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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS (PPHPBC)
MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
Alceu Amoroso Lima e o regime militar
1964-1968
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil CPDOC para a obtenção do grau de Mestre em Bens
Culturais e Projetos Sociais
Evanize Martins Sydow
Rio de Janeiro, agosto de 2007
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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
DO BRASIL (CPDOC)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS (PPHPBC)
MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Política
e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do
Brasil da Fundação Getúlio Vargas como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre.
Aprovada em _____________________________________
Pela Banca Examinadora:
______________________________________________
Professor Dr. Américo Oscar Guichard Freire (orientador)
______________________________________________
Professora Drª. Ângela Maria de Castro Gomes
______________________________________________
Professor Dr. Marcelo Timotheo da Costa
______________________________________________
Professora Drª. Christiane Jalles de Paula (suplente)
Rio de Janeiro, agosto de 2007
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3
AGRADECIMENTOS
A todos do CPDOC-FGV, por darem condições de tornar esse objetivo possível.
Aos colegas do mestrado, por toda a troca ao longo desse período de crescimento, em
especial Joandina, Marcelo e Thaís.
A todos os amigos do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, pela disposição,
atenção e solicitude.
A todos os entrevistados, que se dispuseram e contribuíram para que esta pesquisa se
tornasse melhor.
Aos professores do CPDOC-FGV, pelo aprendizado ao longo desse tempo todo.
Ao meu orientador, Américo Freire, essencial nessa caminhada e em cada linha desta
dissertação.
À minha mãe, Olinda, e aos meus irmãos, Alexandre e Silvia, porque fazem tudo valer a
pena.
Ao Cleber, por me dar tanto e ainda considerar que esse tudo é nada.
4
RESUMO
Este trabalho busca analisar um breve, mas rico, período da trajetória de Alceu Amoroso
Lima, ou Tristão de Athayde, seu pseudônimo, considerado um dos principais pensadores
católicos do século XX. Os anos compreendidos entre 1964 e 1968 servem como um ensaio
para aquela que chamamos aqui de fase de radicalização, quando o escritor, por meio de
seus artigos publicados semanalmente no <i>Jornal do Brasil</i>, desfere duras críticas ao
regime militar implantado em 1964. Durante estes anos, a política, que sempre permeou
seus livros e colunas nos jornais, passa a ser a tônica de tudo o que escreve, junto com os
acontecimentos que marcaram a Igreja Católica e a sociedade brasileira. A análise desta
pesquisa é feita tendo como fontes principais as cartas trocadas diariamente entre o
jornalista e sua filha, madre Maria Teresa, e os artigos que publicava semanalmente no
<i>Jornal do Brasil</i>. Também foram realizadas entrevistas com personalidades que
conviveram com Alceu e analisadas entrevistas concedidas por ele e depois publicadas em
livros.
5
ABSTRACT
This work seeks to analyze a brief, but rich period of Alceu Amoroso Lima´s trajectory,
who was also known by his nickname, Tristão Athayde, considered one of the principal
catholic thinkers of century XX. The years between 1964 and 1968 come as an experience
for what is called here as radicalism fase, when the writer, through weekly published
articles in the Jornal do Brasil newspaper, severally criticizes the military regime
established in 1964. During these years, the Politics, that always characterized his books
and newspaper’s articles, sets the tone of everything which is written, together with the
facts that highlighted the Catholic Church and the Brazilian society. The analysis of this
research has been done based on the principal letters switched daily between the journalist
and his daughter, Mother Superior Maria Teresa, and the articles published weekly in
Jornal do Brasil newspaper. Also, interviews were realized with personalities that got along
with Alceu, as some interviews offered by him were analyzed and therefore published in
books.
6
“Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história,
isto é, como o relato coerente de uma seqüência
de acontecimentos com significado e direção, talvez
seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação
comum da existência que toda uma tradição literária
não deixou e não deixa de reforçar.”
Pierre Bourdieu
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO E METODOLOGIA...............................................................................8
PARTE I - POSICIONAMENTO......................................................................................22
Capítulo I...............................................................................................................................22
Três vidas
Primeira e segunda fases
Terceira fase
Capítulo II.............................................................................................................................36
O livre atirador
PARTE II RADICALIZAÇÃO......................................................................................53
Capítulo III............................................................................................................................53
De Dr. Alceu a Tristão de Athayde
Capítulo IV............................................................................................................................69
A radicalização
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................84
ANEXOS
8
INTRODUÇÃO E METODOLOGIA
“O integralismo, como reação histórica, é um
movimento sadio e útil do nosso atual momento
político. Repercussão brasileira dos movimentos
de vitalidade nacional que salvaram a Itália,
talvez a Alemanha e a Península Ibérica e,
porventura, a América do Norte, da anarquia
econômica e do imperialismo comunista,
representa para a pátria brasileira a mais sólida
garantia às mais puras tradições nacionais.”
1
Aqueles que conheceram o pensador católico Alceu Amoroso Lima a partir de
meados da década de 1960 poderiam garantir que a citação acima seria de qualquer
intelectual reacionário, menos de alguém que, algum tempo depois, tornar-se-ia um dos
principais paladinos da liberdade no Brasil, como é o caso de Tristão de Athayde
pseudônimo adotado por Alceu a partir de 17 de junho de 1919, quando iniciou sua
atividade de crítico literário em O Jornal.
Pois a frase acima é, sim, de Amoroso Lima. Esta é parte de um artigo publicado
nos idos de 1930, “Catolicismo e Integralismo”. Foi com ela, inclusive, que um jornalista
da revista Visão, em 1968, iniciou uma entrevista com Tristão, intitulada “Quando eu era
integralista”. As convicções mais conservadoras tangenciavam a forma de pensar de Alceu
pelo menos até os anos 40. Ao ser deflagrado o golpe militar de 31 de março de 1964, o que
se via era o oposto: uma mudança radical de sua postura política, abrindo para um cenário
de consolidação da imagem de um progressista, um fervoroso defensor dos direitos
humanos.
1
“Quando eu era integralista”. In: BARBOSA, Francisco de Assis. Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde)
Memorando dos 90. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, pág. 88
9
Uma frase de Gramsci, utilizada como referência por Daniel Aarão no texto
“Intelectuais e política nas fronteiras entre reforma e revolução”
2
, diz que “se a narrativa é
bem concebida, a trajetória de um intelectual pode tornar-se a monografia de uma época”
3
.
A narrativa da atuação de Alceu Amoroso Lima, crítico literário, escritor e considerado um
dos principais pensadores católicos do século XX, em determinados períodos da história do
Brasil no último século pode ser monografia de uma ou mais épocas.
Estudar o posicionamento político deste personagem, traçando paralelo com temas
como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação.
Serão três os temas principais a serem desenvolvidos neste trabalho, do ponto de
vista da trajetória de Alceu Amoroso Lima: política, sociedade e Igreja. O critério para
chegarmos a esses tópicos foi a análise dos artigos publicados por Alceu no Jornal do Brasil
e na Folha de S. Paulo ao longo do período que compreende os anos de 1963 a 1968
(estendendo-se, para o último capítulo, para alguns artigos publicados em 1969 e no início
dos anos 1970) e reproduzidos na coletânea de cinco livros intitulada “Crônica do Tempo
Presente” - Revolução, Reação ou Reforma?, Pelo humanismo ameaçado, A experiência
reacionária, Em busca da liberdade e Revolução suicida, sendo que este último não foi
utilizado para análise, uma vez que inclui artigos publicados depois do período utilizado
para estudo nesta dissertação.
Ao todo são 419 artigos que abordam assuntos diversos, como inflação, partidos
políticos, papa Paulo VI, política internacional, democracia, educação, comunismo,
encíclicas da Igreja, operários, golpe militar e suas arbitrariedades, reforma agrária,
esquerda e direita, cultura, voto dos analfabetos, Estado Novo, entre outros.
Tristão vai exercer sua atividade jornalística de forma que transforma esse espaço
semanal em sua tribuna. É através de seus textos, analisa Marcelo Timotheo da Costa, que
constrói a imagem de “católico inserido nos tempos modernos”. Nos artigos, Tristão
comporta-se como um observador atento a acontecimentos diversos. Suas abordagens
oscilam entre o universal e o local, passando por temas políticos, econômicos, culturais e de
comportamento.
4
Para José Oscar Beozzo, o seu espaço na imprensa brasileira funcionou
2
REIS FILHO, Daniel Aarão. Intelectuais, História e Política (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 Letras,
2000, pág. 13
3
Id.
4
COSTA, 2006
10
como uma “tribuna de diálogo”, onde ele apresentava seus ideais
5
. Era ali que ele dialogava
com a sociedade, mostrando-se indignado, contente ou descontente, satisfeito ou
decepcionado, e denunciando o que lhe parecia absurdo.
Dos temas mais amplos de discussão, três são fundamentais em todo o acervo, como
mencionado acima política, pano de fundo para todas as discussões, Igreja e sociedade.
Dentro destes, foram selecionados subtemas que mais freqüentam as páginas escritas por
Alceu. Em política, os subtemas são Revolução de 1964-Revolução de 1930, incluídas aí as
críticas ao regime militar, comunismo/fascismo e a defesa de eleições diretas. O tema
sociedade terá como subtemas estudantes, cultura e operários. O pontificado de Paulo VI, o
Concílio Vaticano II e a repressão do regime militar contra a Igreja são as variações do
tema Igreja.
Do ponto de vista da política, Amoroso Lima passa por figuras como (não sendo
estas, necessariamente, enfatizadas nesta dissertação):
- Miguel Arrais: sua posse como governador de Pernambuco, considerado por ele um
valor novo na política nacional, que ganhou as eleições sem compromissos políticos
ou econômicos e, portanto, poderia exigir de todos os sacrifícios necessários a uma
obra coletiva;
- Hélio Fernandes: ao falar de Hélio Fernandes, já começa a denunciar repressões. O
autor defende o fato de o jornalista não querer denunciar sua fonte de informação ao
mostrar documentos secretos das Forças Armadas: “Sua prisão só veio agravar um
processo de radicalização de nossa política, que representa igualmente um dos
rumos errados que vão lentamente ameaçando a nossa estabilidade democrática.” A
coluna também protestava contra a prisão do padre Alípio e o interrogatório de Dom
Jerônimo, em Salvador
- Carlos Lacerda: desmente Carlos Lacerda, que disse em Lisboa que Alceu, 30 anos
atrás, havia recomendado à juventude brasileira que aderisse ao fascismo. “Não
escreveria hoje exatamente o que escrevia há trinta anos passados, mas já então não
confundia integralismo com fascismo, vendo apenas um e outro ‘inspirados no
mesmo espírito’. Rejeitava três atitudes dos católicos em face do integralismo: a
5
Id.
11
condenação, a exaltação, a expectativa.” (...) “A simpatia que nessa época, há trinta
anos passados, nunca escondi pelo integralismo ou mesmo pelo fascismo era uma
conseqüência da minha fobia pelo espírito burguês e a minha ainda imperfeita
assimilação do verdadeiro espírito do cristianismo autêntico.”
- Sobral Pinto: para Alceu, figura inconfundível em nosso cenário nacional, religioso,
jurídico e político.
- Dom Helder Câmara: Alceu chama dom Helder de novo dom Vital e novo Júlio
Maria (Júlio César de Morais Carneiro, considerado um inovador na Igreja).
Segundo Tristão, dom Helder está desligando a Igreja de suas amarras com a alta
burguesia, tentando desligar a Igreja de seus laços classistas.
Ainda dentro do tema política, Tristão trata da discussão, pelo Parlamento, do
projeto de estado de sítio. Alceu diz que, independente do resultado, a opinião pública
estava radicalmente contrária à sua proclamação, mesmo temporária. Ele se coloca
radicalmente contra o estado de sítio, dizendo não acreditar que, se fosse aprovado, seria
moderado e sem censuras à imprensa. “Creio que o Congresso, por grande maioria, negará
o sítio e com isso reconquistará uma popularidade que tem perdido.”
Em alguns artigos, Alceu critica os boatos sobre a chegada do golpe (isso em janeiro
de 1964):
Esses cupins de nossa vida cívica murmuram baixinho, em nossos ouvidos, cada
amanhã, que é para já o golpe. Que o presidente esgotou a paciência. Que desta vez
vem mesmo. Que não haverá eleições para 1965. Que o contragolpe também está
preparado. Que a demissão de um grande ministro foi a gota de água. E com ela se
rejubilaram as forças da Oposição, pois assim mais facilmente vai acabar a
indecisão. (...) Venha de onde vier o golpe, devemos repeli-lo. Mas saibamos
também ter consciência de que, se a detestável política oposicionista do ‘quanto pior
melhor’ prosseguir, se as forças da Direita ou do Centro, reacionárias ou
conservadoras, não compreenderem que é preciso fazer, por meios antecipados,
racionais e pacíficos, a revolução que por outros meios será um desastre para todos,
12
então a vitória os boatos será também a dos pescadores de águas turvas e a leucemia
social fará do Brasil, ao menos por certo tempo, qualquer coisa de irreconhecível.
6
A deflagração do golpe passa a ser comentada por Alceu de forma sistemática. Em
“30 de Março”, diz: “Temíamos que ele viesse do próprio Governo, com propósitos
“continuístas”. Acabou vindo, por antecipação, da margem oposta” e fala sobre a tendência
inata do humanismo brasileiro às soluções pacíficas das nossas mais graves crises políticas.
“Mesmo com os tanques nas ruas... E a marca da nossa gente, da nossa história da nossa
civilização.”
7
Em muitos de seus artigos, Alceu compara a Revolução de 1964, de tipo direitista,
com a de 1930, de tipo esquerdista. Alceu fala em “Novo Estado Novo”.
Para Amoroso Lima, assim foi recebida a Revolução de abril pelas três camadas da
sociedade: as classes altas receberam o movimento com uma euforia transbordante e até, de
certo modo, indiscreta. As classes médias o consideraram com uma alegria inegável, mas
discreta e sobretudo com desafogo e esperança. Quanto ao povo, o que se viu foi o mais
absoluto silêncio. Esse “trágico silêncio do povo”, diz Alceu, é o que mais o
impressiona.”Só há um caminho realista e honestamente democrático a seguir: pôr em
prática o processo eleitoral. A começar pela eleição do Prefeito de São Paulo...”
8
As eleições também foram tema de sua pena por várias vezes. Alceu condenava o
fato de o povo brasileiro não poder dizer nas urnas o que queria.
No tema sociedade/política, Alceu passa várias vezes pela defesa dos direitos dos
operários. Para eles, ao lado dos estudantes, os operários foram a categoria que mais sofreu
com a mão forte dos militares: “(...) o mesmo ódio destruidor que eliminou os sindicatos
operários, no campo do trabalho, também deu cabo das associações estudantis, no campo
educativo. O operário e o estudante foram os dois espantalhos da Revolução, no triênio
inicial (...) Qual foi então a tática do pensamento revolucionário para anular essas forças?
Fracioná-las ao extremo.”
9
6
Jornal do Brasil. Os cupins, janeiro de 1964
7
Jornal do Brasil. 30 de março, 16 de abril de 1964
8
Jornal do Brasil. Eleições, 22 de janeiro de 1965
9
Jornal do Brasil, Uniões proletárias, 27 de abril de 1967
13
O comunismo é freqüentemente citado por Tristão. E se antes do golpe o autor
declara guerra “preventiva ou defensiva” contra o comunismo, depois de abril de 1964 ele
diz ser mais necessária a guerra contra o fascismo dos militares. “Julgar todo o mundo
‘comunista’, simplesmente porque não é conservador ou liberal é não julgar ninguém
comunista”, diz ele em “Métodos de luta”, artigo de abril de 1964. Ele continua o seu
raciocínio sobre comunismo, aqui relacionando também à Igreja, em “O Mel das Pedras”:
A concepção “burguesa” ou “protecionista” da Igreja, como um baluarte contra o
comunismo ou como uma defesa patrimonial, acaba de ser vivamente revigorada
entre nós. Enquanto não se falou em “reformas de base” ou em uma distribuição
mais eqüitativa da propriedade, os terços ficaram tranqüilos entre os dedos das
almas piedosas. Mas bastou que se acenasse para o fantasma do comunismo ou a
ameaça aos bens materiais, para que se levantassem as pedras das calçadas...
10
Os estudantes também freqüentam boa parte dos textos de Tristão. Em “Peleguismo
estudantil” ele resume a situação do estudante brasileiro no final de 1964:
Um dos grupos sociais que mais tem se projetado na vida pública é o estudantil. Os
moços e os adolescentes só foram considerados gente grande há pouco tempo e,
como é natural, podem se exceder ou se mostrarem canhestros no manejo dessa
nova arma. O nosso paternalismo governamental pretende extinguir as associações
de estudantes, impedir ou adiar as eleições nos diretórios acadêmicos; isolar os
estudantes em seus guetos ou dirigi-los de cima. Pretendem criar o peleguismo
estudantil, depois do peleguismo operário?
11
Em relação à Igreja, Paulo VI é o foco principal de muitos de seus textos. O
Concílio Vaticano II e a figura de Paulo VI para o escritor, o evento católico promoveria
“o diálogo com o mundo moderno”
12
- estão nos artigos, assim como o pensamento da
Igreja em relação ao socialismo e comunismo. Alceu elogia as palavras de Paulo VI para o
10
Jornal do Brasil. O mel das pedras, abril de 1964
11
Jornal do Brasil, Peleguismo estudantil, outubro de 1964
12
Jornal do Brasil, Diálogo da Igreja com o mundo moderno, dezembro de 1963
14
Brasil. Entre elas, “se quisermos evitar o perigo e a triste experiência do comunismo”
13
, não
serão as represálias sangrentas nem os métodos policiais de reação que nos podem valer e
sim as reformas básicas, econômicas, políticas, sociais em geral.
João XXIII e suas encíclicas sociais também são analisados por Alceu, junto com a
viagem de Paulo VI à Terra Santa, como um “rumo à Nova Cristandade”
14
.
Ainda no cenário da Igreja, Alceu comenta as diferenças entre religiosos e políticos.
Para Alceu, o choque entre autoridades militares e autoridades eclesiásticas (...) “é o
sintoma mais sadio da vitalidade da Igreja no Brasil e de sua participação efetiva em nossa
evolução histórica”
15
.
Além de utilizar como fonte os artigos publicados por Alceu Amoroso Lima nos
jornais, esta pesquisa se utiliza da metodologia de história oral e das cartas trocadas entre
Tristão de Athayde e a filha Lia madre Maria Teresa, além de entrevistas concedidas por
ele e depois publicadas em livros, como Memórias Improvisadas, de Cláudio Medeiros
Lima, e Memorando dos 90, de Francisco de Assis Barbosa. A leitura dessa
correspondência está associada à pesquisa em artigos e livros e às entrevistas com pessoas
que conviveram com o educador, conforme relação abaixo, como Alberto Dines, Dom
Paulo Evaristo Arns, Frei Betto, Luiz Alberto Gómez de Souza, Maria Helena Arrochellas e
Wilson Figueiredo. Os entrevistados conviveram com Tristão de Athayde ou
acompanharam sua trajetória durante o período estudado.
Recorrer aos artigos e especificamente às cartas que trocava com a filha como
método comparativo para tratar da trajetória de Alceu é um exercício riquíssimo. Isso
porque, se em períodos muito anteriores, quando se correspondia com nomes como Jacques
Maritain, Gilbert Keith Chesterton ou Jackson de Figueiredo, Alceu debatia “a superação
das coisas efêmeras passageiras, fluidas, pelas coisas estáveis, sólidas, permanentes, sem
prejuízos das outras”
16
, o que escrevia para Madre Maria Teresa era muito mais de cunho
pessoal, até mesmo no tipo de palavra que usava. Era uma espécie de Alceu despido de
qualquer pudor no que dizia respeito ao que estava acontecendo no país, do ponto de vista
13
Jornal do Brasil, A voz do alto, maio de 1964
14
Jornal do Brasil, Rumo à nova cristandade, janeiro de 1964
15
Jornal do Brasil, A nova ‘questão religiosa’, 21 de dezembro de 1967
16
LIMA, 1973
15
social, político e também econômico. E em relação à Igreja isso era muito mais claro. São
passagens que chegam a chocar, se pensarmos que o homem que aparecia publicamente no
Jornal do Brasil era muito mais comedido
17
. Isso pode ser óbvio, uma vez que um
intelectual da dimensão de Alceu Amoroso Lima teria mesmo que cuidar do que pregava
em seus artigos. No entanto, como estamos nos utilizando dessa outra fonte a
correspondência com uma confessora para tentar analisar a trajetória deste “guru
católico”, torna-se importante mostrar o quão diferente e difícil é tentar traçar um paralelo
entre essas duas fontes, somando-se a isso o fato de que, como escrito abaixo, as fontes
orais guardam uma memória muito cristalizada acerca de Amoroso Lima, como um
contraponto progressista da Igreja carioca.
A correspondência estudada foi publicada no livro Cartas do Pai De Alceu
Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa. A publicação abrange as cartas trocadas
entre Alceu e a filha entre 1958 e 1968. Amoroso Lima escrevia para ela rigorosamente
todos os dias, ainda que fosse quase um bilhete, ou cartas de várias e várias páginas. Madre
Maria Teresa funcionava para Alceu como uma confessora. É essa a idéia que Marcelo
Timotheo da Costa desenvolve em seu trabalho “Um itinerário no Século” que os textos
de Alceu Amoroso Lima para sua filha Madre Teresa funcionavam como “exercícios
confessionais”.
Em conversa com Dom Paulo Evaristo Arns, Alceu disse que escrever para a filha
religiosa era um de seus momentos de maior prazer. “Pode ser meia noite, mas escrever
para ela me descansa”
18
. Na mesma ocasião, Tristão mostrou a dom Paulo vários
exemplares encadernados com as cartas que escrevia para ela. Posteriormente, o cardeal
pediu à Maria Teresa que publicasse as cartas, por dois motivos: primeiro, porque só ela
conseguia ler a letra de Alceu, deveras difícil; depois, porque a filha saberia escolher aquilo
que interessaria ao público e o que era só de interesse pessoal dela.
17
Alguns exemplos dessas passagens são as cartas de 13 de maio de 1964, quando chama Gustavo Corção de
“jaguatirica das Laranjeiras”, e de 25 de março de 1964, ao falar de dom Jaime Câmara, cardeal do Rio de
Janeiro: “Pois o que horripila nessa atitude do cardeal Câmara e dos bispos reacionários, aprovando e
insuflando os comícios direitistas e proprietistas, é separar as elites das massas, colocando a religião com
aquelas e o ateísmo com estas.”
18
Entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns à autora
16
Nesse sentido, para estudar a atividade epistolar de Tristão de Athayde é importante
recorrer à obra Escrita de si. Escrita da História, organizada por Ângela de Castro Gomes.
A autora trata da “escrita de si”, gênero no qual se insere a correspondência, ao lado de
biografias, autobiografias, entrevistas de história de vida ou memórias, e mostra as nuances
dessa “produção do eu”, levando em conta como, por exemplo, esse material deve ser
tratado como fonte histórica. Em seus escritos encontramos idéias que também sugerem a
idéia de que as cartas para Alceu serviam como desabafo: “A escrita de si e também a
escrita epistolar podem ser (e são com freqüência) entendidas como um ato terapêutico,
catártico, para quem escreve e para quem lê. O ato de escrever para si e para os outros
atenua as angústias da solidão, desempenhando o papel de um companheiro, ao qual quem
escreve se expõe, dando uma “prova” de sinceridade.”
19
Vejamos o que Ângela diz sobre esse material que conta com uma visão tão
subjetiva de um determinado indivíduo:
(...) o tema da verdade como sinceridade, como o ponto de vista e de vivência do
autor do documento, foi situado e discutido de maneira contundente. Isso porque a
escrita de si assume a subjetividade de seu autor como dimensão integrante de sua
linguagem, construindo sobre ela a “sua” verdade. Ou seja, toda essa documentação
de ‘produção do eu’ é entendida como marcada pela busca de um ‘efeito de
verdade’ como a literatura tem designado -, que se exprime pela primeira pessoa
do singular e que traduz a intenção de revelar dimensões ‘íntimas e profundas’ do
indivíduo que assume sua autoria. Um tipo de texto em que a narrativa se faz de
forma introspectiva, de maneira que nessa subjetividade se possa assentar sua
autoridade, sua legitimidade como ‘prova’. Assim, a autenticidade da escrita de si
torna-se inseparável de sua sinceridade e de sua singularidade.
