “[...] carnes aqui e ali bem postas nas contracurvas do corpo [...] (ONDJAKI,
2004, p 100). Moradora da Ilha de Luanda, Kibebucha é considerada a segunda esposa
de Adolfo, embora não tenha nada oficializado. Após a morte dele, disputa com
DonaDivina o posto de vva do Estado.
Outras personagens como a JuízaMeritíssima, a advogada tipa, o padre e o
subintendente Gadinho aparecem na narrativa representando alegoricamente suas
profissões. Gadinho, por exemplo, carrega no nome um diminutivo com conotação
pejorativa, denotando o seu baixo posto na hierarquia militar. Com seus bigodes
maiombeiros
33
e sua barriga protuberante, tal personagem é uma representação
caricata da polícia angolana:
[...] saiu o sub Gadinho do carro dele, sem guarda-chuva nem nada,
todo molhado tipo rambo que ele queria parecer assim vestido de preto
nas missões especiais da operação fodido, só lhe arruinava o pôster era
aquela barriga a querer empurrar o colete prova-de-bala.(ONDJAKI,
2004, p 162).
O Sete, motorista do ao, é chamado desta forma por ter batido sete vezes no
mesmo local a esquina dos baleizões
34
e na mesma época: no fim de ano. É chamado
diversas vezes de camelo pelo seu impaciente patrão Burkina, por conta de sua
estupidez: “[...] e o anão até se benzeu na burrice do outro (ONDJAKI, 2004, p 153).
Marcadas pela rejeão social, essas personagens do romance, entretanto, o se
deixam abater pela discriminação; ao contrário, têm uma postura ativa em suas
vivências. A certa altura, o narrador pergunta a seu interlocutor sobre a sua passividade
em relação à vida: “Qual é a tua inclinação? Nada, nada mesmo? Pra ti pôr do sol e r
33
Idem, p 84.
34
Sorvetes; sorveterias.
50
de merda nenhuma é a mesma coisa? [...] Porra, meu, dás pena, quer dizer, estás neste
mundo pra o que der e vier, o queres meter o corpo e o coração nele?! (ONDJAKI,
2004, p 60). Pela indignão do narrador diante do alheamento do outro, percebemos a
tendência de uma intensa participação quanto às atitudes e aos pensamentos das
personagens. Se para Spinoza, a alegria aumenta a potência de pensar e agir, de forma
consciente, observamos que, também em relação às personagens de Ondjaki, o fato de se
alegrarem as torna resistentes e críticas. Exemplo disso, entre outros, é Adolfo que volta
ao mundo dos vivos e, narrando a própria história, faz uma alise alegórica e bem-
humorada da sociedade angolana dos anos 2000.
Além das personagens mencionadas, o kota cego Diarabí e os as de Adolfo
representam, atras de seus conselhos, estórias e pensamentos, a figura do velho bio
em África, mais especificamente, em Angola. Sobre a importância dos ancos nas
narrativas angolanas, falaremos no capítulo a seguir, no qual estudaremos a importância
da oratura e das estigas. Antes de passarmos a esse estudo, desejamos fechar o presente
capítulo com parte das conclusões a que chegamos: por meio do humor e da alegria, o
narrador e as personagens efetuam críticas e cartografam a cidade de Luanda, cujos
problemas o metonímias do que, em maior escala, acontece em Angola.
A meria, segundo Walter Benjamin, é “a faculdade épica por excencia
(BENJAMIN, W. In: BOSI, Eclea, 1994, p 14). Ora, ao contar as estórias vividas, o
narrador reativa a própria meria subjetiva, conseguindo apreender traços que
caracterizam a sua identidade, a do povo angolano, a de Luanda e a de Angola. A
recordação de costumes, ritmos, comidas, danças vai reconfigurando a percepção do
país, que, em muitos momentos, as conseqüências terríveis dos anos de guerra tinham
obliterado. As misérias vivenciadas pelos amigos fracassados são lembradas com humor
51
crítico: o rir da desgraça faz com que esta possa ser melhor enfrentada, mesmo quando o
riso é ferino e dói profundamente.
A alegria em Quantas madrugadas tem a noite tamm, por vezes, é dolorida.
Mas, conforme vimos com Spinoza, é potência em ação. Assim, ela age como uma
força que impede o imobilismo cultural, levando ao riso, à graça, às estigas que instigam
os seres e os fazem resistir, à cata de madrugadas, mesmo em meio a escuras noites.
O autor acredita realmente ser possível, ainda hoje, encontrar alegrias em meio ao
desencanto social, como ele próprio nos responde, comentando sobre a importância da
alegria: “Mudam as dificuldades, os tempos, os desafios, mas o povo segue enraizado nesse
modo de ser que é quase uma ficção constante, diária, contrariando o que não interessa, o que
tira a força, o que impede de dançar. (ONDJAKI, entrevista inédita concedida à Heloise
Cabral, em 2008). Continuemos nosso estudo a pensar que se “a tristeza é como chuva,
quando cai, molha toda gente” (ONDJAKI, 2004, p 44), a “felicidade, irmão, não é sol de
procurar, se evita é nuvens que lhe escondem [...]” (VIEIRA, 1981b, p 27).
52
4. O NARRADOR E A ORATURA RECRIADA
No texto oral já disse não toco e não o deixo minar pela
escrita arma que eu conquistei ao outro. o posso
matar o meu texto com a arma do outro. Vou é minar a
arma do outro com todos os elementos posveis do meu
texto. Invento outro texto.
Manuel Rui
35
Manuel Rui, em seu texto “Eu e o outro o invasor, defende que não é o texto
oral que se adapta ao escrito, mas, sim, um novo texto que se forma na escrita, trave da
ficcionalização de traços da estrutura oral. Este tipo de procedimento é recorrente em
grande parte da literatura angolana.
Consoante o pensamento de Manuel Rui, Ondjaki, em Quantas madrugadas tem a
noite, mina a escrita, reinventando-a com elementos do texto oral também recriados.
Desde o xico até a sintaxe, o perceptíveis tros da oratura popular que são
dramatizados pela escrita. Em dado momento na obra, o narrador chega a divagar sobre
a forma coloquial escolhida para se escrever a estória: “[...] eu num ligo nada nessas
coisas de português correcto e sabes porquê?, te ponho, muad: porque se o mundo ta
torto como tá, deixa lá o português ser uns coche
36
massacrado também. (ONDJAKI,
2004, p 114).
Tradicionalmente, a África, de um modo geral, sempre foi marcada pela cultura da
oralidade na transmissão dos conhecimentos, de geração a geração. É notadamente
sabido que, nas comunidades africanas ancestrais, os velhos desempenhavam importante
função na formação de seu povo, assumindo o papel de difusores das tradições e
mantenedores dos referenciais culturais da sociedade em que se encontravam inseridos.
Como essas sociedades eram ágrafas, os velhos acabavam sendo a maior fonte histórica
local, uma espécie de meria viva. Em relação a isto o fisofo mas Hampâté Bâ
35
RUI, M. 1987, p. 309.
36
Um Pouco.
53
afirmou: “cada vez que um velho morre, uma biblioteca se queima (BÂ, apud
KABWASA, 1982, p 14). Observamos, assim que sabedoria do velho era pautada por
sua experncia e por sua capacidade de se comunicar com seus antepassados. Por essa
rao, o escritor zairense Nsang OKhan Kabwasa, escrevendo sobre a velhice, disse que
esta “é a idade da sabedoria, do ensinamento, e o do descanso, pois mesmo que o
corpo dos velhos desfaleça, seu espírito não descansa. (KABWASA ,1982, p14).
Devido ao saber que transmitiam, os velhos eram, desse modo, dignos de muita
veneração, sendo suas lições merecedoras de credibilidade. Segundo Rita Chaves, o
anco é dono de um saber que merece respeito e, por isso, deve ser ouvido sempre,
sobretudo nos momentos de crise de seu meio social” (CHAVES, 1999, p 105).
Em Quantas madrugadas tem a noite, o narrador comenta que, por mais que todos
estivessem sem pacncia de ouvir as estórias dos sonhos de KotaDasAbelhas, querendo
apenas escutar a conclusão, ninguém se atrevia a apres-la:
[...] todos ali tavam a pôr respeito é na idade da kota, como é que você
vai mandar um sekulu
37
mesmo abreviar uma estória? Você ouve só,
ouvidos da atenção, olhos que nunca viram coisas que eles, mais-
velhos, te falam assim tipo coisas normais, e que eram mesmo normais!,
no outro lado do tempo, nos antigamentes. (ONDJAKI, 2004, p 165).
Além da personagem KotaDasAbelhas, outros velhos têm sua importância dentro
do romance: a personagem kota Diarabí e os as do narrador. Em relação à inncia
deste, todos esses ancos tiveram grande relevância. O próprio narrador confessa isso:
“Gosto muito de estar preso na inncia e sei muito mal desprender-me de lá. Mais das
vezes acaricio lembraas [...] a, a, e os bichos da rua [...] (ONDJAKI, 2004, p
109). O tempo de criança era, assim, o da aprendizagem. Fazia-se, então, uma uno
perfeita: quem tinha muitas merias a reviver e tempo para contá-las juntava-se com
quem estava ávido por ter merias, tendo tempo para ouvi-las. As pontas da existência
37
Expressão em umbundu que significa “mais-velho (a)”.
54
se ligavam: velhos e crianças representavam a dimica da vida e a transmissão das
tradições.
O kota Diarabí é uma figura que apresenta duas características comumente ligadas
à sabedoria, pois, am de ancião, é cego. Para Chevalier, a cegueira nos velhos
simboliza o saber da idade avaada: “Os adivinhos são geralmente cegos, como se
fosse preciso ter os olhos fechados à luz física a fim de perceber a luz divina.
(CHEVALIER, 1999, p 218). Ora inventando estórias como a de que a mangueira era
regada a c de caxinde
38
, justificando a doçura do seu fruto , ora citando provérbios:
Sede é quando não temos água!( ONDJAKI, 2004, p 81), Diarabí aparece ao longo da
narrativa como detentor das tradões. Sentado “em baixo do imbondeiro como ele
sempre ficava (ONDJAKI, 2004, p 172), o kota cego metaforiza, juntamente com esta
árvore, a resistência e a longevidade. Como o velho, o imbondeiro funciona como
símbolo cultural de força e sobrevivência. Contudo, essa atitude de resistência não
precisa significar, necessariamente, a negação do novo. Para Laura Padilha, “[...]
também aparecem velhos resistentes à mudaa, mas a grande maioria está empenhada
nela, daí porque eles vão interagir com os mais novos, criando um espaço de fecundação
que engravida o devir angolano. (PADILHA, 2007, p 26).
É interessante lembrar aqui a simbologia universal da árvore. Pelo fato de suas
raízes mergulharem no solo e de seus galhos se elevarem para o céu, a árvore simboliza
as relações entre o céu e a terra. (CHEVALIER, 1999, p 84). Destarte, os velhos, na
tradão africana ancestral, funcionavam como elos entre os vivos e os seus
antepassados, sendo os intermedrios entre os mundos visível e invisível.
O narrador de Quantas madrugadas tem a noite, a certa altura da estória,
referindo-se ao imbondeiro, mostrou que este apresenta pontos positivos ou negativos,
38
Erva cidreira.
55
dependendo do ponto de vista de quem o observa: “[...] o imbondeiro pra ti pode ser
uma árvore cambuta-seca
39
, feia. Mas!, e se eu te emprestar outras vistas: árvore antiga-
rija, bonita de ilustrar muitas vezes o sol-poente?”(ONDJAKI, 2004, p 24). Acreditando
que o melhor é prestar ateão no que há de bom em cada coisa, o narrador faz com que
os pontos positivos sobressaiam, em geral. Exemplo disso é, no romance de Ondjaki, a
cegueira do kota Diara não ser vista como uma deficncia, mas, sim, como uma
característica até mesmo positiva que lhe permitia aguçar outros sentidos – como a
audão e o tato , sendo-lhe possível alegrar-se, ainda que em meio à escuridão.
