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proposta híbrida – fantasmática, a imagem reivindica a morte, e a literatura é encarada não
mais como corpo concreto, mas como malha ficcional
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, constituída a partir de resíduos,
das relíquias do passado.
A literatura assim entendida, como uma presença de uma ausência, pode ser
captada a partir de uma experiência hiperestética, e não mais apenas estética
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. De alguma
maneira, aos dois modelos pode-se apor duas linhas pedagógicas. À primeira, responde a
pedagogia do “dever ser”, do Estado, em que o sentido totalizador deve ser transmitido
25
. Já
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A metáfora não é gratuita. Creio que o trabalho de Silviano Santiago é, para o campo literário, importante
não só por apresentar uma outra possibilidade de abordar o texto, como em Nas malhas das letras, mas por
representar um dos introdutores das idéias de críticos como Jacques Derrida no Brasil. A esse respeito,
destaco a supervisão geral do trabalho realizado pela PUC/RJ no Glossário de Derrida, elaborado na década
de 1970, em cuja leitura podemos encontrar a definição de “Estratégia”, significativa para este percurso: “A
estratégia de Derrida estaria fundada naquilo que ele próprio chamou de “um duplo gesto”, “dupla ciência”,
“duplo registro”: operação de caráter econômico que consiste em, por um lado, tomar os termos da metafísica
ocidental, para, por outro, poder excedê-la. O primeiro trabalho não deve nunca ser inutilizado pelo segundo.
Permitir esse trabalho destrutor seria “filosofar mal”, ato de simplesmente “virar a página da filosofia” ” . Rio
de Janeiro : Francisco Alves, 1976, p.35.
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Alain Badiou, tratando das relações entre arte e filosofia na época clássica, aponta para a estreita ligação
entre estética e educação: “Didatismo, romantismo, classicismo são os esquemas possíveis do
entrelaçamento entre arte e filosofia, o terceiro termo correspondendo à educação dos sujeitos,
particularmente da juventude. No didatismo, a filosofia entrelaça-se com a arte na modalidade de uma
vigilância educativa de seu destino extrínseco ao verdadeiro. No romantismo, a arte realiza na finitude toda a
educação subjetiva da qual a infinidade filosófica da Idéia é capaz. No classicismo, a arte capta o desejo e
educa sua transferência pela proposta de uma aparência de seu sujeito [poderíamos dizer, da questão da
máscara, portanto devedora da idéia de um contorno, de uma identidade]. Aqui, a filosofia só é convocada
enquanto estética – dá sua opinião sobre as regras do “agradar”.” Poderíamos ver o avanço na investigação de
Badiou através da noção de “configuração”/“acontecimento”, mais suscetível a uma idéia fantasmática : “As
obras compõem uma verdade na dimensão pós-acontecimento, que institui a imposição de uma configuração
artística. Uma verdade é, finalmente, uma configuração artística, iniciada por um acontecimento (um
acontecimento é em geral um grupo de obras, um múltiplo singular de obras), e arriscadamente exposta sob a
forma de obras que são seus pontos-sujeitos. / A unidade pertinente do pensamento da arte como verdade
imanente e singular é, portanto, definitivamente, não a obra, nem o autor, mas a configuração artística iniciada
por uma ruptura relativa ao acontecimento (...). Essa configuração, que é um múltiplo genérico, não tem nome
próprio, nem contorno finito, nem mesmo totalização possível sob um único predicado. Não é possível
esgotá-la, apenas descrevê-la imperfeitamente. É uma verdade artística, e todos sabem que não existe verdade
da verdade.(...)” In Pequeno manual de inestética. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo : Estação
Liberdade, 2002, pp. 15, 16, 24 e 25.
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A esse respeito, os trabalhos devedores às noções de “formação”, “identidade”, “nação” podem ser
questionados em favor de uma determinada perspetiva, principalmente quanto às relações com os atos de
instituição. Em “Os ritos de instituição”, Pierre Bourdieu desenvolve a crítica da instituição através das
noções de separação: “Falar em rito de instituição é indicar que qualquer rito tende a consagrar ou a legitimar,
isto é, a fazer conhecer como arbitrário e a reconhecer como legítimo e natural um limite arbitrário, ou
melhor, a operar solenemente, de maneira lícita e extraordinária, uma transgressão dos limites constitutivos da
ordem social e da ordem mental a serem salvaguardadas a qualquer preço (...). Ao marcar solenemente a
passagem de uma linha que instaura uma divisão fundamental da ordem social, o rito chama a atenção do
observador para a passagem (daí a expressão rito de passagem) quando, na verdade, o que importa é a linha.
A rigor, o que esta linha separa? Um antes e um depois, é claro (...)” In A economia das trocas lingüísticas –
O que falar quer dizer. Trad. Sergio Miceli et al. São Paulo : Edusp, 1996 (Clássicos, 4), p. 98. Ao indicar
que existe nesse processo um conjunto oculto em relação ao qual se define um grupo instituído, Bourdieu