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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Alteridade-Mulher: a perspectiva da integralidade na atenção ao
pré-natal como desafio ao ensino e à formação de profissionais de saúde
Maurício Moraes
Porto Alegre, dezembro de 2008.
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Maurício Moraes
Alteridade-Mulher: a perspectiva da integralidade na atenção ao
pré-natal como desafio ao ensino e à formação de profissionais de saúde
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Faculdade de
Educação, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Grupo Temático : Educação em Saúde.
Orientador : Prof. Dr. Ricardo Burg Ceccim
Porto Alegre, dezembro de 2008.
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Sumário
Alteridade-mulher: porque esta é uma questão à pesquisa ______________ 5
Aproximações com a mulher e uma singularidade contemporânea: as
adolescentes _________________________________________________ 14
Formação em saúde: ensinar Saúde da Mulher ______________________ 20
Cuidado e integralidade ________________________________________ 28
Alteridade como critério para o cuidado na perspectiva da integralidade e
suas implicações para a educação _________________________________ 34
Representação dos estudantes de medicina sobre a adolescente grávida. _ 38
Interrogação das práticas de atenção e ensino na saúde: educação
permanente e o poder analítico da Educação _______________________ 68
Referências (obras citadas e projeto de estudos) _____________________ 71
O Médico à procura do ser humano
Antigamente a simples presença do médico
irradiava vida. Antigamente os médicos eram também
feiticeiros. “Mestre, diga uma única palavra, e minha
filha será curada...”. A vida circulava nas relações de
afeto que ligavam o médico àqueles que o cercavam.
Naquele tempo os médicos sabiam dessas coisas. Hoje
não sabem mais...
É. A vida lhes pregou uma peça. E hoje a imagem
que eles vêem, refletida no espelho, é a de uma unidade
biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos
especializados, e que vende serviços... Os médicos
sofrem por saudade de uma imagem que não existe mais.
Rubem Alves
O Médico
Alteridade-mulher: porque esta é uma questão à pesquisa
O cotidiano profissional do médico é marcado por momentos instigantes.
Constantemente nos deparamos com situações nas quais temos o “poder” de intervir
de modo decisivo na vida das pessoas. Segundo Rubem Alves, em O médico, esta
intervenção tem ocorrido, entretanto, na lógica de “unidades biopsicológicas
vendedoras de serviços” em lugar de “sujeitos implicados com a vida” (Alves, 2002).
Creio que a minha trajetória como médico e professor possam atestar a escolha pela
implicação com a vida. Talvez nas distinções entre um agir e outro resida justamente
o elemento-chave desta dissertação, a necessidade de “encontrar-se” com o outro,
para dele cuidar. Sem encontro, sem “afecção” pelo contato com o outro, cuida-se do
que entre os humanos pode ser homogêneo, não do que pode ser singular. Se cuidar
em saúde é cuidar da vida, então essas singularidades, são as singularidades do viver.
Tudo que houver de homogêneo (somos seres da mesma espécie biológica e vivemos
em contratos culturais coletivos) se inscreve em diversidades, o “tornar-se” de cada
um, seu vir-a-ser, as invenções do si mesmo. Não pertencendo ao homogêneo, às
singularidades não constam da “disciplina médica”, apenas existem no encontro
daquele que narra ou vive (mesmo sem uma narrativa atualizada em linguagem) com
aquele que escuta, vê ou sente. A alteridade, o outro reverberando em nós, é a
resultante do encontro. A alteridade não acontecerá se não houver exposição ao
outro, contato com sua singularidade. A exposição/contato com o outro envolve
sensações e, com certeza, estas não são propriedades presentes em um mero
prestador/vendedor de serviços, e que mecanicamente executa sua prática, não
conseguindo ir para além da razão científica que conduz, em nossa sociedade
disciplinar, as práticas profissionais. Entre essas práticas, muito especialmente a
prática médica da biomedicina/biopolítica, fulcro científico da disciplinarização.
Muito antes de conhecer o termo alteridade, a convivência com pacientes e
posteriormente com estudantes, nas mais variadas ocorrências do cotidiano da saúde
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geravam em mim uma sensação desconfortável de impotência e limitação. Parecia
que tudo o que eu havia aprendido no “universo” da medicina já não se mostrava
suficiente para responder ao que o contato com o outro produzia em mim. “Também
estou sofrendo...”, era a minha sensação, pois cuido das “coisas” que me são trazidas,
mas não de quem as traz. Ao colocar-me no lugar de cuidador, eu precisava de algo
que não encontrava nos livros de ensinamentos médicos, os quais invariavelmente
abordam uma perspectiva essencialmente técnica, aquilo que há de homogêneo e que,
nesse sentido, desindividualiza e naturaliza. Desaparece o narrador, ficando da
narrativa apenas aquilo que conduz ao perfil do homogêneo. Refiro-me à escuta, ao
olhar, ao toque, atitudes que deveriam permear o momento do encontro de um
cuidador com aquele que precisa e deseja ser cuidado. O que há para cuidar é o que
torna as pessoas iguais ou o que nelas é diferença, pulsação, margem? Nosso cuidado é
para acentuar homogeneidades ou produção de singularidades? Ao buscar motivos
que justificassem a ausência destes elementos na prática clínica, pude reforçar a
hipótese de que o modelo educacional contribuía para esta ausência, uma vez que não
contemplava essa formação e não problematizava esta questão. Esta percepção
despertou o desejo de buscar saberes que fossem agregados ao cotidiano profissional
de uma forma mais consistente, transformando este cenário de atuação. Quanto mais
vibrantes as interrogações, maior o empurrão para a Educação: como se formariam
gerações de pensadores “senti-pensantes” (Galeano, 1989)?
Não se tratava de descobrir ou de criar “novas verdades” ou, ainda,
simplesmente de contrapor um determinado modo de agir, mas ampliar as
possibilidades compreensivas sobre o formar, permitindo um “fazer” implicado com
as pessoas e em defesa da vida. Quem sabe uma tematização do cuidado tornasse
palpável esse fazer implicado, tomando-o como um objeto de estudo da educação no
campo da saúde. A temática do feminino despontou como escolha, especialmente na
atenção pré-natal, onde a biologia da reprodução toma um lugar “naturalista”, algo do
tipo: somos animais vertebrados e mamíferos, nos mantemos como espécie graças a
reprodução. Esta se faz por meio de gametas que se encontram pela cópula e geram
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novos seres pela gestação no útero materno, demandando lactação materna e
sobrevivência mediante vínculo de amor materno (aqui já um pouco de psicanálise da
biologia). Pois bem, a tematização do cuidado implicava o feminino, não apenas a
mulher. Uma novidade diante do biológico naturalista: sexo feminino igual à mulher,
mas gênero feminino diferente de mulher. Feminilidades e mulheres. Atender no
pré-natal aos animais humanos do sexo feminino ou às mulheres e suas
feminilidades? A temática ganhava um
corpus.
A temática não surgiu da busca
teórica, mas de uma interrogação no professor: um de meus alunos de medicina que
intencionava fazer uma pesquisa sobre planejamento familiar na adolescência.
Angustiava-o o número elevado de gestações entre as meninas. No decorrer da
conversa, notei que a preocupação do acadêmico era a de “conscientizar” as
adolescentes sobre a inadequação de engravidar nesta fase da vida, apresentando
como proposta para a resolução deste “grave problema de saúde” a realização de
palestras com ênfase na utilização correta de métodos anticoncepcionais e “educação
sexual”. Por que ele via a gestação e não a menina? O que ele via da menina? Quem
são as meninas? O que acontece com as mulheres nessa fase da vida que não é
homogêneo ou hegemonizado pela biomedicina/biopolítica? Que “formação” eu
proporcionaria? Eu sei quem são as mulheres que estão descritas no referencial
médico-bibliográfico da gineco-obstetrícia? As adolescentes impõem-se como uma
faixa etária ou como feminilidades pulsáteis de um tornar-se, singularizar-se,
interrogar-se e interrogar-nos? O diálogo com o estudante denunciava as concepções
que têm sido utilizadas no ensino da saúde e no ensino da prática de cuidado à
mulher. Revestidos por uma “túnica de verdade”, os saberes biomédicos assumem o
papel de interventores e direcionam as ações em saúde na lógica da reprodução de
procedimentos tecnicistas que investem sobre o corpo, as condições de vida e todo o
espaço de existência (Foucault, 1988). Esta forma de agir não é capaz de contemplar
eventos de vida e dar guarida às singularizações nela presentes. Que racionalidades
exercem influência nas práticas vigentes de educação em saúde da mulher?
8
Ao me propor à temática da gestação e da adolescência se fez imprescindível
uma visita ao que tem sido construído sobre o universo feminino e as questões da
maternidade ao longo do tempo.
Aristóteles (350-340 a.C) e depois Galeno (160-170 d.C), utilizando-se de uma
ordem natural explicada por princípios cósmicos, afirmavam que no topo da cadeia
dos seres vivos encontrava-se o homem, pois o mesmo tinha natureza quente e seca,
seguido da mulher, hierarquicamente inferior por ser fria e úmida (Martins, 2004, p.
27). Neste pensamento, evidencia-se uma noção de perfeição baseada no calor vital,
sendo a mulher imperfeita, pois não possuía calor suficiente para exteriorizar seus
órgãos sexuais que vêm invertidos. Fica clara a idéia de que a diversidade entre
homens e mulheres na vida social tinha justificativa na natureza e seus corpos eram
expressão de uma realidade estável, tendo o elemento masculino poder dominante.
No século XVIII, utilizando-se da lógica da ciência moderna, vários autores
tentaram definir, pela observação das diferenças sexuais, um determinado padrão de
comportamento da sociedade especialmente o comportamento feminino (Martins,
2004, p. 33). As principais literaturas da época faziam referência às características
fisiológicas, ao corpo e à vida sexual, reforçando a idéia de vida saudável como vida
regrada e de acordo com os padrões do “higienismo” vigente. Já no final do século
XVIII, sexo e raça passaram a ser categorias cada vez mais inter-relacionada e
constitutiva de embates políticos acirrados, cada vez mais sexistas e racistas.
Ainda no final do século XVIII e início do século XIX, vários autores
procuravam definir a especificidade feminina a partir de critérios objetivos fornecidos
pela ciência biológica. Tentava-se definir o que era a mulher, destacando-se a obra do
médico Pierre Roussel (
Du Système Physique et Moral de la Femme
, 1775), que a
partir do reconhecimento da “diferença” feminino em relação ao homem, e
influenciado por Rosseau, estabeleceu a relação entre a especificidade do corpo
feminino e a função social da maternidade (Martins, 2004, p. 38). O útero passou a ser
a prova, para os médicos iluministas, de que a Natureza não havia criado um ser
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imperfeito, mas que fôra confiado às mulheres a missão de gerar e dar a luz,
reforçando o que os rousselianos defendiam para a mulher: ser mãe. Criou-se, então,
uma imagem moralmente superior da mulher, desde que seu corpo cumprisse as
funções sociais do casamento e da maternidade. Por outro lado, se caísse no
desregramento, facilmente seria doentia. No século XIX, as opiniões e os escritos
médicos possuíam um valoroso respeito, pois suas verdades estavam sustentadas pelos
achados científicos e laboratoriais e pela crescente demanda feminina que lhes
confiava segredos no território da clínica (Martins, 2004, p. 43). Nesta época, nascia
uma nova ciência: a ciência da mulher. Ao mesmo tempo em que determinavam
certo avanço nos estudos sobre as mulheres, os médicos influenciavam o pensamento
sobre as mulheres e a sexualidade feminina com vigor até o século XX, com idéias
fortes como a de que a mulher normal seria a “anestesiada” para o exercício de sua
sexualidade, estando canalizada para a função reprodutiva. A sexualidade era livre às
prostitutas, pois que delas não se esperava a reprodução.
Na atualidade, as discussões subsidiadas pelo arcabouço constituído sobre
gravidez e maternidade fizeram com que as mesmas se tornassem relevantes no
universo antropológico não se encerrando nos fatos biológicos, mas contemplando
dimensões culturais, sociais e afetivas. Deste modo, gravidez e maternidade podem
ser estudadas integradas aos sistemas de valores mais amplos no contexto das
concepções de corpo, de reprodução e das relações de gênero, onde adquirem
multivariados significados (Paim, 1998, p. 31). Ainda que gravidez e maternidade
possuam caráter social, são percebidas pelos indivíduos como um processo da
natureza, sendo uma imposição social impulsionada pela educação e formação (Paim,
1998, p. 33).
Tomando por base os movimentos feministas, há uma construção no sentido
de demonstrar a separação existente entre mulher e mãe como sujeitos distintos que
não se sobrepõem e que não são uma extensão necessária uma da outra. Muitas vezes
os discursos na educação e na saúde valorizam as capacidades “inatas” das mulheres
10
como a de priorizar as necessidades de seus filhos em lugar de suas próprias e
legitimar a capacidade de inserção da mulher no mercado de trabalho
concomitantemente à maternidade. Um dos efeitos de poder dessa articulação é o
reforço da responsabilidade feminina pela reprodução biológica e social, pela
educação dos filhos e outras necessidades que garantam a sobrevivência da família
(Meyer, 2005, p. 97-98).
Direcionando a abordagem para a adolescência, as concepções correntes
definem esta faixa etária como uma “etapa problemática da vida”, trazendo a
representação da “crise” como definição. Segundo Heilborn (2006, p. 39), a juventude
abriga uma noção de tempo ideal na qual a incerteza de projetos é admissível e o
futuro está ainda por se definir.
Diversos estudos sócio-antropológicos buscam caracterizar a juventude em um
amplo território de diversidade social, trazendo perspectivas diversas como a inserção
no mercado de trabalho, a educação e as expressões culturais. Alguns fenômenos têm
sido apontados nesses estudos que demarcam a adolescência como um processo de
passagem para a vida adulta, entre eles um “prolongamento da juventude” e o
adiamento da vida conjugal, porém em virtude das marcadas diferenças sociais e
regionais na sociedade brasileira, essas especificidades variam segundo as diferentes
condições materiais e os diferenciais de gênero e raça, vividos pelos grupos sociais,
fazendo aparecer um perfil muito heterogêneo de trajetórias juvenis. Essa
característica pode ser exemplificada por meio dos indicadores de educação (Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica - Saeb), que revelam que, em 2003, 16,7%
dos jovens com 16 anos de idade já se encontravam fora da escola. Com relação às
diferenças regionais, os dados de escolaridade mostram que na área metropolitana de
Porto Alegre, 61,1% dos jovens entre 20 e 24 anos encontram-se freqüentando a
universidade, enquanto na área metropolitana de Salvador este número cai para
30,2% (Pesquisa Gravad - Heilborn
et al
., 2006, p. 41).
11
Considerando a juventude como responsável pela ruptura com uma
determinada ordem de valores e padrões, a mesma é vista normalmente sob o prisma
do “problema social” e, nesse contexto, a gravidez na adolescência carrega um fardo
de discriminação por ser um dificultador ou impeditivo para o desenvolvimento
daquilo que é considerado desejável para o desenvolvimento nessa faixa etária. Esse
discurso ou postura encerram um total desconhecimento sobre a diversidade e
desdobramentos da gravidez na juventude e, ainda, não levam em consideração um
cenário de circunstâncias sociais onde talvez a escola não se apresente como uma
alternativa atraente ou necessária para descartar a opção pela parentalidade (Heilborn
et al
., 2006, p. 43). Vale perguntar: o que compete ao cuidador em saúde que recebe
essa menina em atenção pré-natal?
Pinheiro (2000) cita que “em uma perspectiva sócio-cultural, a maternidade
entre as adolescentes é situada em relação ao contexto social em que se inscreve”,
devendo ser enfocada como manifestação de uma rede de significações doadora de
sentidos e como alternativa de construção de um projeto de vida que seja “compatível
com as expectativas, normas e possibilidades disponíveis”.
O foco da minha tematização, agora um estudo, será o ensino na circunstância
da atenção à gestação na adolescência, buscando apresentar as características
existentes na formação médica relacionadas ao tema, bem como o imaginário de
estudantes e professores, apontando tarefas ao ensino da saúde, utilizando como
referenciais teóricos autores que sustentem os conceitos de alteridade, cuidado,
integralidade e racionalidades médicas. A pesquisa será realizada com a proposta
metodológica qualitativa, com técnica de coleta de dados pautada no grupo-
dispositivo e em grupos focais.