Percebemos isso pelo seu riso e sorriso apreciados pelo narrador:
[...] ficava só assim, comer e sorrir nos sorrisos bonitos que os cegos
em na boca, nunca reparastes, meu? [...] nunca galaste o riso dos
cegos?, é riso de mel então, a doçura toda da escurio deles que só
vivem nos ouvires do mundo, e tocares também[...] (ONDJAKI, 2004, p
146).
O jogo narrativo é feito de encaixes movidos, muitas vezes, pelas lembranças do
narrador que, como um autêntico contador de estórias, vai trazendo à cena as
personagens por meio de sua meria. Para a escritora Lucilia Delgado, em seu livro
História oral: memória, tempo, identidades, os melhores narradoressão aqueles que
deixam fluir as palavras na tessitura de um enredo que inclui lembranças, registros,
observações, silêncios, alises, emoções, reflexões, testemunhos. (DELGADO, 2006, p 44).
Os as, por exemplo, aparecem, principalmente, de forma indireta, atras das
falas do narrador. Apesar dos as o serem fisicamente tão presentes quanto as demais
personagens, seus ensinamentos, passados na inncia ao neto, ainda perduram em seu
modo de pensar. Em alguns momentos do romance, o narrador recorre a pensamentos de
seu a para dar as seguintes lões: [...] vai devagar pra chegares depressa!
(ONDJAKI, 2004, p 113) e “[...] na rebentação da onda é que a concha brilha mais tas a
39
Cambuta, em quimbundo, é “de baixa estatura”.
56
captar, avilo? (ONDJAKI, 2004, p 123). Por sua vez, a a o aconselha, ainda criança,
a comer formigas, pois estas seriam boas para a vista. Tal conselho é aceito como
verdade e seguido pelo neto, conforme podemos observar na seguinte citação:
[...] toda formiga que encontrava no jardim eu pitava, um dia apanhei
uma diarrumba séria mesmo, e a minha a quis saber se eu tinha
comido doces ou o quê, e eu me lembrei
só se for das formigas
ela riu, meu, riso dela lindo na velhice, dos bios dela, e aqueles olhos
também, riso das velhas mesmo, todas nossas avós, ela riu bué, e aí, eu
era mais crescido, me falou
tu já tens uns olhos tão bonitos, não comas mais formigas
Foi só por isso muadiê que eu deixei de comer, porque ela mesmo me
garantiu que as formigas já tinham feito todo salo que tinham pra fazer
nos meus olhos. (ONDJAKI, 2004, pp 54- 55).
Esse riso da a é comparado ao típico da maioria das as: velhas sábias e
contadoras de estórias dicas aos seus netos. A alegria, mais uma vez, se faz presente
na narrativa por meio deste tipo de riso: o dos velhos e o das crianças que, por serem
cheios de pureza e inoncia, no decorrer da estória, assemelham-se e expressam essa
“potência de vida que, muitas vezes, acaba por contagiar outras pessoas. As que
recebem esta alegria oferecem-na de volta, pois, para Spinoza, se alguém fez alguma
coisa que imagina afetar de alegria os outros, será, ele próprio, afetado de uma alegria
concomitante à idéia de si mesmo como causa [...](SPINOZA, 2002, p 227).
A infância aparece na meria do narrador, muitas vezes, ajudando a melhor
entender o presente, pois, como Beatriz Sarlo afirma em seu livro Tempo passado, o
retorno do passado “nem sempre é um momento libertador da lembrança, mas um
advento, uma captura do presente. (SARLO, 2007, p 9). Ainda esta autora teoriza sobre
a força interna que move as lembranças, explicando como são capazes de tornar vivo o
passado:
Propor-se o lembrar é como se propor o perceber um cheiro,
porque a lembraa, assim como o cheiro, acomete, até mesmo quando
57
o é convocada. Vinda o se sabe de onde, a lembrança o permite
ser deslocada; pelo contrário, obriga a uma perseguição, pois nunca está
completa. A lembrança insiste porque de certo modo é soberana e
incontrolável (em todos os sentidos dessa palavra). Poderíamos dizer
que o passado se faz presente. (SARLO, 2007, p 10).
Ondjaki, em Quantas madrugadas tem a noite, revela como as amizades fundadas
na infância têm importância na vida adulta das personagens: “[...] pessoas que são as
sementes da nossa inncia [...] ficam anjos pra sempre [...] se lhes vemos sorrir,
sorrimos só também [...](ONDJAKI, 2004, p 169). O narrador, ao lembrar de “inncias
da cueca na rua, mais um “passado se faz presente o das brincadeiras de rua: “[...]
nossa memória, jogos de ficô
40
e bica-bidôn
41
de não ir jantar pra ficar na rua a jogar
[...] (ONDJAKI, 2004, p170). Deste ingênuo período de sua vida, até mesmo os
momentos de humilhação eram recordados com saudosismo pelo narrador: “Venho de
muito longe..., tão longe que me deu saudade até de ir mais car gambozino
42
...
(ONDJAKI, 2004, p 194).
Pudemos perceber que Ondjaki, em sua ficção, com a presença da criança e do
anco, sem ignorar o que é novo, valoriza o cultivo da tradão. Desta forma, presente e
passado complementam-se mutuamente, criando um ambiente propício ao porvir, pois,
conforme afirma Laura Padilha, assim como nos missossos, “também contracenam nas
modernas narrativas literárias, mais velhos e mais novos que, juntos, procuram
reconstruir, dialogicamente o velho, pela meria e pela palavra, e o novo, pela
esperança e pelo jogo , o mundo angolano fragmentado. (PADILHA, 2007, p 25).
Como sabemos, tradição e oralidade, embora façam parte de outras culturas
ancestrais, estão sempre muito presentes nas literaturas e manifestações culturais
40
Jogo infantil semelhante ao pique - pega.
41
Jogo infantil praticado em espaço aberto, semelhante ao pique - esconde.
42
Seres imaginários da cultura portuguesa. A caça aos gambozinos é tradicionalmente feita à noite, onde o
ingênuo é levado para um lugar pelos mais velhos, que se divertem ao ver o esforço da procura por algo
inexistente.
58
africanas. Para o filósofo Walter Benjamin, em geral, o os mais velhos os que
costumam transmitir aos mais jovens grande parte da sabedoria proveniente de suas
experncias de vida:
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem
todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as
que menos se distinguem das historias orais contadas pelos inúmeros
narradores anônimos. Entre estes, existem dois grupos[...] podemos
dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo
marinheiro comerciante. (BENJAMIN, 1992, pp 198-199).
Benjamin ainda acrescenta que a melhor narrativa escrita é aquela que mais se
aproxima do registro oral, embora saiba que entre este e aquela há uma cisão jamais
preenchível. Ondjaki e outros escritores angolanos, criativamente, compõem suas
narrativas com a conscncia “de que é preciso gestualizar o texto, griotizá-lo, para que
ele possa gritar a alteridade de sua voz duplamente. (PADILHA, 2007, p 26).
Em seu texto, “O narrador, Walter Benjamim afirma que a narrativa é a forma
originária da comunicação, que narrar significa conhecer essencialmente. Benjamim
distingue o romance da narrativa, pois, nesta, o narrador retira da experncia aquilo que
conta, sua própria subjetividade ou a alheia. O narrador incorpora as coisas narradas às
experncias daqueles que o ouvem. O romancista, por outro lado, segrega-se, estando
diante do papel. A origem do romance é o indivíduo isolado.
Quantas madrugadas tem a noite mescla características das narrativas orais com a
estrutura de romance. Ondjaki é, assim, um romancista-contador de estórias.
Benjamin, em seu ensaio, aborda dois tipos de narradores: o sedentário e o
viajante, ambos representados pela figura do velho contador de estórias. No romance de
Ondjaki, o narrador reflete sobre o que vem a ser um viajante:
Um viajante é o quê?, num é aquele que vem de mais longe, quantos
caminhos é que você cruzou, quantas pessoas e o mundo delas, quantas
visões você viu, quantas magias? O tempo, avilo, o tempo é essa estrada
59
comprida que eu te falo, e quem vem de longe sempre tropeçou em
mais pedras e enfrentou mais lacraus
43
. Mentira? (ONDJAKI, 2004, pp
165- 166).
O velho é um viajante no tempo, pois percorre a estrada das lembranças, trazendo
ao presente merias do antigamente. Ondjaki também se vale do recurso de lembrar o
passado. Em Quantas madrugadas tem a noite, ao colocar o narrador num bar, a contar
estórias de forma coloquial, dizendo serem estas puras estórias “daquelas com peso de
antigamente (ONDJAKI, 2004, p 13), busca tornar este contar natural, mesmo que, para
isso, tenha sido necessário um esforço artificial para passar tal impressão ao leitor. Aí
temos exemplo da conjugação de procedimentos modernos e tradicionais. Há um jogo de
modernidade no romance, pois cria uma ilusão da coloquialidade. Para isso, os
elementos empregados no texto, como o vocabulário com expressões em kimbundu, a
sintaxe dramatizando a fala cotidiana do povo angolano, demonstram o empenho do
autor em tornar a narrativa fluída, o mais próximo possível do oral, griotizando
44
seu
modo de narrar como fazem os velhos contadores orais africanos, com o diferencial de
basear a sua escrita numa fala moderna urbanizada. Imitando a sintaxe e a regência
comumente empregadas no falar oral luandense, Ondjaki imprime um tom coloquial à
sua narrativa, quando esta encena os dlogos travados entre suas personagens: “[...]
num sabes que num se buzina na JuízaMeritíssima?” (ONDJAKI, 2004, p 96, grifo
nosso). Neste caso, percebemos que, lexicalmente, o vocábulo “não é substituído por
sua forma coloquial “num”, e, sintaticamente, a preposição “para” é substituída por
“na. Dentro da coloquialidade das falas recriadas, percebemos nuances que ocorrem,
por exemplo, na fala da e do PCG, que mostra uma variante lingüística mais popular:
mas se ali que o terrare estão caire, magina inda aqui onde estão subire... Deixa só,
43
Designação popular que significa escorpiões.
44
Neologismo criado a partir de griot. Este termo não existe em Angola, mas em outros países, significa
“contador de estórias”. Logo, “griotizando” quer dizer “dando tom de estórias narradas oralmente”.
60
melhor é mesmo ansim [...] (ONDJAKI, 2004, p 99). Outra variante lingüística que
aparece na narrativa é a do sotaque estrangeiro do zaicô
45
: “[...] kota conzinharre muito
ben ficarre deliciozo, maravilhas de mel, ah? Eu querrro aprrenderre... (ONDJAKI,
2004, p 147).
Além desses procedimentos, Ondjaki, em sua narrativa, recria estigas e prorbios,
elementos característicos da oratura angolana. Sobre as estigas, Manuel Rui diz:
Uma brincadeira infantil em que um tenta gozar o outro e vice-versa,
tudo em conversa inventada e simuladamente real com adivinhas pelo
meio. Começa com uma provocação para diálogo que em princípio visa
a vitória do estigador mas pode acontecer ganhar o estigado, tudo pela
capacidade oral de velocidade e representação perante um blico.
(RUI, texto aindao publicado cedido à professora Carmen Tindó,
2006).
Em Quantas madrugadas tem a noite, o narrador busca estigas, principalmente do
tempo de sua inncia, chegando a reinventar, na escrita do romance, algumas como
estas: foste roubar pecado na igreja com carro de mão!”, no tô cubíco
46
compraram
um rafeiro
47
em segunda mão que já num ladra! (ONDJAKI, 2004, p 112) e “[...] no
cubíco tem dois ratos mulumbeiros
48
que te dão aula de jeo.”(ONDJAKI, 2004, p
113).
