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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
JEANE MARIA DE FREITAS ROCHA
ALFABETIZAÇÃO EM ALTA FLORESTA: ASPECTOS DE UMA TRAJETÓRIA
(1978-2006)
Cuiabá-MT
2008
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JEANE MARIA DE FREITAS ROCHA
ALFABETIZAÇÃO EM ALTA FLORESTA: ASPECTOS DE UMA TRAJETÓRIA
(1978-2006)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação no Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, na Área de Concentração Teorias e
Práticas Pedagógicas na Educação Escolar e
Linha de Pesquisa Educação e Linguagem,
como requisito para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Lázara Nanci de Barros
Amâncio
Cuiabá-MT
2008
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R 672 a Rocha, Jeane Maria de Freitas
Alfabetização em Alta Floresta: aspectos de uma
trajetória (1978-2006) / Jeane Maria de Freitas Rocha. -- Cuiabá:
UFMT/IE, 2008.
167p., il.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação no Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, na Área de Concentração Teorias e
Práticas Pedagógicas da Educação Escolar e Linha de Pesquisa
Educação e Linguagem, como requisito para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Lázara Nanci de Barros
Amâncio.
Bibliografia: p. 159-164
Apêndice: p. 165-167
CDU – 372.4
Índice para catálogo sistemático
1 – Alfabetização
2 – Diário de classe
3 – Processos de aprendizagem
4 – Leitura e escrita e história
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª: Francisca Izabel Pereira Maciel
EXAMINADORA EXTERNA
Profª Drª: Ana Arlinda de Oliveira
EXAMINADORA INTERNA
Profª Drª: Lázara Nanci de Barros Amâncio
ORIENTADORA
Cuiabá/MT:____/____/____.
DEDICATÓRIA
A Ieda Ramona, cuja generosidade se fez
presente em todos os momentos deste trabalho.
Jamais esquecerei os momentos em sua casa, a
ajuda nas circunstâncias difíceis, o acolhimento.
Ela soube como ninguém ajudar sem constranger. É
preciso condimentar de amor o pão que se dá para
que ele não amargue a boca que o recebe. Ela fez
isso com maestria.
AGRADECIMENTOS
Falando de amor, um agradecimento sem fim ao meu amigo e companheiro de jornada Vander. Não
por ter feito da minha vida algo com sentido e plenitude, mas também por sua presença incontestável
nesse trabalho, me ouvindo, discutindo e algumas vezes (bem poucas) brigando. Pelo exemplo de amor,
dedicação e compreensão; pelo apoio intelectual e pelos longos serões regados a vinho, Tchaikowski e
Bach, onde discutíamos os problemas da humanidade. Todo meu amor.
A Érika pela ajuda incondicional e estímulo nos momentos difíceis, quero dizer que lembrarei sempre
daquela perguntinha tola que vinha sempre acompanhada de um olhar cheio de expectativa: falta
muito? A ela, o amor sem barganha.
A querida professora Nanci, por ter se mostrado compreensiva, equacionando meus limites e pela
dedicação com que tem acompanhado todo processo de construção dessa pesquisa. Grande
incentivadora e orientadora, com suas observações e senso crítico, ajudou a descortinar possibilidades,
enfrentar dificuldades, desmontar processos engessados e encontrar saídas para os impasses. Sem seu
auxílio esse trabalho não seria o que é.
Ao amigo e agregado Anderson Flores, pelas críticas pertinentes e não pertinentes.
Aos colegas de mestrado pelo convívio e descobertas.
Escola Furlani por me franquear seus arquivos e fontes históricas.
Aos eternos companheiros de Secretaria, Ana Maria, Rose, Antônio, Neide, Helena Sampaio,
Martinho, Fátima.
A Sueli, pelo cafezinho nos momentos difíceis.
Aos companheiros e colaboradores dessa pesquisa que me auxiliaram prestando informações preciosas
através das entrevistas.
A Neuza Tozzi - a gaúcha, que além de amiga foi umas das responsáveis pela revisão desse trabalho,
pelo afeto (muitas vezes oculto) sincero do coração que não precisa aparecer só existir.
Valdiney pelo trabalho compartilhado, pelas trocas e ajudas mútuas nos vários momentos de formação
de professores.
A Irene, pelo apoio e incentivo durante o período em que estive na Secretaria de Educação.
A Terezinha que me ajudou a localizar a maioria dos arquivos.
Aos companheiros de mestrados pelo companheirismo e interlocução no decorrer da pesquisa.
A secretaria do mestrado, Mariana, Maria Luíza, Jason.
A querida professora Dra. Cancionila Janzkovski Cardoso (Kátia), que através da disciplina
“Seminário Avançado II em Educação e Linguagem” me proporcionou momentos enriquecedores
através das leituras sobre alfabetização e Letramento, Oralidade e escrita.
Aos professores Michele Sato e Augusto Passos que na disciplina Pesquisa em Ciências da Educação,
me ensinaram a pensar a relação indivíduo sociedade.
A Dra. Ana Arlinda de Oliveira da Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT e Dra. Francisca
Izabel Maciel, da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG durante os momentos de
construção do objeto e pelas dicas e encaminhamentos de questões que tornaram melhor esse texto.
A Solange dos Santos que ajudou na estruturação e normas técnicas desse trabalho como profissional
e como amiga, com quem dividi alegrias, tristezas e aprendizados.
A Escola 19 de Maio que me acolheu de braços abertos.
Aos novos colegas de trabalho do CEFAPRO, Marilaine, Maria Uzete, Cleonice, Isaías, Léia,
Jandira, Gedalva, Emília, Reginaldo e a querida diretora Maria Luiza pelo companheirismo e
compreensão nos momentos difíceis.
A Simone e que muito me ajudou na leitura e revisão desse trabalho, e também pela rica troca de idéias
sobre várias questões ligadas a educação.
Aos colegas alfabetizadores de Alta Floresta que participaram desse “tempo de pesquisa”, com seus
depoimentos lindos, avassaladores, mas principalmente esclarecedores, meus eternos agradecimentos.
A Ieda Ramona pela ajuda incondicional, que o tempo todo esteve torcendo junto, discutindo,
contribuindo, criticando, sugerindo e fundamentalmente sendo amiga. Jamais a esquecerei.
Não poderia deixar de lembrar o seu Aderson, que me acolheu em sua casa de forma carinhosa,
tranqüila, dando aquele estímulo silencioso que só as pessoas generosas sabem dar.
A Marijane que me ajudou em todos os momentos, trocando idéias, “me salvando” nos momentos
cruciais.
A Lú, querida colega de mestrado com quem troquei inúmeras idéias em longas conversas enquanto o
sono não vinha.
Ao Grupo Espírita de Alta Floresta, “Amigos da Paz”, pelo suporte espiritual, pelo trabalho juntos.
Pessoas de boa vontade que se encontram muitos anos nas lides espíritas, foram minhas mãos, pés e
mente. Quantas vezes usamos esse recurso poderoso que está sempre ao nosso alcance e ao alcance de
todas as criaturas de Deus! Oramos! Que o amor seja nosso guia sempre.
À Rosângela Aparecida Picini, pela imensa ajuda que foi capaz de me enviar materiais de pesquisa,
mesmo sem me conhecer. Jamais esquecerei esse gesto de generosidade.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
A Dra. Lázara Nanci de Barros Amâncio, a querida
orientadora, por ter se mostrado compreensiva,
equacionando meus limites e pela dedicação com que
acompanhou todo processo de construção dessa
pesquisa. Grande incentivadora e orientadora, com suas
observações e senso crítico, ajudou a descortinar
possibilidades, enfrentar dificuldades, desmontar
processos engessados e encontrar saídas para os
impasses. O que sei sobre pesquisa, aprendi com ela.
Sem seu auxílio esse trabalho não seria o que é.
RESUMO
O presente estudo foi motivado pelo desejo de contribuir para o registro histórico do
conhecimento didático da alfabetização que vem sendo construído nos últimos 28 anos em
Alta Floresta. Por meio de levantamentos, reunião, organização, seleção e análise de fontes
documentais, incluindo depoimento de professoras aposentadas e análise de diários de classe,
procurou-se identificar quais práticas foram utilizadas pelo professor no ensino da leitura e
escrita, que tipo de livro didático foi adotado e em que condições se deram essa
aprendizagem. Do ponto de vista didático, as questões gerais que permeiam esse estudo se
inscrevem no campo de pesquisa que vem crescendo significativamente no Brasil: a pesquisa
histórica. A análise de fundo histórico ainda tem pouca produção acadêmica; algumas
abordagens ligadas ao tema surgiram apenas nas últimas duas décadas, portanto, uma
necessidade de desenvolver pesquisa dessa natureza, para elucidar questões na atualidade.
Buscou-se subsídios na história oral, para o registro da trajetória das professoras, auxiliando a
recompor aspectos da vida profissional desses entrevistados. Os depoimentos dos
entrevistados se revelaram importantes ferramentas para se apreender sentimentos e pontos de
vista sobre o trabalho desenvolvido na alfabetização. O desejo de mudar, alterar o padrão de
seu próprio trabalho pelo esforço, é preocupação constante desses professores, no entanto, a
intenção de mudar ou mesmo a abertura do professor para buscar implementar mudanças, não
caracteriza necessariamente um processo de melhoria da própria prática. Os diários de classe
apesar de não ter um valor histórico claramente definido como fonte documental, nessa
pesquisa se transformou num importante “testemunho de época”, fornecendo as mais diversas
informações, sobre conteúdos, métodos, cartilhas e movimentação de alunos. O estudo do
conhecimento didático da alfabetização construído nos últimos 28 anos em Alta Floresta
revelou-se importante para constituição de uma história da alfabetização podendo contribuir
para a definição de políticas educacionais na área. Os resultados foram discutidos
principalmente com base no pensamento de estudiosos da alfabetização e material didático.
Palavras-chave: Alfabetização, diário de classe, processos de aprendizagem, leitura e escrita
e história.
ABSTRACT
The present study was motivated by the wish to contribute to the historical registry of the
literacy didactical knowledge that is being built in the last 28 years in Alta Floresta. By means
of researches, reunion, organization, selection and analysis of documental sources, including
testimony of retired teachers and analysis of class diaries, it was searched to identify which
practices were used by the teacher in the teaching of reading and writing, which type of
didactic book was used and under what conditions the learning occurred. From the didactical
point of view, the general questions rounding this study enroll in the research field that grows
significantly in Brazil: the historical research. The analysis of historical background still has
little academical production; some boardings linked to the theme have appeared only in the
last two decades, therefore, there is a need of developing research of this nature, to elucidate
questions in the present. It was searched for subsidies in the oral history, for the registration of
the trajectory of the teachers, helping to recompose aspects of the professional life of these
interviewed. The testimony of the interviewed revealed themselves to be important tools for
the understanding of the feelings and points of view about the work developed in the literacy.
The wish of change, modify the model of the own work by effort, is a constant worry of these
teachers, however, the intention of change or even the opening of the teacher in order to set
changes, does not characterize necessarily a proccess of improvement of the own practice.
The class diaries, despites not having a historical value clearly defined as documental source,
in this research it was turned into an important epoch testimony”, supplying the most varied
information, about contents, methods, hornbooks and student movimentation. The study of
didactical knowledge of the literacy built in the last 28 years in Alta Floresta revealed itself
important for the constitution of a literacy history being able to contribute for the definition of
educational policies in the area. The results were discussed mainly based in the think of
experts of literacy and didactical material.
Keywords: Literacy, class diary, learning processes, reading and writing and history.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Página de diário com exemplos de atividades de coordenação motora......... 138
Figura 2 Página de diário com registro de atividades de coordenação motora............ 139
Figura 3 Capa da Cartilha “Modelo Erasmo Piloto”.................................................... 140
Figura 4 Contra capa da Cartilha “A porta mágica” – Manual do Professor............... 141
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Perfil dos sujeitos entrevistados............................................................... 38
Quadro 2 Dificuldades Encontradas para alfabetizar............................................... 116
Quadro 3 Registro de atividades – primeiras semanas............................................ 147
Quadro 4 Classificação de alunos aprovados e reprovados no ano de 1978............
151
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 13
CAPÍTULO I
........................................................................................................... 20
1
ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA
.................. 20
1.1
O Contexto da Pesquisa
......................................................................................... 32
1.2
.................................................................................................
35
1.3
A Rede Escolar em Alta Floresta
Um pouco de História
................................. 39
1.4
Instrumentos de pesquisa e procedimentos
..........................................................
42
1.4.1
Entrevistas................................................................................................................. 42
1.4.2
Diários de Classe...................................................................................................... 44
CAPÍTULO II
......................................................................................................... 49
2
ASPECTOS
CONCEITUAIS DA ALFABETIZAÇÃO
......................................
49
2.1
Aspectos da História da Alfabetização e o papel da Escrita
...............................
51
2.2
Cenário Latino Americano da Alfabetização
....................................................... 56
2.3
A Alfabetização no Brasil
-
alguns aspectos
......................................................... 59
2.3.1
A Participação dos Jesuítas – Um pouco de História.............................................. 60
2.4
Letramento, Alfa
betização e Alfabetismo
............................................................ 66
2.5
Ensino em Mato Grosso
-
breve histórico
............................................................ 72
CAPÍTULO III
3 CONCEPÇÕES DAS PROFESSORAS SOBRE A ALFABETIZAÇÃO: NO
CONTEXTO DAS ENTREVISTAS E DOS DIÁRIOS ......................................
86
3.1
O alfabetizador e suas histórias: a professora
...................................................... 89
3.2
A formação e o
fazer da professora alfabetizadora................................................ 94
3.3
Dificuldades para alfabetizar
................................................................................. 100
3.3.1
O computador e as “influências externas”...............................................................
101
3.3.2
Formação Profissional............................................................................................. 104
3.3.3
Parcerias................................................................................................................... 106
3.3.4
Indisciplina/Desinteresse.......................................................................................... 109
3.3.5
Falta de apoio da família.......................................................................................... 112
3.3.6
Senso Crítico............................................................................................................. 114
3.4
Afinal, como se alfabetiza?
..................................................................................... 116
3.4.1
Alfabetização “no Tradicional ou Erasmo Pilotto”................................................. 118
3.4.2
Alfabetização com Emília Ferreiro...........................................................................
122
3.4.3
Alfabetização com Projetos...................................................................................... 126
3.5
Os Diários de Classe
................................................................................................ 129
3.5.1
A importância dos diários escolares na visão das professoras................................ 133
3.5.2
O que dizem os diários ............................................................................................. 136
3.5.3
O Método Erasmo Pilotto” ...................................................................................... 142
3.5.4
Registro das Primeiras Semanas de aula ou a Rotina dos Diários.......................... 146
3.5.5
Reprovação............................................................................................................... 152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
................................................................................. 156
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.................................................................. 159
APÊNDICE A
-
QUESTIONÁRIO INICIAL
...................................................... 165
APÊNDICE B
-
ROTEIRO DE ENTREVISTA
.................................................. 166
13
INTRODUÇÃO
Esse trabalho resulta da inquietação provocada pela falta de respostas a várias
questões inerentes à alfabetização, inicialmente como professora nos anos iniciais, depois
desenvolvendo um trabalho com formação de professores alfabetizadores, hoje me guia a
necessidade de buscar no passado, algumas respostas que não encontrei no presente. Esse
tema passa pela pesquisa histórica, compreendendo que a história da alfabetização, de acordo
com Graff (1994, p.174), “Nunca pode ser uma história isolada, abstraída; ela é uma história
como as histórias maiores, complexas, da sociedade, da cultura, do sistema político e da
economia."
Com esse estudo, pretendo contribuir para o registro histórico do conhecimento
didático da alfabetização, que vem sendo construído nos últimos 28 anos em Alta Floresta,
identificando quais práticas foram utilizadas pelo professor no ensino da leitura e escrita, que
tipo de livro didático foi adotado e em que condições se deu essa aprendizagem. São dois, os
focos principais desta pesquisa: como acontecem os processos de aprendizagem da leitura e
da escrita e como são organizadas a partir desse conhecimento, situações didáticas adequadas
às necessidades de aprendizagem dos alunos pautadas no conhecimento disponível da época.
Do ponto de vista didático, as questões gerais que permeiam este estudo, se inserem
num campo de pesquisa que vem crescendo significativamente no Brasil, possibilitando a
construção de uma história de alfabetização em nosso país. Esse campo normalmente trabalha
com critérios que presidem a pesquisa histórica: a relevância social e a relevância científica,
porque a história é ao mesmo tempo ciência do passado e ciência do presente, o historiador
deve atuar na sua época, na sua sociedade e deve ajudar a explicar o social no presente. Isso
significa que a escolha dos temas de pesquisa histórica deve estar atenta às prioridades sociais
do momento que se vive.
A ciência histórica, como as demais ciências, evolui e em cada etapa redefine os
objetos, conceitos, prioridades e possibilidades. É verdade também que, às vezes, se
estabelecem “modismos” científicos cuja relevância é duvidosa. Conforme Cardoso (1981, p.
83), “É preciso saber responder seletivamente às pressões do meio acadêmico, descartando a
tentação a aderir a modas que no fundo têm pouca consistência.”
14
Nesta perspectiva, o enfoque aborda como aconteceram os processos de aprendizagem
da leitura e da escrita e como eram organizadas as situações didáticas que orientavam a gestão
em torno da sala de aula, os principais blocos de estudo desta pesquisa.
O marco histórico está situado entre os anos de 1978 e 2006 e minha intenção foi
desenvolver um estudo sobre a Alfabetização em Alta Floresta MT, nesse período,
procurando identificar e registrar como foi o ensino da língua materna na fase inicial de
escolarização e como foi construída a prática pedagógica dos professores alfabetizadores das
escolas públicas. Análises dessa natureza, ainda têm pouca produção acadêmica; algumas
abordagens ligadas ao tema surgiram apenas nas últimas duas décadas, portanto, uma
necessidade de desenvolver pesquisas como estas, para elucidar questões referentes ao
enfoque em evidência.
Durante esse período, vivemos muitas mudanças aqui no Brasil em relação à
educação, mais especificamente à alfabetização. A década de 70 foi marcada por uma
mudança de paradigma. O desenvolvimento da investigação nessa área mudou radicalmente
seu enfoque, suas indagações. Em lugar de procurar correlações que explicassem o déficit dos
que não conseguiam aprender, como comumente acontecia num passado não muito distante,
começou-se a tentar compreender como aprendem os que conseguem aprender a ler e escrever
e, principalmente, o que pensam a respeito da escrita, os que ainda não se alfabetizaram.
Um trabalho de investigação que desencadeou intensas mudanças na maneira de os
educadores brasileiros compreenderem a alfabetização foi coordenado por Emília Ferreiro e
Ana Teberosky, publicado no Brasil com o título “Psicogênese da língua escrita.” A partir
dessa investigação, foi necessário rever as concepções nas quais se apoiava a alfabetização. E
isso tem demandado uma transformação radical nas práticas de ensino da leitura e da escrita
no início da escolarização, ou seja, na didática da alfabetização. Já não é mais possível
conceber a escrita como um código de transcrição gráfica de sons, não é mais possível
desconsiderar os saberes que as crianças constroem antes de aprender formalmente a ler, já
não é mais possível fechar os olhos para as conseqüências provocadas pela diferença de
oportunidades que marca as crianças de diferentes classes sociais.
Essas mudanças trouxeram muitas modificações para o ensino e a aprendizagem do ler
e escrever. É nesse contexto que ganha visibilidade um novo fenômeno dentro da
alfabetização: o letramento. Autores brasileiros como Tfouni (2004), Kleiman (2002), Soares
(2002, 2003, 2004), Massagão (2003), Mortatti (2004), entre outros, têm constituído uma
importante produção acadêmico-científica sobre esse novo fenômeno e, portanto, sobre o
15
novo conceito que veio a denominá-lo no interior da ciência pedagógica, buscando explorar
diferentes aspectos e problemas nele envolvidos, a partir de diferentes perspectivas teóricas.
O modelo escolar de alfabetização nasceu pouco mais de dois séculos,
precisamente em 1789, na França, após a Revolução Francesa. A partir de então, “crianças
são transformadas em alunos, aprender a escrever se sobrepõe a aprender a ler, ler agora se
aprende escrevendo” – até esse período, ler era uma aprendizagem distinta e anterior a
escrever, compreendendo alguns anos de instrução através do ensino individualizado. É,
então, no jogo estabelecido pela Revolução Francesa entre a continuidade e a descontinuidade
do tempo, onde a ruptura vai sendo atropelada pela tradição, que a alfabetização se torna o
fundamento da escola básica e a leitura e a escrita, aprendizagem escolar.
Analisando a evolução da investigação e do debate em relação à alfabetização escolar
no século XX, é possível definir, em linhas gerais, três períodos
1
:
O primeiro período corresponde aproximadamente à primeira metade do século,
quando a discussão se dava estritamente no terreno do ensino. Buscava-se o melhor método
para ensinar a ler, com base na suposição de que a ocorrência de fracasso se relacionava com
o uso de métodos inadequados. A principal discussão se travou entre os defensores do Método
Global e os do Método Sintético
2
. No Brasil, essa discussão caiu em desuso a partir da difusão
do método que, na época, foi identificado como “misto” que nada mais era que nossa
conhecida cartilha, baseada em análise e síntese e estruturada a partir de um silabário.
O segundo momento aconteceu nos anos de 1960, com seu pico nos Estados Unidos.
A discussão das idéias sobre alfabetização foi levada para dentro de um debate mais amplo,
em torno da questão do fracasso escolar. A luta contra a segregação dos negros, com a
conseqüente batalha pela integração nas escolas americanas, contribuiu para que se tornassem
mais explícitas as dificuldades escolares dessas minorias. Muito dinheiro foi investido em
pesquisas, para tentar compreender o que havia de errado com as crianças que não aprendiam.
Buscava-se no aluno a razão do seu próprio fracasso.
São desse período as teorias que hoje chamamos “teorias do déficit”. Acreditava-se
que a aprendizagem dependia de pré-requisitos (cognitivos, psicológicos, perceptivos motores
e lingüísticos, entre outros) e que certas crianças fracassavam por não dispor dessas
habilidades prévias. O fato de o fracasso concentrar-se nas crianças de famílias mais pobres
1
Ministério da Educação – Secretaria de Educação Fundamental - Documento de Apresentação PROFA/ 2001.
2
O método Global ou Analítico defendia que o melhor era oferecer ao aluno a totalidade, ou seja, palavras,
frases ou pequenos textos, para que ele fizesse uma análise e chegasse às partes, que são as sílabas e letras. O
Método Sintético, ao contrário, propunha que o aluno tinha de aprender primeiro as letras ou sílabas, e o som das
mesmas, para depois chegar a palavras ou frase.
16
era explicado por uma suposta incapacidade das próprias famílias proporcionarem estímulos
adequados.
Baterias de exercícios de estimulação foram prescritos como remédios para o fracasso
escolar, como se ele fosse uma doença. É dessa época, o teste ABC de Lourenço Filho,
composto por um conjunto de atividades para verificar e, principalmente, medir a
“maturidade” que a ciência de então supunha necessária à alfabetização bem-sucedida. Esse
teste teve muita influência no Brasil. Na década de 1970, foi largamente difundida a idéia de
que, no início da escolaridade toda criança deveria passar pelos exercícios conhecidos como
“prontidão” (do inglês, readiness) para a alfabetização.
O terceiro período começa em meados de 1970, marcado por uma mudança de
paradigma que transformou o foco da investigação nessa área. Em lugar de procurar
correlações para explicar o déficit dos que não conseguiam aprender, começou-se a tentar
compreender como aprendem aqueles que conseguem aprender a ler e escrever sem
dificuldade e, principalmente, o que pensam a respeito da escrita àqueles que ainda não se
alfabetizaram.
A partir dessas mudanças, foi necessário rever as concepções nas quais se apoiava a
alfabetização. Em outras palavras, ficou claro que as mudanças necessárias para enfrentar
sobre bases novas a alfabetização inicial, não se resolvem com um novo método de ensino,
nem com novos testes de prontidão, nem com novos materiais didáticos. É necessário ir além
da alfabetização
3
, quer dizer, as diferenças na alfabetização estão mais associadas a aspectos
sociais, econômicos e regionais. Grupos e pessoas analfabetas coincidem com misérias e
marginalização. Em outras palavras, devemos reconhecer no analfabetismo
4
uma carência
muito mais ampla que saber ler e escrever e atribuímos ao suposto resultado da alfabetização
algo muito mais abrangente que saber ler e escrever.
Os debates sobre alfabetização no Brasil contam com longa tradição, principalmente
aqueles oriundos dos processos de letramento com foco na inclusão social, nos quais o sujeito
da ação educativa deve ser considerado como portador de um conhecimento complexo,
resultado do seu vivido, da sua cultura, da experiência adquirida na trajetória de cada um em
sua relação com o lugar e com as histórias de vida. Trabalhos de Paulo Freire, Anísio Teixeira
3
O termo Além da alfabetização é utilizado por Ana Teberosky e Liliana Tolchinsky no capítulo de abertura
do livro “Além da Alfabetização”, das autoras.
4
Analfabetismo é um termo usado por Magda Soares no livro “Alfabetização e Letramento”, onde a autora
reconhece que recentemente tem sido necessário seu uso, porque recentemente começamos a enfrentar
uma realidade social em que não basta simplesmente “saber ler e escrever” ; é necessário que os indivíduos
dominem não a tecnologia do ler e escrever, mas também que saibam fazer uso dela, incorporando-a a seu
viver, transformando-se assim seu “estado” ou “condição”, como conseqüência do domínio dessa tecnologia.
17
e Magda Soares, para citar alguns, dedicaram grande parte de suas vidas na busca de
soluções para o enfrentamento da questão.
As campanhas de alfabetização e os movimentos de ampliação das redes escolares,
cujo crescimento é contínuo desde o final dos anos 60, não eliminaram o problema do
analfabetismo, como pode ser observado por censos escolares e dados do próprio Ministério
da Educação que apresentam cifras elevadas, tornando um problema e um desafio para todos
os interessados na superação dessa marca de exclusão.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda, defendeu Freire (1979). Parafraseando o pensamento freireano, pode-se dizer que a
alfabetização não transforma a sociedade, mas sem ela, tampouco, as mudanças sociais
ocorrerão. É preciso que a escola considere esses diversos componentes na concepção de
alfabetização aqui discutida, não no que diz respeito aos níveis de conhecimento, mas
também na organização de atividades e na escolha dos materiais de leitura, desde os primeiros
passos da educação formal.
Uma das questões discutidas neste trabalho é a evolução da prática dos professores
alfabetizadores ao longo de trinta anos. Essa década (1980) foi marcada por profundas
mudanças no processo de ensino da língua materna. O avanço de algumas ciências ligadas à
educação, em especial às ciências lingüísticas, deslocou o centro do ensino da gramática
normativa tradicional para o texto como unidade de ensino. Esse movimento altera
radicalmente a concepção do ensino da língua: o aluno, de sujeito dependente de estímulos
externos para produzir respostas que, reforçadas, conduziriam à aquisição de habilidades e
conhecimentos lingüísticos, passa a sujeito ativo que constrói suas habilidades e seu
conhecimento da linguagem oral e escrita em interação com outros e com a própria língua,
esta enquanto objeto do conhecimento.
Essas novas concepções de aprendizagem da língua materna foram trazidas pela
Psicologia Genética e pelas ciências lingüísticas, particularmente pela Psicolingüística e
Análise do Discurso. São essas novas concepções que estão introduzindo perspectivas novas
no ensino da Língua Portuguesa.
Um exemplo muito claro da influência dessas novas concepções no ensino da língua é
a mudança de paradigma metodológico na prática escolar da alfabetização. O
desenvolvimento da investigação nessa área mudou radicalmente seu enfoque, suas perguntas.
Em lugar de procurar correlações para explicar o déficit dos que não conseguiam aprender,
começou-se a tentar compreender como aprendem os que conseguem aprender a ler e escrever
18
sem muita dificuldade e, principalmente, o que pensam a respeito da escrita os que ainda não
se alfabetizaram.
Essa pesquisa se articula com o contexto desses debates. A conjuntura educacional
das décadas 1980, 1990 e 2000, funciona como referência e “provocação” inicial. Fui
motivada principalmente pela necessidade de compreender alguns aspectos da história da
alfabetização em Alta Floresta, discutindo os processos de aprendizagem da leitura e escrita
ao longo desses anos, e, a partir desses conhecimentos e frente às significativas mudanças,
identificar como era organizada as situações didáticas adequadas às necessidades de
aprendizagem dos alunos pautadas nas discussões que acorriam na época.
Ferreiro (2001) e Freire (2002) forneceram importantes contribuições para a
compreensão desses processos de alfabetização. Além disso, as idéias desses autores serviram
de base científica e filosófica para a presente discussão, porque ambos consideram o
indivíduo e a sociedade a partir das influências recíprocas que exercem no processo de
construção do conhecimento, subtendendo a existência de níveis no processo de alfabetização
e a relação da leitura e escrita com práticas sociais.
Para dar conta da investigação e discutir essas questões, a presente dissertação tem
início com as discussões dos aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa no capítulo 1,
abordando o caminho percorrido na construção do objeto. Discute ainda, os aspectos
metodológicos e epistemológicos, traçando um delineamento do problema e os motivos que
justificaram a discussão sobre a alfabetização ao longo de quase três décadas.
O capítulo 2 é dedicado à discussão dos aspectos conceituais da alfabetização, que é
encarada como um fenômeno complexo, de grande importância para a escola e a sociedade.
São citadas algumas vertentes ligadas ao pensamento de Amâncio (2000, 2002), Cardoso
(1981), Kato (1985), Kramer (1982), Ribeiro (2004), Soares (2003, 2004), Tfouni (2004), de
onde são retirados conceitos centrais da teoria e suas aplicações no campo dos estudos
educacionais. É também nesse capítulo que se discute a contextualização histórica da
alfabetização, abordando seu papel na história da humanidade e no cenário latino-americano
e, refletindo sobre alguns aspectos da alfabetização no Brasil.
O capítulo 3 é destinado à apresentação e discussão dos resultados, com base nos
aspectos sócio-históricos e conceituais da alfabetização e no referencial teórico dos
educadores citados no capítulo 2. Essa discussão foi estruturada a partir de duas etapas:
inicialmente são apresentadas as falas das professoras das escolas públicas de Alta Floresta,
relativas ao olhar que cada uma manifestou na pesquisa de campo. Por meio dessas entrevistas
19
individuais, foi investigado o percurso histórico da alfabetização no município. Num segundo
momento, foi realizada uma investigação minuciosa nos diários de classe para complementar
as informações anteriores. A análise desses diários se mostrou um importante instrumento de
pesquisa, porque funcionou como um testemunho de época, registrando o percurso de uma
sala de aula: a evolução dos conteúdos a cada bimestre, o movimento de chegada e saída de
alunos, o gênero, a situação escolar de cada aluno.
Ao final desse capítulo, são tecidos comentários sobre o processo de realização
dessa pesquisa, apresentando aspectos da alfabetização em Alta Floresta que esse estudo
destacou, apontando alguns elementos que talvez ajudem a refletir e compreender melhor a
prática da alfabetização nas escolas públicas desse município. Espero também despertar o
desejo de se buscar mais elementos sobre essa temática e apontar alguns caminhos para
investigações futuras.
Enfim, cabe dizer que a presente investigação reafirma o pensamento de Arroyo
5
(2004, p. 318), que “como educadores devemos guiar-nos pela esperança de futuro para
nossos alunos, porém, para não cairmos em uma realidade abstrata do futuro, a memória do
passado oprimido pode ser um bom guia”. A motivação para uma pedagogia comprometida
com o futuro pode estar em uma construção do passado vivido ou mal vivido pelas gerações
do passado.
5
Para maior compreensão ver: Arroyo, Miguel G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
20
CAPÍTULO I
1 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Não ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se
encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando,
procurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me
indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que não conheço (FREIRE, 2002, p.
32).
Para se compreender o processo de construção desse estudo, que visa identificar o
conhecimento didático da alfabetização em Alta Floresta ao longo de 28 anos, é necessária a
construção de um referencial teórico-metodológico que discuta sua problemática. Nesse
capítulo, apresento as escolhas que direcionaram a construção desse referencial, explicitando
aspectos metodológicos e epistemológicos da pesquisa, não sem antes traçar o processo de
delineamento do problema e os motivos que justificaram a discussão sobre a prática de
alfabetização das professoras.
Os princípios da pesquisa qualitativa de fundo histórico revelaram-se adequados para a
investigação sobre os processos de alfabetização desenvolvidos ao longo desses 28 anos, bem
como os instrumentos de entrevistas e análise de diários de classe que serão aqui discutidos.
Os procedimentos de pesquisa e interpretação dos resultados são decorrentes da metodologia
adotada, que seguiu os seguintes passos:
Levantamento de documentos oficiais como atas de reuniões, diários de classe,
livros de inspeção, PCN, PME
6
e outros documentos relacionados à educação;
Análise de diários de classe, com foco nos conteúdos trabalhados pelas professoras
alfabetizadoras nas primeiras semanas de aula;
Realização de entrevistas com roteiros semi-estruturados e aplicação de
questionários às professoras alfabetizadoras.
6
Plano Municipal de Educação.
21
O capítulo contém uma breve análise da conjuntura em que se deu a pesquisa, o
esboço do perfil do grupo e os caminhos percorridos. Esta contextualização se torna
primordial em função da opção pela abordagem qualitativa, que de acordo com André (2005),
“busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação”,
valorizando a indução e assumindo que fatos e valores estão intimamente relacionados,
tornando-se inaceitável uma postura neutra do pesquisador. Além da análise de informações
colhidas pelas entrevistas e do estudo dos registros nos diários, busca-se uma interação dos
dados empíricos e os marcos teórico-explicativos.
Pretendo, além da fala, compreender o ponto de vista dos sujeitos envolvidos,
privilegiando essencialmente a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos
sujeitos dessa investigação. Alguns dados e informações coletadas nos documentos originais
como atas, diários de classe, mapas de canhotos e livros de inspeção, em alguns momentos
foram identificados pelos próprios atores, para esclarecimento de algumas dúvidas. Isso só foi
possível porque o local pesquisado é uma cidade jovem e as entrevistadas (com raras
exceções) se encontram ainda residindo no município. Esses documentos fazem parte do
arquivo do município e servirão de base para o levantamento de várias informações no
contexto particular em que está ocorrendo o fato, que é um elemento essencial para sua
compreensão. Além do mais, contribuirão para o registro de aspectos ligados à história da
alfabetização em Alta Floresta.
Essa investigação de abordagem qualitativa e fundo histórico, parte da análise de
fontes documentais localizadas no município e da própria história de vida profissional das
professoras envolvidas. Este tipo de investigação apesar de ter suas raízes históricas no final
do século XIX, só se desenvolve efetivamente no fim dos anos 1960, de acordo com Bogdan e
Biklen (1994), quando os cientistas sociais enfatizaram a dimensão humana na pesquisa.
É possível perceber algumas características da investigação qualitativa, que são
descritas pelos mesmos autores:
1. Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural;
2. A investigação qualitativa é descritiva;
3. Na investigação qualitativa o interesse maior é pelo processo e não
simplesmente pelos resultados;
4. Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma
indutiva.
22
Dentro da abordagem qualitativa, vale lembrar que, quando falamos de uma dimensão
historiográfica, teremos sempre em conta aquilo que, de modo irredutível, é intrínseco da vida
humana. Ao nascer, o ser humano se encontra automaticamente inscrito em uma
determinada relação com a sociedade. A possibilidade de se trabalhar com o conceito
histórico de reconstruir o passado e descrever o presente, através da coleta de informações e
evidências para estabelecer fatos para melhor compreender o presente, é que faz da pesquisa
histórica um valioso instrumento para se interferir na realidade.
Fazer pesquisa não é tarefa simples, principalmente num município tão jovem; ao
mesmo tempo é uma atividade temerária e fascinante, porque tudo está por se desvelar. Não
registro de dados e informações específicas sobre o processo histórico da alfabetização na
área pesquisada, o que existe são dados estatísticos e pequenos fragmentos com datações
numéricas. Não muitas pistas, principalmente nos anos 1978 e 1979, início do município e
do período pesquisado. Não se sabe quais práticas foram utilizadas pelo professor no ensino
da leitura e escrita, e, principalmente, em que condições se deu essa aprendizagem. Esse
estudo será apoiado numa metodologia que buscará não a simples coleta e registro de
informações, mas uma interação dos dados empíricos e os marcos teórico-explicativos.
Para se identificar estas questões, tornara-se necessário identificar como aconteceram
os processos de aprendizagem da leitura e da escrita e como eram organizadas as situações
didáticas adequadas às necessidades de aprendizagem dos alunos pautadas no conhecimento
disponível na época. Para tanto, foram analisados diários escolares, livros-ata, livros de
inspeção e outros documentos elaborados pelos segmentos organizados dentro da própria
escola, como Associação de Pais e Mestres (APM), Grêmio Estudantil e planos de ação de
diretores e supervisores. Esses documentos fazem parte do arquivo do município e serviram
de base para o levantamento de várias informações. Além desses documentos, serão
levantados depoimentos produzidos por sujeitos daquela época e dos tempos atuais, através de
entrevistas gravadas, onde os sujeitos comentam e interpretam aspectos ligados ao tema
alfabetização, que é o foco desse estudo.
Os sujeitos dessa investigação foram definidos levando-se em conta o tempo de
atuação na área de alfabetização (coincidentemente todas do sexo feminino) e, ainda, atuam
na educação há pelo menos 10 anos. Como pretendo privilegiar a fala e o ponto de vista dos
sujeitos, utilizarei a abordagem qualitativa de pesquisa para a presente investigação, o que
exige algumas considerações.
23
Esse tipo de pesquisa possui uma longa história em que se entrecruzam paradigmas,
disciplinas, métodos e estudos interpretativos. André (2005) chama a atenção para a
complexidade do conceito, que normalmente é usado de forma genérica e ampla, o que pode
ser prejudicial ao desenvolvimento dessa abordagem, primeiro porque pode levar a um
exagero de chamar de qualitativo qualquer estudo, seja ele bem ou mal planejado, o que pode
levar a um total descrédito da abordagem qualitativa; depois, ao se aceitar a ambigüidade,
pode-se deixar de discutir os fundamentos teóricos desses estudos. A autora recomenda usá-lo
para diferenciar técnica de coleta de dados ou, até melhor, para designar o tipo de dado
obtido.
Triviños (1987, p. 120) discute que existem pelo menos duas dificuldades para definir
o que entendemos por pesquisa qualitativa. Uma delas diz respeito à abrangência do conceito,
à especificidade de sua ação e aos limites deste campo de investigação, que ainda de acordo
com ele, é um obstáculo que não é fácil de ultrapassar. A segunda dificuldade surge quando
buscamos uma concepção precisa da idéia de pesquisa qualitativa, que como veremos, é muito
mais complexa, exigindo suportes teóricos fundamentais que sempre a alimentam. Apesar
dessas dificuldades, o autor destaca que é uma postura importante no campo da investigação
educacional, porque está baseado na necessidade de uma concepção dinâmica da realidade
social.
Bogdan e Biklen (1994) argumentam também, que:
O objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o
comportamento e experiência humanos. Tentam compreender o processo mediante
o qual as pessoas constroem significados e descrever em que consistem estes
mesmos significados. Recorrem à observação empírica por considerarem que é
função de instâncias concretas do comportamento humano que se pode refletir com
maior clareza e profundidade sobre a condição humana (BOGDAN E BIKLEN,
1994, p. 70).
Essa abordagem exige que o investigador desprenda quantidade maior de tempo
tentando elucidar questões educacionais. Contudo, esse tempo é necessário para que o
investigador freqüente os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Eles
entendem que as ações podem ser mais bem compreendidas quando são observadas no seu
ambiente habitual de ocorrência, o que significa que os dados recolhidos são ricos em
pormenores descritivos relativamente às pessoas, locais e conversas.
[...] As pessoas não sentem que têm uma participação ativa na construção e criação
de significado. A perspectiva teórica que subjaz à investigação qualitativa é
24
diferente. A realidade é construída pelas pessoas, à medida que vão vivendo suas
vidas. As pessoas podem ser ativas na construção e modificação do “mundo real”.
Podem promover modificações e afetar o comportamento dos outros (BOGDAN E
BIKLEN, 1994, p. 284).
Dentro desses debates com diferentes posições, permanece a relação fundamental
entre historiador e suas fontes. A forma como se apresentam os registros e a força da
interferência do pesquisador são aspectos em constante inter-relação. Por isso, cada momento
desta investigação se transformou numa experiência gratificante e encantadora. É uma
emoção saber que aquelas velhas páginas amarelas têm uma história, muitas vezes de conflito,
outras de aproximações. Ninguém passa por elas indiferente.
Penso que a história da alfabetização em Alta Floresta, objeto de estudo dessa
pesquisa, precisa ser contada por meio de diversas fontes e uma delas pode ser a fonte oral.
De acordo com Thompson (1992):
História oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para
dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos
não só entre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula
professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a história para
dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade
(THOMPSON,1992, p. 44).
O autor destaca ainda, que a experiência prática da história oral conduzirá por si só, às
questões mais profundas a respeito da natureza da história. Mas é necessário pensar
seriamente em questões relativas à função social da história. Essa técnica de estudo poderá ser
explicada de maneira mais convincente dentro de um contexto social determinado. Uma das
dificuldades para se trabalhar com essa técnica é a “seleção e avaliação da evidência oral”
(THOMPSON, 1992, p. 10). Afinal como escolhermos a quem ouvir? Quem são as vozes que
queremos ouvir? A história sobrevive como atividade social apenas por ter hoje um sentido
para as pessoas. A voz do passado tem importância para o presente.
Aqui no Brasil, a história oral demorou a se desenvolver. Essa demora de acordo com
(MEIHY, 1996, p. 23) se deve principalmente a dois fatores: a falta de tradições
institucionais não acadêmicas que se empenhassem em desenvolver projetos registradores das
histórias locais e a ausência de vínculos universitários com os localismos e a cultura popular”.
Apenas quando as fronteiras disciplinares perderam seus exclusivismos, já sob a luz do debate
multidisciplinar, é que se iniciaram discussões sobre o avanço da história oral.
Por se tratar de uma pesquisa de história regional, ainda que seja história do tempo
presente, esse estudo conta também com as contribuições da história cultural, através de
25
Burke (2005) e Chartier (2002) que se dedicam às diferenças, aos debates e conflitos, mas
também aos interesses e tradições compartilhados. Esses autores rediscutem a história, e
mantêm um interesse crescente nos valores defendidos por grupos particulares em locais e
períodos específicos.
O estudo desses teóricos nos ajuda a identificar alguns aspectos políticos, econômicos
e metodológicos em diferentes contextos, no caso, Alta Floresta. Algumas investigações
nessa linha foram desenvolvidas, mas ainda muitas abordagens que são pouco
contempladas, como é o caso da pesquisa de fundo histórico com foco cultural e em nível
regional e nacional. Em Mato Grosso, estudos realizados apontam uma produção
acadêmica ainda incipiente, que surge somente nas duas últimas décadas.
O fato de estar ligada ao movimento da história nova, a abordagem da história cultural
adota uma concepção de história que volta seu interesse para as experiências, lembranças e
percepções de mundo, homem e sociedade de grande contingente de homens e mulheres que
viviam distantes do poder. Em contraposição ao modelo historiográfico tradicional, tal
concepção encaminha seus esforços na tentativa de reconstituir o passado a partir do olhar e
da voz dessas pessoas, as quais estiveram ausentes do modelo de história que se concentrava
somente na análise dos grandes acontecimentos e dos grandes homens.
Nessa perspectiva, surgem temas até então ausentes na história tradicional, que
ampliam as possibilidades de se produzir novas compreensões e, portanto, novos sentidos à
história vivida por essa parcela da população. Assim, a história da alfabetização por exemplo,
na visão das professoras, comportaria não apenas os gestos e as vozes de pessoas
escolarizadas, mas, também, outros gestos e outras vozes de pessoas comuns, que iniciaram
suas carreiras profissionais como simples imigrantes.
Em 1981 foi desenvolvida uma pesquisa pela Universidade Federal de São Carlos
“Expectativas Educacionais numa área de Fronteira Agrícola – a Escola vista pelos colonos de
Alta Floresta”, realizada pelo professor Dr. Oreste Preti
7
, que investigou as relações entre
educação e meio rural, identificando as expectativas do “colono-agricultor” frente à escola,
pontuando como esse agricultor o presente escolar dos filhos, por que manda os filhos à
escola, o que espera dela, e qual sua função no contexto em que está inserida.
Outra pesquisa regional desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná “A
Constituição da Escola como Espaço do Colono junto aos Projetos de Colonização do Norte
7
Oreste Preti- Professor da Universidade Federal de Mato Grosso.