Pretende-se utilizar autores que sustentem um mapa de conceitos e não a
filiação intelectual a uma vertente do conhecimento. Entre os autores estão
pesquisadores da área de gênero e saúde (Britzman, 2006; Giddens, 1993; Louro,
2003; Meyer, 2005, Scott, 1995 etc.); educação dos profissionais da área (Ceccim &
12
Capozolo, 2004; Ceccim & Feuerwerker, 2004 e Marins, 2004, por exemplo);
maternidade e gravidez na adolescência (tais como Madeira, 1997; Heilborn
et al
.,
2006 e Scavone, 2001); integralidade na atenção (Pinheiro & Mattos, 2003; Luz, 2004;
Paim, 2006, entre outros); alteridade (Rolnik, 2006; Naffah Neto, 1998; Deleuze,
1992; Guattari, 1987, principalmente); contemporaneidades e feminilidades
(destacando Bourdieu, 1995; Britzman, 1996; Lupton, 2000), dentre outros suportes
epistemológicos às argumentações que forem se apresentando.
A aproximação e a sustentação que esta pesquisa pretende trazer é a da
integralidade como alteridade-dependente (Rolnik, 2006), descrevendo os
componentes presentes no desenvolvimento da alteridade, salientando a
afecção
como decorrente do encontro/contato de um “corpo sensível” que escuta as histórias,
memórias e desafios de outro “corpo sensível”.
Tomando a proposta de desafio para a formação na perspectiva da
integralidade, esta pesquisa tentará trazer a temática da integralidade “pelo menos
como o reconhecimento da produção de subjetividade” (Ceccim & Capozolo, 2004).
Focaliza-se a atenção em saúde e a educação para o cuidado na perspectiva da
integralidade.
Após uma breve revisitação da literatura referente à gestação na adolescência,
relativamente à sua contextualização psicossocial e quanto às questões de gênero,
aspectos da formação, do serviço e de suas racionalidades, assim como algumas
concepções das políticas públicas, serão evidenciadas possíveis limitações na
resolução das demandas femininas para além dos aspectos gineco-obstétricos e, assim,
optei pela integralidade como meta para a transformação da realidade da atenção à
saúde da mulher, em particular o ensino/formação de profissionais da assistência para
a prestação desse cuidado. Neste cenário, a alteridade assume o protagonismo, sendo o
critério fundamental para a prática da integralidade.
Convergindo nesta direção, formulo como “tese” a “Alteridade-Mulher”,
utilizando a proposta de “casos-pensamento” que para Siegmann & Fonseca (2007),
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são uma ferramenta de pesquisa que se aproxima do ato de conversar, configurando-
se como dispositivo de subjetivação e espaço de criação. A Mulher, a Alteridade, o
Cuidado e a Integralidade serão os elementos discutidos neste trabalho,
contextualizando o ensino de estudantes de medicina numa aprendizagem que diga
respeito às mulheres como construção subjetiva, singular, mesmo em face da
maternidade, onde a tendência do ensino médico profissional é a da visualização da
gestante e/ou lactante em detrimento da mulher na perspectiva das feminilidades.
Aproximações com a mulher e uma singularidade contemporânea: as
adolescentes
Na atualidade, a faixa que delimita a infância e a idade adulta é muito
discutida na sociedade. Em pesquisas, costuma-se adotar o critério cronológico, o qual
facilita os procedimentos investigativos epidemiológicos, porém, o mesmo não
consegue dar conta da complexidade biopsicossocial característica dessa etapa da vida.
Tomando por base o aspecto legal, a Lei Federal nº 8.069, de 13/07/1990, mais
conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, define-se como adolescência a
faixa etária compreendida entre os 12 e os 18 anos de idade. Já a Organização
Mundial da Saúde circunscreve a adolescência à segunda década da vida (de 10 a 19
anos) e considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos. Esses conceitos
comportam desdobramentos, identificando-se adolescentes jovens (de 15 a 19 anos) e
adultos jovens (de 20 a 24 anos); ressaltando que o Ministério da Saúde adota o
mesmo referencial utilizado pela Organização Mundial da Saúde (Brasil, 2005).
O território da adolescência normalmente é visto como um problema social e
é caracterizado por expressões como desordem, crise e risco. Aliás, o termo “risco” é
utilizado com bastante freqüência, como se pode observar nos termos de gravidez de
risco, risco elevado de contrair HIV e risco de morte em virtude da violência. O risco
generalizado parece, assim, definir e circunscrever negativamente esse período da
vida, gerando expressões, ações e posturas absurdas em relação aos adolescentes
(Brasil, 2005). Utilizando ainda o referencial teórico do Ministério da Saúde, ressalta-
se a adoção do termo vulnerabilidade, compreendido como a capacidade do indivíduo
ou do grupo social de decidir sobre sua situação de risco, estando diretamente
associada a fatores individuais, familiares, culturais, sociais, políticos, econômicos e
biológicos. A noção de vulnerabilidade confirma a necessidade da abordagem em
políticas públicas de uma visão plural, construída na diversidade e não na
universalidade do sujeito. Define-se, portanto, a necessidade de falar-se em
15
“adolescências”, ao referir-mo-nos àqueles sujeitos de uma dada faixa etária que
experimentam singularidades.
A Organização das Nações Unidas por meio do Comitê de Direitos da Criança
(Recomendação Geral n.º 4, de 6 de junho de 2003), afirma que garantir direitos ao
adolescente (menores de 18 anos), nos serviços de saúde, independente da anuência
de seus responsáveis, vem se revelando como elemento indispensável para a melhoria
da qualidade da prevenção, assistência e promoção de sua saúde. Cabe interrogar-nos
sobre nossas sensibilidades de escuta e compreensão sobre as adolescentes que
buscam atendimento em serviços de saúde. Quais valores de integralidade na atenção
são utilizados? No caso especial da gestação na adolescência, o que fazer com uma
gestante que quer o bebê e com uma que não o quer? Não parece que os serviços de
saúde, de uma maneira geral, consigam fugir do padrão biologicista não
reconhecendo as humanidades, e desta forma, não acolhem as singularizações do
andar a vida individual, a autopoiese da produção de si. Se temos a maternidade e a
lactação, temos a infertilidade, o aborto, o câncer de mama e de colo, além da
esterilização e das cesarianas em proporções excessivas cercando o segmento
feminino. Temos uma elevação do câncer de mama, denunciado pela epidemiologia
biomédica como resultado da ausência ou protelação de gravidez e pela ausência ou
redução do aleitamento natural, e temos a elevação da gravidez na adolescência
denunciada pela mesma epidemiologia como risco à sobrevida e à qualidade de vida
(Ceccim, 2007). Engravidar na adolescência ou adquirir câncer de mama na
maturidade (Ceccim, 2007)?
Em uma perspectiva diferenciada sobre a gravidez na adolescência Brandão
(2006), problematiza tal experiência à luz do processo de individualização juvenil,
fugindo do círculo vicioso que domina o debate público do tema, relativizando o
argumento da desinformação e valorizando o papel da vivência da sexualidade. O
autor afirma que é particularmente na esfera da sexualidade que os jovens ensaiam
formas de autonomização em relação aos pais, tornando-se o exercício da sexualidade
16
na adolescência uma via privilegiada para aquisição gradativa de liberdade e
autonomia, mesmo sob o teto parental. Estrutura-se um território próprio, íntimo,
que permite ao adolescente afirmar uma identidade de gênero mediada pelo
aprendizado da sexualidade com o parceiro. O autor conclui que a compreensão da
dinâmica que rege a construção social de adolescentes e jovens na
contemporaneidade é fundamental para a discussão de propostas educativas sobre
gravidez na adolescência. Em um outro estudo (Scott, 2001), o autor relata que a
convivência, observação e conversas mais prolongadas com mães muito jovens
costumam revelar que ter um filho não é nem tão impensado, nem tão fora dos
padrões, quanto todas as acusações sugerem. O fato de ter um filho adquire um
enorme valor simbólico, sendo um futuro alcançável e uma forma de ganhar
responsabilidade, parecendo que até pode valer a pena passar por este rito que marca
a saída da infância e a entrada numa vida plena de adulta.
Tomando por base os elementos apresentados sobre sexualidade e a
adolescência parece incontestável que esta temática necessariamente englobe um
contexto mais amplo quando se discute o papel da educação e dos serviços de saúde
voltados para os jovens. Uma das novidades deste cenário é a ênfase sobre o direito
das moças vivenciarem a sexualidade, sendo indispensável reconhecer a existência e
possibilitar o exercício da sexualidade feminina juvenil. Afirmar a legitimidade da
sexualidade na adolescência é considerar central essa dimensão no momento de
construção de autonomia dos jovens, acatando a noção de direitos como aquisição de
autonomia (Heilborn
et al.
, 2006).
O estatuto da criança e do adolescente (Lei nº 8.069 de 13/07/1990) traz em
seu artigo 17:
o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem,
da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos
pessoais.
Salientando que os direitos sexuais e reprodutivos se constituem de certos
direitos humanos fundamentais já reconhecidos em leis nacionais e internacionais,
17
sendo seus comandos centrais a decisão livre e responsável sobre a própria vida sexual
e reprodutiva; acesso à informação e acesso aos meios para o exercício dos direitos
individuais livre de discriminação, coerção ou violência (Brasil, 2005).
Outro fator bastante peculiar para o debate em torno da adolescência e
gestação é a transição demográfica que tem ocorrido no Brasil nos últimos anos, que
tem resultado em uma mudança na distribuição de idade das parturientes. As
mulheres mais novas são as mães de prole cada vez menos numerosa. Segundo Scott
(2001), pesquisas recentes insistem que a “adolescente engravidar” não é mais que
uma continuidade de um processo histórico bastante bem estabelecido. O fato de que
as suas mães não estão engravidando mais é o fenômeno novo, assim, cria-se uma
visibilidade “falsa” às jovens grávidas.
A pesquisa GRAVAD amplamente apresentada por Heilborn (2006), sobre
gravidez e adolescência realizada em três grandes capitais brasileiras, mostra alguns
dados muito ilustrativos sobre as discussões em torno da sexualidade e gravidez na
adolescência. Alguns dados merecem destaque como, por exemplo, as características
de ficar e namorar, por cidade e sexo, onde 86% das mulheres e 88% dos homens
entrevistados (idades entre 18 e 24 anos) da cidade de Porto Alegre tiveram
experiências de namorar e ficar, sendo que para os indivíduos que apenas namoraram
as relações sexuais aconteceram (no primeiro namoro) para 37% das mulheres e 44%
dos homens, sendo considerada como idade mediana do primeiro namoro de 15,4
anos tanto para homens quanto mulheres da cidade de Porto Alegre, RS.
Para as mulheres de Porto Alegre que iniciaram relações sexuais até os 15
anos, 82% iniciou atividade sexual com o namorado que em 44% dos casos possuía
cinco anos ou mais que as meninas, tendo conhecido este parceiro em 41% das vezes
na vizinhança do local onde residia. Com relação aos motivos que levaram à relação
sexual, para a mesma faixa etária, 41% das adolescentes apontaram “amor”, enquanto
que para os homens da mesma faixa etária este motivo apareceu para 21% dos rapazes
até 16 anos, sendo predominante para os homens o motivo “tesão” em 40% dos
18
entrevistados. Os (as) amigos (as) foram às pessoas que primeiro souberam sobre a
relação em 50% dos casos, para ambos os sexos, já com relação aos pais as
adolescentes informaram quase três vezes mais para as suas mães sobre a primeira
relação, comparado aos rapazes que informaram aos seus respectivos pais (homens).
Valendo-se da opinião de jovens de camadas populares (jovens cujas mães têm
até o nível fundamental completo de escolaridade) sobre a possibilidade de controle
do desejo sexual, segundo sexo e escolaridade, destaca-se que para 16,2% das
mulheres com nível de escolaridade fundamental incompleto não é possível controlar
o desejo sexual, enquanto este índice cai para 6,1% das mulheres com nível de
escolaridade superior incompleto. Para os homens, 27% apontam que não é possível
controlar o desejo sexual por muito tempo entre os de nível de escolaridade
fundamental incompleto, caindo para 22,7% entre os homens com nível de
escolaridade superior incompleto.
Com relação à idade da primeira união e experiência de gravidez neste
relacionamento, 83,6% das mulheres com idade entre 11 e 15 anos tiveram a
experiência de gravidez na primeira união, sendo que apenas para 3,2% destas
adolescentes a gravidez antecedeu a união. Para as adolescentes entre 16 e 18 anos,
73,4% tiveram a experiência de gravidez na primeira união, e em 9,3% dos casos a
gravidez antecedeu a união. Para os homens entre 11 e 15 anos em 51,5% deles
existiu a experiência da gravidez, tendo sido a mesma concomitante a primeira união
(entre um ano antes ou depois à união) para 57,1% dos adolescentes.
Tomando por base os dados específicos de gravidez a pesquisa aponta ainda
que as proporções de jovens com gravidez na adolescência nas capitais brasileiras
foram menores dos que as que podem ser inferidas em 43 países em desenvolvimento
da África, Ásia, América Latina e Caribe, sendo próximos àqueles de países da
América Latina, onde cerca de 1/3 das mulheres residentes em áreas urbanas já tinha
pelo menos um filho antes dos 20 anos. Mesmo considerando que as proporções
apresentadas nesse estudo não incluem as que só tiveram gestações terminadas em
19
aborto, ainda assim a experiência de gravidez na adolescência entre jovens brasileiras
é mais freqüente (Heilborn, 2006). Valendo-se de algumas características sócio-
demográficas como escolaridade e renda, salienta-se que 72,5% das mulheres com
gravidez antes dos vinte anos na cidade de Porto Alegre possuem nível de
escolaridade fundamental incompleto, enquanto que somente 10,2% das mulheres
com gravidez antes dos vinte anos, na mesma cidade, possuíam nível de escolaridade
médio completo ou superior. Com relação a renda familiar mensal
per capita,
67,7%
das meninas que engravidaram antes dos vinte anos tinham renda considerada muito
baixa (até R$ 90,00), enquanto que 5,4% das meninas que engravidaram tinham
renda considerada alta (acima de R$ 540,00).
Dados de outros censos como a Pesquisa Nacional em Demografia e saúde de
1996, apontavam que 14% das adolescentes já possuíam pelo menos um filho e as
jovens mais pobres apresentavam fecundidade dês vezes maior. Entre 1993 e 1998 em
torno de 50 mil adolescentes foram parar nos hospitais públicos devido a
complicações de abortos clandestinos, sendo três mil na faixa dos 10 a 14 anos
(Ballone, 2004).
No início dos anos 2000, foram realizados 689 mil partos de adolescentes no
Brasil, o equivalente a 30% do total de partos no país. Estima-se que mais
recentemente, aconteçam mais de 700 mil partos em adolescentes por ano (Ballone,
2003).
Tomando por base dados de outra pesquisa que comparava as mães adultas
com adolescentes, os mesmos apontavam para o fato de que as mães adolescentes
interagiam mais com seus bebês comparativamente às mães adultas, particularmente
nos aspectos “oferecer o seio” e “estimular o bebê”, sendo considerado este último
como os atos de tocar, acariciar, afagar, beijar, acalentar e esfregar o bebê
(Scappaticci, 2000).
Formação em saúde: ensinar Saúde da Mulher
Ao percorrermos o mundo da História é notável a observação de que alguns
conceitos permanecem ao longo do tempo com uma capacidade ímpar de se
perpetuarem. Apesar dos esforços de inúmeros autores que enriqueceram as
possibilidades e promoveram rupturas no universo da Educação e da Saúde, ainda
hoje podemos contemplar idéias, muitas vezes veladas, que nos conduzem a preceitos
datados há muito tempo. Em meados do século XIX, começa a se definir a
especialidade cirúrgica “ginecologia” ou “ciência da mulher” que responderia ao
cuidado à mulher, vista, então, pela observação, como um ser “diverso” pelo menos
no que correspondesse anatomicamente às características sexuais. Ainda influenciada
pela lógica do pensamento vigente no século XVIII, a ciência da mulher carregava
fortemente a conduta da prescrição e dos pressupostos orientados pela moral.
Somente ao final do século XIX, surge uma concepção ampliada do universo
feminino, marcada pelo fato de que talvez a mulher efetivamente possuísse uma
complexidade para além da função de reprodução e suas especificidades femininas
pudessem exigir uma prática cuidadora preocupada com a mulher e não com a
grávida. Aportamos, na atualidade, século XXI, como em um período marcado pela
transformação, inovação e pós-modernidade, particularmente os avanços tecnológicos
e um “repensar” das humanidades.
No Brasil, (Canesqui, 1987), descreve detalhadamente as políticas públicas à
saúde da mulher assinalando um recorte nos períodos pré e pós 1964. Segundo a
autora, entre 1930-1964 fica evidente a característica regulatória estatal com
mecanismos a proteção materno-infantil relacionados aos processos de formação e
reprodução da força de trabalho, com ênfase no cuidado individual e curativo, sendo
consolidado no período posterior a 1964, com o advento da medicina previdenciária o
que reforçou o enfoque da intervenção direcionada ao biológico de mães e mulheres
(demandas sociais reprodutivas).
