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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO
A
LIAAS
E
STRATÉGICAS COMO
F
ONTES
G
ERADORAS DE
V
ANTAGENS
C
OMPETITIVAS
S
USTENTÁVEIS
:
O
C
ASO
E
MBRAER
RIO
DE
JANEIRO
2005
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LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO
A
LIAAS
E
STRATÉGICAS COMO
F
ONTES
G
ERADORAS DE
V
ANTAGENS
C
OMPETITIVAS
S
USTENTÁVEIS
:
O
C
ASO
E
MBRAER
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Administração.
Orientador: Prof. Dr. Agricola de Souza
Bethlem
RIO
DE
JANEIRO
2005
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iii
Coelho Netto, Luis Eduardo Santos.
Alianças estratégicas como fontes geradoras de vantagens
competitivas sustentáveis: o caso Embraer / Luis Eduardo Santos
Coelho Netto. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2005.
xxi, 318 f.: il.
Dissertação (Mestrado em Administração)
Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2005.
Orientador: Agrícola de Souza Bethlem.
1. Estratégia empresarial. 2. Alianças estratégicas. 3. Vantagens
competitivas suste
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de
Administração. III. Alianças estratégicas como fontes geradoras de
vantagens competitivas sustentáveis: o caso Embraer.
iv
LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO
Alianças Estratégicas como Fontes Geradoras de
Vantagens Competitivas Sustentáveis: o Caso Embraer
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Administração.
Aprovada em
____________________________________________________ - Orientador
Prof. Dr. Agricola de Souza Bethlem – COPPEAD/UFRJ
____________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Roberto Ramos Nogueira – COPPEAD/UFRJ
____________________________________________________
Prof. Dr. Marco Aurélio Cabral Pinto – TEP/UFF
v
A Cinthya e Lucas, sem os quais
absolutamente nada faz sentido.
vi
AGRADECIMENTOS
Demonstrar o tanto que me sinto grato talvez levasse à elaboração de um
texto maior que a própria dissertação. Na medida do possível, tentarei ser sucinto:
Primeiramente, agradeço ao povo brasileiro pela oportunidade de cursar
mestrado numa escola pública, gratuita e de excelente qualidade. Espero fazer jus
ao investimento em minha educação trazendo o máximo de retorno à sociedade.
Agradeço à minha esposa, Cinthya, personagem principal de minha vida, pelo
apoio e pelo amor. Apoio ao compreender que muitas vezes é necessário o
incômodo do isolamento e da ausência. Amor ao perceber que esta ausência era
involuntária e conseguir suportá-la dignamente. Recebi uma verdadeira prova de
amor não declarada, pela qual serei eternamente grato. Sem seu apoio, Cinthya,
seria impossível a realização desta dissertação. Eu te amo.
Agradeço ao meu filho, Lucas, pelos sorrisos e brincadeiras nas horas mais
difíceis, que logo se tornavam as melhores. Nunca imaginei que fosse apaixonar-me
por um homem. Ser pai de um subverte completamente este conceito. Lucas, papai
te ama muito.
Agradeço a meus pais, Fernando e Ana, pelo apoio e amor a 2.338
quilômetros de distância. À minha mãe, por ter ensinado que só com muito esforço e
sacrifício pode haver recompensa verdadeira. Ao meu pai, pelos conselhos, carinho
e constante ternura. Agradeço também a meus irmãos, Joana e Fernando, pelo afeto
e companheirismo. Ao externarem admiração pelo irmão mais velho, mal sabem eles
quantas vezes mais eu os admiro.
Agradeço ao meu orientador, professor Agricola Bethlem, pela paciência
inesgotável, principalmente nos momentos em que não pude dedicar-me por
completo à dissertação devido a problemas pessoais. Sou eternamente grato pela
compreensão.
vii
Agradeço também aos amigos Shailon Ian Abdala Menezes, Mauro Gageiro
Pinto, José Gerson Martins Pinheiro e João Luís Abreu Jorge Teixeira pelo
sustentáculo inicial que me permitiu cursar o Coppead.
Como este trabalho aborda a Embraer, dois colaboradores na empresa
que merecem um agradecimento especial: Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso,
respectivamente Vice-Presidente Executivo de Desenvolvimento e Indústria e Vice-
Presidente de Aviação Corporativa, por terem me recebido para a realização das
entrevistas que constam neste trabalho, sem as quais restaria uma enorme lacuna.
Agradeço também às suas assistentes, sempre muito cordiais e prestativas,
senhoras Arilene Paiva, Edilayne Pereira e Elizabeth Barco.
Agradeço também a Horácio Aragones Forjaz e Sidney Lage Nogueira,
respectivamente Vice-Presidente Executivo de Comunicação Empresarial e Gerente
do Programa de Especialização em Engenharia (PEE) da Embraer, pelas sugestões
de nomes que poderiam contribuir para a evolução do trabalho. Também devo
agradecimentos ao grande amigo Luis Marcelo Coelho Acosta, engenheiro
aeronáutico da Embraer, por conseguir fontes secundárias de pesquisa de muito
valor para este estudo.
Ademais, agradeço a Allan MacPherson (University at Buffalo), Altair Garcia
(Unicamp), Frederico Araújo Turolla (FGV-SP), Marcelo de Figueiredo Alves
(BNDES), Márcio Nobre Migon (BNDES), Roberto Carlos Bernardes (Fundação
SEADE), Rosane Argou Marques (University of Sussex) e William Gostic (Pratt &
Whitney) pela disponibilização de trabalhos acadêmicos importantíssimos e pelas
sugestões de diretrizes para este estudo.
A lista de agradecimentos não ficaria completa sem todos meus amigos da
turma 2003 do Instituto Coppead de Administração, em especial aos “estrategistas”
Iuri Filus Ludkevitch, Jayme Chataque de Moraes, Juliana Coutinho Oliveira, Paulo
Roberto Esteves Grigorovski e Renato Coelho Gomes Pinto, com quem compartilhei
várias angústias e outros tantos momentos engraçados e inesquecíveis.
Agradeço também a todos os professores e funcionários do Coppead pelo
trabalho profissional e diligente que fez destes 30 meses de estudo algo que se
distingue em minha vida.
viii
E, por fim, agradeço enormemente ao Marechal Casimiro Montenegro Filho
(in memoriam), um dos maiores brasileiros de todos os tempos, pela visão e
empreendedorismo ímpares, sem os quais o Brasil não teria asas.
Muito obrigado.
ix
“Não tenho condições de criar agora uma indústria
aeronáutica. Vocês um dia o farão!”
Mal. Casimiro Montenegro Filho (1904-2000)
“No bird soars too high if he soars with his own wings.”
William Blake (1757-1827)
x
RESUMO
COELHO NETTO, Luis Eduardo Santos. Alianças estratégicas como fontes
geradoras de vantagens competitivas sustentáveis. Orientador: Agrícola de
Souza Bethlem. Rio de Janeiro: COPPEAD/UFRJ, 2005. Dissertação (Mestrado em
Administração).
Este estudo possui foco sobre a Embraer, empresa líder na fabricação de
aeronaves regionais, carro-chefe da indústria aeronáutica brasileira e uma das
principais exportadoras do país. Dois foram os objetivos deste trabalho: analisar sob
o ponto de vista estratégico a evolução histórica da gestão de alianças da Embraer
ao longo de suas mais de três décadas de existência e compreender o efeito destas
alianças na geração de vantagens competitivas sustentáveis e na construção de um
competidor global no setor de fabricação de aeronaves.
Inicialmente, foi verificada a formação das condições para o desenvolvimento
de uma indústria aeronáutica no Brasil, até o momento da criação da Embraer. Em
seguida, foi analisado o histórico da empresa, desde seu crescimento inicial pujante
até os problemas financeiros gerados por projetos inadequados e pela recessão no
setor aeroespacial mundial ao final da década de 80, culminando com a privatização
da empresa em 1994. Posteriormente, foram analisadas as iniciativas da Embraer
sob controle privado, verificando o sucesso de seu ingresso no segmento de aviação
regional e sua recente aposta no segmento de aviação executiva. Toda a história da
empresa foi observada com foco voltado às alianças estratégias.
Mais adiante, foi realizada análise segundo framework desenvolvido a partir
de modelo proposto por Barney (1991), de forma a identificar como as alianças
estratégicas nas quais a empresa tomou parte geraram vantagens competitivas
sustentáveis.
Por fim, foi constatado que a opção pela realização de alianças estratégicas
possuiu papel fundamental no progresso da Embraer, tendo em vista que várias
alianças tiveram impacto profundo na evolução dos eixos estratégicos de excelência
da empresa, quais sejam, as áreas de pesquisa e desenvolvimento, integração dos
parceiros, produção, comercialização e pós-venda.
xi
ABSTRACT
COELHO NETTO, Luis Eduardo Santos. Alianças estratégicas como fontes
geradoras de vantagens competitivas sustentáveis. Orientador: Agrícola de
Souza Bethlem. Rio de Janeiro: COPPEAD/UFRJ, 2005. Dissertação (Mestrado em
Administração).
This study focuses on Embraer, the world leader in regional aircraft
manufacturing, the most important company in the Brazilian aeronautical industry and
one of the country’s biggest exporters. This work had two main objectives: analyze
under a strategic perspective the evolution of Embraer’s way of managing alliances
throughout its more than three decades lifespan and understand the effect of these
alliances in the creation of sustainable competitive advantages and in the
development of a global competitor in the aircraft manufacturing industry.
Initially, the formation of conditions for the development of an aeronautical
industry in Brazil was verified, from the beginning of the 20th Century until Embraer’s
foundation. Afterwards, the enterprise’s history was analyzed from its robust initial
growth to the financial problems arising on the launching of inadequate products and
from the recession in the world aerospace industry by the end of the 80s, culminating
with the company’s privatization in 1994. Subsequently, Embraer initiatives already
under private control were accurately studied and the success of its entry in the
regional aviation segment could be examined, as well as its most recent bet in the
executive aviation segment. All of the organization’s history was observed with an
emphasis on the strategic alliances.
Also, a framework derived from Barney’s model (1991) was used to identify
how these strategic alliances generated sustainable competitive advantages for
Embraer.
Finally, evidence was found that the deliberate option on creating and
developing strategic alliances was crucial for Embraer’s progress, forasmuch as
plenty of these alliances have had profound impact on the evolution of the company’s
five strategic axis of excellence: research and development, partner integration and
management, production, commercialization and post-selling assistance.
xii
LISTA DE SIGLAS
ACS Aerial Common Sensor
AFA Academia da Força Aérea
ASA Atlantic Southeast Airlines
BAe British Aerospace
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAA Commuter Aviation Association
CACEX Carteira de Comércio Exterior
CAD Computer Aided Design
CAM Computer Aided Manufacturing
CAM Correio Aéreo Militar
CAN Correio Aéreo Nacional
CAP Companhia Aeronáutica Paulista
CASA Construcciones Aeronáuticas SA
CATI Cooperative Agreements and Technology Indicators
CATIA Computer Aided Three-dimensional Interactive Application
CBA Cooperação Brasil-Argentina
CFD Computational Fluid Dynamics
CGA Compagnie Générale de Aviation
CIM Computer Integrated Manufacturing
COPPEAD Instituto COPPEAD de Administração
CRJ Canadair Regional Jet
CRV Centro de Realidade Virtual
CTA Centro Técnico de Aeronáutica e, posteriormente, Centro Técnico
Aeroespacial
CVM Comissão de Valores Mobiliários
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DAC Departamento de Aviação Civil
DAM Diretoria Administrativa
DASA Daimler-Benz Aerospace
DCO Diretoria Comercial
DFN Diretoria Financeira
xiii
DIN Diretoria Industrial
DM Diretoria de Material
DPM Diretoria de Produtos Militares
DPR Diretoria de Produção
DTE Diretoria Técnica
EAC Embraer Aircraft Corporation
EAI Embraer Aviation International
EDI Electronic Data Interchange
EFIS Electronic Flight Information System
Embraer Empresa Brasileira de Aeronáutica
ERJ Embraer Regional Jet
EUA Estados Unidos da América
FAA Federal Aviation Administration
FAB Força Aérea Brasileira
FAR Federal Aviation Regulation
FedEx Federal Express
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FINEX Fundo de Financiamento às Exportações
FMA Fábrica Militar de Aviones
GE General Electric
HP Horse Power
HS Hamilton Sundstrand
IAE Instituto de Aeronáutica e Espaço
ICAO International Civil Aviation Organization
ICM Imposto de Circulação de Mercadorias
IEAv Instituto de Estudos Avançados
IFI Instituto de Fomento e Coordenação Industrial
IPD Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica
ITC International Trade Comission
ITT International Telephone and Telegraph
JAA Joint Aviation Authorities
xiv
JDP Joint Definition Phase
JPATS Joint Primary Aircraft Training System
JV Joint Venture
KBE Knowledge Based Engineering
LJ Light Jet
LTA Long Term Agreements
MBO Management By Objectives
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MIT Massachusetts Institute of Technology
MR&O Manutenção, Reparo e Overhaul
NFTC NATO Flying Training in Canada
NYSE New York Stock Exchange
OECD Organisation for Economic Co-operation and Development
OMC Organização Mundial do Comércio
PBA Provincetown Boston Airlines
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
P&W Pratt & Whitney
PROEX Programa de Financiamento às Exportações
RAA Regional Airline Association
RAF Royal Air Force
RCA Radio Corporation of America
SBTA Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte Aéreo
SHP Shaft Horse Power
SITAR Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional
SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia
SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats
TABA Transporte Aéreo da Bacia Amazônica
TAM Táxi Aéreo Marília e, posteriormente, Transporte Aéreo Marília
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
VARIG Viação Aérea Rio-Grandense
VASP Viação Aérea São Paulo
VLJ Very Light Jet
WBAC Wright Brothers Aeroplanes Company
xv
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Composição do faturamento da Embraer em 1994 ..............................144
Gráfico 2 – Participação por fabricante no mercado de aviação geral em 2003 .....177
xvi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Relação entre heterogeneidade e imobilidade dos recursos e vantagens
competitivas sustentáveis .........................................................................................15
Figura 2 – Motivos genéricos para alianças estratégicas..........................................32
Figura 3 – Motivos para formação de alianças estratégicas .....................................34
Figura 4 Processo de consolidação dos fabricantes de aeronaves nas décadas de
80 e 90 ......................................................................................................................45
Figura 5 Framework para análise de alianças estratégicas como fontes geradoras
de vantagens competitivas sustentáveis ...................................................................72
Figura 6 – Cadeia produtiva da indústria aeronáutica...............................................78
Figura 7 – Diferenças entre modelos logísticos de transporte aéreo ........................80
Figura 8 – Organograma da Embraer em 1986.......................................................137
Figura 9 – Organograma da Embraer em 1996.......................................................148
Figura 10 Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-
145 ..........................................................................................................................156
Figura 11 Superposição entre aeronaves regionais e single-aisle gerando
competição direta ....................................................................................................164
Figura 12 Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-
170/190 ...................................................................................................................165
Figura 13 – Eixos estratégicos de excelência da Embraer......................................252
xvii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Fatores Críticos de Competitividade na Indústria Aeronáutica Civil .......79
Quadro 2 Maiores empresas do mundo no setor aeroespacial militar e de
armamentos em 1995 ...............................................................................................83
Quadro 3 – Aeronaves construídas ou montadas no Brasil na fase pré-Embraer.....87
Quadro 4 – Aeronaves cogitadas para aquisição da FAB no início dos anos 70 ......96
Quadro 5 – EMB-120 Brasília e seus concorrentes ................................................124
Quadro 6 – CBA-123 e seus concorrentes..............................................................131
Quadro 7 Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos
aeronáuticos em relação ao faturamento total em 1989-1994 ................................141
Quadro 8 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1989-1994 ....143
Quadro 9 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1995-1999 ....147
Quadro 10 Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos
aeronáuticos em relação ao faturamento total em 1989-1998 ................................149
Quadro 11 – Comparação resumida entre ERJ-145 e CRJ-200 .............................160
Quadro 12 Parceiros de compartilhamento de risco da Embraer no
desenvolvimento da família ERJ-170/190 ...............................................................168
Quadro 13 – Comparação resumida entre ERJ-170, CRJ-700 e FD-728 ...............169
Quadro 14 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 2000-2004 ..178
Quadro 15 – Detalhamento das diferentes estratégias de pesquisa.......................180
Quadro 16 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aermacchi (projeto
EMB-326) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ...........................193
xviii
Quadro 17 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Piper na formação de
vantagens competitivas sustentáveis ......................................................................198
Quadro 18 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Northrop (projeto F-5)
na formação de vantagens competitivas sustentáveis ............................................201
Quadro 19 Efeito dos recursos adquiridos na primeira aliança com a Sikorsky na
formação de vantagens competitivas sustentáveis .................................................206
Quadro 20 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aeritalia e Aermacchi
(projeto AMX) na formação de vantagens competitivas sustentáveis .....................215
Quadro 21 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a FMA (projeto CBA-
123) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ....................................218
Quadro 22 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a McDonnell Douglas
(projeto MD-11) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ..................223
Quadro 23 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projetos 747 e
767) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ....................................225
Quadro 24 Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projeto 777)
na formação de vantagens competitivas sustentáveis ............................................227
Quadro 25 Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-145 na
formação de vantagens competitivas sustentáveis .................................................234
Quadro 26 Efeito dos recursos adquiridos na segunda aliança com a Sikorsky
(projeto S-92 Helibus) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ........237
Quadro 27 Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-170/190 na
formação de vantagens competitivas sustentáveis .................................................245
Quadro 28 Formas de desenvolvimento dos eixos estratégico de excelência da
Embraer...................................................................................................................258
xix
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................1
1.1 OBJETIVOS E QUESTÃO A SER RESPONDIDA..........................................2
1.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO ............................................................................3
1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ...........................................................................4
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.....................................................................................5
2.1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL.......................................................................5
2.2 ALIANÇAS ESTRATÉGICAS........................................................................15
2.2.1 Introdução às alianças estratégicas .......................................................15
2.2.2 Conceito de alianças estratégicas..........................................................21
2.2.3 Classificações de alianças estratégicas .................................................25
2.2.3.1 Formato de alianças estratégicas...................................................25
2.2.3.2 Função de alianças estratégicas ....................................................26
2.2.3.3 Escopo de alianças estratégicas ....................................................27
2.2.3.4 Cobertura de mercado de alianças estratégicas ............................28
2.2.4 Motivações para formação de alianças estratégicas..............................28
2.2.5 Parcerias de compartilhamento de risco na indústria de fabricação de
aeronaves ..........................................................................................................36
2.3 COMPETÊNCIAS CHAVE ............................................................................65
2.3.1 Relação entre redução de custos e foco em competências chave.........66
2.3.2 Características das competências chave de acordo com a literatura.....69
2.3.3 Competências chave e vantagem competitiva .......................................70
2.3.4 Implementação e sinalização de alocação de recursos .........................70
2.4 FRAMEWORK PARA ANÁLISE DE ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA
EMBRAER.............................................................................................................72
3 O CASO EMBRAER...............................................................................................73
3.1 A INDÚSTRIA AERONÁUTICA MUNDIAL ...................................................73
3.2 A HISTÓRIA DA EMBRAER .........................................................................84
3.2.1 A aviação brasileira antes da criação de uma indústria aeronáutica
competitiva.........................................................................................................84
xx
3.2.2 Década de 70: a decolagem da Embraer.............................................100
3.2.3 Década de 80: a expansão internacional consolidada .........................114
3.2.4 Década de 90: da quase falência ao renascimento..............................140
3.2.5 O século XXI e os desafios para o futuro .............................................172
4 METODOLOGIA DE PESQUISA .........................................................................180
4.1 TIPO DE PESQUISA ..................................................................................180
4.2 CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DA EMPRESA........................................182
4.3 COLETA DE DADOS..................................................................................183
4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO .......................................................................184
5 ANÁLISE DE RESULTADOS...............................................................................185
5.1 DELIMITAÇÃO DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS ANALISADAS.............185
5.2 ANÁLISE INDIVIDUAL DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA EMBRAER189
5.2.1 Projeto EMB-326 Xavante....................................................................189
5.2.2 Adaptação de aeronaves leves da Piper para o mercado brasileiro ....194
5.2.3 Acordo com a Northrop para produção de componentes do F-5..........199
5.2.4 Formação de consórcio com a Short Brothers para venda de jatos Super
Tucano à RAF ..................................................................................................202
5.2.5 Acordo com a Sikorsky para aquisição de tecnologia em usinagem
química.............................................................................................................203
5.2.6 Projeto AMX .........................................................................................207
5.2.7 Projeto CBA-123 Vector .......................................................................216
5.2.8 Acordo com a McDonnell Douglas para produção de flaps de fibra de
carbono para a aeronave MD-11 .....................................................................219
5.2.9 Produção de peças que exigem mecânica fina para aeronaves 747 e 767
da Boeing.........................................................................................................224
5.2.10 Produção de wing tips e dorsal fin para aeronaves 777 da Boeing......226
5.2.11 Formação de consórcio com a Northrop para venda de jatos Super
Tucano aos EUA ..............................................................................................228
5.2.12 Projeto da família ERJ-145...................................................................228
5.2.13 Produção de sistema de combustível e sponson para helicópteros S-92
Helibus da Sikorsky..........................................................................................235
5.2.14 Projeto da família ERJ-170/190............................................................238
xxi
5.2.15 Remodelamento dos F-5 da FAB com a Elbit ......................................246
5.2.16 Produção do ERJ-145 na China em joint venture com a AVIC II .........246
5.2.17 Projeto da família Light Jet / Very Light Jet ..........................................248
5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ATUAL POSICIONAMENTO
COMPETITIVO DA EMBRAER ...........................................................................249
6 CONCLUSÕES ....................................................................................................261
6.1 CONCLUSÕES GERAIS DO ESTUDO ......................................................261
6.2 RECOMENDAÇÕES E SUGESTÕES DE NOVOS ESTUDOS..................268
7 REFERÊNCIAS....................................................................................................270
APÊNDICE A – Entrevista concedida pelo Eng. Luís Carlos Affonso, Vice-Presidente
de Aviação Corporativa da Embraer .......................................................................289
APÊNDICE B – Entrevista concedida pelo Eng. Satoshi Yokota, Vice-Presidente
Executivo de Desenvolvimento e Indústria da Embraer..........................................304
1
1 INTRODUÇÃO
A Embraer é atualmente uma das maiores empresas brasileiras e está entre
as maiores exportadoras do país, sendo uma das poucas companhias nacionais a
comercializar produtos de alto valor agregado.
Uma característica marcante na história da Embraer é sua capacidade em
participar e liderar projetos de desenvolvimento de aeronaves em aliança com
parceiros estratégicos. Tal capacidade tem sido creditada como uma das principais
razões do sucesso financeiro-comercial da empresa desde sua privatização, em
1994.
As alianças vêm permitindo à empresa adquirir capacitação tecnológica,
gerencial e financeira, o que a habilita a competir em posição de destaque no
extremamente competitivo mercado de fabricação de aeronaves global. Entretanto,
não somente benefícios: as alianças estratégicas também apresentam riscos de
que os parceiros capacitem-se tecnologicamente e, no futuro, venham a se tornar
competidores da Embraer.
Para entender a influência das alianças estratégicas no sucesso atual e nas
perspectivas futuras da Embraer, o presente estudo buscou na literatura de
estratégia subsídios para analisar a empresa.
O estudo encontra-se dividido em seis capítulos:
No primeiro capítulo é apresentada uma introdução ao estudo, seus
objetivos, as questões a serem respondidas, bem como sua delimitação e
relevância;
O segundo capítulo é composto pela revisão de literatura, em que são
descritos os preceitos teóricos utilizados na dissertação, a indústria
aeronáutica mundial e a história da Embraer;
O terceiro capítulo aborda o método de pesquisa, em que são encontrados
os procedimentos utilizados na coleta de dados, bem como a sua
organização e tratamento. Também consta no terceiro capítulo a descrição
do tipo de pesquisa utilizado, bem como suas limitações;
2
No quarto capítulo é apresentada a análise dos resultados, confrontando o
referencial teórico com o estudo de caso histórico e as entrevistas
realizadas;
No quinto capítulo o abordadas as conclusões e as implicações para
pesquisas futuras;
Por fim, no sexto e último capítulo são apresentadas as referências
bibliográficas utilizadas.
1.1 OBJETIVOS E QUESTÃO A SER RESPONDIDA
Esta dissertação possui dois objetivos básicos, a saber:
Analisar sob o ponto de vista estratégico a evolução histórica da gestão de
alianças estratégicas da Embraer ao longo de suas mais de três décadas
de existência; e
Compreender o efeito das alianças estratégicas da Embraer na geração de
vantagens competitivas sustentáveis e na construção de um competidor
global no setor de fabricação de aeronaves.
Em virtude do contexto em que se desenvolve este estudo e dos objetivos
acima apresentados, a dissertação buscará responder a seguinte pergunta:
De que forma as alianças estratégicas têm gerado vantagens competitivas
sustentáveis para a Embraer?
Tal pergunta respeita todas as condições estabelecidas por Gil (2002) para
formulação de problemas científicos, quais sejam:
a) O problema deve ser formulado como pergunta;
b) O problema deve ser claro e preciso;
c) O problema deve ser suscetível de solução; e
d) O problema deve ser delimitado a uma dimensão viável.
3
1.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
O objetivo deste estudo é analisar exclusivamente a Embraer, não sendo
analisadas a fundo a história e as parcerias de sua maior concorrente, a canadense
Bombardier, e de potenciais concorrentes no futuro (por ex. a norte-americana
Boeing e a européia Airbus). Toda análise pormenorizada de competitividade e das
vantagens competitivas sustentáveis de uma determinada empresa deveria envolver
a análise da competitividade dos seus competidores, pois tal conceito é, obviamente,
relativo. Assim, para entender com mais detalhe o posicionamento da Embraer e
suas perspectivas futuras, dever-se-ia aprofundar a análise destas outras empresas.
Também não consta como objetivo deste estudo o aprofundamento da
questão dos subsídios governamentais, que é de crucial importância para a
determinação da competitividade de determinada empresa e/ou indústria
(principalmente no setor aeroespacial), muito embora de nebulosa detecção. Dada a
natureza ilícita das atividades de subsídio, que contrariam acordos de comércio
exterior entre nações e normalmente são camuflados pelos governos de diversas
formas, preferiu-se não dar ênfase a este aspecto neste trabalho.
Além disso, este trabalho é exploratório e não deve ser associado diretamente
a nenhum elemento de predição dos fatos. Em estudos de caso, por definição, não é
possível realizar inferências a respeito das conclusões em outros setores e
empresas, por não ser possível estabelecer cientificamente uma relação de
causalidade.
Dentre outras limitações do trabalho, também vale ressaltar o foco sobre um
período relativamente recente na história da companhia, em que a análise fica
prejudicada pela falta de distanciamento histórico. Muito embora sejam analisados
eventos ocorridos desde antes da fundação da Embraer, a literatura disponível sobre
a companhia realmente possui um viés voltado para as parcerias mais recentes, em
especial as de compartilhamento de risco, sendo mais raro encontrar relatos
detalhados de projetos que ocorreram nos primeiros anos da empresa.
4
1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO
A bibliografia acadêmica sobre a indústria aeroespacial brasileira e a Embraer
é muito escassa. Este estudo vem ajudar a preencher uma lacuna na análise desta
indústria que é uma das mais importantes na pauta de exportações brasileira bem
como um dos poucos setores de atuação de nosso país em que há marcado
desenvolvimento e produção de alto valor tecnológico agregado.
Além disso, este trabalho aborda uma faceta muito interessante do sucesso
recente da Embraer, que é a realização de alianças estratégicas como forma de
adquirir capacitação tecnológica, gerencial e financeira. A compreensão aprofundada
de tal opção estratégica, tão importante para uma empresa do porte da Embraer, é
outro fator que torna o estudo relevante.
Por fim, entende-se que o sucesso continuado da Embraer fatalmente a
levará no futuro a embates com empresas muito maiores e apoiadas por governos
bastante agressivos na concessão de subsídios e defesa de seus interesses
industriais. Este estudo aborda tal futuro e serve como referência para entender as
dificuldades com as quais a empresa brasileira pode vir a se deparar.
5
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Esta dissertação atravessa áreas de conhecimento distintas, de forma a
conceitualizar, sistematizar e avaliar a estratégia de alianças da Embraer ao longo
de sua história. Para embasar solidamente os fundamentos teóricos e conceituais
utilizados neste estudo, foi realizada uma revisão da literatura referente aos
seguintes tópicos:
2.1. Estratégia empresarial;
2.2. Alianças estratégicas; e
2.3. Competências chave.
A partir dos conceitos aprendidos nos subcapítulos acima, foi desenvolvido um
framework teórico para a análise do caso, que está presente no seguinte
subcapítulo:
2.4. Framework para análise das alianças estratégicas da Embraer.
Por fim, também será realizada a revisão da literatura de dois tópicos
específicos ao caso analisado:
2.5. A indústria aeronáutica mundial; e
2.6. A história da Embraer.
2.1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL
Atualmente, um conceito extremamente usado, mas pouco compreendido, é o
de estratégia. Costuma-se usualmente atribuir à estratégia a capacidade de uma
organização em obter sucesso frente ao ambiente em que está inserida. Mas o que
é exatamente estratégia? E como ela se apresenta nas modernas corporações? E
de que forma uma estratégia bem posta gera vantagens competitivas à organização
que dela se utiliza?
6
Primeiramente, devem ser entendidas as origens do conceito. O conceito de
estratégia encontra-se em uso desde que Sun Tzu (1971) escreveu o livro “Arte da
Guerra”, no século IV a.C. Sun Tzu abordou, obviamente, a estratégia militar, e o
corporativa ou empresarial. A estratégia também foi estudada por diversos outros
autores de prestígio, como Maquiavel, Napoleão e Von Clausewitz.
A literatura sobre estratégia corporativa surgiu nos anos 50 e 60 (CHANDLER,
1962; ANSOFF, 1965; LEARNED ET AL, 1965) e hoje cresce em ritmo acelerado.
Essencialmente, a estratégia tem a ver com onde a organização deseja estar no
futuro e como chegar lá. Tal afirmação é obviamente imprecisa e, por isso, vários
autores apresentam suas definições e visões sobre o tema.
Como citado acima, a disciplina de gestão de negócios estratégica originou-se
há poucas décadas. Muito embora vários autores tenham contribuído para este
então incipiente ramo da literatura de gestão, os mais influentes inicialmente foram
Alfred Chandler, Philip Selznick, Igor Ansoff e Peter Drucker.
Selznick (1957) introduziu a idéia da análise dos fatores organizacionais
internos e das circunstâncias externas, do ambiente. Esta idéia-chave desencadeou
o que hoje é conhecido como análise SWOT (strengths, weaknesses, opportunities
and threats ou seja, forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), posteriormente
desenvolvida por Learned et al (1965).
Chandler (1962) definiu estratégia como a determinação das metas e dos
objetivos básicos de uma empresa para o longo prazo, assim como a adoção de
cursos de ação e a alocação dos recursos necessários para atingir essas metas. O
autor também é bastante conhecido pela afirmação de que a estrutura segue a
estratégia”
1
.
Ansoff (1965), por sua vez, construiu sobre o trabalho de Chandler uma série
de conceitos estratégicos bem como um vocabulário que acompanha a disciplina até
os dias de hoje. Ansoff (1965) desenvolveu uma grade estratégica que comparava
estratégias de desenvolvimento de mercados, integração horizontal e vertical e
estratégias de diversificação. Em sua opinião, tais estratégias poderiam ser
1
Ou seja, para Chandler (1962), “uma nova estratégia requer uma nova ou, pelo menos, reformulada
estrutura se a empresa deseja atuar eficientemente”.
7
utilizadas para sistematicamente preparar as corporações para futuras
oportunidades e desafios. No mesmo trabalho, o autor desenvolveu a hoje famosa
gap analysis (análise de lacunas), utilizada para entender a lacuna entre a situação
em que as empresas se encontram e a situação em que gostariam de se encontrar.
Um outro trabalho de grande popularidade é o de Drucker (1954), que
estabeleceu a importância dos objetivos para a estratégia. Tal abordagem evoluiu
para o que hoje é conhecido como management by objectives (MBO, ou gestão por
objetivos). De acordo com autor, o procedimento de estabelecer objetivos e
monitorar o progresso deve estar permeado por toda a corporação.
Na verdade, o conceito de estratégia é algo muito debatido e no qual não há
grande consenso. Para Bethlem (1998), dezenas de definições para os conceitos
principais e vários conceitos introduzidos nos anos recentes (por ex. visão
estratégica, pensamento estratégico e estratégia emergente) e sobre estes conceitos
ainda várias divergências. Mesmo apesar de todas estas dificuldades, o autor
sustenta que há alguns fatos claros e bem definidos. Seriam eles:
Estratégia é um conceito que precisa ser aprendido;
Estratégia tem que ser aprendida por várias pessoas e aceita por todas
elas para ser tornada real, ou seja, bem executada;
A transformação de idéias estratégicas em ações estratégicas que venham
a dar aos estrategistas os resultados que almejam exigirá várias etapas,
enumeradas a seguir:
1. Geração: um processo intelectual individual ou coletivo de geração de
propostas de ação que pode ser chamado de planejamento
estratégico;
2. Cooptação: um processo comportamental-social de obtenção de
concordância e apoio de outros indivíduos às propostas da etapa
anterior, cujo resultado pode ser chamado de plano estratégico ou
plano de ação. Aessa etapa, de acordo com o autor, o produto do
8
trabalho existe apenas “no papel” e pode ser abandonado sem grandes
conseqüências;
3. Implementação: outro processo comportamental-social em que os
mesmos indivíduos, ou mais indivíduos cooptados, iniciem, junto ao
autor ou autores das idéias, o processo de concretizar no mundo real
as ações propostas no plano da etapa anterior. Esta etapa já vai alterar
as condições materiais da empresa pela utilização de recursos e
poderá provocar modificações no ambiente em que a empresa atua, se
houver reação dos competidores;
4. Finalização: um processo dinâmico de finalização das ões iniciadas
na etapa anterior.
Além disso, Bethlem (1998) afirma que há perguntas básicas a que toda
organização deve responder, que são:
Fazer – o quê?;
Ser – o quê?;
Estar – onde?;
Estar – quando?.
Para o autor, as respostas a tais perguntas básicas representarão os objetivos
genéricos de uma organização, que são:
Fazer alguma coisa;
Ser alguma coisa;
Estar em algum lugar;
Estar em algum momento.
A especificação do que se deve fazer, ser e onde e quando estar definem os
objetivos específicos da organização. Mas para o autor, a motivação principal de
uma empresa é ser uma organização de sucesso. Quatro componentes
9
configurariam os objetivos genéricos para obter tal sucesso, a citar: lucro,
crescimento, sobrevivência e prestígio. Desta forma, uma empresa que alcança
estes objetivos é chamada comumente, na literatura, de empresa bem-sucedida.
Para cada um dos quatro objetivos genéricos, há um conjunto de estratégias a
serem adotadas de forma a obter o sucesso. Assim, os objetivos específicos de uma
empresa seriam:
Fazer alguma coisa, em algum lugar ou mercado, por algum tempo; e
Ser lucrativa, crescente, prestigiosa e duradoura.
De acordo com Bethlem (1998), alguns autores chamam este conjunto de
objetivos específicos de missão e consideram que, sendo ela também específica,
diferencia uma empresa das demais.
Mintzberg (1987), por sua vez, ataca a necessidade do homem de
erradamente insistir em definições para todo conceito e aponta que o campo de
gestão estratégica não pode apoiar-se numa única definição para estratégia.
Uma definição possível e uma das mais famosas é a de Wright et al
(1992), que apresenta estratégia como “planos da alta administração para atingir
resultados consistentes com as missões e objetivos da organização”. Uma outra
definição possível é entender estratégia como um “padrão ou plano que integra em
um todo coeso os principais objetivos, políticas e seqüências de ação de uma
organização”.
De acordo com Mintzberg (1994), a origem do que viria a ser chamado de
estratégia teve início nas organizações em meados dos anos 60 e nascia
associada ao conceito de planejamento estratégico. Líderes corporativos tomaram o
planejamento como a melhor maneira de criar e implementar estratégias que
aumentassem a competitividade de suas unidades de negócios.
A preocupação com a estratégia corporativa, portanto, surge em uma época
em que a concepção empresarial vigente valorizava exacerbadamente métodos
racionais e quantitativos como forma de prever futuras mudanças nos ambientes
competitivos.
10
Mintzberg (1972, 1978) define estratégia como “um padrão para uma
sucessão de decisões”, justificando sua definição pela necessidade de
operacionalizar o conceito de estratégia ou proporcionar uma base tangível para
pesquisar como a estratégia é formada nas empresas.
Outra definição é encontrada em Mintzberg & Quinn (1991), que defendem
que uma estratégia bem formulada ajuda a alinhar e alocar os recursos
organizacionais em uma postura única e viável baseada em suas competências
internas relativas e em suas deficiências, nas mudanças previstas no ambiente e nas
reações de seus oponentes mais inteligentes.
Andrews (1980), por sua vez, define estratégia como um “padrão de decisões
em uma empresa que determina e revela seus objetivos, propósitos ou metas,
produz as principais políticas e planos para o alcance destas metas, e define o
intervalo de negócios que a empresa deve perseguir, o tipo de organização
econômica e humana que é ou pretende ser, e a natureza da contribuição
econômica e não-econômica que pretende fazer a seus acionistas, empregados,
clientes, e comunidades”.
Andrews (1980) também faz uma observação muito importante sobre
estratégia corporativa, definindo o seu caráter dual. Assim, o autor apresenta as
partes da estratégia como sendo a formulação, ou seja, a decisão do que fazer; e a
implementação, ou seja, a busca dos resultados.
Porter (1979), no seu famoso artigo amplamente utilizado para análise
setorial, apresenta um modelo para análise da competitividade de um setor de
acordo com a combinação de cinco forças:
Intensidade da rivalidade entre os concorrentes do setor;
Ameaça de novos entrantes;
Ameaça de produtos e/ou serviços substitutos;
Poder de negociação dos fornecedores;
Poder de negociação dos compradores.
11
De acordo com o autor, a intensidade de tais forças é determinante para a
rentabilidade do setor em questão. Desta forma, o estrategista deveria analisar as
cinco forças e suas causas e identificar os pontos fortes e fracos da empresa de
forma a definir sua estratégia.
Em outro trabalho muito influente, Porter (1980) sugere que as empresas que
buscam o sucesso devem optar por uma das três estratégias genéricas a seguir:
Liderança no custo total: a empresa produz produtos e serviços ao menor
custo relativo aos seus concorrentes, sem descuidar da qualidade, da
assistência pós-venda e de outras áreas;
Diferenciação: a empresa oferece produtos e serviços considerados únicos
em seu setor de atividade, diminuindo a sensibilidade ao preço dos seus
consumidores;
Enfoque: a empresa concentra-se em atender mais eficaz ou
eficientemente, através de uma posição de diferenciação ou de baixo
custo, ou ambas, apenas um determinado grupo comprador, um segmento
da linha de produtos, ou um mercado geográfico.
Para Porter (1980), as empresas que não decidem por uma das três
estratégias situam-se no “meio-termo”, uma situação que o autor define como sendo
naturalmente de baixa rentabilidade.
Após algum tempo, Porter (1996), buscando responder as críticas de vários
acadêmicos de que seus modelos apoiavam-se numa natureza estática que não
refletia bem a dinâmica competição dos anos 90, afirmou em outro artigo
extremamente influente que a eficácia operacional o pode ser confundida com
estratégia, apesar da relevância de ambas para um desempenho superior. O autor
define eficácia operacional como a execução de atividades similares melhor do que
as realizadas por seus rivais, enquanto que o posicionamento estratégico seria a
execução de atividades diferentes daquelas dos rivais, ou a execução das mesmas
atividades de forma diferente.
12
Assim, Porter (1996) defende que a estratégia consiste na criação de uma
posição única e valiosa, a partir de um conjunto diferente de atividades, devendo
estas estarem ajustadas entre si. Para o autor, a essência da estratégia é escolher
executar atividades de forma distinta dos rivais.
Outra perspectiva importante é a de Hamel & Prahalad (1989), que
apresentam o conceito de intento estratégico. Para os autores, a corporação deve
demonstrar a todos os seus funcionários, independente de nível organizacional, uma
obsessão com a liderança global nos setores em que atua. Ou seja, deve usar a
visão para estabelecer a direção, definindo oportunidades emergentes de mercado e
estabelecendo o critério que a organização usará para avaliar seu sucesso. Para
tanto, a alta administração deve, segundo os autores, desafiar a organização a ser
mais inventiva e a alcançar os objetivos propostos, praticando desta forma a
inovação competitiva, mantendo os riscos competitivos em proporções aceitáveis e
gerenciáveis.
Hamel (1996, 2000) sustenta que inovação radical na estratégia tornou-se
algo obrigatório no atual panorama competitivo. O autor defende que o ambiente é
extremamente hostil para os líderes das indústrias e mais agradável para as
empresas menores e mais adeptas à inovação, denominadas por ele de
“revolucionárias”. Para o autor, as defesas que protegiam a oligarquia industrial”
ruíram na medida em que aumentaram a desregulamentação dos mercados, a
importância tecnológica, a globalização e as mudanças sociais. O autor defende
que, para assegurar o sucesso organizacional, as empresas devem continuamente
revolucionar suas estratégias, o que envolve:
Reconceber radicalmente produtos e serviços;
Redefinir continuamente o mercado de atuação; e
Redesenhar as fronteiras setoriais.
Para atingir tal grau de transformação contínua, as organizações precisam
desenvolver uma competência em inovação direcionada para o redesenho freqüente
de suas estratégias. Pensando na dinâmica competitiva incessante da atualidade,
13
D’Aveni (1994) conclui que o novo objetivo estratégico é romper o status quo e criar
vantagens temporárias.
Mas para que uma corporação deve buscar a estratégia ideal? Uma resposta
possível é a busca de vantagens competitivas sustentáveis. De acordo com Barney
(1991), uma firma possui uma vantagem competitiva quando está implementando
uma estratégia geradora de valor que não está sendo implementada
simultaneamente por qualquer competidor atual ou em potencial. A vantagem
competitiva sustentável surgiria, segundo o autor, quando a condição acima
acontece e quando esses competidores atuais e em potencial não são capazes de
duplicar os benefícios desta estratégia. Ou seja, para definir uma vantagem
competitiva como sustentável ou não, deve-se analisar a possibilidade de duplicação
competitiva. Isto, entretanto, não quer dizer que a vantagem competitiva seja eterna.
Mudanças na economia ou na estrutura da indústria podem fazer com que a fonte de
determinada vantagem competitiva sustentável não possua mais valor para a
empresa.
Barney (1991), então, constrói um arcabouço teórico a partir da hipótese de
que os recursos estratégicos são heterogeneamente distribuídos entre as firmas e
que essas diferenças apresentam certa estabilidade ao longo do tempo. A partir
desta hipótese, é examinada a ligação entre recursos e a geração de vantagens
competitivas sustentáveis.
De acordo com este arcabouço teórico, há três categorias de recursos:
Recursos físicos: inclui tecnologia utilizada nos produtos e processos,
fábricas e equipamentos, localização geográfica e acesso a matérias-
primas, entre outros;
Recursos humanos: inclui treinamento, experiência, juízos, inteligência,
relações e insights de gerentes e trabalhadores individuais da firma, entre
outros;
Recursos organizacionais: inclui a estrutura hierárquica formal,
planejamento formal e informal, sistemas de controle e coordenação e
14
relações informais entre os grupos dentro da firma e com aqueles no seu
ambiente, entre outros.
Num ambiente heterogêneo, defende o autor, para ter o potencial de gerar
uma vantagem competitiva sustentável, um recurso deve possuir todos os quatro
atributos a seguir:
Valor: característica dos recursos que permitem a uma empresa conceber
ou implementar estratégias que aumentem sua eficiência e eficácia;
Raridade: por definição, um recurso valioso possuído por várias empresas
não pode ser fonte de vantagem competitiva sustentável. Assim, uma
empresa desfruta de uma vantagem competitiva sustentável quando
implementa uma estratégia que não pode ser implementada
simultaneamente por um grande número de empresas;
Imitabilidade imperfeita: um recurso valioso e raro só pode ser fonte de
vantagem competitiva sustentável se as firmas que não possuem o recurso
não puderem obtê-lo;
Impossibilidade de substituição: para a vantagem competitiva ser
sustentável, não deve existir ao alcance dos concorrentes um recurso
valioso equivalente que seja disponível (i.e. não-raro) ou imitável.
Barney (1991), então, apresenta um framework, que descreve a relação entre
a heterogeneidade e imobilidade dos recursos e a formação de vantagens
competitivas sustentáveis, de acordo com a figura a seguir:
15
Heterogeneidade
dos recursos da
firma
Imobilidade dos
recursos da firma
Vantagem
competitiva
sustentável
Valor do recurso
Raridade do recurso
Imitabilidade imperfeita
Condições históricas
únicas
Ambigüidade causal
Complexidade social
Impossibilidade de
substituição
Figura 1 – Relação entre heterogeneidade e imobilidade dos recursos e vantagens
competitivas sustentáveis (BARNEY, 1991)
Por fim, deve-se salientar que um aspecto cada vez mais relevante no estudo
da estratégia são as alianças estratégicas. Devido à interdependência cada vez
maior apresentada entre empresas dos mais variados setores, faz-se necessário
compreender melhor este mecanismo usado freqüentemente pelas companhias. De
especial importância para este estudo, o assunto será aprofundado na próxima
seção.
2.2 ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
2.2.1 Introdução às alianças estratégicas
As alianças estratégicas não são algo novo. De acordo com Badaracco
(1991), os mercadores fenícios desenvolviam joint ventures (JVs) rudimentares
para limitar seus riscos de comerciar em outros países, cidades-estado gregas
estabeleciam acordos político-militares entre si de forma a concentrarem forças para
participar de guerras expansionistas e cidades-estado italianas da Idade Média
construíam acordos de cooperação comercial para expandir seus domínios sobre o
comércio do Mediterrâneo. Apesar de apresentarem-se o antigas quanto as
organizações, as alianças estratégicas vieram mesmo a ganhar relevância no mundo
16
corporativo a partir da década de 80, com a intensificação exponencial deste
fenômeno empresarial.
Segundo Keil (1999), as alianças estratégicas são uma das mais importantes
formas de conduzir atividade produtiva e econômica, enquanto Manson (2002)
defende que a geração de alianças estratégicas é um dos principais fatores de
geração de progresso nas sociedades capitalistas. A partir da década de 1980 o
mundo corporativo vivenciou um número de alianças cada vez maior entre diversas
empresas em todo o mundo, abrangendo praticamente todas as indústrias. Segundo
Dyer et al (2001), no início do século XXI, as 500 maiores empresas do mundo
possuíam em média 500 alianças cada. Para Hamel et al (1989), a colaboração
entre empresas está “na moda”.
De acordo com um estudo realizado por Pekar & Allio (1994), entre 1988 e
1992, foram criadas mais de 20.000 alianças somente nos EUA, contra um total de
5.100 nos 79 anos anteriores (1908-1987). Tais alianças representaram uma fatia de
6% no total das vendas das 1.000 maiores empresas norte-americanas, além de um
retorno sobre o investimento 53% maior que a média do retorno destas empresas.
Em outro estudo, Lahnstein (1996) calcula que as alianças estratégicas
movimentaram mais de US$ 400 bilhões no ano de 1995 somente no hemisfério
ocidental.
Além da quantidade, a forma de estabelecer alianças estratégicas também
mudou. Ao passo que no começo as empresas basicamente restringiam-se a fazer
alianças em áreas distantes das suas unidades de negócios mais importantes (core
businesses), atualmente a maior parte das alianças é iniciada tomando os core
businesses das empresas participantes como os elos sustentadores da parceria.
Procurando novas maneiras de adquirir e manter vantagens competitivas
sustentáveis sobre seus concorrentes, as corporações, principalmente as que atuam
de forma mais global e ampla, têm utilizado alianças estratégicas de forma cada vez
mais intensa (HAGEDOORN, 1996), gerando redes de parceiros que seriam
impensáveis em outros tempos, por vezes com centenas de alianças (GULATI,
1998), mesmo no nível de unidade de negócios.
17
Por causa do número elevado de alianças e de sua importância estratégica no
futuro das empresas envolvidas, Keil (1999) argumenta que se faz bastante
importante a compreensão aprofundada das oportunidades e necessidades em
gerenciar esse nexo de alianças simultaneamente.
Diversos executivos das maiores corporações do mundo dão declarações
creditando às alianças uma enorme importância dentro das estratégias de suas
empresas:
“As alianças têm grande participação neste jogo [da concorrência
global]... São críticas para a vitória em termos globais... A maneira menos
atraente de tentar vencer em termos globais é pensar que você pode
abraçar o mundo sozinho” (YOSHINO & RANGAN, 1996, p. 3).
Jack Welch, ex-CEO e Chairman of the Board, General Electric
“Uma empresa não é uma ilha. Em um mundo interdependente, toda
empresa deve pensar em trabalhar com as outras se quiser concorrer no
mercado global” (YOSHINO & RANGAN, 1996, p. 3).
Akio Morita, Fundador e ex-CEO, Sony Corporation
Segundo Yoshino & Rangan (1996), as alianças estratégicas surgem como
uma resposta à intensa e crescente concorrência global que tornou menos eficazes
as estratégias individuais de outros tempos, quando as empresas possuíam recursos
suficientes para desenvolver isoladamente inovações que lhes propiciavam
vantagens. Dada a crescente necessidade de inovação demandada para gerar estas
vantagens sobre concorrentes e a escassez de recursos para tanto, as empresas
vêem-se impelidas a otimizar seus esforços de forma agregada, através de alianças
que permitam sucesso num ambiente de concorrência mais acirrada.
Alguns autores, como Forrest (1990), apresentam as alianças estratégicas
como uma nova forma de organizar os negócios das empresas vis-à-vis a ineficácia
das antigas estratégias em fazer frente aos desafios decorrentes da mudança na
natureza dos negócios. Desta forma, alianças estratégicas configurar-se-iam como
reações a um ambiente de negócios em que se sobressaem o crescimento da
competição, o crescimento da internacionalização de mercados e um número cada
vez maior de verdadeiros competidores globais.
18
Segundo Gulati et al (1994) apud Pinho (1998), vários estudos vêm sendo
desenvolvidos abordando o crescimento das alianças estratégicas como fator-chave
para a sustentação de uma vantagem competitiva de longo prazo.
Pinho (1998) sustenta que seriam diversas as motivações para o
estabelecimento de alianças estratégicas, como apontado em vários estudos. São
elas:
A necessidade de aquisição de novas habilidades para manter a
competitividade;
Os avanços tecnológicos;
A globalização dos mercados; e
A crescente necessidade de redução de custos e riscos no
desenvolvimento de produtos e processos.
Em relação à redução dos cursos e riscos, Gomes-Casseres (2000a)
apresenta uma perspectiva bastante interessante. Segundo o autor, a principal
justificativa que os executivos utilizavam para estabelecer uma aliança de joint
venture30 anos atrás era o compartilhamento de risco. De fato, as modernas JVs
foram praticamente inventadas na indústria de extração de petróleo, extremamente
intensiva em capital, demandando altas somas que faziam de qualquer exploração
um risco muito alto para uma firma isolada. As alianças de hoje em dia, argumenta
Gomes-Casseres (2000a), não só auxiliam as empresas a compartilharem os custos
de projetos de risco, mas também as ajudam a criar opções para explorar futuras
oportunidades, através de algo que poderia ser definido como hedge estratégico,
como, por exemplo, apostar em uma ou mais tecnologias que competem entre si
como padrão dominante da indústria. Mais sobre redução de custos e riscos poderá
ser encontrado neste mesmo trabalho na seção sobre parcerias de
compartilhamento de risco, particularmente importante na indústria de fabricação de
aeronaves.
De acordo com Gomes-Casseres (2001), três condições são fundamentais
para uma aliança ser a forma mais eficiente de organização ou a forma otimizada:
19
primeiramente, deve haver alguma vantagem em combinar as capacidades das duas
ou mais firmas parceiras. Para tanto, cada firma deve ser incapaz de desenvolver
internamente as capacidades oferecidas pela sua parceira, seja devido a restrições
de tempo, dinheiro ou habilidades gerenciais. Da mesma forma, a soma das partes
deve ser mais eficaz na realização das tarefas do que as partes separadamente.
A segunda condição requerida para uma aliança efetiva é que deve ser muito
custoso ou impossível combinar as capacidades através de transações de mercado
puras (ou seja, usando contratos completos).
A terceira e última condição é que uma fusão completa entre as firmas deve
ser mais custosa que o gerenciamento de uma rede de alianças como uma maneira
de governar os contratos incompletos. O próprio Gomes-Casseres (2001) admite
que essa condição não ocorre com uma freqüência tão grande como as outras duas,
de forma que várias vezes o que ocorre é uma integração total das firmas
previamente aliadas como uma forma de combinar as suas capacidades
complementares. Alternativamente, cita o autor, barreiras regulatórias e políticas
podem impedir a integração total e levar as firmas a enxergar a aliança como a
segunda melhor solução, ou a melhor respeitando as restrições impostas pela
regulamentação ou pelas forças políticas.
Gomes-Casseres (2001) também argumenta que alianças, apesar de
possuírem características comuns entre si, podem diferir de acordo com a forma
como estão estruturadas e a relação operacional entre parceiros.
Por um lado, embora as alianças obedeçam às características supracitadas,
elas vêm em uma miríade de formas estruturais. Estas diferentes estruturas afetam o
padrão de tomada de decisão e o controle das responsabilidades de cada parceiro.
Assim, segundo Gomes-Casseres (2001) podem ser citados como formas estruturais
de alianças: joint ventures, licenciamentos, programas de P&D conjuntos, programas
de marketing conjuntos e investimento em capital no parceiro.
Por outro lado, as alianças também diferem em relação ao relacionamento
operacional entre os parceiros. Algumas alianças podem ser enquadradas como
“verticais”, ou seja, entre fornecedores e clientes. Outras alianças são denominadas
“horizontais”, ou seja, entre empresas vendendo produtos iguais ou similares.
20
As alianças também podem ser descritas como mistas, combinando, por
exemplo, a capacidade de desenvolvimento tecnológico de uma firma com a
expertise de marketing de outra. De maneira oposta, as alianças podem agregar
lado a lado capacidades similares de duas empresas diferentes, e muitas vezes
concorrentes, como, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico conjunto de um
novo produto.
Uma recente linha de pesquisa a respeito de alianças entre firmas procura
focar não na governança bilateral desses relacionamentos, mas em alianças
interconectadas que criam verdadeiras redes (GULATI, 1998) ou constelações rivais
(GOMES-CASSERES, 1996). Quando duas ou mais firmas ligam-se numa aliança
estratégica, a competição passa a ser mais de grupos contra grupos e menos de
firma contra firma, num fenômeno que foi identificado por Nohria & Garcia-Pont
(1991) e Gomes-Casseres (1994). Recentemente, o setor de manufatura de
aeronaves vem estruturando-se cada vez mais em constelações, compostas por
firmas independentes, mas que coordenam suas ações para competir como parte de
um grupo, a exemplo do que ocorre com o setor de manufatura de automóveis e o
setor de linhas aéreas.
Muitas alianças, entretanto, carecem da estratégia como base. Segundo
Gomes-Casseres (2000b), as empresas precisam ter em prática uma estratégia de
alianças coerente, possuidora de quatro características:
Uma estratégia de negócios que molde a lógica e o desenho das alianças;
Uma visão dinâmica para guiar a gestão de cada aliança;
Uma abordagem de portfolio de forma a permitir a coordenação entre as
alianças; e
Uma infra-estrutura interna para maximizar o valor da colaboração.
A perspectiva apresentada, portanto, é de que as empresas devem abordar
de forma integrada suas várias alianças. A gestão integrada de uma rede de
alianças estratégica é, portanto, uma das principais habilidades que uma empresa
globalizada pode possuir. Gerenciar múltiplas alianças estratégicas simultaneamente
21
pode abrir novas oportunidades, mas também riscos. As firmas podem ser capazes
de criar sinergias entre suas várias alianças e novas competências podem ser
adquiridas através da combinação de habilidades adquiridas em diferentes alianças.
Doz & Hamel (1998) defendem que as firmas devem entender minuciosamente as
alianças estratégicas de suas parceiras e suas correlações.
Por outro lado, apesar de trazer benefícios potenciais, gerir múltiplas alianças
levanta novas questões. estudos como o de Simonin (1997) que apontam
evidências de que existem diferenças fundamentais entre as empresas na
capacidade de gerenciar alianças e que estas diferenças podem explicar em parte o
resultado das alianças estratégicas.
2.2.2 Conceito de alianças estratégicas
Segundo Pinho (1998), o termo aliança estratégica é relativamente novo e
tenta unificar as várias denominações dadas ao longo do tempo por estudiosos e
executivos a uma mesma forma de fazer negócios.
Frankel et al (1996) e Stafford (1994) apresentam vários termos encontrados
na literatura e que podem ser empregados com o mesmo sentido de alianças
estratégicas dependendo do autor, como, por exemplo: parcerias, parcerias de valor
agregado, marketing simbiótico, coalizões, joint ventures, redes estratégicas e
híbridos. Neste estudo, os termos alianças, alianças estratégicas e parcerias
poderão ser usados indistintamente.
também muita diversidade nas definições de alianças estratégicas, sendo
que muitas delas são conflitantes entre si. Murray & Mahon (1993) citam que, apesar
de muitos trabalhos acerca de alianças estratégicas terem sido publicados, a
definição do termo ainda é imprecisa.
De acordo com Badaracco (1991), o termo aliança descreve relações
cooperativas entre companhias e competidores, clientes, fornecedores, órgãos
governamentais, universidades, sindicatos e outras organizações. O próprio autor
considera a definição como muito abrangente.
22
Para Gomes-Casseres (1996), uma aliança é uma estrutura organizacional
para governar um contrato incompleto entre firmas distintas e em que cada firma
possui controle limitado sobre a outra. Como os parceiros permanecem entidades
distintas, não convergência automática nos seus interesses e ações. Na medida
em que há possibilidade de divergência e para lidar com contingências não previstas
inerentes ao contrato incompleto, os parceiros precisam tomar decisões em
conjunto.
Gomes-Casseres (1996) enumera três características de uma aliança:
primeiramente, todas as alianças o acordos entre duas ou mais firmas envolvendo
contribuições de recursos para agregar valor em conjunto. Em segundo lugar, todas
as alianças são de alguma forma um contrato incompleto expressão utilizada pelo
direito econômico e que se refere a um acordo em que os termos não podem ser
completamente especificados logo no princípio. Como resultado da primeira e da
segunda característica, surge uma terceira característica das alianças: a tomada de
decisão em conjunto de forma a gerenciar o negócio e repartir o valor gerado.
Um contrato é denominado incompleto quando, apesar dos esforços em
torná-lo exaustivo, ele não especifica exatamente o que cada parte deve fazer em
cada circunstância possível (WILLIAMSON, 1975). Os advogados normalmente
procuram evitar os “contratos incompletos” porque este tipo de acordo costuma
acabar em processos e discussões judiciais entre as partes. De qualquer forma, os
juristas são os primeiros a reconhecerem que sempre brechas em contratos, ou
seja, que de certa forma todos os contratos são incompletos e que é necessário
estabelecer “contratos evolutivos” ou “contratos relacionais” para os acordos entre as
empresas. Estes são essencialmente as alianças.
A integração de atividades é a melhor maneira de lidar com esses contratos
incompletos. Para Coase (1937), transações de mercado funcionam adequadamente
quando as partes podem estabelecer contratos completos e exaustivos. Quando isto
não é possível, é bem mais eficiente internalizar a transação dentro da firma, de
forma a assegurar que a empresa possa tomar decisões ótimas quando
circunstâncias não previstas surgem. Em seu artigo seminal, este autor questionou
os motivos da existência das firmas, dado que, segundo o paradigma corrente no
século XIX e início do século XX, os próprios mercados teoricamente cuidariam de
23
otimizar a produção e distribuição de bens e serviços, com a firma claramente
representando uma limitação à operação de mercado. Este artigo gerou
repercussões enormes no estudo das organizações e deu origem a todo um novo
ramo acadêmico denominado Teoria da Firma.
Uma aliança seria uma das formas de gerenciar um contrato incompleto, e
uma alternativa à internalização e verticalização das atividades da empresa em sua
cadeia de valor. Por serem tipicamente contratos incompletos, abertos e com
brechas jurídicas naturais, as alianças valem-se de tomada de decisão conjunta
entre os aliados para lidar com circunstâncias não previstas. Se por um lado isso
adiciona incertezas ao processo, também adiciona flexibilidade e agregação de
forças entre os parceiros. Pode-se compreender, portanto, porque as empresas
utilizam acordos o incertos e aceitam enfrentar todas as dificuldades e riscos de
uma aliança: porque as alternativas são menos atraentes. Por muitas vezes, estas
alternativas são contraproducentes vis-à-vis a aliança: um contrato gido pode não
fornecer os incentivos para as firmas colaborarem profundamente e uma fusão ou
aquisição pode ser muito cara, arriscada ou barrada por regulamentação
governamental.
Por sua vez, Pinho (1998) apresenta as definições criadas por vários autores,
reproduzidas a seguir:
Para Borys & Jeminson (1989), as alianças estratégicas são “arranjos
operacionais que utilizam recursos e/ou estruturas de uma ou mais organizações
existentes... Algumas delas são organizações formais e outras relações que não são
propriamente organizações”.
No estudo de Frankel et al (1996), uma aliança reflete um processo em que
os participantes estão dispostos a modificar suas práticas de negócios básicas para
reduzir as duplicidades e perdas, facilitando a melhoria de desempenho”.
Gugler (1992), por sua vez, afirma que “as alianças estratégicas diferem dos
acordos de cooperação na sua forma contratual, bem como no propósito para o qual
ela é formada”.
24
Klein & Zif (1994) defendem que as alianças “referem-se a arranjos entre
empresas separadas (exclusive fusões e aquisições), e atividades encadeadas, indo
além do escopo de transações no mercado competitivo... As alianças podem ser
vistas como o meio termo entre os contratos formais e as fusões”.
Lei (1993) define as alianças como “co-alinhamentos entre duas ou mais
empresas, nas quais os parceiros esperam aprender e adquirir, do outro, a
tecnologia, os produtos, competências e o conhecimento que não estão disponíveis
aos outros competidores”.
Murray & Mahon (1993) utilizam o conceito de objetivos e metas para definir
uma aliança, que apresentam como “uma coalizão de duas ou mais organizações
para atingir metas e objetivos estrategicamente significativos e que tenham
benefícios mútuos. Estas metas e objetivos podem ser tanto na esfera econômica
como na política, e podem ser flexibilizados ao longo do tempo. Benefícios mútuos
não significam benefícios iguais, mas sim que todas as partes têm que receber
benefícios proporcionais às contribuições dadas”.
Por fim, em seu estudo, Stafford (1992) conceitua as alianças como uma
parceria de cooperação de longo prazo.
Como pode ser notado, uma divergência significativa nas definições de
alianças estratégicas. Ainda assim, argumenta Pinho (1998), alguns autores tendem
a convergir em relação a alguns aspectos e características que uma aliança deve
possuir. O autor apresenta um sumário dos pontos de convergência nas definições
que se mostra bastante útil e que é reproduzido a seguir:
1. É um acordo, arranjo, associação, coalizão ou coligação com objetivos
específicos, que une aspectos específicos de duas ou mais empresas
denominadas empresas-mãe ou parceiros;
2. A base desta união é uma parceria comercial, que permite a cada um dos
parceiros criar e manter vantagem competitiva, através do benefício mútuo
da troca de tecnologias, produtos, habilidades ou qualquer outro tipo de
recurso;
25
3. As alianças estratégicas possuem quatro atributos, necessária e
suficientemente:
- As duas ou mais empresas permanecem independentes após a
formação da aliança;
- Os parceiros compartilham o controle sobre o desempenho das tarefas
associadas à parceria e os benefícios advindos das mesmas;
- Os parceiros contribuem de forma contínua para a aliança; e
- Os parceiros geram uma relação de dependência mútua, ou seja, os
projetos são indivisíveis.
Pinho (1998) defende que estes quatro atributos definem as alianças
estratégicas e permitem compreendê-las como intermediárias à criação de um ramo
ou braço do negócio (filiais e subsidiárias) e formas de acordos que envolvem a
totalidade do controle acionário, tais como aquisições.
2.2.3 Classificações de alianças estratégicas
Assim como acontece com as definições de alianças estratégicas, a literatura
apresenta uma ampla gama de classificações para as alianças. Pinho (1998) propõe
uma classificação baseada em quatro critérios, quais sejam, formato, função, escopo
e cobertura de mercado.
2.2.3.1 Formato de alianças estratégicas
De acordo com Pinho (1998), entre os formatos sugeridos pelos autores da
literatura em alianças estratégicas, têm-se: acordos de cooperação, joint ventures,
acordos de licenciamento e consórcios.
Acordo de cooperação: forma de colaboração, sem que haja a criação de
nenhuma nova entidade legal. Podem ser subdivididos em contratuais ou
não-contratuais;
26
Joint Venture: forma de colaboração entre duas ou mais empresas-mãe
que acarreta na criação de uma nova entidade legal, independente dos
parceiros e controlada por elas. Os lucros e prejuízos são divididos de
acordo com a composição acionária da nova entidade;
Acordos de licenciamento
2
: aquisição do direito ao uso de um ativo, por
tempo definido, que oferece rápido acesso a novos produtos, tecnologias
ou inovações; e
Consórcios: formados por três ou mais parceiros, resguardadas as
condições de controle acionário.
2.2.3.2 Função de alianças estratégicas
De acordo com Pinho (1998), o segundo critério para definir o tipo e classificar
uma aliança refere-se à função para a qual ela está sendo formada, a partir da
análise das três atividades básicas (P&D, produção e marketing) da cadeia de valor
de Porter (1986).
Segundo Porter & Fuller (1986), existiriam dois tipos de alianças estratégicas:
coalizões tipo Y e coalizões tipo X.
As coalizões tipo X seriam alianças em que cada uma das empresas
participantes entra com competências e recursos de estágios diferentes da cadeia
de valor de Porter. Estas alianças também são chamadas de verticais, devido ao
caráter de integração vertical das atividades das cadeias de valor dos parceiros. O
tipo Y, por sua vez, é a aliança em que as firmas entram com competências e
recursos de um mesmo estágio da cadeia de valor. Analogamente, tais alianças são
chamadas de horizontais.
2
Pinho (1998) ressalta que Yoshino & Rangan (1996) não consideram acordos de licenciamentos um
tipo de aliança estratégica, mas argumenta que tal atividade comercial respeita as definições de
aliança no item 2.2.2.
27
2.2.3.3 Escopo de alianças estratégicas
O escopo da aliança pode ser entendido como a motivação para as empresas
em estabelecer a parceria. Entretanto, segundo Terpstra & Simonin (1993), “para
cada um dos participantes em uma aliança, pode existir um conjunto de motivos.
Eles representam os benefícios imaginados antecipadamente pelo parceiro.
Freqüentemente, é muito difícil identificar o real objetivo diretamente, uma vez que
as agendas ‘secretas’ e as estratégias ‘subterrâneas’ são a alma de uma aliança”.
Segundo Rocha & Arkader (1996) apud Pinho (1998), “o escopo das alianças pode
variar substancialmente”, com cooperações nas áreas de:
Tecnologia: neste caso, uma das empresas possui acesso a uma
tecnologia de desenvolvimento de produto ou de processo, como
resultado direto da aliança;
Sistemas de informação: estes tipos de alianças objetivam acesso rápido,
barato e eficaz a uma massa grande de dados;
Logística: normalmente objetivam diminuição de custos logísticos, como
estoque e distribuição, ou o acesso logístico ao mercado de um dos
parceiros;
Fornecimento: é dada pelo estreitamento das relações entre comprador e
fornecedor;
Marketing: normalmente envolve empresas com produtos
complementares, demandando a coordenação dos planos de marketing
dos parceiros;
Suporte Financeiro: parceria em que uma das empresas tem por objetivo
a captação de fundos para novos projetos em que os altos gastos e o
payback time longo ou incerto faz com que o projeto não seja
recomendável de ser feito com recursos exclusivamente próprios.
28
2.2.3.4 Cobertura de mercado de alianças estratégicas
Por fim, outro aspecto necessário para a completa caracterização de uma
aliança é seu escopo geográfico. Pinho (1998) cita a divisão de Gugler (1992), que
classifica a cobertura de mercado das alianças estratégicas em:
Nacional: a área de atuação prevista é um país específico;
Regional: a área de atuação prevista é uma região geográfica bem
delineada;
Global: não uma área de atuação bem delimitada, sendo a mesma
estendida a todas as regiões onde os parceiros fizerem negócios e,
mesmo, para novas áreas.
2.2.4 Motivações para formação de alianças estratégicas
Da mesma forma que o conceito e as classificações de alianças estratégicas,
as motivações das empresas para formação destas também têm sido alvo de muitas
divergências entre os acadêmicos. De acordo com Pinho (1998), muitos autores
citam diversas motivações, mas poucos pesquisaram minuciosamente este aspecto
e propuseram um arcabouço teórico, explicando a motivação das empresas em
estabelecer parcerias.
Ainda assim, apesar de não haver consenso a respeito das motivações, este
tópico vem sendo continuamente estudado. Particularmente interessantes são as
perspectivas teóricas de Glaister & Buckley (1996) e de Kogut (1988). Este último
destaca três grandes motivações para a formação de joint ventures, que podem ser
estendidas a outros tipos de alianças estratégicas: a busca pela diminuição de
custos de transação; o comportamento estratégico que leva as firmas à busca pelo
aperfeiçoamento de sua posição competitiva; e a busca por conhecimento
organizacional que resulta da pretensão de um ou ambos os parceiros em adquirir
conhecimento crítico do outro.
A maioria dos estudos empíricos iniciais em alianças estratégicas, assim
como o estudo de Kogut (1988), possuía seu foco na formação de JVs, ou seja, na
29
criação de uma nova entidade com capital dividido entre os parceiros. Tais estudos
muitas vezes procuravam identificar pré-condições estratégicas para tal tipo
particular de aliança, incluindo aumento da eficiência e melhor posicionamento
competitivo dos sócios. Vários estudos de caráter quantitativo buscavam analisar a
incidência de tais alianças entre indústrias e o tamanho das firmas parceiras. A
concentração destas alianças em algumas indústrias, normalmente manufatureiras,
e a tendência de firmas de grande tamanho a buscarem este tipo de associação
levaram alguns estudiosos (PATE, 1969; BERG & FRIEDMAN, 1978) a concluírem
que a busca por maior poder de mercado e pela melhora da posição competitiva
eram fatores importantes para a decisão estratégica de formar alianças estratégicas.
Posteriormente, o estudo de Berg & Friedman (1981) concluiu que também eram
motivações importantes para a formação de alianças a diminuição dos custos
transacionais e a aquisição de conhecimento, respectivamente.
Outros estudos mais recentes continuaram a tradição de examinar fatores no
nível da indústria que poderiam explicar a freqüência com que alianças ocorrem.
Alguns autores (HARRIGAN, 1988; SHAN, 1990) avaliaram a formação de estratégia
à luz de características setoriais, como o grau de competição, o estágio de
desenvolvimento do mercado e a incerteza no nível de demanda.
outros estudos o mais focados em fatores específicos às firmas, e não
às indústrias, levando aquelas a formar alianças, como, por exemplo, o de Harrigan
& Newman (1990). Abriu-se, então, um campo de pesquisa relacionado ao exame de
quais tipos de firmas em quais indústrias entram em que tipos de alianças e por
quais motivos.
Outro estudo interessante é o de Harrigan (1985), em que é apresentada uma
abordagem de custo-benefício, na qual as alianças são formadas a partir do
momento em que os benefícios excedem os custos.
Alguns outros acadêmicos como Shan (1990) analisaram alguns fatores
específicos às firmas, como tamanho, idade, posição competitiva, diversificação no
portfolio de produtos e recursos financeiros, de forma a ajudar a prever a propensão
a estabelecer alianças estratégicas com outras firmas. Kogut (1991), por sua vez,
focou na importância dos recursos como motivador de estabelecimento de JVs,
30
sugerindo que o estabelecimento de tal tipo de aliança ocorre como a compra de
uma opção real de expansão no futuro, ou seja, como uma forma de precaver-se
frente à incerteza.
Uma outra questão associada à formação de alianças tem a ver com o tipo de
parceiros que as firmas buscam. A decisão de formar uma aliança está
profundamente ligada não só com a escolha do parceiro, mas também com a
disponibilidade deste. Um ramo da literatura que é relacionado à formação de
alianças sob a ótica dos tipos de parceiros é a teoria de dependência de recursos
(LEVINE & WHITE, 1961), em que as organizações formam parcerias quando
percebem uma interdependência estratégica crítica com outras organizações.
A perspectiva de interdependência estratégica sugere que as firmas aliam-se
com as organizações com as quais elas compartilham o maior grau de
interdependência. Alguns acadêmicos defensores da teoria da dependência de
recursos testaram empiricamente o papel da interdependência estratégica através
da previsão do número de JVs formados em determinadas indústrias, como em
Pfeffer & Nowak (1976a, 1976b), Berg & Friedman (1980) e Duncan (1982). Tal
perspectiva contou ainda com importantes estudos que tentam explicar a
interdependência estratégica como resultante de vantagens de recursos específicos
a diferentes países (SHAN & HAMILTON, 1991), à capacidade estratégica (strategic
capability) das firmas nas suas respectivas indústrias (NOHRIA & GARCIA-PONT,
1991) e ao tamanho e desempenho das firmas (BURGERS ET AL, 1993). Tais
pesquisas demonstram que padrões setoriais na formação de alianças indicariam
que as firmas são levadas a formar alianças com outras devido ao fenômeno de
interdependência estratégica crítica.
No entanto, o fenômeno de interdependência não pode explicar todos os tipos
de formação de alianças, pois nem todas as oportunidades de aumentar a
interdependência entre firmas geram alianças, seja pelo receio associado a tal tipo
de parceria, seja pela decisão estratégica de não depender demais de firmas
competidoras, preferindo, assim, contratos de fornecimento mais rígidos e seguros.
Este receio é um dos principais fatores de restrição para uma ainda maior
disseminação de alianças estratégicas e deve-se principalmente ao comportamento
31
imprevisível dos parceiros e aos altos custos que podem ter que ser arcados em
caso de comportamento oportunista dos parceiros. Apesar do crescimento acelerado
do número de alianças estratégicas, os fatores citados acima fazem com que tais
parcerias ainda sejam consideradas de risco (KOGUT, 1989; DOZ ET AL, 1989).
Como apresentado acima, poucos autores buscaram estabelecer um
arcabouço teórico adequado para entender a motivação de empresas em
estabelecer alianças. Para Pinho (1998), poucos estudos trataram do tema de
motivações para formação de alianças estratégicas de uma forma estruturada. O
autor destaque para os trabalhos de Lorange & Roos (1995), Hagedoorn (1993),
Hagedoorn & Schakenraad (1994) e Murray & Mahon (1993). Além destes, vale
salientar o trabalho de Badaracco (1991), que também contribui para o entendimento
das motivações para estabelecimento de alianças estratégicas.
Primeiramente, Lorange & Roos (1995) propuseram um quadro teórico para
explicar os motivos genéricos para a formação das alianças estratégicas, partindo da
posição da empresa no mercado (se é líder ou seguidora) e da posição estratégica
do negócio para o qual a aliança estratégica foi montada, dentro do portfolio de
negócios da empresa. Assim, segundo os autores, haveria quatro naturezas de
motivações para formação de alianças estratégicas, conforme pode ser visto na
figura a seguir, quais sejam:
Defesa: a empresa é líder de mercado, e busca acesso a mercados e/ou
tecnologia e segurança de recursos;
Avanço: o negócio se encontra na área principal do portfolio da empresa,
mas ela é apenas uma seguidora e uma parceria pode ser a única
solução para o fortalecimento de sua força competitiva;
Permanência: o negócio exerce um papel relativamente periférico no
portfolio, mas a empresa é líder no segmento de mercado; a empresa
busca, portanto, o máximo de eficiência fora de sua posição; e
Reestruturação: a meta para a formação de parcerias é a de rearranjar o
portfolio da empresa, de forma a criar outras forças competitivas.