Ora, uma documentação construída nessas bases exige deslocamentos nos
procedimentos de crítica às fontes históricas, no que envolve questões relativas ao
‘erro’ ou à ‘mentira’, digamos assim, do texto sob exame. Nesses casos, está
descartada a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu”
(a verdade dos fatos), pois não é essa a perspectiva do registro feito. O que passa a
19
GOMES, 2004
17
importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu
autor a expressa. Isto é, o documento não trata de ‘dizer o que houve’, mas de dizer
o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a
um acontecimento. Um tipo de discurso que produz uma espécie de ‘excesso de
sentido do real pelo vivido’, pelos detalhes que pode registrar, pelos assuntos que
pode revelar e pela linguagem intimista que mobiliza. Algo que pode enfeitiçar o
leitor/pesquisador pelo sentimento de veracidade que lhe é constitutivo, e em face
do qual certas reflexões se impõem. Nesse sentido, o trabalho de crítica exigido por
essa documentação não é maior ou menor do que o necessário com qualquer outra,
mas precisa levar em conta suas propriedades, para que o exercício de análise seja
efetivamente produtivo.
20
Reconhecendo essas características na escrita de si, diz Ângela de Castro Gomes,
historiadores têm se preocupado com sua utilização, o que resultou em algumas
advertências. Entre elas está a que diz respeito à “ilusão biográfica”,
isto é, da crítica que destaca a ingenuidade de se supor a existência de ‘um eu’
coerente e contínuo, que se revelaria nesse tipo de escrita, exatamente pelo ‘efeito
de verdade’ que ela é capaz de produzir. A sinceridade expressa na narrativa, que
pretende traduzir como que uma essência do sujeito que escreve, obscureceria a
fragmentação, a incoerência e a incompletude do indivíduo moderno. O risco para o
pesquisador que se deixa levar por esse feitiço das fontes pode ser trágico, na
medida em que seu trabalho é o inverso que é próprio dessas fontes: a verdade como
sinceridade o faria acreditar no que diz a fonte como se ela fosse uma expressão do
que ‘verdadeiramente aconteceu’, como se fosse a verdade dos fatos, o que
evidentemente não existe em nenhum tipo de documento.
21
Outro aspecto importante e que pode ser aplicado à atividade epistolar de Alceu
com a filha observado por Ângela em sua obra diz respeito a quem se destina a carta, no
20
Id.
21
Ibid.
18
caso, a pessoa que vai arquivar e manter essa memória. Madre Maria Teresa tinha um
vínculo privilegiado, por ser filha, mas não só por isso: era a filha que Alceu escolheu como
interlocutora. Podemos desenvolver a hipótese de que foi ela a escolhida por tratar-se de
uma religiosa, portanto, alguém que, pelo menos no que dizia respeito à Igreja, teria
condições de compreender melhor as reentrâncias de uma instituição tão complexa.
A escrita epistolar é, portanto, uma prática eminentemente relacional e, no caso das
cartas pessoais, um espaço de sociabilidade privilegiado para o estreitamento (ou o
rompimento) de vínculos entre indivíduos e grupos. Isso ocorre em sentido duplo,
tanto porque se confia ao “outro” uma série de informações e sentimentos íntimos,
quanto porque cabe a quem lê, e não a quem escreve (o autor/editor), a decisão de
preservar o registro. A idéia de pacto epistolar segue essa lógica, pois envolve
receber, ler, responder e guardar cartas.
A metodologia de história oral é importante para a abordagem do tema tratado neste
trabalho pois as entrevistas “com pessoas que participaram de, ou testemunharam,
acontecimentos, conjunturas, visões de mundo”
22
não apenas trazem as impressões e a
memória do entrevistado a respeito do objeto estudado ou do contexto histórico no qual o
personagem se insere, mas também porque, muitas vezes, oferecem elementos para a
pesquisa que não estão disponíveis em bibliografia.
Além disso, existem detalhes nas narrativas que também não são encontrados em
documentos, ou mesmo, como analisa o Manual de História Oral, “recuos e evocações
paralelas, repetições, desvios e interrupções, que lhe conferem um potencial de análise em
grande parte diverso daquele documento escrito: a análise da entrevista tal como
efetivamente transcorreu permite que se apreendam os significados não diretamente ou
intencionalmente expressos; permite que o pesquisador se pergunte por que a questão x
evocou y ao entrevistado; por que, ao falar de z recuou para a; por que não desenvolveu a
questão c assim como fez em b e assim por diante.”
23
22
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 2
a
edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004, p. 18
23
Id., p.24
19
O texto “Histórias dentro da história”, de Verena Alberti, analisa as possibilidades
de pesquisa pela história oral e mostra que um dos principais atributos desta é possibilitar o
estudo das experiências passadas de pessoas ou grupos. Isto “torna possível questionar
interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas”
24
.
No entanto, no caso de Alceu Amoroso Lima, há uma memória construída que o
trata como monumento católico. Trata-se de uma tarefa dificílima encontrar pessoas que
tenham um depoimento que contradiga, ou que analise de forma imparcial ao menos, a
trajetória do pensador. Isso pode ser um sinal de que a memória que se construiu a respeito
de Alceu diz respeito à essa que chamaremos neste trabalho de “terceira fase” de sua vida,
aquela na qual ele se utiliza de sua tribuna para defender idéias progressistas. É essa a
imagem que se guarda de Alceu a de um homem do catolicismo renovado E é assim que
ele ficará para a história da Igreja.
Foram realizadas oito entrevistas. A relação de entrevistados, por ordem alfabética,
é a que segue:
Alberto Dines Jornalista desde 1952, esteve por 12 anos à frente da redação do Jornal do
Brasil, desde 1962, portanto foi o editor que acompanhou a trajetória de Alceu Amoroso
Lima enquanto articulista do diário ao longo do período abordado nesta pesquisa (1964-
1968). Em 1968, ao ser decretado o Ato Institucional 5, Dines afrontou a censura,
preparando uma edição com muitas ironias e linguagens figuradas sobre a situação política
no país.
25
Dom Paulo Evaristo Arns Cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, conheceu Alceu
nos anos 60 e intensificou seus contatos com o jornalista no início dos anos 70, quando
assumiu a liderança da Igreja de São Paulo, reconhecidamente mais progressista que o clero
do Rio de Janeiro. Alceu encontrou em Dom Paulo um interlocutor para questões como a
defesa de presos políticos.
24
ALBERTI, Verena. “Histórias dentro da história”. In: PINSKY, Carla (org.). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2005, p.165
25
Observatório da Imprensa. Alberto Dines: O trabalho no JB a morte de Allende. Disponível em:
http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/sobre_dines/jb_allende.htm Acesso em 12/5/2006
20
Frei Betto - Frei dominicano, encontrou em Alceu um mestre no período em que, ao lado
de outros amigos frades, esteve preso pela ditadura militar. Trocou extensa correspondência
com Alceu Amoroso Lima. Trocava correspondências com Alceu Amoroso Lima durante o
período de regime militar.
Luiz Alberto Gómez de Souza Sociólogo, líder estudantil de destaque, atuou na Ação
Católica, foi um dos fundadores da Ação Popular (AP), o chamado Grupão, junto com
nomes como Herbert de Souza, o Betinho. Integrou a equipe que assessorava dom Helder
Câmara no Brasil durante o Concílio Vaticano II.
Maria Helena Arrochellas Teóloga e diretora do Centro Alceu Amoroso Lima para a
Liberdade, em Petrópolis.
Wilson Figueiredo Jornalista do Jornal do Brasil durante 45 anos, inclusive no período
da administração do Conde e da Condessa Pereira Carneiro. Chegou a ser vice-presidente
do jornal.
Por fim, segue a forma como foi dividida esta dissertação, destacando que foram
incluídos nos anexos apenas as cartas e os artigos dos quais foram extraídos trechos para o
texto, além de uma cronologia de Alceu Amoroso Lima.
A Parte I trata da presença de Alceu às vésperas do golpe militar de 1964 e dos
momentos logo após a sua deflagração. No Capítulo I o enfoque é para as reações do
pensador nos dias 30 e 31 de março, 1 e 2 de abril, além da efervescência social. Aqui, o
objetivo é mostrar que, embora já não fosse mais o intelectual conservador dos anos 30,
Alceu ainda mantinha, no início dos anos 60, no plano político, uma proximidade com
personalidades de perfil liberal conservador, como Magalhães Pinto, que, no início de 1964,
era o candidato de Alceu à presidência da República, ainda que isso não acontecesse com
suas relações dentro da Igreja, mas que muda, fazendo-o admitir que o que o preocupava
não era mais o comunismo, mas o direitismo e o militarismo.
21
A idéia é mostrar como era seu posicionamento político em relação aos fatos que
estavam ocorrendo no país de João Goulart uma gangorra política, caracterizada pela
polarização esquerdista por parte do governo e direitista por parte da oposição, que, para
ele, foi o que provocou o golpe de 30 de março; como ele se articulava dentro da Igreja e
qual era a imagem pública que alimentava por meio de seus artigos semanais nessa época.
Alceu não está aposentado, ao contrário do que considerava o jornalista em suas cartas.
O Capítulo II traz a publicação do artigo “Terrorismo Cultural” e os seus efeitos
para Alceu e a opinião pública. Este é considerado um marco entre seus artigos no período
que abrange esta pesquisa e talvez em toda sua trajetória pós-1964 , já que inaugura uma
fase que consolida Alceu como o paladino da Igreja Católica no Rio de Janeiro no
momento de arbitrariedade do regime militar.
Aqui, o objetivo é estudar a sua postura a partir desse artigo e/ou marco e de que
forma acontece o processo de intensificação de sua postura contra a ditadura, levando em
conta as reações no âmbito da política e da Igreja.
A Parte II é intitulada “Radicalização” e trata de como vai se desenvolvendo para
Alceu essa postura contra o regime, estando ele já posicionado contra as arbitrariedades.
Fala de seu processo de radicalização diante do contexto político. No Capítulo III é feita
uma análise da evolução de Alceu Amoroso Lima como articulista político e católico nesta
fase de posicionamento e radicalização. Mostrar como foram suas reações públicas (através
dos artigos) e particulares (pela troca de cartas com a filha) em momentos desde a
deflagração do golpe até a instauração do AI-5. O objetivo aqui é mostrar a consolidação de
Alceu como um progressista ao longo dos anos compreendidos entre 1964 e 1968.
O Capítulo IV trata da perspectiva de Alceu estabelecido como radical e surgido das
reações advindas da instauração do AI-5 e a Igreja passando a ser foco importante da
repressão política. Aqui, o objetivo é abrir a discussão para o que e de que forma Alceu
Amoroso Lima defende a liberdade para o seu país nos anos seguintes a 1968, período de
mais incisão de sua pena, uma vez que o intelectual passa a dar nome àqueles que tornam-
se personagens de seus artigos como lutadores antipovo.
22
PARTE I
Capítulo I
Três vidas
Primeira e segunda fases
“Do meu canto, do meu observatório de aposentado, em todos os sentidos, de livre
atirador, de peregrino e mais nada, sinto perfeitamente que o impulso dado por João XXIII
ainda não será neste século que se incorporará à Igreja.”
26
A observação de Alceu Amoroso Lima em carta escrita ao jovem estudante Luiz
Alberto Gómez de Souza, no dia 8 de março de 1964, parecia desprovida da consciência de
que o seu papel como crítico social iniciava ali uma etapa jamais vista anteriormente em
sua trajetória. O escritor respondia, naquele dia, a uma carta de Luiz Alberto sobre a dor de
perder amigos. No caso, o afastamento entre Alceu e o jornalista Gustavo Corção um
comunista convertido em conservador e que, de amigo de Alceu, tornou-se um de seus
principais desafetos, especialmente, a partir do momento em que Alceu passa a condenar a
ditadura militar publicamente; Corção passou a defini-lo como um hábil e talentoso
comunista infiltrado na vida religiosa
27
. O escritor chegou a dizer, em 1956, numa
entrevista a Gómez de Souza que entrou para os anais da JUC (Juventude Universitária
Católica), que pouca coisa de sua obra ficaria para a história, talvez a crítica literária e um
ou outro texto sobre sociologia e política.
Alceu, ou Tristão de Athayde
28
, pseudônimo adotado por ele a partir de 17 de junho
de 1919, quando iniciou sua atividade de crítico literário em O Jornal, não esteve
aposentado em nenhum momento no período que compreende às vésperas da instauração
do regime militar até a sua morte, em 14 de agosto de 1983. Apesar disso, cobrava de si
26
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. “Alceu Amoroso Lima: Entre a razão e o mistério”. In: BINGEMER,
Maria Clara Lucchetti. Exemplaridade ética e santidade. São Paulo: LOYOLA, 1997
27
Quando eu era integralista. Revista Manchete, 12 de outubro de 1968. In: BARBOSA, Francisco de Assis.
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) Memorando dos 90. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
28
O pseudônimo Tristão de Athayde será usado neste trabalho para nos referirmos apenas à atuação de Alceu
Amoroso Lima como jornalista ou nas referências aos seus artigos e suas implicações como crítico no Jornal
do Brasil e na Folha de S. Paulo.
23
mesmo mais pulso firme. O líder católico, que escrevia diariamente à filha Lia (madre
Maria Teresa), reclamava da pequena capacidade de influência, dizia ele, que os seus
artigos tinham no cenário político e social de seu país naqueles primeiros anos da década de
1960, como mostra em carta escrita à madre Maria Teresa no dia 1 de abril de 1964, ainda
com as impressões impactantes a respeito do golpe militar: “Voltamos ao clima de 22 a 45
ou mesmo 55, por culpa... de mim mesmo antes de tudo, pois se tivesse minha voz o
mínimo de ressonância, nem a oposição nem o governo teriam chegado ao ponto a que
chegaram.”
29
Estudar a trajetória de vida de Amoroso Lima é estudar também a não linearidade
presente na vida das pessoas. É analisar, como bem escreveu Allain Robbe-Grillet,
ficcionista do chamado roman nouveau, como o real é descontínuo, “formado de elementos
justapostos sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque
surgem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório”.
30
Esta observação é importante para olharmos o conjunto de acontecimentos e
mudanças ocorridos na vida de Alceu. Para Gómez de Souza, se dividíssemos a trajetória
amorosiana em fases, a que se iniciou em 1964 seria a terceira delas. A primeira
corresponde a de Alceu jovem, agnóstico e crítico literário. A partir de 1928 a segunda
fase -, um novo homem nasce diante de sua conversão ao catolicismo, provocada por nove
anos de 1919 a 1928 - de correspondência trocada com o reacionário pensador católico
Jackson de Figueiredo, que foi influenciado pela visão conservadora dos católicos franceses
Joseph De Maistre e Charles Maurras
31
.
Alceu tornou-se, nessa segunda fase, o substituto de Jackson (que morrera afogado
em São Conrado, no Rio de Janeiro) no Centro Dom Vital e na revista A Ordem, ambos
com a marca forte do conservadorismo de seu antecessor; secretário-geral da Liga Eleitoral
Católica, em 1933; presidente da Ação Católica Brasileira, em 1935; e inicia seus escritos
sobre Pierre Teilhard de Chardin, padre jesuíta e paleontólogo francês, cujos estudos só
foram publicados após a sua morte, em 1955, uma vez que suas idéias evolucionistas,
29
LIMA, 2003
30
Apud BOURDIEU, Pierre. “Ilusão biográfica”. In: FERREIRA; AMADO, Janaína (coord.). Usos & abusos
da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996
31
Apud SOUZA, 1984. In: COSTA. J. Cruz. Contribuição à história das idéias no Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1956, p. 418.
24
combinando “reflexão teológica e ciências físicas”
32
, não eram bem vistas no meio
eclesiástico é atribuído a Alceu o primeiro registro sobre a obra de Chardin no Brasil
33
.
Até aqui quem aparece é o Alceu oficial da Igreja, um homem conservador e que
defendia os interesses católicos. É aí também que ele ingressa na Academia Brasileira de
Letras, cuja candidatura acontece a pedido de dom Sebastião Leme, cardeal do Rio de
Janeiro, que considerava importante a Igreja ter uma cadeira na instituição. Alceu
candidatou-se contrariado, assim como parece ter sido também a sua entrada no Centro
Dom Vital. Anos depois afirmaria: “E nunca fui homem de grupo. Colocaram-me à força
dentro do Centro Dom Vital e em todos os grupos em que tenho vivido, nunca os escolhi,
nem mesmo a Academia, onde nunca teria entrado se não fosse a pressão de Dom
Leme...”
34
Em 1936, no livro Indicações Políticas, Alceu chegou a recomendar aos
católicos que quisessem fazer política para entrarem para a Ação Integralista Brasileira
(AIB), arrependendo-se depois. “Naquele momento ele achava que era o melhor lugar para
um cristão, diante da polarização burguesia X antiburguesia.”
35
A Ação Integralista
Brasileira é um movimento político que teve início no Brasil durante a década de 30 e era
considerado fascista
36
.
O escritor dizia que sua posição política nos anos 30 correspondia às tendências à
direita da Igreja. A criação da LEC instrumento da Igreja que recomendava a eleitores
candidatos que defendessem as causas católicas e que, em 1934, influenciou nas eleições da
Assembléia Constituinte, apoiando os candidatos favoráveis às suas reivindicações, como
capelães militares nas Forças Armadas e indissolubilidade matrimonial
37
, para a qual foi
nomeado secretário-geral, coincide com a criação da AIB.
32
COSTA, 2006
33
JANUÁRIO, Marcelo. A arte da palavra Alceu Amoroso Lima e o jornalismo como missão civilizadora .
Trabalho apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho. Florianópolis, 15 a 17 de abril
de 2004
34
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. “Alceu Amoroso Lima: Entre a razão e o mistério”. In: BINGEMER,
Maria Clara Lucchetti. Exemplaridade ética e santidade. São Paulo: LOYOLA, 1997
35
Id.
36
Para saber mais sobre a Ação Integralista ver: ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e Revolução
O integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987
37
Apud SOUZA, 1984. In: BEOZZO, J.O. Les mouvements des universitaires catholiques au Brésil. Lovaina:
Université de Louvain, 1968 (mimeografado), p. 29
25
Havia entre as posições da LEC e o integralismo coincidências de ponto de vista no
tocante a reivindicações sociais e espirituais. Muitas de suas teses pareciam
coincidir com as teses do catolicismo social, então objeto particular de minhas
preocupações e estudos. Daí a simpatia que despertou nos meios católicos, inclusive
em mim. No meu caso particular devo dizer ainda que me agradava particularmente
a ênfase que o integralismo emprestava à sua posição anti-burguesa. Tinha eu por
essa época publicado o Problema da Burguesia, livro no qual atacava fortemente o
espírito burguês e o espírito de mentalidade burguesa, que eu confundia com o
liberalismo.
38
Essa postura mais reacionária era justificada por ele por meio da influência de
Jackson de Figueiredo em sua vida.
Essa minha posição está muito ligada à minha conversão em 1928 e à morte, logo
em seguida, de Jackson de Figueiredo. Tendo assumido a presidência do Centro
Dom Vital e a direção da revista A Ordem senti-me forçado a seguir uma orientação
mais de acordo com a posição de meu antecessor. Em 1928 um acontecimento
importante para mim foi a minha aproximação com D. Sebastião Leme. Tive para
com D. Leme um sentimento verdadeiramente filial. Através do nosso convívio vim
a perceber o espírito extremamente liberal que ele era.
39
Quando trata da representação do indivíduo na vida cotidiana, Erving Goffman
analisa que determinados fatos, características negativas, por exemplo, da trajetória ficam
guardados, pois, se apresentados, podem causar constrangimento. Diz o autor que a vida
passada e o curso habitual de determinado ator contêm fatos que “se fossem introduzidos
durante a representação “desacreditariam ou, no mínimo, enfraqueceriam as pretensões
relativas à sua personalidade, que o ator estava tentando projetar, como parte da definição
da situação”
40
. Esta é uma observação que podemos considerar adequada para Amoroso
38
LIMA, 1973
39
Id.
40
GOFFMAN, 1975
26
Lima no que diz respeito à sua postura diante dos questionamentos sobre essa mudança. Ao
falar dela, Alceu dizia que foi já a partir de 1940 que iniciou o processo de revisão de seu
comportamento e de suas idéias “em face dos problemas sociais e do destino da criatura
humana em sua passagem pela Terra”.
41
Essa transformação, na verdade, essa constatação
de não coerência do indivíduo foi sempre tema para questões dirigidas a Alceu Amoroso
Lima. São diversos os exemplos, mas fiquemos em dois deles, os livros de entrevistas
Memórias Improvisadas, de Cláudio Medeiros Lima, e Memorando dos 90, uma coletânea
de matérias publicadas. No primeiro, ao ser perguntado sobre a sua anterior postura política
e religiosa, o intelectual responde:
Eu creio que a evolução que se processou em meu pensamento foi uma espécie de
volta a mim mesmo. Após a minha oscilação à direita, quando ingressei no
catolicismo, era natural que viesse mais tarde a corrigi-la. Considero direita e
esquerda posições unilaterais e temporárias, posições insuficientes, não ilegítimas,
mas insuficientes.
Estou convencido de que tanto o liberalismo econômico como o socialismo
econômico contêm verdades intrínsecas, que são ignoradas pela posição antagônica
em que se situam. O liberalismo econômico trouxe consigo a liberdade política
como o socialismo fez emergir o sentimento da justiça social.
Julgava, há vinte anos passados, que o liberalismo levava fatalmente ao socialismo e
o socialismo ao comunismo. Era insensivelmente uma posição marxista de um
antimarxista. Como considerava o comunismo contrário à liberdade humana, estava
certo de que era preciso reagir ao liberalismo para que não se transformasse em
socialismo e o socialismo em comunismo. Hoje em dia, revendo minhas posições,
inclusive as posições sociais, considero que o socialismo se desenvolveu em virtude
dos erros do liberalismo.
No segundo livro, Alceu elabora a resposta a partir da influência de Jackson de
Figueiredo em sua trajetória. Segundo ele, o que o norteava então era a necessidade de
41
BARBOSA, 1984
27
seguir o pensamento de Jackson de Figueiredo
42
, um catolicismo mais conservador. Após a
morte de Jackson e a partir dos contatos com dom Sebastião Leme, cardeal do Rio de
Janeiro, de linha mais liberal, Amoroso Lima parece ampliar suas convicções em direção a
uma atuação mais democrática. Isso se intensifica nos anos 1940. Nesta época, o cardeal do
Rio de Janeiro passa a ser dom Jaime Câmara, em 1943, um ferrenho conservador que
exerce muita pressão e até mesmo censura sobre Alceu, a ponto de este deixar a direção da
Ação Católica, importante instrumento de mobilização dos leigos que chegou ao Brasil
seguindo o modelo proposto pelo papa Pio XII, como uma tentativa de arregimentar os
católicos diante da ameaça do fascismo. A visão de dom Jaime é voltada para as questões
internas da Igreja, sem se preocupar com a abertura da instituição à sociedade civil e
política
43
.
Dom Helder Câmara torna-se assistente nacional da Ação Católica em 1947 e fica
para a história da entidade como sua principal figura nos anos seguintes. Dom Helder logo
depois, em 1952, foi nomeado bispo-auxiliar de dom Jaime Câmara e funda a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual torna-se secretário-geral. O trabalho de
dom Helder também serve para dar liga à Ação Católica e CNBB, fazendo com que a
segunda tenha tido sua base fundamentada na prática de movimentos leigos. De acordo com
Luiz Alberto Gómez de Souza, a CNBB reforça o trabalho da Ação Católica, possibilitando
sua sobrevivência material e defendendo-a de pressões de outras estruturas de poder. Em
troca, segundo o autor, os movimentos especializados (“movimentos de base”) traziam à
CNBB os dados da realidade brasileira e das Igrejas locais, dos quais tomavam
conhecimento através das viagens dos membros de sua direção nacional, os chamados
“permanentes”. Com a ida de dom Helder para Recife em 1964 e a reorganização da
estrutura da CNBB quando dom Helder vai para Pernambuco, quem assume a secretaria-
geral da instituição é dom José Gonçalves, bispo conservador mais preocupado com
problemas administrativo-financeiros para algo mais burocratizado a partir desse mesmo
ano que Ação Católica e CNBB passam a se separar
44
.
42
Jackson de Figueiredo é considerado o organizador do movimento católico leigo. Combateu o comunismo.
Para saber mais: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_jacksondefigueiredo.htm.
Acesso em: 30/6/2006
43
SOUZA, 1984
44
Id.