Os prorbios também têm sua importância dentro do romance, ora aparecendo de
forma tradicional na língua nativa: Uatono, mona: ku Alunga, ku en kumona. Anga:
Uatono, dia: kubadikinya kîma ki nangiê.
49
(ONDJAKI, 2004, p 113); ora parodiando
provérbios existentes de forma a adaptar à realidade do narrador: “a pressa também é
inimiga da cerveja. (ONDJAKI, 2004, p 83).
45
Cidadão zairense.
46
Expressão coloquial que significa casa muito pequena.
47
Vira-lata.
48
Corcundas.
49
Provérbio kimbundu. Tradução: Estás acordado, vê: no Além não há vistas. Ou: estás acordado, come: o
pestanejar é coisa breve.
61
O narrador de Quantas madrugadas tem a noite tem características bem
específicas: aparece ao longo de toda estória como sendo de terceira pessoa, mas, no
fim, nos revela ser ele o Adolfo, a personagem principal, o que também o torna um
narrador-personagem, ou seja, um narrador autodiegético.
Carlos Reis, no Dicionário de narratologia, define o narrador em primeira pessoa
como “[...] a entidade responsável por uma situação ou atitude narrativa específica:
aquela em que o narrador da história relata as suas próprias experncias como
personagem central dessa história. (REIS, 2002, p 259). Reis ainda esclarece que, por
mais natural que possa ser o registro de primeira pessoa gramatical neste tipo de
narrativa, devido a essa coincidência narrador/protagonista, ela não é obrigatória. Ele
exemplifica: “[...] em La peste, de Camus, o narrador que finalmente se revela como
autodiegético opta por um registro de terceira pessoa. (REIS, 2002, p 260). Assim
também se caracteriza o narrador de Quantas madrugadas tem a noite.
Ao explicar sobre tal possibilidade de onisciência num narrador autodiegético,
Carlos Reis adverte que esta não se dará de forma plena como acontece no narrador
heterodiegético. Já o narrador de Ondjaki dá aos leitores a iluo de ser plenamente
onisciente, pois, do mundo dos mortos, pôde visitar o íntimo dos vivos. Observemos o
que ele diz:
O bom de ir e voltar e ter estado são as paredes que espreitei em mim
o que tinha esquecido das infâncias, Luanda nos antigamentes [...] e
tudo que eu quis espreitar no coração das pessoas estava e eu vi.
Agora me é difícil odiar alguém [...]. (ONDJAKI, 2004, p 191).
Esse fingimento criado pelo jogo narracional é bastante moderno. Ondjaki tece o
romance entrelaçando lembraas em mologos que parecem diálogos. Com relação ao
primeiro momento do livro, vemos que este começa com uma conversa, num bar, entre o
narrador e seu interlocutor. Mas a estória se desenrola e este o se pronuncia, o que
62
torna o texto um mologo. Tal procedimento é semelhante ao usado por Luandino
Vieira, no romance João Vêncio: seus amores, como observado por Carmem Tindó: “Na
verdade, João ncio não dialoga, pois seu interlocutor, Muad, é mudo [...] exerce o
papel do ouvinte imparcial, do narratário ideal, sendo um artifício narrativo por
intermédio do qual os narradores [...] reatualizam o próprio narrar. (SECCO, 2003, p
71).
Contudo, apesar da passividade do interlocutor, certas características deste nos o
fornecidas durante a narrativa: trata-se de uma pessoa com recursos para bancar bebida
para ambos durante toda noite, não tem família e não participa da vida, segundo palavras
do próprio narrador.
Outra característica importante presente no modo de Ondjaki contar estórias é o
fato de o narrador se reconhecer fictício, ao mencionar o seu criador em dado momento
da obra: “[...] se o co que o gajo ia mesmo pôr nome de capítulo missa de corpo
ausente?[...] (ONDJAKI, 2004, p 161). Através desse trecho, percebemos o narrador
saindo da estória e lembrando a s, leitores, que ele nada mais é do que um ser de
papel”.
Durante todo o tempo, o narrador diz ser verdade tudo o que relata, mas dá pistas
de que pode tratar-se de uma estória de bêbado: “[...] pensas que tou grosso ; mas o,
tou em plena forma do levantamento de copo, neste caso garrafa [...] (ONDJAKI, 2004,
p 124). Em mais uma de suas divagações, o narrador compara a sua forma de criar à de
um oleiro, que por sua vez, aparece, muitas vezes, como metáfora da criação divina.
Deste modo, o dom divino de criar é compartilhado com o artista. Ao explicar do que é
composta a sua estória, o narrador de Quantas madrugadas tem a noite mostra a
diferença entre ele e o oleiro:
63
Pouca inventice, transformo só o material para lhe dar forma, utilidade.
O artista molha as mãos pra trabalhar o destino do barro? Eu molho o
coração no álcool pra fazer castelo das areias em cima das estórias..., e
o espelho são as madrugadas. (ONDJAKI, 2004, p 110).
Ao mesmo tempo em que o narrador relata quase não haver “inventice” em sua estória,
ele, paradoxalmente, revela estar toda a sua narrativa sob o efeito do álcool. Segundo o autor,
é preciso estar atento, e “levar em conta todos os estados de desequilíbrio mental e etílico de
AdolfoDido.” (ONDJAKI, entrevista inédita concedida à Heloise Cabral, em 2008).
A noite, aí, em que os dois bebem no bar enquanto conversam, pode ser entendida
como um entre-lugar de sonho e realidade; não podemos precisar até onde vão os fatos e
as invenções, o que é real dentro da estória e o que é exagerado ou mesmo inventado:
“Amanhã, cuidado!, depois do sono, não vale a pena acordares maluco a pensar que aqui
saiu sonho, mas também num é pra ires no mundo desbocar a nossa conversa
...”(ONDJAKI, 2004, p 196). Vemos que o narrador chama a atenção para uma
possibilidade de inverdades”.
Como em situações orais comandadas pelo prazer das recordações, a narrativa se
de forma fragmentada; o narrador vai-se lembrando dos acontecimentos, à medida em
que estes lhe vêm à meria. Ao refletir sobre a fugacidade do tempo presente, ele
filosofa sobre passado, presente e futuro, metaforizando-os desta forma:
[...] pra mim é tudo a mesma rede: pontas dela são os dias, bóias dela
são os passados, atirar rede na água são os futuros, e o peixe, o peixe?
o peixe vindouro somos nós mesmo, apanhados nas correntes marítimas
do presente. Falei bonito, muadiê? (ONDJAKI, 2004, 102).
A sua forma de narrar é o-linear, e, por vezes, confunde seu interlocutor. As
informações o aparecendo numa rede enorme de assuntos e pessoas, mas vai-se tudo
afunilando, mais para o fim, para a sua realidade pessoal, emocional.
64
Ando a pensar estes dias: tanta coisa anda a me acontecer na minha
vida, mesmo incluindo esta minha conversa contigo aqui, que ficas só a
me deitar olhares desses, tipo eu sou maluco de ficar a te contar bué de
mambos, rias direões da conversa, às vezes num capitas, né?,
pensas que eu avario, mudo sulinorte nos poentes e nascentes,
trocadilhos dos personagens, é isso? Calma só, muadiê, como eu digo:
pra saber q’a maré tem quatro comportamentos, é preciso olhar o mar
um dia inteiro, tais a capitar? O que eu te ponho aqui, dica ou
recordação, vais precisar pra entender tudo. Portanto, desculpa só, eu
sei: meus devaneios todos, minhas outras lembranças, mas tudo
ligado, num pra fugir, os assuntos tão todos aqui [...] (ONDJAKI,
2004, p 116).
Tal procedimento é semelhante ao do narrador de Grande sertão: veredas, que
“estilhaça a narrativa em idas e vindas, ao sabor da meria; uma meria subjetiva,
que traz as experncias emotivas do vivido e incorpora também a oralidade ao seu
discurso.” (SECCO, 2003, p 74). Também Luandino Vieira se vale dessa estratégia
narrativa. Vemos, portanto, que, em Quantas madrugadas tem a noite, outro recurso
bastante usado pelo autor são as intertextualidades, que estudaremos mais adiante.
A narrativa ondjakiana, am de fragmentada, é ltipla, pois entrecruza rias
pequenas narrativas, que se encaixam umas às outras, à maneira de uma Matrioshka
50
,
formando, entretanto, um tecido coeso que dá coerência ao enredo. Como se fosse um
jogo de estória-puxa-estórias, o narrador, ao apresentar a estória de uma determinada
personagem, se obrigado a narrar outras, para que esta primeira seja plenamente
entendida. Este recurso, ao mesmo tempo que cria um certo retardamento do contar
central, o enriquece. Todorov, em seu livro As estruturas narrativas, ao definir este tipo
de narração, cria o termo narrativa de encaixe”, mostrando como esse procedimento é
comum em narrativas de oralidade:
A aparição de uma nova personagem ocasiona infalivelmente a
interrupção da história precedente, para que uma nova história, a que
explica o eu estou aqui agorada nova personagem, nos seja contada.
Uma história segunda é englobada na primeira; esse processo se chama
50
Brinquedo tradicional da Rússia, constituída por uma série de bonecas, que são colocadas umas dentro das
outras, da maior (exterior) até a menor.
65
encaixe. (TODOROV, 1970, p 123).
Utilizando, também, esse conceito de Todorov, Ana Mafalda Leite o aplica ao
estudar a narrativa de Mia Couto, demonstrando que as personagens
[...] vivem das histórias que contam, existem porque têm uma narrativa
a partilhar, uma experiência de vida, um ensinamento, figurado ou o.
A personagem é uma história virtual, que é a história da sua vida. Existe
mediante a sua capacidade fabular, o seu testemunho; mais do que um
ser, com psicologia, é potencialmente lugar narrativo de encaixe. As
muitas narrativas encaixadas, das diversas personagens, servem de
argumento à narrativa englobante. (LEITE, 2003, p 72).
Em Quantas madrugadas tem a noite, o narrador, ao final de toda a estória
contada, pergunta ao seu interlocutor se ele (narrador) morrera, ou seja, se chegara a
esgotar-se depois de ter finalizado a narrativa. Imaginando que o interlocutor o
houvesse compreendido sua angústia e indagação, o narrador explica: “[...] queria era tar
morto, quer dizer, calma então!, morto de afirmar isso nas palavras artísticas que te
ponho. É que um camba um dia me falou: pra contar uma estória, um gajo deve
morrer nela. ( ONDJAKI, 2004, p 196).
A respeito de semelhante idéia a de que o narrador deve morrer após o término
de sua estória , Todorov se posiciona, alertando para o fato de que: O homem é apenas
uma narrativa; desde que a narrativa não seja mais necessária, êle pode morrer. É o
narrador que o mata, pois êle não tem mais função. (TODOROV, 1970, p 129).
Também a estudiosa Ana Mafalda Leite é partidária de tal reflexão, explicando:
“Narrador e Narrativa em simultâneo, [e] logo que deixa ser necessária a sua palavra,
pode morrer, desaparecer. (LEITE, 2003, p 72). Ao finalizar a narrativa, Ondjaki nos
apresenta seu narrador também ávido de uma resposta a esta instigante dúvida: Quero
saber se posso ir no camba Vêncio lhe dizer que morri tudo, ou se ainda sobrei
66
mais em mim, um poucochito
51
e as esquebras...( ONDJAKI, 2004, p 196).
É recorrente, portanto, a intertextualidade João Vêncio, personagem de Luandino
Vieira. Outras intertextualidades também são freqüentes nesta obra ondjakiana,
conforme demonstraremos mo próximo capítulo, em que trataremos também de analisar
a poeticidade da linguagem do autor.