26
Matogrossense: Alta Floresta 1976 a 1996”
8
de autoria de Rosane Duarte Rosa, discute
como a escola se constituiu enquanto espaço formativo destinado à adaptação e fixação do
colono em plena selva amazônica, no caso, Alta Floresta.
Pela Universidade Federal de Mato Grosso, existem algumas pesquisas de história
regional, dentre elas destaco: “Alfabetização na escola primária em Diamantino – Mato
Grosso (1930 a 1970)
9
que faz um estudo sobre a implantação de políticas educacionais para
o ensino blico, dando ênfase para o ensino da língua materna na fase inicial de
escolarização e a sua possível apropriação da prática pedagógica pelos professores
alfabetizadores em meados do século passado.
Outra pesquisa, “Concepções e práticas docentes em Alfabetização em Mato Grosso
Últimas décadas”
10
, que discute as atuais práticas de alfabetização em vigor, através da
análise de concepções explícitas em documentos oficiais das duas últimas décadas e em
depoimentos de alfabetizadores, com foco na questão dos métodos de alfabetização. Nesta, a
pesquisadora chegou à conclusão que nas últimas décadas o foco deixou de ser o método de
ensino e passou a ser o processo das práticas sociais.
De acordo com a autora, essa mudança de foco foi prevista através da lei 9.394/96,
que imprimiu maior liberdade aos sistemas de ensino, maior autonomia à organização e o
aprimoramento do material didático por meio do MEC, ganhando uma nova configuração e
ultrapassando o objetivo da leitura e escrita de forma mecânica. Nesse sentido, o papel do
professor é propor situações didáticas que permitam ao aluno pensar sobre a linguagem para
poder utilizá-la adequadamente.
Com essa produção, que identifica e registra experiências nãona alfabetização, mas
também, no ensino de algumas regiões do Mato Grosso, ganham certa legitimidade as práticas
desenvolvidas por esses autores anônimos. A ampliação do modo de compreender o ensino da
língua materna pela incorporação dessas manifestações historicamente silenciadas adquire um
significado maior, porque inúmeros dados e informações antes desvalorizados, esquecidos ou
desprestigiados passam a ser percebidos como importantes registros de época.
Essas pesquisas revestem-se de significado porque ampliam também o campo do
conhecimento de aspectos de uma história do ensino da alfabetização em Mato Grosso,
8
Rosane Duarte Rosa residente em Alta Floresta.
9
SOUZA, Terezinha Fernandes Martins de. Alfabetização na escola primária em Diamantino Mato Grosso
(1930 a 1970). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Mato Grosso, 2006.
10
GOMES, Josenir Santos de Almeida. Concepções e práticas docentes em alfabetização em Mato Grosso -
últimas décadas. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Mato Grosso, 2007.
27
especialmente das formas peculiares que assumiu no contexto da história regional da
alfabetização.
Acredito que a presente investigação reafirma o pensamento de Freire (1979) de que é
preciso buscar alternativas voltadas aos interesses da população excluída de nosso país. Para o
autor, isso pressupõe pesquisadores e educadores interessados em produzir conhecimento
como instrumento de transformação social e, principalmente, que considerem o saber popular,
não como saber menor, mas como uma nova forma de fazer ciência.
Essa investigação além da abordagem qualitativa tem fundo histórico, portanto, não
pode prescindir da íntima relação e interdependência dos fenômenos sociais e históricos,
portanto, fundamentam-se também, nas importantes contribuições de Chartier (2002), Le Goff
(2005), Frago (1993) e Meihy (1996). Penso que a pesquisa educacional, principalmente em
nosso país, deve ter um objetivo maior: o de servir aos processos de transformação da
essência da realidade social que experimentamos e, para isso, deve considerar as múltiplas
dimensões do fato educacional e da história da alfabetização.
Considerar as múltiplas dimensões do fato educacional e, mais especificamente da
história da alfabetização, implica trabalhar com critérios que presidem a pesquisa histórica: a
relevância social e a relevância científica, porque “a história é ao mesmo tempo ciência do
passado e ciência do presente, e o historiador deve atuar na sua época, na sua sociedade, e
deve ajudar a explicar o social no presente” Febre (apud Cardoso, 1981, p.83).
Esses critérios perpassam a história, que é ao mesmo tempo ciência do passado e
ciência do presente, é a forma pela qual o historiador atua na sua época, na sua sociedade, e
deve ajudar a explicar o social no presente e, claro, auxiliar a preparação do futuro. Isso
significa que a escolha de temas de pesquisa histórica deve estar atenta às prioridades sociais
do momento que se vive. Em relação à relevância científica, a ciência histórica como as
demais, evolui, e, em cada etapa redefine os objetos, conceitos, prioridades e possibilidades. É
necessário apenas ter o cuidado de evitar a tentação a aderir a modas que no fundo têm pouca
consistência.
Do ponto de vista da pesquisa de fundo histórico, quero enfatizar a estreita relação
existente entre as categorias de análise que elejo nesse trabalho, (língua materna, prática dos
professores e tipos de materiais didáticos) decorrentes de posturas teóricas que assumi
recentemente e a forma como me aproximo dos acervos em que a investigação se processa.
Busco significado nos documentos que muitas vezes não encontrei na história. Atualmente
28
toda uma discussão historiográfica na escola e também na universidade, porém, as fontes
documentais ainda são pouco discutidas. Aprendemos na rotina da pesquisa.
Pesquisar alguns aspectos da trajetória da alfabetização em Alta Floresta ao longo de
28 anos é uma tarefa temerária e ao mesmo tempo fascinante porque não registro de dados
e informações específicas sobre seu processo histórico nessa área, o que existe são dados
estatísticos e pequenos fragmentos com datações numéricas. Não muitas pistas nos dois
primeiros anos de fundação da cidade, principalmente sobre quais práticas foram utilizadas
pelas professoras no ensino da leitura e escrita e, principalmente, em que condições se deu
essa aprendizagem. Os documentos escolares se resumem a atas e diários escolares.
A pesquisa histórica passou a ganhar espaço e credibilidade na segunda metade do
século XX, quando passou a ter identidade própria. Na verdade, nas últimas décadas, ela
passou por um intenso processo de renovação teórico-metodológico, que além dos aportes
teóricos, vem se valorizando as evidências como fontes orais e iconográficas entre outras.
Concordo com Le Goff (2005, p. 45), quando propõe uma “história o automática, mas
problemática”. Isso quer dizer que os problemas de uma história devem ser trazidos para o
tempo presente, para nos permitir viver e compreender num mundo em estado de constante
instabilidade. “Os homens se parecem mais com seu tempo do que com seus pais”, continua
ele. Isso quer dizer que a pesquisa histórica deve estar atenta às relações entre presente e
passado, ou seja, deve-se compreender o presente pelo passado, mas também compreender o
passado pelo presente.
No caso específico da pesquisa histórica, percebi desde o início que o confronto com o
passado é acompanhado de várias reminiscências, algumas dolorosas como morte, distância,
desaparecimento, outras mais positivas, como encontro, sociedade, ou o início de uma
atividade. É tudo muito indefinido, principalmente para pesquisadores iniciantes. Além do
mais, me preocupava a determinação do que podia representar fato de interesse para história
da alfabetização no município, isso com o tempo foi deixado para trás. Nessa pesquisa, não há
a pretensão de recolher todas as provas possíveis de todos os fatos que poderiam ser de
interesse da história da alfabetização em Alta Floresta. Essa pretensão de que a sondagem dos
registros do passado poderia descortinar acontecimentos que se apresentassem no seu
desenrolar original, desvaneceu-se. À proporção que ia me aprofundando nos acervos, fui
percebendo que eles não me ofereciam a segurança esperada, não me sentia tranqüila nem
para fazer seu registro.
29
Mas, com o tempo, fui me aprofundando na pesquisa e descobrindo algumas pistas,
que abriram uma série de novas perspectivas de abordagens do passado que puseram por terra
qualquer idéia de uma história única e “limpa”. Essa mesma história foi sendo substituída pela
fascinante diversidade de pontos de observação do passado. Na verdade, tive que me despir de
um positivismo mal disfarçado e enfrentar diferentes posições, mas, permaneceu a relação
fundamental entre o historiador e suas fontes. A forma como se apresentam os registros e a
força da interferência do pesquisador, são aspectos em constante inter-relação e mudança, que
só com o tempo fui percebendo.
As dúvidas foram se intensificado, o que foi muito bom, porque antes não havia nem o
benefício da dúvida. Perguntas como: Em que medida a organização dos arquivos influi na
história que é escrita? Em que medida os documentos que ali estão preservados determinam
nossas conclusões no trabalho de pesquisa? Como lidar com a possibilidade da existência de
documentos contraditórios? Precisamos ter todas as séries completas? Que peso dar a um
documento único, como uma ata de reunião? Como aproveitar uma informação excepcional?
Até onde confiar no que está escrito, sobretudo de fontes produzidas longo tempo, por
professores com imensas limitações teórico-conceituais?
Na verdade, um receio muito grande de se dar um tiro no escuro, por isso muitas
vezes o pesquisador recorre a sua “dimensão galinha
11
agarrando-se ao seu chão: o
testemunho (oral, escrito, levantamento quantitativo, iconográfico) do passado, é claro,
acabam por funcionar como um porto seguro a favor de sua existência. É uma garantia que a
história que ele está contando, encontra-se apoiada em dados que poderiam comprovar a
ocorrência real do que se escreve. Só com o tempo, essa resistência foi arrefecendo e a rota
sendo corrigida.
Como se vê, o foco foi deslocado para a diversidade de pontos de observação do
passado. É claro que essa diversidade perderia seu brilho e credibilidade se resvalasse para a
permissão ao relativismo completo ou ao descompromisso com a realidade concreta, mesmo
que inatingível na sua plenitude. De acordo com Alves (2003, p.2), “a busca permanente de
uma aproximação do passado amparado no rigor conceitual e metodológico movimenta os
debates entre correntes historiográficas.” Mesmo aquelas que põem em evidência a
fragilidade da construção, alimentam o desejo de fomentar a produção no campo intelectual.
Com essa pesquisa, como foi explicitado anteriormente, não se pretende recolher todas
as provas possíveis de todos os fatos que poderiam ser de interesse da história da
11
Referência ao livro do Leonardo Boff “A águia e a galinha”, que faz uma metáfora da condição humana:
galinha- o chão firme; águia- o sonho, a altura.
30
alfabetização em Alta Floresta, mas, aqueles que sobrevivem como atividade social apenas
por ter um sentido para as professoras. Essa pretensão de que a sondagem dos registros do
passado poderia descortinar acontecimentos que se apresentassem no seu desenrolar original,
desvaneceu-se. Assim compreendo que,
As mudanças de rumo nos caminhos epistemológicos do campo da história influem
e estimulam a busca e identificação de novas possibilidades de fontes. Para além
das disputas teóricas, pertinentes sob vários aspectos e importantes nas suas
implicações políticas no sentido mais profundo, é forçoso constatar o
enriquecimento da história no seu significado mais abrangente, com as
contribuições de novas gerações de pesquisadores e seu movimento de descortinar
horizontes de pesquisa, expressos em novas temáticas, novas fontes, novos
enfoques (ALVES, 2003, p. 35).
12
Fui percebendo aos poucos, as múltiplas possibilidades de se escrever histórias,
através da leitura e da pesquisa bibliográfica. O século XX produziu várias abordagens do
passado, não existe uma história única, mas uma maravilhosa diversidade de pontos de vista
para se olhar o passado. Essas transformações me permitiram a compreensão de que não são
os fatos, mas as categorias de análise utilizadas pelo pesquisador que fornecem a base para a
construção da narrativa histórica. Está claro que o pesquisador deve manter seu compromisso
com a realidade concreta, mesmo que não possa atingir sua plenitude. Ele deve se manter
sempre amparado no rigor conceitual e metodológico.
Este tipo de investigação com raízes históricas estabeleceu um amplo debate entre o
quantitativo e o qualitativo no final do século XIX. Dentro da abordagem qualitativa, vale
lembrar que, quando falamos de uma dimensão historiográfica, teremos sempre em conta
aquilo que, de modo irredutível, é intrínseco da vida humana. Ao nascer, o ser humano se
encontra automaticamente inscrito em uma determinada relação com a sociedade. A
possibilidade de se trabalhar com o conceito histórico de reconstruir o passado e descrever o
presente, através da coleta de informações e evidências para estabelecer fatos para melhor
compreender o presente, é que faz da pesquisa histórica um valioso instrumento para se
interferir na realidade.
Le Goff (2005, p. 60), afirma que “a história nova foi definida pelo aparecimento de
novos problemas, de novos métodos que renovam domínios tradicionais da história”. O que o
autor quer dizer é que as últimas décadas foram marcadas pela rápida expansão nessa área de
pesquisa, a da produção histórica. O autor discute ainda que, no decorrer dos dez últimos
12
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Fragmento do texto apresentado
no mini-curso ministrado na 26ª Reunião Anual da Anped – Poços de Caldas, 2003.
31
anos, a “história caminhou depressa”. Não a história que se faz no mundo que os homens
vivem como também a história que os historiadores fazem.
Acredito que a presente investigação reafirma o pensamento de Freire (1979) de que é
preciso buscar alternativas voltadas aos interesses da população excluída de nosso país. Para o
autor, isso pressupõe pesquisadores e educadores interessados em produzir conhecimento
como instrumento de transformação social e, principalmente, que considerem o saber popular,
não como saber menor, mas como uma nova forma de fazer ciência.
Em relação aos instrumentos de pesquisa, foi elaborado um roteiro de entrevista com
questões mais abertas, deixando o professor mais espontâneo, na medida em que, eles
respondiam o que queriam; porém, o fato de estarem sendo entrevistados por uma
pesquisadora ligada a uma instituição, no caso a UFMT, alterou de alguma forma estes
discursos, e esta alteração será considerada na análise; afinal, para o pesquisador, até a recusa
ou o silêncio, é uma resposta passível de análise.
Dentro dessa perspectiva, a opção pela história oral foi fundamental para se ter uma
maior compreensão da história profissional e de vida dessas professoras. Para Meihy (1996,
p.13), “história oral é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivos e
estudos referentes à vida social de pessoas”. É uma forma de captar as experiências de
pessoas dispostas a falar sobre aspectos de sua vida, mantendo um comprometimento com o
contexto social. É muito usada para complementar documento e preencher lacunas de
informações ou promover o diálogo com outras fontes conhecidas; entretanto, de acordo
com a autora, é importante ressaltar que se pode assumi-la isoladamente, com valores
próprios. Sua base é o depoimento gravado.
Esse tipo de instrumento de coleta de informação normalmente é acompanhado de
uma narrativa na primeira pessoa. É uma forma de se obter detalhes da história diretamente
dos que nela participaram e é muito adequado na abordagem qualitativa porque se tem uma
idéia mais clara da forma como é vista a história na perspectiva do cidadão comum, que
geralmente é utilizado como veículo para a compreensão de aspectos básicos do
comportamento humano ou das instituições existentes.
Assim procedendo, se abre espaço para a construção de um panorama da
alfabetização, que terá a contribuição de vários pesquisadores, e para tal, fui buscar identificar
algumas bases teóricas adotadas pelas professoras, ao longo desse período, em autores como:
Soares (2002), Kleiman (2001), Lajolo (1996), Amâncio (2002), para verificar que
implicações terão na alfabetização. Serão utilizados para análise dos conteúdos trabalhados
32
pelas professoras, os diários de classe e entrevistas. Para embasamento dessas análises, será
utilizada uma classificação das concepções sugeridas por Geraldi (2006) no livro “O texto em
sala de aula”. Ele agrupa: Linguagem como Expressão do Pensamento, Linguagem como
meio objetivo para a Comunicação e Linguagem como processo de Interação Verbal,
conceitos que serão explicitados mais adiante.
1.1 O Contexto da Pesquisa
Em 1981, foi feito um resumo da história de Alta Floresta, organizado pela Prefeitura
local. Nesse texto, o topógrafo Antonio Nunes Severo Gomes, antigo auxiliar de Bernardo
Sayão na construção de Brasília, sentenciou para si mesmo: “Aqui vai ser a cidade de Alta
Floresta”. Na ocasião, segundo documento, fincou uma estaca do tripé no chão. Eram
exatamente 14 horas e 30 minutos do dia 19 de maio de 1976. Naquele momento estava
fundada a cidade. Mas a história de Alta Floresta começou bem antes. Já em 1960, o Sr.
Ariosto da Riva, paulista da cidade de Agudos, descendente de italianos, 65 anos, fundou a
cidade de Naviraí, Carapó e Glória de Dourados no extremo sul do Mato Grosso. Em seguida,
fundou a imensa fazenda Suiá-Missú, de 560 mil hectares para pecuária. Em 1964, associou-
se ao grupo Ometto desenvolvendo a bovinocultura com incentivos fiscais, desligando-se
posteriormente da aliança com esses grupos. A própria fazenda foi mais tarde vendida à
multinacional italiana Liquifarm, representada no Brasil pela Liquigás. Em 1972, Ariosto
participou de uma concorrência pública feita pelo Governo de Mato Grosso, onde este Estado
vendia 630 mil hectares de terra no extremo norte do Mato Grosso, dentro do município de
Aripuanã, exigindo um projeto de colonização completo por parte dos concorrentes em 400
mil hectares da referida área. Ganha a concorrência, Ariosto, apelidado por David Nasser de
“último bandeirante”; começou a implantar seu projeto. Ariosto fundou então a INDECO S/A
(Integração, Desenvolvimento e colonização).
13
Em 1976, quando os primeiros colonos chegaram a Alta Floresta, já havia uma infra-
estrutura mínima para atendê-los: farmácia, posto de gasolina, oficinas mecânicas, serrarias,
açougue, armazéns, olarias, pensões, ambulatório médico e dentário, bazares, restaurantes e
13
Esses dados foram obtidos junto à Escola Estadual Vitória Furlani da Riva, Secretaria de Educação e Censo
Agropecuário de 1981; além da obra: “As migrações Rurais e Implicações Pastorais” – Um estudo das migrações
do sul do país em direção ao norte do Mato Grosso, de José Renato Schaefer.
33
escolas. No início esses empreendimentos pertenciam a INDECO, com o passar do tempo foi
transferindo para pessoas interessadas na exploração efetiva desses negócios.
O projeto de colonização de Alta Floresta atendia a uma política do governo militar,
que era a ocupação dos espaços vazios e a expansão da fronteira agrícola. Mas, não se pode
falar de expansão da fronteira agrícola sem falar das massas humanas que se deslocaram
movidas pelo desespero de não poderem ficar em seus locais de origem, e pela incerteza da
chegada em uma terra estranha. Falo aqui do problema das migrações internas,
especificamente às migrações que a partir da década de 1970 se orientam no sentido Sul-
Centro-Oeste e Sul-Norte no âmbito rural e inter-regional. Havia inúmeras implicações de
ordem social, econômica e religiosa para aqueles que se dirigiam para as novas fronteiras
agrícolas do país.
indícios sugeridos principalmente pelas entrevistas e alguns documentos da época,
da hipótese de que um novo ciclo (soja) teria motivado essa nova ordem migratória do país, o
que não é uma novidade, pois o Brasil tem passado por algum fluxo migratório, sempre
relacionado a determinados ciclos econômicos que a história tem registrado desde a época
colonial. O Nordeste com o ciclo da cana-de-açúcar é emblemático. O aparecimento desses
ciclos é sempre orientado de acordo com os interesses econômicos neles envolvidos.
As grandes extensões com plantações de soja tiveram conseqüências desastrosas para
os pequenos proprietários advindos do sul do país, principalmente do Paraná. De acordo com
Schaefer (1985, p. 13), todo sistema fundiário foi profundamente afetado na região pelo
plantio da soja em larga escala. Tudo indica que na época, o fluxo migratório rural-rural foi
fruto do apogeu do ciclo da soja e ao mesmo tempo da decadência dum tipo tradicional de
subsistência não-mecanizada.
Nesse contexto, as escolas tiveram uma participação decisiva no projeto de
colonização, pois desde o início a questão educacional fazia parte da estratégia de ocupação
da região, que fica evidente quando se analisa a fala das professoras que iniciaram com a
formação do município. O próprio colonizador tinha interesse em mostrar para o colono, que
mesmo sendo um lugar distante e novo, havia condições para ele se estabelecer com a família,
criar e educar seus filhos.
À medida que se entrevista as professoras, é comum observar que todas relembram
em detalhes os “primeiros tempos”, a chegada, os primeiros dias, a primeira escola. São
momentos de muitas dificuldades e inseguranças. É a história da família que parte em busca
de melhores condições de vida. Sobre essa questão, Meihy (1996, p. 37), discute que a
34
história oral de família não é a soma das histórias de vidas individuais, mas tem sempre um
compromisso com a definição do projeto familiar.
Essas professoras chegaram aqui na década de 1970, junto com um intenso processo
migratório que ocorreu norte de Mato Grosso nessa mesma época. Existe uma pesquisa que
analisa essa questão, publicada em 1985
14
, abrangendo os municípios de Sinop, Colíder e Alta
Floresta, e discute as causas das migrações inter-regionais que se verificaram na ocasião. Esse
estudo envolve 100 famílias, sendo 34 em Alta Floresta, 33 em Sinop e 33 em Colíder. De
acordo com essa pesquisa, o Paraná é o estado do qual 33 municípios contribuíram com
migrantes, seguido por Santa Catarina com 13 municípios.
Não registro de dados e informações específicas sobre o processo histórico da
alfabetização em Alta Floresta (objeto de estudo), o pouco que existe são dados estatísticos e
pequenos fragmentos com datações numéricas. Além dos dados documentais, foram
levantadas informações sobre a prática das professoras alfabetizadoras que atuaram nessa
área, através de entrevistas, com questões abertas e fechadas, que foram gravadas, transcritas
e analisadas. Esse roteiro apresento anexo, contém informações sobre: como eram ensinadas a
leitura e a escrita, se eram ensinadas simultaneamente, que atividades eram desenvolvidas
para se trabalhar com a língua materna, qual o método usado por essas professoras, que
materiais e livros eram usados, de onde vinham esses materiais, se havia muitos alunos
reprovados, o que se fazia com eles, em quais disciplinas reprovavam mais.
Os sujeitos dessa pesquisa são onze professoras que atuaram entre os anos de 1978 e
2006, destas, quatro iniciaram suas atividades junto com a abertura do então distrito de
Aripuanã, hoje Alta Floresta, as demais, atuaram na área de alfabetização mais de 10 anos,
portanto o critério de escolha desses sujeitos é o tempo de atuação nessa atividade. As
informações serão tratadas de forma qualitativa, o que ajudará a explicitar os dados. Em
relação a esse tema, André (1995) discute que se pode fazer uma pesquisa onde se utilize
basicamente dado quantitativo, mas na análise que faço desses dados estará sempre presente
meu quadro de referência, meus valores e, portanto, a dimensão qualitativa.
O percurso histórico da Alfabetização em Alta Floresta foi realizado através da análise
e interpretação das informações colhidas junto às professoras da época (entrevista) e
investigação realizada nos documentos localizados no próprio município. Com isso, pretendo
compreender não os discursos das professoras, para apreender como se trabalhava de fato
com o ensino da língua materna nos anos iniciais, mas também traçar um conjunto de
14
“As migrações Rurais e Implicações Pastorais um estudo das migrações campo-campo do sul do país em
direção ao norte do Mato Grosso”, de José Renato Schaefer, publicado pela Edições Loyola.
35
questões a serem respondidas no exame das fontes de pesquisa, incluindo documentos da
escola como diários de classe, livros-ata, notícias veiculadas na imprensa sobre as escolas e
até depoimentos de ex-alunos.
Antes de iniciar a entrevista com as professoras, participei de algumas atividades com
as entrevistadas, desenvolvendo alguns projetos de capacitação na área de formação
continuada e realizando algumas atividades nas escolas pesquisadas. Esse contato foi
importante porque além de poder investigar o contexto e o perfil dessas professoras, me
permitiu o contato com algumas salas de alfabetização, ainda que por pouco tempo,
contribuindo assim, para perceber algumas nuances presentes na prática de alfabetização, que
ajudou também a definir com mais clareza o próprio rumo dessa pesquisa.
Apesar da aproximação com essas professoras, os dados coletados não deixam de ter o
peso de qualquer interpretação; constantemente comparo minhas opiniões com os dados
coletados e vejo uma riqueza de detalhes e acontecimentos que muitas vezes se confrontam.
Isso exige algum esforço, pois lidar com o plural é sempre difícil, exigindo que as várias
partes abdiquem de posições fechadas e passem a ouvir e a se entender mutuamente.
Essa multiplicidade de idéias e opiniões é ilustrada por Calvino
15
, que identifica as
qualidades mais importantes a serem salvas para o próximo milênio e que devem nortear a
ação de cada indivíduo: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência
(esta apenas indicada, o escrita). Por meio da multiplicidade os dados são enriquecidos por
enfoques novos, alimentando a vontade de ultrapassar os caminhos batidos, os saberes
adquiridos. Como se sabe, numa abordagem qualitativa, o objetivo principal do investigador
é construir conhecimento e gerar teoria, descrição ou compreensão.
1. 2 O perfil dos sujeitos
Nos primeiros anos da fundação de Alta Floresta, a escola era organizada pela igreja, e
se constituía num lugar onde todos se reuniam; acabou se tornando um lugar de socialização,
de construção de identidade. Era escola e igreja ao mesmo tempo, além de ser um espaço
comunitário, servia para preparar o novo colono para se adaptar e fixar na nova terra. Era um
espaço para ensinar, aprender, rezar, trabalhar, festejar.
15
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.
36
Defino como sujeitos, 11 professoras que ministraram aulas nas salas de alfabetização
e atuaram entre os anos de 1978 e 2006 nas escolas municipais e estaduais, sendo que, quatro
delas, iniciaram suas atividades junto com a abertura do então distrito de Aripuanã, hoje Alta
Floresta; as demais atuam na área de alfabetização há mais de dez anos, portanto o critério de
escolha desses sujeitos é o tempo de atuação nessa atividade.
Essa pesquisa se desenvolveu em três etapas: inicialmente com a coleta de
informações nos diários de classe; em seguida, entrevistas gravadas com as 11 professoras
que atuaram entre os anos de 1978 a 2006. Além dessas, foram realizadas mais duas
entrevistas adicionais para complementar informação acerca de projetos pedagógicos
desenvolvidos no município.
Para as entrevistas foram selecionados três grupos: grupo 1: professoras que
trabalharam em Alta Floresta nos primeiros anos da colonização entre os anos de 1978 a
1986; grupo 2: professoras que atuaram entre 1987 e 1995; grupo 3: professoras que atuaram
de 1996 aos dias atuais. Essa divisão se deu em função de uma maior compreensão do
processo de alfabetização durante os 28 anos, do período pesquisado.
Para se entender melhor o conteúdo das falas das entrevistadas e para que se pudesse
analisar o que seus discursos enunciam e muitas vezes também denunciam, torna-se
necessário traçar algumas características do grupo que foi entrevistado, composto por essas
professoras com idades entre 30 e 55 anos que participaram de entrevistas gravadas e
questionários. Todos os sujeitos entrevistados têm curso superior, uma concluiu o mestrado e
duas são mestrandas. Todo o grupo já atuou há mais de 10, como docentes no Ensino
Fundamental.
A maioria das professoras que aqui chegaram, partiram do sul do país, mais
especificamente do Paraná, em busca do sonho da terra para trabalhar e criar seus filhos. A
promessa de trabalho, escola e família moveram essas docentes, que a região naquela
ocasião (década de 1970), de acordo com as próprias entrevistadas, sofria com as geadas e
enfrentava a questão da mecanização da agricultura, onde a mão-de-obra do pequeno
agricultor estava sendo substituída pela máquina. O município que começava no norte mato-
grossense parecia uma boa opção.
Durante a entrevista, essas professoras ressaltam e relembram em detalhes, a
construção das primeiras escolas, os primeiros alunos e as dificuldades enfrentadas para
alfabetizar no início da colonização em Alta Floresta. Mas, todas são unânimes em reconhecer
37
que contribuíram para o ensino no município de forma direta ou indireta e se sentem
orgulhosas desse fato.
Essas professoras fazem parte de uma parcela da sociedade que se encontra castigadas
pela sua posição de desvantagem social, que não consegue possuir e manter sua família de
forma digna, e para sobreviver são impelidas a procurar outros locais de trabalho. Uma das
entrevistadas trabalha os três períodos, inclusive um dos períodos numa faculdade particular;
outra tem uma pequena loja de confecções; outra faz doces e bolos sob encomenda nos finais
de semana. Essa questão fica evidente no nível de escolarização dos companheiros: apenas
um tem curso superior, apesar de todas as esposas terem freqüentado uma universidade. No
grupo há biólogas, pedagogas e uma com formação em letras.
Em relação às questões específicas de alfabetização, o grupo acompanhou as
principais mudanças, mas algumas sentem dificuldades em discutir conceitos como
construtivismo e sóciointeracionismo. A entrevistada mais recente que atua apenas treze
anos, alega não usar cartilha, as demais reconhecem sua importância, mas afirmam que não
deve ser usada como “bíblia”. Todas demonstram partilhar sentimentos de insegurança em
virtude das diversas dificuldades que enfrentam no cotidiano, grande parte deles ligados às
várias mudanças relacionadas aos muitos modelos de ensino adotado pelo município num
curto espaço de tempo.
Para se ter uma idéia a partir dos anos de 1999 as professoras passaram a trabalhar de
forma ciclada (CBA). Dentro dessa organização de ensino, trabalharam com complexo
temático e através de projetos, de acordo com uma das entrevistadas. “Nem bem aprendíamos
um modelo, estávamos passando por outro”, dizia ela. Essa angústia é partilhada pela
maioria das professoras.
Quando um professor procura inovar sua prática, adotando um modelo de ensino que
pressupõe a construção de conhecimento sem compreender suficientemente as questões que
lhe dão sustentação, corre o risco, grave a meu ver, de ficar se deslocando de um modelo que
lhe é familiar para outro, meio desconhecido, sem muito domínio de sua prática. Essa questão
tem como eixo central a discussão sobre o rumo que vem tomando as políticas públicas de
formação de professores, entre as quais a formação continuada é apenas uma parte desse
contexto mais amplo que situa a preparação de quadros docentes para os sistemas de ensino.
O quadro abaixo exemplifica de forma sucinta, quem é essa professora, de onde ela
veio, qual sua formação, como ela alfabetiza e seu tempo de atuação na área.
38
Quadro 1 – Perfil dos Sujeitos entrevistados.
PROF. ORIGEM FORMAÇÃO
COMO
ALFABETIZA
TEMPO DE
EXPERIÊNCIA
IDADE
SITUAÇÃO
FUNCIONAL
1 PR Mestrado Tradicional 29
52
P1EAT
2 PR Superior Tradicional 20 48 P2MAT
3 PR Superior Tradicional 30 48 P3EAT
4 PR Superior
Emília
Ferreiro
28 49 P4EAT
5 PR Superior Tradicional 30 57 P5EAT
6 PR Superior Tradicional 32 45 P6EAT
7
PR
Superior
Emília
Ferreiro
14 35 P7MAT
8 PR Superior
Emília
Ferreiro
17 37 P8MAT
9
SP
Superior Projeto 31 58 P9MAT
10 PR Superior Tradicional 31 56 P10MAP
11 PR Superior Projeto 13 34 P11MAT
Fonte: Depoimento colhido junto às professoras.
Legenda: P- Professora; E- Estadual; M- Municipal; AT- Ativa; AP- Aposentada.
De acordo com esse quadro, o estado do Paraná é o campeão na “exportação” de
professoras. Das onze entrevistadas, apenas uma não veio de lá. Todas m curso superior e
aqui chegaram em busca de um lugar para morar, criar seus filhos e estudar como está
demonstrado no quadro anterior.
Mas o que faz essas professoras se deslocarem para uma terra distante e desconhecida?
Talvez o fato desta experiência, dos primeiros tempos não vir separada da experiência anterior
da angústia, da e da procura por uma “terra prometida”, infinitamente almejada, e tantas
vezes vista pela imaginação. Aqui chegaram muitas sem experiência com a educação, mas
com muita força de vontade; algumas ainda “meninas que ensinavam meninas; bastava a
39
série para dar aula”, lembra uma professora. Todas que aqui chegaram e tinham o mínimo de
condições para atuar na área de educação eram convidadas a fazer parte do quadro de
professoras.
A seguir, serão apresentados alguns aspectos da rede escolar de Alta Floresta.
1.3 A Rede Escolar em Alta Floresta – Um pouco de História
À época, a rede escolar foi pensada para atender não só as exigências dos colonos, mas
também a população local. Foi contratado um professor para que pensasse um projeto que
fosse viável e prático para atender a todas as crianças em idade escolar, quer da zona urbana
ou rural. Pensou-se então, num sistema de escolas que pudesse melhor funcionar tanto do
ponto de vista pedagógico como administrativo. A solução encontrada foi uma escola-sede no
núcleo urbano, e no setor rural, uma série de escolas satélites, geralmente situadas num local
de maior densidade demográfica. Normalmente 10 km entre uma e outra.
Estas escolas rurais
16
eram chamadas de “salas de aula” e tinham um número
correspondente; todas dependiam da escola-sede, à época, Escola Estadual Vitória Furlani da
Riva, inaugurada em 1977. A opção pela extensão possibilitava uma unidade administrativa e
pedagógica que facilitava os trabalhos, que a diretoria, secretaria e a administração ficavam
centralizadas. Havia também uma comissão formada por uma pedagoga, uma secretária e um
administrador, estes circulavam regularmente pelas escolas rurais para apoio, supervisão e
controle. Essas escolas rurais foram fundadas no processo de formação das comunidades e se
constituíam em verdadeiros centros comunitários com uma função muito ampla na vida dos
colonos.
Neste mesmo ano, a escola oferecia estudos de a série do Ensino Fundamental
e atendia a 793 alunos. No ano seguinte, em 1978, atendia 953 alunos na série
17
. O
corpo docente era composto basicamente por professores sem formação específica no
magistério. A maioria era composta por profissionais liberais que adequavam a atividade
docente com o único objetivo de ajudar, muitos não tinham pretensão de serem contratados.
Nessa época, Alta Floresta também funcionava como município-sede no atendimento
e apoio aos municípios circunvizinhos, Apiacás, Carlinda, Nova Bandeirante, Nova Monte
16
Informações localizadas no PME - Plano Municipal de Educação – 2006/2016 - Alta Floresta/MT.
17
Contagem manual em 31 diários da 1ª série referente ao ano de 1978 (nota da pesquisadora).
40
Verde, Paranaíta, São José do Apuí e Trivelato.
18
Eram atendidas mais de duzentas escolas,
inclusive com o Projeto Logos II, que acontecia duas vezes por ano, no início de cada
semestre, para “qualificação de professores leigos”. Em 1990, a Universidade Federal de
Mato Grosso formou a primeira turma de pedagogos, em curso de férias, com duração de
quatro anos.
Ainda nesse ano, foi desenvolvido o Projeto Arrastão, que atendeu a oitenta e cinco
comunidades nos distritos vizinhos, voltado especificamente para a zona rural. Esse Projeto
deu início ao processo de nucleamento, centralizando as pequenas escolas, tornando-as mais
bem localizadas geograficamente, numa tentativa de eliminar as salas que funcionavam de
forma multiseriadas.
Em 2000, teve início a substituição gradativa da escola seriada para a escola ciclada
19
.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais MEC, a organização do Ensino em
ciclo no Brasil iniciou na década de 1980, quando vários Estados e Municípios reestruturaram
o Ensino Fundamental, e ries em um ciclo de dois anos que tinha como objetivo
político reduzir os índices de evasão e reprovação nas séries iniciais. O princípio orientador
dessa proposta era a flexibilização do tempo, possibilitando que o currículo fosse trabalhado
num período maior, permitindo assim respeitar os diferentes ritmos dos alunos.
Nesse mesmo ano, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura do município,
convida um consultor de Porto Alegre, o professor Dr. Sílvio Rocha, que implanta uma nova
abordagem do ciclo: O Complexo Temático, baseado no estudo do educador russo Moisés
Mikhaylovich Pistrak, que propõe a organização do trabalho pedagógico através de um
sistema que garante a compreensão da realidade atual, de acordo com o método dialético,
através do qual se estuda os fenômenos ou temas articulados entre si. Os principais eixos
discutidos no complexo temático são: gestão democrática, currículo, avaliação e princípios de
convivência.
20
18
Dados obtidos junto a Secretaria de Educação, Prefeitura Municipal de Alta Floresta e arquivos da Escola
Estadual Vitória Furlani da Riva.
19
Em 1998 à Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso SEDUC iniciou a reestruturação do Ensino
Fundamental, com a implantação do Ciclo Básico de Aprendizagem CBA. Essa proposta foi criada com o
objetivo de enfrentar o fracasso escolar e eliminar a reprovação no primeiro ano de escolaridade, contribuindo
para a permanência da criança em idade escolar no sistema de ensino, garantindo assim, inicialmente, o direito à
alfabetização. No final de 1999, a SEDUC propõe a implantação de Ciclos de Formação para todo o Ensino
Fundamental. Para maiores conhecimentos sobre a Proposta do CBA, veja: Escola Ciclada de Mato Grosso
Novos Tempos e Espaços para Ensinar aprender a sentir, ser e fazer. Secretaria de Estado de Educação.
Cuiabá: SEDUC. 2000.
20
Caderno Pedagógico 12, Secretaria Municipal de Educação – Porto Alegre.
41
Dentro dessa abordagem, a construção do currículo se alicerça em quatro grandes
fontes
21
: 1. Fonte Sócio-antropológica; 2. Fonte Epistemológica; 3. Fonte Sócio-
interacionista; 4. Fonte Filosófica. A primeira trabalha com o movimento constante de resgate
da realidade vivida pelos alunos: são as relações sociais e culturais presentes nesta realidade;
construções do pensamento e da linguagem, estabelecimento do diálogo constante entre
comunidade e escola. A segunda atenta para a necessidade de olhar a realidade como uma
totalidade complexa, perpassada de relações a partir da qual as áreas e disciplinas contribuem
com a compreensão. A terceira atende ao desenvolvimento e aprendizagens possíveis das
alunas e alunos em cada ciclo de formação, considerando cada aluno no seu processo de
aprendizagem e desenvolvimento da cognição, psicomotricidade e afetividade. A quarta prevê
tempos diferenciados de aprendizagem dos alunos, que exigem um conjunto de concepções
que organize a escola para a vivência das aprendizagens possíveis a todos, trabalhando com as
diferenças que existem.
No ano seguinte 2001, o Complexo Temático começa a ser substituído pelo Mapa
Conceitual
22
. Essa abordagem, também é embasada na teoria construtivista, entendendo que o
indivíduo constrói seu conhecimento e significados, a partir de sua predisposição para realizar
esta construção. Serve como instrumento para facilitar o aprendizado e transformar o
conteúdo sistematizado em conteúdo significativo para o aluno. Pode ser utilizado como
estratégia de estudo, apresentação de itens curriculares, instrumento para avaliação de
aprendizagem escolar e nas pesquisas educacionais. Essa nova abordagem do ciclo tem vida
curta: um ano.
Em 2002, é o ano da reorganização do Currículo por Projetos
23
. Esse modelo propõe
que o docente abandone o papel de “transmissor” de conteúdos, para se transformar num
pesquisador. O aluno por sua vez, passa de receptor passivo a sujeito do processo. Não há um
método a seguir, mas uma série de condições a respeitar. Esses modelos serão discutidos com
mais ênfase no capítulo seguinte.
21
Dados informativos publicados num documento oficial conjunto “Escola Ciclada” Assessoria
Pedagógica/Secretaria Municipal de Educação de Alta Floresta-SME/Centro de Formação e Atualização do
Professor-CEPAPRO, março 2000.
22
Mapa Conceitual são representações gráficas semelhantes a diagramas, que indicam relações entre conceitos
ligados por palavras. Esta abordagem também está embasada na teoria construtivista. Serve como instrumento
para facilitar o aprendizado do conteúdo sistematizado em conteúdo significativo para o aluno. Essa técnica foi
desenvolvida por Joseph Novak e seus colaboradores na universidade de Cornell, nos Estados Unidos. O livro de
FARIA, Wilson. “Mapas conceituais: aplicações ao ensino, currículo e avaliação”.São Paulo: EPU-Temas
Básicos de Educação e Ensino, 1995, esclarece a questão.
23
Proposta do educador espanhol Fernando Hernández, baseada nas idéias de John Dewey (1859-1952), filósofo
e pedagogo norte-americano que defendia a relação da vida com a sociedade, dos meios com os fins e da teoria
com a prática.
42
Atualmente, os sujeitos dessa pesquisa, alegam que “fazem um pouco de tudo”,
mesclando aqui e ali, demonstrando partilhar sentimentos de insegurança em virtude das
diversas dificuldades enfrentadas por múltiplas abordagens num curto espaço de tempo. Eles
ficam se deslocando de um modelo que lhes parece quase familiar, para outro, meio
desconhecido, sem muito domínio de sua prática.
Isso acaba sendo desastroso para alunos e professores, porque ambos precisam ver o
ensino como um processo de construção compartilhada de significados, orientados para a
autonomia do aluno, alcançando o êxito necessário que caracteriza a aprendizagem escolar. A
professora precisa ajudar o aluno a compreender, a dar sentidos aos conteúdos que são
trabalhados diariamente e isso depende em grande parte de como essa professora vai motivar
esse aluno. A escola tem que abrir suas portas e deixar que as questões sociais nela apareçam
e sejam discutidas, assumir seu papel de instituição integrante da história, transformando e
sendo transformada pelos movimentos mais amplos da sociedade.
Essa escola precisa ser uma escola viva, concreta, real, comprometida com os direitos
dos que nela trabalham e estudam e com a luta pela ampliação do direito à infância para
todos.
No próximo item, serão discutidos os principais instrumentos dessa pesquisa.
1.4. Instrumentos de pesquisa e procedimentos
1.4.1 Entrevistas
Os primeiros contatos com a maioria das onze entrevistadas aconteceram muito antes
do início da pesquisa. Trabalhei com três delas na secretaria de educação do município, o que
contribuiu para aprimorar a elaboração do problema inicial e do próprio projeto de pesquisa.
A investigação do contexto e o perfil do grupo a ser pesquisado também foram facilitados por
essa aproximação, mas tive que me distanciar um pouco no momento de analisar e interpretar
cientificamente certos dados e informações sobre o processo de alfabetização das professoras.
Na pesquisa de campo, foram utilizados os instrumentos de entrevistas semi-
estruturadas e gravadas, cujo roteiro apresento anexo. De acordo com Bogdan e Biklen (1994,
43
p. 134), “uma entrevista consiste numa conversa intencional, geralmente entre duas pessoas,
embora por vezes possa envolver mais pessoas”. A entrevista é considerada por Ludke e
André (1986), como uma das principais técnicas de trabalho em ciências humanas e sociais e
uma das mais adequadas à pesquisa em educação, mas é preciso que os sujeitos se sintam à
vontade e falem livremente sobre seus pontos de vista. A boa entrevista produz uma riqueza
de dados que muitas vezes o próprio pesquisador não esperava.
Na hora das transcrições, apareceram os detalhes, em especial os vários exemplos,
que o pesquisador comunicou aos sujeitos o seu interesse pessoal. Isso é necessário, porque
muitas vezes há discussões que embora importantes, não são as mais adequadas para os
momentos de entrevistas. Por exemplo, um comportamento típico de muitos profissionais,
quando se agrupam, é ocupar parte considerável do tempo disponível com a discussão sobre
as difíceis condições de trabalho que enfrentam. Embora seja uma discussão importante e até
legítima na maioria dos casos, é necessário se ter certa firmeza (sem perder a ternura) para
lidar com ela, para não inviabilizar o cumprimento da pauta prevista. Como era de se esperar,
essa situação foi vivenciada mais de uma vez durante as entrevistas realizadas.
Resumidamente, o roteiro de entrevistas continha questões como: o que significa
aprender a ler e escrever? Como professora, como se deu sua prática de ensino? Entre os
livros usados para alfabetizar, qual você se recorda? Qual a importância dessas leituras para a
alfabetização? Como você qualifica sua experiência de ensinar a ler e escrever? O objetivo
dessas reflexões centrou-se na possibilidade de encontrar informações relevantes sobre o
professor alfabetizador, em relação ao ensino da língua materna nos anos iniciais.
Os sujeitos foram escolhidos levando-se em conta o tempo de atuação na área
pesquisada entre os anos de 1978 e 2006. O resultado preliminar deste trabalho foi uma
análise das representações que os sujeitos fazem de si como alfabetizadores, mediado pelo
nosso discurso, que também estamos imersos nessa relação. Na verdade, essa imersão foi
bem maior do que costuma ser, porque existia uma convivência de mais de três anos com
pelo menos dois sujeitos da pesquisa. Durante a entrevista, foi necessário traçar objetivos
bem definidos, com questões focadas na alfabetização, para não cairmos na armadilha das
discussões estéreis, que acabam se transformando num relato de desabafo, num verdadeiro
“muro de lamentações”. E não era essa a idéia. Nesse sentido, Madalena Freire,
24
nos oferece
a dimensão da importância do registro, discutindo que “o registro materializa, concretude
24
Extraído do Caderno de Apontamentos/Anexo 1 Guia do Formador - Módulo 1 “Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores” - PROFA.