28
Amoroso Lima sai da Ação Católica em 1945. Volta a dirigir uma fábrica de tecidos
de propriedade de sua família. De 1949 a 1953, vive na Europa e nos Estados Unidos. Nos
Estados Unidos fica de 1951 a 1953, assume um cargo na Organização dos Estados
Americanos (OEA), o de diretor do Departamento Cultural da União Pan-Americana, e
volta “reconciliado” com a América, uma vez que imaginava encontrar um país
desumanizado e o que viu foi um cenário de diversidade - da paisagem à convivência
democrática das opiniões políticas com valores religiosos arraigados, onde a mão do
homem se faz onipresente, com a economia passível de humanização, com cultura e
educação saudáveis”
45
. A viagem causou-lhe tamanha surpresa que valeu um livro, “A
Realidade Americana”, no qual relata a sua experiência por lá.
Aqui, já não há mais sinais do Alceu influenciado por Jackson de Figueiredo. Ele
está liberto do que simbolizava o compromisso com o passado. O homem que aparece aqui
segue a linha das novas idéias presentes entre as correntes mais liberais do catolicismo, no
sentido de conciliar a doutrina e a realidade política e social do mundo moderno. “A partir
daí percebe que a liberdade e a luta pelo aperfeiçoamento das instituições através da
implantação da justiça social não são abstrações nem idéias que se choquem com os
preceitos cristãos.”
46
Após uma longa entrevista com Amoroso Lima, que rende o livro
Memórias Improvisadas, Cláudio Medeiros Lima conclui para esta fase que o rompimento
de Alceu com o passado aqui está feito e que nada mais o liga ao pensamento
tradicionalista. “Eis um ponto capital de diferença entre o Alceu convertido de 1928, que
julgava infalíveis os católicos, e o Alceu de hoje, que só julga infalível a Igreja, em matéria
de Fé e de costumes.” A linha de pensamento de Alceu vai evoluindo no sentido de criticar
uma Igreja que se pretende tornar um império e se distancia das bases. “Confesso que me
sinto muito mais longe de muitos católicos que defendem e mesmo pregam a violência, o
chicote, a guilhotina, do que de muitos não-católicos ou mesmo anticatólicos que defendem
a liberdade, e que sejam contra a imoralidade de invocar a liberdade de Deus quando lhes
convém e a autoridade do Estado quando lhes convém.”
47
45
MATOS, Maria Lucia Gomes de. O inesquecível Alceu Amoroso Lima Entrevista com Marcelo
Timotheo da Costa. Amai-vos. Disponível em
http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=4694&cod_canal=4
1. Acesso em 28 de maio de 2007
46
LIMA, 1973
47
Id.
29
Em 1958, Alceu passa a escrever semanalmente para o Jornal do Brasil e a Folha
de S. Paulo, ao mesmo tempo em que a Igreja também é marcada pelo Concílio Vaticano,
que começa em 1962 e termina em 1965, e é um dos mais representativos acontecimentos
católicos do século XX, já que, a partir dele, a instituição começa a se democratizar,
adquire uma estrutura menos centralizada, mostrando-se mais comprometida com setores
marginalizados da sociedade. A partir desse quadro inicia-se o que será a terceira fase de
Alceu. E é nela que focaremos esta pesquisa, buscando analisar as circunstâncias históricas
e a influência do intelectual, conforme Bobbio nos mostra ao falar do poder de escritores na
Itália e na União Soviética.
Enquanto na Itália, em um período de política não só sem ideais mas também sem
projetos, do qual talvez estejamos saindo, os intelectuais contavam cada vez menos
e suas polêmicas apareciam e desapareciam sem deixar marcas e sem que os
homens do poder sequer se preocupassem minimamente com elas, em um grande
país como a União Soviética, dominado por uma impiedosa e obtusa ditadura,
alguns poucos escritores, poetas e cientistas, com seus textos de protesto, obtiveram
vasta ressonância em todo o mundo e tiveram enorme importância na dissolução de
um poder que parecia destinado a durar uma eternidade.
48
Terceira fase
Ao iniciar sua atividade jornalística no final dos anos 50, Alceu vive um novo
momento, uma época de liberdade, sem posto oficial na Igreja, portanto, livre das amarras
da hierarquia da Igreja. É a fase em que joga todo o peso do líder católico que é em sua
tribuna e dá um testemunho de liberdade e ousadia, tornando-se uma das primeiras vozes a
se ouvir contra os desmandos dos militares, grito este que vai se intensificando até o final
de sua vida. Mas, como nos faz pensar Antônio Houaiss, chamar Alceu de pensador
católico pode restringir o alcance de sua obra, uma vez que essa classificação pode
condicionar o pensador ao âmbito religioso. Para Houaiss, Alceu é homem sem
48
BOBBIO, 1996
30
especialidade, especialista de idéias gerais, definição que, segundo o autor, o próprio
escritor propôs para si mesmo, ainda que com uma ponta de ironia e autocrítica.
49
E Tristão
vai exercer sua atividade jornalística de forma que transforma esse espaço semanal em sua
tribuna. É através de seus textos, analisa Marcelo Timotheo da Costa, que constrói a
imagem de “católico inserido nos tempos modernos”. Nos artigos, Tristão comporta-se
como um observador atento a acontecimentos diversos. Suas abordagens oscilam entre o
universal e o local, passando por temas políticos, econômicos, culturais e de
comportamento.
50
O início da década de 1960 é marcado por uma Igreja muito mais ligada ao Estado
do que ao povo. O leigo e sua participação não eram valorizados. Marcos de Castro, em seu
livro “A Igreja e o autoritarismo”, diz mais. Para ele, por quatro séculos, sendo esse período
vigente até o século XIX, “o leigo não valeu rigorosamente nada na Igreja em nosso país,
nele não tinha qualquer peso específico”
51
. Com o Concílio Vaticano II isso sofre uma
mudança. João XXIII convocou o Concílio e, na primeira sessão, certo de que seus projetos
seriam bem recebidos, o papa apresentou cerca de 70 documentos aos bispos e cardeais que
ali estavam, mas estes não foram aceitos pelos conciliares, sendo considerados
conservadores a liturgia permanecia em latim, sem que muitas pessoas entendessem o que
diziam, os padres continuariam recebendo rigorosa formação e seria mantido o
distanciamento entre o clero e o povo, além da estrutura piramidal da Igreja - e causando
grande tumulto no Vaticano e em todo o mundo, já que a imprensa nacional e internacional
acompanhava a reunião. O Concílio tornou-se um acontecimento turbulento e demorado:
durou três anos. O Vaticano II, então, voltou à estaca zero e, só em 1965, terminou, com 16
resoluções que tornavam a Igreja mais democrática
52
.
As mudanças políticas no Brasil nesses primeiros meses de 1964 acontecem
enquanto também ocorrem mudanças na Igreja e favorecem o elo entre autoridades
eclesiásticas e o poder estabelecido. A Igreja, como dito acima, estava ligada ao Estado.
Como argumenta Luiz Alberto Goméz de Souza, o novo secretário-geral da CNBB, dom
49
LIMA, 1973
50
COSTA, 2006
51
CASTRO, 1985
52
SYDOW; FERRI, 1999
31
José Gonçalves, não desempenha um papel político como dom Helder o fazia e a Igreja se
isola. No entanto, alguns integrantes dos sub-secretariados da CNBB fazem uma
reorganização interna que vai ter como resultado o Plano de Pastoral de Conjunto, aprovado
pelos bispos de Roma. Isso faz com que ela passe a ter uma estrutura de acordo com
método de planejamento experimentado em países da América Latina e organismos
internacionais. “Essa organização mais articulada, em torno de seis ‘linhas de pastoral’, vai
dar à CNBB uma consistência que, com riscos a longo prazo de burocratização, nos anos
difíceis da década seguinte, e já com outra direção mais ousada e aberta, poderá enfrentar
os embates de um aparelho de Estado autoritário e repressivo.”
53
A política é pano de fundo para os artigos de Tristão de Athayde no Jornal do
Brasil. Já no início de 1963, Alceu falava das novas esperanças que chegavam junto com a
posse de Miguel Arrais. Para o jornalista, Arrais significava um novo valor na política
nacional brasileira era um nordestino que falava a linguagem social, condenava os
sectarismos e havia ganho as eleições sem compromissos políticos ou econômicos. Alceu
recebe críticas por ter aplaudido o discurso de posse de Arrais, dizendo que ele estaria
“fazendo o jogo dos comunistas”. Em artigo intitulado “Seráficos”, o escritor discorre sobre
os que, em sua opinião, estão realmente “fazendo o jogo dos comunistas”. Segundo ele,
estes são os que estavam favoráveis a situações que davam condições para a conquista do
poder através de um golpe queriam pior situação política do Brasil, menos entendimento
entre as classes e sofrimento das massas espoliadas.
Em janeiro de 1964, Tristão dedicou alguns artigos para tratar (e criticar) os boatos
sobre a chegada de um golpe.
Esses cupins de nossa vida cívica murmuram baixinho, em nossos ouvidos, cada
amanhã, que é para já o golpe. Que o presidente esgotou a paciência. Que desta vez
vem mesmo. Que não haverá eleições para 1965. Que o contragolpe também está
preparado. Que a demissão de um grande ministro foi a gota de água. E com ela se
rejubilaram as forças da Oposição, pois assim mais facilmente vai acabar a
indecisão.
53
SOUZA, 1984
32
No mesmo artigo, Amoroso Lima diz que, venha de onde vier, o golpe deveria ser
repelido e que era importante o povo brasileiro ter consciência de que a continuidade da
política oposicionista do ‘quanto pior melhor’ levaria à vitória dos boatos. Finaliza,
lamentando que “a leucemia social fará do Brasil, ao menos por certo tempo, qualquer coisa
de irreconhecível”.
Tristão também faz do comunismo um tema freqüente em sua coluna. Sob o título
“Convivência ou morte”, também em janeiro de 1964, ele critica a opinião de grande parte
dos católicos que prega que a Igreja deve declarar guerra contra o comunismo. Alceu
admite que há uma incompatibilidade radical entre a doutrina marxista-leninista e o
Cristianismo. Mas que concorda com a postura de João XXIII e Paulo VI, de promover a
convivência “de todos os homens e de todos os regimes em vez de incentivar a guerra, o
isolamento ou a divisão do mundo em áreas incomunicáveis”.
Nada do que lembrava o Alceu dos anos 40 se vê por aqui, o homem que dizia ser o
ceticismo democrático algo perigosíssimo que preparava o terreno para a campanha
totalitária do Partido Comunista, disposto a todas as dissimulações para alcançar o poder.
54
Na década de 1960, Amoroso Lima criticava a maneira como o comunismo estava sendo
combatido pelos direitistas. “Julgar todo o mundo ‘comunista’, simplesmente porque não é
conservador ou liberal é não julgar ninguém comunista.” E também era contrário ao modo
como a Igreja lidava com a questão, dizendo que torcia para que o que chamou de
mobilização apostólica realmente levasse a uma cristianização da sociedade, à luta contra
as injustiças sociais, contra a miséria e contra o “mundanismo ateu”. Poucos dias depois,
Alceu vai confessar à filha, em carta, não temer o comunismo, mas sim o militarismo e o
golpismo.
Ao mesmo tempo em que acompanha toda a movimentação político-social dos dias
anteriores ao 31 de março, ele ressalta com sua pena que considerava importante distinguir
ação religiosa da ação política. Foi assim que fez em “O indiferentismo”, ao comentar um
comício político em Belo Horizonte.
A situação política do Brasil no início de 1964 era crítica. O clima no país era tenso
antes da deposição de João Goulart. Em discurso preocupado, o presidente falara da
aproximação do golpe. Um cheiro de pólvora no ar denunciava a tomada militar de 31 de
54
BARBOSA, 1984
33
março. Exército, Marinha e Aeronáutica declararam guerra contra Jango. Com a subida dos
militares ao poder, o país se abre ao capital estrangeiro, há compressão salarial,
concentração de renda nas mãos de pouc os e os sindicatos são silenciados.
A mão forte do regime militar, imposto ao país no dia 31 de março daquele ano,
mexeu de forma entranhada com as idéias de Amoroso Lima, a ponto de ele acusar o golpe
de ser um retrocesso, “um novo Estado Novo de tipo getulista e paratotalitário, direitista e
neofascista”
55
. No próprio dia 31 de março de 1964 e nos dias seguintes ao golpe, Alceu se
mostrava descontente com Jango e temia que o golpe viesse do próprio Governo com
propósitos “continuístas”. Já no dia 1º de abril, porém, em carta enviada à filha, Alceu
lamentava o rompimento da continuidade civil do governo e a transferência para a área
militar. “E por quem? Pelo nosso amigo Magalhães Pinto, que inicia assim a nova era dos
golpes e contragolpes”
56
. No mesmo dia, críticas ao cardeal do Rio de Janeiro, dom Jaime
Câmara, não faltaram. “E a esta hora o inefável cardeal do Rio estará aplaudindo o golpe,
como acaba de justificar o uso do ‘rosário em cerimônias cívicas’... O cúmulo. Entendam-
se cerimônias cívicas que estejam de acordo com suas próprias preferências políticas. No
caso: o mais obscurantista reacionarismo.”
57
Alceu opina, em sua coluna, sobre os motivos que resultaram no movimento que ele
definiu “ao mesmo tempo militar e civil de 30 de março”. Daí ter intitulado o artigo de
“Polarizações”. Segundo Tristão, o golpe se deu por uma gangorra política, dividida pela
polarização esquerdista por parte do governo e direitista por parte da oposição.
Assim como o regime de JG caiu por ter inclinado perigosamente para a esquerda,
estamos agora ameaçados de pender para o pólo oposto, na base das tendências
extremistas dominantes. Ora, a ação reacionária é tão perigosa e unilateral como a
ação revolucionária. O direitismo é tão antidemocrático como o esquerdismo,
embora a Esquerda e a Direita devam conviver pacificamente e estimular-se
reciprocamente numa democracia autêntica.
55
Id.
56
Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 1 de abril de 1964
57
BARBOSA, 1984
34
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um grande movimento de
oposição ao governo de João Goulart, organizado por setores da Igreja Católica e
defensores da direita. Reunindo milhares de pessoas, foi um dos estopins da derrubada do
presidente. Quando aconteceu a Marcha no Rio de Janeiro, em 2 de abril de 1964, Alceu já
reconhecia ser o militarismo o maior problema a ser enfrentado e não o comunismo.
Até abril de 1964, o pensador tinha uma posição política fervorosamente anti-
comunista, demonstrada em entrevistas, artigos e livros. A sua coluna no Jornal Brasil a
partir de 7 de maio daquele ano representou um marco na vida do militante católico, mas
não só para ele. Alceu tornou-se ali, quando publicou o texto “Terrorismo cultural”, uma
das primeiras vozes a se ouvir publicamente contra o golpe militar.
Com o artigo “Terrorismo cultural”, Tristão denuncia a existência de uma política
cultural caracterizada por atos violentos, a repressão sobre a liberdade de pensamento
58
. E
inaugura em sua vida intelectual uma nova fase, como paladino a favor da liberdade e
contra o autoritarismo. No próprio dia em que foi publicado, Alceu previa que o texto ainda
o traria muitas amarguras, já que a repercussão foi grande, inclusive com um telefonema do
então presidente Castelo Branco, que ligou pessoalmente para o escritor no dia 7 de maio
para dizer que este não estava bem informado sobre a infiltração comunista.
O golpe militar de 1964 não encontrou má vontade por parte da Igreja. As Marchas
da Família com Deus pela Liberdade foram motivadas pela hierarquia católica, que estava
engajada na campanha anticomunista junto com as elites conservadoras. A Comissão
Central da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou um documento no
dia 2 de junho que endossava o que estava acontecendo. Era assinado por dom Jaime
Câmara, cardeal do Rio de Janeiro, dom Augusto Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia, dom
Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota,
arcebispo de São Paulo, dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de São Luís do
Maranhão, e dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia. Entre outras coisas,
dizia: “Ao rendermos graças a Deus, que atendeu as orações de milhões de brasileiros e nos
livrou do perigo comunista, agradecemos aos militares que, com grave risco de suas vidas,
se levantaram em nome dos supremos interesses da nação, e gratos somos a quantos
concorreram para libertarem-na do abismo iminente.”
58
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Alceu Amoroso Lima.
35
Mas, se por um lado a Igreja era, em grande parte, conservadora, alguns nomes já
apareciam como contraponto a essa situação. Como mostrado, Dom Helder Câmara e
Alceu Amoroso Lima, este no papel de leigo, eram exemplos disso. São homens que podem
ser chamados renovadores da Igreja, que defenderam o primado do bem comum, em que o
indivíduo se subordina à coletividade e a coletividade se subordina à pessoa, à liberdade e à
justiça, usando palavras do próprio Alceu. Nesse sentido, Amoroso Lima considerava a
dissidência entre o catolicismo tradicional e o catolicismo renovado um bem que ele
próprio ajudou a estabelecer
59
.
As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) surgem nessa época e são tema para
vários artigos de Amoroso Lima. As CEBs foram um caminho para que a Igreja chegasse
ao povo. “Disto resultou uma intensa meditação dentro da Igreja sobre a religiosidade
popular (até então tratada com desprezo e como sinal de ignorância religiosa) e um
compromisso crescente com as lutas populares.”
60
As comunidades eclesiais de base foram
nascendo em igrejas locais de várias partes do Brasil e se constituíam em grupos de
discussão, com a participação de representantes de setores diferentes da comunidade, sobre
os problemas do dia-a-dia em relação a saúde, educação, trabalho, entre outros, além de
serem um espaço para celebração da fé. Foram um braço muito importante para que a Igreja
chegasse ao povo.
Todo esse quadro passa a ser matéria-prima para o que Tristão passa a dizer em sua
coluna. Os efeitos de Terrorismo Cultural e o peso de Alceu como pensador de uma época é
o que estudaremos na parte seguinte desta pesquisa.
59
LIMA, 1973
60
ARNS, 1985
36
Capítulo II
O livre atirador
“Agora, quando pretendemos ter feito uma ‘revolução democrática’ começam logo
utilizando os processos mais antidemocráticos de cassar mandatos, suprimir direitos
políticos, demitir juízes e professores, prender estudantes, jornalistas e intelectuais
em geral, segundo a tática primária de todas as revoluções que julgam domar pela
força o poder das convicções e deter a marcha das idéias.”
A impressão que se tem ao ler Terrorismo Cultural o artigo que vai inaugurar uma
faceta mais intransigente do líder católico, do ponto de vista da crítica social é que ele
esmurrava a mesa enquanto escrevia sua coluna naquele 7 de maio de 1964. Alceu chamou
de terrorismo cultural as demissões de Anísio Teixeira homem considerado por ele de
reputação mundial no plano da educação, embora tenha sido também perseguido por Alceu
nos anos 30, uma vez que Anísio fazia parte do grupo de professores do movimento Escola
Nova, considerado de esquerda; Amoroso Lima estava à frente de uma campanha contra
Anísio Teixeira e que teve como resultado a demissão deste da Secretaria de Educação do
Distrito Federal em dezembro de 1935
61
, Josué de Castro no plano da sociologia -,
Celso Furtado no plano da economia -, “simplesmente por pensarem de modo diferente
da nova ideologia dominante”; as prisões do filósofo Ubaldo Puppi, do líder estudantil Luiz
Alberto Goméz de Sousa, “simplesmente porque se considera que seus métodos de
alfabetização são ‘subversivos’; as instruções da Polícia para o ‘saneamento’ do país, dando
como exemplo a advertência feita à Ação Católica para que seus membros se afastassem de
atividades políticas, nas palavras do Estado “atividades incompatíveis não somente com seu
programa, como e é o que interessa ao Governo com interesses permanentes da Nação e
gerais da população”; e o fato de a Igreja no Brasil estar sob a tutela de um Estado
autoritário.
Alceu cita o poeta Boris Pasternak, na Rússia Soviética, o deputado socialista
Giacomo Mateotti, na Itália fascista, o jurista e escritor Jesús de Galindez, na ditadura do
61
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Alceu Amoroso Lima
37
dominicano Trujillo, a religiosa Edith Stein, na Alemanha nazista, e o poeta Federico
García Lorca, na Espanha de Franco, como exemplos de vítimas do terrorismo cultural em
outros países. No Brasil, ele finaliza, são os estudantes, jornalistas, professores, sacerdotes,
intelectuais e filósofos o alvo. “O direitismo autoritário é tão implacável como o
esquerdismo revolucionário”, diz Tristão, emendando com a idéia de que ambos tentam
dobrar as consciências e destruir as idéias.
Terrorismo Cultural foi um belo chute a gol, cuja publicação pelo JB deixou Tristão
surpreso, dado, de acordo com suas próprias palavras, o reacionarismo do jornal
62
-
desenvolveremos mais adiante essa posição de Alceu em relação ao jornal e o poder. Se a
idéia de Alceu era incomodar o Estado e, ao contrário do que disse em carta dias antes,
mostrar a força de sua pena, ele acertou em cheio. Atingiu o presidente Humberto de
Alencar Castello Branco, por exemplo, que, apesar de considerar Tristão um panteão ou
aquilo que representava a voz do Brasil
63
, telefonou para o escritor para reclamar. Logo no
dia seguinte à sua publicação. Alceu vai contando que quase caiu para trás ao ouvir a voz
do presidente. Ficou mudo, achando se tratar de uma brincadeira. Mas era o próprio,
dizendo mais ou menos o seguinte, segundo o próprio Alceu:
Há muito tempo que acompanho o que o senhor escreve e tenho aprendido muito
com o senhor. É a propósito do seu artigo de ontem ‘Terrorismo cultural’. O senhor
talvez não esteja bem informado da profundidade da infiltração comunista... Quanto
ao professor Anísio Teixeira, foi exonerado do cargo do Inep, porque está
comprometido com um inquérito administrativo e só patrocinava os que pensavam
como ele... O diálogo, que o senhor tanto preconiza, e que eu quero manter, não era
permitido a essa gente. Eles só queriam era conversa e não diálogo. E conversa
entre si, em torno de uma mesa, e com um copo de uísque na mão. Só admitiam
subservientes ou???. Eu nunca fui disso
64
.
62
Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 8 de maio de 1964
63
Entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns à autora
64
Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 8 de maio de 1964
38
Amoroso Lima respondeu dizendo que temia que, se perdessem a linha de
temperamento e de espírito de justiça, o comunismo poderia se tornar realmente uma
conspiração perigosa.
Mas eu me congratulo por este seu telefonema. É a primeira vez, creio eu, que um
presidente da República desce de seus cuidados para falar com um simples
jornalista. Eu escrevi isso e outras coisas para me queixar do clima de perseguição e
de abusos. Ainda há dias escrevi ao ministro Milton Campos, nesse sentido. Ainda
hoje leio que um coronel prendeu um padre na Cúria episcopal de Ribeirão Preto
por organizar sindicatos cristãos, quando suas organizações se fazem certamente
para impedir que os lavradores entrem para os sindicatos comunistas. Aquele aviso
a que me refiro no meu artigo é da Guanabara e representa uma intromissão indébita
do estado nos domínios da Igreja. Mas, marechal, o senhor me dá, com este
telefonema, uma grande honra e uma grande alegria e um grande conforto.
Alceu estava se referindo ao aviso dado aos membros da Ação Católica sobre não se
envolverem em atividades políticas. Castello Branco mostrou, em seguida, que conhecia a
trajetória de Alceu. Chamou-o de livre-atirador, sem compromisso e elogiou sua obra.
Há muito que o admiro e leio tudo o que senhor escreve. O seu livro Idade, sexo e
tempo
65
tem sido um breviário de toda a minha família. Li todos os seus ensaios,
especialmente o ensaio sobre o Nordeste
66
, que recomendei aos meus colegas, e o
ensaio sobre o dever da riqueza paulista em relação ao Brasil
67
. Aprecio os homens
livres e não gosto de me cercar de aduladores. O senhor é um livre-atirador, sem
compromisso. Desejo ter a oportunidade de conversar pessoalmente com o senhor.
Na primeira oportunidade, pedirei que venha conversar comigo. Muito obrigado.
Até breve.
