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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
C
ENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
P
ROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGROECOSSISTEMAS
A
GROECOLOGIA EM ASSENTAMENTOS DOS MST NO RIO
GRANDE DO SUL: ENTRE AS VIRTUDES DO DISCURSO E OS DESAFIOS
DA PRÁTICA
M
ELISSA MICHELOTTI VERAS
Florianópolis, abril 2005
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MELISSA MICHELOTTI VERAS
A
GROECOLOGIA EM ASSENTAMENTOS DO MST NO RIO GRANDE DO SUL:
ENTRE AS VIRTUDES DO DISCURSO E OS DESAFIOS DA PRÁTICA
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre
em Agroecossistemas, Centro de
Ciências Agrárias, Universidade Federal
de Santa Catarina.
Orientador: Prof. Dr. Ademir Antônio Cazella
Co-orientador: Prof. Dr. Wilson Schmidt
FLORIANÓPOLIS
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
VERAS, Melissa Michelotti
Agroecologia em assentamentos do MST no Rio Grande do
Sul: entre as virtudes do discurso e os desafios da prática /
Melissa Michelotti Veras – Florianópolis, 2005.
114f.
Orientador: Ademir Antônio Cazella
Co-orientador: Wilson Schmidt
Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas)
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
Agrárias.
Bibliografia: f.99-105
1. Agroecologia - Teses. 2. Movimentos sociais - Teses. 3.
Assentamentos rurais - Teses. I. Título.
TERMO DE APROVAÇÃO
M
ELISSA MICHELOTTI VERAS
AGROECOLOGIA EM ASSENTAMENTOS DO MST NO RIO GRANDE DO SUL:
ENTRE AS VIRTUDES DO DISCURSO E OS DESAFIOS DA PRÁTICA
Dissertação aprovada em 20/4/2005, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
no Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas, Centro de Ciências Agrárias,
Universidade Federal de Santa Catarina, pela seguinte banca examinadora:
Prof. Dr. Ademir Antônio Cazella
Prof. Dr. Wilson Schmidt
B
ANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Sandro Luiz Schlindwein
Presidente (CCA-UFSC)
Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Machado
Membro (CCA-UFSC)
Profª Drª Walquíria Krüger Correa
Membro (CFH-UFSC)
Profª Drª Maria José Reis
Membro (CFH UFSC)
Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho
Coordenador do PGA
Florianópolis, 20 de abril de 2005.
Assentados fundo, ou fundassentados,
à prova de qualquer abalo e falência,
se centram no problema circunscrito
que o prato de cada um lhe apresenta;
se centram atentos na questão prato,
atenção ao mesmo tempo acesa e cega,
tão em ponta que o talher se contagia
e que a prata inemocional se retesa.
Então, fazem lembrar os do anatomista
o método e os modos dêles nessa mesa:
contudo, êles consomem o que dissecam
(daí se aguçarem em ponta, em vespa);
o prato deu soluções, não problemas,
e tanta atenção só visa a evitar perdas:
no consumir das questões pré-cozidas
que demandam das cozinhas e igrejas.
João Cabral de Melo Neto
AGRADECIMENTOS
Q
UANDO NÃO SABEMOS POR QUEM COMEÇAR, PARECE UM BOM SINAL.
viii
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS _________________________________________________________ix
RESUMO ________________________________________________________________ xii
ABSTRACT ______________________________________________________________xiii
INTRODUÇÃO ____________________________________________________________ 1
As origens do MST, a construção da categoria Sem Terra e a agroecologia. __________ 16
1. Conformação do território e da economia do Rio grande do Sul ______________ 16
2. A via de desenvolvimento da década de 1970 ______________________________ 20
3. O surgimento do Movimento Sem Terra __________________________________ 24
4. Da condição de Sem Terra à de agricultores assentados _____________________ 28
5. A agroecologia e o espaço da contra-racionalidade__________________________ 32
O MST: aproximações e distanciamentos com a agroecologia______________________ 37
1. A história vivida: escrita e falada ________________________________________ 38
2. A ideologização da produção____________________________________________ 46
3. A influência do Estado na implementação da agroecologia ___________________ 62
4. Ampliam-se ações em favor da agroecologia _______________________________ 64
Entre as virtudes do discurso e os desafios da prática_____________________________ 70
1. Construindo uma vinculação com o alternativo ____________________________ 72
2.Viabilização da agricultura familiar através da agroecologia__________________ 81
3. Agroecologia e razão simbólica__________________________________________ 88
4. Os espaços de socialização e construção do conhecimento____________________ 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________ 96
ix
LISTA DE SIGLAS
AS-PTA – Assistência e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CETAP – Centro de Tecnologias Alternativas e Populares
CONCRAB – Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária
COOPERAL – Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados
COSULATI – Cooperativa Sul-riograndense de Laticínios LTDA
CPA – Cooperativa de Produção Agrícola
CPT – Comissão Pastoral da Terra
ENA – Encontro Nacional de Agroecologia
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MASTER – Movimento dos Agricultores Sem-Terra
MIRAD – Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária
PROCERA – Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária
PT – Partido dos Trabalhadores
PTA – Projeto de Tecnologias Alternativas
x
SCA – Sistema Cooperativista dos Assentados
UDR – União Democrática Ruralista
UNESCO – Organização da Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura
xi
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 01 - Mapa de localização dos assentamentos pesquisados
ANEXO 02 - Roteiro de entrevistas com agricultores
ANEXO 03 - Roteiro de entrevistas com técnicos dos assentamentos
xii
RESUMO
VERAS, Melissa Michelotti. Agroecologia em assentamentos do MST no Rio Grande do
Sul: entre as virtudes do discurso e os desafios da prática. 2005. 114f. Dissertação
(mestrado em Agroecossistemas) – Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
O foco principal de ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é a
oposição à concentração de terra e de capital. Ao longo de sua trajetória, entretanto, uma série
de outras lutas sociais combinadas, que estão relacionadas ao seu cotidiano, se desenvolve no
seu interior. Buscando perceber e discutir a incorporação de novos componentes à luta pela
terra – em especial a agroecologia, este trabalho resgata uma parte do histórico do
Movimento, procurando identificar os principais mediadores que interferem em tal processo.
De forma mais específica, foram levantados os motivos que impulsionam agricultores
assentados no estado do Rio Grande do Sul a incorporar a agroecologia nas suas práticas
produtivas. Os fundamentos estão associados a um discurso construído ideologicamente, que
propugna pela contraposição ao modelo da agricultura moderna ou industrial amparada pelo
latifúndio. Ao mesmo tempo, contudo, estão relacionados a dificuldades e necessidades
particulares. Servem de exemplo os impedimentos ao acesso a auxílios financeiros; a busca
por segurança alimentar na escala local, através da diversificação de produtos para o auto-
consumo; a possibilidade de relativa autonomia desses agricultores na vinculação aos
mercados; a busca de qualidade de vida; e a (re)criação de espaços de socialização através da
comercialização via feiras. Note-se que os motivos estão fortemente identificados com a
condição de excluídos dos assentados, remetendo a uma possibilidade de inclusão social desta
parcela de agricultores historicamente marginalizada. Percebe-se que ao longo da trajetória do
MST, este discurso modifica-se, passando de refratário a receptivo às proposições
agroecológicas. Na passagem do discurso à prática, deve-se considerar que a condição de
marginalidade, ao mesmo tempo em que constitui a força dos assentados na luta pela
“transformação social”, os impele à reintegração no interior do mercado, visando garantir
resultados imediatos no plano da reprodução social. Essa tensão fez com que o Movimento
criasse um discurso coerente com as proposições agroecológicas, buscando ressaltar sua
faceta de resistência e atenuar as contradições com o enunciado ideológico. O aporte desta
dissertação ao debate é apontar os mecanismos que a agroecologia aciona nos assentamentos
de reforma agrária estudados e as mudanças – sejam concretas, sejam de perspectiva – que ela
traz para as famílias assentadas.
Palavras-chave: Agroecologia, Movimentos sociais, Assentamentos rurais.
xiii
ABSTRACT
VERAS, Melissa Michelotti. Agroecology in settlements of MST in Rio Grande do Sul:
betwen the discurse’s virtues and the practice’s defiances. 2005. 114f. Dissertação
(mestrado em Agroecossistemas) – Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
The main focus of the Landless Peasants' Movement (MST) action is the opposition to land
and capital concentration. However, the Movement has undergone a number of changes since
it was started. A number of other combined social struggles within the movement are closely
related to peasants’ day-to-day life. This paper includes a historical survey of the Movement,
seeking to grasp and discuss how the movement has incorporated such “new elements” into
the struggles for land and which are the main intervening factors that interfere with this
process. A survey was carried out among the peasants settled in the state of Rio Grande do
Sul, currently engaged in an agro-ecological perspective, with the purpose of determining the
reasons impelling them to incorporate agro-ecology in their productive practices. Answers
appear to include general elements that are strongly associated with an ideological discourse,
such as the opposition to the so-called “modern” agriculture model, which is backed up by the
“latifundium;” but they also include drives related to their own difficulties and needs, such as
the lack of access to funds; the strive for safe food resources at a microlevel through the
diversification of consumption products; the possibility of relative autonomy for those
peasants in the markets; the strive for life quality and the (re)creation of socialization spaces
through commercialization fairs. It is to be noticed that such reasons are strongly connected to
their condition of marginalized citizens, adverting to the possibility of a social inclusion of
this historically outcast portion of rural workers. At the same time, this discourse was changed
in the course of MST pathway, shifting from refractory to receptive to agro-ecological
proposals and to family agriculture. As a conclusion, their actions are in practice exposed to a
few risks when compared to the discourse, which is to be taken into account. The
marginalization condition of the movement constitutes a strength in their struggle for “social
changes,” and, at a time, drives them to a reintegration within the market, seeking to
guarantee immediate results in the social reproduction plan. This contradictory condition led
the Movement to generate a discourse that is consistent with the agro-ecological proposal, in
an attempt to emphasize their resistance facet, although hiding that which contradicts the
ideology. Our contribution to this debate was to point out both the mechanisms set forth by
agro-ecology in those settlements and the changes - either concrete or potential - that agro-
ecology brings to settled families.
Key-words: Agroecology, social movements, rural settlements.
1
INTRODUÇÃO
Os acampamentos e assentamentos de reforma agrária organizados pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) são uma realidade em todo o território brasileiro.