44
ao pensamento, dando condições assim de voltar ao passado, enquanto se está construindo a
marca do presente”.
Todos os entrevistados são do sexo feminino, apesar da pesquisadora não ter a
intenção de realizar este estudo somente com mulheres. A ausência do profissional masculino
nos anos iniciais, ainda é uma constante, principalmente nas salas de alfabetização. Ao todo
foram 11 entrevistas, sendo que sete ocorreram nas salas de aula, em horários previamente
agendados e tiveram a duração média de uma hora e vinte minutos. Todas foram gravadas
com autorização das participantes, para posterior transcrição e se desenvolveram a partir de
um roteiro, previamente elaborado, constante nos anexos. Duas entrevistas foram realizadas
nas próprias casas das entrevistadas e duas na residência da própria pesquisadora.
A maioria das professoras falou espontaneamente nas entrevistas, aproveitando a
ocasião para relatar não os fatos da própria vida, mas também recordar situações e fatos
pertinentes à própria prática. Isso exigiu da entrevistadora capacidade de ouvir, paciência e
habilidade para direcionar o diálogo para os objetivos propostos. Superadas essas questões, o
diálogo fluiu muito bem, o que pode estar relacionado ao fato de a entrevistadora já conhecer
as entrevistadas.
Além das onze entrevistas, foi realizada mais uma, para complementar as informações
obtidas nas entrevistas individuais e ampliar informações referentes aos dados relacionados ao
Complexo Temático e ao Mapa Conceitual.
1.4.2 Diários de Classe
Em relação às fontes documentais, no início da pesquisa, deparei-me com um mundo
de papéis, mapas, canhotos, livros de registros de atas, de reuniões, de advertências dentre
outros. As caixas, pastas e maços de documentos eram identificados de forma imprecisa, com
nomes e datas-limite mal estabelecidos. Às vezes abria uma caixa e descobria que o conteúdo
não condizia com a identificação do rótulo. Descobri a duras penas que uma das grandes
armas do pesquisador é a paciência para encontrar os documentos que deseja, para passar
meses trabalhando na tarefa de cuidadosa leitura e transcrição das informações coletadas.
Foi assim que descobri quais papéis poderiam me servir. Mirei o foco nos diários de
classe, não sem antes verificar toda massa documental acumulada nos locais da pesquisa.
45
Acredito que o pesquisador tem que “filtrar”, ou seja, eliminar o excesso de papéis, senão
corre o risco de coletar informações de forma superficial.
Esses diários me forneceram informações valiosas sobre a concepção das professoras
em relação à leitura e escrita, rotina de trabalho em sala, tipo de situação didática e atividades
desenvolvidas.
O diário de classe como fonte documental ainda é pouco conhecido mais é um
importante “testemunhode época, porque registra o percurso da classe e aponta para as mais
diversas interpretações, principalmente no terreno da história. Através dele, podem-se
identificar as mudanças na atuação docente e os registros de atividades que esses profissionais
vão deixando ao longo dos anos, principalmente, podemos acompanhar a evolução desses
modelos descritivos que nos fornecem muitas pistas sobre a forma como se trabalha o ensino
da língua materna.
Essa investigação envolveu para sua realização, análise de 675 diários, com registro
sobre a prática das professoras alfabetizadoras em diversas escolas públicas de Alta Floresta.
Os diários analisados entre os anos de 1978 a 1981 estão armazenados no arquivo da Escola
Estadual Vitória Furlani da Riva, os de 1982 em diante encontram-se na secretaria de
Educação do município. Desses, foram escolhidos 14, por se apresentarem com temas comuns
e de maior freqüência, o que permitiu identificar alguns elementos que despontaram em cada
década. Cabe ressaltar que esses elementos não foram previamente definidos, mas extraídos
de acordo com a maior recorrência do tema, e outros, pelo ineditismo ou dissonância entre os
conteúdos registrados nesses diários.
A partir da análise dos temas comuns e da freqüência com que surgiram no registro
desses diários, foram criados três períodos para análise: década de 1980, década de 1990,
década de 2000. A última vai até o ano de 2006, data-limite da pesquisa. O percurso histórico
da Alfabetização em Alta Floresta será realizado através da análise e interpretação das
informações colhidas junto às professoras da época da entrevista e investigação minuciosa nos
diários localizados. Esses diários se tornaram importantes documentos referentes ao
período pesquisado, porque forneceram direcionamento dos primeiros passos dessa pesquisa.
O contato com esse tipo de fonte documental foi interessante porque surgiu da
necessidade de contextualizar o que estava nos registros, reconhecendo seus vieses e muitas
vezes superando preconceitos em relação ao cunho burocrático e controlador desses diários de
classe. Documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a opinião da pessoa e ou órgão
que o escreveu.
46
Com isso pretendo compreender não os discursos das professoras, para apreender
como retratam seu trabalho com o ensino da língua materna nos anos iniciais, mas também
traçar um conjunto de questões a serem respondidas no exame das fontes de pesquisa,
incluindo documentos da escola como diários de classe, livros-ata, notícias veiculadas na
imprensa sobre as escolas e até depoimentos de ex-alunos.
Na pesquisa de campo foram utilizados como instrumentos de coleta de informação,
entrevistas semi-estruturadas e questionários, diários de classe e atas de reunião. A entrevista
como instrumento de pesquisa é considerado por Triviños (1987), um dos principais meios
que tem o investigador para realizar coleta de dados em Educação, porque oferece todas as
perspectivas possíveis para que o entrevistado alcance a liberdade e a espontaneidade
necessárias, enriquecendo a investigação. A autora apóia-se também nas idéias de Frago
(1993), que afirma que o centro das atenções se deslocou do analfabetismo para o processo de
alfabetização e por isso as questões foram enriquecidas com contribuições sobre a história dos
processos de comunicação oral e da difusão da leitura e escrita, superando as limitações
metodológicas do enfoque (analfabetismo).
Para a história oral, a autora se utilizou principalmente dos estudos de Meihy (1996) e
Thompson (1992) que discutem a importância da história oral no sentido de não oferecer
uma mudança para o conceito de história, mas, mais do que isso, garante sentido social à vida
dos depoentes e leitores que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte do
contexto em que vivem. Esses autores perceberam a riqueza e a importância da memória dos
sujeitos anônimos, e como o jeito do entrevistado contar “estórias” sobre o passado era uma
boa alternativa para a história social, apesar de no seu começo, ter sido marginalizada.
Aqui no Brasil, de acordo com Freitas (1992)
25
, uma das primeiras experiências com a
história oral ocorreu em 1971, em São Paulo, no Museu da Imagem e do Som (MIS), que tem
se dedicado à preservação da memória cultural brasileira. Outras experiências ocorreram no
Museu do Arquivo Histórico da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná (1972), e na
Universidade Federal de Santa Catarina, onde foi implantado um laboratório de história oral
em 1975. Porém, a experiência mais importante e enriquecedora identificada por essa autora,
tem sido a do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC0).
Para discutir alfabetização, essa pesquisa se apoiou em muitos autores, mas os
principais são: Soares (2002), que faz uma reflexão sobre as perspectivas para o ensino da
25
Prefácio à edição brasileira, por Sônia Maria de Freitas, p. 17, “A voz do Passado história oral” de Paul
Thompson (1992).
47
língua portuguesa e suas implicações para a alfabetização; Amâncio(2002), que discute a
importância do papel da cartilha no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, fazendo uma
investigação na cartilha da série e propondo ao professor ser o mentor do próprio trabalho;
Freire (2002), que discute a pedagogia da autonomia e apresenta elementos para se
compreender a prática docente enquanto dimensão social da formação humana. Nessa
proposta, que define a educação como um ato político e vincula o analfabetismo à pobreza, se
atribuiu um novo sentido à ação alfabetizadora: a possibilidade de ampliação da consciência
crítica do alfabetizando para uma atuação social mais transformadora.
Para Ribeiro (2002), esses estudos reafirmam a relevância da alfabetização na história
da cultura, na organização social e no comportamento dos indivíduos. Mas a autora alerta que
essas dimensões só podem ser entendidas se a leitura e a escrita forem tomadas como práticas
sociais amplas, e não como propósitos instrumentais. Logo, essa investigação sobre a
problemática da alfabetização como fenômeno sócio-cultural e histórico, será tratado de
forma interdisciplinar, tomando o fenômeno em seus aspectos, sociológicos, psicológicos e
políticos.
Esse debate é ampliado por Soares (2002) que também faz um estudo da parte
semântica do termo alfabetização, portanto, torna-se necessário justificar a adoção dessa
palavra que designa apenas aquele que aprendeu a ler e escrever e não a qualidade ou
condição daquele que se apropriou da leitura e da escrita e as utiliza cotidianamente. A opção
por trabalhar com esse termo foi necessária porque esse trabalho discute aspectos históricos
da alfabetização. Outros termos ligados a esse tema serão abordados ao longo da pesquisa.
O estudo a respeito dos termos é importante porque além da controvérsia envolvida,
traz implicações para as pesquisas e estudos sobre a alfabetização no Brasil. Rama (1995) por
exemplo, encontrou na mídia como sinônimo de analfabeto, as expressões: não-alfabetizado,
semi-analfabeto, analfabeto absoluto, analfabeto funcional ou ainda iletrado, com critérios que
podem remeter à faixa etária, total de anos de escolaridade ou em relação aos conhecimentos
que uma pessoa adquire sobre leitura e escrita. Por isso, torna-se importante compreender os
usos e as transformações sofridas pelos termos relacionados ao aprendizado ou não-
aprendizado da leitura e escrita da língua materna.
Considerando-se apenas aspectos lógicos da teoria dos níveis de construção da escrita,
descritos por Ferreiro e Teberosky (1999), a pessoa que sabe escrever bilhetes poderia ser
considerada alfabetizada, uma vez que alcançou a hipótese alfabética da escrita. Entretanto,
esse indicador mostra-se insuficiente, especialmente se considerarmos a alfabetização como
48
um processo que requer continuidade para se manter. Outra tentativa de conceituação do
termo alfabetização foi associar o conceito aos anos de escolarização, princípio que também
gerou controvérsias, frente à dificuldade de definição do tempo de escolaridade mínima para
se considerar uma pessoa alfabetizada, principalmente levando-se em conta que esse período é
diferente em vários países.
O tempo de escolaridade também apresenta limitações, pois um semestre escolar pode
gerar resultados decisivos para algumas pessoas e insignificantes para outras, uma vez que a
escola sozinha não alfabetiza. Por outro lado, não é impossível se alfabetizar fora dela. A
complexidade da análise conceitual dos termos que envolvem o analfabetismo mostrou que as
limitações relativas às definições e questões ideológicas, semânticas, culturais, dentre outras
suscitadas pelo tema, reafirmam a necessidade de pensá-lo em suas múltiplas dimensões,
relacionando dialeticamente fatores sociais, históricos e psicológicos. Isso porque as questões
ligadas à alfabetização envolvem o entrelaçamento de questões individuais e coletivas que
marcam o desenvolvimento humano e as transformações sociais.
A seguir, serão discutidos aspectos conceituais do termo alfabetização e letramento e a
contribuição de novas concepções da aprendizagem da língua materna, trazidas, sobretudo,
pela psicologia genética e pelas ciências lingüísticas e sociolingüística, particularmente pela
psicolingüística.
49
CAPÍTULO II
2 ASPECTOS CONCEITUAIS DA ALFABETIZAÇÃO
[...] as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases nova a
alfabetização inicial não se resolvem com um novo método de ensino,
nem com novos testes de prontidão nem com novos materiais
didáticos. É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o
eixo central das nossas discussões. Temos uma imagem empobrecida
da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando consideramos a
alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem.
Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a
reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega
um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons.
Atrás disso um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que
constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu
(FERREIRO, 2001, p.40).
Na abordagem concebida nesse estudo, a alfabetização é discutida como um fenômeno
complexo, de grande relevância para a escola e conseqüentemente para a sociedade, que busca
superar práticas cristalizadas pelo tempo, redimensionando sua função social. Um trabalho de
investigação que desencadeou intensas mudanças na maneira de os educadores brasileiros
compreenderem a alfabetização foi iniciado nos anos de 1980, com a publicação do livro
Psicogênese da língua escrita.
A partir dessa investigação, foi necessário rever as concepções nas quais se apoiava a
alfabetização. Isso tem demandado uma transformação radical nas práticas de ensino da
leitura e da escrita no início da escolarização. As investigações vêm tentando articular
contribuições muitas vezes contraditórias da Psicologia, da Lingüística, da Sociolingüística, e
da Psicolingüística.
Além dessas contribuições, é preciso acrescentar ainda, questões de natureza política,
econômica, social e cultural, que orientam e condicionam o domínio de um saber numa dada
sociedade, e que se revela nos pressupostos das práticas de leitura e escrita. Logo, a discussão
pressupõe a construção de um referencial teórico-metodológico que tome o fenômeno em suas
múltiplas dimensões. Esse capítulo apresenta as escolhas que direcionam a construção desse
referencial, explicitando a contribuição de vários autores.
50
As referências bibliográficas sobre a História da Alfabetização nos apresentam um
contexto muito amplo, oferecendo muitos conceitos que se renovam continuamente. Frago
(1993, p. 82) nos diz que uma mudança dos estudos históricos sobre alfabetização para as
histórias que abrangem ou situam a alfabetização em seu contexto e reconceptualização: da
“história da alfabetização” para a “alfabetização na história”.
O marco dessa mudança tem sido em primeiro lugar, o deslocamento do foco da
atenção, do analfabetismo para a alfabetização como processo, depois o interesse pelas etapas
anteriores à alfabetização e a inserção deste tipo de estudos num contexto histórico que se
inicia com a aparição e primeiros usos da escrita. Como conseqüência disto, o descobrimento
da existência de diversas vias que leva a alfabetização e distintos modos ou possibilidades
letrado, mas não alfabetizado, é analfabeto funcional, etc.).
Pelas leituras realizadas até aqui, percebi que a pesquisa histórica tentou escapar de
dois perigos: ser sistemática de um lado, ser puramente empírica de outro, à imagem da escola
positivista (que acreditava ser objetiva porque sem teoria, e que, na maior parte dos casos, era
sem idéias). Contudo, cumpre reconhecer que, apesar da multiplicidade dos enfoques, nem
por isso essa abordagem deixa de lado o teórico. Le Goff (2005) nos diz: Longe de ser
dogmático, é tão-só a explicação das teorias implícitas que, fatalmente o historiador como
qualquer cientista, coloca na base de seu trabalho." Ele tem todo interesse em tomar
consciência dessas teorias, bem como o dever de declará-las aos outros, isso é o que vai dar
credibilidade ao seu trabalho.
Para dar conta dessas discussões e oferecer subsídios teóricos sobre as tendências mais
atuais nas pesquisas recentes, será apresentada neste estudo a abordagem de diversos autores,
dentre eles destaco como principais: Amâncio (2000; 2002), Soares (2003; 2004), Kato
(1985), Ribeiro (2004), Tfouni (2004), Kleiman (1995) e Ferreiro (1999; 2001).
Esses autores forneceram importante aporte científico e filosófico para a compreensão
dos processos de alfabetização. Além desse motivo, o pensamento desses estudiosos interessa
à presente discussão porque eles consideram indivíduo e sociedade a partir das influências
recíprocas que essas instâncias exercem no processo de construção do conhecimento. A forma
de entendimento desse processo pode ser situada numa perspectiva sócio-construtivista, que
supera a equação epistemológica clássica na qual o sujeito e objeto representam pólos do
processo de aprendizagem. De acordo com Kleiman (1995), a compreensão da aquisição da
escrita como processo afirma a aceitação de um movimento dialético entre sujeito e objeto
que se modificam mutuamente. Portanto, aspectos do pensamento dos autores anteriormente
51
citados, que irão dialogar com alguns pontos da história da alfabetização em Alta Floresta,
objeto desse estudo.
A seguir serão abordados aspectos da história voltados para a compreensão do papel
da leitura e escrita, bem como da dimensão que a alfabetização conquistou na civilização
ocidental.
2.1 Aspectos da História da Alfabetização e o papel da Escrita
Para fundamentar o estudo dos aspectos da história da alfabetização em Alta Floresta,
tornou-se necessário fazer um breve estudo sobre a alfabetização no Brasil e na América
Latina, discutindo seus conceitos e concepções, bem como situando alguns pontos que
reafirmam sua importância ao longo da história da humanidade.
Esse estudo se fez necessário para entender as transformações vivenciadas pelo ensino
da língua materna ao longo do tempo, contemplando o contexto nacional e local. Cabe
ressaltar ainda, que a história da alfabetização tem adquirido autonomia nos últimos anos, em
relação à história da escola. Paralelamente, tem desenvolvido suas próprias fontes e técnicas
de investigação e tem feito aflorar uma série de questões sobre sua natureza, característica e
evolução.
Atualmente tem-se atribuído um significado demasiado abrangente à alfabetização,
geralmente com vários sentidos, neste estudo ele está usado com o significado de “processo
de ensino e aprendizagem do sistema alfabético de escrita”, ou seja, o processo de ensino e
aprendizagem inicial de leitura e escrita. Serão abordados a seguir, aspectos da história
voltados à compreensão do papel e dos usos da escrita e da leitura, bem como a dimensão
individual, sócio-cultural e política que a alfabetização conquistou nos últimos anos.
Para Barbosa (1994), a escrita vai surgir pela primeira vez no mundo antigo, num
momento histórico caracterizado pelo desenvolvimento simultâneo de uma série de elementos
diversos, a que chamamos de civilização. A escrita surge acompanhada de um notável
desenvolvimento das artes, do governo, do comércio, da agricultura, dos transportes. As
condições que se originam desse momento histórico não poderiam funcionar sem a existência
da escrita.
52
Para Cagliali (1998), a história da escrita define dois casos de povos que empregavam
um sistema de escrita e que, por alguma razão estranha e desconhecida, deixaram de fazê-lo,
ficando por um longo tempo sem utilizar qualquer sistema. Isso aconteceu com os gregos e
com os indianos. Os gregos voltaram a escrever somente 500 anos mais tarde, usando o
alfabeto semítico
26
. No vale do rio Indo, na Ásia Meridional, atual divisa entre Índia e
Paquistão, houve um sistema de escrita ainda não decifrado que só foi empregada por volta de
2500 a.C. Naquela região, a escrita só ressurgiria muito tempo depois, no século III a.C com a
escrita Brâmane
27
. Esses dois tipos de escrita tiveram um uso muito popular e não ficaram
restritos a atividades religiosas ou científicas. Apesar das muitas guerras, o conhecimento da
escrita nunca foi interrompido, razão pela qual esses dois casos são considerados um mistério.
Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras da alfabetização, ou seja,
as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito, entender como o sistema de
escrita funciona e saber como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga
quanto o sistema de escrita. De certo modo, é a atividade escolar mais antiga da humanidade.
Ao estudar os sistemas de escrita, percebe-se que quem os inventou sempre teve a
preocupação de fornecer a chave da decifração juntamente com o próprio sistema. Os
sistemas de escrita nunca tiveram nada de muito estranho ou misterioso em si, pelo contrário,
sempre foram simples e práticos. É bem provável que a necessidade de um sistema de escrita
veio de situações vividas no cotidiano das pessoas. É fato comprovado que a escrita surgiu do
sistema de contagem feito com marcas de ossos e usado provavelmente para contar o gado,
numa época em que o homem possuía rebanhos e domesticava os animais. Esses registros
passaram a ser usados nas trocas e vendas, representando a quantidade de animais negociados.
Para tanto, além dos números era preciso inventar símbolos para os produtos e para os nomes
dos proprietários.
Inicialmente, os homens escreviam para anotar a quantidade de animais que tinham.
Assim podiam guardar a informação e controlar os animais que eram vendidos, que se
perdiam ou que morriam. O que se escrevia na antiguidade não eram livros, mas breves
anotações comerciais. Os dados referentes a esse período tornam difícil imaginar um tempo
zero, onde não tenham existido ações para comunicar, intenções para partilhar.
26
Maior grupo de línguas da família camito-semítica e que se estende do Norte da África ao Sudoeste da Ásia. O
grupo inclui o hebraico, o aramaico, o assírio, o árabe, o maltês e várias línguas menos conhecidas da região da
Etiópia.
27
Entre os Indus, membro da mais alta das quatro castas e que, se ocupava do estudo e do ensino dos Vedas,
conjunto de textos sagrados que constituem o fundamento da tradição religiosa do bramanismo e do induismo.
53
Aparentemente os seres humanos produzem e estão expostos às notações desde o paleolítico,
isto é, há mais de 30 mil anos.
Para Teberosky e Coll (2000), com exceção dos documentos comerciais, apenas os
sacerdotes podiam escrever livros, porque se acreditava que a escrita era um dom concedido
pelos deuses e essas pessoas eram as únicas que tinham permissão para ler os livros sagrados
28
, enquanto para Cagliari (2003), os sistemas de escrita estabelecidos na história dos povos
nunca foram privilégios de ninguém e é falsa a idéia de que na Antiguidade somente os
sacerdotes podiam dominar a escrita. Verifica-se assim, que esses autores partilham opinião
diferente em relação à história da escrita. Para ele, não faz sentido que apenas a classe
sacerdotal dominasse a escrita que é um fato social, é uma convenção que não consegue
sobreviver à custa de um punhado de pessoas.
Os que afirmam ser a escrita um privilégio das pessoas poderosas é o fato de terem
chegado a nós grandes obras da Antiguidade. Certamente essas obras foram feitas por
especialistas, mas isso não significa que apenas os teólogos conhecessem a escrita.
Na Idade Média, na Europa, os monges foram encarregados de copiar tais obras à mão.
Esses monges eram chamados copistas, mas não quer dizer que apenas eles dominassem a
escrita. Já nos países do Oriente, como na Pércia, por exemplo, os encarregados de copiar e
ilustrar livros não eram os monges, mas sim algumas famílias. Nessa época, os alunos se
alfabetizavam aprendendo a ler algo já escrito e depois copiando. Começavam com palavras e
depois passavam para textos famosos, que eram muito estudados. O trabalho de leitura e cópia
era o segredo da alfabetização, que em geral ocorria menos nas escolas do que na vida privada
das pessoas. Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando o valor fonético das letras
do alfabeto em determinada língua, a forma ortográfica das palavras e suas variações.
Aprender a ler e escrever não era uma atividade escolar como na Suméria ou mesmo
na Grécia antiga. Nessa época, as crianças não iam mais à escola, as que podiam eram
educadas em casa pelos pais, por alguém da família ou até mesmo por um preceptor
contratado para essa tarefa. Isso se estende desde a época clássica latina até o século XVI d.C.
Essa atividade está diretamente ligada ao trabalho futuro que esses alunos irão desempenhar,
escrevendo para a sociedade e a cultura da época.
Naquele momento, ser alfabetizado significava saber ler o que aqueles símbolos
significavam e ser capaz de escrevê-los, repetindo um modelo mais ou menos padronizado,
mesmo porque o que se escrevia era apenas um tipo de documento ou texto. Com a evolução
28
Livro Sagrado é um livro que reúne a história e os ensinamentos de uma religião.
54
do sistema de escrita, a quantidade de informações necessárias para que alguém soubesse ler e
escrever aumentou muito, o que obrigou as pessoas a abandonar o sistema de símbolos para
representar coisas e a usar cada vez mais símbolos que representassem sons da fala, como por
exemplo, as sílabas.
Historicamente a escrita começou de forma autônoma e independente, na Suméria, por
volta de 3300 a.C. É muito provável que no Egito por volta de 3000 a.C e na China, por volta
de 1500 a.C esse processo autônomo tenha se repetido. Na América Central os maias também
inventaram um sistema de escrita independente de um conhecimento prévio de outro sistema
de escrita, num tempo indeterminado ainda pela ciência, que talvez se situe por volta do início
da era cristã.
Na Antiguidade os estudantes se alfabetizavam aprendendo a ler algo escrito e
depois copiando. Isso quer dizer que começavam com palavras e depois passavam para textos,
que eram estudados exaustivamente. Para estar alfabetizado, bastava ler e seguir com os
olhos, linha por linha, o texto escrito, tentando transformar cada letra, sílaba e palavra numa
oralidade que, na maioria das vezes lhe soava estranha; finalmente, passavam a escrever seus
próprios textos. O trabalho de leitura e cópia era o segredo da alfabetização.
É importante registrar que essa atividade está diretamente ligada ao trabalho futuro
que esses alunos irão desempenhar, escrevendo para a sociedade e a cultura da época. É claro
que inúmeras pessoas aprendiam a ler sem ir à escola, já que não pretendiam torna-se
escribas; o que as motivava era a curiosidade e a necessidade de lidar com os negócios, além é
claro, ler as obras religiosas. Nesse caso, a alfabetização dava-se com a transmissão de
conhecimentos relativos à escrita de quem os possuía para quem queria aprender. O
procedimento comum era relacionar os caracteres às palavras da linguagem oral. Aqui não era
preciso fazer cópias nem escrever, bastava saber ler.
Normalmente essa leitura era feita em voz alta e a pontuação era o leitor quem fazia,
dando sua própria marca no texto e guiando sua leitura. Normalmente esse leitor estudava
exaustivamente, pois precisava estabelecer o sentido para poder recitá-lo como autor. Além de
livros religiosos começaram a ser escritos tratados científicos e filosóficos, que analisavam o
universo, as leis da natureza e questões da existência humana.
A história mostra que essas práticas se transformaram ao longo do tempo. Em apenas
cinco séculos passamos da necessidade de copiar livros à mão para essa inundação de material
impresso na qual estamos mergulhados. Houve muitas mudanças nas tecnologias de produção
e difusão da escrita e também na produção de textos. Hoje convive o velho manuscrito, que
55
atualmente sobrevive na escola, o texto datilografado, praticamente extinto, o impresso
em uma variedade enorme de suportes e, se impondo cada vez mais com a disseminação dos
computadores, o texto digitalizado.
Para se ter uma idéia da importância do livro ao longo da história, há muitos episódios
em que alguns povos para dominar outros, destruíam ou pilhavam suas bibliotecas. Dessa
forma, eles não podiam preservar a sua história nem aprender com a experiência dos seus
antepassados contida nos livros. Um exemplo disso foi o que aconteceu com a famosa
Biblioteca de Alexandria, no Antigo Egito: quando os romanos invadiram a cidade de
Alexandria para conquistá-la, queimou a sua imensa biblioteca. Na Europa, no período da
inquisição, entre os séculos XV e XVI a Igreja Católica também ordenou a queima de livros
considerados contra a cristã. Quase em meados do século XX, durante a Segunda Guerra
Mundial, milhares de livros foram queimados em praça pública pelo regime nazista, por
serem considerados contrários ao seu sistema político.
Com o uso cada vez maior da escrita na sociedade, passou-se da imprecisão de
grafismos primitivos até as múltiplas possibilidades geradas pela criação dos 26 caracteres
que representam a escrita alfabética. As necessidades e circunstâncias dos diferentes grupos
humanos explicam as transformações sofridas pelos sistemas de escrita desde a antiguidade,
além, é claro, do relacionamento e das trocas ocorridas entre os diversos grupos.
Verificam-se então, os múltiplos motivos que levaram à construção da escrita e à
diversidade de sistemas criados pela humanidade. O sistema alfabético é apenas um, dentre os
sistemas de escrita utilizados e convive até os dias atuais, com outros sistemas, como os
ideogramas chineses que representam idéias, ou com a escrita japonesa, que representa
silabicamente a pauta sonora. A partir da representação silábica herdada do povo ocidental os
gregos desenvolveram o alfabeto. Entende-se por alfabeto um conjunto de sinais da escrita
que expressa os sons individuais de uma língua. Para isso, os gregos desenvolveram um
sistema de vogais. Estas vogais unidas aos signos silábicos tornaram as sílabas simples signos
consonânticos. A partir dos gregos os semitas aprenderam os símbolos vocálicos e criaram
seu próprio alfabeto. O nosso alfabeto latino também se desenvolveu a partir do alfabeto
grego.
Teberosky (2002) fala que a história dos povos influi no tipo e uso da sua escrita e na
mentalidade do seu povo, ou seja, as necessidades dos grupos sociais influenciam seu sistema
e são por ela influenciados. Para essa autora a escrita encontra-se tão arraigada à vida
contemporânea que é difícil imaginar como a humanidade conseguiu viver milhares de anos
56
sem ela. No entanto, aceita-se, ainda hoje, que parte considerável da população do planeta
permaneça sem saber ler e escrever. A questão é: se a leitura e escrita traduz necessidades dos
grupos sociais, por que essa possibilidade de ampliação da capacidade de expressão humana
não se estendeu a todas as pessoas?
Oliveira (2005)
29
realizou uma pesquisa que foi transformada no livro: Leitura,
Literatura Infantil e Doutrinação da Criança”, onde apresenta quatro condições
fundamentais para a falta de acesso de crianças e jovens à leitura: “poder aquisitivo para
comprar livros, influência positiva de leitores mais experientes, organização do tempo para
leitura e bibliotecas atualizadas e acessíveis à freqüência”. A partir do relato de crianças,
descobriu principalmente duas práticas de leitura: a primeira como necessidade de buscar
conhecimentos no âmbito mais geral, em que a escola é o principal mediador; a segunda,
como necessidade emocional e afetiva, em que divertimento e saber estão presentes, mas de
maneira informal.
Na década de 1970 (marco inicial dessa pesquisa) aqui no Brasil a leitura se tornou um
campo de investigação de ordem teórica e metodológica, não mais se restringindo aos estudos
e propostas de alfabetização. Novos rumos foram tomados em relação à leitura com a sua
apropriação pelas ciências da linguagem, libertando-a dos vínculos com a alfabetização e com
a aprendizagem da escrita.
2.2 Cenário Latino Americano da Alfabetização
Após a discussão de aspectos relacionados à história da escrita, torna-se necessário
pensar a alfabetização num contexto mais amplo, antes de estudar o fenômeno em nosso país.
Segundo Gadotti (1998), uma crise de paradigmas que atinge as escolas atuais, que se
pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-moderna e
pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e
da cultura, pelo pluralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a
reivindicação pela participação, autonomia e contra toda forma de uniformização; cresce
também o desejo de afirmação da diferença de cada região, de cada língua, de cada cultura. A
multiculturalidade é a marca mais significativa do nosso tempo. Nunca as escolas do mundo
29
Doutora em Educação pela UNESP, professora do Programa de Pós-graduação em Educação e do curso de
Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT.
57
todo discutiram tanto autonomia, cidadania e participação. É um dos temas mais originais e
marcantes do debate educacional, que implica instituições e regras justas.
Cidadania e autonomia são conceitos estratégicos de construção de uma sociedade
melhor em torno das quais freqüentemente consenso. Constituem a base da identidade
nacional de qualquer cultura, mesmo ainda tão difícil de alcançar, em razão do arraigado
individualismo tanto das nossas elites, quanto do próprio Estado. Segundo Gadotti (1998),
um movimento pela escola cidadã, que está inserido nesse novo contexto histórico de busca
de identidade. Movimentos semelhantes ocorreram em outros países. Nos Estados Unidos,
surgiram importantes movimentos pelos direitos civis, colocando dentro das escolas
americanas a educação para a cidadania e o respeito aos direitos sociais e humanos.
Desse movimento histórico-cultural que me refiro, estão surgindo alguns focos
norteadores que mudaram o rumo da investigação. De acordo com Frago (1993), dados mais
recentes num cenário internacional, deram uma reviravolta na análise que buscava correlações
que explicassem o déficit dos que não conseguiam aprender, ou seja, dos que fracassavam. O
centro da atenção deslocou-se do analfabetismo para o processo de alfabetização, em suma,
partiu-se de uma observação simples, mais crucial: o analfabetismo é conseqüência da
ausência de um processo de alfabetização. O que deve se estudado, portanto, são as causas, os
agentes e modos de realização desse processo. Ao inverter o enfoque tradicional, os estudos
sobre esta questão foram enriquecidos com contribuições sobre a história dos processos de
comunicação oral e da difusão da leitura e escrita, superando as limitações do referido
enfoque. Por sua vez, isso permitiu situar o atual fenômeno do analfabetismo e da
alfabetização nos países do terceiro mundo numa perspectiva mais ampla, que explica boa
parte dos fracassos das campanhas de alfabetização promovidas nos últimos trinta anos.
Investigações realizadas com crianças da Argentina e México por Emília Ferreiro
discutem o papel de cada um dos envolvidos no processo educativo. uma tomada de
consciência sobre a importância da alfabetização inicial como uma solução real para a
compreensão do complexo ato de aprender a ler e escrever, que vai além da possibilidade de
decifrar um simples bilhete. É a capacidade de literal e criticamente, ler textos alheios, de
reproduzir, variar e chegar a criar textos, adaptando-os aos diversos propósitos comunicativos.
Como diz Paulo Freire (1982), alfabetizar-se é antes de tudo, aprender a ler o mundo,
compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação
dinâmica que vincula linguagem e realidade. Mas o que significa estar alfabetizado no Brasil,
na Uganda e na Argentina? Os problemas existem em todos os lugares, mas estes estão se
58
agravando em alguns aspectos. Segundo Silva e Gentili (1996), os sistemas educacionais não
enfrentam uma crise de democratização, mas uma crise gerencial. Essa crise promove em
determinados contextos, certos mecanismos de “exclusão escolar”, tais como a evasão, a
repetência, analfabetismo funcional.
Deste diagnóstico inicial que ocorre praticamente em toda América Latina em maior
ou menor grau, ainda de acordo com esses autores, decorre alguns argumentos incontestáveis:
atualmente, inclusive nos países mais pobres, não faltam escolas, faltam escolas melhores;
não faltam professores, faltam professores mais qualificados; não faltam recursos para
financiar as políticas educacionais, ao contrário, falta uma melhor distribuição dos recursos
existentes. Logo, transformar a escola supõe enorme desafio gerencial: promover uma
mudança relevante nas práticas pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o
sistema para flexibilizar a oferta educacional; promover uma mudança cultural nas estratégias
de gestão; reformular o perfil dos professores; implementar uma reforma curricular são alguns
desafios que estão postos.
Estas medidas são necessárias em qualquer estado do mundo onde as desigualdades
entre povos e nações vêm se acentuando drasticamente, nos quais o valor monetário tornou-se
a medida de todas as coisas e o ser humano passou a ser designado capital humano e o
mercado financeiro ganhou vida própria, reinando absoluto em meio a uma sociedade cada
vez mais globalizada.
Essa análise evidencia que a globalização integrou estados por meio da abertura de
mercados para o livre trânsito do capital, concentrando renda, conhecimento e poder sem,
contudo, tratar de forma global suas conseqüências negativas. Com dimensões diferenciadas,
o ensino da língua materna persiste em todos os continentes, nem sempre se colocando como
uma questão prioritária para os governos, mas, vem se fortalecendo a união de setores da
população mundial em busca de solução para os problemas éticos e sociais, dentre eles o
direito à educação para todos.
Entretanto, a adoção de políticas voltadas à educação básica para todos, embora
fundamental, não é mais suficiente, é necessário investir na construção de propostas
metodológicas que levem a práticas capazes de satisfazer a aquisição e a manutenção das
necessidades de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, numa perspectiva que conceba a
educação como um dos instrumentos necessários à transformação das condições que
produzem o analfabetismo e a exclusão.
59
2.3 A Alfabetização no Brasil - alguns aspectos
A reflexão realizada anteriormente mostra que alguns aspectos das discussões sobre
alfabetização se repetem na maioria dos países, embora penalize de forma mais profunda
aqueles onde a maioria da população é de baixa renda, como os da América Latina, mas não
desapareceu completamente com as populações de maioria rica.
Aqui no Brasil, a história da alfabetização parte de uma estrutura econômica colonial
fundada na escravidão, no latifúndio, no monopólio comercial português e na quase ausência
de um mercado interno. Como responsáveis praticamente exclusivos pela educação brasileira
durante pouco mais de dois séculos (1549-1759), os jesuítas prestaram decisiva contribuição
ao processo de colonização do Brasil. A organização e o funcionamento do ensino jesuítico e
as conseqüências da sua interrupção serão aqui discutidos de forma mais ampla, porque esta
pesquisadora assumiu o desafio de realizar uma pesquisa de fundo histórico, e o resgate da
história da educação no Brasil se faz necessário para entender as transformações vivenciadas
ao longo desse tempo.
A política implementada pelos colonizadores portugueses precisava usar a educação
para domesticar a população nativa, para isso, contava com a educação jesuítica, que fizera do
ensino das letras e dos ofícios uma forma de transmitir a doutrina cristã aos indígenas e filhos
de colonos brancos.
Algumas discussões realizadas por Freire
30
. (1993) justificam seu entendimento de que
os Jesuítas não estavam preocupados com o ensino da leitura e escrita pelas sociedades
indígenas e muito menos com a educação na colônia. Eles serviam aos interesses da coroa
portuguesa, recebiam “orientações” para civilizar” indígenas e filhos de colonos, através da
repressão cultural, religiosa e da formação de comportamentos e valores de submissão e
obediência. Para essa mesma autora, a obra missionária jesuítica que perdurou por dois
séculos no Brasil, marcou o processo histórico brasileiro, repercutindo na educação até os dias
atuais.
Caio Prado Júnior (1970)
31
nos uma boa idéia sobre o sentido geral da colonização
do Brasil. Segundo ele, o que Portugal queria “para sua colônia americana é que fosse uma
simples produtora e fornecedora de gêneros úteis ao comércio metropolitano e que pudesse
vender com grandes lucros nos mercados europeus”. Este seria o objetivo da política
30
Me refiro a Ana Maria Araújo Freire e seu livro “Analfabetismo no Brasil, publicado pela editora Cortez.
31
Me refiro ao livro: “História econômica do Brasil” de Caio Prado Júnior, p.55.
60
portuguesa até o fim da era colonial. E tal objetivo ela o alcançaria plenamente, embora
mantivesse o Brasil, para isso, sob o rigoroso regime de restrições econômicas e opressão
administrativa; e abafasse a maior parte das possibilidades do país.
2.3.1. A Participação dos Jesuítas – Um pouco de História
A companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola, em 1534, dentro do
movimento de reação da Igreja Católica contra a Reforma protestante. Seu principal objetivo
era deter o avanço protestante em duas frentes: através da educação das novas gerações e por
meio da ação missionária, procurando converter à fé católica os povos das regiões que
estavam sendo colonizadas.
Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil em 1549. Chefiados pelo Padre Manuel da
Nóbrega, os jesuítas que aqui iniciaram suas atividades procuravam alcançar seu objetivo
missionário, ao mesmo tempo em que se integravam à política colonizadora do rei de
Portugal. O raciocínio era simples: seria mais fácil submeter o índio, conquistando suas terras,
se os portugueses aqui se apresentassem em nome de Deus, abençoados pela Igreja. Dessa
forma, a realeza e a Igreja aliaram-se na conquista do Novo Mundo para alcançar de forma
mais eficiente seus objetivos: a realeza procurava facilitar o trabalho missionário da Igreja e
esta, na medida em que procurava converter os índios aos costumes europeus e à religião
católica, favorecia o trabalho colonizador de Portugal.
Aqui no Brasil, os jesuítas dedicaram-se a duas tarefas principais: à pregação da
católica e ao trabalho educativo. Com seu trabalho missionário de “salvar as almas”, abriam
caminho à penetração dos colonizadores; com seu trabalho educativo, ao mesmo tempo em
que ensinavam as primeiras letras e a gramática latina, ensinavam a doutrina católica e os
costumes europeus. Aqui não havia curso superior. Os jesuítas eram bons professores, mas
havia ocasiões em que preferiam seguir o princípio de que “com sangue, a letra entra”. O
estudo da colônia incluía aprender a ler e escrever, fazer contas e a ter noções básicas de
geografia, religião e geometria. Alguns meninos pobres aprendiam carpintaria e outros ofícios
artesanais. Gastava-se muito tempo estudando latim e filosofia cristã medieval.
Os jesuítas chegaram a Salvador e se espalharam rapidamente pelas rias regiões
brasileiras, primeiro para o sul, e depois para o norte, fundando escolas para os filhos dos
61
colonos, tanto para os que iriam ser padres como os que iriam estudar nas faculdades
européias. Ao serem expulsos, em 1759, mantinham 36 missões, escolas de ler e escrever em
quase todas as povoações e aldeias por onde se espalhavam suas 25 residências, além de 18
estabelecimentos de ensino secundário, entre colégios e seminários, localizados nos pontos
mais importantes do Brasil: Bahia, São Vicente (depois São Paulo), Rio de Janeiro, Olinda,
Espírito Santo, São Luís, Ilhéus, Recife, Paraíba, Santos, Pará, Colônia do Sacramento,
Florianópolis Paranaguá, Porto Seguro, Fortaleza, Alcântara e Vigia.
Eles logo compreenderam que não seria possível converter os índios à fé católica sem,
ao mesmo tempo, ensinar-lhe a leitura e a escrita. Por isso, ao lado da catequese, organizavam
nas aldeias escolas de ler e escrever, nas quais também se transmitiam o idioma e os costumes
de Portugal; também se responsabilizavam pela educação dos filhos dos senhores de engenho,
dos colonos, dos índios e dos escravos. A todos procuravam transformar em filhos da
Companhia de Jesus e da Igreja, exercendo grande influência em todas as camadas da
população.
No ensino das primeiras letras, os jesuítas mostraram grande capacidade de adaptação.
Penetravam com igual facilidade na casa-grande dos senhores de engenho, na senzala dos
escravos e nas aldeias indígenas. Em todos os ambientes procuravam orientar na fé, jovens e
adultos e ensinar as primeiras letras às crianças, adaptando-se às condições específicas de
cada grupo. Para o trabalho junto aos índios, aprendiam e ensinavam sua língua nos colégios;
utilizava-se de órfãos vindos de Portugal para atrair mais facilmente as crianças índias e,
através destas, buscavam conquistar seus pais.
Com a expulsão dos jesuítas pelo marquês de Pombal, que em seu governo tomou
várias medidas com vistas a centralizar a administração da colônia de forma a controlá-la de
maneira mais eficiente, inclusive suprimindo o sistema de Capitanias Hereditárias e elevando
o Brasil à categoria de vice-reinado, chegou-se ao rompimento através do alvará de 28 de
junho de 1759, onde foram extintas as escolas jesuíticas de Portugal e de todos os seus
domínios. Em seu lugar foram criadas aulas gias de latim, grego, e retórica, que nem de
longe chegaram a substituir o eficiente sistema de ensino organizado pelos jesuítas.
De acordo com Chagas (1998), que analisa o resultado da expulsão dos jesuítas para o
ensino brasileiro: “pior é que para substituir a monolítica organização da Companhia de Jesus,
algo tão fluídico se concebeu que, em última análise, nenhum sistema passou a existir”. Essa
afirmativa decorre do fato dos professores serem geralmente mal preparados, porque
62
improvisados e com baixos salários em contraste com o magistério dos jesuítas, cujo preparo
chegava ao requinte.
Com a saída dos jesuítas, foi criada uma Diretoria de Estudos que verdadeiramente
começaria a operar após o afastamento de Pombal. Na colônia imensa, aulas régias pontuais,
onde cada uma constituía uma unidade de ensino, com professor único, instalada para
determinada disciplina. Era autônoma e isolada, pois não se articulava com outras nem
pertencia a qualquer escola. Não havia currículo, no sentido de um conjunto de estudos
ordenados e hierarquizados, nem a duração prefixada se condicionava ao desenvolvimento de
qualquer matéria. O aluno se matriculava em tantas “aulas” quantas fossem as disciplinas que
desejasse. Para agravar esse quadro, os professores além de serem despreparados, eram
nomeados por indicação ou sob concordância de bispos, que se transformavam em
“proprietários” das respectivas aulas régias que lhe eram atribuídas, vitaliciamente, como
sesmarias ou títulos de nobreza.
Em síntese, o ensino brasileiro ao iniciar o século XIX, estava reduzido a pouco mais
que nada, em parte como conseqüência do desmantelamento do sistema jesuítico, sem que
nada de similar fosse organizado em seu lugar. Na verdade, as reformas pombalinas
simplesmente substituíram a escola que servia aos interesses da pela escola útil aos fins do
Estado.
Atualmente as discussões sobre o ensino da língua Portuguesa em nível fundamental
podem ser feitas sob vários enfoques, que esse ensino, talvez mais acentuadamente que o
ensino de qualquer outro conteúdo, por sua natureza essencialmente social, é o resultado de
múltiplos fatores que o condicionam e determinam. Entretanto, dois enfoques são, sobretudo,
relevantes e discutidos aqui com mais profundidade.