65
Idade, sexo e tempo: três aspectos da psicologia humana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938
66
Segundo o livro Cartas do Pai, trata-se, provavelmente, de Visão do nordeste (Rio de Janeiro: Agir, 1960)
67
Segundo o livro Cartas do Pai, trata-se, provavelmente, de A segunda revolução industrial (São Paulo:
Fórum Roberto Simonsen em 1958)
39
Aquela vontade de que o que dizia no Jornal do Brasil reverberasse de modo a
modificar, de alguma forma, o cenário político e social, de repente, parecia não estar mais
presente em Alceu nesse dia. Na mesma carta à filha, ele dizia querer continuar sendo
apenas um livre atirador, quieto em seu canto. O escritor pedia, numa falsa modéstia quem
sabe, o desejo pelo anonimato: “Como preferia que o presidente da República ignorasse
minha existência e nunca tivesse lido nenhum dos meus livros, ensaios, ou artigos!! Em
suma, uma chateação muito honrosa, se quiserem, mas... uma bela chateação!” Mas o
telefonema parece ter atingido, pelo menos naquele momento, o objetivo do presidente.
Alceu disse à madre Maria Teresa que quis lhe contar o diálogo para mostrar a ela que o
presidente era um homem de bem. E também ressaltou que, a partir daquela conversa, ele
via que existiam duas correntes no regime. Uma que chamou de aquela dos duros
(integralistas, reacionários, direitistas, sargentões, milionários, politicões, udenistas ou
não). Outra, a dos justos, na qual ele incluiu Castello Branco aqueles que querem as
coisas feitas com justiça e eqüidade e que estarão prontos a tentar corrigir os abusos.
Interessante também observar que Alceu, ao receber esse chamado do presidente, reclama
preferir continuar sendo um mero livre atirador a ter que vir a colaborar com um regime ao
qual não era simpático. “Só peço a Deus é que não peçam minha colaboração para nada.”
Muito antes de 1964 Alceu já conhecia Castello Branco. Certa vez, encontrou-o no
aeroporto, no Rio de Janeiro, quando Castello ocupava um alto posto militar. Travaram um
breve diálogo, que Amoroso Lima conta no livro Memórias Improvisadas:
- Estive recentemente em Natal, onde Dom Eugênio Sales vem realizando um
grande trabalho de ação social. Mas creio que está errado. Esta não é a função da Igreja. A
Igreja deve-se dedicar à sua missão específica, que é cuidar dos problemas espirituais. Tudo
o mais compete ao Estado.
Alceu não concordava. “A Igreja deve ir ao Estado através da Nação e não à Nação
através do Estado.”
68
Apesar de seu desinteresse pela política, dizia, durante muitos anos, a
conversão religiosa o fez se aproximar do assunto.
Não me interessei pela política como indivíduo, como pessoa humana, no
desenvolvimento natural de um temperamento, mas, ao contrário, contra o meu
68
LIMA, 1973
40
temperamento, voltado unicamente para os problemas de natureza cultural e
literária. Foi precisamente depois de meu encontro com a Igreja, isto é, a partir da
convicção de haver encontrado uma filosofia da vida que me fazia crer que todos os
acontecimentos têm uma finalidade intermediária e uma finalidade última e,
portanto, tudo que é vida puramente desinteressada no sentido de uma finalidade
imediata está à margem de uma realização plena da personalidade, - é que passei a
me preocupar pelos problemas políticos. A minha participação nos acontecimentos,
meu juízo dos acontecimentos, está muito mais ligado à ação católica do que à ação
política ou à ação social. Tudo aquilo que interessava ao desenvolvimento da
cristianização da sociedade brasileira passou a figurar como centro de minhas
cogitações. Mas, pouco a pouco, a razão de ser do meu interesse pelo
desenvolvimento das instituições políticas foram assumindo uma importância
intrínseca. Comecei a compreender que não era apenas em virtude da necessidade,
digamos assim, de cristianizar o mundo que a política tinha sua vivência própria.
69
O respeito que o presidente Castello Branco parecia ter por Alceu, no entanto, não
impediu que o escritor fosse poupado de uma situação, no mínimo, constrangedora em São
Paulo. Antonio Fernando De Franceschi é quem relembra o momento no prefácio de Cartas
do Pai. Pouco depois de publicar Terrorismo cultural, Alceu sofreu aquilo que pode ser
considerada uma ameaça de prisão em uma de suas freqüentes visitas à madre Maria
Teresa, na Abadia de Santa Maria. Chamada por dois homens, a freira, antes de conversar
com os homens que identificou serem agentes do DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social) , voltou e pediu que o pai não saísse do local onde estava no convento.
Franceschi descreve assim o diálogo entre a religiosa e os militares
70
:
- A senhora é filha do Tristão de Athayde?
- Com muita honra.
- Ele se encontra aqui?
- Não.
69
Id.
70
Ibid.
41
- A senhora poderia dizer onde podemos encontrá-lo?
- Perfeitamente.
A freira entregou aos militares o endereço de Petrópolis e de uma de suas irmãs, Silvia,
onde Alceu costumava ficar. Ao final, ela disse:
- Antes de encontrar meu pai, melhor vocês se comunicarem com o presidente Castello.
É possível avaliar como Alceu sentia-se mal com o que estava vendo e vivendo.
Perplexo, ele dizia no dia 5 de maio de 1964: “Ainda não consegui realizar bem o golpe.
Estou ainda naquele estado de choque, que nos deixa inibidos de pensar. Apenas sentimos
uma espécie de paralisia geral, tanto física como psíquica, que nos deixa em estado de
imobilidade, pensando e agindo de certo modo por hábito, sem sentir na raiz o que estamos
fazendo ou pensando.”
71
Por outro lado, o presidente Castello Branco, ainda nessa época
já que nos anos seguintes ele também se torno alvo de ferrenhas críticas de Alceu estava
no gr upo dos justos, na opinião do jornalista. Era o homem, dizia Alceu, que o Brasil
deveria preservar a todo custo. “Insiste nas reformas e fala com raro bom-senso. É o
presidente da República eleito de que precisamos.”
72
Outro ponto que merece ser destacado neste período é a insistência de Alceu em
mostrar em sua correspondência o quão ligado ao regime autoritário estava o Jornal do
Brasil. Ele dizia que o veículo, “apesar de fazer certas restrições e exigências”
73
, assumia
como sua a revolução. Também citava como incerta a sua participação como colunista no
diário, um vez que atacava a política em voga. No entanto, devia imaginar que era um
intocável. Os militares tinham receio de atacar um líder católico com seu peso - “e ele era
realmente um homem de peso”, enfatiza dom Paulo Evaristo Arns; assim como para Carlos
Alberto Libânio Christo, o frei Betto, era uma figura monumental, uma espécie de guru
intelectual do catolicismo brasileiro -, que tinha o respeito do presidente da República. “Ele
tinha uma certa impunidade por isso. Dr. Alceu era intocável não porque Roma o
defendesse, mas porque ele, como personalidade, tinha uma representação forte, uma
grande respeitabilidade”, avalia Luiz Alberto Goméz de Sousa.
71
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 5 de maio de 1964
72
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 5 de julho de 1964
73
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 13 de maio de 1964
42
Alceu tinha consciência disso. Ao escrever à filha em 9 de junho, dois meses após o
golpe, ele dizia que nunca esteve em tão plena torrente e no meio dos acontecimentos como
naquele breve período de abril e maio. Tinha uma explicação: dizia ser esse respeito
advindo de sua experiência, ou de sua idade. “As coisas em épocas como esta envelhecem
tão depressa... E nós com elas. Um período como o que estamos vivendo desde 30 de março
amadurece os ‘verdes’ (os brotinhos...) e apodrece os ‘maduros’. (...) O Hélcio me
perguntou como se explica que o JB tenha recusado os artigos do Antônio Callado (que se
transferiu para o C. da M.
74
) e publicado os meus. Respondi-lhe: ‘Efeito dos meus 70 anos!
Já me consideram à margem’...”
75
Tristão de Athayde comentava com certa freqüência em sua correspondência com
madre Maria Teresa sobre a postura do Jornal do Brasil em relação ao governo militar. E
se surpreendia em continuar tendo seus artigos publicados pelo veículo. Isso já aparecia
antes do golpe de 31 de março. Alceu ficava profundamente irritado com a postura
governista do jornal, como mostra em comentário feito no dia 26 de março de 1964, quando
diz que, se para manter a sua posição tivesse que abandonar aquela tribuna, o faria:
Fiquei tão irritado com o tom irritante do JB que acho que vou sair dos meus
cuidados e desabafar de novo com o Celso Souza e Silva
76
em carta confidencial e
pessoal. Quero, ao menos, ressalvar a minha responsabilidade, mesmo à custa de ter
de abandonar uma tribuna. Não a deixarei espontaneamente, pois por 20 anos
colaborei no O Jornal com o Chateaubriand sem nunca participar das patifarias ou
maluquices dele. O mesmo posso fazer no JB. Mas que faz pena, faz. O mais bem
feito dos nossos jornais, a serviço do fanatismo e do clero-politicismo mais
repugnante.
77
Aqui ele aproveita para criticar o cardeal Jaime Câmara, dizendo que condenava a
mistura de política e religião que as Marchas com Deus pela Família e Liberdade estavam
provocando. No dia anterior, Tristão havia feito o rascunho da crônica “Deus ao alto”, que
74
Correio da Manhã
75
Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 9 de junho de 1964
76
Celso Souza e Silva era diretor do Jornal do Brasil
77
Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 26 de março de 1964
43
seria publicada em maio. Nela, ele dizia “Deus ao alto, não à Direita ou à Esquerda”,
criticando aqueles que estavam maldizendo figuras como dom Helder. Também faz duros
comentários sobre a perseguição ideológica, os Atos Institucionais, o restabelecimento
disfarçado da censura e o fanatismo religioso. Então diz à filha que o artigo poderia lhe
render um cala-boca, inclusive de dom Jaime, “pois nas entrelinhas verão carapuças ao
próprio cardeal”. No dia seguinte, 27 de março, Sexta-feira Santa, Alceu volta com peso em
sua confissão à filha. Dizia que dom Jaime nem mesmo na Sexta-feira Santa deixava
descansar seu ódio anticomunista, referindo-se à bênção que o religioso dava naquele dia
aos cristãos via artigo publicado no JB e no qual “acha jeito de juntar a Paixão de Cristo ao
ódio antic omunista”, reclamava Alceu. “Que doença! Que obsessão!”
78
Tristão dizia ter
passado a ler o Correio da Manhã, para compensar a irritação que o JB lhe causava, este
último “incomparavelmente mais sectário e fanático” que o primeiro. As Marchas da
Família, que ele tanto repugnava, estavam sendo apoiadas pelo cardeal, “o maior culpado”,
e pela grande imprensa, incluindo aí Estadão, Jornal do Brasil, Diários Associados, Diário
de Notícias e O Globo, “todos os jornais capitalistas à testa”. Logo após a deflagração do
golpe, no 1 de abril, ele considerava terem sido, entre outras vozes, incluindo a sua, os
grandes jornais, “a começar pelo Jornal do Brasil”
79
, os principais culpados por aquele
“desastre”
80
do dia 31 de março. No que dizia respeito a ele, dizia que a culpa era por não
ter sua voz o mínimo de ressonância, pois, se tivesse, “nem a oposição nem o governo
teriam chegado ao ponto a que chegaram”
81
. Poucos dias depois, Alceu dizia estar tanto o
JB quanto o Correio da Manhã entusiasmados com a revolução, “pois a palavra ‘golpe’
ficou mal vista”
82
.
Apesar de contar com o apoio da condessa Pereira Carneiro, percebe-se, pelo que
Tristão declarava à filha, que em algum momento logo após o golpe militar as relações
entre ele e o JB se estremeceram por conta da posição do jornal favorável ao governo. À
época, Tristão publicava artigos também no Suplemento Literário do Diário de Notícias e
estava vendo seu espaço minguar naquele veículo, com a diminuição ou mesmo o
desaparecimento do Suplemento. Foi então que comentou não conseguir ver outro jornal
78
Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 27 de março de 1964
79
Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 1 de abril de 1964
80
Id.
81
Ibid.
82
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 4 de abril de 1964
44
carioca onde pudesse publicar seus ‘dominicais’. “O JB certamente não, inclusive porque
minhas relações com eles também não andam tão francas e concordes, como andavam,
depois de minha última carta, que aliás o Celso não respondeu”
83
. O golpe havia mudado
muita coisa. “Só não me mudou em nada. Talvez mudem algumas fontes de renda... Mas
são os anéis, não os dedos.”
84
Claramente, Amoroso Lima dizia que preferia o Correio da
Manhã, uma vez que o Jornal do Brasil estava com “medo de perder a clientela do big
business, os anunciantes endinheirados”. A decisão de não mudar para o Correio era pelo
risco de o jornal, num futuro próximo, mudar de rumo. “Sei lá. Sempre me habituei, no O
Jornal, do Chatô, a ter minha seção independente da opinião do jornal, de modo que
preferia continuar assim, tanto no JB, como no Diário de Notícias, enquanto mantiver
minha atividade jornalística.”
85
Terrorismo cultural também atingiu o eterno desafeto de Alceu, Gustavo Corção
ou, como ele mesmo o chamava, a “jaguatirica das Laranjeiras”. Corção não se conteve e
escreveu “Terrorismo cultural?” para o Diário de Notícias, sendo o artigo transcrito em O
Globo dois dias depois. Alceu não lia O Globo pelo menos, dizia não ler, assim como
também afirmou não ter colocado os olhos na crítica de Corção à sua coluna de 7 de maio.
Tristão diz que Gustavo Corção tinha alma de inquisidor, como todo moralista e justiceiro,
assinala.
Homens como ele não são fariseus, não são hipócritas, são realmente algozes natos,
como todo executor cheio de uma convicção fanática. Os comunistas e os nazistas
autênticos são feitos desse estofo. Para eles, mesmo quando católicos, como eram os
inquisidores, os fins justificam os meios, embora não sujem de sangue suas próprias
mãos. Entregam aos carrascos a suja tarefa do enforcamento, do fuzilamento ou do
fogo e se colocam na atitude apenas de justiceiros, alegando que Deus também
manda os homens para o fogo eterno...
83
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 6 de abril de 1964. A carta à qual Alceu se refere é a citada
em correspondência do dia 26 de março
84
Id.
85
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 16 de abril de 1964
45
O cenário que mostrava o vínculo da Igreja com o Estado autoritário parecia
incomodar muito Alceu. Na ocasião da publicação de Terrorismo Cultural ele se mostrava
profundamente decepcionado com essa situação. Dizia o escritor estarem certos os não-
católicos e comunistas por chamar a Igreja de aliada do capitalismo. A Igreja estava aliada
aos ricos e aos poderosos, e cada vez mais distanciada do povo, fazendo com que o
comunismo se espalhasse pelo mundo e fizesse da Igreja uma instituição do passado, “ou
apenas ligada aos de cima, contra tudo que é a essência da mensagem de Cristo e do que
dizem os documentos sociais mais atuais da própria Igreja, utilizados apenas para efeitos
retóricos e oratóricos”
86
. Em suas palavras, a Igreja na América nunca teria coragem de
empreender nada e estaria sempre subserviente ao interesse dos ricos e ao poder dos
governos fortes.
Não espero mais nada nem de bispos, nem da Ação Católica. Se com o núncio que
tínhamos (dom Armando Lombardi), os papas que tínhamos, os documentos oficiais
que temos, nada foi possível, que dirá se amanhã vier um núncio da “Junta do
Coice”, como tantos da América Latina, e o papa, mesmo que queira, fique
amarrado pela Cúria, pela prudência, ou sei lá por que forças do mundo ou do outro
mundo...
87
Alceu abre um parêntese para falar da Ação Católica e faz uma análise sobre o
direcionamento conservador da instituição após a morte de dom Sebastião Leme. Com o
tempo, para ele, a AC estava se reintegrando ao sistema da Igreja clerical, devocional e de
classe rica,
combatendo todo o processo social e firme em aliança com os proprietários, com os
ricos, com os militares, com os donos da vida, e combatendo ferozmente tudo que
cheira a reforma social, mudança de instituições, ação com o povo, o povo humilde
e pobre, que será tratado de novo paternalisticamente, com uma caridade de esmola,
86
Carta de Alceu para a filha madre Maria Teresa, em 8 de maio de 1964
87
Id.
46
com creches e procissões, com histórias e bom conselhos, contanto que seja bem-
comportadozinho e obedeça de olhos baixos ao senhor vigário e ao patrão. Tudo o
mais é comunismo...
88
A opinião do escritor, embora não tenha citado o caminho percorrido por dom
Helder na colocação da AC ligada aos movimentos de base, vem ao encontro ao que Luiz
Alberto Goméz de Sousa defende em seu livro A JUC Os estudantes católicos e a
política, quando diz que Ação Católica e CNBB passam a se separar quando também
começam a tornar-se mais burocratizadas, o que coincide com o momento em que dom
Helder deixa o Rio de Janeiro e segue para a arquidiocese de Recife.
A Igreja vivia uma aliança com o regime. No dia 27 de maio, a CNBB convoca uma
reunião no Rio de Janeiro, com debates tensos e que tem como resultado um comunicado
para a opinião pública que “dá a impressão de um compromisso árduo entre os que
aplaudem o novo regime e os que indicam as exigências da justiça social”
89
. Quem
conseguia se impor eram os que apoiavam o regime. O documento reconhecia que alguns
militares abusavam de seu poder, “com ‘idealismo mal aplicado’, que os teriam enganado
em sua vigilância de pastores.”
90
Dizem que não são a Ação Católica ou o Movimento de
Educação de Base (MEB) de ideais comunistas: “Não aceitamos e nem poderemos aceitar
nunca a acusação injusta, generalizada e gratuita, velada ou explícita, pela qual bispos,
sacerdotes, fiéis ou organizações como, por exemplo, a Ação Católica e o MEB, são
comunistas ou comunizantes”
91
. Como bem tratou o tema, Luiz Alberto Goméz de Sousa
assinala que a preocupação era sobretudo em relação aos católicos que estavam nas prisões
e não todos os que estavam sofrendo repressão. “O espírito de corporação é muito forte na
Igreja institucional, que defende seus membros acima de tudo, e ele presidirá uma boa parte
de suas tomadas de posição nos anos seguintes. Só mais tarde é que seus setores mais
abertos patentearão claramente seu posicionamento diante de toda e qualquer violação dos
direitos humanos.”
92
88
Ibid.
89
Apud SOUZA, 1984. In: ANTOINE, C. L’Eglise et le pouvoir au Brésil, Paris, Desclée, 1971, p.65
90
SOUZA, 1984
91
Apud SOUZA, 1984. In: ALVES, M. L’Eglise…, p. 174-175
92
SOUZA, 1984
47
Por outro lado, outros bispos, reunidos em Recife no mês anterior, por ocasião da
posse de dom Helder como arcebispo, produzem um documento com um tom bem diferente
referido acima. Eles reafirmam sua posição diante das reformas de base, advertem sobre as
restrições à liberdade e denunciam as arbitrariedades. É uma amostra das diferenças
internas da Igreja
93
. Os novos caminhos percorridos pela CNBB, e já citados anteriormente,
apontavam para essa situação de clericalização.
No artigo “Mel das pedras”, Alceu segue uma linha de raciocínio coerente para esse
pacto entre Igreja e Estado. Para ele, a Igreja era uma fortaleza, na qual se refugiavam os
“bem-pensantes” para se defenderem contra os golpes dos revolucionários e com isso
manterem intactos os seus bens materiais e a sua tranqüilidade pessoal. A insegurança era,
portanto, um dos grandes motivos da popularidade das igrejas. “As guerras e as revoluções
são como as tempestades. Levam os homens a procurarem abrigo. As épocas felizes e
calmas são como dias de sol. Levam os homens a sair de casa...”
94
.
Marcelo Timotheo da Costa desenvolve em seu trabalho “Um itinerário no Século”
a idéia de que os textos de Alceu Amoroso Lima para sua filha Madre Teresa eram
“exercícios confessionais”. Uma confissão que o escritor fazia diariamente, através das
cartas. Pois se a forma de confissão laica de Tristão era a sua correspondência com a filha
religiosa, o seu espaço na imprensa brasileira funcionou como confissão pública - para
José Oscar Beozzo, era uma “tribuna de diálogo”, onde ele apresentava seus ideais
95
. Era
ali, guardadas as proporções do que avaliava poder dizer com maior ou menor ênfase, que
ele dialogava com a sociedade, mostrando-se indignado, contente ou descontente, satisfeito
ou decepcionado, e denunciando o que lhe parecia absurdo. Foi assim ao longo dos anos
que compreenderam a presença de um Estado autoritário no Brasil. E em 1964 esse foi o
início de uma longa jornada, com uma característica considerada fundamental para os
formadores de opinião, como era o caso de Tristão: ele era habilidosíssimo em manter a sua
independência ou liberdade intelectual. Não era homem de recados da Igreja. “Nem com a
CNBB ele se deixou pôr coleira”, diz frei Betto. Tristão era um cristão, com todos os
93
Id.
94
Jornal do Brasil. Mel das pedras, abril, 1964
95
COSTA, 2006
48
valores evangélicos, mas não era um articulista cristão. Sua dimensão era muito mais ampla
que isso. “Até porque o Estado tem que ser justo, não tem que ser cristão. Não tem a menor
importância se na Constituição está dito em nome de Deus. O importante na Constituição é
a defesa dos direitos humanos. Isso é o suficiente”, conclui o frade dominicano. É o que
Marcelo Timotheo da Costa definiu como um observador que se debruça sobre o cotidiano
brasileiro, mas também do mundo, e que toma posição.
96
Semanalmente, Tristão trazia impressões sobre o quadro político, social e católico.
Aqui ele não é mais, ou simplesmente, Dr. Alceu, o líder católico. É Tristão de Athayde, o
homem público livre que se renova nessa que estamos chamando de a terceira etapa de sua
vida. Ele mesmo se caracterizava não mais o Tristão mais religioso de 1928, mas o Tristão
mais político-social de hoje. Dizer que Tristão aqui poderia ser um homem de esquerda
parece não corresponder à realidade. De acordo com Goméz de Sousa, Alceu se
considerava um homem acima dessas divisões. Ele tinha posições que eram consideradas
de esquerda, mas não gostava dessas terminologias. Talvez o correto seja dizer que ele não
era de direita. “Era um moderado progressista”, diz Goméz de Sousa. Preferia que
dissessem que era um homem aberto ao novo, um homem da reforma, da transformação.
Não era nem um reacionário, nem um revolucionário. “Em relação ao marxismo, ele
sempre guardou uma certa distância crítica, que era bastante forte às vezes.” Alceu
considerava direita e esquerda posições unilaterais, temporárias e insuficientes
97
. Para Dom
Paulo Evaristo Arns, Alceu era contra tudo o que restringia a liberdade humana. “Podemos
dizer que ele dominou o século pela defesa da liberdade”, avalia o religioso. Mas dom
Paulo é enfático ao dizer que Alceu nunca foi comunista.
Um dos destaques que Tristão dava em seus artigos era comparar as revoluções de
1930, de tipo esquerdista, e 1964, de tipo direitista. Em “Da esquerda à direita”, publicado
em junho, ele fala desse movimento pendular. Dizia que em 1930 esquerda significava
ainda liberdade e direita representava ainda autoridade. O fenômeno extremista, diz
escritor, criou denominadores comuns nos métodos de ação política entre os pólos opostos.
“Naquele momento, a Revolução de 30 representava uma guinada à esquerda.” Segundo
Tristão, era a passagem de uma democracia liberal de tipo conservador, para uma
96
Id.
97
LIMA, 1973
49
democracia liberal de tipo social. A Revolução de 1964 era um movimento oposto, no
sentido de passar de uma democracia, considerada como excessivamente liberal e libertária
e com tendência de passar do social ao socialismo -, para uma democracia de tipo
conservador e reacionário.
Foi a opinião pública mais conservadora que denunciou as “reformas” propostas ou
iniciadas pelo governo deposto, com ameaças iminentes ao “direito de
propriedade”; foram os partidos conservadores, a UDN e a maioria absoluta do PSD
que levaram a oposição ao extremo; foram as associações de Classe conservadoras
que denunciaram os propósitos “socialistas” do governo JG; foi a luta contra a
“infiltração comunista” que favoreceu o movimento das famosas “marchas da
família”; foi a grande imprensa conservadora que fustigou impiedosamente o
governo passado, opondo-se a qualquer composição política duradoura; foi,
finalmente, a vertente conservadora das Forças Armadas que deu o golpe final, num
governo que demonstrou não ter capacidade para resolver os grande problemas
fundamentais do país, que não são nem da direita nem da esquerda, e acabou por
uma espécie de suicídio político e paralisia funcional
98
.