32
Defesa Avanço
Permanência Restruturação
Posição no mercado
Líder Seguidor
Importância
estratégica no
portfolio das
Empresas-
mãe
Central
Periférico
Figura 2 – Motivos genéricos para alianças estratégicas (LORANGE & ROOS, 1995)
Por sua vez, Hagedoorn (1993) e Hagedoorn & Schakenraad (1994)
pesquisaram mais de 4.000 alianças com escopo tecnológico, a partir do banco de
dados CATI (Cooperative Agreements and Technology Indicators). Em seu estudo,
Hagedoorn (1993) levantou diversos motivos propostos na literatura e elaborou uma
lista bastante completa, contendo os motivos para as empresas cooperarem
tecnologicamente, apresentada a seguir:
Motivos relacionados à pesquisa básica e aplicada e características gerais
do desenvolvimento tecnológico:
- Aumento da complexidade e da natureza intersetorial das novas
tecnologias, fertilização cruzada entre as diversas áreas da ciência e
campos da tecnologia, monitoração da evolução tecnológica, sinergia
tecnológica, acesso a conhecimentos tecnológicos ou tecnologia
complementar;
- Redução ou divisão das incertezas em P&D; e
- Redução e divisão de custos.
Motivos relacionados aos processos concretos de inovação:
33
- Captura tácita do conhecimento tecnológico, transferência
tecnológica, salto tecnológico; e
- Encurtamento do ciclo de vida dos produtos, reduzindo o período
entre a invenção e a introdução no mercado.
Motivos relacionados a acessos aos mercados e oportunidades:
- Monitoração das mudanças no mercado e oportunidades;
- Internacionalização, globalização e entrada em mercados
estrangeiros; e
- Novos produtos e novos mercados, entrante no mercado, expansão
do alcance do produto.
A partir destas motivações genéricas, Hagedoorn (1993) passou a estudar as
alianças a partir de entrevistas com executivos de quatrocentas empresas-mãe de
algumas destas parcerias, encontrando sete grande motivos para a formação de
alianças estratégicas:
1. Complementaridade tecnológica;
2. Pesquisa e desenvolvimento básicos;
3. Divisão dos altos custos e riscos;
4. Necessidade de recursos financeiros;
5. Redução do período para renovação da linha de produtos;
6. Monitoração do mercado e da evolução tecnológica; e
7. Acesso a novos mercados.
Vale ressaltar o elevado percentual do item relativo a altos custos e riscos
como motivação para a formação de alianças estratégicas na indústria aeronáutica e
de defesa. Isto vai se refletir numa tendência crescente de alianças estratégicas
elaboradas para compartilhar o risco e os custos, conforme será apresentado
adiante.
34
Murray & Mahon (1993), por sua vez, afirmam que “muitos tipos de alianças
estratégicas podem ocorrer, dependendo das pressões externas e internas à
empresa”. Para estes autores, as parcerias ocorreriam como resposta a duas
motivações básicas: de defesa, para sobreviver; e de ataque, para alcançar
vantagens competitivas. Neste sentido, esta posição assemelha-se à de Newman &
Chaharbaghi (1996), apresentada acima.
A partir desta idéia, Murray & Mahon (1993) propõem uma estrutura teórica
contendo as motivações para a formação de alianças, conforme mostrado na figura
a seguir. De acordo com Pinho (1998), a estrutura proposta abrange todas as
motivações citadas pela bibliografia até o presente momento, podendo, portanto, ser
assumida como um bom arcabouço teórico para explicar as razões pelas quais as
empresas são levadas a estabelecerem alianças estratégicas.
Motivação Básica Motivadores Variáveis-chave
Sobrevivência
Vantagem competitiva
Gerados pela organização
Derivados do ambiente
1. Obter tecnologia ou
competências de produção
2. Obter acesso a mercados
3. Redução de risco financeiro
4. Reduzir riscos políticos
5. Atingir paridade competitiva
1. Turbulência ou incerteza
2. Mudanças descontínuas no
ambiente
3. Mudanças tecnológicas
rápidas
4. Mudanças de tecnologia de
numerosas fontes
5. Risco financeiro significativo
6. Mudanças rápidas nos
mercados
7. Crescente complexidade
política
8. Tamanho e complexidade do
projeto são altas
9. Competitividade crescente
10.Proteção ou assistência
governamental
A
L
I
A
N
Ç
A
E
S
T
R
A
T
É
G
I
C
A
Figura 3 – Motivos para formação de alianças estratégicas (MURRAY & MAHON, 1993)
Por fim, Badaracco (1991) defende que várias motivações pelas quais as
companhias cooperam com outras firmas:
35
1. Reduzir a competição: as empresas teriam como objetivo cartelizar suas
indústrias, de forma a aumentar os lucros e a outros propósitos;
2. Compartilhar riscos: como alguns projetos são muito grandes ou
carregados de riscos para uma única firma conduzir, a colaboração
diminui estes riscos a um nível aceitável. Em indústrias em que alto
grau de inovação e em que o conhecimento evolui rápida e
perigosamente, as parcerias permitem acesso a novos conhecimentos
sem a necessidade de empregar tantos recursos quanto se fosse
desenvolver tal conhecimento por conta própria;
3. Trazer recursos complementares: para minimizar falhas em sua cadeia de
valor, complementando-a com expertise de outra firma;
4. Superar barreiras de mercado: via de regra para minimizar
desconhecimento de peculiaridades em novos mercados a serem
explorados ou para satisfazer exigências de governos e órgãos
regulatórios;
5. Reduzir custos: através do compartilhamento da estrutura de custos dos
projetos com os parceiros;
6. Acelerar entrada nos mercados: através de aquisição de capacidade
específica do parceiro ou aumento da rede de distribuição;
7. Desenvolvimento de flexibilidade: garantindo uma gama maior de
alternativas para decisões estratégicas futuras;
8. Monitoramento de competidores: uma empresa pode usar as alianças
como sensores para acompanhar como, quando e onde seus
competidores estão desenvolvendo novas tecnologias e/ou habilidades;
9. Direcionamento da migração de conhecimento: através do controle sobre
o conhecimento adquirido e/ou desenvolvido, diminuindo o risco de
concorrentes menores utilizarem este conhecimento para obter melhor
posicionamento estratégico; e
36
10. Neutralização de competidores: principalmente através da formação de
fornecedores exclusivos, limitando ou negando sua associação aos
principais concorrentes.
2.2.5 Parcerias de compartilhamento de risco na indústria de fabricação de
aeronaves
Como visto acima, mitigar o risco é somente uma das funções das alianças
estratégicas. Mas em indústrias de capital intensivo, como na de fabricação de
aeronaves, em que os projetos demandam altos investimentos e possuem uma
probabilidade significativa de retorno abaixo do esperado, tal função das alianças
acaba adquirindo um significado mais importante. Assim, ao longo do tempo, uma
modalidade específica de aliança estratégica foi tornando-se cada vez mais
importante nesta indústria: as parcerias de compartilhamento de risco (risk-sharing
partnerships).
Nas últimas décadas, a indústria de fabricação de aeronaves civis vem
sofrendo mudanças estruturais significativas. Alterações drásticas no mercado de
linhas aéreas em especial a desregulamentação do mercado nos EUA, em 1978
impuseram pressões sobre os preços dos fabricantes, forçando-os a exigir
concessões aos seus fornecedores, como diminuição nos preços e participação na
responsabilidade e nos riscos do desenvolvimento de novas aeronaves, através de
parcerias de compartilhamento de risco.
O risco sempre esteve presente na atividade da indústria aeronáutica, pois os
projetos demandam enormes somas de capital a ser investido e que algumas vezes
não são recuperadas. De acordo com Chen & Chi (2001), os riscos num projeto
podem ser subdivididos em risco de compras, risco de produção, risco de mercado e
risco de produto/cliente. Estes riscos também podem ser subdivididos. Por exemplo,
risco de mercado pode ser subdividido em mudanças intertemporais na demanda e
mudanças do fator preço.
O risco é um fator importante tanto no segmento de aviação militar como de
aviação civil. No caso de fabricação de aeronaves militares, os governos várias
37
vezes mudam seus objetivos estratégicos e suas prioridades, levando à redução ou
mesmo ao cancelamento de bilhões de dólares em ordens de aeronaves. A
fabricação de aeronaves civis também é extremamente arriscada, exibindo
flutuações de acordo com os ciclos econômicos. O cronograma de desenvolvimento
diversas vezes estende-se por anos ou mesmo décadas, exigindo altas somas de
investimentos, tornando a atividade de desenvolver e produzir aviões como
intrinsecamente de alto risco.
De acordo com Bernardes (2000b), o mercado aeronáutico caracteriza-se por
ser um mercado ofertante e com várias opções de escolha para os compradores
(linhas aéreas). Os compradores são poucos e a concentração da compra é grande.
Além disso, o custo de mudança do comprador (linhas aéreas) é relativamente baixo
e este possui informações precisas e detalhadas sobre os fornecedores (fabricantes
de aeronaves) e seus produtos. É um mercado que se caracteriza como do tipo pull,
ou seja, os grandes compradores influenciam na decisão de compra dos menores. A
qualidade dos produtos oferecidos é semelhante e os trade offs (neste caso, a
possibilidade de realização de negócios com outras empresas) são altos, existindo
até a possibilidade de realizar leilão de compra. Assim, toda atenção vem sendo
dada às expectativas e necessidades das linhas aéreas, com foco totalmente voltado
ao cliente. Neste ambiente, Bernardes (2000b) identifica três categorias de risco
para os fabricantes de aeronaves:
Risco de Liderança: é o risco a que os fabricantes de aeronaves estão
sujeitos devido à ação dos concorrentes. A principal característica que
compromete a liderança de um ator neste mercado é a mudança
tecnológica. Devido ao longo ciclo de vida do produto e das
características da fabricação, a mudança de um determinado patamar
tecnológico necessita de grandes investimentos. Os produtos que surgem
posteriormente no mercado e que incorporam novas tecnologias de
engenharia e produção podem ser elaborados a um custo menor. Desta
forma, a liderança conquistada anteriormente fica comprometida;
Risco de diferenciação: é o risco de que os produtos concorrentes
lançados no mercado incorporem maior valor agregado para o cliente.
Novos lançamentos tendem a incorporar as últimas solicitações do
38
mercado, tanto em termos de evolução como em termos de custos. A
empresa líder que lançou seus produtos quando da identificação de um
nicho de mercado sofre as conseqüências deste pioneirismo; e
Risco da Estratégia de Lucro: é o risco dos compromissos e estimativas
adotadas na fase de estudo e concepção de um novo produto não poder
ser cumpridos. A demanda prevista inicialmente pode, por motivos
econômicos e de mercado, não ser atingida. Devem ser considerados
aqui também os riscos financeiros, políticos e sociais inerentes à
fabricação aeronáutica.
As parcerias de compartilhamento de risco normalmente se dão entre os
fabricantes de aeronaves e seus fornecedores (fabricantes de estruturas
aeronáuticas), que podem ser especializados em desenvolver e produzir produtos ou
sistemas de um avião, como aviônicos, sistema propulsor, fuselagem, asas, trem-de-
pouso, empenagens, interior, etc.
Além do interesse em compartilhar os riscos dos empreendimentos
aeronáuticos por parte dos fabricantes de aeronaves, o número reduzido destes,
aliado à quantidade mais elevada de fabricantes de estruturas aeronáuticas, levou a
um processo rigoroso de consolidação destes últimos (SCOTT, 2001; VELOCCI,
1999), de forma a fazer frente ao enorme poder de barganha adquirido pelos
primeiros.
De acordo com Andersen et al (2001), as transações comerciais na indústria
de grandes aeronaves civis são normalmente feitas contratualmente. Isto também
ocorre na indústria de aeronaves menores, como aeronaves regionais, commuters e
executivas. As principais barreiras para a entrada na indústria de fabricação de
estruturas aeronáuticas são os mesmos critérios que definem a relação comercial
entre os fabricantes de aeronaves e os seus fornecedores: capital, experiência
tecnológica, mão-de-obra qualificada e aprovação de órgãos reguladores. Alguns
determinantes de competitividade são fatores decisivos para vencer contratos com
os fabricantes de aeronaves. Qualidade é um fator necessário, mas não suficiente,
pois os fabricantes requerem que seus fornecedores passem por todos os testes de
certificação e qualificação necessários. A habilidade de construir uma estrutura
39
aeronáutica de qualidade é o requisito mínimo para um fornecedor ser considerado
numa concorrência pelos fabricantes de aeronaves e normalmente não é
considerado um fator determinante de competitividade.
Entre os determinantes de competitividade, podem ser encontrados fatores
relacionados a custos e fatores não relacionados a custos. E entre os fatores
relacionados a custos, encontram-se eficiência na produção, mão-de-obra, capital,
economias de escala e efeitos de aprendizado. entre os principais fatores não
relacionados a custos, podem ser encontradas algumas competências chave (core
competencies) dos fabricantes de estruturas, on-time delivery e capacidade de
produção flexível (flexible production). Outro fator exógeno que pode afetar
significativamente a competitividade o as taxas de câmbio entre o país do
fornecedor e do fabricante de aeronaves.
Os fatores determinantes de competitividade dos fabricantes de estruturas
também dependem do nível e do papel desempenhado pelo fornecedor na cadeia de
fornecimento da indústria. As empresas que atuam na fabricação de peças simples
ou no trabalho mecânico de determinados componentes formam a base da indústria
e são conhecidas como de terceiro nível (third-tier suppliers). as empresas com
capacidade tecnológica mais avançada e que agregam tecnologia às estruturas dos
fornecedores de terceiro nível são conhecidas como fornecedoras de segundo nível
(second-tier suppliers). Por fim, ainda os fornecedores de primeira linha (first-tier
suppliers), que fabricam um pacote tecnológico de alto valor agregado,
desenvolvendo estruturas completas com sistemas integrados, e garantindo o
padrão de qualidade de seus produtos. O estágio de desenvolvimento tecnológico e
de especialização de alguns fornecedores de primeira linha é altíssimo, e eles
constituem-se nos principais parceiros de compartilhamento de risco das empresas
fabricantes de aeronaves.
Geralmente, quanto mais alto for seu nível (por ex. fornecedores de primeira
linha), mais importante é a habilidade do fornecedor em compartilhar o risco do
programa com o fabricante de aeronaves, o que requer uma grande capacidade
financeira e alto nível de conhecimento tecnológico. Na medida em que os
fabricantes de aeronaves repassam responsabilidade a seus fornecedores de
primeira linha, os determinantes de competitividade da indústria de fabricação de
40
estruturas aeronáuticas tendem a tornarem-se similares aos da indústria de
fabricação de aeronaves.
Para Andersen et al (2001), via de regra, os contratos entre fabricantes de
aeronaves e seus fornecedores assumem uma de três formas:
Abertura de concorrência: os fabricantes de aeronaves definem a
estrutura a ser fabricada e os fornecedores apresentam estimativas de
preços;
Compra direta (directed procurement): o fabricante de aeronaves dita o
que está disponível a pagar por determinada estrutura aeronáutica a um
dado fornecedor, que analisa o preço comparando-o aos custos a serem
incorridos, de forma a determinar se o acordo é viável ou não. Via de
regra a determinação do preço leva em consideração a experiência do
fornecedor, custos de mão-de-obra e de overhead do fornecedor e
também as técnicas de fabricação disponíveis; ou
Parcerias de compartilhamento de risco (risk-sharing partnerships): no
qual os fornecedores incorrem em investimentos utilizados no
desenvolvimento de estruturas complexas e subsistemas importantes da
aeronave, investimentos estes amortizados na medida em que as vendas
ultrapassam um determinado número de aeronaves.
O uso de parcerias de compartilhamento de risco e de compra direta tem
aumentado, na medida em que os fabricantes de aeronaves vêm buscando a
diminuição de seus custos e o risco dos novos programas. Geralmente estas
empresas preferem ter mais de um fornecedor por componente, embora nos últimos
anos tenham requerido menos fornecedores que décadas atrás. Ao executar o
downsizing de sua rede de fornecedores, as empresas enfrentam a tensão entre
manter somente aqueles eficientes e com preços competitivos e manter uma rede
suficientemente diversificada de forma a o ficar muito dependente de somente um
fornecedor. De acordo com Proctor (1999), a Boeing chegou a anunciar que gostaria
de cortar sua cadeia de fornecedores em até 40%, exemplificando o interesse dos
grandes produtores de aeronaves em diminuir sua dependência.
41
segundo Squeo & Pasztor (2001), a Boeing pretende adotar o conceito
japonês e americano de fabricação de automóveis para construir suas aeronaves. O
novo paradigma envolve usar menos estruturas, fabricadas por menos fornecedores,
e trabalhar com linhas de montagem móveis que reduzam tempo e mão-de-obra,
combinado com estoques operando segundo a filosofia just in time.
Adicionalmente, acrescentam Andersen et al (2001), os contratos vêm sendo
estendidos tanto em tempo como em escopo. Acordos de longo prazo (long term
agreements ou LTAs) têm sido utilizados cada vez mais por empresas fabricantes de
estruturas aeronáuticas. Tais acordos caracterizam-se por serem contratos de vários
anos entre fabricantes de aeronaves e de estruturas aeronáuticas que garantem ao
fornecedor um determinado volume de negócios por um número pré-determinado de
anos em troca do atendimento a metas de produtividade agressivas. Mais
especificamente, os LTAs incorporam aumentos de produtividade ao longo do
tempo, fazendo com que os preços pagos ao fornecedor caiam na medida em que a
produção aumenta. Os LTAs via de regra substituem processos de abertura de
concorrência entre fornecedores e são reservados aos fornecedores de melhor
desempenho, teoricamente proporcionando a estes uma maior estabilidade e
previsibilidade, o que é interessante também para seus clientes, os fabricantes de
aeronaves. Assim, os LTAs normalmente proporcionam ao fornecedor um
planejamento mais eficiente da produção e um controle mais efetivo dos custos do
que contratos de curto prazo, além de facilitar o retorno sobre os investimentos.
Além disso, LTAs possibilitam ao fabricante amortizar em mais aeronaves os
altos investimentos em P&D para fabricar a estrutura, bem como obter economias de
escala em custos diretos (matéria-prima, mão-de-obra, etc.) e indiretos (custos de
overhead). No caso de custos diretos, como o de matéria-prima, um LTA que se
estenda por vários anos, proporcionando a fabricação de um alto volume de
estruturas, permite a negociação dos preços das matérias-primas usadas nessas
estruturas com seus fornecedores.
O prazo dos LTAs normalmente é determinado por fatores tais como relação
prévia, experiência, importância e criticalidade da estrutura a ser fabricada e
restrições na capacidade de produção do fornecedor. Há que se buscar um equilíbrio
na definição do prazo dos LTAs, pois contratos muito curtos requerem freqüente
42
negociação e tomam tempo e recursos dos funcionários do setor de compras do
fabricante de aeronaves, enquanto LTAs demasiadamente longos podem levar à
perda de controle sobre os preços e os principais pontos negociados.
Recentemente, à luz da crise pela qual passou o mercado de transporte
aéreo, alguns fabricantes de aeronave (principalmente Boeing e Airbus) quebraram
e/ou renegociaram alguns LTAs, exigindo mudanças no planejamento da produção
ou reduções ainda maiores de preços. Tal tendência parece refletir o caráter cíclico
da demanda por aeronaves. Os fabricantes de aeronaves preferem utilizar LTAs
quando as ordens de aeronaves são abundantes, mas quando as novas ordens
começam a diminuir, a pressão nas margens de lucratividade faz com que os
fabricantes tentem renegociar os termos de seus LTAs. Atualmente, conforme citado
no estudo de Andersen et al (2001), os LTAs são vistos pelos fabricantes de
estruturas aeronáuticas como ferramentas usadas por fabricantes de aeronaves para
impor menores preços sem a garantia de que os termos do contrato serão honrados.
Sem muito poder de barganha frente aos fabricantes de aeronaves, os fabricantes
de estruturas aeronáuticas possuem poucas alternativas a não ser sujeitarem-se aos
novos termos do contrato. Tais práticas, portanto, estimulam a consolidação entre os
fornecedores, de forma a atingirem maior tamanho e poderem lidar mais
efetivamente com seus clientes fabricantes de aeronaves.
No caso do segmento de grandes aeronaves, no qual atuam Boeing e Airbus,
o declínio na demanda dos últimos anos fez as reduções de custo tornarem-se
obrigatórias, sob pena de diminuição das margens de lucratividade. Assim, estes
fabricantes de aeronaves vêm forçando os fornecedores a baixarem seus preços
inclusive contra LTAs previamente estabelecidos. Adicionalmente, a tendência à
consolidação na indústria de fabricantes de estruturas aeronáuticas também fez com
que os fabricantes de aeronaves tentassem negociar LTAs para beneficiarem-se de
economias de escala que eventualmente surjam nos processos de fusões e
aquisições dos fornecedores. De acordo com Andersen et al (2001), dada a natureza
da relação entre fornecedor e cliente e a diferença entre os tamanhos das
organizações envolvidas, os fornecedores possuem poucas alternativas quando os
fabricantes de aeronaves demandam alterações nos termos de contratos. Como
resultado desta tendência de mercado, é cada vez mais importante para os
43
fornecedores manterem-se operacionalmente flexíveis de forma a responderem às
mudanças no cronograma de produção e de entregas.
Na medida em que os fabricantes de aeronaves procuram diminuir o número
de fornecedores e reduzir custos, os contratos expandiram-se em escopo para
proporcionar aumento das responsabilidades por parte dos fornecedores de primeira
linha (first-tier suppliers). Espera-se destes fornecedores que desenvolvam
estruturas completas com sistemas instalados e a garantia de que todos os sistemas
operarão adequadamente, além da garantia de que a estrutura e os sistemas serão
inteiramente compatíveis com as outras estruturas e sistemas, o que demanda o
desenvolvimento em conjunto, tanto com o fabricante de aeronaves (que atua como
um integrador de sistemas e estruturas) como, por vezes, com outros fornecedores.
Nos casos de parcerias de compartilhamento de risco, espera-se dos fornecedores
de primeira linha que gerenciem suas cadeias de fornecimento e assumam partes
dos investimentos não-recorrentes em projeto e manufatura. Em alguns casos, tais
responsabilidades são empurradas abaixo na cadeia de fornecimento para os
fornecedores de segunda e terceira linha (second- and third-tier suppliers).
Outro aspecto importante é que os fabricantes de estruturas aeronáuticas por
muitas vezes subcontratam seus próprios fornecedores pelos mesmos motivos que
os fabricantes de aeronaves os subcontratam. Além de proporcionar aos fabricantes
de estruturas aeronáuticas a divisão do trabalho de fabricação e do risco financeiro,
a subcontratação de atividades secundárias permite a estas firmas focarem seus
esforços de P&D e as habilidades técnicas de seus empregados em atividades mais
lucrativas. Em alguns casos, a subcontratação permite acesso a novos mercados e
também proteção contra variações cambiais.
Antes de analisar as parcerias de compartilhamento de risco em si, faz-se
necessário entender a estrutura da indústria de fabricação de aeronaves. Ainda
segundo Andersen et al (2001), os fabricantes de aeronaves o um subconjunto da
indústria de estruturas aeronáuticas. Os principais fabricantes de aeronaves civis
(Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier) realizam as atividades mais nobres da
indústria, integrando sistemas e projetando e fabricando estruturas de altíssimo valor
agregado. Os outros fabricantes de estruturas aeronáuticas atuam como
44
fornecedores dos fabricantes de aeronaves, produzindo partes aeronáuticas e
subsistemas a serem integrados pelos últimos.
A indústria global de fabricantes de estruturas aeronáuticas é dominada por
produtores da América do Norte e da Europa. Tal indústria é dominada pelas
empresas fabricantes de aeronaves, que ocupam uma posição no topo da cadeia de
abastecimento (supply chain) da indústria. Entre os fabricantes de aeronaves,
destacam-se as empresas que produzem grandes aeronaves, como Boeing
(Estados Unidos) e Airbus (Europa). Outra empresa da América do Norte que se
destaca é a Bombardier, localizada no Canadá, e concorrente da Embraer no
mercado de aviação regional. algumas empresas competitivas em outros
continentes, como a própria Embraer, que fabrica aeronaves regionais, e
fornecedores de estruturas aeronáuticas localizadas em países como Argentina,
China, Coréia do Sul, Índia, Israel, Malásia, Taiwan e Turquia.
uma hierarquia clara na indústria. Os fornecedores de primeira linha (first-
tier suppliers) diferenciam-se dos outros pela magnitude de suas vendas ou pela
complexidade das estruturas que fornecem. Fornecedores de segunda e terceira
linha (second- and third-tier suppliers) fabricam as partes e subsistemas para a
integração a ser feita pelos fornecedores de primeira linha. Adicionalmente, a
indústria é segmentada por produto, com um número limitado de produtores
fabricando as estruturas aeronáuticas mais complexas. Tal fato se acentuou
recentemente com a consolidação no mercado de fabricantes de aeronaves, através
de intenso processo de fusões e aquisições nas últimas décadas. Tal processo de
consolidação é bem visualizado através da figura a seguir:
45
Figura 4 – Processo de consolidação dos fabricantes de aeronaves nas décadas de 80 e 90
(EMBRAER, 2004b)
Devido a ganhos de escala e escopo nos projetos e na produção, várias
empresas fabricantes de estruturas aeronáuticas produzem para os mercados civis e
militares e oferecem serviços, tais como manutenção, reparo e overhaul (MR&O).
Embora as firmas norte-americanas e européias possuam portfolios de produtos
diversificados, a maioria normalmente fornece a um único fabricante de grandes
aeronaves (Boeing e Airbus), normalmente para o fabricante de sua região. os
fornecedores dos fabricantes de aeronaves regionais (Embraer e Bombardier),
normalmente são também fornecedores dos fabricantes de grandes aeronaves
descritos acima. Os fabricantes asiáticos de estruturas aeronáuticas costumam
produzir para a Boeing e para a Airbus, sendo que a Boeing possui um
relacionamento bastante aprofundado com as empresas desta região, em particular
as japonesas, datando da década de 60.
Outro fator importante da indústria de fabricantes de estruturas aéreas é que
esta é dominada por algumas empresas de grande porte e por isto este mercado
pode ser caracterizado como um oligopólio. Certos segmentos específicos deste
46
mercado podem ser entendidos como oligopólios bilaterais, pois poucos
compradores negociam com poucos vendedores, e ambos os lados possuem alto
poder de barganha. Se ambos os lados possuem poder de barganha, isto significa
que os preços são negociados. Por exemplo, há uma série de fornecedores de
painéis para fuselagem. Como neste caso os compradores são em menor número
que os fornecedores, aqueles possuem maior poder de barganha que estes nas
negociações de contrato.
Com o movimento de consolidação de fabricantes de aeronaves das últimas
décadas e a conseqüente diminuição do número de fabricantes, as empresas
restantes, como Boeing, Airbus e, em menor escala, Embraer e Bombardier,
possuem poder de barganha suficiente para restringir aumentos de preços nos
fabricantes de estruturas aéreas que lhes fornecem partes e subsistemas e que
disputam os principais contratos de fornecimento.
De acordo com Andersen et al (2001), dois fatores-chave levaram a maior
pressão sobre os preços dos fornecedores. Primeiro, a desregulamentação do
mercado americano de linhas aéreas pressionou as margens dos fabricantes de
aeronaves, o que, por sua vez, pressionou seus fornecedores. Adicionalmente, a
consolidação na indústria de fabricantes de aeronaves tendo como principal
exemplo a aquisição da McDonnell Douglas pela Boeing e o conseqüente
cancelamento de alguns dos programas das empresas adquiridas levaram à alta
capacidade ociosa na indústria de fabricantes de estruturas aeronáuticas, permitindo
aos fabricantes de aeronaves explorarem seu poder de barganha através do
oferecimento de contratos de alto volume e negociando descontos nos preços.
Conseqüentemente, os fabricantes de estruturas aéreas sentiram altíssima pressão
para cortar custos, bem como aumentar suas responsabilidades na produção.
Para Scott (2001), a consolidação da indústria de fabricantes de estruturas
aeronáuticas vem prevalecendo nas últimas décadas, principalmente entre os
fornecedores de primeira e segunda linha, normalmente mais próximos dos
fabricantes de aeronaves e que assumem mais responsabilidades que os
fornecedores menos relevantes. A consolidação e globalização da indústria de
fabricantes de estruturas aeronáuticas foi determinada principalmente por pressões
nos preços e capacidade ociosa. O resultado da consolidação entre as firmas deve
47
diminuir a capacidade ociosa e aumentar o poder de barganha destas, muito embora
este movimento não seja suficiente para fazer frente ao poder de seus clientes, os
fabricantes de aeronaves. A consolidação deve também fazer com que as empresas
produtoras de estruturas aeronáuticas restantes passem a focar somente nas suas
competências chave (core competencies) e pressioná-las a empregar capital e
recursos técnicos em acordos de parcerias de risco, por imposição das companhias
fabricantes de aeronaves.
Segundo Scott (2001), esta tendência é amplificada pela preferência da
Boeing e da Airbus, os dois maiores fabricantes de aeronaves do mundo, em
simplificar sua rede de fornecedores e diminuir custos transacionais através de
contratos com poucos e grandes fornecedores, tecnicamente habilitados para
fornecer estruturas aeronáuticas complexas. Esta estratégia de redução da base de
fornecedores também se estende aos fabricantes de estruturas aeronáuticas, que
reduzem suas próprias bases de fornecedores, fazendo com que o processo de
consolidação atue em toda a cadeia de fornecimento.
A indústria de fabricantes de estruturas aeronáuticas também é cada vez mais
globalizada, pois os fabricantes produzem e vendem seus produtos por todo o
mundo. Uma força por trás deste fenômeno de globalização na indústria aeronáutica
é o desejo de ganhar acesso a mercados antes restritos (i.e. offsets). Quando
subcontratam empresas fabricantes de estruturas aeronáuticas em outros países, os
fabricantes de aeronaves por muitas vezes buscam ganhar uma vantagem
competitiva quando a compra de novas aeronaves for considerada por linhas aéreas
destes países. Exemplos disto podem ser vistos na All Nippon Airways e na Japan
Airlines que, de acordo com Andersen et al (1993), são as maiores operadoras
globais de Boeing 767 e Boeing 747, respectivamente. Não coincidentemente, para
desenvolver e produzir estas duas aeronaves, a Boeing promoveu parcerias
principalmente com fabricantes japoneses de estruturas aeronáuticas.
A decisão de comprar de um fornecedor estrangeiro normalmente envolve
pesar os benefícios de acesso ao mercado e baixos custos de mão-de-obra contra
as desvantagens de deficiências na infra-estrutura do país e os recursos a serem
despendidos para que o produto final atinja as rígidas metas de qualidade.
48
Graças aos altos investimentos demandados e ao alto risco do negócio de
fabricação de aeronaves assim como à crescente pressão pela redução de custos,
os fabricantes de aeronaves encaram cada vez mais os produtores de estruturas
aeronáuticas como potenciais compartilhadores de risco nos mais recentes
programas de desenvolvimento de aeronaves. Por diversas vezes o nível de
investimento necessário para desenvolver uma nova aeronave faz com que os
produtores de aeronaves arrisquem o seu próprio futuro a cada projeto. Isto é
verificado no exemplo apresentado por Andersen et al (1998), que cita o
desenvolvimento do Boeing 747 em 1966, estimado em US$ 1,2 bilhões, mais do
que o triplo do patrimônio líquido da empresa na época. A Boeing subcontratou 70%
do valor da produção inicial do programa 747, tanto para fornecedores norte-
americanos como estrangeiros (principalmente japoneses). Vários destes
fornecedores tiveram que contribuir financeiramente com o projeto, participando
como parceiros de compartilhamento de risco. De acordo com O’Lone (1977), tais
parceiros financiaram os custos não-recorrentes das primeiras 200 aeronaves
produzidas.
Andersen et al (1998) citam que a magnitude do investimento requerido para
desenvolver e produzir uma aeronave define uma característica importante da
indústria de fabricação de aeronaves: ser altamente intensiva em capital. Altas
quantias de capital são necessárias para o desenvolvimento de novos programas,
aplicadas em P&D, construção de novas fábricas ou expansão das antigas, compra
de materiais, partes aeronáuticas e subsistemas, estabelecimento de rede global de
suporte e atendimento ao cliente, etc. Este capital pode ser levantado através dos
mercados de capitais, através de parceiros de compartilhamento de risco, via ajuda
governamental ou capital próprio. Outra característica importante desta indústria é o
fato da maior parte do capital requerido ser utilizado em investimentos que são
considerados custos afundados, ou seja, o podendo ser recuperados pela venda
dos ativos adquiridos.
Dada a natureza destes investimentos, os produtores de aeronaves
estabelecidos (incumbents) têm uma enorme vantagem competitiva sobre potenciais
novos entrantes, já que contam com o capital resultante de lucros em projetos
anteriores. Assim, as empresas já estabelecidas normalmente possuem avaliação de
crédito mais favorável e, portanto, acesso a capital com taxas de juros menores.
49
Fabricantes de aeronaves de países economicamente mais desenvolvidos
também possuem vantagens sobre os de países em desenvolvimento no que diz
respeito a acesso a capital. O custo de empréstimos em países desenvolvidos
normalmente é bem menor que em países em desenvolvimento, devido ao risco-país
embutido nas taxas de juros destes, que é maior em comparação com o daqueles.
Neste sentido, a utilização de parcerias de compartilhamento de risco entre
fabricantes de aeronaves de países em desenvolvimento com fornecedores de
estruturas aeronáuticas de países desenvolvidos ajuda a diminuir o custo de capital
dos primeiros. Por exemplo, de acordo com a World Trade Organization (1999), o
Canadá acusa a Embraer de receber ajuda extensiva por parte de seus parceiros de
compartilhamento de risco em países desenvolvidos e, por isso, no entendimento
dos canadenses, não poderia ser considerada como um fabricante isolado de um
país em desenvolvimento. Ainda de acordo com o mesmo estudo, os canadenses
sustentam suas alegações com base em um outro estudo do banco de investimento
Deutsche Morgan Grenfell elaborado em 1997, que cita:
“O pacote de compartilhamento de risco da Embraer para o programa EMB-
145 significa que a empresa é efetivamente financiada por seus fornecedores: de
acordo com os termos do acordo, a companhia só paga aos fornecedores por
componentes aeronáuticos após entregar as aeronaves aos clientes e receber o
pagamento pela aeronave”.
No estudo de Andersen et al (2001), os autores defendem que os fabricantes
de aeronaves esperam de seus parceiros em compartilhamento de risco o
investimento de tempo, capital e recursos de P&D para projetar uma parte
específica, decidir com que fornecedores subcontratar, integrar sistemas e assegurar
que o produto final siga os padrões exigidos de qualidade. Tais parcerias não
fornecem os recursos necessários, mas também possibilitam aos fabricantes de
aeronaves a determinação de gestão de fornecedores menores (lower-tier suppliers)
para seus parceiros. Como resultado, o papel do fornecedor é realçado e elevado a
um patamar mais estratégico.
Para Muniz Jorge (1995), numa parceria de compartilhamento de risco, o
desenvolvimento de segmentos subcontratados é financiado pelos parceiros de
risco, que recuperam o investimento na fase de produção em série.
50
Nota-se, portanto o caráter mitigador de risco comercial das parcerias de
compartilhamento de risco. Outros benefícios, entretanto, também surgem como
conseqüência das parcerias de compartilhamento de riscos, por exemplo:
Foco de cada parceiro na ligação entre investimento e lucro;
Obriga os fornecedores a perseguirem um objetivo global para o projeto;
mais liberdade aos fornecedores sem os restringir a detalhes e
procedimentos de um acordo de fornecimento tradicional;
Incentiva os parceiros a usarem melhores práticas gerenciais;
Encoraja a integração de culturas e habilidades;
Agrega os parceiros em torno dos objetivos estratégicos a serem
atingidos; e
Possibilita menor tempo de desenvolvimento (time-to-market) das
aeronaves, devido à possibilidade de aperfeiçoar a engenharia simultânea
em parcerias de compartilhamento de risco.
Vale reforçar que o modelo de engenharia simultânea proporciona menores
time-to-market, pois menos problemas na montagem e no projeto da aeronave
devido à participação simultânea de várias áreas corporativas, como engenharia,
produção, marketing, compras, entre outras. O resultado, via de regra, também é um
produto final de qualidade superior e atendendo os critérios de projeto da aeronave.
A engenharia simultânea, por ser um fenômeno razoavelmente recente na
indústria aeronáutica, é apoiada por sofisticadas redes virtuais de fornecedores e
parceiros conectadas remotamente ao fabricante de aeronaves. De acordo com
Bernardes & Fensterseifer (2004), as empresas fabricantes de aeronaves utilizam
cada vez mais portais na Internet e ferramentas computacionais que permitem a
interação eletrônica entre os parceiros de compartilhamento de risco, ajudando na
coordenação e tornando mais rápidas tanto as fases de projeto quanto de produção
das aeronaves.
51
De acordo com Pritchard & MacPherson (2004a), a mitigação do risco
comercial ao longo da cadeia de suprimentos através do compartilhamento de
receitas possui a mesma lógica econômica do princípio internacional de vantagem
comparativa, em que a utilidade da corporação é maximizada quando cada unidade
de negócios especializa-se na produção de itens que melhor exploram suas
competências internas em termos de projeto, engenharia ou capacidade industrial,
ou seja, nas competências chave da corporação.
Gomes-Casseres (2000), acredita que as estratégias de compartilhamento de
risco são usadas para proteger uma determinada companhia de prejuízo excessivo
devido a seu portfolio de alianças. Ou seja, a parceria de compartilhamento de risco
seria uma espécie de hedge, mitigando o risco financeiro excessivo.
Por sua vez, o estudo da Merrill Lynch (2004) defende que a indústria
aeronáutica utiliza-se em freqüência cada vez maior de contratos de
compartilhamento de risco. O estudo aponta algumas variações possíveis deste tipo
de parceria:
O fornecedor compromete-se a pagar uma parte do investimento inicial do
projeto na esperança de recuperá-lo ao longo da vida do produto. O
fabricante da aeronave pode garantir ao fornecedor um número mínimo
de aeronaves vendidas, mas o fornecedor corre o risco de o recuperar
o investimento se não são vendidas tantas aeronaves quanto o número
previsto; ou
O fornecedor compromete-se a pagar uma parte do investimento inicial do
projeto na esperança de recuperá-lo ao longo da vida do produto, mas
precifica o subsistema pelo qual é responsável de acordo com o nível de
preço que o fabricante das aeronaves as vende.
De acordo com a A.T. Kearney (2003), ainda há perspectiva de
aprofundamento na utilização de parcerias de compartilhamento, em especial após
os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, pois as
iniciativas de redução de custos dos fabricantes de aeronaves não são suficientes e
precisam ser expandidas ao longo da cadeia de suprimentos. Ainda segundo este
estudo, os fabricantes de aeronaves estão adotando práticas de outras indústrias
52
como, por exemplo, a automotiva. Para a A.T. Kearney (2003), o próprio conceito de
parceria de compartilhamento de risco seria derivado desta indústria.
Segundo Bernardes (2003), os fabricantes de aeronaves obrigam os parceiros
de compartilhamento de risco a investir grandes quantias no projeto, o que inviabiliza
a participação de pequenas empresas, pouco capitalizadas, em programas que
utilizam este tipo específico de parceria estratégica. A Airbus, por exemplo,
encontrou enormes dificuldades em encontrar parceiros para o projeto A380,
conforme relatam Dupont & Beauclair (2000), pois os fabricantes de estruturas
aeronáuticas consideravam as condições oferecidas pela companhia extremamente
arriscadas.
Dorna et al (2003) consideram as parcerias de compartilhamento de risco um
novo arranjo produtivo baseado numa maior interdependência entre os atores
inseridos na atividade de produção de forma a obter melhores resultados
econômicos, associados à redução dos custos, incertezas e riscos inerentes aos
projetos aeronáuticos. Para tais autores, a Embraer passou adotar o modelo de
parcerias de compartilhamento de risco inicialmente de forma a viabilizar
economicamente o ERJ-145, mas que tal prática continua sendo adotada como o
alicerce dos projetos mais recentes da empresa, isto é, nas aeronaves ERJ-170 e
ERJ-190.
As parcerias de compartilhamento de risco permitem o desenvolvimento de
vantagens competitivas buscando a centralização dos esforços nas áreas de
excelência da empresa e nas etapas do processo de desenvolvimento e produção
que conferem maior valor agregado aos clientes finais dos produtos. Neste sentido,
a contribuição de Marques (2001) para a definição de parceria de compartilhamento
de risco é significativa. Para a autora, um acordo deste tipo é normalmente selado
entre empresas de diferentes níveis da cadeia de suprimentos. Os fornecedores,
neste contexto, assumem parcelas dos custos de desenvolvimento de um projeto,
auferindo rendimentos a posteriori, na mesma proporção de seus investimentos.
Além disso, a agregação de conhecimento tecnológico do projeto final acaba
dependendo das capacidades do conjunto de parceiros. Tais parcerias costumam
durar todo o ciclo do projeto (via de regra aproximadamente trinta anos) e é
improvável a troca de parceiros no decorrer do projeto, bem como a celebração de
53
outras alianças, adicionando-se um grau de rigidez a mais no pool de fornecedores.
Os acordos de parceria de compartilhamento de risco também prevêem
transferência tecnológica de acordo com a capacitação do parceiro e dos contratos
firmados.
A própria Embraer (2001) aborda a rigidez causada pelas parcerias de
compartilhamento de risco conforme descrita acima. Para a empresa, uma vez
selecionados os parceiros de compartilhamento de risco, é difícil substituí-los. Em
alguns casos, como no dos motores, a aeronave é projetada especialmente para
acomodar um determinado componente, o qual não pode ser substituído por outro
fornecedor sem incorrer em atrasos e despesas adicionais no projeto. Tal
dependência torna a empresa suscetível ao desempenho, à qualidade e às
condições financeiras de seus parceiros de risco.
Ainda de acordo com a Embraer (2001) e com Bernardes & Pinho (2002), os
parceiros de risco desenvolvem e produzem componentes significativos, incluindo
motores, componentes hidráulicos, aviônica, asas, cauda, interior e partes da
fuselagem. Os contratos firmados entre a empresa e os parceiros de
compartilhamento de risco caracterizam-se principalmente por serem de longo prazo
e incluírem os seguintes termos:
Diferimento (prolongamento) de pagamentos para componentes e
sistemas por um prazo negociado após a entrega destes; e
Requerimento de entrega mínima para um certo número de aeronaves,
dependendo do contrato. Caso a empresa desenvolvedora não venha a
entregar o número mínimo de aeronaves contratualmente definido, terá de
reembolsar proporcionalmente os fornecedores por seus custos de
desenvolvimento e ferramental.
Para Dorna et al (2003), a dinâmica de uma parceria de compartilhamento de
risco encerra um novo padrão de organização empresarial mais integrado e flexível,
que se articula na forma de redes (networks) de desenvolvimento, aprendizado e
inovação tecnológica. Este arranjo apresenta grandes vantagens para o
financiamento de projetos aeronáuticos, diluindo, em parte, os riscos e incertezas de
mercado, na medida em que cada participante do projeto possui o compromisso de
54
desenvolver uma parte do produto, agregar mercado e empenhar-se em garantir o
sucesso comercial do empreendimento. Assim, os parceiros empenham-se para
assegurar o êxito do projeto, uma vez que todos os parceiros desfrutam
conjuntamente de seus ganhos e benefícios e não apenas atuam no processo de
fornecimento de peças e componentes. Na medida em que os parceiros assumem
riscos financeiros no projeto e que a substituição de um parceiro ao longo do
programa mostra-se um problema de difícil solução, esses contratos acabam
caracterizando-se por um perfil de longo prazo.
Por sua vez, o estudo do MDIC (2002) cita que os parceiros de
compartilhamento de risco caracterizam-se por desenvolverem e produzirem os
produtos ou sistemas principais de um avião, como os hidráulicos, aviônicos,
sistema propulsor, asas, trem-de-pouso, empenagens horizontais e verticais, interior,
fuselagens, etc. O estudo cita o exemplo dos motores, que representam 25% a 40%
do custo de produção de uma aeronave, envolvendo alto grau de complexidade
tecnológica e possuindo escala de produção limitada. O custo de desenvolvimento
de um novo motor costuma ser da mesma ordem de grandeza do projeto do avião
que o utilizará.
Panhoca (2000) define o risco de um empreendimento aeronáutico como a
probabilidade de insucesso, que poderá afetar o patrimônio líquido da empresa, ou o
perigo iminente e relevante de uma perda contingencial irrecuperável, devido à
probabilidade de ocorrência de um evento indesejado, tanto na fase de engenharia e
desenvolvimento como na de manufatura do produto. Para o autor, quanto maior for
a exigência com relação ao patamar tecnológico, mais difícil será estimar o risco e
prever suas contingências. Os altos montantes de recursos envolvidos no setor
fazem com que, na indústria de fabricação de aeronaves, os riscos sejam
qualificados como críticos ou graves, no mínimo moderados, mas jamais pequenos
ou desprezíveis.
Por sua vez, para Goldstein (2002) a estratégia de firmar parceiras de risco
não apenas reduz custos e riscos, mas também, ao reduzir o número de
fornecedores e melhorar a logística, permite às empresas fabricantes de aeronaves
concentrarem-se naquilo que fazem melhor, ou seja, design, marketing, prestação
de serviços e montagem final da aeronave.
55
Atualmente, os fabricantes vêm tentando levar esta estratégia de
compartilhamento de risco ao extremo, como no caso da Boeing e seu programa
7E7 (atualmente denominado 787 Dreamliner), produzido com maior percentual de
materiais compostos que as aeronaves atuais e aerodinâmica de última geração. De
acordo com Bowermaster (2003), a Boeing propôs aos potenciais parceiros de
compartilhamento de risco que projetassem, construíssem e integrassem os
componentes da aeronave, absorvendo todos os custos não-recorrentes de
desenvolvimento, projeto e fabricação dos subsistemas. A Boeing, portanto, atuaria
como integrador de sistema, produzindo somente a montagem final (de três dias de
duração), em que conectaria quatro seções da aeronave, os motores e o interior do
avião, todos desenvolvidos por parceiros de compartilhamento de risco.
O modelo de parceria de compartilhamento de risco proposto pela Boeing
acabou colocando muita pressão em vários potenciais parceiros, que ficariam com
quase todo o risco do projeto para si, deixando grande parte dos potenciais lucros
para a Boeing. Certamente, a proposta de lançar o 7E7 (ou 787) foi bastante
arrojada e revolucionária desde sua concepção. De acordo com Pritchard &
MacPherson (2004a), isto se deu por duas razões principais: primeiramente, a
Boeing demandou que os parceiros de compartilhamento de risco absorvessem
todos os custos não-recorrentes, ao contrário de parte destes; em segundo lugar, a
Boeing exigiu dos parceiros que produzissem estruturas aeronáuticas de enorme
complexibilidade tecnológica, além dos patamares tecnológicos atuais destes
fornecedores, o que exigiria maiores investimentos por parte deles.
Para Andersen et al (1998), o número de parcerias de compartilhamento de
risco vem crescendo em toda a indústria aeronáutica. Cada parceiro assume uma
parte do risco financeiro do projeto e da produção da aeronave e, em alguns casos,
os parceiros podem trabalhar em conjunto como uma única organização (joint
venture) para um determinado programa. De acordo com March (1989), parceiros de
compartilhamento de risco podem preencher lacunas em linhas de produção e
também podem ser fundamentais no desenvolvimento conjunto de tecnologia crítica
para gerar vantagens competitivas.
Um benefício significativo do uso de compartilhamento de risco é o fato do
fabricante de aeronaves poder adiar uma parte de seus custos de produção. Via de
56
regra, os fornecedores recuperam custos não-recorrentes de saída e os custos
unitários na medida em que entregam os componentes ao fabricante de aeronaves.
os parceiros no compartilhamento do risco usam um mecanismo de pró-rateio de
todos os investimentos sobre um número pré-determinado de aeronaves. Caso as
vendas excedam este número, o fornecedor que compartilhou o risco recupera seus
custos e tem um lucro adicional. Se a meta não é atingida, o parceiro deve absorver
uma parte dos custos não-recorrentes.
A maior parte do capital requerido dos fornecedores para parcerias de
compartilhamento de risco é usada para investimentos antes do início do
desenvolvimento do programa (up-front) e pode ser considerado custo afundado. O
capital pode ser utilizado para vários propósitos, como adquirir ou desenvolver novos
bens de capital para a produção, gerenciar a própria cadeia de fornecimentos,
conduzir P&D, treinar funcionários e investir em nova infra-estrutura. Fornecedores
de estruturas aeronáuticas estabelecidos normalmente possuem um rating de crédito
melhor e mais acesso a capital de baixo custo que os novos entrantes, o que faz
daqueles melhores parceiros de compartilhamento de risco que estes últimos, cujo
acesso a capital barato é mais limitado.
Ao mesmo tempo, subsídios governamentais também podem contribuir para a
habilidade de uma empresa fabricante de estruturas aeronáuticas em levantar capital
e participar de parcerias de compartilhamento de risco. Tais subsídios podem
acontecer sob a forma de empréstimos a baixas taxas de juros ou linhas de crédito
destinadas a P&D que possibilitem a aquisição de equipamentos novos e
tecnologicamente mais avançados. Assim, argumentam Andersen et al (1998), o
suporte governamental, da mesma forma que na indústria de fabricantes de
aeronaves, pode subsidiar altos investimentos de fabricantes de estruturas
aeronáuticas e permitir às mesmas o oferecimento de menores preços aos seus
clientes, os fabricantes de aeronaves.
Por outro lado, as parcerias de compartilhamento de risco fazem com que os
fornecedores trabalhem em conjunto com o fabricante de aeronaves no
desenvolvimento do produto desde as etapas iniciais, como o planejamento,
tornando-os familiares às maiores necessidades de seus clientes e, principalmente,
aprimorando a capacidade de desenvolver P&D. A aquisição destas habilidades
57
através das parcerias de compartilhamento de risco gera um ciclo virtuoso, pois, por
estarem mais habilitados, tais fornecedores saem em vantagem em outros contratos
com o mesmo fabricante de aeronaves ou mesmo com outros. Por exemplo, a
prática da Airbus de delegar mais responsabilidades de projeto a seus
subcontratados do que a Boeing pode ter levado a uma melhora da capacidade
técnica e competitividade dos fornecedores da empresa européia vis-à-vis os
fornecedores da empresa norte-americana. A consultoria A.T. Kearney (2003)
concorda com esta afirmação, defendendo que as parcerias de compartilhamento de
risco deram à Airbus maior vantagem sobre a Boeing nos últimos anos, através da
terceirização modular, que permite à empresa européia o desenvolvimento
simultâneo de vários diferentes modelos e redução dos custos de desenvolvimento.
A consultoria, entretanto, nota que os regulamentos contábeis modificados nos
últimos anos devido aos recentes escândalos com as finanças de grandes empresas
forçam as empresas fabricantes de aeronaves a declarar os benefícios de parcerias
de compartilhamento de risco num menor número de anos que anteriormente, o que
limita um dos principais benefícios das parcerias e pode restringir o desenvolvimento
futuro de tais acordos.
Adicionalmente, Andersen et al (1998) citam que os fornecedores estão em
melhor posição para gerenciarem seus custos quando se encontram envolvidos nas
fases de P&D e projeto. Visto que uma forte tendência no sentido dos fabricantes
de aeronaves exigirem menores preços unitários para pedidos de maior volume, os
fornecedores que atuam em parcerias de compartilhamento de risco e têm maior
controle sobre seus custos podem manter mais eficazmente suas margens de
lucratividade em patamares mais altos.
De maneira geral, os fabricantes norte-americanos de estruturas aeronáuticas
estão em desvantagem em relação aos seus competidores europeus e asiáticos no
que diz respeito a parcerias de compartilhamento de risco com produtores de
aeronaves. Isto acontece porque as empresas norte-americanas não participaram
tanto de parcerias de compartilhamento de risco como seus competidores europeus
e asiáticos. Por exemplo, em 1970, a própria Airbus foi criada como uma parceria de
compartilhamento de risco entre companhias da Alemanha e da França
(posteriormente seguidas por membros da Espanha e da Grã-Bretanha), sendo que
cada companhia compartilhava o risco com as outras através do desenvolvimento de
58
partes específicas dos novos programas Airbus (ANDERSEN ET AL, 1993, 2001). A
Airbus manteve e aprofundou sua estratégia de utilizar parcerias de
compartilhamento de risco nos anos 80 e 90 com vários de seus fornecedores.
a Boeing realizou as suas primeiras parcerias de compartilhamento de
risco tardiamente e de forma muito tímida. Apesar de ter subcontratado empresas
japonesas em grau elevado desde a década de 60 (ANDERSEN ET AL, 1993),
em 1978, no programa Boeing 767, foi buscado aprofundar as parcerias de
compartilhamento de risco (PRITCHARD & MACPHERSON, 2005). A Boeing
realmente vem cada vez mais forçando seus fornecedores a compartilhar o risco de
seus novos programas e absorver custos não-recorrentes de projeto, engenharia e
aquisição de bens de capital para a produção. No início, a empresa reembolsava os
fornecedores de estruturas aeronáuticas pelos custos incorridos assim que a
primeira aeronave de um novo programa era enviada ao cliente. Agora, os
fornecedores precisam amortizar os custos ao longo de toda a vida útil do programa,
de forma que o risco dos fornecedores tornou-se bem maior, podendo os levar a
grandes prejuízos caso o programa não atinja um determinado nível de vendas.
Agora, segundo Andersen et al (2001), a Boeing possui parcerias de
compartilhamento de risco com seus maiores fornecedores norte-americanos de
estruturas aeronáuticas e tem indicado que pretende utilizar mais este tipo de acordo
no futuro, em seus novos programas.
Segundo a Flight International (2000), a Airbus, notando aquiescência cada
vez maior dos fornecedores norte-americanos em participar de parcerias de
compartilhamento de risco, vem buscando formar parcerias com tais empresas, com
a expectativa de aumentar suas vendas e melhorar sua imagem nos EUA. De
acordo com Ott (2001), a norte-americana Goodrich anunciou acordo com a Airbus
para projeto, fabricação exclusiva e manutenção da estrutura de trem-de-pouso do
programa A380, tornando-se o primeiro parceiro de risco norte-americano da Airbus
para o programa A380. Ainda assim, de acordo com a Flight International (2000) a
pressão por parte do governo norte-americano e da Boeing sobre os fabricantes
norte-americanos de estruturas aeronáuticas é sentida em decisões como a da
Northrop Grumman, que, antes de vender sua unidade de negócios que fabrica
estruturas aeronáuticas para o Carlyle Group, decidiu que não participaria do projeto
59
Airbus A380 como parceiro de compartilhamento de risco, mas somente como
fornecedor tradicional.
De acordo com Andersen et al (2001), vários fornecedores norte-americanos
de estruturas aeronáuticas muitas vezes avaliam como inaceitável o risco envolvido
em participar de determinados projetos na forma de parceiros de compartilhamento
de risco, seja por falta de capacidade financeira ou por experiência limitada em
acordos deste tipo. Isto os deixa em acentuada desvantagem quando comparados
com os fornecedores norte-americanos, europeus e asiáticos capazes de tomar
parte destes acordos. É estimado que, no futuro, os fornecedores deverão ter
receitas anuais de, no mínimo, € 50 milhões a 150 milhões, de forma a poder fazer
frente aos requisitos de investimento de parcerias de compartilhamento de risco com
fabricantes de aeronaves ou motores aeronáuticos (DZIOMBA, 2000). Portanto,
segundo Dziomba (2000), assume-se que pouquíssimos fornecedores de menor
porte terão recursos suficientes para assumir uma posição de parceiro de
compartilhamento de risco em projetos aeronáuticos.
Os fornecedores europeus, no entanto, acostumados a compartilhar o risco
com seu principal cliente, a Airbus, normalmente possuem as habilidades gerenciais
e os recursos financeiros (por vezes subsidiados pelo governo local) para participar
de parcerias de compartilhamento de risco. Além disso, conforme apontado por
Sparaco (2001), a Airbus incentiva e cobra agressivamente de seus fornecedores o
compartilhamento do risco de seus programas, como no recente A380, em que a
empresa oferece cerca de 40% do valor do programa para seus fornecedores, em
troca de investimentos totalizando US$ 1,9 bilhões por parte deles. Vários
fabricantes de estruturas aeronáuticas aceitaram as condições da Airbus e tornaram-
se parceiros de risco no projeto A380 por considerarem que este será a plataforma
do futuro para as aeronaves da empresa, muito embora considerem as condições
estabelecidas pela Airbus para as parcerias de risco como difíceis de suportar. De
acordo com Dupont & Beauclair (2000), com a exceção de alguns poucos
fornecedores de primeira linha, a maioria das empresas é tão dependente da Airbus
que as torna inabilitadas a negociar condições mais justas.
Hoje em dia, a praxe da Airbus é escolher fornecedores que contribuam com
custos não-recorrentes, aceitem risco de taxa de câmbio, possuam produção flexível
60
em termos de volume e prazos e também estejam localizados em países em que a
Airbus planeja vender suas aeronaves (i.e. offsets). Em 2001, a Airbus
subcontratava 45% do trabalho de fabricação das estruturas aeronáuticas em suas
aeronaves, com previsões de ultrapassar 50% em 2003. A Boeing possuía um índice
similar. Esta estratégia permite a estas companhias lidar com os ciclos de mercado –
neste que é um mercado extremamente cíclico – sem ter que aumentar ou diminuir a
capacidade de produção.
A Bombardier, por sua vez, além de ser um grande fabricante de aeronaves
também atua como fornecedor de estruturas aeronáuticas para a Boeing e Airbus,
através de suas fábricas de Montreal e Belfast (Irlanda do Norte), esta última
pertencente à sua subsidiária Short Brothers. O fornecimento de estruturas
aeronáuticas, entretanto, representa somente 4% de suas receitas e está baseado
em contratos de longo prazo firmados entre 1979 e 1996 e de relacionamentos
comerciais de empresas adquiridas pela Bombardier. De acordo com Andersen et al
(2001), o crescimento da divisão aeroespacial da Bombardier reduz o interesse da
companhia em trabalhos adicionais para a Boeing ou Airbus. Isto fica ressaltado
ainda mais na medida em que se sabe que a Bombardier intenciona muito tempo
competir diretamente com a Boeing e a Airbus no segmento de aeronaves com
capacidade maior que 100 passageiros. Desta forma, assim como a Embraer, a
Bombardier vem diminuindo os seus esforços em fabricação de estruturas
aeronáuticas, para focar na fabricação de aeronaves.
Atualmente, os fabricantes canadenses buscam com grande ênfase parcerias
de compartilhamento de risco, embora haja relutância da Boeing em celebrar estes
acordos com tais empresas. A Avcorp é uma das poucas empresas canadenses que
participam de parcerias de compartilhamento de risco, neste caso com a
Bombardier, para o projeto CRJ-700. A Avcorp, assim como a Bombardier, também
produz para a Boeing, embora esta relação de fornecimento seja tradicional e não de
compartilhamento de risco.
As subsidiárias canadenses de empresas européias parecem executar mais
trabalho de projeto e desenvolvimento de estruturas aeronáuticas, o que traz para as
mesmas vantagens na realização de parcerias de compartilhamento risco em
comparação com as subsidiárias canadenses de empresas dos Estados Unidos.
61
as empresas asiáticas que fabricam estruturas aeronáuticas passaram a
destacar-se e expandir-se a partir do advento das parcerias de compartilhamento de
risco. Os principais países produzindo estruturas aeronáuticas são Japão, Coréia do
Sul e China, que também compõem uma grande parte da demanda atual por
aeronaves, tanto regionais como grandes aeronaves. Este fato por si
praticamente determina que os fabricantes de estruturas aeronáuticas destes países
possuirão destaque e continuarão recebendo pedidos da Boeing e da Airbus,
interessadas na demanda de aeronaves esperada. Tal fator de certa forma
contrabalanceia outros, como deficiências tecnológicas, falta de experiência na
produção de sistemas e ineficiência produtiva embora tais fatores venham sendo
reduzidos na medida em que as empresas asiáticas ganham experiência
aeronáutica.
Dentre os três países, o Japão é o que possui a maior indústria de fabricação
de estruturas aeronáutica, bem como o tecnologicamente mais avançado. Tal fato
pode ser creditado ao início da produção de componentes simples (low-tech) ainda
na década de 60. As empresas japonesas, como a Fuji Heavy Industries, Kawasaki
Heavy Industries, Mitsubishi Heavy Industries, Japan Aircraft Manufacturing e
ShinMaywa Industries, apesar de até há pouco tempo não produzirem sistemas
complexos integrados, como asas, seções de fuselagem e trem-de-pouso, alcançam
um nível impressionante de qualidade, sendo os defeitos praticamente inexistentes.
As empresas coreanas produtoras de estruturas aeronáuticas (Daewoo Heavy
Industries, Samsung Aerospace Industries, Hyundai Space & Aircraft and Korean Air,
Aerospace Division), por sua vez, produzem sistemas maiores que as japonesas,
mas com níveis diferentes de sucesso. Tais empresas estão associadas aos
grandes conglomerados coreanos, os chaebols, e normalmente não atuam através
de parcerias de compartilhamento de risco, mas através de contratos build-to-print.
O movimento de consolidação já se iniciou entre os fabricantes coreanos, com as
divisões aeroespaciais da Samsung, Hyundai e Daewoo fundindo-se em 1999 (dois
anos após a crise da Coréia) para formar a Korea Aerospace Industries (KAI).
Já as empresas chinesas fabricantes de estruturas aeronáuticas (Xi’an Aircraft
Co., Shenyang Aircraft Corp., Shanghai Aircraft Manufacturing Factory, and Chengdu
Aircraft Industrial Corp., Aviation Industries of China I, Aviation Industries of China II,
62
entre outras), quase todas de capital estatal, são pequenas em comparação às
empresas japonesas e coreanas. As empresas da China praticamente não
participam de parcerias de compartilhamento de risco e os principais atrativos que
essas companhias têm a oferecer aos fabricantes de aeronaves são os baixos
custos de o-de-obra e a possibilidade de vendas sob a forma de offset num
mercado de gigantesco potencial, que o transporte aéreo na China cresce a taxas
muito maiores que a mundial e o Governo controla tanto fabricantes de estruturas
aeronáuticas como linhas aéreas chinesas. Ou seja, poderia vir a favorecer parceiros
de companhias estatais chinesas em licitações de venda de aeronaves.
De maneira geral, as empresas asiáticas, com apoio de seus governos,
assumem uma posição extremamente receptiva a parcerias de compartilhamento de
risco com os produtores de aeronaves, com benefícios visíveis no desenvolvimento
de capacidade de projeto e fabricação através de transferência de tecnologia. Até
agora, as indústrias japonesas e, em menor escala, coreanas, fizeram parcerias
de compartilhamento de risco com fabricantes de aeronaves e provavelmente
continuarão a fazer em maior escala, enquanto as empresas chinesas lutam contra
falta de know-how tecnológico e de capital para financiar as parcerias.
O Japão vem crescentemente aumentando o número de parcerias de
compartilhamento de risco nos últimos anos e aumentando suas responsabilidades
sob a produção de estruturas aeronáuticas complexas. Para MacKnight (1995), o
primeiro contrato de parceria de compartilhamento de risco entre uma empresa
japonesa e um fabricante de aeronaves estrangeiro deu-se em 1978, quando firmas
japonesas absorveram US$ 343 milhões em custos de pré-produção e investimentos
em infra-estrutura e assumiram responsabilidade na produção de 15% de um
determinado número de aeronaves Boeing 767 acordo que, aliás, deu prejuízo
para as empresas japonesas, devido à apreciação do iene frente ao dólar durante a
vigência da parceria. Outro acordo significativo entre a Boeing e empresas
japonesas foi acertado em 1991, com os fabricantes de estruturas aeronáuticas
comprometendo-se a desenvolver e produzir cerca de 20% das estruturas do Boeing
777 por toda a vida do programa.
Mais recentemente, de acordo com Aviation Week & Space Technology
(2000), os fabricantes japoneses celebraram uma parceria de compartilhamento de
63
risco com a Boeing para desenvolvimento de versões de longo alcance do Boeing
777. Além disso, segundo Jasper (2000), também foi celebrada parceria de
compartilhamento de risco para projeto e manufatura de 20% do Boeing 747X,
inclusive a asa, num investimento estimado de US$ 1 bilhão.
as empresas coreanas limitaram-se a participar em parcerias de
compartilhamento de risco somente no programa Boeing 717, mas estão em
discussões para estabelecer parcerias deste tipo em outros programas.
De acordo com Andersen et al (1998), o medo de transferência tecnológica
resultante de parcerias de compartilhamento de risco é razoavelmente exagerado,
pois o produtor de aeronaves controla todo o processo de colaboração. Fontes da
indústria citam o fato de que a informação compartilhada com empresas asiáticas é
obsoleta, com os principais projetos e técnicas de manufatura sendo mantidos in-
house pelas firmas fabricantes de aeronaves. Para MacKnight (1995), normalmente
as informações são passadas para o parceiro de acordo com a necessidade
(need-to-know basis). Engenheiros do parceiro produtor de estruturas aeronáuticas
também possuem acesso limitado às instalações e aos sistemas do parceiro
fabricante da aeronave. Outra estratégia utilizada pelas empresas fabricantes de
aeronaves é celebrar acordos de compartilhamento de risco com base no
fornecimento de sistemas e estruturas para aeronaves antigas. Mais
especificamente, a Boeing celebrou um desses acordos com empresas coreanas
para prover estruturas para o Boeing 717, uma aeronave cujo projeto possui mais de
30 anos. Assim, quase nenhum conhecimento tecnológico atualizado ou experiência
de manufatura foi repassado ao parceiro.
Pritchard & MacPherson (2004b) não concordam muito com tais
afirmações. Para estes autores, embora as parcerias de compartilhamento de risco
representem uma estratégia lógica sob o ponto de vista financeiro, o perigo em
potencial é que subcontratados estrangeiros e/ou parceiros de compartilhamento de
risco recebam infusão direta de tecnologia e conhecimento tácito do integrador de
sistemas (pois de outra forma a estratégia o funcionaria). Preocupados com o
grau de transferência tecnológica das empresas norte-americanas para as
estrangeiras, os autores também defendem que tal fenômeno levanta uma questão
muito importante para os analistas de políticas comerciais e acadêmicos
64
preocupados com a competitividade industrial norte-americana: especificamente, até
que ponto esta transferência de tecnologia para empresas estrangeiras representa
uma boa estratégia no que diz respeito aos efeitos econômico-industriais de longo
prazo?
Ainda assim, apesar dos entraves postos pelas empresas fabricantes de
aeronaves, as empresas asiáticas fabricantes de estruturas aeronáuticas continuam
demonstrando interesse em participar de parcerias de compartilhamento de risco e,
embora a transferência tecnológica não seja extensa, tais companhias podem
assegurar através destes acordos um nível satisfatório de produção e acumular
alguma experiência em manufatura e familiaridade em projeto de aeronaves.
No caso específico da transferência de tecnologia do Boeing 717 para
empresas coreanas, Pritchard & MacPherson (2004b) citam que o acordo
proporcionou rapidamente (cerca de 2 anos) à coreana Hyundai o conhecimento de
engenharia e as especificações técnicas requeridas para a construção das asas,
uma das estruturas mais importantes de uma aeronave, cujas técnicas de fabricação
são consideradas core technology pelos fabricantes de aeronaves.
Como pode ser notado, a questão da transferência tecnológica resultante de
parcerias de compartilhamento de risco ainda não está bem equacionada: alguns
autores a consideram um risco muito grande, outros consideram que a tecnologia
transferida é obsoleta e dificilmente poderia gerar um novo competidor.
Como visto acima, uma das grandes motivações para a geração de parcerias
de compartilhamento de risco por parte dos grandes fabricantes do setor de
construção de aeronaves é a possibilidade de repassar atividades de menor valor
agregado para seus fornecedores/parceiros e concentrar seus esforços nas
atividades de maior valor agregado, como o projeto, coordenação do pool de
parceiros, montagem final da aeronave, ações de marketing, vendas e serviços de
atendimento pós-venda aos clientes. Estas são as atividades mais nobres da
indústria não para a Embraer, mas para os outros fabricantes de aeronaves,
sendo consideradas competências chave. Assim, faz-se necessário uma
compreensão mais aprofundada das competências chave de uma organização à luz
65
da literatura acadêmica sobre o assunto, o que será feito em detalhe nesta próxima
seção.
2.3 COMPETÊNCIAS CHAVE
Nos anos 90, a literatura de administração de empresas começou a enfatizar
que uma organização cercada por limites e restrições das mais variadas origens, em
particular financeiros e de tempo dos gestores, deveria focar estrategicamente em
suas competências chave. Tal conceito ganhou destaque quando desenvolvido por
Prahalad & Hamel (1990), muito embora seja uma idéia presente em vários
trabalhos anteriores de outros autores. Prahalad & Hamel descrevem as
competências chave como o aprendizado coletivo da organização, em especial na
forma de coordenar habilidades de produção diversas e integrar correntes múltiplas
de tecnologia. A excelência em poucas competências chave seria a fonte de
vantagem competitiva para as organizações.
De acordo com estudo da RAND Corporation de Pint & Baldwin (1997), as
competências chave devem ser limitadas a duas ou três atividades mais críticas para
o sucesso futuro da organização. Tais atividades devem ser definidas pela alta
gestão, fazendo com que passem a ser definidas como competências chave ou o,
neste último caso abrindo a possibilidade de analisar a viabilidade de terceirização.
Para os autores, o foco em poucas competências chave internamente retidas
permite trabalhar mais eficazmente para evitar que os competidores aprendam,
tomem, erodam ou ultrapassem tais competências. Focando num número menor de
atividades, os resultados da organização em campos selecionados tornar-se-iam
incrivelmente difíceis de serem superados pelos competidores, de forma que o foco
em atividades específicas pode gerar diferenciais de desempenho.
Quinn & Hilmer (1994) destacam várias características das competências
chave, que podem, segundo os autores, serem consideradas como:
Conjunto de habilidades ou conhecimento que atravessam as principais
funções corporativas e permitem à organização obter um desempenho
66
consistentemente melhor que seus competidores em determinada
atividade;
Plataformas de longo prazo flexíveis (ao invés de produtos ou serviços
específicos), que são capazes de adaptação ou evolução para atender as
necessidades do cliente ao longo do tempo;
Fontes de valor únicas, que o difíceis de duplicar e nas quais
investimentos em recursos intelectuais possuirão maior retorno;
Atividades em que a organização é um líder de mercado e pode focar
seus recursos financeiros e gerenciais para manter a liderança;
Elementos que se relacionam diretamente com a compreensão de
padrões de comportamento dos consumidores e o serviço aos mesmos,
que a organização pode proporcionar a menor custo ou mais
eficientemente; e
Atividades que estão infiltradas nos valores, estruturas e sistemas
gerenciais da organização não dependendo da ação de poucos
indivíduos de talento.
Devido ao fato que gerentes seniores podem não dedicar tanta atenção a
atividades consideradas não essenciais, serviços internos e atividades de suporte
são por muitas vezes considerados dispensáveis pelas empresas, criando a
presunção de que a terceirização para as competências consideradas o
essenciais pode ser uma alternativa viável para ganhar acesso a serviços de melhor
qualidade para tais funções e melhor desempenho corporativo.
2.3.1 Relação entre redução de custos e foco em competências chave
Uma vez que foram identificadas atividades consideradas não essenciais com
potencial para terceirização, a organização deve determinar o que espera atingir
com a decisão de transferir responsabilidade para terceiros. Vários autores
enfatizam que os menores custos não devem ser o único objetivo da terceirização.
Por exemplo, Corbett (1995) lista as seguintes metas:
67
Melhorar o foco do negócio através da redução dos recursos da empresa
(principalmente gerenciais) destinados a atividades não essenciais;
Ganhar acesso a serviços de maior qualidade (inclusive investimentos em
tecnologia, metodologias e pessoal) de empresas cujas competências
chave são o provimento de atividade terceirizada;
Acelerar os esforços de reengenharia para reduzir ciclos e melhorar a
qualidade através de um provedor que já possui padrões de excelência
em determinado processo;
Compartilhar os riscos com os parceiros terceirizados, através do
investimento destes em tecnologia, diluído em seus múltiplos contratos;
Reduzir custos operacionais através do contrato de um terceiro que pode
atingir economias de escala e outras vantagens de custo baseadas na
especialização;
Converter o investimento de capital para funções não essenciais em
custos operacionais e focar os investimentos nas competências chave; e
Ganhar maior controle sobre uma função sendo executada in-house que
não está atingindo o desempenho esperado ou as expectativas dos
clientes.
As metas e prioridades das organizações que tomam decisões de
terceirização determinarão os critérios mais importantes para seleção de
fornecedores, elaboração do contrato e monitoramento de desempenho.
O desenvolvimento e uso de competências chave para criar vantagem
competitiva vem sendo amplamente utilizado em diversas indústrias. Tais
competências vêm sendo criadas através do rearranjo de habilidades dos
funcionários, de ativos organizacionais, de processos e tecnologias, de forma a
proporcionar mais benefícios para os consumidores do que os competidores
normalmente oferecem.
68
De acordo com Grant (1991), recentemente houve um ressurgimento no
interesse pelo papel dos recursos da firma como base para a sua estratégia. Para
Prahalad & Hamel (1994), competências chave são vitais para o desenvolvimento de
novos produtos no futuro no ritmo demandados pelos mercados. São as “raízes” da
competitividade enquanto os produtos e serviços individuais seriam os “frutos”. Para
estes autores, todo time de alta gestão está competindo não para proteger a
posição da empresa nos mercados existentes, mas para posicioná-la de forma a
obter sucesso em novos mercados. Assim, concluem Prahalad & Hamel (1994), os
gestores que falhem na tarefa de construir e gerar competências chave estão
inadvertidamente hipotecando o futuro da companhia.
Foram criados vários métodos, classificações e frameworks para analisar
quais são os recursos internos e as competências chave de uma companhia, mas as
informações a respeito de como são desenvolvidos e o impacto financeiro nas firmas
ainda é muito incipiente.
Examinando a literatura, também se nota que vários termos para as
habilidades de uma organização que constituem as competências chave. Não
consenso na terminologia, o que faz com que alguns autores prefiram os termos
competência distintiva (SELZNICK, 1957; SNOW & HREBINIAK, 1980), capacidades
organizacionais (ULRICH, 1987; COLLIS, 1994) ou competências chave
(PRAHALAD & HAMEL, 1990). Por terem popularizado o termo além do patamar
atingido pelos seus antecessores, usa-se neste estudo a expressão de Prahalad &
Hamel (1990), embora os termos sejam sinônimos e possam ser definidos como o
conjunto de habilidades diferenciadas, ativos complementares e rotinas que
proporcionam a base para a capacidade competitiva e a vantagem sustentável de
uma firma.
A característica em comum entre a maioria dos estudos é que as
competências chave são internas à organização e são atividades ou processos que
a organização executa bem. Mas outras características definidas por
pesquisadores que variam dependendo do estudo. As várias características, quando
estudadas, parecem sugerir que as competências chave são algo muito intrínseco
(ou seja, produzido dentro da organização e afetado por suas características e
experiências) e interno (não facilmente visível ou compreendido por pessoas
69
externas à organização). Há, entretanto, pouca evidência conclusiva de que as
competências chave proporcionam vantagem competitiva. As principais
características das competências chave podem ser identificadas através do
construto a seguir.
