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uma articulação entre estes aspectos do engajamento pulsional e a própria estrutura da
linguagem. Para isso, contaremos com o auxílio de Vorcaro:
No gozo de seu fluxo vital, o ser registra os estados de tensão e de apaziguamento.
Esses estados se alternam, devido ao suporte do agente da função materna, que lê e responde
aos estados do ser tomando-os como significantes que apelam a seus cuidados. Na medida
da resposta maternante, estabelece-se a temporalidade que esboça uma matriz simbolizante,
já que um estado de tensão ou de apaziguamento remete-se ao estado de apaziguamento ou
de tensão. Um termo remete a outro, num ciclo, permitindo o advento da antecipação de um
termo por aquele outro termo que será substituído. Sobre tal funcionamento rítmico e em
reciprocidade circular, incide o esgarçamento em que a antecipação já esperada não se
constata. Essa quebra da substituição alternante é vivida pelo ser como incidência do real
nessa matriz simbolizante: o que deveria estar ali não está mais, um pouco mais e teria
estado, foi perdido. Assim, após ter sido perdida, a experiência de satisfação é situada.
O engajamento, em sua recuperação, mobiliza a atividade pulsional em que a
manifestação do ser torna-se apelo ao retorno do seu cerne perdido. Nos significantes com
que a resposta oferecida pelo Outro, a partir de então, se articula ao apelo, o sujeito é
remetido ao que aparece no campo do Outro como resposta que lhe concerne. Seu apelo
retorna em significantes, forçando, na resposta, equivalências substitutivas ao apelo de
retorno à satisfação.
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Vorcaro utiliza o termo “cartografia” emprestado de Alfredo Jerusalinsky, para
dizer que a mãe mapeia o organismo e os orifícios do bebê, compondo um tecido
significante. Nesta atividade, a linguagem tem o efeito de provocar a subtração do gozo do
fluxo vital do ser vivo ao fazer deste ser um sujeito:
Em sua atividade, a pulsão opera o movimento circular do impulso que, como
apelo, sai através da borda erógena, para a ela retornar, na resposta do Outro. Esse retorno é
feito do contorno do objeto perdido da satisfação, contorno que é substituição do fluxo vital
pelos significantes que o Outro lhe oferece: representantes, figurações do objeto perdido.
Assim, o sujeito começa no lugar do Outro, lá onde surge o primeiro significante: o apelo
que o representa para outro significante.
O circuito - o vai e vem que constitui o alvo da pulsão, sai da zona erógena para ir
buscar algo que, a cada vez, responde no Outro. Portanto, a incidência da linguagem no ser
pode ser localizada como produção de um movimento: que emana no ser em direção ao
alvo, só define o movimento pulsional que representa ao sujeito e não mais ao ser. É o que
define o movimento pulsional que representa, em si mesmo, a parte da morte no ser vivo,
que é chamado, pela linguagem, à subjetivação.
Pela via da circularidade da pulsão, o sujeito irá atingir a dimensão de falta,
também no Outro: os significantes se substituem, mas não se igualam. Entre ida e volta da
pulsão, entre a substituição do apelo pela resposta, a heterogeneidade se destaca. Esse
intervalo mostra uma hiância. E o que se pode chamar de atividade pulsional é propriamente
o fazer-se no lugar dessa hiância. O sujeito reside aí, distingue-se aí, tira-se disso.
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VORCARO, Ângela. Crianças na psicanálise: clínica, instituição, laço social. Op. Cit., p. 56-57.
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Ibidem, p. 57.