No estado do Rio Grande do Sul, grande parte dos agricultores acampados e assentados
ligados ao Movimento provém daquela parcela de agricultores familiares que, ao longo da
década de 70, com a modernização da agricultura, viu suas possibilidades de reprodução
reduzidas passando então a se organizar em torno desse movimento social.
O Movimento ganhou visibilidade no cenário nacional como uma das principais forças
que contestam um modelo de sociedade que vem se mostrando excludente e incapaz de
solucionar os problemas agrários e de distribuição de renda. Mas o MST passa, ao mesmo
tempo, por transformações. Hoje, ele já é muito diferente do que era início da década de 80.
Ainda que a acumulação de terra e de capital continuem sendo o foco central das suas ações,
novos elementos vão sendo incorporados ao seu ideário, ou mesmo, tomam centralidade no
debate.
A realidade de exclusão vivenciada pelos agricultores Sem Terra, assim como sua
proximidade com mediadores religiosos e algumas ONGs ambientalistas, foram fatores que
contribuíram para que o Movimento incorporasse nas suas discussões as questões ambientais,
indicando a necessidade de uma nova forma de agir e pensar na agricultura, diferente daquele
modelo produtivo adotado na modernização agrícola. No entanto, com raras exceções, dentro
dos assentamentos do MST, as tecnologias alternativas
1
de produção foram relegadas a
1
Segundo Almeida (2002), a noção-chave “tecnologias alternativas”, amplamente utilizada por ONGs e agentes
ambientalistas desde meados da década de 70 até o final da década de 80, pouco a pouco foi sendo substituída
pelo termo agroecologia. Ao mesmo tempo, o termo agroecologia vai assumindo uma multiplicidade de formas
2
segundo plano pelos agricultores assentados e pelas próprias lideranças do Movimento. A
ênfase da direção do MST recaia sobre a necessidade de agregar valor à produção através da
industrialização dos produtos agrícolas, em que pese, a organização dos agricultores
assentados em grupos de cooperação agrícola seria a principal proposta do Movimento.
Assim, a regra foi implementar tecnologias que em nada se diferenciaram do padrão
tecnológico moderno, incidindo graves impactos sociais e ambientais nos assentamentos do
MST.
Sua proximidade com uma vertente marxista aparece como um fator importante para
explicar estes fatos. Durante algum tempo o Movimento apontou, como passo necessário em
direção ao Socialismo, para o desenvolvimento máximo das forças produtivas na agricultura,
visto como sinônimo da incorporação crescente de “insumos modernos”. Nessa perspectiva,
para o Movimento o problema principal não estaria nas tecnologias em si, mas apenas na
apropriação desigual dos benefícios por elas gerados e no crescente monopólio da terra.
A alta dependência de insumos externos (agroindustriais), a falta de créditos, os baixos
preços pagos pelos seus produtos, as terras de baixa qualidade e de tamanho insuficiente
2
, tem
contribuído para que agricultores assentados busquem estratégias produtivas que garantam a
sua permanência na atividade agrícola
3
. Ao mesmo tempo, a crescente percepção dos
impactos negativos que as tecnologias modernas imprimem sobre as condições de trabalho
desses agricultores, especialmente no que tange sua saúde, faz com que a agroecologia passe a
figurar como uma alternativa de viabilização econômica, social e ecológica da agricultura
de uso. Torna-se, assim, necessário apreender as – diferentes – referências que os atores sociais tomam – em
determinado momento – para defini-la. Este tópico se retomado para discussão ao final do primeiro capítulo.
2
Segundo Navarro (1995), cerca de 33% das famílias assentadas no estado do Rio Grande do Sul entre 1979 e
1992, acabaram abandonando ou trocando seu lote. O principal motivo está no tamanho insuficiente para a
obtenção de renda que garantisse a manutenção da família na área (máximo de 15 ha e mínimo de 1,2 ha de área
agricultável por família).
3
Os dados apresentados pelo IBGE (2005), demonstram o desaparecimento de cerca de 195 mil
estabelecimentos familiares na região Sul do Brasil em apenas 10 anos (1985/95).
3
familiar e dos assentamentos de reforma agrária no estado. Ressalte-se ainda que no Rio
Grande do Sul, em 1999, a entrada de um governo com identificação no campo das esquerdas
fez com que se fortalecessem iniciativas em favor da agricultura familiar e da agroecologia.
Estes elementos contribuem para que o MST retome as discussões acerca de um
modelo alternativo de produção, passando a defender a agroecologia como uma alternativa
para estes setores marginalizados economicamente. Desenha-se a busca de um modelo
alternativo de desenvolvimento, que seja sustentável dos pontos de vista ambiental,
socioeconômico, político e cultural. Ganha corpo a idéia de que “A reforma agrária, a
agroecologia e o desenvolvimento sustentável são lutas que se complementam. Uma não
existe sem a outra”
4
. É necessário ressaltar, primeiro, que esta é uma preocupação recente
dentro do MST e depois, que, apesar de estar presente em seus discursos, poucos são os
assentamentos que trabalham atualmente com uma agricultura alternativa
5
.
Gradativamente, amplia-se o número de agricultores assentados do Rio Grande do Sul
que alteram suas práticas produtivas, voltando suas atividades para a construção de um modo
de produzir na agricultura com bases na agroecologia. É também nesse momento que a
sociedade passa a discutir e se organizar em busca de melhor qualidade de vida em relação à
alimentação, constituindo um mercado de produtos advindos de uma agricultura alternativa
que se expande rapidamente em todo o Brasil. Note-se que é crescente o número de feiras
ecológicas, assim como redes de super mercados que destinam setores especificamente para
esse tipo de produto. Ao mesmo tempo, de acordo com De Jesus e De Assis (2002), cria-se
um mercado de “insumos orgânicos” como produtos foliares, compostos, produtos para
controle de insetos e doenças, fortalecedores vegetais, entre outros.
4
Discurso proferido em 14 de agosto de 2003 no Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) por Ciro Eduardo
Correa, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
5
Serão utilizados como sinônimos agroecologia e agricultura alternativa.
4
A partir de então, surge uma série de questionamentos acerca da agroecologia e suas
reais potencialidades em criar uma nova forma de produção da vida na agricultura e na
sociedade. Segundo Almeida (2000), este “movimento de contestação” muitas vezes tem se
limitado a propor alternativas de (re)inserção desta categoria marginal em nível econômico,
numa verdadeira (re)adequação de setores marginalizados economicamente ao mercado,
distanciando-se das aspirações que inicialmente o mobilizaram.
Buscando clarificar esta agitação que envolve a agroecologia pretende-se, nas
discussões que seguirão, compreende-la dentro de um horizonte estratégico para estes
agricultores familiares ligados ao MST, considerando suas possibilidades e limites. Este
debate propõe apontar os mecanismos que a agroecologia aciona em assentamentos de
reforma agrária e as mudanças – sejam concretas, sejam de perspectiva – que ela traz para as
famílias assentadas.
Pretende-se, ainda, perceber as modificações no discurso do MST para as questões que
envolvem a agroecologia, identificando os principais mediadores que, em determinado
contexto histórico, influenciam tais mudanças, assim como, identificar as motivações dos
agricultores assentados para a implementação da proposta agroecológica.
A relação entre a proposta agroecológica e as aspirações do MST evidencia-se à
medida que a agroecologia mostra-se como um elemento de resistência, com aspirações de
transformação das relações na sociedade moderna. Certamente, há limites para alcançar tais
mudanças, entretanto a agroecologia torna-se um instrumento de luta política que pretende
(re) orientar o modelo de desenvolvimento em andamento.
5
O ponto de partida
Quando as fontes materiais não são suficientes para explicar determinados fatos, torna-
se necessário recorrer a outros recursos como a memória oral, individual ou coletiva, para
resgatar acontecimentos que ainda não foram devidamente registrados ou mesmo que
necessitam ser revisados. Especialmente quando eles retratam aspirações – presentes nos
discursos – que, muitas vezes, não representam as ações praticadas dentro dos assentamentos
do MST.
Passa-se então a (re)construir um quadro narrativo histórico complementar às fontes
materiais existentes. É possível, assim, perceber a dicotomia entre o veiculado nas
publicações do MST – nas falas das lideranças – e o praticado pelos agricultores assentados,
desvelando-se as reais motivações desses para adotar a agroecologia dentro dos assentamentos
organizados pelo Movimento
6
. Este estudo não se propõe apenas a revelar estas
ambigüidades, mas colher evidências para construir um quadro de referências capaz de
explicar – mesmo que parcialmente – uma realidade social, buscando, assim, contribuir para a
implementação da agroecologia dentro dos assentamentos do MST.
Para realização da pesquisa foram selecionadas duas comunidades rurais criadas a
partir de políticas de reforma agrária, mais especificamente dois assentamentos organizados
pelo MST e localizados no Estado do Rio Grande do Sul. Eles deveriam possuir tempos de
implantação e trajetórias distintos e ter, na atualidade, como referencial de produção a
Agroecologia. Escolheu-se os assentamentos “Santa Elmira” – um dos primeiros
assentamentos a trabalhar numa perspectiva agroecológica no estado, criado no ano de 1989 e
6
Convém destacar que na década de 80, outras forças políticas passaram a atuar na organização de agricultores
desapropriados dos meios de produção (especialmente terra e capital), para constituir assentamentos de reforma
agrária em todo o Brasil, ou seja, nem todos os assentamentos existentes no Brasil têm influência do MST.
6
localizado no município de Hulha Negra – e “Carlos Marighella” – implantado em Santa
Maria no ano de 2000, que já nasce com a proposta de usar como base produtiva a
agroecologia. A localização geográfica destes assentamentos pode ser verificada no ANEXO
01. Ressalte-se ainda que esta definição levou em consideração o fato destes assentamentos
estarem mais avançados nas discussões acerca da agroecologia, tornando-se, na atualidade,
referência em nível nacional para o Movimento e demais assentamentos organizados por ele.
As dificuldades em efetuar uma pesquisa de campo, sobretudo quando não existe a
disponibilidade de recursos para isso, fizeram com que a metodologia fosse definida de forma
a ocupar um curto espaço de tempo. Ela permitiu que fossem selecionados apenas estes dois
assentamentos organizados pelo MST, e que o tempo de permanência dentro desses fosse
reduzido a, no máximo, uma semana.
A escolha destes assentamentos esteve permeada pela pretensão de captar as
motivações e transformações desenhadas ao longo da trajetória do Movimento acerca dos
diferentes formatos tecnológicos adotados pelos agricultores assentados até chegar à
agroecologia. A finalidade foi reconstruir um quadro narrativo histórico para este assunto
específico a partir dos depoimentos dos entrevistados e, posteriormente, confrontar estas
informações com as publicações do Movimento, permitindo perceber as reais motivações que
levaram agricultores assentados a construir uma forma de produzir na agricultura com bases
na agroecologia.