Observamos que a ficção de Ondjaki se constrói por interdio de dlogos
constantes entra as tradões e a modernidade, entre presente e passado, entre as vozes
da meria e as letras da própria escrita:
O moderno texto ficcional angolano situa-se, desse modo, em uma outra
margem – jamais passível de ser confundida com periferia; margem
plena de significação, construída como um lugar outro, interseccional e
liminar, situado entre voz e letra. (PADILHA, 2007, p 26).
Ondjaki, ao recriar estigas, provérbios e a oratura, acaba por imprimir em suas
narrativas uma dose de alegria que enfrenta o desencanto social, pois, ao efetuar a
reinvenção da narratividade oral, consegue ter a lucidez de desvelar outras veres da
História”. (SECCO, 2003, p 15), sem, contudo, perder a gra, capaz de manter acesa a
potência da vida. O riso, portanto, nas estórias narradas, o é mero mecanismo de
escape, mas forma lúcida e dica de denunciar problemas existentes na sociedade.
51
Pouquinho.
67
5. DIÁLOGOS INTERTEXTUAIS
Este jovem, este Ondjaki, experimentou muito cedo essa
embriaguez. Bebeu dessa poção e agora se tornou em
estório-dependente. Se tivesse que ser punido teria que
responder o apenas pelo consumo mas pela produção
e distribuição dessa droga.
Mia Couto
52
A poção, a que Mia Couto se refere na epígrafe acima, nada mais é do que a
própria literatura. Essa que, segundo o autor moçambicano, é sagrada para a maioria dos
escritores que fazem da criação um momento de se igualarem aos deuses, partilhando do
prazer divino de inventar. Quando Mia nos revela que Ondjaki bebeu dessa poção,
acaba por confirmar o interesse deste jovem por viajar através dos livros. Não se
contentando em, somente, ler e ouvir estórias, Ondjaki passa a produzir as suas próprias
narrativas, enriquecidas por visitações, reveladoras do prazer de fazer seus textos
dialogarem com outros. Ao visitar obras de vários escritores, Ondjaki traz para seus
livros elementos, cujas funções se assemelham às dos souvenirs que assinalam sua
passagem por mundos literários criados por outros autores, fazendo, dessa forma, um
rico jogo intertextual. Este se tece como uma viagem por palavras: “[...] o escritor é um
ser que deve estar aberto a viajar por outras experncias, outras culturas, outras vidas
[...] E é isso que um escritor é – um viajante de identidades, um contrabandista de
almas. (COUTO, 2005, p 59).
O termo intertextualidade, segundo Julia Kristeva, refere-se, fundamentalmente, ao
modo pelo qual se estabelecem o diálogo e a interatividade entre textos de um autor ou de
autores diversos:
A linguagem poética aparece como um diálogo de textos: toda seqüência se
faz em relação a uma outra proveniente de um outro corpus, de maneira
que toda seqüência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência
52
COUTO, M., 2001, p 11.
68
(evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimão (a transformação
dessa escritura). (KRISTEVA, 1977, p 90).
Entendemos, então, a intertextualidade como um "dlogo" entre textos,
pressupondo amplo universo cultural. O tecido intertextual implica a identificação e o
reconhecimento de remises a trechos de obras conhecidas por determinados públicos.
Esse diálogo entre obras pode ocorrer em diversas áreas do conhecimento, não se
restringindo única e exclusivamente a textos literários.
Em Quantas madrugadas tem a noite, Ondjaki começa o livro, dedicando-o a João
ncio: esta estória é muito para ti, joão vêncio (ONDJAKI, 2004, p 7); e, ao final,
como visto, o autor volta a mencionar a personagem de Luandino, agora por
intermédio do narrador que diz que irá encontrar-se com o próprio. João Vêncio, tal
como Adolfo, é um contador de estórias nato, sendo mais um apaixonado por Luanda.
Essa visitação configura-se numa homenagem de Ondjaki a Luandino, cuja produção
literária foi tão importante em sua formação como escritor.
O dlogo entre os textos de Ondjaki e Luandino não se restringe à personagem
principal do romance João Vêncio: seus amores. Deste mesmo autor, outros livros o
referenciados por Ondjaki, valendo destacar A cidade e a infância, obra que estréia a
prodão literária de Luandino. O conto “Encontro de acaso, publicado nesse livro, se
passa num bar durante uma noite quente, quando dois amigos se reencontram e
relembram o passado. Luandino começa a narrativa com a seguinte frase: “–O, pá, não
pagas nada? (VIEIRA, 2007, p 11). Similarmente, mas o por acaso, Ondjaki vai ao
encontro dessa obra luandina, quando nos mostra que, em Quantas madrugadas tem a
noite, a estória também tem um bar como ambiente propício à narrão de merias, e a
personagem Adolfo, como a do conto de Luandino, pede a seu companheiro de bar que
lhe pague algo para beber: Mas, epá, vamos desequilibrar umas birras; sentas aí, nas
calmas, eu te pago em estórias [...] (ONDJAKI, 2004, p 13).
69
O livro A cidade e a infância é composto por contos que marcam a inncia de
Luandino em Luanda; assim também, Ondjaki, em Quantas madrugadas tem a noite,
relata diversos momentos baseados em sua meninice passada no mesmo local.
Sabemos que é característico dos contadores de estórias gostarem de dar
credibilidade às suas narrativas, por mais inverossímeis que estas possam parecer. Em
Luandino não é diferente: no livro Lourentinho Dona Antónia de Sousa Neto & Eu, o
narrador também assume esta postura de defender sua estória contra possíveis acusações
de inverdades: “[...] o troco nomes; não invento cenas, casos. Isto, iro, é a toda
verdade por extenso. (VIEIRA, 1981b, p 16). Como foi dito, o narrador de Quantas
madrugadas tem a noite também defende suas estórias, seguindo esta mesma orientação.
Nesse livro de Luandino, percebemos mais uma característica que também é
presente no romance de Ondjaki a fragmentação do discurso: “[...] fio de missangas,
sem emendas, nunca se sabe é o princípio, meio, fim. (VIEIRA, 1981b, p 27).
Outro escritor que influenciou a gerão de Ondjaki foi Pepetela. Um de seus
livros, Pabola do Cágado Velho, é exemplo de intertextualidade com a obra de
Ondjaki por s analisada. No livro de Pepetela, o gado simboliza o sustentáculo do
universo: Não são eles o alicerce do mundo, as bases de todos os tronos, a forma de
Mussuma, a capital lunda? Sabedorias antigas [...]” (PEPETELA, 1996, p 39). Essa
simbologia desse animal, na tradão africana, é muito difundida, pois o cágado
representa sabedoria, força, resistência ancestral.
Em Quantas madrugadas tem a noite, a referência a Pepetela, chamado
carinhosamente de kota Pepe e a alusão ao cágado mítico ficam evidentes no seguinte
trecho do romance:
O mundo, eu lhe olho, eu lhe sinto: está bem torto de se viver nele,
mesmo me pergunto qual será a causa de ele estar assim avariado...
Num será que o cágado do kota Pepe apanhou bitacaia numa das quatro
70
patas e está assim coxo no caminhar, vintinovetrinta, pisa com jeito?
(ONDJAKI, 2004, p 195).
O narrador levanta a hipótese de que os problemas enfrentados pela humanidade
seriam reflexos de uma anomalia no andar do animal, uma forma de buscar na tradição
uma resposta para as dificuldades contemporâneas.
Um outro autor angolano que é citado no romance de Ondjaki é Ruy Duarte de
Carvalho. Am de aparecer na epígrafe de um dos capítulos do livro, quando a rego
do Namibe é mencionada por Ondjaki, o leitor que conhece Ruy Duarte,
automaticamente, faz ligação entre o escritor e este local, uma das reges descritas
detalhadamente no seu livro Vou lá visitar pastores. Esta obra, da autoria de Ruy
Duarte, deixa marcas na escrita de Ondjaki, o que percebemos claramente na seguinte
passagem:
Qual mata é esta, nos desertos lindos do Namibe?, o outro mais-velho
que fala nos livros dele, este com nome de ipslon Ruy, todos kuvales
e leites de cabra das anotações dele, meu, muadiê tipo dos filmes[...]
Meu, esse kota, no antigamente das minhas leituras, é que me mostrou
ir conhecer as pessoas, todos bitos delas, tradições e casamentices,
o basta só sentar e perguntar, você tem que entrar dentro das pessoas,
táis a galar, e isso demora quanto tempo? ( ONDJAKI, 2004, p 103).
O fato de Ondjaki referir-se a este Ruy como aquele com “nome de ipslontem a
finalidade de distingui-lo de Manuel Rui, outro escritor angolano que influencia a
prodão de Ondjaki e é xará do primeiro, diferenciando-se daquele pelo i no nome.
A escritora angolana Paula Tavares tem relação muito próxima com Ondjaki, tendo
escrito várias notas e comentários sobre seus livros. No romance em questão, cita
nominalmente esta autora, como uma lembrança afetiva da pessoa: “[...] massambalas
53
53
Milho de sorgo ou milho miúdo, que serve para fazer fubá, mas também para alimentar aos animais.
71
da Kota Tavares [...] (ONDJAKI, 2004, p 190). Em conversa com o escritor, ele
referiu-se à Paula como sua mãe da Huíla
54
”.
Ondjaki o somente visita outros escritores, mas também sicos como os
angolanos Man Ré e Dionísio Rocha. Este primeiro é homenageado por Ondjaki ao ser
citado em Quantas madrugadas tem a noite: “[...] o Man mesmo é que sabe: a
mulher tem muito gêto [...]( ONDJAKI, 2004, pp 26-27). Este artista fez sucesso como
cantor na década de 70, mas morreu na miséria e viveu os últimos anos de vida tocando
sua viola nos mercados a troco de esmolas. Ondjaki tenta, assim, resgatar um pouco de
seu passado de sucesso, visto que, na época que o livro foi escrito, o sico estava na
pobreza.
Ao aparecer no romance como sendo um amigo da personagem Burkina, Dionísio
Rocha é também ficcionalizado por Ondjaki: [...] ele ia mesmo chamar camba dele
kota Dionísio Rocha para lhes pôr uns conselhos na percussão e nos ritmos da viola
[...] (ONDJAKI, 2004, p 139).
Além destes sicos angolanos, até mesmo o grupo musical brasileiro Denios
da garoa é relembrado atras da semelhança do discurso do narrador com a sica
Trem das onze: “[...] como num vives em jassa nem aqui tem nenhum comboio das
onze horas, vou-te pôr uns passados [...] (ONDJAKI, 2004, p 111).Também são citados
o português Jorge Palma e o brasileiro Caetano Veloso, atras de epígrafes, retiradas de
suas sicas Eternamente tu e Vaca profana, respectivamente.
Suas outras epígrafes, trechos do soclogo francês Pierre Bourdieu, do escritor
grego Nikos Kazantzakis, da escritora mineira Adélia Prado, nos fazem concluir que as
visitações intertextuais de Ondjaki não se deram, apenas, nos arredores angolanos, mas
foram mais longe: o autor trouxe, na bagagem de suas viagens, experiências adquiridas
54
Província localizada no sul de Angola, onde nasceu a escritora Ana Paula Tavares.
72
com a vivência de outros mundos distantes. Parafraseando o escritor chileno Pablo
Neruda, Ondjaki, através de seu narrador, em dado momento da narrativa, afirma: [...]
como o kota Pablo também confesso que vivi.(ONDJAKI, 2004, p 117).
Com relação a autores brasileiros, Ondjaki revela ter tido tamm grande
influência, sobretudo de Guimarães Rosa e Manoel de Barros, cuja artesania da
linguagem tanto o encantou. Do escritor mato-grossense chegou a receber elogios: “Há
em você a conscncia plena de que poesia se faz abandonando as sintaxes acostumadas
e criando outras. o as palavras que guardam a poesia, não os episódios. Palavra
poética não serve para expressar idéias serve para cantar, celebrar. (BARROS, In:
ONDJAKI, 2002b, p 67).