O papel da Igreja e suas nuances ou a imagem da Igreja naquele momento
incomodava Alceu e ele gastava artigos e mais artigos para falar disso. Poucos anos depois,
em 1973, Medeiros Lima vai analisar que se a preocupação social constituía uma das
tônicas de seu pensamento, é porque ele via aí a origem da todos os conflitos da civilização
moderna, além de ser esta a fonte do divórcio entre a Igreja e o povo.
Se cairmos de novo no trágico equívoco do século XIX, separando a Igreja do Povo,
repelindo a Democracia, combatendo os erros sociais pela força policial ou pelas
leis de exceção, e ligando a Igreja ao dinheiro, ao poder, ou aos partidos
reacionários, estaremos trabalhando para que se implantem no século XX condições
semelhantes às que desgraçadamente atentaram contra a Igreja em Bizâncio, quando
os patriarcas descansavam à sombra dos Imperadores, ou então ajudaremos a
98
Jornal do Brasil. Da esquerda à direita, junho, 1964
50
consolidarem-se novos impérios anticristãos ou separados de toda inspiração
evangélica.
99
A reação da sociedade brasileira ao que ele chamava de “Revolução de abril”
também foi analisada algumas vezes ao longo de 1964. Para Tristão, foi diferente para cada
uma das que ele considerava as três camadas da sociedade
100
. As classes altas receberam o
movimento com uma euforia transbordante e até, de certo modo, indiscreta. As classes
médias a consideraram com uma alegria inegável, mas discreta e sobretudo com desafogo e
esperança. Quanto ao povo, o que se viu foi o mais absoluto silêncio. Esse “trágico silêncio
do povo”, diz Alceu, era o que mais o impressionava. Aqui ele então defende o processo
eleitoral como o único caminho realista e democrático a ser seguido. As eleições, aliás,
foram seu tema por várias vezes. Tristão condenava o fato de o povo brasileiro não poder
dizer nas urnas o que queria. “É preciso preservar a fé no sistema político de participação
do povo nas responsabilidades do Governo. Todo regime totalitário começa por eliminar o
voto.”
101
Os estudantes também freqüentavam boa parte dos textos de Tristão. Em
Peleguismo estudantil ele resume a situação do estudante brasileiro no final de 1964,
dizendo que o estudantil é um dos grupos sociais que mais tem se projetado na vida
pública.
Os moços e os adolescentes só foram considerados gente grande há pouco tempo e,
como é natural, podem se exceder ou se mostrarem canhestros no manejo dessa
nova arma.” Para Alceu, o paternalismo governamental estava pretendendo
extinguir as associações de estudantes, impedir as eleições mos diretórios
acadêmicos e isolar os estudantes em seus guetos ou dirigi-los de cima. “Pretendem
criar o peleguismo estudantil, depois do peleguismo operário?
102
99
LIMA, 1973
100
Jornal do Brasil, O silêncio do povo, maio de 1964
101
Jornal do Brasil, O ceptismo eleitoral, maio de 1964
102
Jornal do Brasil, Peleguismo estudantil, outubro de 1964
51
Aqui também é interessante inserir o papel da Ação Popular (AP), uma vez que já
foram citadas as Comunidades Eclesiais de Base. A Ação Popular, ou o chamado Grupão,
nasceu em 1962 e foi integrada por jovens progressistas que eram ligados à Ação Católica,
especialmente à Juventude Universitária Católica (JUC).
103
Ao ser criada, a AP “definiu-se
como ‘movimento político’, inspirando-se em idéias humanistas de Jacques Maritain,
Teilhard de Chardin, Emmanuel Mounier e Padre Lebret. Em seu Documento-Base, de
1963, propõe-se a lutar por uma sociedade justa, condenando tanto o capitalismo quanto os
países socialistas existentes”.
104
Era o meio estudantil que estava sua maior força. Várias
diretorias da UNE estiveram em mãos de seus membros, assim como a AP também
esforçava-se para estar entre os operários e trabalhadores rurais. Essa inserção se dava
através do Movimento de Educação de Base, que era ligado à CNBB. Durante o governo de
João Goulart, a AP foca as suas lutas para defender as reformas de base. Com o golpe de
abril, sofre com a repressão. Nos anos seguintes, então, ela vai reorganizar a sua estrutura,
focando-se no meio universitário e iniciando um longo debate para definir, ou redefinir,
seus princípios políticos e filosóficos. A organização era influenciada pelo pensamento
marxista
105
.
1964 terminou para Alceu com uma boa quantidade de louça partida. Para um ano
de revolução, talvez até nem tanta assim. No dia 31 de dezembro ele escrevia em sua
coluna que aquele ano havia sido dividido em quatro partes, ou em quatro reações sociais.
A primeira, um movimento de massas aparentemente unânimes e eufóricas em torno do
movimento de 31 de março, “preparado em geral pelas famosas Marchas da Família. A
segunda reação veio ao perceberem os setores favoráveis ao regime que tratava-se de uma
ditadura, “disfarçada em nova legalidade”, das direitas. O terceiro ato da peça, segundo
Tristão, foi o período punitivo. “A violência das repressões, a caça aos ‘subversivos e
corruptos’ em geral na base de simples vinganças e delações de ordem pessoal, o
desencadeamento de um anticomunismo primário e do terrorismo cultural alcançando as
universidades, os estudantes e toda manifestação ideológica suspeita de ‘esquerdismo’ (...)”
O último ato da tragédia, como chamou, é o das dissidências dentro do próprio governo e a
103
ARNS, 1985
104
Id.
105
Ibid.
52
ruptura entre o Poder Judiciário, “mantendo a Justiça com uma coragem e uma dignidade
dignas do maior respeito”, e uma linha dura, “que pretende definir o direito como sendo
tudo aquilo que convém à Revolução”. Alceu encerra dizendo que, longe de clarear, de
abril àquele dezembro, a atmosfera escureceu. É esse quadro que estudaremos a seguir.
53
PARTE II
Capítulo III
De Dr. Alceu a Tristão de Athayde
“Não há democracia sem eleições. Portanto, das duas uma: ou o movimento de abril
foi feito para realizar um regime democrático, que estava sendo gradativamente ameaçado
pelas perspectivas da República Sindicalista do janguismo ou do brizolismo. E nesse caso
não pode começar negando o princípio fundamental da democracia que é o voto popular.
Ou então o que pretende fazer é neofascismo sob a capa de democracia. E nos encontramos,
então, em face de uma típica impostura política. Seria preferível adotar logo um regime
ditatorial à portuguesa ou à espanhola, com a imprensa amordaçada, o Parlamento fechado,
as cátedras silenciadas e as Forças Armadas e os Civis reacionários pastoreando, sem
oposição (mas não sem conspiração...), um Brasil adolescente, incapaz de se governar por
si próprio... Não creio em guerra civil nesse caso. O povo está tão descrente de tudo que
aceitaria uma ditadura, civil ou militar, sem protestar. Por medo. Por cansaço. Por
cepticismo. Por deixa-estar...”
106
O pessimismo com que Tristão descreve o que foi o ano de 1964 se estendeu aos
seus artigos do início de 1965. O jornalista começou o ano enfocando a necessidade das
eleições no Brasil. Para ele, a maior parte da sociedade brasileira estava completamente
descrente com o processo eleitoral. “É a prova mais patente de que a finalidade alegada
para o golpe de abril de 64 o restabelecimento da democracia contra o perigo comunista
foi, pelo menos até hoje, completamente frustrada.”
107
Ao mesmo tempo, escrevia para a
filha que, àquela altura, já havia se deslocado da direita para a esquerda, embora sempre no
centro
108
. Em 3 de outubro houve eleições. Alceu vibrou. Ele, que escreveu os textos
106
Jornal do Brasil. Eleições, 22/1/1965
107
Jornal do Brasil. Eleições e anistia, fevereiro de 1965
108
Carta de Alceu para a filha Maria Teresa no dia 28 de maio de 1965
54
“Vote” e “Mas vote bem”, dizendo que o povo tinha que dignificar as eleições,
colaborando, com o voto, para a saída de uma nova encruzilhada, considerou o resultado
das eleições um passo promissor no processo de redemocratização do país. Dizia que o
golpe de abril e o AI-I interromperam o processo democrático de superar as crises políticas.
“Foram atos de cúpula sem participação do povo, cometidos à sua revelia e deixando
totalmente de lado a maioria absoluta da nacionalidade, especialmente entre o proletariado,
os estudantes e os intelectuais.”
109
A eleições de 1965 para o governo do Rio de Janeiro
foram disputadas por Francisco Negrão de Lima, candidato da coligação PSD/PTB e Carlos
Otávio Flexa Ribeiro, candidato lacerdista. Alceu votaria em Negrão de Lima
110
, que foi
quem ganhou a disputa.
Alguns dias depois, em 15 de outubro, Tristão já dedicava um artigo para pedir
eleições diretas em 1966, com o propósito “de respeitar a voz das urnas; liquidação da fase
punitiva da Revolução; respeito rigoroso à autonomia dos Estados; manutenção estrita dos
poderes da Magistratura, especialmente do Supremo Tribunal; garantia das liberdades de
imprensa; anistia, na base de processos regulares e não facciosos contra os ‘corruptos e
subversivos’”
111
. Para Tristão, foram esses os pedidos do povo em seu voto silencioso do
dia 3.
O Concílio Vaticano II termina em 1965. O tema e a figura de Paulo VI - está em
muitos de seus textos neste momento, seja o que escreve para o seu leitor semanal seja para
madre Maria Teresa. Para o escritor, o evento católico, que, em suas palavras, era
renovador e não anatematizador, promoveria “o diálogo com o mundo moderno”. Porém,
aqui também já estão respingadas no Concílio as influências das duas principais encíclicas
do papa João XXIII, Mater et Magistra, de 15 de maio de 1961, e Pacem in Terris, de 11
de abril de 1963. As encíclicas de João XXIII são importantes na história da Igreja. Com
elas, se estabelece a participação efetiva do leigo. “É a denúncia das injustiças, são os
esforços da promoção humana que acompanham o arejamento da Igreja nascido do sopro
do Espírito, através de João XXIII. É a Igreja a se atualizar, a se pôr em dia com os
problemas humanos do tempo presente. É o aggiornamento, para usar a expressão do
109
Jornal do Brasil. A voz das urnas, 15/10/1965
110
Carta de Alceu para Madre Maria Teresa, no dia 3 de outubro de 1965
111
Jornal do Brasil. A voz das urnas, 15/10/1965
55
próprio João XXIII.”
112
Dessa forma, analisa Marcos de Castro em seu livro A Igreja e o
autoritarismo, de conivente com o poder a Igreja passa a ser denunciadora das injustiças
que ocorrem. “E de denunciadora de injustiças a encorajadora ou agente, ela própria, da
promoção humana. Dentro desse quadro, passou à vivência de uma ação social com uma
intensidade sem precedentes na sua história, pelo menos na América Latina.”
113
Mais
adiante veremos que isso logo depois vai resultar na Conferência de Medellín, um dos
marcos na trajetória dessa Igreja ligada ao povo.
Do ponto de vista da política, é instituído o AI-2 em 27 de outubro de 1965. Alceu
assim o recebe:
É possível que a estas horas já estejamos com o novo Estado Novo, isto é, com a
ditadura legalizada e portanto com a segunda revolução instalada no Brasil. Todos
os comandos estão agora, de novo, nas mãos de um comando revolucionário e com
um Ato Institucional no. 2, que renova os poderes do Ato no. 1, de 9 de abril de
1964, e coloca os destinos de todos nós nas mãos da Justiça Militar (sic). Para mim
é esta a suprema execração. A Justiça Militar sempre foi a chamada justiça de
exceção. Agora se transforma essa justiça de exceção em justiça comum,
transformando-se o Brasil inteiro num campo de concentração.”
114
Fazia ele, dessa forma, a sua confissão diária. Questionava se seria respeitada a
liberdade de idéias e dizia não acreditar que cortariam essa liberdade de forma drástica,
colocando os jornais sob censura. O por que ele tinha na ponta da língua: primeiro, para
americano ver, respeitando as aparências da democracia; segundo, mais
maquiavelicamente, para poderem detectar melhor os inimigos do regime e assim poderem
processar-nos como subversivos...
115
Aqui ele fala inclusive de Castello Branco, que costuma defender em suas cartas e
mesmo artigos. “(...) tudo isso é uma subversão total da Constituição que o Castello Branco
112
CASTRO, 1985
113
Id.
114
Carta de Alceu para a filha Maria Teresa, dia 27 de outubro de 1965
115
Id.
56
jurou defender, quando foi eleito, ‘inconstitucionalmente’ aliás, pelo Congresso. E no
entanto é ele o primeiro a encabeçar a insurreição anticonstitucional, sob pretexto de
defender a democracia”. Para o escritor, com o AI-2, o Brasil estava vivendo em pleno
domínio da impostura moral, política, econômica e psicológica. No dia seguinte, ele
lamentava, dizendo que contra a plena ditadura militar só havia três caminhos: aceitação,
revolução e oposição.
No JB, Alceu escreveu “Extremismo antibrasileiro”. Começa dizendo que o que
mais o horrorizou no AI-2 foi o seu caráter antibrasileiro, com o Brasil caminhando em
sentido diametralmente oposto à sua tradição e ao seu temperamento.
Esse processo de descaracterização do Brasil começou com a renúncia do Senhor
Jânio Quadros, para não remontarmos além, como poderíamos fazê-lo, datando-o da
década 20 a 30, quando foram fundados no Brasil o Partido Comunista e a Ação
Integralista, já agora renascente. Introduzia-se em nossa terra, como já hoje a
distância podemos ver claramente, um vírus terrível e antibrasileiro o do
extremismo. Desde então, o binômio Esquerda-Direita, confessado ou inconfessado,
começou a substituir aquela tradição de polinômios, que sempre fora a nossa. E a
solapar o que havia de mais precioso e insubstituível na tradição brasileira: a
cordialidade, a mansidão, o respeito recíproco, o espírito de composição, o bom
senso. Tudo isso foi pouco a pouco sendo substituído pelo autoritarismo, pelo
revolucionarismo, pelo esquerdismo, pelo direitismo, pelo antagonismo, pela
arrogância, pelo farisaísmo, em suma pelo Extremismo radicalista. O e foi
substituído pelo ou. A compreensão pela condenação. O amor pelo ódio. A
convivência pelo isolacionismo. A oposição pela conspiração. O equilíbrio dos
poderes pela hipertrofia do Executivo. O civilismo pelo militarismo. A harmonia
das classes pela luta de classes. O jeito pelo dedo em riste. O espírito moderador
pelo espírito punidor. A moral pelo moralismo.
Para Tristão, todo esse processo já estava sendo gerado no Ato Institucional no. 1,
mas foi no segundo que ele veio de modo violento e intolerante. A opinião do jornalista era
57
a de que os poderes extra-constitucionais garantidos ao governo pelo AI-II representavam,
naquele momento, o mais triste dos retrocessos no caminho da democratização do Brasil.
Amoroso Lima deixa a presidência do Centro Dom Vital em 1966. Pessoalmente,
ele parecia se distanciar da Igreja, pelo menos no que dizia respeito ao clero. Confessou à
filha: “Estou cada vez mais desligado de qualquer autoridade eclesiástica. Não quero
atribuir nada a elas, mas a mim mesmo. Não procuro nenhuma delas. Não vou à
Nunciatura. Não mando meus livros ao cardeal. Recuso convite do bispo reitor de Minas.
Nem mesmo procurei dom Helder, quando passou por aqui há dias! Não creio que haja
nisso uma intenção sistemática. Mas o que deve haver é realmente uma tendência inata a
me afastar de tudo o que é oficial.”
116
Aqui, quando Alceu sai do Centro Dom Vital e
Heráclito Fontoura Sobral Pinto assume a presidência por designação do cardeal Jaime
Câmara, já havia um esvaziamento no Centro. Alceu depois veio a declarar que pediu
demissão por acreditar que era necessária uma renovação dos quadros dirigentes da
instituição, mas que, ao contrário do que estava sendo noticiado, a Igreja no Rio de Janeiro
permanecia tendo interesse na continuidade do Centro Dom Vital.
No inquérito recentemente publicado no Estado de São Paulo sobre a crise atual do
catolicismo no Brasil, embora certa em suas linhas gerais a nosso respeito, diz-se
que Dom Eugênio, o atual cardeal do Rio, a quem compete, por nossos estatutos a
designação do presidente do Centro, não se interessa pelo seu prosseguimento.
Estou seguramente informado de que isso não é exato. Não só a Presidência do
Centro está hoje entregue a uma figura absolutamente ímpar em todos os sentidos,
como católico, como advogado e como homem de cultura, meu grande amigo
Heráclito Sobral Pinto, como existe muita gente interessada em revitalizar o Centro,
tal como é a intenção de Sua Eminência. A necessidade da obra permanece e se
torna cada vez mais premente, em face dos novos rumos da Igreja depois do
Concílio e da tensão existente em toda parte entre conservadores e renovadores.
117
116
Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 3 de outubro de 1966
117
LIMA, 1973
58
Na realidade, a saída de Alceu e a entrada de Sobral Pinto aconteceu num processo
conturbado. Como nos mostra o levantamento feito pelo Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro (DHBB), quando Alceu se afastou da organização, o cardeal Jaime Câmara se
recusava a escolher um novo presidente e era a ele, pelos estatutos, que cabia a
responsabilidade de eleger quem exerceria o cargo. “Não podendo eleger sua diretoria, o
centro não tinha sua situação legalizada, o que implicava a suspensão dos subsídios
govername ntais.”
118
Dessa forma, Alceu destinava recursos próprios para manter o Centro
nessa fase. Ainda de acordo com o DHBB, a crise que gerou a saída de Alceu e a entrada de
Sobral Pinto foi gerada pelo confronto entre a ala conservadora, liderada por Gustavo
Corção, e a outra “mais crítica”, que tinha Alceu à frente. Mas Sobral Pinto não ficaria
muito tempo como presidente do Centro que se manteve nesses últimos anos graças ao
prestígio de nomes como Amoroso Lima e Sobral Pinto; daí em diante perdendo, o Centro,
seu prestígio. Dom Jaime Câmara demitiu Sobral Pinto e toda a sua diretoria em 1968.
119
Até 1973, as atividades da instituição ficam praticamente paralisadas. Com um ato que
lembrava o aniversário de morte de Jackson de Figueiredo, em 6 de novembro de 1973, as
atividades do Centro são reativadas por Alceu e Sobral. Além de reorganizar o Centro e
seus sócios, a revista A Ordem volta a circular no ano seguinte.
120
O papa Paulo VI dá uma demonstração de reconhecimento ao papel de Alceu como
leigo católico em 1967. Ele é eleito membro da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz.
Segundo Alceu, as reuniões da Comissão aconteciam na sala do consistório e as sessões
começavam e terminavam às 7h da manhã, com uma missa solene. Na primeira audiência
da Comissão com o papa, Paulo VI os recebeu dizendo:
- Vós sois como os galos do campanário da Igreja, encarregados de cantar, antes
mesmo que o Sol se levante, a fim de despertar os que dormem para a missão social da
Igreja
121
.
118
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Centro Dom Vital
119
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Sobral Pinto
120
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Centro Dom Vital
121
Id.
59
Ainda de acordo com um depoimento de Alceu
122
, entre os delegados havia os dois
extremos reacionários e revolucionários. Para exemplificar essa composição, o escritor
cita um bispo-auxiliar de Caracas, Monsenhor Enriquez, e um padre mexicano, Jesús
García. “O bispo venezuelano, afável no trato pessoal, era implacável nas suas denúncias
anti-revolucionárias. Numa das primeiras sessões pintou a América Latina como sendo um
campo de batalha de padres revolucionários, de armas na mão, ameaçando, a ferro e fogo,
as instituições e a ordem estabelecida.” Do lado oposto, diz Alceu, o jovem padre mexicano
reagia “contra o formalismo e o convencionalismo das fórmulas jurídicas, em nome das
massas famintas e exploradas, não só de nossa América Latina, mas de todo o mundo, em
que as duas vertentes, a conservadora e a renovadora, da Igreja, que sempre existirão, se
converteu em seu ápice como nos vulcões ainda não extintos, em chamas calcinantes mas
redentoras. Daí a discussão acesa, entre a violência e a não-violência, que não deixou de
animar os debates”.
Alceu lembra que no debate sustentou a “não-violência”, propondo que em um texto
submetido ao plenário, e no qual estavam citados os nomes de Gandhi e Martin Luther
King, fosse acrescentado o de dom Helder Câmara. Mas o escritor temia reações, devido à
campanha de difamação do arcebispo de Recife no Brasil, com a qual, diz, “conseguiram
evitar que o Prêmio Nobel da Paz fosse, pela primeira vez, atribuído a um brasileiro”. Ao
contrário do que pensava, a proposta foi a única recebida com aplausos. “Os profetas só são
reconhecidos fora de sua pátria, como os Evangelhos nos dizem e como a experiência
imemorial da História o confirma”, avaliou.
Na primeira reunião da Comissão, Amoroso Lima propôs que a Comissão fosse
ampliada e abrisse espaço para jovens e trabalhadores. Teve apoio do italiano Vittorino
Veronese, que foi secretário-geral da Unesco durante alguns anos, para a inserção dos
jovens, mas estes só estiveram presentes no final dos debates, quando foi preparado um
documento para ser enviado ao Sínodo aos eclesiásticos reunidos no qual, graças à
colaboração desses jovens, foi incluída a expressão “não-violência”. As palavras geraram
polêmica e foram substituídas pela frase “Que se suprimam as condições que levam à
violência”.
122
Ibid.
60
As mulheres também estavam representadas na Comissão. Eram elas Irmã Inês
que havia sido professora no Ginásio Des Oiseaux, em São Paulo e, naquele momento,
estava se preparando para trocar Roma pelo Nordeste brasileiro -, Bárbara Ward
economista inglesa e catedrática da Columbia University e Madame Klompé por vários
anos, ministra do Bem-Estar Social da Holanda.
Segundo palavras de Alceu, todos os continentes estavam representados na
Comissão. “Mas os big four, que dirigiam os trabalhos, eram um belga, dois franceses e um
italiano”, considerou o escritor. Em 1968, numa entrevista a Clarice Lispector, o escritor
diz que a Comissão estava naquele momento ainda resolvendo mais problemas de
organização interna que de ação exterior. Tratava-se, dizia, de uma comissão de estudiosos,
dos problemas de Justiça e de Paz, Commissio Studiosorum Justitia et Pax e não de ação
imediata.
Esta caberá às comissões nacionais, já em vias de organização, como entre nós,
embora ainda no papel, ou já em função, como na França, nos Estados Unidos, na
Holanda, na Alemanha, na Venezuela. A função de todas, inclusive da central em
Roma, é procurar, ao mesmo tempo, estudar os problemas concretos de patologia
social, no tocante à Justiça e à Paz, e disseminar, nas consciências, nas legislações e
na prática social, os princípios consubstanciados nas grandes Encíclicas Sociais,
especialmente a Populorum progressio.
123
Na mesma ocasião, a escritora questiona Alceu sobre as dissensões entre os
católicos. Ele responde dizendo que elas são uma prova da liberdade que gozam os
católicos dentro da Igreja e aí ele aproveita para se colocar entre os progressistas.
Enquanto houver essa tensão entre conservadores e renovadores, ou, como dizem
por aí, entre reacionários e progressistas, e eu pessoalmente me coloco entre esses
últimos, é prova da vitalidade da vida católica. O perigo seria se uma dessas
vertentes se arvorasse em montanha, tentando dominar a outra e suprimir o convívio
123
LISPECTOR, 2007
61
dos contrários ou dos diferentes dentro de uma Casa comum, que é o próprio
universo.
Paulo VI era um homem que Alceu admirava muito. Dizia, nos idos de 1965, que se
sentia mais com João XXIII, mas que, levando em conta o temperamento, era mais Paulo
VI. Explicava:
em João, era a criança piedosa que dominava tudo. Em Paulo, é o intelectual
piedoso. E queira ou não, fui picado pela mosca da intelligentsia e até morrer
sofrerei do mal. De modo que os buts do nosso Paulo VI na realidade estão mais
próximos do meu próprio ‘penso, logo hesito’, do que daquela luminosa
simplicidade do nosso pai João, que via tudo tão claro e dizia tudo tão
simplesmente, por uma intuição verdadeiramente angélica.