Através de um roteiro de entrevistas semi-estruturadas (ANEXO 02) procurou-se,
junto aos agricultores assentados, relatos das suas percepções pessoais, dos acontecimentos de
sua vida com relação à militância no MST e, ao mesmo tempo, da questão produtiva, das
7
dificuldades na implementação dos diferentes propostas tecnológicas desde a criação do
assentamento e seus desdobramentos. O roteiro envolveu ainda perguntas que pudessem
fornecer elementos sobre como os agricultores concebem a agroecologia e como a praticam,
os diferentes motivos que – ao longo de cada trajetória – os levaram a trabalhar numa
perspectiva agroecológica e qual a influência do MST e outros mediadores nesse processo.
A meta era entrevistar pelo menos dez agricultores em cada assentamento. Geralmente
as entrevistas aconteciam nas suas casas em horários em que esses não estavam em sua
atividade de trabalho. No assentamento Carlos Marighella todas as 10 famílias foram
entrevistadas e, algumas vezes, as entrevistas foram individuais – entrevistava-se
separadamente agricultor e agricultora – noutras, participaram ao mesmo tempo mais de um
membro da família.
Entre os agricultores do assentamento Santa Elmira foram selecionados aquelas
famílias que atualmente se organizam para comercializar seus produtos nas feiras
agroecológicas. Nesse assentamento 11 famílias foram entrevistadas. As entrevistas
realizaram-se com aqueles membros da família que no momento estavam acessíveis, pois não
havia possibilidade de retornar em cada casa em outro momento. Da mesma forma, algumas
entrevistas foram coletivas, outras individuais.
Nas entrevistas não houve distinção – quanto ao roteiro – para aqueles agricultores que
são lideranças do movimento ou não, pois há uma certa dinâmica que permite à grande parte
deles já ter desempenhado alguma atividade diretiva dentro do Movimento. Ao identificar
essa faceta buscou-se explorar quais suas atividades enquanto dirigente e sua relação com
8
lideranças estaduais (ou mesmo nacionais), assim como a orientação dessas em relação à
agroecologia.
Pelo menos um técnico de cada assentamento foi entrevistado. As perguntas
relacionavam-se com suas atividades dentro do assentamento, sua visão sobre a relação dos
agricultores com as práticas agroecológicas, os avanços nas discussões e práticas
agroecológicas, as dificuldades e as perspectivas para a questão dentro do assentamento e do
próprio Movimento (ANEXO 03).
Após a transcrição das fitas foram agrupadas as informações relevantes para a
pesquisa de acordo com a fundamentação teórica e analisado criticamente o sentido dos
dados, dos conteúdos manifestos e o sentido de suas significações. É importante, ainda,
salientar que tais relatos são lembranças organizadas segundo uma lógica subjetiva que
seleciona e articula elementos que nem sempre correspondem a fatos concretos, objetivos e
materiais, ou seja, a memória é múltipla, algo que trabalha com o vivido e constrói
representações coletivas (MEIHY, 2000. p.75-76). A memória é a base da história, mas não é
a própria história. Torna-se necessário, então, confrontá-la com o que se torna público ou o
que vem à tona para a sociedade, como os documentos históricos produzidos, na tentativa de
fazer um desenho mais claro dos acontecimentos.
Para construir esta conexão foi realizada ampla pesquisa documental nas publicações
do próprio Movimento, confrontando com os relatos orais dos entrevistados. Foram
estabelecidas articulações entre os dados coletados nas entrevistas, nos documentos do
Movimento e o referencial teórico da pesquisa levando em conta os seus objetivos. Segundo
Minayo (1994, p.79) “assim, promoveremos relações entre o concreto e o abstrato, o geral e o
9
particular, a teoria e a prática”. A partir daí, deu-se relevo aos elementos que foram
determinando a vinculação da agroecologia à proposta do MST.
A caracterização do universo pesquisado
O Assentamento “Santa Elmira”
O assentamento “Santa Elmira” está localizado no município de Hulha Negra, região
da Campanha do Estado do RS, com uma população aproximada de 5.359 habitantes (IBGE,
2005). Nessa região prevalecem grandes propriedades monocultoras com forte predomínio de
pecuária extensiva. Durante longo tempo, operou-se um discurso de que para essas áreas
somente esse tipo de produção era viável. Em meados do século XX, no entanto, parte dos
agricultores da região passou a se especializar na produção de arroz irrigado e, mais
recentemente, em outras culturas – especialmente soja, trigo, uvas varietais e leite – que
gradativamente foram substituindo os espaços de pastagens nativas (GEHLEN e MÉLO,
1997).
A implantação de assentamentos a partir de políticas de reforma agrária, ao final da
década de 80, viabilizou um complexo agrícola baseado na agricultura familiar,
transformando este espaço rural que passa a diversificar as atividades e ampliar a produção
comercial da região. O assentamento integra, hoje, um aglomerado de 56 assentamentos
alocados em chamados bolsões
7
. A paisagem do município é tipicamente rural, com uma
pequena parcela de atividades comerciais e de serviços sendo desenvolvidas. A precariedade
nos sistemas de transporte, comunicação e serviços faz com que o município de Bagé, distante
7
De acordo com dados do MST, existem aproximadamente 224 assentamentos e cerca de 9.600 famílias
assentadas no estado do Rio Grande do Sul (MST, 2005). O Movimento contabiliza, atualmente, mais de duas
mil famílias distribuídas em 56 assentamentos somente nessa região.
10
aproximadamente 50 Km, figure como local privilegiado para o abastecimento de produtos
agrícolas, serviços, educação, entre outros.
A chegada das primeiras famílias no assentamento Santa Elmira aconteceu em 1989.
Os agricultores que ali se instalaram constituíam unidades de produção agrícola com base no
trabalho familiar, desenvolvendo parte de suas atividades de forma coletiva através das
cooperativas agrícolas familiares ou através da formação de grupos para fins específicos
(como comercialização ou produção)
8
. Cada família possui um lote de aproximadamente 25
hectares.
Compõe este assentamento, famílias que tiveram origem entre filhos de agricultores –
especialmente do norte do estado - que, devido o tamanho insuficiente de terras para produzir
e pela impossibilidade de partilha por herança, decidiram se organizar em torno do MST.
Outra parcela destes agricultores constituem uma segunda geração de agricultores sem terra –
cujos pais foram assentados em áreas vizinhas – que decidem engrossar as fileiras do MST e,
assim, conseguir seu próprio pedaço de terra.
As famílias assentadas na região vivem basicamente da atividade leiteira, entregando o
produto in natura para a Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados (COOPERAL)
ou para a Cooperativa Sul-riograndense de Laticínios LTDA
9
(COSULATI). Outra atividade
predominante é o cultivo de sementes de hortaliças que são produzidas em sistema integrado
com empresas privadas ou para a BioNatur. Esta última, uma empresa criada pelo Movimento
no ano de 1997 que comercializa atualmente cerca de 32 variedades de sementes olerícolas
8
Para uma análise da construção e princípios norteadores da proposta de cooperação agrícola do MST ver, entre
outros autores, Cazella (1992).
9
Cooperativa criada em 1973 que abriga 3.801 cooperados e 1.129 pequenos agricultores integrados,
abrangendo atualmente 27 municípios da região Sul do Estado.
11
ecológicas, orientando suas ações para o aumento da produção dentro dos assentamentos com
perspectivas de competir nos mercados nacional e internacional (CORREA, 2004).
Parte dos agricultores entrevistados produzem sementes ecológicas para a BioNatur,
entretanto, esta não é a única atividade que envolve bases ecológicas para a produção. Há
cerca de 2 anos algumas famílias passaram a se organizar em grupos, direcionando suas
atividades para a diversificação da produção através da implantação de hortas, pomares e
criações. O objetivo é comercializar tais produtos em feiras ecológicas da região de Bagé.
Os agricultores assentados descrevem os primeiros tempos no assentamento como um
período de grandes dificuldades, especialmente, pela ausência de infra-estrutura básica para a
produção, falta de crédito, de moradia, de energia elétrica, transporte, entre outros,
desencadeando, em alguns casos, abandono, venda ou troca de lotes dentro do assentamento.
Especialmente entre esses agricultores, a modernização da agricultura se fez de forma parcial
e incompleta, não se constituindo aí um padrão tecnológico dominante. Os motivos para este
fato podem ser encontrados na pouca utilização de créditos oficiais, ou no uso destes créditos
para alimentação e moradia e não para investimentos na produção, nas dificuldades de acesso
rodoviário a essas áreas, ou mesmo pelas condições de fertilidade do solo, que se mostram
favoráveis, dispensando o uso de grande parte de insumos químicos industrializados. A
passagem para uma agricultura alternativa – agroecológica – realizou-se de forma mais “fácil”
e essas famílias ou grupos, classificados antes como atrasados – ou pouco estratégicos – pelo
Movimento, hoje, ganham maior visibilidade.
12
Atualmente, a assistência técnica é feita através de técnicos ligados ao Centro de
Tecnologias Alternativas e Populares
10
(CETAP). A ação desta organização tem influência
direta no rearranjo das atividades dos agricultores. Trata-se de uma tentativa de dinamização
da economia local, baseada na diversificação das atividades e na comercialização dos
produtos em feiras locais.
O assentamento “Carlos Marighella”
O assentamento “Carlos Mariguella” está localizado no município de Santa Maria,
região centro-norte do Estado. A ocupação dessa região se deu a partir do séc XVIII, como
recompensa às conquistas militares do território brasileiro. De acordo com Brum (1988), o
gado e as guerras marcaram profundamente a formação do Rio Grande do Sul, permitindo
que tropeiros e militares se instalassem nas áreas de campos, participando do Ciclo do
Charque através da exploração agropecuária extensiva.
A partir de 1824 até 1850, imigrantes europeus se instalam nas regiões de matas dessa
região, às margens dos rios navegáveis – áreas marginais para a produção pecuária –,
formando as chamadas colônias velhas
11
. Essas áreas experimentaram relativo dinamismo e
expansão econômica, formando uma classe média rural amparada na comercialização de sua
produção excedente (BRUM, 1988). De acordo com dados apresentados pelos IBGE (2005),
Santa Maria possui aproximadamente 261.980 habitantes. Portanto, um importante centro
comercial e referência para obtenção de serviços básicos como saúde e educação
12
, entre
outros, para os municípios vizinhos. Predominam pequenos e médios estabelecimentos rurais,
10
Fundado em janeiro de 1986, o CETAP compõe a “rede de tecnologia alternativa”. Atuando em cerca de 11
estados brasileiros e têm alcançado resultados significativos na implementação de técnicas “alternativas” junto
aos agricultores.