2.3.2 Características das competências chave de acordo com a literatura
Da literatura acadêmica, depreende-se que as competências chave
caracterizam-se por serem:
Raras (BARNEY, 1986, 1991, 1997);
Não imitáveis, sem possibilidade de transferência ou replicação (BARNEY
1986, 1991; DIERICKX & COOL, 1989; PRAHALAD & HAMEL, 1990;
GRANT, 1991; TAMPOE, 1994);
Adicionadoras de valor significativo ao produto ou serviço (BARNEY,
1986, 1991, 1997; SYNDER & EBELING, 1992; GRANT, 1991; TAMPOE,
1994);
Possuidoras de potencial para dar suporte a múltiplos produtos ou
serviços (PRAHALAD & HAMEL, 1990; SYNDER & EBELING, 1992);
Representativas de uma capacidade única que produz vantagem
competitiva duradoura (SYNDER & EBELING, 1992; TAMPOE, 1994);
Essenciais para a sobrevivência corporativa (TAMPOE, 1994);
Invisíveis aos competidores (TAMPOE, 1994);
Maiores que a competência de um indivíduo (TAMPOE, 1994);
Essenciais para a visão estratégica e as decisões da organização
(TAMPOE, 1994);
Em número limitado em cada organização (TAMPOE, 1994);
70
Duráveis (GRANT, 1991); e
Diferentemente manifestadas em cada organização (TURNER &
CRAWFORD, 1991).
Selznick (1957) defendeu que as competências chave e as limitações de uma
organização surgem na medida em que ela desenvolve-se. Essas competências e
limitações são intrínsecas à organização e duas organizações nunca desenvolveriam
as mesmas competências e limitações, mesmo partindo das mesmas condições de
ambiente, pessoal e escolhas estratégicas, entre outros fatores.
2.3.3 Competências chave e vantagem competitiva
Hofer & Schendel (1978) foram os primeiros a estabelecer a ligação entre
vantagem competitiva e competências chave. Para os autores, vantagem
competitiva é a posição única que uma organização desenvolve vis-à-vis seus
competidores através de um padrão de disposição dos seus recursos. Para avaliar
oportunidades e ameaças existentes, uma empresa deveria, portanto, comparar o
perfil de seus recursos com os fatores críticos de sucesso dos segmentos em que
compete. Examinando a teoria destes autores, sobra a impressão de que os
recursos contribuem para a vantagem competitiva se são fortes e estão
apropriadamente posicionados. Para tanto, os gestores devem estar conscientes de
quais recursos são estes, que devem estar desenvolvidos e fazendo parte da
estratégia da empresa.
2.3.4 Implementação e sinalização de alocação de recursos
Uma vez que as competências chave tenham sido identificadas, as
organizações devem investir nas mesmas (PRAHALAD & HAMEL, 1990; STALK ET
AL, 1992; COLLIS & MONTGOMERY, 1995) e alimentá-las (TAMPOE, 1994).
Também vale ressaltar que habilidades e recursos únicos não se traduzem
automaticamente em vantagens competitivas. O desenvolvimento, investimento e
reavaliação constante destes recursos é que proporciona retorno superior e
vantagem competitiva (BHARADWAJ ET AL, 1993).
71
As vantagens competitivas são extremamente dependentes da qualidade da
gestão. A habilidade dos gestores de juntar, relacionar e aplicar seus recursos
rapidamente é crucial para a formação de vantagem competitiva (DOZ &
PRAHALAD, 1988). De acordo com Castanias & Helfat (1991), as habilidades da alta
gestão afetam a estrutura, sistemas, iniciativas estratégicas, cultura e relações. Para
Barney (1986), a cultura afeta diretamente o desenvolvimento de competências e
ajuda a definir algumas das características das competências chave: difíceis de
serem imitadas, raras e de grande valor. Os gestores afetam e perpetuam a cultura
de uma organização através de suas práticas. de acordo com Lado et al (1992),
as competências são desenvolvidas através das decisões e ações dos líderes.
Embora a literatura aborde em profundidade o papel e a responsabilidade dos
gestores na identificação, desenvolvimento, implementação e disposição das
competências chave, houve poucos esforços para delinear como este processo
ocorre.
De acordo com Chabert (1998), alguns dos principais fatores na alocação,
desenvolvimento e implementação de recursos são:
Existência de plano para investimento de capital no desenvolvimento de
competências;
Existência de um sistema de rastreamento para as competências e para
as pessoas associadas com certas habilidades;
Ação dos gestores buscando reunir, organizar, relacionar e alinhar os
recursos;
Ação dos gestores buscando reavaliar as competências chave;
Ação dos gestores buscando sinalizar aos membros da organização quais
competências são importantes; e
Ação dos gestores no sentido de desenvolver um sistema para avaliar o
retorno financeiro dos recursos aplicados.
72
2.4 FRAMEWORK PARA ANÁLISE DE ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA EMBRAER
Tendo analisado todo o arcabouço acadêmico acima, de fundamental
importância para o tema deste trabalho, faz-se necessário apresentar o framework
que será utilizado para análise do caso Embraer.
Ao framework de Barney (1991), que apresenta a relação dos recursos da
firma com a geração de vantagem competitiva sustentável, será acoplada a ligação
que existe entre as alianças estratégicas e os três tipos de recursos propostos pelo
autor. Assim, espera-se compreender de que forma as alianças estratégicas afetam
e afetaram os recursos da Embraer, de forma a gerar vantagens competitivas
sustentáveis para a empresa. A figura a seguir apresenta o framework de forma mais
clara:
Alianças
estratégicas
Vantagem
competitiva
sustentável
Recursos
• Físicos
Tecnologia
Fábricas e equipamentos
Localização geográfica
Matérias primas
Capital
• Humanos
Treinamento
Experiência
Conhecimento técnico
Relações
Insights individuais
• Organizacionais
Estrutura hierárquica formal
Práticas gerenciais
Planejamento formal e informal
Sistemas de controle e coordenação
Relações informais
Cultura
• Valioso
• Raro
• Imperfeitamente imitável
• Impossível de ser substituído
Atributos dos Recursos
Figura 5 – Framework para análise de alianças estratégicas como fontes geradoras de
vantagens competitivas sustentáveis (Adaptado de BARNEY, 1991)
73
3 O CASO EMBRAER
3.1 A INDÚSTRIA AERONÁUTICA MUNDIAL
Uma vez compreendidos os fundamentos teórico-conceituais da literatura de
gestão apresentados acima, deve-se aprofundar o conhecimento sobre a empresa
analisada neste estudo de caso. Para isto é necessário antes analisar as
características da indústria aeronáutica, um subconjunto da indústria aeroespacial.
A indústria aeroespacial é um dos setores econômicos mais dinâmicos e de
grande importância para os países e empresas. Isto se deve a uma série de fatores,
tais como: tamanho do mercado, geração de empregos diretos e indiretos, facilitação
das atividades econômicas através do transporte de passageiros em larga escala,
questões de segurança nacional, desenvolvimento de tecnologia de ponta, entre
outros. Compõem a indústria aeroespacial os seguintes segmentos:
Indústria de mísseis;
Indústria de veículos espaciais; e
Indústria aeronáutica:
- Fabricação de motores (grupos motopropulsores);
- Fabricação de aviônicos;
- Fabricação de aeronaves:
i. Fabricação de aeronaves militares:
1. Aeronaves militares de treinamento;
2. Caças;
3. Bombardeiros;
4. Aeronaves de patrulha e sensoriamento remoto;
5. Helicópteros;
74
ii. Fabricação de aeronaves civis:
1. Aeronaves de pequeno porte:
a. Aeronaves de treinamento;
b. Aeronaves executivas;
c. Aviação geral (agrícola, esportiva, etc.);
2. Aeronaves de médio porte (regional aircraft):
a. Aeronaves de 10-20 lugares;
b. Aeronaves de 20-45 lugares;
c. Aeronaves de 45-120 lugares;
3. Aeronaves de grande porte (wide-body);
4. Helicópteros.
Este capítulo limita seu escopo à indústria aeronáutica, por ser a única das
indústrias descritas acima em que a Embraer atua de fato.
De acordo com estudo de Coutinho et al (1993), a indústria aeronáutica
atende a dois mercados, civil e militar, com dinâmicas competitivas bastante
diferenciadas. Segundo o estudo, para aeronaves militares, à semelhança do que
ocorre nos demais segmentos da indústria de armamentos, é o desempenho do
produto que orienta as decisões de aquisição, sendo a capacidade de inovação
fortemente influenciada por fatores externos à empresa. A diferenciação do produto
e a segmentação de mercado são estratégias inerentes ao setor de armamentos. Ao
contrário do que se verifica no mercado civil, onde as decisões de compra o
tomadas por companhias, o Estado é, no mercado militar, o único comprador.
Ainda segundo Coutinho et al (1993), a motivação estratégico-militar
determina a criação e manutenção do setor de fabricação de aeronaves. Além disso,
tal setor é considerado por muitos países uma locomotiva tecnológica, tendo em
vista os desdobramentos do desenvolvimento de alta tecnologia, que possuem
75
aplicação em vários outros setores industriais. Nos países da OECD (Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, da sigla em inglês), com
exceção do Japão, o governo financia entre 30 e 70% dos gastos de P&D das
empresas do setor aeroespacial. Por fim, o setor gera empregos de alta qualificação.
Entre as principais características da indústria aeronáutica, ou de fabricação
de aeronaves, tanto civis como militares, podem ser citadas:
Necessidade de atender a rígidos padrões de qualidade, desempenho e
confiabilidade;
Elevado valor unitário e alto valor agregado;
Grande parte da produção se dá por encomendas;
Ciclo de vida do produto relativamente alto; e
Custos elevados e crescentes de desenvolvimento tecnológico.
As considerações a seguir sobre a indústria aeronáutica têm por objetivo
fornecer elementos mais precisos para compreensão da trajetória percorrida pela
Embraer desde sua fundação e seu posicionamento nos dias atuais. Para Bernardes
(2000b), apesar das singularidades deste mercado nos últimos anos, com
intensificação da globalização, reestruturação produtiva e aceleração do progresso
técnico, tem-se presenciado a imposição das grandes tendências de competição,
alterando a lógica de funcionamento do setor e exigindo mudanças drásticas nas
formas de produção, financiamento e organização empresarial. De acordo com o
autor, tornou-se imperativa para a sobrevivência no setor a adoção de critérios tais
como o controle de custos, a flexibilidade, a integração e a busca frenética por
alianças estratégicas.
As reduções de gastos militares decorrentes do final da Guerra Fria e a
recessão do mercado de transporte aéreo civil nos anos 90 gerou intensa
competitividade no setor aeronáutico e pressões dos clientes sobre as empresas
produtoras de aeronaves civis e militares, motivando um profundo processo de
reestruturação produtiva e patrimonial. Tal processo culminou na formação de ondas
de incorporações, aquisições, fusões e alianças estratégicas.
76
de acordo com Bernardes (2000a), as indústrias aeroespacial e
aeronáutica são caracterizadas pela alta densidade tecnológica e montantes
vultosos de investimentos efetuados em P&D pura, básica e aplicada. O
desenvolvimento e os grandes avanços do setor foram impulsionados no início pelo
surgimento da aviação comercial e, em grande parte, pela ocorrência da I e II
Guerras Mundiais e da Guerra Fria.
Dado o alto impacto na força militar e nos rumos de desenvolvimento
tecnológico de um país, a tecnologia aeroespacial é considerada estratégica pelos
países que a detêm, sendo extremamente incentivada e controlada pelos governos
através da organização de apoios institucionais e políticas de promoção de
exportações (por exemplo, subsídios no financiamento) e de aumento de
competitividade.
Os governos também atuam ativamente na proteção das indústrias
aeroespaciais instaladas em seus países através das políticas de compras
governamentais, dando preferência a empresas que geram empregos, tecnologia e
desenvolvimento internamente. Tais políticas são especialmente importantes para o
segmento de aviação militar. Alguns governos como os dos EUA e do Reino Unido
simplesmente se recusam a adquirir aeronaves militares de empresas que não
tenham estabelecido operações em seus países.
Como visto anteriormente, a indústria aeronáutica pode ser organizada em
três grandes grupos de empresas especializadas em segmentos distintos:
Fabricantes de aeronaves ou da estrutura aeronáutica per se (também
conhecida por célula ou, equivocadamente, por fuselagem);
Fabricantes de motores (também conhecido por grupo motopropulsor); e
Fabricantes de aviônicos, que vêm a ser os sistemas eletrônicos das
aeronaves.
De acordo com Panhoca (1995), os fabricantes e montadores de células o
os principais aglutinadores da cadeia produtiva do setor aeronáutico, sendo
responsáveis pelo estudo e desenvolvimento do aparelho, da integração do produto
77
final e de sua comercialização. Trata-se, portanto, da atividade mais nobre da cadeia
em toda a indústria. Dar-se-á um enforque maior acerca deste segmento adiante.
o segmento de motores caracteriza-se por ser um oligopsônio globalizado
(poucos vendedores e poucos compradores) composto pelos seguintes fabricantes:
General Electric (EUA), Pratt & Whitney (EUA e Canadá) e Rolls-Royce (Inglaterra)
e, em menor escala, a Snecma (França). Este segmento de mercado caracteriza-se
por possuir elevadas barreiras de entrada decorrentes do alto grau de complexidade
tecnológica e do montante exigido para o desenvolvimento de um motor, por muitas
vezes da mesma ordem de grandeza do desenvolvimento de um avião. Segundo
Bernardes (2000a), cada uma das três grandes empresas está vinculada a um
parceiro transatlântico: a GE possui uma joint venture bem-sucedida com a Snecma,
a Pratt & Whitney mantém aliança com a DASA (Daimler-Benz Aerospace) e a Rolls-
Royce adquiriu a Allison (EUA) e foi adquirida pela BMW (Alemanha).
Por fim, o setor de fabricantes de aviônicos caracteriza-se pela fragmentação
e atomização de milhares de empresas de pequeno e médio porte, ao contrário dos
setores de fabricantes de células e motores, que são verdadeiros oligopsônios
(poucos vendedores e poucos compradores). Segundo Panhoca (1995), em muitos
casos os fabricantes de aviônicos são divisões de grandes complexos eletrônicos
como a ITT, RCA, Bendix, Philips, Siemens, Thomson (atual Thales) e Garmin. Ao
contrário dos motores, muitas vezes desenvolvidos especificamente para uma
determinada aeronave, uma boa parte dos sistemas aviônicos não é projetada para
atender a uma determinada aeronave, mas podendo ser utilizada em várias delas.
Assim como os fabricantes de motores, os produtores de aviônicos costumam fazer
acordos comerciais ou de cooperação com os grandes construtores de aeronaves e
também com os clientes finais (empresas aéreas e forças aéreas).
De acordo com o estudo do MDIC (2002), a figura a seguir representa os
principais grupos constituintes da cadeia produtiva da indústria aeronáutica,
ressaltando a interação das atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre todos
os elos da cadeia:
78
Figura 6 – Cadeia produtiva da indústria aeronáutica (MDIC, 2002)
O mercado civil também se caracteriza pelo alto valor unitário e adicionado
dos produtos e séries de fabricação relativamente reduzidas, possuindo alto ciclo de
vida (entre 10 a 15 anos nos países mais ricos e uma sobrevida em países mais
pobres). Outro detalhe importante no mercado civil é a assistência técnica e os
serviços de suporte pós-venda oferecidos pelos fabricantes.
Quando comparado à aviação militar, o setor civil caracteriza-se por ser
relativamente conservador, uma vez que não normalmente inovações radicais,
mas incrementais e em torno de três critérios básicos: segurança, conforto e custos
operacionais. O lançamento de qualquer aeronave civil é direcionado para o
mercado internacional. A Europa contém aproximadamente 20% do mercado global
de aviação civil, os EUA 50% e os 30% restantes correspondem ao resto do mundo.
Outras características do setor civil atualmente, conforme descritas por
Bernardes (2000c), são apresentadas no quadro a seguir:
79
Internos à Empresa
Marca
Design
Capacitação em P&D
Focalização em competências estratégicas
Inteligência competitiva: conhecimento de
mercado e clientes
Logística
Produtividade
Marketing
Qualificação dos recursos humanos
Suporte técnico
Estrutura de financiamento
Produto
Imagem
Time-to-market
Inovação
Fator de aversão a um determinado motor
Conceito da família
Conceito de comunalidade
Custo de aquisição por assento
Custo operacional (por assento e distância
percorrida)
Desempenho/despachabilidade
Mercado
Estrutura concentrada/oligopólio diferenciado
Focalização em nichos de mercado
Substituição de aeronaves turbo-hélices por
sistemas de propulsão a jato
Segmentação por necessidades técnicas
Compradores seletivos e restritos
Atendimento a especificações dos clientes
Global
Configuração da Indústria
Alianças Estratégicas
Economias de especialização
Interação com usuários
Sistema de ciência e tecnologia forte
Regimes de Incentivos e Regulação
Apoio ao risco tecnológico e à P&D
Subsídios governamentais
Incentivos fiscais e tributários
Proteção seletiva
Poder de compra do Estado
Crédito aos usuários e financiamentos às
exportações
Quadro 1 – Fatores Críticos de Competitividade na Indústria Aeronáutica Civil (BERNARDES,
2000c)
Desde os anos 50, o mercado de aviação civil era dominado por três firmas
norte-americanas: Boeing, McDonnell Douglas e Lockheed. Na época da criação do
consórcio europeu Airbus em 1970, os EUA contavam com 94% de participação de
mercado no setor de fabricação de aeronaves civis. Em menos de 5 anos, a
Lockheed saía do setor civil para concentrar seus esforços na fabricação de
aeronaves militares e a Airbus passou a obter 15% do mercado (contra 56% da
Boeing e 25% da McDonnell Douglas).
80
A Airbus beneficiou-se de uma política agressiva de apoio das nações
participantes do consórcio, proporcionando aporte de capital, execução de
processos intensivos de P&D, criação de programas de exportação agressivos e
instituição de política de compras governamentais em prol da nova empresa.
A consolidação do setor aprofundou-se ainda mais após a fusão da Boeing
com a McDonnell Douglas em 1997, que a esta altura contava com somente 5% de
participação de mercado. Assim, o mercado de aeronaves civis de grande porte
tornou-se na prática um duopólio constituído pela Boeing e pela Airbus.
A partir da desregulamentação do mercado de transporte aéreo norte-
americano, o maior do mundo, em 1978, prevaleceu a estratégia das linhas aéreas
conhecida por hub-and-spoke, em que os aeroportos das grandes cidades (por
exemplo, Nova York, Los Angeles, Dallas, Chicago e Atlanta) agem como hubs
(pontos centrais) e as menores cidades alimentam o fluxo de passageiro aos hubs,
otimizando assim a malha logística aérea, conforme pode ser visto através da figura
a seguir:
Figura 7 – Diferenças entre modelos logísticos de transporte aéreo
O modelo hub-and-spoke revolucionou a aviação mundial, praticamente
dividindo o setor de aviação civil em dois segmentos:
81
Grandes aeronaves, que atuavam principalmente na ligação entre os hubs; e
Aeronaves regionais ou commuters, que atuavam principalmente nas ligações
entre as cidades de pequeno e médio porte e os hubs.
No caso do segmento regional, o fim da regulamentação nos EUA levou ao
acirramento da concorrência, forçando o ingresso de algumas empresas nas rotas
de curta distância. As projeções futuras indicam que, apesar da disputa aguerrida
entre Embraer e Bombardier, este é um dos mercados mais promissores e de
maiores margens de lucratividade do setor de fabricação de aeronaves.
Embora os EUA detenham posição importante no mercado de aeronaves de
grande porte com a Boeing, a participação de empresas norte-americanas no setor
de aviação regional não tem apresentado desempenho equivalente. Os governos
europeus apóiam com êxito suas indústrias de aviões pequenos, helicópteros,
motores e peças aeronáuticas, mas não possuem presença significativa na aviação
regional. Com isto, o mercado de aviação regional de aeronaves entre 20 e 70
lugares, e mais recentemente entre 70 e 120 lugares, é dominado por aeronaves de
outros países, em especial a brasileira Embraer e a canadense Bombardier. As duas
empresas sobreviveram ao massacre determinado pela crise do setor nos anos 90,
em que faliram, abandonaram o segmento de aviação regional ou foram adquiridas
empresas tradicionais como Fokker (Holanda), De Havilland (Canadá), Fairchild
(Alemanha), Saab (Suécia), Short Brothers (Irlanda do Norte) e British Aerospace
(Inglaterra).
Segundo Bernardes (2000a), em todos os países que produzem aeronaves o
mercado militar é o mais importante e apresenta fator determinante do
desenvolvimento tecnológico da indústria aeronáutica, e a alta intervenção estatal
deve-se a uma lógica de natureza militar. Outra característica importante é que, ao
contrário da aviação civil, em que as decisões de compra são tomadas por clientes
atomizados, ou seja, empresas de transporte aéreo, no mercado militar o Estado é o
único comprador. De acordo com Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), a
aquisição de um equipamento ou aeronave militar decorre de um processo de
estudos e negociações que se inicia pela sua especificação genérica por parte de
um dos serviços das Forças Armadas, gerando a elaboração de um projeto de
82
desenvolvimento, a construção de protótipos, um programa de testes, até sua
produção em escala industrial.
Atualmente, após intenso processo de consolidação em que se destacaram
as fusões e aquisições, as maiores empresas do setor aeroespacial militar são
praticamente todas de capital norte-americano: Lockheed Martin, Boeing, Raytheon
e Northrop Grumman. Ainda segundo Bernardes (2000a), na Europa Ocidental o
processo de reestruturação não avançou tanto como nos EUA. Ao invés de optarem
pelo caminho das grandes fusões e aquisições, as empresas vêm preferindo
formação de joint ventures em áreas específicas, como a Matra Marconi Space
(entre a francesa Lagardère e a britânica GEC) em satélites, a Thomson Marconi
Sonar (entre a francesa Thomson e a GEC) e a Eurocopter (entre a francesa
Aérospatiale e a alemã DASA) em helicópteros civis e militares. Dentre as empresas
européias, destacam-se ainda a British Aerospace e a Daimler-Benz Aerospace.
Atualmente, os EUA possuem cinco fornecedores de primeira linha de aviões
e helicópteros militares, a Europa tem dez, o que mostra a profundidade do processo
de consolidação que aconteceu entre as empresas norte-americanas.
O quadro a seguir demonstra o domínio dos EUA no mercado de setor
aeroespacial e de armamentos:
83
Empresa País de origem
Receita em aviação militar e
armamentos (US$ bilhões)
Lockheed Martin EUA 19,39
Boeing / McDonnell Douglas EUA 17,90
Raytheon / Hughes / Texas Instruments EUA 11,67
British Aerospace Grã-Bretanha 6,47
Northrop Grumman EUA 5,70
Thomson França 4,68
Aérospatiale / Dassault França 4,14
GEC Grã-Bretanha 4,12
United Technologies EUA 3,65
Lagardère Groupe França 3,29
Daimler-Benz Aerospace (DASA) Alemanha 3,29
Direction dês Constructions Navales França 3,25
General Dynamics EUA 2,90
Finmeccanica Itália 2,59
Litton Industries EUA 2,40
Mitsubishi Heavy Industries Japão 2,22
General Electric EUA 2,15
Tenneco EUA 1,80
TRW EUA 1,71
ITT Industries EUA 1,56
Quadro 2 – Maiores empresas do mundo no setor aeroespacial militar e de armamentos em
1995 (BERNARDES, 2000a)
A Embraer atua unicamente na indústria de fabricação de aeronaves,
desenvolvendo aeronaves militares (AMX e ALX) e aeronaves de patrulha e
sensoriamento remoto (EMB 145 AEW&C, EMB 145 RS/AGS e P99); e aeronaves
civis corporativas (Legacy) e regionais (EMB 120, família ERJ 145, família ERJ
170/190). Além disso, a Embraer ainda desenvolve estruturas aeronáuticas para
outras empresas, como a Boeing e a Sikorsky, muito embora, com o sucesso de
suas aeronaves, a fabricação de componentes não mais seja uma prioridade para a
companhia.
Tendo compreendido a estrutura da indústria aeronáutica mundial, faz-se
necessária a descrição da trajetória histórica da Embraer e de suas alianças
estratégicas, conforme será apresentado no subcapítulo a seguir.
84
3.2 A HISTÓRIA DA EMBRAER
3.2.1 A aviação brasileira antes da criação de uma indústria aeronáutica
competitiva
O Brasil sempre fora considerado um país com tradição aeronáutica. Alguns
estudiosos da aviação, como Hoffman (2004), atribuem a Alberto Santos-Dumont,
um filho de aristocratas nascido em Minas Gerais e cuja família possuía ascendência
francesa, a primazia do vôo autopropulsado.
Santos-Dumont, a despeito de toda a inútil polêmica sobre a paternidade da
aviação, foi um pioneiro e um gênio da engenharia aeronáutica. Além do 14-Bis, sua
mais famosa invenção, Santos-Dumont também foi um dos primeiros balonistas. Um
de seus principais feitos foi a invenção do balão N-6, o primeiro dirigível alado do
mundo, que espantou Paris em 19 de outubro de 1901. Também é atribuída ao
brasileiro a invenção de superfícies de controle cuja função é manter o equilíbrio
estático e dinâmico da aeronave, sem o qual o vôo torna-se impraticável.
Segundo Barros (2003), Santos-Dumont disputava com diversos inventores e
institutos europeus e americanos apoiados por investidores de risco a glória de se
tornar o primeiro ser humano a voar num artefato mais pesado que o ar, deixando o
chão com sua própria força, e cumprindo um rumo não aleatório ao capricho dos
ventos.
Devido ao alto número de patentes requisitadas no final do século XIX e o
nascimento de leis destinadas a fazer cumprir os direitos à propriedade intelectual,
não eram incomuns conflitos de interesse devido ao registro de patentes. Vários
inventores que vislumbravam objetivos comerciais para seus projetos preferiram a
segurança da reclusão, como os norte-americanos irmãos Wright, que faziam todos
os seus ensaios aeronáuticos em sigilo. Este tipo de atitude, amparada por
investimentos cada vez maiores em pesquisa e desenvolvimento que não podiam
ser perdidos pelo puro “amor à ciência”, foi, mais que exceção, a regra.
Alberto Santos-Dumont, entretanto, foi uma exceção. Filho de família
abastada e sem investidores capitalistas por trás de seus projetos aeronáuticos,
Santos-Dumont o dava maiores atenções à propriedade de patente de seus
85
inventos, logo não possuindo necessidade de trabalhar em silêncio, escondido dos
concorrentes e da incipiente comunidade científica da aviação. Assim, desde o início
de suas atividades, colocou gratuitamente à disposição do público os projetos e
patentes de seus inventos.
O desprendimento de Santos-Dumont poderia ser considerado o prenúncio da
aviação brasileira na primeira metade do século XX, de muitas tentativas e poucos
sucessos comerciais.
Santos-Dumont, apesar da falta de aptidão e desejo em transformar suas
conquistas científicas em sucessos comerciais, entendia a importância do papel que
as aeronaves desempenhariam no futuro. No início, poucos vislumbravam o
potencial comercial da aeronáutica. Os irmãos Wright, por exemplo, tiveram que se
deslocar para a Europa, onde o novo invento despertava entusiasmo e onde havia
maior potencial comercial para os aviões. Em 1909 foi desenvolvido um contrato de
aviação seriada entre a Wright Brothers Aeroplanes Company (WBAC) e a Short
Brothers, da Irlanda do Norte, pioneira na Europa. A Short Brothers viria a se tornar
um importante parceiro comercial da Embraer no futuro.
em 1906, ano do vôo do 14-Bis, o brasileiro Santos-Dumont confidenciava
aos fabricantes de material e de motores, membros da Sociedade de Engenheiros
Civis do Aeroclube da França e da Academia de Ciências de Paris, o importante
papel que ele antevia para os dirigíveis e aviões. Recomendava, assim, a criação de
instituições de ensino que pesquisassem aerodinâmica, materiais, estruturas,
motores e meteorologia. Tais conselhos seriam repetidos também no Brasil, no
período de 1915 a 1918, em seus pronunciamentos orais e escritos, procurando
atrair a atenção de membros do governo para a oportunidade que surgia.
Em seu livro “O que vi, o que veremos”, Santos-Dumont registrou a idéia de
criação de uma escola técnica no Brasil voltada para a capacitação de projeto e
fabricação aeronáutica, antevendo a criação de um centro de excelência que só se
concretizaria cerca de trinta anos mais tarde
3
, nas mãos de um outro visionário.
3
Trecho do livro de Santos-Dumont (1918): tempo, talvez, de se instalar uma escola de verdade
em um campo adequado... Margeando a linha da Central do Brasil, especialmente nas imediações de
Mogi das Cruzes, avistam-se campos que me parecem bons. Os alunos precisam dormir junto à
Escola, ainda que para isso seja necessário fazer instalações adequadas... Penso que, sob todos os
86
Em 1931, dois tenentes da Aviação Militar do Exército Brasileiro, Nélson
Freire Lavenére-Wanderley e Casimiro Montenegro Filho, saíram do Rio de Janeiro
e chegaram a São Paulo conduzindo uma mala postal com 2 cartas. Nascia assim o
Correio Aéreo Militar (CAM), posteriormente denominado Correio Aéreo Nacional
(CAN), e que desempenharia papel importantíssimo na integração nacional,
possibilitando a presença do Governo Federal nos mais distantes rincões brasileiros.
O Tenente Casimiro Montenegro Filho, posteriormente possuiria um papel de
liderança fundamental na criação do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) e do
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que gerariam as bases para a posterior
criação da Embraer, como será visto mais à frente.
Até então, todas as tentativas de fabricar uma aeronave brasileira possuíam
em comum o insucesso comercial total ou parcial, impedindo a consolidação de uma
indústria aeronáutica pujante no Brasil. A maioria das empresas criadas para a
construção de aeronaves ou fabricava o protótipo, ou vendia não muitas
unidades, normalmente ao governo.
Em 1942, Francisco Baby” Pignatari, que ficou conhecido como um dos mais
famosos playboys brasileiros, montou uma empresa de fabricação aeronáutica
chamada Companhia Aeronáutica Paulista (CAP). Em 1943, voava o CAP-4, mais
conhecido como Paulistinha. O governo brasileiro, através do Ministro da
Aeronáutica Salgado Filho, e o Governo do Estado de São Paulo, através do
interventor Adhemar de Barros, subsidiou a compra de aeronaves Paulistinha por
parte de aeroclubes de todo o país. O Paulistinha seria ainda lançado por uma nova
empresa fundada em 1953, a Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, de
Botucatu (SP), em uma versão alterada, chamada Paulistinha P-56, construído em
1956. Ao contrário de seus antecessores, o Paulistinha foi uma das poucas
aeronaves genuinamente brasileiras a apresentar sucesso industrial e comercial,
embora restrito ao Brasil.
pontos de vista, é preferível trazer professores da Europa e dos EUA, em vez de para enviar
alunos. Meu mais intenso desejo é ver verdadeiras Escolas de Aviação no Brasil. Ver o aeroplano,
hoje poderosa arma de guerra, amanhã meio ótimo de transporte, percorrendo as nossas imensas
regiões, povoando nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Pe. Bartolomeu Lourenço de
Gusmão“.
87
O quadro a seguir, apresentado por Cabral & Braga (1986) apud Bernardes
(2000a), detalha o saldo da aviação brasileira em sua fase pré-Embraer:
Período Modelo Produção Fabricante Protótipo
Henrique Lage e Muniz
1936 M-7 26 Fábrica Nacional de Aviões 1
1937 M-9 40 Fábrica Nacional de Aviões 1
1940-41 HL-1 108 Cia. Nacional de Navegação
Aérea
1
1942-48 HL-6 60 Cia. Nacional de Navegação
Aérea
1
Grupo Pignatari
1942-43 CAP-1 Planalto 9 CAP 1
1945 CAP-3 8 CAP 1
1943-48 CAP-4 777 CAP
Neiva e Aerotec
1945-58 Neiva-B2* 20 Neiva
1952-56 Neiva-B1* 4 Neiva
1956-66 Paulistinha-56 280 Neiva
1961-66 Regente 80 Neiva
1968-71 Regente-Elo 40 Neiva
1965-79 T-25 160 Neiva
1965-77 T-23 150 Aerotec
Fábrica do Galeão
1940-42 1 FG 40 Fábrica do Galeão
2 FG 25 Fase alemã (Focke-Wulf)
1944-47 3 FG 220 Fábrica do Galeão
1947-53 5 FG 68 Fase americana (Fairchild)
1953-59 Gloster Meteor 70
TF-7 10 Fábrica do Galeão
S-11 (T-21) 100 Fase holandesa (Fokker)
S-12 (T-22) 35 Fase holandesa (Fokker)
* Planadores
Quadro 3 – Aeronaves construídas ou montadas no Brasil na fase pré-Embraer (CABRAL &
BRAGA, 1986)
Em 1945, o Ten.-Cel. Casimiro Montenegro Filho, pioneiro do Correio Aéreo
Nacional (CAN), vai aos EUA em missão oficial, visitando diversas bases aéreas
norte-americanas. Lá é procurado por um oficial da FAB (Força Aérea Brasileira) que
cursava Engenharia Aeronáutica no prestigioso Massachussets Institute of
Technology (MIT) e que sugeria a Casimiro que procurasse o Prof. Richard H. Smith,
chefe do Departamento de Aeronáutica daquele instituto.
A replicação de uma instituição como o MIT em outro país era anos uma
aspiração do Prof. Smith e uma necessidade real para o Brasil, de acordo com a
visão de Casimiro Montenegro Filho. Assim, no encontro que tiveram, ambos viram
aumentar as possibilidades de concretização de seus ideais. Ainda em 1945, o Prof.
Smith chega ao Rio de Janeiro, dando início ao plano que daria origem ao CTA e ao
88
ITA, inspirado no MIT, um plano que posteriormente ficaria conhecido como plano
Montenegro-Smith.
Segundo Silva (1998), o plano consistia em assegurar a operação de uma
instituição ampla e baseada num tripé considerado fundamental para o
desenvolvimento de uma indústria aeronáutica: ensino, pesquisa e indústria. Os
idealizadores acreditavam, e o tempo provou-os certos, que para a criação de uma
indústria aeronáutica no país, seria necessária a criação de uma escola de alto nível.
Por esta razão, completa Silva (1998), o Centro Técnico iniciou exatamente pelo ITA,
através de um convênio firmado com o MIT. O objetivo era muito claro: formar
engenheiros aeronáuticos. Vários professores americanos do departamento de
engenharia aeronáutica do MIT vieram para o Brasil, bem como profissionais
extremamente respeitados de outros países, como o engenheiro alemão Henrich
Focke, um dos fundadores da fábrica Focke Wulf de aviões. Henrich Focke veio para
o Brasil em 1951, montando uma equipe de quarenta integrantes, entre profissionais
que vieram com ele da Focke Wulf e alguns estrangeiros radicados no Brasil,
como Joseph Kovacs. Segundo Cabral & Braga (1986) apud Bernardes (2000a),
Kovacs, um húngaro radicado no Brasil após a II Guerra Mundial, trabalhou no IPT
(Instituto de Pesquisas Tecnológicas), na Neiva e transferiu-se para a Embraer em
1973, sendo considerado um dos projetistas mais brilhantes da história da indústria
aeronáutica brasileira e o principal responsável pela concepção do T-25 Universal da
Neiva e do T-27 Tucano da Embraer.
Posteriormente outros institutos foram sendo agregados ao CTA: o Instituto de
Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), o Instituto de Fomento e Coordenação
Industrial (IFI), o Instituto de Atividades Espaciais (IAE) e o Instituto de Estudos
Avançados (IEAv).
No início da década de 50, o CTA (através do IPD), fiel à sua vocação de
projeto e construção de aeronaves, engajou-se no projeto de duas aeronaves
avançadas, o Convertiplano e o Beija-Flor. Tais projetos foram liderados por um
grupo de engenheiros e especialistas alemães radicados no Brasil após a II Guerra
Mundial (SILVA, 1998; CASSIOLATO ET AL, 2002). O primeiro era um
revolucionário avião de decolagem vertical, capaz de voar horizontalmente com boa
velocidade, o que não era possível para os helicópteros da época. O segundo era
89
um novo modelo de helicóptero, baseado em mecânica inovadora. Silva (1998) cita
que o preço de tal arrojo foi o fracasso de ambos os projetos, que estavam em total
desacordo com o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira da época,
ainda engatinhando. Foram passos maiores que as próprias pernas da incipiente
indústria. Tais fracassos, nota o autor, criaram uma resistência muito grande ao
desenvolvimento de projetos pelo IPD, o que quase acabou com o projeto do
Bandeirante antes mesmo do seu desenvolvimento. Os fracassos, entretanto,
serviram de lição para o futuro: o desenvolvimento deveria partir de um projeto
aeronáutico simples, mas que tivesse demanda suficiente para obter sucesso
comercial.
De acordo com Silva (1998), já em 1961, 11 anos após a formatura da
primeira turma de engenheiros do ITA em São José dos Campos (SP), a cidade
escolhida para a instalação do CTA ensaiava os primeiros passos de sua vocação
aeroespacial. Naquele ano, nascia a Avibrás, empreendimento de um grupo de
engenheiros formados pelo ITA. O primeiro projeto da empresa, de nome Alvorada,
foi formalmente contratado pelo CTA, sendo aproveitado pelo IPD sob a sigla IPD
6101. Posteriormente, projetou e produziu o Falcão, um pequeno avião de
treinamento, também adquirido pela FAB.
Durante a década de 60, havia várias as empresas trabalhando com intenção
de fabricar aeronaves. Conforme esperado, quase todas eram lideradas por
engenheiros formados pelo ITA, como idealizado por Casimiro Montenegro Filho.
O entusiasmo dos pioneiros, entretanto, nem sempre se revertia em empresas
financeiramente saudáveis. Mais comuns eram os fracassos ou a total dependência
de encomendas do Governo Federal, através da FAB. Segundo Silva (1998), as
empresas falhavam em conseguir conquistar um segmento de mercado comprador,
exceto o governo, e este, devido às suas limitações orçamentárias, nunca conseguia
manter ordens de aquisição suficientes para a vida contínua de uma linha de
produção. Um estudo do MDIC (2002) corrobora esta hipótese, citando que diversas
empresas da cadeia produtiva da indústria espacial brasileira ainda são totalmente
dependentes das aquisições governamentais.
90
Segundo Austin (1990), em 1965 foi iniciado um projeto em escala
significativa, realizado pelo IPD e liderado pelo então Capitão Ozires Silva,
diplomado pelo ITA em 1962. A proposta consistia num pequeno avião turbo-hélice
que substituísse os antigos Beech-18 da frota de transporte da FAB. Devido ao
ceticismo gerado pelos fracassos dos projetos Convertiplano e Beija-Flor, o Ministro
da Aeronáutica autorizou a proposta sob a condição de que fosse “sem custo” para a
FAB, ou seja, não exigisse nenhuma verba do orçamento ministerial.
A solução encontrada para levantar essas verbas seguiu caminhos sinuosos,
através da Diretoria de Material (DM) do Ministério da Aeronáutica. Naquela época o
Brig. Oswaldo Baloussier, da DM, desejava que o CTA estudasse a adaptação de
motores turbo-hélice aos aviões T-6 em uso na FAB. O próprio Ozires Silva relata
que, caso essa solução fosse factível, poderia dar vida nova àqueles aviões, cuja
robusta estrutura resistiria ainda a muitos anos de serviço ativo. A FAB deu-se por
satisfeita com a proposta de adaptação de sua frota de T-6, convencendo a DM a
pagar o salário do experiente engenheiro aeronáutico francês Max Holste e sua
equipe, de forma que se transferissem para o Brasil. Ozires, por sua vez, convenceu
Max Holste a fazer as duas coisas ao mesmo tempo: o estudo do novo T-6 e o
projeto do novo avião bimotor.
Ozires Silva, com o apoio do CTA, agora dirigido pelo Brigadeiro Paulo Victor
da Silva, também formado pelo ITA, alocou Max Holste e sua equipe no IPD. O CTA
arcou com vários custos do projeto, principalmente sob a forma de utilização de seus
laboratórios e instalações, garantindo assim o critério estabelecido pelo Ministro da
Aeronáutica de que o projeto deveria ser “sem custo” para a FAB (muito embora isto
fosse um mero artifício administrativo, visto que o CTA era uma organização da
própria FAB). Para Austin (1990), dada a forma complicada como o projeto do
Bandeirante foi financiado, ninguém sabe dizer ao certo quanto seu desenvolvimento
realmente custou.
O apoio do Brig. Paulo Victor da Silva, chefe do CTA, foi importantíssimo,
principalmente depois que a DM da FAB retirou seu apoio financeiro, ao notar a
inviabilidade do projeto de adaptação da frota de T-6 e que parte das verbas que
designara para aquele estudo tinha sido usada para subsidiar o desenvolvimento de
outra aeronave.
91
Max Holste, por sua vez, o era exatamente a pessoa mais confiante na
idéia dos oficiais da FAB em desenvolver um avião brasileiro. A maioria dos projetos
anteriores nunca saíra da prancheta dos desenhistas. Como ele próprio confessou
depois, não acreditava muito na capacidade industrial de um país ainda em
desenvolvimento como o Brasil.
O encontro de Max Holste com Ozires Silva ocorreu num momento muito
favorável, quando o Ministério da Aeronáutica buscava um substituto nacional para
as aeronaves médias de transporte em uso nas empresas brasileiras de aviação
comercial. Era a época em que vigorava a doutrina de substituição de importações e
qualquer esforço no sentido de fabricar no Brasil produtos que comumente eram
importados do exterior era apoiado, buscando assim reverter situações
desfavoráveis na balança comercial. Segundo Silva (1998), o governo federal
controlava os principais investimentos e colocava-se na posição de promotor
principal do desenvolvimento econômico, centralizando as decisões.
Um ano antes, em 1964, o próprio Ministério encomendara um estudo sobre a
viabilidade de ser criada, no Brasil, uma linha de produção para aeronaves leves de
transporte com motores turbo-hélice, como o Fokker F-27, o Avro HS-748, o Dart
Herald e o Convair-550. Todos estes aparelhos, entretanto, eram muito grandes e
complexos para a capacidade industrial do Brasil, que ainda dava seus primeiros
passos. A adaptação de um modelo já existente de propriedade de Max Holste, o
Broussard Major, era inviável, pois esta aeronave era muito pequena e rústica para
os requisitos estabelecidos pela FAB. A solução era um modelo intermediário, de
nome IPD-6504, que mais tarde se transformaria no Bandeirante, um nome sugerido
pelo Brig. Paulo Victor, embora fosse esta uma palavra de difícil pronúncia para
estrangeiros.
De fundamental importância no projeto do IPD-6504 foi a especificação da
aeronave. Estava claro para os principais responsáveis pelo projeto que, mais que
um avião projetado segundo técnicas aeronáuticas avançadas, ele deveria atender a
uma demanda específica do mercado. Silva (1998) cita que nas considerações
iniciais foram considerados diversos clientes em potencial e não o governo. Além
deste, foram cogitados como clientes em potencial as linhas aéreas de transporte de
passageiros e de carga, os operadores privados, os serviços aéreos especializados,
92
etc. Foi identificada, então, uma tendência no transporte aéreo brasileiro: cada vez
mais o domínio passava a ser dos aviões de grande porte, capazes de oferecer
custos operacionais mais baixos e, assim, maiores margens. Mas o fenômeno do
aumento do tamanho das aeronaves resultava num número cada vez menor de
cidades com privilégio de serem servidas por linhas de transporte aéreo regular.
Além disso, essas cidades menores não possuíam os recursos para prover
instalações aeroportuárias necessárias para a operação de grandes aeronaves.
Assim, o poder público ficava sob pressão constante de suas pequenas
comunidades, desejosas por usufruir as benesses do transporte aéreo. Este
verdadeiro nicho de mercado, que estava sendo abandonado pelos grandes
fabricantes de aeronaves, foi identificado pelos pioneiros do que viria a ser a
Embraer e a resposta para esta oportunidade foi o projeto do IPD-6504.
Com o anteprojeto da aeronave (ou seja, sua especificação) em estágio
avançado, os engenheiros do IPD começaram a ser sondados por empresas
fabricantes de motores, que tinham conhecimento do interesse do governo
brasileiro em desenvolver uma aeronave. Três possibilidades foram analisadas
criteriosamente: o motor PT-6 da Pratt & Whitney (P&W) canadense, o motor
Aztazou da Turbomeca francesa e um motor de fabricação soviética. Segundo Silva
(1998), esta última opção foi abandonada devido às disputas da Guerra Fria e
devido à vontade da Embraer de competir por uma fatia do mercado mundial com
aquela aeronave, o que desaconselhava a aquisição de uma parte tão importante do
avião com um fornecedor “comunista”. O escolhido acabou sendo o motor PT-6, o
que posteriormente se mostrou bastante acertado, pois facilitou o acesso da
empresa ao mercado dos EUA (já que a P&W canadense era uma subsidiária da
empresa americana de mesmo nome).
Os pioneiros do IPD adotaram uma postura cautelosa no desenvolvimento
dos principais sistemas da aeronave. Como a experiência prática no projeto de
aeronaves comerciais era escassa, não fazia sentido internalizar todo o projeto.
Parecia ser melhor concentrar-se no desenvolvimento do projeto e de algumas
estruturas e sistemas selecionados (para os quais houvesse comprovada expertise
técnica) e terceirizar a produção de vários sistemas para fornecedores capacitados.
Segundo Silva (1998), muitas vezes o IPD viu-se diante do difícil dilema de
internalizar o desenvolvimento e produção ou terceirizá-lo. Como os recursos para o
93
programa eram escassos, dava-se preferência à terceirização ou mesmo a utilização
de algo que estava instalado em algum dos aviões da FAB. Além disso, a escolha
por empresas consagradas para projetar e produzir sistemas para a aeronave, ao
invés da produção interna, também era uma escolha lógica sob o ponto de vista da
assistência técnica aos operadores aéreos.
Como visto anteriormente, o setor aeronáutico pode ser organizado em três
grupos de empresas especializadas em segmentos distintos: célula, motores e
aviônicos. Os fabricantes de célula, também conhecidos por fabricantes de
fuselagem, são os principais aglutinadores da cadeia produtiva do setor,
normalmente responsáveis pelo estudo e desenvolvimento da aeronave e da
integração das partes num produto comercializável, bem como do esforço de
comercialização.
Assim, tendo em vista o desenvolvimento de capacidade tecnológica dos seus
recursos humanos, fazia todo o sentido para a Embraer focar no desenvolvimento de
células e na integração final de todos os sistemas. Nenhum fabricante desenvolve os
motores de suas aeronaves nem os principais sistemas aviônicos, deixando esta
tarefa para as empresas especializadas. Deve ser enfatizado que o desenvolvimento
do projeto da aeronave provavelmente é a atividade mais nobre da indústria, ou seja,
a de maior valor agregado. De acordo com Bernardes (2000a), apesar da Embraer
ter focado na integração de sistemas e projeto da aeronave, ela dominava e domina
completamente as diversas especificidades e fases técnicas dos subsistemas, sem,
no entanto, fabricá-los. Porém possui a capacidade de combinar e adaptá-los
conforme as necessidades do projeto e de mercado.
Desta forma, diz Silva (1998), era claro para os empreendedores a decisão de
nunca verticalizar a produção quando fosse possível terceirizá-la. Isto
posteriormente acabou rendendo diversas críticas de leigos ao projeto Bandeirante,
que não o viam como um produto genuinamente nacional. Tais críticas por vezes
eram sustentadas pela visão da época que estimulava a substituição de
importações. Sem uma licença de importação emitida pela CACEX (Carteira de
Comércio Exterior, uma agência governamental responsável pelas transações do
Brasil com outros países), nada podia ser importado. Havia até pressão da imprensa
e da opinião blica a respeito do “Índice de Fabricação Nacional” do IPD-6505,
94
definido como percentual da relação entre os pesos dos componentes nacionais e o
peso total do equipamento. Isto gerava distorções graves na análise do projeto IPD-
6504. Por exemplo, não faz sentido um fabricante de aviões projetar os motores, um
item particularmente pesado e, como não havia (e não há) fabricantes nacionais de
motores aeronáuticos, estes deveriam ser necessariamente importados. Os
questionadores, obviamente, não se davam por convencidos, e as críticas
continuavam. Segundo Bernardes (2000a), na estratégia delineada para a Embraer,
o controle de tecnologia por meio da capacidade de integrar eficazmente sistemas
produzidos por diferentes fornecedores sempre foi interpretado como uma meta mais
importante que o aumento do índice de nacionalização.
Para Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), se as autoridades
governamentais brasileiras tivessem perseguido a miragem do índice de
nacionalização, nos anos noventa ela poderia ter chegado próximo aos 50%, mas
este fator teria implicado na adoção de uma estratégia tecnológica completamente
diferente. Os custos poderiam tornar-se proibitivos e o tempo de entrada no mercado
(time-to-market) seria certamente maior, pois tal estratégia implicaria na reprodução
de todo o ciclo de desenvolvimento dos países desenvolvidos.
Assim, seguindo esta filosofia de terceirizar sempre que possível o projeto de
sistemas, o IPD selecionou a Collins, um renomado fabricante norte-americano, para
o desenvolvimento do sistema de aviônica (eletrônica da aeronave). O sistema de
freios foi terceirizado para a francesa ERAM, por indicação de Max Holste, e os
pneus foram desenvolvidos pela norte-americana Goodyear de acordo com as
especificidades que as futuras operações do Bandeirante requereriam, como
campos de pouso mal preparados e pisos irregulares e esburacados.
Segundo Austin (1990), apesar de algumas complicações, o projeto do IPD-
6504 foi terminado a tempo, e a fabricação de seu primeiro protótipo começou em
1966. Em 1968, diz Silva (1998), na presença de autoridades e jornalistas, abriu-se a
porta do hangar do CTA e foi oficialmente apresentado o Bandeirante. Fez um vôo
curto, de poucos minutos, mas o suficiente para demonstrar que o projeto havia
dado resultados. Em 1969 uma série de ensaios foi realizada, reafirmando as
qualidades da aeronave e dando base para seu sucesso comercial no futuro.
95
O protótipo da aeronave estava lançado e funcionava bem. Agora, os
empreendedores do IPD buscavam lançar as bases para a fabricação seriada do
avião. Primeiramente, buscaram realizar extensivos ensaios em vôo com a finalidade
de assegurar a confiabilidade da aeronave em relação aos padrões exigidos. Em
paralelo, tiveram vários encontros com autoridades em que proferiram palestras,
num trabalho de convencimento acerca da importância do projeto e da necessidade
da implantação de uma fábrica para a produção em série. Promoviam também
demonstrações com o protótipo do Bandeirante em todo o país, buscando maior
visibilidade junto ao público. Tal procedimento, embora não sendo correto sob o
ponto de vista técnico (pois uma aeronave não homologada não deveria realizar
vôos de demonstração), foi muito útil para vender a idéia de que o país agora
possuía capacidade real de produzir aviões.
Neste ínterim, Max Holste, o francês chefe técnico do projeto do IPD-6504,
tendo passado por vários atritos com as lideranças brasileiras do projeto, entre elas
Ozires Silva, resolve desistir de continuar a trabalhar para o governo brasileiro e
volta à França. Ele é imediatamente substituído pelo engenheiro Guido Pessotti, que
viria a ser o diretor técnico da Embraer por muitos anos.
No caminho para criar uma verdadeira empresa fabricante de aeronaves, os
empreendedores do IPD decidiram que não poderiam depender de um único
produto. Partiram então para a diversificação. A pedido do Ministério da Agricultura,
que havia elaborado estudos identificando uma forte demanda por uma aeronave
agrícola, o IPD passou a projetar um avião destinado à pulverização de inseticidas e
defensivos agrícolas. O próprio Ministério da Agricultura investiu recursos no projeto
de desenvolvimento da aeronave, de certa forma eximindo o Ministério da
Aeronáutica e o IPD desta responsabilidade.
Com poucos riscos envolvidos neste projeto agrícola, o IPD levou-o em frente
sob o nome IPD-6909, o que resultou no desenvolvimento do Ipanema (futuramente
EMB-200), um monomotor de asa baixa, de alta confiabilidade para as baixas
altitudes em que deveria voar. Novamente, a filosofia de terceirizar sempre que
possível a produção de componentes e subsistemas, aplicada ao projeto
Bandeirante, também foi utilizada no projeto Ipanema. O motor escolhido, por
96
exemplo, era fabricado pela norte-americana Lycoming e a hélice era fabricada pela
Hartzell, também dos Estados Unidos.
Com dois projetos de bom potencial em suas mãos, sendo que um
funcionando como protótipo e o outro subsidiado pelo governo através do Ministério
da Agricultura, os empreendedores do IPD intensificaram os contatos com o
governo, procurando estabelecer as bases para a criação de uma empresa
aeronáutica que fugisse da sina dos empreendimentos aeronáuticos do Brasil até
então: a construção de um protótipo que não conseguia ser levada à produção em
série e à comercialização. Segundo Silva (1998), o governo, através do Ministério da
Aeronáutica, e os responsáveis pelo projeto do Bandeirante estavam convencidos de
que o projeto deveria ser fabricado e comercializado, e que a solução deveria ser
através de propriedade e gestão privadas. Convencer o empresariado, entretanto,
mostrou-se tarefa impossível. A solução, então, foi estabelecer a empresa como
uma “Sociedade de Economia Mista”, sob a forma de uma entidade de direito
privado e moldada segundo a Lei das Sociedades Anônimas, embora controlada
pelo Poder Público.
Ozires Silva, o responsável pelos projetos no IPD, ficou responsável também
por selecionar a aeronave para reequipar a frota de caças supersônicos da FAB.
Paralelamente, como contrapartida, solicitariam a proposta de fabricação no Brasil,
sob licença, de aviões a jato de treinamento e de emprego tático para a Academia
da Força Aérea (AFA), escola de treinamento dos pilotos da FAB. Após pesquisa, as
aeronaves que figuravam como alternativas para o reaparelhamento foram as
constantes do quadro a seguir:
País Avião de Combate Avião de Treinamento
Inglaterra BAC Lightning BAC 167 Strikemaster
Suécia SAAB Draken SAAB 105
França MD Mirage III Fouga Magister
Itália Lockheed 104* Aermacchi 326G
* Fabricado sob licença pela Fiat Aviation, de Torino.
Quadro 4 – Aeronaves cogitadas para aquisição da FAB no início dos anos 70 (SILVA, 1998)
Então, os empreendedores do IPD, apoiados pelo Brig. Paulo Victor do CTA,
apresentaram ao Ministro da Aeronáutica um plano composto por duas propostas: a
97
aquisição do avião de combate supersônico, bem como a fabricação do Bandeirante,
em conjunto com a produção, sob licença, do avião de treinamento no Brasil.
Aprovado pelo Ministro da Aeronáutica, a esta altura convencido da possibilidade de
desenvolvimento de uma indústria aeronáutica competitiva no país, restava
convencer os principais membros da área econômica do governo.
Apoiados agora pelo Ministro da Aeronáutica (Márcio de Souza e Mello), os
empreendedores do IPD agendaram, então, uma reunião com membros do alto
escalão governamental, como os Ministros da Fazenda (Delfim Netto), da Indústria e
Comércio (Macedo Soares) e o Secretário-Geral do Ministério do Planejamento
(Marcus Vinicius Pratini de Moraes). Na pauta da reunião, duas apresentações,
exatamente as mesmas que foram propostas anteriormente ao Ministro da
Aeronáutica: o reaparelhamento da frota de caças da FAB através da aquisição dos
supersônicos estrangeiros e o projeto de fabricação do Bandeirante em conjunto
com a produção da aeronave de treinamento no Brasil.
Com o apoio do Ministro da Aeronáutica, foi possível convencer os membros
do governo da importância da formação desta indústria aeronáutica no país. Em
reuniões posteriores, chegou-se a uma solução para a criação da empresa:
capitalizá-la através de um mecanismo de incentivo fiscal pelo qual qualquer
empresa do país que desejasse poderia abater 1% do seu imposto de renda,
aplicando igual quantia na compra de ações da nova empresa (GHEMAWAT ET AL,
2000). Nesta época, surgiu o nome Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica),
que seria utilizado pela companhia pelo resto de sua vida.
Neste sentido, vale acrescentar que o apoio do governo brasileiro, ao longo
da história da Embraer, foi crucial para o seu sucesso. Para Bernardes (2000a),
desde o início a empresa contou com apoio farto e continuado do Estado, sem
precedentes na história do desenvolvimento tecnológico e industrial brasileiro, seja
através de benefícios e incentivos fiscais, políticas governamentais de compra, seja
no fomento para realização de pesquisa básica e aplicada. Em grande parte, cita o
autor, essa experiência foi viabilizada graças ao apoio governamental a centros e
institutos de excelência como o CTA e o ITA.
98
Ainda segundo Bernardes (2000a), o alto apoio governamental é justificado
pelo nível de complexidade, refinamento e rápida obsolescência tecnológica dos
produtos. Uma outra justificativa utilizada para legitimar o apoio estatal é o fato do
setor aeroespacial atuar como gerador de inovações de processos e produtos para
outros setores, transferindo para o âmbito comercial de outros setores avanços que
elevam o bem-estar da sociedade. Ademais, as atividades aeroespaciais estariam
relacionadas ao uso intensivo de força de trabalho extremamente qualificada,
resistindo à automação em face da baixa escala de produção, criando empregos de
altíssimo nível em todas as etapas produtivas, ao passo que outros setores passam
por tendências acentuadas de automatização da produção ou utilização de mão-de-
obra menos qualificada. Além destas, a motivação estratégico-militar, cujos
defensores percebem as indústrias aeronáuticas, mesmo as de caráter civil-
comercial, como potenciais fabricantes de produtos militares num eventual esforço
de guerra e estoque de recursos humanos extremamente preparados para o
desenvolvimento de armamentos, caso necessário.
De acordo com Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), ao contrário da
implantação da indústria automobilística (em que empresas transnacionais
ocuparam o nível mais elevado da atividade industrial), a Embraer foi concebida
como uma estatal e como uma montadora final, que se dedicaria exclusivamente à
montagem de aviões por meio da materialização de um projeto aeronáutico
concebido internamente, evidenciando o comprometimento governamental no
desenvolvimento da incipiente indústria aeronáutica brasileira. Coincidentemente,
pela ausência de uma indústria aeronáutica forte contando com empresas
fornecedoras, a Embraer por diversas vezes recorreu no Brasil às indústrias
automobilísticas para fornecimento de alguns materiais e componentes para a
produção de aeronaves.
Para compreender a estratégia da Embraer em ser uma montadora de
aeronaves, deve-se retroceder até à experiência das corporações transnacionais
automobilísticas e à instalação desta indústria no Brasil durante o governo JK.
Segundo Bernardes (2000a), tais empresas controlavam o nível mais elevado da
atividade produtiva industrial, a montagem final. Tal estratégia permitiu a essas
empresas o controle de todo o complexo produtivo, dirigindo assim a cadeia de
fornecedores em toda sua extensão.
99
Desta forma, a estratégia inicial da Embraer era ser uma montadora final,
dedicando-se exclusivamente à montagem de aviões endogenamente concebidos,
tendo assim condições de determinar o desenvolvimento do setor aeronáutico no
Brasil. Ao fazê-lo, a empresa renunciou aos sonhos dos primeiros anos da indústria
aeronáutica brasileira de construir um avião completo, com motores, componentes,
peças e aviônicos totalmente nacionalizados, privilegiando o domínio e a
capacitação tecnológica em áreas como aerodinâmica, fuselagem e integração de
projeto (BERNARDES, 2000a; BERNARDES, 2003; CASSIOLATO ET AL, 2002). Os
esforços foram direcionados para capacitação em projeto e integração do mix de
componentes. A empresa desde o seu início investiu pesadamente na qualificação
de seus engenheiros em aerodinâmica, estruturas aeronáuticas, projeto, processos
de fabricação e integração de componentes.
Segundo Cassiolato et al (2002), a aquisição de competência técnica na
fuselagem era considerada estratégica para o futuro da companhia. De acordo com
entrevistas com gestores seniores da empresa, a competência era “a única área em
que o know-how requerido não podia ser obtido satisfatoriamente fora do Brasil”.
Esta competência era considerada condição essencial para a autonomia da empresa
em projeto de produto e o eventual sucesso como uma integradora de sistemas e
montadora de aeronaves. Esta abordagem, segundo os autores, provou-se essencial
para o futuro da Embraer, pois permitiu aprender as tecnologias mais importantes da
indústria aeronáutica e criar oportunidades de mercado.
Através do Decreto-Lei 770, o Presidente Costa e Silva, ao final de 1969,
declarou criada a Embraer, faltando somente a Assembléia Constitutiva da empresa,
que se realizou no dia 29 de dezembro de 1969. A Embraer nasceu como uma
empresa de economia mista na qual a União detinha, por exigência legal, pelo
menos 51% do capital votante (GHEMAWAT ET AL, 2000). Para a efetiva operação
da empresa, entretanto, ainda faltava muito: decisões estratégicas como sua a
localização e como convencer empresas a aproveitarem os benefícios fiscais
oferecidos de forma a capitalizar a Embraer ainda eram desafios a serem superados.
Além disso, a Embraer não possuía quase nenhum capital de giro para iniciar suas
operações. Segundo Silva (1998), existiam duas alternativas plausíveis para
começar a operar: um forte aporte de capital pela União Federal (improvável) ou a
compra, por parte da FAB, de cem Bandeirante, além dos jatos estrangeiros de
100
treinamento (fabricados pela Embraer sob licença), aquisição esta que estava
sendo analisado pelo Estado-Maior.
Foi assim que a década de 60 acabou, abrindo espaço para novos desafios a
serem enfrentados na década de 70. Lutando contra estes desafios encontravam-se
os pioneiros da Embraer e o sonho brasileiro de montar uma empresa fabricante de
aviões.
3.2.2 Década de 70: a decolagem da Embraer
Com toda sua operação funcionando, a Embraer precisava gerar receitas
rapidamente, afinal havia uma folha de pagamento a honrar ao final de cada mês,
além de outros custos fixos importantes, que não poderiam ser cobertos no longo
prazo somente pelo aporte de capital feito pelas empresas estimuladas pela isenção
fiscal. Segundo Bernardes (2000a), a empresa iniciou suas atividades contando com
um quadro efetivo de 150 funcionários (todos provenientes do CTA), num terreno de
700.000 m
2
. A Embraer tinha que vender, e rápido. A melhor alternativa para uma
empresa que começava do nada era continuar com as negociações com a FAB,
para aquisição de aeronaves Bandeirante, dos caças supersônicos e das aeronaves
de treinamento produzidas sob licença.
Depois de extensas análises, a Embraer recomendou que a FAB adquirisse
as aeronaves da Aermacchi (MB-326G), bem como cem aviões Bandeirante.
Posteriormente este se mostraria um movimento acertado, pelo tanto que a empresa
brasileira incorporou de aspectos em que a italiana apresentava excelente
desempenho, como, por exemplo, na assistência técnica e know-how de produção,
fatores vitais para qualquer empresa aeronáutica.
Outro fator crucial foi contar com pessoal técnico qualificado. Uma empresa
que compete em um setor baseado em conhecimento como o aeronáutico o se
pode dar ao luxo de ter uma força de mão-de-obra não-qualificada ou inexperiente.
Segundo Silva (1998), foi necessário convencer os funcionários do IPD a abandonar
a tranqüilidade da carreira como funcionários públicos para empreender junto à
Embraer.
101
Em maio de 1970, a FAB decidiu pela aquisição das aeronaves MB-326G da
Aermacchi, num significativo contrato de compra de 112 aviões. A transferência de
tecnologia foi um dos pré-requisitos para a compra: foram requeridos 600 homens-
mês à Aermacchi, projetando e ajudando a Embraer não somente na produção dos
112 MB-326G (posteriormente EMB-326G Xavante) como dos próprios Bandeirante.
Pode-se dizer que a opção estratégica da Aermacchi de licenciar a sua aeronave à
Embraer tornou imprescindível a vinda para o Brasil de especialistas italianos, que
vieram auxiliar pessoalmente a produção local, num claro processo de transferência
de tecnologia e repasse de conhecimento aos engenheiros e técnicos da Embraer.
Segundo Silva (1998), alguns engenheiros italianos acabaram por naturalizarem-se
brasileiros em conseqüência deste programa e incorporaram-se à Embraer,
verificando a importância das formas de aprendizado por contratação (learning by
hiring).
Para Bernardes (2000a), o projeto do Xavante possibilitou à empresa o seu
primeiro know-how de produção em série, através do contrato de cooperação com a
Aermacchi. De acordo com Sbragia & Terra (1993), o Xavante vinha em kits para
serem montados no Brasil, desta forma permitindo à Embraer o aprendizado sobre o
funcionamento de uma linha de produção em série. À medida que ia aprendendo
técnicas eficazes de produção para o Xavante, a Embraer as aplicava na linha do
Bandeirante.
Além do contrato dos Xavante, também foi assinado o contrato de aquisição
de Bandeirante, no total de oitenta aeronaves (menos que as cem inicialmente
previstas, mas ainda assim bastante significativo). O Ministério da Agricultura, por
sua vez, fez um pedido de cinqüenta aeronaves Ipanema.
Segundo Bernardes (2000a), as encomendas dos Bandeirante, Xavante e
Ipanema correspondiam a aproximadamente oito anos de produção da Embraer, a
uma cadência razoável de produção de duas aeronaves por mês. O uso do poder de
compra governamental foi, portanto, fator indispensável para o início das operações
da empresa e continuidade em seus primeiros anos de vida.
Em paralelo às vendas, eram construídas as instalações fabris da empresa,
adquiridas máquinas utilizadas no processo de fabricação, recrutados funcionários
102
(principalmente do IPD) e projetadas novas aeronaves, pois, de acordo com Silva
(1998), o Bandeirante comercializado era uma aeronave bastante diferente do
projeto original no qual foram inspirados os primeiros protótipos.
Ainda segundo Silva (1998), desde o início havia o interesse em estabelecer
no país uma base forte para a indústria aeronáutica, composta de fornecedores que
pudessem atender às demandas da Embraer. Inspiravam-se na realidade norte-
americana, em que milhares de empresas habilitam-se a fornecer à indústria
aeronáutica nos mais diversos elos da cadeia de fornecimento, desde matérias-
primas até componentes e sistemas aeronáuticos sofisticados. Da mesma forma,
uma quantidade muito grande de empresas prestando serviços aeronáuticos aos
grandes fabricantes norte-americanos do setor.
Esta realidade, entretanto, mostrou-se impossível de ser estabelecida no
Brasil, por uma série de fatores. A pretendida horizontalização da produção da
Embraer foi um processo difícil e complicado de ser implementado, pois as
empresas fornecedoras não possuíam capital para investir em máquinas para a
produção, a escala ainda era muito pequena para justificar os investimentos e a
qualidade exigida muito alta, fazendo com que o processo produtivo tornasse-se
economicamente inviável para pequenas empresas eventualmente interessadas em
participar da cadeia de fornecimento da Embraer.
para Bernardes (2000a), a empresa brasileira criou extensa rede de
fornecedores, promovendo esquemas interativos de pesquisa e desenvolvimento
(P&D), em especial em desenvolvimento da área de engenharia eletrônica.
Ainda de acordo com Silva (1998), apesar das dificuldades, algumas
empresas, principalmente empresas montadas por engenheiros do ITA, passaram a
fazer parte do incipiente pool de fornecedores nacionais da Embraer. Era claro para
os diretores da Embraer que a empresa seria muito lenta se tentasse internalizar
toda a produção.
Assim, iniciaram-se conversas que resultaram em entendimentos comerciais,
como com a AVITEC Indústria Aeronáutica, uma empresa do Rio de Janeiro, que
recebeu importantes encomendas da Embraer para a produção de superfícies de
controle do Bandeirante, como ailerons, leme de direção e profundores, bem como
103
os flaps. Outro exemplo é encontrado na Sociedade Aerotec, para a qual foi
terceirizada a produção de toda a estrutura básica da fuselagem do Ipanema. Várias
outras empresas passaram a trabalhar como fornecedoras da Embraer, dentre as
quais a Aeromot, Aeroservices, Alcan, Avibrás, Bendix, Blindex, Bosch, Brasinca,
Devilbiss, D.F. Vasconcelos, Goodyear, Ermeto e Elebra. Muitas destas empresas
logo perceberam que os baixos volumes não compensavam os altos investimentos,
principalmente em qualidade e certificações oficiais, e abandonaram de vez suas
atividades na indústria aeronáutica.
A menos das encomendas iniciais para a FAB, os dirigentes da Embraer logo
perceberam as dificuldades encontradas na venda das suas aeronaves. O problema
não era exatamente a qualidade técnica das mesmas, mas um fator fundamental
para o sucesso na indústria aeronáutica mundial: o financiamento das vendas.
A indústria aeronáutica é caracterizada pela comercialização de um produto
de alto valor agregado, cuja venda movimenta quantias significativas, normalmente
milhões de dólares. O avião pode ser caracterizado como uma mistura de bem de
consumo durável e bem de capital, ou seja, um meio que leva ao aumento da
capacidade produtiva. Tendo em vista os altos montantes relativos à aquisição de
aeronaves, as vendas quase sempre incluem um modelo de financiamento oferecido
ao comprador, em que o fabricante atua como elemento credor.
As dificuldades da Embraer em financiar as aeronaves acentuavam-se ainda
mais levando em conta o ambiente econômico-financeiro do Brasil na década de 70,
em que inflação em nível muito alto era comum, inviabilizando a participação de
bancos comerciais na concessão de créditos de longo prazo a taxas de juros
competitivas em relação às adotadas no exterior. Assim, a única fonte de
financiamento disponível era o BNDE (posteriormente BNDES), único órgão que
poderia auxiliar a Embraer a equalizar as deficiências estruturais encontradas nas
taxas de juros brasileiras.
Outra dificuldade enfrentada referia-se à tributação. Segundo Silva (1998),
nas vendas para a FAB, o problema ainda não tinha sido percebido, pois as
entidades governamentais normalmente gozam de isenções de impostos. Mas ao
iniciar o esforço de vendas para o mercado privado, a Embraer notou que, embora
104
as aeronaves importadas usufruíssem isenção de imposto de importação e de ICM
(Imposto de Circulação de Mercadorias), os produtos nacionais o tinham acesso a
essas benesses. No início, a Embraer também sofreu com a carga tributária do IPI
(Imposto sobre Produtos Industrializados), da qual posteriormente, após longa
reivindicação, tornou-se isenta, ainda que por prazo determinado. O autor expõe que
as aeronaves da Embraer carregavam até 30% sobre o valor do produto em
impostos, sendo esta somente uma amostra das dificuldades que uma empresa
como a Embraer, almejando competir mundialmente, enfrentava com o emaranhado
fiscal brasileiro e com a elevada carga tributária brasileira.
Em 1971, a Embraer teve homologadas (i.e. certificadas) suas aeronaves
EMB-200 Ipanema e EMB-110 Bandeirante, habilitando-as para serem vendidas ao
mercado privado nacional. Assim, a empresa iniciou seu esforço de comercialização,
adotando inicialmente uma estratégia horizontal de vendas, ou seja, estabelecendo
parcerias com empresas independentes, que se tornariam representantes da
Embraer para uma determinada região. Aliás, esta era a mesma estratégia utilizada
por empresas de aviação geral como a Cessna, a Piper e a Beechcraft.
Entretanto, apesar das dificuldades em financiar as vendas e à carga tributária
adversa, nem tudo eram problemas. A Embraer contou com o apoio do Ministro da
Aeronáutica, Brig. Joelmir Araripe Macedo, em negociações para venda de
aeronaves Bandeirante à VASP e à Transbrasil. Finalmente, em 1973, a Embraer
concretizava a venda de seis Bandeirante à Transbrasil. Posteriormente, foi
realizada a venda de mais cinco Bandeirante à VASP.
Ao final de 1973, a Embraer organizou, em São José dos Campos, o I Salão
Internacional Aeroespacial do Brasil. Embora o tenha sido possível aproveitar o
evento para realizar vendas, principalmente devido à falta de homologação
internacional do Bandeirante e do Ipanema, a Embraer conseguiu contatos valiosos
com fornecedores internacionais, que, vendo ares promissores para aquela nova
empresa, intensificaram suas visitas comerciais.
Segundo Dias (2002), em 1975, mediante decreto governamental, foi
estabelecido o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR), que dividiu
o país em cinco regiões, cada uma a ser operada por uma empresa de transporte
105
aéreo. Desta iniciativa, surgiram quatro empresas, a TABA (Transporte Aéreo da
Bacia Amazônica), a Nordeste, a TAM, a Rio-Sul e a Votec. A estas empresas,
foram oferecidas linhas de financiamento extremamente favoráveis para a aquisição
de Bandeirante, que era ideal para este tipo de operação regional. Segundo os
estudos de Bernardes (2000a) e Dias (2002), o resultado deste tipo de incentivo
governamental foi a venda de cinqüenta e duas aeronaves Bandeirante para essas
linhas aéreas regionais.
Ainda em 1975, a Embraer recebeu a visita de Frederick W. Smith, então
CEO da Federal Express (FedEx), dos Estados Unidos. A empresa já pensava
naquela época em formar frota própria para transporte de malotes expressos. O
interesse da FedEx em adquirir até seiscentas aeronaves Bandeirante justificou,
dada a atratividade do pacote, uma série de modificações no projeto, prontamente
implementadas pela Embraer. Segundo Silva (1998), esta modificação foi apenas
uma das várias versões elaboradas para a aeronave, dando à Embraer
oportunidades comerciais muito mais amplas que as que se poderia obter com a
configuração original. A versatilidade e capacidade de adaptação da Embraer era um
dos grandes trunfos da empresa. De acordo com Austin (1990), a empresa chegou a
fabricar até nove versões diferentes do Bandeirante.
Corria o ano de 1973 e a Embraer decidiu que o mercado brasileiro de aviões
leves (também chamado de aviação geral), o segundo maior do mundo, perdendo
apenas para o norte-americano, justificaria a entrada da empresa neste segmento.
No mercado brasileiro, dominavam os aviões leves norte-americanos, da Cessna
Aircraft Company, da Beech Aircraft Corporation e da Piper Aircraft Aviation
Corporation. Tais empresas monopolizavam o mercado do Brasil devido à qualidade
de suas aeronaves, às suas excelentes infra-estruturas de assistência técnica e suas
equipes de vendas.
Inicialmente, a empresa chegou a cogitar o projeto de modelos próprios para
competir com as empresas norte-americanas, mas logo ficou claro que, apesar da
capacidade do Departamento Técnico sob o comando do Eng. Guido Pessotti, não
seria possível projetar e desenvolver vários modelos de aviões diferentes para
atender uma demanda diversificada como a da aviação geral. Assim, ficou claro que
a estratégia a ser seguida era a negociação com os fabricantes pré-estabelecidos
106
para a aquisição de direitos de produção de seus produtos no Brasil. A Embraer foi
bastante incentivada pelo governo brasileiro a avançar no mercado de aviação leve,
pois havia muita preocupação com o aumento no número de aeronaves leves
importadas, de 300 aviões em 1972 para 529 em 1973, ou seja, mais de 76%, e o
decorrente estrago nos resultados da balança comercial.
Assim, segundo Silva (1998), a Embraer iniciou as negociações com a
Cessna, a Beech e a Piper. A Cessna, em meados da década de 70, era a empresa
líder no mercado de aviação geral no Brasil. Possuía modelos de elevado apelo
comercial, como o Cessna 172 Skylane ou 206 Skywagon. O Brasil, como segundo
maior mercado de aviação geral do mundo, era parcela significativa das vendas da
Cessna. Talvez por isso, dada a sua liderança no mercado, a empresa tenha
decidido que o fazia sentido buscar uma estratégia de cooperação, diferente da
que vinha seguindo até então.