Em primeiro lugar, é necessário analisar a questão do ensino da Língua a partir da
conquista do direito à escolarização pelas camadas populares, que resultaram da expansão
quantitativa do Ensino Fundamental, que não acompanhou como era de se esperar, o
crescimento com qualidade. De acordo com Teixeira (1968), “a escola de hoje viu, de repente,
as suas classes invadidas por todas as crianças, ao invés do pequeno punhado de favorecidos
ou escolhidos, que outrora a freqüentava”. O acesso das crianças à escola trouxe para as salas
de aula padrões culturais e variantes lingüísticas diferentes daqueles com que a instituição
estava habituada a conviver, criando-se assim, uma distância entre o discurso da escola e o
discurso dos novos alunos. Assim, torna-se necessário uma reflexão sobre o conflito cultural e
lingüístico criado pelas duas culturas.
63
Ora, é claro que a escola como instituição a serviço da sociedade capitalista, assume e
valoriza a cultura da classe dominante; assim, o aluno proveniente das camadas subalternas
encontra padrões culturais que não são os seus e que são apresentados como “certos”,
enquanto os seus próprios padrões são ou ignorados ou inexistentes, ou ainda, desprezados
como “errados”. Segundo Soares (2002), o comportamento desse aluno é avaliado em relação
a um “modelo”, que é o comportamento das classes dominantes; os testes e provas a que é
submetido são culturalmente preconceituosos porque são construídos a partir de pressupostos
etnocêntricos, que supõem familiaridade com conceitos e informações próprios do universo
cultural das classes dominantes. Este aluno passa por um processo de marginalização
cultural.
O segundo enfoque é determinado pela análise das práticas pedagógicas do ensino da
Língua Portuguesa, e perspectivas teóricas que vêm sendo desenvolvida desde 1960. Até
então, predominava o ensino da gramática com regras e normas de funcionamento para uma
escola que existia quase tão somente para a burguesia, que já falava o dialeto de prestígio
social, ou seja, a norma padrão.
Entretanto, como conseqüência da reivindicação e conquista pelas classes populares,
do seu direito à escolarização, que embora já iniciadas nas décadas anteriores, se
intensificaram a partir dessa década, altera-se a clientela da escola, principalmente na escola
pública: não são apenas os filhos da burguesia que fazem parte dos seus quadros, mas
também as crianças pertencentes às camadas populares.
É pertinente acrescentar que essa mudança de alunos na escola não é apontada como
justificativa para a transformação na legislação do Ensino Fundamental, essa questão da nova
clientela da escola pública com crianças predominantemente constituídas de camadas
populares, não é sequer mencionada no texto da Lei, promovida no final de 1960, e
promulgada no início de 1970 através da Lei nº 5.692/71.
Segundo Soares (1991), o reconhecimento de que a escola passara a atender a uma
nova clientela ficou implícita na Lei e nos conteúdos curriculares fixados com base nela, ou
seja, as crianças das classes populares teriam que desempenhar o papel a elas atribuído no
contexto da sociedade brasileira dessa época, que era contribuir de forma significativa para o
desenvolvimento de uma sociedade capitalista por meio da expansão industrial. É por isso, e
esse exemplo é apenas um entre tantos, que a Lei introduziu a qualificação para o trabalho.
Na verdade, a proposta era oferecer a essa nova clientela um ensino que a
instrumentalizasse para fornecer os recursos humanos necessários o tão sonhado
64
desenvolvimento industrial; isso se verificava nos próprios conteúdos curriculares e nos seus
objetivos que ganhavam um sentido fundamentalmente instrumental. Assim, a disciplina que
até então se chamava Português, passou a denominar-se Comunicação e Expressão. A Lei
estabelecia que à língua nacional se devesse dar especial atenção, como um instrumento de
comunicação e expressão da cultura brasileira. Ou seja, o objetivo instrumental da língua era
o desenvolvimento das habilidades de expressão e compreensão de mensagens o uso da
língua.
Amâncio (2002), discute que a Psicologia Associacionista fundamentava o ensino e
orientava sua operacionalização em uma pedagogia tecnicista: o ensino da Língua Portuguesa
era feito mediante “técnicas” de redação, exercícios estruturais, treinamento de habilidade de
leitura. Essa concepção o sujeito como um ser dependente de estímulos externos para
produzir respostas que reforçadas, conduziriam à aquisição de habilidades e conhecimentos
lingüísticos. Assim, o ensino baseado nessa concepção, tinha como objetivo ensinar o aluno à
natureza da linguagem para que a usassem sem lhe ser necessário compreender o porquê e as
funções que dela se esperava, bastava “reproduzir” o que se aprendia na escola.
Esse contexto social e histórico da língua numa perspectiva instrumental perdurou
durante a década de 1970 e os primeiros anos da década de 1980, e foi marcada pelo
surgimento de novas concepções de aprendizagem da Língua materna, sobretudo a trazida
pela Psicologia Genética, onde o sujeito passa a ser um ser ativo que constrói suas habilidades
e seu conhecimento da linguagem oral e escrita, em interação com os outros e com a própria
língua como objeto do conhecimento. Foi o ano das ciências lingüísticas, particularmente da
Psicolingüística e da Análise do Discurso.
De acordo com Cardoso (2003), a década de 1980 foi marcada por profundas
mudanças no processo de ensino da língua materna. Especialistas da área da linguagem,
pesquisadores, professores formadores têm feito um enorme esforço para divulgar a
concepção de linguagem como interação, trabalho, discurso e prática sóciohistórica, nas quais
as práticas de leitura e escrita são ressignificadas. É nesse contexto de profundas alterações
científicas, tecnológicas, políticas e sociais, que se fortaleceu a educação supletiva com
estruturas e práticas equivalentes às do Ensino de Primeiro Grau, mas com a flexibilização do
currículo e das modalidades de ensino, incluindo a educação não presencial.
Essas medidas visavam gerar a desejada aceleração dos estudos para aqueles que não
tiveram acesso à escolarização e diminuir o índice de analfabetismo no país. Essas medidas
propostas por vários governos se mostraram ineficazes e, além de não resolverem o problema,
65
seus resultados foram pouco significativos e de qualidade questionável. Além do mais, o
fenômeno do analfabetismo já vinha decaindo desde o final do século XIX. Sobre essa
questão, Ferraro (2003, p. 198), sugere que esse: “lento e gradual movimento de queda do
analfabetismo, trata-se de fenômeno que tem curso próprio, imune, no caso brasileiro, à
interferência de determinações legais, de planos, de campanhas e principalmente de discursos
contra o analfabetismo”. Isso quer dizer que, se a taxa de analfabetismo para a população de
quinze anos ou mais, que era de 13,6% em 2000
32
, vier a situar-se em torno de 7,5% no ano
2010, isso aparecerá mais como fatalidade de uma tendência de queda, do que como resultado
de políticas específicas.
A partir de 2003, assume um novo governo trazendo expectativas de transformações
sociais no país. Entre as prioridades, propõe o fim do analfabetismo, numa ação conjunta com
a luta contra a fome, e novamente a história se repete: a população brasileira é convocada para
a missão. Nesse mesmo período, a Unesco
33
lança a década da alfabetização 2003/2012, com
o objetivo principal de mobilizar governos e cidadãos em todo o mundo para alfabetizar 800
milhões de pessoas. O Governo Brasileiro fixou a meta de alfabetizar 20 milhões de
brasileiros acima de 15 anos até 2006. É o momento de se investigar se estas políticas
realmente se materializam em ações significativas para a população não-alfabetizada.
Essas ações foram direcionadas para a ampliação de resultados quantitativos em
prejuízo da qualidade e da priorização do direito das crianças à educação fundamental, não
eliminando a produção de novas gerações de analfabetos. Além do mais, a meu ver, essas
campanhas e programas de curta duração desvinculados de políticas públicas tomam a
alfabetização como uma ação isolada do Ensino Básico.
Com essas análises, destaco apenas alguns aspectos que ilustram que o analfabetismo,
forma extrema de exclusão em relação à educação, é apenas uma dentre as múltiplas formas
de exclusão social que costumam andar juntas e que não se pode vencer isoladamente. A
alfabetização escolar mesmo no sentido mais restrito (será discutida mais à frente nesse
trabalho) representa a libertação das múltiplas formas de preconceito e estigmatização e a
efetivação do primeiro passo no processo de escolarização e alfabetização propriamente dita,
que deve ir mais além.
32
Resultados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – INAF 2001.
33
Correio da Unesco, Brasil, junho 1995, nº 6, p. 11-13.
66
2. 4 Letramento,
34
Alfabetização e Alfabetismo
O estudo da alfabetização é um fenômeno complexo, que se verifica na multiplicidade
de termos utilizados para sua conceituação, trazendo implicações para as pesquisas e estudos
sobre os primeiros anos de escolaridade. Expressões como: letração, letrado, semi-
alfabetizado, alfabetizado e letrado, são palavras que comumente encontramos na mídia e na
literatura, com critérios relacionados à faixa etária, ao período de escolarização ou aos
conhecimentos que a pessoa detém sobre a leitura e escrita. Por isso torna-se importante
compreender os usos e as transformações sofridas pelos termos relacionados ao aprendizado
da leitura e escrita na língua materna.
Até 1940, os levantamentos de censo no Brasil eram realizados com base na pergunta:
“Sabe ler e escrever o próprio nome?” Após esse período incluiu-se mais um elemento à
questão: “Sabe ler e escrever bilhetes simples?”.
Levando-se em conta apenas os aspectos lógicos da teoria dos níveis de construção da
escrita descrita por Ferreiro e Teberosky (1999), quem sabe escrever bilhetes poderia ser
considerado alfabetizado, uma vez que alcançou a hipótese alfabética da escrita. No entanto,
essa proposição se mostra insuficiente se considerarmos a alfabetização como um processo
que requer continuidade para se manter.
De acordo com Soares (2003), tem-se tentado atribuir um significado demasiado
abrangente à alfabetização, considerando-a um processo permanente, que se estenderia
praticamente por toda vida, que não se esgotaria na aprendizagem da leitura e da escrita.
É verdade que, de certa forma, a aprendizagem da língua materna quer escrita, quer
oral, é um processo permanente, nunca interrompido. Entretanto, é preciso diferenciar
aquisição
35
da língua (oral e escrita) de um processo de desenvolvimento da língua (oral e
escrita). Para a autora, não parece apropriado que o termo alfabetização designe tanto o
processo de aquisição da língua escrita quanto o de seu desenvolvimento: etimologicamente, o
termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja,
ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever. Para ela:
34
No livro Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”. Campinas:
Mercado das Letras, 1995, Ângela Kleiman levanta a hipótese de que Mary Kato é que terá cunhado o termo
letramento.
35
Magda Soares faz uma diferenciação entre aquisição e desenvolvimento da língua oral e escrita, hoje, essa
distinção se transformou nos termos alfabetização e letramento. Sobre essa distinção, ver o livro: Letramento:
um tema em três gêneros da mesma autora.
67
Pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de
alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na
caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades sicas de leitura e
escrita, na definição da competência em alfabetizar (SOARES, 2003, p. 15).
Portanto, para a autora, alfabetização em seu sentido próprio, específico, é: processo
de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. Esse conceito se
desenvolve em torno do duplo significado que os verbos ler e escrever possuem em nossa
língua. Ler e escrever significa o domínio da “mecânica” da língua escrita; nessa perspectiva,
alfabetização significa a representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em
fonemas (ler). É sabido que a língua escrita não é uma mera representação da língua oral
como faz supor esse conceito. Além do mais, apenas uns poucos casos de total
correspondência entre fonemas e grafemas, de modo que a língua escrita não é de forma
alguma, um registro fiel dos fonemas de língua oral. Como se sabe, há também uma
especificidade morfológica, sintática e semântica da língua escrita: não se escreve como se
fala, mesmo quando se fala em situações formais; não se fala como se escreve, mesmo quando
se escreve em contextos informais.
Em seu sentido pleno, o processo de alfabetização deve levar à aprendizagem não de
uma mera tradução do oral para o escrito, e deste para aquele, mas à aprendizagem de uma
maneira peculiar de ver e reagir de cada pessoa em relação fonemas-grafemas. É como se
existisse outro código, com autonomia de recursos de articulação do texto e estratégias
próprias de expressão e compreensão. Nessa perspectiva, ler e escrever significa apreensão e
compreensão de significados expressos em língua escrita (ler) ou expressão de significados
por meio da língua escrita (escrever). Logo, a alfabetização seria um processo de
compreensão e expressão de significados. Sobre essa questão, Ferreiro discute:
Se pensarmos que a criança aprende só quando é submetida a um ensino sistemático,
e que a sua ignorância está garantida até que receba tal tipo de ensino, nada
poderemos enxergar. Mas se pensarmos que as crianças o seres que ignoram que
devem pedir permissão para começar a aprender, talvez comecemos a aceitar que
podem saber, embora não tenha sido dada a elas a autorização institucional para
tanto (FERREIRO, 2001, p.17).
Esses dois pontos de vista sobre o conceito de alfabetização não implicam verdade ou
falsidade de um ou outro. Sem dúvida, a alfabetização é um processo de representação de
fonemas em grafemas, e vice-versa, mas também é um processo de compreensão/expressão de
significados por meio do código escrito. Ferreiro (2001, p. 12) afirma ainda que a escrita não
deve ser tomada como “um código de transcrição gráfica das unidades sonoras”, mas sim
68
como um sistema da representação que evoluiu historicamente. Deste modo, deve ser
enfocado no processo de alfabetização, isto é, não se deve privilegiar a mera codificação e
decodificação de sinais gráficos no ensino da leitura/escrita, mas sim respeitar o processo de
simbolização. A criança vai percebendo o que a escrita representa, na medida do próprio
desenvolvimento da alfabetização. De acordo com Kato (1985, p. 19), “o que deve ser
enfatizado, portanto, seriam os aspectos construtivos das produções infantis durante a
alfabetização”.
Sob esse segundo enfoque, a alfabetização não é mais vista como sendo o ensino de
um sistema gráfico que equivale a sons. Um aspecto que tem que ser considerado nessa nova
perspectiva é que a relação entre escrita e a oralidade não é uma relação de dependência da
primeira à segunda, mas é antes uma relação de interdependência, isto é, ambos os sistemas
de representação influenciam-se igualmente.
Embora a discussão da alfabetização em torno desses dois pontos de vista (mecânica e
compreensiva com expressão de significados), um terceiro, que também é tão importante
quanto os dois primeiros.
Esse terceiro ponto de vista a alfabetização como um processo individual, e, volta-
se para o seu aspecto social: a conceituação de alfabetização não é a mesma em todas as
sociedades, depende de características culturais, econômicas e tecnológicas. Na verdade, uma
teoria coerente da alfabetização deverá basear-se em um conceito desse processo
suficientemente abrangente para incluir a abordagem “mecânica” do ler e escrever, o enfoque
da língua escrita como um meio de expressão/compreensão, com especificidade e autonomia
em relação à língua oral, e, ainda, os determinantes sociais das funções e fins da língua
escrita. É claro que não se consideraria alfabetizada uma pessoa que apenas fosse capaz de
decodificar símbolos visuais em símbolos sonoros nesse caso, lendo sílabas ou palavras
isoladas, como também não se consideraria alfabetizada uma pessoa incapaz de usar
adequadamente o sistema ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito.
Concretamente, o ensino da linguagem tem muitas facetas que devem ser dominadas
em muitas situações diferentes. No entanto, uma resposta geral para a questão de como as
crianças aprendem a ler que normalmente é encontrado no sentido da linguagem escrita. Uma
ilustração para essa afirmação, é que as crianças não aprendem a ler com um ensino ou com
um material que não faça sentido para ela. Normalmente elas se empenham para encontrar
sentido na escrita e como conseqüência, aprendem a ler. Sobre essa questão, o autor discute
que:
69
Na verdade, entender que os primeiros esforços das crianças são sempre para
encontrar sentido no mundo afasta muito do mistério de como elas passam a
dominar a linguagem escrita e falada. As crianças nunca aprenderiam a falar se
esperassem que nós lhes ensinássemos a falar de maneira que geralmente tentamos
ensiná-las a ler, um pouco de informação comum após outra. Mas as crianças se
empenham em entender o ambiente que as cerca sempre que ele tiver a
possibilidade de fazer sentido, em primeiro lugar. As crianças podem encontrar
sentido na linguagem falada e na linguagem escrita da mesma maneira que podem
encontrar sentido em qualquer outra coisa no seu mundo. Elas somente ficam
confusas com coisas que não faz sentido (SMITH, 1999, p. 118).
De acordo com o autor, é somente por meio da leitura que as crianças aprendem a ler.
É necessário garantir, que a leitura seja sempre acessível e agradável a todas; é preciso que
faça sentido para ser compreendido. As crianças entendem o que desperta seu interesse, o que
podem relacionar com atividades que conhecem. Tudo o que elas não podem relacionar
com o conhecido, perde o sentido, ainda que faça ou não sentido para o professor. Esperar que
elas aprendam a ler por intermédio de textos sem sentido, é o método mais seguro de tornar
impossível a aprendizagem da leitura.
Dentro desses enfoques, temos então que a concepção que em geral se faz a respeito
da aquisição da linguagem escrita (alfabetização) corresponde a um modelo linear e positivo
de desenvolvimento, segundo o qual a criança aprende a usar e decodificar símbolos gráficos
que representam os sons da fala, que para Tfouni (2004, p.20), “sai de um ponto x e chega a
um ponto y”. Isso quer dizer que a realidade passa por outras variáveis, e vai desde a questão
da escolarização, que em geral ocorre junto com a alfabetização, até a consideração de que
esse não é um processo linear, porque envolve níveis de complexidade crescentes, em cada
um dos quais diferentes objetos são contemplados e construídos pela criança.
A ambigüidade das representações sobre alfabetização, não é privilégio do senso
comum, revelam-se também, nos meios educacionais e em até instâncias governamentais.
Essa dualidade ilustra a dificuldade de associar o analfabetismo à exclusão social e de tomá-lo
como um fenômeno historicamente construído, o que contribuiu para que boa parte da
população brasileira tenha chegado ao século XXI privada do uso funcional da leitura e da
escrita e das possibilidades que o mundo letrado oferece.
O fenômeno do analfabetismo intrinsecamente ligado à desigualdade social, ambos
reforçando-se mutuamente. Barbosa (1994, p.69), afirma que “diante das transformações
radicais na realidade em que está situada, a escola se questiona, buscando superar práticas
cristalizadas pelo tempo, redimensionando a sua função social”. Nessa trajetória, os estudos
sobre alfabetização vêm tentando contribuições muitas vezes contraditórias da Psicologia,
Lingüística, Sociolingüística, Fisiologia da visão e, mais recentemente, da Psicolingüística.
70
Essas contribuições de acordo com o mesmo autor influenciam na formulação de uma nova
teoria de ensino apropriada à questão da leitura e da escrita. Mas, além delas, é preciso
acrescentar, ainda, questões de natureza política, econômica, social e cultural, que orientam e
condicionam o domínio de um saber, variando num determinado tempo e numa dada
sociedade.
Um bom exemplo disso é a variação do conceito de alfabetização ao longo do tempo.
Comparando os critérios que foram no passado utilizados para definir quem é analfabeto ou
quem é alfabetizado nos recenseamentos da população brasileira, percebe-se que até a década
de 1940, o formulário do censo definia o indivíduo como analfabeto ou alfabetizado
perguntando-lhe se sabia assinar o nome: as condições culturais, sociais e políticas do país,
até então, não exigiam muito mais que isso de grande parte da população. As pessoas
aprendiam a desenhar o nome, apenas para votar ou assinar um contrato de trabalho.
A partir da década de 1940, o formulário do censo passou a usar outra pergunta: sabe
ler e escrever um bilhete simples? Essa pergunta, de acordo com Soares (2004), é uma
impropriedade, e, ela sugere rias questões para reflexão, a citação será um pouco longa e
peço desculpas aos leitores, mas não acredito que conseguiria com minhas próprias palavras
explicitar a questão:
Quais podem ser as atitudes dos indivíduos diante da pergunta: “Você
sabe ler e escrever um bilhete simples?” A pessoa pode dizer que sim, por
envergonhar-se de dizer que não; ou pode dizer que não, por temer que
lhe apresentem um “bilhete simples” e lhe peçam para lê-lo... Pode-se
confiar nas respostas a essa pergunta?
Um outro problema: em cada domicílio, um indivíduo responde por todos
que ali habitam, ou seja, um indivíduo avalia a habilidade de todos os
outros de “ler e escrever um bilhete simples”; pode-se confiar nessa
avaliação?
Ainda um terceiro problema: o que é “um bilhete simples?” é um bilhete
com poucas palavras? Com apenas duas ou três linhas? Com apenas
orações simples, ou coordenadas, sem subordinadas? com apenas palavras
de uso comum?
Mais um problema: saber “ler e escrever um bilhete simples” é ser apenas
alfabetizado? Ou é já ter um certo nível de letramento?
Finalmente: nas atuais condições da sociedade brasileira, basta saber “ler e
escrever um bilhete simples” para ser considerado alfabetizado? ou para
ser considerado letrado?
Concluindo: que interpretação pode-se dar aos índices de analfabetismo da
população brasileira definidos pelo Censo? (SOARES, 2004, p.55-56).
71
A autora explica que apesar da pergunta dúbia, ela expressa um critério para definir
quem é alfabetizado ou analfabeto que avança em relação ao critério de apenas saber escrever
o nome, aproximando-se do conceito de letramento. A mudança de critério para a avaliação
dos índices de analfabetismo no Brasil revela mudanças históricas, sociais, culturais e
apontam para a importância e necessidade de se partir, nos processos educativos de ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita, voltadas para os alunos, de uma clara concepção desses
fenômenos e de suas diferenças e relações. Por isso, torna-se prioritário entender as
transformações e os usos sofridos pelos termos relacionados ao aprendizado da leitura e
escrita.
Ferreiro e Teberosky (1999), descrevendo e analisando a teoria dos níveis de
construção da escrita, apenas considerando-se os aspectos lógicos, definiu que, quem sabe ler
e escrever bilhetes poderia ser considerado alfabetizado, uma vez que alcançou a hipótese
alfabética da escrita. que esse indicador mostra-se insuficiente, principalmente se
considerarmos a alfabetização como um processo que requer continuidade para se manter.
Nesse sentido, de acordo com Tfouni (2004, p. 19), o processo de representação que o
indivíduo deve aprender a dominar é complexo e acompanha o desenvolvimento de vários
estágios que vão desde a microdimensão (representar o som de /s/ com os grafemas ss (osso),
c (cena) até um nível mais complexo, como por exemplo representar o interlocutor ausente
durante a produção de uma carta, por exemplo).
A concepção que se faz a respeito da alfabetização geralmente corresponde a um
modelo linear de desenvolvimento, onde a criança aprende a usar e decodificar símbolos
gráficos que representam os sons da fala. A realidade, no entanto passa por outras variáveis,
que vão desde a questão da escolarização até a consideração que esse não é um processo
linear, envolve níveis de complexidade crescentes, em cada um dos quais diferentes objetos
são contemplados e construídos pelos alunos.
Na Linguagem como Expressão do Pensamento, o ensino é mais tradicional, a palavra
é a base metodológica, os conteúdos são mais prescritivos, com regras, receitas e práticas
padronizadas; as variações lingüísticas não são consideradas, privilegia-se o certo e o errado.
A Linguagem como Meio para a Comunicação, a linguagem é vista como um conjunto de
variedades, a gramática é mais descritiva, privilegia a repetição para o aluno absorver os
modelos, o treino e os exercícios estruturais através do processo de mecanização. O ensino
pretende substituir os padrões da língua através de “correções”. A Linguagem como Processo
de Interação Verbal, se embasa em diferentes gramáticas, busca colocar o aluno em situações
72
de uso efetivo da língua, permite diferentes variações lingüísticas, não há dicotomia entre
certo e errado, mas o adequado e o não adequado à determinada situação; o ensino é mais
produtivo.
Seja qual for a concepção de linguagem utilizada, é imprescindível que no ensino da
língua materna se tenha clareza dos fundamentos que lhe dão suporte. Embora se tenha como
base determinada teoria, não implica que se tenha que rejeitar totalmente outras, como se
sabe, o conhecimento é produzido pelo homem historicamente e isso supõe que as condições
de sua produção sejam levadas em conta, e mais, enquanto processo, o conhecimento
avança em razão do que já foi produzido anteriormente.
2.5 Ensino em Mato Grosso - breve histórico
De acordo com Marcílio (1963), não se tem notícia de que os assuntos relacionados ao
ensino tivessem ocupado um lugar de importância nos primeiros anos de Mato Grosso. Nem
mesmo o “Subsídio Literário”
36
mudou a situação.
No período imperial, há referência apenas de uma escola de primeiras letras num
requerimento de 26 de março de 1811, transcrito por Marcílio (1963), no livro “História do
Ensino em Mato Grosso”, esclarecendo essa questão. Vejamos o que ele diz:
Ilmo. E Exmo. Snr.
Diz o tenente Francisco leite Pereira que achando-se vaga a Cadeira de Mestre das
Primeiras Letras, desta Villa de Cuyabá, por falecimento de Joaquim Mariano da
Costa, o supe requereu a V. Exa. A Graça de o prover na referida, e foi V. Exa.
Servido mandar q’se lhe paçasse Provisão, a qual athe agora se não tem passado
pela razão de estar o Secretário deste governo em duvida se deve o supe pagar ou
não Novos direitos; pelo q’sem embargo desta duvida se lhe passe Provisão, como
V. Exa ordenou; e enquanto a Juncta da Real fazenda não decide se o supe deve ou
não pagar os dictos Direitos, não duvida o supe prestar fiança p.a seguranças dellas,
e com effeito se decidir q’o deva pagar.
Pa. V. Ex.a seja servido assim mandar.
R.M.
Nessa época, o ensino em Mato Grosso de acordo com Leite (1970), era ineficiente,
quase nulo. Arrasta-se assim, a instrução mal orientada e pessimamente distribuída, quando o
36
Imposto criado por Portugal, através da Lei de 10 de dezembro de 1772, destinado para as despesas com a
instrução.
73
Ato Adicional de 1834
37
, considerou as Assembléias Legislativas das províncias competentes
para legislar sobre instrução pública, passando o ensino à competência e direção das
Províncias. É claro que tal encargo refletiu pesadamente no restrito orçamento da província,
mas mesmo assim os governantes perceberam a necessidade de aparelhar o sistema escolar
mato-grossense dentro de suas possibilidades financeiras.
Em 1835, a presidência da Província autorizava em Cuiabá, a criação de duas cadeiras
de ensino primário, ficando o município encarregado da fiscalização dessas cadeiras e do
contrato de pessoas para assumi-las. As dificuldades eram imensas, e escasseava na Província
professores que pudessem assumir essas vagas, tanto que existia uma lei onde o presidente da
Província ficava autorizado a “chamar novamente a exames, todos os mestres de primeiras
letras que estiverem em exercício, podendo-os demitir, se pelo exame conhecer que não têm a
necessária instrução e prover outros em quem concorram os preciosos conhecimentos,
probidade e bons costumes”.
Apesar dessas limitações, de acordo com Leite (1970), a instrução da colônia até a
independência permaneceu errada e má, desorientada e quase inexistente. As lutas políticas
internas, a falta de professores e de orientação, pioraram a questão até o Ato Adicional, mas
nada indicava mudanças nesse quadro, enquanto não se regulamentou a instrução pela Lei
8, de 5 de maio de 1837
38
, o Primeiro Regulamento de Ensino, no governo de Pimenta
Bueno.
Essa Lei Provincial 8, dispunha sobre criação e extinção de escolas primárias,
vencimentos e movimento do pessoal docente, fiscalização de escolas e exames de alunos. Por
essa lei, pela primeira vez, o governo orienta os professores, determina medidas de ordem
administrativa e até mesmo de alcance pedagógico. De acordo com Leite (1970), o artigo
primeiro dividia a instrução primária em dois graus: “No primeiro se ensina a ler e escrever, a
prática das quatro operações aritméticas e princípios religiosos”. No artigo segundo, declarava
que em todos os núcleos de população seriam criadas escolas do primeiro grau, considerando
a população e a possibilidade de freqüência de pelo menos vinte alunos.
Sabendo da escassez de mestres e percebendo que os existentes não são preparados
para tamanha responsabilidade, se cogita criar a Escola Normal para instruir professores. Essa
escola “não teria por fim ensinar a ler, escrever e contar, mas sim adiantar o ensino das
37
Livro: História do Ensino em Mato Groso, de Humberto Marcílio, lei de 12 de agosto de 1834, que confere às
Assembléias Legislativas Provinciais, poderes para legislar sobre a matéria.
38
No livro de Humberto Marcílio, “História do Ensino em Mato Grosso”(1963), a lei aparece como nº 3;
No livro de Gervásio Leite “Um século de Instrução Pública História do Ensino Primário em Mato Grosso”
(1970), a lei aparece como a nº 8; as datas permanecem as mesmas.
74
escolas primárias e aperfeiçoá-los para a sublime missão do professorado” (MENDONÇA,
1977, p. 15). Era o ano de 1875, quando foi solenemente instalada a Escola Normal, em
prédio próprio, na então Rua Coronel Peixoto. Sua finalidade era também a habilitação de
professores já no exercício da profissão e seu corpo discente é constituído de alunos mestres e
alunos ouvintes.
O Liceu Cuiabano é criado através da Lei Provincial 536 de 13 de dezembro de
1879 e instalado solenemente a 7 de março de 1880 (Marcílio, 1963, p. 89 e 91), e seu artigo
1º, “reza que o Lyceu Cuiabano tem por fim não habilitar professores para o magistério
público primário, mas preparar também aspirantes à matrícula nos cursos superiores do
Império”. Nesse período, o Curso Normal é integrado ao Liceu Cuiabano permanecendo
assim por muito tempo, até o ano de 1889, quando acontece a Reforma Souza Bandeira, que
determina grandes modificações na estrutura administrativa do ensino na Província, sendo
que, uma dessas mudanças foi separar do Liceu Cuiabano as duas entidades que estavam a ele
agregadas: o Liceu de Línguas e Ciências e o Curso Normal.
O Liceu Cuiabano passa assim, a funcionar como uma entidade à parte, destinada
exclusivamente à preparação de cursos que dessem acesso às escolas superiores do país, e
criando o externato do sexo feminino, com a finalidade de preparar professoras para o
magistério primário. Essa reforma imprime ao Liceu Cuiabano um novo aspecto de
existência, mas, tomando o cuidado de não ir além das possibilidades que poderiam oferecer
as modestas finanças públicas da Província.
Em 12 de março de 1880
39
, de acordo com Leite (1970), aparece o novo regulamento
intitulado: “Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Província de Mato Grosso”.
Esse regulamento também chamado de Maracaju é mais minucioso, mais científico. O ensino
divide-se em primário e secundário. O ensino primário podia ser público, particular e
doméstico, livre e obrigatório e em dois graus, sendo obrigatório o primeiro e livre o segundo,
dividindo-se as classes em três graus. A fiscalização nas escolas particulares e domésticas
girava em torno da “higiene, estatística e moral” (art.3º).
Num exame sumário e imperfeito, a instrução pública na província no período
imperial não foi além da fase inicial de preparação. Não era só a falta de mestres, havia acima
de tudo falta de recursos financeiros para acudir às necessidades do ensino da época. As
dificuldades materiais que a província sofreu durante o império trouxeram dificuldades de
toda ordem, não em relação à instrução, mas na própria vida das pessoas. Até o império, o
39
Regulamento aprovado pela lei 540, de 23 de outubro de 1880, assinado pelo Diretor Geral da Instrução,
Dormevil José dos santos Malhado.
75
estado de Mato Grosso estava praticamente despovoado, com uma pequena população
distribuída por dez imensos municípios isolados, porque estradas praticamente não existiam.
A chegada da Republica não resolveu o problema do ensino em Mato Grosso, mas
trouxe a preocupação do ensino sem Deus e o formalismo do ensino obrigatório, que a
“obrigatoriedade”, decorria das possibilidades orçamentárias, além do mais, os primeiros
governantes apanhados de última hora para cargos de responsabilidade, o podiam controlar
todas as forças e ainda articular uma administração satisfatória.
Nessa nova fase, foi baixado o primeiro regulamento do ensino no período
republicano, com o decreto 10, de 7 de novembro de 1891
40
, presidido pelo Dr. Manuel José
Murtinho. Esse regulamento foi denominado “Regulamento da Instrução Pública do Estado de
Mato Grosso” e tratou da instrução nos seus aspectos secundário e primário, que seria “leigo,
gratuito e obrigatório” e ministrado nas escolas públicas das localidades com suficiente
população em idade escolar, onde deveria ter no mínimo 20 alunos.
Em 1894, a missão Salesiana veio para Mato Grosso e em apenas dois meses fundava
o Colégio São Gonçalo. No início, a missão dos discípulos do fundador da congregação de
acordo com (MENDONÇA, 1977, p.21), era “recolher as crianças pobres e abandonadas,
congregá-las em oratórios festivos, dando-lhes instrução religiosa, escolar e formação
profissional”. Mais tarde o Liceu Salesiano teve grande influência na formação cultural de Mato
Grosso, formando bacharéis em ciências e letras.
Em 20 de junho de 1896, é expedido um novo regulamento para a instrução pública do estado,
autorizado pela lei 152, de 16 de abril do mesmo ano, que determina que o ensino primário
seja classificado em dois graus de acordo com Leite (1970, p. 102):
Elementares ou do primeiro grau e complementares ou do segundo grau, sendo a
freqüência obrigatória às crianças de sete a dez anos; uma escola para cada sexo, nas
cidades, vilas, freguesias, povoados, ficando os pais obrigados a mandar seus filhos
às escolas existentes ou dizer os motivos por que assim não procediam.
O programa das escolas elementares obedecia às seguintes normas, traçadas pelo
Regulamento
41
:
1- Leitura corrente de impressos e manuscritos;
40
Primeiro Regulamento do Ensino do Estado de Mato grosso na fase republicana.
41
Regulamento Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, que trata do ensino primário e secundário
expedido em 20 de junho de 1896, autorizado pela lei 152, de 16 de abril do mesmo ano, na forma do decreto
nº 68.
76
2- Caligrafia e escrita;
3- Estudo prático da língua materna;
4- Exercícios de intuição ou noção de coisas, acompanhadas de exercícios de leitura e
escrita e de explicação sobre forma, cores, número, dimensão, tempo, sons, qualidades
dos objetos, mediante seu uso e aplicação;
5- Aritmética prática até por dois algarismos; problemas fáceis sobre as quatro
operações; noções gerais sobre numeração e valores dos algarismos; grandeza,
quantidade e unidade; conseqüências resultantes dessa comparação; generalidades
sobre os modos de dividir e subdividir a unidade; diversas espécies de fração
resultantes de semelhante divisão;
6- Cultura moral, comentário das narrativas dos livros de leitura e dos fatos da vida
escolar;
7- Geografia Física e História do Estado;
8- Costura simples nas aulas para as meninas.
Esse regulamento ainda recomendava livros de estampa para exercícios de leitura,
assinalando que o professor devia limitar o mínimo possível as regras e definições, atendendo
ao caráter “mais prático do que teórico” do ensino primário elementar.
Na escola complementar o programa era maior e mais minucioso, ensinando além das
matérias da escola elementar, mais:
1- Língua materna, ditado, composição, análise;
2- Aritmética, inclusive frações – sistema métrico, regra de três, máximo e mínimo
divisor comum, aplicação e uso dos sinais algébricos;
3- Geometria avaliação de áreas e capacidades, construção de figuras planas, estudo e
representação gráfica dos sólidos;
4- Geografia física noções gerais; humana e política; estudo minucioso do Brasil e
Mato Grosso;
5- Estudo sumário da história universal; História Pátria, especialmente a de Mato Grosso.
6- Educação Moral e Cívica;
7- Trabalho de agulha, corte e feitio de roupa branca para criança, mulher e homem, nas
escolas do sexo feminino.
77
O regulamento recomendava ainda que o professor deveria ocupar a atenção dos
alunos com um resumo dos acontecimentos memoráveis da história da humanidade e da
biografia dos grandes homens, limitando o ensino aos fatos que mais concorreram para o
progresso moral e social da humanidade. Dentro desse regulamento existia ainda o artigo 15,
que recomendava: “O professor se esforçará por tornar o ensino tão prático quanto possível”.
De acordo com Leite (1970, p.115), citando uma mensagem de Generoso Ponce
42
, essa era
uma tendência “moderna” em matéria de ensino, “é simplificá-lo e torná-lo o mais prático
possível, não se enchendo a cabeça do menino de teorias e conhecimentos abstratos, que de
pouca ou nenhuma vantagem lhe venha a ser no futuro”.
Com a renúncia de Ponce, assume o governo Pedro Celestino Corrêa da Costa, período
denominado por Marcílio (1963), como o da “Revolução do Ensino” em Mato Grosso, onde
através da resolução 508
43
cria várias escolas primárias e autoriza a organização de três
grupos escolares, sendo dois para os distritos da capital e um para a cidade de Corumbá.
Assim está redigida:
Art. 1º - Ficam criadas as seguintes escolas:
Sete no município da capital, sendo duas elementares, uma para cada sexo, no
Primeiro distrito; uma do curso complementar, do sexo masculino e uma do curso
elementar, do sexo feminino, no Segundo Distrito; uma mista do curso elementar, no Porto da
Passagem da Barca Pêndulo, à margem direita do rio Cuiabá; uma elementar mista, na
povoação de Morrinhos, e outra na Cachoeirinha, distrito de Brotas;
a) Uma do curso elementar, mista, no município de Santo Antônio, no primeiro
núcleo da parte superior do Uacorutuba;
b) Duas no município de Livramento, sendo uma para o sexo feminino e do curso
elementar na vila do mesmo nome, e outra mista, na povoação de Retiro;
c) Três no município de Rosário, sendo duas mistas nos lugares denominados
Jangada e Figueira, e outra complementar do sexo masculino, na sede da vila do
mesmo nome;
d) Três do curso elementar, sexo masculino, em Coxim, Aquidauana e Mato Grosso;
42
Generoso Paes Leme de Souza Ponce, presidente que renunciou, assumindo a administração Pedro Celestino
Corrêa da Costa em 12 de outubro de 1908, na qualidade de vice presidente.
43
Redação de três artigos da Resolução 508, criando escolas e organizando Grupos Escolares nos Distritos e
Capital.
78
e) Uma elementar, sexo feminino, na cidade de Poconé.
Art. - Nenhuma nomeação poderá ser feita para o professorado primário, sem que o
candidato exiba pelo menos certificado do exame de habilitação, perante uma
comissão para esse fim nomeada pelo presidente do estado sob proposta do Diretor da
Instrução Pública.
§ Único O exame de habilitação compor-se-á das matérias exigidas para o exame do
curso complementar.
Art. - Fica o poder executivo autorizado a organizar três grupos escolares, um em
cada distrito da capital e um na cidade de Corumbá, aproveitando as escolas já
existentes nessas cidades, bem como abrir o necessário crédito para o provimento das
escolas criadas pela presente lei.
Essa resolução foi transcrita na íntegra para demonstrar como os problemas escolares
eram previstos em 1908, data desta resolução. Dois anos depois, ela foi novamente
regulamentada através do Decreto 258 de 28 de agosto de 1910, de acordo com Marcílio
(1963).
Nessa época, é contratado pelo então governo Pedro Celestino Correa da Costa, dois
professores paulistas, que na qualidade de técnicos iniciam as novas idéias contidas no novo
regulamento. Uma verdadeira revolução se instala no ensino de Mato Grosso, não em
relação à administração, mas se passa a adotar novos moldes pedagógicos, de acordo com
regulamento e programa adotados em São Paulo para instituições desse gênero. É criado o
primeiro grupo escolar a funcionar no estado. Amâncio (2000) discute que essa reforma de
1910, trouxe como uma das maiores inovações além da implantação dos grupos escolares, a
necessidade de elaboração de um programa de estudos para os grupos, que colocava em
destaque uma discussão nova na realidade de Mato Grosso: a dos métodos de ensino para as
primeiras letras.
Pedro Celestino Correa da Costa, em mensagem nesse mesmo ano, refletia:
“Convencido da necessidade urgente que de cuidarmos do futuro da instrução popular,
base fundamental de todo verdadeiro progresso social, que é tanto mais sólido quanto mais
79
difundido ela se acha; e convencido também de que o primeiro passo a dar para este fim é a
formação de bons professores, mandei contratar dois normalistas em São Paulo, com o fim de
criar aqui uma Escola Normal de que havemos mister para a realização desse objetivo” (Apud
LEITE, 1970, p. 117).
A chegada desses professores paulistas a Mato Grosso, trouxe as primeiras discussões
acerca dos métodos de ensino de leitura na primeira década do século XX. Magnani (1997),
citada por Amâncio (2000), afirma que essa primeira década do século, foi um período
extremamente efervescente no que concerne às discussões sobre métodos de ensino de leitura
e publicações de cartilhas e artigos em São Paulo, sobretudo na Revista de Ensino, “visando a
convencer e subsidiar os professores primários na aplicação do método analítico para o ensino
da leitura, cuja obrigatoriedade estava oficializada pela Diretoria Geral da Instrução Pública
do Estado de São Paulo”.
Citando esse decreto, Leite (1970), afirma que em suas prescrições, o ensino era
intuitivo e prático, devendo o professor partir em suas lições do conhecido para o
desconhecido e do concreto para o abstrato, evitando o estudo de regras e definições e dando
margem para o esforço criador do aluno, a fim de que esse se interesse pelas lições”. Também
declarava ser absolutamente proibido o castigo corporal, ou “qualquer outro que possa abater
o brio da criança”.
Como se vê, esse regulamento representou um avanço na história do ensino em Mato
Grosso, não pela implantação dos grupos escolares e criação da Escola Normal, mas pela
“estrutura e organização dos grupos escolares, com material didático específico, seu horário
rigoroso de distribuição das matérias e o acompanhamento do diretor e preparo dos
professores de acordo com a nova metodologia” (AMÂNCIO, 2000).
Apesar da boa intenção, o Regulamento de 1910 não produziu os efeitos desejados, ele
sozinho não tem forças para de um golpe mudar tudo. Outras causas, de natureza diferente,
como a questão geográfica e demográfica de um lado, e administrativa de ouro, dificultaram
esse desenvolvimento. “Não é uma questão de método e técnica, mas também as
excepcionais condições adversas do meio geográfico mato-grossense de um lado, e de outro,
a situação estagnada do professor mal remunerado e sem possibilidade de acesso aos locais de
ensino” (LEITE, 1970, p. 123). Apesar de tudo, de acordo com esse autor, o ensino sofreu
uma melhora sensível.
Em 1921, é criada a Inspetoria Geral de Ensino, que uma das críticas ao
Regulamento de 1910 era que ele “criava situações contraditórias e inconvenientes que
80
impediam a ação fiscalizadora do Estado” (LEITE, 1970, p. 131). Até então, a inspeção do
ensino era gratuita e o governo não podia contar com os inspetores municipais, criando o
serviço de Inspeção remunerada, esperava resolver o problema da “pouca eficiência do ensino
e o baixo coeficiente de matrícula”
44
. Isso como era de se esperar, não aconteceu.
Mais uma tentativa foi feita em 1927, com a criação do Decreto 759, autorizado pela
Lei 942 de 3 de fevereiro de 1926, que organiza o Ensino Primário, “dando-lhe novo e
substancioso regulamento” (MARCÍLIO, 1963, p. 150). Esse regulamento foi o de maior
vigência no período republicano, que de acordo com o mesmo autor, sofreu apenas ressalvas
de alguns itens que foram revogados pela Lei Orgânica do Ensino Primário. Aprovada em
1952.
Esse regulamento em seus aspectos gerais representou um avanço para a época. Previa
entre outras coisas, o “ensino gratuito, leigo e obrigatório para todas as crianças normais,
analfabetas de 7 a 12 anos, que residissem até dois quilômetros distantes da escola pública”
(MARCILIO, 1963, p. 151).
Esse regulamento é também analisado por Leite (1970, p.139), que discute o que se
articulou em seu inciso 91: “Sobre métodos do ensino e prescrições pedagógicas essenciais
para os professores”, que deveriam observar as seguintes normas básicas:
1. Passarão sempre no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o abstrato,
do simples para o composto e concreto, do imediato para o mediato, do
conhecido para o desconhecido;
2. Farão o mais largo emprego da intuição;
3. Conduzirão a classe às regras e às leis pelo caminho da indução;
4. Conservação com vista a finalidade educativa e procurarão o melhor caminho
para alcançá-la;
5. Empregarão no ensino da leitura, o método analítico;
6. Estudarão os seus alunos para os conduzir de acordo com a capacidade de cada
um;
7. Procurarão pela instrução, o desenvolvimento harmônico de todas as
faculdades infantis;
8. Transformarão seus alunos em colaboradores;
44
Enxerto da mensagem proferida por Dom Aquino de Correa, por ocasião da sua posse ao assumir o governo de
Mato Grosso, em 22 de janeiro de 1918, extraída do livro “História do Ensino em Mato Grosso” do autor
Humberto Marcilio.