124
No contexto católico, o ano de 1968 é marcado pela realização da Conferência de
Medellín, pensada já no final do Concílio Vaticano II, em 1965, pelo presidente do
Conselho Episcopal Latino Americano, Manuel Larraín, a fim de divulgar e aplicar as
orientações do concílio. O processo burocrático do Vaticano só permitiu que a conferência
fosse realizada três anos depois. O evento foi considerado uma abertura ao conceito de
libertação, que pouco depois surgiu como Teologia da Libertação, termo que eriçava os
pelos de bispos latino-americanos mais conservadores, assim como muitos religiosos
europeus, especialmente os italianos. A Conferência de Medellín serviu como um ponto de
partida para uma nova etapa da vida da Igreja: a opção preferencial pelos pobres. Com a
idéia de que cada homem deveria tomar a sua história na mão, esse encontro também
representou o início de uma série de repreensões com a prisão, tortura e morte de muitos
religiosos
125
. Para Alceu, a Teologia da Libertação também foi um caminho para melhor
compreender o que estava acontecendo na Igreja e suas bases. “Ele era uma pessoa que
vinha de uma formação muito burguesa, sempre foi um homem rico, mas foi descobrindo
124
Carta de Alceu à filha Maria Teresa, dia 31 de março de 1965
125
SYDOW; FERRI, 1999
62
aquilo que a Teologia da Libertação sempre disse: que o marxismo nos serviu enquanto
método de amostra da realidade”, analisa Frei Betto. “Nós nunca adotamos o marxismo
como doutrina de fé, como também não queremos que adotem a Teologia da Libertação
como análise da realidade.” Como exemplo ele cita São Tomás, utilizando-se de Aristóteles
para fazer a sua teologia
126
. Para Betto, ao estabelecer contato com as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), Alceu também se encontra com a Teologia da Libertação, e aí
passa a ter uma visão mais clara do marxismo, ainda que isso nunca o tenha feito um
marxista. Muito pelo contrário. Amoroso Lima manteve-se distante, analisando o que
capitalismo e comunismo representavam para as sociedades.
Dom Helder Câmara era um teólogo da libertação e foi interpretando e se
embrenhando na obra do arcebispo de Recife e Olinda que Alceu também circulou pelas
entrelinhas da teologia da libertação. Não usava com freqüência esse termo para fazer
análises da Igreja, mas seguia o exemplo de dom Helder para conceituar essa nova face do
catolicismo na América Latina. São vários os artigos de Tristão que têm enfoque em dom
Helder e sua importância nessa Igreja que quer chegar ao povo. Vamos aqui ficar em três
deles. O primeiro é “O novo Júlio Maria”, no qual Tristão traça o paralelo entre o arcebispo
de Recife com o padre redentorista, que defendia essa força entre a Igreja e o povo.
Se Dom Vital desligou a Igreja de suas amarras com o Império, padre Helder a está
desligando de suas amarras com a alta burguesia. Está desemburguesando o nosso
cristianismo. Não que faça qualquer campanha antiburguesa, como apregoam os
seus inimigos, ao acusá-lo puerilmente de comunista (o qualificativo, aliás, já se
desmoralizou tanto, entre nós, que ultimamente tem sido evitado, pois estava-se
convertendo em... louvor. Ser chamado de comunista passou a ser um título de
honra...). (...) Mas o que padre Helder vem fazendo é desligar ou tentar desligar a
Igreja de seus laços classistas. E como esses laços anda são predominantemente
burgueses, é o desemburguesamento da Igreja e sua “ida ao povo”, como pedia Júlio
Maria, que vem sendo, consciente ou inconscientemente, a tarefa desse grande
bispo, o mais respeitado (salvo entre nós...) de todo o nosso episcopado. (...) Para
126
Entrevista de Frei Betto à autora
63
alcançar renome mundial faltou a Júlio Maria uma boa difamação. É o que sobra em
padre Helder.
127
Para Alceu, as diferenças entre as autoridades militares e as autoridades eclesiásticas
era o melhor sinal da vitalidade da Igreja no Brasil.
128
Em “Não queremos, mas”, de 22 de
dezembro de 1967, Tristão argumenta que a Igreja precisa ter liberdade para promover e
praticar sua doutrina social, conforme as últimas encíclicas e as resoluções do Concílio
Vaticano II defendem.
(...) a ação do padre Helder e da coroa de bispos que o rodeiam, ao mesmo tempo
que prossegue na linha de Dom Vital, opondo-se a toda restrição à liberdade da
Igreja por parte do Estado ou dos elementos radicais e direitistas que o dominam, na
sombra, também diverge da oposição em que Dom Vital se colocou há um século.
Se este, no espírito do Vaticano I, ou antes na concepção “escorialesca” de Felipe II,
queria uma Igreja cercada de “fortalezas”, como deviam ser “as Ordens Religiosas”,
segundo expressão textual da gloriosa vítima do cesarismo imperial, o novo Dom
Vital e todos os bispos, sacerdotes e leigos que o acompanham em seu apostolado, o
que querem é uma Igreja sem fortalezas que a impeçam de ir ao povo diretamente,
como Jesus o fazia. E aberta à renovação profunda de uma ordem social esclerótica
e “caiada” como os “sepulcros” do Evangelho... E estão sendo vítimas do cesarismo
republicano dos extremistas da direita e dos interesses e privilégios ameaçados de
uma burguesia egoísta, para quem a Igreja continua a ser apenas um baluarte para
defesa das suas propriedades e posições sociais.
(...) é essencial não só a liberdade teórica da Igreja, mas a liberdade concreta, dos
fiéis ou dos infiéis, de promoverem e praticarem sua doutrina social, tal como vem
sendo expressa nos mais recentes documentos pontifícios ou conciliares. O choque
entre conservadores e renovadores, entre os fiéis, é hoje é um fenômeno universal e
até sadio. Mas a pretensão dos revolucionários direitistas e reacionários em se
arvorarem em juízes da atitude dos bispos ou dos cristãos contrários a essas
127
Jornal do Brasil, O novo Júlio Maria, 13 de julho de 1967
128
Jornal do Brasil, A nova questão religiosa, 21 de dezembro de 1967
64
colocações políticas e ideológicas, essa é realmente indefensável e perigosa para a
solução sem violências do nosso futuro.
129
Tristão dedicou, como tantas vezes o fez, o artigo de 19 de abril de 1968 aos
estudantes. Intitulou-o “O estudante, esse subversivo”. Provavelmente - já que não
menciona o nome - se referindo a Edson Luís de Lima Souto, estudante de 16 anos mosto
no Rio de Janeiro pela ditadura militar com um tiro à queima roupa, no dia 28 de março,
enquanto participava de um protesto contra o aumento de preços de um restaurante que
atendia alunos carentes, Tristão pedia à mocidade universitária que não seguisse o caminho
da violência para enfrentar as forças da ditadura. Era uma carta. Um apelo.
Meus jovens amigos
Estou, de todo coração, com vocês com a sua mais que legítima revolta contra a
violência de que foram e continuam sendo as primeiras vítimas e que já custou a
vida pelo menos a um dos seus companheiros.
Mas não é pela violência que se combate a violência. E sim pela inteligência, pela
serenidade, pela união e pela perseverança.
Nada façam que possa oferecer pretexto a novos abusos de força por parte dos
defensores da chamada “ordem pública”. O que vocês pretendem, bem sei, é a
verdadeira Ordem, a ordem pública que não se baseia na injustiça mas na liberdade
e no reconhecimento dos direitos intangíveis dos cidadãos. É por essa Ordem que
vocês se batem. E esse combate tem de ser feito em Ordem, sem violência, para
atingir os resultados que todos almejamos, pela prática efetiva de uma democracia
social autêntica.
Para alcançar esse resultado é preciso, no momento delicado que atravessamos, não
dar pretexto a que, sob alegação de manterem a ordem pública, venham a cercear,
pelo Estado de sítio, o exercício das últimas liberdades de que dispomos.
Por isso, e por tudo mais que está na consciência de cada um de vocês, eu lhes peço,
com a pequena autoridade que me vem de quatro anos de luta incessante contra a
129
Jornal do Brasil, Não queremos, mas, 22 de dezembro de 1967
65
marginalização de que vocês, estudantes, vêm sendo vítimas, que se mantenham
unidos, em perfeita ordem, sem mesmo revidar às provocações com que tentam
arrastá-los a praticar atos impensados, respondendo, ao contrário, pela serenidade de
atitudes e pela firmeza de caráter, à violência a que os pretendam forçar os arautos
da impostura ou mesmo os falsos amigos.
130
Tristão finaliza o artigo com a idéia que defendeu em várias colunas: a de que o
golpe de 1964 errou feio no modo de tratar a juventude e o operariado, os que mais
sofreram, de acordo com Amoroso Lima. Em agosto de 1964 ela já dizia isso no Jornal do
Brasil. E continuou assinalando essa característica de ataque a esses grupos sociais. “(...) o
mesmo ódio destruidor que eliminou os sindicatos operários, no campo do trabalho,
também deu cabo das associações estudantis, no campo educativo. O operário e o estudante
foram os dois espantalhos da Revolução, no triênio inicial (...) Qual foi então a tática do
pensamento revolucionário para anular essas forças? Fracioná-las ao extremo.”
131
Em maio de 1967 Alceu viajou a Roma e, ao chegar ao Brasil, escreveu “O medo da
liberdade”, uma coluna na qual compara a liberdade na Itália, tanto na vida cívica do país
quanto na vida religiosa da Igreja, e o medo da liberdade que encontrou no Brasil. A
violência das polícias estaduais, especialmente a mineira, chama a atenção de Tristão, que
as define como de “triste memória antiestudantil” e que espancava jovens e impedia suas
passeatas. “Pois o que fui ver de perto, em Roma, é que a liberdade é que gera a ordem. Ao
voltar, o que vim rever de perto é que o medo da liberdade gera a desordem.”
132
A indignação de Tristão causada pela perseguição do governo contra os estudantes
se estendeu por vários momentos em sua tribuna. Em “Tecnologia e humanismo” ele
criticava as atitudes implacáveis de atormentar qualquer tentativa de reorganização da UNE
(União Nacional dos Estudantes), quando esta se encontrava convocando um novo
Congresso. Para Alceu, essas atitudes endossavam as agressões da primeira fase do golpe
contra os jovens e endossavam também tudo aquilo que causou o fracasso desse primeiro
período, “em divórcio com a mocidade e com o povo”
133
. Tristão avaliava que esse divórcio
130
Jornal do Brasil, O estudante, esse subversivo, 19 de abril de 1968
131
Jornal do Brasil, Uniões proletárias, 27 de abril de 1967
132
Jornal do Brasil, O medo da liberdade, 25 de maio de 1967
133
Jornal do Brasil, Tecnologia e humanismo, 27 de julho de 1967
66
só aumentaria enquanto o Governo continuasse tendo com os estudantes a mesma política
disciplinadora do governo anterior. Ele falava da importância do desenvolvimento
tecnológico que as autoridades políticas estavam valorizando, desde que houvesse a
restauração das liberdades públicas.
E no campo dessas liberdades está, naturalmente, a dos grupos intermediários,
sejam sindicatos operários, sejam uniões estudantis, com autonomia suficiente para
serem um elemento autêntico de dinamismo democrático.
Ora, está mais do que provado que os estudantes universitários, e mesmo os
secundários, não se reúnem de modo efetivo senão em grupos suficientemente
livres, para não serem apenas uma forma estudantil de peleguismo. A UNE
adquiriu, na história do movimento estudantil brasileiro, um significado, uma
tradição e até um apelo passional que nenhuma lei conseguirá eliminar nem
substituir. Dar-lhe liberdade de ação, coibindo os abusos que possam provir de atos
subseqüentes e não de palavras ou demonstrações coletivas, é um dos meios de
restaurar os laços rompidos entre o regime atual e a mocidade, e de modo indireto,
mas efetivo, entre tecnologia e humanismo.
134
Da mesma forma que trazia à pauta os estudantes, Tristão também fazia questão de
analisar a situação dos operários e de que forma estavam estes sendo tratados pelo governo
militar. Como dito acima, Alceu considerava estes dois grupos os mais perseguidos pelo
golpe de 64, ao mesmo tempo em que o escritor os considerava “corpos intermediários”
entre o Governo e o povo. Para ele, a democracia dependia da autonomia desses “corpos
intermediários”, sendo que, do ponto de vista do trabalho, os sindicatos eram os mais
importantes e representativos desses grupos. No entanto, avaliava Tristão, o Brasil vivia
com meio século de atraso em matéria sindical, com o histórico do processo pelo qual
passou o quadro sindical, como a força dos sindicatos patronais para que os patrões
defendessem seus próprios interesses em 1917, assim como a situação sindical com a
revolução de 30, que manteve os sindicatos ligados ao governo de forma corporativa.
“Agora é preciso recomeçar da estaca zero, não só dando liberdade aos sindicatos, mas
134
Id.
67
recriando os próprios sindicatos. Pois o vendaval revolucionário (e como se sabe essa
palavra passou a significar no Brasil, a partir de 64, o oposto do que consignam os
dicionários) destruiu não só a liberdade sindical mas os próprios sindicatos.”
135
Do ponto de vista do religioso, 1968 foi um ano importante para o intelectual, uma
vez que este representava o Brasil e a América Latina na Comissão Justiça e Paz, em Roma,
quando aconteceu a Conferência de Medellín. E o conceito de libertação já é uma das
tônicas de seus artigos no Jornal do Brasil.
No cenário político, o Ato Institucional número 5 é decretado em 13 de dezembro
daquele ano. A tentativa de cassação do mandato do deputado Márcio Moreira Alves, por
conta de um discurso proferido no plenário, no qual atacava os militares, foi tema de artigo
de Tristão de Athayde intitulado “Volta à República Velha”. Alceu chamou a atitude do
governo de “descalabro de duas revoluções”. O jornalista considerou um retrocesso aos
processos políticos anteriores a 1930, caracterizados pela “desmoralização do sistema
eleitoral, pelo uso e abuso do arbítrio das situações oligárquicas vigentes, contra a vontade
manifestada pelo povo nas eleições”
136
. Aquilo que Alceu chamou de “a morte civil da
liberdade em nosso país”, também em suas palavras, não tinha data para terminar. “Durará
enquanto durar a veleidade ditatorial dos nossos militares, que empalmaram a revolução
que fizeram, pela virulência e pela violência vão permanecendo nela, com ela, e para ela.”
137
Interessante observar que os artigos assinados por Tristão de Athayde no JB não
eram censurados, mesmo enquanto textos de outros jornalistas eram sistematicamente
vetados. Nessa época, quando o jornalista Alberto Dines era editor, o JB tinha como
colunistas, além de Tristão, Manuel Bandeira, Barbosa Lima Sobrinho e Josué Montello.
Essa presença refletia a tradição do jornal em acolher os acadêmicos, herança do conde
Ernesto Pereira Carneiro, proprietário do jornal desde 1919, que era bastante ligado à
Academia Brasileira de Letras (ABL), uma vez que, sob sua administração, foram
valorizadas as seções literária e artística, nas quais escreviam membros da ABL, como o
135
Jornal do Brasil, Uniões proletárias, 27 de abril de 1967
136
Jornal do Brasil, Volta à república velha, 6 de dezembro de 1968
137
Carta de Alceu Amoroso Lima para a filha madre Maria Teresa , dia 14 de dezembro de 1968
68
conde Afonso Celso, Carlos de Laet, Luís Murat, Medeiros e Albuquerque, Múcio Leão e
Aníbal Freires
138
. Mesmo depois da morte de Pereira Carneiro, em 21 de fevereiro de 1954,
sua mulher, a condessa Beatriz Correia de Araújo Pereira Carneiro, manteve amizade e
respeito por Tristão, a ponto de não permitir que a pressão dos militares para que Alceu
saísse do jornal fosse levada adiante. Os Pereira Carneiro foram pressionados diretamente
mas de forma elegante pelo ministro chefe da Casa Civil João Leitão de Abreu. Otto Lara
Resende, amigo de Alceu e membro da direção do jornal, se posicionou firmemente. Disse
que se tirassem Alceu, ele também deixaria o JB. Juntou-se esse fato à amizade que a
condessa Pereira Carneiro tinha por Alceu e os militares não conseguiram tirar Tristão do
jornal
139
.
Para o jornalista Wilson Figueiredo, calar Alceu ou fazer com que ele se calasse
àquela altura era pedir demais. “Quando um pensador como Alceu se cala, parece que ou
está com medo ou se rendeu a ele mesmo, e ele não era homem para isso. Ele já tinha idade
suficiente para não admitir se calar e continuou escrevendo da maneira possível de
escrever, até que percebeu também, com o tempo, que ele tinha adquirido uma imunidade
por ser um homem idoso, católico, militante. Alceu passou a ter uma autoridade que
incomodava o regime”, analisa.
Essa fortaleza na qual Alceu vai se transformando só se solidifica nos anos
seguintes. Ápice desse processo de radicalização no período de 1964 a 1968, o artigo que
escreve em defesa do deputado Márcio Moreira Alves e de que forma ele analisa o final
daquela década e o início da próxima são os temas a seguir.
138
FERREIRA; MONTALVÃO. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Jornal do Brasil.
139
Entrevista de Wilson Figueiredo à autora
69
Capítulo IV
A radicalização
Politicamente é hoje um dia negro para o Brasil. Na Câmara, o governo, à custa de
manipulações as mais indecentes (substituição de nove deputados governistas (sic)
que iriam votar na Comissão de Justiça contra a licença para processar o Marcito
140
,
por outros tantos deputados tipo boi manso, que fazem tudo quanto seu mestre
mandar), o governo vai dar uma bofetada no poder Legislativo e com isso marcar
mais um ponto no processo de autotransformação de um regime mascaradamente
constitucional num regime cinicamente totalitário ou policial. É uma evolução
lógica, sem dúvida, mas nem por isso menos lamentável para quem ainda preza a
liberdade, como único regime político capaz de assegurar o mínimo dessa segurança
de viver que os regimes securitários como o nosso pretendem assegurar e não fazem
senão desmentir e realizar precisamente o oposto.
141
Eram essas as impressões que Alceu tinha do país no 28 de novembro de 1968. Em
seu diálogo epistolar com Madre Maria Teresa, o pensador estava pessimista porque o
deputado federal Marcio Moreira Alves e outros 10 deputados - estavam na iminência de
serem cassados.
A admiração de Alceu por Marcio Moreira Alves vinha de longa data. Logo após a
deflagração do golpe, Amoroso Lima dizia que Marcito era o jornalista que o golpe havia
revelado. Tristão era seu leitor assíduo. Dizia sobre o jovem jornalista em 6 de novembro
de 1964:
O outro exemplo tirado dos acontecimentos recentes, já agora no plano da
inteligência em ação, é a figura do jovem jornalista Marcio Moreira Alves. Não
começou a escrever agora, bem o sei, e anos atrás já se notabilizara durante aqueles
140
Deputado federal Márcio Moreira Alves
141
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, dia 28 de novembro de 1968
70
tristes acontecimentos de Alagoas, de que saiu até ferido fisicamente. Fora,
entretanto, mais uma demonstração de um sensacionalismo informativo do que
mesmo de personalidade como forma de expressão intelectual. Agora não. Seus
artigos posteriores ao movimento representam uma verdadeira afirmação
intelectual, não só pela coragem de atitudes, mas ainda pela lucidez do pensamento
e pela elegância autenticamente literária da expressão. Foi realmente uma revelação.
Não sei que futuro político terá o Sr. Miguel Arraes, nem que futuro jornalístico
terá o Sr. Marcio Moreira Alves. Mas cada um a seu jeito um no mais mortífero
embate dos fogos políticos entrecruzados e outro na difícil encosta dos
comentadores imediatos dos acontecimentos ambos passaram pela prova, ou
antes, pela provação, com grau dez.
142
Marcio Moreira Alves filiou-se ao partido político Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) logo que este foi criado, em 1966. Na verdade, Marcito foi um de seus
fundadores.
143
O MDB era o partido de oposição ao governo federal. Estavam ali reunidos
parlamentares contrários ao regime imposto em março de 1964 e “que, sobretudo,
discordavam dos rumos que os militares no poder imprimiam à condução da política
nacional”.
144
No dia 2 de setembro de 1968, Marcio fez um discurso na Câmara, no qual
protestava pela invasão da Universidade de Brasília pela Polícia Militar e o fechamento da
Universidade Federal de Minas Gerais. Em sua exposição, ele conclamava o povo a
boicotar os desfiles de 7 de setembro, Independência do Brasil. Foi considerado um
discurso ofensivo “aos brios e a dignidade das forças armadas”.
145
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não
compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob
142
Disponível em http://www.marciomoreiraalves.com/testemunhos.htm. Acesso em 10 de agosto de 2007
143
Entrevista de Marcio Moreira Alves a Américo Oscar Freire e Marly Silva da Motta. Rio de Janeiro:
CPDOC/ALERJ, 1998
144
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
145
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Marcio Moreira Alves
71
regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande
momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães
brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à
polícia. No entanto, isto não basta. É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte
das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres
parlamentares da ARENA, o boicote ao militarismo. Vem aí o 7 de setembro. As
cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do
povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria
necessário que cada pai, cada mãe se compenetrasse de que a presença dos seus
filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas
ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar também,
sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e
namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de
1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à
porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que
silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta.
Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo
em seu nome. Creia-me Sr. Presidente, que é possível resolver esta farsa, esta
democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem
os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque
só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia. Só assim
conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os
desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús
que tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra
um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores.
146
O discurso de Marcito não teve nenhuma repercussão na imprensa, com exceção
de uma pequena nota na Folha de S. Paulo, e foi, segundo o próprio deputado, enviado a
todos os quartéis do Brasil
147
, já num sinal de fomento ao golpe chamado AI-5. Para
146
Disponível em http://www.marciomoreiraalves.com/quem.htm. Acesso em 10 de agosto de 2007
147
Entrevista de Marcio Moreira Alves a Américo Oscar Freire e Marly Silva da Motta. Rio de Janeiro:
CPDOC/ALERJ, 1998
72
Marcio, o fato de sua declaração ter vindo da tribuna foi usado pelos militares como
estratégia um pretexto - para fechar o Congresso pouco tempo depois.A minha
intervenção tinha ainda outra vantagem para os golpistas: tinha sido feita da tribuna e,
como a imunidade parlamentar da tribuna é um dos fundamentos da existência do
Parlamento, é uma imunidade absolutamente inquestionável, os militares imaginavam
que a Câmara recusaria a licença para me processar. E fizeram tudo para isso. Realmente
a Câmara, apesar da grande maioria de deputados a favor do governo, recusou a licença,
e por isso foi fechada.”
148
Era desse clima tenso que Alceu falava na carta com a qual iniciamos este capítulo.
Para o líder católico, aquele momento político despertava a sua “indignação e tristeza por
ver a degradação dos homens, mais triste ainda do que a corrupção dos regimes e a perda
crescente da liberdade”.
149
Recorremos às informações que constam no Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro para, brevemente, relatar essa situação à qual Alceu se
refere, ou seja, o que se passou na Câmara após o discurso de Marcito e até a instauração do
AI-5, passando pela cassação do deputado, o que levará Tristão a publicar o artigo “Volta à
República Velha”, um dos poucos registros públicos à época sobre a situação.
Diante das reações nos círculos militares, o procurador-geral da República Décio
Meireles de Miranda, com base no parecer do ministro da Justiça Luís Antônio da
Gama e Silva, deu entrada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 12 de
outubro, ao pedido de cassação do mandato do deputado emedebista e de seu
enquadramento no artigo 151 da Constituição, por “uso abusivo do direito de livre
manifestação e pensamento e injúria e difamação das forças armadas, com a
intenção de combater o regime vigente e a ordem democrática instituída pela
Constituição”.
Apesar de o presidente Artur da Costa e Silva ter declarado que o governo aceitaria
as decisões dos poderes Judiciário e Legislativo, o pedido de cassação do mandato
provocou grande apreensão na Câmara. No dia 4 de novembro, o STF enviou à
Câmara pedido de licença para processar o deputado, e o pedido foi encaminhado à
148
Id.
149
Carta de Alceu para a filha madre Maria Teresa, dia 28 de novembro de 1968
73
Comissão de Justiça. No dia 11 de dezembro, esta comissão, após a substituição de
nove deputados arenistas que se haviam manifestado contrários à violação das
imunidades parlamentares, concedeu, com uma diferença de oito votos, licença para
processar Márcio Moreira Alves, o que deu motivo para que todos os representantes
do MDB na comissão dela se demitissem. No dia seguinte, porém, contando com o
concurso do próprio partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o
pedido foi recusado pela Câmara, por uma diferença de 75 votos (216 votos contra e
141 a favor).