A Beech, por sua vez, possuía uma linha de produtos diferente das outras
empresas, com aeronaves maiores que seus concorrentes, normalmente mais caras
e pouco adaptáveis à operação em um país tropical, de clima quente. As
conversações também não foram para frente, por desinteresse mútuo.
Por fim, iniciaram-se as negociações com a Piper, na época a segunda maior
vendedora de aviões leves no Brasil. A empresa havia atravessado uma série de
dificuldades financeiras, pois os descendentes de William T. Piper, que estava no
comando da empresa, o aparentavam ter vocação gerencial. Houve uma troca de
comando e os Piper assumiram posições consultivas, deixando a gestão para
profissionais. Este era o panorama da empresa com a qual a Embraer iniciou
negociações em 1973. A Piper possuía muito interesse em desbancar a Cessna
como a líder no mercado brasileiro, e encarava as negociações com a Embraer
como uma ótima oportunidade para galgar maior participação no mercado. De
acordo com Silva (1998), as negociações foram demoradas, terminando somente em
1975, com a assinatura de contrato de parceria. No contrato, foram definidos os
modelos dos aviões a serem produzidos no Brasil e as condições da parceria,
procurando assim atender as mais diversas demandas da aviação geral. Segundo
Bernardes (2000a), a proposta da Piper foi a vencedora, pois ofereceu maiores
benefícios à Embraer em relação à transferência de tecnologia, utilização de rede
107
internacional de representantes e ausência de pagamentos de royalties. Foram
escolhidos as principais aeronaves da Piper, tornando-se conhecidas no Brasil
como:
EMB-170 Carioca, derivado do Piper Pathfinder PA-28-235;
EMB-711 Corisco, derivado do Piper Arrow II PA-28R-200;
EMB-720 Minuano e EMB-721 Sertanejo, derivados do Piper Cherokee
“Six”;
EMB-810 Seneca, derivado do Piper Seneca II PA-34-200T; e
EMB-820 Navajo, derivado do Piper Navajo Chieftain PA-31-350.
A produção seria realizada a partir de kits (conjuntos semi-acabados)
enviados pela Piper, o que garantia a agilidade na linha de montagem. Rapidamente,
as aeronaves da Piper produzidas pela Embraer começaram a ser vendidas em
larga escala, mostrando o acerto da escolha estratégica pela empresa brasileira.
Devido à aliança com a Embraer, até o final da década de 70 a Piper passaria a
Cessna em número de aeronaves vendidas no mercado brasileiro de aviação leve.
Logo após a formalização do acordo, o governo brasileiro elevou as tarifas
alfandegárias para as aeronaves leves estrangeiras de 7% para 50%, basicamente
garantindo o sucesso da parceria Embraer-Piper em detrimento da ex-líder Cessna e
da Beech.
Vale salientar que esta estratégia de capacitação tecnológica da Embraer
utilizada a partir da década de 70, procurando aprender através das parcerias, foi
extremamente adequada. Como destacou Cabral (1987), “planejadas ou não, as
decisões foram sendo tomadas dentro de uma seqüência bastante lógica quanto ao
processo de desenvolvimento tecnológico. Em primeiro lugar, a empresa adquire
capacitação em projetos em função da forma de transferência de tecnologia
ocorrida. Simultaneamente, faz-se um contrato de produção sob licença com o qual
se ganha muita tecnologia de fabricação (programa Xavante). Em seguida, celebra-
se um acordo com a Piper onde (sic) os benefícios se prendem mais aos aspectos
108
de comercialização e assistência técnica, completando, em linhas gerais, o processo
de desenvolvimento e aprendizado tecnológico”.
Entretanto, defende Bernardes (2000a), apesar desta ter sido uma fase
caracterizada por uma estratégia de desenvolvimento, aprendizado e capacitação
tecnológica de sucesso, a empresa não punha a análise do desempenho entre suas
principais preocupações. A falta de controle de aspectos como custos, desprezados
por muito tempo, acabariam levando a empresa à crise que sobre ela se abateria no
futuro.
A parceria com a Piper não traria somente benefícios comerciais. A empresa
também adquiriu capacitação em marketing e vendas na medida em que foi tendo
contato com outras empresas de maior experiência. A assinatura do contrato com a
Piper foi, neste sentido, um evento marcante, possibilitando à Embraer o treinamento
adequado de sua força de vendas nas principais técnicas de comercialização do
mercado aeronáutico. Para Bernardes (2000b), os benefícios deste acordo com a
Piper destinaram-se mais para estratégias de marketing, comercialização e apoio ao
produto do que para a tecnologia de produção propriamente dita. Todo o sistema de
distribuição da Embraer teve como ponto de partida o sistema de distribuição da
Piper.
Logo nos primeiros anos, era claro para a Embraer que a empresa não se
viabilizaria financeiramente se ficasse restrita ao mercado brasileiro. Era obrigatório,
portanto, a conquista de espaço no mercado externo. O marco inicial da busca por
clientes estrangeiros foi a participação da empresa em 1971 no 29º Salão
Internacional de Aeronáutica de Paris, no Aeroporto de Le Bourget. Auxiliados pelo
Itamaraty e pelos fornecedores franceses do Bandeirante, como a Erca (sistema
elétrico), ERAM (trem-de-pouso e sistema hidráulico) e a Marston (tanques de
combustível), a Embraer montou seu stand na feira aeronáutica, uma participação
que seria mantida ininterruptamente até a grave crise da empresa no início dos anos
90. Vários contratos de venda seriam fechados em Le Bourget, o que justificava a
presença da empresa na feira. Segundo Silva (1998), a participação da Embraer nas
feiras aeronáuticas, em particular na de Le Bourget, deixou claro que a empresa
obteria sucesso em suas vendas ao exterior se passasse pela chancela de órgãos
certificadores, num processo regulatório denominado homologação, ou certificação,
109
que é requerido pelos órgãos estrangeiros equivalentes ao Departamento de
Aviação Civil (DAC) brasileiro, entre eles o Federal Aviation Administration (FAA)
norte-americano. Sem homologação, não é possível vender ou operar uma
aeronave. Portanto, sem a homologação do FAA, seria impossível vender nos
Estados Unidos e, conseqüentemente, tornar-se uma empresa competitiva no
mercado global de aviação.
Desta forma, após a homologação no Brasil, fazia sentido buscar a
homologação norte-americana do Bandeirante, o avião com maior potencial
comercial dentre todas as aeronaves da Embraer no início da década de 70. Foi
assim que em 1975 a Embraer deu entrada no processo de homologação junto ao
órgão público norte-americano. Apesar de diversos entraves técnicos colocados pelo
FAA na homologação do Bandeirante segundo alguns, nada menos que barreiras
não-tarifárias ao produto brasileiro, que despontava como um potencial concorrente
de empresas americanas –, a Embraer logrou homologá-lo três anos depois do início
do processo, em 1978.
Em paralelo ao processo de homologação nos Estados Unidos, a Embraer
buscava vender o Bandeirante a países que aceitassem a homologação brasileira,
expedida pelo CTA. O Uruguai adquiriu, em 1975, cinco Bandeirante e dez Ipanema,
configurando-se na primeira exportação brasileira de aeronaves Embraer. Logo
após, em 1976, a Embraer fechou contrato com o Chile para a venda de duas
versões militares do Bandeirante. Assim, de acordo com Silva (1998), na medida em
que buscava a homologação nos Estados Unidos, a Embraer concentrava seu
esforço de venda nos países periféricos que aceitavam a homologação brasileira do
Bandeirante.
Segundo Bernardes (2000a), o esforço pela internacionalização o é à toa.
Por um lado, nenhum país, fora os Estados Unidos, possui mercado com tamanho
suficiente para justificar os custos de desenvolvimento de uma aeronave. Por outro
lado, os parâmetros de desempenho e segurança para a homologação das
aeronaves são estabelecidos por acordos internacionais. Assim, mesmo que se
produzisse uma aeronave com foco somente no mercado interno, seria obrigatório
projetá-la de acordo com os critérios de homologação internacionais.
110
Além disso, para Dosi et al (1990) a internacionalização justifica-se não
pela busca de escala, mas também de acesso a tecnologias. Como praticamente
não é relevante a noção de propriedade intelectual ou patente industrial para
controle de desenvolvimento tecnológico no setor aeronáutico, as empresas são
forçadas a se internacionalizarem para não verem cópias similares às suas
aeronaves sendo lançadas por outras empresas. A título de exemplo, cita Bernardes
(2000a), nem 5% dos componentes de uma aeronave Boeing são patenteados. Além
do mais, a formação oligopolista do setor faz com que a defesa de inovações
tecnológicas sob a forma de patentes não seja prioritária.
Em 1975, a Embraer deu um passo importante na sua busca perene por
tecnologia aeronáutica de ponta. Segundo Bernardes (2000a), com a aquisição de
aeronaves F-5 da Northrop Aircraft pela FAB e a imposição do Governo de
contrapartidas comerciais (offset), a empresa brasileira foi indicada pela FAB como
responsável pela fabricação da empenagem vertical dos F-5 e alguns componentes
deste avião. Assim, a Embraer adquiriu importante capacidade tecnológica nas
áreas de soldagem metal-metal, materiais compostos e no uso de quinas de
controle numérico.
em 1978, com a homologação americana quase em mãos, a Embraer
buscava as homologações de outros países desenvolvidos, como França, Alemanha
e Inglaterra. Na época, os serviços de homologação em países europeus ainda não
eram unificados como hoje, sob a tutela do Joint Aviation Authorities (JAA) europeu.
Para a homologação inglesa, a Embraer utilizou a experiência da empresa
CSE Aviation, localizada em Oxford (Inglaterra). A CSE também participou
ativamente das vendas da Embraer no exterior, auxiliando na venda de aviões da
empresa para seis empresas inglesas e duas sauditas. Analogamente, a Embraer
utilizou os serviços da Compagnie Générale de Aviation (CGA) na França, para
facilitar seu processo de homologação no órgão regulador francês, empresa esta
que depois passou a representar a Embraer em vendas para empresas aéreas
francesas ou de países francófonos.
Nos Estados Unidos, uma empresa desempenhou um papel similar ao da
CSE e CGA e crucial para a entrada definitiva da Embraer neste que era o maior
111
mercado de aviação do mundo. Devido a restrições do FAA à homologação de uma
empresa estrangeira como a Embraer, foram levantadas fortes barreiras
determinando que a empresa brasileira seria homologada se houvesse alguma
empresa aérea americana operando o Bandeirante, sob a justificativa de “proteção
ao dinheiro do contribuinte norte-americano”. Era claro, entretanto, que isso levava a
um círculo vicioso: a Embraer não conseguia vender a nenhum operador norte-
americano, pois não obtinha a homologação do Bandeirante, e não conseguia a
homologação do Bandeirante porque não conseguia vender a nenhuma linha aérea.
Para resolver esta barreira intencional criada pelo governo norte-americano através
do FAA, a Embraer aliou-se a um empresário norte-americano chamado Robert
Terry, que criou uma pequena empresa chamada Aero Industries e uma subsidiária
chamada Mountain West Airlines. A Mountain West encomendou os três primeiros
Bandeirante do mercado norte-americano.
Segundo Silva (1998), o acordo de venda dos Bandeirante à Mountain West
Airlines foi amarrado à exclusividade de vendas da aeronave nos Estados Unidos e
a um fee por aeronave vendida. Apesar de preferir estabelecer por si própria uma
subsidiária nos Estados Unidos, o que seria feito alguns anos depois, a Embraer não
tinha alternativa, que dava uma importância muito grande ao processo de
homologação do Bandeirante. A Aero Industries e Robert Terry possibilitaram a
quebra do círculo vicioso, em 1979.
Como imaginado, a Aero Industries não possuía estrutura suficiente para
atender todo o mercado norte-americano a contento. Segundo Silva (1998), os
Bandeirante inicialmente comercializados nos Estados Unidos não eram vendidos,
mas comprados”. Mesmo assim, a demanda foi intensa. Deve-se levar em
consideração que a Embraer também teve sorte: as crises do petróleo de 1973 e
1979-81 contribuíram para o sucesso de uma aeronave turbo-hélice, que a
operação de aviões a jato, que consomem mais combustível que os turbo-hélices,
tornou-se muito custosa. Segundo Panhoca (1995), o Bandeirante, bem mais
econômico que um jato, era um dos poucos projetos turbo-hélices disponíveis. O
Bandeirante realmente era um avião privilegiado para o incipiente mercado de
commuter (aviação entre cidades de pequeno porte). Dentre seus poucos
concorrentes (ou seja, aeronaves de dez a vinte passageiros), destacavam-se o
Twin Otter da De Havilland (Canadá) e o Beechcraft 99 da Beech Aviation Company
112
(EUA). Porém todos eles possuíam custos operacionais bem mais altos que os da
aeronave brasileira. Alguns estudiosos do setor nem chegavam a considerar o
Beechcraft 99 como um competidor direto do Bandeirante, somente considerando o
Twin Otter como a outra aeronave pertencente a este nicho.
Em 1977, a Embraer identificou uma ótima oportunidade para projeto de avião
militar de treinamento para a FAB, cujos jatos T-37 fabricados pela Cessna e
utilizados na formação dos pilotos brasileiros em dois anos não mais contariam com
fornecimento de peças de reposição. Isso deixava ao Ministério da Aeronáutica duas
alternativas: investir pesadas somas para adquirir uma quantidade significativa de
peças para estoque ou abolir o uso do T-37 no treinamento dos pilotos militares
brasileiros. Embora a FAB tivesse sérias dúvidas sobre a capacidade da Embraer
em produzir uma aeronave adequada para tal missão, a empresa apresentou uma
proposta extremamente atrativa, o EMB-312, posteriormente denominado Tucano,
um avião turbo-hélice de asas baixas e pilotos em tandem (um à frente do outro),
equipado com motores Pratt & Whitney PT-6 e com bom desempenho para vôo em
baixas velocidades. A opção por um turbo-hélice mostrou-se acertada, ao contrário
da tendência verificada à época de forças aéreas utilizarem jatos para treinamento
de seus pilotos militares. Os turbo-hélices apresentavam consumo relativamente
baixo de combustível em comparação aos jatos, além de custos de manutenção bem
menores. As duas crises do petróleo ocorridas na década de 70 e as previsões
tenebrosas de especialistas a respeito das reservas de petróleo disponíveis para
exploração no futuro contribuíram como mais um forte argumento da Embraer junto
à FAB.
O Tucano foi um avião tecnicamente impecável. Soluções tecnológicas
criadas pela Embraer, como o controle de aeronave turbo-hélice com manete única
ou as capotas da aeronave projetadas em CAD (Computer Aided Design) através de
perfis de cônicas, tornaram-se padrão para a aviação militar, sendo copiadas por
vários de seus concorrentes e demonstrando a alta qualidade de desenvolvimento
tecnológico da empresa. Em 1980, o protótipo do Tucano voava pela primeira vez.
Tendo adicionado soluções inovadoras e as principais sugestões dos oficiais da
FAB, a Embraer foi contemplada em 1982 com uma encomenda de 118 unidades do
Tucano e uma opção de compra de mais 50 aeronaves. A aeronave foi rebatizada
pela FAB como T-27, seu nome militar no Brasil.
113
Segundo Silva (1998), a necessidade de produzir o EMB-312 Tucano para
atender a encomenda da FAB fez com que a Embraer tivesse que expandir sua
capacidade de produção, que a fabricação do Bandeirante, nessa época a pleno
vapor, encontrava-se num ritmo de seis aeronaves por mês.
Uma aeronave militar tão boa e revolucionária como o Tucano certamente não
ficaria restrita somente ao mercado brasileiro. Logo o governo do Egito anunciou a
aquisição de 120 unidades da aeronave e mais 60 opções de compra (num total de
US$ 181 milhões, a maior venda internacional da Embraer até então). Além disso,
uma fábrica no Cairo ficaria responsável por fabricar sob licença 40 aeronaves
Tucano, a serem vendidos para o Iraque.
A Embraer também buscou participar da concorrência de substituição dos
aviões Jet Provost, antigos jatos de treinamento da RAF (Royal Air Force) da Grã-
Bretanha. A concorrência na Grã-Bretanha dava-se da mesma forma que em
qualquer outro país desenvolvido que fabrique aviões: um produto estrangeiro é
considerado como concorrente válido se estiver associado a um fabricante nacional,
gerando empregos no território deste país. Assim, a Embraer aliou-se à irlandesa
Short Brothers para competir na licitação com o Tucano, que seria fabricado sob
licença pela parceira britânica. Em 1985, após dois anos trabalhando por este
cliente, a Embraer anunciou a venda de 130 unidades do Tucano. Foi a primeira
venda de equipamento militar de uma empresa brasileira para um membro da OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte). Diante de tantas modificações exigidas
pela RAF britânica, o Tucano acabou recebendo o nome de Super Tucano,
possuindo mais potência que a aeronave original, hélice com cinco pás, cabine
pressurizada, eletrônica de o com displays de cristal líquido modernos e assentos
ejetáveis.
Segundo Bernardes (2000a), apesar de tantas adaptações às exigências do
cliente, levando a aumentos substanciais do custo unitário, a Embraer não promoveu
alterações no preço final do Tucano para a RAF. Tal atitude refletia a disposição da
empresa brasileira em atender a demanda dos consumidores e aumentar suas
próprias capacidades tecnológicas, mesmo que sob risco de prejuízo na operação
comercial. Segundo o estudo do Office of Technology Assessment (1991) do
Congresso norte-americano, o Tucano vendeu mais de seiscentas aeronaves em
114
todo o mundo, tornando-se o líder em vendas dentre as aeronaves turbo-hélices de
treinamento militar.
Em 1979, o governo federal, como acionista controlador da Embraer, ordenou
à empresa a aquisição da Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, que se
encontrava em dificuldades financeiras e enfrentava reais possibilidades de falência.
Procurando restaurar a rentabilidade da empresa, a Embraer transferiu a
responsabilidade pela produção do Ipanema para a Neiva, embora mantivesse a
marca Embraer e utilizasse a estrutura de vendas da empresa em São José dos
Campos. Fechou-se o escritório da Neiva em São José dos Campos, concentrando
suas atividades em Botucatu. Em 1982, surgiu a oportunidade de criar uma variante
do EMB-820 Navajo, fabricado sob licença da Piper. O novo avião, que passou a se
chamar Neiva N-821 Carajá, teve substituídos os motores a pistão do Navajo original
por motores turbo-hélices, oferecendo ganhos significativos de desempenho
operacional. Embora tenha feito algum sucesso, o Carajá não alcançou sucesso
absoluto pela falta de pressurização, que então já se tornava um diferencial
importante na aviação.
3.2.3 Década de 80: a expansão internacional consolidada
A década de 80 foi um período que iniciou com grande crescimento da
empresa, principalmente em virtude da consolidação de sua liderança no mercado
doméstico e do sucesso de sua estratégia de conquista de mercados externos,
principalmente o norte-americano. Com as suas aeronaves operando em um número
cada vez maior de linhas aéreas estrangeiras, a Embraer passou a enfrentar novos
desafios e a descobrir novas oportunidades. Não mais a empresa ficava restrita ao
mercado brasileiro, estando de certa forma protegida pela ajuda governamental,
embora enfrentando algumas dificuldades pontuais, como a tributação inadequada
aos produtos aeronáuticos brasileiros.
Um dos problemas enfrentados foi a assistência técnica deficiente.
Visivelmente, a Aero Industries, parceira e representante da Embraer nos Estados
Unidos, não estava atendendo adequadamente as altas demandas dos operadores
americanos por assistência técnica rápida e eficaz, resolvendo os problemas a
115
tempo e impedindo a interrupção prolongada dos os. Afinal, como diz qualquer
empresário da aviação civil, “avião no chão é dinheiro no lixo”.
Assim, a Embraer desfez o acordo de representação com a Aero Industries.
Sem nenhum outro parceiro alternativo para atender o mercado norte-americano, a
solução foi internalizar esta função, criando a Embraer Aircraft Corporation (EAC),
uma subsidiária da empresa brasileira para aquele país. O local escolhido para a
instalação da subsidiária foi Fort Lauderdale, no estado americano da Flórida, pois a
cidade possuía um aeroporto internacional com significativas operações em aviação
de pequeno porte, o foco comercial da Embraer, e o condado local ofereceu
generosos incentivos fiscais para realização dos investimentos na região. A esta
altura, citam Ghemawat et al (2000), a Embraer havia capturado 46% do mercado
de commuters do tipo turbo-hélice e o Bandeirante já havia ultrapassado em vendas
o líder anterior Fairchild, vindo a ser chamado de “bandido” pelos competidores.
Nesta época, o mercado americano de commuters, que explorava a ligação
entre as cidades de menor porte, estava evoluindo a passos rápidos, demonstrando
o acerto da Embraer no desenvolvimento do Bandeirante, uma aeronave adequada,
talvez a única, para este segmento de mercado. Ficava claro que era antieconômico
operar grandes jatos entre cidades de menor porte, o que abria oportunidades para
aeronaves menores.
Segundo Silva (1998), a EAC possuía como atividades principais a venda de
aviões e peças de reposição, além da prestação de assistência técnica e
treinamento aos operadores norte-americanos clientes da Embraer. Afastando-se
dos problemas da época em que era parceira da Aero Industries, a Embraer viu sua
estratégia de instalar-se no maior mercado do mundo lograr sucesso: as vendas de
Bandeirante a empresas dos Estados Unidos cresceram significativamente.
Também contribuiu bastante para o crescimento da Embraer nos Estados
Unidos a associação da empresa à Commuter Aviation Association (CAA),
posteriormente Regional Airline Association (RAA), quando a associação era ainda
recém-criada. Em contato próximo com as empresas que dominavam o mercado de
commuters, a Embraer largou na frente da concorrência e estabeleceu nculos que
resultaram posteriormente em várias vendas.
116
Na mesma época, a Embraer também tratou de preparar sua expansão em
outro mercado importante, a Europa. Descontando algumas poucas vendas de
Bandeirante, principalmente para linhas aéreas inglesas, a Embraer ainda não
possuía uma posição tão forte na Europa no início da década de 80, embora o seu
crescimento ano após ano fosse promissor. De acordo com Silva (1998), a solução
de criar uma subsidiária na Europa como a EAC americana foi aventada, mas logo
considerada inadequada, pois a Europa é constituída de diversos países e a
diversidade não poderia ser desconsiderada. Estabelecer uma subsidiária em cada
país também estava fora de questão, pois se mostrava antieconômico. A solução,
então, passava claramente pelo estabelecimento de parcerias com empresas que
representassem a Embraer em cada país.
Assim, a Embraer iniciou sua expansão européia através do estabelecimento
de uma aliança com a Compagnie Générale de Aeronautique (CGA) na França, que
passou a ser a representante da Embraer neste país. Um dos principais resultados
desta parceria, em conjunto com o esforço da diplomacia brasileira, foi a venda de
41 EMB-121 Xingu, aeronave de treinamento e transporte, para a Força Aérea
Francesa, respeitada em todo mundo. Segundo Silva (1998), esta venda fez a
Embraer ser reconhecida como uma empresa capaz de fabricar de aeronaves
militares de excelência.
Em 1982, a Embraer constituiu uma subsidiária na França chamada Embraer
Aviation International (EAI), com o objetivo de apoiar aos seus representantes
europeus, sem foco único e específico no mercado francês. A subsidiária instalou-se
no Aeroporto de Le Bourget.
Mas o crescimento da Embraer no mercado internacional não se fez sem
batalhas ferozes com os concorrentes. A exemplo da disputa entre Embraer e
Bombardier que ocorre hoje na Organização Mundial do Comércio (OMC), a
Fairchild Aircraft Corporation entrou com uma ação contra a Embraer perante a
International Trade Comission (ITC), uma agência governamental norte-americana
vinculada ao Departamento do Comércio e cuja função é analisar queixas de
produtores americanos no que se refere a práticas de comércio ilegais (SILVA,
1998).
117
A Embraer, por pertencer a um país subdesenvolvido com altas taxas de
inflação e de juros reais, passou a contar com apoio econômico do governo
brasileiro, que se manifestava na concessão de financiamentos diretos ao cliente
estrangeiro, nivelando as taxas de juros a patamares internacionais, e no
oferecimento de compensações a instituições financeiras não-brasileiras,
possibilitando que as mesmas pudessem oferecer taxas de juros menores.
Após dois anos de batalhas judiciais, a ITC finalmente deu um veredicto
favorável à Embraer, o que possibilitou à empresa brasileira a continuidade da venda
de seus produtos aos operadores norte-americanos.
Logo no início da década de 80, com o Bandeirante sendo vendido a várias
empresas de várias partes do mundo, a Embraer passou a estudar seriamente a
viabilidade comercial de uma aeronave também voltada para o mercado commuter,
mas com uma capacidade de 30 lugares, portanto maior que a do Bandeirante.
Como a ocupação da capacidade (load factor) das linhas aéreas operando
Bandeirante estava muito alta (no caso do setor aeronáutico, uma taxa média de
ocupação de 65% já é considerada alta), acreditava-se que as empresas poderiam
estar perdendo clientes, podendo voltar a conquistá-los caso fossem utilizadas
aeronaves de maior capacidade. De acordo com o estudo do Office of Technology
Assessment (1991) do Congresso norte-americano, a oportunidade comercial e o
prestígio desenvolvido pela Embraer com o sucesso do Bandeirante levaram a
empresa brasileira a desenvolver o EMB-120 Brasília, uma aeronave que também
viria a ter um grande sucesso comercial, catapultando a empresa a vôos ainda mais
altos. Desde 1975 havia investimentos no projeto do EMB-120 Brasília, uma das
aeronaves do Projeto 12X (que compreendia uma família de aeronaves
pressurizadas), mas somente no início da década de 80, o projeto mostrou-se uma
excelente oportunidade comercial, o que acelerou seu desenvolvimento.
O conceito de família deriva da descoberta de vantagens existentes no
desenvolvimento de versões derivadas de modelos básicos, proporcionando ganhos
de escala e de escopo, bem como menor time-to-market (tempo para introduzir a
nova aeronave no mercado). Segundo Bernardes (2000a), um avião derivado entra
no mercado em cerca de dois ou três anos, aproximadamente metade do tempo de
um projeto novo. O conceito de família permite a vantagem da comunalidade entre
118
os aviões, beneficiando tanto os fabricantes como os clientes. Este conceito,
também utilizado por outros fabricantes de aeronaves, como Boeing e Airbus,
possibilita menor custo de infra-estrutura de manutenção, estoques mais enxutos e
menores custos de treinamento de pilotos e pessoal técnico.
Apesar de ser uma ótima aeronave sob o ponto de vista do operador de linha
aérea, o Bandeirante recebia diversas críticas dos passageiros: apertado, ruidoso e
muito quente quando no solo. Mas um de seus maiores problemas, na ótica dos
usuários, era a falta de pressurização, que provocava grande desconforto em alguns
passageiros. A evolução técnica para a pressurização era um passo difícil de ser
dado, pois os requisitos de segurança para garantir que o sistema não oferece riscos
aos passageiros são muito rigorosos, além do que a pressurização da cabine leva ao
aumento do peso estrutural da aeronave, encarecendo significativamente os custos
operacionais, o que era uma grande vantagem do Bandeirante. Mas, embora fosse
um passo difícil a ser dado, a Embraer sabia que a evolução da aviação commuter
caminhava em direção a aeronaves pressurizadas.
O início do envolvimento da Embraer com a tecnologia de pressurização de
cabines deu-se com o desenvolvimento do projeto de uma nova versão do
Bandeirante, chamada EMB-110P3. Segundo Silva (1998), todas as empresas
nacionais e internacionais operando Bandeirante sugeriam que a aeronave com
pressurização teria um potencial comercial muito grande. A pressurização requerida
para o perfil de vôo do Bandeirante não era tão grande quanto a dos grandes jatos
operando em longa distância (cerca de 30% somente), mas mesmo assim
representava um desafio tecnológico significativo, devido aos maiores esforços
estruturais na fuselagem da aeronave e à maior potência requerida aos motores,
necessária para a pressurização. Portanto, a pressurização necessariamente levaria
a investimentos altos no projeto, complexo que era, e em custos operacionais
maiores para os operadores, visto que a nova aeronave certamente apresentaria um
peso estrutural maior que o Bandeirante padrão.
O EMB-110P3 Bandeirante acabou não saindo das pranchetas dos
projetistas. A aeronave pressurizada, devido ao seu maior peso e aos motores
necessariamente mais potentes, realmente possuiria um consumo de combustível
que o tornaria antieconômico nas curtas etapas em que era normalmente utilizado.
119
Entretanto, o tempo no projeto de aperfeiçoamento do Bandeirante não foi perdido.
O EMB-120 Brasília, próxima aeronave da Embraer, utilizaria com grande êxito a
tecnologia de pressurização de cabine.
O Projeto 12X, de aeronaves pressurizadas pertencentes a uma mesma
família, contava com três modelos diferentes: o EMB-120 Araguaia (projeto
posteriormente modificado e denominado EMB-120 Brasília), o EMB-121 Xingu e o
EMB-123 Tapajós (posteriormente CBA-123 Vector). Para Bernardes (2000a), este
foi um passo ousado demais, além das capacidades da Embraer, que não possuía
experiência na produção de aeronaves sob o conceito de “família”. Claramente foi
dada ênfase excessiva no desenvolvimento tecnológico em detrimento da viabilidade
comercial. Além do mais, com a empresa em crescimento rápido e pujante, o
havia planejamento adequado da capacidade de produção nem controle de custos, o
que se transformou em sério problema quando a indústria aeronáutica desaqueceu.
O primeiro avião projetado da família foi o EMB-121 Xingu. O Xingu era um
bimotor turbo-hélice pressurizado com capacidade para até seis passageiros. O foco
comercial da aeronave era o segmento de aviação executiva.
A Pratt & Whitney canadense, fornecedora da linha de motores PT-6 ao
Bandeirante, tornou-se também a fornecedora de motores para o Xingu, dando
continuidade ao relacionamento de parceria iniciado desde 1970. Com os
especialistas da empresa canadense, que possuía extensa experiência no
fornecimento a fabricantes de aeronaves pressurizadas, a Embraer aprendeu
tecnologias que não conhecia.
Apesar de serem modelos diferentes do Bandeirante, a Embraer procurou
manter o máximo de comunalidade entre a família 12X e o Bandeirante, reduzindo
os seus custos de projetos e de fabricação e os de manutenção dos operadores
aéreos.
A estratégia da Embraer foi posicionar o Xingu dentro dos limites de
homologação do regulamento FAR 23 do FAA americano, o que limitava o peso da
aeronave a 5.680 kg. Isto teve profundas implicações no desempenho comercial da
aeronave, pois, com a introdução do sistema de pressurização, a aeronave ficou
com um peso vazio substancialmente alto, o que limitou a carga útil da aeronave, um
120
sério problema em se tratando do mercado executivo. Além disso, o peso elevado da
aeronave diminuiu o seu desempenho, tornando-o um grande consumidor de
combustível. Por fim, a homologação da aeronave no FAA sofreu diversos atrasos, o
que reduziu substancialmente sua chance de sucesso no mercado americano.
Apesar dos seus avanços tecnológicos, o Xingu era difícil de pilotar, e menos
competitivo que o seu competidor fabricado pela Beech, o Raytheon Beech King Air
B200.
Segundo Silva (1998), além dos 41 Xingu para a Força Aérea Francesa, a
Embraer vendeu 6 unidades para o governo brasileiro, 5 unidades para a Sabena
belga e poucas unidades para a CSE Aviation inglesa, para o governo nigeriano e
para operadores brasileiros e colombianos. Assim, com um saldo de 106 aeronaves
vendidas, o projeto Xingu nunca foi um resultado comercial, e se não fosse a
intervenção do Ministério das Relações Exteriores ao intermediar a venda de 41
unidades para a França, este programa teria proporcionado prejuízos ainda maiores
para a Embraer. Na verdade, de acordo com Bernardes (2000a), apesar de
tecnicamente sofisticado, o Xingu drenou recursos preciosos do caixa da Embraer e
foi um dos motivos que levou a empresa à situação de penúria ao final da década de
80.
O fracasso comercial do projeto Xingu levou a Embraer a convencer-se de
que o mercado executivo não era adequado para a Embraer, pelo menos não no
momento (SILVA, 1998). A empresa conhecia em muito maior profundidade o
mercado de aviação regional/commuter e decidiu dedicar todo o seu esforço de
fabricação de aeronaves civis neste segmento. A idéia de explorar o mercado
executivo só reapareceria quase duas décadas depois com o Legacy, uma aeronave
da família ERJ-145.
Como foi apresentado acima, a utilização de pressurização pela Embraer
levou a empresa a buscar soluções tecnológicas inovadoras. A pressurização de
uma aeronave normalmente leva a um indesejado aumento de seu peso estrutural.
Para minimizar a necessidade de usar chapas metálicas muito mais pesadas, o que
traz prejuízos na competitividade do avião, as empresas costumam utilizar um
processo complexo chamado usinagem química. Como tal técnica era desconhecida
no Brasil, a Embraer tinha duas alternativas: desenvolvê-la sozinha ou adquiri-la de
121
uma empresa com know-how suficiente. Através de uma aliança celebrada com a
Sikorsky Aircraft (uma divisão da United Technologies Corporation, que também
controla a Pratt & Whitney canadense), a Embraer pôde adquirir a tecnologia que
permite diminuição do peso estrutural sem prejuízo da resistência mecânica a falhas.
Esta tecnologia é crucial para garantir a competitividade de projetos de aeronaves
pressurizadas.
Porém, esta importante tecnologia não foi transferida à toa. Segundo Silva
(1998), o Ministério da Aeronáutica havia encomendado à Sikorsky uma quantidade
significativa de helicópteros para sua frota e impôs aos vencedores contrapartidas
comerciais (conhecidas como offset ou countertrade), dentre as quais estava a
transferência da tecnologia de usinagem química, garantindo o treinamento dos
engenheiros e técnicos da Embraer, bem como indicando os fornecedores das
matérias-primas utilizadas.
Apesar de ter sido considerado um fracasso comercial, o Xingu capacitou a
Embraer em seus projetos futuros. Segundo Cabral (1987), a capacitação
tecnológica conquistada na aeronave com o novo sistema de pressurização foi
fundamental para a realização do programa EMB-120 Brasília. Diferentemente do
Xingu, o próximo projeto da família 12X foi um sucesso comercial. O EMB-120
Brasília, aeronave de transporte destinado à aviação regional, com capacidade
máxima de 30 passageiros, atendia os mais modernos requisitos técnicos da época
e a demanda dos principais operadores aéreos por uma aeronave de maior
capacidade que complementasse o Bandeirante. Por exemplo, contava com sistema
eletrônico de última geração, o que permitia sua operação em aeroportos modernos
e uma elevada quantidade de peças em materiais compostos (frutos do avanço da
Embraer nesta área com o projeto AMX), além do sistema de pressurização
desenvolvido no projeto Xingu. De acordo com Bernardes (2000a), o Brasília foi o
primeiro turbo-hélice a ultrapassar a barreira de 300 nós de velocidade e o primeiro
avião a utilizar o sistema eletrônico de instrumentos de vôo (EFIS), assegurando
qualidade de vôo muito melhor que os outros turbo-hélices da época.
Segundo Silva (1998), desde o início o Brasília foi projetado para atender
seus operadores sem qualquer limitação de regulamento contemporâneo, ou seja,
todo o projeto seria baseado nos regulamentos mais rigorosos, assegurando uma
122
grande “longevidade legal” para aeronave. Toda a concepção foi, portanto, baseada
nas diretrizes mais recentes das principais autoridades homologadoras dos Estados
Unidos e da Europa. Nos Estados Unidos, a aeronave foi homologada através das
normas do FAR-25 (as mesmas exigidas para aeronaves Boeing ou Airbus),
abandonando as requisições do FAR-23, que se referiam a aeronaves pequenas
(utilizadas para homologação do Bandeirante, por exemplo). Assim, a empresa
demonstrava incontestavelmente a qualidade e segurança de seu produto.
A Embraer Aircraft Corporation (EAC) realizou uma iniciativa inusitada:
instituiu um Comitê de Orientação, composto por empresas operadoras de
aeronaves Bandeirante, cujo objetivo era ajudar a Embraer na especificação do
Brasília. Assim, além de permitir a melhor compreensão das principais demandas
dos clientes, esses painéis de discussão asseguraram que a Embraer adicionava as
inovações que o mercado solicitava, permitindo assim uma vantagem competitiva
sobre os seus concorrentes.
O EMB-120 foi realmente um excelente avião. O projeto, elaborado segundo
as mais avançadas técnicas da época, resultou numa aeronave leve, veloz, com alto
desempenho e relativamente confortável em comparação a seus concorrentes.
Diversos componentes estruturais foram feitos a partir de plásticos e materiais
compostos (principalmente fibra de carbono e kevlar), reduzindo assim o peso total
da aeronave e conseqüentemente tornando-a mais econômica.
A esta altura um fornecedor e parceiro tradicional da Embraer, a Pratt &
Whitney (P&W) viu a empresa brasileira solicitar-lhe um motor que oferecesse os
1.600 HP requeridos para a operação da aeronave. Embora não tivesse tal item em
sua linha de produtos, a empresa canadense garantiu a continuação do
relacionamento comercial ao comprometer-se a desenvolver o motor
especificamente para as condições determinadas pela Embraer, abandonando assim
a configuração dos famosos PT-6 que, na empresa brasileira, equipavam os
Bandeirante e os Xingu. Assim, nasciam os PWC 100, motores turbo-hélice
incorporando uma série de modernos conceitos da engenharia aeronáutica.
Para o desenvolvimento das hélices foi selecionada a Hamilton Standard
(HS), dos Estados Unidos, assim como a P&W, também uma divisão da United
123
Technologies. O anteprojeto técnico da hélice, elaborado pela Embraer, levava em
consideração técnicas aerodinâmicas inéditas até então, melhorando o desempenho
deste item.
O projeto do Brasília também foi desenvolvido sob a perspectiva de
comunalidade entre as aeronaves da família 12X e outras aeronaves da Embraer.
No projeto, foram aproveitadas as asas do Bandeirante (modificadas para suportar o
maior peso estrutural) e a cauda e fuselagem do Xingu (esta última tendo sido
alongada).
Ao contrário do Bandeirante, que ocupava quase sozinho um nicho do
mercado, o Brasília claramente concorria com outras aeronaves. Sua excelência
técnica, portanto, foi fator crucial para o bom desempenho comercial durante o
tempo de vida útil do projeto. Segundo Silva (1998), na época do roll-out
(apresentação) do Brasília, o Bandeirante voava em 26 países diferentes, com
quase quatrocentas unidades fabricadas. O declínio de suas vendas deixava claro o
acerto em desenvolver uma nova aeronave para sucedê-lo, atendendo à demanda
por produtos com maior capacidade e maior conforto para os passageiros.
Em 1984, a Embraer anunciou 22 ordens firmes de compra do Brasília na
Convenção da Regional Airline Association e contrato de venda de dez aeronaves
para a Provincetown Boston Airlines (PBA), uma companhia americana do tipo
commuter. Outra companhia norte-americana, a Atlantic Southeast Airlines (ASA),
seguiu a PBA e executou ordem de compra também de dez Brasília. Ambas as
empresas operavam Bandeirante, o que, de acordo com Silva (1998), demonstrava a
satisfação com o desempenho técnico e de assistência da Embraer e suas
aeronaves. Assim, as encomendas para 1985 já contemplavam a fabricação da nova
aeronave, a preços unitários entre US$ 5 e 6 milhões, dependendo da configuração
e os opcionais solicitados.
O sucesso da Embraer, antes com o Bandeirante e logo após com o Brasília,
chamou a atenção de diversas empresas para o mercado de aviação regional. Além
da De Havilland (Canadá), Beech e Sweringen (EUA) e Short Brothers (Grã-
Bretanha), que competiam ao menos indiretamente com o Bandeirante, entravam no
mercado empresas como a SAAB (Suécia), a Aérospatiale (França), a British
124
Aerospace (Grã-Bretanha), a DASA (Alemanha), a CASA (Espanha) e a Nurtanio
(Indonésia). Realmente, um nicho de mercado com margens tão altas justificava a
briga por fatias de mercado. Os principais competidores no nicho de mercado do
Brasília podem ser encontrados no quadro a seguir:
Segmento Construtor Avião Assentos Propulsão
20-45 assentos BAe Jetstream 41 25 Turbo-hélice
Dornier Dornier 30 Turbo-hélice
Short Brothers Shorts 330 30 Turbo-hélice
Embraer Brasília 30 Turbo-hélice
Saab Saab 340 32 Turbo-hélice
Short Brothers Shorts 360 36/39 Turbo-hélice
De Havilland Dash 8-100 37/40 Turbo-hélice
CASA / IPTN CN-235 40 Turbo-hélice
Quadro 5 – EMB-120 Brasília e seus concorrentes (AIR & COSMOS, 1992)
O mercado, portanto, era muito mais competitivo e parecia distante a época
em que a aeronave da Embraer (no caso, o Bandeirante) pudesse ser considerada
praticamente o único produto num determinado nicho de mercado.
De acordo com Silva (1998), no início a preocupação era a de criar a base
para a fabricação de aeronaves, num país sem tradição industrial neste setor. Mas já
na década de 80, as maiores preocupações estavam em aprimorar a infra-estrutura
da fábrica e as técnicas de gerenciamento para adquirir melhor eficiência
operacional. Por exemplo, ao contrário da tendência mundial do setor de fabricação
aeronáutica, a Embraer ainda contava com uma produção muito pouco horizontal,
visto que a maior parte das peças que compunham seus aviões eram fabricadas na
própria empresa.
Por isso, todo o sucesso encontrado até então sofria algumas ameaças. Nem
sempre a Embraer atuava como seus principais concorrentes. Por exemplo, a
inexistência no Brasil de um parque industrial adequado forçou a empresa a
executar uma produção muito mais vertical que seus concorrentes, que podiam
contar com uma gama de fornecedores muito maior que a empresa brasileira. A
Embraer realmente produzia a maior parte das peças que compunham seus aviões.
Isto não era necessariamente negativo, mas a história mostra que, ao menos na
indústria aeronáutica, pressões de mercado para a horizontalização da produção
125
levaram as empresas fabricantes a uma especialização cada vez maior.
Analogamente às montadoras de automóveis, os fabricantes de aeronaves tornam-
se cada vez mais montadoras de partes e sistemas produzidos por terceiros.
Ainda que premida pelas dificuldades inerentes em fabricar aviões no Brasil,
um país em desenvolvimento, a Embraer vinha de uma série de sucessos,
crescendo substancialmente, em parte pela sua excelente capacidade técnica, em
parte pelo auxílio governamental. O tino comercial, identificando oportunidades em
nichos inexplorados, também explicava parte do sucesso da empresa. Foi então que
a empresa deu seu primeiro grande passo comercial em falso: o AMX.
O AMX foi outra aeronave desenvolvida no início da década de 80. Ainda na
década de 70, a FAB apresentou à Embraer o interesse de possivelmente adquirir
versões monoposto (ou seja, somente para um piloto) do EMB-326G Xavante, uma
aeronave fabricada sob licença da Aermacchi. Uma aeronave monoposto seria mais
adequada para missões de grande alcance, necessárias num país de dimensões
continentais como o Brasil. Em pouco tempo, trabalhando em conjunto com a
empresa italiana, nasceu um pré-projeto da aeronave, que recebeu o nome de MB-
325K na Itália. Tal pré-projeto claramente não atingia os requisitos da FAB. A
Aermacchi, entretanto, resolveu fabricá-la por conta própria, sem participação da
Embraer, e chegou a vendê-la para a África do Sul e para a própria Itália.
Assim, novos cálculos foram feitos, e uma nova alternativa, denominada EMB-
340 surgiu, bem mais adequada às necessidades da FAB. O anteprojeto do EMB-
340 previa uma aeronave com asas enflechadas (ou seja, com um ângulo formando-
se entre as asas e a fuselagem da aeronave quando vista em planta, formando o
desenho de uma flecha) e contendo o novo motor Rolls-Royce M-45H, permitindo
um ótimo desempenho a baixo consumo de combustível. O governo brasileiro então
intercedeu e moldou uma nova parceria para a Embraer através de seus contatos
com o Ministério da Defesa Italiano. Agora uma aliança tripla seria formada, entre a
Embraer, a Aeritalia (hoje Alenia) e a Aermacchi. A despeito das preocupações
manifestadas pela Embraer em estabelecer uma parceria com uma estatal italiana
(no caso, a Aeritalia), as similaridades entre os requisitos apresentados tanto pela
FAB como pela Força Aérea Italiana fizeram com que a aliança fosse selada. A
Embraer teria que se resignar e participar do projeto, já que estava sujeita ao
126
controle governamental brasileiro. O programa AMX previa a aquisição de 266
aeronaves da versão monoposto (para somente um tripulante), sendo 187 unidades
para a Itália e 79 unidades para o Brasil.
De acordo com Silva (1998), a hostilidade da Aeritalia para com os brasileiros
era clara desde as primeiras reuniões. A empresa italiana sentia-se como a principal
viabilizadora do projeto do binacional, boicotando as sugestões da brasileira
Embraer e da italiana Aermacchi. Como o governo italiano adotava um sistema de
reserva de mercado para suas fábricas aeronáuticas, sistema em que a Aeritalia
ficava responsável pelas aeronaves militares de primeira linha (ataque ou apoio ao
solo) e a Aermacchi ficava responsável por aeronaves de treinamento militar
(normalmente mais simples que os caças de ataque), a Aeritalia via-se numa
posição superior tanto à Aermacchi quanto à Embraer.
Além dos desentendimentos entre os parceiros, o ambiente macroeconômico
brasileiro tornava difícil o sucesso do projeto. A FAB possuía orçamento limitado, o
que impedia transferência direta de recursos para a pesquisa e desenvolvimento do
AMX na Embraer. Por ser uma instituição de caráter misto, a Embraer também
possuía restrições quanto à capacidade de financiar-se em órgãos como a FINEP ou
o BNDES, cujas operações financeiras eram preferencialmente direcionadas para
concessão de linhas de crédito a empresas privadas. O financiamento por bancos
comerciais brasileiros também era desaconselhável: o país passava por um surto de
hiperinflação que levava os juros a patamares que tornavam impraticáveis os
financiamentos. Assim, a única alternativa que restou para o financiamento do
programa foi mesmo buscar linhas de crédito internacionais.
Em 1982, foi definida a divisão do trabalho e a proporção relativa a cada
empresa (em homens-hora, o padrão usual no desenvolvimento de projetos
aeronáuticos): à Aeritalia caberiam 46%; à Aeronáutica Macchi, 24%; e à Embraer,
30%. Segundo Silva (1998), a Embraer ficou responsável pelo projeto e fabricação
das asas, entradas de ar do motor, suportes dos armamentos, tanques externos de
combustível, trens-de-pouso principais e o estabilizador horizontal. A Aermacchi
ficou responsável pelo nariz do avião, parte posterior da fuselagem, sistemas
eletrônicos de navegação e sistemas de armas. À Aeritalia, coube o
desenvolvimento e manufatura da fuselagem da aeronave, do trem-de-pouso
127
dianteiro e do estabilizador vertical, além do gerenciamento global do programa.
Enfim, um projeto cujas responsabilidades estavam bem balanceadas.
Segundo Silva (1998), nem sempre um projeto desenvolvido em parceria é
mais eficaz do que um projeto desenvolvido por uma empresa só. Teoricamente,
muitas empresas utilizam alianças no desenvolvimento de projetos para mitigar
riscos ou diminuir os custos, mas segundo o autor nem sempre isto ocorre, podendo
acontecer exatamente o oposto. Para ele, em projetos complexos como os da
indústria aeronáutica, em que deslizes na fase de desenvolvimento podem acarretar
custos adicionais e recorrentes muito altos, deve-se dar ênfase absoluta na gestão
da aliança, sob risco de enfrentar falhas graves que inviabilizem o projeto. Além
disso, muitas vezes é extremamente difícil ajustar-se ao trabalho em equipe quando
as lideranças são muitas e por vezes difusas, como ocorre algumas vezes em
projetos de cooperação e alianças estratégicas.
De acordo com Bernardes (2000a), os programas de cooperação e alianças
estratégicas tornam-se cada vez mais importantes no setor aeroespacial, sendo uma
das principais características desta indústria. Além da ótica empresarial, em que as
alianças são encaradas como fatores mitigadores de risco e forma de reduzir custos
de desenvolvimento, sob a ótica dos trabalhadores as alianças representam a
possibilidade de manutenção dos níveis de emprego e as possibilidades de
aprimoramento profissional-tecnológico ante a adoção de novas tecnologias e
intercâmbio entre as empresas.
Assim foi concebido o AMX, que na FAB passou a ser conhecido pelo seu
nome militar A-1. Projetada para voar em altas velocidades subsônicas (ou seja,
pouco abaixo da velocidade do som), a aeronave podia operar em altitudes
extremamente baixas, tanto de dia como à noite, em condições adversas para a
operação. Era um monomotor de asa alta, inicialmente concebido como um
monoposto, mas o projeto sofreu alterações para posteriormente permitir a versão
biposto. A aeronave possuía uma aerodinâmica excepcional, possibilitando missões
em condições adversas, além de contar com sistemas eletrônicos de última geração.
Para equipar o AMX, foi selecionado o motor Rolls-Royce Sey Mk 807,
fabricado sob licença pela Fiat, Piaggio e Alfa Romeo, um motor considerado muito
128
confiável, fator indispensável para a segurança dada a especificação da aeronave
como monomotor.
Não o projeto, mas o programa industrial de desenvolvimento do AMX foi
extremamente complexo. A Aeritalia teria dificultado ao máximo o acesso da
empresa brasileira aos sistemas de aviônica militar da aeronave. Foi necessária
intervenção do governo brasileiro para que a Embraer tivesse acesso aos sistemas e
softwares, conseguindo assim as qualificações necessárias para projetar ou
modificar qualquer item eletrônico do AMX (SILVA, 1998). Isto era indispensável
para o apoio técnico da Embraer à FAB na pós-venda, pois sistemas eletrônicos são
parte indispensável de uma aeronave militar moderna, sem os quais o avião o
poderia executar várias de suas missões.
Segundo Bernardes (2000a), para atender todas as modificações requeridas
pela FAB, o AMX teve seu custo unitário aumentado de US$ 8 milhões para US$ 18
milhões, diminuindo consideravelmente a possibilidade de retorno do programa, pois
era extremamente difícil efetuar repasses equivalentes aos preços.
Para Silva (1998), o projeto do AMX foi bastante importante para o
desenvolvimento tecnológico de ambos os países, mas a aliança não se caracterizou
como um processo de transferência de tecnologia, pois tanto os italianos como os
brasileiros depararam-se com a sofisticação das especificações do avião pela
primeira vez. Assim, foi necessário buscar soluções inovadoras, não se baseando
em nenhum projeto existente, ação usual no desenvolvimento de uma nova
aeronave. segundo Bernardes (2000a), o projeto AMX foi um dos grandes
aprendizados da Embraer, por ser um projeto de cooperação internacional, que se
consagra como uma grande tendência do setor para o desenvolvimento de produtos.
Para o autor, este aprendizado será de grande valia no programa ERJ-145.
Em 1984, voou o primeiro protótipo do AMX, sendo o primeiro exemplar
entregue à Aeronáutica Militar Italiana em 1989, após os ensaios em vôo que
comprovaram a capacidade da aeronave em atender as especificações do projeto.
O projeto AMX foi extremamente criticado por alguns setores da sociedade
brasileira pelo alto valor despendido no seu desenvolvimento, cerca de US$ 1,8
bilhão de 1979 a 1987. Segundo Lopes (1994), o jornalista Gilberto Dimenstein, da
129
Folha de S. Paulo, apurou que os recursos arrecadados mediante taxações
compulsórias sobre mercadorias como combustíveis e automóveis, recursos estes
oficialmente destinados ao financiamento de programas de desenvolvimento
econômico e social, estavam na verdade sendo desviados para o programa AMX.
Alguns analistas argumentavam que o valor era suficiente para adquirir caças muito
mais modernos que os AMX, como os F-16 Falcon americanos ou os Mirage 2000
franceses. Estas críticas de uma maneira geral não encontravam eco no governo
brasileiro e na FAB. Ainda de acordo com Lopes (1994), Ozires Silva, em resposta
às críticas, argumentava “que o governo não havia investido no AMX para ter retorno
financeiro, havia investido para ter o avião”.
No início de 1986, a mando do Presidente da República José Sarney, a
Embraer iniciou um projeto em parceria com a Força Aérea Argentina (através da
FMA, Fábrica Militar de Aviones) no desenvolvimento de uma outra aeronave de
transporte aéreo regional. A política externa brasileira já dava os primeiros passos
no caminho da integração continental, criando rudimentos de uma zona de livre
comércio que posteriormente, no governo Collor, seria batizada de Mercosul,
adicionando maior competitividade aos produtos dos países membros.
Assim, a Embraer propôs o desenvolvimento do EMB-123 (posteriormente
rebatizado CBA-123 Vector, cuja sigla significa Cooperação Brasil-Argentina), uma
aeronave baseada na plataforma do Projeto 12X. O projeto do CBA-123
caracterizava-se por adotar o que havia de mais moderno na construção aeronáutica
de então. A intenção era fazer um projeto state-of-the-art, oferecendo maior conforto
aos passageiros e custos operacionais menores aos operadores, de forma que
houvesse incentivos à substituição dos Bandeirante pelos novos CBA-123. O CBA-
123 Vector foi o primeiro avião da Embraer inteiramente desenhado por
computadores, utilizando os sistemas CAD (Computer Aided Design) e CAM
(Computer Aided Manufacturing). Segundo Cabral (1987), o CAD começou a ser
difundido mundialmente para cálculo estrutural em 1978 e a Embraer o adotou
como sistema em fins de 1979, antes de várias outras companhias aeronáuticas. De
acordo com Bernardes (2000a), o projeto CBA-123 Vector também utilizou conceitos
de CIM (Computer Integrated Manufacturing) e engenharia simultânea, uma
abordagem que leva todos os desenvolvedores a trabalhar em paralelo e com alto
grau de interação, levando em conta aspectos técnicos e comerciais.
130
Segundo Silva (1998), a Embraer baseava-se em estudos de mercado que
indicavam o maior grau de exigência dos passageiros das commuter airlines, que
demandavam soluções como cabines pressurizadas, maior espaço disponível, etc. O
projeto, entretanto, corria um risco considerável: decidiu-se que o aparelho teria até
19 assentos, portanto menor que o EMB-120 Brasília. Por carregar soluções de
última geração numa aeronave com capacidade relativamente pequena, a Embraer
corria o risco de produzir uma aeronave com custos operacionais tão altos que não
compensassem a receita reduzida. Como será visto à frente, foi o que acabou
acontecendo.
O projeto da aeronave durou cinco anos, até 1991, antes que fosse
interrompido. O programa não pôde continuar por incapacidade das duas empresas,
Embraer e FMA, em conseguir financiamento adequado para o projeto. Ademais, o
avião já se apresentava excessivamente sofisticado e caro, tanto em seu preço final
como nos custos operacionais previstos, espantando assim potenciais clientes.
Realmente, na ânsia de criar uma aeronave muito superior ao que havia no mercado
até então, a Embraer fez um produto tão tecnicamente superior aos competidores
que se mostrou muito caro e economicamente inviável. Segundo Bernardes (2000a),
a realidade demonstrou que a empresa superestimou as exigências do mercado, ou
seja, erroneamente acreditou que os clientes estariam dispostos a pagar um
premium pelas inovações tecnológicas incorporadas ao CBA-123. Ainda segundo o
autor, sob a ótica técnica o CBA-123 foi um sucesso, mas comercialmente foi um
fracasso monumental. Custava aproximadamente US$ 6 milhões, o que era muito
superior aos preços de seus concorrentes. Por exemplo, os modelos Beech 1900 e
Jetstream 31 apresentavam mesmo desempenho por custos operacionais até 45%
menores e preço entre US$ 3,5 milhões e US$ 4,5 milhões.
Para Goldstein (2001), o CBA-123 foi um golpe muito duro para a Embraer.
Numa indústria em que o financiamento de longo prazo é indispensável devido ao
extenso tempo de desenvolvimento de projetos, a companhia brasileira acumulou
dívidas com um perfil de vencimento de curto prazo extremamente perigoso e
oneroso.
O projeto do CBA-123, entretanto, trouxe vários aprendizados para a
Embraer. Pela primeira vez a empresa pretendia utilizar parceiros de
131
compartilhamento risco para o desenvolvimento da aeronave, diminuindo assim a
necessidade de financiar sozinha o projeto (ou em conjunto com a FMA Argentina,
que também dispunha de escasso capital para investir). Um dos parceiros de risco
encontrados foi a Garrett Corporation, dos Estados Unidos, que desenvolveu novos
motores a partir de uma plataforma mais antiga. Como curiosidade, o projeto do
CBA-123 previa a instalação dos motores na cauda, com as hélices voltadas para
trás, numa configuração conhecida como pusher (“empurradora”). Mesmo apesar da
participação de parceiros de compartilhamento de risco, o financiamento do projeto
foi insuficiente devido aos altos montantes requeridos (SILVA, 1998).
Ademais, análises do projeto mostraram que a aeronave era excessivamente
pesada, o que resultava em mau desempenho. Avião pesado não vende bem e isto
ficou claro no projeto do CBA-123, que não passou da fase de protótipo para a
produção seriada, configurando-se assim no maior fracasso da história da Embraer.
O quadro a seguir detalha os principais competidores no nicho de mercado
esperado para o CBA-123:
Segmento Construtor Avião Assentos Propulsão
10-20 assentos Beechcraft Beech 1300 13 Turbo-hélice
Harbin Y-12 17 Turbo-hélice
Fairchild Metro 3 / 23 19 Turbo-hélice
BAe Jetstream 31 19 Turbo-hélice
Dornier Dornier 228 19 Turbo-hélice
Beechcraft Beech 1900 D 19 Turbo-hélice
Embraer / FMA CBA-123 19 Turbo-hélice
CASA 212 19 Turbo-hélice
Quadro 6 – CBA-123 e seus concorrentes (AIR & COSMOS, 1992)
Apesar do fracasso no projeto do CBA-123, que representou um rombo de
US$ 280 milhões nos cofres da empresa (GHEMAWAT ET AL, 2000; BERNARDES,
2000b), a Embraer no final da década de 80 podia gabar-se de ter atingido um
prestígio quase inimaginável desde sua criação, cerca de 20 anos antes. Com
alguns sucessos no desenvolvimento de aeronaves militares e fortemente
posicionada no nicho de aviação regional, a empresa possuía um passado glorioso.
O mercado de aviação regional, um segmento específico da aviação comercial,
ainda não interessava aos grandes fabricantes (Boeing, McDonnell Douglas e
132
Airbus), que estavam mais voltados ao desenvolvimento de grandes aeronaves.
Assim, a maior parte das aeronaves produzidas para a aviação regional
curiosamente não eram americanas, embora este país constituísse o maior mercado
para este segmento.
Segundo Silva (1998), os países europeus, contando com uma malha
rodoviária e ferroviária desenvolvida, não eram um mercado tão atrativo para a
aviação regional, muito embora não pudessem ser desprezados. As vendas não
eram tão significativas e as projeções de crescimento não eram tão animadoras.
a Ásia, devido ao menor poder aquisitivo das populações e à sua grande
extensão geográfica também não se mostrava um mercado muito atrativo para a
aviação regional. A União Soviética era um caso a parte. Para Silva (1998), o país
era analisado sob dois olhares diferentes: como fabricante e como operador/usuário.
As técnicas aeronáuticas deste país eram tão diferentes das consagradas no mundo
ocidental que estes dois “mundos” quase nunca se cruzavam. Ou seja, o ocidente
raramente adquiria aeronaves soviéticas e vice-versa.
A África, com exceção de países como a África do Sul, era basicamente
desconsiderada pela Embraer como um mercado consumidor de seus produtos, por
contar com populações extremamente pobres, digladiando-se muitas vezes em
guerras tribais ou civis. Neste mercado, normalmente encontravam-se as aeronaves
usadas, dentre as quais também as da Embraer, via de regra adquiridas após
extenso uso nas regiões desenvolvidas.
Por fim, a Oceania apresentava um panorama completamente diferente, com
um mercado de características muito similares ao brasileiro. Ainda segundo Silva
(1998), a demanda pelo transporte aéreo regional era intensa e crescente. Assim, a
Embraer passou a ser uma importante fornecedora de aviões para os operadores
aéreos daquela região.
Apesar dos sucessos passados, a empresa brasileira passava por sérias
dificuldades ao final da década de 80. O panorama competitivo nesta época era
extremamente arisco. Na aviação comercial, havia prenúncios de uma retração da
demanda, sinalizando a impossibilidade de se manter o ritmo de compras do início
da década de 80. A aviação regional, segmento do mercado em que a Embraer
133
focava, estava em profunda mudança no exterior e no mercado nacional. Neste
sentido, a invasão do Kuwait, em 1991, pelo Iraque, trouxe um impacto negativo
violento para o setor de aviação comercial, que se retraiu ainda mais, gerando
seqüelas negativas importantes na empresa brasileira.
Além disso, cita Bernardes (2000a), o quadro econômico negativo também
trouxe mudanças na forma de gerir a inovação no setor aeronáutico. Vários
fabricantes efetuaram profundas mudanças no padrão de P&D industrial e
tecnológica, sinalizando na direção de um modelo caracterizado pela parceria e
celebração de joint ventures para os gastos em P&D e acordos de licenciamento de
tecnologia. Para o autor, conseqüentemente houve uma transformação na forma de
gerir inovação e aprendizagem tecnológica: as empresas passaram a preparar seus
programas de novas aeronaves de forma mais interativa e cooperativa, levando o
setor de manufatura aeronáutica a internacionalizar rotinas de P&D. Desta forma,
conclui o autor, hoje uma maior necessidade de estruturas empresariais mais
flexíveis e integradas e com um estoque de recursos humanos altamente
qualificados para gerenciar e participar das sinergias proporcionadas por tais
alianças estratégicas.
Ainda assim, apesar da retração da demanda, diversas empresas decidiram
competir com a Embraer em seu nicho, dentre as quais empresas como a
Aérospatiale (França), SAAB (Suécia), DASA (Alemanha), Fokker (Holanda) e a
CASA (Espanha), todas obviamente apoiadas pelos seus respectivos governos por
meios de subsídios.
Em 1986, apoiada pelo governo canadense, surgiu uma empresa que
passaria a atuar como principal competidora da Embraer no nicho de aviação
regional: a Bombardier. Resultado da união da Canadair (Canadá) com a Short
Brothers (Irlanda do Norte), a Learjet (EUA) e a De Havilland (Canadá), a empresa
montou as bases de uma estratégia de penetração nos mercados de transporte
aéreo regional e aviação executiva.
Para Silva (1998), o papel dos governos no estímulo das empresas
aeronáuticas é fundamental. Como as tecnologias de desenvolvimento e fabricação
de aeronaves são muitas e caras, é muito difícil e arriscado o desenvolvimento de
134
um projeto complexo como o de uma aeronave pelo setor privado. Este apoio se
normalmente sob a forma de subsídios, financiando atividades básicas de P&D que
levam ao desenvolvimento de sistemas e materiais aeronáuticos. Este tipo de
subsídio é normalmente mais difícil de ser identificado que subsídios às vendas das
aeronaves, através de mecanismos de financiamento, e por isso muitas vezes pode
passar despercebido.
Muitas vezes, entretanto, esta ajuda governamental a empresas aeronáuticas
incipientes é dada sob a forma de barreiras não-tarifárias, restringindo a importação
de aeronaves estrangeiras. Por exemplo, a Embraer enfrentou problemas com a
Indonésia, que buscava proteger a sua companhia Nurtanio Aircraft Industry Ltd.
Segundo Silva (1998), tal empresa, em virtude da proteção ao seu mercado interno,
proibindo aeronaves de várias empresas (dentre as quais as da Embraer), logrou
abrir um espaço no mercado mundial de aeronaves. Isso mostra como é importante
a força do governo neste setor e como se faz necessária a existência de
mecanismos multilaterais de regulação do comércio, como a OMC (Organização
Mundial do Comércio).
No final da década de 80, os fabricantes de aeronaves comerciais não podiam
voltar seus esforços para o setor militar na esperança de retornos melhores. A
aviação militar também enfrentava séria crise. Com o arrefecimento da Guerra Fria,
os gastos em equipamentos militares caíram muito e havia uma onda de substituição
dos conflitos armados por negociações diplomáticas. Assim, os orçamentos para
despesas militares eram diminuídos, afetando a demanda por aeronaves militares.
De acordo com Bernardes (2000a), os gastos militares mundiais caíram para US$
811 bilhões em 1996, o nível mais baixo desde 1966 e 40% inferior ao topo,
alcançado em 1987. Conseqüentemente, houve cortes de empregos no setor de
armamentos, passando de 17,5 milhões de funcionários diretos em 1987 para 11,1
milhões em 1995.
Segundo Silva (1998), tudo isso criava um quadro de preocupação na
Embraer a respeito do setor. Para ele, a diversificação dos produtos da empresa,
que atuava na aviação geral, comercial e na militar, fortaleceu-a para enfrentar
períodos difíceis no futuro, mesmo com a crise afetando ambos os setores em que a
Embraer atuava mais fortemente, o regional e o militar.
135
Adicionalmente, a lei de incentivo fiscal oferecida a empresas privadas para
aquisição de ações da Embraer foi extinta em 1988, através da Lei n.
o
7.714. Para
Bernardes (2000a), a extinção de tal incentivo contribuiu seriamente para a crise
financeira que se abateria sobre a empresa futuramente.
Em outro estudo, Bernardes (2000b) apresenta um resumo a respeito dos
fatores que levaram a empresa à crise no início dos anos 90:
Grandes projetos sem estrutura adequada de financiamento;
Desenvolvimento de projetos sem verificação prévia das condições do
mercado e das necessidades de clientes potenciais;
Não cumprimento de encomendas por parte do Governo;
Mercado externo civil e militar em recessão;
Engessamento do modelo institucional da empresa como empresa
estatal, havia falta de flexibilidade empresarial para a captação de
recursos financeiros;
Falta de sincronia entre as políticas industrial, tecnológica e de
privatização;
Questões relacionadas ao Custo Brasil (deficiências na infra-estrutura
física e tecnológica);
Crise fiscal e política do Estado e desistência de modelo nacional-
desenvolvimentista que fornecia suporte político à empresa;
Falta de competitividade nos mercados interno e externo no que tange à
oferta de financiamento aos clientes;
Gestão excessivamente engineering driven, ou seja, muito direcionada à
excelência técnica e pouco para os resultados financeiros, ou, em outros
termos, ausência de importância dada a custos e gestão do negócio;
136
Perda de competitividade no mercado interno devido à alta carga de
impostos;
Redução do apoio financeiro governamental, enquanto acionista,
emprestador, avalista e regulador de crédito a empresas estatais;
Relações precárias e dissociamento gerencial com as subsidiárias
sediadas no exterior (Embraer Aircraft Corporation – EAC e Embraer
Aviation International EAI), que afetaram negativamente os negócios da
empresa, tanto comercial como financeiramente; e
Elevadas demissões de seu quadro técnico altamente qualificado e na
perda do conhecimento acumulado durante anos, devido à difícil situação
financeira.
Em maio de 1986, Ozires Silva, então presidente da Embraer, recebeu convite
do Presidente da República José Sarney para assumir a Petrobrás. Aceitando,
passou a responsabilidade da empresa aeronáutica ao seu companheiro e quase
homônimo Ozílio Carlos da Silva, também engenheiro formado no ITA.
Segundo Cabral (1987), das sete diretorias existentes da Embraer em 1986, a
DTE (Diretoria Técnica) e a DPR (Diretoria de Produção) eram então consideradas
as mais relevantes para o desenvolvimento tecnológico da empresa. A estrutura
organizacional da empresa em 1986 pode ser vista na figura a seguir:
137
Assembléia Geral
Conselho de
Administração
Presidente Ozires Silva
Conselho
Fiscal
Diretor Superintendente
Ozílio Silva
Assessoria
Jurídica
Assessoria de
Comunicação
Social
Assessoria de
Auditoria
Interna
Assessoria de
Planejamento
Estratégico
DFN
Diretoria
Financeira
DTE
Diretoria
Técnica
DAM
Diretoria
Administra-
tiva
DIN
Diretoria
Industrial
DPR
Diretoria de
Produção
DCO
Diretoria
Comercial
DPM
Diretoria de
Programas
Militares
Núcleo de
Articulação
com a Indústria
Figura 8 – Organograma da Embraer em 1986 (CABRAL, 1987)
Segundo Sbragia & Terra (1993), a DTE, tinha por missão especificar,
projetar, testar e certificar novas aeronaves. A DPR era responsável pela fabricação
das peças primárias feitas na empresa e pela montagem final da aeronave. Uma vez
acabado um avião, este era dirigido à DCO (Diretoria Comercial), responsável pelas
aeronaves civis, ou à DPM (Diretoria de Produtos Militares).
Segundo Bernardes (2000a), o setor de marketing, representado pela DCO,
era considerado uma área ineficiente e quase descolada da estrutura organizacional
da empresa, não possuindo todas as informações técnicas e produtivas disponíveis
do produto que vendia.
Quanto às outras diretorias, como a DIN (Diretoria Industrial), a DFN (Diretoria
Financeira) e a DAM (Diretoria Administrativa), todas cumpriam funções de apoio e
planejamento das atividades técnicas, não sendo consideradas centrais para o
sucesso da empresa.
138
Nesta época, a crise no setor era aprofundada devido à conjuntura sócio-
econômica da época e levou a um processo de fusões e aquisições muito rápido,
mesmo apesar das iniciativas de diversos governos de tentarem proteger suas
indústrias sob argumentos estratégicos e de interesse nacional. rias empresas
tradicionais, produtoras de aeronaves há vários anos, desapareceram neste período.
A Embraer, fruto de uma política de desenvolvimento de quase duas décadas,
cujo objetivo era dotar o país de uma indústria autônoma de produção aeronáutica e
contando com uma visão orientada para o produto permeada por toda a
organização, sofreu bastante com a crise que se instalou no mercado. Assim,
defende Bernardes (2000a), a ênfase excessiva na tecnologia (projetos Xingu e
CBA-123) e o fator preço como reflexo de uma estrutura de custos e financiamento
pouco adequadas à realidade apresentavam indícios de sérios problemas.
Segundo Goldstein (2001), os motivos para o declínio da empresa foram a atenção
excessiva à engenharia (e cuidado insuficiente com controle de custos e marketing),
falta de capacidade financeira devido à sua condição estatal e os custos associados
à sua condição de empresa brasileira (Custo Brasil). Ou seja, algumas das razões
para a queda da Embraer foram exógenas, muito embora sua vulnerabilidade tenha
aumentado devido à inabilidade da companhia em diversificar tais riscos e proteger-
se contra os mesmos.
A Embraer, por sua vez, combalida principalmente pelo fracasso retumbante
do CBA-123, que não vendeu uma unidade sequer, encontrava-se em situação
financeira delicada, sob risco de ter sua falência decretada. Desta forma,
pressionado por um mercado em recessão, a Embraer traçou sua estratégia para o
futuro, que envolvia a privatização da empresa, desamarrando-a da enorme
quantidade de restrições burocráticas impostas pelo governo, e o aprimoramento do
projeto EMB-145, jato de transporte aéreo para cinqüenta passageiros, cujos
primeiros estudos iniciaram-se ainda em 1989, baseando-se nas plataformas
existentes do EMB-120 Brasília e do CBA-123 Vector (CASSIOLATO ET AL, 2002).
De acordo com Ghemawat et al (2000), em 1994, ano de privatização da Embraer, a
empresa teve um prejuízo colossal de US$ 310 milhões para vendas de somente
US$ 177 milhões. O EMB-145 permitia ligações diretas entre rotas de pequena
densidade de tráfego e as de longa distância, e ligações com corredores de entrada
de grandes aeroportos (hubs). A aeronave foi anunciada como uma versão jato puro
139
do bem-sucedido EMB-120 Brasília, usando como ponto de partida a plataforma
desta aeronave.
De acordo com Bernardes (2000a), o EMB-145 viria a ser o primeiro projeto
da Embraer desenvolvido totalmente segundo a filosofia de comunalidade,
aproveitando diversos componentes do EMB-120 Brasília e do CBA-123 Vector,
principalmente do primeiro. Assim, o avião possuiria custos de desenvolvimento, de
fabricação e de manutenção muito menores do que se viesse a ser desenvolvido
sem o conceito de comunalidade. Segundo estimativas da época, a previsão era que
cerca de 75% dos componentes do EMB-145 fossem iguais aos do EMB-120
Brasília. Ainda assim, o custo de desenvolvimento da aeronave chegou a US$ 300
milhões, sendo US$ 240 milhões desembolsados após a privatização da empresa
(GHEMAWAT ET AL, 2000). Segundo Ghemawat et al (2000), os parceiros de
compartilhamento de risco contribuíram com US$ 100 milhões (33% do total) para o
projeto, sendo que o BNDES investiu US$ 115 milhões (38% do total). Alguns
autores, como Bernardes (2000b), chegam a considerar o BNDES mais que um
órgão financiador, na verdade um verdadeiro parceiro estratégico da Embraer no
desenvolvimento de seus projetos.
Em relação ao projeto do EMB-145, diz Silva (1998), a alternativa para o seu
desenvolvimento envolvia forçosamente o encontro e seleção de parceiros de risco,
ressarcidos nos custos de desenvolvimento pelas vendas futuras dos aviões
produzidos. Esta alternativa mostrava-se obrigatória, tendo em vista a falta de fôlego
financeiro da empresa brasileira, que vinha de uma série seguida de anos com
prejuízos, e do governo brasileiro, preso a cortes de verbas orçamentárias devido às
recessões pelas quais o país passou nos anos do governo Collor.
A encomenda de dez peças para o Boeing 747, efetuada em 1989, permitiu a
assinatura de contratos de fornecimento de componentes para a Boeing, dois anos
mais tarde, aliviando um pouco a situação financeira calamitosa da empresa.
Para Bernardes (2000a), a Embraer chegava ao final da década de 80 em
condição crítica no que diz respeito à sua capacidade de financiamento e gestão
financeira e de desatualização de seu parque tecnológico, além de seu prestígio
começar a ser questionado. Com o intuito de economizar US$ 109 milhões e salvar
140
a empresa, o diretor-presidente Ozílio Silva ordenou a redução de 3.600 vagas (de
um total inicial de 12.607 funcionários). Tal medida custaria sua própria demissão.
3.2.4 Década de 90: da quase falência ao renascimento
Em 1990, a delicada situação financeira da Embraer foi deteriorada ainda
mais com a edição do Decreto n.
o
99.694, reduzindo a zero a alíquota de IPI sobre
aeronaves em geral, exceto aviões a jato de pequeno e médio porte. O objetivo da
redução era diminuir o ônus tributário sobre os preços de aeronaves importadas e
estimular a renovação das frotas das empresas nacionais (BERNARDES, 2000a).
Isto prejudicou em especial a Embraer e sua subsidiária Neiva, uma vez que suas
aeronaves contavam com elevada carga tributária ao passo que as aeronaves
importadas usufruíam isenção. O EMB-120 Brasília, por exemplo, apresentava carga
tributária de 19,2% do preço, enquanto a carga sobre um avião importado similar era
nula. Assim, para vender um avião para o mercado doméstico, a Embraer teve que
usar de um artifício para reverter tal situação, que consistia em exportar a aeronave
para uma empresa intermediária que, por sua vez, o revendia ao cliente nacional.
Tudo isto encarecia a operação de vendas da Embraer.