81
9. Tornarão as lições interessantes;
10. Educarão pela palavra e pelo exemplo;
11. Evitarão a rotina e acompanharão de perto as lições da experiência didática e
da ciência pedagógica.
Essas normas de acordo com Leite (1970) que analisa esses registros, segue a
orientação dada ao ensino que direciona alguns princípios ligados a Pestalozzi e Herbar
45
.
Fala em “desenvolvimento harmônico de todas as faculdades infantis”, mito da psicologia de
ontem; o “mestre deve educar pela palavra” já que à época o ensino era verbalista e a
aprendizagem consistia simplesmente em ouvir. O autor considera esses conceitos
ultrapassados, e justifica que a educação deve se constituir não apenas em ouvir, mas em
fazer. Ele avança na discussão, e considera ingenuidade a preocupação com a intuição, que
chama de “pedagogia de ontem”, que nem bem aplicada, daria bons frutos. O autor acredita
que o principal ponto não foi atingido, “os métodos e prescrições pedagógicas acabam por
mecanizar e padronizar as crianças, como se os alunos fossem todos iguais”.
Para Leite (1970, p. 140), o regulamento não deu ao “aplicador do método”,
elementos necessários para ser um professor, não o liberou das condições que colaboraram
para sua ineficiência:
[...] Mal remunerados, sem esperanças de acesso, sem carreira, atirados num
ambiente rural indiferente e que não compreende a finalidade da escola, sem
contato permanente com as idéias mais correntes, com os princípios mais aceitos e
razoáveis em educação, perdem o estímulo, a habilidade, as qualidades positivas
que tinham. Caem na rotina. Fazem do ensino memorização simples e passam de
educadores a ensinantes.
Essas transformações permaneceram até a chegada da Escola Nova
46
, com os textos de
Dewey
47
que já se encontrava em discussão na Europa. Aqui no Brasil, já começava a
conquistar os intelectuais jovens, preocupados com questões educacionais.
45
Johann Heinrich Pestalozzi, educador suíço e Johann Friedrich Herbart, filósofo alemão, incentivaram a
tendência de “psicologizar a educação”. Partem do princípio que os termos educação e instrução são
indissolúveis. É a base da Pedagogia Tradicional brasileira.
46
De acordo com Paulo Ghiraldelli Júnior, o movimento da Escola Nova enfatizou o processo de ensino-
aprendizagem, deu importância substancial à liberdade da criança e ao interesse do educando, adotou métodos de
trabalho em grupo e incentivou a prática de trabalhos manuais nas escolas; além disso, valorizou os estudos de
psicologia experimental e procurou colocar a criança (e não mais o professor) no centro do processo educacional.
47
John Dwey, considerado um dos maiores filósofos da educação nos EUA, criou os “cinco” passos para o
funcionamento do raciocínio indutivo: tomada de consciência do problema, análise de elementos e coleta de
82
Em Mato Grosso, as primeiras linhas de um plano de reforma demoraram a chegar
porque envolviam elementos como densidade demográfica, fixação do homem no campo,
estradas, fomento de agricultura, saneamento, enfim, criação de condições mais favoráveis.
De acordo com Marcilio (1963), o Ensino Primário começa a tomar novo impulso com o
interventor Júlio Muller, iniciando um novo ciclo do ensino mato-grossense, que através do
Decreto nº 53, de 18 de abril de 1940, cria cem escolas de instrução primária.
Após seis anos, em 1946, é extinta a Diretoria Geral de Instrução Pública, através do
Decreto-lei 726, de acordo com a nova Constituição Federal, e criada através do mesmo
Decreto, o Departamento de Educação e Cultura do Estado, que exercerá as funções da antiga
Diretoria Geral de Instrução Pública.
Em 1951 inicia o governo de Fernando Correa da Costa criando o Serviço de
Orientação do Ensino Primário e de Assistência à Administração Educacional. É nessa época
que são encaminhados ao Rio de Janeiro cinco professores para cursos de especialização
ministrados pelo INEP. Após o término desses estudos esses professores ficariam à frente
desses novos setores do ensino. Nesse período são tomadas várias medidas nas diversas
esferas da Instrução Pública, sendo uma delas a Lei nº 422, de 24 de novembro do mesmo ano
que adapta o Ensino Matogrossense à Lei Orgânica do Ensino Primário Federal.
Para o Ensino Secundário são construídos e inaugurados vários prédios para a
instalação de novos ginásios, que são distribuídos pelas cidades de Guiratinga, Poxoréu,
Poconé, Rosário Oeste e Paranaíba. Cinco anos depois, em 1956, de acordo com Marcílio
(1963), Mato Grosso conta com quarenta e nove grupos escolares, trinta e seis escolas
reunidas
48
, mil e dezoito escolas rurais e dez escolas regimentais.
A partir de 1961, Fernando Correa da Costa realiza importantes mudanças na área
educacional, dentre elas a instalação da Secretaria de Educação com a ampliação de
estabelecimentos oficiais. É nessa época que o Ensino Primário ganha novas diretrizes, com a
criação de diversas medidas visando a elevação do nível do professorado, destacando-se a
obrigatoriedade de certificado de habilitação, passando por uma comissão especial para que
possa “o leigo exercer funções no magistério” (MARCÍLIO, 1970, p. 211). Através do decreto
391, de 4 de setembro de 1962, determina o aproveitamento sistemático dos professores
primários diplomados por escolas normais oficiais. Outras medidas de grande alcance são
informações, sugestões para as soluções do problema, hipótese de desenvolvimentos das sugestões apresentadas
e experimentação (recusa ou aceitação das soluções).
48
No livro “Um século de Instrução Pública”, Gervásio Leite define escolas reunidas, como aquelas escolas que
funcionam num raio de 2 km , 3 ou mais escolas isoladas, com uma freqüência total mínima de 80 alunos, são
reunidas num só estabelecimento com o máximo de 7 classes e o mínimo de 3.
83
tomadas, como por exemplo, as que atualizam os programas de ensino com orientações
metodológicas.
As instruções gerais que estabelecem as obrigações de mestres e alunos e as que
regulamentam as atribuições dos Inspetores Regionais do Ensino Primário foram baixadas em
15 de março de 1963, através do Decreto nº 458. Essas medidas resultaram em vários
convênios firmados com o Ministério da Educação, para execução do chamado Plano de
Emergência, elaborado pelo ministro Darcy Ribeiro. Com os recursos provenientes desses
acordos, a Secretaria de Educação realizou muitas obras em vários municípios, viabilizando
ampliações e construções de grupos escolares e salas de aula.
Apesar dos esforços, nesse período, o magistério primário matogrossense era
composto por mais de 60% de professores leigos, efetivados por concurso. Esse fato gerou no
ensino de Mato Grosso um dos problemas de mais sérias conseqüências para o futuro da
educação no Estado. O então Secretário de Educação, Dr. Hermes Rodrigues de Alcântara
analisando o ensino de Mato Grosso, chama a atenção para um dos principais problemas do
ensino nesse Estado
49
: “Ao iniciarmos a nossa gestão, um dos problemas que nos desafiavam,
relativamente ao ensino, era o grande número de professores leigos, efetivados por concurso.
O trato diário com os problemas educacionais evidenciou desde cedo, a necessidade da
recuperação daqueles professores que, embora efetivados, não possuíam um grau suficiente de
conhecimentos e de capacidade profissional”.
A solução encontrada foi a criação de um Centro de Capacitação do Magistério Leigo,
que ficou conhecido como Centro de Aperfeiçoamento e Treinamento do Magistério, que foi
instalado solenemente em 16 de agosto de 1963. O primeiro curso criado foi para os
supervisores do ensino, com quarenta professores inscritos sob a orientação de mestras
especializadas contratadas no Estado do Espírito Santo. Esse centro teria capacidade para
atender a mais de três mil escolares e quatrocentas professoras.
Em 1970, Mato Grosso é testemunha da criação da Universidade Federal de Mato
Grosso, sediada em Cuiabá, e da Universidade Estadual de Mato Grosso, centralizada em
Campo Grande e federalizada após a divisão do estado. Seus professores diante da pesquisa
na área de história da educação regional, não dispunham de formação necessária para realizar
o percurso exigido pela investigação científica, que de acordo com Alves
50
“adviria a partir da
49
Pequeno fragmento do Relatório do então Secretário de Educação Hemes Rodrigues de Alcântara elaborado
em 1963, publicado no livro: “História do Ensino em Mato Grosso”, p.214, de Humberto Marcílio.
50
ALVES, Gilberto Luiz. Nacional e Regional na História Educacional Brasileira: uma análise sob a ótica dos
estados mato-grossenses, Texto apresentado na Mesa-Redonda do I Congresso Brasileiro de História da
Educação. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2000, In Educação no Brasil: história e historiografia/Sociedade
84
última metade da década de 1970, quando se realizaram os primeiros afastamentos para
capacitação em cursos de mestrados em educação”. As fontes muito escassas, principalmente
as que faziam registros históricos sobre a educação ou priorizavam a história da educação
como objeto de estudo.
Essas fontes eram numericamente pouco expressivas, verificavam-se alguns poucos
cronistas regionais que publicavam em periódicos do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Biblioteca Nacional e do
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Mas, essas publicações foram relevantes
principalmente no que se refere à história da educação regional, porque contêm numerosas
indicações de fatos e eventos educacionais, além de precisarem datas e personagens
envolvidos em situações vividas e testemunhadas diretamente pelos autores.
Ainda na década de 1970, de acordo com o mesmo autor, houve um investimento no
processo de capacitação de seus quadros, com mais intensidade no Estado de São Paulo, em
universidades como a USP, UNICAMP, PUC, UFSCar e Unesp. Isso acabou por dinamizar a
incorporação das questões nacionais da educação aos debates na região, enfraquecendo certas
elaborações regionalistas (cuiabania) que reivindicavam uma identidade cultural própria.
Nesse mesmo ano de 1970 foi criada a Universidade Federal de Mato Grosso, sediada
em Cuiabá e a Universidade Estadual de Mato Grosso, centralizada em Campo Grande e
federalizada após a divisão do Estado. A essas se juntaram outras na década de 1990, cuja
atuação na área educacional ainda concentra-se, em grande parte na função de ensino.
Em relação à formação dos professores para atuar nessas universidades, Alves
51
(2001) et al afirma que no início da cada de 1970 em Mato Grosso o cenário educacional
era muito complexo, as bibliotecas e arquivos do Estado dispunham de conjuntos incompletos
de obras, que dificultava o estudo e a preparação desses professores. Sem falar, que “seu
acervo documental era depositado em locais inadequados e após diversas mudanças, uma
parte se arruinara e o restante encontrava-se empilhado de forma desordenada, sem
arrolamento e catalogação
52
”.
Brasileira de História da Educação (Organizadora) Campinas, SP: Autores Associados: São Paulo: SBHE,
2001. (Coleção memória da Educação).
51
Professor visitante do Núcleo de Pesquisa de Educação NUPED/Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul.
52
Corrêa, Valmir Batista. “A situação da pesquisa histórica em Mato Grosso”, Revista Dimensão, do Centro
Pedagógico de Corumbá/UEMT, Corumbá, n.2, p. 82, 1972.
85
Apesar das dificuldades, essas universidades investiram no processo de capacitação de
seus quadros, com mais intensidade no estado de São Paulo, em universidades como USP,
ANICAMP, PUC, UFSCAR E UNESP.
Com a participação dessas universidades nas formações dos professores universitários
de Mato Grosso, os laços de influência de São Paulo sobre as idéias e experiência
educacionais difundidas no Estado se aprofundaram, contribuindo para a ampliação e
incorporação das questões nacionais da educação, aos debates na região.
86
CAPÍTULO III
3 CONCEPÇÕES DAS PROFESSORAS SOBRE A ALFABETIZAÇÃO: NO
CONTEXTO DAS ENTREVISTAS E DOS DIÁRIOS
Falar de sala de aula é falar do local específico onde se reúnem alunos e professores
com o objetivo explícito de tratar assuntos referentes ao saber sistematizado, que se
pretende seja socializado entre os alunos. É falar de relações humanas, num contexto
historicamente constituído como legítimo; é falar de interações sociais no contexto
institucional da escola (AMÂNCIO, 2002, p. 77)
53
Este capítulo será apresentado em duas etapas: inicialmente são apresentados os
depoimentos das professoras das escolas públicas de Alta Floresta, relativas ao olhar que cada
uma manifestou durante a pesquisa de campo em relação à alfabetização. Esses depoimentos
foram realizados por meio das entrevistas individuais, onde foi investigado o percurso
histórico da alfabetização no município. Num segundo momento, foi realizada uma
investigação nos diários de classe para coleta de informações, que também, envolveu livros-
ata e planos de ação de diretores e professores e, eventualmente, avaliações dos alunos, estas
geralmente encontradas esquecidas nos próprios diários.
Foram investigadas informações e atitudes sobre o desenvolvimento da leitura e
escrita, buscando identificar conhecimentos que essas professoras adquiriram e construíram a
partir de sua experiência profissional, registradas nos diários de classe. Essas informações
foram compartilhadas e vivenciadas por pessoas que conviveram num mesmo contexto
socioeconômico e cultural, cuja prática se situa no marco histórico delimitado entre os anos de
1978 e 2006. Na medida em que os segmentos de texto forem registrados, surgem os pontos
que serão discutidos e interpretados, buscando-se compreender o que os dados anunciam
sobre o processo de alfabetização ao longo desses anos.
Essas entrevistas serviram de base para se conhecer os sujeitos que construíram a
alfabetização em Alta Floresta, complementando as informações contidas nos diários de
classe. É também uma forma de perceber os percursos individuais de incorporação não dos
conteúdos teóricos ali trabalhados, mas também, nesses relatos possibilidade de encontrar,
53
Doutora em Educação pela UNESP, professora da UFMT no Departamento de Educação do Instituto de
Ciências Humanas e Sociais do Campus de Rondonópolis MT e no Programa de s-graduação em Educação,
no Instituto de Educação – UFMT.
87
informações relevantes sobre o professor alfabetizador de Alta Floresta, com relação à prática
de ensino da língua materna. Além do mais, é necessário o registro do contexto histórico da
formação de professores, descobrindo como se a presença dos conhecimentos nas
instituições de formação ao longo do período estudado. A entrevista gravada serve a esse
propósito.
Essas entrevistas revelam que os professores alfabetizadores compartilham
representações similares sobre a alfabetização, embora apresentem formas diferenciadas de
lidar com o ensino da leitura e escrita nos anos pesquisados. Essas análises têm especial
importância, porque delas podem ser derivadas contribuições importantes para uma reflexão
sobre meu próprio trabalho como professora. Questões como: Qual o conhecimento didático
da alfabetização que vem sendo construído nos últimos 28 anos em Alta Floresta? Quais
práticas foram utilizadas pela professora no ensino da leitura e escrita? Que tipo de livro
didático foi adotado e em que condição se deu essa aprendizagem, são apenas algumas
questões aqui discutidas.
Na pesquisa de campo, foram utilizados ainda como instrumento de coleta de
informação, além dos diários de classe, livros de atas de reuniões pedagógicas e de pais. Essa
investigação de abordagem qualitativa e fundo histórico, parte da análise de fontes
documentais localizadas no município e da própria história de vida profissional dos sujeitos
envolvidos.
Não registro de dados e informações específicas sobre o processo histórico da
alfabetização em Alta Floresta, o pouco que existe são dados estatísticos e pequenos
fragmentos com datações numéricas. Tornou-se necessário verificar nos diários escolares,
informações sobre a prática dos professores alfabetizadores que atuaram nessa área e
apresentavam informações sobre: como era o ensino de leitura e escrita; atividades
desenvolvidas no trabalho com a língua materna; método ou métodos usados por esses
professores; dados sobre reprovação e disciplinas nas quais se reprovava mais.
Nesse trabalho não é possível responder todas essas perguntas, mas pode-se contribuir
para a reflexão e enfrentamento de algumas questões ligadas a esse tema. As representações
contidas nos depoimentos dos entrevistados são descritas a partir de três tópicos de resultados
relativos aos objetivos específicos desse estudo.
Inicialmente se tentará compreender alguns aspectos da história da alfabetização no
município, estudando a trajetória e a concepção evidenciadas pelas professoras. Em seguida,
são analisados os relatos sobre as práticas cotidianas decorrentes do ensino da leitura e escrita
88
e suas principais dificuldades. Essas análises ajudarão a compreender as mudanças ocorridas
ao longo desses anos. Por fim, são examinados diários de classe com registros escritos entre
os anos de 1978 e 2006, entre outros documentos, como planos de aula e avaliações.
Paralelamente a essas análises, será feita uma interpretação a partir do que as professoras
pensam sobre a alfabetização. Esse recorte é necessário porque não espaço disponível para
toda reprodução do pensamento dos atores nesta pesquisa.
Antes de iniciar a entrevista com esses professores, a pesquisadora participou como
observadora e auxiliar de uma das alfabetizadoras selecionadas para a entrevista
54
. Esse
contato inicial com as alfabetizadoras foi necessário porque possibilitou investigar o contexto
e o perfil do grupo a ser pesquisado, e acabou contribuindo também para definir com mais
clareza o próprio rumo dessa pesquisa. Pretendo privilegiar além da fala, o ponto de vista dos
sujeitos envolvidos, dando a todos a possibilidade de contarem sua versão dessa história
construída em 28 anos de Alta Floresta.
As histórias dessas professoras nem sempre vinham recheadas de sonhos e fantasias. A
maioria mantinha o firme no chão, e, algumas aos poucos perdiam sua referência de
origem, lembrando coisas mais recentes. Sobre essa questão Chauí (1983) chama atenção para
esse aspecto ao afirmar que “as lembranças pessoais e grupais são invadidas por outra
história, por outra memória que rouba das primeiras o sentido, a transparência e a verdade”.
55
Os dados e informações desta pesquisa coletadas nos documentos originais como atas,
diários de classe, mapas de canhotos e livros de inspeção, em alguns momentos foram
discutidos com alguns sujeitos, que ao serem entrevistados, acompanharam a evolução dos
registros nos próprios documentos e esclareceram algumas questões que suscitaram dúvidas.
Esses arquivos serviram de base para o levantamento e complemento de várias informações, e
contribuíram também para uma visualização maior do tema pesquisado, junto aos
entrevistados. A partir de temas comuns e da freqüência com que surgiram nas respostas das
entrevistas, foram criados alguns elementos para análise sobre a professora alfabetizadora.
A seguir serão apresentados e comentados esses elementos seguindo-se a ordem
cronológica dos acontecimentos.
54
Como contra-partida, acabei desenvolvendo algumas atividades nas escolas pesquisadas.
55
Esse fragmento é de autoria de Marilena Chauí que prefaciou o livro: “Memória e sociedade: Lembranças de
velhos” de Ecléia Bosi, p. 19.
89
3.1 O alfabetizador e suas histórias: a professora
Muito tem sido escrito sobre história oral, discutindo-se vários aspectos. No campo da
educação, (QUEIROZ, 1988, p. 19) observou que “História oral é termo amplo que recobre
uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação,
ou cuja documentação se quer completar”. A história oral em forma de entrevista contribuiu
de forma definitiva para o avanço das disciplinas universitárias e tem atuado de forma
consistente na conduta de museus e arquivos do mundo inteiro. É através dela que
movimentos de minorias culturais e descriminadas têm encontrado espaços para serem
ouvidos, dando um novo sentido social às suas experiências. Colhida por meio de entrevistas
de variada forma, ela registra a experiência de um indivíduo ou de diversos indivíduos de
uma mesma coletividade.
Esse mesmo autor estabelece uma diferença entre o depoimento e a história de vida
pela forma específica de agir do pesquisador no momento da coleta das informações: “Ao
colher um depoimento o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador, que pode fazê-lo
com maior ou menor sutileza, mas na verdade tem nas mãos o fio da meada e conduz a
entrevista. Da vida de seu informante lhe interessam os acontecimentos que venham a se
inserir diretamente no trabalho, e a escolha é unicamente efetuada com esse critério”
(QUEIROZ, 1988, p. 21). Diferente do depoimento, na história de vida quem decide o que
deve ou não ser contado é o narrador, ainda que seja o pesquisador quem, sutilmente dirija a
conversa. É importante salientar que esse trabalho se insere enquanto instrumento de
pesquisa, no depoimento gravado através de entrevistas.
Meihy (1996), também faz uma reflexão sobre a história oral, a partir do uso da
entrevistas, discutindo que ela tem aproximado pessoas e instituições preocupadas com dois
aspectos importantes da vida contemporânea:
1. O registro, arquivamento e análise da documentação colhida por meio do
recolhimento e trabalho de edição de depoimentos e testemunhos feitos com
recursos da moderna tecnologia;
2. A inclusão de história e versões mantidas por segmentos populacionais antes
silenciados, por diversos motivos, ou que tenham interpretações próprias,
variadas e não oficiais, de acontecimentos que se manifestam na sociedade
contemporânea.
90
Para acessar as histórias das professoras, esse item procurou investigar quem era essa
professora que lida com os anos iniciais de leitura e escrita, solicitando-se que descrevessem
sua experiência como aluna e como professora na sala de aula e citasse algumas passagens.
Reconstruir as histórias dos professores como alunos, significa não conhecer melhor
cada um deles, porém, mais do que isso, seria tentar captar o não dito. Ao narrarem suas
histórias vivenciadas através do tempo, eles acabam reconstituindo o que consideram mais
significativo para si mesmo, do ponto de vista pessoal e acabam por delinear também sua
história como professora, porque indícios nessas falas de que a forma como as professoras
foram alfabetizadas, influencia sobremaneira a prática de sala de aula. A própria experiência
escolar anterior tem um papel preponderante nas representações pessoais sobre a educação, a
escola, os professores, os alunos, os conteúdos da aprendizagem, as estratégias de ensino.
É importante considerar que o depoimento dessas professoras, as narrativas de suas
histórias e seus testemunhos como alunas, podem revelar as distâncias e vizinhanças entre as
imagens e representações da própria prática escolar. Vejamos o que dizem as professoras
colaboradoras enfatizando sua época como alunas:
Aprendi no Tradicional. Não tinha essa coisa de controle motor, período
preparatório. Era direto mesmo (P1EAT).
No meu tempo, quem não sabia ficava de joelhos. Tinha que aprender na marra
Em casa meu pai me ensinou as primeiras letras (P2MAT).
A professora ensinava leitura, escrita e tomava a leitura. Eu aprendia muito. Ela
passava as famílias silábicas no quadro (P3EAT).
Quando eu estudava , entrava na escola a 1 hora e saía às 17. Estudava todas as
disciplinas, português, matemática, geografia, história e ensino religioso. Mas a
importância maior na primeira série, era português e matemática. As outras a gente
estudava só oralmente (P4EAT).
A professora ensinava e todos aprendiam muito. Não aprendi com coordenação
motora, na época não existia isso, a gente aprendia direto mesmo. E muito bem!
(P5MAT).
Na escola, sempre tive muita dificuldade em ler e interpretar. Na escola normal já
compreendia alguma coisa, mas superei quando entrei na faculdade e comecei a
ler de verdade (P6EAT).
As primeiras letras aprendi na escola. Apesar de muito esperta para fazer cópias,
não conseguia memorizar as letras, sentia muita dificuldade, o que era motivo de
muitas brincadeiras por parte dos meus colegas (P7MAT).
Aprendi a ler aos 6 anos nasérie. Eu pensava que aprender a ler era uma espécie
de magia. Vi um moleque da escola sair na sexta-feira e voltar na segunda sabendo
ler. Ele deu um estalo. A professora fez o maior estardalhaço (P8MAT).
91
Apesar de não ter pré naquela época, todos aprendiam. Minha sala era muito cheia,
tinha 36 alunos, só 3 reprovaram (P9EAT).
Aprendi com muita dificuldade porque morava no sítio e andava muito até a escola;
mas o ensino era muito “forte”. A gente tinha que aprender a ler e escrever em um
ano (P10EAP).
Morava na fazenda. Tinha um espaço que era um galpão e meu pai contratou uma
professora para alfabetizar nesse depósito, que era um lugar onde ele guardava
sacos de vários cereais e outras tralhas. Era no estado da Bahia (P11MAT).
As professoras 5 e 8 também ressaltaram que além das dificuldades normais inerentes
à aprendizagem da leitura e escrita, também se depararam com a “disciplina e controle” de
aprendizagem, através de castigos físicos:
Aprendi a ler com a “Caminho Suave”, e anos depois, me formei professora e
alfabetizei também com ela. No meu tempo tinha o chapéu do burro para quem
errava, e a coroa de rainha e princesa para quem acertasse (P5MAT).
A professora ensinava a escrever, e tomava a leitura no quadro e eu aprendia
muito. Ela passava as famílias silábicas no quadro. A cartilha era “Caminho
Suave”. Quem não sabia ficava de joelhos. A leitura e escrita eram ensinadas
separadas, são coisas diferentes, né? (P6EAT).
As professoras 7 e 8 comentando sobre seu processo de inserção na leitura e escrita de
“modo completo”, com leituras não de cartilha, mas de histórias ligadas à literatura infantil
e infanto-juvenil, ocorreu verdadeiramente na escola. Além do mais, o fato da mesma
situação se repetir com seu aluno, acaba se tornando comum, implicando numa significativa
perda de tempo importante para o desenvolvimento de habilidades de leitor, que certamente
acarretará muitos prejuízos. O fato de iniciar a faculdade sem tais habilidades, já demanda um
esforço extra, que poderia ser canalizado para um maior aproveitamento no curso.
Fui muito boa aluna, minha professora não falava duas vezes, bastava olhar e
pronto, já ia lendo tudo. A gente aprende a ler de forma completa só na escola, onde
de vez em quando apareciam livrinhos. Ler de verdade só na faculdade ( P7MAT).
Aprendi a na escola, com reforço positivo e negativo, era prêmio se acertava e
castigo se errasse. Gosto muito de ler, mas só fui ler mesmo na universidade
(P8MAT).
Essas narrativas de aspectos da vida de professoras como alunas, não se apresentam
como momentos românticos e saudosos, como se pode observar no exemplo acima, na
verdade essas narrativas constituem-se momentos de reflexão e muitas vezes confronto. Em
muitos sentidos pode potencializar práticas de formação, assegurando a professora ser mais do
92
que uma reprodutora de infinidade de informações repassadas em cursos de capacitação ou
formação. A professora 1 ilustra essa questão:
Estudar não era fácil não. A gente andava vários quilômetros a pé, no sol e na
chuva e não reclamava, hoje vejo essa molecada que não quer nada. Na minha sala
tem muito menino que o pai até bate para ele ir na escola. O professor tem que
rebolar, não é fazer “cursinho” para dar aula, é muito mais do que isso. Tenho
pena das “menininhas nova” que começam a dar aula, sem experiência (P1EAT).
Essas histórias orais de professoras são importantes como ferramentas de pesquisa,
porque é possível apreender sentimentos e pontos de vista em alguns momentos da sua vida,
percebendo as influências que se exerceram sobre eles, principalmente em relação ao trabalho
de cada uma. O desejo de mudar e o esforço para alterar o padrão de seu próprio trabalho são
preocupações constantes dessas professoras. No entanto, a intenção de mudar ou mesmo a
abertura da professora para buscar e implementar mudanças, não caracteriza necessariamente
um processo de melhoria na qualidade da própria prática, mas leva através da sua história de
vida como aluna, uma reflexão sobre o percurso individual como professora.
De acordo com Meihy (1996), a moderna História Oral nasceu em 1947, na
Universidade de Columbia, em Nova York. Aqui no Brasil recentemente ela despontou
como alternativa multidisciplinar, apenas quando as disciplinas perderam sua exclusividade.
Especificamente nesse campo, o autor observa que:
Como pressuposto, a história oral implica uma percepção do passado como algo
que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. A presença
do passado no presente imediato das pessoas é razão de ser da história oral. Nesta
medida, a história oral não só oferece uma mudança para o conceito de história,
mas, do que isso, garante sentido social à vida de depoentes e leitores que passam a
entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte do contexto em que vivem
(MEIHY, 1996, p. 10).
Cardoso
56
apresentou um texto no 15º Congresso de Leitura do Brasil em 2005, que
discutia o ensino escolar da alfabetização a partir das ações do professor, balizadas pela sua
história de vida. Ela demonstrou que a “história de vida das professoras tem se mostrado um
campo fértil para se compreender o desenvolvimento do exercício da profissão docente e, em
especial, no campo da alfabetização”. A autora delineou a partir de aspectos de vida narrada
por uma colaboradora, uma história de fatos passados, a partir das teorias sobre a
56
Cancionila Janzkovski Cardoso, Professora adjunta do Departamento de Educação/ICHS/CUR/UFMT.
93
profissionalização docente, desvendando questões complexas como práticas, valores e saberes
de uma alfabetizadora.
Para finalizar a discussão sobre esse item, foram selecionados os seguintes
depoimentos, que demonstram a importância do assunto:
Quando entrei na escola já sabia fazer o nome, apesar de pobre, meu pai me
ensinou, pegava na minha mão e ia guiando as letras (P2MAT).
Desde pequena quis ser professora, mas cresci ouvindo uma vizinha que era
professora da escola pública, dizendo que quando eu crescesse não seguisse a
profissão, porque ia “passar fome”, profissão boa era a do sobrinho, que era
dentista (P7MAT).
Naquela época era difícil estudar. Morava no sítio e ia para a escola de trator,
quando quebrava, não ia, ficava sem aula. A escola ficava num sítio vizinho
(P10MAT).
Observando-se a história quando alunas dessas professoras, identificamos uma
convergência de valores: as três apresentam uma relação de identidade com o ambiente da
escola pública, apesar de não estar implícito em seus depoimentos. Todas percebem a
importância de se estudar, mas a forma de encarar essa realidade é diferente. A primeira
professora, “apesar de pobre, meu pai me ensinou a fazer o nome”, fala com orgulho de ter
chegado à escola sabendo escrever o próprio nome ensinado pelo pai; a segunda deixa
evidente que, apesar de pouco atraente, não pelo desprestígio social, mas também pelos
salários baixos, a entrevistada seguiu a profissão docente; a terceira fala das dificuldades em
estudar num sítio vizinho. Nessas histórias multifacetadas, se percebe como a professora vai
construindo suas formas de se portar na vida e na profissão.
São histórias de vida que narradas pelas entrevistadas, acabam por promover um
resgate de suas histórias de professoras, permitindo conhecer as práticas e representações que
foram sendo construídas ao longo de suas vidas em torno da alfabetização.
Essas narrativas se inserem numa perspectiva ligada a aspectos da História Nova, (LE
GOFF, 2005), a abordagem da história das professoras aqui discutida, adota uma concepção
de história cultural que volta seu interesse para as experiências
57
, lembranças e percepções,
que vão reconstituindo o passado a partir do olhar e da voz das professoras que estiveram
57
Para uma discussão sobre histórias de narrativas de professoras, ver o livro: Entre leitores:
alunos/professores”. Lílian Lopes Martin da Silva (org); Ana Alcídia de A. Morais et al. Campinas, SP: Arte
Escrita, 2001.
94
ausentes do modelo de história que se concentrava na análise dos grandes acontecimentos e
dos grandes homens.
De acordo com Silva (org) et al. (2001), na perspectiva da história cultural, emerge
uma série de objetos (os pequenos gestos, os sentimentos, o vestuário, a alimentação, a
fotografia, a pintura, os textos) e vários temas até então ausentes na história tradicional, que
ampliam as potencialidades de se produzir novos entendimentos e, portanto, novos sentidos à
história vivida por essas professoras. Quando contam suas histórias, as professoras narram o
seu percurso de vida e passam a retomar alguns sentidos dados ao longo dessa trajetória; mas
não é só isso, passam também a redefini-los, reorientá-los e, principalmente, a construir novos
sentidos para essa história.
Nesse sentido, a história das professoras como alunas, aqui analisada, comportaria não
apenas os gestos e as vozes de temas ausentes, mas também, seria constituída por uma
infinidade de outros gestos e de outras vozes provindas das pessoas comuns. Tal concepção
encaminha seus esforços na tentativa de reconstituir a prática de alfabetização a partir dos
olhares e das vozes dessas professoras. Ouvir a história de vida desses profissionais vem se
colocando como mais uma alternativa para formar o professor. Entretanto, é importante
salientar que não é suficiente somente dar voz ao professor, é necessário fazê-lo refletir sobre
as nuances que tecem essa formação.
No tópico seguinte serão tecidas considerações envolvendo a formação do professor e
sua prática de sala de aula.
3.2 A formação e o fazer da professora alfabetizadora
O diálogo com as professoras sobre a própria formação forneceu elementos que
contribuíram para compreender a relação entre suas idéias e práticas frente às muitas barreiras
impostas pelo poder público.
Dentro desse segundo item, convém discutir um pouco a questão das políticas públicas
de formação de professores, das quais a formação continuada é apenas uma parte deste
contexto mais amplo em que se situa a preparação de quadros docentes para os sistemas de
ensino. É importante apontar a discussão para a questão da formação continuada, que tem sido
95
motivo de citação constante entre as professoras, através dos depoimentos e entrevistas ao
longo dessa pesquisa.
Pude notar também em várias entrevistas que as professoras acabam por enfatizar o
papel da escola na sua formação. Ao fazerem uma retrospectiva de sua vida enquanto
professoras, realizam também uma avaliação de seu percurso, ponderando as práticas vividas
e experienciadas.
Kleiman (2001) discute a formação do professor alfabetizador como objeto de
questionamento e especulação pela sociedade brasileira. A autora examina algumas
implicações dentro de um debate que acentua o processo de desvalorização do professor, ora
em curso na imprensa, nas universidades e nos órgãos governamentais. Normalmente a
representação que esses órgãos fazem é baseada em fatos anedóticos, mostrando suas falhas
tanto em relação às práticas cotidianas, quanto às práticas especializadas na área da didática.
Quem não se lembra da “escolinha do professor Raimundo” e de tantos outros programas
humorísticos de televisão com qualidade duvidosa. A meu ver, é necessário ter cautela com
essas representações, uma análise simplista pode incorrer em vários equívocos. Essa realidade
não é um convite à passividade e à acomodação, inúmeros grupos que redescobriram seu
papel e reafirmam a grandeza e a importância da profissão de educador, diante de um mundo
que parece, cada vez mais, pouco se preocupar com eles.
De acordo com Garcia
58
(2000), a formação continuada “é tão somente um mecanismo
que opera em razão da necessidade que a profissão apresenta, para evitar a absolescência dos
conhecimentos adquiridos frente à emergência de novas necessidades e de novos desafios
profissionais.”
Aqui em Alta Floresta, há um pequeno grupo de professoras preocupadas com a
formação continuada como atividade de aprimoramento profissional, que se encontra em
exercício no sistema de ensino. Para a grande maioria desses profissionais, a formação
continuada não é algo estranho. São vários os exemplos de profissionais que apesar dos
salários baixos, tudo faz para garantir aos alunos uma boa educação, conseguindo resultados
notáveis e belos trabalhos. Publicações de revistas educativas e pesquisas acadêmicas
comprovam essas afirmações. De acordo com o PCN:
Além da formação inicial consistente, é preciso considerar um investimento
educativo contínuo e sistemático para que o professor se desenvolva como
profissional de educação. O conteúdo e a metodologia para essa formação
58
Garcia Walter. Tecnologia e Educação. Palestra proferida na Aula Inaugural no Centro de Apoio a Educação
a Distância da UFMT, em Juína/MT em 18/03/2000.
96
precisam ser revistos para que haja possibilidade de melhoria de ensino. A
formação não pode ser tratada como um acúmulo de cursos e técnicas, mas sim
como um processo reflexivo e crítico sobre a prática educativa. (PCN/Introdução,
2001, p. 30).
O tema Formação de professores é cada vez mais discutido no setor educacional e na
mídia. Sobre essa temática Marques (2003)
59
discute que “a formação continuada do docente
precisa estar vinculada à realidade e às necessidades do educador, para que o mesmo possa
responder às expectativas do contexto social”. Mesmo que o educador esteja sempre se
atualizando, na educação nada acontece num passe de mágica; as mudanças são lentas,
dependem de políticas públicas que por vezes ainda são descontínuas e fragmentadas.
Ao longo dos últimos anos, nas discussões sobre formação continuada vem-se
questionando a oferta, pela universidade e por outras agências, de cursos de curta duração
como meio efetivo para a alteração da prática pedagógica. Esses cursos, quando muito,
fornecem informações que, algumas vezes, alteram apenas o discurso das professoras e pouco
contribuem para uma mudança efetiva. Essa preparação de professores na opinião de algumas
entrevistadas deve ser feita na própria escola e, “discutindo os autores atuais”.
Freire analisa a questão da formação do professor, discutindo que ensinar exige
reflexão crítica sobre a prática, envolvendo o fazer e o pensar sobre o fazer. O autor diz o
seguinte:
[...] É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a
próxima prática. O “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de
análise, deve dela “aproximá-lo” ao máximo. Quanto melhor faça esta operação
tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade
exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade (FREIRE, 2002, p.
44).
O autor discute a importância de refletir a própria prática, criando um
“distanciamento” para maior compreensão de sua realidade. Refletir a prática também
significa pensar sobre as bases teóricas que dão sustentação a essa prática, que geralmente é
apresentada na formação continuada. Quando não a reflexão, a professora segue apenas
citando modelos, que são apenas reproduzidos e repassados de forma mecânica, que não
transformam as pessoas nem suas práticas. Elas acabam “adotando” esses modelos, como
ilustra os depoimentos das professoras.
59
MARQUES, Marilaine de Castro Pereira. “Representação dos professores de ciências das últimas séries do
ensino fundamental das escolas estaduais urbanas do município de Alta Floresta MT, sobre aspectos inerentes
a Formação docente.”. Cuiabá 2003. Dissertação de Mestrado Universidade Federal de Mato Grosso. UFMT,
2003.
97
Alfabetizar no “tradicional”, não deixa de ser uma alternativa. Tem muita criança
que precisa. Sistematiza o trabalho (P2MAT).
Aqui em Alta Floresta, comecei a “alfabetizar com Emília Ferreiro”. Senti muita
dificuldade porque o aluno ficava muito a vontade, tinha que aceitar tudo que viesse
do aluno. Eu não achava certo, havia muita liberdade (P4EAT).
Sempre gostei de alfabetizar. Antes no “tradicional”, hoje estou alfabetizando no
PROFA.
60
É claro, que a gente acaba misturando um pouco, mas no geral, sigo o
PROFA, que trabalha com autores mais atuais (P7MAT).
Eu mesclava o Erasmo Pilotto com a Emília Ferreiro (P10EAT).
Percebe-se através desses depoimentos, que as professoras na prática de sala de aula,
sentem-se mais seguras quando respaldadas em determinadas teorias. “Alfabetizar com Emília
Ferreiro”; “Alfabetizar no PROFA” ou no “Tradicional”, como ficou evidenciado, traz certo
alívio. Essa tendência das professoras se apoiarem-se cada vez mais nos especialistas acaba
por deixar em segundo plano a experiência e a capacidade adquiridas ao longo dos anos e, o
conforto de achar um “culpado”.
Poucas valorizaram a própria experiência, como mostram esses relatos. Assim, para a
maioria desse grupo, a formação docente tem origem nos estudos sobre os teóricos, que
geralmente são apresentados na formação continuada nas próprias escolas, ou seja, a
responsabilização do professor por sua formação se deve a programas e cursos pontuais. De
acordo com Nóvoa (1992, p. 25), a formação o se constrói por acumulação (de curso, de
conhecimentos ou técnicas), mas por um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de
reconstrução permanente de uma identidade pessoal.
Essas professoras ao serem perguntadas sobre seu processo de formação na
alfabetização tiveram que qualificar o trabalho que desenvolvem. Ao falar sobre ele, tira-o da
evidência da prática, dentro da qual não há palavras, mas apenas a estrutura das ações
cotidianas. “Comecei a alfabetizar com Emília Ferreiro” ou, “Alfabetizo no PROFA”,
“Comecei com o Construtivismo”, ou ainda, alfabetizei com o “Método Tradicional”. Em
suas falas, observamos que quando descrevem suas práticas, utilizam-se de conceitos e termos
que têm uma origem na formação teórica realizada em serviço, como por exemplo:
“Construtivismo”, “Pedagogia de Projetos”, PROFA. Parece haver uma contradição. Negam
sua importância, mas guardam o respaldo e tentam utilizá-lo para descrever suas atividades.
60
PROFA Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, formulado pela Secretaria de Educação
Fundamental MEC. É uma proposta em parceria com as secretarias de educação estaduais e municipais,
universidades e escolas públicas e privadas de formação para o magistério e organizações não-governamentais
interessadas.
98
De acordo com Nóvoa (1992, p. 16), “a formação de professores é o momento-chave da
socialização e da configuração profissional”.
A formação do professor deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva que
favoreça o desenvolvimento de ações mais autônomas, desenvolvendo uma maneira de
intervir como profissional na realidade do aluno. É claro que essa formação implica um
investimento pessoal sobre o próprio percurso, através de leituras e estudos melhores e
maiores. Mas não a citação de apenas um teórico ou conceito, senão corre-se o risco de o
professor se tornar mais um repetidor cadenciado de frases e de idéias inertes. Sobre essa
questão, Freire discute:
O intelectual memorizador, que horas a fio, domesticando-se ao texto, temeroso
de arriscar-se, fala de suas leituras como se estivesse recitando-as de memória – não
percebe quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem
ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão,
mas raramente ensaia algo pessoal (FREIRE, 2002, p. 30).
A opção pela abordagem da história oral tem permitido uma escuta mais atenta dessas
narrativas de professoras sobre aspectos de sua formação. Nessas narrativas, indícios de
que a identidade profissional das professoras está em estreita relação com sua formação
enquanto alunas e professoras. A oferta de conhecimentos com que se depara o docente ao
longo de sua história profissional é constitutiva da sua identidade. O conjunto de
conhecimentos oferecidos torna possível para esses sujeitos construírem uma imagem de si,
classificando-se.
Em outro grupo, evidencia-se na fala de algumas professoras, a valorização da própria
prática e as aprendizagens que se dão no exercício da docência, onde colocam à frente de
quaisquer informações oferecidas na formação, como mostram os exemplos a seguir:
No início eu não sabia de nada. Aprendi na prática. Você pode fazer mil curso, mas
não adianta, você só aprende na prática (P1EAT).
Fiz muitos cursos de aperfeiçoamento no Paraná, mas aprendi mesmo foi na prática
do dia-a-dia. Naquela época o ensino era melhor, tinha mais aprendizagem. Hoje faz
de conta que aprende (P3EAT).
Antes de me formar, atuava como professora, aprendi na prática do dia-a-dia; a
gente só aprende assim, né? (P5MAT).
Aprendi na prática. Lembro que as professoras não terminavam a “Caminho Suave”,
os textos que ficavam no final da cartilha, eu aproveitava na série e iniciava
com esses textos (P6EAT).
99
No depoimento dessas professoras, encontramos demonstrações de resistência ao que
lhe é oferecido como saber, muitos indícios que sua ação cotidiana e sua prática, não são
traduzíveis em teoria. No debate sobre formação de professores, Nóvoa (1995), introduz
aspectos que vão além de uma perspectiva centrada estritamente no terreno profissional, o que
implica tratar o fazer do professor, abrangendo todas as dimensões. Nessa perspectiva, há que
se considerar a interação das dimensões pessoais e profissionais, permitindo ao professor
apropriar-se dos seus processos de formação e dando-lhe um sentido no quadro das suas
histórias de vida.
A professora 3 resume sua prática:
Quando comecei já tinha curso superior. É claro que não havia material, a secretaria
preparava cursos antigos, mesclando o ensino com o método da Bola do Erasmo
Pilotto. Primeiro eram as vogais a e i , depois e, o, u tudo no flanelógrafo; em
seguida as junções, depois o alfabeto. Funcionava bem. A cartilha era entregue no
meio do ano, mas meus alunos faziam textos pequenos como o das cartilhas
(P3EAT).
Essa professora, além de participar de formação continuada onde se discute as teorias
disponíveis pelo conhecimento atual, é comprometida com seu trabalho e seus alunos. Seria
bem fácil concluir que ela apresenta dificuldades em saber o que é um texto. Mas não é esse o
caso. Ela apenas interiorizou um modelo de texto, cuja metodologia de alfabetização está
expressa nas cartilhas. São apenas frases soltas, onde o enunciado é tratado como se fosse um
parágrafo independente, tipo o “boi bebe” e o boi baba”
61
. Exigências mínimas de coesão
textual, como não repetir “o boi” em cada enunciado, nem sequer são consideradas. Essa
professora explicitou sua prática de alfabetização de forma sucinta: a função do material
escrito numa cartilha é apenas ajudar o aluno a “destrinchar” a regra de geração do sistema
alfabético: que B e A dá BA, por exemplo. A professora também se apropriou desse modelo.