21
Somente no início dos anos 80 surgiu uma lógica diferente no contexto das
políticas públicas em saúde da mulher com a criação do PAISM (Programa de
Atenção Integral à Saúde das Mulheres), caracterizando uma ruptura no modelo
tradicional do cuidado, com o advento do conceito de integralidade à atenção (Osis,
1998). Osis ressalta que a própria constituição da equipe formuladora do PAISM,
apontava por intermédio de seus integrantes, uma aproximação com o movimento de
mulheres o que indicava o direcionamento pretendido pelo programa, que em seu
texto salientava que todo momento de contato da mulher com os serviços de saúde
deveria ser utilizado em benefício da promão, proteção e recuperação de sua saúde.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Brasil, 2004)
apresentava como conteúdos o enfoque de gênero, a evolução das políticas de atenção
à saúde da mulher, o diagnóstico atual desta temática e perspectivas e diretrizes para
uma política integral para a saúde da mulher. Já na apresentação, definia gênero,
integralidade e promoção da saúde como princípios norteadores e apontava para a
perspectiva da saúde como um direito de cidadania. A Política trazia, também, alguns
dados epidemiológicos relevantes como o fato das mulheres serem a maioria da
população brasileira (50,77%) e as principais usuárias do Sistema Único de Saúde
(SUS).
Devemos supor, portanto, que na Saúde e na Educação, especialmente na
“educação em saúde da mulher”, as questões apresentadas no século XIX entraram em
superação e que já se pode praticar um cuidado pautado nas demandas femininas e
implicado com a noção de que a mulher não é mais “o ser reprodutor”, mas a
construção do feminino, experiência singular de construção de uma existência
atravessada por questões de gênero junto com questões de classe, geração, etnia,
orientação sexual, conjugalidade, inserção no trabalho e outras circunstâncias de vida
que, no mínimo, merecem guarida e escuta na atenção à saúde, mas também
processos cuidadores (acolhimento) e ativação das transmutações.
22
Muito se tem discutido sobre o perfil dos egressos dos cursos de medicina e as
transformações nos processos de trabalho no que se refere à qualidade e capacidade
resolutiva dos serviços de saúde. O limitado conhecimento e aplicação dos preceitos
do Sistema Único de Saúde, o direcionamento curricular fragmentado e
essencialmente tecnicista dos cursos e a pouca integração com outros profissionais da
área têm sido apontados como responsáveis na produção de um egresso limitado para
responder às demandas de saúde da população. A problematização dos principais
conceitos vigentes nos processos formativos, especialmente na saúde da mulher e, por
meio da fundamentação teórica na educação, permitem caracterizar possibilidades
que convirjam à direção da transformação da prática e do ensino médico, os quais
devem ser pautados pela defesa da vida e humanização.
As elaborações histórico-sociais da temática da gravidez na adolescência
servem de subsídio para a contextualização dos conceitos presentes na formação em
saúde da mulher. Valendo-nos, por exemplo, das questões de ordem moral
envolvidas, observamos a caracterização de uma “ilegitimidade” da gestação na
juventude que ocorre fora da união, contribuindo para a transformação do fato em
um problema social (Heilborn
et al
., 2006, p. 30). A concepção biomédica apresenta
justificativas biológicas sustentadas por dados epidemiológicos como o risco de
prematuridade e mortalidade infantil, reforçando esse paradigma ao unir-se à
psicologia que faz o diagnóstico de imaturidade psicológica aos jovens, o que traria
graves conseqüências para as adolescentes e suas crianças (Heilborn
et al
., 2006, p.
31).
Tomando por base os cenários da formação médica, percebe-se uma complexa
teia que relaciona poder e saber e dá sentido aos modos de educar e conduzir a prática
assistencial, especialmente na constituição de processos identitários que levam à
distinção e muitas vezes à segregação. Meyer (2005) problematiza os conhecimentos e
as práticas produzidos nas áreas de Educação e de Saúde afirmando que os mesmos
são instâncias de produção de representações. O fato de ensinar modos “corretos”
23
para o exercício da sexualidade e as atitudes “desejáveis” termina por conferir um
padrão de normalidade de acordo com uma identidade que é representada (Sabat,
2004), coagulando/cristalizando significados, suprimindo a invenção de sentidos para
realidades moventes. A simples observação de uma consulta pré-natal de uma jovem
exemplifica os argumentos citados. Todos os fatores de riscos possíveis são
demarcados, exames complementares das mais diversas ordens são solicitados em
nome de um desenvolvimento gestacional ser tornado protegido, porque de risco,
enquanto que muitas vezes não se propicia escuta qualificada às significações
presentes neste momento para as meninas.
Com os referenciais da Psicologia Social pode-se afirmar que a produção de
sentidos é um fenômeno sociolingüístico (Spink, 2004, p. 42), que utilizando a
linguagem, sustenta práticas sociais geradoras de sentido e busca entender as práticas
discursivas que atravessam o cotidiano. A questão que se apresenta é o quanto um
“discurso” apresentado nos processos formativos sustenta uma prática clínica, onde se
evidencia a centralização do atendimento em uma gestante ao contrário de uma
adolescente e sua singularidade. Tradicionalmente a preocupação com o corpo e com
os eventos da saúde reprodutiva na perspectiva técnica e biológica, marcadamente
excluem as vivências de gênero e os processos psicossociais do contexto do cuidado.
Problematizando o contexto das políticas públicas, pode-se perceber que as
mesmas são fortemente normativas e dirigidas invariavelmente para as mulheres dos
segmentos sociais mais pobres. Ao centralizar a discussão no aspecto “mulher-mãe”,
cabe perguntar que posições esses programas legitimam às mulheres, aos homens, aos
filhos e às filhas, como interroga Meyer (2005, p. 99), denunciando a existência de
uma política de maternidade nas políticas públicas de saúde às mulheres.
Levando-se em consideração as múltiplas demandas do universo feminino,
pode-se perceber um limitado vigor nas metodologias formativas e nas práticas
vigentes como dispositivos para o atendimento dessas demandas. Merhy (1998)
reforça a constatação da limitação dos modos de agir em saúde quando nos lembra
24
que “os modelos atuais de ordenamento das práticas clínicas e sanitárias já perderam
seu rumo maior - o da defesa radical da vida individual e coletiva”. No mesmo texto,
o autor refere a tentativa de construção de um novo modelo que permita impactos
positivos nos graus de autonomia e no andar a vida das pessoas: “o agir cumpliciado
do trabalhador com a vida individual e coletiva”, onde constituiríamos “um modo
competente de realizar a mudança de um modelo de atenção corporativo-centrado
para um usuário-centrado”.
Dentre os fatores contribuintes para a caracterização do modo de ensinar na
formação, as racionalidades médicas podem ser consideradas determinantes para a
condução dos rumos dos processos formativos. A análise do arcabouço constituinte da
denominada “Medicina Científica” permite que se apontem as mudanças ocorridas na
prática médica desdobrada desde o Relatório Flexner, de 1910. Silva Jr. (2006, p. 45-
46) cita estes elementos dos quais retiramos quatro com expressiva relação com o
tema da formação. O primeiro elemento, o
Mecanicismo
dá o entendimento de que o
organismo é visto como uma máquina e se suas funções forem entendidas, o mesmo
poderá ser montado e reorientado, tornando possível a intervenção médica. O
Biologicismo,
que
determina a natureza biológica das doenças e de suas causas e
conseqüências, excluindo os determinantes sociais e econômicos dos fatores
predisponentes. O
Individualismo,
que
elege o indivíduo como objeto,
responsabilizando-o por sua doença e, por fim, a
Especialização,
que fragmenta o
conhecimento científico em partes específicas, distanciando a noção de integralidade
como pertinente ao contexto saúde-doença. Com estes elementos, reforça-se a idéia
de exclusão dos processos que não sejam de origem biológica como constituintes dos
adoecimentos, que dirá então da maneira de acolher processos vitais (e não doenças)
como a própria gravidez na adolescência e suas respectivas singularidades, o que
acarreta uma abordagem preconizada na formação com o direcionamento para
questões essencialmente técnicas, sequer permitindo um olhar para o indivíduo e sim
para um evento biológico, ou seja, a gestação. Note-se que de um fato natural, a
gravidez na adolescência se tornou, para a medicina, uma nosologia da puberdade
25
(morbidade entre as jovens). Incidindo sobre as meninas, surgem novas mulheres
alvo da biomedicina e da biopolítica, mantendo-se o alvo da maternidade como um
constrangimento ao novo feminino.
A formação não é projeto técnico-pedagógico ou conteúdo-curricular, é a
integração ensino-serviço, acima de tudo, é a interação educação-gestão-atenção-
participação, porque as inversões a serem feitas extrapolam atos técnico-científicos ou
racionalizadores, atravessam concepções, imaginários, sensibilidades, desejos,
subjetivações e o radical contato com a alteridade, no caso da atenção em saúde da
mulher, com as feminilidades.
A formação e o exercício profissional em saúde da mulher deveriam
contemplar as singularidades, o que equivaleria dizer: defender uma política das
feminilidades. Para tanto, há necessidade de participar do sistema de saúde vigente no
país, bancar o trabalho em equipe e construir a atenção integral da saúde. As
Diretrizes Curriculares Nacionais constituem uma orientação político-pedagógica
nacional, definindo que os profissionais deveriam ser capazes de aprender
continuamente, deveriam aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso
com a sua educação. Para isso, a proposta do quadrilátero da formação poderia
contribuir a uma
pedagogia em ato
do ensinar e aprender, abandonando a
ciência da
educação
que, por meio de uma
pedagogia médica
vem defendendo o mecanicismo, o
biologicismo, o individualismo e a superespecialização.
Diferentemente do racionalismo individualizante e intervencionista que
marca a
pedagogia médica
e, por decorrência, uma medicalização do cuidado à saúde
(o diagnóstico de cada constituição individual, apreendida por meio da aplicação
racional e sistemática de categorias que expressam leis universais e uma ativa
intervenção do médico sobre os fatores perturbadores ou obstaculizadores da melhor
saúde) é fundamental o desenvolvimento de atitudes e espaços de encontro
intersubjetivo, de exercício de uma sabedoria prática para a saúde, apoiados na
tecnologia, mas sem deixar resumir-se a ela a ação em saúde. Para Ayres (2004), a
26
intervenção técnica, mais que tratar de um objeto, se articula de verdade com o
cuidar se o sentido da intervenção for
não apenas o alcance de um estado de saúde
visado de antemão, nem somente a aplicação mecânica das tecnologias disponíveis
para alcançar este estado
, mas tornar-se
o exame da relação entre finalidades e meios
e tomar
sentido prático para o paciente, conforme um diálogo o mais simétrico
possível entre profissional e paciente
.
A análise dos princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais permite
verificar que o que está colocado é uma mudança principalmente no que diz relação
ao modo de ensinar e aprender, quer dizer, a mudança diz respeito à própria
pedagogia universitária e, como conseqüência, aos modos de organizar e avaliar a
aprendizagem, pois ao se ensinar e se aprender de forma diversa, utilizando-se o
referencial da alteridade e não do currículo (conteudismo) e com o estímulo ao
pensamento e à criação optamos por acompanhar as aprendizagens. Trata-se de
construir, durante o ensino, práticas de dar
voz
a processos de construção pessoal e
profissional, mediados por professor. Espera-se que o estudante desenvolva, durante o
seu processo de formação, as características desejadas pelas mulheres para o
trabalhador da saúde, principalmente, pela interferência recíproca entre área do
ensino e área da saúde.
A integralidade da atenção à saúde deve propiciar aos acadêmicos a construção
de uma concepção de saúde pautada pelas políticas públicas, pelo reconhecimento da
realidade e pelo compromisso público com a melhora das condições de saúde,
segundo vivências que lhe possibilitem a compreensão do cuidado, não como
procedimento técnico que ocorre dentro de um serviço de saúde, mas como uma ação
integral que tem significados e sentidos voltados para o entendimento da saúde como
direito de si e de viver em coletividade. O desenvolvimento das praticas cuidadoras
envolve a inserção profissional em contextos reais e visa a desenvolver as habilidades
e competências necessárias para o trabalho em saúde. Em consonância com as
Diretrizes Curriculares Nacionais, deve-se estimular a inserção precoce e progressiva
27
dos estudantes no sistema de saúde, tomando-o como cenário de práticas da realidade
do mundo do trabalho, valorizando os postulados éticos, a cidadania, a inclusão social
e o respeito à diversidade. Contempla-se, nesta postura de formação, processos
coletivos, desenvolvidos por ações multiprofissionais que almejem, por meio da
reflexão sobre a prática, a construção e a concretização de um sistema de saúde
cuidador, orientado pelas necessidades sociais em saúde e de acordo com o processo
saúde-doença. Novas e mais consistentes estratégias de desenvolvimento de
competências devem incorporar, além do fazer técnico-científico, saberes da ética,
das humanidades, da política de saúde e do social, como dimensões indispensáveis à
construção de melhores condições ao andar a vida e de novos projetos terapêuticos.
Cuidado e integralidade
Diversos autores revelam possibilidades de transformação da realidade
assistencial de saúde por intermédio da revisão e da elaboração de conceitos como o
de “linhas do cuidado” (Ceccim & Ferla), “redes na micropolítica do processo de
trabalho em saúde” (Merhy & Franco), “quadrilátero da formação para a área da
saúde” (Ceccim & Feuerwerker). A leitura destas produções e outras na mesma
direção promovem uma “vivificação” no campo da saúde e da educação, ampliando
suas possibilidades.
Ceccim & Ferla (2006) designam o cuidado, na perspectiva da integralidade,
como “linhas de cuidado”:
Entendemos a proposta de Linha de Cuidado atada a uma noção de
organização da gestão e da atenção em saúde que toma em referência o
conceito de integralidade na sua tradução em práticas cuidadoras, isto
é, trata-se de inventar uma proposta que efetive uma organização da
gestão setorial e das práticas assistenciais capaz de responder por uma
concepção de saúde não centrada somente no tratamento das doenças,
mas na inclusão de pessoas em uma rede de práticas cuidadoras em
saúde e de afirmação da vida.
Uma Linha do Cuidado deve contemplar a possibilidade de trânsito entre
ações e entre serviços, de um modo acessível e complementar. Atender integralmente
significa dar guarida aos componentes singulares em que se inscreve uma demanda
em saúde, apreendendo as singularidades e não apenas as homogeneidades daquilo
que demanda cuidado. Nos serviços de saúde o que se observa atualmente é uma
gestão normativa onde as práticas assistenciais são determinadas por rotinas e ações
programáticas que limitam a capacidade inventiva das equipes de trabalho em ofertar
respostas às demandas, não configurando o trabalho com a noção de continuidade,
sendo o mesmo setorizado, fragmentado e dificilmente comunicando-se entre si. No
caso da saúde da mulher, por exemplo, realiza-se o atendimento pré-natal sem
29
conexões com o atendimento ao parto e posteriormente com a puericultura,
ocasionando lacunas na perspectiva cuidadora, não se conseguindo disponibilizar
espaços para o acolhimento adequado das singularidades presentes nestes eventos de
vida.
A proposta da linha de cuidado aproxima-se também da idéia das redes na
micropolítica do processo de trabalho. Para Franco (2006), esta rede possui a
característica das
conexões multidirecionais
, onde qualquer ponto da rede pode se
conectar ao outro e estas conexões são definidas pela alteridade existente entre os
trabalhadores no cotidiano e os usuários, rompendo com a lógica fragmentada do
seguimento normatizado. Esta característica assume importância, pois permite uma
forma de trabalho centrada nas necessidades dos usuários. Outra característica das
redes é a
heterogeneidade
que pressupõe a capacidade de convivência e pactuação no
complexo mundo da saúde composto por diversas relações de poder e sistemas de
produção de subjetivações; a terceira característica apresentada é a da
multiplicidade
que pressupõe rompimento com a idéia de trabalho com somente uma lógica ou uma
diretriz, sendo flexível para articular múltiplos segmentos produzidos em ato pelas
singularidades dos sujeitos. As duas últimas características referem-se à capacidade de
rupturas e recomposições
da rede em outro lugar e ao
princípio de cartografia
que são
os mapas produzidos através dos fluxos das ações dos sujeitos singulares que
compõem a rede.
Para Ceccim (Ceccim & Feuerwerker, 2004), a imagem do quadrilátero da
formação para a área da saúde (ensino, gestão setorial, práticas de atenção e controle
social) pressupõe a construção e organização de uma educação que assuma o
compromisso de impulsionar processos interativos, que ao atuarem na realidade,
operem mudanças, mobilizem caminhos e convoquem protagonismos (pedagogia
in
acto)
. No
quadrilátero
, os aspectos éticos, estéticos, tecnológicos e organizacionais
operam em correspondência, agenciando atos permanentemente reavaliados e
contextualizados. O autor afirma ainda que um processo de valorização, ativação e
30
mutação das potências locais não pode originar atos desde as capacidades instaladas,
mas desde as capacidades em processo de reinvenção ou descoberta.