Em Quantas madrugadas tem a noite, percebemos esta preocupação que o autor
tem com a estética poética, valorizando cada palavra, à medida em que seu texto vai
tomando forma. As palavras criadas, reinventadas por Ondjaki, mostram sua
“discipularidadeem relação a Guimarães Rosa, que tem trechos do conto “Páramo, do
livro Estas Estórias, e do conto “Famigerado, do livro Primeiras Estórias citados
respectivamente: “Muadiê, dizia o kota Guimarães, rosa no apelido e olhar dele: cada
criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar... (ONDJAKI, 2004, p 109); “O medo
é a ignorância em momento muito agudo (ONDJAKI, 2004, p 178). Ondjaki se apropria
de algumas brincriações rosianas, como as presentes no conto Famigerado: “[...]
fasmigerados, faz-megerados, falmisgeraldos [...] (ONDJAKI, 2004, p 37).
Observamos aí que os narradores de Rosa e Ondjaki compartilham idéias e
procedimentos artesanais de escrita.
Percebemos, ainda, um forte dlogo entre Quantas madrugadas tem a noite e o
livro do escritor Jorge Amado A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, por terem
personagens “mortas” que voltam à vida. Atentando-se para a associação que o seu
73
interlocutor (ou o pprio leitor) poderia fazer, o narrador Adolfo se adiantou e tentou
explicar que qualquer semelhança com outro romance seria mera coincidência:[...]
versão angolana do morto que volta? Não, avilo, verdades [...] (ONDJAKI, 2004, p
174).
As narrativas de Ondjaki e Jorge Amado são povoadas por personagens
marginalizadas, a começar pelas próprias figuras principais das estórias, e depois, se
estendendo aos amigos destas. Notamos que, tanto em relação a Quincas, como a
Adolfo, os seus vínculos amistosos são muito mais fortes que os familiares. Há a
valorização de sinceras amizades, tanto na novela de Jorge Amado como no romance de
Ondjaki. Ambos, romance e novela, têm como temática principal a “morte de seus
protagonistas. Nos dois casos, tais momentos são cercados de muitas dúvidas em relação
aos motivos das mortes. Jorge Amado deixa claro, desde a primeira página de sua
novela: “Dúvidas por explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das
testemunhas, lacunas diversas. Não clareza sobre hora, local e frase derradeira.
(AMADO, 1983, p 15). Ondjaki, por sua vez, demonstra sua incerteza ao longo do
romance, pois a personagem o é enterrada, devido às vidas quanto às razões de seu
falecimento.
Diferente do que se possa pensar, ambas estórias não são depressivas, pelo
contrário, Adolfo e Quincas são dois boêmios de sorriso cil, que chegam a sorrir
mesmo depois de mortos. “Quincas sorria deitado no catre [...] era seu sorriso acolhedor
[...] (AMADO, 1983, pp 22-23).
Outra coincidência curiosa é o fato de nem Quincas, nem Adolfo beberem água. Os
dois gostam de bebidas alcoólicas, sendo Quincas amante da cachaça, e Adolfo, da
cerveja.
74
A estória de Quincas se passa na periferia de Salvador, capital da Bahia. O escritor
baiano Jorge Amado tinha verdadeira paixão por sua terra natal. O narrador desta
novela, ao contar sobre como a personagem Joaquim Soares da Cunha ficou sendo
conhecida como Quincas Berro Dágua, revela sua avero por beber água:
Sobre o balcão viu uma garrafa, transbordando de mpida cachaça,
transparente, perfeita. Encheu um copo, cuspiu para limpar a boca,
virou-o de uma vez. E um berro inumano cortou a placidez da man no
Mercado, abalando o próprio Elevador Lacerda em seus profundos
alicerces. O grito de um animal ferido de morte, de um homem traído e
desgraçado:
Águuuuua! (AMADO, 1983, pp 58-59).
Embora haja todas estas semelhanças, em sua obra, Jorge Amado não explica o
porq de Quincas o ingerir água. Ao contrário, Ondjaki mostra, no desenrolar da
estória, as causas reveladoras de tal atitude de Adolfo:
[...] eu receio água, muadiê, e esse meu receio tem fundamentos
altamente antiquados no tempo contabilizado pelas bíblias: se o próprio
Jesus, nessa festa que eu te pus, gastou milagre a transformar água em
vinho, eu mais é que vou ser o teimoso, Judas da tibaria? Nem pensar!,
água pra mim só da praia, bem salgada mesmo, e quando lavo os dentes
faço o possível para num engolir, inda essa merda vai me fazer mal nas
veias. (ONDJAKI, 2004, p 158).
A intertextualidade o se dá apenas com romances e estórias escritas; as novelas
televisivas brasileiras também têm grande influência na atual sociedade angolana. A
novela Roque Santeiro fez tanto sucesso em Luanda, que, hoje em dia, é nome do
mercado popular mais famoso de Angola. Ondjaki confessa ter assistido a rias novelas
brasileiras durante sua juventude, mas confessa que gostava mesmo era das estórias
lendárias: “[...] seres das novelas todas, cravo na canela do antigamente e Roque
Santeiro dos lobisomens cantantes [...](ONDJAKI, 2004, p 61).
Em Quantas madrugadas tem a noite, as marcas mais evidentes dessa
intertextualidade o as expressões que o narrador revela serem de Odorico Paraguaçu,
75
personagem de novela O Bem Amado. Expreses como:apesarmente do dito e do
redito (ONDJAKI, 2004, p 38); “as iludências aparudem!” (Idem, p 63); “retórica
criativa ou derrapagens discursistas (Idem, p 111); um tantomente enormístico
(Idem, p 178); entre outras. As criações neologísticas da personagem brasileira chamam
atenção de Ondjaki que resolve distribuí-las e recr-las ao longo de sua narrativa. Em
certo momento, o narrador, então, explica quem era o kota Odorico, de quem sempre
pegava emprestado algumas frases de efeito:
[...] até aparecer na televisão esse kota mesmo que eu te falo de vez em
quando, o Odorico,quer dizer, sempre essa mania, ali o era mais
Odorico, era outro, mas porra, num ficou pra sempre Odorico?, acho
que ficou, melhor personagem que assisti. Kota mesmo sou dele
chorei na morte dele com minhas lágrimas sem vergonhas nenhumas.
(ONDJAKI, 2004, p 80).
Ondjaki, no romance por s analisado, não dialoga com obras artísticas de
outros autores, mas também com alguns de seus outros livros e com suas obras de artes
psticas. Um exemplo de intertextualidade com esta última é um de seus títulos, r do
Sonho, ser tanto o de uma exposão de quadros seus, feita em 2000, como o de um dos
capítulos de Quantas madrugadas tem a noite. São freqüentes os dlogos,
principalmente com os livros Momentos de aqui, Os da minha rua e Bom dia
camaradas, sendo estes dois últimos baseados em sua vida, segundo confessou o próprio
Ondjaki. Gadinho, por exemplo, que surge, no romance Quantas madrugadas tem a
noite, como policial, antes, em Os da minha rua, aparecia como amigo de inncia de
Ndalu.
Personagens, como o sr. Tuarles, dono das tibarias
55
, e suas filhas, aparecem em
todos os três livros. No romance analisado, encontramos uma possível continuação da
narrativa do conto “Padre Icio o mata anjos. Neste, se descobre que o padre abusara
55
bares
76
de Paurlete, uma das filhas do kota Tuarles, e que, por causa disso, o pai dera uma surra
no reverendo, e a igreja da Praia do Bispo chegara a ser fechada: “[...] da verdadeira
Praia do Bispo restou o nome, a poeira e a igreja fechada. Essa mesma igreja viria a ser
aberta com o famoso enterro do Sankara. Numa outra geração, numa outra realidade.
(ONDJAKI, 2001, p 76). Fazendo parte desta “outra geração, durante a missa de corpo
ausente de Adolfo, com seu pai e suas irs, Paurlete se apresenta “agora com um
ne no colo (ONDJAKI, 2004, p 152). Isto dá a entender que esta criança pode ser
filha deste mesmo padre que voltou para celebrar esta missa especial. “[...] o kota
Tuarles a se despedir das pessoas, só o fala mesmo com o padre, mas a Paurlete foi lá
mais outra vez pro padre pôr bêão na testa do miúdo.(ONDJAKI, 2004, p 158).
Quando Ondjaki menciona o famoso enterro do Sankara, automaticamente
fazemos uma relação entre Sankara e Adolfo. Atras do conto O Nitó que também era
Sankarah”, presente no livro Os da minha rua, descobrimos que Nitó era um primo mais
velho de Ndalu. Professor de ings, na escola, ele era conhecido por “stôr Sankarah.
Sabemos também que este mesmo primo o chamava de Adolfo: Adolfo como ele
me chamava em brincadeira e ternura dele. (ONDJAKI, 2007, p 126). A partir daí,
sobram hipóteses e faltam clarezas. Não sabemos até onde os acontecimentos deixam de
ser reais e passam a fazer parte da ficção, ou seja, da criativa imaginação do autor.
Percebemos, então, que, em Quantas madrugadas tem a noite, algumas personagens,
para am de já terem aparecido em outros livros, são construções ficcionais do autor
feitas a partir de pessoas reais, conhecidas de Ondjaki. Por isso, observamos que o
dlogo do escritor não se dá apenas com suas obras, mas com sua vida, como se esta
também fosse um livro.
Em Quantas madrugadas tem a noite, Ondjaki cita passagens da sua própria
história pessoal, falando de seus amigos, parentes e viagens, entre outras coisas,
77
ficcionalizando-as atras da fala do narrador. Conta sobre o tempo em que viveu em
Portugal, onde esteve a estudar, mas o fala sobre sua vida acadêmica. Tece
considerões sobre as pessoas que conheceu, sobre suas culturas, diferentes da dele,
e sobre seus preconceitos: “Ouve, uí, eu bazei da tuga
56
por causa disso então, os olhos
dos outros tavam a me querer ensinar outra coisa que o era eu [...] (ONDJAKI, 2004,
p 115). Durante o tempo em que viveu fora, diz ter sentido muitas saudades de sua
terra, e, principalmente, das belas mulheres de Angola. O narrador, que é um duplo do
autor, confessa que, para ele, as mulheres portuguesas não eram nada atraentes: “[...] o
rabo das tugas... Meu, tábua d’engomar, a xoetice
57
toda? Rabo foi aonde então,
Nzambi
58
lhes castigou assim porquê? (ONDJAKI, 2004, p 115).
Por meio desse narrador, Ondjaki também comenta sobre sua viagem ao Brasil
até então, tinha vindo uma vez. Primeiro esteve na Bahia. , ele fez críticas à
ignorância do povo com relação à localização de Angola: “[...] mas lhe pergunta inda
onde é Luanda, onde fica Angola? Vai pensar tás a falar é daa (ONDJAKI, 2004, p
117). O narrador ainda nos conta que, em conversa com o poeta brasileiro Manoel de
Barros sobre poesia, este pediu para que ele contasse algumas estórias de Angola. Após
ouvi-las, o poeta brasileiro transformou-as rapidamente em poesia: “[...] nossas estórias
ali logo bem reinventadas nos dons da poesia, o kota era craque então! (ONDJAKI,
2004, p 119). Ao ser questionado sobre a veracidade deste encontro com o escritor
Manoel de Barros, Ondjaki nos explica: “Para a personagem, ocorreu, claro. É isso que
esta diz, acredita quem quiser. (ONDJAKI, entrevista inédita concedida à Heloise Cabral,
em 2008).
