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Para mim, tradição é aquilo que a gente cultua com segurança da forma
como nos foi legado, da forma como aprendemos na oralidade, sem deixar
fugir nada. Isso se chama ‘tradição’, tá. Quando, você começa a fugir a essas
regras, você já não está mais dentro de uma tradição. Aí que eu falo, que
sempre é bastante complexo todas essas coisas, sabe porque você falar de
tradição e por que hoje tem uma modernização, que a gente tem que
acompanhar, tudo bem. A gente tem que saber acompanhar a evolução dos
tempos, né dentro de nossa tradição, tem coisa que ainda dá pra segurar sem
que você precisa é... Ser exuberante!!! Por exemplo, hoje nós temos gás,
antigamente pra se fazer as comidas dos orixás era na lenha, mas apesar de
tá tendo.. (Intromissão de Neto de Euclides, fazendo barulho!!). Apesar das
pessoas estarem evitando aí a questão do desmatamento, não sei o que que
tem mais, mais aqui e acolá a gente acha um pouquinho de lenha pra fazer,
eu continuo fazendo na minha casa alguma coisa assim, cozinhando pra
orixá na lenha, quando não no carvão. O dia que não tiver mais um pedaço
de pau pra fazer lenha, o dia que não tiver mais carvão, aí sim eu vou fazer
no gás. Mas até no momento, eu continuo fazendo as coisas, as comidas dos
orixás na lenha ou no carvão. Isso é uma das coisas da evolução do tempo,
né. A gente começou fazendo afurá, por exemplo, eles teriam que pegar o
arroz, escolher ele, catar e tal, aí botar de molho, depois bota pra um
poquinho pra enxugar, vai pro pilão, tudo mais e tal. De repente houve essa
mudança, já vem o fubá de arroz preparado a gente já faz o bolo de coisa...
por aí vai, né. Então, são coisas da mudança que dá pra ir um poquinhu.
Sim, se poder ponderar, se poder evitar melhor, né porque ainda não se
acabou tudo, né então são essas coisas. O côco, você pegar o côco ralar tem
o ralador, etc e tal. Que hoje é o liquidificador, corta miúdo, não sei o quê e
lá vai. Então, tem muitas coisas, né que saem da tradição pra modernização
pela uma causa justa me parece isso, né por uma causa justa. Mas tem coisa
que ainda não dá, por exemplo, hoje nós temos galinha de granja, todas as
vezes que eu vou, eu falo pela minha casa, por mim e não pela dos outros,
mas todas as vezes que eu preciso de ter uma ave pra ser sacrificada eu evito
pegar galinha de granja. Eu vou atrás de galinha caipira, tá. Porque essa
galinha caipira ela é totalmente natural sem nenhuma química, né pra fazer
as coisas que são alimentadas as nossas entidades. E assim sucessivamente
de tantas outras coisas. (Entrevista com Pai Euclides, janeiro 2007).
Na visão de Pai Euclides Ferreira, líder afro-religioso da Casa Fanti Ashanti, a
tradição é a forma de culto dos ancestrais (voduns, orixás, encantados, etc.) de maneira
‘segura’ de acordo com normas e regras apreendidas na oralidade, ou seja, obedecendo
a todo um conhecimento afro-religioso sem deixar escapar ou fugir nada, de modo
completo, onde essa déia nos remete a própria oposição entre tradição e modernidade
(ruptura). Pai Euclides ao pensar tradição reflete sobre essa mesma tradição diante dos
tempos atuais, de desenvolvimento, tecnologia e de modernidade aliada ao quesito
ruptura, dando uma série de exemplos de como sua casa ou terreiro ainda resiste sob a
sombra da modernidade.
Concordamos com Abreu (2005, p. 172), no momento que ela expõe que a
noção de ‘tradição’ é flexível e se adequa de acordo com a casa ou terreiro de religião
afro observado, no qual um ritual que é ‘tradicional’ dentro de um contexto, não é em
outro, sendo algo oposto e fora daquela ‘tradição: