essênios, que a alma era imortal. Segundo esses, as almas, em forma aérea,
descendiam da mais alta região dos ares, para introduzir-se nos corpos, pela
violenta atração que exerciam sobre elas; e quando morriam os corpos, as almas
que haviam pertencido aos bons, iam a morar mais além, lá do Oceano, em um
país onde nã
o se sentia calor nem frio, nem havia vento nem chovia. As almas dos
maus iam a morar em um clima perverso. Esta era a teologia dos judeus. O que
devia ensinar a todos os homens, condenou a estas três seitas. Sem seu auxilio
não tivéssemos chegado nunca a compreender nossa alma, porque os filósofos
não tiveram jamais uma idéia determinada dela, e Moisés, único legislador do
mundo antigo, que falou com Deus frente a frente, deixou a humanidade imersa
na mais profunda ignorância respeito deste ponto. Só depois de mil e setecentos
anos teremos a certeza da existência e da imortalidade da alma. Cícero abrigava
suas dúvidas. Seu neto e sua neta souberam a verdade pelos primeiros galileus
que foram a Roma. Porém antes dessa época, e depois dela, em todo o resto do
mundo, donde apóstolos não penetraram, cada qual devia perguntar a sua alma,
que és? de donde vens? que fazes? onde vais? És um não sei que, que pensas e
sentes, porém ainda que sintas e penses mais de cem milhões de anos, não
conseguirás saber mais sem o auxilio de Deus, que te concedeu o entendimento
para que te sirva de guia, porém não para penetrar na essência. Assim pensou
Locke, e antes que Locke, Gassendi, e antes que Gassendi, muitos sábios; porém
hoje os bacharéis sabem o que esses grandes homens ignoravam.
Inimigos encarniçados da razão, se tem atrevido a opor a essas verdades
reconhecidas pelos sábios, levando sua má-fé e sua imprudência até
imputar ao autor desta obra a opinião de que cada alma é matéria. Perseguidores
da inocência, bem sabeis que temos dito o contrario; e que dirigindo-nos a
Epicuro, a Demócrito e a Lucrécio, perguntamos: «Como podeis crer que um
átomo pense? confesso-te que não sabeis nada». Logo são uns caluniadores os
que me perseguem.
Ninguém sabe o que é o ser que chamamos espírito, ao que vocês mesmos dão
um nome material, fazendo-lhe sinônimo de ar. Os primeiros pais da Igreja
acreditavam que a alma era corporal. É impossível que nós, que somos seres
limitados, saibamos se nossa inteligência é substância ou faculdade; não podemos
conhecer a fundo nem o ser extenso nem o ser pensante, ou seja, o mecanismo
do pensamento. Apoiados na opinião de Gassendi e de Locke, afirmamos que por
nós mesmos não podemos conhecer os segredos do Criador. Sois Deuses que
sabeis tudo? Repetimos que só podemos conhecer pela revelação da natureza e o
destino da alma; e esta revelação não os basta. Devem ser inimigos da revelação,
porque perseguem aos que a crêem e aos que dela o esperam tudo.
Referimo-nos à palavra de Deus; e vocês, que fingindo religiosidade, são inimigos
de Deus e da razão, que blasfemam uns de outros, tratem a humilde submissão
do filósofo, como o lobo trata ao cordeiro nas fábulas de Esopo, e lhe dizem:
«Murmuras-te de mim o ano passado; devo beber teu sangue». Porém a filosofia
não se vinga, se ri desses vãos esforços e ensina tranqüilamente aos homens que
quereis embrutecer, para que sejam iguais a vós.
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