A importância da discussão das possibilidades de mudanças nos modelos
assistenciais em saúde reside no fato da mesma estar intimamente relacionada com
dois aspectos: o primeiro é a efetiva construção de um modelo de atenção que
proponha ao cuidado na perspectiva da integralidade e que esta perspectiva seja
mediada pelos usuários com a existência de espaços que permitam o exercício da
alteridade como dispositivo para a ação cuidadora. Em um segundo aspecto está a
formação dos profissionais da saúde, neste caso, os médicos. Ao considerarmos que a
formação possui como campo de ensino os serviços de saúde, os mesmos devem servir
como modelos formativos e estarem em consonância com os referenciais teóricos
propostos. Da forma como estão delineados hoje, os serviços de saúde não são capazes
de servirem como subsídio para um ensino inventivo e transformador, implicado com
os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.
No sentido de ampliar e sustentar a perspectiva cuidadora, Ayres (2001)
aponta com precisão a dimensão conceitual do cuidado. Para o autor, curar, tratar,
controlar tornam-se posturas limitadas. Todas estas práticas supõem, no fundo, uma
relação estática, individualizada e individualizante. Por isso, cuidar passa por tarefas
técnicas, mas não se restringe a elas. Cuidar da saúde de alguém é mais que construir
um objeto e intervir sobre ele, é forçoso saber qual é o projeto de felicidade que ali
está em questão, no ato assistencial, mediato ou imediato. Resta-nos perguntar: que
lugar podemos ocupar na construção desses projetos de felicidade que estamos
ajudando a conceber?
A definição de cuidar para Ayres (2001) pode ser definida como:
Cuidar é querer, é fazer projetos, é moldar a argila.
Querer é o atributo
e o ato do ser
. Cuidar é sustentar no tempo, contra e a partir da
resistência da matéria, uma forma simplesmente humana de ser. Mas é
igualmente soprar o espírito, isto é, ver que essa forma não seja pura
31
matéria suspensa no tempo (mesmidade), mas um ser que
permanentemente trata de ser, um ente “que se quer” (ipseidade).
Enfocando a discussão nos processos formativos, é necessário ensinar aos
profissionais, não em lugares fixados e cenários únicos para tomar contato com
eventos de saúde. Surge necessário ensinar no roteiro de ações e serviços por onde um
usuário/usuária percorre a busca da integralidade: aprender a ouvir as diversidades, as
singularidades, a produção de diferença.
Cabe ao campo da Educação em saúde formular uma teoria-caixa de
ferramentas que permita a análise crítica da educação que temos feito no setor da
saúde e a construção de caminhos desafiadores, como um projeto educativo que
extrapole a educação para o domínio técnico-científico da profissão e se estenda pelos
aspectos estruturantes de relações e de práticas não só nos aspectos epidemiológicos,
mas também na estruturação do cuidado à saúde (Ceccim & Feuerwerker, 2004).
A produção do cuidado e da participação na afirmação da vida traz consigo um
processo de desenvolvimento de ações e serviços de saúde implicados com a
construção das respostas possíveis às dores, angústias e aflições / aos aborrecimentos,
sofrimentos e problemas (falamos de sensações e não só de constatações) que chegam
aos serviços de saúde, de forma que não apenas se produza consultas, atendimentos e
procedimentos, mas que o processo de consultar, atender e prestar procedimentos seja
capaz de produzir, além da terapêutica, conhecimento e sensação de cuidado, assim
como autonomia e desejo de vida em cada usuária.
Há dois âmbitos para a concretização de um desenho tecnoassistencial para a
integralidade: o âmbito da estrutura e organização dos serviços, tais como a
disponibilidade, oferta e modos de articulação entre instâncias, e o âmbito dos
processos de trabalho cuidadores, tais como o acolhimento, a responsabilização, o
desenvolvimento da autonomia do outro e as redes de contato/interações. De um
lado, a rede de ações e de serviços, de outro as práticas dos profissionais e suas
32
inscrições pessoais em redes de conversações sobre o fazer profissional, ou seja, o
contato “sensível e generoso” com a alteridade-mulher.
É imprescindível aproximar-se das mulheres e tentar conhecê-las: suas
condições de vida e de trabalho; as concepções que têm acerca da sua saúde, fatores
que a beneficiam ou prejudicam; concepções de escuta, tratamento, cura e cuidado;
seus hábitos e as providências que tomam para resolver seus problemas quando
adoecem ou não se sentem bem, assim como o que fazem para acompanhar eventos
fisiológicos como gestação, partos e amamentação. Atender integralmente supõe
corresponder aos componentes singulares em que se inscreve uma demanda em
saúde, apreendendo as singularidades e não apenas as homogeneidades da pessoa que
demanda cuidado.
O ordenamento da atenção e de uma rede de serviços em Linha do Cuidado
implica, necessariamente, tanto para os gestores e os trabalhadores, quanto para as
usuárias, o conhecimento dos fatores que beneficiam ou prejudicam, que
condicionam e/ou determinam os estados de saúde e os recursos existentes para sua
prevenção, promoção e atendimentos cuidadores, assim como para o engendramento
da afirmação da vida.
Para a organização de Linhas do Cuidado é fundamental que sejam planejados
fluxos que impliquem ações resolutivas das equipes de saúde, centradas no acolher,
informar, atender e encaminhar por dentro de uma rede cuidadora (sistema de
referência e contra-referência como um tramado do cuidado e não uma
racionalização de hierarquia vertical e burocrática do uso dos recursos assistenciais),
onde as usuárias, mediante um acesso que lhes dê inclusão, saibam sobre a estrutura
do serviço e da rede assistencial e, a partir da sua vivência nele - como uma pessoa
que o conhece e se sente parte dele - seja capaz de influir em seu andamento.
No bojo da organização dos programas de humanização e atenção integral à
saúde da mulher, surgiram programas de cuidado ao ciclo grávido-puerperal, como a
Linha do Cuidado Mãe-Bebê: pré-natal, maternidade, puerpério e puericultura (a
33
Linha pode começar no pré-natal ou na maternidade), mas o sistema de saúde deve
assegurar o conjunto de atendimentos que sejam demandados, não conformando a
demanda das mulheres por uma atenção como saúde da família. É para ampliar a
absorção de problemas próprios da mulher que se deve regular uma Linha do
Cuidado. O conjunto do sistema e seu controle social devem estar prontos a
desenvolver serviços alternativos e substitutivos aos modelos tradicionais de modo a
buscar, no cotidiano, todo dia, a integralidade da atenção.
Há necessidade de enfatizar o controle social sobre o SUS e a formação dos
profissionais de saúde, com vistas à saúde da mulher. Os Conselhos de Saúde,
integrantes da estrutura SUS (Lei nº 8.142/90), são espaços nos quais se manifestam
interesses plurais, por meio, inclusive dos representantes diretos de certos tipos de
segmento do pensamento, tais como os corporativos, religiosos, de orientação sexual,
de divisão social etc.. Apesar da dureza imposta a certos debates pelos representantes
mais conservadores do pensamento, a diversidade de interesses almeja pactuações
democráticas. As políticas destinadas às mulheres, onde interesses femininos entram
em disputa na aprovação de recomendações relativas aos direitos sexuais e
reprodutivos e saúde sexual e reprodutiva são exemplo da constante e extenuante
negociação de pactos. Na maioria das vezes, se aponta o conservadorismo das práticas
de formação e a necessidade de alterar as práticas da realidade a partir da educação
dos profissionais de saúde.
Alteridade como critério para o cuidado na perspectiva da
integralidade e suas implicações para a educação
Ser-para-o-outro é a expressão definida por Lévinas (
apud
Mance, 1994), como
a própria condição de constituição da subjetividade humana, emergindo da
neutralidade de um haver impessoal e da significação neutra dos entes do mundo no
horizonte do ser, em que os seres humanos e sua história são reduzidos a movimentos
de conceitos no plano do saber, compostos teoricamente em função de projetos que os
reduzem a entes manipuláveis, efetivando praticamente inúmeras formas de injustiça.
Ser-para-o-outro significa a responsabilidade ética por ele, que permite ao eu superar
o rumor anônimo e insignificativo do ser. Uma reflexão sobre a tentativa de sair da
condição do haver impessoal, avançando na própria constituição da condição humana
- não mais um ser para a morte, mas um ser para o outro. O outro, então, se apresenta
como um universo de possibilidades no âmbito da relação, um ser não mais passível
de dominação e que demanda uma abordagem diferenciada, não possessiva.
Tomando por base a própria condição humana de viver e experimentar
sensações diversas, a produção no “encontro - com” ou a alteridade, deve ir para além
de um aspecto isolado, o aspecto biológico ou corporal, por exemplo, como se fosse
possível tornar divisível algo como as experiências de viver, que são únicas e
absolutamente individuais, e não podem ser transmitidas, tornando o “ser para o
outro” um atravessamento dos limites e estruturações do outro, compondo um novo
espaço de produção. É nessa relação frente-a-frente que há a aproximação, cujo
sentido é a responsabilização pelo outro.
A responsabilização ética seria, então, um arcabouço entre atores de uma
relação, um dever de um para com o outro, constituindo uma subjetividade. Para
Schramm (1993), o ser “livre” ou responsável, reconhece-se enquanto estruturado
pela alteridade do outro e, na medida em que experimenta os limites desta
35
estruturação, procura um espaço de subjetividade em que possa se reconhecer. Isto é,
é enquanto ser ético e é ético enquanto livre, ou seja, responsável.
Os momentos de encontro entre um profissional de saúde e um indivíduo que
precisa ser cuidado normalmente são conduzidos obedecendo a um conjunto de
paradigmas que prioriza os eventos biológicos. Estes momentos são resolvidos de uma
maneira necessariamente técnica. Leia-se: prescreva-se, medique-se, os órgãos estão
doentes. Por outro lado, este texto também engloba a tentativa de despertar a
discussão de que existem outros fatores relevantes e que devem ser considerados nos
cenários da saúde, como, por exemplo, a definição de saudável ultrapassando os
limites “da ausência de doença”, incorporando os eventos de vida como sendo
significativos. Este fato está intimamente relacionado com a alteridade, pois se pode
afirmar que um profissional de saúde que não se exponha ao outro e que não esteja
receptivo ao contato com a vida, neste caso, as transmutações individuais e coletivas
do outro, efetivamente não produz um ato de cuidar como resultante da interação e
do encontro. Na situação específica da gestação na adolescência, ficam evidentes os
cuidados prestados a “úteros grávidos” e não a meninas gestantes, repletas de
singularidades que precisam ser acolhidas.
Ao definirmos alteridade como sendo o estado ou situação resultante do
encontro, alguns elementos devem estar presentes para que a alteridade possa
acontecer. Naffah Neto (1998, p. 23) escreve sobre o “terceiro ouvido” como sendo a
capacidade de apreender o incorporal ou, ainda, o que permite aos afetos emergentes
no encontro ultrapassarem o uso representativo da linguagem, ao sermos afetados
pelo que é outro, criamos uma nova perspectiva de interpretação, um novo sentido.
Levando-se em consideração esta referência, percebe-se uma possível dimensão
cuidadora não verticalizada ou unilateral, mas que interage e é mediada pelo
indivíduo, por suas singularidades e não pelas estruturas orgânicas que o compõem.
Rolnik (2006, p. 31-33) também descreve o que denomina “corpo vibrátil” ou
corpo sensível aos efeitos dos encontros dos corpos e suas reações, complementando a
36
noção de exposição às afecções. Rolnik (2006, p. 11-13) aponta o cenário da
micropolítica onde se configuram os contornos da realidade em um movimento de
criação coletiva, os quais envolvem os processos de subjetivação. A exposição ou
contato com o outro é a condição para que o outro deixe de ser objeto de projeção de
imagens e possa se tornar uma presença viva, com a qual se constrói territórios de
existência. O “corpo vibrátil”, portanto, é o que nos permite apreender a alteridade
em sua condição de campo de forças vivas que nos afetam e se fazem presentes sob a
forma de sensações. O outro passa a ser uma presença que se integra à nossa textura
sensível, tornando-se assim parte de nós mesmos.
Tomando por base os cenários da prática clínica e da formação médica com
seus paradigmas, percebe-se pelo menos uma repressão à capacidade de
desenvolvimento do corpo vibrátil ou do universo das sensações. No caso específico
da assistência ou do cuidado, este fato fica evidente quando sustentado pelo escudo da
prescrição ou da ciência, onde o profissional não se deixaria afetar. O argumento da
formação é de que é mais confortável e menos perigoso somente prescrever, ainda
que mantendo uma postura verticalizada ao outro. Esta característica é extremamente
danosa, pois ao receber a alcunha de verdade, se reproduz como método e é difundida
como a única postura aceitável ao encontro. As vivências como professor
universitário confirmam esta realidade. Por inúmeras vezes observei uma capacidade
e um desejo forte nos acadêmicos iniciantes do curso de se deixarem conduzir pelo
universo das sensações, expondo-se ao outro, criando um território construído em
ato, mas que infelizmente, ao longo do curso, acabam perdendo esta propriedade,
tornando-se extremamente frios, impassíveis, recobertos pela crosta do saber e do
tecnicismo, não sabendo e nem querendo fazer diferente. Esta transformação é que
nos faz perguntar como demonstrar outros caminhos? Como mostrar pelo menos o
exemplo de um cuidado diferente, acolhedor e horizontalizado?
A afirmação de que a alteridade é o critério para o cuidado na perspectiva da
integralidade ou de que a integralidade é “alteridade-dependente” traz consigo a
37
responsabilidade para a Educação de desenvolver práticas para o ensino que
propiciem o despertar da alteridade. Não se trata de criar uma nova disciplina com
este nome, mas, assim como os importantes referenciais teóricos da ciência, ocupar
seu devido lugar nos processos formativos.
Alguns autores descrevem propostas para a análise e a construção de
mudanças. Merhy (2002) fala em “invenção” ou “afirmação” e traz a definição do
trabalho vivo em ato e da utilização de tecnologias leves como alternativa para a
transformação da realidade na saúde. O trabalho vivo em ato se aproxima muito do
exercício da alteridade, pois se refere ao que é constituído no momento, a construção
de um novo território que depende da interação entre os envolvidos e dos saberes
existentes, operando com o encontro de subjetividades e tecnologias de relações para
além dos saberes tecnológicos estruturados propiciando alto grau de liberdade na
escolha do modo de fazer. As tecnologias leves são as ferramentas envolvidas no
trabalho e que englobam as tecnologias de relações como produção de vínculo,
autonomização e acolhimento. Por meio desta lógica de processo, pode-se visualizar
uma forma de almejar a integralidade, referindo-se ao cuidado que englobe vivências
e no caso específico da gestação na adolescência, as singularidades presentes neste
evento de vida.
Valendo-se do contexto da subjetividade e alteridade, Ayres (2001) defende
que subjetividade, é ipseidade, é sempre relação, é
intersubjetividade
; sendo o
encontro desejante com a circunstância (ou o ato de se colocar diante do outro) e
engendrar as compossibilidades de ambos, movido pela situação de felicidade ou
sucesso que não se traduz de modo restrito ao êxito técnico.
Representação dos estudantes de medicina sobre a adolescente
grávida.
Os dados originados das narrativas e discussões do trabalho de campo
caracterizam uma representação da realidade, ou ainda, o que os cientistas sociais,
costumam denominar de “dados subjetivos” (Minayo, 2007, p. 65). Pretendo alcançar
o poder discursivo de enunciar uma prática de atenção em saúde da mulher que
questione a vigência das evidências epidemiológicas ou médicas na construção da
clínica em face de demandas que nos apresentam vivências do feminino ou de
singularidades femininas pertencentes a uma clínica da integralidade ou em
alteridade.
O grupo focal é uma metodologia de pesquisa utilizada para o entendimento
de como estão (não quais são) presentes conceitos e percepções acerca de um
determinado fato, podendo ser considerado uma espécie de entrevista em grupo
embora não constituído essencialmente por séries de perguntas e respostas ou uma
relação entrevistador e entrevistados. Arma-se uma rede de conversações. Uma das
principais características relevantes da técnica de grupo focal é a de permitir observar
a formação de opiniões que surgem a partir de um processo interativo entre os
indivíduos. A análise sistemática e cuidadosa das discussões fornece pistas sobre como
uma situação é percebida (Cotrim, 1996; Dall’Agnol, 1999).
Uma análise da representação presente entre os estudantes se deve ao campo
de interrogações da pesquisa: o que um estudante espera do ensino para que logre
aprender sobre uma atenção (ou um cuidado) que seja realmente integral? O cuidado
sendo realizado por profissionais da saúde, em especial por médicos ou estudantes de
medicina, requer um processo de ensino que abra as fronteiras do
ser
profissional (da
boa técnica) para o
ser
do encontro (da elevada escuta) quando do exercício da
atenção? Existem identificações com as usuárias (proto-alteridades)? Como estão
39
territorializadas nos imaginários representativos as questões envolvendo
feminilidades adolescentes, especialmente na ocorrência de gestação?