Soares (2002, p. 107), discute que “esse tipo de texto permite levantar a hipótese de
que as fragilidades discursivas dos escritos produzidos por alunos em fase de alfabetização
decorrem em grande parte, dos “modelos” de texto com que convivem, nos anos iniciais de
escolarização”. É natural que ao escrever, os alunos tendam a obedecer a esses “modelos” que
são repassados e reproduzidos por suas professoras.
No item seguinte, serão discutidas as principais dificuldades identificadas pelas
professoras em relação ao tópico dificuldades para alfabetizar.
61
LIMA, Branca Alves de. Cartilha Caminho Suave, Manual do professor, 2ª Edição, p. 37.
100
3.3 Dificuldades para alfabetizar
As respostas mais freqüentes nessa questão foram agrupadas por cinco itens mais
citados pelas professoras como dificuldades para alfabetizar. Entre os motivos alegados,
encontram-se os relacionados ao processo de alfabetização: o computador, que funciona como
“influência externa” e é visto pelas professoras como um entrave à aprendizagem e
apresentado como um dos obstáculos encontrados para a obtenção de uma aprendizagem mais
eficiente; a formação docente insipiente, as parcerias na escola, a falta de apoio da família,
indisciplina e desinteresse.
Os exemplos abaixo ilustram essa afirmação:
O aluno que não tem convivência com a língua escrita sente mais dificuldade em
se alfabetizar. O maior problema é que eles não necessitam muito. Não uma
necessidade real de aprender o que a escola ensina, fora dela tem coisas mais
bonitas e atraentes. Eles podem aprender pelo computador (P1EAT).
Hoje em dia tem de tudo na escola: tem ONG, tem polícia, tem conselho tutelar,
tem bombeiro. O professor tem que educar e ensinar... Trabalhar o ler, escrever
interpretar e não se preocupar com piolho, com as unhas, com a roupa limpa. Não
precisa ensinar a cuidar da natureza, pra isso existe as ONG, Será que o professor
também tem que ensinar a salvar o mundo? Tem que ensinar a ler e escrever, e
pronto! (P2MAT).
A maior dificuldade era o aluno entender a questão da ortografia, havia muita troca
de letras. A família não contribui nas tarefas, não dar limites; muitos eram
indisciplinados. Se perdia muito tempo passando “sabão”; se faz muitas coisas na
sala; o professor tem que “mexer” com muitos conteúdos! (P3EAT).
A maior dificuldade para alfabetizar é a família desestruturada do aluno. Os filhos
de pais organizados “certinhos”, que cuidavam dos filhos, que estavam
empregados, que não bebiam, que não eram filhos de mãe solteira, não davam
trabalho. Já os “outros”, só bagunça! (P4EAT).
Acho que hoje tem essa história do senso crítico e fica mais difícil aprender
e
ensinar
(P5MAT).
As maiores dificuldades para alfabetizar residem no fato que o professor tem que
conhecer todas as teorias disponíveis pelo conhecimento. Ele tem que tentar várias
formas de fazer o aluno compreender o sistema de ensino (P6EAT).
O maior problema é a indisciplina, e a competição com o meio, que está cheio de
computador, internet. O professor tem que ser muito criativo para despertar o aluno
(P7MAT).
O problema é que o professor não domina a própria formação, o fundamento teórico
que embasa sua prática (P8MAT).
101
A maior dificuldade para alfabetizar é quando o professor não está preparado,
quando ele não entende o processo de leitura e escrita da língua materna, não
conhece as teorias (P9MAT).
Tem que ter firmeza e dar uma aula que chame atenção, senão, vira aquele “forféu”,
sem falar na cobrança dos pais. O maior problema vem da quantidade de
informação. Tem rádio, televisão, computador, internet, vídeo game. Nada é exigido
nesses aparelhos. Só o professor exige. (P10EAP).
As dificuldades de ensinar a ler e escrever é como tudo na vida, depende de quem
ensina. O professor tem que ter conhecimento do que está fazendo. Ele tem que ter
conhecimento do que fazer para a criança avançar, que atividade desenvolver para a
criança crescer. Passa também pela formação, mas não é só isso. Tem que ter
emoção (P11MAT).
A seguir serão apresentados e analisados os cinco itens mais citados pelas professoras
como dificuldades para alfabetizar.
3.3.1 O computador e as “influências externas”
Os depoimentos das professoras em relação à atração exercida pelo computador via
internet, vídeo-game e televisão, mostram indícios de que esses equipamentos são encarados
como “concorrentes” no trabalho do professor. Depoimentos como “fora da escola eles têm
coisas mais bonitas, como o computador”; ou, “o maior problema vem da quantidade de
informação: computador, vídeo...”, mostram essa afirmativa.
E aí, o que fazer? Proibir a criança de ver televisão? Vetar o deo-game? Limitar a
proibição para a sala de aula, mas permitir brincar no recreio? Ou aproveitar esses
instrumentos para montar atividades para desenvolver a aprendizagem?
Não adianta resistir à influência da tecnologia, principalmente da televisão e do
computador. É importante que a professora conheça programas de televisão, revistas,
computador e qualquer outro produto que as crianças gostem, porque só assim ela poderá
discutir com os alunos o que é bom ou ruim. A professora que conhece os objetos preferidos
de seus alunos encontra caminhos para aproveitá-los em suas aulas. Seu papel é, portanto, dar
um sentido ao uso da tecnologia, produzir conhecimento com base em um labirinto de
possibilidades.
Entretanto, o que se observa em relação à inserção da Informática na Educação é uma
preocupação excessiva com a aquisição de equipamentos e uma proliferação de programas de
102
computadores para a educação (software educativo), como se isso pudesse garantir uma
utilização eficaz do computador nos diferentes níveis e modalidades. De acordo com Almeida
(1998)
62
a preparação das professoras para tais utilizações não tem tomado parte nas
prioridades educacionais na mesma proporção, deixando transparecer a idéia equivocada de
que o computador e o software resolverão problema. A mesma autora afirma:
A preparação propiciada aos professores freqüentemente ocorre através de rápidos
treinamentos. Outras vezes, a instituição contrata instrutores para ministrar aulas
de Informática aos alunos, sem preocupação com a integração do computador ao
processo pedagógico e deixando os professores alheios à novidade (ALMEIDA,
1998, p. 66).
Na verdade, a maioria das vezes, as escolas restringem o uso do computador a práticas
delimitadas e específicas, ou ministram aulas de informática na tentativa de tornar o aluno um
usuário competente na realização de seus trabalhos escolares. Desconsidera-se o elemento
fundamental para que um projeto inovador tenha sucesso na sala de aula: o professor, que
desconhece melhores opções.
De acordo com o Ministério da Educação, as escolas públicas com laboratório de
informática ainda são 11%
63
do total. Mais cedo ou mais tarde, contudo, eles estarão em toda
rede de ensino. É preciso ensinar com as tecnologias, mas também é fundamental aprender
com as tecnologias.
Sobre essa questão Jonassem
64
(1996, p. 77) afirma:
A Internet alterou as formas com que externamente guardamos e procuramos
informação, conduzimos negócios e respondemos a questões em nossa sociedade.
Ela pode ser um apoio quando os estudantes m motivo um motivo para consulta,
uma necessidade de informação a preencher, uma intenção de folhear, uma
curiosidade para preencher ou intenção a satisfazer. Portanto, a Internet precisa ser
integrada a atividades instrutivas em programas de aprendizagem.
Para entrar nos novos tempos, os educadores têm que se preparar e preparar os alunos
para enfrentar exigências desta nova tecnologia, a informática e todas que estão à sua volta – a
TV, o DVD, telefonia celular. A informática na Educação tem raízes mais profundas que não
aparecem à primeira vista. Não se trata apenas de informatizar a parte administrativa da
62
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini. Da atuação à formação de professores. In: Salto para o futuro: TV e
Informática na Educação/Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
SEED, 1998, p. 65.
63
Dado obtido através da Revista Nova Escola, p. 31, Nº 195, de setembro de 2006, veiculada pela Editora Abril
SA.
64
JONASSEM, David. O uso das novas tecnologias na Educação à Distância e a aprendizagem construtivista.
In Em Aberto, INEP Brasília, ano, 16, Nº 70, abril/junho 1996, p. 77.
103
escola, ou de ensinar informática a alunos e professores (nós aprendemos sozinhos,
experimentando, testando...). Em geral, crianças e jovens sabem aproveitar por conta própria
as oportunidades oferecidas pelo mundo digital. É claro que com propósitos recreativos.
A maior dificuldade está em como estimular novas formas de pensar, de buscar, de
selecionar informações, de construir o próprio jeito de trabalhar com o conhecimento e de
reconstruí-lo continuamente. Como o professor fará para despertar no aluno através do
computador, o prazer e as habilidades de escrita? A curiosidade para buscar dados, trocar
informações, atiçar o desejo de enriquecer seu diálogo com o conhecimento sobre outras
culturas e pessoas? Não se trata de ensinar velhos conteúdos de forma eletrônica.
É necessário repensar. A interação que esses meios permitem, pede uma revisão dos
métodos tradicionais de ensino. Quanto mais se mantiverem os hábitos que relegam o aluno a
um papel meramente receptor, menos a diferença fará no aprendizado. Em várias escolas os
computadores ficam confinados a salas que só se abrem para as aulas de informática.
O entendimento da tecnologia como algo neutro, que serve para produzir determinadas
facilidades sem qualquer envolvimento com questões mais sofisticadas como maneira de ser e
pensar, não tem nenhuma razão de ser. Toda tecnologia seja ela qual for, traz consigo
determinada visão de mundo, que nem sempre é explicitada diretamente para a maioria das
pessoas. Quando associamos este conceito ao de educação, se torna mais complicado, porque
estamos penetrando no domínio dos valores, em ações que modificam comportamentos,
moldam pessoas a determinadas formas de ver e sentir a realidade.
Fazer parte das novas tecnologias, principalmente na perspectiva transformadora do
uso do computador em educação propicia a atuação do professor para melhor fornecer
informações ao aluno. O computador pode ser um transmissor de informações muito mais
eficiente do que o professor. Depoimentos como: “fora da escola tem coisas mais bonitas e
atraentes; eles (os alunos) podem aprender pelo computador”. Depoimentos como estes,
mostram que cabe ao professor assumir as interações professor-aluno-computador de modo
que o aluno possa construir o seu conhecimento em um ambiente desafiador, em que o
computador auxilia o professor a promover o desenvolvimento da autonomia, da criatividade,
da criticidade e da auto-estima do aluno. Corrigi até aqui, 13-07-2008.
A seguir, será discutido e analisado o segundo item relacionado às dificuldades de
aprendizagem.
104
3.3.2 Formação Profissional
Muitos depoimentos também colocaram a questão da formação do professor como um
dos principais entraves à aprendizagem. O professor “tem que ter conhecimento do que está
fazendo”, “o professor tem que ter conhecimento das teorias do conhecimento” ou “professor
tem que está preparado para entender os processos de ensino da leitura e da escrita”. Sob essa
óptica, o professor é visto apenas em relação ao processo de formação profissional, como se
pudesse separar a pessoa enquanto indivíduo e enquanto profissional.
Para dar conta desse segundo item, ainda em relação às dificuldades para alfabetizar,
vou recorrer aos estudos de Nóvoa (1992), que discute novas abordagens sobre a formação
do professor e introduz aspectos ligados não a profissão do professor, mas também a
pessoa do professor e a organização escolar, que trata a formação para além de uma
perspectiva centrada no terreno profissional, abrangendo a dimensão profissional e pessoal.
Segundo esse autor, o processo de formação do professor não passa exclusivamente
pelo espaço das instituições formadoras, passa também, especialmente, pela sua relação com o
saber que se encontra no cerne de sua identidade pessoal.
A formação do professor sob essa ótica inter relaciona a construção da pessoa, do
profissional e da escola, aspectos que não podem ser esquecidos quando o que está se
propondo não é apenas o aperfeiçoamento ou a qualificação docente, mas o que vai além
disso: uma mudança de qualidade na prática docente, na educação.
O autor analisa:
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos
professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal,
um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à
construção de uma identidade, que é também profissional. O professor é a pessoa.
(NÓVOA, 1992, p. 25).
O autor discute que é necessário encontrar espaços entre as dimensões pessoais e
profissionais, permitindo a essas professoras apropriar-se dos seus processos de formação e
dar-lhes um sentido no quadro de suas histórias de vida.
Quando perguntados sobre os obstáculos que encontraram em relação à prática de
alfabetização, os depoimentos mostraram que as professoras relacionaram suas dificuldades à
105
própria formação, fazendo inferências sobre a aquisição de conhecimentos teóricos, que
geralmente ocorrem na formação continuada. Algumas falas evidenciam isso:
As maiores dificuldades para alfabetizar residem no fato que o professor tem que
conhecer todas as teorias disponíveis pelo conhecimento. Ele tem que tentar várias
formas de fazer o aluno compreender o sistema de ensino (P6EAT).
O problema é que o professor não domina a própria formação, o fundamento teórico
que embasa sua prática (P8MAT).
A maior dificuldade para alfabetizar é quando o professor não está preparado,
quando ele não entende o processo de leitura e escrita da língua materna, não
conhece as teorias (P9MAT).
As dificuldades de ensinar a ler e escrever é como tudo na vida, depende de quem
ensina. O professor tem que ter conhecimento do que está fazendo. Ele tem que ter
conhecimento do que fazer para a criança avançar, que atividade desenvolver para a
criança crescer. Passa também pela formação, mas não é só isso. Tem que ter
emoção (P11MAT).
Observa-se através desses depoimentos que as professoras percebem suas limitações
em relação à própria formação e a necessidade de se tornaram cada vez mais autônomas em
relação ao desenvolvimento de sua formação. Esse processo de formação é construído
também por elas, na medida em que o formar-se não é exterior à pessoa, é um processo
interior que desenvolve a identidade da pessoa, do profissional. Nos depoimentos acima
descritos, a P8MAT “o professor não domina a própria formação” ou P11MAT “depende de
quem ensina”, indicam que o espaço de formação tem que passar por dentro de cada um e
pelo coletivo da instituição escolar.
É preciso reconhecer que, os conflitos e as tensões existentes em torno da formação de
professores se referem principalmente as deficiências científicas e a pobreza conceitual dos
programas atuais de formação. É necessário sugerir novas maneiras de pensar a problemática
da formação de professores. Nóvoa (1992) identifica principalmente dois fatores: de um lado,
a tendência de separar a concepção da execução, isto é, a elaboração dos currículos e dos
programas da sua concretização pedagógica; por outro lado, a tendência no sentido da
intensificação do trabalho do professor, com aumento significativo das tarefas diárias e
sobrecarga permanente de atividades.
Essa intensificação do trabalho docente leva muitas vezes o professor a seguir por
atalhos e economizar esforços, privilegiando a quantidade em detrimento da qualidade. O
mesmo autor revela que a formação do professor tem ignorado sistematicamente o
desenvolvimento pessoal do professor. Estar em formação implica também um investimento
106
pessoal, um trabalho livre e criativo sobre percursos e projetos próprios, é necessário
encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, dando um sentido
às suas histórias de vida.
A prática e a vivência do espaço escolar acumulam experiências, trocas e partilha de
saberes. São espaços de formação mútua entre alunos e professores e permitem compreender
a globalidade do sujeito, assumindo a formação como um processo dinâmico e interativo,
onde cada professor é chamado a desempenhar simultaneamente o papel de formador e
formando. Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o
que de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Para a
formação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como um ambiente
educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas.
A seguir seapresentado e descrito o terceiro conjunto de fatores mais citados pelas
professoras que contém referências sobre as dificuldades em alfabetizar.
3.3.3 Parcerias
Os depoimentos abaixo ilustram a fragmentação do trabalho da professora, que na
prática está cumprindo uma função diferente, ou no mínimo, tem que distribuir os conteúdos
nos vários momentos de sua aula, que de acordo com as entrevistadas “sobra pouco tempo
para ensinar o ler e escrever”. Há indícios nessas falas, que o educador convive em sua prática
pedagógica com várias ações que são desencadeadas pelos vários segmentos da sociedade
organizada, e, reside aí, a origem de muitos problemas, conforme mostram as seguintes
manifestações:
Hoje em dia tem de tudo na escola: tem ONG, tem polícia, tem conselho tutelar,
tem bombeiro. O professor tem que educar e ensinar... Trabalhar o ler, escrever
interpretar e não se preocupar com piolho, com as unhas, com a roupa limpa. Não
precisa ensinar a cuidar da natureza, pra isso existe as ONG, Será que o professor
também tem que ensinar a salvar o mundo? Tem que ensinar a ler e escrever, e
pronto! (P2MAT).
A maior dificuldade era o aluno entender a questão da ortografia, havia muita troca
de letras. Aqueles alunos que demoravam mais para aprender a ler eu usava o
método eclético, que é pegar toda mistura de método e aplicar apenas o que é
positivo. que isso tem que ter tempo, se faz muitas coisas na sala; o professor
tem que “mexer” com muitos conteúdos! (P3EAT).
107
Acho que hoje tem essa história do senso crítico e fica mais difícil aprender
e
ensinar. Tudo tem que refletir!
(P5MAT).
Essas explicações oferecem evidências de que as dificuldades não estão relacionadas
nem à metodologia, nem à construção do conhecimento em si, mas a questões de outra
natureza, tais como, interferência de outras instituições através das parcerias e excesso de
informações. Como se vê, não estão diretamente ligadas ao ensino da leitura e da escrita, mas
a interferências da própria comunidade e ao comportamento do aluno.
Para interpretar esses depoimentos, vale recorrer aos Parâmetros Curriculares
Nacionais:
Num contexto mundial, marcado pela interdependência crescente entre os povos,
pressupõem-se que é preciso aprendermos a viver juntos no planeta. Mas como
fazê-lo, se não formos capazes de viver em nossas comunidades naturais de
pertinência: nação, região, cidade, bairro, participando da vida em comunidade?
(BRASIL, 1998, p. 15).
Hoje cada vez
mais diferentes forças e movimentos favorecem o processo de
globalização que cada vez mais vai abarcando diferentes dimensões da vida. Em função disso,
a importância das referências comunitárias na constituição dos sujeitos e de suas
singularidades ganha destaque em muitas discussões, principalmente na educação. Entre os
educadores, o tema da relação escola-comunidade tem sido objeto de atenção, porque
aparecem com muitas interrogações: a formação para a cidadania, a possibilidade de
promover uma educação mais significativa na escola, a solução de problemas de violência e
vandalismo nas unidades escolares, a permanência das crianças na escola, as campanhas de
trânsito e até primeiros socorros pelo corpo de bombeiros, só para citar alguns.
Nos diferentes documentos que compõem os PCNs, aponta-se a necessidade de um
processo que transformando a visão tradicional de escola como instituição fechada,
externa, alheia à vida dos alunos e ao que se passa na comunidade. Para isso, é necessário que
a escola veja a si mesma como parte integrante da comunidade na qual está inserida e, por
outro, que a comunidade veja a escola como uma instituição sua, na qual pode participar e da
qual deve cuidar. Um espaço onde seus filhos são educados e cuidados.
A idéia de que a educação é uma tarefa coletiva da sociedade e, portanto, de cada
comunidade, ganha cada vez mais adeptos e somente essa co-responsabilidade fará com que
se consiga efetivar o projeto de uma educação de qualidade, que contribua com o avanço da
sociedade. A tarefa de educar é grandiosa e difícil e não se pode imaginar que a escola possa
108
realizá-la sozinha. A busca de apoios e parcerias para o desenvolvimento da tarefa educativa é
uma forma de interação da escola e sua comunidade que, por um lado, aprofunda o
enraizamento da escola e, por outro, amplia o compromisso da comunidade com a educação
de suas crianças e seus adolescentes.
A Escola atualmente se tornou uma instituição complexa e ampliou seu papel: não se
destina apenas ao ensino, mas também à vigilância e ao enquadramento da criança e do
jovem. As mudanças econômicas e sociais geraram novas necessidades em relação à
formação e à preparação de crianças e jovens. A escola está integrada nos movimentos mais
gerais da sociedade. Mesmo cercada de muros, particular, pública, religiosa ou laica, rural ou
urbana, a escola dialoga o tempo todo com os acontecimentos políticos, sociais e econômicos
da localidade e do país. São pontos de referência para a comunidade e podem e devem abrir
suas portas, deixar que as suas questões sociais nela apareçam e sejam discutidas, assumir seu
papel de instituição integrante da história, transformando e sendo transformada pelos
movimentos mais amplos da sociedade. Entretanto, é responsabilidade do governo criar
condições materiais para que a escola enfrente esse desafio.
Partindo da análise mais geral da relação entre a escola e as demais instituições
sociais, é necessário refletir sua organização: Como ela se organiza, como divide o trabalho
educacional, como se estrutura para receber os projetos da comunidade e dos movimentos
sociais? As campanhas são muitas: Dengue, AIDS, trânsito, coleta seletiva do lixo, educação
sexual, horta escolar, prevenção de incêndio entre outros.
Bons parceiros, que tragam idéias e soluções para desafios enfrentados no dia-a-dia
por professores e gestores, são bem-vindos à escola. A professora dois citou em seu exemplo
a presença das Organizações não-governamentais (ONGs), polícia e bombeiro na escola.
Entretanto, é necessário cautela, porque nem tudo o que essas organizações oferecem tem
qualidade ou atendem ao que a escola necessita. É essencial a equipe escolar avaliar os
projetos e, sobretudo, verificar se eles realmente vão ao encontro dos seus interesses. Sem
falar, que é necessário sistematizar a presença dessas organizações, inclusive dos bombeiros,
guardas de trânsito e outras entidades que desenvolvem projetos em parcerias com a escola. É
necessário deixar claro o papel que cada um desempenha nesta parceria e definir os resultados
que a escola espera desses organismos.
Não esquecendo que a relação com esses organismos não é permanente. Ela pode
terminar, por exemplo, por mudança de governo, de comando militar (bombeiros) ou de
simples direção, quando uma nova administração decide interromper ações da gestão anterior.
109
É necessário preocupação constante com os alicerces que a sustentam, e só com a participação
efetiva da comunidade, terá uma base sólida. É importante ainda, observar de perto a
experiência realizada em conjunto, criando indicadores claros para avaliá-la e compartilhar os
resultados.
A seguir, será discutido mais um elemento detectado nos depoimentos das professoras
que caracterizam as dificuldades no processo de alfabetização.
3.3.4 Indisciplina/Desinteresse
São duas justificativas que usualmente as professoras recorrem sempre que as coisas
não funcionam. Normalmente nós adultos gostamos que as coisas caminhem conforme nossas
vontades e, diante de um outro adulto, em uma relação de igualdade, fica mais difícil impor o
nosso modo de pensar, mas diante de uma criança ou de pessoas submetidas a nossa
autoridade, quase sempre nos impomos e, as respostas muitas vezes ao nosso comportamento
equivocado, é o desinteresse e a indisciplina dos nossos alunos. Os depoimentos abaixo
evidenciam a questão da indisciplina como mais um obstáculo na prática de alfabetização:
A maior dificuldade era o aluno entender a questão da ortografia, havia muita troca
de letras. A família não contribui nas tarefas, não dar limites; muitos eram
indisciplinados. Se perdia muito tempo passando “sabão”; se faz muitas coisas na
sala; o professor tem que “mexer” com muitos conteúdos! (P3EAT).
A maior dificuldade para alfabetizar é a família desestruturada do aluno. Os filhos
de pais organizados certinhos”, que cuidavam dos filhos, que estavam
empregados, que não bebiam, que não eram filhos de mãe solteira, não davam
trabalho. Já os “outros”, só bagunça! (P4EAT).
O maior problema é a indisciplina e a competição com o meio, que está cheio de
computador, internet. O professor tem que ser muito criativo para despertar o
aluno (P7MAT).
Esses depoimentos nos dão uma idéia da necessidade de criar processos de
alfabetização que atentem para os desafios que são sempre vivenciados pelas professoras no
seu dia-a-dia, o que o significa reduzir a alfabetização às necessidades imediatas dos
alfabetizandos, mas relacionar a proposta pedagógica com a realidade e o contexto do aluno,
afinal eles são diferentes. As famílias estão diferentes; alguns alunos moram somente com
pais; outros com mães; outros com avós. A diversidade é inerente à natureza humana, e
110
qualquer atuação encaminhada para desenvolvê-la tem que se adaptar a essa característica.
Não se tem uma sala homogênea!
Em nossa vida cotidiana é possível conviver com a diversidade de maneira quase
civilizada. Podem aceitar e até achar interessantes ou mesmo exóticas, as diferenças de
culturas, as maneiras de viver, os valores, as religiões e as características físicas. Raramente
nossa crença na importância da diversidade é colocada em cheque em nossa convivência
diária. Mas na escola a aceitação civilizada da diversidade está longe de ser suficiente e por
isso precisa ser uma preocupação constante dos educadores.
A condição dos nossos alunos não pode e não deve justificar tratamentos injustos ou
distribuição desigual de benefícios e ônus. Entretanto, é necessário cautela. A ânsia de aceitar
a diversidade não pode levar ao relativismo pedagógico. Qualquer que seja a diferença entre
os alunos, eles precisam aprender determinados conteúdos e construir um conjunto de
competências para viver a cidadania em plenitude, evidências que apontam para o preconceito
e a intolerância.
Esses depoimentos demonstram também que as professoras sempre estão preocupadas
em manter a disciplina e cumprir o conteúdo, mas, é necessário também saber se o aluno
aprendeu ou não. Às vezes julgam que quem não aprendeu é porque é desinteressado, não
quer nada, é indisciplinado. Vale destacar a afirmação de Werneck (2001, p. 69): “Existem
várias influências na organização de nossas escolas. Quanto ao aspecto disciplinar as nossas
escolas foram influenciadas por dois tipos de organização muito conhecidas: os quartéis e os
conventos.”
O autor discute que as professoras buscam modelos que geralmente funcionaram no
passado: os impostos através do silêncio obrigatório, onde o professor impõe sua autoridade.
Mas essa questão vai além. Acredito que ela passa por três pontos: metodologia, conteúdo e
relações interpessoais. Uma aula atraente, um professor que tenha empatia com a turma e um
conteúdo bem trabalhado ajudam.
De acordo com Macedo
65
(2005) não deve existir um único tipo de disciplina. Ela é
um trabalho de todos em sala de aula. Constrói-se a melhor forma de acordo com a
necessidade. Numa aula tradicional, expositiva, enquanto o professor fala ou escreve no
quadro, os alunos devem ficar quietos, prestar atenção. Acontece que hoje temos muitas
propostas pedagógicas. Cada cultura escolar e cada atividade em sala de aula têm uma
65
MACEDO, Lino de. Ensaios Pedagógicos in Como construir uma escola para todos. Porto Alegre: Ed Artmed,
2005.
111
disciplina adequada a seu desenvolvimento. Dependendo da situação, a melhor forma é o
silêncio, as crianças perguntando ou conversando entre si.
A questão da indisciplina geralmente está localizada em alguns poucos alunos, que
demonstram a necessidade de uma ação educativa baseada em muito diálogo, aproximação,
investigação das causas, criação de algumas regras de convivência, e, até no estabelecimento
de limites, se for o caso. Ao dar aos alunos a chance de participar da elaboração de regras, a
escola põe fim ao conceito de disciplina como um mecanismo de repressão ou controle. É
mais fácil para os alunos seguir regras que eles ajudam a criar, com isso, eles desenvolvem
autonomia em vez de dependência.
Esse tema por ser complexo exige uma reflexão por parte dos professores, que têm
uma responsabilidade social no sentido de desempenharem adequadamente sua função. A
indisciplina interfere sim no desenvolvimento da aprendizagem e também está entre as
maiores preocupações das professoras. Manter a disciplina é sem dúvida uma arte que poucos
professores dominam. O autoritarismo, os gritos e o bom e velho “já para a diretoria” não
funcionam mais. A melhor saída ainda é a negociação de regras com os alunos que aos poucos
vão aprendendo. É necessário acreditar que as causas da indisciplina não estão apenas no
aluno e na educação que ele traz de casa. Ao achar que as soluções para os problemas estão
fora do seu alcance, a escola nega a responsabilidade que lhe cabe. ““Disciplina tem tanto a
ver com a família quanto com a escola” diz Vinha”.
Mesmo encarada de forma flexível, a disciplina inclui um componente essencial: o
respeito aos limites. De acordo com a mesma autora, “o aluno indisciplinado não é mais
aquele que conversa ou se movimenta em sala. É o que não tem limites, não respeita os
sentimentos alheios, tem dificuldade em se autogovernar”. São essas características que os
professores devem trabalhar. É claro que aprender a resolver problemas não se de uma
hora para outra. É necessário diálogo. A criança aprende a ter disciplina aos poucos,
gradualmente.
A seguir será discutida a menção a família como uma das dificuldades em alfabetizar
na visão das professoras.
112
3.3.5 Falta de apoio da família
O segundo fator mais citado nos depoimentos das professoras em relação às
dificuldades para alfabetizar, foi o que continha referências à responsabilidade dos pais pelas
dificuldades dos filhos em relação à aprendizagem e, principalmente, à participação da família
na Escola. Entre os motivos que justificam esse entendimento, encontram-se: filhos de mães
solteiras dão trabalho; ou filhos de pais certinhos, que não bebem e não estão desempregados
não dão trabalho; a família não contribui nas tarefas; os pais “cobram demais”, são destaques
nesses depoimentos:
A maior dificuldade era o aluno entender a questão da ortografia, havia muita troca
de letras. A família não contribui nas tarefas, não dar limites; muitos eram
indisciplinados. Se perdia muito tempo passando “sabão”; se faz muitas coisas na
sala; o professor tem que “mexer” com muitos conteúdos! (P3EAT).
A maior dificuldade para alfabetizar é a família desestruturada do aluno. Os filhos
de pais organizados certinhos”, que cuidavam dos filhos, que estavam
empregados, que não bebiam, que não eram filhos de mãe solteira, não davam
trabalho. Já os “outros”, só bagunça! (P4EAT).
Tem que ter firmeza e dar uma aula que chame atenção, senão, vira aquele
“forféu”, sem falar na cobrança dos pais. O maior problema vem da quantidade de
informação. Tem rádio, televisão, computador, internet, vídeo game. Nada é
exigido nesses aparelhos. Só o professor exige. (P10EAP).
Assim como a culpabilização dos pais, algumas questões relativas à prática de sala de
aula foram citadas nesses depoimentos, como: o professor tem que se mexer; o professor tem
que passar muito “sabão” na turma; tem muita informação para trabalhar; exige muito do
aluno. Mas os pais não deixam de ser culpados por cobrarem demais da escola, por não
ajudarem nas tarefas, por beberem, por estarem desempregados, por não serem organizados e
“certinhos”, por ser mãe solteira.
Nesses depoimentos, percebe-se que a atitude dos pais é encarada como um
descumprimento de um dever ou um ato de vontade, sem levar em conta os fatores sócio-
econômicos e culturais dos pais. Nota-se que a relação escola-família não deixa de ser
conflituosa. Ora, qualquer relação tem que se basear no respeito. Preconceito, portanto, não
pode existir. Falar em família desestruturada, desajustada não faz sentido quando se analisa a
realidade doméstica atual. O fato de muitas vezes a escola achar que uma família, por não
113
corresponder aos padrões tradicionais, não é capaz de cuidar da formação dos seus filhos, não
é verdadeiro.
Geralmente a professora se sente acuada com algumas cobranças dos pais, que muitas
vezes fazem pressões e cobranças equivocadas. necessidade de uma análise para verificar
a procedência dessas pressões. Muitas vezes é insegurança. Deve-se garantir pelo menos
comunicados e informações aos pais, paralelamente à sensibilização. Muitas escolas
enfrentam resistência dos pais simplesmente porque “esquecem” de comunicar a mudança de
proposta e de prática em relação às atividades da escola. A escola deve explicitar sua proposta
educacional seja na época de matrícula, seja nas reuniões logo no início do ano. Ela tem que
mostrar que essas mudanças são para as crianças aprenderem mais e melhor. Além do mais,
devem servir também para que esses pais entendam o funcionamento da instituição em que a
criança passa tanto tempo e na qual os pais depositam tantas esperanças.
A experiência e os relatos dessas professoras revelam que os conteúdos de informação
que são trabalhados na escola funcionam mais como instrumentos de um processo educativo
mais efetivo e permanente. Dessa forma, é necessário avançar, principalmente, em relação à
formação do professor para se não sanar, pelo menos atenuar essas dificuldades.
Aqui em Alta Floresta uma escola desenvolveu algumas ações que ajudaram a suprir
essa carência. A escola percebeu que o afastamento dos pais poderia prejudicar os trabalhos.
Foi desenvolvida uma pesquisa com as famílias para saber a rotina, hábitos e preferências; as
próprias crianças e o professor realizaram as visitas e entrevistaram os pais. Desde então, eles
demonstram mais confiança, acompanham os trabalhos e comparecem às reuniões. As
famílias sentiram-se mais valorizadas não pela presença da escola em casa, mas também
pelo uso que a professora fez do que era aprendido nas visitas. Tudo virou conteúdo para ser
pesquisado e estudado em sala de aula. De acordo com essa professora, é necessário conhecer
não a família do aluno, mas o entorno da escola; é preciso que os professores aceite
também as diferentes formas de arranjos familiares, não existem mais as famílias
tradicionais.
Para finalizar a discussão sobre as dificuldades para alfabetizar, vale registrar a
resposta de uma única professora quando perguntada sobre os maiores obstáculos encontrados
no processo de alfabetização: o “senso” crítico.
114
3.3.6 Senso Crítico
Esse tópico de análise apesar de não estar contemplado no quadro das dificuldades em
alfabetizar, por não ser tema comum e não ter freqüência nas respostas das professoras,
proporcionou o confronto de opiniões e defesa de posições, ampliando consideravelmente a
abordagem do foco pesquisado como ilustra o fragmento da entrevista:
Acho que hoje tem essa história do senso crítico e fica mais difícil aprender a
ensinar (P5MAT).
Esse depoimento reflete a angústia da maioria das professoras que normalmente se
movem num contexto de formação complexo. Essa formação consiste quase sempre em seguir
rotinas transmitidas, que não garantem uma ação eficaz em um contexto inseguro e sujeito a
pressões de controle externo. Ela também está desarmada diante dos desafios cada vez
maiores que lhe colocam a sociedade e a escola. Conseqüentemente, a prática de sala
converte-se em um estado de tensão permanente.
Os contextos de formação e da prática estão muito distantes e, em alguns pontos,
podem ser antagônicos. Os alunos que aparecem nos textos discutidos na formação
continuada, não têm nada a ver com os alunos reais do dia-a-dia da professora. Nenhuma
escola está em perfeita harmonia, com tudo funcionando em perfeita sintonia. Os textos
estudados de ontem não resolvem os problemas da sociedade de hoje. Entretanto, a sociedade
exige que esse professor construa conhecimentos, realizar pesquisas e desenvolva suas
práticas pedagógicas a partir de um diálogo sempre aberto às novas metodologias e
concepções educacionais.
Quando a entrevistada afirma: “que com o senso crítico ficou mais difícil aprender a
ensinar” ela reflete o quanto a profissão é complexa. Normalmente tomamos muitas decisões
(o que fazer na sala de aula, como responder a uma pergunta ou conduta, como estimular um
aluno desinteressado, como administratar a disciplina, dentre outras); essas decisões são
tomadas com base no próprio critério e na própria intuição da professora. Por isso muitas
professoras exigem que lhes sejam dadas receitas, para saber o que fazer em cada caso.
Entretanto, isso não é possível, porque o ensino move-se em um contexto de muitas incertezas
e cada passo depende de muitas variáveis e o professor tem que pensar. Para Demo (2001):
115
Saber pensar não é pensar. É também, e sobretudo, saber intervir. Teoria e
prática, e vice-versa. Quem sabe pensar, entretanto, não faz por fazer, mas sabe
por que e como faz. Nem sempre é questão de estudo, pois nas instituições
educacionais, por vezes, desaprendemos, mormente quando somos submetidos a
processos instrucionais reprodutivos (DEMO, 2001, p. 17).
De acordo com o autor saber pensar não é algo que está fora dos títulos acadêmicos,
mas não se correlaciona diretamente com eles. O professor que sabe pensar reconhece
rapidamente a importância do contexto e tira conclusões úteis; ele ver além das aparências e
percebe a essência. Tudo isso é muito complexo.
A professora em seu “desabafo” não demonstrou desgaste pela carga horária, mas a
falta de sentido, a falta de retorno do trabalho desenvolvido. Nesse sentido, ela precisa se
capacitar para enfrentar os dilemas e desafios da realidade. Este é um campo em que a
formação do professor não tem ajudado muito. Normalmente quando sai da universidade, se
tem uma série de “teorias”, de idéias novas que quando colocadas em prática, surgem as
resistências, os limites, os entraves. Sem ter como pôr em prática o aprendido, geralmente
aparecem a acomodação e a repetição das práticas arcaicas, já estabelecidas.
De acordo com Vasconcellos (2002) vivemos uma crise de modelos, de paradigmas
tradicionais, aliados à revolução tecnológica, e, estamos colocados como nunca diante de
tarefas históricas extraordinárias: simplesmente recriar as formas de organização das relações
entre os homens, o trabalho, a afetividade, o lazer, a cultura, a política. Tudo está para ser
inventado. Isso nos remete a solicitar o melhor de cada um e de todos nós: usar o
conhecimento, a imaginação, a intuição, a criatividade para encontrar alternativas. Esse é um
tremendo desafio colocado para o professor.
Para encerrar a análise das principais dificuldades encontradas pelas professoras na
prática de alfabetização, será apresentado um quadro-resumo.
116
Quadro 2 - Dificuldades Encontradas para Alfabetizar.
PROFº
MUITAS
PARCERIAS
APOIO
DA
FAMÍLIA
INDISCIPLINA
DESINTERESSE
COMPUTADOR
INFLUÊNCIAS
EXTERNAS
FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
P1EAT
X
P2MAT
X
P3EAT
X X X
P4EAT
X X
P5MAT
X
P6EAT
X
P7MAT
X X
P8MAT
X
P9MAT
X
P10EAP
X X
P11MAT
X
3.4 Afinal, como se alfabetiza?
O Novo Dicionário Aurélio-Século XXI (1999, p. 93), define alfabetizar como ensinar
a ler; dar instrução primária; aprender a ler por si mesmo. Nessa definição, fica evidente a
dificuldade de se estabelecer critérios para definir o termo alfabetizar, assim ensinar a ler,
aprender a ler por si, supõe que a alfabetização possa se dar fora da escola, mas a escrita não é
mencionada. referência somente ao ato de ensinar a leitura ou dar instrução
(conhecimento, cultura, saber e erudição, de acordo com o próprio dicionário).
O conceito de alfabetização não é igual em todos os locais, varia de sociedade para
sociedade e depende das funções atribuídas à língua escrita, que passa por características
culturais, econômicas e tecnológicas.
Essa discussão é ampliada por Soares (2002) a partir do estudo semântico dos termos.
A autora diz:
117
Ler e escrever não implica veracidade ou falsidade de um ou outro significado, mas
também os dois pontos de vista sobre o conceito de alfabetização não implica
veracidade ou falsidade de um ou outro conceito. Sem dúvida a alfabetização é um
processo de representação de fonemas em grafemas, e vice-versa, mas é também
um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito
(SOARES, 2002, p. 16).
A autora não considera “alfabetizada” uma pessoa capaz apenas de decodificar
símbolos visuais em mbolos sonoros, “lendo”, por exemplo, sílabas ou palavras isoladas,
como também não considera “alfabetizada” uma pessoa incapaz de, por exemplo, usar
adequadamente o sistema ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito. Ou seja, não
se pode exercer a cidadania plena apenas com essa competência. Estamos em um contexto de
novas necessidades de ensino e aprendizagem do processamento da informação escrita e é
precisamente a ausência dessa capacidade de processar a informação escrita em várias
situações sociais, a responsável pelos resultados insatisfatórios de diversos alunos em nosso
país.
Pode-se concluir que a alfabetização é um processo de natureza complexa, com muitas
facetas, que fazem desse objeto de estudo um tema amplo, que envolve várias ciências,
considerando ainda os aspectos sociais e políticos que condicionam a aprendizagem na escola.
A partir da análise dos temas comuns e freqüência com que surgiram nas respostas
dos entrevistados, foram criados três eixos centrais sobre a maneira de alfabetizar dessas
professoras: alfabetização no tradicional, alfabetização com Emília Ferreiro, Alfabetização
com Projetos. Os termos alfabetização no Tradicional ou Erasmo Pilotto e Alfabetização com
Emília Ferreiro na denominação das categorias elencadas, substituíram os termos
alfabetização com sílabas e construtivismo, por ter sido uma das expressões mais utilizadas
pelas entrevistadas na abordagem dos temas. Dentro desses pressupostos, procurou-se nesse
item, analisar como a professora desenvolve sua prática de alfabetização e como ela se
enquanto alfabetizadora.
A seguir, serão apresentados e comentados os três eixos centrais elencados para a
análise, identificados nos depoimentos dos entrevistados, seguindo-se a ordem com que foram
mencionadas.
118
3.4.1 Alfabetização “no Tradicional ou Erasmo Pilotto
66
Nesse item procurou-se investigar como a professora alfabetiza, ou seja, qual sua
prática no dia-a-dia. O subtítulo acima não pretende colocar o “tradicional” em oposição ao
moderno porque isso pode ser interpretado como uma questão do novo contra o velho. Não se
trata de discutir sobre inovação; isso diz muito pouco sobre o que realmente importa que é a
prática de alfabetização das professoras, objeto de estudo dessa pesquisa.
Em relação ao ensino tradicional, as entrevistadas relataram:
Aqui em Alta Floresta acompanhei o lançamento do construtivismo, mas alfabetizei
no Erasmo Pilotto, que era o tradicional (P1EAT)
Quando entrei na escola, recebi uma lista de palavras que eram para ser trabalhadas
com as crianças. Em maio, a supervisora veio tomar a lição e ninguém sabia ler. Ela
me chamou em particular, e fez críticas duras. Esqueci a lista e entrei no Tradicional.
Em Julho, quando a supervisora voltou para tomar as lições, todos estavam lendo.
Ela me chamou e me elogiou. Reconheceu meu trabalho. Eu sempre “puxei” muito
para o Tradicional. O que importa é o aluno aprender, né? (P2MAT).
Quando iniciei, minha escola era debaixo de um coqueiro coberto com lona.
Alfabetizei meus alunos e minhas filhas no Tradicional. Todos aprenderem, e bem.
Foram 8 anos de alfabetização entre o Paraná e Mato Grosso (P3EAT).
Não que eu seja do tempo antigo, mais o sistema tradicional é o melhor. Inicia com
as vogais, depois as consoantes, junta as sílabas, forma palavras. É isso aí (P5MAT)
Tenho 32 anos no Magistério. Desde aquele tempo sabia que tinha que ensinar a ler
e escrever. Não havia orientação pedagógica nesse sentido, mas de vez em quando
aparecia alguém para cobrar alguma coisa. A gente se guiava mesmo pelo livro
didático que era completo, principalmente aquele com manual do professor; tava
tudo ali, era só seguir (P6EAT).
Aqui em Alta Floresta veio o PROJED
67
. Ele oferecia orientação para o
planejamento de ensino. Era um casal de professores do Paraná contratado pelo
estado de Mato Grosso(P10EAP)
Esses depoimentos parecem indicar que as professoras se sentem mais seguras
trabalhando com o que conhecem, ou na linguagem delas, com o “tradicional”.
66
Erasmo Pilotto desenvolveu um programa no qual objetivava formar professores num ambiente de cultura
pedagógica, inspirado nas idéias de Pestalozzi, Decroly e Montessori, que colocavam em prática os princípios
fundamentais da Pedagogia da Escola Nova, tendo o aluno como centro do processo ensino-aprendizagem.
67
PROJED/SEC – Projetos Especiais em caráter experimental, lançados pelo governo de Mato Grosso/Secretaria
de Educação e Cultura no ano de 1978, com orientação e capacitação para os professores.
119
De acordo com Ghiraldelli (1990), a Pedagogia Tradicional chegou ao Brasil na
Primeira República (1989-1930) por intermédio de intelectuais e tradutores. Os textos de
Pestalozzi, educador suíço e Herbar, filósofo alemão, foram traduzidos e publicados antes de
1920. Ambos incentivavam a tendência de “psicologizar” a educação, priorizando a
assimilação de conteúdos na formação dos educandos, que acabou forjando um dos mais
poderosos métodos de ensino: “os cinco passos”, que se traduzia num modo simplificado de
ministrar aulas. Consistia em: preparação, apresentação, associação, generalização e
aplicação.
