No interior deste quadro, lateja uma referência a Napoleão,
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que chegara até mesmo a ser encarado, em Portugal no decorrer
da guerra, como o Anticristo, o pior dos males.
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Debret, no co-
meço do século XIX e na esteira de David, detivera-se em temati-
zar a figura de Napoleão em seus quadros. David fez o magnífico
Napoleão em pose eqüestre, quase uma estátua, de contornos níti-
dos e invioláveis, onde o cavalo está prestes a galopar, elevando a
parte dianteira do corpo ao erguer elegantemente as patas da fren-
te. Entre o cavalo e o general, há um movimento viril que os une,
quer pela continuidade dos corpos, quer pelo manto de Napoleão,
que se estende do seu torso até a cabeça do cavalo, num movimen-
to esvoaçante. Napoleão, o general por excelência, doma a ânsia
do animal, aponta com o indicador o rumo a ser seguido, encaran-
do fixamente o espectador, sem desviar os olhos e demonstrando,
de novo, a sua capacidade de dominar. O céu revolto reforça a no-
ção de movimento que está em curso no plano histórico.
Unindo-se, portanto, o movimento da ação humana com aquele do
âmbito da natureza, um colaborando com o outro. Ao fundo e em-
baixo, soldados marcham na direção apontada pelo Corso, em-
purrando com esforço e dificuldade o canhão. Como seu primo,
Debret pintou Napoleão em mais de uma oportunidade, expondo
seus quadros nos Salões franceses do início do século XIX.
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Cabe
reparar numa obra em especial, cuja ordenação cênica coincide
um tanto com a da Coroação de D. Pedro.
Num dossel elevado por degraus, Napoleão, atencioso e em
trajes militares, ouve um velho senhor encasacado, rodeado de mi-
litares com suas fardas solenes, cercado pela nobreza enfeitada e
12 Sobre a Coroação de Napoleão, ver CABANIS, 1970, p.208-24 e 251-4.
13 Havia uma infinidade de poesias e sermões, textos, combatendo ou exorci-
zando Napoleão que circulavam, neste período em Portugal, como a obra do
padre Manuel Joaquim Rodrigues Ricci, que se encontra em ANTT, RMC,
Requerimentos para a impressão e censura de livros, 1810/XII/15, e outros
em ANTT, RMC, Ms 2860, 2862, 2863, 2864, 2865. Ver: CASTRO, 1989,
além de BNL, Iconografia, D101P, D102P, D103P, D105P. Também no Rio
de Janeiro, na década de 1810, circularam o Diálogo entre Lúcifer e Bonapar-
te, e o folheto Receita especial para fabricar Napoleões.
14 FRANCO, s. d.