A metodologia encetada iniciou com a organização de dois grupos de
estudantes, cada um com 20 estudantes. Estes grupos foram denominados “exposição-
1 e exposição-2”. Os grupos (exposição) realizados foram “provocados” com a
apresentação do documentário Meninas (Werneck, 2006), com a problematização
coletiva de questões extraídas das falas dos estudantes e com a análise coletiva das
opiniões problematizadas. O documentário Meninas (Werneck, 2006), mostra a
trajetória de quatro adolescentes grávidas de baixa renda moradoras de favelas no Rio
de Janeiro, com idades entre treze e quinze anos. Por intermédio de depoimentos das
adolescentes e de seus familiares o documentário procura caracterizar as
singularidades presentes nestas gestantes mostrando suas percepções sobre
sexualidade e maternidade, perspectivas pessoais de trabalho e estudo e possíveis
mudanças decorrentes da gestação. Evidencia-se no documentário a clareza de
informações que as adolescentes possuem sobre concepção e sobre a possibilidade de
opção pela gestação, podendo representar uma afirmação da fase de transição
característica da faixa etária. Salienta-se ainda a riqueza de situações de vida
retratadas no filme, citando como exemplo, um rapaz namorado de uma das
adolescentes, que havia acabado de sair do tráfico de drogas, ou ainda, outro rapaz
que engravida, ao mesmo tempo, duas das adolescentes mostradas no documentário.
A proposta do trabalho era apontar possíveis questões norteadoras para o
aprofundamento em sistemática de grupos-dispositivo com estudantes e com
professores. Os grupos (exposição) foram compostos com estudantes do segundo e
terceiro anos do curso de medicina da Universidade Católica de Pelotas. Os
estudantes do segundo ano cursam uma disciplina denominada “Necessidades em
Saúde Materno-Infantil”e estão inseridos em Unidades Básicas de Saúde como cenário
de exposição das atividades práticas, com ênfase no cuidado em saúde da mulher e da
criança, realizando entre outras atividades, pré-natal e puericultura. Os estudantes do
terceiro ano cursam uma disciplina denominada Atenção Primária à Saúde, inseridos
40
também em Unidades Básicas de Saúde e expondo-se ao cuidado ampliado de crianças
e adultos, com ênfase nas doenças agudas e crônico-degenerativas prevalentes no
âmbito da atenção primária. Os dois grupos de estudantes têm em comum uma
atividade teórico-prática denominada “tutoria”, onde, em grupos de até vinte
estudantes, são problematizadas as situações entendidas pelos alunos como
necessidades sentidas na exposição prática dos mesmos. Para a realização dos grupos-
exposição foi utilizado o espaço da tutoria, em dois momentos distintos, um com
estudantes do segundo ano e outro com estudantes do terceiro ano. O tempo de
duração previsto para a atividade, incluindo a apresentação do vídeo, foi de duas
horas. É importante ressaltar que a temática despertou muito o interesse dos
estudantes, os quais se sentiram absolutamente à vontade para fazer comentários e
problematizar as situações expostas no vídeo, o que talvez possa ser explicado pela
logística utilizada na tutoria habitualmente, que contempla problematizações de
diversas ordens, inclusive com apresentação de vídeos, leitura de reportagens e
representações “teatrais” entre os estudantes. Outro fato que pode ter colaborado para
um ambiente agradável na atividade, foi a relação existente entre este pesquisador e o
grupo de estudantes, os quais são orientados por mim na tutoria e na Unidade Básica
de Saúde. Não houve, pelo menos nos grupos-exposição, uma diferenciação nos
imaginários ou representações problematizadas, o que talvez demonstre que o fato
dos alunos mais adiantados no curso (terceiro ano) e que já passaram pela exposição
prática direcionada ao cuidado da mulher, ou da gestante, não tiveram influência da
maior exposição no contexto dos imaginários apresentados.
A etapa seguinte foi delineada com a realização de mais três momentos. Dois
momentos com estudantes e um momento com professores, então denominados
grupos-dispositivo 1 e 2 (com estudantes) e grupo-dispositivo 3 (com professores).
Para realização desta etapa, foram combinados horários alternativos com os
estudantes e professores, sem a utilização do espaço de aula curricular. Nos grupos-
dispositivo 1 e 2, compareceram 9 estudantes voluntários, sendo que 2 haviam
participado anteriormente dos grupos-exposição. A duração prevista inicialmente
41
para o encontro com os estudantes foi de uma hora e trinta minutos, mas em virtude
da riqueza das problematizações e do ambiente propício para a atividade, a duração
total de cada momento foi mais de três horas, sendo realizado, no primeiro dia com
intervalo de 20 minutos entre as sessões, e no segundo em torno de três horas sem
intervalo. Cabe ressaltar que o número de encontros, tanto com estudantes, quanto
com professores foi definido pelo volume de problematizações que surgiram e o
esgotamento da temática, sendo que para o primeiro grupo-dispositivo com
estudantes foram elaboradas, como provocação para o debate, cartelas contendo frases
obtidas nos grupos-exposição, já no segundo momento (grupo-dispositivo 2) foram
utilizadas duas frases definidas pelo pesquisador, que contemplassem aspectos
específicos da assistência e do ensino na temática proposta de gestação na
adolescência. Para o grupo-dispositivo 3, com professores, foi combinado também um
horário alternativo para a atividade, com duração em torno de uma hora e trinta
minutos. Três professoras do núcleo de Ginecologia e Obstetrícia do Curso de
Medicina da Universidade Católica de Pelotas aceitaram o convite para participar do
encontro. A escolha de professores do núcleo de Ginecologia deve-se ao fato de os
mesmos exercerem assistência e ensino com gestantes adolescentes, e ainda, por não
pertencerem ao Núcleo de Saúde Coletiva do curso, núcleo o qual faz parte este
pesquisador, existindo o receio que pela proximidade de idéias entre pares do mesmo
núcleo, poderia não gerar uma discussão ampliada de representações para
problematização em grupo. Houve a constatação de que somente um momento de
encontro com professores, foi suficiente para caracterizar o universo de
representações dos mesmos, e também adequado para confrontação com o material
produzido do encontro com os estudantes.
Todos os encontros foram precedidos por uma explicação sucinta da proposta
do trabalho e leitura e assinatura dos termos de consentimento informado. Houve a
utilização de gravador em todos os momentos, com posterior transcrição das falas
para análise, sendo gerado um material transcrito com volume superior à cem laudas
de transcrição de todos os grupos.
42
A sustentação da metodologia utilizada, então delineada como grupos-
exposição, grupos-dispositivo, ou ainda como “rodas de conversa”, é descrita em
profundidade na discussão de conceitos que possam ser operadores da temática do
ensino e formação de médicos por autores como: Fonseca, (2004); Mairesse, (2002);
Ayres, (2004) e Benevides, (2005).
Tomando por base a exposição do documentário, várias questões norteadoras
surgiram nos grupos-exposição. A aproximação com a temática na assistência,
enquanto atividade curricular do curso, de situações idênticas às exploradas no
documentário; a definição de uma caracterização do “papel da maternidade”, com
responsabilizações próprias desta etapa de vida; a caracterização da gestação na
adolescência como um erro; a identificação de um “script” de classe social e gênero,
apontando que as meninas pobres não têm perspectiva de vida em termos de estudo,
trabalho ou idealizações pessoais; o surgimento do aborto como alternativa para a
resolução dessa situação indesejável; a percepção de que as adolescentes pobres têm
contextos e significados diferentes da gestação na adolescência, quando comparadas
com adolescentes de classe social mais elevada, as quais possuem um “planejamento
estratégico” onde o estudo, particularmente com curso superior para uma inserção
qualificada no mercado de trabalho, aparecem como perspectivas essenciais, o que
não existe nas meninas pobres; a noção de que, enquanto profissionais de saúde, uma
das tarefas principais que se apresenta à assistência e ao ensino é a da educação para a
saúde, onde o profissional tem obrigação de prescrever os modos “corretos” de agir
diante das questões da sexualidade e concepção, sem levar em consideração às
subjetividades presentes neste contexto; há o reconhecimento da existência de
subjetividades e a necessidade de ampliar, no contexto do cuidado, as questões de
vida das adolescentes, porém os alunos não identificam estratégias no universo da
clínica tradicional para a abordagem nesse sentido e ressaltam que carecem de um
espaço na graduação que contemple essas questões no processo de aprendizagem; há
ainda a percepção que os preconceitos morais do aluno influenciam na hora do
43
contato com a adolescente na assistência, talvez inibindo a ampliação deste momento
em problematizações para além da técnica científica formal.
Utilizando como norteadoras essas temáticas surgidas dos grupos-exposição,
foram elaboradas cartelas com textos de frases dos alunos que contemplassem o
conjunto das informações trazidas no debate do documentário para detalhamento nos
grupos-dispositivo. O delineamento dos grupos-dispositivo foi pensado no sentido de
identificar as representações dos alunos de medicina, buscando caracterizar alguns
tópicos específicos como: Quem é essa menina? O que ela traz para o atendimento?
Quais os efeitos da gestação na sua história de vida? Há algum dimensionamento pelo
aluno de medicina relativo à construção de histórias de vida? Qual o papel e o lugar
da maternidade nesse contexto? As frases que foram utilizadas no primeiro grupo-
dispositivo com alunos, são salientadas a seguir.
Esse documentário mostra muito a realidade. A realidade das pessoas
que a gente vê que chegam ao posto. É uma situação que faz com que as
meninas se perguntem: e agora, como vou fazer? E a minha família?
Como eu faço com essa criança? Como é ser gestante? Como eu trato
isso? É bem complicado. A gente está vendo o outro lado. O outro lado
da moeda.
Valendo-se deste texto disparador, os alunos apontam para a questão da
“normalidade” da gestação na adolescência em classes sociais mais baixas, onde fica
evidente a constatação de uma menina pobre e sem perspectiva de futuro, ou ainda,
com perda de perspectiva de futuro com a gestação, é irresponsável, pois não tomou
as devidas providências para não engravidar e possivelmente este fato tenda a se
repetir, pois este é o exemplo de suas mães também. Paradoxalmente ao fato da
irresponsabilidade, os alunos conseguem identificar possíveis justificativas ou
singularidades para a gestação. Ressaltam a questão de “ascensão social” na própria
comunidade, como algo que possa motivar a gestação na adolescência, fazendo com
que a adolescente passe a ser mais respeitada no meio onde vive, ressaltando um fator
de autonomização ou empoderamento, por parte da adolescente com filho, onde a
adolescente ressignifica o modo como é identificada ou reconhecida socialmente.
44
Existe o reconhecimento de que engravidar possa ser o desejo da adolescente, não
como algo aceitável, mas claramente atrelado à noção de que esse realmente é o
destino da menina pobre: não estudar, viver na favela e criar vários filhos. Embora
sendo praticamente consenso para os estudantes o fato de que na assistência deva ser
incentivada a realização do pré-natal, e que em muitas situações exista certo
“convencimento” de parte do cuidador para com as adolescentes, no sentido de que as
mesmas devam se adaptar a nova realidade de mães, há uma percepção entre os
alunos de que, em alguns casos, o aborto se apresentaria como uma linha de fuga
desse “script de vida”, mas que não identificam ferramentas para acolher ou para
abordar essa perspectiva nos serviços de saúde. Indicam essa alternativa como
bastante utilizada por adolescentes de classes sociais mais elevadas, com as quais se
identificam, quando engravidam. Ressaltam que a temática do aborto é muito pouco
discutida, tanto nos serviços de saúde como na própria graduação.
O nosso contexto é diferente do contexto delas, essas meninas tem uma
noção completamente diferente do que significa um filho, para elas
esse filho significa uma inserção, um outro meio, meio mulher; uma
delas, uma de 15 anos, chegou a dizer que o filho era desejado quando a
médica perguntou no filme. A gente acha que tem que evitar, mas eu
não sei até que ponto se conseguiria isso porque para elas é natural, é
natural porque elas são muito abandonadas, sabe? Deve ser legal para
elas saber que aquela criança necessita delas elas se sentem muito mais
mulheres sabe? Elas não estão mais abandonadas.
Uma possível desestruturação do núcleo familiar da adolescente pobre é
apontada pelos estudantes, como justificativa para o evento gestação. Há uma
percepção de que exista um “abandono” dessas meninas no seu contexto familiar, com
ênfase no fato de que por motivos diversos, os pais dessas meninas não
corresponderiam às expectativas, que os estudantes entendem como corretas, com
relação ao papel esperado de pais, caracterizando o abandono no cuidado
materno/paterno, fato este que motivaria a gestação, ressignificando então, para as
meninas a dimensão cuidadora materna e preenchendo a sensação de abandono com
novas responsabilidades, “o papel materno”. Para os estudantes existe a tendência de
45
que essa seqüência de eventos vitais seja cíclica, com mães de adolescentes que
também engravidaram na adolescência e que por sua vez engravidam novamente na
adolescência. As equipes dos serviços de saúde aparecem para os estudantes composta
de profissionais capazes de intervir na perspectiva cíclica, e por intermédio de ações
educativas, particularmente no trabalho em grupos com mães adolescentes, deveriam
apontar para a transformação dessa “realidade”, com intervenções pontuais inclusive
no pré-natal das mães adolescentes. Na opinião dos estudantes, portanto, há o
entendimento de que, apesar do reconhecimento desta possível singularidade
existente no binômio mãe-adolescente, a mesma deva ser modificada, ao invés de
acolhida, e este seria o papel do cuidador. Outro fator que os estudantes indicam ter
ligação com a desestruturação familiar atualmente, são os comportamentos e culturas
referentes à sexualidade, indicando que possa existir um apelo à sexualidade muito
precoce, visualizado no comportamento de meninas de 8 e 9 anos que já utilizam
maquiagens, possuem celulares e navegam livremente na internet, indicando estes
fatores como contribuintes para o início da vida sexual precocemente. Caracterizam
uma perda das vivências infantis com o desinteresse cada vez maior pelas brincadeiras
características dessa fase como brincar de bonecas; associando o fato de que, filhos
representariam uma afirmação da sexualidade, ou ainda, um “status” social
diferenciado para meninas pobres. Os estudantes salientam que toda menina,
independente da classe social, especialmente na adolescência, imagina ter filhos,
porém a “diferença” é que este imaginário conta com planejamento nas classes sociais
mais elevadas, enquanto que nas meninas pobres isso não acontece. Outro fator
apontado pelos estudantes é que para as mulheres há a necessidade da gestação, como
uma espécie de afirmação da mulher, onde a mesma só se sente completa em sua
natureza feminina se engravidar.
A gente sabe que é realidade delas, mas a questão da mudança, que nem
a colega falou: “que futuro?”, mas o que eu quero dizer é que chega
uma grávida lá e nossa conduta é deitá-la, medir barriga... Não pode ser
levado assim! A gente nunca tem um papo com a menina sobre se ela
46
sabe sobre a pílula do dia seguinte. Tu queres esse filho?... A gente a
deita, faz as perguntinhas do questionário... e só...
Para os estudantes as meninas chegam para o atendimento na Unidade Básica
de Saúde com muitas incertezas sobre a gestação e sobre futuro. Há a percepção de
que estas questões deveriam ser acolhidas de uma maneira diferenciada, mesmo sendo
o “papel” do profissional de saúde orientar que a gestação não deva acontecer
novamente, ou que talvez, possa ter sido um erro. Os estudantes entendem que pelo
menos a oferta de alternativas pudessem ser discutidas, como a pílula do dia seguinte,
por exemplo. Há o entendimento pelos acadêmicos, que os mesmos ficam
constrangidos na abordagem de algumas questões, principalmente pelo fato de
estarem no início do curso (segundo ano), e ainda, pelo sentimento de obrigação em
seguir determinados protocolos da consulta, como rotinas de exame físico e
preenchimento de formulários, acabam por não complementar o momento do
encontro com a adolescente.
Falta contato com a população, com o colégio, pegar uma turma de
meninas e perguntar: “quais são suas dúvidas? O que vocês acham da
sexualidade?” Ensinar como se usa camisinha, como tomar pílula, e se
falhar? Até na parte da AIDS, dar um sustinho, mostrar o que pode
acontecer, outras doenças sexualmente transmissíveis também.