11
As colônias velhas são constituídas, principalmente, de núcleos de origem alemã ou italiana (BRUM, 1988).
12
Abriga, ainda, a Universidade Federal de Santa Maria, primeira universidade criada no interior do estado do
Rio Grande do Sul.
13
cuja atividade está centrada na produção de grãos (especialmente arroz e soja) e na pecuária
extensiva.
O assentamento está localizado a aproximadamente 7 Km do centro urbano de Santa
Maria, e conta com uma área de aproximadamente 300 hectares. Desenvolve atividades
diversificadas, entre elas a criação de pecuária de corte, de leite, frangos, suínos, hortas,
pomares (ainda em fase de implantação), lavouras de milho, mandioca, batata, e mais
recentemente soja e arroz. A assistência técnica é prestada por um técnico autônomo
contratado pelas famílias assentadas.
O MST através da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (CONCRAB),
participou na definição dos critérios para a escolha do grupo a ocupar a área do assentamento.
A prioridade foi assentar famílias que organizassem suas atividades produtivas de forma
coletiva e com base na agroecologia. Foi implantado no início de 2000 e é considerado pelo
Movimento um “assentamento modelo”. Conta hoje com 10 famílias assentadas as quais
orientam suas atividades visando a comercialização dos seus produtos nas feiras locais
(agroecológicas ou não), ou em alguns pontos de comercialização.
Entre os agricultores assentados estão filhos de agricultores que decidem ingressar no
Movimento devido a pequena propriedade dos pais e conseqüente redução das possibilidades
de continuidade na atividade; filhos de agricultores que perderam suas terras em decorrência
de dívidas em bancos e que até então exerciam atividades diversas nas cidades; e, ainda,
trabalhadores rurais assalariados que decidem buscar seu próprio pedaço de terra para
trabalhar.
14
Apresentando a estrutura do trabalho
Compreender o que leva indivíduos a se organizarem em torno de um movimento
social passa, tanto por apreender a formação de sua identidade
13
, como perceber a interação
desse movimento com outros mediadores
14
políticos. Desta forma, no início do primeiro
capítulo, serão abordadas as origens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a
construção da categoria Sem Terra, partindo-se das diferentes frentes de ocupação do
território do Rio Grande do Sul e as diferentes etnias que o compõe. A partir de então, busca-
se vincular estas categorias marginais na economia e na sociedade – marginalidade que cresce
a partir das transformações ocorridas com a modernização da agricultura – e com a
organização de uma parcela de agricultores em torno do MST.
Esse universo de contestação inclui a agroecologia como um contraponto à agricultura
moderna, mas igualmente como uma estratégia que visa garantir a reprodução econômica
desta categoria marginal dentro da sociedade moderna
15
. A partir da construção desta
narrativa sobre o MST, o segundo capítulo evidencia as mudanças nos discursos das
lideranças, buscando compreender a forma como ele vem incorporando “novos elementos” à
luta pela terra. Ressaltar tais características (de contestação/ reinserção) permitirá
compreender os caminhos e descaminhos rumo à agroecologia, evidenciando os diferentes
formas de produzir na agricultura defendidas pelo MST e aquelas adotadas dentro dos
assentamentos. Ao mesmo tempo, busca-se salientar a influência dos mediadores
(principalmente religiosos, o Estado e os técnicos de ONGs) que participam neste processo.
13
De acordo com Castells (1999), identidade é fonte de significado, ela é construída a partir das experiências e
relações sociais que atores sociais estabelecem dentro de um contexto econômico, político e social - que se
transformam ao longo dos tempos – e que constroem não um indivíduo, mas um ator social coletivo. Identidades
organizam significados.
14
Mediadores são definidos como agentes sociais que “têm um trabalho direto ou de apoio às lideranças e às
organizações dos movimentos, desenvolvidos por profissionais, técnicos, militantes políticos e missionários
religiosos” os quais influenciam, utilizam e modificam seus discursos (GOHN, 1987. p.01).
15
Sociedade moderna aqui entendida no sentido histórico, ou seja, indicando o período da história mundial
posterior à revolução industrial – que compreende aos últimos decênios –, caracterizada, de forma geral, pelo
aprofundamento das relações capitalistas na sociedade em escala global.
15
O intuito do capítulo 3 é compreender a agroecologia a partir da ótica dos agricultores
assentados, as motivações e dificuldades relacionadas à adoção da agroecologia, enfatizando
seu caráter de contraponto à agricultura moderna. Este quadro, no entanto, carrega uma série
de tensões e ambigüidades que ora colocam a agroecologia como contraponto (resistência) à
agricultura moderna, ora a colocam como alternativa viável para inserir nos mercados esta
categoria historicamente marginalizada tanto socialmente, como do ponto de vista econômico.
Compreender as motivações dos agricultores em propor a agroecologia nestes espaços rurais
permite, nas considerações finais, apontar alguns possíveis caminhos para avançar nas
proposições agroecológicas.
16
CAPÍTULO
I
As origens do MST, a construção da categoria Sem Terra e a
agroecologia.
Neste capítulo será descrita a ocupação do território do Rio Grande do Sul, assim
como o desenvolvimento e as transformações da sociedade e da sua economia. A ênfase recai
sobre o período iniciado na década de 60, que compreende o processo de modernização da
agricultura
16
. Serão considerados os efeitos da consolidação do modo de produção capitalista,
enquanto modo de produção dominante, e seus desdobramentos, ressaltando a realidade de
exclusão social e os conflitos sociais decorrentes desse processo. A partir de então, será
abordada a organização de agricultores em torno de um movimento social, o MST, retratando
a ligação da categoria dos agricultores Sem Terra à agroecologia. Compreender a
conformação deste sujeito – a partir da construção (e metamorfoses) desse enquanto uma
categoria empírica – permitirá a compreensão de suas ações e, portanto, sua aproximação com
a agroecologia. Essa entendida como uma possibilidade de inserção – e ao mesmo tempo
resistência – dos agricultores assentados aos ditames econômicos da sociedade
contemporânea.
1. Conformação do território e da economia do Rio grande do Sul
No período que precedeu a chegada dos espanhóis e portugueses no Rio Grande do
Sul, habitavam estas terras aproximadamente 500 mil índios (BRUM, 1988). O encontro –
nada pacífico – dos colonizadores com um ambiente “natural” e os povos indígenas que aqui
16
O termo modernização da agricultura compreende, ao mesmo tempo, o aprofundamento das relações
capitalistas no campo e mudanças na base técnica da agricultura, especialmente pelo uso intensivo de máquinas e
implementos agrícolas.
17
se encontravam (guaranis e kaingang) acabou definindo mudanças importantes quanto aos
arranjos culturais, sociais e ecológicos nas diferentes regiões do estado do Rio Grande do Sul
(GHELEN e MÉLO, 1997).
A ocupação do território Riograndense aconteceu em quatro frentes distintas. A
primeira, no final do séc. XVII e início do séc. XVIII, iniciada pelos jesuítas e bandeirantes
que partiram do litoral e adentraram o estado, demarca uma mistura étnica com traços
culturais indígenas e europeus dando origem aos povos da região das Missões. A segunda, no
séc. XVIII atingiu a região da Campanha. Sua base social era formada de peões de estância,
tropeiros e escravos, constituindo o tipo social caboclo, dedicado à cultura de subsistência nas
fazendas que se estabeleceram visando a consolidação das fronteiras. A base da atividade das
estâncias era a produção de gado para as charqueadas. A terceira corrente aconteceu entre
1748 e 1772 atingindo o litoral e parte de Porto Alegre e consistiu da entrada de migrantes
vindos de Portugal que, a partir de um plano de colonização, vieram para o Brasil na tentativa
de implementar um modelo agrícola familiar, complementar ao colonial exportador. Esta
tentativa apresentou, no entanto, resultados insatisfatórios, mas deu origem a núcleos urbanos
nessas regiões. Entre 1830 e 1890 temos o quarto fluxo ocupatório, resultante da migração de
trabalhadores de economia familiar excluídos no processo de industrialização de alguns países
da Europa. Mais uma vez, buscava-se implementar no Brasil uma economia (rural, industrial
e comercial) de tipo familiar que contrabalançasse e complementasse o modelo tradicional
baseado nas sesmarias (BRUM, 1988; GHELEN e MÉLO, 1987).
Ao chegarem no estado do Rio Grande do Sul, os imigrantes europeus se fixaram nas
áreas de mata que até então estavam “desocupadas”
17
por serem inadequadas para a criação
17
Cabe ressaltar que estas áreas permaneciam ocupadas pelos povos indígenas que, pouco a pouco, foram sendo
expulsos de suas terras.
18
de gado. Comumente denominados de colonos, eles centraram suas atividades na
agropecuária diversificada com base na pequena propriedade familiar. Foram os principais
responsáveis por garantir o abastecimento de alimentos no mercado interno, através da
comercialização de sua produção excedente, fazendo com que houvesse uma dinamização da
economia local (BRUM, 1988; SCHIMITT, 2004).
A entrada dos imigrantes acontece de forma simultânea com a proclamação da
independência em 1822 e com a libertação dos escravos em 1888, que até então, segundo
Brum (1988), prestavam serviços domésticos e realizavam atividades ligadas às Charqueadas
no estado. Ao instituir a apropriação camponesa da terra, o governo permitiria criar no espaço
brasileiro uma alternativa à força de trabalho escrava (Martins, 1984). Essa parcela de
imigrantes e trabalhadores libertos reforça o contingente de agricultores que praticam uma
agricultura de subsistência com recorrentes atividades mercantis, tentando casar suas práticas
tradicionais de produção a novas culturas agrícolas.
O setor agrícola brasileiro é marcado por contínuas crises de abastecimento,
conseqüência de uma baixa produção para o mercado interno e uma distribuição ineficiente,
provocando desbalanço nos setores econômicos. Ao final da II Guerra Mundial em 1945
18
,
revelava-se a preocupação com o progresso à partir de propostas modernizantes que visavam
a elevação do nível técnico e a produtividade do setor agrícola brasileiro. Wanderley (1985)
afirma que esta preocupação modernizante já estava presente entre o governo brasileiro, mas é
apenas em meados da década de 50 que esse passa a disponibilizar estímulos – através de
políticas agrícolas – para o desenvolvimento e modernização das grandes propriedades.