150
O Ato Institucional de número 5 foi, então, editado no dia 13 de dezembro de 1968.
O presidente era Costa e Silva. O ato foi enérgico. A primeira lista de cassações saiu no dia
30 de dezembro. Alguns dias depois, em 16 de janeiro de 1969, em reunião do Conselho de
Segurança Nacional, ficaram decididos quatro tipos de punição - cassação de mandato,
cassação de mandato com suspensão de direitos políticos, suspensão de direitos políticos e
aposentadoria compulsória que atingiram 2 senadores, 35 deputados federais, 3 ministros
do Supremo Tribunal Federal e 1 ministro do Superior Tribunal Militar.
151
Alceu lamentava a bomba da morte civil da liberdade em nosso país naquela sexta-
feira 13, lembrando que o AI-5 não tinha data para terminar. “’A revolução é nossa’, como
o petróleo... E com esse petróleo irresponsável e devastador vão tocando fogo no Brasil,
sob o pretexto, como sempre fazem os tiranos, de o salvar.”
152
Na mesma ocasião, e num raro momento de ver atuação positiva em dom Jaime
Câmara, pelo menos em troca epistolar com Madre Maria Teresa, Alceu elogia o que
chamou de bomba em sentido contrário na verdade, uma homilia de dom Jaime “(sic, sic,
sic)” em defesa dos padres franceses Michel Le Vem, François Xavier Berthon e Hervé
Croguennec e do brasileiro José Geraldo da Cruz, que foram presos, acusados de subversão.
Houve protestos em várias partes do país e dom Jaime escreveu uma homilia, na qual
defendia a liberdade de pregar o Evangelho, para ser lida em todas as igrejas cariocas no
dia 15 de dezembro. “Vou telegrafar-lhe!”, dizia Alceu à filha.
150
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Marcio Moreira Alves
151
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Atos Institucionais (AIs)
152
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 14 de dezembro de 1968
74
Nunca imaginei que o pudesse fazer do fundo do coração. Essa homilia,
francamente, me fez remorsos, pois afinal vejo em dom Jaime o homem de Deus, na
hora precisa em que seus amigos generais em companhia tomam conta do poder
absoluto e foram logo a ele, pensando que o intimidavam, pois os padres eram
acusados de comunistas. E essa palavra mágica, na mente obtusa do general
Sarmento (que o Lacerda tinha convidado para ser chefe de polícia de seu governo,
e não o foi por ter tido um enfarte, que infelizmente não o levou...), levou o general
a correr logo ao Palácio São Joaquim ou ao Sumaré para levar os furos da revolução
dos padres. E o cardeal teve a dignidade de responder: não, quem tem de julgá-los
somos nós, Igreja, e não vocês, estado.
Confesso a Deus a minha culpa: nunca o julguei capaz dessa atitude. Penitenciei-me
e como prova disto logo mais lhe telegrafarei trazendo-lhe a minha comovida
solidariedade. E não houve uma reticência na homilia.
153
No início de 1968, Alceu já analisava que o que viria pela frente era mais linha
dura. Em 28 de janeiro, dizia: “(...) se o Costa e Silva ceder à linha dura, o que vamos ter é
mais ditadura, mais insegurança, menos liberdade, embora e isso é um exemplo das
contradições em que nos debatemos embora, repito, várias coisas do que pedem os
milicos duros sejam justas, como o aumento do salário dos operários.”
154
Para ele, no
entanto, esses pedidos eram mais gestos demagógicos do que qualquer outra coisa, uma vez
que o povo assistia ao congelamento dos salários. “No mais, o que essa milicagem quer é
apenas mais ditadura, mais arrocho, menos liberdade de pensamento e de crítica.”
Às cassações de mandatos e suspensão dos direitos políticos, na véspera da edição
do AI-5, Alceu reagia dizendo que aquele era o início do processo de caça às bruxas e que,
às custas de manipulações indecentes, o governo substituiria os nove deputados que
votariam na Comissão de Justiça contra a licença para processar Moreira Alves por, nas
palavras do escritor, outros tantos deputados “tipo boi manso, que fazem tudo o que seu
153
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 14 de dezembro de 1968
154
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 28 de janeiro de 1968
75
mestre mandar”. Avaliou que essa era mais uma prova de que o regime estava se
transformando de mascaradamente constitucional para um regime totalitário ou policial.
Foi a “fé de ofício” desses nove títeres que ontem os paus -mandados do governo na
Câmara conseguiram colocar nos lugares que os decentes foram forçados a
abandonar, para que o governo conseguisse maioria na patacoada parlamentar com
que procuram esconder a humilhação do Costa e Silva em face de meia dúzia de
oficiais duros, verdadeiros rebeldes (se não fosse insultar com isso a dignidade da
expressão rebelde que significa sempre, ou quase sempre, uma atitude heróica ou
pelo menos digna). Vê a “fé de ofício” desses pobres-diabos é uma desolação. São
os deputados mais apagados, mais medíocres, mais malandros, mais omissos, mais
sem-caráter que se possa imaginar. E esses é que vão decidir a sorte de um deputado
como o Marcito e, mais ainda, do que a sorte de um deputado, a sorte da própria
dignidade da Câmara. É um espetáculo realmente deprimente. E por isso é que não
pude deixar de extravasar, logo de saída, a minha indignação.
155
O tom indignado de suas correspondências pessoais aqui também já aparecia nos
artigos publicados no Jornal do Brasil. Como mencionado no capítulo anterior, no dia 6 de
dezembro de 1968, portanto, pouco mais de uma semana antes do AI-5, Tristão publica
“Volta à República Velha”, outro ponto fundamental na trajetória de Alceu nessa primeira
fase do regime militar, uma vez que tem muita repercussão e é uma das únicas
manifestações na imprensa contra os desmandos do governo naquele clima de apreensão. O
escritor viu aquele quadro como um retrocesso aos processos políticos anteriores a 1930,
tendo como característica principal a ausência da vontade do povo nas eleições.
O desencanto progressivo do sistema eleitoral proveio, precisamente, do desrespeito
às urnas, das atas falsas, das cassações de mandatos, das depurações. Tudo isso é
que foi lentamente corrompendo a chamada República Velha, e levando o regime a
um plano inclinado de desmoralização pública, que fez com que o desmoronamento
155
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 28 de novembro de 1968
76
da República Velha em 24 de outubro fosse recebido pelo povo, não apenas com a
indiferença de 15 de novembro de 1889, mas até com justo entusiasmo.
156
Chamando as atitudes duras do governo de “hara-kiri”, Tristão lamenta que
estivesse sendo interrompida a “marcha crescente da democracia para passar do esboço da
democracia coroada do Império às esperanças de uma democracia social autêntica, que até
hoje representa o ideal, consciente ou subconsciente, do nosso povo, de alto a baixo da
famosa escala social”. Atentar contra a consciência do povo era o que mais incomodava o
intelectual. Para ele, este era um erro primário de qualquer país que se pretendesse
democrático.
Ora, o que representa esta pá de cal na confiança do voto popular, com a
perseguição violenta do Poder Executivo aos deputados cujas críticas lhe são
incômodas demais, é realmente um retrocesso à República Velha. Mais grave do
que a injustiça que se pretende praticar contra dois eminentes cultos de eleitos do
povo (dois, por ora...) é o crime que se comete contra a consciência do povo,
desmoralizando um dos ramos do Poder pelo outro. E justamente por aquele que
dispõe da força física, do comando das armas da nacionalidade.
(...) Pode o Governo, com as armas da violência política de que dispõe, cassar dois
ou 200 deputados. E julgar, com isso, estar vitorioso das insurreições. Na verdade
não faz senão solapar o próprio terreno em que se julga tão seguro. A História não
respeita os que apagam os seus próprios passos.
157
O artigo “De volta à República Velha” pode não ter tido para o intelectual,
pessoalmente, o mesmo impacto que teve “Terrorismo cultural”, no sentido de apontar para
uma nova direção em sua trajetória. Em 1968 Tristão já tinha clareza sobre o tipo de
governo estávamos vivendo não havia mais nenhum sinal de expectativa sobre o poder
vigente. No entanto, podemos traçar um paralelo entre esses dois marcos, tendo em vista
156
Jornal do Brasil, Volta à República Velha, 6 de dezembro de 1968
157
Id.
77
que, se o primeiro serviu para despertar um Tristão de Athayde rebelde, o segundo marcou
uma fase de radicalização de sua postura, uma vez que também se consolidou a linha dura
do regime político. Isso vão mostrar os textos que publica ao longo dos próximos tempos. E
também as cartas que continuava a escrever para a filha. Para ambos os artigos
“Terrorismo cultural” e “Volta à República Velha” poderíamos pensar na idéia de
“evento criador”, tratada por Marieta de Moraes Ferreira no artigo “A reação republicana e
a crise política dos anos 20”, ao analisar o conceito de cultura política. “A focalização de
eventos particulares pode ser fundamental não pelo que eles expressam em si mesmos, mas
pelo que podem revelar da cultura política em que estão inseridos.”
158
São determinados
momentos, no caso de Tristão a posição que toma publicamente nos dois momentos
mencionados em 1964 e 1968, em que o evento é tão significativo que permite “captar o
comportamento e a cultura política de um sistema no seu todo ou de alguns de seus
segmentos sociais específicos”
159
.
A interrupção de direitos e garantias constitucionais como o habeas corpus, cuja
suspensão permitia manter presos acusados de delito político em regime de
incomunicabilidade por dias -, as cassações, demissões e transferências de funcionários
civis e militares caíam como uma pedra sobre Amoroso Lima. Era um homem encolerizado
com uma situação que parecia cada vez mais tensa. E era.
A censura foi instituída nas redações dos jornais, das rádios e televisões de vários
Estados. Naquele dia 13, o jornal O Estado de S.Paulo foi proibido de circular e o Jornal
da Tarde, em São Paulo, teve parte de sua edição apreendida. No Rio de Janeiro, os leitores
não encontravam jornais nas bancas e quando os achavam estavam censurados. No dia da
edição do AI-5, o Jornal do Brasil teve uma edição histórica.
O editor do jornal era Alberto Dines. Ao ouvirem pelos alto-falantes da redação a
notícia da instituição do AI-5 e da censura, os jornalistas ficaram alertas e, poucos instantes
depois, militares já estavam na portaria do diário, procurando por Dines. O jornalista viu
que a situação era de censura e decidiu avisar ao leitor sobre o que estavam passando.
Usando metáforas, o jornal saiu recheados de previsões do tempo. Eram coisas como “o céu
158
FERREIRA, Marieta de Morais. “A reação republicana e a crise política dos anos 20”. In: Estudos
Históricos 11. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1993 (janeiro-junho)
159
Id.
78
está escuro”, além de fotos estranhas, como uma de Garrincha sendo expulso de campo. O
fato é que a edição deu o seu recado mesmo tendo sido revista pelos militares. No dia
seguinte, os censores foram tirar satisfação com o editor, mas o jornal já estava nas
bancas.
160
Antonio Fernando De Franceschi traz, no prefácio do livro Cartas do Pai, a
informação de que apenas dois artigos de Tristão foram suspensos no Jornal do Brasil,
ambos logo após a decretação do AI-5. No entanto, não foi possível confirmar quais eram
essas colunas. Alberto Dines afirma não ter lembrança de nenhum artigo do pensador
católico censurado. Até porque o jornal fez um acordo com o regime e passou a se auto-
censurar. “Nesse período não tinha censor no JB. A censura vigiu no JB depois houve a
auto-censura em alguns dias de 1968. Depois, eu fui preso e, na minha prisão, o jornal fez
um acordo com militares e o jornal passou a fazer a auto-censura. Eu estava preso, quando
eu voltei, encontrei essa situação nova. Mas, que eu me lembre, até 1968 não houve
nenhum artigo dele que tivesse sido suprimido.” É possível, no entanto, que o próprio
Jornal do Brasil tenha censurado alguns dos artigos de Tristão. Isso porque no final daquele
ano, em 31 de dezembro, Alceu escreveu para a filha que Dines havia lhe dito que os
colaboradores continuariam sendo remunerados “como se os artigos fossem publicados”
161
.
Ao que Tristão diz: “O que mostra, ainda mais, a elegância do gesto! Continuarei a mandar-
lhes os meus dois artiguetes semanais, para mostrar que, ao menos se não for cassado...,
continuo a escrever, para o dia em que voltar a liberdade, se ainda voltar em vida do
autor.”
162
Para Amoroso Lima, ouvir o “presidente sargentão” como ele se referia ao general
Arthur da Costa e Silva falar em democracia era inaceitável. “É o cúmulo da
desfaçatez”
163
, reclamava. Chegou a dizer estar envergonhado por não estar preso, “pois
são os melhores que estão presos de fato”
164
, referindo-se à prisão do jurista Sobral Pinto.
Aqui, Alceu até levanta a possibilidade de ser preso também, uma vez que o Ato
160
Fonte: Memória da imprensa carioca/UERJ. Entrevista a Maria Aparecida Costa e Antony Devalle.
Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/sobre_dines/memoria.htm. Acesso em 22/2/2007
161
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 31 de dezembro de 1968
162
Id.
163
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 17 de dezembro de 1968
164
Id.
79
Complementar número 39 fora assinado o AC39 referia -se a medidas e sanções sobre
pessoas privadas de seus direitos políticos. É aí que poderei figurar, se antes não me
prenderem.”
165
Alceu tinha sido prevenido por Nelson Paes Leme, marido de sua neta
Heloisa Maria Senise, que o escritor figurava na lista da Marinha ou Aeronáutica como
ameaçado de prisão.
Não o prenderam. No entanto, o escritor avaliou aquele como um ano catastrófico
para o Brasil. Estamos passando por um dos momentos mais tristes e soturnos de nossa
História, sem lei nenhuma, dizia ele.
No dia 16 de dezembro, Costa e Silva, o “sargentão” havia “soltado o verbo” ao
falar na TV. Alceu estava indignado, pois, de acordo com o que escreveu, ainda julgava que
Costa e Silva “’fosse o mais importante dos milicos’ e que o golpe foi dado por seus
generais e gorilas e pelo seu ministro da Justiça cujo nome até me dá calafrios de
pronunciar e por isso calo”. Após o discurso do presidente na televisão, Alceu concluiu que
o general era tão culpado como os outros. “Seja por covardia, seja por outras razões, o fato
é que o criminoso número 1 não pode fugir à condenação.”
Na mesma carta em que comenta o clima de terror, Alceu fala do brigadeiro João
Paulo Moreira Burnier, chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica, que havia proposto
em uma reunião com seus subordinados que presos políticos culpados de insurreição
fossem jogados de aviões em alto-mar. O escritor se horrorizou, principalmente porque,
lembrou à filha, havia falado por ele em um comício. “Como os tempos mudaram! (...) Esse
o clima de terror em que estamos vivendo, com os Corções e companhia tomando
champagne e os homens de nem nas grades.”
166
A partir daí também se acirraram os conflitos da Igreja com o Estado. Membros da
Igreja padres, freiras e leigos - estavam sendo acusados pelo regime de praticar atividades
subversivas. Padres foram presos, bispos foram processados e a tortura estava instalada.
Dessa forma, houve uma ruptura da Igreja com o regime político vigente. Em seu livro “O
que é Igreja”, o cardeal dom Paulo Evaristo Arns destaca que, daí até meados dos anos 70,
a tortura e os abusos contra os direitos humanos se constituíram no centro das atenções da
165
Ibid.
166
Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 17 de dezembro de 1968
80
Igreja. Com o aumento das preocupações sociais por parte da instituição, ela se distancia
das autoridades políticas, posicionando-se de forma crítica e tendo como uma de suas
bandeiras a defesa dos direitos humanos. Perseguição, repressão e confronto com o Estado
são as conseqüências desse quadro
167
.
A 2
a
. Conferência do Episcopado da América Latina conhecida como Conferência
de Medellín foi realizada no final de agosto e início de setembro de 1968. O papa Paulo
VI abriu a reunião dos bispos, trazendo o conceito de libertação não dizer que os religiosos
deveriam tomar as decisões de acordo com a realidade de seus países. No que dizia respeito
à educação, por exemplo, o documento preparado pelo grupo destacado para pensar a
situação educacional da América Latina trazia a necessidade de uma educação libertadora,
o que muito incomodou o clero conservador presente. O conceito de libertação, aliás, era
comum às 16 comissões organizadas para a conferência, com temas como, além de
educação, justiça, família, meios de comunicação social e juventude. Foi dali também que
saiu ou que se divulgou pouco depois o termo Teologia da Libertação, que assustava a
hierarquia católica na Europa.
Na resolução final, os bispos mostram o que estava em jogo na Igreja latino-
americana e que perseguirão enquanto durarem aqueles anos de repressão: “Não basta
refletir, obter maior clareza e falar. É preciso agir. Esta não deixou de ser a hora da Palavra
mas tornou-se, com dramática urgência, a hora da Ação.”
168
Os religiosos também discutiram o papel das Comunidades Eclesiais de Base e do
leigo na ação da Igreja. Nesse sentido, os religiosos defenderam que “é dever dos
sacerdotes dialogar com eles, não de maneira ocasional, mas de maneira constante e
institucional”.
169
A repressão contra membros da Igreja não fugiu aos olhos de Tristão. Ele foi
enfático, por exemplo, no caso do assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto,
jovem sacerdote pernambucano, braço direito de dom Helder Câmara. “Em “Crime por
tabela”, além do padre Antônio Henrique, Tristão lamenta “o quadro dantesco das centenas
de vítimas do tenebroso Esquadrão da Morte, no Rio e em São Paulo, ainda encoberto com
167
ARNS, Paulo Evaristo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985
168
Id.
169
Apud SYDOW; FERRI, 1999. In: PADIN, Dom Cândido; GUTIÉRREZ, Gustavo; CATÃO, Francisco.
Conclusões da Conferência de Medellín - 1968.
81
o manto protetor do anonimato”.
170
Aproveita para responsabilizar as autoridades pelo
ambiente de violência no qual estávamos vivendo. “Sejam, porém, quais tenham sido as
mãos que levaram diretamente a termo os atentados que silenciaram essas grandes vozes da
consciência humana, em plena luta contra as forças do mal, os autores reais foram aqueles
que criaram o ambiente de violência e de fanatismo que está envenenando, cada vez mais, a
vida contemporânea.”
171
Tristão contava que o padre Antônio Henrique era professor de sociologia e não
participava da vida política partidária. Apenas expunha em suas aulas, dizia Alceu no
artigo, a doutrina social católica, “que combate categoricamente toda injustiça social e
proclama a necessidade de uma transformação profunda das instituições capitalistas e da
sociedade burguesa, no sentido de um humanismo realmente cristão, e de uma democracia,
não apenas nominal, mas real”
172
. Alceu protestava que o jovem sacerdote mostrava o que
era dever da Igreja: “promover o progresso social e a transformação dessas estruturas,
certamente pela não violência, mas nunca se acumpliciando com os erros e os vícios das
estruturas da situação social dominante”.
173
Para Tristão isso foi suficiente para que o jovem padre fosse considerado “um
elemento nocivo, um perversor de consciências e destinado a ser eliminado sumariamente,
como perigoso para a ordem social vigente”.
174
O intelectual não economizava farpas para atingir o regime. Era como que chamasse
para a briga quem quisesse enfrentá-lo. Encontrou espaço no mesmo “Crime por tabela”
para dizer que o regime não calaria seus críticos. “Atentados, como esse, são visivelmente
cometidos por tabela, para intimidar os que estão empenhados na mesma cruzada
evangelizadora a que se entregava o jovem sacrificado. Se os autores do crime julgavam
poder abafar essas vozes, tudo indica que se enganaram. O sangue dos mártires é a melhor
sementeira de colheitas abundantes.”
175
170
Jornal do Brasil, Crime por tabela, 10 de junho de 1969
171
Id.
172
Ibid.
173
Ibid.
174
Ibid.
175
Ibid.
82
Ao entrar em 1970, mais especificamente no dia 6 de fevereiro, Tristão resolve fazer
uma análise do que foi a “vida político-social do Brasil em torno do semi-século central de
1930 a 1970”.
Em “A recuperação da liberdade” ele propõe que esse semi-século seja dividido em
descontinuidade com o passado (20 a 30), dicotomia extremista (30 a 70) e superação do
dilema, pela recuperação da liberdade (a partir de 70).
Para o escritor a dissociação direita-esquerda foi o que marcou nossa vida político-
social de 30 a 70. A guinada à esquerda da Revolução de 30 e à direita, da Revolução de
64, fez aparecer o comunismo e o integralismo, como opção. “Com ela, a decadência do
espírito moderador, tradicional, de dentro para fora, e a supremacia do espírito radical,
implantado de fora para dentro.” As críticas para a oscilação direita-esquerda e o
extremismo dão o tom da análise de Tristão. Falava ele da importância da recuperação da
liberdade. “Vista do alto, a Revolução de 30 foi tão exótica como a de 64, e ambas
resultaram no espírito artificial, que golpeou a base de ambas e nos conduziu,
politicamente, ao engarrafamento em que nos encontramos. É menos que um beco sem
saída, mas muito mais que um simples acidente de trânsito... É a imposição histórica de
sairmos de uma fase artificial de oposicionismo, em que foi crescentemente sacrificada a
liberdade em nome de autoritarismos contraditórios, para tentarmos o que deve ser a meta
política dominante deste novo decênio: a superação da dicotomia direita-esquerda.”
176
Alceu Amoroso Lima encerra os anos 60 e entra na década de 70 sem conseguir
deixar de ter discípulos, que era o que ele dizia querer nos idos dos anos 50.
Desconfio muito de mim mesmo para me atribuir essa missão de caudilho espiritual
de quem quer que seja. Para proceder de outro modo, seria necessária ver terminada,
o que não creio venha a suceder nunca, esta luta que travo dentro de mim em busca
da inteligência final das coisas. Nesse sentido é que se explica o estilo didático que
se reconhece em tudo o que escrevo; admito que teorizo também para mim mesmo,
176
Em busca da liberdade. Jornal do Brasil, 6 de fevereiro de 1970
83
ansioso de realizar através de minha obra o esclarecimento de meu próprio espírito
em face da verdade.
177
Aqui, o pensador já não pode mais pedir que lhe faltem os discípulos. É sua
presença de tamanha dimensão que não é possível saber se há identificação por
convergência de idéias simplesmente ou porque o indivíduo Alceu construiu, ele
próprio, os becos de saída de um longo túnel. E a multidão veio atrás.
A trajetória de Alceu Amoroso Lima como um homem progressista a partir daqui só
se intensifica. Se esta dissertação foi iniciada com a idéia de Pierre Bourdieu, da não
linearidade da história de vida dos indivíduos, no qual Alceu tão bem se encaixava, ele está
nesta fase e nos anos seqüentes vivendo de forma muito coerente com o que
desenvolveu neste período que chamamos de sua terceira vida.
Os que conviveram com ele no caso, os entrevistados neste trabalho - foram
cuidadosos ao dizer que não se tratava de um homem de esquerda. Sinto-me à vontade para
seguir a linha de pensamento, nesse sentido, de frei Betto. Amoroso Lima pode ser
considerado um homem de esquerda, sim, a partir do momento em que não se encontra
nenhuma crítica contundente dele a quem estava resistindo à ditadura. Muito pelo contrário.
O que aparece de Alceu é sempre muito apoio aos revolucionários, ainda que houvesse uma
ou outra discordância em relação ao método.
Alceu era um renovador. E pôde assistir, no final dos anos 1960 e início de 1970, os
católicos em seu momento de maior amadurecimento na América Latina. Alceu é aquele
que encarna e simboliza a emancipação do leigo católico brasileiro. Essa valorização do
leigo para ele é fundamental, motivo pelo qual deve ter vibrado com resoluções, por
exemplo, da Conferência de Medellín.
Se a Igreja estava intensificando sua doutrina social na prática, era o oposto que
Alceu via no quadro social e político. O homem que vai nascer da década de 1960 e viver
nas de 1970 e 1980 é alguém que vive um dos piores momentos da história de seu país no
que diz respeito à liberdade, justamente o conceito que ele atravessa o século defendendo.