Tomando por base o contexto da informação, especialmente sobre os métodos
contraceptivos, os estudantes dizem que talvez não exista falta de informação de um
modo geral, apesar do acesso limitado à informação por parte de algumas pessoas, mas
ressaltam que a qualidade da informação é que é insatisfatória, e em algumas vezes os
preconceitos existentes dificultam a divulgação correta de informações. Uma
estudante cita o fato que se surpreendeu quando o professor em uma determinada
ocasião orientou que ela abrisse a embalagem de um preservativo masculino e
mostrasse como se coloca o mesmo, e a adolescente não sabia como colocá-lo, fato
este absolutamente inusitado para a estudante. Os estudantes ressaltam ainda que a
divulgação e discussão de informações sobre métodos anticoncepcionais e sobre
sexualidade, deveriam ser mais precoces, começando com meninas de oito ou nove
47
anos que, segundo eles, já estão experimentando questões envolvendo sexualidade e
que o fato de iniciar precocemente esta discussão não estimularia o início da vida
sexual, pois a mesma inicia independentemente desta abordagem, sendo inclusive
importante compartilhar a discussão com as mães das adolescentes.
Valendo-se do entendimento dos estudantes se o fato de engravidar na
adolescência poderia ou não significar “saúde”, os mesmos foram unânimes em
apontar que não. Para os estudantes “não é saudável em nenhuma sociedade uma
adolescente grávida”, fato que pode ser amenizado em classes sociais mais altas, pois
segundo eles, existe uma estrutura (econômica) mais apropriada para criar a criança.
O significado de “saúde”, na visão dos estudantes e na situação específica da
adolescência é ter um planejamento de vida com estudos e exercício profissional, não
incluindo em nenhuma hipótese uma gestação, a qual quando acontece é
normalmente não planejada.
Com base em uma comparação entre a adolescente grávida de classe social alta
e a adolescente grávida de classe social mais baixa os estudantes dizem que de um
modo geral, as duas crianças oriundas das gestações são crianças “abandonadas”. Os
estudantes explicam que no caso da adolescente de classe social mais alta é
constituída uma rede de cuidado composta por pessoas cuidadoras (babás e creches),
enquanto que para a adolescente de classe mais baixa a adolescente é que acaba
cuidando, ou em algumas situações, a própria família cuida (avó da criança). Na
comparação dos estudantes, o fato do cuidador não ser a mãe em classes mais altas, faz
com que a criança seja “abandonada” no cuidado materno, mas a adolescente pode
seguir sua vida de estudos e definições do exercício profissional; já com as
adolescentes de classe social mais baixa, que acabam invariavelmente tornando-se
elas mesmas cuidadoras, assumindo o papel da maternidade, o abandono existe pela
sociedade em não oportunizar para a adolescente a fuga desse “script”, pois a
constituição de uma rede substitutiva cuidadora não é capaz de permitir
normalmente que a adolescente estude ou trabalhe simultaneamente a criação de seu
48
filho. Há o reconhecimento dos estudantes que as adolescentes de classe social baixa
que vivenciaram a gestação, “amadurecem” mais cedo em virtude desse evento,
mesmo assim os estudantes apontam para a repetição da gestação com a mesma
adolescente, enquanto que nas adolescentes de classe social mais alta a gestação na
adolescência tradicionalmente não se repete com a mesma adolescente.
É... A adolescência tem dessas coisas... Os relacionamentos amorosos,
paixão... Por um descuido às vezes acaba engravidando. Para mim é um
erro. Mas acho que para elas (adolescentes) não. Eu acabei me
expressando mal com o termo “erro”, mas eu acho que quando eu
estiver num consultório atendendo essa menina eu vou dizer da
importância dela ter esse bebê, da importância dela manter um bom
relacionamento com a família, afinal ela vai ser mãe e o contexto é
diferente.
A característica comportamental estereotipada para a adolescência como a
intensidade das experimentações é ressaltada pelos estudantes de medicina, ao
salientarem que muitas vezes o adolescente se envolve em situações intensamente
sem existir a preocupação com possíveis conseqüências. Esta característica pode
contribuir para aquilo que os estudantes denominam de “conseqüências danosas” ao
futuro do adolescente, como uma gravidez indesejada, sempre reforçando a idéia que
existe uma trajetória delineada que deveria ser cumprida, e que possíveis exceções
podem ser desastrosas.
Outro pensamento evidenciado nas falas dos estudantes é que existe um
diferencial quando há a situação de maternidade. Vários estudantes afirmam que o
papel da maternidade reveste a mulher de um universo de responsabilidades
inerentes ao evento e que a centralização do viver passa a ser então as obrigações
maternas, sublimando as eventuais feminilidades das mulheres, no caso, adolescentes.
Fica também evidente a noção das atitudes que são importantes ao médico em uma
situação dessas: reforçar a responsabilidade de ser mãe e de cuidar da criança
prioritariamente. Não há a percepção clara de que possam existir singularidades à
serem acolhidas e sim há necessidade de uma prescrição positiva do modo de agir
para a adolescente-mãe.
49
Com relação ao pré-natal, perguntar a gente pergunta, faz a história dos
pacientes, pergunta se tem companheiro, se tem pai. Pergunta que tipo
de relação tem se tem alguma raiva, alguma coisa, raiva do pai da
criança, se o pai tem raiva dela pelo que aconteceu. Mas o importante é
o valor que nós damos às informações, talvez tivéssemos que ir mais
fundo. Marcamos na carteira de pré-natal que a paciente é de risco, que
é mãe solteira, que tem baixa renda e tal... Mas que tipo de orientação a
gente vai dar? Ela vai continuar sendo mãe solteira, vai continuar
tendo baixa renda. Então o que se pode fazer melhor dentro desse
contexto? Eu não sei!
Existe a percepção dos estudantes que as orientações quanto às rotinas do pré-
natal, estabelecidas pelos serviços ou determinadas pelos conteúdos disciplinares
teóricos são relevantes, porém podem ocasionar uma limitação no desenvolvimento
de um atendimento mais ampliado, particularmente no que se refere à integralidade
da atenção. Para os estudantes o seguimento de protocolos e formulários referenciais
nas consultas, faz com que os mesmos se preocupem excessivamente em completá-lo,
razão que pode centralizar o atendimento neste contexto. Outra questão apontada
pelos estudantes é que determinadas perguntas que estão presentes nestes
questionários, induzem a respostas simplificadas, as quais poderiam ser mais abertas,
permitindo o aprofundamento em determinadas situações e, além deste fato, na
maioria das vezes não se produz nada em termos de cuidado com as respostas obtidas
pelas gestantes. Há ainda o comentário de que os professores também estimulam
muito o aspecto técnico formal, a importância na obtenção de certos dados, como as
“situações de risco”, porém, não estimulam o estudante para tentativas de resolução
ou encaminhamentos para estas situações. O sentimento expressado pelos estudantes
é o de impotência, pois identificam fatos importantes, mas não sabem o que fazer, ou
ainda, não são indagados ou estimulados nesse sentido.
Um dos aspectos positivos salientados pelos estudantes para compensar ou
resolver as limitações durante as consultas é o acompanhamento das gestantes pelos
mesmos acadêmicos, ao longo do pré-natal. Muitos estudantes citam situações de
estabelecimento de vínculos importantes com as gestantes, que muitas vezes
50
culminam com o convite por parte da gestante, para que os estudantes assistam ao
parto, o que não está previsto formalmente no cronograma da disciplina, mas que é
permitido e estimulado quando acontece. Os acadêmicos sentem-se gratificados
nestas situações, entendendo que apesar das limitações existentes, conseguem
estabelecer laços de vínculo relevantes com as gestantes que acompanham.
O problema professor é que no Brasil o aborto é crime, eu não vou
correr o risco de sofrer um processo penal nessa situação, eu vou dizer
para ela que faça o que achar melhor se ela precisar de mim depois caso
acontecer alguma complicação então eu vou poder ajudar.
Esta frase proferida por um acadêmico em um dos grupos-exposição após o
documentário gerou bastante controvérsia nos estudantes, na discussão do grupo-
dispositivo subseqüente. Para alguns estudantes é um tema muito complicado de ser
abordado pelo aspecto legal e pelo fato de não ser um assunto muito discutido
durante o curso pelos professores. Os estudantes salientam que, paradoxalmente, é
um tema muito presente entre os estudantes, ressaltando que sabem de colegas que já
fizeram aborto, mas entendem que essa discussão quando em um consultório
particular é muito mais aberta, inclusive o acesso aos locais onde o aborto é praticado,
dependendo da opinião do profissional médico, há inclusive a facilitação para a
realização deste procedimento. Há a percepção entre os estudantes que não se deve
simplesmente deixar a responsabilidade deste tema para as usuárias, sem ao menos
discutir com as mesmas, possibilidades, acolhendo quando houver a abordagem do
assunto. Paralelamente ao entendimento da necessidade de uma discussão maior ou
uma abordagem diferenciada, alguns estudantes apontam que deva ser orientada a
continuidade do pré-natal, pois ao longo do mesmo poderia ser tentado um
“convencimento” para que a adolescente tenha o seu filho, e esclarecimento sobre os
“erros” em se fazer um aborto e suas possíveis conseqüências indesejáveis. Não foi
unânime esta opinião e um argumento que apareceu foi de que a menina que deseja
realmente fazer o aborto o faz independentemente do que seja dito durante o
atendimento, sendo indispensável, então, um apoio do profissional de saúde, não
indicando como fazer o aborto, mas sim respeitando a decisão da usuária e
51
fornecendo suporte no que for preciso, desde que sejam atos permitidos na legislação
vigente no país. Não ficaram claramente apontados pelos estudantes os motivos que
fazem com que no consultório particular possam existir condutas diferenciadas,
alguns estudantes acreditam que na unidade básica de saúde, particularmente com
atividade acadêmica, orientações com relação à realização ou indicação para
realização de aborto poderiam ter uma visibilidade muito grande, o que de certa
maneira impede que estas condutas sejam abordadas. Houve ainda comentários de
alguns estudantes, os quais defendem incondicionalmente a vida, que o aborto não
pode ser abordado, e sim condenado, não visualizando hipótese para que o mesmo
possa acontecer. De um modo geral, há a constatação pelos estudantes, que o aborto é
uma linha de fuga para uma gravidez não desejada, porém, não há a clareza sobre a
forma como deva ser abordada esta questão quando há o desejo da usuária em realizar
um aborto, salientando que existe a necessidade de inclusão da temática aborto como
conteúdo para discussão nas atividades curriculares ao longo do curso.
Outro aspecto muito discutido pelos estudantes é o fato de que as opiniões
pessoais de cada um deles exercem uma forte influência nos modos de agir durante as
consultas. O fato de concordar ou não com a gravidez na adolescência ou em questões
polêmicas como o aborto acaba atravessando e influenciando no momento de
encontro com as adolescentes, invariavelmente os estudantes acreditam que
transparecem suas opiniões, por vezes não - verbalmente, mas esta atitude pré-
concebida acaba normalmente atrapalhando a postura do acadêmico, que se torna,
então, julgando situações e perdendo, na opinião dos estudantes, a capacidade de
acolhimento em determinadas situações. Uma das estratégias que os estudantes
destacam para contornar esta situação seria uma vivência maior com as comunidades,
interagir mais com os grupos sociais dos cenários de prática acadêmica onde os
estudantes estão. Na opinião dos acadêmicos, há um espaço reduzido de tempo que a
disciplina oferta para o estágio prático (uma vez por semana, durante
aproximadamente dez meses), e ainda, este espaço poderia ser ampliado com outras
atividades que permitissem uma interação ampliada na comunidade, conhecendo
52
como as pessoas vivem e se relacionam naquele cenário. Para reforçar o argumento,
os estudantes citaram um slogan que viram em um congresso de estudantes de
medicina e que consideram muito relevante no aspecto das vivências acadêmicas: “a
cabeça pensa, onde o pé pisa”.
Com base na consideração de alguns estudantes que a gravidez na adolescência
é realmente um “problema”, os mesmos reconhecem que é um problema social e de
saúde pública, mas apesar desta afirmação, entendem que as adolescentes possuem
capacidade e direito de escolha na decisão de ter ou não um filho, e que muitas vezes
a gestação é realmente desejada. Há a percepção de que o maior “problema” seja o fato
de ser uma adolescente, gestante e pobre.
Mas o que é uma menina de 14 anos... Eu acredito que ela tenha
condições de ter uma vida melhor, não tendo um filho, oportunidades a
mais, porque a adolescente que tem que criar um filho é muito mais
trabalhoso e difícil tentar ascender socialmente. Ter um filho com 14
anos é, portanto, um problema. Com 30 anos de idade normalmente se
tem uma estrutura social melhor, com 14 anos se é totalmente
dependente...
Os estudantes destacam ainda questões de gênero. Salientam que as
características físicas inerentes às mulheres, como o fato da capacidade de gestar e
amamentar, acabam por sobrecarregar a mulher com mais responsabilidades no
contexto da gestação quando comparadas com os homens e que esse “papel” é
reforçado e cobrado pela sociedade comoobrigação” feminina, enquanto que o
mesmo não ocorre com os homens.
O relato a seguir é a transcrição da fala de uma estudante que vivenciou um
atendimento de pré-natal na Unidade Básica de Saúde (UBS) onde realizava
atividades práticas da disciplina.
O último pré–natal que eu fiz na UBS, foi de uma menina de 14 anos,
aluna de um colégio próximo da UBS. A menina chegou para o
atendimento já com quatro meses de idade gestacional, acompanhada
por sua mãe, a qual havia ficado bastante contrariada inicialmente com
relação a sua gravidez, mas que mesmo assim insistiu que ela fizesse o
pré-natal. A menina estava morando com um namoradinho de 16 anos
53
de idade. Eu perguntei para ela:
- o que a tua família achou de estares
grávida?
Ela respondeu: -
normal, a minha irmã de 16 anos tem dois
filhos e a outra de 19 anos tem três filhos.
Eu insisti, (reforça a
estudante),
tu estás feliz com a gravidez?
E a menina respondeu:
- Eu
acho que estou feliz, porque eu poderia ter engravidado do meu
padrasto que era um homem que me violentava e não engravidei. Deus
me deu a sorte de eu engravidar de uma pessoa que eu gosto que me
trata bem e que tem uma família que me trata bem. O que eu tenho
para reclamar? Só posso estar feliz.
A estudante pensou - o que eu ia
dizer pra essa menina? Quando ela chegou, com todos os exames do
pré-natal, dizendo que tinha 14 anos e que estava grávida, que tinha
largado o colégio e que ia ter o filho dela, eu fiquei chocada - o que essa
menina tem na cabeça?”... Talvez para a menina esse filho tenha outros
significados, positivos até, quem sabe pode trazer coisas boas,
considerando a vida que ela tem.
Tomando por base este relato, os estudantes salientam que situações como esta
são bastante comuns nas comunidades assistidas pelas UBS onde realizam suas
atividades acadêmicas. No caso específico dessa menina, reforçam que mesmo
“trazendo coisas boas” este filho é o retrato de um “script” de vida que se repete,
aconteceu com as irmãs, acontece com esta adolescente também. Não há o consenso
pelos estudantes, mas a maioria não entende que essa gestação possa ter sido uma
escolha para a afirmação de uma situação de vida, ou ainda, a fuga de uma situação de
vida desconfortável para outra, para a saída de um relacionamento familiar
complicado para outro ambiente onde a adolescente referiu que a tratavam bem. Não
há a percepção da escolha e sim do “erro” em ter engravidado, sem possibilidades de
outras perspectivas, ressaltando ainda que “a falta de perspectiva dessa adolescente,
no contexto social” é que ocasionou essa gestação.
No segundo grupo-dispositivo, com o mesmo coletivo de alunos, foram
utilizadas frases com temáticas específicas, como disparadoras para a discussão; ao
contrário do grupo anterior onde as frases foram confeccionadas com trechos das
próprias falas dos estudantes oriundas do primeiro momento (grupo-exposição), após
a apresentação do documentário.
54
A primeira temática trabalhada foi sobre a Integralidade em Saúde. A
pergunta referia-se ao significado deste termo para os estudantes.
Os estudantes definiram inicialmente a Integralidade como sendo a
abordagem na assistência à saúde de todos os fatores que influenciam nas questões de
saúde, englobando os aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Houve a constatação
de que existem diversas literaturas que subsidiam o termo integralidade, mas há a
sensação, nos estudantes, que as teorias existentes sobre integralidade, muitas vezes
são utópicas, e que dificilmente na prática clínica vivenciada na academia se consegue
atingir um atendimento que de fato seja integral para com os usuários. Um dos
motivos apontados pelos estudantes para que a integralidade na atenção não aconteça
é o fato de que a integralidade não está interiorizada nos estudantes, não existem
mecanismos de sensibilizações suficientes, pelo menos até o estágio atual do curso,
que possam despertar no acadêmico a importância das questões envolvendo os
aspectos para além dos biológicos, muito enfatizados na prática clínica cotidiana do
curso. Os estudantes reforçam este argumento ao citar que o arcabouço tradicional da
clínica, fragmentada por especialidades médicas, é um dificultador na tentativa de se
ter uma visão ampliada dos indivíduos, como um todo, em seus diversos aspectos de
vida. Valendo-se deste argumento, os mesmos destacam que as condutas clínicas
invariavelmente enfocam um aspecto somente, o aspecto biológico. Preocupa-se em
tratar ou curar determinada situação patológica específica, sem existir o
entendimento ou a visão ampliada dos indiduos, ou do contexto onde os mesmos
estão inseridos. No caso particular da gestação, é o exemplo da preocupação em
cumprir os protocolos técnicos do pré-natal sem enfatizar qualquer outra perspectiva
que possa ser pertinente à dimensão cuidadora. Para os estudantes existe a exposição
teórica pelos professores da importância da visão para além da doença, porém esse
discurso não é evidenciado na prática dos professores.