18
Vive-se um momento de aspirações democráticas no Brasil, repercutindo com o ressurgimento das esquerdas e
a destituição do presidente Getúlio Vargas. Ampliam-se os conflitos sociais desencadeando a organização de
lutas pela terra no campo. Talvez as de maior repercussão sejam o MASTER, no Rio Grande do Sul, e as ligas
camponesas que buscaram unificar os diferentes segmentos de pequenos agricultores contra o latifúndio e pelo
fim da exploração dos trabalhadores (BOEIRA, 2004).
19
Ressalte-se que estes estímulos não atingiram, ou atingiram apenas parcialmente, os pequenos
agricultores.
De acordo com Wanderley (1999), historicamente, à agricultura camponesa concedeu-
se um lugar secundário na economia brasileira, impossibilitando-a de desenvolver suas
potencialidades. Esses segmentos foram estimulados e contemplados pela política agrícola
somente enquanto desempenharam funções como de desbravar e liberar terras novas, ou como
produtores complementares que não concorriam com os produtos valorizados pelo mercado,
ou mesmo, enquanto reserva de força de trabalho para as fronteiras em expansão. Porém, ao
reivindicar acesso à terra, melhores preços, acesso ao crédito, assistência social e sanitária,
foram totalmente “esquecidos” pelo Estado (GEHLEN e MÉLO, 1997). Restou a estes
setores, lutar por um espaço próprio na economia e na sociedade, estabelecendo – em
oposição ao latifúndio – lutas cuja identidade central foi sua condição de marginalidade
19
.
Segundo Gehlen e Mélo (1997), o agricultor familiar do sul do Brasil apresenta
algumas características particulares “trazidas da matriz Européia (no caso do colono) ou
reelaboradas (no caso do caboclo)”. Para o colono, a terra define-se como condição de
afirmação da identidade, um espaço de trabalho necessário para a reprodução familiar que, em
determinados momentos, se orienta pela lógica do mercado aproximando-se do “produtor
moderno”. Entre agricultores familiares a noção de trabalho torna-se um valor ético central
trazendo, ainda, características comuns como a prática dos policultivos, associando cultivos e
criação de animais destinados ao consumo da família e comercialização dos excedentes; uso
de mão-de-obra basicamente familiar; e partilha de terras por herança, dando origem aos
minifúndios (BRUM, 1988).
19
Para este tema consultar José de Souza Martins em seu trabalho clássico Os camponeses e a política no Brasil
(1984).
20
O padrão tecnológico usado nas pequenas propriedades familiares consistia de técnicas
e práticas menos intensivas (se a compararmos ao padrão atual) com baixo uso de insumos
externos e máquinas. Entretanto, a crescente inserção mercantil e intensificação do uso dos
recursos naturais configuram uma nova realidade, acentuando os impactos sociais e
ambientais nos espaço rural (PASTORE, 2003). Segundo Brum (1988. p.30), entre os colonos
“a propriedade pequena e a família numerosa obrigavam a uma intensa exploração do solo, o
que provocou rápido esgotamento da sua fertilidade natural”. Associado a isso, outro fatores
como o baixo preço dos seus produtos e a transferência de renda para os comerciantes e
indústria (pela aquisição de bens) permite que, a partir da década de 60, haja uma estagnação
ou mesmo declínio da agricultura tradicional.
2. A via de desenvolvimento da década de 1970
A idéia de que o Brasil seria dividido entre a dinâmica industrial e a estagnação
agrícola fez com que, na década de 60, o debate estivesse concentrado sobre a necessidade de
redefinir os rumos do desenvolvimento da agricultura brasileira. As teorias
desenvolvimentistas liberais ou marxistas, embora bastante distintas entre si, fundamentaram-
se a partir das sociedades ocidentais ricas e avançadas industrialmente para propor modelos de
desenvolvimento para os países pobres (ALMEIDA, 1998).
A corrente neoclássica, representada nas idéias de Schultz (1964), acreditava que o
capitalismo agrário – e o desenvolvimento da indústria voltada à agricultura – aumentaria a
eficiência na produção agrícola promovendo desenvolvimento no espaço rural. Basicamente,
isso se daria através do aporte de fatores externos, substituindo os insumos “tradicionais” por
insumos “modernos” (ou da indústria).
21
O pensamento hegemônico dentro da vertente marxista tinha o desenvolvimento
capitalista como um dado inevitável, levando às últimas conseqüências a premissa de que as
contradições originadas na base econômica são preponderantes para gerar um potencial
revolucionário dentro do quadro histórico-social. Enfatizava, entretanto, a necessidade de
transformação na estrutura fundiária para promover a distribuição da renda agrícola e o
aumento da eficiência do uso da terra (ROMEIRO, 1998; ABRAMOVAY, 1992). Esse
diagnóstico político constituía-se num programa de desenvolvimento histórico em nome de
“interesses políticos mais amplos”. Nessa perspectiva, ao camponês restaria um lugar
secundário na história podendo esse se inserir de forma “subordinada” às diretrizes da classe
operária ou através da “conscientização” a partir dos “efeitos historicamente positivos” da
expropriação e desenraizamento do campesinato (Martins, 1984. p.23-25).
A política agrária que seguiu, amparada pelos governos militares, viabilizou uma
modernização conservadora, alterando a base tecnológica sem, no entanto, modificar a
estrutura agrária vigente (MEDEIROS, 1989; PAULUS, 1999; SAMPAIO, 2001). O Estado
assume importância na indução da modernização da agricultura através de créditos
subsidiados (GRAZIANO DA SILVA, 1981), que visavam basicamente a aceleração do
processo de industrialização. Mediante um trabalho integrado entre a pesquisa e a assistência
técnica da extensão rural, cria-se um mercado interno para o desenvolvimento nacional da
indústria de bens intermediários, permitindo abrir caminho para que as relações capitalistas
dominassem o setor.
De acordo com Castro (1984), as políticas de modernização da agricultura pretendiam
transformar a agricultura tradicional seguindo a implementação do padrão tecnológico
dominante dos países desenvolvidos. As pesquisas foram orientadas para os cultivos de
22
exportação, cabendo às instituições de crédito viabilizar a adoção de insumos modernos e
máquinas preconizados pelas instituições de pesquisa e difundidos pela extensão rural. As
políticas do governo foram direcionadas para a descentralização dos serviços dedicados ao
setor agrícola através de privilégios ao setor privado na difusão do padrão tecnológico
desejado.
De forma assimétrica ocorre a consolidação da integração entre os setores
agropecuário e industrial no âmbito nacional. Se estabelece uma forma “mais técnica” de
produzir, cujo ponto chave foi a substituição da estrutura produtiva tradicional – considerada
limitante e atrasada – por uma “moderna”, intimamente e perfeitamente relacionada com o
setor industrial (GRAZIANO DA SILVA, 1981). Isso permitiu que a agricultura se tornasse
gradativamente subordinada à indústria, a qual acabava definindo, mesmo que parcialmente, o
processo de produção agrícola – o tipo de produto a ser gerado, suas quantidades e, por
conseguinte a tecnologia a ele incorporada –, apresentando-se como uma forma peculiar de
dominação capitalista.
O governo militar direciona a política agrária para concessão de subsídios e incentivos
fiscais, principalmente aos médios e grandes produtores, estimulando a expansão da fronteira
agrícola e a intensificação da produção por homem e por área cultivada através da
incorporação de insumos complementares na atividade agrícola. A produção agrícola amplia-
se rapidamente, fazendo crescer o mercado interno rural para produção industrial,
favorecendo a concentração dos meios de produção (sobretudo terra) e de renda no campo
(MEDEIROS, 1989; NAVARRO, 1996).
23
Segundo Medeiros (1989), o Brasil protagonizava vários conflitos sociais em torno das
questões de posse e uso da terra, no entanto, com o Golpe de 1964, teríamos um momento de
relativo refluxo nas lutas, que ressurgirão com força apenas após o período de repressão. Se,
de um lado, o governo militar demonstra a preocupação com o crescimento do setor agrícola,
de outro, implícita ou explicitamente, visava evitar a radicalização política e os conflitos
sociais – uma vez que a Revolução cubana de 1959 estava em curso. Brumer e Tavares dos
Santos (1997) afirmam que a ditadura militar dificultava o estabelecimento de um modelo
alternativo de produção, ao mesmo tempo em que mantinha sob censura o tema dos conflitos
sociais.
O processo de industrialização redefine os papéis da agricultura na sociedade
brasileira, transformando a agricultura familiar em consumidora de produtos agroindustriais e
produtora de matéria prima para a indústria. Os agricultores familiares tentam adaptar-se e
integrar-se a esse novo contexto, entretanto, como bem afirmou Caporal (2002), essa
modernização mostrou-se fortemente excludente, pois se deu de forma parcial, uma vez que
não estava acessível para a maioria dos agricultores, atingindo apenas parte das regiões, dos
cultivos e das criações, ao mesmo tempo, incluindo e excluindo agricultores.
Wanderley (1985) afirma que, ao longo da modernização da agricultura, parcela dos
agricultores familiares passou a especializar sua produção, direcionando seus esforços para
aqueles produtos que se mostram com preços mais vantajosos no mercado, acentuando sua
dependência com este, uma vez que o auto consumo cede lugar à venda. Mesmo que o
trabalho continue tendo centralidade ética na agricultura familiar, a partir da modernização da
agricultura introduz-se a noção de produtividade e intensidade do trabalho. De acordo com
Moreira (1999), a atividade produtiva passa a ser mensurada também pelo tempo, induzindo a
24
adoção de tecnologias poupadoras não só de trabalho, mas, agora, de tempo, tornando a
agricultura familiar cada vez mais dependente do mercado. Pequenos agricultores submetem-
se a novas regras de colonização no estado, visando basicamente garantir a reprodução da
família.