177
MARTINS, Hélcio. Alceu Amoroso Lima não. Diário Carioca, 1 de dezembro de 1957
84
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias
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1956
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_____. Suicídio e renascimento da burguesia. Jornal do Brasil, maio de 1963
_____. O distributismo. Jornal do Brasil, agosto de 1963
_____. Golpismo à vista. Jornal do Brasil, agosto de 1963
_____. Três grandes gestos. Jornal do Brasil, agosto de 1963
_____. Penso, logo hesito. Jornal do Brasil, setembro de 1963
_____. Encontro inesperado. Jornal do Brasil, outubro de 1963
_____. O que é democracia. Jornal do Brasil, novembro de 1963
_____. Felipe II ou Paulo VI? Jornal do Brasil, novembro de 1963
_____. Interpelações. Jornal do Brasil, novembro de 1963
_____. A Igreja, o socialismo e o comunismo. Jornal do Brasil, novembro de 1963
_____. Diálogo da Igreja com o mundo moderno. Jornal do Brasil, dezembro de 1963
_____. A cortina da fome. Jornal do Brasil, janeiro de 1964
_____. Os cupins. Jornal do Brasil, janeiro de 1964
_____. Convivência ou morte. Jornal do Brasil, janeiro de 1964
_____. Apelo ao bom senso. Jornal do Brasil, fevereiro de 1964
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85
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_____. 30 de março. Jornal do Brasil, 16 de abril de 1964
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_____. A revolução branca. Jornal do Brasil, abril de 1964
_____. Terrorismo cultural. Jornal do Brasil, 7 de maio de 1964
_____. Deus ao alto. Jornal do Brasil, maio de 1964
_____. A voz do alto. Jornal do Brasil, maio de 1964
_____. O silêncio do povo. Jornal do Brasil, maio de 1964
_____. O ceptismo eleitoral. Jornal do Brasil, maio de 1964
_____. Contrastes. Jornal do Brasil, junho de 1964
_____. Da esquerda à direita. Jornal do Brasil, junho de 1964
_____. Para lá da encruzilhada. Jornal do Brasil, junho de 1964
_____. Revolução dos bem-pensantes. Jornal do Brasil, 25 de junho de 1964
_____. Liberdade em crise. Jornal do Brasil, 10 de julho de 1964
_____. À luz de Minas. Jornal do Brasil, setembro de 1964
_____. Peleguismo estudantil. Jornal do Brasil, outubro de 1964
_____. Protesto impertinente. Jornal do Brasil, novembro de 1964
_____. Os dois Natais. Jornal do Brasil, dezembro de 1964
_____. 1964. Jornal do Brasil, 31 de dezembro de 1964
_____. 1965. Jornal do Brasil, janeiro de 1965
_____. Eleições. Jornal do Brasil, 22 de janeiro de 1965
_____. Demagogia reacionária. Jornal do Brasil, 28 de janeiro de 1965
86
_____. Vita Nuova. Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1965
_____. Provincianismo e decepção. Jornal do Brasil, 25 de fevereiro de 1965
_____. Consagração da espionagem. Jornal do Brasil, 18 de março de 1965
_____. O novo Estado Novo. Jornal do Brasil, março de 1965
_____. O manifesto. Jornal do Brasil, 8 de abril de 1965
_____. Clama, ‘ne cesses’. Jornal do Brasil, 9 de abril de 1965
_____. Pontos nos II. Jornal do Brasil, 21 de maio de 1965
_____. Protestos. Jornal do Brasil, maio de 1965
_____. Os pequenos partidos. Jornal do Brasil, junho de 1965
_____. SSSS. Jornal do Brasil, 8 de julho de 1965
_____. Vitória de pirro. Jornal do Brasil, 22 de julho de 1965
_____. Justiça e autonomia. Jornal do Brasil, 30 de julho de 1965
_____. Obscurantismo cultural. Jornal do Brasil, julho de 1965
_____. Cigarras na berlinda. Jornal do Brasil, julho de 1965
_____. O trigo e o joio. Jornal do Brasil, 5 de agosto de 1965
_____. Quanto pior melhor?. Jornal do Brasil, 12 de agosto de 1965
_____. Quanto melhor, melhor. Jornal do Brasil, 13 de agosto de 1965
_____. Jogo de cartas marcadas. Jornal do Brasil, agosto de 1965
_____. Revisão da disponibilidade. Jornal do Brasil, 9 de setembro de 1965
_____. A indisponibilidade fanática. Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1965
_____. No vértice do triângulo. Jornal do Brasil, 16 de setembro de 1965
_____. À esquerda. Jornal do Brasil, 17 de setembro de 1965
_____. Revolução de nervos. Jornal do Brasil, setembro de 1965
_____. Vote. Jornal do Brasil, 31 de setembro de 1965
87
_____. Mas vote bem. Jornal do Brasil, 1 de outubro de 1965
_____. A voz das urnas. Jornal do Brasil, 15 de outubro de 1965
_____. O mineirinho do Pomba. Jornal do Brasil, 22 de outubro de 1965
_____. Lembrai-vos de 37. Jornal do Brasil, 28 de outubro de 1965
_____. Novo Estado Novo. Jornal do Brasil, 29 de outubro de 1965
_____. À brasileira ou não?. Jornal do Brasil, outubro de 1965
_____. Um homem. Jornal do Brasil, 5 de novembro de 1965
_____. AI-II. Jornal do Brasil, 11 de novembro de 1965
_____. Textos que falam. Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1965
_____. Extremismo antibrasileiro. Jornal do Brasil, 18 de novembro de 1965
_____. Democracia semântica. Jornal do Brasil, novembro de 1965
_____. As contradições de 65. Jornal do Brasil, 30 de dezembro de 1965
_____. Cara ou coroa. Jornal do Brasil, dezembro de 1965
_____. O ativo. Jornal do Brasil, 6 de janeiro de 1966
_____. O passivo. Jornal do Brasil, 7 de janeiro de 1966
_____. Ainda o passivo. Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 1966
_____. Sonho ou antevisão. Jornal do Brasil, 14 de janeiro 1966
_____. O estudante, esse inimigo. Jornal do Brasil, 10 de fevereiro de 1966
_____. Pedagogia negativa. Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 1966
_____. Peça em três atos e um epílogo. Jornal do Brasil, 3 de março de 1966
_____. Volta a 1910. Jornal do Brasil, 10 de março de 1966
_____. A demagogia antipovo. Jornal do Brasil, 13 de maio de 1966
_____. Os caminhos noturnos. Jornal do Brasil, 1º de julho de 1966
88
_____. Ariel e Caliban. Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1966
_____. A ofensiva dos entorpecentes. Jornal do Brasil, 16 de setembro de 1966
_____. Da UNE à MUDES. Jornal do Brasil, 23 de setembro de 1966
_____. Misereor Supra Turbam. Jornal do Brasil, 30 de setembro de 1966
_____. A insegurança nacional. Jornal do Brasil, 13 de abril de 1967
_____. O medo da liberdade. Jornal do Brasil, 25 de maio de 1967
_____. Direitismo e neofascismo. Jornal do Brasil, 8 de junho de 1967
_____. O terceiro mundo. Jornal do Brasil, 16 de junho de 1967
_____. As implacáveis verdades. Jornal do Brasil, 12 de julho de 1967
_____. O novo Júlio Maria. Jornal do Brasil, 13 de julho de 1967
_____. Tecnologia e humanismo. Jornal do Brasil, 27 de julho de 1967
_____. O taciturno. Jornal do Brasil, 3 de agosto de 1967
_____. Dos dragões aos DOPSES. Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1967
_____. Os santos e os heróis. Jornal do Brasil, 26 de outubro de 1967
_____. A nova ‘questão religiosa’. Jornal do Brasil, 21 de dezembro de 1967
_____. Não queremos, mas... Jornal do Brasil, 22 de dezembro de 1967
_____. A censura censurada. Jornal do Brasil, 3 de março de 1968
_____. O estudante, esse subversivo. Jornal do Brasil, 19 de abril de 1968
_____. O porta-voz do terceiro mundo. Jornal do Brasil, 9 de maio de 1968
_____. A nova independência. Jornal do Brasil, 1 de agosto de 1968
_____. O descalabro de duas revoluções. Jornal do Brasil, 5 de dezembro de 1968
_____. Volta à república velha. Jornal do Brasil, 6 de dezembro de 1968
_____. Os novos bárbaros. Jornal do Brasil, 29 de fevereiro de 1969
_____. Os novos horizontes. Jornal do Brasil, abril de 1969
89
_____. Pela correção da nossa imagem. Jornal do Brasil, 13 de agosto de 1970
_____. Os três grandes. Jornal do Brasil, 8 de outubro de 1970
_____. A inversão semântica. Jornal do Brasil
_____. Peça em três atos e um epílogo. Jornal do Brasil
_____. A guerra revolucionária. Jornal do Brasil
_____. A missão da JOC. Jornal do Brasil
_____. Aviso aos cegos. Jornal do Brasil
_____. A direita católica. Jornal do Brasil
_____. A esquerda católica. Jornal do Brasil
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WEBER, Max. Ciência e Política Duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2005
92
ANEXOS
Cronologia Alceu Amoroso Lima
178
11 de dezembro de 1893
Alceu Amoroso Lima nasce na Rua Cosme
Velho, filho de Camila da Silva e Manoel
José Amoroso Lima (industrial)
27 de janeiro de 1894
Batizado de Alceu. Recitados versinhos
escritos por Machado de As
sis para o
batizado de Alceu
1898
Alfabetizado pela mãe pelo método do
professor João Köpke
179
, com quem Alceu
vai estudar nos anos seguintes
1900
Na Europa com a família, é matriculado em
uma escola de Paris para aprender francês
1902
Estuda com Alexandr
e Barreto e João Köpke
para prestar exame para o Ginásio Nacional
(hoje Colégio Pedro II), no qual entra, aos 9
anos, no curso de Humanidades.
1908
É bacharel em Ciências e Letras pelo
Ginásio Nacional
1909
Entra para a Faculdade de Ciências Jurídicas
e Sociais, aos 15 anos. Viaja para a Europa
1910
Primeiro contato com Silvio Romero, aos 17
anos
1911
Estágio em advocacia com João Carneiro de
Souza Bandeira
178
Fontes: Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade e LIMA, Alceu Amoroso. Cartas do Pai De
Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa, São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003
179
João Köpke ficou conhecido como defensor do método analítico para o ensino da leitura, mas a utilização
desse método foi motivo de divergência entre os republicanos. Köpke, então, o readaptou e o divulgou em
livros escolares.
93
1912
Diretor da Revista A Época
, da Faculdade de
Direito. Publica seus primeiros contos. Viaja
para a Europa
1913
Freqüenta, na Europa, cursos de Henri
Bérgson (também freqüentados por Charles
Péguy e Jacques Maritain em 1903). Recebe
o diploma de bacharel em Ciências Jurídicas
e Sociais. Viaja para a França. Encontra-
se
com Graça Aranha
1914
Quan
do começa a Primeira Guerra Mundial,
volta ao Brasil e trabalha no escritório de
Souza Bandeira
1916
Viaja a Minas Gerais, onde fica sabendo da
morte de Afonso Arinos, o qual homenageia
com um artigo publicado no
Jornal do
Commercio. Visita Ouro Preto, ci
dade que o
fascina. A visita rende o texto “Pelo passado
nacional”, publicado na Revista do Brasil, no
qual defende o patrimônio histórico e
artístico brasileiro
1917
Adido no Ministério das Relações
Exteriores. Conhece sua futura esposa,
Maria Thereza, f
ilha de Alberto de Faria e
Maria Thereza Almeida Faria
1918
Diretor da Companhia Cometa, tecelagem de
seu pai. Primeiro encontro com Jackson de
Figueiredo. Casa-
se com Maria Tereza de
Faria no dia 27 de agosto
17 de junho de 1919
Nasce Tristão de Athayde, em O Jornal
, na
coluna “Bibliografia”
1919
Nasce sua primeira filha, Maria Helena
94
1922
Publica o primeiro livro, Afonso Arinos
.
Nasce sua segunda filha, Silvia
1923
Morre o pai, Manuel José Amoroso Lima
1924-1928
Corresponde-se com Jackson de Figue iredo
1927
Conhece o Padre Leonel Franca. Publica
Estudos, 1
a
. série
15 de agosto de 1928
Conversão ao catolicismo, que muda o rumo
de sua vida. Nesse mesmo dia, publica o
artigo “Adeus à disponibilidade: carta a um
amigo”, endereçado ao historiador Sérg
io
Buarque de Holanda
1928
Jackson de Figueiredo morre num acidente
1928
Com a morte de Jackson de Figueiredo,
Alceu o substitui à frente do Centro Dom
Vital e da revista A Ordem
30 de março de 1929
Nasce sua filha Lia, que depois torna-
se
Madre Maria Teresa
1929
Publica Freud e Estudos, 2
a
série
1929
Conhece dom Sebastião Leme, arcebispo do
Rio de Janeiro
1929
Vota em Clóvis Monteiro para a vaga de
professor de literatura brasileira pela Escola
Normal, concorrente de Cecíla Meirelles, no
que desde lo
go se manifestava forte
incompatibilidade de espírito, pois a tese de
Meirelles era “um trabalho francamente
liberal”, diz Valéria Lamego. Cecília guarda
tristeza por Alceu ter votado em seu
adversário.
180
180
LAMEGO. Valéria. A farpa na lira. Rio de Janeiro, UFRJ
95
1930
Publica o livro
Introdução à Economia
Moderna e Estudos, 3
a
série
1930
Manifesta-
se publicamente contra o
movimento revolucionário deflagrado pela
Aliança Liberal, sob a liderança de Getúlio
Vargas
17 de julho de 1931
Nasce seu filho Jorge Alceu
1931
Publica o livro Preparação à Sociologia
,
Estudos, 4
a
série e Debates pedagógicos
1932
Instalação do Centro Dom Vital na Praça
XV. Publica O problema da burguesia
,
coletânea de conferências, e
As repercussões
do catolicismo. Classifica-
se em segundo
lugar no concurso para a cátedra de
Economia Política
da Faculdade Nacional
com a tese “Economia pré-política”
1933 Torna-se secretário-
geral da Liga Eleitoral
Católica
1933
Classifica-
se em terceiro lugar no concurso
para a cátedra de Introdução à Ciência do
Direito da Faculdade Nacional de Direito
com a tese “Introdução ao Direito Moderno”
1934-1945
Presidente da Ação Católica
1934
Publica
Fragments de Sociologie
Chrètienne
, com prefácio de Jacques
Maritain
1935
Publica os livros No limiar da Idade Nova
,
Da tribuna e da imprensa e
Pela Ação
Católica. Nasce Alceu Filho.
1935
Nomeado membro do Conselho Nacional de
Educação, onde fica até 1968
96
29 de agosto de 1935
Eleito para a Academia Brasileira de Letras
na vaga de Miguel Couto (cadeira no. 40)
1936
Publica o livro O espírito e o mundo
e
Indicações políticas
1937
Nasce seu filho Paulo Alceu. Alceu
Amoroso Lima vibra com a vitória de
Franco na Espanha
181
. Recebe o título de
doutor honoris causa da Universidade do
Chile. Nomeado membro da Academia
Argentina de Letras. Recebe e recusa convite
para assumir o Ministério do Trabalho.
1938
Publica o livro Idade, Sexo e Tempo
1938
Nomeado Reitor da Universidade do Distrito
Federal/Catedrático interino de Sociologia
na Faculdade de Sociologia da Universidade
do Distrito Federal
1938 Publica o livro Elementos da Ação Católica
.
Nasce seu filho Luiz Alceu.
1939
Eleição do Papa Pio XII
1939
Morre sua mãe, Camila da Silva Amoroso
Lima. Publica o livro Contribuição à
história do Modernismo Vol. 1: Pré-
Modernismo
1940
Catedrático interino de Literatura Brasileira
na Faculdade Nacional de Filosofia /
Catedrático de Literatura Brasileira na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Colabora com a filha Mari ahelena
na tradução de Damião, o leproso
(John
181
LIMA, Cláudio Medeiros. Memórias improvisadas. Petrópolis: Editora Vozes, 1973
97
Farrow)
1941
É um dos fundadores da Universidade
Católica do Rio de Janeiro e lá torna-
se
professor de Literatura Brasileira
1942
Morre, no Rio de Janeiro, Dom Sebastião
Leme.
1942
Publica Meditação sobre o mundo moderno
e Pela união nacional. Traduz O Cristo
, de
Georges Goyau
1943
Em 3 de julho, Dom J
aime Câmara assume a
Arquidiocese do Rio de Janeiro, após esta
ficar um ano sem um líder, desde a morte de
Dom Sebastião Leme
1943
Publica o livro O cardeal Leme e
Mitos de
nosso tempo
1944
Participa da fundação da Livraria Agir, com
o objetivo de amplia
r as publicações
católicas
182
1945
Tomou parte no I Congresso Brasileiro de
Escritores, marco decisivo na
redemocratização do país. Pede demissão da
Junta Nacional da Ação Católica
1946
Publica Pela cristianização da ação
católica: teoria e Pela cristianiz
ação da
idade nova
1947
Início da colaboração no Diário de Notícias
,
com a seção Letras e Problemas Universais /
1
o
lugar no Concurso para Catedrático de
Literatura Brasileira na Faculdade Nacional
182
CPDOC/Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro
98
de Filosofia. Membro da Academia Nacional
de Letras do Ur
uguai. Participa da fundação
do Movimento Democrático Cristão na
América Latina. Publica
O problema do
trabalho
1948
Publica
Primeiros estudos: contribuição à
história do modernismo literário O Pré-
Modernismo, de 1919 a 1920
1949
Publicada sua tradução de
O santo cura
da’Ars (Henri Gheón)
1950
Publica Mensagem de Roma e
Manhãs de
São Lourenço
1949-1953
Viveu na França e nos Estados Unidos
1951-1953
Diretor do Departamento Cultural da União
Pan-Americana em Washington (hoje, OEA)
1952
É agraciado co
m o Sierra Award da
Academia Franciscana de História
Americana, de Washington. Publicada sua
tradução de O homem e o Estado
(Jacques
Maritain)
1953
Recebe o título de doutor honoris causa da
The Catholic University of Washington
1954
Publica os livros A realidade americana
e
Meditação sobre o mundo interior
1955 Publica o livro Pela América do Norte
Vol.
1
1956
Participa da Reunião do Conselho Cultural
Americano, no México. Publica
Introdução
à literatura brasileira,
Quadro sintético da
literatura brasileira e
A vida sobrenatural e
o mundo moderno
99
1958-1959
Professor visitante no Brazilian Institute da
New York University
1958
Eleição do Papa João XXIII
1958
Início da colaboração no Jornal do Brasil
e
na Folha de S. Paulo
1958
Publica o livro Integ
ração econômica, social
e política na América Latina
1959
Publica o livro
O trabalho no mundo
moderno, O espírito universitário e
O teatro
claudeliano
. Recebe o Prêmio Moinho
Santista de Literatura
1960
Publica o livro A família no mundo moderno
,
O jornalismo como gênero literário
,
Problemas de estética e Visão do Nordeste
1961
Traduz Diário secular, de Thomas Merton
1962
Começa o Concílio Vaticano II, em Roma
1962
Participou, como representante brasileiro, do
Concílio Vaticano II. Publica
A missão de
São Paulo, Cultura interamericana,
Da
inteligência à palavra, Europa e América:
duas culturas e O gigantismo econômico
1963
Aposenta-
se como professor. Publica suas
traduções de
Marta, Maria e Lázaro
(Thomas Merton) e
Tratado de filosofia
moral (Jacques M
aritain). Escreve a
introdução da encíclica Pacem in terris
, de
João XXIII, para um volume que inclui
também Mater et magistra
1963
Eleição do Papa Paulo VI
31 de março de 1964
Alceu se mostrava descontente com Jango e
temia que o golpe viesse do próprio
governo
100
com propósitos “continuístas”.
183
Acontece o
golpe militar.
1
o
de abril de 1964
Alceu lamentava o rompimento da
continuidade civil do governo e a
transferência para a área militar
184
9 de abril de 1964
Instituído o Ato Institucional 1
7 de maio de 1964
Publica o artigo “Terrorismo Cultural” no
Jornal do Brasil
. O artigo é um marco em
sua nova postura contra o regime militar
185
31 de dezembro de 1964
Alceu publica o artigo “1964” no
Jornal do
Brasil
, dizendo que de abril a dezembro a
atmosfera escureceu
186
1964
Eleito “Intelectual do Ano”, recebe o troféu
Juca Pato, da União Brasileira de Escritores.
O jornalista Carlos Heitor Cony pede a
Alceu que testemunhe a seu favor no
processo que o ministro da Guerra, Arthur da
Costa e Silva, movia contra ele. Pu
blica o
livro Revolução, reação ou reforma
1965
Termina o Concílio Vaticano. Publica
Pelo
humanismo ameaçado. Traduz
Ofensiva de
paz (Thomas Merton)
27 de outubro de 1965
Instituído o Ato Institucional 2
1966
Publica o livro João XXIII
1967 O Papa Paul
o VI o escolhe como membro da
Pontifícia Comissão de Justiça e Paz. Eleito
membro associado estrangeiro da Academia
183
LIMA, Alceu Amoroso. Cartas do Pai De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa. São
Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003
184
Ibid.
185
BARBOSA, Francisco de Assis. Intelectuais na encruzilhada Correspondência de Alceu Amoroso Lima
e Antônio de Alcântara Machado (1927-1933). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2002
186
Jornal do Brasil, 31/12/1964
101
de Ciências Morais e Políticas do Instituto
da França
1967
Publica o livro
O trabalho no mundo
moderno
1968
Realização da Conferência de M
edellín, na
Colômbia
1968
Deixa a Presidência do Centro Dom Vital
1968
Publica o livro A experiência reacionária
13 de dezembro de 1968
Decretado o Ato Institucional 5
1969
Comemoração do cinqüentenário de Tristão
de Athayde. É agraciado, pela Columbia
University, com o Prêmio de Jornalismo
Mary Moors Cabot; pelo governo francês,
com a comenda da Legião de Honra; pelo
governo de Portugal, com a Ordem de San
Thiago; pela Santa Sé, com a Ordem de São
Gregório; no Chile, com a comenda da
Ordem Nacional do Condor. Publica
Adeus à
disponibilidade e outros adeuses
1969
Publica o livro
Comentário à Populorum
Progressio
1970
Publica o livro
A fé e o tempo. Credo para
amanhã
1971
Reconheceria na poeta Cecília Meirelles
“uma grande figura feminina do
modernismo”
187
. Publica o livro
Companheiros de viagem
1973
Publicado o livro Memórias improvisadas -
Diálogos com Medeiros Lima
187
LAMEGO, Valéria. A farpa na lira. Rio de Janeiro, UFRJ
102
1974
Publica o livro
Os direitos do homem e o
homem sem direitos
. Recebe o título de
doutor honoris causa da PUC/SP. Publica o
livro Em busca da liberdade
1976
Publica o livro Verdades incômodas
Janeiro de 1977
Lê o romance Os Distraídos
, de Maria Lília
Gouveia de Oliveira, sobre a situação da
nova geração, e o considera “magnífico”
1977
Recebe o prêmio do XI Congresso de
Literatura de
Brasília, da Fundação Cultural
do Distrito Federal. É eleito sócio honorário
do Pen Club
Maio de 1978
Afrânio Coutinho realiza a conferência
“Alceu Amoroso Lima e o globalismo
crítico”
27 de agosto de 1978
Alceu faz 60 anos de casamento
1978
Eleição do Papa João Paulo I
1978
Eleição do Papa João Paulo II
1979
Participa com um artigo no livro
O golpe de
64: a imprensa disse não
1979
Realização da Conferência de Puebla, no
México
23 de maio de 1980
Recebe o sacerdote e monge beneditino Dom
Marcos Bar
bosa para a cadeira no. 15 da
Academia Brasileira de Letras, na sucessão
de Odylo Costa, filho. Dom Marcos Barbosa
participou da Ação Universitária Católica e
do Centro Dom Vital, quando travou
103
conhecimento com Alceu, de quem tornou-
se secretário particular.
188
1980
Heloísa Buarque de Hollanda finaliza um
longa metragem sobre Alceu Amoroso Lima
com o apoio da TVE e da Embrafilme,
iniciado em 1977
189
22 de outubro de 1981
Morre em Petrópolis a mulher, Maria Tereza
14 de agosto de 1983
Alceu morre em Petrópolis
1983
Publicado o livro O desafio da liberdade
, de
Antonio Carlos Villaça, sobre Alceu
5 de dezembro de 1983
É criado o Centro Alceu Amoroso Lima para
a Liberdade
188
Academia Brasileira de Letras. Disponível em www.academia.org.br
189
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro, janeiro de 1977. Disponível em
http://www.pacc.ufrj.br/heloisa/amoroso.php. Acesso em 30 de julho de 2005
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