fundamentais da sociedade contemporânea, como os relativos aos modos de existência propostos
nesses materiais quanto às questões de gênero e às formas de sexualidade constituídas como
verdades a serem aprendidas e vivenciadas.
2 Defino “dispositivo pedagógico da mídia” no texto “ ‘Técnicas de si’ na TV: a mídia se faz
pedagógica”, como um aparato discursivo e ao mesmo tempo não-discursivo a partir do qual
haveria formas muito particulares de produção do sujeito contemporâneo (Fischer, 2000, p. 115).
gias de captura de determinados públicos, em certas épocas e horários; c) os modos de articulação
do público com o produto veiculado, dados por situações muito diferentes, como as pesquisas de
marketing e as pesquisas de audiência, as manifestações dos receptores buscadas e veiculadas
pela própria televisão ou por outros meios de comunicação, como jornais e revistas; também as
formas de participação e intervenção do público, permitidas por outras situações, como aquelas
que se dão no âmbito das próprias pesquisas de recepção; d) finalmente, a trama de visibilidades
teria a ver igualmente com as condições de produção e de emergência de certos discursos que
circulam em determinados produtos da mídia, em certa época e lugar; trata-se aqui das práticas
institucionais, dos acontecimentos políticos, dos diferentes processos econômicos e culturais que,
como nos ensina Foucault, não seriam “expressão” de um discurso nem sua causa imediata, mas
algo “que faz parte de suas condições de emergência” (Foucault, 1986, p. 187). Fica claro, portanto,
que falar de visibilidades é falar também de enunciados, daquilo que se “murmura”, das coisas ditas
em determinado tempo e lugar.
Para exemplificar, trago imagens que hoje são presença obrigatória na televisão, nas revistas, nos
jornais: a figura das meninas adolescentes que ascendem meteoricamente ao estrelato do
chamado mundo fashion. Se nos debruçarmos sobre essas imagens, sobre a reiteração desses
corpos jovens, quase infantis, sobre a insistência de seus olhares duros e frios, distantes,
atemorizadores até, podemos descrever um pouco dessa discursividade de elogio a um corpo que
se faz belo e desejável de um determinado modo, e que se associa àquilo que Jurandir Freire Costa
chama de cultura das sensações, de cultivo de uma “subjetividade exterior” (Costa, 2001). Tudo
indica que tal discurso se constrói a partir de outros discursos, ou a eles se associa, sem medo de
uma possível incongruência. Aliás, parece fazer-se exatamente dessa fragmentada incongruência:
nos textos e imagens que oferece sobre a última novidade no mercado das passarelas, a mídia é
capaz de nos remeter àquele fato como “coisa do mercado”, como sucesso econômico e
profissional, simultaneamente como revelação de uma inocência bela a se expor a nossos olhos e,
ainda, como oferta de “carne”, de “suculência”.3 Em outras palavras: o discurso hedonista de nosso
tempo associa-se, sem qualquer pudor, a um discurso politicamente incorreto, relacionado a uma
sugestão pouco velada de pedofilia – mesmo que a mesma mídia, a mesma emissora ou rede, por
vezes até simultaneamente àquele tipo de emissão, dediquem-se “sinceramente” a combater o
crime de assédio sexual de adultos a crianças e adolescentes.
Assim, tratar de visibilidades, na análise enunciativa proposta por Foucault, significa tratar dos
espaços de enunciação de certos discursos – espaços institucionais muito definidos, como é o caso
da escola, por exemplo, e espaços mais fluidos e amplos, como é o caso da mídia, em sua relação