Com o agravamento da crise, no início de 1990, é indicado um novo diretor
presidente, João Cunha, homem de confiança do presidente Fernando Collor. João
Cunha solicita ao Banco Central um empréstimo de US$ 600 milhões (concedido
pelo Banco do Brasil) para atender ao vencimento de dívidas de curto prazo e
determina a demissão de mais 3.100 funcionários. Devido às altas pressões
internas, João Cunha não resiste e pede demissão. O empréstimo é considerado por
Bernardes (2000a) o último grande apoio do governo à empresa.
Com a saída de Cunha, regressa para ocupar o cargo de diretor presidente o
engenheiro Ozires Silva, em junho de 1991. Ozires, após passagens pela Petrobrás
e pelo Ministério da Infra-Estrutura, viria a atuar na preparação da Embraer para o
posterior processo de privatização pelo qual passaria.
No início da década, em 1991, já sofrendo enorme crise financeira, a Embraer
intensificou a venda de serviços como uma saída para a crise dos anos 90. Para
141
Bernardes (2000a), a grande potencialidade de seu parque de máquinas, aliada à
alta capacidade ociosa do período permitiu que a empresa ampliasse a venda de
serviços através de subcontratos com outros fabricantes de aeronaves. Assim,
ampliava a sua atuação neste segmento ao mesmo tempo em que projetava a sua
marca em novos segmentos do mercado aeroespacial, diluindo também o seu custo
fixo.
Assim, a Embraer tornou-se subcontratada da McDonnell Douglas, para
produção dos flaps de fibra de carbono para o avião MD-11, num acordo de offset
decorrente da venda de aeronaves MD-11 para a VARIG. Também produziu peças
que exigem mecânica fina (de precisão) para os Boeing 747 e 767 (GOLDSTEIN,
2001). Além disso, foi homologada pela Boeing para produção de peças em material
composto para o Boeing 777, ficando responsável pela produção de quinhentos
conjuntos de ponta da asa e do dorsal fin (superfície aerodinâmica para aumentar
estabilidade da aeronave), de acordo com contrato assinado em 1991 (BETHLEM,
2002).
A crise foi tão forte que a empresa viu-se forçada a diversificar sua atuação
para áreas o relacionadas à aviação. Passou, então, a atuar na área de colagem
estrutural, junção sem uso de rebites e termofornagem. Dentre os vários clientes
desta época, que chegavam a mais de 120 empresas, podem ser citados a General
Motors, a Autolatina, a Tecnasa, a Hoechst e a Villares.
Segundo Bernardes (2000a), os serviços representavam cerca de 2% da
capacidade instalada da empresa, correspondendo a um faturamento de US$ 45
milhões, entre 1989 e 1994, como pode ser observado no quadro a seguir:
1989 1990 1991 1992 1993 1994
Vendas de serviços 19 10 - 2 10 4
Quadro 7 – Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos aeronáuticos em
relação ao faturamento total em 1989-1994 (BERNARDES, 2000a)
O pesado endividamento de curto prazo, de US$ 241,5 milhões em 1991, e a
queda significativa nas vendas fizeram com que a empresa suspendesse a entrega
de produtos (Brasília, AMX, flaps do MD-11, etc.), o que abalou a credibilidade e a
imagem da Embraer no exterior. Um estudo de Coutinho et al (1993) já alertava para
142
o efeito negativo da alta dívida no desempenho da empresa à época, afetando sua
relação comercial com os parceiros.
Os anos 90 também são caracterizados como um período em que a Embraer
consolidou-se como gestora de uma rede de fornecedores muito grande e complexa.
As importações representavam entre 40% a 50% dos insumos e 60% a 70% da
produção. De acordo com Bernardes (2000a), nesta época a Embraer registrava
cerca de quatrocentos fornecedores, fabricando ampla gama de produtos, com graus
diferenciados de complexidade tecnológica. Dentre os insumos e produtos
fornecidos à Embraer, encontravam-se kits de aviões (Piper e Aermacchi), placas de
alumínio aeronáutico (Alcan e Alcoa), conectores, placas de o inoxidável e outras
ligas, aviônicos e motores.
De acordo com Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), o alto nível das
importações em relação à produção da empresa era um indicador suficiente para
questionar o argumento da importância do setor no comércio exterior do país, uma
vez que mesmo os fornecedores nacionais seriam extremamente dependentes de
importações. Para o autor, no entanto, a alta dependência de importações não
caracteriza necessariamente dependência tecnológica.
Para Bernardes (2000a), o conjunto das desastradas medidas de abertura
tomadas pelo governo Collor, a desestruturação do Estado com a perda da
capacidade de promover políticas industriais e tecnológicas e os problemas internos
da Embraer (como falta de capacidade financeira de investimento) levaram à aguda
crise financeira do início da década de 90. Os indicadores de desempenho financeiro
da Embraer podem ser vistos no quadro a seguir:
143
1989 1990 1991 1992 1993 1994
Faturamento 700 582 402 333 261 177
Vendas
Mercado externo 36% 37% 32% 32% 38% 40%
Mercado interno 64% 63% 68% 68% 62% 60%
Ativo total 1.145 1.092 1.435 1.227 1.125 1.067
Patrimônio líquido 416 126 324 86 156 281
Lucro/Prejuízo 89 (265) (241) (258) (116) (310)
Investimentos em
P&D
107 128 48 24 35 55
Inv. em P&D /
faturamento
15,3% 22,0% 11,9% 7,2% 13,4% 31,0%
Obs.: Valores em US$ milhões, a não ser quando indicado
Quadro 8 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1989-1994 (BERNARDES,
2000a)
Ainda em 1991, a FAB manifestou interesse por uma aeronave que servisse
como braço armado do programa SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). A
Embraer adaptou o Super Tucano para este tipo de missão, transformando-o no ALX
(Aeronave Leve de Ataque). O avião teria de ser moderno e possuir excelentes
características de vôo, para poder interceptar as aeronaves de traficantes e
contrabandistas, que voam na selva amazônica em baixa altitude.
Em 1992, a Embraer é incluída no Programa Nacional de Desestatização do
governo do Brasil (BETHLEM, 2002). Até a privatização, em 1994, a Embraer seguiu
uma estratégia vigorosa de saneamento financeiro e racionalização da mão-de-obra.
Segundo Bernardes (2000a), entre 1989 e 1994, foram eliminados cerca de 7.000
postos de emprego. No entanto, de acordo com Sbragia & Terra (1993), a Diretoria
Técnica (DTE), considerada o coração da empresa, possuía em 1993 um efetivo
somente 10% menor que o existente antes da primeira onda de demissões.
Por fim, em 1994, durante o governo de Itamar Franco (que assumiu após o
impeachment de Fernando Collor) e após seis tentativas fracassadas de
privatização, a Embraer é transferida para a iniciativa privada, por meio de leilão na
Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A empresa foi privatizada por R$ 265
144
milhões após longo programa de saneamento inteiramente bancado pelo governo
federal ou por seus órgãos públicos com os quais a Embraer possuía dívida (por
exemplo, o Banco do Brasil). O consórcio liderado pelo grupo Bozano, Simonsen
comprou 40% das ações com direito a voto da empresa, adquirindo também o
controle. Os principais investidores do consórcio eram o Bozano, Simonsen Limited
(13,65%), a Sistel (10,42%), a Previ (10,40%), o Bozano Leasing (3,63%) e a
Fundação Cesp (1,90%). O banco de investimentos americano Wasserstein Perella
adquiriu 19,09% das ações ordinárias da empresa e foram reservados 10% aos
funcionários. Posteriormente o Wasserstein Perella não pagou a parcela que lhe
cabia e o grupo Bozano, Simonsen comprou a parte norte-americana em 1995. Na
privatização também estavam incluídas a Embraer Aircraft Corporation (EAC), a
Embraer Aviation International (EAI) e a Neiva. Também foi criada uma classe
especial de ações, a golden share, que dava à União direito de veto em matérias
relativas à atuação da Embraer em programas militares, mudança do objeto social e
transferência do controle acionário.
Quando foi privatizada, o programa EMB-145 encontrava-se em
desenvolvimento e a principal fonte do seu faturamento provinha dos programas
Brasília e AMX (66% em 1994), como pode ser visto no gráfico a seguir:
34%
32%
15%
8%
6%
5%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%
Outros
MD-11
EMB-312 - Tucano
Peças e
componentes
AMX
EMB-120 Bralia
Gráfico 1 – Composição do faturamento da Embraer em 1994 (BERNARDES, 2000a)
145
Tanto o AMX quanto o Brasília, que representavam uma parcela tão
significativa das vendas da empresa, encontravam dificuldades para serem
vendidos. As vendas de EMB-120 Brasília haviam declinado com a recessão
mundial. O preço desta aeronave era considerado alto, em parte por causa das
modificações e inclusões de tecnologia de ponta, mas também devido aos altos
preços cobrados por fornecedores estrangeiros à Embraer, fornecendo-lhes uma
proteção natural contra as dificuldades financeiras da empresa brasileira e seu alto
endividamento. Além disso, cita Bernardes (2000a), houve grande dificuldade em
financiar as aeronaves entre o término em 1990 do Fundo de Financiamento às
Exportações (FINEX) e o início em 1991 de seu substituto, o Programa de
Financiamento às Exportações (PROEX). Por sua vez, o AMX enfrentava
dificuldades na medida em que a FAB não conseguia honrar seus compromissos,
impossibilitando o retorno sobre o alto investimento na aeronave militar e agravando
a situação financeira da Embraer.
Em 1994, os novos controladores acionistas elegem para o cargo de diretor-
presidente o engenheiro Maurício Botelho, formado pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e com passagens pelo grupo Odebrecht e diretoria executiva
do Bozano, Simonsen. Segundo Bernardes (2000a), a escolha de Maurício Botelho
deixava claro que a prioridade que a nova administração daria aos resultados
econômicos e à satisfação dos clientes. Ainda segundo o autor, do ponto de vista da
estratégia é o reconhecimento que a sobrevivência e o desenvolvimento de novos
projetos da Embraer serão realizados mediante parcerias institucionais ou
empresariais e celebração de alianças estratégicas que agreguem valor e fortaleçam
economicamente a Embraer. Para a nova diretoria, a abordagem com foco no
produto (engineering driven) deveria ser transformada numa em que a satisfação do
cliente estivesse em primeiro lugar.
Em 1995, foi concluída a concorrência JPATS (Joint Primary Aircraft Training
System) dos EUA, para o fornecimento de até 711 aeronaves de treinamento para a
Força Aérea e a Marinha dos EUA, além dos pacotes em solo e apoio logístico. O
valor do contrato ultrapassava US$ 7 bilhões (embora a parte que caberia à empresa
brasileira caso o consórcio em que participava ganhasse não chegaria a tanto) e a
Embraer vinha se preparando anos para a disputa com o seu Super Tucano. Por
exigência da legislação americana era necessário um parceiro dos EUA. Por isso, a
146
Embraer estabeleceu consórcio com a norte-americana Northrop Aircraft Corp,
empresa com a qual havia trabalhado em 1975. A crise atravessada pela
Embraer, entretanto, parece ter influído no resultado final, e a empresa perdeu o
contrato para o consórcio suíço-americano produtor da aeronave Beech/Pilatus Mk
II. Tal aeronave apresentava desempenho similar ao do Super Tucano, tendo
inclusive perdido algumas outras concorrências para a aeronave brasileira, como as
que ocorreram na Grã-Bretanha, na França e no Egito.
Ainda em 1995, o Ministério da Aeronáutica assinou contrato com a Embraer
para aquisição de cem unidades do ALX (cinqüenta da versão monoposto e
cinqüenta da biposto). Este contrato permitiu a continuidade do projeto, apesar da
grande derrota na licitação para o JPATS.
Outra concorrência, desta vez canadense, chamou a atenção dos fabricantes
de aeronaves militares de treinamento. O programa NFTC (NATO Flying Training in
Canada) foi criado como uma parceria de 20 anos entre o governo canadense e a
Bombardier para treinamento de pilotos militares e previa a compra de aeronaves
militares de treinamento.
Desta vez o Super Tucano foi anunciado como vencedor da concorrência,
mas numa reviravolta suspeita e inesperada, no momento do fechamento do
contrato (em 1998), foram encomendados aviões do modelo Beech/Pilatus Mk II. O
fato causou profundo mal-estar nas relações comerciais e diplomáticas entre Brasil e
Canadá e acirrou ainda mais a disputa entre Embraer e Bombardier. Analistas da
indústria de aviação atribuíram a súbita mudança à disputa entre as duas empresas
no mercado de aviação regional. Mesmo com este enorme revés, o programa
continuou, agora rebatizado de EMB-314 na versão de treinamento e na versão ALX.
Entre 1995 e 1996, os novos acionistas injetaram US$ 500 milhões, em novo
capital e em emissão de debêntures, com a finalidade de estruturar a empresa com
um capital compatível com suas operações. A estratégia delineada previa a
reestruturação financeira com a posterior recuperação financeira resultante dos
lucros que eram esperados para o projeto EMB-145.
Ainda em 1995 a empresa obteve financiamento via BNDES totalizando US$
120 milhões, com prazo de dez anos e três de carência. Segundo Bernardes
147
(2000a), tais recursos destinavam-se exclusivamente para o término do
desenvolvimento do EMB-145 e para o programa de fornecimento do sistema de
combustível e trem-de-pouso (sponson), que integram o projeto do helicóptero S-92
Helibus da Sikorsky, num contrato de US$ 300 milhões assinado em 1995
(BETHLEM, 2002). Inicia-se a partir daí uma ação coordenada entre a Embraer e o
BNDES para financiamento dos produtos da empresa brasileira no mercado externo,
que renderam reclamações da canadense Bombardier.
Os anos que se seguiram à privatização da Embraer apresentaram melhora
significativa do desempenho financeiro, com aumento no faturamento (US$ 380
milhões em 1996) e redução no prejuízo (BERNARDES, 2000a). Ainda assim o
endividamento da empresa era muito alto, por volta de US$ 1,23 bilhões em 1997.
Tal resultado pode ser atribuído às despesas financeiras pré-privatização e ao
volume de produção ainda reduzido, resultando em estoques excessivamente
elevados. Os indicadores de desempenho financeiro da Embraer no período 1995-
1999 podem ser visualizados no quadro a seguir:
1995 1996 1997 1998 1999
Faturamento 295 380 764 1.354 1.837
Vendas
Mercado externo 39% 35% 84% 89% 95%
Mercado interno 61% 65% 16% 11% 5%
Ativo total 1.107 1.221 1.263 1.841 2.211
Patrimônio líquido 188 281 37 170 365
Lucro/Prejuízo (253) (123) 3 145 235
Margem de lucro -86% -32% 0% 11% 13%
Endividamento
Divida/Patr. líquido N/A N/A 3.271% 985% 506%
Dívida total N/A N/A 1.225 1.671 1.846
Dívida curto prazo N/A N/A 648 1.034 1.118
Dívida longo prazo N/A N/A 577 637 728
Obs.: Valores em US$ milhões, a não ser quando indicado
Quadro 9 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1995-1999 (BERNARDES,
2000a; GHEMAWAT ET AL, 2000; EMBRAER, 2002)
148
De acordo com Bernardes (2000a), com o objetivo de incrementar a
produtividade, em 1995 a Embraer iniciou um programa de reestruturação
organizacional, demitindo 1.700 funcionários, sendo 1.200 do setor administrativo.
Entre 1995 e 1996, promoveu mais uma rodada de demissões, desta vez
dispensando mais 1.900 funcionários. A nova gestão também atacou o alto número
de níveis gerenciais, reduzindo-os de dez para quatro, bem como dando aumentos
apenas um mês após a privatização a gerentes e engenheiros mal-pagos devido às
restrições governamentais (GHEMAWAT ET AL, 2000). Em 1996 foi lançado o
projeto de reorganização da empresa, que levou a Embraer a uma estrutura
organizacional matricial estruturada por projetos. Tal estrutura, que pode ser vista na
figura a seguir, pretendia aumentar a flexibilidade, a interação e a autonomia das
áreas da companhia, ao mesmo tempo em que reduziria o tempo e os custos de
desenvolvimento de produtos.
Presidente & CEO
Maurício Botelho
Vice-Presidente de
Comunicação
Empresarial
Walter Nori
Vice-Presidente de
Relações Externas
Henrique Rzezinski
Vice-Presidente de Plan.
e Desenv. Organizacional
Horácio Aragones Forjaz
Vice-Presidente Jurídico
Carlos Rocha Villela
Vice-Presidente de
Finanças e CFO
Antonio Luiz P. Manso
Vice-Presidente Industrial
Satoshi Yokota
Vice-Presidente para o
Mercado de Defesa
Romualdo M. de Barros
Vice-Presidente para o
Mercado de Aviação
Corporatica
Samuel D. Hill
Vice-Presidente de
Atendimento ao Cliente
Artur Valério Coutinho
Vice-Presidente para o
Mercado de Aviação
Comercial
Frederico Fleury Curado
Figura 9 – Organograma da Embraer em 1996 (GHEMAWAT ET AL, 2000)
O quadro financeiro da empresa começou a ser revertido com o lançamento
do EMB-145, alavancando as vendas da empresa devido ao reaquecimento do
mercado de aviação regional e aos ganhos obtidos com o plano de reestruturação
da empresa. Tal recuperação, aliada à diminuição do efetivo de funcionários, fez
com que a produtividade por empregado da empresa evoluísse fortemente.
149
Passada a crise, os serviços subcontratados à Embraer também diminuíram
como um percentual das receitas, conforme pode ser visualizado no quadro a seguir:
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Vendas de serviços 19 10 - 2 10 4 5 5 0,8 0,5
Quadro 10 – Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos aeronáuticos em
relação ao faturamento total em 1989-1998 (BERNARDES, 2000a)
A venda de serviços levou à troca do foco na aviação pela sobrevivência a
qualquer custo, levando à Embraer a diversificar para melhor aproveitar sua cara
capacidade instalada, que se encontrava subutilizada. De acordo com Bernardes
(2000a), na crise dos anos 90, a empresa vendeu e forneceu serviços de usinagem
de peças, materiais compostos, engenharia de qualidade e ensaios. Além disso,
desenvolveu peças automobilísticas, pás para ventiladores e até uma bicicleta
mountain bike em fibra de carbono. Com a retomada do faturamento da empresa, a
participação dos subcontratos, embora aproximadamente mantivesse seu padrão de
vendas, teve sua participação relativa significativamente reduzida, numa clara
tendência a retomar o foco na fabricação de aeronaves e de estruturas aeronáuticas.
A nova diretoria acreditava que a empresa deveria abandonar a diversificação
e focar no projeto e montagem de aeronaves, áreas em que possuía ampla
experiência. Ainda assim, deu seqüência ao fornecimento dos flaps do MD-11
(aeronave produzida pela McDonnell Douglas) e ao dorsal fin e wing tip do B-777
(aeronave produzida pela Boeing). Ficou claro, então, que a atuação da Embraer
não poderia distanciar-se de suas atividades-fim e que a empresa deveria aproveitar
sua tecnologia e capacidade instalada para atividades aeronáuticas, ainda que de
forma oportunista pudesse aproveitar seu know-how em projetos de fornecimento de
componentes a outros fabricantes aeronáuticos.
Ainda nesta linha de realizar serviços relacionados à aeronáutica e
envolvendo alta tecnologia, em 1995 a Embraer assinou um contrato de grande
porte com a Sikorsky Aircraft americana para desenvolvimento e fabricação do trem-
de-pouso, sistema de combustível e o sponson (estrutura responsável por flutuação
da aeronave em caso de queda n’água) do novo helicóptero S-92 Helibus, voltado
para três segmentos: a aviação civil básica, a aviação offshore (ou oceânica,
normalmente utilizado por empresas petroleiras com extração marítima) e a aviação
150
militar. Estimativas da época previam que o programa viria a ser responsável por
cerca de 10% do faturamento da Embraer. Além do mais, foi uma oportunidade de
desenvolvimento de novas tecnologias, destacando-se a manipulação de ligas de
última geração como o Invar, que apresenta resistência próxima à do alumínio e
tolerância à fadiga próxima à da fibra de carbono. O Invar, que consiste em aço com
aproximadamente 36% de níquel e mais alguns outros elementos, é a primeira
tentativa com êxito na elaboração de uma liga metálica que exibe um coeficiente de
dilatação térmica praticamente nulo.
Para Bernardes (2000a), o projeto do S-92 Helibus ilustra bem a atual
tendência do mercado de fabricação aeronáutica mundial de desenvolver novas
aeronaves a partir de alianças de empresas sob a forma de parcerias de risco. Este
projeto contou com a participação de seis empresas: Sikorsky (EUA), Gamesa
(Espanha), JHG (China), MHI Mitsubishi Heavy Industries (Japão), AIDC
Aerospace Industrial Development Corporation (Taiwan) e Embraer (Brasil), sendo
que estas duas últimas atuaram com responsabilidades peculiares, não podendo ser
consideradas fornecedores tradicionais ou parceiros no compartilhamento de risco,
mas um misto entre estas formas de relacionamento comercial.
Ainda segundo Bernardes (2000a), outro grande aprendizado tecnológico de
meados dos anos 90 foi o uso de CATIA (Computer Aided Three-dimensional
Interactive Application), desenvolvido pela empresa francesa Dassault e considerado
um software muito mais avançado que o CAD. A utilização de CATIA permitiu a
realização do projeto em 3D e eliminou a necessidade de construção de protótipos,
gerando assim economias significativas, além de time-to-market mais curto.
Atualmente, a Embraer utiliza um novo modelo de gestão de desenvolvimento
de produto mais sincronizado com a estratégia delineada para a empresa,
satisfazendo clientes, fornecedores, parceiros, acionistas e empregados. O novo
modelo, ao contrário do modelo utilizado na sua época estatal, em que havia menos
comunicação entre as áreas, preza pela integração e interação entre diversas áreas
da empresa, fornecedores e parceiros participantes do projeto. Ainda assim,
espaço para avanços no novo modelo. Para Bernardes (2000a), nem todos os
fornecedores e parceiros dispõem de capacitação tecnológica no desenvolvimento
de produtos como a Embraer. Por exemplo, são poucas as empresas habilitadas a
151
operar softwares complexos como o CATIA e o Intergraph, utilizados pela Embraer.
Assim, conclui o autor, a integração informacional entre empresas precisa avançar
bastante para que possa ser percebida como uma arquitetura plena de networking.
Outra técnica que modificou consideravelmente a produção e o
desenvolvimento de aeronaves é o sistema de liaison engineering, que interliga as
diversas áreas da empresa e auxilia nas tomadas de decisão. Segundo Bernardes
(2000a), este sistema diminuiu em 50% o ciclo de trabalho na fase de produção dos
EMB-120 Brasília e EMB-145.
Ademais, um aspecto importante a ser ressaltado é que, após a sua
privatização, a Embraer foi submetida pela primeira vez a práticas gerenciais
razoavelmente difundidas em empresas privadas de grande porte, como o
planejamento estratégico e a gestão de desempenho. O primeiro planejamento
estratégico foi realizado em 1996, contendo projeções e metas de curto e longo
prazo. Em paralelo ao planejamento estratégico, é posto em prática um sistema de
gestão de desempenho, formulando indicadores de desempenho para áreas críticas
como a produtivo-industrial, a financeira, a de recursos humanos e a de suporte aos
clientes.
O setor de treinamento, embora considerado estratégico para uma empresa
tão baseada no conhecimento (knowledge-based) passou por um amplo processo de
ajuste do seu quadro de funcionários. Atualmente o treinamento da empresa é
terceirizado, ganhando em custo e em qualidade segundo avaliação da própria
empresa. Em 1997, a Embraer formou cerca de 150 funcionários no supletivo e
todos os seus funcionários passaram a ter nível de escolaridade mínimo de segundo
grau, o que hoje passou a ser um pré-requisito para a admissão na empresa.
modificações significativas também no departamento de projetos,
considerado por Bernardes (2000a) o coração da empresa. Numa empresa como a
Embraer, ao término de um determinado projeto, normalmente os engenheiros ficam
ociosos à espera de um novo projeto, o que pode ser encarado como um custo fixo
alto e com baixa utilização. Como os engenheiros são de alta qualificação, a
tendência internacional tem sido a de subcontratar mão-de-obra pelo tempo
determinado de duração de projeto, num arranjo conhecido como coalizão de
152
projeto, o que a Embraer vem realizando com reservas. Neste sentido a Embraer é
diferente de empresas como Boeing, Airbus e Bombardier que, por serem grandes
grupos, dispõem de projetos suficientes para manter com baixo grau de ociosidade
os seus departamentos de projetos. Para Bernardes (2000a), a adoção de tal
estratégia pode render dividendos no curto prazo, mas pode mostrar-se um desastre
no longo prazo, levando a empresa a perder enorme conhecimento acumulado pelos
engenheiros.
Ainda em 1997, a empresa desenvolveu dois aviões, derivados do EMB-145
(50 passageiros): o EMB-135 (37 passageiros) e o EMB-140 (44 passageiros).
Assim, formava-se a família EMB-145, um conceito utilizado por outros fabricantes
de aeronaves, como Boeing e Airbus.
Em 1998, a empresa cria sua área de Inteligência de Mercado, mesclando
análises top-down (através de avaliação de elementos como previsão de vendas,
carteira de pedidos, frota em operação, condição da frota, perspectivas
macroeconômicas, etc.) e bottom-up (através de entrevistas diretas com potenciais
clientes). A partir da criação dessa área, a Embraer passou a realizar suas próprias
análises prospectivas de mercado, internalizando estudos que antes eram
contratados junto a consultores externos. Segundo BERNARDES (2000b), a
Embraer dispõe hoje, graças à área de Inteligência de Mercado, de instrumentos de
análise muito mais refinados e sintonizados com os sinais de mercado que em sua
época estatal.
Ainda em 1998, a Embraer mudou o nome do seu principal produto de EMB-
145 para ERJ-145 (sigla derivada de Embraer Regional Jet), um movimento nascido
na área de marketing da empresa, evidenciando a importância que essa área
passava a ter nas decisões estratégicas da Embraer. Tal decisão foi tomada levando
em conta a disseminação no mercado do termo jato regional” como um tipo
específico de aeronave. Também renomeou as aeronaves EMB-135 e EMB-140
para ERJ-135 e ERJ-140, respectivamente. Estas três aeronaves possuem alto grau
de comunalidade entre si. De acordo com Bernardes & Pinho (2002), as principais
características das mesmas são:
153
ERJ-145: jato regional para 50 lugares, com custo de aquisição e
operação próximo aos dos turbo-hélices. Seu desenvolvimento exigiu
investimentos de US$ 350 milhões;
ERJ-140: jato regional para 44 passageiros, seguindo o conceito de
“família de jatos” iniciado com o ERJ-145. Seu desenvolvimento exigiu
investimentos adicionais da ordem de US$ 45 milhões; e
ERJ-135: jato regional para 37 passageiros, é a versão compacta do ERJ-
145. O investimento adicional da ordem de US$ 100 milhões deve ser
amortizado num prazo de 10 anos, com a venda de 500 aeronaves.
O sucesso com as vendas de suas aeronaves, principalmente o ERJ-145 e o
ERJ-135 fizeram da Embraer a líder mundial de vendas em jatos regionais ainda em
1998, sacramentando a virada na situação da empresa, que até poucos anos antes
era caótica. Segundo Goldstein (2001), tal sucesso foi gerado em grande parte pela
introdução no mercado dos bons produtos da Embraer numa época em que as
linhas aéreas buscavam trocar suas frotas de aeronaves a hélice por jatos, ou seja,
deu-se devido a um casamento perfeito entre a oferta e a demanda, ainda que não
se soubesse se o desenvolvimento de tais produtos tenha sido dado pelo desafio
tecnológico ou pela real descoberta de uma necessidade de mercado.
Com o sucesso do ERJ-145, a Embraer retomou investimentos necessários
para executar a estratégia determinada pelos executivos. Segundo Bernardes
(2000a), em 1996, a empresa anunciou investimentos de US$ 112 milhões para os
próximos anos, substituindo alguns equipamentos na linha de produção,
aumentando a qualidade e a produtividade da manufatura de aeronaves,
informatizando a empresa, eliminando gargalos (bottlenecks) que representavam
riscos de paradas da produção e buscando reduzir custos de manutenção. Além
disso, a Embraer procurou focar nas atividades mais nobres da manufatura
aeronáutica, buscando novos fornecedores e parceiros para diminuir seu grau de
verticalização e de trabalho em atividades de menor valor agregado. Por fim,
recursos também foram investidos para a homologação da empresa segundo o
sistema de garantia de qualidade ISO-9001.
154
Outro grande aprendizado da empresa, segundo Bernardes (2000a), é a
implementação de um sistema de análise do desempenho (system performance
feedback), baseado em análise aprofundada de indicadores de desempenho
financeiros, comerciais, operacionais e tecnológicos.
Atualmente, de acordo com Bernardes (2000b), a Embraer hierarquiza sua
cadeia de fornecimento (supply chain) em três grupos:
Parceiros: definidos como os que assumem riscos financeiros nos
projetos;
Fornecedores: empresas que entregam as peças, partes e serviços
encomendados pela empresa com periodicidade freqüente; e
Subcontratados: empresas e indivíduos que recebem a matéria-prima e o
desenho da Embraer, vendendo serviços à empresa por homens-hora
utilizados.
O projeto do ERJ-145 foi o primeiro no qual a Embraer teve experiência real
na gestão de parceiros de risco. Como a empresa não possuía recursos suficientes
para arcar com o projeto de uma nova aeronave, teve que reduzir seus custos de
desenvolvimento, associando-se a parceiros com pouca ou nenhuma tradição no
mercado aeronáutico. Isto também ocorreu devido ao mercado considerar o projeto
como tendo remotas chances de vingar comercialmente. Os governos locais, como
Espanha e Chile, através de isenções fiscais, incentivaram suas empresas a
participar do projeto. O governo espanhol, por exemplo, arcou com mais de US$ 100
milhões na participação da Gamesa no projeto.
Já os fornecedores são selecionados de acordo com a capacidade de atender
a requisitos comerciais, técnicos e de garantia da qualidade. Até 2000, a empresa
contava com cerca de 450 a 500 fornecedores, dentre os quais 95% localizados no
exterior. De acordo com Bernardes (2000a), dentre os 15 fornecedores nacionais,
nenhum domina tecnologia de ponta, o que justifica os altos volumes importados
necessários para a operação da empresa e o baixo índice de nacionalização que,
como foi visto, não é um parâmetro adequado para mensurar o desempenho da
indústria e da própria empresa.
155
Segundo Bernardes (2000a), a Embraer no passado chegou a registrar
cerca de cem empresas prestando-lhe serviços, normalmente na área de usinagem
e ferramental. Algumas destas empresas realizam serviços simples, como
torneamento de placas metálicas, entretanto outras realizam trabalhos de alta
tecnologia, como engenharia de precisão e mecânica fina. Gomes et al (2005) citam
que alguns prestadores de serviços da Embraer vêm procurando se unir sob a forma
de um consórcio chamado HTA (High Technology Aeronautics), de forma a obter
maior competitividade para exportação de seus produtos e serviços, bem como se
posicionarem em atividades de maior valor agregado na cadeia de produção da
Embraer.
Apesar dos esforços para desenvolver um parque aeronáutico que suportasse
suas atividades manufatureiras, a Embraer esbarra em sérias dificuldades para
encontrar e formar fornecedores locais, seja pela falta de capacitação nas
tecnologias necessárias (engenharia aeronáutica, mecânica fina, materiais
compostos, aviônica, etc.), seja pela ausência de escala das empresas locais,
restritas ao mercado brasileiro.
A utilização de parceiros de risco no desenvolvimento de aeronaves, mais que
um simples rearranjo da cadeia de suprimentos, foi na verdade uma estratégia
totalmente diferente da que a Embraer adotava até então. Na verdade, cita
Bernardes (2000a), a estratégia de formação de alianças, aliada à reestruturação e
modernização da empresa, acaba interagindo positivamente, gerando sinergias e um
momento positivo para a Embraer. De acordo com Bernardes (2000b), a estratégia
adotada no programa ERJ-145 exige profundas mudanças na gestão do negócio em
relação à qualidade, integração, flexibilidade, prazo de entrega e produtividade.
No programa ERJ-145, a Embraer celebrou parcerias com quatro empresas
(Gamesa, da Espanha; ENAer, do Chile; Sonaca, da Bélgica; e C&D Interiors, dos
Estados Unidos), em que cada participante comprometeu-se a desenvolver uma
parte do produto final, e empenhou-se em assegurar o sucesso de vendas do
produto, pois os lucros, assim como os riscos, também seriam compartilhados. As
parcerias foram celebradas em 1992/93, ainda sob gestão estatal, como uma forma
de fugir das rias restrições financeiras que cercavam a empresa naquele
momento. Além disso, todas as empresas se comprometeram a investir recursos no
156
projeto, tendo como contrapartida o recebimento de determinadas tecnologias
aeronáuticas, num processo de transferência de tecnologia capitaneado pela
Embraer. Segundo alguns autores, como Bernardes (2000a), tal transferência de
tecnologia talvez possibilitará que alguns desses parceiros venham a concorrer com
a Embraer no futuro nas áreas em que adquiriram a tecnologia. Para o autor, o
grande ganho da Embraer não ocorreu no aprendizado de tecnologias que o
possuía, mas na gestão de contratos interempresariais.
Entre as empresas parceiras, a Gamesa ficou responsável pela produção das
asas, naceles (estrutura em que ficam alojados os motores), junção asa/fuselagem e
portas do trem-de-pouso principal. A Sonaca responsabilizou-se pela construção das
portas da aeronave excluindo-se a do trem-de-pouso, por duas seções da fuselagem
e pelos pilones (estrutura que sustenta as naceles e o motor). Já a ENAer passou a
produzir o conjunto empenagem horizontal/profundor (superfície aerodinâmica
responsável pelo movimento da aeronave no eixo vertical) e a empenagem vertical.
Por fim, a C&D Interiors desenvolveu e fabricou o interior da cabine de passageiros e
o compartimento de bagagem.
A figura a seguir apresenta os subsistemas do ERJ-145 de responsabilidade
dos parceiros de compartilhamento de risco:
Figura 10 – Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-145
(EMBRAER, 2004b)
157
Segundo Bernardes (2000a), o programa ainda contou com 68 fornecedores
de componentes, empregando cerca de 2.300 pessoas. Para o autor, a grande
virtude do ERJ-145 foi o fato de que cada parceiro estava realmente empenhado no
sucesso do programa e não somente em fornecer peças ou serviços. Desta forma,
todos se comprometem com prazos menores, custos mais baixos e padrões de
qualidade superiores.
Desde sua concepção, ainda em 1989, a filosofia do programa ERJ-145 foi a
de projetar uma aeronave simples e com custos reduzidos. Apesar de todo o seu
sucesso, o ERJ-145 é uma aeronave tecnologicamente simples para os padrões
atuais, utilizando muitas soluções desenvolvidas ainda nas décadas de 70 ou 80
para o EMB-120 Brasília e o CBA-123 Vector, o que faz dela uma aeronave barata.
Tecnologias em voga atualmente na indústria, como a utilização de materiais
compostos (por ex. kevlar, fibra de carbono, fibra de vidro e Nomex), foram usadas
moderadamente no ERJ-145 e isto foi um dos fatores que possibilitaram preço final
mais barato que os de seus concorrentes.
Os aviônicos do ERJ-145, por sua vez, destoam do conjunto, por serem de
última geração. Segundo Bernardes (2000a), todos eles foram fornecidos pela
empresa americana Honeywell, incluindo displays, sistemas de navegação aérea e
computadores de bordo. De acordo com o estudo do MDIC (2002), os aviônicos
podem representar até 30% do custo final de um avião.
No desenvolvimento do ERJ-145, a Embraer utilizou fortemente o conceito de
engenharia simultânea (concurrent engineering) para eliminar a necessidade de
modificações no projeto advindas de problemas na produção. Segundo Bernardes
(2000a), cada um dos 19.518 itens da aeronave foi inteiramente projetado em
CAD/CAM, o que possibilitou à Embraer a elaboração de um mock-up eletrônico,
gerando economias financeiras e no tempo do desenvolvimento do projeto. Segundo
o presidente da empresa Maurício Botelho, “quando chegamos na Embraer o
desenvolvimento de aviões como o Brasília era feito com peças de madeira,
tornando mais difícil a execução do projeto. a família do jato ERJ 145 foi toda
projetada e desenvolvida em CAD-CAM, de tal forma que se tornou muito mais
harmônica e fácil a produção desse aparelho” (DAMIANI, 2000).
158
O êxito do programa ERJ-145 foi coroado com a conquista do significativo
contrato com a Continental Express para fornecimento de duzentas aeronaves,
permitindo a recuperação econômica da empresa bem como a volta do prestígio
perdido com a crise financeira. Assim como nas épocas passadas, a venda dos ERJ-
145 não se viabilizaria sem financiamento. Desta vez, como uma empresa privada, a
Embraer utilizou linhas de financiamento do PROEX (Programa de Financiamento às
Exportações), um mecanismo usado para financiar exportações de empresas
brasileiras, equalizando as taxas de juros oferecidas para as empresas participantes
àquelas do mercado internacional. Para Bernardes (2000a), tal financiamento foi
fundamental para o sucesso e, inclusive, para a sobrevivência da Embraer no
mercado de jatos regionais.
A utilização de redes empresariais agregando parceiros estratégicos que
compartilham riscos e lucros foi uma grande mudança de paradigma para a
Embraer. De acordo com Bernardes (2000a), antes os projetos multinacionais de
desenvolvimento e produção de aeronaves eram exceção e não eram vistos
positivamente pela ótica da gestão estatal com ênfase estratégico-militar, devido ao
risco de troca de segredos industriais. Hoje, a celebração de tais alianças é regra na
indústria, pois a necessidade de diluir os custos crescentes no desenvolvimento
de novas aeronaves. O sucesso do programa ERJ-145 deve muito ao aprendizado
da empresa no programa de cooperação Brasil-Itália para produção do caça AMX
em parceria com as empresas italianas Aermacchi e Aeritalia. Neste projeto, a
Embraer adquiriu a capacidade de gerenciar parceiros de forma eficaz.
Segundo Bernardes (2003), a rede empresarial no setor de fabricação de
aeronaves é controlada pelos produtores e fabricantes das células ou fuselagem,
que criam e gerenciam os elos principais na cadeia do setor. Tais empresas são
responsáveis pelo estudo, concepção e desenvolvimento do projeto aeronáutico,
pela integração das partes e subsistemas num produto final e pela comercialização e
serviços de assistência técnica ao cliente. De acordo com o autor, a lógica das redes
no setor de fabricação de aeronaves pode ser entendida como uma configuração de
teias centralizadas de “sistemas e produtos complexos” articulados às redes de valor
globais. Desta forma, alguns dos pontos críticos para a competitividade no setor são:
Capacidade de gerenciar a rede de fornecimentos global;
159
Dominar os fatores logísticos do processo de produção e
desenvolvimento;
Reduzir os custos transacionais através de aumento da margem de lucro
devido à fixação dos preços na fase de produção; e
Ser pioneiro em tecnologias e processos inovadores ou imitar
rapidamente.
De acordo com Bernardes (2000a), com a nova filosofia de projeto e produção
baseada na celebração de parcerias de risco, o ERJ-145 acabou saindo por um
valor de referência da ordem de US$ 14,8 milhões, cerca de 20% mais barato que
seu concorrente direto, o CRJ-200 da Bombardier, que custa cerca de US$ 18,6
milhões. Além disso, o ERJ-145 apresenta custos operacionais menores que os
seus principais concorrentes, o CRJ-200 e o SAAB-2000, este último um turbo-
hélice.
A homologação do ERJ-145 no FAA deu-se em 1996. A Embraer pôde, enfim,
disputar o mercado de jatos regionais, com um atraso de 110 aviões, a quantidade
de CRJ-200 vendidos até então (BERNARDES, 2000b). Segundo Bernardes
(2000a), a primeira grande concorrência internacional disputada entre o ERJ-145 e o
CRJ-200 foi o contrato de fornecimento de 150 aeronaves para as empresas
americanas de transporte aéreo regional ASA e Comer. Apesar da preferência
demonstrada pelo ERJ-145, dada a sua superioridade técnica e o preço mais
competitivo, a Bombardier ganhou a concorrência devido à linha de financiamento
aberta para essas empresas a juros mais competitivos. Novamente, ficou clara a
velha lição aprendida pela Embraer desde a década de 70: na indústria aeronáutica
não basta ter o melhor avião nem o preço mais baixo se a empresa não puder
financiar seus produtos em condições de igualdade com seus concorrentes.
O quadro a seguir apresenta uma comparação entre as principais
características operacionais do ERJ-145 e do CRJ-200:
160
Características da aeronave ERJ-145 CRJ-200
Número de assentos 50 50
Tamanho (pés) 91,7 80
Tamanho mínimo de pista (pés) 4.605 4.850
Velocidade de cruzeiro (Mach
a
) 0,78 0,80
Alcance máximo (milhas náuticas
b
) 2.000 1.900
Peso básico operacional (lb) 27.400 30.900
Carga paga máxima (lb) 12.800 14.000
Eficiência estrutural do projeto
c
0,47 0,45
Volume acondicionado total (ft
3
) 525 485
Preço de referência (US$ milhões)
d
17,6 21
Avaliação econômica
Distância (milhas náuticas) 200 500 200 500
Tempo de vôo
e
(min) 43 86 43 86
Custos de combustível 175 363 183 379
+ Custos com tripulação 138 272 138 272
+ Custos de taxas de pouso 47 47 52 52
+ Custos com seguro 34 67 41 81
+ Custos de manutenção 188 348 245 356
= Total dos custos operacionais 582 1.097 659 1.140
+ Custos de posse da aeronave
f
398 787 475 939
= Total dos custos do trecho 980 1.884 1.134 2.079
a
Mach refere-se à velocidade do som no ar
b
1 milha náutica é igual a aproximadamente 1,15 milhas-padrão. Os dados referem-se ao ERJ-
145XR (extended range)
c
Eficiência estrutural do projeto = Carga paga máxima / Peso básico operacional
d
A maioria das aeronaves é vendida com descontos em seu preço
e
Inclui 10 minutos de xi na pista do aeroporto; assumiu-se que a diferença de tempo operacional
entre as duas aeronaves era zero
f
Calculado como 0,78% do preço da aeronave por mês (ou o equivalente a 210 horas de vôo
assumindo um total de 2.500 horas de vôo por ano)
Quadro 11 – Comparação resumida entre ERJ-145 e CRJ-200 (GHEMAWAT ET AL, 2000)
A reviravolta no mercado acontece em 1996 na Feira de Farnborough, na
Inglaterra, quando a Embraer vende duzentos ERJ-145 para a Continental Express,
sendo 25 vendas firmes (totalizando US$ 375 milhões) e 175 opções de compra.
em 1997, no famoso Salão Aeronáutico de Le Bourget, na França, a Embraer vence
outra disputa feroz com a Bombardier, numa encomenda de 67 ERJ-145 para a
American Eagle (subsidiária da American Airlines), totalizando aproximadamente
US$ 1 bilhão. Desta vez, a Embraer contou com financiamento do BNDES, cobrindo
em até 100% o valor da operação, a juros internacionais e num prazo de até quinze
161
anos. Tais contratos garantiram que a crise financeira seria mesmo somente parte
do passado da empresa e que a Embraer posicionava seu produto, o ERJ-145,
como uma excelente alternativa para o mercado de aviação regional.
Com os resultados positivos, não a Embraer passou a lucrar, mas também
seus parceiros de risco. Emblemático é o caso da Gamesa, empresa espanhola
controlada pelo Banco de Bilbao y Viscaya (BBV) e pela Iberdrola. A empresa
creditava ao sucesso do ERJ-145 cerca de 90% das vendas de sua divisão
aeronáutica e o seu índice de participação no projeto/produção da aeronave era de
12,5%, sendo a participação nos lucros um valor semelhante. Com o crescimento
das vendas de ERJ-145, a empresa espanhola teve que investir pesado em novos
equipamentos bem como contratar pessoal, muitos dos quais brasileiros e ex-
funcionários da Embraer.
Obviamente, a Bombardier sentiu o seu monopólio ruir e reagiu com energia,
conforme esperado. A empresa canadense acusou o governo brasileiro de subsidiar
a fabricação de aviões e apresentou queixa à Organização Mundial de Comércio
(OMC), acusando de ilegal a modalidade de equalização de taxas de juros dos
financiamentos oferecidos pelo PROEX. Por sua vez, o Itamaraty acusou o governo
canadense e a Bombardier de serem sócios em uma empresa criada especialmente
para conceder financiamentos para a empresa canadense.
Aproveitando o impacto positivo gerado pelo ERJ-145, a Embraer anunciou
em 1997 o desenvolvimento do novo jato regional para 37 passageiros, o ERJ-135.
Com base no conceito de família, o ERJ-135 apresentava grau de comunalidade
com o ERJ-145 maior que 90%, gerando economias significativas à Embraer (tempo
e custos de desenvolvimento mais baixos) e aos operadores (menor custo de
manutenção, de treinamento dos pilotos e comissários, etc.). Este jato foi
desenvolvido no mesmo conceito de parcerias de compartilhamento de risco e com
as mesmas empresas integrantes do programa ERJ-145.
O novo programa das aeronaves regionais ERJ-170/190 (aeronaves de 70 a
118 passageiros), anunciado em 1999 na Feira de Le Bourget (Paris, França), foi
concebido como uma plataforma completamente diferente da família ERJ-145.
162
Alongar o ERJ-145 foi uma idéia cogitada, mas logo excluída devido à sua apertada
fuselagem.
As aeronaves pertencentes ao programa ERJ-170/190 são:
ERJ-170: jato de capacidade de 70 a 78 assentos, certificado em fevereiro
de 2004;
ERJ-175: jato de capacidade de 78 a 86 assentos, certificado em
dezembro de 2004;
ERJ-190: jato de capacidade de 98 a 106 assentos, certificado em agosto
de 2005;
ERJ-195: jato de capacidade de 108 a 118 assentos, com certificação
prevista para o segundo trimestre de 2006.
A aprovação para o novo programa foi dada após extensivos estudos e
pesquisas de mercado com potenciais clientes, a partir do qual foi identificada forte
demanda por aeronaves regionais na faixa de 70 a 110 passageiros. De acordo com
Ghemawat et al (2000), a Embraer, através de tais estudos, descobriu que as linhas
aéreas esperavam que o tráfego regional crescesse significativamente mais que o
tráfego de passageiros de longa distância e até 3 vezes mais que o PIB mundial.
Também identificou a demanda por jatos regionais, na medida em que as
companhias substituíam suas frotas de turbo-hélices. A demanda também dependia
de fatores específicos à indústria, tais como o relaxamento de restrições impostas
pelos sindicatos das linhas aéreas para o vôo com mais de 70 passageiros em linhas
aéreas regionais (que pagam aos pilotos e comissários substancialmente menos que
as linhas aéreas tradicionais). Outro fator importante identificado foi o conforto aos
passageiros: embora não se pudesse descuidar do preço da aeronave e da
eficiência operacional, o conforto passava a ser um item cada vez mais importante,
em especial para as linhas aéreas européias.
Os estudos junto aos clientes em potencial (linhas aéreas) também
identificaram alguns fatos curiosos. Por exemplo, os clientes sugeriram que as novas
aeronaves possuíssem os motores embaixo das asas, ao contrário dos aviões da
163
família 145, que possuíam dois motores ligados à parte traseira da fuselagem. Esta
solução simplifica os serviços de manutenção nos motores e aumenta o conforto dos
passageiros por permitir o carregamento de bagagens e de alimentos a bordo com
somente um dos motores ligados, fornecendo a energia necessária para o
funcionamento do ar condicionado e dos dispositivos elétricos da aeronave. A
configuração com motores abaixo da asa também ajuda a diminuir o tempo em solo
(AVIATION WEEK & SPACE TECHNOLOGY, 1999). Segundo Cassiolato et al
(2002), o programa ERJ-170/190 foi desenvolvido num contexto totalmente diferente
do ERJ-145. Enquanto o primeiro caracteriza-se por uma grande ênfase em custos,
com os parceiros de compartilhamento de risco atuando mais como fornecedores
que parceiros de verdade, o projeto mais recente desenvolve-se num contexto de
adicionar alto valor e tecnologia aos projetos. A família ERJ-170/190 é
definitivamente mais sofisticada que a família ERJ-145.
As aeronaves da família ERJ-170/190 possuem capacidade para 70 a 118
passageiros, de acordo com uma progressão geométrica comumente usada na
aeronáutica para definir a capacidade das aeronaves de uma determinada família.
Esta capacidade reflete o conhecimento de que as linhas aéreas regionais
normalmente operam com lucro a partir de 55% de load factor médio (capacidade
utilizada da aeronave). Sabe-se empiricamente, entretanto, que load factors acima
de 75% significam que a linha aérea está deixando muitos passageiros no solo sem
poderem voar em suas aeronaves, e um “vácuo competitivo” está sendo criado.
Assim, o ideal é operar com load factors entre 55-75%. Desta forma, as aeronaves
ERJ-135, ERJ-145, ERJ-170 e ERJ-190 possuíam cada uma, aproximadamente
36% (ou seja, 75/55 menos um) mais assentos que a aeronave anterior. A única
exceção à regra era o ERJ-195, cuja capacidade refletia restrições impostas ao
alongamento excessivo da fuselagem usada para a aeronave de 70 passageiros
(ERJ-170), assim como considerações de cunho competitivo (ou seja, não competir
diretamente com o Boeing 737 e o Airbus A319, muito embora estivesse situado na
mesma faixa que o Boeing 717-200, de 106 passageiros; que os Boeing 737 mais
antigos; e que o Airbus A318, de 107 passageiros).
A figura a seguir mostra esta competição entre as aeronaves regionais e as
menores aeronaves da Boeing e da Airbus (chamadas single-aisle aircraft ou
aeronaves de uma única passagem):
164
Figura 11 – Superposição entre aeronaves regionais e single-aisle gerando competição direta
(MERRILL LYNCH, 2004)
As parcerias estratégicas no novo programa foram aprofundadas, tornando-se
mais integradas e complexas. O projeto foi feito em co-design com as parceiras e
não pela Embraer isoladamente. O compartilhamento de risco foi tornado obrigatório
para todos os principais fornecedores ao invés de opcional. O pedido de propostas
foi enviado a 85 parceiros em potencial, dos quais 58 enviaram propostas e 16 foram
selecionados. Outros parceiros menores foram adicionados ao grupo de projeto na
medida em que o desenvolvimento progredia. As empresas parcerias foram
meticulosamente analisadas para a escolha, pois as parcerias possuem horizonte de
longo prazo e torna-se muito difícil – além de perigoso – terminar uma parceria antes
do fim da vida útil do programa. Estima-se um horizonte de aproximadamente trinta
anos para as parcerias de compartilhamento de risco da Embraer (MARQUES,
2004), tanto no programa ERJ-145 como no programa ERJ-170/190.
A figura a seguir apresenta os subsistemas do programa ERJ-170/190 de
responsabilidade dos parceiros de compartilhamento de risco:
165
Figura 12 – Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-170/190
(EMBRAER, 2004b)
De acordo com Ghemawat et al (2000), diferentemente do projeto da família
ERJ-145, a Embraer esperava de seus parceiros em compartilhamento de risco para
o projeto ERJ-170 e ERJ-190 o fornecimento de sistemas completos ao invés de
componentes, encorajando assim um relacionamento muito mais próximo. Em
contraste, a Bombardier dava menos ênfase ao uso de parcerias com outras
empresas, por ser bem maior e mais integrada horizontalmente e verticalmente. A
Fairchild Dornier também se encontrava comprometida quanto à possibilidade de
estabelecer relacionamentos de longo prazo, tanto por problemas financeiros como
por dúvidas no mercado a respeito de seus gestores.
de acordo com Bernardes (2000a), a Embraer possui 45% de participação
nos projetos da família ERJ-170 e ERJ-190 e é responsável pela integração de todos
os sistemas, estrutura e parte técnica final da montagem. Segundo Ghemawat et al
(2000), a previsão de investimentos necessários para o desenvolvimento desta nova
família era de US$ 850 milhões (dos quais US$ 500 milhões seriam usados no
desenvolvimento do primeiro avião da família, o ERJ-170). Caso o projeto fosse um
sucesso, citam os autores, as receitas da Embraer mais que dobrariam (numa
estimativa contando com mais de US$ 2 bilhões em receitas anuais adicionais
devido às vendas do novo programa).
166
Outro aspecto relevante é o fato de que todos os requisitos técnicos de
seleção dos parceiros foram estabelecidos antes do início do projeto, levando a
Embraer a escolher parceiros de reconhecido conhecimento aeronáutico e
capacidade de projeto e produção. Além disso, as parcerias foram estabelecidas
levando em conta não somente a capacidade tecnológica do parceiro, mas também
aspectos como influência em mercados importantes, aquisição de conhecimento
comercial, infra-estrutura comercial e logística, capacidade de produção instalada,
escala tecnológica e capacidade financeira.
Para Bernardes (2000a), o uso e aperfeiçoamento da estratégia de alianças
estratégicas com parceiros de risco é condição sine qua non para o sucesso da
Embraer frente à concorrência internacional, caracterizada por oligopsônios e
conglomerados com grande capacidade de investimento e poder de mercado, além
de subsídios financeiros dos seus países de origem, muito mais ricos e influentes
que o Brasil. Dentre tais empresas, destacam-se a Boeing (Estados Unidos) nos
mercados civil e militar; a Airbus (Europa) e a Bombardier (Canadá) no mercado
civil; a Lockheed Martin (Estados Unidos), a Raytheon (Estados Unidos), a British
Aerospace Systems (Grã Bretanha), a Northrop Grumman (Estados Unidos), a
Thomson (França) e a Aérospatiaele/Dassault (França) no mercado militar.
Para a família de jatos ERJ-170 e ERJ-190, a Embraer reformulou o conjunto
de seus parceiros de risco. Um deles é a empresa americana General Electric (GE),
que foi escolhida para fornecer os motores, muito embora também fosse fornecedora
do CRJ-700 da Bombardier e do FD-728 da Fairchild Dornier, os competidores
diretos do ERJ-170. A GE é considerada um parceiro crucial para o sucesso do
projeto, que os motores representam cerca de 20% do preço final da aeronave,
que totaliza aproximadamente US$ 22 milhões para o ERJ-170 e US$ 27 milhões
para o ERJ-190. Outra parceira da nova família é a Honeywell, que participou do
projeto ERJ-145 somente como fornecedora e não como parceira de risco. A
Honeywell projeta e fabrica os aviônicos das aeronaves. A Gamesa, pertencente ao
pool de parceiros do projeto ERJ-145 também integra o novo programa,
desenvolvendo as empenagens da aeronave e a parte traseira da fuselagem. A
Hamilton Sundstrand é responsável pelo cone de cauda. Outro parceiro é a japonesa
Kawasaki Heavy Industries, investindo US$ 100 milhões no desenvolvimento da
parte central da asa, superfícies de controle e pilones.
167
A parceria de compartilhamento de risco foi estabelecida da seguinte forma:
os parceiros devem custear o desenvolvimento dos sistemas sob sua
responsabilidade no projeto, valor que não será reembolsado pela Embraer e que
era estimado em US$ 200-250 milhões. Adicionalmente, os parceiros devem fazer
contribuições ao caixa da Embraer para ajudar a empresa brasileira a financiar os
seus custos de desenvolvimento do projeto, embora a companhia comprometesse-
se a reembolsar esta contribuição para os parceiros caso não conseguisse obter o
certificado de aeronavegabilidade da nova aeronave. Por fim, os parceiros também
são envolvidos na estruturação de financiamento das vendas e em garantias
financeiras como o valor residual da aeronave para os clientes.
Enquanto o projeto ERJ-145 possui cerca de 400 fornecedores, a nova família
chegou a um número de aproximadamente 40, o que representa maior facilidade no
gerenciamento desta cadeia e menores custos para a Embraer. Além disso, muitos
dos fornecedores e parceiros de risco instalaram fábricas em São José dos Campos
ou nas imediações, demonstrando a importância dos programas ERJ-170/190 e a
confiança no desempenho futuro da Embraer. Em 1999, a JDP (joint definition
phase) contou com 350 engenheiros da Embraer e 250 engenheiros dos parceiros
em compartilhamento de risco, trabalhando lado-a-lado em São José dos Campos.
O quadro a seguir, elaborado por Ghemawat et al (2000), apresenta o grupo
de parceiros da Embraer para a família ERJ-170 e ERJ-190:
168
Parceiro de compartilhamento de risco Responsabilidades no projeto
Sonaca (Bélgica) Slats da asa
Latécoère (França) Fuselagem (seções centrais I e III)
Liebherr (Alemanha) Trem-de-pouso
Kawasaki (Japão) Superfícies de controle, pilone e suporte de asa
Gamesa (Espanha)
Estabilizadores vertical e horizontal, leme,
profundores e fuselagem traseira
General Electric (EUA) Motores e naceles
Allied Signal (EUA) Iluminação externa e de cabine
Hamilton Sundstrand (EUA)
Cone de cauda, APU (auxiliar power unit),
sistemas de comando elétrico e de ar
Honeywell (EUA) Aviônicos
C&D (EUA) Interiores
Parker Hannifin Corporation (EUA)
Controle de Vôo, Sistema de combustível e
Sistema Hidráulico
Quadro 12 – Parceiros de compartilhamento de risco da Embraer no desenvolvimento da
família ERJ-170/190 (BERNARDES & OLIVEIRA, 2003)
Segundo Cassiolato et al (2002), a nova política de fornecimento da Embraer
possui três objetivos principais:
1. Produção doméstica de partes, componentes e subsistemas, através da
atração de parceiros no programa ERJ-170/190 para as vizinhanças da
fábrica em São José dos Campos;
2. Redução do número de fornecedores externos e locais, estabelecendo
novas normas e parâmetros para a composição e integração da cadeia de
fornecimento. Tal esforço explica a redução de 90% no número de
fornecedores (de aproximadamente 400 no programa ERJ-145 para
aproximadamente 40 no programa ERJ-170/190); e
3. Construção de novos tipos de relacionamento com fornecedores e gestão
de fluxos entre os fornecedores de sistemas, partes, componentes e
serviços tecnológicos, através de um padrão de “pacotes tecnológicos”.
Os resultados do projeto da nova família a princípio indicam uma
superioridade da Embraer sobre seus concorrentes. O quadro a seguir mostra as
169
principais características do ERJ-170 com seus concorrentes diretos, o CRJ-700 e o
FD-728:
Características da aeronave ERJ-170 CRJ-700 FD-728
Número de assentos 70 70 75
Tamanho (pés) 97,4 106,3 87,3
Tamanho mínimo de pista (pés) 4.132 4.658 4.526
Velocidade de cruzeiro (Mach) 0,78 0,77 0,78
Alcance máximo (milhas náuticas) 1.740 1.470 1.625
Peso básico operacional (lb) 41.116 43.500 46.032
Carga paga máxima (lb) 20.062 18.800 20.767
Eficiência estrutural do projeto
0,49 0,43 0,45
Vol. acondicionado total (ft
3
) 842 654,6 876,3
Preço de referência (US$ milhões)
d
22,3 25,6 26,5
Backlog de pedidos (em 31/12/99) 40
b
99 60
Avaliação econômica
a
Distância (milhas náuticas) 200 500 200 500 200 500
Tempo de vôo
c
(min) 45 87 45 88 45 87
Custos de combustível 281 479 272 465 283 489
+ Custos com tripulação 303 586 304 594 303 586
+ Custos de taxas de pouso 123 123 117 117 133 133
+ Custos com seguro 18 34 20 40 21 41
+ Custos de manutenção
d
195 377 226 441 227 439
= Total dos custos operacionais 920 1.599 939 1.657 967 1.688
+ Custos de posse da aeronave
e
711 1.374 816 1.595 844 1.632
= Total dos custos do trecho 1.631 2.973 1.755 3.252 1.811 3.320
Obs.: Vide quadro comparativo entre ERJ-145 e CRJ-200 para discussão mais completa sobre
nomenclatura e hipóteses assumidas
a
Os custos podem não ser totalmente iguais aos deste quadro por terem sido obtidos em datas
diferentes de comparação
b
Adicionalmente, 30 ordens firmes foram recebidas para o ERJ-195
c
Tempos de vôo levemente maiores que para as aeronaves de 50 assentos refletem-se em mais
manobrabilidade durante o vôo e, no caso do CRJ-700, velocidades um pouco menores
d
Números preliminarmente baseados nas estimativas do Departamento de Engenharia e Manutenção
da Embraer
e
Calculado como 1% do preço da aeronave por mês (ou o equivalente a 210 horas de vôo assumindo
um total de 2.500 horas de vôo por ano)
Quadro 13 – Comparação resumida entre ERJ-170, CRJ-700 e FD-728 (GHEMAWAT ET AL,
2000)
Como citado acima, Bernardes (2000a) defende que as alianças são
condições necessárias para a sobrevivência da Embraer na indústria aeroespacial,
dominada por conglomerados muito maiores que a empresa brasileira, todos
170
dotados de enorme escala industrial. Para o autor, as alianças devem levar em
consideração diversos fatores críticos, como a capacidade de aporte de capital nos
futuros projetos, transferência e desenvolvimento de novas tecnologias, participação
e agregação de mercado, conhecimento comercial e a logística. De acordo com o
autor, o grande desafio da Embraer será a gestão institucional e a celebração de
alianças com os maiores fabricantes mundiais, com grande capacidade financeira e
tecnológica, sem incorrer no risco de ser absorvida por uma delas num processo de
fusão ou aquisição.
A década de 90 foi uma década de predomínio da aviação civil sobre a militar
dentro da Embraer. Em parte isso é explicado pela diminuição dos orçamentos
militares no mundo, o que afetou as encomendas de aeronaves militares da
empresa. Por outro lado, o sucesso das famílias ERJ-145 e ERJ-170/190 fizeram
com que as vendas militares representassem pequena parte do faturamento da
Embraer. A tendência natural é de que diminuam as vendas do EMB-312 Tucano ao
passo que aumentem as do EMB-312H Super Tucano, considerada uma ótima
aeronave de treinamento. O programa AMX demanda investimentos em melhorias,
principalmente em aviônicos mais modernos, mas sua estrutura e aerodinâmica
continuam adequados para as missões a que se propõe.
Além disso, a Embraer participa da licitação de renovação da frota de
aeronaves caça da FAB. Por um lado, a empresa brasileira já foi escolhida pelo
governo brasileiro como responsável pela modernização dos caças F-5E/F. Por
outro lado, pode vir a substituir os Mirage III da FAB com o caça Mirage 2000 BR,
competindo pelo contrato com o F-16 (da norte-americana Lockheed Martin), o Mig-
29 (da russa RAC-MIG), o Gripen (da sueca SAAB) e o Sukhoi S-35 (da russa
Rosoboronexport). O caça francês Mirage 2000 BR é apoiado pela brasileira
Embraer, pois um consórcio francês composto pelas empresas Aérospatiale-Matra
(5,66%), Dassault Aviation (5,66%), Thomson-CSF (5,66%) – agora chamada Thales
e Snecma (3%) adquiriu 20% das ações da Embraer em 1999. Posteriormente, a
parte da rospatiale-Matra foi absorvida pela EADS, controladora da Airbus e de
outras empresas aeroespaciais européias. Por enquanto a licitação de substituição
dos Mirage III encontra-se suspensa.
Segundo Bernardes (2003), tal aliança permitirá acesso a novas tecnologias
críticas tanto para as áreas militares como civis, tais como tecnologia aeronáutica
supersônica, softwares de integração de armamentos, equipamento aeronáutico
171
avançado. Além disso, também deve permitir o desenvolvimento de novos produtos
e novas fontes de financiamento para pesquisa e desenvolvimento, aquisição de
outras empresas e abertura de novos mercados, tais como o chinês (devido às
operações das empresas francesas no país). Deve ser salientado que o sudeste
asiático (e a China em particular) é a região em que está previsto o maior
crescimento da demanda por aviões regionais, o foco da operação da Embraer
atualmente.
A Embraer também foi escolhida pela FAB como fornecedora do projeto
SIVAM (Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia), desenvolvendo e produzindo
oito aviões ERJ-145 adaptados para vigilância aérea e coleta de dados. Destes,
cinco contam com radares da sueca Ericsson e são destinados a controle aéreo e
três para sensoriamento remoto. O contrato, assinado em 1997, foi bastante
significativo, representando cerca de US$ 450 milhões. Em paralelo, também para o
projeto SIVAM, a Embraer passou a desenvolver o ALX (Aeronave Leve de Ataque),
baseado no Tucano e projetado para atender as necessidades da FAB na Amazônia,
bem como treinamento de pilotos. Os motores do ALX são de uma das primeiras
fornecedoras da Embraer, a Pratt & Whitney, com potência de 1.600 SHP, e as
hélices são Hartzell de cinco pás.
Além disso, de acordo com Bernardes (2000a), haveria ainda um programa
militar brasileiro desenvolvido com extremo sigilo, para projeto e fabricação do
primeiro avião supersônico brasileiro. Segundo o autor, o projeto é estimado em US$
3 bilhões e passa por negociações cercadas de segredo entre a Embraer e a FAB.
Percebe-se que a aviação militar na Embraer encontra-se num momento de
pouca importância relativa em comparação à aviação civil, se for tomado por base o
critério do faturamento. Em 2002, a aviação militar representava somente 5,7% do
faturamento da empresa, frente 87,9% da aviação civil (sendo os 6,4% restantes
referentes a serviços ao cliente). Comparando-se estes números à média histórica
do mercado militar, de 45% do faturamento total da empresa, pode-se perceber a
importância que os projetos civis ganharam no conjunto de produtos da empresa.
Ainda assim, o planejamento da empresa prevê aumento gradual da aviação militar,
pois neste segmento os contratos normalmente são relevantes, de mais longo prazo,
permitindo a estabilidade financeira e operacional da empresa. Além disso, o
desenvolvimento de aeronaves militares possibilita a geração de novas tecnologias,
posteriormente aproveitadas nas aeronaves civis.
172
De acordo com o Vice-Presidente para o Mercado de Defesa da Embraer,
Romualdo Monteiro de Barros, a companhia estava num processo de mudança de
um fabricante de aeronaves militares para um fornecedor de sistemas inteligentes de
defesa. Assim, a Embraer busca a transferência de tecnologia dos seus novos
parceiros franceses, tentando adquirir capacidade tecnológica em sistemas e
softwares de defesa, para poder oferecer produtos além de aeronaves militares e
capacitar-se também para competir em outros mercados com sistemas de defesa
para forças navais e exércitos.
3.2.5 O século XXI e os desafios para o futuro
Na presente década a Embraer começou expandindo suas instalações fabris.
Em 2000, ampliou a fábrica da Neiva, em Botucatu (SP) e adquiriu uma instalação
industrial próxima à fábrica de São José dos Campos. Além disso, deu início à
construção de uma fábrica nova em Gavião Peixoto (SP), destinada à montagem
final de aeronaves para a aviação corporativa e militar, além de ser um centro de
ensaios em vôo. A demanda por novas aeronaves encontrava-se tão forte no ano
2000 que a empresa teve que expandir sua capacidade em 33% ao longo do ano
(GOLDSTEIN, 2002).
Consolidando sua posição competitiva e inserindo-se no mercado global de
capitais, a Embraer lançou suas ações na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE)
em 2000, além de emissão secundária e primária de ações na Bolsa de Valores de
São Paulo (Bovespa).
Também em 2000, a Embraer deu continuidade ao seu plano de
aprimoramento tecnológico, implementando vários projetos que buscam manter a
empresa numa posição de liderança nesse aspecto. Neste ano inaugurou o Centro
de Realidade Virtual (CRV), uma das mais modernas ferramentas disponíveis para
auxiliar na concepção, desenho, cálculo e dimensionamento de sistemas, além da
simulação da integração de sistemas e componentes. Esse sofisticado conjunto
possibilita que o ciclo de um projeto, englobando desde a concepção até o
lançamento do produto, seja significativamente reduzido. Segundo a Embraer, o
CRV também possibilita otimizar os futuros serviços de manutenção, pois
173
disponibiliza uma perfeita simulação das condições que serão encontradas durante
as rotinas de manutenção.
Um outro sistema implementado pela Embraer em 2000 é conhecido pelo
nome de Knowledge Based Engineering (KBE). Trata-se de um sistema integrado,
que incorpora sofisticado software, contendo banco de dados com informações,
regulamentações, normas e restrições relativas a todo o conhecimento adquirido
pela Engenharia da Empresa ao longo do tempo. O sistema permite resgatar para
projetos futuros todos os fatores condicionantes e restrições que, no passado,
influenciaram uma determinada decisão técnica.
Outro fato relevante de 2000 foi a celebração de acordo de cooperação
tecnológico com a TsAGI, da Rússia, o maior instituto de pesquisas aeronáuticas do
mundo, que permite o acesso da Embraer aos túneis de vento e aos laboratórios de
aeroelasticidade e aerodinâmica computacional daquela instituição.
O ano 2000 também viu o retorno da empresa brasileira a um segmento em
que não atuava muito tempo, o de aeronaves executivas. Baseada na aeronave
regional ERJ-135, a Embraer lançou o Legacy, obtendo grande sucesso: até 2005
possuía quase cinqüenta unidades operando em doze países.
Em 2001, houve uma grande vitória para a Embraer: a OMC (Organização
Mundial do Comércio) divulga sua conclusão quanto à adequação do programa
brasileiro de financiamento de exportações (PROEX) às regras internacionais de
comércio exterior.
O desenvolvimento da nova família ERJ-170/190 também inaugura uma nova
oportunidade de atração de investimentos externos e instalação dos parceiros no
Brasil. Alguns fornecedores se instalaram na região de São José dos Campos, de
acordo com estratégia da empresa de operar em regime de just in time a partir de
2001.
No início de 2002, a Embraer torna pública a sua intenção de instalar uma
linha de montagem de jatos regionais da família ERJ 145 na China. Pouco depois, a
empresa anuncia em Pequim contrato com as empresas Harbin Aircraft Industry
Group Co. Ltd. e Hafei Aviation Industry Co. Ltd., controladas pela China Aviation
174
Industry Corporation II (AVIC II), para criar a Harbin Embraer Aircraft Industry
Company Ltd., joint venture dedicada à montagem de aeronaves da família ERJ 145
na China e sediada em Harbin, na província de Heilongjiang. O primeiro avião da
Embraer produzido na China teve sua cerimônia de roll-out em dezembro de 2003.
em 2003, a Embraer anuncia intenção de inaugurar instalações industriais
em Jacksonville, Flórida, para a produção de aeronaves voltadas para o mercado
norte-americano de defesa e segurança nacional. As novas instalações no Cecil
Commerce Center qualificam integralmente a empresa como fornecedora do
governo dos Estados Unidos para os programas do Departamento de Defesa. A
efetiva implementação dessa planta está condicionada à existência de contrato ou
contratos para esse segmento. Este movimento era o prenúncio para a parceria a
Lockheed Martin anunciada ainda no mesmo ano, de forma a competir em uma
concorrência para desenvolver a próxima geração de sistemas de Inteligência,
Vigilância e Reconhecimento das Forças Armadas dos Estados Unidos, conhecida
como Aerial Common Sensor (ACS). Em 2004, foi anunciado que o consórcio
liderado pela Lockheed Martin havia ganhado a licitação do Pentágono, sendo
escolhido para o desenvolvimento do sistema aerotransportado de inteligência,
vigilância e reconhecimento para o Exército (U.S. Army) e para a Marinha (U.S.
Navy) dos EUA. A participação neste consórcio vencedor marca a entrada da
Embraer no mercado de defesa norte-americano, cujo contrato excede US$ 880
milhões (num total de mais de US$ 7 bilhões para todos os membros do consórcio
durante a vida útil do programa, estimada em 20 anos). Inicialmente, o jato ERJ-145
da Embraer seria a plataforma para a nova aeronave ACS. Entretanto, por restrições
técnicas impostas pelos Estados Unidos, a Embraer atualmente tenta fazer com que
o ERJ-190 venha a ser aceito pelo governo norte-americano. A aeronave brasileira,
caso aprovada, será montada em uma nova fábrica em Jacksonville, Flórida, de
acordo com os princípios de Buy America.
Durante a concorrência ACS, a Embraer publicou anúncios em jornais norte-
americanos voltados para o setor de aviação, que diziam: uma boa parte da
América voa em toda aeronave que construímos”, acrescentando que a companhia
possui oficinas de manutenção no estado do Tennessee e engenheiros no estado da
Flórida. O anúncio concluía: “Criando empregos americanos. Fortalecendo a aviação
americana”. Numa competição marcada por acusações de perdas de empregos dos
175
norte-americanos para estrangeiros, uma “identidade norte-americana“ certamente
era tão importante quanto um produto tecnologicamente superior.
Como comprovação da competitividade da empresa brasileira, ainda em 2003
a Embraer e a Air Canada assinaram proposta comercial relacionada à venda de 45
aeronaves ERJ-190, com possibilidade de opções para mais 45 unidades do mesmo
modelo. Tal venda foi uma surpresa para muitos no mercado, devido ao fato da
Embraer ter conseguido realizar uma venda no próprio país da concorrente
Bombardier.
em 2005, a Embraer anunciou sua entrada no desenvolvimento de
aeronaves executivas nos segmentos de Light Jets (LJ) e Very Light Jets (VLJ). A
primeira categoria é composta por aeronaves que comportam entre oito e nove
pessoas e a segunda entre seis e oito pessoas. O sucesso do Legacy no mercado
executivo permitiu à empresa adquirir conhecimentos deste subsetor e obter
reconhecimento do mercado, abrindo as portas para clientes que demandem
aeronaves executivas menores que o Legacy, que é baseado no ERJ-135. A
empresa estima um potencial de venda de 3.000 aeronaves deste tipo na próxima
década (não é computado o mercado potencial de táxi-aéreo neste caso seriam
cerca de 6.000 aeronaves) e prepara-se para a competição através de um
investimento total de US$ 235 milhões, suportado por parceiros estratégicos,
instituições financeiras e geração de caixa próprio. A empresa estima que as
aeronaves iniciarão suas operações em 2008, com um preço estimado de US$ 2,75
milhões para o Very Light Jet e US$ 6,65 milhões para o Light Jet, todos em valores
de 2005.
A Embraer acredita que as barreiras de entrada nos segmentos inferiores do
mercado são mais baixas do que no mercado de aviação comercial de longo
alcance, havendo uma janela de oportunidade especialmente na área dos Very Light
Jets.
Vale salientar, que o segmento de aviação corporativa totalizou US$ 23,4
bilhões em vendas no ano de 2004, superando o de segmento de jatos regionais.
Tomando como medida o número de unidades entregues, a empresa espera que os
176
modelos medianos, leves e muito leves devem ser responsáveis, respectivamente,
por 18%, 10% e 17% do mercado de jatos executivos nos próximos dez anos.
A Embraer identificou três classes de consumidores dispostos a comprar
modelos corporativos: indivíduos com alto poder aquisitivo (pessoas físicas),
grandes empresas – sobretudo nos EUAe companhias de propriedade fracionada,
como a NetJets (maior empresa de propriedade fracionada de aeronaves em todo o
mundo e pertencente ao conglomerado Berkshire Hathaway, de Warren Buffett).
Os maiores compradores dos jatos Legacy são pertencentes ao grupo de
indivíduos com alto poder aquisitivo. A Embraer justifica este fato argumentando que
clientes das outras duas classes (grandes empresas e companhias de propriedade
fracionada) dão preferência a marcas reconhecidas e o ainda mais avessos a
testar novos aviões.
Cinco competidores incomodam os planos de crescimento da Embraer no
segmento de aviação executiva: Cessna, Gulfstream, Bombardier, Raytheon e
Dassault vêm produzindo aviões executivos vários anos e possuem maior
conhecimento do mercado.