As transformações ocorridas no meio rural – representadas pela mercantilização das
atividades produtivas, pela especialização da produção e integração aos novos complexos
agroindustriais – desencadearam uma crescente diferenciação social. As conseqüências desse
conglomerado de pressões são a redução no dinamismo das pequenas propriedades e a
concentração de renda no campo. Produziu-se um contingente de marginalizados, na sua
maioria agricultores familiares, trabalhadores rurais assalariados, arrendatários, meeiros e
parceiros, todos excluídos do processo de modernização agrícola que ou deixaram o campo
entre 1960 e 1980 em busca de novas fronteiras agrícolas ou de uma “vida digna” nas cidades
(NAVARRO, 1996; FERNANDES, 1998) ou, ainda, permaneceram no meio rural
submetendo-se a condições de miséria e empregos temporários. O desenvolvimento não
reduziu as desigualdades sociais em nosso País e o surgimento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra ao final da década de 70, representa nada mais que uma
faceta dos tantos conflitos sociais que permearam a história brasileira.
3. O surgimento do Movimento Sem Terra
No final da década de 70, o cenário sócio-econômico indicava o início da crise do
modelo de industrialização e da modernização na agricultura, fruto de sua incapacidade em
promover desenvolvimento sem exclusão social. O próprio regime militar dá sinais de
esgotamento. Segundo Medeiros (1989), é um período de agitação política, desencadeando
25
intensas discussões acerca dos problemas sociais do País. Ressurgem as greves e ganha força
a luta pela anistia, ao mesmo tempo em que crescem os conflitos sociais no campo.
Nas regiões de seringais do Acre, conflitos entre posseiros e empresas agropecuárias
reflorestadoras são freqüentes; no Sul do país expropriam-se terras para a instalação de
projetos estatais visando geração de energia a partir de barragens hidrelétricas
20
, o que
deflagra conflitos entre agricultores e o Estado; na região Nordeste, barragens são construídas
com fins de irrigação para os latifúndios, os posseiros expulsos resistem (GRZYBOWSKI,
1990).
Simultaneamente, no norte do estado do Rio Grande do Sul, acontecem conflitos entre
comunidades indígenas e colonos que ocupavam terras irregularmente. Em 1979, esses
posseiros são despejados da reserva indígena, mas recusam-se a aderir ao Plano de
Colonização
21
proposto pelo governo. Os agricultores, então, se organizam para ocupar as
fazendas Macali e Brilhante na região de Sarandi. Este movimento contou com a participação
de um número considerável de famílias de agricultores sem terra que, inconformados com sua
condição social de excluídos, mostram-se dispostos a lutar por um pedaço de terra
(MEDEIROS, 1989; GRZYBOWSKI, 1990). Embora existam algumas tentativas de
desqualificar tais lutas, a fim de torná-las episódicas, desnuda-se a real base criadora dos
movimentos sociais do campo. As tensões e conflitos existentes, que embora assumam
variadas formas, expressam as diferentes nuances das contradições do capital
(GRZYBOWSKI, 1990).
20
Como a construção da Itaipu, entre 1978 e1982 (GRZYBOWSKI, 1990).
21
O governo militar através do chamado Plano de Colonização passa a estimular os colonos a migrar para as
áreas de fronteiras, no entanto, o isolamento e a falta de uma política agrícola que dê condições para a instalação
das famílias faz com que muitos migrantes retornem, denunciando as condições de precariedade encontradas
(MEDEIROS, 1989).
26
De acordo com Medeiros (1989), a ação de diferentes mediadores que buscavam
unificar demandas locais à luta nacional pelo direito à terra, foi fundamental para a construção
da categoria política dos sem terra. O êxito nas ocupações que aconteceram e a presença de
mediadores religiosos que apoiavam suas ações, facilitaram o recrutamento de novos
agricultores, fazendo com que o Movimento
22
crescesse agilmente nesse período (NAVARRO
et al, 1999).
Influenciado pelo período de redemocratização vivido pelo país, o discurso desses
movimentos centrou-se na valorização da democracia de base via instalação de mecanismos
de democracia direta (SCHERER-WARREN, 1987; MEDEIROS, 1989). De acordo com
Navarro et al (1999), esse universo de lutas continha uma visão utópica – por tentar construir
uma sociedade igualitária – com impulsos democráticos, de participação/reintegração social.
Somando-se a isso, havia uma forte influência de setores da Igreja católica e luterana
que estimulavam a participação política como alternativa para superar as dificuldades vividas
pela população rural (NAVARRO et al, 1999). Despertando nessas comunidades a noção de
“luta dos oprimidos”, os setores progressistas destas Igrejas conseguiram mobilizar um grande
número de agricultores em defesa do que consideravam seu direito, o acesso a terra. Para isso,
estimulavam reflexões sobre a realidade vivida por estas comunidades rurais, encorajando os
agricultores a se organizar para a construção de uma sociedade mais justa, sem excluídos.
Quanto a isso, Medeiros (1989. p.13) afirma que:
Embora a ação dos sindicatos, dos partidos, das Igrejas, etc., seja, no
decorrer de sua trajetória, fundamental para projetar essas lutas para fora
delas mesmas, para articular alianças, para fazer a costura entre lutas
22
Alguns autores afirmam não haver uma data precisa para o surgimento do MST, datando-a do final da década
de 70, mesmo que oficialmente ele seja criado apenas em 1984 (ver CALDART, 2002?).
27
particulares e lutas mais gerais, não é essa ação que por si só cria o conflito.
Este surge a partir de contradições vividas no interior do processo de
trabalho, no rompimento de determinadas normas costumeiras, de uma
ameaça das condições de reprodução de um grupo de trabalhadores. Tais
situações de tensão, vivenciadas a partir de uma determinada experiência
cultural e dentro de uma determinada conjuntura, desencadeiam reações que
vão da migração à violência individual ou à organização em defesa do que
considera legítimo.
Mesmo que seja difícil predizer numericamente quanto dos descendentes europeus,
caboclos, índios, negros, entre outras categorias marginais constituem o MST, nota-se sua
presença em praticamente todos os acampamentos e assentamentos organizados por ele
(AUED e FIOD, 2002). Essa característica torna-se importante, à medida que permite
compreender a organização dos agricultores sem terra em torno de um movimento social a
partir de ações de resistência dessa categoria marginal dentro do processo de desenvolvimento
em curso na região Sul do Brasil. O MST consegue aglutinar os segmentos que se sentiam
marginalizados no meio rural através de um discurso que representava novas possibilidades
de organização, de criação de direitos e a oportunidade de reconstruírem sua identidade, a
identidade social dos excluídos, destruída pelo recente desenvolvimento capitalista no país.
Berger (2003) afirma que o MST passa a ser instância mediadora desses novos sujeitos sociais
que decidem “lutar pela terra e pela reforma agrária”. Para a autora:
Há mediações ancestrais conduzindo a decisão de um Sem Terra a ingressar
no movimento e elas encontram-se [...] na tradição cristã que legitima a
Igreja progressista (avalizadora das reivindicações); está, também na
memória de lutas passadas (que informa possibilidades de organização) e na
origem do processo de colonização (que inscreveu os colonos como
desapropriados históricos) (BERGER, 2003. p.194).
De acordo com Navarro (1995), os resultados da expansão capitalista no campo
podem ser percebidos nas transformações que se desenham no espaço rural repercutindo em
vários domínios da vida social: nas atividades produtivas e sua base técnica, no padrão de
ocupação das áreas agrícolas, e a emergência de sujeitos coletivos organizados que passam a
28
exercer contestação política frente à apatia do governo aos impactos negativos deste processo
de transformação no meio rural. Para o mesmo autor, estes grupos sociais refletem a reação
dos colonos que a partir do conflito, organizam-se, criam sua própria ideologia, objetivos e
símbolos transformando-se num movimento social organizado.
Mesmo que a criação da identidade social dos excluídos a partir de sua condição de
desenraizado possa ser considerada relevante por alguns autores, esta identidade é bastante
difusa entre os indivíduos que compõe o MST. Para Martins (2003), torna-se necessário que
as particularidades vivenciadas pelos agricultores sejam resgatadas na tentativa de
(re)construir uma ação autônoma, com base em experiências concretas. É preciso não reduzir
esta categoria ao retorno a um passado idílico, mas à resignificação de valores e atividades
que foram perdidas no processo de modernização.
Cabe ainda ressaltar que os diferentes modos de interpretar a própria experiência e luta
pela reforma agrária, refletem a diversidade existente entre os indivíduos que compõe o MST.
Entretanto, há de se considerar a especificidade dessa categoria emergente a qual parte da
definição da sua condição de excluído, para constituí-lo como sujeito. Ser Sem Terra,
portanto, é sinônimo de resistência que implica a necessária intervenção crítica na sua
realidade.
4. Da condição de Sem Terra à de agricultores assentados
Ao passar da condição acampado para a condição agricultor assentado o sujeito – Sem
Terra – transforma-se, acrescentando (e retomando) conteúdos na construção desse novo
29
entorno
23
. Para Martins (2003. p.12.), o agricultor assentado é “um sujeito que surpreende e
contraria quando sua verdade social se manifesta em contradição com o desenho ideológico
que lhe imputam os que dele esperam conduta diversa”. Ou seja, ao incorporar sua (nova)
condição de proprietário, regulada pela racionalidade e contradições do capital, engendra
novas contradições, embora deseje algo diferente daquilo que manifesta nas ações. Essa
junção faz surgir um sujeito não harmônico porque recria as contradições do capital ao
conflitar-se com a necessidade de inserção no modo de produção capitalista para a sua
reprodução. Este sujeito empírico vive em meio a tensões e conflitos, por vezes, de forma
avessa daquilo que uma militância (precária) ideologicamente lhe impõe.
Grande parte dos agricultores assentados tem sua origem na agricultura familiar,
fazendo com que suas motivações encontrem-se no âmbito da afirmação ou renovação de
valores sociais relativos à organização da família. Ao se tornarem agricultores assentados, os
traços que o identificam como agricultor familiar se fortalecem expressando-se em suas
práticas, valores e racionalidades. Segundo Martins (2003. p.44) existe uma atmosfera de
“reavivamento, renovação e modernização dos valores tradicionais relativos à vida
comunitária”, ou seja, as pessoas beneficiadas no processo de reforma agrária encontram-se
predispostas para uma ressocialização, buscando se incorporar a formas modernas de uso da
terra e de organização da economia familiar.
De modo geral, pode-se dizer que a agricultura familiar se constitui num modo
específico de produzir e de viver na sociedade, abrigando uma estrutura produtiva que associa
família-produção-trabalho, e que determina a forma como ela intervém na economia e na
sociedade (WANDERLEY, 1999). Entretanto, essa tradição camponesa sofre alterações ao
23
Este termo compreende o espaço físico (lugar onde vivem), mas também lugar de onde se vê e se vive, que
constrói relações e referências destes agricultores ao se inserir nas diferentes esferas da sociedade.
