Três dias depois, apareceu Magalhães no escritório de Oliveira; falou na sala a um
porteiro que lhe pediu o cartão.
— Não tenho cartão, respondeu Magalhães envergonhado; esqueci-me de o trazer; diga-
lhe que é o Magalhães.
— Queira esperar alguns minutos, tornou o porteiro; ele está conversando com uma
pessoa.
Magalhães assentou-se numa cadeira de braços, enquanto o porteiro assoava
silenciosamente o nariz e tomava uma pitada de rapé, que lhe não ofereceu. Magalhães
examinou detidamente as cadeiras, as estantes, os quadros de gravuras, os capachos e
as escarradeiras. A sua curiosidade era minuciosa e sagaz; parecia estar avaliando o
gosto ou a riqueza de seu ex-colega.
Minutos depois, ouviu-se um rumor de cadeiras, e não tardou que viesse da sala do fundo
um velho alto e empertigado, vestido com certo apuro, a quem o porteiro fez largos
cumprimentos até o patamar da escada.
Magalhães não esperou que o porteiro fosse avisar Oliveira; atravessou o corredor que
separava as duas salas e foi ter com o amigo.
— Ora, viva! disse este apenas o viu entrar. Estimo que não lhe houvesse esquecido a
promessa. Sente-se; chegou a casa com chuva?
— Começou a chuviscar, quando eu me achava a dois passos da porta, respondeu
Magalhães.
— Que horas são?
— Pouco mais de duas, creio eu.
— O meu relógio está parado, disse Oliveira, lançando o olhar de esguelha para o colete
de Magalhães, que não tinha relógio. Naturalmente, ninguém mais me procurará hoje; e
ainda que venham, quero descansar.
Oliveira tocou a campainha apenas acabou de proferir estas palavras. Veio o porteiro.
— Se vier alguém, disse Oliveira, não estou cá.
O porteiro inclinou-se e saiu.
— Estamos livres de importunos, disse o advogado, apenas o porteiro virou as costas.
Todas estas maneiras e palavras de simpatia e cordialidade foram angariando a confiança
de Magalhães, que começou a parecer alegre e franco com o seu ex-colega.
Longa foi a conversa, que durou até às 4 horas da tarde. As 5 jantava Oliveira; mas o
outro jantava às 3, e se o não disse, era talvez por deferência, se não fosse por cálculo.
Um jantar copioso e escolhido não era melhor que o ramerrão culinário de Magalhães?
Fosse uma ou outra coisa, Magalhães suportou a fome com admirável denodo. Eram 4
horas da tarde, quando Oliveira deu acordo de si.
— Quatro horas! exclamou ele, ouvindo as badaladas de um sino próximo. Naturalmente,
já você perdeu a hora do jantar.
— Assim é, respondeu Magalhães; eu costumo jantar às 3 horas. Não importa; adeus.
— Isso é que não; há de ir jantar comigo
— Não; obrigado...
— Ande cá, jantaremos no hotel mais próximo, porque a minha casa é longe. Eu ando
com idéia de mudar de casa; estou muito fora do centro da cidade. Vamos aqui ao Hotel
de Europa.
Os vinhos eram bons; Magalhães gostava de vinhos bons. No meio do jantar, tinha-se-lhe
desenvolvido completamente a língua. Oliveira fazia quanto podia para tirar ao amigo da
infância toda espécie de acanhamento. Isto e o vinho deram excelente resultado.
Desta ocasião em diante foi que Oliveira começou a apreciar o ex-colega. Era Magalhães
um rapaz de agudo espírito, boa observação, conversador ameno, um pouco lido em
obras fúteis e correntes. Tinha, além disso, o dom de ser naturalmente insinuante. Com
estas prendas juntas não era difícil, era antes facílimo angariar as boas graças de
Oliveira, que, à sua extrema bondade, reunia uma natural confiança, ainda não diminuída
pelos cálculos da vida madura. Demais Magalhães tinha sido infeliz; esta circunstância
era aos olhos de Oliveira um realce. Finalmente, o seu ex-colega já lhe confiara no trajeto