Ghiraldelli assim exemplificou:
[...] A lição do dia deveria começar pela recordação dos picos anteriormente
estudados (preparação); em seguida o professor poderia apresentar o conteúdo da
nova lição (apresentação); o terceiro passo do processo se daria pela comparação
entre os conteúdos novos e velhos (associação) a partir das percepções, sensações e
associações iniciais; o penúltimo passo consistiria na formação de conceitos
abstratos e gerais (generalização
);
por fim, caberia ao professor propor alguns
exercícios para verificação de aprendizagem e treinamento (aplicação).
(GHIRALDELLI, 1990, p. 22).
Esses passos indicavam um modo muito simples e fácil de conduzir o processo de
aprendizagem, e esta foi uma das condições para o sucesso entre os professores, que
associado ao rigor, à disciplina e também à organização curricular originada do positivismo,
forneceu o corpo principal do ensino tradicional no Brasil.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, quando as professoras dizem em seus
depoimentos: “alfabetização no tradicional”, elas estão se referindo a um processo
cumulativo: trata-se de agregar conhecimentos, passando pouco a pouco do simples (letras e
sílabas) ao complexo (palavras e textos). Acredita-se que o ponto de partida das situações de
ensino é o que seja mais fácil para o aluno aprender primeiro; uma falsa suposição sobre o
que é fácil e difícil de aprender. Esse modelo de ensino se apóia na capacidade do sujeito de
associar estímulos e respostas, repetir, memorizar e fixar. Normalmente se utiliza escrito
artificial para ensinar a ler e escrever. De acordo com Neder (2001), o ensino tradicional ou
prescritivo usa a gramática para ensinar os alunos a substituírem seus padrões de atividades
lingüísticas consideradas erradas por outras consideradas certas, uma vez que a
determinação de um padrão lingüístico considerado o certo e a não consideração do fenômeno
das variedades lingüísticas. A autora discute que:
120
As aulas de linguagem apresentam-se, nesse sentido, como um conjunto de
atividades desvinculadas umas das outras e que apenas se somam e se acumulam.
Anos a fio, é dada uma repetição dos mesmos tópicos gramaticais a serem
considerados essenciais para o bem falar e bem escrever. As experiências gicas
dos alunos não são levadas em consideração, visto que, a priori, são consideradas
incorretas frente ao padrão lingüístico escolhido como correto (NEDER, 2001, p.
58).
Em síntese, além de prescrever o certo e errado, o ensino tradicional mesmo antes de
os alunos dominarem a variedade padrão, começa a trabalhar com exercícios de descrição
gramatical, estudo de regras e definições, onde apenas conceituações e classificações
morfológicas são importantes. A autora conclui que: “A língua escrita tem predomínio sobre a
língua falada”.
Outro depoimento interessante de uma professora sobre o ensino “tradicional”:
Na minha sala de alfabetização, eu iniciava com as vogais, depois as consoantes, aí
passava para as sílabas. Depois o aluno ia embora! Já fazia frases pequenas como o
“gato mia”, o “sapato é do vovô”. O nosso sistema de escrita é único, não adianta
inventar nada! É seguir! Esse negócio de alfabetizar aluno com textos é para
superdotado! (P2MAT).
Não seria difícil concluir que essa professora “é resistente às mudanças”, o que não é o
caso. Além de ser ótima professora, ela é comprometida com seu trabalho e seus alunos.
Apenas interiorizou em sua prática, o modelo de texto expresso nas cartilhas.
Normalmente as cartilhas trabalham com uma concepção de língua escrita como
transcrição da fala: elas supõem a escrita como espelho da língua que se fala. Seus “textos”
são construídos com a função de tornar clara (segundo o que elas supõem) essa relação de
transcrição. Atualmente para que possamos nos considerar alfabetizados, não basta saber ler e
escrever: a idéia de alfabetização vai além do domínio do alfabeto.
Em relação às características dos textos das cartilhas Amâncio (2000), explica:
[...] nos textos das cartilhas excesso de repetições; as construções são pobres,
sem nexo, sem coesão, sem unidade temática, o vocabulário é limitado, e incorre
numa série de impropriedades. O resultado é uma criança escritora de frases
parecidas com as da cartilha e leitora de letras e sílabas. A criança imita os modelos
da cartilha, não escreve o que sabe da linguagem, mas o que ficou marcado pelos
treinamentos a que se submeteu (AMÂNCIO, 2002, p. 40).
Esse tipo de ensino, classificado pelas professoras como tradicional ou “daquela
época”, foi descrito com certa nostalgia pela maioria das entrevistadas que sempre se referiam
a ele como “bom e forte”, principalmente para alfabetizar.
121
Essa tendência de falar do ensino tradicional de forma tão positiva, talvez seja
resultado de um trabalho que vem sendo desenvolvido no município por um consultor
convidado para desenvolver a proposta pedagógica de Alta Floresta. Esse modelo de proposta,
está sendo discutido pelo MEC, e atualmente segue orientações do “Método Fônico”, que
se baseia no aprendizado da associação entre fonemas e grafemas (sons e letras), no estudo
sistemático do alfabeto e no ensino repetitivo das sílabas, usando textos produzidos
especificamente para a alfabetização, ou seja, segue o modelo cartilhesco.
É bom não esquecer que nesse modelo, as atividades de leitura e escrita se apóiam na
memorização de sílabas estudadas e palavras formadas por elas. São atividades de exercício
da memória que muitas vezes os alunos realizam sem compreender o sentido do que fazem.
Essa prática tem a ver exclusivamente com a capacidade de reter informação na memória.
Essa tendência de acordo com Barbosa (1994) vem desde o século XIX, onde o ensino
da escrita é simplificado. É nessa mesma época que surge a questão da conveniência de
ensinar às crianças a letra manuscrita, a de imprensa ou as duas ao mesmo tempo. A maioria é
partidária de se iniciar pela letra manuscrita, que nos diários analisados é chamada de cursiva.
Para esse autor, esse tipo de ensino atendia a indústria nascente, com a ampliação das
cidades, a adoção de novos valores e a urgência de garantir a todos o mínimo de instrução.
Existia a convicção generalizada de que essas metodologias alfabetizavam.
Além de orientar as ações, esse tipo de metodologia traz implícito o objetivo que o
professor poderia atingir. Durante muitos anos a escola estabeleceu como meta de ensino
certa modalidade de leitura e escrita decorrente de um saber específico sobre o sistema
alfabético.
Em relação a essas observações, o autor conclui que:
A escola, tal como foi concebida na época, se revela um excelente instrumento de
alfabetização, pois era, ao mesmo tempo eficaz (além de promover uma técnica
rudimentar de leitura, permitia a veiculação de novos valores), rápida (um ano
era suficiente), segura (permitia o controle diário de aprendizagem) e,
evidentemente, econômica (BARBOSA, 1994, p. 20).
Em outras palavras, o autor discute que bastava ação rudimentar de “transformação
dos sinais gráficos em sinais sonoros” (BARBOSA, 1994, p. 43) que os métodos se
propunham ensinar. Mas os tempos mudam. É necessária uma nova proposta pedagógica para
desenvolver a aprendizagem da leitura e escrita e ela não nasce de um dia para outro.
Normalmente ela é resultado de uma tentativa de ruptura com o estabelecido e, ao mesmo
tempo, a procura de uma continuidade, de uma ligação com o passado. Portanto, para
122
entendermos as práticas pedagógicas atuais é necessário adotarmos uma perspectiva histórica
e examinar as práticas mais tradicionais das professoras.
Nos discursos das professoras ficaram evidentes os avanços realizados e, ao mesmo
tempo, possibilitou entender as resistências a novos avanços possíveis. Depoimentos como:
“não sou do tempo antigo, mas o tradicional é melhor” ou “meus alunos não aprendiam a ler,
então entrei no tradicional” falam por si só. Percebe-se que essas práticas evoluem em função
de circunstâncias e necessidades sociais e econômicas. Já não é mais “pecado ser tradicional”,
o importante é a aprendizagem do aluno. Uma professora sintetiza com o seguinte
depoimento: “Hoje faço um pouco de tudo”.
Esses depoimentos não significam uma volta ao passado, mas de certa forma, um
avanço. Avançamos quando acumulamos o que aprendemos com o passado, juntando a ele as
novidades que o presente traz. Educar é por definição, um processo dirigido a objetivos.
vamos educar os outros se quisermos que eles fiquem diferentes, pois educar é um processo
de transformação das pessoas. Se existem objetivos, temos que caminhar para eles e, no caso,
o objetivo é a aprendizagem do aluno; é isso que importa.
A seguir será discutido o segundo eixo referente à prática de alfabetização das
professoras, que procuram identificar as transformações vivenciadas pela escola, com o
objetivo de superar práticas cristalizadas pelo tempo, redimensionando a sua função social.
Para essa discussão contei com importantes contribuições de Ferreiro (2001) que oferece
muitas idéias para repensar a prática escolar de alfabetização e, ao mesmo tempo analisar os
depoimentos das professoras.
3.4.2 Alfabetização com Emília Ferreiro
A partir da década de 1980 não se pode falar em alfabetização sem falar de Emília
Ferreiro. Foi necessário rever as concepções nas quais se apoiava a alfabetização e isso
demandou uma transformação radical nas práticas de ensino da leitura e escrita no início da
escolarização. Ela defende que os alunos não alfabetizados devem ter contato com os mais
diversos tipos de textos para produzir leitores competentes, descartando o uso da cartilha. As
contribuições da psicolingüística, sóciolingüista e lingüística para entender esse processo de
123
alfabetização não mais restrito à aprendizagem do código escrito, e sim em um contexto de
usos e funções sociais, são muito importantes.
Essas recomendações estão nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) que
orientam o trabalho do professor, em vigor desde a década de 1980, foram elaborados sob a
influência do Construtivismo, que recomenda trabalhar com a diversidade de textos. Nele
estão presentes os Objetivos Gerais da Língua Portuguesa
68
para se trabalhar com o Ensino
Fundamental:
[...] compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em
diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e
inferindo as intenções de quem os produz.
[...] utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sabendo como
proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas
nos textos.
Esses objetivos acabam por definir a prática do professor, determinando quais
conteúdos devem ser trabalhados. Ora, se na escola o aluno deve aprender a utilizar
linguagens variadas em distintos contextos, é preciso desenvolver um trabalho com os
diferentes gêneros textuais, e algumas situações didáticas favorecem a análise e reflexão sobre
o sistema alfabético de escrita e a correspondência fonográfica, mas o é qualquer texto,
apenas aqueles que possibilitem suposições de sentido a partir do conteúdo, como carta,
bilhete, listas, receitas, parlendas, poemas, música entre outros. Os depoimentos a seguir
oferece indícios nesse sentido:
Aqui em Alta Floresta comecei a Alfabetizar com Emília Ferreiro. Senti muita
dificuldade porque o aluno ficava muito a vontade; tinha-se que aceitar tudo que
viesse do aluno. Bati de frente com a supervisora da escola. Ela não queria
mudanças em relação à Emília Ferreiro. A escola não queria que eu corrigisse nada
dos alunos. Todo “garrancho” era para considerar. Não era para corrigir nem o
aluno e nem o caderno. Antes no “tradicional”, pelo menos o caderno era corrigido,
hoje nem isso! Mas eu não trabalhei assim. Misturei um pouco do que eu sabia com
as teorias de Emília Ferreiro (P4EAT).
Não me sentia preparada para ensinar. Mas a cada dois meses eu recebia uma
apostila da Secretaria de Educação, baseada no Construtivismo. Eu sempre
trabalhava em cima dessas apostilas. O construtivismo quando foi colocado no
município deixou muito a desejar. O aluno podia tudo, não era para corrigir; não
podia passar caneta vermelha (P7MAT).
68
PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), volume 2, p. 41/42, Língua Portuguesa.
124
Apesar de não receber orientação, sempre sentava com meus colegas para organizar
o planejamento. Não tinha essa de orientação, se você é professor formado, tem que
dar conta. Você tem que ensinar seu aluno a construir o conhecimento (P8MAT).
Eu alfabetizava através de sílabas, na base do ba, be, bi, bo bu. Era o lápis numa
mão e a cartilha na outra. Sempre acompanhando o livro. Trabalhei com sílabas,
mas questionei o Erasmo Pilotto, porque descobri a Emília Ferreiro (P11MAT).
Nesses depoimentos fica evidente que quando as professoras tentam sair de um
modelo de aprendizagem mais empirista para um modelo construtivista, as dificuldades de
entendimento às vezes são muitas. O equívoco mais comum e que precisa ser evitado por suas
graves conseqüências é o desvio espontaneísta presente no depoimento: “o aluno podia tudo,
não era para corrigir” (P7MAT), ora, como é o aluno quem constrói o conhecimento, não
seria necessário ensinar-lhe. A partir dessa crença, muito presente até bem pouco tempo atrás,
o professor passava a não informar, a não corrigir e a se satisfazer com o que o aluno fazia
“do seu jeito”. Essa visão implicava abandonar o aluno à própria sorte.
Atualmente está em curso um debate que divide os educadores da linha construtivista
e os defensores do método fônico, analisado por Maciel (1999)
69
, que tem abordagem
sintética, assim como o silábico e o alfabético e se baseia no aprendizado da associação entre
fonemas e grafemas (sons e letras) e usa textos produzidos especificamente para a
alfabetização. uma decisão do MEC em rever os métodos de alfabetização, apesar de não
estar tomando partido de nenhuma corrente. O ponto mais discutido desse debate tem em vista
os altos índices de repetência na primeira série do Ensino Fundamental. Essa discussão
também chegou a Alta Floresta na forma de uma consultoria e influenciou vários professores.
Vejamos o que dizem as professoras:
Pois é, agora estão querendo “a volta dos que não foram”, voltar tudo ao passado,
começar com vogais, junções, consoantes, frases e juntar tudo, igual na cartilha.
Será que isso é um retrocesso? Ou não? (P2MAT).
Daqui pra frente não sei como vou alfabetizar! Acho que vou misturar um pouco de
tudo [risos] (P8MAT).
Para se entender o sorriso da entrevistada ao final do diálogo, cabe esclarecer que essa
professora sempre foi conhecida como uma das mais ferrenhas defensoras da teoria sócio-
construtivista, participando inclusive como formadora na educação continuada. Era
considerada uma “purista”, ou seja, só se utilizava de textos em suas práticas de alfabetização.
69
“Ser alfabetizado, estar alfabetizado: eis a questão” - Francisca Isabel Pereira Maciel - Cadernos da TV
ESCOLA – Português, vol.1, p. 18, Brasília, MEC/SEED, 1999.
125
Logo, o riso parece indicar: veja como eu mudei! É possível que essa suposta mudança seja
fruto das novidades que o presente está oferecendo. É também possível que a professora esteja
avançando. Antes não dava para “mesclar”, você não podia dormir silábica e acordar
construtivista; quando o professor se deslocava de um modelo de ensino sem compreender
suficientemente as questões que lhe davam sustentação, corria o sério risco de ficar se
deslocando de um modelo que lhe era familiar para outro, meio desconhecido. Ele tinha que
optar. De acordo com Soares (2003), “avançamos quando acumulamos o que aprendemos
com o passado, juntando a ele as novidades que o presente traz”.
70
Nas entrevistas percebi as professoras mais “soltas”, mais à vontade em falar,
inclusive de cartilhas. Antes nada de cartilha, parece que era uma vergonha o professor
confessar que trabalhava com cartilha; geralmente vinha com a ressalva: “uso como um
instrumento a mais, não como bíblia”, isso quer dizer que nenhuma professora queria ser vista
como ultrapassada, superada e sim como construtivista. Em relação às cartilhas as professoras
dizem o seguinte:
Muita gente condena a cartilha, cospe no prato que comeu. Eu não, sempre achei
que ela é de grande ajuda na alfabetização, porque ela trabalha com a seqüência do
sistema de ensino. Ela ajuda e muito! (P2MAT).
Com ela o professor não se preocupa com nada, tudo ali. Leitura mesmo, da
cartilha. Até o meio do ano era cartilha, depois, pegava o livro 1, que era da 1ª série
(P3EAT).
Ela é boa para os pais ajudarem em casa. Antigamente não se podia falar em
cartilha era crime! Hoje todo mundo admite que trabalha com cartilha! Também a
cartilha mudou! (P4EAT).
Onde nós aprendemos? Na cartilha, no meu tempo, tinha esse livro e era pra dar
graças a Deus! O governo não dava cartilha, era o pai que comprava. Até hoje eu
uso nas minhas aulas (P5MAT).
Ao contrário do que essa pesquisadora acreditava, algumas professoras não se
referiram às cartilhas como um material somente de apoio, ou seja, como um material
secundário. Elas usavam a cartilha e justificaram a necessidade delas em suas aulas. Nesses
depoimentos, muitos indícios que a leitura na cartilha é para aprender a identificar letras,
sílabas, depois palavras e frases para então chegar a decifrar textos escolares curtos e simples
70
Pequeno fragmento da palestra proferida na FAE-UFMG, pela professora emérita Magda Soares, em
26/05/2003, na programação “Sexta na Pós”. Transcrição e edição de José Miguel Teixeira de Carvalho e Graça
Paulino.
126
como os da cartilha e, a partir desses, quando dominar a “técnica”, o aluno seria capaz de ler e
escrever qualquer tipo de texto.
Ora, a tônica dos anos 1980, era que o processo de construção da escrita pela criança
passasse a ser feito pela sua interação com o objeto de conhecimento. Interagindo com a
escrita a criança ia construindo o seu conhecimento, “ia construindo hipóteses a respeito da
escrita, e com isso ia aprendendo a ler e a escrever numa descoberta progressiva”
(FERREIRO, 2001, p. 25). A questão é que com essa mudança de concepção veio a idéia de
que não seria preciso haver nem método, nem cartilha de alfabetização. De acordo com
Soares (2003)
71
“a proposta construtivista é justa, pois é assim que se aprende qualquer coisa:
interagindo como o objeto de conhecimento”. Mas, o problema é que os métodos foram
banidos da alfabetização e, a conseqüência foi que se passou a ignorar a especificidade da
aquisição da técnica da escrita.
Esse modo de ver as coisas acabou por gerar depoimentos como o da professora 4,
“que misturava o que sabia com as teorias da Emília Ferreiro”. Pronto! Todas tinham uma
linda teoria e não tinham método. De acordo com algumas professoras: “foram tempos
difíceis”! Ainda de acordo com Soares (2003), é falsa a inferência de que se for adotada uma
teoria construtivista, não se pode ter método, como se os dois fossem incompatíveis. Para a
autora o absurdo é não ter método na educação. indícios nas falas das professoras que
apesar do patrulhamento nas escolas, em muitos momentos a maioria das professoras usou
algum tipo de método, geralmente concretizado nas cartilhas, onde acompanhava um manual
do professor, dizendo detalhadamente o que ela deveria fazer.
A seguir serão discutidas questões relativas à alfabetização com projetos identificados
através dos depoimentos de duas professoras.
3.4.3 Alfabetização com Projetos
O ano 2002 marca a organização do currículo por projetos em algumas escolas, de
acordo com depoimentos das professoras. Essa também é uma abordagem do ciclo, que se
volta para uma visão mais global do processo educativo e ganhou força em Alta Floresta.
71
Reportagem publicada na revista Presença Pedagógica (julho/agosto 2003), nº 52.
127
Apesar de não contar com a adesão de todas as professoras, representou uma mudança de
postura, uma forma de repensar a prática pedagógica e as teorias que lhe dão sustentação.
Essa proposta se baseia nas idéias de John Dewey
72
. O modelo propõe que o docente
abandone o papel de “transmissor de conteúdos para se transformar num pesquisador; por sua
vez, o aluno passa de receptor passivo a sujeito do processo. De acordo com Hernándes
(1998), não um método a seguir, mas uma série de condições a respeitar. O primeiro passo
é determinar o assunto, a escolha pode ser feita partindo de uma sugestão do professor ou do
aluno”.
Todas as coisas podem ser ensinadas por meio de projetos, basta que se tenha uma
dúvida inicial e que se comece a pesquisar e buscar evidências sobre o assunto, conclui o
autor. O projeto deve envolver a participação de todos, não é “cada um fazer sua parte”
isoladamente, compartimentado a partir de fora, mas definir um projeto compartilhado e
estabelecer o compromisso pessoal para a realização de objetivos comuns.
Atualmente se faz uma reinterpretarão do projeto. Esse movimento tem fornecido
subsídios para uma pedagogia mais dinâmica, mais centrada no aluno. É uma forma de sair da
fragmentação dos conteúdos e avançar na gica da participação. O objetivo não é mais
passar conteúdos, mas, preparar o aluno para a vida.
Vejamos a experiência de duas professoras com projetos:
Gosto de trabalhar através de projetos. É mais ou menos como pesquisar várias
questões ao mesmo tempo, já que se trabalha todas as disciplinas ao mesmo tempo,
sem as “gavetinhas” (P9MAT).
A alfabetização tem que ser através de projetos, que não deixa de ser o
construtivismo da Emília Ferreiro. Não é aceitar todos os garranchos que se
acreditava no início do construtivismo, sem corrigir o aluno, mas desenvolver um
projeto durante todo o ano e no fim do ano terminar com uma tarde de autógrafo
para os alunos e professores lançarem o produto do projeto. Pode ser um livro,
uma maquete ou o resultado de uma pesquisa. Hoje alfabetizo mais por projetos
(P11MAT).
Nesses depoimentos é importante perceber que as professoras confirmam que,
historicamente os projetos são construídos com o objetivo de inovar, de quebrar o marasmo da
escola. Significa repensar a escola, seus tempos, seu espaço, sua forma de lidar com os
conteúdos das áreas e com o mundo da informação. É o compromisso com a transformação da
72
John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano que defendia a relação da vida com a
sociedade, dos meios com os fins e da teoria com a prática.
128
realidade, o desejo e a coragem de assumir o risco de adotar uma inovação, e, ao lado disso,
criar uma nova postura profissional.
Quando a professora em seu depoimento diz: “uma tarde de autógrafo para alunos e
professores lançarem o produto do projeto”, essa professora deixa evidente que “projetos são
situações didáticas em que o professor e os alunos se comprometem com um propósito e com
um produto final. Em um projeto, as ações propostas ao longo do tempo têm relação entre si e
fazem sentido em função do produto que se deseja alcançar. É o caso de atividades como
jogral, dramatização, apresentação pública de leitura, produção de livro, de jornal, de texto
informativo e outras similares”
73
.
Entretanto, é necessário esclarecer que o projeto é apenas uma forma de organizar os
conteúdos escolares, não significa que tudo possa ser abordado por meio de projetos. É tarefa
do professor, identificar qual a melhor forma de abordar o que deve ensinar aos alunos. O
importante é saber que os conteúdos escolares são ensinados para que os alunos desenvolvam
diferentes capacidades, que é claro, deverão estar a serviço dos objetivos de ensino.
A proposta de projetos de trabalhos além de se ligar à prática educativa, tenta vincular
o que se aprende na escola com a realidade fora dela, auxiliando os alunos a serem
protagonistas da própria aprendizagem. Para Hernández (1998, p. 22), Projeto “é um
procedimento de trabalho que diz respeito ao processo de dar forma a uma idéia que está no
horizonte, mas que admite modificações e está em diálogo permanente com o contexto, com
as circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vai contribuir para esse
processo”. A idéia de projetos, além da possibilidade de estabelecer conexões entre as várias
áreas do conhecimento, pode gerar transformações e mostrar caminhos alternativos, mas é
necessário cautela, a preocupação metodológica de contextualizar as propostas de ensino e
aprendizagem em projetos não pode ser maior do que o atendimento dos objetivos que
expressam as capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam. De acordo com o
autor:
Os projetos de trabalho supõem um enfoque do ensino que trata de ressituar a
concepção e as práticas educativas na escola, para dar resposta (não “A resposta”)
às mudanças sociais, que se produzem nos meninos, meninas e adolescentes e na
função da educação, e não simplesmente readaptar uma proposta do passado e
atualizá-la”. ( HERNÁNDEZ,1998, p. 64).
73
In “Por trás do que se faz”, Cadernos da TV Escola Língua Portuguesa, v. 1, p. 28, Programa 4. Brasília,
MEC/SEED, 1999.
129
Ou seja, significa romper com um modelo fragmentado de educação e recriar a escola,
transformando-a em espaço significativo de aprendizagem para todos que dela fazem parte,
situada no mundo contemporâneo. Na verdade, o autor quer dizer que quando se fala em
projetos, fazemos porque supomos ser um meio que ajude a repensar e Escola. O modelo
clássico, com tempos rígidos atribuídos a cada disciplina não dar conta da complexidade do
mundo moderno. É no processo de interação com os outros, com o objeto em estudo, com o
mundo, que a aprendizagem ocorre. É vivenciando, participando, discutindo, decidindo,
avaliando que se criam situações favoráveis de aprendizagem.
Quando a professora afirma em sua entrevista que “gosta de trabalhar através de
projetos, porque é mais ou menos como pesquisar várias questões ao mesmo tempo”, ele
repensa a compartimentação e a fragmentação que durante muito tempo constituíram as
disciplinas na escola. Ela também se baseia na idéia de integração de conhecimentos, na
importância de levar em conta o mundo de fora da escola e considerar a realidade dos alunos.
Ela identifica a aprendizagem como um processo global e complexo, no qual conhecer a
realidade e intervir nela são atitudes que estão ligadas. Nessa forma de conceber a
aprendizagem, o aluno aprende participando, tomando atitudes diante dos fatos, investigando,
construindo novos conceitos e informações.
Em suma, a organização dos conteúdos escolares por projetos também atende aos
princípios da concepção sócio-construtivista do ensino e da aprendizagem escolar,
estabelecendo conexões entre vários pontos de vista, contemplando uma pluralidade de
dimensões. Não como organizar fórmulas ou modelos para trabalhar com projetos, nem
fazer um planejamento fechado e definitivo, cada processo é único e singular, pois é
construído coletivamente por aquele grupo determinado.
3.5 Os Diários de Classe
Esse item apresenta algumas idéias voltadas para a investigação das mudanças no
trabalho do professor em sala de aula, visando caracterizar alguns elementos do processo de
ensino identificados nos diários de classe, acompanhando os conhecimentos que as
professoras vão adquirindo e construindo a partir de suas experiências profissionais,
registrados nos diários. Inscreve-se na perspectiva do desenvolvimento profissional (NÓVOA,
130
1992; LE GOFF, 2005; SOARES, 2002), que têm focalizado as práticas dos professores e
refletido o passado e o presente da história.
Esse estudo será apoiado numa metodologia que buscará não a simples coleta e
registro de informações, mas uma interação dos dados empíricos e os marcos teórico-
explicativos.
Foram realizadas investigações em 375 diários, desses, foram selecionados 12, sendo
dois de 1978, dois de 1981, um de 1986, um de 1990, um de 1995, um de 1997, um de 1999,
um de 2000, outro de 2003, e o último de 2006. Essa seleção se deu em virtude desses
registros representarem da melhor forma possível os conteúdos das atividades desenvolvidas
pelos professores, enfocando principalmente os conteúdos trabalhados ao longo do período
entre os anos de 1978 e 2006. Através da análise desses diários, se tentou identificar, através
das várias “pistas” deixadas por esses registros, qual a prática de leitura e escrita dos
professores e a evolução verificada na forma de se registrar esses conteúdos.
Nesses registros percebe-se que a leitura e a escrita são encaradas apenas como
rudimentos. A introdução do aluno no mundo da escrita se através de um “texto” que na
verdade é apenas um agregado de frases desconectadas. Essa concepção de “texto” ainda está
muito presente nos diários pesquisados, permanecendo até o início de 1990. A partir de 1995,
observam-se pequenas mudanças, como o trabalho com embalagens, associação letra/som
com identificação da laba inicial, trabalho com palavras conhecidas pelos alunos, pesquisa
com nomes dos colegas, com pessoas, animais e coisas que iniciam com as mesmas sílabas.
Com base em algumas discussões de autores como Soares (2004), Ferreiro (1994), Ribeiro
(2004) e Amâncio (2000, 2002), foram seguidos os seguintes passos para a análise e
interpretação desses arquivos:
1. localização dos diários no arquivo da Secretaria de Educação do Município e
Escolas;
2. seleção, organização e pesquisa em 375 diários por série e ano;
3. escolha de 12 diários para transcrições e análises;
4. leitura, análise, anotação e transcrição de alguns dados;
5. cruzamento de algumas informações contidas nos diários com as entrevistadas.
Dessa forma, foram estabelecidos alguns critérios para se tentar captar como o
professor foi desenvolvendo suas anotações sobre os processos que produzem a realidade de
131
sala de aula na qual atua. Esses registros vão se ampliando e modificando através do tempo. É
possível através dessas anotações, encontrar algumas pistas sobre o que pensa e faz o
professor, de forma intencional, em sua sala de aula. Uma das questões que esse trabalho
investiga, é a busca de indícios de alterações introduzidas no dia a dia do trabalho docente
durante o processo de ensino da língua materna e sua forma de registro no diário escolar.
O diário de classe é um instrumento de escrituração escolar elaborado com a
finalidade de documentar freqüência, competências, habilidades, conteúdos e aproveitamento
escolar. Cada folha do registro de freqüência e conteúdo serve para um bimestre, devendo o
professor preencher o espaço reservado com o nome dos meses e dias ministrados, bem como
a carga horária prevista e realizada. também se encontram espaços reservados para os
conteúdos desenvolvidos e as datas de sua realização, além das avaliações realizadas no
bimestre. Também se encontra na coluna correspondente, o total de faltas dos alunos e
observações complementares. Esse documento também registra toda movimentação do aluno,
como: transferência, desistência, dependência e adaptação. O diário de classe é entregue
teoricamente, a cada professora no início de cada bimestre escolar, mas de acordo com essas
professoras não é assim que acontece. Os exemplos ilustram essa afirmação:
O diário nunca estava com o professor no bimestre. Isso era o “certo”; mas não
acontecia (P1EAT).
Registro minhas primeiras semanas de trabalho no caderno, o diário demora demais
para ser entregue ao professor (P2MAT).
Normalmente registro as atividades em cadernos de planejamento, pois os diários
costumam chegar aos professores com bastante atraso (P3EAT).
Escrevo no caderno de planos, porque o diário só chega ao final do mês ou início do
bimestre. O pessoal da secretaria atrasa muito (P5MAT).
Ah! Eu anotava numa folha numa folha de papel; depois, quando chegassem os
diários a gente passava tudo (P6 EAT).
Era horrível! Não podia errar nada; parece que “eles” valorizavam mais a escrita no
diário que a própria aprendizagem! (P10EAP).
Essas falas refletem as dificuldades das professoras nas primeiras semanas de aula,
quanto ao registro de atividades. De acordo com algumas, chegam a perder parte das
anotações no bimestre, que fazem registros em folhas avulsas, cadernetas ou nos planos
de aulas.
132
Foi através do registro do processo de construção do trabalho da professora, inclusive
ampliando essas anotações, que pude obter dados sobre aspectos da percepção das professoras
acerca do ato de registrar, o que faz no dia-a-dia da sala de aula, buscando indícios de
mudanças em seu trabalho.
Como fonte documental, o diário de classe não deixa de ser um “testemunho” de época
que fornece as mais diversas informações, como ficou evidenciado no parágrafo anterior. De
acordo com Pinsky et al (2005, p. 31), que discute o uso dos arquivos como fontes históricas,
o diário de matrícula e freqüência existe desde o Segundo Império e servia para “acompanhar
por esses livros, a possibilidade de acesso das crianças negras e imigrantes ao ensino, bem
como a permanência das crianças no ensino, ao longo dos anos”. Atualmente na escola, além
de ser um tipo de registro oficial”, ele é também um importante material de arquivo,
consultado a qualquer momento pelos secretários e professores que desejam expedir
transferências, confirmar notas nos históricos e verificar questões referentes a conteúdos
trabalhados quando surge necessidade de fazer algum tipo de adaptação de disciplinas.
Na análise dos diários de classe dessas professoras, numa visão superficial, observa-se
apenas uma listagem fria e impessoal de conteúdos, com registro de dias letivos previstos e
efetivados, e notas de alunos. Mais nada. Mas com o tempo, meu olhar foi recortando e
ressignificando trechos de documentos, detalhes de fotografias e modelos de provinhas
esquecidos nesses diários, muitos bilhetes de pais para as professoras, listas de conteúdos e de
alunos. Cada momento desta investigação se transformou numa experiência gratificante e
encantadora. É uma emoção saber que aquelas velhas ginas amarelas têm uma história,
muitas vezes de conflito, outras de aproximações. Ninguém passa por elas indiferente. A
afirmação de Pinsky et al (2005) sobre as fontes históricas deve ser considerada:
Dos que viam nos documentos fontes de verdade, testemunhos neutros do passado,
aos que analisam seus discursos, reconhecem seus vieses, desconstroem seu
conteúdo, contextualizam suas visões, muito se passou e, como foi dito, pode ser
estudado na ampla bibliografia à disposição sobre o assunto, de fácil acesso aos
leitores (PINSKY at al, 2005, p. 25).
Como estratégia de análise, focalizei a investigação nos registros das primeiras
semanas de aula porque é lá que se inicia também a organização da rotina do trabalho
pedagógico, os “treinamentos e capacitações” das professoras, o período de sondagem, “o
controle motor” e a discussão dos objetivos de alcance do ano, que normalmente são
discutidos pela equipe escolar.
133
3.5.1 A importância dos diários escolares na visão das professoras
As explicações apresentadas pelo grupo de professoras sobre a importância dos diários
escolares ofereceram evidências de que eles são vistos como algo a mais na rotina de trabalho.
Essas manifestações iniciais sinalizam que as professoras vivem, em seu ambiente de
trabalho, ocupadas com a realização de inúmeras tarefas exigidas pela escola e pela própria
atividade de ensino. Apenas uma professora no grupo de doze, apresentou um depoimento
diferente. Ao ser perguntado sobre sua importância, a professora disse o seguinte:
Na minha cidade (Paraná), um aluno do noturno bateu no cunhado por causa da
namorada e ele disse que não foi ele, que ele estava na escola naquele dia. A polícia
foi na escola e pediu para ver a “chamada”. No dia ele estava com falta (P1EAT).
Na visão desse relato, que está no questionário, a professora indica a importância do
registro de freqüência no diário, para acusar ou inocentar alguém de um crime, mas a maioria
das entrevistadas não concorda que ele é um importante material de registro. Mesmo estando
acostumadas a fazer os registros das tarefas que desenvolvem em suas aulas, parece que o
fazem de forma rotineira, sem a preocupação de que tais registros possam ter algum outro tipo
de finalidade, além daquela mais conhecida pelos professores, ou seja, registrar o conteúdo
que está sendo trabalhado, faltas, freqüência e notas de avaliação.
A predominância de respostas referentes ao cumprimento de mais uma atividade
mecânica, maçante, que toma um tempo para executá-la, provoca reação negativa em quase
todas as professoras.
A análise a seguir foi feita tomando-se os depoimentos obtidos com as entrevistas. Os
resultados apontam que a primeira reação foi negativa e isso pode ser percebido pelo tipo de
expressões que utilizaram: “não gosto de preencher diário”. “É um trabalho a mais”. “A gente
tem tanta coisa pra fazer na sala de aula”. Na visão das professoras, esses registros são
feitos de forma rotineira, “só para cumprir tabela”. Os exemplos a seguir reforçam essas
percepções:
Não gosto de preencher diários, faço porque sou obrigada Não deixa de ser
importante, né? tem as notas, as faltas, o conteúdo. E a secretaria exige. Mas é
um trabalho a mais. (P1EAT).
Não sei porque existe essa história de diário, a gente tem tanta coisa pra fazer na
sala de aula (P2MAT).
134
Se o diário é importante? É claro que sim, mas detesto preencher. Conheci uma
professora que pagava para alguém da secretaria fazer, ela entregava os conteúdos e
as notas, era fazer a chamada todo dia. Eu não censuro, toma muito tempo e é
chato pra burro (P3EAT).
É relativo. Eu mesma preenchia porque era obrigada; a gente não faz o que
gosta. É muita burocracia! (P7MAT).
É muita burocracia. É só para cumprir tabela; mas tem que fazer, certo? (P8MAT).
O registro no diário é uma vaga lembrança do que o professor faz na sala de
aula, mas tem que fazer, né? (P9EAT).
Normalmente a professora segue no seu cotidiano sem tempo de pensar,
desenvolvendo tarefas onde se gasta muito tempo, muita energia e paciência, em atividades
muitas vezes sem sentido, mecânicas e repetitivas, atividades sem qualquer relação com o que
se faz fora da escola. Na sala há um volume muito grande de trabalho e são poucas as
ocasiões em que ela é chamada a refletir sobre sua prática e em como transformá-la.
O diário escolar é encarado como mais uma tarefa burocrática que a professora
acumula; a maioria se mostrou resistente, disseram que era “chato”, não se sentiam seguras
para escrever os conteúdos, pois achavam inúteis e sem serventia.
Observa-se na maior parte desses depoimentos, que as professoras vêem os diários de
classe como apenas uma exigência burocrática das Secretarias de Educação, onde
normalmente se registra conteúdos, freqüência e notas. Em todos os diários analisados, há um
lugar para observação do professor que nunca é utilizado, ele não é percebido como um
espaço onde se possam fazer anotações pessoais, escrever conclusões das atividades ou
documentar algum tipo de reflexão acerca dos conteúdos trabalhados.
Apesar de muitos dados com anotações numéricas, o diário de classe pode ser uma das
fontes onde o professor pode avaliar seu próprio trabalho e, se for necessário, reorientá-lo,
provocando discussão, e sendo convidado a pensar sobre sua prática e como transformá-la.
André (2005, p. 24), em relação a notações numéricas, discute que se podem utilizar dados
quantificáveis, mas na análise que se faz desses dados deverão estar presentes o quadro de
referência, nossos valores, nossa visão de mundo.
Um diário de classe oficial, da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso, com
data de 1986, trazia as seguintes instruções para utilização:
1. O diário deverá permanecer na Secretaria do colégio;
135
2. O professor ao receber seu diário de classe, deverá preenchê-lo
cuidadosamente;
3. A orelha será preenchida com o nome dos alunos, visando facilitar o
acompanhamento mensal das avaliações;
4. O item “escolaridade anterior” se refere à série cursada pelo aluno no ano
anterior;
5. O resumo do conteúdo deverá ser registrado de maneira sucinta;
6. A última folha se destina ao preenchimento das somas dos comparecimentos e
faltas, e da avaliação bimestral resultante da média entre dois meses;
7. Os canhotos destacáveis deverão ser entregues na Secretaria do
Estabelecimento no final de cada bimestre;
8. Os canhotos não destacáveis deverão ser preenchidos para controle do
professor;
9. Feitas as recuperações, as notas anteriores serão anuladas passando a vigorar a
nota obtida pelo aluno da referida recuperação.
Essas observações privilegiam itens referentes a atitudes como: dever da professora,
organização, controle, soma de comparecimentos e faltas. São itens meramente quantitativos e
disciplinadores, que servem apenas para classificar, comparar e empregar em estatísticas. Na
instrução 6 do item anterior, fala-se da avaliação bimestral, mas é necessário que se faça a
diferença entre avaliação e nota. Vasconcelos (1994) nos auxilia nessa compreensão:
“avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica uma reflexão crítica
sobre a prática, no sentido de captar seus avanços, suas resistências, suas dificuldades e
possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos; a nota,
seja na forma de número, conceitos ou menção, é apenas uma exigência formal do sistema
educacional”.
evidências nessa instrução, que o termo avaliação presente na instrução, é na
verdade uma “prova”, uma das muitas formas de se gerar Nota. Normalmente a avaliação
através da “prova” acaba servindo apenas para classificar o aluno, não tendo repercussão na
dinâmica de trabalho em sala de aula.
Em 2000 os diários de classe oficiais da Secretaria de Educação e Cultura do Estado
de Mato Grosso, já traziam no verso da capa algumas mudanças com as seguintes instruções:
136
1. O diário de classe elemento oficial e, portanto, imprescindível da escrituração
escolar, não pode ser, sob qualquer pretexto retirado do estabelecimento de
ensino, a cujo arquivo pertence;
2. Alertamos aos senhores professores que o lançamento e cancelamento de
nomes na relação de alunos no diário são de competência da secretaria do
estabelecimento;
3. O resumo da matéria lecionada deverá ser registrado diariamente de maneira
sucinta;
4. O professor ao receber seu diário de classe, deverá preenchê-lo
cuidadosamente, evitando rasuras e borrões.
5. Os canhotos deverão ser entregues na secretaria do estabelecimento, cinco dias
após apuração do aproveitamento da turma, devidamente preenchidos, datados
e assinados pelo professor.
Como se vê, modificações entre os anos de 1986 e 2000, o termo avaliação foi
suprido, dando lugar “apuração do aproveitamento da turma” no item 5 do diário de 1988.
O de 2000 permanece até os dias atuais.
3.5.2 O que dizem os diários
Infelizmente não espaço para a reprodução de toda a riqueza verificada nos vários
registros colhidos nos diários desta pesquisa. Através dessas análises, os diários escolares de
Alta Floresta apresentam evidências que, nos primeiros anos da colonização, a escola tinha
um ensino mais prescritivo, baseado nos preceitos da gramática tradicional, onde as aulas de
linguagem eram vistas como um conjunto de atividades desvinculadas umas das outras e que
apenas se somam e se acumulam; depois, em meados da cada de 1980, indícios de um
ensino mais descritivo, onde o aluno teria que internalizar regras lingüísticas diferentes
daquelas que usa; exemplo disso são os exercícios estruturais de “siga o modelo”, encontrados
com facilidade nas “provinhas” esquecidas nos diários pesquisados da série. Na década de
1990, indícios de um ensino mais produtivo, onde o aluno tem a oportunidade de aprender
137
diferentes variedades de língua, tendo em vista as diferentes situações em que se colocam.
São desse período as produções de texto.
O que se verificou com a análise dos diários entre os anos de 1978 e 2000, é que a
maioria segue a mesma rotina de trabalho, ou seja, tem em comum, que o ensino da língua
materna depende de pré-requisitos (cognitivos, psicológicos, perceptivo-motores,
lingüísticos), ou seja, buscava-se no aluno a razão de seu próprio fracasso; o aluno não
aprendia por não dispor dessas habilidades prévias. O fracasso era “culpa” do aluno e se
concentrava nas crianças das famílias mais pobres; normalmente era explicado por uma
suposta incapacidade das próprias famílias proporcionarem estímulos adequados.
Á época, baterias de exercícios de estimulação foram criadas, como “remédio” para o
fracasso como se ele fosse uma doença. Essa abordagem que já se anunciava no teste do
ABC
74
, de Lourenço Filho, op cit Barbosa (1994), teve muita influência no Brasil. Nos anos
que antecederam a década de 1970, foi largamente difundida a idéia de que, no início da
escolaridade, toda criança deveria passar pelos exercícios conhecidos como de “prontidão”
para a alfabetização. Os diários pesquisados sinalizam a tentativa de “corrigir” essas
deficiências, através dos famosos exercícios de prontidão, coordenação motora, período
preparatório. Verificou-se ainda, através desses diários, que esse modelo perdurou até a
década de 1990, com pequenas variações, apesar de, já em meados de 1980 o foco da
investigação sobre a alfabetização, ter mudado suas perguntas, seus questionamentos,
passando a rever as concepções nas quais se apoiava.
A seguir, é apresentada uma página de diário escolar com resumo do trabalho de
coordenação motora realizado na época.
74
Esse teste consistia num conjunto de atividades para verificar e, principalmente, medir a “maturidade” que a
ciência de então supunha necessária à alfabetização bem-sucedida.
138
Figura 1 - Página de diário com exemplos de atividades de coordenação motora.
139
Entre os anos de 1978 e 1991, foi observado nos diários com muita freqüência logo
após o período de coordenação motora, a apresentação das vogais a e i, para depois de muitos
exercícios, as demais vogais, e, o, u. A maioria dos os diários observados tinham uma
característica comum: apresentavam a palavra-chave bola, conforme figura abaixo.
Figura 2 - Página de diário com registro de atividades de coordenação motora.
140
Fazendo um cruzamento de dados das entrevistas com os registros dos diários,
(inclusive consegui duas entrevistas com os autores dos diários analisados), obtive a seguinte
resposta à pergunta: Que método é esse que todas as professoras utilizam para iniciar a
alfabetização com a palavra geradora BOLA? Resposta: “É o método da BOLA do Erasmo
Pilotto
75
, e fui eu que trouxe para Alta Floresta”. A partir daí fui rastreando os dados de
origem dessas professoras e descobri que todas tinham como ponto de partida a cidade do
Paraná. Ao entrar em contato com a secretaria estadual desse Estado, consegui uma
informação que em Toledo PR, ocorreu a primeira experiência com esse método. Lá consegui
um contato com NRET Núcleo Regional de Educação de Toledo e um dos técnicos
disponibilizou a cartilha “A porta gica” e o manual do professor, que trabalha com o
Modelo Erasmo Pilotto. Veja a figura abaixo.