30
longo da história. A condição de marginalidade da agricultura familiar dentro da economia
moderna fez com que, segundo Carneiro (1998), restasse a ela incorporar estratégias que –
respeitando suas características particulares, que tem como centro a reprodução da família –
lhe permitissem, mesmo transformada, permanecer no rural.
A modernização do processo de produção agrícola e a integração de tal setor aos
mecanismos dos mercados modificaram, em diferentes medidas, a forma de produzir do
campesinato tradicional. Para Abramovay (1992), embora a origem da agricultura familiar
moderna esteja no campesinato tradicional, ela mantém laços cada vez mais tênues com seu
passado, incorporando em sua racionalidade características de uma empresa capitalista.
Segundo o mesmo autor, apesar de estabelecer uma integração parcial e incompleta com os
mercados, há uma relativa perda da identidade camponesa devido à subordinação desta
pequena produção ao regime do capital. Cria-se uma variabilidade de formas sociais, de
acordo com a relação (e rupturas) que este personagem estabelece na economia e na sociedade
atual.
No entanto, alguns traços característicos do camponês tradicional podem ser
retomados neste estudo visando compreender determinados comportamentos entre os
agricultores assentados. Especificamente no que tange à busca de reavivar práticas
abandonadas – durante o processo de modernização da agricultura – como uma forma de
(re)encontrar relativa autonomia dentro do sistema econômico. Suas ações pretendem renovar
valores sociais que têm como principal característica a reprodução da unidade familiar e, ao
mesmo tempo, inserir estes agricultores nos mercados.
31
Mesmo que a direção política do MST, durante longo tempo, tenha preconizado a
inserção dos agricultores assentados nos mercados via “cooperação agrícola” (conforme
abordaremos no segundo capítulo), a agroecologia acaba fazendo parte nas ações de alguns
agricultores, através da ação dos missionários das Igrejas católica e luterana e ONGs,
tornando-se elemento que permite integrar estes agricultores à economia e proporcionando
relativa autonomia desses no processo produtivo. Esta seria uma tentativa de diminuir sua
condição de marginalização progressiva dentro do processo de desenvolvimento da economia
global.
Ao retomar a lógica da agricultura familiar para explicar parcialmente as ações deste
sujeito – as práticas adotadas no interior dos assentamentos do MST – deve-se salientar que
ele, ainda que de forma precária, incorpora em seu imaginário sua condição histórica de Sem
Terra. Suas ações, portanto, são igualmente permeadas por uma práxis transformadora
24
.
Caldart (2002?) nos remete a um Sem Terra que não se esgota no hoje, na luta pela terra, mas
leva em conta o seu passado e projeta transformações na sociedade a partir de valores avessos
aos da sociedade capitalista. Ressalte-se que este personagem se diferencia das categorias
tradicionais, englobando um modo de agir e pensar bastante particular. Nesse caso, estas
aspirações se refletem na construção de um modo de vida e de produção na agricultura
diferente daquele que o excluiu.
Uma produção ampla de escassez conduz os atores que estão de fora do círculo da
racionalidade dominante à descoberta de sua exclusão e à busca de formas alternativas de
racionalidade, indispensáveis à sua sobrevivência. Através desta contra-racionalidade, estes
24
Para isso consultar Henri Lefebvre, entre outros autores. A questão da práxis será entendida no sentido da ação
produtiva da experiência que os homens tem de si próprio e dos objetivos da sua existência durante a
transformação produtiva do mundo, considerando as relações e meios de produção historicamente dados que
influenciam - e ao mesmo tempo são influenciados pela - sua ação.
32
atores pretendem estabelecer ações contrárias à racionalidade dominante e ao mesmo tempo,
garantir, embora precariamente, a manutenção e reprodução da família ou do grupo. Para
Santos (1999):
Essas contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista social, entre
os pobres, os migrantes, os excluídos, as minorias; de um ponto de vista
econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou recentemente
marginalizadas; e de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos
modernas e mais “opacas”, tornadas irracionais para usos hegemônicos.
Todas essas situações se definem pela sua incapacidade de subordinação
completa às racionalidades dominantes, já que não dispõe dos meios para ter
acesso à modernidade material contemporânea. Essa experiência da escassez
é a base de uma adaptação criadora à realidade existente. (SANTOS,
1999.p.246)
Assim, a agroecologia aparece como uma resposta – entre outras possíveis – à crise da
agricultura modernizada e igualmente como condição de reprodução social de uma camada de
agricultores marginais em nível econômico. O que é definido aqui como alternativo,
transforma-se em ajustamento ao sistema dominante, mesmo que se pretenda um modo
singular de inserção social baseado em ações simultâneas de resistência e adaptação.
5. A agroecologia e o espaço da contra-racionalidade
Alguns autores restringem o uso do termo agroecologia à noção técnico-científica
(ALTIERI, 1989), ou a um campo de conhecimentos de natureza multidisciplinar com
potencialidade de apoiar o desenvolvimento agrícola e rural (CAPORAL e COSTABEBER,
2004). É preciso, entretanto, captar os princípios que a norteiam segundo o contexto social em
que está inserida a fim de compreendê-la além de um conceito estático. Nesse sentido, é
partindo de vivências passadas dos agricultores assentados, permeado por uma realidade de
exclusão social e de perda – mesmo que parcial – a partir do processo de modernização da
agricultura, que se pretende apreender esse termo.
33
A adoção ainda que parcial do modelo de modernização tecnológica da grande
propriedade – inclusive dentro dos assentamentos do MST – proporcionou um ambiente de
perda à estes agricultores. Os monocultivos implantados trouxeram a acentuada redução no
número de variedades de espécies cultivadas, diminuindo drasticamente a biodiversidade e a
relativa estabilidade que garantia segurança alimentar contra as adversidades ambientais. Ao
mesmo tempo, a crescente diminuição na participação do agricultor no processo produtivo,
pelo uso de fatores externos de produção para o controle das condições ambientais, acabou
estabelecendo uma ruptura com o processo de construção do conhecimento. Separou-se o ato
de conhecer do ato de produzir, implicando na perda e invalidação dos conhecimentos
gerados no nível prático-concreto, transformando o conhecimento em algo externo ao
processo produtivo. De modo geral, o modelo dominante de desenvolvimento na agricultura
amparou-se no crescimento da indústria petroquímica (de insumos agrícolas), fazendo com
que o mercado acabasse tomando centralidade no processo produtivo (devido a ampliação da
necessidade de compra de insumos e bens de consumo), tornando os agricultores familiares
gradativamente mais dependentes desse.
Note-se que o termo agroecologia associa as questões ambientais a elementos sociais
que extrapolam o campo da agricultura buscando, a partir de experiências passadas, encontrar
elos que permitem livrar os agricultores assentados do crescente processo de exclusão a que
foram submetidos. Partindo-se da(s) experiência(s) de exclusão vivenciada(s) – e identificadas
– pelos agricultores é construído o conceito de agroecologia. Assim, o termo assumirá o
paralelo (alternativo) a uma determinada condição de marginalidade vivenciada, ou seja, em
determinado momento, ela tomará um contorno definido segundo a negação dessa condição
de exclusão, sempre com uma faceta alternativa. Dessa maneira explica-se porque ela aparece
de forma tão diversa conforme o ator e o contexto em que está inserida.
34
A agroecologia torna-se uma “tecnologia alternativa” sempre como negação às
tecnologias modernas que não estão acessíveis ou não correspondem às expectativas dos
agricultores. Quando estes agricultores não legitimam o modelo de desenvolvimento em
andamento que “exclui agricultores familiares” ela assume a faceta de “um modelo alternativo
de desenvolvimento para agricultura familiar”. Á medida que o agricultor não se identifica
com o conhecimento gerado através de pesquisa oficial – porque esse não pode ser aplicado
naquela realidade social, econômica e ambiental – a agroecologia torna-se uma área de
conhecimento que se orienta pela observação e experimentação a partir das condições do
entorno. Resume-se a um ato econômico (quando o agricultor visa comercializar o produto
agroecológico), sempre que este representar possibilidade de melhor remuneração do seu
trabalho na atividade produtiva. Enfim, a agroecologia é proposta – sempre – como negação
àquilo que está estabelecido – e que o colocou “fora” –, ou seja, como busca do que lhes foi
negado.
Conforme apresentado por Martins (2003, p.63), “a modernização foi proposta como
perda, como substituição, isto é, como dominação e aniquilamento daquilo que [os
agricultores] de fato sabiam fazer e lhes pertencia”. A vivência (prática) destes atores – que
lhes informa sua condição de marginalidade – tornou-se não só meio de construir identidade,
mas tornou sua condição (de excluído) o “meio de identificação positiva com o alternativo”,
construindo uma faixa intermediária de alternativas econômicas e sociais.
Pode-se então compreender porque, corroborando com o encontrado por Almeida
(1999), em determinados momentos a agroecologia aparece como aspiração a um novo
modelo de desenvolvimento; noutros como construção de soluções técnico-científicas para
mitigar a situação de precariedade vivida pelos agricultores; como resgate de práticas e
35
valores culturais desses agricultores; como uma área de conhecimento, ou mesmo, como uma
alternativa de (re)inclusão econômica e social através da ocupação de um nicho de mercado
emergente, onde os produtos ecológicos passam a ter um valor (monetário) superior aos
produtos convencionais. Dessa forma, a agroecologia ou a agricultura alternativa, se inscreve
num movimento que busca autonomia frente ao processo produtivo. Sua ação pressupõe frear
o processo de marginalização progressiva por que passam os agricultores familiares. Almeida
(2000) sugere que essas ações tentam abranger três dimensões de autonomia: a)o domínio da
sua estrutura de produção, incluindo aqui os conhecimentos necessários à produção;
b)conhecer o espaço em que está inserido, permitindo a partir destas informações definir
sobre o processo produtivo; c) e restituir ao agricultor o domínio do tempo.
Em determinados momentos, a ação dos atores que defendem a agroecologia parece
restringir-se a querer incluir as minorias (agricultores familiares), através de respostas a
interesses imediatos. Esta busca Almeida (2000. p.47) chamou de autonomia-solução e que
nasce justamente a partir de um estado de crise (geralmente econômica) e, em geral, não
sugere um projeto social futuro. É produto de uma visão fragmentada, desprovida de um
processo de transformação social, limitando-se a “uma reivindicação por uma maior
democratização do Estado e de seu sistema político de representação”. Esse discurso carrega o
invisível desejo de ser incluído, de fazer parte da economia na sociedade moderna.