Diversificar produtos é regra entre essas concorrentes. A maioria possui
cinco ou mais modelos para suprir as necessidades específicas dos diversos
consumidores de aviação executiva. A canadense Bombardier, por exemplo, fabrica
onze tipos de jatos corporativos. Com isso, as entregas anuais para um determinado
modelo de aeronave dificilmente superam cinqüenta unidades. Ou seja, há uma
maior diversificação dos riscos. De acordo com os vice-presidentes da Embraer
entrevistados para este trabalho (Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso), a empresa
também planeja lançar vários outros jatos para este segmento de mercado,
certamente buscando a estratégia de competir com mais aeronaves do que as três
até agora conhecidas (Legacy, LJ e VLJ).
Respondendo às demandas do mercado de aviação corporativa, a companhia
brasileira traçou planos para roubar parte do espaço defendido por suas
concorrentes. A Embraer planeja modelos mais rápidos, com cabine maior e que
incluam banheiros. Parece uma preocupação trivial, mas os toaletes, um item tão
177
importante para percursos aéreos de longa duração, não o encontrados em
grande parte dos modelos concorrentes.
Uma outra possibilidade foi anunciada recentemente pela Embraer e trata-se
da utilização das aeronaves ERJ-170 e ERJ-190 como plataformas para novas
aeronaves executivas, consolidando a opção da empresa brasileira por este
subsegmento. Segundo afirmou o Vice-Presidente de Aviação Corporativa da
Embraer, Luís Carlos Affonso, durante a feira Paris Air Show de 2005, esta “é uma
das possibilidades que ultimamente estamos analisando. Isso reduz custo de
desenvolvimento, então, é uma enorme vantagem”. Além disso, a empresa acredita
que os modelos ERJ-170 e ERJ-190 poderiam dar margem a aviões shuttle (ou seja,
para executivos) muito bons em função do espaço de suas cabines.
Na aviação executiva, o objetivo do fabricante brasileiro é ser ator de peso no
prazo de 10 anos. Para isso, terá que correr atrás de rivais estabelecidas
décadas no segmento, como Cessna, Gulfstream, Bombardier, Raytheon e Dassault.
Um fato realmente interessante é que, neste subsetor, desde 1960, somente um
novo entrante obteve sucesso em entregar mais de uma aeronave por mês de forma
sustentável, ou seja, por vários anos justamente a brasileira Embraer. O gráfico
ilustrado a seguir mostra de que forma o mercado de aviação geral / executiva é
repartido entre os principais players do mercado:
Gráfico 2 – Participação por fabricante no mercado de aviação geral em 2003 (GRIP, 2005)
De certa forma, a opção de investir mais intensamente na aviação executiva é
uma forma de evitar competição direta com a Boeing e a Airbus, conforme
178
recentemente anunciou o presidente da Embraer, Maurício Botelho, dando sinais
que não há interesse ainda da empresa brasileira em estender a capacidade de suas
aeronaves para além dos 108-118 passageiros do ERJ-195.
O desempenho apresentado pela Embraer nos últimos cinco anos pode ser
considerado excelente, ainda mais se forem levados em conta os efeitos dos
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que
provocaram intensa retração na indústria aeronáutica e cancelamento de vários
pedidos de aeronaves. Os principais indicadores de desempenho financeiro da
Embraer no período 2000-2004 podem ser vistos no quadro a seguir:
2000 2001 2002 2003 2004
Faturamento 2.762 2.927 2.526 2.143 3.441
Vendas
Mercado externo 98% 98% 98% 99% 93%
Mercado interno 2% 2% 2% 1% 7%
Ativo total 2.893 3.561 4.285 6.081 6.082
Patrimônio líquido 785 1.020 1.090 1.169 1.354
Lucro/Prejuízo 321 328 223 136 380
Margem de lucro 12% 11% 9% 6% 11%
Endividamento
Divida/Patr. líquido 268% 249% 293% 420% 349%
Dívida total 2.108 2.540 3.195 4.911 4.729
Dívida curto prazo 1.332 1.688 1.642 2.446 2.316
Dívida longo prazo 776 853 1.553 2.465 2.412
Obs.: Valores em US$ milhões, a não ser quando indicado
Quadro 14 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 2000-2004 (EMBRAER,
2002, 2003, 2004a, 2005)
Assim, pelo menos sete anos (1998-2004) que a Embraer vem
apresentando um resultado consistentemente superior, com margem média de lucro
líquido média de 10% (EMBRAER, 2002, 2003, 2004a, 2005). Este resultado é
extremamente favorável se for comparado com os resultados obtidos pela Boeing,
com 3% de margem de lucro líquido no período entre 1998 e 2004 (BOEING, 2000,
2001, 2002, 2003, 2004, 2005); pela Bombardier Aerospace, que obteve 2% entre 1
de fevereiro de 2000 e 31 de janeiro de 2005 (BOMBARDIER, 2000, 2001, 2002,
179
2003, 2004, 2005); e pela EADS, controladora da Airbus, que alcançou 1% entre
1998 e 2004 (EADS, 2000?, 2001?, 2002?, 2004, 2005).
180
4 METODOLOGIA DE PESQUISA
4.1 TIPO DE PESQUISA
De acordo com Gil (2002), este estudo pode ser classificado como uma
pesquisa exploratória, descritiva e explicativa.
É uma pesquisa exploratória por estar relacionada a um tema sobre o qual
muito pouca familiaridade na literatura acadêmica. É uma pesquisa descritiva na
medida em que se tratou de tentar descrever o comportamento da Embraer diante
de um ambiente altamente dinâmico ao longo de sua história. E, por fim, é uma
investigação explicativa, pois o presente trabalho busca compreender os motivos
que levaram a Embraer a optar pela alternativa de criar e gerir alianças estratégicas
e a entender quais as perspectivas que estas decisões trazem ao futuro da empresa.
de acordo com Yin (1989), existem diferentes métodos de pesquisa que
podem ser utilizados de acordo com a pergunta que o pesquisador pretende
responder. O autor estabelece uma relação entre os métodos disponíveis (a que
chama de estratégias), o tipo de pergunta a ser respondia e as implicações da
pergunta sobre a necessidade de controle de eventos comportamentais e sobre o
foco em eventos contemporâneos. As relações estabelecidas podem ser observadas
no quadro a seguir:
Estratégia
Forma da pergunta da
pesquisa
Necessita de controle
sobre eventos
comportamentais?
Está focada em eventos
contemporâneos?
Experimento Como, por quê Sim Sim
Amostra
Como, o quê, onde,
quanto
Não Sim
Análise de registros
Como, o quê, onde,
quanto
Não Sim/Não
História Como, por quê Não Não
Estudo de caso Como, por quê Não Sim
Quadro 15 – Detalhamento das diferentes estratégias de pesquisa (YIN, 1989)
Desta forma, de acordo com as estratégias propostas por Yin (1989), esta
dissertação é classificada como um estudo de caso, pois possui enfoque em eventos
181
contemporâneos, não necessita de controle sobre eventos comportamentais e
procura responder às perguntas “como” e “por quê”. A diferença entre o método de
estudo de caso e o de história consiste no foco temporal diferente de ambos. O
estudo de caso dá ênfase aos eventos mais recentes, enquanto o método de história
aborda fatos antigos.
A opção pelo estudo de caso como método é decorrência direta da
curiosidade em entender o mecanismo de parcerias de compartilhamento de risco da
Embraer e os efeitos destas na trajetória de sucesso recente da empresa.
Para Yin (1989), a necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de
compreender fenômenos sociais complexos e permite uma investigação para
preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real, tais
como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos,
mudanças ocorridas em regiões, relações internacionais e maturação de alguns
setores.
Embora existam pessoas vivas que possam relatar toda a história da
Embraer, as principais fontes de evidências utilizadas são documentos primários e
secundários. Entretanto, as entrevistas com colaboradores da Embraer constituem
uma parte de suma importância para este estudo.
Por sua vez, Snow & Thomas (1994) classificam os estudos em estratégia de
acordo com o estágio de desenvolvimento da teoria (construção ou teste) e de
acordo com o propósito da teoria (descrição, explicação e predição).
Desta forma, para estes autores, o estágio de desenvolvimento da teoria pode
ser segmentado em:
Construção: desenvolvimento de uma nova teoria; ou
Teste: busca testar uma teoria desenvolvida.
Já o propósito da teoria, pode ser segmentado em:
Descrição: estudos baseados apenas na observação, tendendo a
responder a perguntas do tipo “o quê”;
182
Explicação: estudos baseados no desenvolvimento de relações entre
construtos, respondendo a questões do tipo “como” e “por quê”; ou
Predição: estudos que buscam examinar condições de fronteira de uma
teoria, procurando responder a perguntas “quem”, “onde” e “quando”.
Este trabalho, agora segundo a segmentação proposta por Snow & Thomas
(1994), carrega características de descrição e explicação. Em relação ao estado de
desenvolvimento da teoria, esta dissertação caracteriza-se por buscar um estado
misto entre a construção de uma nova teoria e o teste da teoria desenvolvida por
Barney (1991).
4.2 CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DA EMPRESA
A escolha da Embraer como empresa para ser estudada por esta dissertação
deu-se por três motivos:
1. A empresa deveria possuir ou ter possuído relevância econômica para o
Brasil ao longo de sua existência;
2. A empresa deveria pertencer a um setor econômico com produtos de alto
valor agregado, não sendo empresa vendedora de commodities;
3. A empresa deveria possuir atividades em território brasileiro e enfrentar
intensos desafios a seu sucesso no futuro.
A Embraer preencheu todos os critérios escolhidos. Primeiramente, a
Embraer é uma das maiores empresas do Brasil em faturamento, e normalmente
disputa com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Petrobras a primazia de
maior exportadora do país. Em segundo lugar, o setor aeroespacial é um dos poucos
setores cujos produtos possuem alto valor agregado e em que o Brasil é
internacionalmente competitivo. Por fim, a empresa é brasileira, com quase todas
suas operações no Brasil, deparando-se com um cenário de intensa competição na
indústria de fabricação de aeronaves, marcada por embates com empresas de
países desenvolvidos, algumas muito maiores que a brasileira.
183
4.3 COLETA DE DADOS
No que se refere à coleta de dados, o estudo de caso é o mais completo de
todos os delineamentos (GIL, 2002), pois pode valer-se tanto de contatos com
pessoas como dados registrados em papel ou meio eletrônico.
A coleta de dados teve como unidades de análise a indústria, a firma e
pessoas físicas:
Indústria: informações sobre empresas fabricantes de aeronaves e de
estruturas aeronáuticas, no Brasil e no mundo;
Firma: informações sobre a Embraer e empresas coligadas e/ou
controladas pela Embraer; e
Pessoas Físicas: informações sobre pessoas que assumiram importantes
papéis ao longo da história da empresa, como Ozires Silva (fundador e
primeiro presidente), Satoshi Yokota (atual vice-presidente executivo de
engenharia e desenvolvimento), Luís Carlos Affonso (ex-líder do projeto
ERJ170/190 e atual vice-presidente de aviação corporativa) e Maurício
Botelho (atual diretor presidente).
Ou seja, o primeiro levantamento procurou identificar documentos relevantes
disponíveis sobre estes três níveis de abordagem. Ressalta-se que o objetivo foi
realizar um levantamento exaustivo no nível da firma, ou seja, reunir todos os
estudos disponíveis sobre a Embraer. Para isso, foram realizadas buscas nas
seguintes fontes, em ordem cronológica:
Biblioteca Coppead: pesquisa no Banco de Dados Minerva e nos demais
Banco de Dados nacionais e internacionais acessíveis pela Biblioteca;
Internet: home-page da Embraer, busca com ferramenta Google e lista de
e-mails da SBTA (Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte
Aéreo);
Arquivo da Embraer; e
Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
184
Além disso, também foi feita coleta de dados junto às seguintes fontes:
Vice-presidência de desenvolvimento e indústria, através de entrevista
com o Sr. Satoshi Yokota;
Vice-presidência de aviação corporativa, através de entrevista com o Sr.
Luís Carlos Affonso.
4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO
A principal crítica a estudos como o histórico e o de caso refere-se à falta de
procedimentos metodológicos rígidos. Desta forma, é demandada do autor atenção
redobrada tanto na coleta quanto na análise dos dados (GIL, 2002).
Também é importante salientar que as conclusões obtidas neste estudo são
específicas, não podendo ser generalizadas nem extrapoladas. A análise de um caso
não permite levantar conclusões sobre outros objetos de análise ou mesmo sobre o
mesmo objeto de análise no futuro, pois as mesmas condições dificilmente se repetem.
A análise das entrevistas, realizadas por vezes muitos anos após os fatos
relatados, permite colher a percepção de pessoas envolvidas no processo. Entretanto, é
impossível, dado o distanciamento temporal, reproduzir de forma fidedigna o que
realmente ocorreu durante o período estudado. O estudo de caso histórico torna-se,
então, uma visão peculiar e limitada da realidade, sob a ótica do autor.
185
5 ANÁLISE DE RESULTADOS
5.1 DELIMITAÇÃO DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS ANALISADAS
Conforme citado na introdução, este capítulo tem como objetivo confrontar o
referencial teórico com o estudo de caso histórico e as entrevistas realizadas, de
forma a compreender o papel das alianças estratégicas da Embraer na formação de
vantagens competitivas sustentáveis. Para tanto, as alianças estratégicas em que a
Embraer tenha participado desde sua criação serão estudadas de forma individual, à
luz do framework desenvolvido para análise das alianças estratégicas, que foi
apresentado no subcapítulo 2.4. Desta forma, espera-se que possa ser respondida a
questão a que este estudo se dedica: de que forma as alianças estratégicas m
gerado vantagens competitivas sustentáveis para a Embraer?
Como visto no subcapítulo 2.2, não exatamente um consenso sobre o
conceito de alianças estratégicas entre os acadêmicos. Para fins da aplicação do
framework desenvolvido neste estudo, considerar-se-á a definição de alianças
estratégicas apresentada por Pinho (1998) no subcapítulo 2.2, elaborada a partir de
uma compilação de vários trabalhos sobre o tema. Este estudo restringe-se,
portanto, às interações da Embraer com outras organizações que apresentem as
seguintes características:
1. Acordo com objetivos específicos, que une aspectos específicos de duas
ou mais empresas (denominados parceiros);
2. A base da união é uma parceria comercial, que permite a cada um dos
parceiros criar e manter vantagem competitiva, através do benefício mútuo
da troca de tecnologias, produtos, habilidades ou qualquer outro tipo de
recurso;
3. As alianças estratégicas possuem quatro atributos, necessária e
suficientemente:
3.1. As duas ou mais empresas permanecem independentes após a
formação da aliança;
186
3.2. Os parceiros compartilham o controle sobre o desempenho das
tarefas associadas à parceria e os benefícios advindos das
mesmas;
3.3. Os parceiros contribuem de forma contínua para a aliança; e
3.4. Os parceiros geram uma relação de dependência mútua, ou seja,
os projetos são indivisíveis.
Esta definição de Pinho na verdade uma compilação dos pontos
convergentes encontrados nos estudos de diversos autores sobre alianças
estratégicas exclui de antemão o desenvolvimento de alguns projetos da
Embraer, a saber:
EMB-110 Bandeirante;
EMB-200 Ipanema;
Adaptação de motores turbo-hélice aos T-6 da FAB;
Relacionamento com a Aero Industries (EUA);
EMB-121 Xingu;
EMB-120 Brasília; e
EMB-312 Tucano.
Os projetos de adaptação de motores turbo-hélice aos T-6 e de criação do
IPD-6504/EMB-110 Bandeirante foram desenvolvidos em conjunto pelos
engenheiros do IPD (posteriormente Embraer) e a equipe do engenheiro francês
Max Holste. Muito embora conhecimentos valiosos tenham sido adquiridos pela
Embraer nestes projetos, a relação entre as partes não se configurou numa aliança
estratégica, pois a equipe francesa não era uma corporação propriamente dita, mas
sim uma equipe incorporada pelo IPD, que contratou todos os engenheiros e
técnicos sob a rubrica da Diretoria de Material da FAB e, posteriormente, do CTA.
Desta forma, o conhecimento adquirido é similar ao de um profissional que aprende
algo novo com um colega de trabalho mais experiente. Transferência de
187
conhecimento dentro da própria organização (neste caso, o IPD) não é considerada
recurso adquirido por aliança estratégica para fins deste trabalho, por não estar de
acordo com o item 3.1. apresentado acima.
Outro importante relacionamento ocorrido na história da Embraer que não se
configura em uma aliança estratégica é a relação com a Aero Industries iniciada em
1979. Como a Embraer rompeu facilmente este relacionamento após perceber as
deficiências da Aero Industries como seu representante comercial para o mercado
dos EUA (simplesmente o que apresentava maior potencial para a empresa), este
relacionamento fere o critério 3.4. para definição de aliança estratégica. Ou seja,
como os parceiros não geraram uma relação de dependência mútua e o projeto não
foi indivisível, este relacionamento não pode ser considerado uma aliança
estratégica.
O desenvolvimento e produção das aeronaves EMB-200 Ipanema, EMB-121
Xingu, EMB-120 Brasília e EMB-312 Tucano também possuíram impacto
significativo na história da empresa, porém foram iniciativas da empresa em que não
foram estabelecidas alianças estratégicas significativas, mas somente relações
comerciais da Embraer com seus fornecedores. Apesar de ter adquirido várias
competências através destes projetos, as mesmas foram obtidas através de
desenvolvimento interno e não em contatos com parceiros.
Desta forma, respeitadas todas as condições estabelecidas por Pinho, as
alianças estratégicas que a Embraer realizou, ao longo de toda a sua história, foram:
1. Projeto EMB-326 Xavante, com a Aermacchi (Itália);
2. Adaptação de rias aeronaves leves para o mercado brasileiro, com a
Piper (EUA);
3. Produção de componentes (inclusive empenagem vertical) para as
aeronaves militares F-5 via acordo de offset, com a Northrop Grumman
(EUA);
4. Formação de consórcio para a venda de jatos de treinamento Super
Tucano à RAF (Royal Air Force), com a Short Brothers (Irlanda);
188
5. Aquisição de tecnologia em usinagem química via acordo de offset, com a
Sikorsky Aircraft (EUA);
6. Projeto AMX, com a Aeritalia e Aermacchi (Itália);
7. Projeto CBA-123 Vector, com a Fábrica Militar de Aviones (Argentina);
8. Produção de flaps de fibra de carbono para a aeronave MD-11 via acordo
de offset, com a McDonnell Douglas (EUA);
9. Produção de peças que exigem mecânica fina (de precisão) para
aeronaves 747 e 767, com a Boeing (EUA);
10. Produção de conjuntos de ponta da asa (wing tip) e do dorsal fin
(superfície aerodinâmica para aumentar estabilidade da aeronave) para
aeronaves 777, com a Boeing (EUA);
11. Formação de consórcio para a venda de jatos de treinamento Super
Tucano à Força Aérea e Marinha dos Estados Unidos, com a Northrop
Aircraft Corp (EUA);
12. Projeto da família ERJ-145, com Gamesa (Espanha), Sonaca (Bélgica),
ENAer (Chile) e C&D Interiors (EUA);
13. Produção do sistema de combustível e trem-de-pouso (sponson) do
helicóptero S-92 Helibus, com a Sikorsky (EUA);
14. Projeto da família ERJ-170/190, com Sonaca (Bélgica), Latécoère
(França), Liebherr (Alemanha), Kawasaki (Japão), Gamesa (Espanha),
General Electric (EUA), Allied Signal (EUA), Hamilton Sundstrand (EUA),
Honeywell (EUA), C&D Interiors (EUA) e Parker Hannifin (EUA);
15. Remodelamento dos F-5 da FAB, com a Elbit (Israel);
16. Produção de ERJ-145 na China, com a AVIC II (China); e
17. Projeto da família Light Jet / Very Light Jet, com parceiros ainda em
definição.
189
5.2 ANÁLISE INDIVIDUAL DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA EMBRAER
5.2.1 Projeto EMB-326 Xavante
Em 1970, recém-criada, a Embraer atuava como o braço de análises da
FAB quando esta instituição buscava adquirir novas aeronaves para sua frota. A
empresa brasileira fazia contatos e examinava propostas das empresas que se
interessavam pelos programas de reaparelhamento da frota aérea militar brasileira.
De acordo com Silva (1998), esta era uma época em que a Embraer ainda
não se encontrava pronta para criar e fabricar aviões tecnologicamente complexos,
faltando conhecimento de projeto e, principalmente, de produção. Segundo o autor,
era impossível convencer a FAB a aguardar cinco anos, o tempo nimo julgado
necessário para conceber, projetar, desenvolver, aprovar e lançar a fabricação em
série de uma nova aeronave. De certa forma a Embraer adquirira capacitação em
projeto de aeronaves, ainda que civis (portanto, mais simples), através de suas
atividades como IPD. Porém o know-how de fabricação seriada de aeronaves ainda
não existia.
Nesta época, a FAB havia delineado um programa para desenvolvimento da
indústria aeronáutica brasileira, que previa a compra da recém-desenvolvida
aeronave Bandeirante e também a aquisição de jatos militares para treinamento. O
Bandeirante era um avião extremamente adaptado para as condições da aviação
brasileira, dotado de robustez para operar em aeroportos de cidades menores, que
normalmente não possuíam infra-estrutura adequada. Se o projeto do Bandeirante,
desenvolvido ainda no IPD, trazia perspectivas tão promissoras, o mesmo não podia
ser dito da possibilidade de que a Embraer projetasse e fabricasse a aeronave de
treinamento a jato. A tecnologia envolvida num equipamento de uso militar é muito
mais complexa que a utilizada no Bandeirante, um turbo-hélice não pressurizado,
com pouca sofisticação tecnológica. Assim, era claro que a Embraer ainda não se
encontrava capacitada para projetar e produzir uma aeronave militar de qualidade.
Desta forma, a FAB ordenou que a Embraer analisasse as propostas das
seguintes empresas: a francesa Aérospatiale (aeronave Fouga Magister), a sueca
190
SAAB (aeronave SAAB 105), a britânica British Aerospace (aeronave BAC 167
Strikemaster) e, posteriormente, a italiana Aermacchi (MB-326G).
Apesar de ter sido a última aeronave analisada pelos engenheiros da
Embraer, a proposta da Aermacchi acabou sendo considerada a melhor. Um fator
importante para isso, segundo Silva (1998), foi a qualidade da empresa italiana em
uma série de aspectos, em particular no campo de assistência técnica, descrita
como vital pelo autor. Outro fator que contribuiu para a aceitação da empresa italiana
foi o fato dela ser bem menor que suas concorrentes, o que poderia fazer da mesma
uma parceira mais interessante que as outras empresas, certamente gigantes se
comparadas à ainda pequena Embraer.
De acordo com Satoshi Yokota, atual Vice-Presidente Executivo de
Desenvolvimento e Indústria da Embraer, a licença de fabricação do MB-326 foi
adquirida, com intuito deliberado de aquisição de know-how de industrialização. Este
passo foi crucial para uma empresa que ainda engatinhava na produção das
aeronaves projetadas em seu departamento técnico.
O MB-326 foi projetado em 1953, obtendo grande sucesso comercial em
várias forças aéreas do mundo inteiro. Em 1967, foi lançado o MB-326G com uma
versão mais potente de motor, tornando o avião melhor e mais competitivo em
relação aos que eram fabricados por concorrentes. Este último modelo foi o que
passou a ser produzido sob licença pela Embraer no Brasil, sob o nome de EMB-
326GB Xavante.
O projeto Xavante foi muito produtivo para a Embraer. Segundo Silva (1998),
toda a incipiente produção do Bandeirante sofreu uma intensa melhoria de qualidade
devido ao conhecimento adquirido da empresa italiana, principalmente no projeto e
confecção de gabaritos e ferramental de produção, permitindo a implementação de
uma linha de montagem para a construção em série das aeronaves. Além do
conhecimento adquirido na criação destes bens de capital (as ferramentas de
produção), Satoshi Yokota defende que também foi de fundamental importância a
inspiração que a aliança trouxe no estabelecimento de processos, normas e
procedimentos de fabricação e controle de produção que a Embraer não dominava,
visto que era originária de um instituto de pesquisa.
191
Outro relato que defende a importância do projeto Xavante no
desenvolvimento e consolidação da Embraer é o de Mattos (2005), que apresenta
vários benefícios decorrentes da fabricação desta aeronave, entre eles: tecnologia
de integração e ensaio de motor à reação; desenvolvimento de ferramental de
fabricação para produção em larga escala; projeto de aviões de caça com base no
Xavante (oferecido à FAB, mas não levado adiante); e elaboração de manuais
técnicos.
A Embraer também solicitou à Aermacchi um número grande de italianos
residindo em São José dos Campos, num total de 600 homens-mês, de forma que
os parceiros não atuaram somente na montagem e operação dos EMB-326GB
Xavante, mas também no projeto e produção seriada dos EMB-110 Bandeirante,
modificando uma série de características técnicas do protótipo desta aeronave.
Certamente, o conhecimento adquirido dos italianos por parte dos brasileiros foi
crucial para o sucesso comercial do Bandeirante. Vários deles inclusive
naturalizaram-se brasileiros e continuaram suas carreiras na Embraer. Em
contrapartida, cerca de 70 funcionários da Embraer foram designados para
treinamento na Itália. Deste modo, a empresa pôde rapidamente passar da operação
de montagem à operação de fabricação nacional deste avião (BERNARDES,
2000b).
Cabral (1987) também concorda. Para ele, a Embraer adquiriu capacitação
em projetos em função da forma de transferência de tecnologia ocorrida. No caso do
programa Xavante, o contrato de produção sob licença resultou em aquisição de
muita tecnologia de fabricação. Neste sentido, é importante ressaltar que no início da
década de 70, os engenheiros da Embraer possuíam alguma experiência em termos
de projeto de aeronaves, adquirida no meio acadêmico (através do ITA) e
posteriormente num instituto de pesquisas avançadas em aeronáutica (através do
IPD). Entretanto, apesar de compreenderem bem os conceitos teóricos por trás de
um projeto aeronáutico, a experiência fabril era praticamente nula. Desta forma, esta
parceria com a Aermacchi ainda no começo da vida da empresa brasileira pode ter
sido uma das decisões estratégicas mais acertadas em toda a sua história.
Embora ainda o gerassem vantagens competitivas sustentáveis,
certamente os novos aprendizados constituíam-se em condições necessárias para
192
que a empresa ao menos conseguisse competir em melhor situação com empresas
muito mais preparadas e experientes.
O quadro a seguir analisa os recursos adquiridos na aliança com a Aermacchi
e de que forma eles contribuíram ou não para a formação de vantagens competitivas
sustentáveis:
193
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Melhoria de técnicas para
produção em larga escala
(principalmente projeto e
confecção de gabaritos e
ferramental de produção).
Todos.
Sim. Através deste recurso, as
empresas conseguem acelerar
seus processos de produção
em larga escala. Sem ele, o
processo de produção torna-se
demasiadamente artesanal e,
portanto, mais sujeito a falhas,
mais custoso e mais lento.
Não para as empresas já
estabelecidas no mercado.
Sim para os possíveis novos
entrantes.
Em termos. O recurso pode
ser imitável, mas o
desenvolvimento interno do
conhecimento pode tomar
muito tempo e ser muito
custoso em comparação ao
aprendizado junto a um
parceiro.
Sim. A alternativa ao know-
how de produção adquirido é a
fabricação de caráter mais
artesanal, o que inviabiliza a
construção de grande número
de aeronaves, aumenta os
custos e diminui
significativamente a
competitividade da empresa.
Experiência em elaboração de
manuais técnicos.
Todos.
Não. Embora os manuais
sejam importantes para a
manutenção adequada da
aeronave, eles não constituem
fator determinante de
competitividade.
Não. Várias empresas
possuem experiência na
elaboração de manuais
técnicos de excelente
qualidade.
Sim. A experiência em
elaboração dos manuais não
pode ser imitada.
Sim. Os manuais técnicos são
obrigatórios de acordo com
regulamentações da ICAO
(International Civil Aviation
Organization), não podendo
ser substituídos.
Naturalização de engenheiros
italianos no Brasil para ficarem
na Embraer.
Todos.
Sim. Os engenheiros italianos
possuíam capacidade técnica
comprovada e contribuíram
com seus conhecimentos em
outros projetos da Embraer.
Não. A capacidade técnica dos
engenheiros italianos era
equivalente à dos brasileiros e
a dos engenheiros de outras
empresas concorrentes.
Sim. É impossível imitar o
conhecimento humano
adquirido através da
experiência.
Não. Havia à disposição dos
concorrentes engenheiros com
conhecimentos similares.
Know-how em tecnologia de
integração e ensaio de motor à
reação.
N/A. N/A. N/A. N/A. N/A.
Quadro 16 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aermacchi (projeto EMB-326) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
194
5.2.2 Adaptação de aeronaves leves da Piper para o mercado brasileiro
O Brasil sempre foi um dos maiores mercados do mundo para aeronaves
leves. Tendo em vista as suas dimensões continentais, o país sempre se apresentou
como área geográfica de grande interesse para os fabricantes deste tipo de
aeronave, sendo hoje o segundo maior mercado do mundo para aeronaves leves,
atrás somente dos Estados Unidos. Motivada por esta enorme demanda, a Embraer
identificou ainda na década de 70 este nicho como uma nova possibilidade para a
indústria nacional, passando a cogitar a fabricação de aeronaves leves, nicho este
também conhecido como Aviação Geral. Isto foi muito motivado pelas autoridades
brasileiras, que procuravam estimular a substituição de importações de aeronaves
estrangeiras por aeronaves brasileiras, política muito em voga na época.
Aviação Geral é um termo muito genérico, abrangendo todos os tipos de
aeronaves menos as militares e as civis destinadas a transporte regular de
passageiros e cargas. Ou seja, a entrada da Embraer neste segmento certamente
demandaria o investimento em projeto e produção de vários tipos de aeronaves
desenhadas para diferentes finalidades. A empresa ainda não se encontrava
preparada para a dificuldade desta empreitada. Desta forma, iniciou negociações
com fábricas estrangeiras para negociar os direitos de produção de seus aviões no
Brasil. As companhias com as quais a Embraer negociou dominavam quase todo o
mercado brasileiro em 1973. Eram as norte-americanas Cessna (59% de market
share), Piper (19%) e Beech (16%).
A participação de mercado expressiva da Cessna conferia a ela uma situação
vantajosa nas negociações e, por isso, ela não se dispôs a aceitar as condições
brasileiras, que incluíam um acordo de cooperação industrial pelo qual a Embraer
ficava autorizada a realizar as modificações que julgasse necessárias nos aviões
que produzisse.
A Beechcraft também não mostrou interesse em licenciar tecnologia e, por
isto, a empresa escolhida foi a Piper. Para esta empresa, o acordo de licenciamento
representava um negócio interessante, na medida em que potencialmente alijava
sua maior concorrente do segundo maior mercado de aeronaves leves do mundo.
De fato, a Cessna, que em 1974 vendera 373 aviões ao Brasil, vendeu apenas seis
195
aeronaves dois anos após. Em 1974, um decreto do Presidente da República elevou
a alíquota do imposto de importação incidente sobre aeronaves leves, o que
proporcionou uma modificação radical neste mercado, com o declínio acentuado das
importações e o favorecimento das aeronaves Piper fabricadas no Brasil sob licença
pela Embraer.
A Embraer beneficiou-se bastante do conhecimento de técnicas de produção
em série da Piper, uma empresa com grande histórico de sucesso. Inicialmente
enviou aos EUA funcionários que passariam pelo processo de treinamento
empregado na montagem dos aviões (fornecidos sob a forma de kits). Além do
treinamento, cita Silva (1998), a equipe tinha por objetivo coletar toda a
documentação técnica necessária para os processos de produção e manutenção.
A parceria também habilitou a empresa brasileira a alcançar melhores índices
de desempenho de produção (medidos em homens-hora por quilo de estrutura
fabricada e horas de produção por aeronave produzida), ainda que não fosse
possível chegar aos níveis norte-americanos.
Segundo Bernardes (2000a), esta aliança possuiu três estágios:
Estágio 1: a Piper enviaria as estruturas completas, fuselagem, comandos
e asas, e a Embraer se encarregaria da fase da montagem de todos os
componentes e sistemas;
Estágio 2: a Piper remeteria os componentes pré-montados e forneceria
auxílio para montagem completa do produto;
Estágio 3: este estágio pode ser dividido em três etapas:
a) Substituição gradual de peças fabricadas na Piper nos EUA, que
passariam a ser produzidas localmente, incluindo mais de 50%
das peças de acrílico e fibra de vidro;
b) Apoio para a substituição de todas as peças de acrílico e fibra
de vidro, e reposição das peças fabricadas pela Piper;
196
c) Produção completa no Brasil das aeronaves com as peças e
componentes sendo produzidos localmente, com exceção dos
limitados por questões tecnológicas ou problemas de escala.
Como o contrato também incluía a compra, venda, entrega e assistência
técnica, todos estes aspectos constituindo também novidades para a Embraer, a
aliança com a Piper proporcionou uma série de outros aprendizados. Para
Bernardes (2000a), os benefícios deste acordo destinaram-se mais para estratégias
de marketing, comercialização e apoio ao produto do que para a tecnologia de
produção propriamente dita. O autor acredita que o aprendizado da Embraer nas
vendas de seus produtos pode ser considerado fruto de uma trajetória evolucionária
e cumulativa, além de estar associado a uma política cuidadosa de identificação de
segmentos de mercado e da ação direta do Estado. De acordo com Cabral (1987), a
aliança com a Piper gerou vários benefícios relacionados à comercialização e
assistência técnica, completando, em linhas gerais, o processo de desenvolvimento
e aprendizado tecnológico da Embraer.
A Embraer adquiriu grande capacitação em marketing e vendas, na medida
em que foi tendo maior contato com uma empresa experiente como a Piper. Assim,
a aliança possibilitou à empresa brasileira treinamento intensivo de sua força de
vendas em técnicas que antes lhe eram desconhecidas, apesar de difundidas no
mercado aeronáutico. Como uma empresa recém-criada, a Embraer ainda tinha
muito a aprender, mas as parcerias com empresas bem posicionadas e a
mentalidade da companhia brasileira, buscando absorver o máximo de
conhecimento possível de projeto, fabricação e venda, fez com que a evolução do
seu aprendizado fosse muito rápida.
Todo o sistema de distribuição da Embraer teve como ponto de partida o
sistema de distribuição da Piper, com a companhia brasileira instituindo uma rede de
revenda em nível nacional para comercializar as aeronaves licenciadas pela norte-
americana, utilizando a rede montada pelo distribuidor brasileiro da Piper a J. P.
Martins, sediada no Campo de Marte. De acordo com Silva (1998), o contato com o
executivo-chefe da J. P. Martins, Jeremias Martins, permitiu um aprendizado mais
rápido por parte dos funcionários da Embraer sobre técnicas de venda. Jeremias
também ajudou a Embraer a montar listas de opcionais que permitiriam à empresa
197
manter os produtos no mercado sempre modernizados e respondendo
adequadamente aos anseios dos clientes.
O quadro a seguir a seguir os recursos capturados pela Embraer através de
sua aliança estratégica com a Piper:
198
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how de comercialização
(marketing e vendas) de
aeronaves.
Todos.
Sim. A capacidade de
comercializar adequadamente
os produtos é fundamental
para o sucesso dos mesmos
no mercado posto que às
vezes há pouca diferenciação.
Sim. O know-how de
comercialização eficaz de
aeronaves é fundamental num
mercado oligopsônico, em que
poucos fabricantes vendem a
poucos compradores. Poucas
empresas possuem este know-
how no nível apresentado pela
Embraer.
Sim. A área comercial de uma
empresa não pode ser imitada.
Ou a empresa detém o know-
how ou sofre as
conseqüências da má
comercialização do produto e
do contato precário com os
clientes.
Em termos. Pode-se substituir
a área interna de
comercialização (vendas) por
representantes comerciais nos
principais países. A história do
setor, entretanto, mostra que a
estratégia mais eficaz é
realmente investir na evolução
da área comercial da própria
empresa.
Know-how de apoio pós-venda
e assistência técnica.
Todos.
Sim. A assistência técnica é
fator importante no processo
decisório dos clientes.
Não para as empresas já
estabelecidas no mercado.
Sim para os possíveis novos
entrantes.
Sim. Nenhuma empresa
consegue oferecer aos seus
clientes assistência técnica de
qualidade através da imitação
das práticas de seus
concorrentes.
Sim. Uma assistência técnica
de qualidade é demandada
pelos clientes e não há
substituto a esta atividade
comercial.
Know-how tecnológico para
fabricação de peças de acrílico
e fibra de vidro.
Nenhum.
Não. A tecnologia de
estruturas em acrílico e fibra
de vidro é utilizada em
aeronaves de baixo valor
agregado e com pouca
tecnologia.
Não. É uma tecnologia
difundida entre várias
empresas, inclusive algumas
de fora do setor aeroespacial,
como o automobilístico e o
naval.
Não. Algumas ligas de
alumínio ou materiais
compostos substituem com
vantagens as estruturas de
acrílico e fibra de carbono.
Não. Há vários especialistas
no mercado com este know-
how e a tecnologia não é difícil
de ser desenvolvida.
Quadro 17 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Piper na formação de vantagens competitivas sustentáveis
199
5.2.3 Acordo com a Northrop para produção de componentes do F-5
Em 1973, a FAB anunciou que adquiriria 49 aeronaves supersônicas norte-
americanas Northrop F-5E Tiger para reaparelhamento de sua frota. De acordo com
a política de comércio exterior brasileira da época, a FAB procurou exigir
contrapartidas comerciais (offset) à Northrop, que resultaram na aliança desta
empresa com a Embraer. Entre as exigências, estava previsto que a Embraer
passaria a fabricar a empenagem vertical e alguns outros componentes estruturais
para esta aeronave.
Esta aliança beneficiou bastante a Embraer na aquisição de capacitação
tecnológica em colagem metal-metal, materiais compostos, usinagem de ligas
avançadas de alumínio-magnésio, uso de máquinas de controle numérico e
fabricação de colméias de alumínio (honeycomb), tecnologias estas que viriam a ser
futuramente aproveitadas tanto no projeto quanto na produção dos novos programas
da empresa.
De acordo com Serra (2005), o acordo com a Northrop foi conscientemente
elaborado para aquisição de novas tecnologias que eram consideradas estratégicas
pela direção da empresa. Neste sentido, mais do que os benefícios financeiros
auferidos pela venda dos componentes para a Northrop, o principal ganho da
Embraer foi realmente a aquisição de conhecimentos tecnológicos que se tornaram
recursos valiosos para a empresa.
Segundo o vice-presidente da empresa Satoshi Yokota, a Embraer participou
de diversos projetos como fornecedora de componentes ou mesmo parceira de risco
de uma integradora (Boeing, McDonnell Douglas e Northrop) em que as
coordenadoras do projeto conscientemente transferem tecnologia a seus parceiros
e/ou fornecedores para a produção de subsistemas e componentes. Como a própria
aliança com a Northrop exemplifica, a empresa brasileira aproveitou bastante este
modelo de negócios para adquirir tecnologias que não dominava. Vários outros
exemplos similares ocorreram, como poderá ser visto mais à frente.
O quadro a seguir detalha os recursos adquiridos pela Embraer na parceria
com a Northrop para produção de componentes para o F-5:
200
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em tecnologia de
material composto.
Todos.
Sim, poucas empresas
dominam o uso de estruturas
aeronáuticas de material
composto, que conduzem a
pesos estruturais bem
menores e, portanto, a
produtos mais competitivos.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
esta tecnologia, embora em
níveis variados de sofisticação
tecnológica. Entretanto,
possíveis novos entrantes não
a possuem ou não detêm o
ciclo tecnológico completo.
Sim. O uso de material
composto apresenta uma
revolução na qualidade da
estrutura aeronáutica, tanto
em termos de peso (é mais
leve que as ligas de alumínio),
como em termos de segurança
(possui alta resistência a
falhas e fadiga mecânica).
Sim. Os materiais compostos
são a melhor opção para
fabricação de determinadas
estruturas aeronáuticas. Esta
tecnologia pode ser substituída
pela fabricação das mesmas
estruturas em ligas de
alumínio, como nas aeronaves
mais antigas, mas sob pena de
perda de desempenho
operacional e resistência
mecânica. O uso de materiais
compostos é uma tendência
inevitável e cada vez mais
importante na indústria
aeronáutica.
Know-how em tecnologia de
usinagem de ligas avançadas
de alumínio-magnésio.
Todos.
Não. Ligas de alumínio-
magnésio são extremamente
leves e apresentam boa
resistência. A usinagem deste
tipo de liga não é, no entanto,
algo muito valioso no processo
de produção industrial de
aeronaves.
Não. A maioria das empresas
aeronáuticas domina a
usinagem deste tipo de liga e
mesmo em outros setores
(automotivo, alimentício,
elétrico, entre outros) este tipo
de tecnologia é disseminada.
Não. Este know-how é obtido
com relativa facilidade, visto
que a tecnologia já se
encontra difundida e dominada
por diversos outros setores.
Sim. O conhecimento não
pode ser substituído por outro
método de trabalho, pois a
usinagem de ligas
aeronáuticas é um processo
complexo, tendo em vista a
necessidade de garantir a
segurança da estrutura contra
falhas.
201
Know-how em uso de
máquinas de controle
numérico.
Todos.
Sim. Para aumentar a
capacidade de produção e a
qualidade dos produtos
fabricados na indústria
aeronáutica, o uso de
máquinas de controle
numérico de alta velocidade é
fundamental.
Em termos. O controle
numérico na produção existe
há vários anos e há diversos
tipos de equipamentos para
esta finalidade. As máquinas
atuais, que a Embraer domina
e utiliza, são extremamente
rápidas e precisas,
constituindo-se num diferencial
de sua produção em relação a
possíveis novos entrantes
(Obs.: Outros grandes
produtores de aviões civis e/ou
militares já dominam este
know-how).
Sim. O know-how é
considerado importante e,
portanto, restrito a quem
detém o domínio sobre o ciclo
completo da tecnologia. De
certa forma, a falta de
conhecimento sobre
fabricação automatizada é
uma das grandes barreiras de
produtividade a novos
entrantes no setor.
Sim. O uso de máquinas de
controle numérico é a melhor
opção para fabricação de
várias estruturas aeronáuticas.
Esta tecnologia pode ser
substituída pela fabricação das
mesmas estruturas através de
processos de usinagem
tradicionais, como nas
aeronaves antigas, mas sob
pena de perda de eficiência na
produção.
Know-how em tecnologia de
soldagem (ou colagem) metal-
metal.
Todos.
Não. A tecnologia de
soldagem metal-metal é
importante na produção de
estruturas resistentes e
seguras, muito embora não se
constitua num diferencial
extremamente valioso na
indústria aeronáutica.
Não. Praticamente todas as
empresas do setor aeronáutico
possuem know-how de
tecnologia de soldagem metal-
metal.
Não. Os possíveis novos
entrantes que ainda não
possuam este know-how
podem obtê-lo através da
contratação de especialistas
ou mesmo em outras
indústrias (como a de bens de
capital ou a automobilística)
Sim. A tecnologia de soldagem
metal-metal é imprescindível
na indústria aeronáutica pelo
alto uso de ligas metálicas
para fabricação nas estruturas
utilizadas nas aeronaves e,
portanto, impossível de ser
substituída.
Know-how em fabricação de
colméias de alumínio
(honeycombs).
N/A. N/A. N/A. N/A. N/A.
Quadro 18 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Northrop (projeto F-5) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
202
5.2.4 Formação de consórcio com a Short Brothers para venda de jatos Super
Tucano à RAF
Em 1985, a Embraer assinou acordo de co-produção do Tucano com a
empresa irlandesa Short Brothers para o fornecimento deste tipo de aeronave à RAF
(Royal Air Force) da Grã-Bretanha. Como em qualquer país desenvolvido, a Grã-
Bretanha exigia que um produto estrangeiro poderia entrar na concorrência de
sua Força Aérea se associado a um fabricante nacional, de forma a gerar empregos
em seu território.
Desta forma, a aliança estratégica com a Short Brothers surgiu como forma de
contornar as restrições impostas pelo governo britânico. Devido à qualidade
excepcional do Tucano e à eficácia do consórcio Embraer/Short Brothers na
elaboração da proposta, a aeronave brasileira acabou sendo escolhida pela RAF,
numa encomenda de 130 unidades.
O contrato ainda previa modificações de uma série de componentes, visando
a otimização de seu desempenho, de maneira que a versão final do Tucano para a
RAF acabou tendo seu nome alterado, passando a ser conhecido como Super
Tucano. Dentre as modificações exigidas encontravam-se maior potência, hélice
pentapá (com cinco pás), cabine pressurizada, eletrônica de vôo com displays de
cristal líquido modernos e assentos ejetáveis.
Segundo Bernardes (2000a), mesmo após as adaptações, a Embraer
absorveu quase todos os custos, repassando-os somente em parte para preços
finais apresentados à RAF.
O projeto do Super Tucano gerou extenso desenvolvimento tecnológico para
a Embraer, mas a principal causa da absorção destes recursos foi devido às
pressões da RAF pelas modificações tecnológicas de forma a atender aos requisitos
mínimos de desempenho. A aquisição desta tecnologia, entretanto, foi financiada
com recursos (de capital e humanos) da própria Embraer, não tendo sido adquiridos
através da aliança estratégica com a Short Brothers. Na verdade, a aliança com a
Short Brothers foi praticamente uma tática para ultrapassar as exigências britânicas
por produção local, sem mais conseqüências na aquisição por parte da Embraer de
recursos físicos, humanos ou organizacionais que ajudassem na formação de
203
vantagens competitivas sustentáveis. Desta forma, não há recursos diretamente
adquiridos através da aliança e, conseqüentemente, a aliança em si o foi útil no
sentido de gerar vantagens competitivas sustentáveis para a empresa brasileira.
5.2.5 Acordo com a Sikorsky para aquisição de tecnologia em usinagem
química
Durante a década de 70, a Embraer apresentou um ótimo desempenho para
uma empresa iniciada tão pouco tempo. Tal sucesso deu-se em grande parte
devido à aceitação pelo mercado de aeronaves como o Bandeirante e do Xavante.
No início da década de 80, a empresa ensaiava passos mais ousados, através do
desenvolvimento gradual do programa 12X, do qual posteriormente resultariam os
EMB-120 Brasília, EMB-121 Xingu e CBA-123 Vector.
O principal desafio tecnológico enfrentado neste processo de P&D era, sem
dúvidas, relativo à pressurização das aeronaves. Ainda durante uma fase do ciclo de
vida do Bandeirante, a Embraer sentiu a demanda de alguns de seus clientes por
versões pressurizadas desta aeronave. Era claro que a pressurização era uma
tendência consolidada e inexorável na indústria de fabricação de aeronaves.
Mas o desenvolvimento de tal tecnologia traz consigo uma série de desafios.
A pressurização faz com que seja necessária uma fuselagem (o “corpo” da
aeronave, em que voam os passageiros, tripulantes e carga) mais robusta, para
suportar os esforços estruturais adicionais decorrentes da pressurização. A nova
fuselagem deve resistir a todas as cargas aerodinâmicas, suportando a pressão
interna, muito maior do que se não houvesse pressurização. Isso normalmente
significa fuselagens mais espessas e, conseqüentemente, mais pesadas, o que pode
afetar para pior o desempenho operacional previsto, com maior consumo de
combustível.
De forma a reduzir o peso sem prejuízo da resistência estrutural agora
necessária, as empresas que trabalhavam com aeronaves pressurizadas
normalmente utilizavam a usinagem química, um processo tecnológico no qual é
reduzida a espessura da chapa estrutural mediante processo de corrosão química
204
controlado. Desta forma, diminui-se o peso estrutural sem prejuízo à resistência
mecânica ao mesmo tempo em que se aumenta o índice de tolerância à fadiga
estrutural.
Entre outras questões levantadas pela necessidade da pressurização
estavam complicações adicionais nos sistemas de injeção, renovação e
condicionamento de ar, controle da pressão interna da aeronave e suprimento de
energia, problemas estes que teriam que ser resolvidos por qualquer companhia que
desejasse fabricar aeronaves pressurizadas. Mas o que mais preocupava a Embraer
era realmente a questão do ganho de peso estrutural, que teria que ser resolvido via
usinagem química.
Enfim, era um problema de difícil solução. À Embraer, que previa a
necessidade imperativa (imposta por seus clientes) de desenvolver a pressurização
em suas novas aeronaves, só restavam duas alternativas: desenvolver internamente
a tecnologia de usinagem química ou adquiri-la de um parceiro.
Na mesma época em que a Embraer deparava-se com este problema, a FAB
buscava adquirir novos helicópteros para a sua frota, sendo a Sikorsky Aircraft uma
das concorrentes na licitação. Aproveitando a oportunidade, a Embraer efetuou
contato com a FAB, que autorizou as conversações entre os dois fabricantes. De
acordo com Silva (1998), na medida em que ficava claro o favoritismo da Sikorsky na
licitação, foi sendo acertada uma cláusula de offset, que previa a transferência da
Sikorsky para a Embraer dos métodos, técnicas, processos e treinamentos
necessários para aprender e aplicar usinagem química nas estruturas necessárias.
O acordo de offset, como explicado, é a contrapartida comercial imposta
pelos governos, em que é previsto que um certo valor do contrato deve implicar em
compra de produtos nacionais. No caso brasileiro, a FAB via de regra embutia em
seus acordos de offset cláusulas prevendo transferência de tecnologia à Embraer,
ainda em pleno e intenso processo de aprendizagem tecnológica.
A Sikorsky Aircraft era (e ainda é) uma divisão da United Technologies, que
também controlava (e ainda controla) a Pratt & Whitney Canada, antiga fornecedora
de motores do EMB-110 Bandeirante, de forma que a transferência de tecnologia de
usinagem química entre as duas empresas deu-se adequadamente, de forma
205
amistosa e com grande eficácia. Ainda segundo Silva (1998), a Sikorsky não se
empenhou a fundo para que o treinamento dos engenheiros e técnicos da Embraer
fosse adequado como também indicou à empresa brasileira os fornecedores de
matérias-primas e de equipamentos necessários no novo processo.
Além disso, pode-se dizer que a Sikorsky era mesmo a empresa ideal para
transmitir esta nova tecnologia para a companhia brasileira: nos helicópteros o peso
estrutural é um fator ainda mais crítico que nos aviões, de forma que a Embraer
estava aprendendo com um dos melhores “professores” que poderia querer
encontrar.
Desta forma, a aquisição da nova tecnologia de usinagem química permitiu à
Embraer desenvolver sua nova família de aeronaves de acordo com a tendência da
aviação de construir aeronaves pressurizadas. Para o vice-presidente da Embraer
Satoshi Yokota, o salto tecnológico com a aquisição do know-how de usinagem
química o foi muito grande, pois a tecnologia é facilmente adquirida no mercado,
podendo ser comprada de fornecedores. O diferencial teria sido na verdade a
possibilidade de realizar in-house o processo, facilitando significativamente a
logística da produção. Ao invés de enviar várias chapas metálicas para um
fornecedor em outra parte do mundo que dominasse a tecnologia de usinagem
química, a Embraer podia fazer o trabalho metalúrgico internamente.
O quadro a seguir detalha o recurso de know-how em usinagem química
adquirido pela Embraer na parceria com a Sikorsky:
206
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how de tecnologia de
usinagem química.
Todos os programas com
aeronaves pressurizadas (12X,
145, 170/190, LJ/VLJ).
Sim. A tecnologia de usinagem
química é fundamental para o
desenvolvimento de aeronaves
pressurizadas com estrutura
em alumínio que possuam alta
eficiência operacional (i.e.
baixo consumo de
combustível).
Não. Pode ser facilmente
obtida através de contrato com
fornecedores especializados
neste tipo de tarefa
metalúrgica.
Sim. Nenhuma tecnologia
pode imitar os efeitos da
usinagem química na
fabricação de fuselagens
pressurizadas sem
comprometer a integridade
estrutural da aeronave e,
portanto, a segurança da
mesma.
Em termos. A substituição
pode ser dada por uma
tecnologia ainda mais valiosa
e rara que a de usinagem
química e ainda não
completamente dominada, que
é o domínio de materiais
compostos (ex. fibra de
carbono, kevlar, etc). A única
aeronave comercial
pressurizada com fuselagem
em fibra de carbono é o
Boeing 787, ainda em fase de
projeto.
Quadro 19 – Efeito dos recursos adquiridos na primeira aliança com a Sikorsky na formação de vantagens competitivas sustentáveis
207
5.2.6 Projeto AMX
O AMX nasceu de uma necessidade específica da FAB por uma aeronave
militar subsônica de alto desempenho, que logo foi requisitada à Embraer. Através
de contatos com o Ministério da Defesa Italiano e ao verificar que a Itália também
necessitava de aeronave similar, o governo brasileiro decidiu que o projeto seria feito
em conjunto com aquele país e moldou a parceria entre as empresas participantes, a
saber, Embraer, Aeritalia (atual Alenia) e Aermacchi.
Nesta época, a Itália adotava um sistema de reserva de mercado para seus
dois principais fabricantes de aeronaves militares: a Aeritalia ficava responsável
pelas aeronaves militares de primeira linha (ataque ou apoio ao solo) e a Aermacchi
ficava responsável por aeronaves de treinamento militar (normalmente mais simples
que os caças de ataque).
Divididas as tarefas, coube à Embraer a responsabilidade pelo projeto e
fabricação das asas, entrada de ar do motor, suportes dos armamentos, tanques
externos de combustível, trens-de-pouso principais e estabilizador horizontal. A
Aermacchi, por sua vez, foi responsável pelo nariz da aeronave, pela parte posterior
da fuselagem e sistemas aviônicos. Por fim, à Aeritalia coube o papel mais nobre, de
coordenador e integrador do programa, além do projeto específico do trem-de-pouso
dianteiro e do estabilizador vertical. Em homens-hora totais, coube à Aeritalia
responsabilidade sobre 46% do projeto; à Aermacchi, 24%; e à Embraer, 30%.
Segundo Cavagnari (1993), o AMX foi projetado para voar à noite a
baixíssima altitude e conta com navegação computadorizada extremamente precisa,
controlada por 32 computadores sendo 2 centrais. Possui aparelhagem de
reconhecimento aerofotográfico e de infravermelho, além de um radar extremamente
complexo e moderno para ataque a navios. Também possui a capacidade de se
defender de mísseis antiaéreos e de mísseis infravermelhos, contanto com uma
grande quantidade de equipamentos de autodefesa. A parte eletrônica é realmente o
diferencial desta aeronave, tornando-a o mais moderno em sua faixa de atuação, de
acordo com Cavagnari. para o vice-presidente da Embraer Luís Carlos Affonso, o
AMX foi um projeto em que a Embraer aprendeu a fazer integração de sistemas com
um software cujo processamento acontecia em tempo real.
208
Ainda de acordo com Cavagnari (1993), entre os objetivos brasileiros para o
programa, encontravam-se:
Formação de uma frota de aviões modernos, de ataque, para a Força
Aérea, com raio de ação superior a mil quilômetros, levando 4 mil libras
de carga bélica;
Capacitação tecnológica da indústria aeronáutica nacional, que lhe
permita construir aviões militares complexos e, assim, colocar-se na
vanguarda dentro da indústria aeronáutica mundial; e
Criação de um programa economicamente viável, complementado por um
alto potencial de exportação, capaz de ativar a indústria aeronáutica e as
múltiplas indústrias associadas, com duração de mais de dez anos.
Percebe-se, portanto, que o programa AMX possuía uma envergadura muito
maior do que apenas produzir as aeronaves para atender às necessidades da FAB.
Ele foi concebido com enorme abrangência, visando o crescimento e fortalecimento
industrial e tecnológico do setor aeronáutico do país, seguindo a estratégia de
segurança e desenvolvimento posta em prática pelos sucessivos governos militares
(MATTOS ET AL, 2005).
Ainda segundo Cavagnari (1993), a FAB possuía duas alternativas: recorrer
ao mercado internacional, mantendo a dependência das potências militares (não
dos aviões, mas do suprimento de peças, da manutenção e da assistência técnica);
ou integrar algum programa em que pudesse participar diretamente do
desenvolvimento da aeronave. Esta segunda opção, que acabou sendo a escolhida,
trazia o risco de não lograr êxito no reaparelhamento da frota da FAB, mas ao
mesmo tempo significava a redução da dependência dos fabricantes externos.
Apesar de fabricado visando o combate no teatro de operações europeu, o
AMX era plenamente adaptável ao teatro de operações sul-americano. Para a FAB,
o avião continua sendo uma aeronave de tecnologia avançada, que satisfaz as
necessidades brasileiras nas missões para as quais foi planejado como caça-
bombardeiro: apoio e ataque ao solo.
209
De acordo com Cavagnari (1993), a Embraer teve que duplicar seu parque de
usinagem para o projeto AMX, além de realizar um intenso treinamento de pessoal
para operá-lo, já que esse processo é realizado totalmente através de controle
numérico, comandado por computador central. Também teve que se capacitar para
o projeto da inteligência do avião (os softwares), da qual era responsável por 30% do
desenvolvimento, necessitando então conhecer a totalidade do processo de projeto.
Ainda segundo o autor, houve incorporação de tecnologia nova no desenvolvimento
de material composto, utilizado em várias partes do AMX. Esta capacitação seria
crucial para posteriores encomendas feitas junto à Embraer, como a de fabricação
dos flaps para o McDonnell Douglas MD-11.
Outro recurso importante obtido na parceria do projeto AMX foi o know-how
de gestão de projetos. Neste programa multinacional em parceria, foi permitido
acesso a todos os documentos e projetos de subsistemas, além do fato da tomada
de decisões ter sido paritária. Desta forma, neste projeto em específico, a Embraer
capacitou-se enormemente para o desenvolvimento de acordos de cooperação
industrial em fabricação de aeronaves com múltiplos parceiros e a partir de então a
maioria dos acordos de que participou foram implementados sob a sua liderança e
gestão.
De acordo com Silva (1998), a gestão da parceria foi muito complexa, pois
houve vários atritos entre os parceiros, em especial a Embraer e a Aeritalia.
Prosseguindo em suas críticas, o autor alega que a Aeritalia teria dificultado o
acesso da empresa brasileira aos sistemas aviônicos da aeronave, sendo
necessária intervenção do governo brasileiro para que a Embraer tivesse acesso a
estes sistemas e softwares, conseguindo assim as qualificações necessárias para
projetar ou modificar qualquer item eletrônico do AMX. Era tão clara a importância
dos softwares desenvolvidos no projeto que houve tentativas deliberadas de impedir
os brasileiros de absorverem este conhecimento específico. Certamente os italianos
temiam transferir a tecnologia à Embraer, o que acabou ocorrendo de qualquer
forma. Este conhecimento era fundamental para a pós-venda da aeronave, visto que
os aviônicos e os softwares são o cérebro da aeronave militar moderna, sem os
quais o avião não pode executar uma série de missões a que está apto.
210
Além disso, o programa AMX também apresentou uma excelente
oportunidade para os engenheiros e técnicos da empresa brasileira de se
aprimorarem tecnologicamente, através do intercâmbio com os profissionais das
outras empresas. Certamente, num ramo em que o desenvolvimento de tecnologia é
fundamental, isso se torna um atrativo diferencial para os funcionários e, por
conseqüência, para suas empresas, que passam a contar com conhecimento
tecnológico mais aprofundado.
O AMX foi uma aeronave tecnologicamente impecável. Sua aerodinâmica
excepcional permitia ótimo desempenho mesmo em missões difíceis e seu sistema
eletrônico era de última geração à época. O projeto AMX realmente foi um enorme
aprendizado para a Embraer. Pode ser considerado também o primeiro grande
projeto de cooperação internacional da empresa brasileira, capacitando-a para os
futuros projetos em jatos regionais. No início da década de 80, quando estava sendo
desenvolvido o AMX, a cooperação entre empresas de diferentes países já
despontava como uma tendência consolidada ao desenvolvimento de novas
aeronaves, tanto civis quanto militares. O programa AMX foi o grande passo que a
Embraer deu para adquirir a capacidade de participar em projetos deste tipo.
Cavagnari (1993) acredita que o projeto AMX, apesar de fracassado
comercialmente, teria sido o responsável direto pelo salto da Embraer em termos de
capacitação tecnológica e industrial. Tal avanço permitiu a produção de trens-de-
pouso e outros sistemas de tecnologia mais avançada do que os encontrados no
EMB-110 Bandeirante, o que forneceu a base para o desenvolvimento de outras
aeronaves de grande sucesso, como o EMB-120 Brasília e a família ERJ-145.
O desenvolvimento de recursos tecnológicos e novo conhecimento é
conseqüência certa em projetos como o AMX. A título de exemplo, vale salientar que
em 1968 a Itália (através da Aeritalia) integrou, juntamente à Inglaterra (BAe) e à
Alemanha Ocidental (MBB), o projeto do caça Tornado, com participação de apenas
15% no desenvolvimento e produção da aeronave. Tal experiência foi tão profunda
no desenvolvimento industrial e tecnológico do setor aeronáutico italiano que
permitiu, em menos de uma década, à Aeritalia liderar um novo projeto complexo
como o do caça-bombardeiro subsônico AMX.
211
De acordo com Mattos et al (2005), o AMX capacitou a Embraer a participar
de cooperações internacionais de grande envergadura, aperfeiçoando métodos e
processos, e proporcionou uma receita que a manteve funcionando no difícil e crítico
início dos anos 90. Os autores citam, entre as melhorias nos processos e métodos, a
fabricação de peças usinadas em cinco eixos, técnicas de conformação de asa
(posteriormente aplicada ao CBA-123 Vector), material composto e sistema aviônico
integrado.
Também é importante ressaltar a criação do Comunicado de Discrepância,
um documento utilizado para análise de não-conformidades de fabricação. Além
disso, os procedimentos de ensaios em o foram otimizados e equipamentos de
ensaio, tanto de solo quanto em vôo, foram adquiridos.
Por fim, o sistema de CAD (Computer Aided Design ou Projeto Assistido por
Computador) foi introduzido ao final dos anos 70 e utilizado pela primeira vez no
programa AMX. Nesta época, poucas empresas utilizavam este sistema, o que
contribuiu para as tarefas brasileiras no desenvolvimento da aeronave (MATTOS ET
AL, 2005).
A absorção de conhecimento tecnológico neste empreendimento não deve
ser subestimada. De acordo com Mattos et al (2005), nos anos de 1980/1981 a
Embraer começou a enviar uma grande equipe para a Itália, a maioria para Turim,
sede da Aeritalia, e os outros para Varese, sede da Aermacchi. O depoimento do Sr.
Paulo Marton, da Gerência de Cargas Estáticas, é emblemático: Fui com o intuito
de aprender o máximo possível e trazer conhecimento para a Embraer. Participamos
do cálculo de cargas da asa, slats, flapes, pilones, corpos subalares (tanques de
combustível e armamentos), entrada de ar e fixação do motor e do míssil ar-ar
SideWinder. Atualmente, ainda empregamos métodos de cálculo de cargas que
aprendemos no programa AMX nos aviões civis” (MATTOS ET AL, 2005).
Complementam Mattos et al (2005) que o trabalho em parceria do sistema
aviônico, o grande diferencial do AMX, foi o último em que foi estabelecido acordo
com os italianos, tendo sido alvo de negociações prolongadas. De acordo com os
autores, tal sistema impactou profunda e favoravelmente os programas
subseqüentes da Embraer, notadamente o CBA-123 e o ERJ-145. Segundo o
212
engenheiro Francisco de Assis Ferreira Gomes, “o trabalho pioneiro empreendido
pela equipe (...) criou o alicerce do que é hoje uma sólida capacidade técnica e
profissional da Embraer em desenvolvimento e integração de sistemas complexos e
com sofisticados softwares embarcados. A relevância daquele empreendimento se
reflete (sic), hoje, não apenas no desenvolvimento dos programas de defesa, mas
também em programas da área comercial onde (sic) é possível ser constatado que o
desenvolvimento, a integração e certificação de sistemas e software foram também
viabilizados por meio de complexos laboratórios de integração, envolvendo todos os
sistemas destas aeronaves”.
No quadro a seguir são apresentados todos os recursos adquiridos pela
Embraer em sua aliança estratégica com a Aeritalia e a Aermacchi para o programa
AMX. Como pode ser verificado, o projeto AMX foi extremamente rico no que diz
respeito ao aprendizado tecnológico e de gestão da empresa brasileira:
213
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em tecnologia de
material composto.
Todos.
Sim, poucas empresas
dominam o uso de estruturas
aeronáuticas de material
composto, que conduzem a
pesos estruturais bem
menores e, portanto, a
produtos mais competitivos.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
esta tecnologia, embora em
níveis variados de sofisticação
tecnológica. Entretanto,
possíveis novos entrantes não
a possuem ou não detêm o
ciclo tecnológico completo.
Sim. O uso de material
composto apresenta uma
revolução na qualidade da
estrutura aeronáutica, tanto
em termos de peso (é mais
leve que as ligas de alumínio),
como em termos de segurança
(possui alta resistência a
falhas e fadiga mecânica).
Sim. Os materiais compostos
são a melhor opção para
fabricação de determinadas
estruturas aeronáuticas. Esta
tecnologia pode ser substituída
pela fabricação das mesmas
estruturas em ligas de
alumínio, como nas aeronaves
mais antigas, mas sob pena de
perda de desempenho
operacional e resistência
mecânica. O uso de materiais
compostos é uma tendência
inevitável e cada vez mais
importante na indústria
aeronáutica.
214
Know-how em tecnologia de
sistemas aviônicos e softwares
para aviação militar.
Todos.
Sim, principalmente na
aviação militar, em que os
sistemas aviônicos e os
softwares desempenham
papel fundamental na
qualidade do produto. A
aviônica vem ganhando
destaque crescente na aviação
civil também, constituindo-se
em um grande diferencial.
Sim. O conhecimento
aprofundado nesta área
permite o projeto de aeronaves
com melhores sistemas
aviônicos e uma melhor
integração com os
fornecedores de tais sistemas.
Este know-how é
particularmente raro em
potenciais novos entrantes ou
empresas em países sem uma
indústria aeronáutica
desenvolvida.
Sim. Sistemas aviônicos são
uma das partes mais
importantes no
desenvolvimento de uma
aeronave e, por isso,
normalmente subcontratados a
empresas especializadas. Este
know-how permite às
empresas detentoras o
desenvolvimento e a escolha
de sistemas aviônicos e
softwares embarcados mais
adequados para as missões a
que a aeronave se destina.
Sim. Uma aeronave sem
sistemas aviônicos ou com
sistemas ineficientes não
desempenha tão bem como
uma aeronave com sistemas
adequados. Ou se detém o
conhecimento tecnológico do
uso deste tipo de sistema ou o
programa aeronáutico fica
seriamente debilitado em
comparação aos produtos
concorrentes que possuam
bons sistemas aviônicos.
Know-how de gestão de
projetos, integração de
sistemas e acordos de
cooperação industrial.
Todos.
Sim. O know-how em gestão
de projetos aeronáuticos e
integração de sistemas
capacita a empresa a assumir
a posição mais privilegiada na
cadeia de suprimentos da
indústria aeronáutica – a de
projetar a aeronave e integrar
os sistemas desenvolvidos
pelos parceiros e/ou
fornecedores.
Sim. Atualmente, poucas
empresas possuem expertise
para atuarem como líderes em
processos de desenvolvimento
de aeronaves. Potenciais
novos entrantes ou empresas
especializadas em sistemas
específicos não detêm este
know-how e, portanto, atuam
em elos menos nobres da
cadeia de fornecimento, com
margens menores.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para desenvolver
projetos aeronáuticos através
de acordos de cooperação
com centenas de empresas
fornecedoras ou parceiras é
resultado de alta experiência e
know-how, não sendo,
portanto, imitável.
Sim. Tal conhecimento é a
chave para a participação na
posição privilegiada de
integrador de sistemas e
fabricante de aeronaves
tecnologicamente avançadas,
não podendo, a priori, ser
substituído ou adquirido
diretamente.
215
Know-how em técnicas de
conformação de asa.
Todos.
Sim. Os processos de
conformação de asa são
importantes para obter
estruturas mais leves (com
menor espessura) e, ao
mesmo tempo, sem perder
características como
resistência a falhas.
Não. No Brasil, as empresas
que dominam os processos
metalúrgicos de conformação
são normalmente grandes
empresas, porém este know-
how é dominado por várias
pequenas e médias empresas
nos países com indústria
metal-mecânica desenvolvida.
Não. Tal recurso é facilmente
assimilável por ser
amplamente disseminado,
inclusive em pequenas e
médias empresas em países
desenvolvidos.
Sim. As técnicas metalúrgicas
de conformação são a melhor
opção para fabricação de
estruturas como asas, por
manterem a resistência a
falhas e fadiga ao mesmo
tempo em que permitem
diminuição do peso estrutural.
Ainda assim, é possível aplicar
técnicas metalúrgicas mais
antigas, embora isto implique
em piores características da
estrutura fabricada.
Know-how em fabricação de
peças usinadas em 5 eixos.
N/A. N/A. N/A. N/A. N/A.
Quadro 20 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aeritalia e Aermacchi (projeto AMX) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
216
5.2.7 Projeto CBA-123 Vector
Tal qual o AMX, o CBA-123 Vector foi outro projeto imposto pelo governo
brasileiro à Embraer. O ano era 1986, o segundo do governo Sarney, primeiro
governo civil após 21 anos de ditadura militar no Brasil. Nesta época, apareciam os
primeiros acordos do que posteriormente viria a ser reconhecido como o Mercosul.
De forma a ampliar o relacionamento com nossos vizinhos argentinos, o governo
federal determinou que a Embraer fizesse uma parceria com a Fábrica Militar de
Aviones (FMA). O CBA-123 era baseado na plataforma do Projeto 12X, inicialmente
desenhado na década de 70.
Este foi o primeiro projeto totalmente feito pela Embraer em computador.
Foram utilizadas as novas tecnologias de CAD (Computer Aided Design), replicando
a experiência obtida com sucesso no programa AMX, e CAM (Computer Aided
Manufacturing), métodos difundidos em poucos fabricantes naquela época. Outro
novo conceito utilizado foi a engenharia simultânea, que diminui o tempo de
desenvolvimento, e o CIM (Computer Integrated Manufacturing).
Todos os esforços das empresas foram interrompidos em 1991, sem a venda
de uma única aeronave. O projeto já apresentava perspectivas de ser muito mais
caro do que o mercado estava demandando para aquele tipo de aeronave. Apesar
de ser um projeto com tecnologia state-of-the-art os parceiros arcaram com o
prejuízo por não compreenderem que os clientes não necessitavam de um produto
tão sofisticado.
O projeto CBA-123, entretanto, foi pioneiro para a Embraer no
compartilhamento de riscos com parceiros, pois não somente a Embraer financiaria
o projeto: além da FMA, alguns poucos fornecedores ainda foram escolhidos para
aportar investimentos e mitigar o risco da empresa brasileira, antes que o projeto se
paralisasse por completo. Mas mesmo com a participação destes potenciais
parceiros de risco, a Embraer e a FMA, passando por sérias dificuldades financeiras,
não puderam financiar totalmente o programa (SILVA, 1998). Embora tivesse sido
uma experiência embrionária, a empresa brasileira ainda pôde absorver alguns
conceitos do modelo de compartilhamento de risco com parceiros. Em outras
palavras, o projeto CBA-123 Vector foi um “treinamento” para a gestão de parcerias
217
de compartilhamento de risco, enquanto o projeto ERJ-145 utilizou com muito mais
profundidade esta estratégia.
Além disso, várias soluções tecnológicas e sistemas desenvolvidos para o
CBA-123 viriam a ser posteriormente utilizados no ERJ-145. Curiosamente, o
fracasso do CBA-123 teve grande influência no sucesso do ERJ-145.
O quadro a seguir detalha o aprendizado obtido pela Embraer no projeto
CBA-123 Vector, limitado ao know-how obtido na tentativa de estabelecer um
modelo de gestão através de parcerias de compartilhamento de risco, que era o
modelo de negócios sob o qual era pretendido que se desenvolvesse o projeto. Deve
ser salientado que este know-how, obviamente, não foi obtido por completo, tendo
em vista a decisão de paralisar o projeto.
218
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em projeto de
compartilhamento de risco.
ERJ-145, ERJ-170/190,
LJ/VLJ.
Sim. Os projetos de
compartilhamento de risco são
uma tendência bem definida
na indústria aeronáutica,
permitindo mitigação de riscos
e alta agregação de tecnologia
aos produtos através da
especialização de cada
parceiro no projeto produzindo
sistemas específicos.
Sim. A liderança de um pool
de parceiros de risco impõe
desafios significativos na
gestão do nexo de contratos e
relacionamentos para que o
projeto se desenvolva de
acordo com o cronograma e o
orçamento previstos e seja
produzida uma aeronave de
qualidade. Pouquíssimas
empresas detêm este know-
how na liderança de parcerias
de risco.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para liderar
parcerias de compartilhamento
de risco num projeto
aeronáutico é resultado de alta
experiência e know-how, não
sendo, portanto, imitável nem
facilmente obtido.
Em termos. Os projetos
desenvolvidos sob a forma de
parcerias de risco podem ser
substituídos pela configuração
tradicional na indústria,
envolvendo relações
comerciais usuais entre
comprador e fornecedores.
Este modelo, entretanto, é
mais alavancado e arriscado
que o modelo de parcerias de
compartilhamento de risco,
carregando os riscos
normalmente mitigados pelo
compartilhamento.
Quadro 21 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a FMA (projeto CBA-123) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
219
5.2.8 Acordo com a McDonnell Douglas para produção de flaps de fibra de
carbono para a aeronave MD-11
A Embraer sempre esteve envolvida em atividades de cooperação,
subcontratos e prestação de serviços desde seus primórdios. Na década de 90,
devido à séria crise financeira pela qual passava, a Embraer procurou diversificar
suas fontes de receitas, expandindo a venda de serviços (por exemplo, usinagem de
peças, produção de estruturas de materiais compostos, engenharia de qualidade e
ensaios) e colocando à disposição das empresas do setor, bem como as que não
atuavam no ramo aeronáutico, a sua tecnologia de ponta e sofisticados laboratórios.
O fracasso comercial do seu último projeto, o CBA-123 Vector e o desaquecimento
do setor aeronáutico descapitalizaram a empresa e forçaram-na a lutar pela
sobrevivência, buscando diminuir a capacidade ociosa das linhas de produção.
Nesta mesma época, em 1992, a Embraer acabou sendo beneficiada quando
a VARIG comprou aviões MD-11 da McDonnell Douglas. Neste caso foi estabelecido
um offset (contrapartida comercial) sob a forma de contrato de fabricação de 200
conjuntos de flaps em tecnologia de material composto para os MD-11, com opção
de compra para outros 100 conjuntos. O contrato, no valor total de US$ 120 milhões,
também incluiu todo o suporte para treinamento e transferência de tecnologia, além
de financiamento de aeronaves EMB-120 Brasília para linhas aéreas dos EUA.
De acordo com o vice-presidente da Embraer Luís Carlos Affonso, a Embraer
atuou como uma verdadeira parceira de risco da McDonnell Douglas na produção
dos flaps para o MD-11, contribuindo para a absorção do conhecimento de gestão
de projetos desta natureza, o que foi iniciado no programa CBA-123 Vector e
aprofundado na família ERJ-145.
Outro aprendizado importante neste tipo de projeto foram as normas e
procedimentos de fabricação aprendidos junto ao integrador norte-americano.
Segundo o vice-presidente da empresa brasileira Satoshi Yokota, a Embraer
estudou todos os contratos de serviços da McDonnell Douglas, visando entender
como era feita a gestão dos parceiros de risco e também normas e procedimentos
de produção. Luís Carlos Affonso também enfatiza a importância desta parceria para
220
o desenvolvimento de sistemas de gestão similares aos do fabricante norte-
americano.
Também deve ser considerado que a absorção da nova tecnologia em
materiais compostos foi muito importante, pois uma tendência consolidada na
indústria de fabricação aeronáutica levando à substituição de chapas de alumínio por
estruturas mais leves e resistentes, como fibras de carbono, fibras de vidro e kevlar.