Os jogos intertextuais dão, por conseguinte, uma grande riqueza às narrativas de
Ondjaki, deixando bastante evidentes os muitos elos existentes entre a literatura dele e a
56
Gíria que pode significar Portugal ou portugueses.
57
Desprovimento de nádegas salientes.
58
Deus em kimbundu.
78
brasileira, o que reafirma algumas semelhanças culturais entre o Brasil e Angola, cujas
histórias e costumes dialogam em determinados períodos históricos e em algumas obras
literárias.
Voltando à epígrafe deste capítulo, percebemos que, uma vez seduzido pela
literatura, Ondjaki passa, então, a não somente consumir, mas a também produzir e
distribuir magias literárias. O fato de visitar outras obras e reconfigurá-las pela escrita
constitui uma das características de sua ficção.
Outra marca importante, e, talvez, a mais intensa, presente nas obras de Ondjaki, é
o seu modo poético de compor. O autor sabe da importância do conteúdo, assim como
reconhece o valor estético de sua escrita. Por isso, ele se esforça voluntariamente para
que seu texto consiga passar graça e leveza, recriando a fala coloquial, com um tom
poético por excencia.
Em Quantas madrugadas tem a noite, há várias passagens em que o autor utiliza,
por intermédio do narrador, uma metalinguagem, tecendo, desta forma, comentários
acerca de seu estilo de escrever, cujo encantamento despertado levou alguns críticos a
denominarem sua linguagem de proesia: essa fuo e confusão de gêneros no ponto em
que a rao se afoga.. (OLIVEIRA, 2006).
Seguindo o conselho de Manoel de Barros sobre a palavra poética, o narrador
ondjakiano, em meio às próprias divagações, reflete: “[...] as palavras são as que s
quisermos, significado delas tá no nosso coração.(ONDJAKI, 2004, p 32). As palavras,
para Ondjaki, têm uma pluralidade de significados e ritmos, pois ganham nova vida a
partir de cada contexto em que são empregadas. Tal pensamento se assemelha ao da
menina Ynari, protagonista do livro infantil do autor, sempre apaixonada pelas palavras,
porque sabedora de que os sentidos desta o relativos: Ynari aprende que a palavra é
um instrumento vivo, que se transforma e renasce a cada dia. (SANTANA, 2007, p 96).
79
Os sons são muito importantes na escrita de Ondjaki. Dão um grande ritmo poético
ao seu estilo, cheio de assoncias: “Saltou, mergulhou, demorou(ONDJAKI, 2004, p
21); onomatopéias: chiuuu, bzzz-bzzz, zumb-zumb, zum-zum e zain-zain (Idem, pp
15, 17, 140); pontuações expressivas: ó!, mô J?!,, ahhhhhhhhh!!! (Idem, p 163,
176); anáfora: nosso mar, nossa canoa, s dois nossa amizade nesta mesa(Idem, p
46), entre outras figuras de linguagem.
Há muitas figuras poéticas, como, por exemplo, a descrão dos cheiros. Até
mesmo “o fedor da catinga, segundo o narrador, o é encarada com asco, mas como
uma característica que ajuda na recriação mental da cena, por mais que não seja um
cheiro agradável, remete a algo bom, seja um lugar, uma pessoa, ou certa ocaso. Essa é
uma característica sempre presente nas obras ondjakianas.
Muita das vezes, entretanto, para perceber conscientemente o cheiro, a pessoa tem
que estar propícia a senti-lo. o é possível, se estiver fechada às sensações; é
necessário um grau de entrega à natureza; é preciso contemplar o meio. Somente assim é
possível perceber “outros cheiros deliciosos na terra do depois de chover. (ONDJAKI,
2004, p 96).
Ondjaki nos mostra que, em suas andanças literárias, o pó das sandálias trazido de
todas as partes serviu para ser transformado em poesia. No romance por s analisado
nesta dissertação, o narrador explica: Minhas poesias são minhas viagens, umas e
outras, verdadeirosas e imaginadas, brilho dentro de mim, entornado. (ONDJAKI,
2004, p 59). Mais uma vez, a escrita de Ondjaki revela estar num entre-lugar, entre a
ficção e o real. A palavra verdadeirosa pode ser entendida como a mistura dos
vocábulos “verdadeira e “mentirosa”. Com isso, podemos interpretar que, no texto,
nada é verdadeiro por excencia; por mais que seja baseado no real, sempre um juízo
de valor por trás do que se escreve, e o conceito de verdade também pode ser muito
80
relativo e perigoso. Em Quantas madrugadas tem a noite, ao se utilizar de pessoas
conhecidas para compor suas personagens, o autor se justifica, atras do narrador,
asseverando que: “[...] e ninguém que venha aqui nos falar dos respeitos se estamos a
falar dos outros ou o, porque isto também é um acto artístico [...](ONDJAKI, 2004, p
171).
Contudo, por mais inventadas que possam ser, suas estórias são fundamentadas em
suas vincias, em tudo o que leu, sentiu, ouviu, viu e cheirou. Por isso, a iia de
que a poesia deve ser vivida e não feita, conforme o narrador comenta: “[...] a poesia
o se faz, se vive; a poesia o se procura tipo diamante, se encontra tipo arco-íris: ou
ou o há sorte e azar dos olhos no depois da chuva. (ONDJAKI, 2004, p 121).
Ondjaki se sente privilegiado por conseguir encontrar o arco-íris depois da chuva. A
poesia, nesse sentido, pode ser vista como pequenas alegrias, cujas cores podem ser
encontradas em meio às tempestades da vida.
Para explicar bem a idéia de que a “poesia o se faz, se vive, o autor insere, em
sua obra, vários momentos em que o narrador divaga sobre a vida, criando metáforas
para esta ao compará-la com diversos tipos de arte, como, por exemplo, a carnavalesca
[A vida o é um carnaval? Vou te mostrar alguns daarinos, damos e damas, diabo e
Deus, a maka
59
da existência. (ONDJAKI, 2004, pp 13-14)], a teatral [“E a vida?,
esqueceste esse palco puramente verdadeiro a acontecer todos os dias[...] (ONDJAKI,
2004, p 35)], a musical [“Vida? piano das teclas e das sicas desconhecidas, s
aqui sentados bitôuvens desta tarde mulata, ou essa parte do dia o pode ser mestiça?
(ONDJAKI, 2004, p 57)] e a novelística [A vida é mesmo uma novela, em vários tios
do mundo, no Brasil também, mas principalmente aqui em Angola [...](ONDJAKI,
2004, p 80)].
59
Questão, problema.
81
Ao dar sentido artístico à vida, Ondjaki dilui as fronteiras entre o real e a ficção,
mostrando que, assim como a arte imitaa vida, a vida também pode “imitar a arte. A
realidade, muitas vezes, pode ser menos passível de credibilidade do que o ficcional:
“Quer dizer, agora eu te ponho: a vida sempre é mais complicada mas também mais
gica que o imaginado. (ONDJAKI, 2004, p 182). Não se pode afirmar o que
realmente aconteceu ou o em seu romance, e isso é um dos pontos que faz a leitura ser
interessante, pois deixa vários sentidos em aberto.
Segundo o escritor e ensaísta mexicano Octavio Paz, em seu livro A dupla chama:
amor e erotismo, “a relação entre o erotismo e a poesia é tal que se pode dizer, sem
afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal”. (PAZ,
1994, p 12). Com esta afirmação, podemos constatar que o erotismo é mais uma forma
de poeticidade, que também se faz presente em Quantas madrugadas tem a noite. Ao
tecer comentários acerca dos tipos de linguagens existentes, Ondjaki privilegia a
corporal, afirmando ser esta a melhor forma de comunicação humana:
Meu, verdade mesmo pra falar, o é mais na boca das palavras é nos
corpos, ou o é assim? Você quando nasce sabe falar? o. Mas sabe
gritar, espernear, quer dizer, usa as cordas vocais do grito nisso que é a
tua urgência mamar na tua e, por isso que eu digo, o nené encosta
ali, mama e adormece nas primeiras felicidades dele, calor de xuxa
60
na boca, nenhum frio mais sonha só, primeiro sonho estreado neste
nosso mundo das aventuras verídicas que eu te ponho. Muadiê: o corpo
é que sabe e nenhumas outras linguagens lhe ganham sentir é
sentir, comer é comer, e foder é foder, ou tou a falar errado?
(ONDJAKI, 2004, pp 107-108, grifo nosso).
Quando o narrador ondjakiano comenta sobre as primeiras felicidades” do
indivíduo ainda bebê, ao ter a experncia de mamar no seio materno, ele relaciona este
momento ao que Freud denomina como fase oral, visto ser esta o primeiro estágio do
desenvolvimento humano. Nela, as necessidades, percepções e modos de expressão do
60
Seio materno.
82
be estão originalmente concentrados na boca, bios, língua e outros órgãos
relacionados com a zona oral. E estas necessidades, segundo Freud, são libidinais, ou
seja, eróticas por excencia. E, referindo-se a essa teoria freudiana, Ondjaki apresenta o
erotismo essa poética corporal como algo presente desde as primeiras necessidades
do indivíduo.
A necessidade da comunicação através da linguagem corporal amadurece na fase
adulta e o erotismo aparece de modo mais evidente:
Mulheres, avilo? Nossa outra metade de nós, no mundo, e na cama
nos encontramos, ou o é assim?, os corpos, os tantos quidos, sexo
das liberdades do nosso corpo na felicidade de nos virmos só assim,
colados, ser humano dentro da ser humana, kinjango
61
bailando na
kibiona
62
suave do amor, ai uê, felicidades, muadiê, felicidades
mesmo! (ONDJAKI, 2004, pp 50-51).
Neste ba entre os corpos, uma pulsação, um desejo de criação. E isto gera
prazer. O erotismo tem embutido em si um intenso sentimento de força vital. Assim
também acontece com a palavra africana, pois, de acordo com o fisofo Hampâté Ba,
“uma vez que a palavra é exteriorização das vibrações das forças, toda manifestão de
força [...] será considerada sua palavra. Por isso no universo tudo fala, tudo é palavra
que toma corpo e forma. (BÂ, 1993, p 16). Erotismo e palavra (principalmente a
poética) estão fortemente ligados à vida; por isso, Octavio Paz consegue estabelecer
perfeitamente a relação entre estes termos. E ainda com relação a esta similaridade entre
escrita poética e erotismo, Roland Barthes vai-nos dizer que a escritura é “a ciência das
fruões da linguagem, seu kama-sutra [...] (BARTHES, 2004, p 11).
Por ser relacionada à vida, a poesia, muitas vezes, é vista como feminina: local
fecundo, terreno muito propício para gestação de idéias. Poeticamente, em mais uma das
rias divagações do narrador, o tecidas comparões entre a lua e a mulher:
61
Órgão sexual masculino.
62
Órgão sexual feminino.
83
Muadiê: vais-me dar de maluco s’eu te disser que a lua é uma mulher?
Mambo que eu gosto mesmo com força ficar só aí, deitado na noite,
olhar a lua: branca, marela, vermelha também vi, cheia, cheiina,
invisível, triste, húmida-molhada, escondida nas nuvens, a desaparecer
no mar, a aparecer na tarde, as formas todas. Mambos dos chineses,
conheces?,tão a falar sempre nas divisões in-iangue, assim pesado-leve,
cheio-vazio, claro-escuro, a lua pros chineses é in, quer dizer
feminina... (ONDJAKI, 2004, p 41).
O erotismo está latente nesta passagem, onde as fases lunares são apreciadas e
vistas como semelhantes às femininas. A lua é contemplada durante a noite, que, am
da conotão negativa a que já nos referimos anteriormente, pode significar, para a
poesia, o tempo do nascimento, pois o período noturno é o preferido pelos poetas para
suas criações. O narrador comenta a certa altura da narrativa: [...] de noite é que perco
vergonha de ser eu mesmo e abro as torneiras do imaginado [...] (ONDJAKI, 2004, p
110). Desta forma, mulher e noite estão ligadas à poesia por serem, respectivamente,
espo e tempo fecundos, locais férteis para a imaginação criadora.
