11
vaidade do reconhecimento de sua singularidade como disciplina científica. Deveria
constituir-se como pura constatação da processualidade imanente dos grupos de homens e dos
grupos de ações destes homens. A diversidade inebriante das formas sociais não configuraria
um problema para o sociólogo. As nuances sociais não constituiriam mero ponto de partida,
um estorvo ansiosamente descartável para o cientista que almeja uma chegada triunfal a
generalizações abstratas, ditas racionais e essenciais. A riqueza da sociologia adviria, pelo
contrário, do mergulho nesta infinidade de ações de homens que se criam, se opõem, se
complementam e se destroem incessantemente.
O debate subseqüente na Escola conformou objetivamente a batalha secreta que já se
travava há vários anos entre perspectivas tão díspares uma da outra. Desde, pelo menos, a
publicação de De la division du travail sociale (1893), o então jovem pensador Émile
Durkheim dedicou-se a uma gradual e corrosiva desqualificação dos trabalhos de Gabriel
Tarde.
2
Ao longo das décadas de 1890 e 1900, a apresentação das teses durkheimianas, em
cada uma destas obras que adquiririam, em conjunto, o estatuto de cânone das Ciências
Sociais vindouras (incluindo-se aí a Comunicação Social), era indissociável de uma veemente
necessidade de refutação daquele que Durkheim elegeu como seu oponente.
3
Em resumo, Durkheim acusa Tarde de imprecisão científica em seus trabalhos,
considerados “exaustivamente intuitivos”. Ademais, seus textos não seguiriam um método
propriamente sociológico, ao aderir a impressionismos de toda ordem e a um “exagerado
psicologismo”. Em um interessante artigo de 1895, denominado L'état actuel des études
sociologiques en France, Durkheim, como em muitas outras ocasiões, desqualificaria o
conceito tardeano de imitação afirmando que “verdadeiramente, Tarde jamais deu nem poderá
2
Apesar de a oposição durkheimiana a Gabriel Tarde manifestar-se mais claramente a partir desta obra de 1893,
já em um artigo de 1886 para a Revue Philosophique (quando a única obra publicada de Tarde havia sido La
criminalité comparée, neste mesmo ano), Durkheim interessava-se em demarcar o território da “verdadeira”
sociologia, considerando que o incipiente estudo tardeano não esgotava o campo de saberes das ciências sociais.
Cf. DURKHEIM, E. “Les études de science sociale”. In: Revue philosophique, XXII, 1886, p. 61-80.
Disponível em: <http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index.html> Acesso
em: 13 ago. 2006.
3
Não é parte de nosso objetivo neste trabalho esmiuçar as especificidades da crítica durkheimiana ao
pensamento de Gabriel Tarde. Contudo, indicamos a seguir em que obras de Durkheim evidenciam-se as
desqualificações mais contundentes à obra tardeana. Apresentamos, ainda, as páginas em que precisamente tais
considerações se encontram. Cf. DURKHEIM, Émile (1893). De la division du travail sociale. Québec:
L’Université du Québec, 2002, p. 96, 115 (Livro I); p. 60, 76, 90 (Livro II) e p. 119 (Livro III); DURKHEIM, E
(1894). Les règles de la méthode sociologique, p. 14 e 22. DURKHEIM, E. (1895) L'état actuel des études
sociologiques en France, p. 11-15; DURKHEIM, E (1895). Crime et Santé Sociale (todo o artigo é uma crítica à
criminologia tardeana); DURKHEIM, E (1897). Le suicide. Étude sociologique, p. 96, 97, 101 (Livro I, em um
capítulo inteiramente dedicado à “refutação” do conceito de imitação como causa dos suicídios), p. 21, 24, 30,
46, 57 e 73 (Livro III); DURKHEIM, E (1900). La sociologie en France au XIXe siècle, p. 16-17; DURKHEIM,
E. (1909). Sociologie et sciences sociales, p. 8; DURKHEIM, E. (1915) La sociologie, p. 8-9.
Disponíveis em: <http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index.html> Acesso
em: 13 ago. 2006.