Materiais compostos são muito mais leves que as ligas de alumínio, diminuindo o
peso da aeronave e, conseqüentemente, aumentando sua eficiência operacional (ou
seja, proporcionando menor consumo de combustível por quilômetro voado). Além
disso, certos materiais compostos apresentam resistências estruturais maiores que o
alumínio, o que também aumenta a segurança da aeronave. As aeronaves mais
recentes da Embraer utilizam cada vez mais estruturas de materiais compostos,
decorrência direta do know-how adquirido também nesta aliança estratégica com a
McDonnell Douglas.
Nesta época a empresa ainda foi homologada pelo Departamento de Aviação
Civil (DAC) brasileiro e pelo Federal Aviation Administration (FAA) norte-americano
para execução de reparos estruturais em peças fabricadas em materiais compostos
avançados e em estruturas metálicas que passassem por um processo complexo
chamado de colagem estrutural.
No quadro a seguir, são apresentados os recursos adquiridos pela Embraer
devido ao offset com a McDonnell Douglas:
221
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em tecnologia de
material composto.
Todos.
Sim, poucas empresas
dominam o uso de estruturas
aeronáuticas de material
composto, que conduzem a
pesos estruturais bem
menores e, portanto, a
produtos mais competitivos.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
esta tecnologia, embora em
níveis variados de sofisticação
tecnológica. Entretanto,
possíveis novos entrantes não
a possuem ou não detêm o
ciclo tecnológico completo.
Sim. O uso de material
composto apresenta uma
revolução na qualidade da
estrutura aeronáutica, tanto
em termos de peso (é mais
leve que as ligas de alumínio),
como em termos de segurança
(possui alta resistência a
falhas e fadiga mecânica).
Sim. Os materiais compostos
são a melhor opção para
fabricação de determinadas
estruturas aeronáuticas. Esta
tecnologia pode ser substituída
pela fabricação das mesmas
estruturas em ligas de
alumínio, como nas aeronaves
mais antigas, mas sob pena de
perda de desempenho
operacional e resistência
mecânica. O uso de materiais
compostos é uma tendência
inevitável e cada vez mais
importante na indústria
aeronáutica.
222
Know-how em normas e
procedimentos de produção.
Todos.
Sim. O uso de procedimentos
corretos na produção de
aeronaves é fundamental para
obter resultados satisfatórios,
em termos de qualidade,
desempenho e custo unitário
da estrutura produzida.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
este know-how (e foi em
grande parte graças a
parcerias com elas que a
Embraer o adquiriu).
Entretanto, possíveis novos
entrantes não detêm o
conhecimento completo de
normas eficazes de produção.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para implementar
processos eficazes e eficientes
de produção é resultado de
alta experiência e know-how
desenvolvido internamente ou
adquirido através de parcerias,
como a Embraer muitas vezes
fez.
Sim. É impossível substituir
procedimentos complexos de
produção de aeronaves, que
são resultado da acumulação
gradual de conhecimento e
experiência ao longo dos anos.
Know-how de gestão de
projetos, integração de
sistemas e acordos de
cooperação industrial.
Todos.
Sim. O know-how em gestão
de projetos aeronáuticos e
integração de sistemas
capacita a empresa a assumir
a posição mais privilegiada na
cadeia de suprimentos da
indústria aeronáutica – a de
projetar a aeronave e integrar
os sistemas desenvolvidos
pelos parceiros e/ou
fornecedores.
Sim. Atualmente, poucas
empresas possuem expertise
para atuarem como líderes em
processos de desenvolvimento
de aeronaves. Potenciais
novos entrantes ou empresas
especializadas em sistemas
específicos não detêm este
know-how e, portanto, atuam
em elos menos nobres da
cadeia de fornecimento, com
margens menores.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para desenvolver
projetos aeronáuticos através
de acordos de cooperação
com centenas de empresas
fornecedoras ou parceiras é
resultado de alta experiência e
know-how, não sendo,
portanto, imitável.
Sim. Tal conhecimento é a
chave para a participação na
posição privilegiada de
integrador de sistemas e
fabricante de aeronaves
tecnologicamente avançadas,
não podendo, a priori, ser
substituído ou adquirido
diretamente.
223
Know-how em projeto de
compartilhamento de risco.
ERJ-145, ERJ-170/190,
LJ/VLJ.
Sim. Os projetos de
compartilhamento de risco são
uma tendência bem definida
na indústria aeronáutica,
permitindo mitigação de riscos
e alta agregação de tecnologia
aos produtos através da
especialização de cada
parceiro no projeto produzindo
sistemas específicos.
Sim. A liderança de um pool
de parceiros de risco impõe
desafios significativos na
gestão do nexo de contratos e
relacionamentos para que o
projeto se desenvolva de
acordo com o cronograma e o
orçamento previstos e seja
produzida uma aeronave de
qualidade. Pouquíssimas
empresas detêm este know-
how na liderança de parcerias
de risco.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para liderar
parcerias de compartilhamento
de risco num projeto
aeronáutico é resultado de alta
experiência e know-how, não
sendo, portanto, imitável nem
facilmente obtido.
Em termos. Os projetos
desenvolvidos sob a forma de
parcerias de risco podem ser
substituídos pela configuração
tradicional na indústria,
envolvendo relações
comerciais usuais entre
comprador e fornecedores.
Este modelo, entretanto, é
mais alavancado e arriscado
que o modelo de parcerias de
compartilhamento de risco,
carregando os riscos
normalmente mitigados pelo
compartilhamento.
Quadro 22 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a McDonnell Douglas (projeto MD-11) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
224
5.2.9 Produção de peças que exigem mecânica fina para aeronaves 747 e 767
da Boeing
Dando prosseguimento à sua política de prestação de serviços para
vencer a crise financeira em que se encontrava, a Embraer firmou contrato
com a Boeing em 1990, para produção de suportes usinados para os flaps
das aeronaves 747 e 767 da empresa norte-americana. Através deste
contrato, a Embraer adquiriu algum conhecimento na área de mecânica fina
(também conhecida como engenharia de precisão ou mecatrônica). A
mecânica fina trata da execução de determinadas tarefas através da
combinação da mecânica, da eletrônica e da computação. Uma vez
combinados, estes conhecimentos permitem a geração de sistemas mais
simples, econômicos, confiáveis e versáteis. No caso específico da indústria
aeronáutica, a mecânica fina foi utilizada para a fabricação de estruturas com
maior precisão e em que há baixa tolerância a falhas estruturais.
A produção de peças de acordo com os critérios de produção
estipulados pela Boeing também foi um aprendizado importante na absorção
de normas e procedimentos de fabricação utilizados pela empresa norte-
americana. Num processo gradual, iniciado na aliança estratégica
estabelecida com a McDonnell Douglas e aprofundada com a Boeing, a
Embraer absorveu muito know-how em técnicas de produção, podendo
replicar os conceitos aprendidos na fabricação de suas próprias aeronaves.
No quadro a seguir é apresentada a análise dos recursos adquiridos
pela Embraer junto à Boeing no fornecimento de estruturas aeronáuticas aos
programas 747 e 767:
225
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em tecnologia de
mecânica fina.
Todos.
Sim. A mecânica fina é
importante para a produção de
determinadas estruturas
aeronáuticas em que a
precisão é fator importante.
Muito embora a fabricação de
aeronaves ainda seja um
processo que não é sujeito à
automatização total, algumas
etapas do processo podem ser
executadas por robôs para
realização de certas tarefas.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
esta tecnologia. Entretanto,
possíveis novos entrantes não
a possuem ou não detêm o
ciclo tecnológico completo.
Sim. É difícil obter o know-how
necessário para utilizar
mecânica fina na linha de
montagem das aeronaves.
Não. A utilização de mecânica
fina para a execução de
tarefas de produção pode ser
substituída pela mão-de-obra
humana, embora com uma
eficácia menor para realização
de tarefas que exijam alta
precisão.
Know-how em normas e
procedimentos de produção.
Todos.
Sim. O uso de procedimentos
corretos na produção de
aeronaves é fundamental para
obter resultados satisfatórios,
em termos de qualidade,
desempenho e custo unitário
da estrutura produzida.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
este know-how (e foi em
grande parte graças a
parcerias com elas que a
Embraer o adquiriu).
Entretanto, possíveis novos
entrantes não detêm o
conhecimento completo de
normas eficazes de produção.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para implementar
processos eficazes e eficientes
de produção é resultado de
alta experiência e know-how
desenvolvido internamente ou
adquirido através de parcerias,
como a Embraer muitas vezes
fez.
Sim. É impossível substituir
procedimentos complexos de
produção de aeronaves, que
são resultado da acumulação
gradual de conhecimento e
experiência ao longo dos anos.
Quadro 23 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projetos 747 e 767) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
226
5.2.10 Produção de wing tips e dorsal fin para aeronaves 777 da Boeing
Ainda buscando contornar a crise através da prestação de serviços, em 1991
a Embraer firmou contrato de fornecimento para a Boeing de wing tips (placas
metálicas aerodinâmicas que diminuem a formação de vórtices nas pontas das asas
e o conseqüente gasto de combustível) e dorsal fins (superfície aerodinâmica vertical
que aumenta a estabilidade do avião). Tais estruturas seriam utilizadas na
montagem final do Boeing 777, na época o novo projeto da Boeing para percursos
de longa distância.
Tal qual as alianças estratégicas com a McDonnell Douglas (MD-11) e Boeing
(747 e 767) descritas acima, o principal aprendizado da Embraer na parceria firmada
para produção de partes do 777 foi na área de produção, novamente absorvendo
know-how da Boeing em normas e procedimentos de produção.
No quadro a seguir é analisado o recurso adquirido pela Embraer com a
Boeing no fornecimento de peças para o programa 777:
227
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em normas e
procedimentos de produção.
Todos.
Sim. O uso de procedimentos
corretos na produção de
aeronaves é fundamental para
obter resultados satisfatórios,
em termos de qualidade,
desempenho e custo unitário
da estrutura produzida.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
este know-how (e foi em
grande parte graças a
parcerias com elas que a
Embraer o adquiriu).
Entretanto, possíveis novos
entrantes não detêm o
conhecimento completo de
normas eficazes de produção.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para implementar
processos eficazes e eficientes
de produção é resultado de
alta experiência e know-how
desenvolvido internamente ou
adquirido através de parcerias,
como a Embraer muitas vezes
fez.
Sim. É impossível substituir
procedimentos complexos de
produção de aeronaves, que
são resultado da acumulação
gradual de conhecimento e
experiência ao longo dos anos.
Quadro 24 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projeto 777) na formação de vantagens competitivas sustentáveis
228
5.2.11 Formação de consórcio com a Northrop para venda de jatos Super
Tucano aos EUA
Tal como a aliança estratégica estabelecida com a empresa irlandesa Short
Brothers em 1985, a parceria com a Northrop visava contornar restrições impostas
pelo governo norte-americano à venda de aeronaves Super Tucano aos Estados
Unidos.
Na verdade, a aliança com a Northrop foi uma tática para ultrapassar as
exigências de produção local impostas pela a U.S. Navy e pela U.S. Air Force, sem
conseqüências na aquisição novos de recursos físicos, humanos ou organizacionais
que ajudassem na formação de vantagens competitivas sustentáveis. Os contatos
da Embraer com sua aliada norte-americana cessaram por completo após a perda
da licitação para o consórcio suíço-americano produtor da aeronave Beech/Pilatus
Mk II, pelo menos no que diz respeito à fabricação conjunta de aeronaves Super
Tucano.
Desta forma, não houve recursos diretamente capturados através da aliança e
esta não gerou vantagens competitivas sustentáveis para a empresa brasileira.
5.2.12 Projeto da família ERJ-145
A idéia da aeronave ERJ-145 surgiu em 1989 (na mesma época que seu
principal concorrente, o CRJ-200 da Bombardier), quando se iniciaram os primeiros
estudos para o projeto, então com o nome de EMB-145. De acordo com o vice-
presidente da empresa Satoshi Yokota, desde esta época visualizava-se a
necessidade de viabilizar o projeto através de parcerias de compartilhamento de
risco.
A Embraer pretendia atender o florescente mercado de aviação regional com
o ERJ-145, muito embora as necessidades de financiamento do programa
estivessem além das possibilidades da empresa, que à época atravessava séria
crise financeira decorrente do desaquecimento do mercado aeronáutico civil e militar
e de seus próprios insucessos comerciais nos projetos AMX, EMB-121 Xingu e CBA-
123 Vector.
229
A finalização do desenvolvimento do projeto só pôde ser completada após a
privatização da Embraer, em 1994. Agora capitalizada com a entrada de novos
controladores e a saída do Governo Federal do bloco de controle, a Embraer podia
dar prosseguimento ao projeto, após uma injeção de US$ 620 milhões entre 1995 e
1996 pelos novos sócios e pelo BNDES.
Em 1997, foram desenvolvidos mais duas aeronaves, o ERJ-135 e o ERJ-
140, baseados na plataforma do ERJ-145, completando-se assim a família ERJ-145.
Este conceito de família é muito comum no mercado aeronáutico: as aeronaves de
uma mesma família possuem uma comunalidade (similaridade entre as peças) muito
alta entre si, o que diminui os custos de manutenção e treinamento das linhas
aéreas que adquirem aviões diferentes de uma mesma família, bem como os
investimentos em pesquisa e desenvolvimento por parte do fabricante da aeronave.
A família ERJ-145 trouxe sucesso quase instantâneo para a Embraer,
consolidando a dramática recuperação financeira da empresa. Este sucesso esteve
diretamente relacionado ao aproveitamento de uma oportunidade ímpar no mercado
(e que foi corretamente identificada pela empresa brasileira): a visão de que as
linhas aéreas regionais buscavam renovar sua frota de aeronaves a hélice por
aeronaves a jato.
O projeto do ERJ-145 foi o primeiro no qual a Embraer teve experiência real
de gerenciamento de uma rede global de parceiros de risco. Anteriormente, a
empresa havia participado do desenvolvimento do S-92 Helibus, no qual houve
formação de parcerias de risco, mas não como o desenvolvedor principal do projeto.
O programa CBA-123 Vector também contou com parceiros de risco, mas de
maneira muito mais tímida que no programa ERJ-145, além de não ter progredido
muito devido à falta de clientes. Outro grande aprendizado que trouxe muito
conhecimento em gestão de alianças estratégicas foi o projeto AMX, viabilizando a
complexa estrutura montada para o projeto ERJ-145.
Segundo Bernardes (2000c), o programa ERJ-145 reflete a presente
realidade da Embraer, isto é, um novo padrão de organização empresarial, mais
integrado e flexível, que se articula na forma de redes centralizadas (core networks)
de desenvolvimento, aprendizado e inovação tecnológica, bem como permite o
230
financiamento de projetos desta natureza através da diluição, em parte, dos riscos e
incertezas de mercado. Ademais, todo o processo de aprendizado na coordenação
de redes empresariais, gestão dos contratos, dos prazos e dos fluxos de peças e
componentes, dos ciclos de trabalho e da qualidade dos produtos foi um grande
evento para a empresa, o que, de acordo o autor, teria mudado radicalmente a
cultura empresarial da Embraer. Neste sentido, Cassiolato et al (2002) também
acredita que o sucesso do programa ERJ-145 foi construído sobre estratégias
desenvolvidas quando a empresa ainda era controlada pelo Estado, por exemplo,
durante o programa AMX.
No programa ERJ-145, a empresa, por enfrentar situação financeira crítica
para arcar com os custos do projeto da nova aeronave, buscou reduzi-los ao
associar-se a quatro parceiros: Gamesa (Espanha), ENAer (Chile), Sonaca (Bélgica)
e C&D Interiors (EUA). Todas estas empresas possuíam pouca ou nenhuma tradição
no setor aeronáutico, pois as companhias com maior renome e experiência no
mercado consideravam remotas as chances do projeto vingar comercialmente e não
se interessaram pelo programa.
A utilização de parceiros de risco em todos os aspectos do projeto ERJ-145
foi uma estratégia radicalmente diferente de todos os outros projetos dos quais a
empresa tinha tomado parte. Bernardes (2000a) cita que a estratégia de formação
de alianças, aliada à reestruturação e modernização da empresa, acabou
interagindo positivamente, gerando sinergias e um momento positivo para a
Embraer. Para Satoshi Yokota, vice-presidente da Embraer, o grau de utilização de
parcerias de compartilhamento de risco nos projetos da empresa brasileira é no
mínimo tão grande quanto o de qualquer outra empresa. Outro vice-presidente da
empresa, Luís Carlos Affonso, acredita que a Embraer foi bastante inovadora no
estabelecimento das parcerias de risco, até por necessidade financeira. Isto ocorreu
no projeto ERJ-145 devido à situação crítica vivida pela empresa, mas perdurou
mesmo depois de sua recuperação. Agora saneada, a Embraer usa parcerias de
compartilhamento de risco para os programas ERJ-170/190 e LJ/VLJ num grau
ainda maior que o utilizado no ERJ-145, visando principalmente aproveitar a
oportunidade de financiar-se a taxas de juros oferecidas nos países dos parceiros,
taxas estas que se encontram em nível muito menor que as praticadas no Brasil.
231
O grande recurso adquirido pela Embraer no desenvolvimento da família ERJ-
145 foi mesmo o conhecimento na gestão de uma cadeia complexa de fornecedores
e parceiros de risco, atuando de forma coordenada e em vários países ao mesmo
tempo. Para harmonizar o andamento das diversas áreas que participavam do
programa foi formalizado um Grupo Diretivo do Programa ERJ-145, que realizava
reuniões periódicas com a presença de representantes de cada parceiro, além de
clientes em potencial e membros de associações de pilotos.
Dorna et al (2003) consideram que a celebração das parcerias de risco no
programa ERJ-145 permitiu a redução brutal dos custos de produção da Embraer
na medida em que os “pacotes tecnológicos” fornecidos pelos parceiros foram
resultantes da especialização produtiva, tornando-se mais eficiente a busca do
ponto ótimo no trade-off entre tecnologia utilizada e custos de produção
associados.
para Bernardes (2000c), o grande aprendizado da Embraer neste projeto
foi a gestão dos contratos interfirmas e não ganhos relacionados a tecnologias de
que a empresa não dispunha. Segundo o autor, a única tecnologia adquirida pela
Embraer junto a seus parceiros foi o sistema ativo de degelo do bordo de ataque
(parte frontal da asa) e todas as tecnologias importantes que foram desenvolvidas,
isoladamente ou com os parceiros de risco, foram modificações atualizando o que
havia nos programas EMB-120 Brasília e EMB-110 Bandeirante. Neste sentido, as
tecnologias desenvolvidas e acumuladas através dos anos pela Embraer foram
fundamentais para o novo projeto, tanto que alguns analistas chegavam a afirmar
que a nova aeronave (ERJ-145) nada mais era que o EMB-120 Brasília (um turbo-
hélice) com motores turbo-fan.
Um outro grande benefício do programa foi obtido na redução de custos dos
processos produtivos subcontratados. Com o processo de desverticalização da
produção a Embraer criou condições para a redução do preço do produto final. Ou
seja, a estratégia que norteou o programa de parcerias do ERJ-145 obteve
claramente um sucesso no seu foco em custos e engenharia financeira.
Para gerenciar esta cadeia desverticalizada, foram muito importantes as
habilidades e conhecimentos adquiridos em projetos virtuais (pelo computador), de
232
forma a agilizar o time-to-market do ERJ-145, que já se encontrava atrasado em
relação ao seu concorrente, o CRJ-200, lançado pela Bombardier em 1992.
Até 1995 a Embraer usava o sistema Intergraph, enquanto os parceiros de
risco do projeto do jato ERJ-145 haviam adotado o CATIA, software desenvolvido
pela empresa aeronáutica Dassault. De acordo com o gerente de Recursos
Avançados de Projetos da Embraer, Marco Cecchini, "a troca de informações com
parceiros e clientes era muito complicada. Perdíamos muito tempo tentando
consertar erros de cálculos e retrabalhos, pois com freqüência tínhamos que fazer a
mesma coisa mais de três vezes" (SIQUEIRA, 2001). Todas as novas versões do
ERJ-145 já estão sendo feitas no sistema CATIA e a Embraer é atualmente a
principal empresa usuária do CATIA no Brasil.
Outros importantes aprendizados no projeto do ERJ-145 foram a gestão dos
cronogramas de desenvolvimento, produção e entrega e a gestão do fluxo de
logística de estruturas e subsistemas, tudo isso garantido por um rigoroso sistema
de controle de qualidade.
No programa ERJ-145, pode-se dizer que a Embraer finalmente descobriu
sua vocação e principais competências: excelência em P&D, integração de
sistemas com complexidade tecnológica altíssima, montagem (assembly),
comercialização e assistência técnica.
Desta forma, a filosofia tecnológica da empresa hoje é menos determinada
pela engenharia e mais centrada na gestão estratégica de competências que
agreguem valor e vantagens competitivas para a companhia (BERNARDES, 2003).
De acordo com o autor, a própria política tecnológica da empresa prevê a aquisição
de sistemas e pacotes tecnológicos, dado que não os considera um diferencial
competitivo. Assim, a natureza da estratégia de inovação, principalmente a partir do
programa ERJ-145, tornou-se condicionada à valorização das atividades
econômico-financeiras, mais direcionadas para a adaptação tecnológica do que
para o desenvolvimento de inovações criativas (não-existentes no mercado). Assim,
tornou-se possível direcionar recursos para as competências chave, eliminando
atividades de suporte ou produção e transferindo-os para uma rede de
fornecedores e parceiros organizados para este objetivo. Desta maneira, a Embraer
233
espera que sua estratégia de foco evite capacidade ociosa nas linhas de produção
(um grande problema na indústria), reduza custos administrativos e de
desenvolvimento de produtos e processos industriais e permita obter o mesmo
produto final com menor capital investido.
No quadro a seguir são apresentados os recursos obtidos pela Embraer no
programa ERJ-145:
234
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em gestão de
projeto de compartilhamento
de risco.
ERJ-170/190, LJ/VLJ.
Sim. O know-how em gestão
de projeto de
compartilhamento de risco
capacita a empresa a assumir
posição nobre na cadeia de
suprimentos da indústria
aeronáutica – a de projetar a
aeronave e integrar os
sistemas desenvolvidos pelos
parceiros e/ou fornecedores.
Sim. A liderança de um pool
de parceiros de risco impõe
desafios significativos na
gestão do nexo de contratos e
relacionamentos para que o
projeto se desenvolva de
acordo com o cronograma e o
orçamento previstos e seja
produzida uma aeronave de
qualidade. Pouquíssimas
empresas detêm este know-
how na gestão de projetos em
que há compartilhamento de
risco.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para liderar
parcerias de compartilhamento
de risco num projeto
aeronáutico é resultado de alta
experiência e know-how, não
sendo, portanto, imitável.
Em termos. Os projetos
desenvolvidos sob a forma de
parcerias de risco podem ser
substituídos pela configuração
tradicional na indústria,
envolvendo relações
comerciais usuais entre
comprador e fornecedores.
Este modelo, entretanto, é
mais alavancado e arriscado
que o modelo de parcerias de
compartilhamento de risco,
carregando os riscos
normalmente mitigados pelo
compartilhamento.
Know-how em
desenvolvimento virtual de
projeto (uso de software
CATIA).
Todos.
Sim. O desenvolvimento virtual
de projeto aeronáutico permite
a participação ativa de
parceiros em localidades
diferentes e a economia de
custos na construção de
maquetes e nas simulações de
desempenho.
Não. Em várias outras
indústrias, como na
automobilística, por exemplo, o
CATIA é um software bem
difundido.
Sim. É impossível gerar este
know-how sem a expertise em
desenvolvimento de projetos
contando com uma rede global
e remota de parceiros.
Sim, a não ser por ferramentas
mais avançadas que o CATIA.
Entretanto, este ainda é o
software de desenvolvimento
virtual de projeto com maior
aceitação entre os fabricantes
de aeronaves.
Quadro 25 – Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-145 na formação de vantagens competitivas sustentáveis
235
5.2.13 Produção de sistema de combustível e sponson para helicópteros S-92
Helibus da Sikorsky
O projeto S-92 Helibus foi idealizado pela norte-americana Sikorsky (uma
empresa do grupo United Technologies), de forma a atender a demanda militar e
civil por helicópteros de grande porte. De acordo com Bernardes (2000b), o S-92
Helibus possui capacidade para 19 passageiros e preço estimado de US$ 12,5
milhões. A aeronave será produzida em três versões: uma para utilização civil básica
(S-92C); outra para aviação offshore, normalmente utilizada por empresas extratoras
de petróleo com plataformas em alto-mar; e a versão militar (S-92IU). A Sikorsky
espera que 67% das receitas do programa originem-se da versão militar.
O projeto do S-92 Helibus deu-se sob a forma de parceria de
compartilhamento de risco, com a Embraer tendo sido escolhida como um dos
parceiros, recebendo um pagamento fixo por peça (fixed price partner), sem o upside
dos lucros caso o projeto fosse um sucesso ou o downside dos prejuízos caso
fracassasse. Entre os outros parceiros da Sikorsky que participaram do
compartilhamento de risco, encontravam-se a Mitsubishi Heavy Industries (Japão), a
Gamesa (Espanha) e a Jingdezhen Helicopter Group (China). Vale salientar que a
Gamesa posteriormente viria a ser parceira de compartilhamento de risco da
Embraer em seus programas ERJ-145 e ERJ-170/190.
Segundo Bernardes (2000b), de acordo com o contrato, assinado em junho
de 1995 e com prazo de duração até 2014, coube à empresa brasileira a
responsabilidade do projeto, desenvolvimento e produção do sistema de
combustível, trem-de-pouso e estrutura de suporte (sponson) do helicóptero S-92
Helibus. De acordo com estudos de mercado da Sikorsky, o mercado estaria
preparado para absorver cinco mil helicópteros do porte do S-92 até o ano 2019.
Um dos principais benefícios deste contrato, além do fôlego financeiro extra
que dava à empresa brasileira, foi a aquisição de novo conhecimento tecnológico.
Adicionando ao know-how adquirido no acordo de offset com a McDonnell Douglas,
as responsabilidades da Embraer no projeto do S-92 Helibus permitiram à empresa
adquirir ainda mais conhecimento no domínio da tecnologia de materiais avançados,
agora passando a aplicar o uso de Invar, uma liga de quel-Ferro importada dos
236
EUA, que apresenta resistência próxima ao alumínio e coeficiente de tolerância à
fadiga próximo ao da fibra de carbono. Cerca de 40% do Helibus é produzido em
material composto e ligas metálicas de última geração (como o Invar), um índice
considerado bastante alto, mesmo para um helicóptero.
Além disso, a participação no projeto S-92 Helibus também permitiu à
Embraer avançar na detenção de tecnologia de projeto virtual, através do software
CATIA (Computer Aided Three-Dimensional Interactive Application), que também
teve papel importante nos programas ERJ-145 e ERJ-170/190. A partir daí, a
companhia brasileira passou a utilizar o CATIA como uma plataforma para os
processos de desenvolvimento do projeto de aeronaves e para aprimorar a
integração de operações internas e relações com os parceiros internacionais. O uso
de CATIA também foi o prenúncio para o Centro de Realidade Virtual (CRV) da
Embraer, inaugurado em 2000, que será detalhado mais à frente neste trabalho.
Vale enfatizar que a tecnologia de projeto virtual permite reduzir o tempo de
desenvolvimento de novas aeronaves (time-to-market) e abre caminho para a maior
personalização de produtos (custom-made), de acordo com as especificações
desejadas pelos clientes.
O quadro a seguir detalha os recursos obtidos pela Embraer no projeto do S-
92 Helibus e de que forma estes recursos geraram vantagens competitivas para a
Embraer em relação a fabricantes de aeronaves menos avançados:
237
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how de uso de materiais
avançados (liga Invar).
N/A.
Sim, as ligas metálicas de
materiais avançados possuem
altíssimo desempenho, com
alta resistência a esforços e
alto coeficiente de tolerância à
fadiga. Desta forma, são cada
vez mais utilizadas pela
indústria aeronáutica, o que
torna o know-how em utilizá-la
um recurso valioso.
Em termos. A maioria das
empresas estabelecidas detém
esta tecnologia. Entretanto,
possíveis novos entrantes não
a possuem ou não detêm o
ciclo tecnológico completo.
Sim. A tecnologia de uso de
materiais avançados é restrita
àquelas empresas que
dominam o conhecimento de
seu uso, não sendo, portanto,
facilmente obtida.
Em termos. Materiais
avançados podem ser a
melhor opção para fabricação
de determinadas estruturas
aeronáuticas. Porém, esta
tecnologia pode ser substituída
pela fabricação das mesmas
estruturas em ligas de
alumínio, como nas aeronaves
mais antigas, ainda que sob
pena de perda de
desempenho operacional e
resistência mecânica.
Know-how em
desenvolvimento virtual de
projeto (uso de software
CATIA).
Todos.
Sim. O desenvolvimento virtual
de projeto aeronáutico permite
a participação ativa de
parceiros em localidades
diferentes e a economia de
custos na construção de
maquetes e nas simulações de
desempenho.
Não. Em várias outras
indústrias, como na
automobilística, por exemplo, o
CATIA é um software bem
difundido.
Sim. É impossível gerar este
know-how sem a expertise em
desenvolvimento de projetos
contando com uma rede global
e remota de parceiros.
Sim, a não ser por ferramentas
mais avançadas que o CATIA.
Entretanto, este ainda é o
software de desenvolvimento
virtual de projeto com maior
aceitação entre os fabricantes
de aeronaves.
Quadro 26 – Efeito dos recursos adquiridos na segunda aliança com a Sikorsky (projeto S-92 Helibus) na formação de vantagens competitivas
sustentáveis
238
5.2.14 Projeto da família ERJ-170/190
O projeto da família ERJ-170/190 foi uma opção natural para a Embraer após
o estrondoso sucesso da família ERJ-145 (que além desta aeronave, inclui os ERJ-
135, ERJ-140, Legacy, EMB-145 AEW&C, EMB-145 RS/AGS e P-99). A empresa
brasileira rapidamente verificou a existência de um nicho de mercado para
aeronaves regionais com capacidade maior que 70 passageiros e pouco menores
que os aviões da Boeing e a Airbus de menor capacidade, evitando assim concorrer
diretamente com estas empresas.
Capitalizada após as vendas de diversas unidades da família ERJ-145, a
Embraer ainda assim optou por desenvolver o programa ERJ-170/190 sob a forma
de parceria de compartilhamento de risco e até aprofundou o uso desta estratégia.
De alguma forma, a empresa brasileira percebeu durante o projeto da família ERJ-
145 que, além da função mitigadora de risco, este tipo de aliança era fundamental
para desenvolver sua estratégia de focar nos seus core businesses e terceirizar
atividades de projeto e produção menos nobres para seus parceiros. Assim, a
empresa brasileira decidiu priorizar as atividades mais nobres da cadeia de
fornecimento da indústria aeronáutica, quais sejam: projeto da aeronave, integração
dos subsistemas desenvolvidos pelos parceiros, comercialização e pós-venda.
Para Cassiolato et al (2002), o programa ERJ-170/190, apesar de também ser
voltado para aviação regional, foi desenvolvido num contexto totalmente diferente do
programa ERJ-145. Este, devido às dificuldades financeiras sérias pelas quais
passava a Embraer, possuía grande ênfase em custos, com os parceiros de
compartilhamento de risco atuando mais como fornecedores e financiadores do que
como parceiros de verdade. No programa ERJ-170/190, o desenvolvimento é dado
num contexto de adicionar alto valor e tecnologia aos projetos, buscando os
parceiros que possam fornecer o que de melhor para os subsistemas da
aeronave pelos quais fiquem responsáveis. Além disso, ao decidir levar em frente o
programa ERJ-170/190, a Embraer não atravessava uma situação financeira tão
grave quanto ao desenvolver o ERJ-145. Desta forma, a ênfase financeira do
programa ERJ-170/190 pôde ser diferente da utilizada no programa ERJ-145.
239
No que diz respeito ao aspecto técnico, enquanto na família ERJ-145 a
ênfase era fazer um produto simples, que pudesse ser oferecido com o apelo de
baixo preço, no ERJ-170/190 era buscada a diferenciação do produto, o que era
respaldado por pesquisas de mercado que confirmavam uma maior sofisticação dos
passageiros de vôos regionais e busca por aeronaves cada vez mais confortáveis.
Outro fato a ser ressaltado é o nível de conhecimentos adquiridos pela
empresa em projetos de desenvolvimento. Por exemplo, entre os projetos ERJ-145 e
ERJ-170/190 houve evolução de Engenharia Simultânea para o Desenvolvimento
Integrado. Para complementar a tecnologia de mock-up eletrônico dominada, foi
criado o Centro de Realidade Virtual (CRV) e a participação de parceiros ampliou-se
drasticamente, demandando novas capacidades gerenciais.
Na família ERJ-170/190, as alianças estratégicas foram aprofundadas,
tornando-se mais integradas e complexas. O projeto foi feito em co-design com as
parceiras e não pela Embraer de forma isolada. Com uma situação financeira
privilegiada e maior poder de barganha, a empresa brasileira de impor a seus
parceiros condições que demonstravam sua situação bem mais favorável que na
época do programa anterior, tornando o compartilhamento de risco obrigatório para
todos os principais fornecedores ao invés de opcional. As empresas parcerias foram
meticulosamente analisadas levando em conta vários fatores: capacidade de atender
satisfatoriamente os requisitos técnicos de projeto e de produção, influência em
mercados importantes, aquisição de conhecimento comercial, infra-estrutura
comercial e logística e saúde financeira.
A estratégia de co-design permitiu ganhos de 18 meses no desenvolvimento
da aeronave (36 meses ao invés de 54 meses) sem perda de qualidade. Com a
implementação de sistemas web e EDI (Electronic Data Interchange), foi possível
manter contato on-line com a rede de firmas parceiras e fazer modificações no
mock-up eletrônico do projeto e na base de dados do ERJ-170/190 que estava
centralizada na estrutura de tecnologia de informação da Embraer.
As modificações no projeto feitas pelos parceiros e fornecedores, enviadas
eletronicamente para a Embraer, eram checadas e validadas, para posterior
atualização do mock-up e da base de dados. O andamento do programa podia ser
240
checado através do CRV, o que é um imenso avanço na solução de problemas que
surgem no projeto. No exterior, segundo Bernardes (2000c), empresas como a
Boeing, British Aeroespace e Bombardier utilizam Centros de Realidade Virtual
para projetos de aeronaves pelo menos desde 1991. Ainda assim, o CRV é uma
vantagem competitiva considerável sobre a maioria das outras empresas do setor
aeronáutico e potenciais novos entrantes.
O CRV é uma moderna ferramenta tecnológica utilizada por pouquíssimas
empresas no mundo e que possibilita aos engenheiros da empresa e de seus
parceiros a capacidade de visualizar, em três dimensões, por meio de modernos
computadores, toda a estrutura de uma aeronave em fase de projeto, permitindo a
harmonização técnica entre os diversos subsistemas produzidos.
A tecnologia do CRV pode ser aplicada em diversas áreas, como projeto,
manufatura, modelo humano de simulação, marketing (algumas vendas foram
confirmadas após o cliente “passear virtualmente” dentro do avião), design review,
manufatura, cinemática, ergonomia, apresentação corporativa, entre outras. O uso
de CRV ajuda a identificar e corrigir antecipadamente problemas de interferência que
se tornam muito custosos caso sejam posteriormente identificados. Por fim, o
sistema também permite que os órgãos de homologação possam avaliar melhor a
aeronave antes que ela esteja finalizada, portanto antecipando ainda mais o time-to-
market do produto.
O projeto ERJ-170/190 conta com os seguintes parceiros de
compartilhamento de risco:
Parker Aerospace (EUA): controle de o, sistema de combustível e
sistema hidráulico;
Hamilton Sundstrand (EUA): sistema de geração elétrica, sistema de
gerenciamento de ar, APU e cone de cauda;
General Electric Aircraft Engines (EUA): motor e nacele;
Latécoère (França): fuselagem central I, fuselagem central III e portas;
Gamesa Aeronáutica (Espanha): fuselagem traseira e empenagem;
241
Liebherr (Alemanha): trem-de-pouso;
Sonaca (Bélgica): slats;
C&D Aerospace (EUA): interiores;
Kawasaki Heavy Industries (Japão): asa (bordo de ataque fixo, bordo de
fuga fixo, stub, pilone, superfícies de controle);
Honeywell (EUA): aviônica; e
Parker Hannifin Corporation (EUA): controle de o, sistema de
combustível e sistema hidráulico.
O projeto prevê que estes parceiros de risco desenvolvam e produzam os
sistemas completos ao invés de somente componentes. Esta escolha proporciona
um relacionamento mais próximo entre os parceiros, o que teoricamente leva a um
produto mais integrado e de melhor qualidade.
Segundo Dorna et al (2003), as parcerias de risco tornaram-se paradigma de
gestão da cadeia produtiva (supply chain management) e tal fenômeno é uma
realidade entre as empresas líderes do mercado: Boeing, Airbus, Bombardier e
Embraer. Entretanto, segundo entrevistas realizadas com os vice-presidentes da
Embraer Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso, a empresa brasileira aparentemente
usaria a estratégia de parcerias de compartilhamento de risco num nível mais
intenso que outras empresas, até por necessidade de aproveitar as vantagens desta
estratégia para garantir a competitividade de seus produtos.
Esta configuração de arranjos entre parceiros de compartilhamento de risco
permite a centralização de esforços nas atividades mais nobres e que agregam
maior valor ao produto final. Ademais, a desverticalização produtiva obtida através
da adoção deste modelo de gestão da cadeia de suprimentos permite às empresas
que ocupam posições centrais nas cadeias aeronáuticas mobilizar esforços em
algumas competências chave (core competencies), a saber, o design e a integração
de sistemas. De acordo com Prahalad & Hamel (1990), as reais fontes de vantagens
competitivas devem ser encontradas nas habilidades produtivas dentro de
competências que permitam às empresas adaptarem-se rapidamente e adequarem-
242
se às oportunidades e nichos específicos. As parcerias de compartilhamento de
risco, portanto, trazem esta flexibilidade, entre outros benefícios.
Bernardes (2000c) busca explicitar essa mudança de paradigma de
atuação da empresa em que a estratégia de reestruturação e modernização aliada à
estratégia de formação de alianças interagiu de forma positiva, gerando pressões e
sinergias. Desta forma, houve estímulo à conformação de uma nova dinâmica de
competição empresarial, especialmente na redução dos custos de produção.
Segundo o autor, os programas da família ERJ-145 e da família ERJ-170/190,
possuem dois enfoques diferenciados. O primeiro pode ser caracterizado por um
foco totalmente voltado aos custos, sendo os parceiros de risco hoje classificados
pela Embraer mais como fornecedores de insumos do que propriamente parceiros.
o novo programa ERJ-170/190 teve sua concepção desenvolvida em outro
contexto, em que a agregação de valor e tecnologia é característica inerente ao
projeto.
Segundo Bernardes & Oliveira (2003), o desenvolvimento da nova família de
jatos ERJ-170/190 inaugurou oportunidades de atração de novos investimentos
externos e a própria instalação de empresas estrangeiras no Brasil. A transferência
de alguns dos parceiros de risco do programa para a região de o José dos
Campos, próximo à sua fábrica, faz parte de um plano estratégico da empresa para
passar a operar em regime de just in time, o que se constitui numa tendência
crescente para a indústria de fabricantes de aeronaves, tendo em vista os altos
custos incorridos com estoques.
Segundo Voss (1987), o just in time (JIT) é uma abordagem disciplinada, que
visa aprimorar a produtividade global e eliminar os desperdícios. Ele possibilita a
produção eficaz em termos de custo, assim como o fornecimento apenas da
quantidade necessária de componentes, na qualidade correta, no momento e locais
corretos, utilizando o mínimo de instalações, equipamentos, materiais e recursos
humanos. Atualmente, o just in time é usado com muito êxito na indústria
automobilística e crescentemente na indústria aeroespacial. Devido aos altos custos
de estocagem presentes na atividade desta última, adotar a filosofia logística just in
time faz todo o sentido para os fabricantes de aeronaves.
243
Para pôr em prática este novo regime de produção de estímulos praticamente
instantâneos na cadeia produtiva, a Embraer precisou atrair fornecedores e
parceiros de risco para o Brasil, de forma a situarem-se mais próximos às suas
instalações fabris. O sucesso do projeto ERJ-145 e o poder de barganha que a
empresa conseqüentemente ganhou, levou a Embraer a condicionar a participação
de algumas empresas no projeto ERJ-170/190 à instalação das mesmas no Brasil.
Segundo Bernardes & Oliveira (2003), seis empresas confirmaram as intenções de
instalarem-se ou realizar novos investimentos no país e quatro já estão em fase de
início de operação. Dentre as empresas atraídas pelas perspectivas do programa
ERJ-170/190, podem ser destacadas:
A C&D Interiors (também participante do programa ERJ-145), fornecedora
de revestimento de interiores, por exemplo, iniciou suas operações em
São José dos Campos;
A Parker Hannifin (responsável por sistemas hidráulico, de comandos de
vôo e de combustível), que dispõe de uma fábrica em Jacareí (cidade
próxima a São José dos Campos), onde produz sistemas para a indústria
automobilística, e agora iniciando suas operações aeronáuticas no Brasil;
A empresa alemã Liebherr, que celebrou uma associação com a Divisão
de Equipamentos da Embraer (EDE) para a abertura de uma nova
empresa, denominada ELEB (Embraer Liebherr Equipamentos do Brasil),
situada em São José dos Campos, e já está operando normalmente;
A empresa belga Sonaca, que, através de sua subsidiária brasileira
Sobraer iniciou em dezembro de 2000, a fabricação de conjuntos de
suporte do motor e da fuselagem traseira dos jatos; e
A Latécoère, que estuda a possibilidade de criação de uma empresa
nacional, mas já assinou contratos com empresas sediadas em São José
dos Campos para o fornecimento de serviços de engenharia e suporte
técnico.
No quadro a seguir são apresentados os recursos obtidos pela Embraer no
programa ERJ-170/190:
244
Recurso adquirido na aliança
estratégica
Programas nos quais o
recurso foi posteriormente
utilizado
O recurso é valioso? O recurso é raro?
O recurso é imperfeitamente
imitável?
O recurso é impossível de ser
substituído?
Know-how em gestão de
projeto de compartilhamento
de risco.
LJ/VLJ.
Sim. O know-how em gestão
de projeto de
compartilhamento de risco
capacita a empresa a assumir
posição nobre na cadeia de
suprimentos da indústria
aeronáutica – a de projetar a
aeronave e integrar os
sistemas desenvolvidos pelos
parceiros e/ou fornecedores.
Sim. A liderança de um pool
de parceiros de risco impõe
desafios significativos na
gestão do nexo de contratos e
relacionamentos para que o
projeto se desenvolva de
acordo com o cronograma e o
orçamento previstos e seja
produzida uma aeronave de
qualidade. Pouquíssimas
empresas detêm este know-
how na gestão de projetos em
que há compartilhamento de
risco.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial
necessário para liderar
parcerias de compartilhamento
de risco num projeto
aeronáutico é resultado de alta
experiência e know-how, não
sendo, portanto, imitável.
Em termos. Os projetos
desenvolvidos sob a forma de
parcerias de risco podem ser
substituídos pela configuração
tradicional na indústria,
envolvendo relações
comerciais usuais entre
comprador e fornecedores.
Este modelo, entretanto, é
mais alavancado e arriscado
que o modelo de parcerias de
compartilhamento de risco,
carregando os riscos
normalmente mitigados pelo
compartilhamento.
Execução de harmonização
técnica durante o projeto de
aeronaves (através do Centro
de Realidade Virtual – CRV).
LJ/VLJ.
Sim. Sem este recurso é muito
difícil desenvolver um projeto
verdadeiramente integrado
com parceiros de riscos, o que
inviabiliza todo o modelo de
negócio dos últimos projetos
da empresa.
Sim. Pouquíssimas empresas
possuem acesso a uma
ferramenta tão poderosa como
o CRV e menos ainda
possuem a capacidade que a
Embraer possui em gerir o
conjunto de
fornecedores/parceiros como a
empresa brasileira.
Sim. O conhecimento e a
experiência da Embraer na
integração de subsistemas e
gestão remota de parceiros e
fornecedores é única, fruto da
sua história de vários projetos
envolvendo alianças
estratégicas. Este know-how é
impossível de ser emulado e
as particularidades são muitas,
tornando o recurso não
imitável.
Sim. Este know-how é
decorrente da participação da
Embraer em várias alianças
estratégicas e participação em
processos de harmonização
técnica de aeronaves.
245
Execução de produção
segundo modelo just in time.
LJ/VLJ.
Sim, pois proporciona
diminuições significativas de
custos de produção e de
estoques.
Em termos. As empresas
estabelecidas (Boeing, Airbus
e Bombardier) detêm este
know-how e utilizam o modelo
just in time. Entretanto,
possíveis novos entrantes não
possuem ou possuem
incompletamente as técnicas
de produção de acordo com
este modelo.
Sim. O conhecimento
tecnológico e gerencial usado
para operar um sistema
coordenado de just in timeo
é perfeitamente imitado,
podendo, inclusive, levar a
sérias deficiências na linha de
montagem se não for
implantado e acompanhado
adequadamente.
Em termos. Os projetos
desenvolvidos sob o modelo
just in time podem ser
substituídos pela configuração
tradicional na indústria
(normalmente resource-to-
order, ou recursos contra
pedido). Entretanto, o modelo
logístico por trás do just in time
é reconhecidamente mais
eficaz e menos custoso, o que
faz a diferença num setor
como o aeronáutico, que se
caracteriza por altos custos de
estoques.
Quadro 27 – Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-170/190 na formação de vantagens competitivas sustentáveis
246
5.2.15 Remodelamento dos F-5 da FAB com a Elbit
Em 2000, o Senado brasileiro aprovou o financiamento para o Programa F-
5BR da Força Aérea Brasileira (FAB). De acordo com o website DEFESA@NET
(2001), o programa, orçado em US$ 285 milhões, prevê completa modernização dos
F-5E/F da FAB, incluindo novo pacote de aviônicos, sistema de navegação,
armamentos, sistema de mira, autodefesa, sistema de computadores, radar
multimodo e atualização estrutural e da qualificação dos armamentos padrão da
FAB. O programa é desenvolvido em conjunto com a Elbit, uma empresa israelense
especializada no desenvolvimento de aviônicos para o mercado de Defesa.
Como parte do programa de offset acordado com a Aeronáutica, a Elbit está
produzindo a maior parte dos equipamentos no Brasil, na empresa gaúcha
Aeroeletrônica, adquirida pelo grupo israelense em 2002. Segundo informações da
Aeronáutica, o acordo de offset fechado com a Elbit obriga a empresa a investir no
país 100% do valor do contrato que fechou com a FAB.
Segundo o Vice-Presidente Executivo de Comunicação Empresarial da
Embraer, Horácio Forjaz, a parceria com a Elbit encontra-se em pleno andamento e
por envolver conhecimentos considerados confidenciais, a empresa não pode
pronunciar-se muito sobre o tema. Aparentemente, a Embraer está adquirindo algum
know-how em desenvolvimento de aviônicos, que a Elbit é especializada neste
tipo de sistemas, embora isto não tenha sido confirmado pela empresa brasileira.
5.2.16 Produção do ERJ-145 na China em joint venture com a AVIC II
Em 2002, a Embraer assinou contrato para a construção de uma unidade
industrial na China através de uma joint venture com a Harbin Aircraft Industry Group
e a Hafei Aviation Industry, controladas pela China Aviation Industry Corporation
(AVIC II), criando a Harbin Embraer Aircraft Industry Ltd., dedicada à montagem de
aeronaves da família ERJ-145 na cidade de Harbin, na China. A Embraer, com 51%
de participação, controla a JV, cabendo à AVIC II os 49% restantes. Ressalte-se que
é extremamente difícil que o governo chinês aceite que uma empresa estrangeira
possua o controle de uma JV formada com uma empresa local.
247
Este foi o primeiro empreendimento industrial da Embraer fora do país,
justificado pelas projeções de enorme potencial para o mercado de aviação regional
na China. De acordo com estudos de mercado da Embraer, a demanda total da
China por aeronaves regionais no segmento de 30 a 120 assentos era estimada em
635 unidades entre 2004 e 2023.
O interesse da Embraer na JV foi estimulado por modificações no imposto
chinês sobre valor agregado para as aeronaves importadas com até 25 toneladas.
Antes, o imposto era de 6%, mas foi elevado para 17%. Com o imposto mais alto,
durante o período entre 2001 e 2005, as vendas de novas aeronaves na China
haviam sido praticamente paralisadas. A AVIC II vinha negociando por dois anos
com vários fabricantes de aviões, entre eles a Bombardier e a Fairchild Dornier, mas
acabou fechando a aliança estratégica com a empresa brasileira.
Esta aliança por enquanto tem apresentado nenhum ou pouco benefício em
termos de aprendizado, principalmente no desenvolvimento de novas tecnologias.
Como visto no capítulo que aborda as parcerias de compartilhamento de risco, as
empresas chinesas na indústria de fabricação de aeronaves são pequenas, com
pouco know-how tecnológico e falta de capital para financiar projetos. As grandes
vantagens em ter empresas chinesas como parceiras são os baixos custos de mão-
de-obra e a possibilidade de vendas sob a forma de offset num mercado de
gigantesco potencial, pois o setor de transporte aéreo chinês vem crescendo a taxas
muito maiores que o mundial e o Governo controla ou exerce influência tanto sobre
os fabricantes de estruturas aeronáuticas como sobre as linhas aéreas chinesas.
Desta forma, pode vir a favorecer parceiros das companhias estatais chinesas nas
licitações de venda de aeronaves.
Os interesses da Embraer na aliança estratégica com a AVIC II limitam-se à
possibilidade de conquistar fatias maiores de um grande mercado em potencial, mas
até o momento isto não vem acontecendo. As entregas na China não têm
ultrapassado o ritmo de cinco aeronaves por ano, muito aquém do estimado pela
empresa brasileira.
Por outro lado, a aliança apresenta o risco de que a empresa chinesa consiga
absorver tecnologia da brasileira, tornando-se um competidor em potencial no futuro.
248
Este risco não é descartado, muito embora seja reduzido, pois o
desenvolvimento de novo produto na China (o ERJ-145 da JV Harbin Embraer
Aircraft Industry é praticamente igual ao produzido em São José dos Campos). Se
há transferência de tecnologia, esta se dá na própria linha de montagem.
Desta forma, pelo menos até o presente momento, a aliança da Embraer com
a AVIC II ainda não se converteu em recursos que possam vir a gerar vantagens
competitivas sustentáveis à empresa brasileira.
5.2.17 Projeto da família Light Jet / Very Light Jet
O projeto da família Light Jet (LJ) / Very Light Jet (VLJ) foi anunciado
recentemente, em 2005, envolvendo aeronaves com capacidade entre seis e oito
passageiros (VLJ) e oito a nove pessoas (LJ). O sucesso do Legacy, um subproduto
da família ERJ-145 para o mercado de aviação executiva, permitiu à empresa
brasileira uma maior compreensão deste mercado e reconhecimento por parte dos
clientes e dos clientes em potencial.
De certa forma, o investimento da Embraer neste nicho é uma maneira de
ocupar outros segmentos de mercado e evitar por ora o confronto direto com a
Boeing e a Airbus em aeronaves com capacidade maior que 120 passageiros.
A Embraer já anunciou que a nova família será desenvolvida nos mesmos
moldes dos programas ERJ-145 e ERJ-170/190, ou seja, através de parcerias de
compartilhamento de risco. Até o presente momento o único parceiro de
compartilhamento de risco anunciado é a empresa norte-americana fabricante de
motores Pratt & Whitney Canada, fornecedora da Embraer desde o projeto de
gênese da empresa, o EMB-110 Bandeirante.
De acordo com Luís Carlos Affonso, Vice-Presidente para Aviação
Corporativa da Embraer, os Light Jets e Very Light Jets são somente os primeiros de
uma série de aeronaves a serem futuramente lançadas no setor de aviação
executiva, compondo uma família que deve abarcar todos as aeronaves deste nicho,
desde as menores aeronaves executivas até as de maior capacidade.
249
O programa LJ/VLJ foi recentemente anunciado e, portanto, ainda não
indicações suficientes de que gerará efetivamente vantagens competitivas
sustentáveis para a empresa. É certo, entretanto, que esta é a principal aposta
comercial da Embraer para manter o crescimento sustentado pelo sucesso das
famílias ERJ-145 e ERJ-170/190.
5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ATUAL POSICIONAMENTO
COMPETITIVO DA EMBRAER
A Embraer sofreu transformações radicais ao longo de sua história. No início,
pela ausência de uma indústria aeronáutica pujante no Brasil, a direção da empresa
percebeu a necessidade de internalizar a produção e desenvolvimento de uma série
de tarefas, mesmo que conscientemente soubesse que a melhor opção era manter o
foco em algumas competências chave (SILVA, 1998). Por força da conjuntura e sem
poder contar com uma indústria aeronáutica brasileira forte ao seu redor, a Embraer
acabava tendo que tomar para si a responsabilidade por atividades menos nobres,
devido à ausência ou debilidade de outras empresas brasileiras atuantes no setor.
Isto dificultou a terceirização de atividades de menor valor agregado e forçou-a a
tornar-se um dos fabricantes de aeronaves mais verticalizados da indústria
aeroespacial mundial, ainda que de forma bem mais horizontal que as tentativas
anteriores de fabricar aeronaves no Brasil.
Ainda assim, a visão estratégica de seus pioneiros fez com que a Embraer
fosse concebida como uma empresa estatal e como uma montadora final, que se
dedicaria exclusivamente à montagem de aviões através da materialização de um
projeto aeronáutico endogenamente concebido, tendo assim condições de
determinar com autonomia, em função da posição que ocupava e da estratégia de
capacitação tecnológica que adotou, o desenvolvimento de suas aeronaves
(BERNARDES, 2000b). Desta forma, estrategicamente a companhia privilegiou o
domínio e a capacitação tecnológica nas áreas de aerodinâmica, fuselagem e
integração de projeto. Os esforços também foram direcionados para a capacitação
na área de projetos de aviões e na integração do mix de componentes que não
podiam ser fabricados pela Embraer, por inúmeras razões: escala, mercado,
confiabilidade, tecnologia, etc.
250
Na verdade, o esforço real para terceirizar as atividades menos importantes
do processo produtivo esbarrava no fato de não haver muitas empresas na indústria
aeronáutica brasileira que tivessem capacidade de produzir componentes para as
aeronaves na qualidade necessária para garantir a segurança de vôo. Assim, devido
à imposição desta conjuntura, a Embraer era bem mais verticalizada que seus
concorrentes estrangeiros.
Os fracassos comerciais da década de 80 proporcionaram mudanças
significativas na estratégia e na estrutura da empresa, forçando um grau de
terceirização da produção e do desenvolvimento muito maior que o inicial, através da
mitigação do risco de mercado na venda de aeronaves. A partir do programa ERJ-
145, a Embraer passou a adotar a estratégia de compartilhamento de risco com
parceiros num grau dificilmente encontrado em outras empresas, o que se configura
numa ruptura radical com a estratégia anteriormente utilizada. Para isso contribuiu o
fato da empresa brasileira ter participado de várias parcerias nas quais pôde
desenvolver a capacidade de gerenciar a ação coordenada de um conjunto de
empresas. Desta forma, a Embraer pôde focar somente em suas competências
chave (projeto, coordenação de parceiros e fornecedores, integração de sistemas,
produção, comercialização e pós-vendas), terceirizando a maior parte das atividades
consideradas de menor valor agregado para os parceiros ou para os fornecedores.
Segundo Bernardes & Pinho (2002), a estratégia de foco da Embraer busca
uma operação mais competitiva, com redução de ociosidades (pela
desverticalização produtiva), de custos administrativos e custos de desenvolvimento
de produto e processo. De acordo com os autores, a redução de fornecedores
externos e locais cria novas relações e parâmetros para a composição e integração
da cadeia de suprimento global e local, implicando no encaminhamento dos fluxos
de fornecimento de sistemas, partes, componentes, estruturas e serviços
tecnológicos em direção a “pacotes tecnológicos”. Na prática, os fornecedores de
primeira linha o responsáveis pela agregação de um conjunto de subsistemas e
componentes que vão compor um “pacote tecnológico” do projeto da aeronave a ser
integrado na fase final, que é a linha de montagem na Embraer. Este modelo de
produção é muito próximo ao conceito de condomínio industrial adotado pela
indústria automobilística.
251
Ao longo de seus mais de trinta anos de história, a Embraer utilizou vários
acordos de licenciamento e alianças para adquirir mais recursos e conhecimentos
para a empresa e desenvolver as suas competências chave. Como visto acima,
certas alianças foram fundamentais para desenvolver algumas competências
específicas. Por outro lado, algumas competências foram desenvolvidas ao longo
de programas desenvolvidos internamente pela companhia. Este processo gradual
de acumulação de conhecimento foi crucial para a conquista do posicionamento
competitivo privilegiado de que a empresa hoje desfruta no mercado de aviação
regional.
Atualmente, é um consenso entre os vice-presidentes da Embraer
entrevistados para este estudo (Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso) que a
verdadeira vantagem competitiva da empresa brasileira não é dada por um recurso
isolado, mas na verdade é o conjunto integrado e coordenado de vários recursos,
que permite à empresa lançar produtos tecnologicamente avançados a um preço
menor que a concorrência, mesmo possuindo uma desvantagem inicial devido ao
Custo Brasil. É este diferencial observado no conjunto das atividades da empresa
que gera vantagens competitivas sustentáveis em relação à Bombardier e a
potenciais novos entrantes. Esta excelência está presente em cinco eixos
estratégicos nos quais a Embraer se destaca, apresentados na figura a seguir:
252
Assistência técnica
Serviços adicionais (manutenção,
elaboração de manuais técnicos,
etc.)
Marketing (promoção de
vendas)
Esforço de vendas (próprio
ou de representantes)
Estrutura de financiamento a
baixas taxas de juros e de
longo prazo
Lean production
Implementação de
logística just in time
Gestão eficaz dos
processos de produção
Rigoroso processo de concorrência
para seleção de parceiros de risco
Definição de responsabilidades nos
projetos
Gestão da cadeia de fornecedores e
parceiros
Mecanismos de controle de
comunicação, informação e
transmissão de dados
Foco em competências
chave
Know-how tecnológico
avançado
Altíssima especialização
dos engenheiros
Inovação
Marketing (inteligência
competitiva)
Lean design e lean
development
Integração de
sistemas/estruturas
Harmonização técnica
(através de CATIA/CRV)
Pós-venda
Comerciali-
zação
ProduçãoP&D
Integração
dos
parceiros
Figura 13 – Eixos estratégicos de excelência da Embraer
O primeiro eixo estratégico de excelência da Embraer é relacionado a
pesquisa e desenvolvimento (P&D). Este eixo está relacionado tanto à pesquisa
aplicada como ao desenvolvimento de produto. Neste sentido, vale observar que o
marketing é parte fundamental do desenvolvimento da aeronave, na medida em que
é impositivo desenvolver um produto de acordo com as necessidades dos clientes.
Esta foi uma dura lição aprendida pela Embraer após vários projetos que não
buscavam identificar as necessidades dos clientes e, portanto, enfrentaram o
fracasso comercial.
Também está vinculada ao eixo de P&D a questão da integração de sistemas
produzidos por diversas empresas e a harmonização técnica, fundamental para
garantir a qualidade do produto num processo de desenvolvimento contado com
vários parceiros. A Embraer, após ter participado de vários projetos com parceiros,
adquiriu a competência técnica na compreensão detalhada de como os subsistemas
presentes em suas aeronaves funcionam. Desta forma, a harmonização técnica da
253
aeronave dá-se sob o comando de uma empresa extremamente capacitada,
inclusive na compreensão dos detalhes tecnológicos de sistemas que não projeta.
A alta capacidade desenvolvida pela empresa brasileira no uso de softwares
de harmonização técnica como o CATIA e o Centro de Realidade Virtual (CRV)
também foi aprimorada ao longo de alianças estratégicas, em especial nos
programas ERJ-145, ERJ-170/190 e S-92 Helibus (parceria com a Sikorsky). A
utilização de tais softwares faz-se necessária na medida em que os projetos são
cada vez mais complexos e alto grau de interdependência entre os subsistemas
produzidos por diferentes empresas.
A alta capacidade interna da empresa em P&D não se destaca por ter sido
obtida numa aliança estratégica específica. Ao contrário, é resultado da capacitação
gradual ocorrida projeto a projeto, tanto naqueles que contaram com alianças
estratégicas como nos que foram desenvolvidos endógena e isoladamente pela
Embraer. Atualmente, a Embraer conta com um corpo de engenheiros especialistas
de altíssimo conhecimento tecnológico, o que se constitui por si num diferencial
da companhia brasileira em relação à maioria das empresas da indústria aeronáutica
mundial. Tal conhecimento não é facilmente adquirido, sendo, na verdade, resultado
de anos e anos de acumulação de experiência na área. Para o vice-presidente
Satoshi Yokota, na Embraer o conjunto de engenheiros entende de praticamente
todos os aspectos de um avião.
O segundo eixo estratégico de excelência da Embraer, de integração dos
parceiros, está diretamente relacionado à opção estratégica da empresa em agregar
outras companhias no desenvolvimento e produção de suas aeronaves. De acordo
com o vice-presidente da empresa Luís Carlos Affonso, os objetivos no uso de
parcerias são:
Divisão de riscos;
Redução de investimentos;
Redução de necessidade de mão-de-obra; e
Abertura dos mercados dos parceiros.
254
O eixo estratégico de integração de parceiros, ao contrário do anterior, foi
todo desenvolvido conforme a participação da Embraer em alianças estratégicas
com outras empresas. Neste sentido, os programas AMX, CBA-123 Vector, MD-11
(McDonnell Douglas), 747 (Boeing), 767 (Boeing), 777 (Boeing), ERJ-145, S-92
Helibus (Sikorsky) e ERJ-170/190 foram fundamentais no desenvolvimento da
capacidade de gerir e integrar adequadamente a cadeia de fornecedores e
parceiros.
O vice-presidente da empresa Satoshi Yokota ressalta a importância dos
programas desenvolvidos em parceria para a aquisição do know-how em
estabelecimento de processos, normas e procedimentos. Para o Sr. Satoshi, tais
processos, normas e procedimentos atuam como uma pauta de coordenação das
atividades de P&D e produção seriada de forma a garantir a harmonia de
subsistemas projetados e fabricados por empresas diferentes. O desenvolvimento de
tal capacidade é, desta forma, fundamental para garantir a manutenção de um
padrão de qualidade superior.
O terceiro eixo estratégico de excelência da Embraer é o de produção. Aqui a
obtenção de know-how ocorreu tanto através de alianças estratégicas como de
programas desenvolvidos isoladamente pela empresa. De acordo com diversos
autores (SILVA, 1998; MATTOS, 2005; BERNARDES, 2000b; CABRAL, 1987) o
projeto que proporcionou a capacitação inicial em produção de aeronaves foi a
parceria com a Aermacchi para produção do EMB-326 Xavante. Vários outros
projetos, desenvolvidos em parceria ou individualmente, contribuíram para o
desenvolvimento da atividade de produção de aeronaves. Para o vice-presidente da
Embraer Luís Carlos Affonso, a capacidade de produção da companhia é hoje “fora
de série”, superior às dos concorrentes.
Para o aprimoramento da produção ao longo dos anos, foi fundamental o
desenvolvimento de processos de controle de produção. Neste sentido, como visto
acima, as alianças estratégicas com outras empresas mostraram-se decisivas,
principalmente as com a Aermacchi (EMB-326 Xavante), Aeritalia e Aermacchi
(AMX), Boeing (747, 767 e 777) e McDonnell Douglas (MD-11).
255
Recentemente a Embraer também vem aprimorando sua produção através da
implementação de um sistema de logística just in time, que permite redução no nível
de estoques e adequação da produção à demanda. Neste sentido, a operação da
empresa assemelha-se cada vez mais a de uma montadora de automóveis,
integrando diversas partes da aeronave (os subsistemas) produzidas por uma série
de empresas em várias partes do mundo.
O quarto eixo estratégico de excelência da Embraer é o de comercialização.
Numa companhia cuja gênese foi essencialmente técnica, tendo sido criada por
engenheiros egressos de institutos de pesquisa (ITA e IPD), a comercialização foi
um fator naturalmente relegado a um segundo plano no início das atividades. Com o
tempo, entretanto, foi sendo constatada a necessidade de levar a cabo esforços para
adquirir conhecimento nesta área, fundamental para o sucesso de praticamente
qualquer companhia. Neste sentido, a parceria com a Piper foi especialmente
importante, proporcionando aprendizado profundo em técnicas de comercialização
de aeronaves.
Segundo Bernardes (2000a), o contrato com a Piper incluía também a
comercialização e a pós-venda das aeronaves, o que constituía numa total novidade
para a Embraer, que até então tinha obtido experiência nas primeiras vendas do
EMB-110 Bandeirante e do EMB-326 Xavante (aeronave militar, cujo único cliente
até então era a FAB). Para o autor, foi nessa parceria com a Piper que a Embraer
saiu de um estágio embrionário de comercialização de seus produtos para formar e
capacitar uma equipe de vendas preparada para competir por encomendas com as
outras empresas do mercado (principalmente Cessna e Beech, no mercado de
aviação geral brasileiro). Cabral (1987) é outro autor que considera a aliança com a
Piper como crucial para o desenvolvimento de capacitação em comercialização,
complementando o aprendizado tecnológico até então obtido.
Nesta aliança, toda a equipe de vendas da Embraer foi intensivamente
treinada segundo o ”método Piper” de venda de aeronaves, o que foi bastante
importante para a empresa brasileira dada a experiência de sua parceira norte-
americana na comercialização de aeronaves. Além disso, todo o sistema de
distribuição da Embraer foi inspirado no da Piper, inclusive com a utilização da rede
montada pelo representante brasileiro da empresa norte-americana.
256
Para Bernardes (2000a), a partir da aliança estratégica com a Piper, o
aprendizado da Embraer na comercialização de seus produtos pôde então evoluir
evolucionária e cumulativamente. Segundo um dos vice-presidentes da companhia
entrevistados para este estudo, Eng. Luís Carlos Affonso, a comercialização é um
dos fatores que hoje diferenciam a Embraer de seus concorrentes.
Tão ou mais importante que o marketing e o esforço de vendas do produto é a
questão do financiamento, que muitas vezes é fator decisório no processo de
compras por parte dos clientes. A Embraer, ao longo de sua história, sempre esteve
exposta ao Custo Brasil, problema este acentuado pelo ambiente econômico caótico
das décadas de 70, 80 e início da década de 90. Com a inflação em patamares
muito altos, ficava inviabilizada a concessão de créditos de longo prazo a taxas
internacionalmente competitivas por parte de bancos comerciais. Desta forma, a
única fonte de financiamento de longo prazo disponível era o BNDE (posteriormente
BNDES). Vale salientar que, mesmo após a estabilização da economia brasileira,
após 1994, a Embraer continuou dependente dos empréstimos do BNDES,que as
taxas de juros reais do Brasil permanecem entre as maiores do mundo, de forma a
atrair capitais para financiamento do déficit público do país. Para o vice-presidente
Luís Carlos Affonso, o alto custo de capital é hoje a principal desvantagem da
Embraer em relação a seus concorrentes. Portanto, é razoável afirmar que sem o
BNDES para equalizar o financiamento dos produtos da Embraer aos oferecidos por
seus concorrentes, dificilmente a empresa brasileira teria sobrevivido. Na prática, o
BNDES tem atuado como um verdadeiro parceiro da empresa brasileira, absorvendo
boa parte do risco das operações de financiamento.
Neste momento é importante fazer uma observação. A utilização de parcerias
de compartilhamento de risco também apresenta efeitos altamente positivos na
comercialização das aeronaves da Embraer, quais sejam:
Possibilidade de financiar o desenvolvimento da aeronave a taxas de
juros de longo prazo dos países parceiros (mais baixas que as taxas
brasileiras);
257
Possibilidade de abertura de mercado nos países das empresas parceiras
(através da suspensão de barreiras tarifárias ou não-tarifárias, incentivos
governamentais ou do próprio esforço de vendas da empresa parceira).
Por fim, o quinto e último eixo estratégico de excelência da Embraer é o de
pós-venda. A experiência neste eixo foi adquirida tanto externamente, através de
alianças estratégicas, como internamente, identificando as necessidades dos
clientes e buscando atendê-las.
Entre as alianças que geraram acumulação de experiência em atividades pós-
venda, a parceria com a Piper apresenta-se com destaque. Segundo Bernardes
(2000a) e Cabral (1987), além de oferecer oportunidade de aprendizado na
comercialização (esforço de vendas), esta parceria foi fundamental para
compreender de que maneira uma empresa consolidada como a Piper oferecia
assistência técnica aos seus clientes. Juntando o know-how em P&D da Embraer
obtido no IPD e no ITA e a capacidade de produção adquirida na parceria com a
Aermacchi (EMB-326 Xavante), ficava claro que ainda faltava adquirir conhecimento
nas atividades mais soft da indústria, a saber, comercialização e pós-venda. A
aliança com a Piper possibilitou o preenchimento desta lacuna.
A empresa brasileira também vem desenvolvendo internamente o seu eixo de
pós-venda. Bastante aprimorado desde a aliança com a Piper, a Embraer hoje
fornece um serviço de acompanhamento pós-venda e assistência técnica similar ao
de seus competidores. Entretanto, para o vice-presidente Luís Carlos Affonso,
espaço significativo para melhora nos serviços de assistência técnica, visto que
atualmente a empresa prepara-se para competir no segmento de aviação executiva
com os Light Jets / Very Light Jets. Este segmento notoriamente é caracterizado
pela necessidade de assistência técnica aprimorada e de suporte personalizado ao
cliente, que este não costuma voar em rotas pré-determinadas. Enfim, um novo
desafio está aberto à empresa brasileira e uma das principais questões a qual a
Embraer terá que se adaptar é o aperfeiçoamento de suas atividades de pós-venda.
Assim, pode-se perceber a influência das alianças estratégicas desenvolvidas
pela Embraer ao longo de sua história na construção de seus cinco eixos de
excelência. O quadro a seguir apresenta em maior detalhe esta questão:
258
Eixo estratégico de excelência Principal modo de desenvolvimento
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) Internamente e através de alianças
Integração dos parceiros Através de alianças
Produção Internamente e através de alianças
Comercialização Internamente e através de alianças
Pós-venda Internamente e através de alianças
Quadro 28 – Formas de desenvolvimento dos eixos estratégico de excelência da Embraer
Vale salientar que os eixos estratégicos de excelência apresentados acima
não devem ser confundidos com vantagens competitivas sustentáveis que a
Embraer possui sobre as empresas com quem concorre. Na verdade, tais eixos são
pontos de destaque na operacionalização da estratégia da companhia de acordo
com os altos gestores da mesma, mas podem estar presentes em concorrentes em
igual estágio de desenvolvimento ou até superior.
De maneira geral, no entanto, o que se observa é que no mercado de aviação
civil (que é o foco estratégico da Embraer a despeito das tentativas de aumentar a
participação da aviação militar na receita total da empresa) há um distanciamento
muito grande entre as capacidades dos quatro principais fabricantes (Boeing, Airbus,
Embraer e Bombardier) e de outras empresas (tanto fabricantes de aeronaves
menores como possíveis novos entrantes).
A Boeing e a Airbus encontram-se num patamar à parte. Em relação a P&D,
as empresas certamente estão à frente da Embraer e da Bombardier, embora não
em todos os aspectos. Mesmo assim, se forem comparadas ao fabricante brasileiro
e ao canadense, a Boeing e a Airbus ainda possuem vantagens em aspectos como
o uso intensivo de materiais compostos (por exemplo, no Boeing 787) e outras
tecnologias de ponta.
De uma maneira geral, tanto a Embraer como a Bombardier encontram-se à
frente de outras empresas (excluindo-se Boeing e Airbus) no que diz respeito à P&D.
Entretanto, exceções à regra. Algumas empresas especializadas podem ser mais
avançadas que Embraer e Bombardier em certos campos da tecnologia aeronáutica.
Como exemplo, pode ser citada a Scaled Composites, empresa do famoso projetista
de aeronaves Burt Rutan, que é uma das companhias aeronáuticas com maior
know-how no uso de materiais aeronáuticos não-metálicos, principalmente materiais
259
compostos. A Scaled Composites também é famosa pelo desenvolvimento de
projetos aerodinâmicos inovadores, como a SpaceShipOne (espaçonave
experimental propulsionada a foguete) e a Voyager (primeira aeronave a
circunavegar o globo sem parada ou reabastecimento).
Em relação à integração dos parceiros, a Embraer não fica a dever a
nenhuma empresa do mundo, nem mesmo à Boeing ou à Airbus. Dada a sua
extensa experiência no desenvolvimento conjunto de projetos com aliados, a
companhia brasileira hoje possui todo o know-how necessário para selecionar e gerir
os parceiros bem como garantir a qualidade final dos subsistemas entregues. Neste
ponto, a Embraer também se encontra num patamar muito mais avançado que a
Bombardier, que veio a utilizar alianças estratégicas de forma mais profunda em
seu mais recente programa, o CSeries (objetivando competir com Boeing, Airbus e
com os ERJ-190 e ERJ-195).
A produção da Embraer também é extremamente avançada. Para o vice-
presidente Luís Carlos Affonso, esta área da empresa encontra-se no estado da
arte, ou seja, incorpora o que há de mais avançado em técnicas de produção seriada
de aeronaves dominadas por fabricantes de aeronaves. Sabe-se, no entanto, que
fabricantes como Boeing e Airbus encontram-se em estágio muito avançado na
utilização de estratégias logísticas de ponta que se mostraram adequadas para a
indústria aeronáutica, como, por exemplo, o just in time, que só mais recentemente a
Embraer passou a implementar em sua cadeia de produção.
No que diz respeito à comercialização de aeronaves, a Embraer
provavelmente só se encontra defasada em relação à Airbus e à Boeing. Esta
defasagem não se deve, no entanto, à capacidade da empresa de empregar
adequadamente esforços de vendas e marketing, mas à pequena relevância política
e econômica do Brasil quando comparada à dos EUA e Europa. A indústria
aeronáutica é considerada tão estratégica que esforços reais dos países-sede
das principais empresas para incentivar as vendas a outros países. Neste sentido, o
fato de EUA e Europa serem muito mais relevantes econômica e politicamente que o
Brasil leva a Boeing e a Airbus a possuírem imensa vantagem comercial frente à
empresa brasileira e à canadense. A decisão estratégica da Embraer de não entrar
nos mercados de aeronaves maiores que 120 passageiros é principalmente
260
conseqüência do receio de competir diretamente por mercado com Boeing e Airbus,
secundadas por seus respectivos governos. É certo que os ERJ-190 e ERJ-195
competem diretamente com aeronaves da Boeing (717 e 737) e Airbus (A318), mas
também é deliberada e clara a intenção da Embraer em não competir com
aeronaves de maior capacidade, evitando assim se tornar alvo preferencial da
Boeing e da Airbus.
De uma maneira geral, a empresa brasileira sofre as dificuldades de situar-se
num país em que o custo de capital é altíssimo. Ainda assim, este fator por si só não
afeta tanto a competitividade da empresa visto a existência de linhas de
financiamento de longo prazo a baixos juros, oferecidas pelo BNDES para venda de
aeronaves como forma de equalizar as discrepâncias estruturais existentes no
mercado de capital brasileiro em comparação aos dos países em que se encontram
os concorrentes da Embraer (notadamente o Canadá, da Bombardier). Além disso, a
empresa brasileira utiliza significativamente as parcerias de compartilhamento de
risco para financiar seus projetos de acordo com o custo de captação de seus
parceiros nos seus respectivos países.