Eu acho que é o ensino recebido na faculdade. O professor diz: vocês
não podem enxergar no paciente somente a doença. Depois quando se
observa o professor na aula prática, ele enfoca somente a doença, o
55
paciente ali, um monte de estudantes na volta e o professor fala: essa
patologia é assim, tem tais sintomas... Exatamente o contrário do que
ele disse anteriormente... Qual é afinal o contexto que os professores
médicos estão mostrando? Não são todos que conseguem aplicar a
integralidade na prática.
Outro fator apontado como dificultador para a sensibilização dos estudantes é
a diversidade de conceitos pré-formados dos estudantes, as noções de “mundo”, de
educação, sociedade e cultura trazidas do próprio ambiente familiar e de formação
prévia.
São poucos estudantes que se sensibilizam, são poucos que realmente
enxergam a realidade. Em uma conversa prévia com colegas, um deles
comentou que havia participado de uma discussão em tutoria e um
colega teria dito: se o sujeito é pobre ele tem “que se virar”, se não tem
como estudar, não pode ficar vagabundeando, pedindo esmola, abre
uma “carrocinha de cachorro quente” e ganha a “grana” dele. Eu
acredito que um colega que pensa assim, realmente veio de um “outro
planeta” e não consegue visualizar a realidade, portanto, não se
sensibiliza. Como que um estudante que pensa assim vai cuidar do
“biopsicossocial”? Não tem como.
Centralizando a discussão no conceito de Integralidade, os estudantes
ressaltam que outro fator importante ao se enfatizar o atendimento integral, é
considerar o contexto em que o indivíduo está inserido na sociedade, especialmente o
reconhecimento da abordagem familiar, entendendo que ações de saúde que possam
envolver os núcleos familiares dos indivíduos seriam importantes na tentativa do
impacto dessas ações, como no caso específico da gestação na adolescência.
Valendo-se ainda sobre a “imagem” do professor, os estudantes destacam que
os exemplos fornecidos pelo professor são fundamentais na sensibilização dos
estudantes, ressaltando que fóruns de discussão entre professores e acadêmicos
poderiam ser ferramentas para sensibilização, tanto do professor quanto do
acadêmico. Tomando por base a “imagem negativa” de alguns professores, os
acadêmicos salientam que esses exemplos servem também para o “que não fazer no
futuro”, mas se realmente há o desejo da Integralidade como perspectiva para a
assistência e o ensino, então esses professores devem se modificar também.
56
Os estudantes acrescentam que talvez não seja suficiente somente aumentar a
sensibilização de acadêmicos e professores, mas a adoção de políticas públicas ou
estratégias de saúde mais consistentes que enfoquem o trabalho em equipe, como por
exemplo, a estratégia de saúde da família. Há a percepção, por parte dos estudantes,
que se o enfoque for somente no médico ou nos estudantes de medicina, o modelo
assistencial continuará limitado, pois há a necessidade de envolvimento de outros
núcleos profissionais para a ampliação da assistência e conseqüentemente do ensino.
É importante ressaltar que nas Unidades de Saúde que este coletivo de
estudantes freqüenta não há o trabalho da estratégia de saúde da família, há a
presença de diferentes núcleos profissionais e acadêmicos como Psicologia,
Fisioterapia, Enfermagem e Serviço Social, porém estes profissionais (professores ou
não) adotam a lógica da atenção primária à saúde tradicional e com relação ao
trabalho em equipe, esforços institucionais têm sido feitos para que as interações
entre os diversos profissionais e acadêmicos possam ser consolidadas, o que acontece
ainda de uma maneira incipiente.
Os estudantes afirmam que em determinadas situações vivenciadas no estágio,
o sentimento geral dos mesmos é de frustração, pois há a percepção que existem
limites nas potencialidades de resolução do profissional médico e também da equipe,
salientando que não há um trabalho específico voltado para essa discussão com os
acadêmicos, ressaltando que muitas vezes essas situações fazem com que o acadêmico
tenha uma visão desmotivadora da saúde pública, o que acarreta no desinteresse de
muitos, até mesmo nas possibilidades de trabalho futuro em atenção primária.
Para os estudantes as organizações dos mesmos em movimentos estudantis e
experiências como as “vivências” em outros cenários de aprendizagem poderiam ser
transformadoras nos pensamentos e atitudes, não só dos acadêmicos, mas também dos
professores. Alguns estudantes que participaram do grupo-dispositivo tiveram a
oportunidade de integrar vivências estudantis e reforçam que foi extremamente
positivo na ampliação do universo de possibilidades, especialmente no que diz
57
respeito à saúde coletiva. Os estudantes reconhecem que existem barreiras para que
alternativas como estas possam ser concretizadas, como a própria resistência dos
estudantes, ou dos professores (especialmente os mais antigos, que já possuem uma
forma consolidada de trabalho), mas entendem que devam trabalhar como
multiplicadores, iniciando com um grupo menor de acadêmicos, que após as
vivências compartilhariam com os outros a experiência.
Outra temática que foi trabalhada com os estudantes foi o entendimento
presente no grupo sobre as expressões “projeto terapêutico” e “linhas de cuidado”.
Projeto Terapêutico eu não sei o que é, mas linha de cuidado eu já ouvi
falar, penso que tenha relação com a integralidade. Talvez um conjunto
de profissionais que atenda todos os aspectos de uma pessoa, como por
exemplo, os aspectos sociais e psicológicos, Pensando nas adolescentes,
como exemplo, que já tenham vida sexual ativa, e não estão grávidas,
poderia se realizar um atendimento diferenciado, ampliado,
particularmente com relação à informação. É, porque na verdade, hoje,
não temos nas UBS, equipes trabalhando em conjunto, só isoladamente,
núcleos de atenção atendendo. O médico acha que não pode resolver
determinada situação, encaminha para a assistente social, ela
encaminha para o CAPS (centros de atenção psicossocial), e o usuário
peregrina por todos estes locais... Em uma ocasião, eu comentei com a
psicóloga da UBS sobre o problema de uma menina, que aparentemente
não era somente orgânico, e ela começou a atender a menina, e quando
a psicóloga me encontrava na UBS, perguntava dados sobre a menina,
sobre a opinião do professor médico, porque a menina tinha
incontinência urinária, então ela queria saber o que tinha sido
descartado, as hipóteses orgânicas... A psicóloga me procurava, ao
estudante... Ficava evidente que ela não tinha nenhum diálogo com o
médico da UBS...
Continuando no mesmo tema, foi perguntado aos estudantes, quais estratégias
poderiam ser propostas para que realmente as equipes trabalhassem em conjunto. Na
opinião dos acadêmicos, não adianta somente “informar” para os estudantes que
outros profissionais estão trabalhando nas Unidades de Saúde, deve haver iniciativas
que propiciem o trabalho em conjunto, abandonando o ato de encaminhar o usuário.
Para os estudantes, a criação de espaços de prática multidisciplinares, com os
58
atendimentos e orientações aos estudantes realizados simultaneamente com outros
profissionais poderia ser a solução.
Eu acredito na necessidade da existência de mais cadeiras
multidisciplinares... Não adianta ficar na aula prática somente o
médico, a aula prática deveria ser composta por outros estudantes, de
outros cursos, com outros professores, permitindo a interação das
pessoas... Hoje, apenas o professor de medicina atende e nos orienta. O
estudante de fisioterapia opinaria, “olha eu estudei isso lá no meu
curso, esse senhor está precisando de”... O estudante da medicina
comenta outra coisa... Não há a focalização em só um aspecto...
Outro aspecto destacado pelos estudantes na discussão sobre projetos
terapêuticos e linhas de cuidado é a importância de estabelecimento de vínculos
diferenciados com os usuários, onde os mesmos deixassem de ser “passivos” no
processo do atendimento e participassem mais do momento de consulta. Os
estudantes observam que na maioria das vezes, as opiniões dos usuários são
consideradas de menor relevância, sem “valor científico”, fazendo com que exista um
distanciamento entre o profissional e o usuário, tendo importância somente a
prescrição. Entre as alternativas para a qualificação do vínculo com os usuários,
destaca-se o estímulo ao estudante para conhecer a comunidade, realizando “visitas
domiciliares”, reconhecendo os problemas de saúde locais, contribuindo desta forma
para a efetiva aproximação entre o serviço, o ensino e os usuários, valorizando as
características de vida de um determinado grupo populacional e desmistificando
idéias pré-concebidas dos próprios estudantes.
Vou relatar uma situação que aconteceu comigo na UBS “X”, atendi
uma senhora, primeira consulta na UBS, comecei a conversar com ela,
contou-me que tinha vindo de outra cidade, mas que agora morava
naquele bairro, e soube que a UBS “X” era um bom serviço, pois os
funcionários atendiam bem as pessoas, desejava fazer exames porque
estava com escabiose, mas eu percebi, conversando com ela, que a
senhora desejava contar-me outras coisas, eu senti que ela queria falar,
desabafar. Naquele dia eu havia atendido dois pacientes com situações
semelhantes, e embora eu tivesse realizado a mesma conduta na hora
da prescrição, fiquei com um sentimento de frustração, pois pensei que
poderia ter feito algo a mais pela senhora (tanto que pedi retorno para
59
ela, e informei a ela os dias que eu estava na UBS, para que consultasse
comigo novamente, porque, no meu entendimento, havia estabelecido
um bom vínculo com a paciente). O que ocorreu: a senhora estava com
escabiose, mas o que mais chamou minha atenção na consulta foi a
necessidade da senhora em desabafar, contou-me toda sua vida, relatou
uma tentativa de suicídio (tendo tomado 80 cápsulas de remédio),
contou que tinha um filho que estava preso, disse que ela é quem cuida
da neta... Uma série de problemas que a levaram a tentar suicídio e que
talvez, possam levá-la a tentar novamente. Quando eu fui passar o caso
para o professor, ele receitou um antidepressivo, não deu importância
para tudo o que eu relatei, prescreveu remédio para escabiose e pediu
para que ela trouxesse exames que tinha em casa, no retorno. Ele se
preocupou muito mais com o aspecto biológico do que com o
psicológico da paciente. Será que o motivo principal da consulta não
era o aspecto psicológico? Acho que não foi uma consulta integral,
nem um pouco integral. Ainda fui repreendido pelo professor porque
eu estava conversando muito com a paciente e estava demorando
demais em minha consulta, afinal percebi que a paciente viera para
conversar sobre outras coisas, para além da escabiose. No final da
consulta ela disse ter gostado do atendimento, pois os estudantes davam
atenção e escutavam o paciente. Minha intenção ao pedir retorno foi
para na próxima ocasião, buscar outro orientador, porque eu não me
senti a vontade de contrariar a conduta do professor mesmo não
concordando com a mesma.
Ao comentarem o relato descrito acima os estudantes explicaram como
poderia ter sido um atendimento integral para esta senhora. Discutir o caso com a
psicóloga da UBS, realizar uma visita ao domicílio da paciente, para visualizar o
ambiente onde ela reside identificar e conversar com sua filha, para verificar a
possibilidade de pactuar algumas responsabilidades, mobilizar o serviço social para
providenciar algum auxílio, foram as estratégias apontadas pelos estudantes. Houve a
percepção que o acadêmico poderia ter sido mais crítico com o professor, mas
também houve o reconhecimento de que, dependendo do professor, o mesmo poderia
não aceitar bem a crítica.
60
A última questão trabalhada com os estudantes neste grupo-dispositivo
solicitava que os mesmos tentassem definir quais características deveriam estar
presentes em um médico para que ele exercesse um atendimento baseado na
integralidade.
A característica mais destacada pelos estudantes foi a capacidade de ouvir e
acolher as demandas dos usuários. Para os estudantes invariavelmente na prática
clínica os médicos escutam as “queixas” dos seus pacientes, mas acabam por focalizar
as condutas em aspectos específicos, ou fragmentados, sem conseguir visualizar o
indivíduo em sua totalidade, ou ainda, inserido em um determinado contexto de vida
que pode ter influência no processo de saúde-doença. Os estudantes associam esta
possível limitação no ato clínico a existência de uma “desumanização” da prática
profissional. Não houve na discussão entre os estudantes um consenso com relação
aos motivos que contribuem para essa desumanização, mas os mesmos ressaltaram
que parece existir uma falta de responsabilização com o usuário, não há por parte do
profissional o desejo de se expor nas consultas e realizar um aprofundamento das
questões que possam estar envolvidas nos processos de adoecimento. Na opinião dos
estudantes, o fato de simplesmente prescrever em determinadas situações é mais fácil
para o profissional, não havendo o envolvimento, não há o comprometimento.
Pra mim um bom médico é um bom ouvinte, pra mim um bom médico
começa aí. E um bom médico pra mim tem que ser humano, de verdade um ser
humano.
Seria um profissional que se preocupasse mais com uma realidade que
não é a dele e, que fosse um transformador, que tentasse promover o
acesso das pessoas as condições de poder ter saúde, seja física,
emocional, intelectual, um médico tem que se preocupar com isso. Não
adianta ele atender um paciente que não tenha essas condições, e fingir
que não vê. Quem sabe um profissional que converse com o indivíduo,
descubra o que ele pensa da vida... Não sei, talvez, um profissional
sensibilizado... Não um profissional que pense que a solução para o
desemprego é arranjar uma “carrocinha de cachorro-quente”.
61
Na opinião dos estudantes a universidade ou escola médica pode contribuir
para a existência do profissional médico que exerça a integralidade, utilizando
algumas estratégias que os estudantes consideram potencializadoras: o início precoce
da exposição prática no curso, mas que essa exposição possa ser permanentemente
discutida em momentos teóricos-práticos, com ênfase na humanização e
sensibilização dos estudantes, para além da apropriação de habilidades técnicas
próprias da medicina.
Muitos de nós, estudantes de medicina, vamos para a UBS e vemos os
pacientes lá somente como um material de estudo. Eu acredito que isso
está inadequado, enquanto eu olhar para a pessoa como eu olho para o
meu livro de anatomia médica, eu não vou me permitir compreender a
realidade dessa pessoa e não vou me sensibilizar, não vou ser um
profissional transformador, então eu acho que isso é importante: a
humanização do estudante e da medicina é importante pra eu enxergar
a pessoa como ser humano e não só como objeto de estudo.
Valendo-se da discussão sobre o ambiente acadêmico, os estudantes relatam
que assim como o médico parece não querer um “envolvimento” maior com os
usuários, o professor-médico também parece desmotivado. Para os estudantes é muito
importante que o seu professor seja um motivador, empolgue-se com sua atividade,
acredite no que faz e demonstre “paixão” e contagie seus acadêmicos com essa
“paixão”.
Aluno 1:
O que falta na faculdade são espaços que proporcionem o
debate, um coletivo para trocar idéias, imagina a riqueza de um
momento como esse... Acontece que os estudantes são desmotivados e
não debatem nada, nem os próprios problemas que temos e
enfrentamos não são debatidos.
Moderador:
E essa apatia contamina o professor, acomoda...
Aluna 1:
Há o estímulo pelo professor, mas se a turma não
corresponder o professor cansa...
Aluna 2:
Depois que fui no Congresso Brasileiro de Educação Médica
eu percebi tudo isso e pensei, nossa, como sou ...
Aluna 1:
Alienada?
Aluna 2:
É, ridículo...
62
A realização do grupo-dispositivo com professores seguiu o mesmo
delineamento dos grupos com estudantes. A idéia para o grupo foi de utilizar as falas
obtidas com os estudantes como disparadoras para a conversa com professores. A
escolha por três professoras do núcleo de ginecologia e obstetrícia da faculdade de
medicina foi pelo fato das mesmas também estarem envolvidas na assistência e no
ensino com adolescentes, especialmente as adolescentes grávidas. Houve a opção da
não realização do trabalho de campo desta pesquisa com professores do núcleo de
saúde coletiva, pela proximidade e afinidade de idéias existentes com o pesquisador, o
qual compõe o mesmo núcleo de trabalho, o que poderia acarretar em uma
centralização das idéias trabalhadas na perspectiva única da saúde coletiva.
As professoras que participaram do trabalho têm contato com os alunos nos
serviços de ambulatórios secundários da faculdade de medicina da UCPEL e no
hospital, com a maternidade. Salienta-se que o coletivo de alunos que participou na
pesquisa não teve contato, no atual estágio do curso, com o ambulatório de
ginecologia, o que ocorrerá no quarto período do curso.