Como vimos, a poesia está ligada à vida; e, para Misrahi, um estudioso de
Spinoza, “é esse prazer existencial e consciente de ser e de existir como sujeito e como
vida que chamamos de alegria”. (MISRAHI, 2001, p 33).
Traços de alegria estão presentes em Quantas madrugadas tem a noite, não só nas
experncias contadas. Conseguimos encontrar alegrias também na noite, que “os
olhos brilham mais é na escuridão [...] (ONDJAKI, 2004, p 110).
Chegando ao fim de nossa alise, passaremos, a seguir, às conclusões, onde
buscaremos deixar claras as metáforas, imagens e estratégias narracionais que, na ficção
de Ondjaki, transformaram a noite em madrugadas e estas, em alegrias.
84
6. CONCLUSÃO
Para mim, um camaleão solitário de rosto virado para o
chão não esqueceu nunca a cor do Sol. Ele apenas busca
a certeza daquilo que pressentiu: que é num chão
profundo que o arco-íris esconde e inventa as suas
raízes.
Ondjaki
63
Ao final de nossa análise, concluímos que os textos de Ondjaki, embora focalizem
problemas existentes em Luanda, o passam desânimo e pessimismo. A visão otimista
do escritor, mais uma vez, pode ser percebida na epígrafe que escolhemos para esta
parte de nossa dissertação: um animal que, à primeira vista, parece cabisbaixo e
solitário, é interpretado como esperançoso e sonhador, pois consegue ver, num chão
desértico, a possibilidade de encontrar as raízes do arco-íris, embora, para isso, precise
fazer uso da imaginação. Este arco-íris, que surge no deserto, é outra metáfora para a
idéia de alegria em meio ao desencanto. Suas cores podem ser comparadas aos vários
matizes das diversas alegrias existentes em Quantas madrugadas tem a noite.
Mesmo que o camaleão não encontre, naturalmente, o arco-íris, seu imaginário é
capaz de cr-lo. O ato de inventar em si é movido pela alegria: o impulso de tentar
concretizar um sonho anima a criação. Assim, Ondjaki é motivado a criar suas estórias;
suas personagens o construídas artesanalmente, sendo únicas em suas características.
E os cerios são moldados em torno desses seres de papel que povoam as estórias.
Todo livro é movido por uma vontade de escrever, cuja alegria se pelo próprio
prazer de contar a estória. Ao escrever esta, o autor tamm se torna leitor, o primeiro
da obra que nasce. Há uma sensação de encantamento na leitura que o impulsiona a
continuar produzindo: se ele não acreditar naquilo que narra ou descreve, ou recomeçará
63
ONDJAKI. In: PADILHA e RIBEIRO, 2008, p 51.
85
todo o livro ou simplesmente parará de escrevê-lo. Não a possibilidade de criar um
bom livro por obrigação. A alegria de escrever se estenderá enquanto o livro estiver
sendo elaborado; mas, ao mesmo tempo, quando a obra estiver terminada, haverá a
alegria de ter criado o livro, algo que ninguém pode tirar do autor, que é um trabalho
feito. Ainda sobre o prazer da escrita, Mia Couto, em seu livro Pensatempos, nos atenta
para o fato de que “o escritor não é apenas aquele que escreve. É aquele que produz
pensamento, aquele que é capaz de engravidar os outros de sentimento e de
encantamento. (COUTO, 2005, p 63).
Também a alegria de ouvir é considerada, por Ondjaki, um verdadeiro dom. O fato
de o interlocutor do romance Quantas madrugadas tem a noite ser apenas um ouvinte
o o desmerece; o próprio narrador percebe a importância deste na narrativa: “Ouve
inda, quero te agradecer puramente, ouviste bem a minha estória. Afinal, o aquele
que conta que conta: quem escuta calado também faz a estória. (ONDJAKI, 2004, p
188). A cultura oral angolana sempre foi muito forte em Luanda e em outros locais,
remetendo a raízes muito longínquas. Ondjaki tenta recriar o prazer da escuta, uma vez
que este dom tem sido desvalorizado na Angola de hoje, que, em grande parte, fica, em
sincio, a assistir televisão, perdendo o bito de ouvir estórias contadas pelos mais
velhos.
Assim como existe a alegria em ouvir, cada um tem uma estória para contar.
Ninguém é ouvidos, e ninguém é contador esta é uma lão que podemos
depreender deste romance de Ondjaki. Nele, as narrativas se misturam, as experiências
de outros o matéria-prima para o escritor ampliar as suas próprias estórias.
No conto "No galinheiro, no devagar do tempo", do livro Os da minha rua,
Ondjaki diz que o melhor momento do dia era quando, terminado o capítulo da novela,
desligavam a televisão e iam para fora para contar o que havia ocorrido, cada um
86
aumentando e modificando a estória à sua maneira, criando, dessa forma, o prazeroso
ato de narrar, próprio da tradão oral.
Em Quantas madrugadas tem a noite, encontramos a alegria de amizades
verdadeiras. A relação entre as personagens o é só de coleguismo, algo meramente
casual. Todas as personagens sabem um pouco da vida das outras, conhecem ou
vivenciaram suas histórias. A amizade aparece, neste contexto, isenta de falsidade, o
sendo conveniente por fatores como dinheiro e demais interesses. Ao contrário, essa
amizade se constrói, sem preconceito de raça, credo, opines. O afeto por pessoas de
caráter diametralmente oposto é possível, como no caso do ao malandro com o albino
honesto. Assim como acontece nesse tipo de relacionamento, muitas amizades têm
também suas raízes na infância, não se desfazendo na idade adulta. Os laços afetivos são
tão fortes, no romance analisado, que chegam a ser mais importantes que os sanguíneos.
PCG, por exemplo, era considerado como um parente por Burkina. O amor entre Jaí e
KotaDasAbelhas também é livre de qualquer preconceito, visto que ambos o dão
importância ao albinismo de um, nem à velhice da outra, uma vez que, segundo o
narrador, “o amor tem retalhos que a razão num sabe costurar. (ONDJAKI, 2004, p 68).
E o amor, segundo Spinoza, nada mais é do que “uma alegria concomitante à idéia de
uma causa exterior”. (SPINOZA, 2002, p 211).
Outras formas de extravasar a alegria são a daa e o canto, tradicionalmente
presentes na cultura africana. Em Quantas madrugadas tem a noite, Burkina cria uma
sica em homenagem ao amigo morto, para cantar em seu enterro. Mesmo num
momento de tristeza, ele sentiu alegria em compor a música e prestar sua homenagem ao
seu grande amigo. A daa pode ser vista como um modo de exteriorizar sentimentos
reprimidos. Em alguns momentos da história angolana, o se podia ir contra uma rie
de situações políticas: regras rígidas eram impostas, limitando as ões do povo. E era
87
na daa que os povos encontravam um momento de serem eles mesmos, se expondo,
sem regras delimitadoras.
A alegria de viver pode ser considerada a mais importante dentre as analisadas. A
luta pela vida é uma constante em locais atingidos pela guerra. O narrador tem vontade
consciente de viver, e viver em Luanda o queria estar ou ter nascido em outro lugar.
Ele e o povo são apaixonados pela cidade, trabalham e torcem para que ela cresça e
prospere. Não têm o bito de compará-la com outras cidades do mundo, considerando-a
a melhor cidade existente: “Meu, sabes qual foi o maior susto nestas mortes
temporárias? Foi não poder voltar mais [...] saudade da minha terra [...] (ONDJAKI,
2004, p 192).
Com relação à alegria de viver, pensamos como Misrahi, que defende, em seu livro
A felicidade, ensaio sobre a alegria, a seguinte opino sobre o projeto de uma
existência feliz: “Esse projeto não é invvel, muito menos impensável: a reflexão,
quando transfigura o desejo, coloca a felicidade à nossa porta. (MISRAHI, 2001, p
122). As estórias de Ondjaki tecem reflees, transfigurando o real vivenciado e
colocando as alegrias em destaque. Assim, todas as cores do arco-íris dessas pequenas
alegrias conseguem se sobrepor à aridez caótica da realidade social de Luanda, devido à
esperança presente em Quantas madrugadas tem a noite.
O fisofo Ernst Bloch, na obra O princípio esperança, concebe a esperança como
ativa e maior do que o temor, visto que este é passivo; segundo o fisofo, a “espera,
colocada acima do ato de temer, o é passiva como este, tampouco está trancafiada em
um nada. O afeto da espera sai de si mesmo, ampliando as pessoas, em vez de estreitá-
las (BLOCH, 2005, p 13). Bloch ainda afirma que todo ser humano, na medida em que
almeja, vive do futuro. Isto quer dizer que a esperança não é, portanto, uma propeno a
perder-se na crea de um futuro melhor; ao contrário, ela nos impulsiona para frente,
88
criando em s o desejo de construir, no presente, o futuro. A desesperança, para Ernst
Bloch, é insuportável às necessidades humanas, uma vez que a esperança amplia os
horizontes dos seres humanos, fazendo-os agir, no presente, para alimentá-la, com o
intuito de transformar as dúvidas em certezas.
E é essa esperança ativa, funcionando como um motor da vida, que aparece em
Quantas madrugadas tem a noite. A esperança de ver chegar “a paz o das armas
pararem de cuspir fogo, mas a paz de todos sentarmos mais outra vez numa só
fogueira e rirmos, rirmos de nenhum assunto especial, rirmos sabendo no coração
que estamos mesmo a rir de coisa nenhuma, se a paz pode ser chamada de coisa
nenhuma ou se aqui devíamos masé chamar a paz de a coisa toda. (ONDJAKI, 2004, p
194, grifo nosso). Percebemos nessa passagem que Ondjaki tem a esperaa de
reinventar o tempo das criaas em volta da fogueira, aprendendo coisas de sonho de
verdade (MINGAS, Rui; RUI, Manuel e VILA, Martinho da, 1975).
Sabemos que a alegria e a esperança o apenas duas das muitas e inesgotáveis
temáticas sugeridas por este romance de Ondjaki que analisamos. Mas, esperamos ter, de
alguma forma, contribuído com esta nossa leitura de Quantas madrugadas tem a noite,
embora sabendo que esta se abre a ltiplas interpretações. Acreditamos, contudo, que
nossa dissertação poderá ser útil aos próximos estudos sobre esta obra de Ondjaki.
Partindo da idéia de que uma conclusão pode recuperar idéias propostas na
introdução, observamos que Ondjaki resolve “obedecer a esta regra, retomando seu
pensamento inicial, pois o narrador, antes de começar a contar sua estória, revela
poeticamente: “Sabes o que é não sentir o coração e sentir o coração, tud’uma batida ,
sangue leve no peito e grimas limpas a escorrer? Faz conta foste na pesca, rede e tudo,
em vez do peixe grande meteste a rede na água e te veio uma nuvem? (ONDJAKI,
2004, p 13). Nuvem surge aí com duplo sentido: ao mesmo tempo em que aparece,
89
porque, quando estava morto, era só o que podia pescar no céu, também significa sonho,
podendo sua estória ser baseada nesta nuvem pescada inicialmente, conforme desvenda
aos leitores, na conclusão do livro:
O lagrimar dos olhos? Meu novo nascimento: sabes o que é o sentir o
coração e sentir o coração, tud’uma batida só, sangue leve no peito e
grimas limpas a escorrer? Assim foi voltar e acreditar na estória de
ir na pesca e apanhar nuvem em ver do peixe para grelhar. Poesias,
estórias de sentar na revolta duma fogueira...? (ONDJAKI, 2004, p 195,
grifo nosso).