Por fim, a questão da pós-venda. De acordo com o vice-presidente da
empresa Luís Carlos Affonso, a assistência técnica da empresa é boa, mas ainda
precisa capacitar-se para atender adequadamente os clientes executivos,
principalmente nesta nova etapa com a qual a companhia se depara, que é a
priorização do mercado executivo através dos novos Light Jet / Very Light Jet. Em
relação a outros serviços de pós-venda, como MR&O (manutenção, reparo e
overhaul), a Embraer encontra-se em patamar similar ao de sua principal
concorrente, a Bombardier.
261
6 CONCLUSÕES
6.1 CONCLUSÕES GERAIS DO ESTUDO
Os dois objetivos deste estudo foram apresentados no primeiro capítulo:
Analisar sob o ponto de vista estratégico a evolução histórica da gestão
de alianças estratégicas da Embraer ao longo das suas mais de três
décadas; e
Compreender o efeito das alianças estratégicas da Embraer na geração
de vantagens competitivas sustentáveis e na construção de um
competidor global no setor de fabricação de aeronaves.
Para atingir estes objetivos, foi feito um estudo exaustivo a respeito da história
da empresa com ênfase especial na participação da mesma em alianças
estratégicas.
O primeiro objetivo foi atingido na medida em que o presente estudo analisa
parcela relevante da escassa literatura acadêmica sobre a Embraer e o setor de
fabricação de aeronaves brasileiro, bem como colhe depoimentos de dois dos
principais executivos da companhia. Apesar da importância das atividades da
Embraer para o país, relativamente poucos trabalhos acadêmicos sobre a
companhia e nenhum com o foco voltado a um aspecto estratégico de tamanha
relevância para os resultados da empresa como foram e o as suas alianças com
outras companhias.
Realizar a pesquisa sobre toda a história da Embraer foi uma tarefa permeada
por grandes dificuldades, entre as quais se destacam a coleta de informações para o
trabalho, a verificação de contradições nos eventos relatados e a determinação da
relevância de determinados dados.
Através da análise da história da Embraer puderam-se perceber claramente
os processos que descrevem e explicam a formação de um competidor global na
indústria aeronáutica. Gradualmente, foi possível compreender como a participação
da Embraer em cada projeto de sua história de mais de trinta anos, quase que
independentemente do sucesso ou fracasso comercial do mesmo, possibilitou à
262
empresa tornar-se um dos mais importantes fabricantes de aeronaves do mundo,
setor este caracterizado pela alta complexidade tecnológica e em que é inusitada a
presença de um competidor do Hemisfério Sul.
Pôde-se então verificar que em pouquíssimo tempo (basicamente dez anos,
durante a década de 70), a Embraer deixou de ser uma idéia abstrata (“fazer
aeronaves brasileiras”) alimentada por pesquisadores do IPD, engenheiros do ITA e
militares da Aeronáutica e tornou-se realidade com a criação e o desenvolvimento de
uma empresa extremamente competitiva no mercado internacional de manufatura de
aeronaves. Também foi visto que a década seguinte (anos 80) foi marcada por
avanços tecnológicos importantes e pelo início dos problemas financeiros da
companhia, em parte causados pela conjuntura desfavorável, em parte por erros
estratégicos da própria Embraer. As dificuldades e o fantasma da falência ainda
rondariam a companhia até meados da década de 90, quando a privatização e o
lançamento do programa ERJ-145 trariam novo fôlego e o excelente posicionamento
num dos nichos de melhores perspectivas na indústria aeronáutica, o de aviação
regional. Viu-se também que o programa ERJ-145 proporcionou capacidade
financeira para empreendimentos mais complexos, como o programa ERJ-170/190 e
o programa LJ/VLJ, que foi lançado recentemente.
Neste sentido, é importante reconhecer a importância das alianças
estratégicas na formação desta empresa e nos resultados que obteve. Tivesse a
Embraer optado por uma estratégia de independência tecnológica em cada etapa do
desenvolvimento e produção de aeronaves ao invés da interdependência com os
parceiros que lhe é característica – e talvez hoje não apresentasse a competitividade
que possui na disputa por mercado com seus concorrentes.
Em relação à estratégia da Embraer, é importante ressaltar o papel crucial do
Estado brasileiro no direcionamento e no incentivo à viabilização do
empreendimento. A Embraer gozou desde cedo de apoio estatal que, a despeito das
muitas amarras burocráticas que restringiam o funcionamento da companhia,
proporcionou reservas de mercado importantes e subsídios que se mostraram
decisivos para o seu sucesso. Para entender a importância do Estado no
desenvolvimento da Embraer, é importante analisar o desempenho dos outros
empreendimentos aeronáuticos privados criados no Brasil: nenhum deles conseguiu
263
atingir relevância significativa, o que é um indício relevante do valor da proteção
governamental na indústria aeronáutica. De fato, não existe nenhum fabricante de
aeronaves que tenha prosperado sem empenho do governo de seu país de origem.
O segundo objetivo deste trabalho também foi atingido na medida em que foi
analisado o efeito de cada aliança estratégica no desenvolvimento das vantagens
competitivas sustentáveis que hoje possui a empresa brasileira.
O vínculo existente entre os recursos da firma e a geração de vantagens
competitivas sustentáveis, proposto por Barney (1991), foi crucial para o
desenvolvimento do framework apresentado no subcapítulo 2.4, que estabelece a
ligação entre as alianças estratégicas e a geração de vantagens competitivas
sustentáveis. Através da análise das alianças da Embraer ao longo dos anos, pôde-
se observar a absorção e o aprendizado de novos recursos e entender os efeitos
que estes tiveram na geração das vantagens competitivas para a companhia.
Com relação aos desafios enfrentados pela Embraer, não é possível prever o
êxito futuro da companhia, visto que este trabalho possui caráter exploratório,
descritivo e explicativo, não possuindo assim função preditiva. No entanto, é possível
observar que a empresa brasileira encontra-se muito bem posicionada no nicho de
aviação regional, com produtos de reconhecida qualidade e preços inferiores aos
dos concorrentes, partindo agora para explorar o importante nicho de aviação
executiva através de seu programa LJ/VLJ e futuras aeronaves.
Na opinião do autor, a empresa deve continuar a aprofundar o grau de
utilização de alianças estratégicas em atividades que não sejam seus core
businesses. Tais alianças permitirão a mitigação dos riscos e a oportunidade de
financiamento a custo mais barato que o que poderia ser obtido pela empresa no
Brasil. Esta estratégia de utilização de alianças estratégicas, entretanto, não deve
ser executada de forma qualquer, sob risco de transferir tecnologia ou conhecimento
aos parceiros nos processos de desenvolvimento e produção, que se dão de forma
muito integrada. Esta transferência involuntária, se dada em grau elevado,
certamente tem o potencial de gerar futuros concorrentes. Aparentemente a Embraer
não possui uma estratégia bem definida para minimizar o grau de transferência de
tecnologia de ponta para as empresas parceiras, o que é um risco significativo para
264
a empresa. O comportamento oportunista de uma empresa parceira, como foi visto
no subcapítulo 2.2, é um dos principais riscos a que está sujeita uma companhia que
participa de aliança estratégica.
Também deve ser ressaltada como fator de alto risco para a Embraer a
estratégia (denominada coalizão de projetos) de subcontratação temporária de
engenheiros projetistas somente pelo tempo de duração do projeto. A alta
capacitação técnica de tais profissionais, ao invés de ser considerada um ativo
intangível precioso, passa a ser vista como dispensável devido a uma vio
econômico-financeira que carece de fundamentação estratégica. A Embraer, sob
pena de ver evadida parte significativa de seu conhecimento interno, deveria rever
essa estratégia e utilizar um foco menos voltado ao resultado financeiro imediato,
adotando uma perspectiva de longo prazo e implementando uma gestão mais
cautelosa do nível de conhecimento interno acumulado pela empresa.
Outro ponto a ser considerado é a perspectiva de longo prazo da Embraer.
Como pôde ser observado nas entrevistas realizadas com os vice-presidentes da
empresa, o investimento no setor de aviação executiva, inicialmente através da
aeronave Legacy e agora através do programa LJ/VLJ, foi a saída promissora que a
empresa encontrou para não ter que competir diretamente com a Boeing e a Airbus
em aeronaves de maior capacidade que a família ERJ-170/190.
Mas, vale perguntar, e quando o ciclo de vida dos jatos regionais e executivos
com que a Embraer atualmente compete se esgotar? Teria a empresa brasileira
capacidade de competir diretamente com Boeing e Airbus, ambas apoiadas por
governos muito mais influentes tanto política como economicamente? As respostas
para estas perguntas são incertas. É razoável supor, entretanto, que os nichos de
aeronaves regionais com capacidade menor que 100 passageiros e de aeronaves
executivas não desaparecerão. Eles continuam existindo, entretanto contando com
clientes cada vez mais exigentes, demandando incorporação de soluções
tecnológicas de ponta.
Também o risco do segmento de aviação regional perder relevância na
medida em que a aviação civil passe a usar outras configurações logísticas
diferentes do modelo hub-and-spoke, mas como este cenário é improvável, faz
265
sentido partir da premissa de que o mercado para aeronaves regionais continuará
sendo um nicho pequeno em comparação ao de grandes aeronaves, mas
suficientemente atrativo para uma empresa como a Embraer.
Desta forma, enquanto a Embraer mantiver-se tecnologicamente avançada
em comparação a seus concorrentes e partindo da premissa de que não
interesse da Boeing e da Airbus em desvirtuar o foco de sua disputa em grandes
aeronaves para entrar no segmento de aeronaves regionais e executivas, é razoável
supor que a empresa brasileira encontra-se em posição competitiva robusta.
Num cenário mais improvável, se a concorrência acirrada entre Boeing e
Airbus causasse a falência de uma das empresas e se o respectivo governo norte-
americano ou europeu não interviesse para salvar sua companhia nativa, isso
deixaria o segmento de grandes aeronaves com uma única grande empresa
monopolista, o que poderia vir a favorecer a entrada desta companhia num nicho de
aeronaves menores. Tendo em vista que não possuiria a necessidade de
elevados dispêndios de capital para manter sua posição frente a um competidor de
tamanho similar, esta empresa monopolista poderia apresentar novos programas
para competir em nichos como a aviação executiva ou regional. Um caso como este,
entretanto, é muito pouco provável, já que o interesse estratégico dos Estados
Unidos e da Europa em possuírem indústrias aeronáuticas fortes é evidente: seria
improvável que permitissem a falência da Boeing e da Airbus, respectivamente, por
pior que venha a ser a situação financeira destas empresas.
Ademais, para manter-se competitiva no mercado de aviões de capacidade
menor que 100 passageiros, a Embraer precisa diferenciar-se de sua principal
concorrente, a Bombardier. Atualmente, indícios suficientes que a Embraer vem
vencendo a disputa. Seus produtos apresentam maior qualidade e custos
operacionais mais baixos que os da Bombardier além de serem em geral mais
baratos (dependendo do financiamento oferecido ao cliente).
Outro ponto que diferencia a Embraer da Bombardier é o foco da empresa
brasileira. Ao contrário de sua maior concorrente, a Embraer é uma empresa de
aviação e não sinais de que pretenda fazer diversificações não relacionadas. A
266
empresa enxerga claramente os segmentos em que pretende atuar nos próximos
anos, quais sejam: aviação regional, executiva e militar.
A Bombardier, por sua vez, é uma organização semelhante a um
conglomerado, com negócios em várias áreas pouco correlacionadas, como aviação,
equipamentos de transporte ferroviário e serviços financeiros. Até pouco tempo
atrás, a empresa ainda dedicava recursos à unidade de negócio de produtos de
recreação (Bombardier Recreational Products), vendida em dezembro de 2003. Não
são claras as oportunidades de sinergia entre os processos de desenvolvimento,
fabricação e comercialização de produtos como equipamentos de ferrovias,
locomotivas, sistemas de propulsão e controle e de sinalização com os processos de
desenvolvimento, fabricação e comercialização de aeronaves.
Também indícios de que a Embraer possua administração mais
profissionalizada que a Bombardier. No caso da Bombardier, a família controladora,
que fundou a companhia em 1942 e ocupa dois cargos no Conselho (Board of
Directors), possui clara influência no rumo da companhia, o que transparece na
mensagem do Presidente do Conselho (Chairman of the Board) no relatório de
administração da Bombardier (2004), em que discorre sobre “a dificuldade
enfrentada pela família fundadora em desinvestir do negócio de produtos
recreativos, o segmento em que as atividades da empresa começaram e se
desenvolveram”. Assim como pode ter atrasado esta decisão, a influência da família
pode implicar na não implantação de outras medidas necessárias à boa condução
da companhia.
O caráter ainda familiar da Bombardier também pode ser percebido no final da
mesma mensagem do Presidente do Conselho, quando ele afirma que “os herdeiros
da família confiam no futuro da Bombardier e estão firmemente comprometidos com
o contínuo sucesso da empresa”.
Desta maneira, manter o foco é um imperativo para que a Embraer amplie
suas vantagens competitivas frente à Bombardier, na medida em que esta empresa
também precisa empregar esforços em outras unidades de negócios de seu
conglomerado, desvirtuando um pouco o foco do setor aeronáutico.
267
A empresa brasileira também deve aproveitar o momento favorável da
economia brasileira e de sua própria capacidade financeira para reestruturar parte
de sua dívida, que se encontra em níveis bastante elevados em comparação a seu
patrimônio líquido. Aproveitando a solidez dos fundamentos econômicos brasileiros e
a taxa de câmbio apreciada, a Embraer poderia analisar a quitação de parte de suas
obrigações em dólar ou, a exemplo de diversas empresas brasileiras, a rolagem da
dívida a taxas de juros mais favoráveis que as inicialmente obtidas.
Empresas brasileiras de capital nacional, como a Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD), e parcialmente nacional, como a Inbev (ex-Ambev), recentemente
foram promovidas ao investment grade por agências classificadoras de risco, ou
seja, seus tulos de dívida são considerados de baixa possibilidade de default. Isto
possibilita a obtenção de empréstimos a menor custo no exterior. Estes exemplos
demonstram que a Embraer, caso conseguisse diminuir significativamente seu
endividamento, poderia obter fontes de financiamento a juros mais acessíveis, de
forma a:
Reduzir a dependência de fontes de financiamento governamental (via
BNDES); e
Reduzir a dependência de parceiros de compartilhamento de risco para
financiamento de nos novos projetos. Desta forma, a empresa poderia
escolher parceiros segundo critérios puramente técnicos e/ou comerciais,
e não financeiros.
Como citado acima, a atualização tecnológica da Embraer nos avanços mais
significativos em fabricação de aeronaves é um imperativo para manter sua posição
de liderança no mercado de aviação regional. Neste sentido, uma das tecnologias
que deveria ser estrategicamente perseguida pela empresa é a de fabricação em
material composto. Apesar de dominar esta tecnologia para o uso moderado em
algumas estruturas aeronáuticas (partes da asa, por exemplo), a Embraer ainda não
domina completamente a técnica de material composto de forma a expandir o uso de
tal tipo de material a outras estruturas mais pesadas, como a fuselagem, diminuindo
assim de forma significativa o peso estrutural da aeronave. Assim, seria interessante
um esforço da companhia brasileira para adquirir este recurso, seja endogenamente
268
ou através de alianças estratégicas, pois este know-how específico está
despontando como um dos mais importantes para o desenvolvimento das aeronaves
da próxima geração.
Na verdade, a sugestão acima pode ser expandida para uma de caráter mais
geral: a Embraer deve buscar atualização tecnológica nas competências mais
relevantes para o desenvolvimento das aeronaves regionais e executivas da nova
geração. Estas competências poderão ser desenvolvidas internamente, através do
uso de seu corpo de engenheiros extremamente especializado, ou através de
alianças estratégicas com empresas que detenham o know-how. No caso de buscar
alianças com outras empresas para obter esta capacitação tecnológica, vale
salientar que são poucas as companhias que possuem algum conhecimento que não
é dominado pela empresa brasileira, entre as quais podem ser citadas Boeing
(fabricante de aeronaves civis e militares), Airbus (aeronaves civis) e Lockheed
Martin, Raytheon, British Aerospace, Northrop Grumman, Thales, Aérospatiale-Matra
e Dassault (aeronaves militares).
Assim, torna-se ainda mais positiva a decisão da Embraer de não ter partido
para o confronto direto com Boeing e Airbus em aeronaves single-aisle de 150
passageiros de capacidade, pois mantém aberta a possibilidade de promover
alianças estratégicas com estas empresas.
Por fim, a Embraer também deve analisar a viabilidade de promover uma aliança
estratégica com algum de seus sócios franceses (Thales, Aérospatiale-Matra,
Dassault e Snecma), absorvendo know-how específico para utilização em seus
próximos programas, que estas empresas possuem conhecimentos avançados
em aviação militar que poderão ser futuramente utilizados em aeronaves civis.
6.2 RECOMENDAÇÕES E SUGESTÕES DE NOVOS ESTUDOS
Conforme exposto em no subcapítulo 1.2, a análise da competitividade de
uma determinada empresa torna-se limitada se não é feita a análise detalhada de
seus competidores, tendo em vista que tal conceito é relativo. Assim, sugere-se um
estudo que analise o posicionamento competitivo da Embraer em relação a outras
269
empresas fabricantes de aeronaves, com foco não na empresa brasileira, mas
também nos competidores, de forma a compreender as competências chave tanto
dos atuais concorrentes como de potenciais novos entrantes. Um estudo como este
certamente traria à luz mais informações acerca da dinâmica competitiva da indústria
aeronáutica mundial.
Também seria bastante interessante a realização de um estudo que
abordasse especificamente a qualidade da gestão da cadeia de suprimentos (supply
chain). Neste estudo, foram verificados indícios de que a Embraer executa esta
função muito eficaz e eficientemente se comparada com a maioria dos outros
fabricantes de aeronaves. Porém, é necessário um estudo mais detalhado que
possa submeter à análise a propalada qualidade da gestão da rede de fornecedores
por parte da empresa brasileira vis-à-vis a de seus competidores.
Outro estudo relevante que pode ser sugerido é a análise da estrutura de
financiamento das vendas de aeronaves e a concessão de subsídios. Como o fator
financiamento costuma ser decisivo para a realização de uma venda, um estudo que
abordasse este tema certamente seria importantíssimo para a compreensão
aprofundada da indústria aeronáutica. No entanto, por ser um tema envolto por sigilo
e disfarçado por criativa engenharia financeira, esperar-se-ia dificuldades na
execução de um estudo deste tipo.
Por fim, seria muito interessante elaborar um estudo para analisar de que
forma a estratégia de parceria de compartilhamento de risco utilizada tão
intensamente e com tanto sucesso pela Embraer poderia ser replicada em empresas
brasileiras de outras indústrias. Num país com tão baixa disponibilidade de crédito e
taxas de juros tão elevadas, a parceria de compartilhamento de risco poderia vir a
ser uma solução para o financiamento de projetos a custo de capital mais reduzido,
proporcionando a mitigação dos riscos de mercado da empresa empreendedora com
seus parceiros.
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APÊNDICE A – Entrevista concedida pelo Eng. Luís Carlos Affonso, Vice-
Presidente de Aviação Corporativa da Embraer
Data: 22/07/2005, sexta-feira
Luis Eduardo Coelho Para começar, gostaria de saber quais os projetos em que
você participou. O senhor se formou no ITA mais ou menos em 80, não é?
Luís Carlos Affonso – Em 82.
LEC – 82, não é?
LCA – Na famosíssima turma 82. (risos). Meu primeiro projeto foi o Brasília. E depois
o CBA-123, que foi feito em parceria com a Argentina. E depois o 145 e o 170/190.
Na verdade eu participei também um pouco de alguns projetos militares, o ALX e o
SIVAM, mas foi uma participação menor, mais esporádica. Nestes eu participei
intensamente (aponta para as anotações sobre os projetos Brasília, CBA-123, 145 e
170/190).
LEC – No começo era “engenheirão” mesmo, não é?
LCA Eu entrei como engenharia, engenharia de sistemas, daí fui progredindo na
área de engenharia até me transformar no diretor de engenharia. Bom, durante
alguns anos eu fui o responsável técnico pela Embraer. O vôo do 145 foi com meu
CREA, o primeiro vôo do 145 (risos). E eu fiquei nessa posição, daí eu passei para a
área de gerência de programas. Foi uma área nova na Embraer que na verdade eu e
o Satoshi criamos e eu fui o primeiro diretor de programas nesse novo formato da
Embraer, com gerentes de vários programas debaixo de mim. E eu fiquei nesta
posição até o lançamento do 170/190. Eu virei o responsável pelo programa 170/190
desde antes dele existir, com a responsabilidade de fazer o plano de negócios, o
business plan. Foi aprovado, aí desenvolvi até fevereiro deste ano, quando mudei de
área. Agora estou com a área de aviação executiva.
LEC Tá. Desses projetos aqui que você falou, Luis, pelo que eu já li, no Brasília
não teve muita aliança...
LCA – Foi bem verticalizado.
290
LEC Foi bem verticalizado. O 123... quer dizer, foi uma ascendente, né... o 123
(teve) um pouco mais (de alianças)...
LCA – É.
LEC – ... acho que se pensou até em um pouco de risk-sharing no 123, não foi?
LCA Não muito, não muito. Na verdade havia o parceiro estratégico que era a
Argentina, mas que na época também estava numa situação muito difícil e eles
acabaram não conseguindo desempenhar o previsto. Eu diria que a estratégia
mesmo de parceria de risco como a gente conhece hoje ela começou no 145.
LEC – No 145.
LCA – É.
LEC Tá. Hoje em dia esses projetos de cooperação com muitas alianças são uma
tendência do setor aeronáutico. A Embraer está fazendo isso aí, não é? Eu queria
entender um pouco se a Embraer faz, se executa gestão de projetos, integração de
sistemas, esses acordos de cooperação de uma forma mais eficaz que outros
players do mercado e se tem algo que nos diferencie nisso deles, toda essa questão
da gestão da cooperação entre diversas empresas em várias partes do globo.
LCA Eu acho que a Embraer foi bastante inovadora, até por necessidade, eu diria,
no programa e no projeto 145, porque foi uma situação de crise na Embraer em que
as parcerias na verdade viabilizaram o programa. Então até por necessidade a
Embraer foi mais, eu diria, criativa e mais agressiva do que as outras empresas.
Então eu acho que nós tivemos uma certa liderança nesse processo. Nós não
sabemos com detalhes o que os concorrentes fazem, mas a minha impressão é que
nós temos, eu diria, inovado no 145 e depois de novo no 170/190.
LEC E como que se manifestava essa inovação? De que forma poderia se dizer
que a Embraer realmente é mais inovadora? O que é que se faz de diferente?
LCA Eu acho que é o nível de participação dos parceiros. Qual o conceito da
parceria no caso desses programas? É um conceito de divisão de riscos comerciais,
redução de investimento, redução da necessidade de mão-de-obra também. o é
291
o investimento, é você ter a disponibilidade de pessoas treinadas. Elas andam
juntas, mas são diferentes. Então esses são os principais benefícios. A gente
poderia pensar também que através dessas parcerias a Embraer agregaria
tecnologia. Nesses programas não houve grande agregação de tecnologia dos
parceiros.
LEC – A expectativa era que....
LCA Eu até quero fazer um parêntesis: eu diria que como a Embraer participou de
outros programas que eu não mencionei aqui (aponta para as anotações sobre os
projetos Brasília, CBA-123, 145 e 170/190), em que na verdade nós fomos parceiros
de outros aviões, como, por exemplo, o flap do MD-11, que é um flap totalmente de
carbono, e, por exemplo, peças para aviões da Boeing, aí sim nós éramos os
parceiros de um outro integrador. E neste caso, então, o integrador transferia as
suas tecnologias para que nós, enfim, fabricássemos peças para ele.
LEC – Aprendeu muito de material composto...
LCA Então houve um progresso em particular nessa área de material composto
com o MD-11, porque apesar de nós termos feito o projeto, nós tínhamos que seguir
uma série de normas e, enfim, regras de projeto que acabaram resultando num certo
aprendizado. E nessas parcerias (do 145), eu diria que os objetivos eram aqueles,
o objetivo não era a tecnologia. Tanto que o que houve foi até o contrário, foi a
Embraer transferindo tecnologia. No caso do 145, eu diria um exemplo pico, nós
escolhemos a Gamesa como parceiro para a asa. E a Gamesa na época
simplesmente não existia.
LEC – Não sabia fazer nada.
LCA Não, ela não tinha essa competência e... mas por que (a Gamesa tornou-se
parceira)? Porque a Embraer estava numa situação bastante difícil, era um risco
para a Gamesa, mas era uma oportunidade. A Gamesa muito provavelmente não
conseguiria fazer uma asa para a Boeing ou para uma outra empresa. Então, havia o
risco para a Embraer de escolher uma empresa que não existia e o risco também da
Gamesa de fazer uma asa para uma empresa numa situação tão difícil quanto
estava a Embraer. Então houve uma conjunção de interesses, mas na prática o que
292
ocorreu foi: a Embraer transferindo tecnologia e essa empresa ajudando a financiar
o projeto. Ela viabilizou o projeto através de investimentos, seja na sua própria parte,
sejam investimentos na parte que a Embraer tinha.
LEC – E como é que era o gerenciamento do risco de se transferir muita tecnologia e
eventualmente gerar um novo competidor aí no futuro? Existe essa preocupação?
LCA – Na verdade no caso da Gamesa houve sem dúvida a transferência de
tecnologia para a fabricação de peças, de componentes, de subconjuntos, digamos.
Mas não na fabricação de um avião. Então existe uma diferença bastante grande.
Quer dizer, a função do fabricante de avião é uma função de integrador: a
concepção aerodinâmica, a integração de sistemas, essas sim são as competências
essenciais do fabricante de aviões. E essas não foram transferidas para eles
(inaudível) de forma nenhuma. E o negócio da Embraer não é fabricar subconjuntos,
nisto não somos bons. Existem outros lugares com taxas-hora, com custo de o-
de-obra ainda menores do que o da Embraer e com custo de capital também menor,
os países asiáticos, que então conseguem fazer esses subconjuntos de forma mais
competitiva que nós. Então o nosso core business não é subconjuntos. Na verdade
não estávamos criando um competidor.
LEC Então quando você fala que a Embraer está fazendo muito bem a divisão de
riscos, redução de investimentos, redução da necessidade de mão-de-obra... se a
Embraer de certa forma está fazendo isso mais inovadoramente que os outros
competidores talvez possa se dizer até que, com o montante do investimento total, a
Embraer consegue investir um porcentual menor do que as parcerias de risco que a
Boeing está fazendo, as parcerias que a Bombardier está fazendo...
LCA É... Como eu disse, eu não conheço os detalhes, não são divulgados, mas a
impressão é essa. E eu acrescentaria mais uma linha aqui (aponta para as
anotações sobre divisão de riscos, redução de investimentos e redução da
necessidade de mão-de-obra) que é a questão do mercado. Existem mercados que
se abrem quando você tem um parceiro local.
LEC – De lá.
LCA – Então existe também essa função.
293
LEC Perfeito. Agora, queria que você, Luís, falasse um pouquinho mais na
medida do possível, pois eu sei que é algo que está acontecendo agora do projeto
Light Jet / Very Light Jet. A minha impressão de quem está de fora é que é um
excelente projeto, mas que ao mesmo tempo não parece suficiente para manter o
crescimento da empresa no patamar que foi o crescimento do 145, 170 e 190.
Parece que é um nicho de mercado, mas que é um mercado bem menor do que o
explorado até hoje. Então queria que você falasse um pouco qual é a expectativa da
empresa com relação a esse projeto, se é o próximo big shot mesmo da empresa e
eu estou enganado, ou se não.
LCA Na verdade, o que ocorre é que a Embraer hoje cobriu toda a faixa da
aviação regional até médio porte. Aviões menores do que o 135 não faz muito
sentido do ponto de vista de custo. Maiores do que o 195 seria enfrentar diretamente
Boeing e Airbus: alto risco. Nossa área de defesa é uma área importante, mas que
nunca terá uma escala global. Nós nunca vamos competir com a Lockheed Martin ou
com a General Dynamics. Não é um mercado livre de fato. Então a nossa principal
fronteira de expansão é a aviação executiva. Então, na verdade, Light Jets o
projetos importantes, mas eles não são os únicos na área de aviação executiva.
Então o crescimento da Embraer deverá ocorrer nesse segmento, mas não com
esses produtos. Nós esperamos poder ao longo dos anos colocar vários, vários
produtos, vários produtos. E aí sim manter o crescimento da Embraer.
LEC Tá. E até me chamou a atenção pouco tempo atrás uma entrevista, acho
que do Maurício Botelho no Roda Viva (programa da TV Cultura), falando que a
Bombardier estaria fazendo uma besteira em entrar no mercado aeronaves maiores.
LCA Alto risco. É alto risco, porque Boeing e Airbus têm um poder de fogo muito
grande. (...) Mas em bases unicamente comerciais e de mercado é um investimento
de altíssimo risco. Agora se você não precisa repagar o investimento, você pode
fazer um pouco mais tranqüilo (risos)
LEC Mas quer dizer que a estratégia hoje da Embraer, então, é evitar ao máximo
possível a competição com Boeing e Airbus?
LCA Neste momento é. Quer dizer, neste momento em que nós temos o
desalojamento do 170/190, uma sobra de recursos humanos e de recursos
294
materiais, capacidade de investimento, o foco está sendo aviação executiva com
uma certa família de aviões que vão complementando o Legacy.
LEC – Entendi. Mas se for pensar, digamos, 20 anos à frente, a Embraer tem
alternativa a não competir com a Boeing e a Airbus ou é inexorável, uma hora vai ter
que partir pro campo (de batalha)?
LCA Não sei. Essa é uma decisão que vai ter que ser tomada mais à frente, não é
(sorri)? Por enquanto existem caminhos de menores barreiras, esse é o fato. Então
por que ir pelo caminho de maiores barreiras se existem caminhos de menores
barreiras de entrada?
LEC – Tá.
LCA Então eu diria que é uma decisão até comparativa. Acho que dizer que a
gente nunca vai entrar, eu acho que a gente não pode falar de um futuro tão distante
assim.
LEC Perfeito. De que maneira você avalia o posicionamento competitivo da
Embraer em relação aos competidores, tanto os competidores que estão no
mercado hoje em dia, quanto os potenciais novos entrantes? Quais são as
tecnologias e as capacidades internas da empresa que fazem com que a gente
possa competir bem com os atuais e que a gente possa manter afastados os que
ainda não estão no mercado?
LCA Eu diria que a Embraer de hoje é o resultado da mescla de duas culturas: a
cultura pré-privatização, com forte orientação técnica e tecnológica, quando se
desenvolveu uma capacidade de desenvolvimento e de produção fora de série,
muito sólida; e depois da privatização, (quando) também agregamos capacidade de
gestão, capacidade na área financeira e mesmo na área comercial que nós o
tínhamos anteriormente. Então eu diria que a Embraer ela é muito forte nessas
questões todas que, por exemplo, uma empresa nova, uma start-up, ela não tem.
Não tem nenhuma capacidade de desenvolvimento, não tem capacidade de
produção, não tem a rede de assistência técnica no mundo. Então são várias
barreiras de entrada. Qual que é a principal desvantagem da Embraer? A principal
desvantagem da Embraer é o custo de capital do lugar onde ela está. O ambiente
295
em que nós vivemos no Brasil é um ambiente em que capitais para desenvolvimento
de longo prazo, financiamento de desenvolvimento e financiamento à venda são
muito escassos. E eu diria que hoje, comparativamente, a Embraer é o fabricante
pior posicionado se nós comparamos Boeing, Airbus, Bombardier, em relação a esse
quesito. Então, voltamos, fechamos a malha nas parcerias. Quer dizer, as
parcerias para nós no fundo (são) o caminho da viabilização dos nossos
investimentos e dos nossos programas, do nosso futuro.
LEC – Realmente se consegue dinheiro com um custo de capital menor, através das
parcerias...
LCA É uma forma de financiar o desenvolvimento, eu acho que é uma forma pela
qual nós conseguimos financiar nosso desenvolvimento. E, é claro, se um parceiro
está financiando uma parcela do desenvolvimento, esse financiamento é feito a um
custo de capital lá de fora, dele. E, por exemplo, a gente aí no noticiário a... o
nosso competidor, com a intenção de lançar um competidor do 170/190, obteve US$
700 milhões, a fundo perdido, e mais duzentos ou trezentos (milhões de dólares) na
Europa.
LEC – Foi só para P&D?
LCA – São investimentos, nós não temos detalhes, mas, enfim... Agora, ainda
voltando às vantagens, eu deixei de falar algo importante: a Embraer, mais uma vez
por necessidade, nós temos... e acho até uma satisfação ver... nós temos um lean
design, lean development, lean production, que eu diria estarem num estado da arte
e nada como esse novo programa para demonstrar isso. Nós fizemos... nós estamos
terminando de fazer quatro aviões diferentes, 170, 175, 190, 195, com alguma coisa
como US$ 850 milhões, condição econômica de 99. Hoje... (em) dinheiro de hoje
seria alguma coisa como novecentos e cinqüenta (milhões de dólares). E nós vemos
que o cana... o nosso concorrente ele não está fazendo quatro aviões, ele está
fazendo dois modelos, e vai gastar US$ 2 bilhões. Então é um fator de quatro que
nós estamos falando.
LEC – E mais rápido, o time-to-market...
296
LCA É uma percepção... uma identificação do mercado pior do que a nossa, e um
ciclo maior do que o nosso. Então, acho que nós temos essas vantagens e, aliás, é
por isso que nós estamos aí no mercado. Apesar dessa desvantagem estrutural que
é muito grande, é muito grande.
LEC – Entendi. Aí com toda essa capacidade, digamos, lean, da Embraer, do
projeto, desenvolvimento, produção, ela acaba gerando custos menores e um time-
to-market menor. Seria mais ou menos esse o sentido...
LCA Custos de desenvolvimento menores e um time-to-market menor.
Exatamente. E depois eu acrescentaria que nós também temos a vantagem do custo
de mão-de-obra ser menor. Também o custo de produção é um pouco menor. Mas
essa diferença grande não é feita por causa do custo de mão-de-obra. Não seria
possível, porque nem tudo é mão-de-obra. Então não é só o custo de mão-de-obra,
são também os nossos processos. É o jeito Embraer de desenvolver e fabricar os
aviões.
LEC Ótimo. Uma coisa que parece, para quem está de fora, quem estudou, quem
leu sobre a companhia, em papers e livros, é que... bem, o foco da empresa se dá
em quatro eixos: desenvolvimento, a integração de sistemas, a pós-venda, que
envolve a assistência técnica e a questão da comercialização, que envolve
marketing, esforço de vendas, etc. É nisso que a empresa foca-se hoje.
LCA É, eu acho que é importante dizer que aqui você tem marketing (aponta para
o eixo de desenvolvimento desenhado no papel) e aqui (aponta para o eixo de
comercialização desenhado no papel), na verdade, é outra vertente do marketing
que seria mais a promoção de vendas. Mas aqui (no desenvolvimento) tem um
marketing importante. Faz toda a diferença pra você lançar um projeto na hora certa
e com as características corretas, o marketing aqui (no desenvolvimento) é o
marketing “antes”. E aqui tem o marketing “depois”, que é pra vender, né.
LEC – A minha pergunta aqui... quer falar alguma coisa?
LCA – Não, eu ia só dizer que tem uma outra...
LEC – Tem outro eixo?
297
LCA – Não, você colocou aí desenvolvimento... aqui embaixo é o que?
LEC Integração de sistemas. Integração de sistemas, toda essa questão de
(inaudível)
LCA – Ah, então integração de parceiros?
LEC – Exatamente.
LCA – Porque integração de sistemas está dentro de desenvolvimento...
LEC – Tá.
LCA Integração de sistemas, integração de estruturas, ensaio em vôo, isso tudo
está em desenvolvimento. Existe a integração dos parceiros...
LEC – Perfeito. Que é mais a questão de gestão...
LCA Mais que a questão de gestão. Existe a integração da máquina, a integração
dos parceiros de negócios. Não sei se é assim que você escreveu aí.
LEC – Isso. Perfeito.
LCA – Depois, não sei onde apareceu aí (no papel) a produção.
LEC – A produção... tá. Então seria um quinto eixo.
LCA Você tem que introduzir. É uma questão importantíssima o nosso negócio é
complexo –, mas tem também o financiamento. Talvez você queira colocar dentro da
comercialização. Mas é preciso financiar. Quer dizer, é uma das capacidades que é
preciso ter para financiar... mas você ia fazer uma pergunta.
LEC É o seguinte: uma boa parte dessas competências, pelo que eu entendi,
foram adquiridas de acordo com as parcerias que aconteceram. Por exemplo, a
questão da assistência técnica, pelo que eu li... você não estava ainda na empresa,
mas deve saber muito bem... foi adquirida com o projeto do Xavante, quando
adquiriu todo um aprendizado de como é que a Macchi fazia a assistência técnica e
pós-venda pros clientes.
LCA – Olha, a Macchi foi principalmente produção...
298
LEC – Produção. Também.
LCA ... foi o aprendizado. Alguma coisa de assistência técnica, mas eu acho que
nossa maturidade na assistência técnica veio depois. Porque é muito difícil, é muito
diferente você fazer assistência técnica, por exemplo, num cliente militar no seu
país. E, agora, você fazer assistência técnica no mundo, (em) vários clientes, então
eu diria que nós começamos com o Brasília e eu diria que adquirimos uma
maturidade com o 145. E como o 145 possui uma frota muito mais espalhada no
mundo, muitos na Europa, muitos nos Estados Unidos...
LEC – E hoje a assistência técnica da Embraer é reconhecidamente boa...
LCA – Ela é boa.
LEC – É boa.
LCA – Ela é boa. É difícil, enfim, de ser implementada. Nós temos um desafio agora,
eu tenho esse desafio, na área de aviação executiva. Nessa nova fronteira que nós
estamos abrindo, teremos que nos capacitar novamente pra um desafio que é
diferente: o suporte ao cliente individual, que não tem rotas pré-determinadas, pré-
definidas. Então é uma assistência técnica diferente. Eu diria que nossa assistência
técnica está boa, mas nós temos que nos readaptar agora com esse novo foco.
LEC – Tá. Outra coisa que eu aprendi também foi que a questão da comercialização,
essa questão de marketing, esforço de vendas, foi muito forte também na parceria
com a Piper, na década de 70. Parece que toda a estrutura de vendas da Embraer
foi montada inspirada na parceria com a Piper. Não sei se você é dessa época...
LCA – Eu não sou dessa época. Pergunta pro Satoshi, pergunta pro Satoshi. (risos)
LEC – Tá.
LCA – Eu não saberia dizer.
LEC Não, tudo bem. Mas no que eu quero chegar é o seguinte: toda essa questão
do desenvolvimento e da integração de sistemas que vem de diversas empresas,
como se fosse uma montadora de automóveis, onde é que isso foi desenvolvido ao
longo da história da empresa?
299
LCA Isso foi desenvolvido, eu diria, pelas nossas equipes para enfrentar desafios.
E eu diria que os dois desafios que ocorreram simultaneamente em que a Embraer
deu um salto quântico na sua capacidade de integração foi no Brasília e no AMX.
Foram dois projetos que ocorreram simultaneamente nos anos 80, início dos anos
80. O Brasília foi o primeiro avião PART 25, ou seja, requisitos realmente complexos
e de alto nível quanto à integração, análise de falha, análise zonal, que significa, do
ponto de vista instalativo... se você for ver, tanto do ponto de vista funcional quanto o
instalativo, a Embraer pôde aprender muito. A Embraer enviou engenheiros para
fazer cursos no exterior, em universidades de renome, sobre, como fazer, por
exemplo, análise de falhas, coisas deste tipo. E o AMX, que ocorria
simultaneamente, também foi um avião no qual a Embraer aprendeu a fazer
integração de sistemas com um software em tempo real, quer dizer, a Embraer
desenvolveu software embarcado, com processamento em tempo real. Então toda a
parte de pontaria de armas do AMX foi feita pela Embraer rodando em computador
feito por terceiros, hardware feito por terceiros, mas o software feito pela Embraer.
Então, foi adquirida toda uma tecnologia de desenvolvimento, de certificação e
testes e de integração com vários outros sensores. Então, você imagina... eu tive a
oportunidade de participar um pouco (desse projeto). Antigamente, na II Guerra
Mundial, como você soltava uma bomba? Você vinha com o avião num ângulo
constante, colocava ali na mira, tava na mira, solta, e vai lá, então tinha um...
chamava-se colimador, que calculava a trajetória que a bomba faria, então ele
apontava para aquilo. que você imagina como era fácil abater um avião vindo
numa reta constante. Então, por exemplo, o AMX tem um sistema de pontaria de
armas em que o avião pode entrar variando velocidade, trajetória, o que for, puxando
G, que ele (o sistema) fica em tempo real calculando o ponto de impacto. Então você
poder vir numa manobra evasiva, fugindo de mísseis e, no que for o momento em
que ele (o avião) passar em cima, se soltar a bomba, vai lá. Então você imagina a
capacidade que tem que ter de cálculo em tempo real e de integração. Porque esse
computador não está fazendo conta, mas ele está fazendo aquisição de dados:
qual é a velocidade, qual é o fator de carga, qual é a altitude, qual é a distância do
solo. Então, eu diria que ambos os programas tiveram rigs de integração. O Brasília
teve um rig de integração principalmente mecânico, elétrico, hidráulico, e o AMX teve
um rig de integração eletrônico, aviônica, todos esses sistemas. A maioridade de
integração de sistemas da Embraer foi nesses dois programas. Isso depois só
300
cresceu, eu diria que culminou no 170, que é um programa enorme, muito desafiador
do ponto de vista de integração de sistemas, com o avião fly-by-wire, de aviônica
totalmente integrada.
LEC – Tecnologicamente, o 170/190 é um avião...
LCA – Estado da arte. Estado da arte. Hoje não tem um avião com o mesmo nível de
integração, o mesmo nível de avanços tecnológicos que o 170/190. Quando o A380
e o 787 estiverem certificados, vão ter mais dois no mercado. Mas o 170, hoje não
tem pra ninguém, não tem pra ninguém.
LEC – O 145 era simplesinho ao máximo, né?
LCA O 145 ele foi um avião mais simples, foi um avião simples até em função da
situação que vivíamos.
LEC – Deixe-me ver se há mais alguma coisa... como é que está de hora aí?
LCA – Não, beleza. Mais um pouquinho dá pra agüentar.
LEC um comentário que eu queria fazer também. Até que ponto as alianças
passadas da empresa... quer dizer, a primeira vez que a empresa fez, como você
falou, parceria de risco pra valer mesmo foi no 145, não foi? Até que ponto as
alianças passadas da empresa, as parcerias passadas da empresa mesmo não
sendo risk-sharing contribuíram pra esse programa 145 e essa gestão do...
LCA – Acho que contribuíram bastante. O AMX foi um ensinamento grande de
parceria. Está em outro modelo. Não é exatamente uma parceria de risco, mas foi
uma parceria no desenvolvimento e depois na produção. E as parcerias do flap do
MD-11, acho que elas, sem dúvida... sem dúvida com elas se aprendeu muito: como
se relacionava com o parceiro, questão contratual, questão da gestão.
LEC Agora eu pergunto: por que o AMX não seria uma parceria de
compartilhamento de risco se a Aeritalia, a Macchi e a Embraer entraram cada uma
com sua parte do investimento?
LCA – Não, você pode chamar assim...
301
LEC – Pode chamar assim...
LCA ... mas a diferença que existe é que no AMX houve uma parceira entre
construtores de avião...
LEC – Tá.
LCA ... e o que nós chamamos de parceria de risco é uma parceria entre o
construtor do avião e fornecedores ou de subconjuntos ou de sistemas, é diferente.
você pode dizer que é uma parceria para desenvolvimento e produção. O que
nós realmente chamamos de parceria de risco... qual que é a definição da parceria
de risco? É alguém que investe num projeto e corre o risco de mercado. Por que
antigamente, muitos anos atrás, quando se começava a fazer um avião, e você
chamava alguém pra desenvolver um, por exemplo, trem-de-pouso, esse fabricante
falava: “olha, eu desenvolvo o tempo todo. Faço todo esse investimento aqui, são
vários milhões de dólares. Porém eu quero que você me garanta que vai me
comprar no mínimo 100 unidades”. E aí, então, quem acabava correndo todo o risco
de mercado era o fabricante do avião, que tinha que contratar um fornecedor de
equipamento. A mudança que houve com a chamada parceria de risco é uma
oportunidade de “você vender seu trem-de-pouso. Em cima dele, você investe no
seu desenvolvimento. Se vender, vendeu. Você está levando seu retorno, eu o meu,
mas o seu retorno está embutido no preço do equipamento: eu não vou lhe garantir
uma compra mínima”. Ou seja, o fabricante do equipamento corre junto com o
fabricante do avião o risco comercial, tem que acreditar que aquele avião terá
sucesso no mercado. através de sucesso no mercado é que ele obterá o seu
retorno. Então, é um pouco diferente de quando você pega dois fabricantes se
dividindo pra fazer um... é também uma parceria, que também está diminuindo o
risco, mas é um...
LEC – Um conceito diferente...
LCA – É um conceito diferente.
LEC – Luís, você participou do MD-11, dos flaps?
LCA – Não.
302
LEC – Não.
LCA – Nesse eu não tive participação nenhuma. O Satoshi conhece um pouco.
LEC – Conhece, né.
LCA ... ele participou. Eu o... realmente, nesse eu não tive participação
nenhuma.
LEC – O principal conhecimento nele foi material composto, né? Pelo que eu li...
LCA – Eu diria que é material composto e eventualmente sistemas de gestão
também.
LEC Tá. Material composto é hoje o know-how, que gera uma vantagem
competitiva sustentável mesmo? Evita que empresas que não sabem mexer com
material composto entrem e tenham uma aeronave operacionalmente eficaz?
LCA Olha, o material composto é uma vantagem competitiva e você pode ver que
aviões mais recentes, como o 787, o A380, estão usando um percentual maior de
material composto. Inclusive em estruturas a inusitadas: o 787 vai ter o tubo da
fuselagem de (material) composto. Aliás, existem aviões menores que tinham isso. O
Premier, os jatos executivos pequenos. Mas é um first, num avião daquele tamanho,
toda a fuselagem em composto. Então, é uma vantagem competitiva. Mas eu
realmente acho que a principal barreira de entrada de um novo fabricante é o
conjunto das coisas, porque a nossa indústria é tão complexa que é preciso ser forte
em todas essas facetas que você desenhou ali há pouco. E então não é uma nica)
barreira de entrada, eu diria que é o conjunto.
LEC – Tanto que os japoneses estão aí há trinta anos tentando...
LCA E eles, por exemplo, até têm tecnologia: metal, material composto, disso,
daquilo. A questão é você ter a tecnologia da integração, você verificar o mercado,
bolar um produto, depois ser bom em tudo: na produção, no suporte, no
financiamento de venda. Eu diria que essa é a principal barreira de entrada.
LEC Tá. pra terminar: e as parcerias com a Boeing de que você falou, os
contatos com a Boeing, você participou deles?
303
LCA – Não. Eu não participei desses subconjuntos.
LEC – Só sabe de ouvir falar, né?
LCA – É. O Satoshi eu acho que participou sim.
LEC – No que é que o Satoshi não participou, né?
LCA É, participou de tudo (risos). Aliás, você explore bastante o 145 com ele,
porque ele foi o mentor aí das parcerias. Ele foi realmente o ...
LEC – A idéia das parcerias de risco...
LCA Ele foi um grande puxador, ele foi um enorme puxador. Claro, eu gosto de
dizer que na nossa indústria não tem nada que tenha sido feito por uma pessoa só.
Por mais que acabe significando (o trabalho da pessoa). Mas é sempre um trabalho
de equipe, então existem várias outras pessoas que escreveram, contribuíram, mas
o Satoshi foi uma pessoa-chave.
LEC – Certo. A Bombardier, no CRJ-200, o competidor do 145, eles fizeram também
com parceria de risco?
LCA – Não.
LEC o. Agora essa nova família deles, que vai competir com os nossos (190 e
195), eles pretendem, não é?
LCA – (Assente com a cabeça)
LEC Entendi. E teriam sido indicados quem serão os parceiros deles? Ainda
não...
(Nesse momento a fita é interrompida. O Sr. Luís Carlos Affonso responde que ainda
não são conhecidos os parceiros da Bombardier no programa CSeries 110 e
CSeries 130. É a última resposta. A entrevista é encerrada.)
304
APÊNDICE B – Entrevista concedida pelo Eng. Satoshi Yokota, Vice-Presidente
Executivo de Desenvolvimento e Indústria da Embraer
Data: 22/07/2005, sexta-feira
Luis Eduardo Coelho Primeiro, para começar, como a dissertação é a respeito das
alianças estratégicas, gostaria de saber quais foram os projetos em que o senhor
participou ao longo da sua história aqui na Embraer. De que projetos o senhor
participou desde o começo da empresa?
Satoshi Yokota Participar eu participei de praticamente todos: Bandeirante, Xingu,
Tucano, AMX...
LEC – O senhor começou aqui como engenheiro mesmo?
SY – (Assente com a cabeça)
LEC – Qual era a área?
SY – Sistemas.
LEC – Mesma área que o senhor Luís Carlos, não é?
SY – É.
LEC OK. Primeiro eu queria saber o seguinte: o senhor participou do projeto
Xavante?
SY Ah, o projeto Xavante não foi um projeto, foi absorção de conhecimento de
produção, porque foi comprada a licença de fabricação mesmo.
LEC – Foi comprada a licença, não é?
SY Não, foi contratada. Não sei exatamente (se foi) comprada, mas em troca de
fornecer material, sei lá, não sei exatamente, mas houve transferência do know-how
de industrialização.
LEC – Entendi. (Então o) principal conhecimento adquirido nessa parceria foi o
know-how de fabricação, de produção...
305
SY Não, na realidade é um pouco mais complexo. Como foi o primeiro grande
projeto estruturado, serializado de que a Embraer cuidou, ele serviu de inspiração
para estabelecer uma série de processos, normas, procedimentos, que a Embraer,
originária de um instituto de pesquisa, não dominava, e nunca teve como objetivo...
sobre definição de produto, como fazer a fabricação, controlar a ordem de fabricação
e qualidade.
LEC Entendi. E com relação à parceria com a Piper, o senhor participou dessa
também?
SY A parceria com a Piper... Como o Xavante era um projeto basicamente militar,
de treinamento militar, ele tinha características de produto militar, que em geral são
um pouco mais sofisticados, mais complexos e mais caros. E o projeto Piper fez um
contraponto, porque era um avião muito mais barato, dentro de aviação geral,
monomotor/bimotor, produzido em larga escala e tem que ter preços muito menores.
Então a forma como isso é feito serviu de contraponto aos processos do Xavante. É
um equilíbrio e nos a perspectiva de como otimizar as coisas conforme a
necessidade.
LEC Entendi. Um pouco pelo que eu li a Piper teria sido muito importante na
aquisição de know-how de comercialização de aeronave, força de venda, etc. Isso
daí é fato, ou não é tanto assim?
SY Não sei. eu não sei se foi um bom exemplo não. Familiaridade, sem dúvida
deu.
LEC – Tá. O engenheiro Luís (Carlos Affonso) pediu para eu focar muito no senhor a
respeito do projeto 145. Imagino que talvez foi o projeto do qual o senhor tenha
participado que mais o orgulhe. Então, queria saber um pouco do senhor, com
relação ao 145, primeiro que o senhor falasse a respeito dele e segundo de que
forma a Embraer faz hoje em dia esses projetos de cooperação industrial com outras
empresas diferentemente de outros players do mercado... esta questão de
compartilhamento de risco, tudo isso.
SY Esse conceito de parceria de risco, compartilhamento de risco, na realidade
não é um... ovo de Colombo. Isso existe em vários graus de intensidade de
306
aplicação. O que eventualmente a Embraer fez foi elevar o patamar de envolvimento
dessas empresas. Acho que poucos projetos anteriores foram feitos com um grau de
parceria de risco desse tipo. e houve projetos com parcerias, mas parcerias mais
equilibradas, em que duas ou três empresas se juntam. Por exemplo, o AMX...
LEC – O AMX...
SY O AMX, (com) Embraer, Alenia e Macchi. Então temos três parceiros
relativamente equilibrados e que em conjunto fazem o produto. O ATR também.
Então isso existia muito. Ou existia o modelo em que o dono do produto, Boeing,
Airbus, faz a aeronave e eventualmente passa algumas coisas para parceiros que
investem a risco. Na Embraer, no 145 especialmente, o volume de atividades
passadas para parceiros de risco é que foi muito maior, inclusive coisas que talvez
fossem incomuns até a época, como, por exemplo, a asa do avião.
LEC Entendi. E isso daí se mantém hoje em dia. Hoje em dia nas parcerias de
risco da Embraer os parceiros o muito mais envolvidos do que nas parcerias de
risco de outros players do mercado?
SY Eu não diria que hoje é tão marcadamente dessa forma. A Bombardier, a
Boeing já usam parcerias com um patamar muito alto. Por exemplo, a Boeing nesse
último avião, 787, cerca de 1/3 do avião, do projeto, foi passado para parceiros
japoneses. E ainda tem outros, né. Tem Alenia e Vought. Então, eu não sei
exatamente qual é o percentual de parcerias que a Boeing usa no 787, mas eu acho
que é da mesma ordem de grandeza que nós estamos fazendo.
LEC Entendi. A Bombardier usa bastante parceria de risco hoje? No CRJ-200 eles
não usaram não, né?
SY No CRJ-200 não. Mas no 700, eles passaram um bom pedaço. Por exemplo, a
asa do CRJ-700/900, é, se não me engano, (da) Mitsubishi, do Japão.
LEC Mitsubishi, tá. De uma maneira geral, o que o senhor acha que diferencia a
Embraer da Bombardier hoje em dia? Quais são as principais vantagens
competitivas da Embraer em comparação com a Bombardier e vice-versa?
307
SY – Bom, eu acho que hoje são os produtos, a estratégia de produto adotada. Hoje,
a situação de ambas é diferente basicamente por decisões de qual tipo de produto
fazer. Eles escolheram esticar o CRJ-200. No curto prazo foi uma decisão sensata,
deu resultados, mas na medida em que os 170/190 chegaram ao mercado com
características eu não vou dizer superiores mas bem diferenciadas em relação
ao CRJ-700/900, eles viram seu horizonte muito limitado.
LEC Entendi. A estratégia deles foi mesmo de esticar ao máximo, né? O próprio
CRJ-200 já é esticado, né?
SY – É. O (CRJ-)200 é uma modificação do (CRJ-)100 e o (CRJ-)100 é o Challenger
esticado.
LEC Perfeito. Outra pergunta: o senhor chegou a citar a questão da (competição
com a) Boeing e a Airbus. Hoje em dia a estratégia da Embraer é não competir com
estas empresas? Eu pergunto até porque eu vi uma entrevista do Maurício Botelho
em que ele fala que a Bombardier estaria fazendo algo errado, que é entrar no meio
dessa briga (entre Boeing e Airbus).
SY – Sem dúvida não é bom entrar na briga de cachorro grande, né.
LEC Mas hoje em dia, a Embraer... o próprio projeto Light Jet / Very Light Jet seria
uma forma de não precisar lançar famílias com capacidade de passageiros maior de
forma a (evitar) competir com Boeing e Airbus...
SY Não, essas coisas são independentes. Querer ou não enfrentar cara-a-cara
com o mesmo tipo de produto a Boeing e a Airbus é uma decisão que está tomada,
não faz sentido e muda se a Embraer adquirir um porte muito maior, costas
quentes e o Brasil adquirir força política. Então, hoje ela não faz sentido. Agora, o
Very Light Jet ou o Light Jet é uma estratégia de crescimento da empresa num outro
nicho de mercado.
LEC – Entendi.
SY – Poderia ser simultânea. Uma coisa não invalida a outra.
LEC – Mesmo em questão de capacidade de investimentos?
308
SY – Não, aí é claro que pode haver uma limitação.
LEC O Very Light Jet e o Light Jet têm condição de manter o crescimento da
empresa, que começou no 145 e agora nos 170/190, ou não, é uma estratégia de
nicho mesmo, “vamos nos aproveitar daquele nicho porque ele é um nicho”...?
SY o, ele estabeleceu um novo patamar, a entrada num outro tipo de mercado,
e a Embraer pretende ir acrescentando outros jatos executivos, aumentando seu
portfolio.
LEC – Entendi. A idéia, então, seria ampliar dentro do nicho de jatos executivos. Isso
por si seria um projeto que talvez levasse a Embraer a um outro patamar de
tamanho. O senhor mesmo falou que o tamanho seria um critério de decisão para,
eventualmente, no futuro se decidir a competir com a Boeing, com a Airbus, e
encará-los, não é?
SY – É, sem dúvida. Mas aí, não é só isso, quer dizer...
LEC – Sim...
SY – Ainda faltaria muito. A Embraer o tem condições perceptíveis de poder
chegar a equiparar-se com uma empresa de vinte e cinco, trinta bilhões de dólares.
Nem no sonho mais utópico sobre aviação executiva não vamos chegar lá. Vamos
chegar, sei lá, a sete, oito bilhões (de dólares), não sei.
LEC Outra pergunta: de uma maneira geral que tipo de vantagens competitivas o
senhor que a Embraer teria hoje em dia contra potenciais novos entrantes? Com
relação à própria Bombardier o senhor falou um pouquinho, dos nossos
diferenciais com relação a ela... Com empresas que eventualmente venham a tentar
entrar no mercado regional ou mesmo...
SY – Tipo China, Rússia?
LEC – Exatamente.
SY Bom, depende da complexidade do produto. Se forem aviões micro-jato, Very
Light Jets, empresas de pequeno porte têm chances de fazer alguma coisa e
lentamente abrir um espaço no mercado. Agora, pra fazer jatos do porte do 170/190,
309
nós estamos falando de investimentos muito substanciais, da ordem de um bilhão,
um bilhão e meio, dois bilhões de dólares, que não são pequenas empresas que
podem, que vão conseguir cacifar isso, certo? Agora, na Rússia, na China, poderão?
Poderão, sem dúvida. Agora, criar toda a bagagem, toda a experiência, todo o know-
how, pra poder desenhar, fabricar o produto bem ajustado ao mercado, requer um
pouco de experiência acumulada. Então, isso não deve acontecer... Um
minutinho... (é interrompido por uma ligação de celular). Então...
LEC – Competência acumulada...
SY ... não dúvida que competência de engenharia, a capacidade, ela pode ser
juntada ou ter internamente dentro de um país ou também importada. A questão é
conseguir fazer isso se tornar um empreendimento viável como negócio. Bom,
nesses países, não necessariamente teria que ser um negócio viável
economicamente...
LEC – Verdade, pode ter subsídio.
SY ... mas, mesmo assim, leva ainda algum tempo pra eles poderem se tornar
competitivos.
LEC A gente transfere tecnologia pra Harbin (empresa chinesa parceira da
Embraer em JV para produção de ERJ-145 na China), não?
SY Não diretamente. Alguma coisa sempre existe. Tem na linha de montagem,
mas não há dúvida que quem trabalha muito perto de um produto acaba aprendendo
muita coisa.
LEC – Por osmose, né. Nem que seja por osmose.
SY – Por osmose.
LEC Tá. O senhor falou que, realmente pra tentar competir com a Embraer hoje
em dia, demandaria um certo know-how acumulado ao longo dos anos. Esse know-
how ele se manifesta principalmente em que coisas que a empresa faz hoje em dia,
em que picos? Quer dizer, a questão de desenvolvimento eu imagino que seja
uma, integração de sistemas é uma competência-chave pra empresa também?
310
SY Hoje nós temos cerca de três mil engenheiros. Então, existem pessoas que
entendem de quase todos os aspectos de um avião: pneu, trem-de-pouso, luzes,
materiais metálicos, não metálicos, integração, aviônica, displays, interface homem-
máquina, tudo isso. Então, o problema é você ter as competências individuais, a
experiência acumulada sobre o que dá certo, o que não dá certo, o que dá encrenca,
e a gestão dos conjuntos. São os maestros que vão fazer a orquestra funcionar. Isso
daí significa não pessoas, mas também processos. Você precisa ter uma pauta
de cinco linhas, com a escrita da música, que todo mundo leia e entenda. E isso não
nasce do céu. Você precisa criar o código e ensinar todo mundo a ler e saber qual o
tempo. Não necessariamente se você juntar dois mil engenheiros você vai conseguir
fazer a coisa. Você, sem dúvida, vai fazer a coisa aos pedaços, mas não
necessariamente vai funcionar como um conjunto harmônico.
LEC Perfeitamente. Sendo um pouquinho mais específico agora em relação a
algumas alianças que a empresa fez, o senhor participou por acaso do projeto
com a Sikorsky, que adquiriu...
SY – Um pouquinho, sim.
LEC – Um pouquinho?
SY – (Assente com a cabeça)
LEC Pelo que eu li, o que foi muito bem adquirido foi a questão de usinagem
química. O que teria permitido à Embraer...
SY – Não, aí tem várias fases, vários Sikorsky. O Sikorsky do passado...
LEC – Ah, década de 70.
SY ... foi, sem dúvida, usinagem química, e mais alguma coisa que não lembro.
Mas isso foi, sei lá, 30 anos atrás, certo?
LEC Certo. Pelo que eu li, a tecnologia de usinagem química foi o que permitiu à
Embraer começar a pensar em aeronaves pressurizadas, (como) no Brasília, por
exemplo.
311
SY Ela ajuda, mas ela não é tecnologia muito difícil. De novo é uma questão de
controle do processo. Por exemplo, o controle da temperatura, das propriedades
químicas do tanque, dos fornecedores de quem você pode comprar o produto de
ataque, qual o nível de qualidade de pureza que você precisa. Isso não está no
livro...
LEC – Certo.
SY ... certo? Isso você apanha, apanha, você vê que o consegue, está dando
desvio, até você chegar: “peraí, o fornecedor ABC fornece produto que tem 99% de
pureza e que dá o resultado que a gente precisa”.
LEC Perfeito. E a usinagem química hoje em dia então não é uma vantagem
competitiva da Embraer? Quer dizer, as outras empresas sabem fazer...
SY – Não, eu podia ir ao mercado e comprar.
LEC – Podia tranqüilamente, não é?
SY – Existem empresas no mercado que fazem. Agora, é claro que do ponto de vista
logístico, não é pegar, cortar a chapa, mandar pra um fornecedor pra fazer usinagem
química, trazer, etc. Aí complica sensivelmente. Então todos aqueles que fazem
peças com chapa e em que faz sentido usar, fazer usinagem química, têm que ter
esse trabalho. Nós temos aqui, a Embraer em São José dos Campos, os nossos
parceiros, Latécoère, Gamesa, etc., todos eles também têm.
LEC – Não é uma coisa...
SY Não é muito diferente de você ter que saber furar e rebitar, quer dizer, hoje em
dia se tornou um know-how tipo commodity, você tem que ter. Não é trivial, mas
também o é... (neste momento o Sr. Satoshi Yokota é interrompido pela
secretária). Pode falar.
LEC Outra tecnologia específica que foi adquirida foi no MD-11, a questão de
material composto. Essa daí é um diferencial ou não também?
SY – É, hoje...
312
LEC – Já “commoditizou” um pouquinho mais...
SY É, hoje existem vários patamares de conhecimento (de materiais compostos).
No patamar, digamos, para o nosso arroz e feijão, nós estamos bem. Agora, nós não
temos o know-how que permitiria, por exemplo, fazer um 787, que é uma fuselagem
em (fibra de) carbono. é outro patamar, outra história, outras tecnologias, outros
autoclaves, outros...
LEC Agora, a Boeing vai levar pra frente mesmo o 787? Porque eu lembro que a
Boeing primeiro fez aquele avião lá...
SY – Sonic Cruiser.
LEC ... é, o Sonic Cruiser, que me pareceu mais um blefe, que não saiu nem do
papel na verdade. O 787 então está bem mais adiantado, né.
SY É, na realidade o Sonic Cruiser nasceu numa outra fase, em que a demanda
era crescente e o mercado exigia transporte melhor, mais rápido e o combustível
não era tão caro. as pressões de custos passaram (a ser) muito fortes e o
petróleo subiu do patamar de 20 para 50, 60 dólares, o que inviabilizou o Sonic
Cruiser. O Sonic Cruiser sem dúvida não seria eficiente em consumo de
combustível.
LEC Entendi. A Boeing teria então a capacidade para produzir a aeronave mesmo
esta sendo transônica?
SY – É, eu acho que tem...
LEC – Pelo que eu aprendi no ITA eu acho muito estranho uma aeronave transônica
funcionando, ser economicamente viável, mas...
SY – É, se você olhar...
LEC – No meio daquela curva de arrasto lá no pico...
SY ... o 47 (Boeing 747) ainda é um dos aviões que voam com um (número de)
Mach mais alto: a ponto oito sessenta e pouco (Mach 0,86)...
313
LEC Tá. Outra capacidade específica sobre a qual eu li e que a empresa teria
adquirido foi com a Boeing e aconteceu na época em que a empresa (Embraer)
estava numa situação financeira ruim. Então fez algumas parcerias para fornecer
estruturas para o 747 e para o 767 e, pelo que eu li, ela teria adquirido tecnologia de
mecânica fina, de robótica.
SY Ah, isso é um pouco... sem dúvida, qualquer objeto que a gente fabrique pra
outra empresa, você acaba aproveitando alguma coisa. Sem dúvida, esses produtos
para o 74... 75... 767, 777, tinham requisitos específicos, inclusive sobre processos,
acabamento, proteção superficial, as normas são diferentes, e você acaba tendo a
exposição a essas diferentes normas, com possibilidade de escolher o processo que
você quer adotar.
LEC – Pras suas aeronaves...
SY É. E para aquele tipo de aplicação, porque não necessariamente se usa o
mesmo processo para qualquer área, então todas essas parcerias indiretamente
sempre trouxeram algum ganho de processo.
LEC Perfeito. Falando agora do segundo Sikorsky, o S-92 Helibus, a Embraer
participou dele como risk-sharing partner ou foi somente como fornecedor?
SY – Não, foi parceiro.
LEC Foi então a primeira vez em que a Embraer utilizou... quer dizer, o num
projeto liderado por vocês, mas participou de um projeto...
SY – Não, no MD-11 também houve uma certa (parceria de risco)...
LEC – Ah, é?
SY – É. Claro que o envolvimento... o que a gente pode dizer (se é) parceria de risco
ou não, é questionável, certo?
LEC – Não é preto no branco.
SY – Não é preto no branco, mas...
314
LEC Tá. De onde é que foi que surgiu a idéia de fazer compartilhamento de risco
para o 145, especificamente? Foi uma necessidade, o projeto não sairia sem o risk-
sharing ou...
SY A idéia tinha sido desde o começo, quer dizer, em 89, 90, quando se falava
em 145, se falava em arranjar parcerias de risco, porque a Embraer não tinha
mais fôlego em 89, 90...
LEC – Em 89, 90 já tava ruim a situação...
SY – Já tava ruim e o governo que era o principal acionista não tinha condições de...
LEC – ... injetar capital.
SY ... injetar capital pra fazer um programa desse tipo. Você vê, o Brasília tinha
sido parcialmente custeado por fundos próprios e o 123 (CBA-123) foi todo ele com
fundos próprios e deu no que deu, quer dizer, captar dinheiro a custo de banco
comercial pra fazer um projeto de longo tempo de maturação e de recuperação é
suicídio absoluto. Então, não havia essa experiência. Mesmo entre pessoas que não
têm mentalidade empresarial porque quem dirige uma empresa estatal em
princípio não tem que ter essa cultura dava para perceber que não dava, o custo
do dinheiro matava. Então, arranjar parceria de risco era vital. Sem parceria de risco
não havia condições de construir.
LEC – E, na verdade, mesmo com parceria de risco no começo não teve como fazer.
Teve que esperar ser privatizada até para a Embraer poder investir a sua parte...
SY Não, não, mais ou menos. Quer dizer, mesmo na fase de pré-privatização o
governo, bem ou mal, mantinha a empresa “viva”, quer dizer, mais ou menos
pagando a folha (de pagamento). Então esse pessoal estava trabalhando e indo à
frente. Claro que a velocidade era muito menor porque investimentos, despesas
especiais, é (tudo) muito difícil. Mas a Embraer estava indo. Claro que ganhou muito
mais foco depois da privatização.
LEC Perfeito. O 145 era uma aeronave bem simples tecnologicamente falando,
não é?
315
SY Não, não é tecnologicamente bem simples. Ele já tem aviônica integrada, tem
perfil de asa avançado e sistemas de controle de vôo, bordo, ar-condicionado, etc,
bastante avançado, para o tipo de avião que nós estamos falando.
LEC – Certo.
SY Ele sem dúvida era muito mais avançado que o Brasília, Xingu, etc. E usou
muito do que foi aprendido fazendo o 123, que apesar de ter sido um fracasso no
negócio...
LEC – Comercial...
SY ... no negócio, ele fez todo mundo se dedicar a gerar as tecnologias. Você é
engenheiro o que?
LEC – Aeronáutico.
SY Aeronáutico, não é? Por exemplo, a asa do 123 tinha shot-pinning e o perfil
da asa do 123 era muito bem calculado em CFD (computational fluid dynamics). A
parte de cockpit, de aviônica, é integrada. Quer dizer, muitas daquelas coisas,
apesar de o ter vendido bem, elas serviram de aprendizado para o pessoal que
veio a fazer o 145.
LEC Entendi. Tecnologicamente o 123 é state-of-the-art para a época dele? Ele
era muito bom tecnologicamente, em comparação...
SY É. Não sei se muito bom. Mas era bom. (Um) turbo-hélice que fazia 350 nós
naquela época, possuía (propulsão) pusher... dominar a tecnologia de hélice
pusher foi um negócio...
LEC Não é trivial não. Quando chegou a época do 145, todas essas capacidades
mais técnicas, tecnológicas, aparentemente tinham sido desenvolvidas muito bem ao
longo da história da empresa. Mas quando a Embraer adquiriu essa capacidade de
gerenciar todos esses parceiros, essa rede internacional de parceiros, que funcionou
tão bem no projeto 145? Essa capacidade veio de aprendizado nos projetos
anteriores, o AMX...
316
SY É, eu acho que uma coisa é a experiência prévia, porque a Embraer bem ou
mal tinha feito vários projetos de cooperação, por exemplo o CBA-123, com a
Argentina; o AMX, com Alenia e Aermacchi; tinha feito o projeto de
industrialização do Tucano no Egito; na Irlanda (com Short Brothers)... quer dizer,
esses trabalhos em cooperação a gente já dominava um pouco. E aí, a necessidade
é mãe... enfim, você...
LEC – Aprendeu muito na hora também. Entendi.
SY É claro que, ao montar os esquemas, talvez tenha tido sorte, mas a gente
estudou todos os contratos de serviços, por exemplo, da Douglas, (no projeto) MD-
11, pra ver qual o padrão, como é que faz isso ou aquilo. Então o fato de ter feito
esses outros programas também serviu de base pra ver como que faz essa gestão.
LEC – Perfeito. Uma coisa que parece, quando a gente fala de Boeing, Airbus, é que
as parcerias deles são do tipo “bem, você é meu parceiro, deixa eu te ensinar aqui”,
transfere a tecnologia (pro parceiro) e este produz. E a Embraer aproveitou muito
disso nas parcerias que fez. Teve muito conhecimento adquirido nessas parcerias.
Hoje em dia a empresa previne-se com relação à transferência de tecnologia para as
outras empresas parceiras? Isso preocupa a empresa ou não exatamente? Enfim,
há uma transferência real de tecnologia e isso preocupa a empresa?
SY uma transferência. Os projetos da Embraer sem dúvida servem de escola
para muitas empresas, a gente sabe disso e não tem como evitar. Você pega um
parceiro A para fazer, digamos, o trecho 2 da fuselagem: eles botam 10 engenheiros
experientes e 30 novinhos. Esses 30 novinhos vão (absorver know-how através de)
on-the-job training, certo? E, inclusive, como vão estar integrados com a gente, vão
ver como é que a gente faz (o produto), como é que a gente faz o relatório, tudo isso
acaba sendo...
LEC Entendi. Acaba aprendendo. Mas eu estou perguntando isso especificamente
por uma impressão que me deixou essa questão de transferência de tecnologia: por
exemplo, no 145, a Gamesa era a empresa que fazia a nossa asa, que é uma parte,
vamos dizer, crítica de uma aeronave. No 170/190 ela já não está (fabricando a asa).
Então, eu não sei se isso foi deliberado, “opa, vocês estão aprendendo muito”...
317
SY – Não, não.
LEC – Isso aí não, a princípio...
SY Ao mesmo tempo é uma questão de competitividade do negócio, quer dizer,
eles tiveram oportunidade de entrar na concorrência e perderam.
LEC Entendi. Pra parte da asa, né? Quem é que faz a asa do 170/190?
Latécoère?
SY – É a Kawasaki.
LEC – A Kawasaki. Tá. Perfeito.
SY Agora veja, você falou em transferência de tecnologia. No caso da Gamesa foi
um exemplo bem diferenciado. Não são eles: a Sonaca e várias outras. Era
um toma-lá-dá-cá, um ganha-ganha. Nós usamos os recursos de investimento do
País Basco pra fazer asa (através da Gamesa). Ganhamos um parceiro que correu o
risco de investir setenta, cem milhões de dólares no 145, que, como a Embraer
estava quebrada, poucas empresas estariam dispostas. A maioria das outras que
nós tínhamos consultado anteriormente não quiseram correr o risco.
LEC – A Embraer levou muito “não”...
SY Levou muito “não”. Então, o País Basco e a Gamesa toparam, mas havia a
contrapartida. Quer dizer, eles eram uma empresa de pouquíssima experiência
aeronáutica e o País Basco tinha o objetivo estratégico de desenvolver a sua
indústria aeronáutica. E realmente hoje eles têm bastante tecnologia de estrutura
aeronáutica.
LEC – Tá. Entendi. Muito adquirido com base nessa...
SY – Então é um toma-lá-dá-cá.
LEC – Perfeito. Entendi. Minha agora pergunta é a seguinte: como é que se organiza
esse desenvolvimento de um projeto com tantas empresas e de partes tão diferentes
do mundo? Essa questão do CRV, Centro de Realidade Virtual, serve pra isso?
Como é toda essa organização?
318
SY Não, o CRV é mais pra harmonização técnica, mas não necessariamente à
distância. Pode ser entre nossas equipes. Mas sem dúvidas você precisa de
ferramentas, você precisa de processos, como mecanismos de controle de
comunicação, de informação, de passagem de dados. Precisa de uma série de
processos porque senão a massa de coisas com que você lida, o trabalho que mil
engenheiros estão fazendo, se você não tiver um processo de harmonização, vira
uma balbúrdia. Cada um fazendo a volonté, não sai nada. Então, é preciso uma
pauta para trabalhar e essa pauta realmente você precisa desenvolver, precisa de
ferramenta, de normalizar como serão as comunicações, você tem que estabelecer
padrões, senão não funciona.
LEC Então eu imagino que a Embraer, na verdade, esteja ali sempre em cima dos
parceiros, trabalhando junto para que, no final das contas, a aeronave não saia um
frankenstein”, não é? Então esse é o papel de integradora, ela está ali junto no
próprio...
SY Sim. Mas também é um papel de maestro, ditando o ritmo: “vai mais pra cá,
mais pra lá, sobe o tom, desce o tom”. Quem define se é não sei se você entende
música, o quanto você entende uma música lenta, triste, ou se é o sambinha, é o
maestro, que está ali cuidando do negócio. Então a Embraer que determina, a
Embraer define o conjunto, as especificações gerais e as especificações específicas
de cada pedaço, e aí cada elemento...
(Nesse momento a fita é interrompida. O resto da conversa transcorre a respeito de
assuntos não relacionados com este presente trabalho.)
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