Serão apresentados os textos disparadores utilizados e a transcrição dos
comentários das professoras.
Aluno 1: É... A adolescência tem dessas coisas... Os relacionamentos
amorosos, paixão... Por um descuido às vezes acaba engravidando. Para
mim é um erro. Mas acho que para elas (adolescentes) não. Eu acabei
me expressando mal com o termo “erro”, mas eu acho que quando eu
estiver num consultório atendendo essa menina eu vou dizer da
importância dela ter esse bebê, da importância dela manter um bom
relacionamento com a família, afinal ela vai ser mãe e o contexto é
diferente.
A conversa iniciou com o direcionamento para a definição dos professores de
qual a percepção existente sobre a gestação na adolescência para os mesmos, tomando
por base o texto acima. Para os professores há o entendimento de que a gestação na
adolescência possa acarretar uma série de conseqüências negativas tanto para as mães
adolescentes quanto para as crianças. O aspecto destacado foi a problemática social
63
que pode ser desencadeada com a gestação, pois para as professoras as adolescentes
que engravidam normalmente abandonam os estudos, apresentam dificuldades
posteriores para adquirir trabalho e as crianças tem um maior índice de
marginalidade. Salientam que o termo “erro” utilizado na fala do acadêmico está
inadequado, sendo mais apropriada a caracterização do evento gestação na
adolescência como um “acidente”. Quando perguntados em que contexto
normalmente aparecem as adolescentes grávidas no ambulatório onde trabalham, os
professores ressaltam que aparecem nos mais diversos contextos, destacando que
muitas vezes a gestação pode ter uma outra motivação ou planejamento, como forma
de autonomia e independência para a adolescente que deseja sair do ambiente
familiar e viver com o companheiro, por exemplo. Há a percepção das professoras que
a gestação na adolescência aconteça em maior proporção com adolescentes de classes
sociais mais baixas, as quais eventualmente apresentam um “planejamento” da
gestação, mas afirmam que a grande maioria ocorre por descuido mesmo.
Tomando por base o termo “planejamento” foi questionado ao grupo de
professoras qual a impressão sobre a possibilidade de planejamento de uma gestação
na adolescência, enfocada então como um “projeto de vida”. Para as professoras pode
até existir um projeto para as adolescentes ao engravidarem, mas na verdade, não há
por parte das adolescentes, muitas vezes, o dimensionamento sobre as possíveis
conseqüências da gestação.
Professora 1: Eu acho até que as adolescentes possam ter esse projeto de
vida, mas é tudo mais complicado, lembro de uma menina que atendi
no plantão do hospital, fez 13 anos dia 8 de fevereiro e o bebê nasceu
dia 13 de fevereiro, ou seja, gravidez durante os 12 anos e nasceu agora
aos 13 anos, perguntamos sobre o pai da criança, e o namoradinho
tinha 19 anos. Os planos da menina eram voltar a estudar (havia parado
porque estava com vergonha da barriga), morar junto com o namorado,
que a vida dela ia ser boa, pois sua mãe iria ajudar a cuidar do neném...
Esta menina tem uma fantasia nesse sentido... Acho que ela não vai
conseguir estudar, vai ter muitas dificuldades, a perspectiva de
mudança de vida será muito complicada.
64
Foi questionado às professoras se haveria a caracterização, no entendimento
delas, de um possível “script” de vida considerado como “correto”, com etapas
definidas como estudar, ter um bom trabalho e depois engravidar. Para as professoras,
especificamente o contexto de vida das adolescentes de classe social mais baixa é
diferente ao das adolescentes oriundas de outras classes sociais mais elevadas. Há a
percepção pelas professoras que a constituição de uma família, e a própria gestação
sejam eventos mais importantes para as adolescentes pobres, o que não ocorreria nas
classes sociais mais elevadas, onde o estudo e trabalho são prioritários. A motivação
para que este comportamento ocorra talvez seja o fato de que o exemplo familiar seja
esse, onde as adolescentes convivem com a experiência precoce da gestação de suas
mães e avós, ressaltando que talvez ocorra ainda uma mudança de “status de vida”,
onde a adolescente passa a ser vista com uma outra conotação na comunidade onde
está inserida, com outras responsabilidades.
Professora 1: Estas questões aparecem no comportamento da menina,
ela vai ter um filho, vai ser uma mulher casada (casada não,
companheira), ela não é mais criança, não fica mais na rua, não está
trabalhando, não está estudando, fica vendo TV, não deixa de ser uma
mudança de status...
Valendo-se da caracterização da problemática social decorrente de uma
gestação na adolescência, as professoras caracterizam o evento como de “risco”, tanto
pela vulnerabilidade social que passa a acontecer, quanto pelas questões biológicas
também. Há a constatação pelas professoras que as gestantes adolescentes começam o
pré-natal tardiamente, o que aumenta o risco de possíveis complicações no parto. Por
outro lado, o comportamento da adolescente durante o acompanhamento pré-natal,
no que diz respeito ao seguimento das orientações fornecidas pelo médico, muitas
vezes é melhor do que o comportamento de gestantes com idades superiores, segundo
as médicas, as adolescentes obedecem mais as orientações prescritas durante o pré-
natal.
65
Moderador: Existe um estudo sobre gravidez na adolescência, que
aponta que quando há a separação de fatores de risco social dos fatores
de risco biológicos envolvidos na gestação na adolescência, não há
evidência de risco biológico maior isolado para as adolescentes
comparadas com as mulheres de idade superior, definindo que o que
contribua para tornar uma gestação na adolescência de risco sejam sim
as condições socioeconômicas inadequadas.
Há a concordância das professoras com o texto descrito acima. Há a percepção
de que o enfoque das ações em saúde deveria ser na modificação do contexto cultural
das famílias e das adolescentes, por intermédio da educação em saúde. Na opinião das
mesmas, não é relevante demarcar o risco biológico como principal determinante de
possíveis complicações na gestação e sim as questões sociais e culturais.
Professora 2: Eu já ouvi uma paciente de 15 anos (tendo sua primeira
gestação) comentar: eu casei, a gestação foi planejada, eu queria muito
esse filho. Minha mãe começou cedo a ter filho também, teve seis
filhos e hoje vive muito bem com esses seis filhos. Ela tem o exemplo
da mãe, muito legal para ela, agora era a hora dela.
Para as professoras, além das ações em educação em saúde, há a necessidade da
transformação da estrutura educacional formal nos colégios com uma preparação
mais adequada para a discussão das questões de sexualidade na adolescência. As
médicas destacam que atualmente não há a valorização do estudo com uma
alternativa relevante, pelas adolescentes, pois o mesmo não apresenta características
atrativas para os adolescentes de um modo geral.
Professora 2: Os adolescentes não tem respeito com os professores, eles
não tem respeito por ninguém, eles agridem os professores. Os
professores também não têm respeito com os alunos, os professores
estão desmotivados, dependendo da formação, a professora primária
ganha menos que um salário mínimo.
Centralizando o debate nas questões sobre educação, as médicas comentaram
que se existissem condições para um ensino adequado, o mesmo deveria ser embasado
em outra lógica formativa, pelo menos na temática da sexualidade na adolescência.
Salientam que deveria existir a composição de grupos multiprofissionais com
médicos, psicólogos, assistentes sociais que trabalhassem com o professor,
66
preparando-o para as atividades na escola, pois o mesmo é que realmente conhece o
cotidiano do ensino, ressaltando que a metodologia tradicional de realização de
“palestras” pontuais com estes profissionais em escolas, têm-se demonstrado
ineficazes na transformação de um determinado contexto.
Outro aspecto destacado pelas professoras é a necessidade de uma interação
maior entre a escola e a comunidade, no sentido da ampliação desta discussão, pois
aparentemente os filhos têm comportamentos semelhantes aos dos pais.
Com relação à existência de um “papel materno”, que influenciasse em uma
responsabilização maior na mãe adolescente, as médicas salientam que realmente
existe a constatação de que estão caracterizadas socialmente determinadas atribuições
maternas, inerentes à mulher, que implicariam em mudanças na vida da mesma, que
assumiria, então, a identidade deste papel, tendo a criança como prioritária. As
médicas salientam, no entanto, que essa caracterização não acontece com as mães
adolescentes, pois as mesmas invariavelmente delegam estas funções cuidadoras para
suas mães, e seguem a sua vida sem muitas alterações.
Com relação às questões de sexualidade na adolescência, particularmente
sobre o início das relações sexuais, as médicas destacam uma diferença entre as
adolescentes pobres a as adolescentes com melhor poder aquisitivo. Para as
professoras a adolescente pobre normalmente inicia a vida sexual sem nenhum tipo
de orientação, inclusive sobre a existência dos métodos anticoncepcionais,
especialmente o preservativo. Já a adolescente de classe social mais elevada, paciente
de consultório particular, normalmente procura orientação antes de iniciar a vida
sexual, o que facilita, na opinião das médicas, a orientação sobre a importância do uso
de métodos contraceptivos. Para as mesmas não é uma situação tranqüila orientar o
uso de anticoncepcionais para meninas muito jovens, pela existência de possíveis
conseqüências para a saúde das meninas, mas é preferencial em determinadas
situações a uma gestação não planejada.
67
Tomando por base a discussão dos estudantes sobre o aborto, as médicas
comentam que possivelmente este ocorra em maior proporção em adolescentes de
classe social mais elevada. As adolescentes que vão procurar atendimento
ambulatorial, normalmente já chegam com o aborto realizado, tendo sido o mesmo
invariavelmente realizado nas piores circunstâncias possíveis. Para as médicas,
deveria existir o respeito à escolha, com um cuidado mais adequado para as mulheres
que optam pelo aborto como alternativa.
Professora 1: Embora eu não faça o aborto, reconheço que no
consultório particular as adolescentes têm melhores condições de fazer
o aborto... Até existem clinicas especializadas... Há o envolvimento
maior dos pais no consultório, o que não acontece no ambulatório, não
há disponibilidade financeira, porque é caro realizar o aborto nessas
clínicas.
Com relação aos aspectos formativos na faculdade de medicina, as professoras
destacam que poderiam ser criados espaços de discussão com os estudantes sobre
determinados temas para além da discussão técnica formal. Há o entendimento, pelas
médicas, que existe um rigor no processo formativo que valoriza muito mais o saber
científico, os protocolos prontos, ou uma centralização nas questões biológicas, como
salientado pelos estudantes. Mas também há o entendimento que os estudantes
deveriam ser sensibilizados para essas questões, pois os mesmos normalmente só estão
interessados no que diz respeito ao aspecto técnico da medicina, especialmente os
estudantes do final do curso, inclusive tendo posturas inadequadas, com um desprezo
evidente no atendimento de mulheres pobres. Para as médicas talvez exista algo
durante o curso que “desumanize” os estudantes, mas não sabem especificar
claramente o que poderia ser.
68
Interrogação das práticas de atenção e ensino na saúde:
educação permanente e o poder analítico da Educação
As interrogações feitas com relação à atenção e ao ensino na saúde devem
permitir a reflexão sobre o papel das práticas educativas, as quais devem pertencer aos
serviços/profissionais/estudantes a que se dirigem, de forma que os conhecimentos
que veiculam alcancem significativo cruzamento entre os saberes formais previstos
pelos estudiosos ou especialistas e os saberes operadores das realidades – detidos pelos
profissionais em atuação – para que viabilizem auto-análise e principalmente
autogestão (Ceccim, 2005). Para Ceccim, a indicação da Educação Permanente em
Saúde carrega a definição pedagógica para o processo educativo que coloca o
cotidiano do trabalho – ou da formação – em saúde em análise, que se permeabiliza
pelas relações concretas que operam realidades e que possibilita construir espaços
coletivos para a reflexão e avaliação de sentido dos atos produzidos no cotidiano.
Ceccim (2005) toma por base os elementos do quadrilátero da formação para
por em análise práticas de ensino, de gestão, de atenção e de participação. O poder de
análise da Educação (suposto do quadrilátero da formação) é o de confrontar a
educação dos profissionais de saúde pelo incentivo à produção de conhecimento por
argumentos de sensibilidade, bem como a construção de novas práticas - tendo em
vista os desafios da integralidade, da humanização e da inclusão da participação dos
usuários no planejamento terapêutico. De toda Educação, emergem efeitos de
subjetivação e problematizações ao pensar-agir-perceber. De uma educação que
interroga, problematiza e desestabiliza identidades e modos de pensar-agir-perceber
resulta, como aprendizagem significativa, a invenção de si, dos entornos e de mundos
(Ceccim, 2005).
A experimentação, a exposição à alteridade e a criação por meio do
pensamento em ato constituem, de um lado, a lógica da educação permanente em
69
saúde, permitindo o “aprender a aprender” como processo aberto, complexo e
inventivo. De outro lado, essa educação tomada como dispositivo analisador quer da
realidade o encontro com o que nela houver de experimentação, a exposição à
alteridade e a criação por meio do pensamento em ato.
O próprio trabalho de campo desta dissertação constitui um desestabilizar,
uma aprendizagem. Para além das palavras, o pesquisador deve fugir do proposto pela
lógica clássica do pensamento ocidental, o qual, alicerçado em Aristóteles, buscaria a
ciência da homogeneização categorizando os acontecimentos com o filtro dos regimes
de verdade. Segundo Naffah Neto (1991, p. 20-21), sua “autoridade” (da ciência) é
autenticada pela produção de signos
1
que cobrem diferentes singularidades empíricas.
Para Siegmann & Fonseca (2007), o grande desafio para a criação em um projeto de
pesquisa é a ruptura com a lógica mecânica da investigação. É justamente
desestabilizar, um movimentar-se permanente entre o inconsciente e o consciente.
Valendo-se da crítica à linguagem em Nietzsche, Naffah Neto (1991, p. 24-27), relata
que as experiências para as quais se encontram palavras são as mais freqüentes,
ordinárias, ao passo que o inconsciente como domínio do indizível, escapa à
linguagem. O ato de pesquisar deve ser, portanto, um processo que convoque o
pesquisador a permitir a multiplicidade e o devir, ultrapassando os limites do senso
comum. Como diria Deleuze (1992, p. 109), citando Foucault, “rachar as coisas e as
palavras”, permitindo a formação do novo, a “atualidade”. Os resultados deste
empenho serão a produção e circulação de saberes.
Construir processos de formação deve ser construir processos que qualifiquem
profissionais a desenvolverem competências e habilidades, não apenas para atuar em
saúde e nos serviços, mas para atuar com e na saúde, avaliando, reestruturando e
implementando novas práticas em serviços, num
continuum
em que a atuação
profissional se qualifica e qualifica simultaneamente o serviço.
1
Naffah Neto (1991) se refere ao “signo lingüístico” da escola francesa que traz a noção
de significante - que deverá funcionar como princípio transcendente, ordenador da
produção inconsciente e capaz de dar conta de sua variedade transbordante.
70
Uma efetiva integração ensino-serviço, certamente contribuiria para alimentar
necessidades teóricas em relação à formação, bem como à qualificação dos serviços.
Essa retroalimentação constante entre dois atores co-participantes do processo de
formação de profissionais e do processo de assistência à saúde, pode significar o
preenchimento da lacuna existente entre as necessidades de saúde e a educação em
saúde necessária para identificá-las e atendê-las, além de permitir perceber com
maior clareza as necessidades de qualificação da gestão (do ensino e dos serviços) e as
formas de inclusão dos saberes desenvolvidos pelos próprios usuários e movimentos
sociais, na sua luta (às vezes invisível) pelo enfrentamento aos problemas de saúde.
Uma efetiva integração ensino-serviço se alarga às interações entre educação, gestão
do setor de saúde, redes de atenção e participação da população (integração ensino-
serviço como interação educação-gestão-atenção-participação).
São as mulheres que precisam ser cuidadas e isto significa acolher as
feminilidades em que se inscrevem as gestações, não as biologias descoladas das
humanidades. O atendimento humanizado ao parto e ao nascimento deve estar em
linha com o pré-natal, a neonatologia, a puericultura e a ginecologia, mas sempre
dirigido às feminilidades: conhecê-las, acolhê-las, atendê-las e com elas construir um
projeto cuidador singular.
A leitura das histórias construídas pelos serviços e pelos profissionais permite
afirmar que estamos em dívida quanto às feminilidades e com a integralidade do
cuidado à saúde da mulher. É profundamente incômodo perceber que em nome da
humanização, atendemos em saúde mediante valores morais. É extremamente
gratificante ver possível a construção de
linhas de cuidado
mãe-bebê e a efetiva
integração do ensino com os serviços responsáveis por torná-las reais. Já não se tratará
mais de um pré-natal, parto, neonatologia, puerpério e puericultura de alta qualidade
em si mesmos, mas o engendramento das práticas cuidadoras expostas ao outro, à
alteridade.
71
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