Terminamos, aqui, nossa dissertação, a refletir sobre as alegrias encontradas na
noite, verdadeiros brilhos da madrugada. (ONDJAKI, 2004, p 110). Madrugadas de
esperança, que, nas noites de guerra, levaram “brilhos e centelhas de alegria aos
corações dos meninos que ouviam estórias e brincavam em meio à fome e aos inúmeros
ódios ali presentes. Concluindo, observamos, portanto, que as estórias e as alegrias
despertadas por estas constituíram-se em fortes elementos de resistência que fizeram a
vida triunfar, apesar de tantas mortes e de tantas destruões ao redor. Fechamos nosso
estudo a pensar sobre as madrugadas que, assim como as alegrias, podem ser
encontradas na noite, pois afinal, “uma noite, quantas madrugadas tem? [...] uma
noite tem bué de madrugadas; cada uma dessas madrugadas tem bué de brilhos
(ONDJAKI, 2004, p 110).
90
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___________________ Apontamentos das aulas, no Mestrado da Faculdade de Letras da
UFRJ, em 2006.
SPINOZA, Baruch de. Ética: demonstrada à maneira dos gmetras. São Paulo: Martin
Claret, 2002.
96
TAVARES, Paula. O lago da lua. Lisboa: Caminho, 1999.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1970.
TUTIKIAN, Jane F. “Questões de identidade: a África de língua portuguesa. In:
Revista Letras de hoje. v. 145, p. 37-46, Porto Alegre: PUCRS, 2006.
VELOSO, Caetano. Vaca profana. In: Totalmente demais. Universal Music Brasil, 1986.
Dispovel na internet via: http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/44789/. Acesso em:
8 de maio de 2008.
VIANA, Luiza Maria de Oliveira. Ítalo Calvino e o riso como saber. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2007. (Dissertação de Mestrado policopiada).
VIEIRA, Joaquim. Angola: do desvario ao esquecimento. In: MELO, João de. Os anos
da guerra. Lisboa: Dom Quixote,1988. (Círculo de Leitores).
VIEIRA, Luandino. João Véncio: os seus amores. Lisboa: Edões 70, 1981a.
_______________. Lourentinho, dona Antónia de Sousa Neto & eu. Lisboa: Edões 70,
1981b.
_______________. A cidade e a infância. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
XAVIER, Lola Geraldes. O discurso da ironia. Lisboa: Novo Imbondeiro, 2007.
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8. ANEXO
Entrevista com Ondjaki, realizada por e-mail, em 12 de julho de 2008.
O, Ondjaki,
Seguem abaixo algumas perguntas sobre o livro Quantas madrugadas tem a noite,
pois se trata do romance em que se centra a minha dissertação. Gostaria de que
explicitasse a relação de algumas personagens deste romance com outras obras suas,
pois reservo um capítulo não só à intertextualidade, mas à intratextualidade que ocorre
em alguns de seus livros.
HELOISE: Sua escrita é permeada por um tom poético. No livro Quantas
madrugadas tem a noite, o narrador explica que a poesia não se faz, se vive. Comente
um pouco sobre essa concepção de poesia.
ONDJAKI: o sei como comentar. Sinceramente. AdolfoDido é que tem essas
frases como sonho de verdade ou verdades sonhadas, o que vai dar ao mesmo. Mas
penso que seria algo em torno de que não adianta fazer-se um grande esforço para se ser
poeta. Acho que ele acha que a poesia vem, aparece, e, sobretudo, brota de dentro. Vai-
se vivendo para depois escrever, o se pensa para depois escrever poesia. Mas é preciso
levar em conta todos os estados de desiquilíbrio mental e etílico de AdolfoDido.
HELOISE: Sabemos que Quantas madrugadas tem a noite foi publicado pela
Editora Caminho em 2004. Este livro chegou a ser editado anteriormente em Luanda?
Em que ano ele foi escrito?
ONDJAKI: QMTN foi publicado simultaneamente em Angola (Nzila) e Portugal
(Caminho). O grosso do livro foi escrito entre 16 de fevereiro e 1 de março de 2002.
Logo após ter concluído o livro Ynari...
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HELOISE: Em Bom dia camaradas e Os da minha rua, as personagens que
habitam as narrativas são pessoas reais ficcionalizadas. Já em Quantas madrugadas tem
a noite, a presença de personagens-tipo é mais constante. Essas personagens também são
baseadas em indivíduos reais?
ONDJAKI: Há situações que derivaram directamente da vida real. A estória central
do livro, o enterro de AdolfoDido, foi-me contada por telefone, pela minha e. Alguém
próximo da família tinha ido a um enterro onde se debatia justamente a questão de quem
seria a vva mais oficial, se a senhora que se havia casado no civil com o morto, se a
actual amante. Também é verdade que um homem morreu num hospício em Luanda, e
que foi raptado da morgue do hospital para receber uma segunda autópsia no Hospital
Militar de Luanda. A partir daí começa a minha viagem de escritor.
A personagem PCG também é baseada numa criança de rua que eu conheci muito
bem e que tinha uma estória semelhante à que se passa no livro. Por outro lado, a
KotaDasAbelhas é uma personagem directamente baseada numa mais-velha, angolana,
mas que vivia em Portugal, num apartamento, com um o enorme que lhe ocupava,
sobretudo, a sala.
As abelhas também são de inspiração real, uma vez que a nossa casa de praia
esteve, por duas ocases, completamente tomada por abelhas, impedindo-nos, mesmo,
de a frequentar. Lembro-me de que íamos à praia, e íamos ver se as abelhas estavam
em casa”. Se elas estivessem, fazíamos na praia, perto da água, pouvamos as coisas, as
bebidas, as comidas, e não entrávamos em casa. Até que um dia o meu pai e um amigo,
vestidos com imensa roupa e capacetes de moto, foram exterminar as abelhas com o
inseticida próprio. A quantidade de mel encontrada no texto falso da casa impressionou-
me, eram litros e litros de mel, muito bom. Chegamos a comer desse mel.
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HELOISE: No desfecho do conto “Padre mata anjos, do livro Momentos de aqui,
é dito que a igreja da praia do Bispo só reabriria com o enterro de Sankara. Essa
personagem tem ligação com o primo do narrador do conto “Nitó que também era
Sankara de Os da minha rua? Para am disso, esse primo apelidou o narrador de
Adolfo. Qual a relação desta personagem com AdolfoDido de Quantas madrugadas tem
a noite?
ONDJAKI: Na realidade, Nitó, ou Sankarah, ou ainda Nilton João (seu nome de
baptismo e civil) era um primo meu que morreu muito jovem, de câncer, quando eu era
um miúdo. Justamente, eu devia estar a concluir a 9ª classe quando o Nitó faleceu. Dois
anos antes, ele chegou a viver na minha casa. E ele tinha essa brincadeira de me chamar
de Adolfo, e daí retirei apenas o nome. Quando o narrador diz que a Igreja reabriria
anos mais tarde, com o enterro do Sankarah, essa informação não corresponde à
verdade, porque a Igreja nunca foi encerrada. Mas é verdade que havia um Padre na
Praia do Bispo que foi expulso da paróquia devido a comportamentos pedófilos.
HELOISE: O padre, que foi acusado de ter violado a personagem Paurlete, no
conto “Padre mata anjo”, é o mesmo que, no livro Quantas madrugadas tem a noite,
aparece dando bêão ao filho da própria Paurlete? E mais, há a possibilidade desse
padre ser o pai da criança?
ONDJAKI: Não se diz que se trata do mesmo Padre. Dificilmente seria o mesmo.
E também não tenho informações, verídicas ou literárias, que o filho da Paurlete possa
na realidade ser também filho do Padre Inácio.
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HELOISE: Em Quantas madrugadas tem a noite, a citada visita ao sítio de Manuel
de Barros ocorreu de fato?
ONDJAKI: Para a personagem, ocorreu, claro. É isso que esta diz, acredita quem
quiser. Pelos vistos, antigamente, houve alguma delegação que visitou o Brasil, e por
alguma razão, esteve com o mais-velho Manoel de Barros.
HELOISE: No conto “Os óculos da Charlita, do livro Os da minha rua, Gadinho
aparece como amigo de inncia da personagem principal. Em Quantas madrugadas tem
a noite, uma personagem também se chama Gadinho. Há alguma relação?
ONDJAKI: Provavelmente, deve ser a mesma pessoa...
HELOISE: No recente encontro com os escritores Pepetela e Inês Pedrosa,
realizado dia 9 de julho, estes divergiram quanto ao que é mais importante para a
escrita: o conteúdo ou a forma. E para vo? Qual a sua principal preocupação: com a
forma ou com o conteúdo? Ou com os dois? Concorda com a idéia de Inês Pedrosa de
que todas as estórias já foram contadas?
ONDJAKI: A minha preocupação costuma ser com a estória. Ter uma boa estória,
ou pensar que tenho uma boa estória, ajuda-me a escrever. Não gosto de escrever por
planejamento lógico, gosto mais de ser invadido pelo gosto literário de escrever para
contar. Preciso dessa energia para seguir escrevendo. Não penso que haja apenas uma
escolha: ou forma ou conteúdo. Julgo que a forma de contar muitas vezes se transforma
também em conteúdo, isso é nítido em Guimarães Rosa, em Luandino, em Mia Couto,
em Manuel Rui.
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Sim, quase todas as estórias já foram contadas, passaram-se demasiados anos e
demasiados livros até a nossa época. O desafio, hoje em dia, talvez seja o de saber
recontar o que havia sido dito. Ou de contar com texturas mais contemporâneas.
HELOISE: Assim como Pepetela, você é formado em Sociologia. Pepetela disse
que sua formação o ajudou a pensar melhor o coletivo para ficcionalizá-lo. Ser
soclogo também faz diferença para você em suas criações artísticas?
ONDJAKI: Ainda o sei responder a esta questão. Mas é provável que sim. Como
indivíduo, mais do que como escritor, a Sociologia deu-me novos instrumentos e modos
de ver e pensar a sociedade. Deu-me ferramentas de análise e de comparação. E o
escritor é também o indivíduo que eu sou, com algumas das coisas que sei. É provel
que a Sociologia me afecte a escrita, mas também a sica, as poesias que opto por ler,
os filmes que opto por frequentar, e até os livros que escolho o ler.
HELOISE: Você se considera um escritor otimista? Por q? E suas estórias
também são otimistas?
ONDJAKI: Não saberia responder a isto... Não é intencional. Não é que eu queira,
mas acabo por ver que as minhas estórias não o pessimistas, não são em torno das
coisas negativas da vida. Ou pelo menos as minhas estórias o são tratadas de um modo
pessimista. Eu me considero um sonhador mais que um escritor. E me considero também
uma pessoa ainda livre e perdida na sua criatividade. Não quero definir nem
compreender, quero apenas viver. Ir sendo. Ir escrevendo, portanto.
HELOISE: Qual a importância da alegria em Quantas madrugadas tem a noite?
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ONDJAKI: Eu acho que a raiz da vida luandense tem muito a ver com a alegria,
com uma celebração que é constante e criativa. Acho que QMTN é um livro sobre vidas
em Luanda, sobre vidas angolanas. É nesse sentido que as celebrões caluandas
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tinham que aparecer, e apareceram.
HELOISE: Você acredita realmente ser possível, ainda hoje, encontrar alegrias em
meio ao desencanto social?
ONDJAKI: Sem dúvida. Os angolanos o fizeram outra coisa durante séculos e
culos. Mudam as dificuldades, os tempos, os desafios, mas o povo segue enraizado
nesse modo de ser que é quase uma ficção constante, dria, contrariando o que não
interessa, o que tira a força, o que impede de daar. Não é só a dança dos corpos, é do
olhar também, das os, da vida, do discurso. A guerra sempre foi a mancha nos nossos
prazeres...
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Luandenses.
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