Figura 3 – Capa da Cartilha “Modelo Erasmo Piloto”.
75
Professor Erasmo Pilotto desenvolveu um programa no qual objetivava formar professores num ambiente de
cultura pedagógica, de modo que os ensinamentos da escola fossem também atingir as famílias. Do texto: “A
Escola Nova no Paraná: Avanços e Contradições”, de Maria Elisabeth Blank Miguel, professora do Programa de
Pós-Graduação Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Publicado na revista
Diálogo Educacional, Curitiba, v. 5, n. 14, p.6, jan/abr. 2005.
141
Figura 4 – Contra capa da Cartilha “A porta mágica” – Manual do Professor.
Esse material pertence ao Centro de Treinamento do Magistério do Paraná
CETEPAR e teve apoio técnico e financeiro do Projeto Especial Multinacional da Educação
MEC/OEA Brasil Paraguai Uruguai
76
É resultado de um trabalho desenvolvido em 20
76
Parte da apresentação do Manual do Professor da cartilha de alfabetização “A Porta Mágica” de autoria da
Profa. Isolda Peixoto Ruosso, publicado pela ASSOESTE em 1982 – Editora Educativa.
142
municípios da Associação Educacional do Oeste do Paraná – ASSOESTE e por equipes
estaduais e municipais desse Estado.
Esse modelo de acordo com Emer
77
(1991) foi criado pelo professor Erasmo Pilotto e
se trata de um método desenvolvido especialmente por exigir poucos conhecimentos teóricos
de domínio específico de professores habilitados. A primeira experiência ocorreu em Toledo
no Paraná, em 1976, com resultados animadores. Em 1982 haviam sido treinados 6.778
professores na Região Oeste do Paraná. O “Método Erasmo Pilotto” foi transformado em
cartilha de alfabetização pela professora Isolda Peixoto Ruoso. De acordo com o mesmo
autor, foram produzidas e distribuídas mais de 40 mil cartilhas gratuitamente nas escolas
rurais em 1981 no Paraná.
O item a seguir, descreve em linhas gerais o “Método Erasmo Pilotto”.
3.5.3 “O Método Erasmo Pilotto”
A autora da cartilha “A Porta Mágica”
78
professora Ruosso (1982), desenvolve o
método através de 19 fichas, onde apresenta os passos do trabalho a ser desenvolvido pelo
professor. Ela recomenda que desde as primeiras lições a criança deva aprender a ler os três
tipos de letra: de imprensa ou tipográfica (impressos), script (letra manual, obedecendo às
características dos impressos) e cursiva (obedecendo ao traçado correto da letra, o lápis ou
caneta pode ser retirado do papel, após todo traçado da palavra; a pontuação pode ser
feita após escrita da palavra). Porém, deve escrever utilizando a letra cursiva. As outras
(script e imprensa) devem ser empregadas nos cartazes, exercícios, quadro-de-giz e fichas. O
professor deve sempre variar os tipos de letra para habituar a criança a lê-las com facilidade.
As atividades de leitura devem acontecer em três momentos: leitura silenciosa, oral e
incidental. Essa última acontece quase que exclusivamente em sala de aula. É usada através
de cartazes ou fichas com os nomes dos mobiliários e das partes da sala (armário, mesa, filtro
d´água, janela, porta, etc.); elaborando quadro de avisos, recados, aniversários, ajudantes do
77
Emer, Ivo Oss. “Desenvolvimento do Oeste do Paraná e a Constituição da Escola”. Fundação Getúlio Vargas –
RJ, 1991. Tese de Doutorado.
78
Cartilha de Alfabetização desenvolvida pela professora Isolda Peixoto Ruosso, baseada no Modelo Erasmo
Pilotto que utiliza a marcha sintética, através da silabação. A palavra-chave BOLA serve de elemento
introdutório para dela retirar-se a sílaba-chave. Esta sílaba através da ênfase fônica dada à vogal e sua junção à
consoante, gerará a descoberta das combinações das demais vogais com a mesma consoante. Nota da autora.
143
dia, indicações do tempo, estações do ano, datas comemorativas. Esses pequenos cartazes são
espalhados pela sala, incluindo fichas com saudações, ordens, lembretes e pequenos
pensamentos, todos baseados em experiências dos alunos. Para melhor compreender o
método, vale descrever cada uma das 19 fichas
79
que o compõe:
Ficha 1 – Recomendações Básicas
Essa ficha chama a atenção do professor sobre os cuidados que ele deve ter para obter
êxito no seu trabalho. Recomenda que a cartilha não deva ser deixada com o aluno,
para que ele “não decore” as lições; as atividades iniciais de leitura devem ser
pacientemente recapituladas e apresentadas no quadro-de-giz, até ele se sentir
“seguro” para escrever no seu caderno.
Ficha 2 – Apresentação dos Nomes
O objetivo dessa ficha é ensinar o aluno a aprender a escrever o próprio nome. São
distribuídos cartões com os nomes dos alunos, escritos com letra cursiva, do mesmo
tamanho (20 cm x 6 cm).
Ficha 3 - Ensino das Vogais a e i
Leitura e escrita oral e individual de forma exaustiva dessas vogais no quadro-de-giz.
Ficha 4 – Pesquisa do a e i
Essa ficha tem o objetivo de fixar as vogais. Os alunos devem procurar nos
cartões dos seus nomes, que devem ser trocados entre eles, as vogais iniciais
trabalhadas.
Ficha 5 – Apresentação das Outras Vogais
Apresentação das vogais e, o, u, seguindo os mesmos passos anteriores.
Ficha 6 – Apresentação da Palavra-Chave “BOLA
Apresentação de cartaz ou gravura com a escrita da palavra bola em letra cursiva e de
imprensa. Aqui são sugeridas dez perguntas para “facilitar e disciplinar” a tarefa do
professor: O que eu tenho na mão? Vou escrever no quadro, bola. Que foi que eu disse
79
Processo de Alfabetização – “Modelo Erasmo Pilotto”, (p. 3 a 21); material pertencente ao Centro de
Treinamento do Paraná – CETEPAR, gentilmente cedido pelo Núcleo Regional de Educação de Toledo, Paraná.
144
que ia escrever no quadro? Então o que é que está escrito aqui? São algumas perguntas
que apresentam essa ficha.
Ficha 7 – Apresentação da Sílaba “BO
Essa ficha deverá ser apresentada uma única vez. Ela aparece com a gravura e a
palavra “bola” escrita nas duas formas: cursiva e imprensa, o professor deverá
acrescentar a sílaba “bo”, separada da palavra. Essa separação silábica serve para
destacar a unidade silábica que servirá de base para as demais combinações das vogais
com a consoante.
Ficha 8 – Apresentação da Sílaba “LA
Segue as mesmas orientações da ficha 7.
Ficha 9 –Exploração da sílaba “BO”
Aqui a orientação é repetir a mesma seqüência, mas alongando a pronúncia do
boooo... laaaaa. Essa ficha é considerada pela autora da cartilha, o “miolo” do
método, porque após a apresentação da palavra-chave e a separação das sílabas,
destaca-se a sílaba-geradora. Essa laba geradora parte do princípio de que “sempre
devemos partir do que é mais simples e conhecido da criança”, iniciando com a leitura
da vogal sozinha, de forma clara, alta e distinta (o); depois a leitura da vogal
acompanhada da consoante (bo). As demais sílabas se trabalham da mesma forma.
Ficha 10 – Recapitulação da Sílaba 9
Ficha 11 – Exploração da Sílaba “LA”
Ficha 12 – Recomendações sobre exercícios de cópia
Nessa ficha são recomendados pela autora os exercícios diários de cópia.
Ficha 13 Recomendações sobre a insistência no processo de formação da sílaba o...
bo (ficha 9).
Ficha 14 – Formação de Palavras
145
Ficha 15 – Recapitulação das palavras formadas na ficha 14
Ficha 16 – Treino Auditivo
O objetivo dessa ficha é levar o aluno a descobrir, pelo ouvido, a leitura. É uma nova
tentativa de aproximar sílabas em que a vogal é a mesma, variando a consoante inicial.
Ficha 17 – Formação de Sentenças ou Frases
Ficha 18 – Demais Palavras-Chave com Sílabas Simples
Ficha 19 – Dificuldades Especiais
São consideradas dificuldades especiais pela autora, as sílabas terminadas em
consoantes, porque essas ficam sem o apoio das vogais e se tornam mais difíceis de
serem pronunciadas (am, na, ar, is, ez, nos ).
Esse processo de alfabetização cuja metodologia é apresentada através de 19 fichas
utiliza a marcha sintética
80
através da técnica da silabação. De acordo com GOMES
81
(2007),
os métodos de marcha sintética, não levavam em conta o significado no ponto de partida, e
tinham ainda a desvantagem dos ridículos mugidos, grasnidos ao unir as consoantes no ato de
leitura. Pecavam também pelo excesso de mecanização, ficando evidente nas fichas a
orientação constante às “recapitulações”. Esse método supõe acumulação, onde a informação
deve ser apresentada da forma mais simples possível, uma de cada vez, para não “confundir”
aquele que aprende. É a forma tradicional de ensinar a língua materna.
Essa forma “tradicional” ainda é muito defendida pelas professoras. Quando
alguma crítica à alfabetização que se fez, sempre alguém que argumenta: mas então, se
essas práticas são tão ruins, como é que todas nós aprendemos a ler e escrever? que esse
“todas” corresponde apenas à metade dos alunos a quem a escola se propõe a ensinar a ler e
escrever. Mas não é qualquer metade, aritmeticamente neutra. Essa metade é formada,
majoritariamente, pelos alunos mais pobres.
80
Processo de Alfabetização “Modelo Erasmo Pilotto”, introdução do livro de apresentação do método, página 1.
81
GOMES, Josenir Santos de Almeida. Concepções e Práticas Docentes em Alfabetização em Mato Grosso –
Últimas Décadas. 2007. 207 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Mato Grosso,
Cuiabá. 2007.
146
3.5.4 Registro das Primeiras Semanas de aula ou a Rotina dos Diários
Para Freire (1998)
82
, rotina não é expressão de rotineiro, de tédio. Para a autora, rotina
é uma seqüência de atividades que se desenvolve de acordo com o tempo e o espaço próprio
de cada grupo. Rotina é o alicerce para que o professor construa seus vínculos com a atividade
docente, estruture seus compromissos, cumpra suas tarefas, assuma responsabilidades para
que o aluno avance na construção do conhecimento.
Optou-se por analisar as primeiras semanas dos registros de atividades nos diários
escolares porque é geralmente nesse período que acontecem as discussões de alcance do ano
letivo, o planejamento de atividades, as famosas “semanas pedagógicas”, sem falar nas
capacitações, nos cursos de preparação e treinamentos.
Por muito tempo se acreditou que o fundamental para alfabetizar os alunos era o treino
de memória, da coordenação motora e o alcance de objetivos comportamentais e
disciplinadores como comportamento com os mais velhos, ou a obediência a ordens escolares
e a memorização de infinitas famílias silábicas entre outros. A concepção tradicional
considerava que todos os conteúdos escolares, de um modo geral, eram aprendidos por
memorização. Sabe-se, no entanto, não ser assim hoje.
Nesses registros, havia também uma preocupação muito grande com a higiene
ambiental e corporal, com listas de ações como: devemos tomar banho todos os dias, cortar as
unhas uma vez por semana, cuidar da natureza, respeitar os outros, como viver em grupo,
ajudar os outros... Ora, para aprender a ser solidário, trabalhar em grupo, respeitar o outro,
preservar o meio ambiente, é preciso vivenciar situações exemplares em que esses conteúdos
representem valores”
83
. Não adianta memorizar a informação de que é preciso ser solidário,
respeitar os outros, cuidar da natureza... Isso não basta para aprender o valor e a necessidade
dessas atitudes. É preciso vivenciar as situações.
Ainda em relação à análise dos diários escolares, os dados indicam que esses registros
alcançaram mudanças significativas como se pode observar entre as duas primeiras décadas,
principalmente nas primeiras semanas de aula. Na década de 1980, se registrava nos diários
“coordenação motora”; na década seguinte, “período preparatório com coordenação motora só
para os iniciantes”. Os termos são diferentes, mas dizem a mesma coisa.
82
Freire, Madalena. Rotina: construção do tempo na relação pedagógica. São Paulo, Publicações do Espaço
Pedagógico, Cadernos de Reflexões, 1998, pp. 43-44.
83
É possível se alfabetizar sem ensinar sílabas? Boletim do Salto para o Futuro, TVE/TV Escola, 2000.
147
Para maior compreensão, o quadro abaixo sintetiza as informações fornecidas pelos
diários escolares nas primeiras semanas de aula entre os anos de 1978 e 2005.
Quadro 3 – Registro de atividades - Primeiras Semanas.
DÉCADAS REGISTRO PERÍODO
Décadas de
1978 /1980
- Conhecimento da Escola.
- Coordenação Motora.
- Obedecer a ordens escolares.
- Higiene corporal e ambiental.
- Como se comportar com os mais velhos.
- Apresentação das Vogais.
- Junções das Vogais (ai, oi, ei).
- Reconhecimento das vogais no próprio
nome.
- Apresentação da palavra geradora. BOLA
com o estudo das sílabas.
- Reconhecimento de hoje, ontem e amanhã.
- Leitura oral, em coro e individual.
- Exame de leitura.
- Cartilha “Brincando com as letrinhas”.
- Recuperação de alunos “carentes”
1º dia
3 Semanas
1 Semana
2 Semanas
3 Semanas
1 Semana
1 Semana
1 Semana
4 Semanas
1 Semana
Todos os dias
A cada bimestre
Diário de 1978
Final do ano
Década de 1990
- Período de Sondagem.
- Período preparatório com coordenação
motora só para os iniciantes.
- Vogais e junções
- Palavra geradora BOLA
- Conversas informais para conhecer os
alunos.
- Cartilha “Ada e Edu”.
- Identificar a letra inicial do próprio nome
nas palavras.
- Mapa do caminho da Escola.
- Trabalho com embalagens.
- Letras Maiúsculas e Minúsculas.
- Produção de Textos.
1º dia
1 Semana
1ª Semana, diários a
partir de 1995.
Diário de 1991
1ª Semana
Diário de 1994
1º mês
Primeiras semanas
Primeiro Bimestre
1º Bimestre
2º Semestre
148
A partir de 2000 até
os dias atuais
- Apresentação entre alunos e professores.
- Desenvolvimento de algumas dinâmicas de
grupo.
- Início do conteúdo, com a leitura das vogais
e do alfabeto.
- Trabalho com o Tema: “Você é muito
importante”.
- Trabalho com o Tema: “Quem é a nossa
família”
- Leitura e comparação das letras dos crachás
com os cartazes.
- Recortes de letras e palavras em revistas.
- Cópia e Interpretação de pequenos textos no
quadro e no mimeógrafo.
- Leitura Compartilhada.
- Produção de Texto
1º dia
1º semana
1ª Semana
1ª Semana
2ª Semana
1ª e 2ª Semana
2ª Semana
3ª Semana
Todos os dias
3ª Semana
Fonte: Anotações referentes às primeiras semanas de aula, extraídas dos Diários de Classe, nos anos de 1978,
1979, 1981, 1986, 1987, 1989, 1990, 1991, 1993, 1995, 1998, 2000, 2003, 2005.
De acordo com Lima
84
(1981), período preparatório é a aquisição de pré-requisitos
para a alfabetização. Para a autora, “ao ingressar numa classe de rie elementar, todo
aluno novato necessita de um período de adaptação no sentido de propiciar condições mentais
e emocionais para receber a aprendizagem de modo mais eficaz e seguro”. São os famosos
pré-requisitos, onde se desenvolvia uma série de habilidades como: descriminação visual,
acuidade auditiva, coordenação viso-motor, concentração, maturidade lingüística entre outros.
À época, se acreditava que as crianças fracassavam por não dispor dessas habilidades prévias.
Nos anos de 1970, essa idéia foi largamente difundida, principalmente no início da
escolaridade, onde toda criança deveria passar pelos exercícios conhecidos como “prontidão”.
São desse período as teorias que hoje chamamos “teorias do déficit”, que nada mais eram que
exercícios de “estimulação”, criados para “combater o fracasso” escolar.
Essas teorias procuravam correlações que explicassem o déficit dos que não
conseguiam aprender, e, à falta de explicações para as causas desse fracasso fez com que essa
responsabilidade, direta ou indiretamente, fosse atribuída aos próprios alunos. Alunos
“carentes ou deficientes” eram termos correntes entre as décadas de 1970 e 1980 como estão
expressos no registro dos diários dessa época, no quadro anterior.
Isso começou a mudar quando se passou a tentar compreender como aprendem os que
conseguem aprender a ler e escrever sem muita dificuldade. Esse trabalho desencadeou
intensas mudanças na maneira de os educadores compreenderem a alfabetização, e, foi
84
Lima, Branca Alves de. Manual do Professor para a cartilha Caminho Suave, p. 9, 1981.
149
coordenado por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, publicado no Brasil com o tulo
Psicogênese da Língua Escrita em 1985
85
.
Até a década de 1980, toda prática das professoras pesquisadas era baseada num
modelo de aprendizagem conhecido como “estímulo-resposta”. Esse modelo se baseava na
substituição de respostas erradas por respostas “certas”, ou seja, o aluno precisava memorizar
e fixar informações, das mais simples para as mais complexas, que deveriam ir se acumulando
com o tempo.
Os diários analisados têm em sua rotina de trabalho, palavras-chave e famílias
silábicas, usadas exaustivamente – e aí se encontram coisas como “e o bebê baba, o boi bebe e
o bobo baba
86
”, sem falar nas junções anteriores às famílias silábicas ai, ui, oi, ei. Nessa
concepção, o aluno é alguém que vai juntando informações. Ele aprende o ba, be, bi, bo, bu, e
depois o la, le, li, lo, lu, e, em algum momento, ao longo desse processo, ele deve começar a
perceber que se juntar o bo, com o la, vai formar bola. Acredita-se que ele seja capaz de
aprender exatamente o que lhe ensinam e de ultrapassar um pouco disso, fazendo uma síntese
a partir de uma determinada quantidade de informações. Na verdade, o modelo supõe apenas
acumulação.
Analisando o diário das professoras e seus depoimentos sobre alfabetização, fica
evidente que elas interiorizaram em sua prática o modelo de metodologia de texto expressa na
cartilha, que na convivência com alunos reais o tempo todo, acabou encontrando na figura do
“estalo” a resposta para certas ocorrências aparentemente sem explicação. “Enquanto alguns
“pegavam” logo as famílias silábicas, diziam, outros chegavam ao “zde zebra e zabumba
sem compreender nada”. E já que não tinha como entender essas diferenças, o professor busca
explicações no que se convencionou chamar de “estalo”. Constantemente dizem: “O aluno
deu um estalo”.
Para acomodar essa teoria, o processo de ensino é caracterizado por um investimento
na cópia, na escrita sob ditado, na memorização pura e simples, na utilização da memória de
curto prazo para reconhecimento das famílias silábicas quando o professor “toma” a leitura na
cartilha. Essa prática de trabalho está relacionada à crença de que primeiro as crianças terão
que aprender a ler e escrever dentro do sistema alfabético fazendo uma leitura mecânica,
depois adquirindo uma leitura mais compreensiva.
85
A professora doutora Emília Ferreiro foi orientanda e colaboradora de Jean Piaget. Suas pesquisas em
alfabetização demonstram o grande valor do processo do construtivismo interacionista piagetiano para a
compreensão dos processos de aquisição da leitura e da escrita.
86
Manual do Professor para a Cartilha Caminho Suave, da autora Branca Alves de Lima, p. 53.
150
De acordo com Amâncio (2002), nos textos das cartilhas excesso de repetições; as
construções são pobres, sem nexo, sem coesão, sem unidade temática, o vocabulário é
limitado, e incorre numa série de impropriedades. Normalmente as cartilhas trabalham com
uma concepção de língua escrita como transcrição da fala: elas supõem a escrita como
espelho da ngua que se fala. Seus “textos” são construídos com a função de tornar clara
(segundo o que elas supõem) essa relação de transcrição.
Na verdade, o processo de inserção da professora na leitura, de acordo com a própria
entrevistada, foi no “ginásio” ou na faculdade; além do mais, o fato da mesma situação se
repetir com seu aluno, acaba se tornando comum, implicando numa significativa perda de
tempo importante para o desenvolvimento de habilidades de leitor, que certamente acarretará
muitos prejuízos. Os conteúdos formais expressos no registro dos diários de classe indicam
essa ausência; alguns são verdadeiras transcrições das cartilhas. A maioria desses registros
apresenta no lugar dos conteúdos: “ensaios de 7 de setembro” ou “choveu muito”. São muitos
dias sem aulas, de acordo com esses diários.
nesses registros, ausência de um conteúdo mais específico, que trabalhe com a
realidade vivenciada pelo aluno; questões como colonização do norte de Mato Grosso,
conflito de terras, desmatamento e as graves conseqüências para o meio ambiente, não
fizeram parte dos conteúdos até recentemente. A maioria das atividades extra-classes
previstas nesses registros, era para “desenvolver hábitos e atitudes” de higiene corporal,
obedecer a ordens escolares, como tratar os mais velhos, respeitar os coleguinhas, a mamãe
e o papai.
A organização dos conteúdos trabalhados seguia a normatização promulgada no início
dos anos 1970 Lei 5692/71, que de acordo com Soares (2002), tinha uma perspectiva
instrumental, permanecendo assim até o final da década de 1970 e primeiros anos da década
de 1980. Essa Lei estabelecia que a língua nacional deveria se destacar como um instrumento
de comunicação e como expressão da cultura brasileira. Assim, o nome das disciplinas
verificadas nos diários escolares, seguia essa orientação. Logo, a disciplina que até então se
chamava Português, ou Língua Portuguesa, passa a denominar-se Comunicação e Expressão
(quatro primeiras séries) e Comunicação em Língua Portuguesa (quatro últimas séries).
Com essa perspectiva instrumental, o ensino das primeiras letras passa a ser
essencialmente prático e utilitário, privilegiando o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos
comportamentos dos alunos, com vistas ao desenvolvimento de habilidades de expressão e
compreensão de mensagens, ou seja, ao uso da língua. Até meados da década de 1980, todos
151
os diários analisados, têm em seus registros, coisas como: leitura oral, em coro e individual;
exame de leitura; trabalho com as vogais, suas junções e ensino repetitivo de sílabas. As
disciplinas principais eram “Português e Matemática”; as outras só existiam “oralmente”, de
acordo com as próprias professoras entrevistadas.
Outro aspecto relevante observado nos diários da década 1970 se refere ao baixo
número de salas da série na zona urbana em relação à zona rural. Para maior visualização,
verificar o quadro abaixo:
Quadro 4 – Classificação de alunos aprovados e reprovados no ano de 1978
DIÁRIOS
FEMININO
MASCULINO
FEMININO
APROV.
FEMININO
REPROV.
MASC.
APROV.
MASC.
REP.
Rural 25 318 358 93 137 123 125
Urbano: 06 129 146 59 29 57 33
Total: 31 447 504 152 166 180 158
Fonte: Diários de classe – 1978.
O quadro acima revela que em 1978, havia 31 (trinta e uma) salas de série em Alta
Floresta, sendo 25 (vinte e cinco) na zona rural e apenas 6 (seis) na zona urbana.
Em todos esses diários
87
analisados, verificou-se um total de 676 (seiscentos e setenta
e seis) alunos na zona rural e 275 (duzentos e setenta e cinco) na zona urbana. Essa
disparidade entre o urbano e o rural se justifica pelo constante e crescente fluxo migratório
que se registrava na área pesquisada, devido não ao projeto de colonização que “fixava” o
colono no campo, mas também em função do garimpo. À época o setor rural era
intensamente povoado pelas famílias que começaram a chegar a partir de 1976 com os
primeiros 1.200
88
colonos. Vinham em busca de um pequeno lote, embalados pelas
propagandas das colonizadoras ou do “sonho de um futuro melhor”. Em 1979
89
tem início o
ciclo do ouro, que muda não os rumos da cidade, mas a educação do município, que
também tem que se adequar a nova realidade, para atender a um fluxo maior de alunos que
reivindicaram e conquistaram desde décadas passadas, o direito à escolarização.
87
Contagem manual realizada pela pesquisadora em todos os diários do ano de 1978, sobre alunos aprovados,
reprovados, feminino e masculino, nas salas de 1ª série.
88
Do livro: Migrações Rurais e Implicações Pastorais, pg. 76, de José Renato Schaefer. Edições Loyola.
89
Informação extraída do Plano Municipal de Educação do Município – PME-2006/2016.
152
Assim, foram construídos 800 km de estradas vicinais como parte da infra-estrutura
básica para atender escolas urbanas e rurais, distribuídas em aproximadamente 8 km uma da
outra. Essa distância foi diminuindo, com um trabalho de base incentivando os colonos a se
reunirem e formarem pequenas comunidades num raio de 4 km. Em cada um desses locais
havia uma sala de aula
90
, que era extensão da Escola Estadual Vitória Furlani da Riva na zona
urbana, possibilitando uma unidade administrativa e pedagógica, centralizada pela diretoria,
secretaria e administração. Havia também uma equipe constituída por uma pedagoga, uma
secretária e um administrador que circulavam regularmente pelas escolas rurais dando apoio,
supervisionando e controlando.
Apesar desse acompanhamento, a reprovação, que à época já se configurava um
problema nas escolas de Alta Floresta. A seguir será apresentado e comentado esse item,
procurando-se entender algumas questões ligadas ao tema.
3.5.5 Reprovação
O quadro 4, citado no item anterior, parece indicar que é completamente falsa a crença
de que “antigamente todos aprendiam a ler e escrever na escola”, como está presente na fala
da maioria das professoras pesquisadas. Desde muito tempo, as estatísticas mais precisas a
respeito dos índices de promoção e retenção na escola pública brasileira, se constata que os
alunos reprovados (ou retidos como se começou a chamar anos depois) representavam
parcela significativa, isso sem contar os que abandonavam a escola, ou nem mesmo chegavam
a freqüentá-la.
Nesse período, se consolidou progressivamente uma cultura escolar de repetência, de
reprovação, que acabou sendo aceita como um fenômeno natural. Acostumamo-nos com o
fato de que cerca de quase metade de nossas crianças não se alfabetizavam ao terminar o
primeiro ano escolar. No quadro anterior, verificou-se a confirmação dessa tendência. De um
total de 951 alunos de série, 324 foram reprovados ou retidos como se prefere chamar
atualmente, sem contar os desistentes e transferidos. Esses dados colhidos nos diários
escolares em Alta Floresta não diferem do restante do país. Chegamos ao século XXI com
90
“Salas de aula” eram pequenas escolas rurais, localizadas num local com maior concentração de colonos que
dependiam da Escola-sede do núcleo urbano.
153
13,6%
91
de nossa população jovem e adulta não alfabetizada, muitos por reprovações
sucessivas ou abandono da escola.
A falta de explicação para as causas desse fracasso fez com que essa responsabilidade
direta ou indiretamente fosse atribuída ao aluno. Foram criados programas “compensatórios”,
baseados na teoria de que a aprendizagem dependia de pré-requisitos (cognitivos,
psicológicos, perceptivos-motores, lingüísticos...) e que certas crianças fracassavam por não
dispor dessas habilidades prévias.
Essa cultura da reprovação teve uma enorme influência no universo de representações
que os educadores foram construindo sobre o fracasso escolar e sobre os alunos que
fracassavam. Parecia haver uma descrença entre esses educadores sobre as reais condições do
aluno aprender, expressas na falta de confiança das potencialidades do aluno. Ferreiro e
Teberoski desde os anos de 1985, com a publicação do livro Psicogênese da Língua Escrita, já
apontavam para essas questões e discutiam a ineficácia da reprovação para a qualificação do
aluno. Hoje se sabe que reprovar um aluno duas ou três vezes durante sua escolaridade não é
uma solução. De acordo com Perrenoud (2004, p. 36), “o magro ganho registrado em termos
de nível escolar tem um alto preço, pois a reprovação afeta a auto-imagem de um aluno e o
seu valor aos olhos dos outros”. Isso quer dizer que seu atraso escolar torna-se uma
“deficiência” no momento de qualquer decisão posterior.
Nesse período analisado (anos 1970 e 1980) os índices de reprovação mantêm taxas
próximas a 50%. Os diários das escolas de Alta Floresta confirmam essa tendência também
verifica em outras partes do país. Isso sem falar na evasão, revelada em torno de 20%
92
. Para
tentar “reverter” esse quadro, essas décadas foram marcadas pela educação supletiva, com
estruturas e práticas equivalentes às do Ensino de Primeiro Grau, mas com a flexibilização do
currículo e das modalidades de ensino, incluindo educação não presencial. Essas medidas
visavam gerar a desejada aceleração dos estudos para aqueles que reprovavam, se evadiam ou,
simplesmente, não tiveram acesso à escola.
Diante desses índices, muitos educadores realizaram pesquisas buscando analisar as
causas da reprovação e propor alternativas. A maioria de seus resultados é conhecida por nós
educadores, dentre eles: maiores reprovadas são as crianças da escola pública devido as suas
condições de vida (essas condições de vida foram interpretadas como obstáculos à
91
Fonte: Mapa do Analfabetismo no Brasil. MEC/INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Disponível em
http://www.inep.gov.br/estatísticas/analfabetismo/default.htm. Acesso em 07.09.2005.
92
Fonte: Ministério da Educação e do Desporto/MEC. Secretaria de Educação à Distância. Cadernos da TV
Escola. Escola Hoje, p. 60 a 62, 1996.
154
aprendizagem) sua linguagem, hábitos, comportamento, modo de vestir e de se alimentar.
Junte-se a isso, a formação inicial da professora, que só aprende para ensinar crianças bem
alimentadas, com boa linguagem, com pais que ajudam em casa.
Ao sair da universidade, essa professora se depara com uma realidade bem diferente
daquela que aprendeu nos cursos de graduação. Ao entrar no mercado de trabalho, as crianças
que encontra desafiam sua didática e seus métodos de ensino. E aí, que fazer? Para essas
causas, algumas soluções foram encontradas: capacitar as professoras para atuar junto às
crianças das escolas públicas; reformular metodologias e sistemas de avaliação, rever o
currículo e organização das turmas, dentre outras. Nessa avaliação, também foram citadas
questões importantes de ordem material: as precárias condições de trabalho, salários baixos e
quadro de professores incompletos. Os motivos são muitos.
De acordo com documento da escola ciclada
93
, em 1995 o estado de Mato Grosso
somava 39% de reprovação e evasão e apenas 10% dos jovens na faixa etária de 15 a 19 anos
se encontravam matriculados na escola. É citada também, a falta de condições para atender
aos alunos com dificuldades na aprendizagem, avaliação usada como mecanismo de
classificação, e, a falta de espaço e tempo para a construção efetiva do conhecimento. Esse
documento conclui ainda que esses fatores têm contribuído para os índices alarmantes de
crianças e jovens excluídos do sistema escolar de Mato Grosso e pretende ser uma diretriz
orientadora da política educacional do Ensino Fundamental.
Acabar com a reprovação é fácil, basta um ato governamental, mas a questão é
garantir que as crianças aprendam os conhecimentos necessários para viver no mundo atual, e
para isso, é necessário algo muito maior do que reprovar ou não reprovar. É preciso ensinar de
fato. É preciso que a professora se comprometa com seu trabalho, não se omita em relação ao
fracasso escolar e posicione-se a favor do aluno. É necessário também avançar na questão da
formação das professoras. A maioria dos cursos de formação continuada não leva em conta as
necessidades cotidianas das professoras. É por isso que fica a sensação de que nada se resolve
depois de se freqüentá-los.
Estudar e debater concepções de grandes nomes da Pedagogia nacional e mundial é
sem dúvida, uma experiência interessante, mas é necessário ampliar esse caminho; não
basta estudar as teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon, para citar alguns. É fundamental
também não tentar suprir na formação continuada as deficiências da formação inicial. A
universidade tem variadas e complexas dimensões, deveria ser o primeiro lugar para um
93
MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Escola ciclada de Mato Grosso:novos tempos e espaços
para ensinar – aprender a sentir, ser e fazer. Cuiabá: Seduc. 2000.
155
profissional se apropriar das ferramentas para ensinar – e com isso, poder enfrentar os
obstáculos do dia-a-dia na escola, como indisciplina, desinteresse, falta de apoio dos pais,
reprovação. Mas é necessário mais.
É preciso perceber que a educação é um processo coletivo que se num determinado
espaço, numa instituição chamada escola. Organizar momentos de formação em serviço no
contra turno, por exemplo, com trocas de experiências e reflexão sobre a prática é muito
eficiente para resolver problemas cotidianos. A formação de grupos de trabalho preocupados
em melhorar as ações em sala de aula é viável e necessário e se encontra em curso no
município pesquisado. Infelizmente quem está à frente da sala de aula não tem poder sobre as
políticas públicas e a definição de rumos da educação nos sistemas municipal, estadual e
federal.
Enfim, as informações, imagens documentais e atitudes das professoras identificadas
sobre a prática de alfabetização, revelaram que a articulação entre escola, espaços
socioculturais e família são os principais fatores que interferem na aprendizagem dos alunos,
portanto, também responsáveis pelo sucesso ou fracasso.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi apresentado e discutido nessa pesquisa, torna-se necessário tecer
algumas considerações finais sobre o processo de construção deste trabalho, principalmente
sobre temas que não foram suficientemente abordados e que podem servir de provocação para
novos estudos.
A análise e interpretação dos depoimentos das professoras possibilitaram contato com
rico e diversificado material sobre a alfabetização, que para ser interpretado, exigiu uma nova
forma de escutar, de olhar, e inúmeras leituras e releituras atentas, no sentido de se evitar
conclusões precipitadas. Se por um lado, a riqueza e a diversidade das entrevistas
contribuíram para ampliar a compreensão sobre o processo de alfabetização em Alta Floresta
e mostrar um campo de investigação ainda inexplorado, por outro, geraram dificuldades na
interpretação dessas informações, porque apareceram consensos, mas também contradições.
Essa dificuldade de análise foi amenizada quando da compreensão que consensos e
conflitos convivem na constituição de um estudo sobre alfabetização, além do mais, é
necessário que os conflitos e as diferenças se explicitem, pois, dessa maneira, caminhamos
para a construção de novas formas de ver, sentir, entender, organizar e representar o mundo,
respeitando as diferentes visões dos indivíduos. Na busca de respostas às dúvidas e
inquietações surgidas nos depoimentos das professoras, novos caminhos de interpretação
foram necessários.
Outra dificuldade que se apresentou no estudo dessa pesquisa, foi a abrangência
espacial criada pelas próprias entrevistadas. Normalmente as histórias da alfabetização das
professoras como alunas e como profissionais, eram divididas em: “hoje e antigamente”,
revelando uma amplitude maior do que a pesquisadora supunha, porque acabou entrando um
pouco no terreno da subjetividade. Ao narrarem suas histórias vivenciadas através dos
tempos, elas acabam reconstituindo o que consideravam mais significativo para si, do ponto
de vista pessoal, delineando também sua história como professora.
Durante as leituras e releituras das entrevistas, foi possível contatar o que já se sabia
através do senso comum, ou seja, que nem sempre as narrativas das professoras referentes ao
passado se apresentavam românticas e saudosas; muitas vezes constituíam momentos de
reflexão e muitas vezes de confronto entre o que aprenderam e o que ensinavam. Esses
157
depoimentos se revelaram importantes ferramentas para se apreender sentimentos e pontos de
vista sobre o trabalho desenvolvido na alfabetização.
O desejo de mudar, alterar o padrão de seu próprio trabalho pelo esforço, é
preocupação constante dessas professoras, no entanto, a intenção de mudar ou mesmo a
abertura da professora para programar mudanças, não caracteriza necessariamente um
processo de melhoria da própria prática, porque infelizmente quem está à frente da sala de
aula não tem poder de definir os rumos da educação.
A análise dos diários mostrou algumas idéias voltadas para a investigação das
mudanças no trabalho do professor em sala de aula. Foi um importante instrumento para se
acompanhar a evolução do registro dos conteúdos ao longo do período estudado, apesar de
não ter um valor histórico claramente definido como fonte documental. Ele forneceu
importantes “pistas” para se perceber que a leitura e a escrita na década de 1970 e início dos
anos de 1990, eram considerada apenas como rudimentos. A introdução do aluno no mundo
da escrita se dava através de um “texto” que na verdade era apenas um agregado de frases
desconectadas. A partir de 1995 foram observadas pequenas mudanças, como o trabalho com
embalagens, palavras conhecidas pelos alunos, pequenos poemas. O registro escrito no diário
obriga o exercício de ações, principalmente porque se lida diariamente com eles.
Um instigante tema de investigação que surgiu durante a pesquisa, foi a invasão” de
instituições, de outras agências sociais na escola. As dificuldades relacionadas à presença de
ONGs, corpo de bombeiros, secretarias de saúde, DETRAN, igrejas e movimentos sociais na
sala de aula desenvolvendo todo tipo de projeto, reduzem o tempo de trabalho efetivo com o
ensino da língua materna. A maioria das professoras entrevistadas questionou o verdadeiro
papel da escola, que de acordo com depoimentos, “se salva o planeta e perde-se o aluno”.
Esse dado autoriza a reafirmar-se o papel da escola como a principal instância da educação,
inclusive sendo cobrada pela sociedade como tal, apesar de não ser a única.
Além do registro histórico, o estudo do conhecimento didático do ensino da leitura e
escrita nos primeiros anos se apresentou como um rico campo para futuras investigações da
alfabetização em Alta Floresta. Temas como o papel da escola, métodos de alfabetização,
disciplina, reprovação, desinteresse, intervenção de outras agências sociais na sala de aula,
narrativas de professoras, surgiram ao longo das entrevistas, mas não puderam ser
suficientemente explorados, diante dos limites desta investigação.
Esse estudo pode servir de base, ainda, para se perceber a evolução do registro nos
diários escolares, para dar suporte à ação pedagógica no que concerne à observação. Serve
158
também como fonte de estudo e pesquisa no âmbito da escola e como instrumento para
intervenção no processo de ensino e de aprendizagem de acordo com seus indicadores. Ele
também auxilia na fundamentação para a tomada de decisões e definição de políticas
educacionais.
Em relação ao registro escrito dos diários de classe, eles podem resgatar a reflexão do
educador sobre sua prática pedagógica que é o embrião de sua teoria. Ele permite organizar os
conteúdos, e pode funcionar como um espelho do processo de desenvolvimento de sua
prática. Tem um formato bem sucinto, mas permite recapitular informações do trabalho
realizado, contribuindo para refazer o próprio percurso.
O aprendizado gerado por esse estudo operou mudanças na compreensão e postura
dessa pesquisadora, principalmente nas formas de interpretação e nos diálogos realizados com
as professoras. O conhecimento partilhado, a descoberta dos saberes, práticas e afetos de
pessoas que ajudaram a construir a história desse município muito me sensibilizaram.
Enfim, as informações, imagens, e atitudes identificadas sobre a alfabetização,
foram possíveis pela utilização de contribuições de outros pesquisadores, principalmente os
que apresentaram resultados com foco na alfabetização.
Destaca-se especialmente Amâncio (2000) que assumiu o desafio de investigar a
alfabetização em Mato Grosso, concentrando seus estudos no discurso institucional, Soares
(2002) que faz uma reflexão sobre perspectivas para o ensino e a aprendizagem da língua
escrita na alfabetização, Ferreiro (2001) que contribui com muitas idéias para repensar a
prática escolar de alfabetização e finalmente Freire (2000), impossível não ressaltar a beleza
produzida pela “Pedagogia da Autonomia”. A sensibilidade com que problematiza e toca o
educador, chamando-o a responsabilidade, mas também sem abrir mão do sonho e da alegria,
muito contribuiu para refletir a prática e a formação das professoras.
É com essa percepção que concluo essa pesquisa, deixando algumas idéias que não se
esgotam aqui, abrindo possibilidades de novos estudos. Os depoimentos das professoras, os
velhos papéis desbotados pelo tempo, os diários de classe amarrotados e cheios de traças, são
testemunhos de uma história ainda em processo, que é feita por toda gente, com diferentes
visões de mundo, sociedade e homem. Como disse o gaúcho Assmann (1998, p. 47), “Uma
sociedade onde caibam todos será possível num mundo no qual caibam muitos mundos. A
educação se confronta com essa apaixonante tarefa: formar seres humanos para os quais a
criatividade e a ternura sejam necessidades vivenciais e elementos definidores dos sonhos de
felicidade individual e social”.
159
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165
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO INICIAL
1 - DADOS PESSOAIS
Nome______________________________________________________________________
Local e data do nascimento_____________________________________________________
Endereço____________________________________________________________________
Telefone ___________________________________________________________________
2 – DADOS PROFISSIONAIS
Início da profissão____________________________________________________________
Local_______________________________________________________________________
Situação funcional ____________________________________________________________
Tempo de atuação na área de alfabetização ________________________________________
Local/ano de aposentadoria _____________________________________________________
Atividade atual ______________________________________________________________
3 – FORMAÇÃO EDUCACIONAL
Ensino Médio: ( )
Ensino Superior: ( ) Curso ____________________________________________________
Pós Graduação: Especialização _____________________________________________
Mestrado _________________________________________________
Doutorado ________________________________________________
166
APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. ENSINO DAS PRIMEIRAS LETRAS, FUNDAMENTAL E MÉDIO – O
PROFESSOR COMO ALUNO.
- Onde aprendeu a ler e escrever? Com quem? Que idade tinha?
- Quando começou a ler? Como classificaria essa experiência?
- Como era a escola?
- Quais as disciplinas estudadas? A escola priorizava alguma?
- Como era a relação professor/aluno?
- Havia castigos? Prêmios?
- Leitura e escrita se ensinavam de forma simultânea?
- Como era o ensino da língua oral e escrita?
- Que tipo de atividades era proposta pelo professor?
- Qual o método usado pelo professor para o ensino da leitura e escrita?
- Que tipo de material didático era usado pelo professor?
- Cartilhas, livros, manuais? Lembra de algum título?
- Que tipo de avaliação existia na época em que você estudou?
- Havia muita reprovação? Quais disciplinas mais reprovavam?
- Que tipo de atividade era realizado com os alunos reprovados?
- Como você classificaria o ensino daquela época?
- E no Ensino Médio, que curso você freqüentou?
- O que levou você a escolher esse curso?
- Caso tenha escolhido o Magistério, havia algum tipo de orientação para se trabalhar com o
ensino da leitura e escrita?
- Alguma indicação de método para se trabalhar com o ensino da língua materna?
2. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
- Por quanto tempo atuou no magistério?
- Quanto tempo na alfabetização? Comente a respeito.
- Como alfabetizava? Comente.
- Fale sobre sua experiência como professora (primeira escola, séries em que trabalhou,
formação das turmas, número de alunos, organização escolar).
- Havia algum tipo de acompanhamento, fiscalização? Se sim, com que freqüência e por
quem?
- Recebia algum tipo de orientação para planejar suas aulas sobre alfabetização? Era útil,
ajudava a melhorar seu desempenho?
- Sentia-se preparado para ensinar? Como eram suas aulas?
- Recebia algum tipo de orientação para desenvolver sua prática? Quais?
-Como e onde encontrou conhecimentos/informações para o trabalho com alfabetização?
- Como você definiria o ensino daquela época? E hoje?
- Qual o método que você utilizava para alfabetizar?
- Que tipo de atividades você trabalhava para alfabetizar?
- Comente sobre os materiais que subsidiavam sua prática. Cartilhas, manuais, livros. Lembra
de algum título?
- Como era a aula de leitura?
- E a aula de linguagem escrita?
167
- E as produções escritas dos alunos? Comente.
- Quais as maiores dificuldades para se ensinar a ler e escrever?
- Quais as maiores dificuldades apresentadas pelos alunos na aprendizagem desse ensino?
- Que atividades você planejava o trabalho nas primeiras semanas de aula?
- Hoje você faz um trabalho diferente? O que provocou essa mudança?
- Você consulta algum tipo de material para preparar atividades de alfabetização? Quais?
3. NA SUA OPINIÃO, O QUE SIGNIFICA:
- Alfabetização
- Alfabetizado
- Letrado
4. EM RELAÇÃO ESPECIFICAMENTE À ALFABETIZAÇÃO:
- É mais fácil aprender a ler ou escrever?
- Você ensinava a ler antes de escrever? Escrever antes de ler? Os dois processos
simultaneamente?
- No início da alfabetização, que letra você preferia usar? Por que?
- Você teve alunos que demoraram mais a aprender a ler e escrever? A que você atribui essa
demora? Como resolveu a questão?
- Em relação à avaliação, com o fazia para acompanhar o desenvolvimento dos seus alunos?
5. CITE:
- Suas últimas leituras sobre alfabetização (texto, livro, apostilha que discute essa temática);
- As maiores dificuldades para alfabetizar;
- Alguns conteúdos que você considerava mais importantes na alfabetização.
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