Nesse sentido, a agroecologia coaduna para a construção de em uma proposta
alternativa de desenvolvimento
25
, contrária aos paradigmas
26
que orientam o atual modelo de
25
Segundo alguns autores, a agroecologia converge para uma proposta alternativa de desenvolvimento (que seja
sustentável dos pontos de vista social econômico e ambiental). Ela orienta-se pelo conceito de desenvolvimento
local, que leva em consideração valores, capacidades, conhecimentos e elementos culturais dos grupos sociais
organizados e implicados no processo de desenvolvimento (ALMEIDA, 2003. p.511;CAPORAL e
COSTABEBER, 2004). Para uma análise do tema quanto à suas origens e diferentes orientações teóricas,
consultar Guzmán (1998).
36
desenvolvimento na agricultura. A agroecologia torna-se, assim, um instrumento de luta
política que ao mesmo tempo busca construir experiências produtivas alternativas ao modelo
dominante proposto (ou imposto). Entende-se que seja esse o elo que permite vincular a
agroecologia a um projeto mais amplo de transformação da sociedade apoiado pelo MST,
mesmo considerando seus limites para isso.
Pretende-se no capítulo seguinte perceber como o pensamento agroecológico vai
evoluindo e se modificando dentro do discurso do MST, assim como, quais os diferentes
mediadores e contextos históricos que influenciam nesse processo.
26
Esse termo refere-se a um conjunto de conceitos, valores e práticas (um arcabouço teórico) compartilhados por
uma determinada comunidade, dizendo de outra forma, constitui-se num quadro de referências sobre o qual uma
sociedade se organiza.
37
CAPÍTULO
II
O MST: aproximações e distanciamentos com a agroecologia
Nem sempre a agroecologia foi proposta e implementada dentro dos assentamentos
organizados pelo MST. Pode-se dividir o discurso do Movimento
27
em relação às questões
produtivas e ambientais, em três fases distintas
28
: 1)A primeira, do surgimento do MST (ao
final da década de 70) até meados da década de 80, quando o Movimento sofre forte
influência de mediadores religiosos e, portanto, a questão produtiva é inserida dentro de um
discurso que busca o retorno das condições de um passado ideal e harmônico
29
. Aqui, ainda
inexiste a noção agroecologia, estando estas questões restritas às tecnologias-alternativas de
produção; 2)A partir de então temos o deslocamento deste discurso, aproximando-o do que se
chamou ideologização da produção. Esse período coincide como início da Nova República e
o lançamento do I PNRA. O crescente número de famílias assentadas impõe ao MST o
desafio de viabilizá-las economicamente, para isso, o Movimento volta suas preferências para
a organização dos agricultores em cooperativas e grupos de cooperação agrícola, buscando
produzir em escala e agregar valor aos produtos para alcançar mercados nacionais e
internacionais. As tecnologias alternativas de produção, embora não desapareçam são
relegadas a um segundo plano. 3)A forma como o Movimento passa a se organizar
27
Embora ao longo do trabalho se utilize uma concepção ampla dos termos Movimento e MST, na qual estão
incluídos os agricultores assentados como parte constituinte dessa organização, aqui, adota-se uma conotação
mais restrita do termo, remetendo-o às lideranças do MST, ou à sua chamada “estrutura orgânica”.
28
Cabe ressaltar aqui que estes limites não são muito claros, sobrepondo-se em certos momentos. Isso se deve
basicamente por se tratar de elementos contidos em um discurso que não necessariamente coincide com o
praticado dentro dos assentamentos, ou mesmo, reflexo da diversidade existente no “praticado” entre agricultores
assentados.
29
Os assentamentos tornam-se locais estratégicos para a ação de técnicos da Federação dos órgãos para
Assistência Social e Educacional (FASE), surgida em 1983, com a finalidade de formar uma equipe de
assistência técnica a fim de remediar as dificuldades encontradas pelos agricultores nas áreas de reforma agrária.
Segundo Almeida (1999, p.86-91), posteriormente, ela dará origem à Assistência e Serviços a Projetos de
Agricultura Alternativa (AS-PTA). Estas questões serão retomadas ao longo do capítulo.
38
internamente permite a mobilidade das lideranças que se profissionalizam, passando – no
início da década de 90 – a se aproximar de outros mediadores – como ONGs, movimentos
ambientalistas, entre outros. O termo agroecologia é acolhido em seus discursos, sem que
necessariamente tenha reflexo em ações dentro dos assentamentos organizados por ele. A
agroecologia substitui o termo tecnologias alternativas, abrangendo grandes contornos que
extrapolam os limites do campo da agricultura, englobando preocupações com o ambiente e
com a sociedade.
Neste capítulo, faz-se uma breve incursão pela história do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, ressaltando sua aproximação com mediadores políticos e
religiosos, a emergência de um movimento de politização ecológica que toma contornos na
sociedade moderna e, ainda, alguns aspectos conjunturais da política brasileira. Assim, torna-
se possível compreender, parcialmente, o campo de disputas em que o Movimento está
inserido e, ao mesmo tempo, as alianças que são traçadas e os fatores que alteram suas
estratégias produtivas ao longo dessa trajetória, passando a clarificar os motivos que
aproximam (e distanciam) o Movimento das questões que envolvem a agroecologia. Para que
estas nuancem sejam percebidas, foram utilizados como subsídio na análise tanto os
documentos publicados pelo Movimento, como as entrevistas realizadas durante o trabalho de
campo com agricultores, técnicos e lideranças.
1. A história vivida: escrita e falada
A organização de agricultores em torno do MST tem forte relação como o trabalho, de
organização e formação política de agricultores, que a Comissão Pastoral da Terra
30
(CPT)
30
Segundo Medeiros (2002), a CPT, entidade ligada à igreja católica brasileira, surge em 1975, a partir da
intervenção de bispos em áreas de conflitos por posse de terras no Norte e Centro-Oeste do país. Logo, espalhou-
se por praticamente todo o Brasil atuando como mediadora de conflitos e organizando trabalhadores em torno
dos preceitos de justiça social.
39
vinha desenvolvendo. Segundo Fernandes (1998, p.34-35), missionários da Igreja católica
organizavam encontros entre lideranças dos movimentos sociais locais, propiciando
discussões acerca das diferentes experiências de luta pela posse da terra, buscando articular
tais lutas em um movimento social mais amplo.
Até meados de 1986, o MST é fortemente influenciado pela presença de mediadores
religiosos que conseguiram mobilizar amplas redes de solidariedade em favor da reforma
agrária. A Igreja é tida como principal interlocutora entre os movimentos sociais e o Estado
neste período (MEDEIROS, 1989; STRAPAZZON, 1996, NAVARRO et al, 1999). Em
muitos casos as instituições religiosas atuaram dando suporte para o Movimento e mesmo
para a produção e estrutura dos assentamentos, conforme ilustrado na fala dos agricultores.
No primeiro ano nós plantamos [...] a Cáritas que ajudou nós, deu semente
de milho pra nós começar a plantar. (agricultor do assentamento Santa
Elmira)
Não tinha transporte [...] o Movimento não tinha nenhum carro [...] foi
conseguido através da diocese uma Toyota velha [...] os próprios bispos
emprestaram aquela Toyota pro assentamento (agricultora do assentamento
Santa Elmira).
A influência desses setores da Igreja é percebida tanto no âmbito da produção e
estruturação dos assentamentos, quanto nos discursos e materiais produzidos pelo Movimento
quando este, através de suas cartilhas, valoriza o conhecimento e as práticas do agricultor,
remetendo ao retorno de condições de vida idealizadas, a um passado bom, de autonomia,
anterior à subordinação do agricultor às industrias multinacionais, conforme demonstra o
documento produzido pelo Movimento.
Juntamente com a introdução dessas ‘novas técnicas modernas’ foi realizada uma
campanha de desmoralização dos conhecimentos do agricultor e daquelas práticas
que ele vinha utilizando tradicionalmente. E forçando a utilização de adubos
químicos, inseticidas, venenos e maquinaria em geral como um único modelo certo
na agricultura. (MST, 1986, p. 26. Caderno de Formação Agrícola n.10)
40
Conforme estes registros, os assentamentos consolidavam a utopia de construir uma
sociedade baseada nos princípios da solidariedade. As multinacionais, por sua vez, eram
apontadas como a principal forma de dominação do capitalismo no campo, impondo, de
acordo com seus interesses, “novos padrões de consumo” aos agricultores. De outro lado, o
MST apresentava aos agricultores as vantagens da cooperação agrícola, a qual permitiria a
compra de máquinas, tratores, adubo e o cultivo de grandes lavouras, garantindo facilidade na
assistência técnica e melhores preços na hora de comercialização (MST, 1986. Caderno de
Cooperação agrícola n.10).
Martins (1986, p.68-69) afirma que a partir de 1964 a Igreja católica vem construindo
uma crítica ao Estado, apontando as conseqüências do processo de pauperização da população
de forma geral. Sua posição define-se em favor das minorias, sempre na perspectiva da
distribuição, de garantia dos direitos das pessoas, contra “uma forma de propriedade que é
expropriativa, e que é causadora do desenraizamento das populações rurais, do
estabelecimento não só da miséria, mas também da miséria moral e social.” . Nesse sentido,
os mediadores religiosos acabam influenciando o discurso do Movimento, que incorpora
valores de respeito ao próximo e à natureza, à dignidade humana e à solidariedade.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é fundado oficialmente em 1984 e
no seu I Congresso Nacional do MST, realizado em janeiro de 1985, são deliberadas as
diretrizes do Movimento: lutar pela terra, pela Reforma Agrária e pela construção de uma
sociedade mais justa, sem explorados nem exploradores. Em maio daquele mesmo ano
acontece o I Encontro Nacional dos Agricultores Assentados. A conquista da terra é a tônica
para as ações do Movimento e a orientação é para que os agricultores assentados se organizem
de forma coletiva – em mutirões, grupos de cooperação, associações e cooperativas – para
41
enfrentar as dificuldades para produção e comercialização (MST, 1986. Cadernos de
Formação n.10).
O número de assentamentos é crescente, assim como as dificuldades em responder às
“questões de produção” dos agricultores. De acordo com Conde (2004) o balanço feito pelo
MST indicava falta de estrutura básica dentro dos assentamentos (alimentação, insumos
agrícolas, escola, rede elétrica, entre outros) deflagrando graves problemas nos
assentamentos. Segundo o MST as condições eram piores onde os agricultores não haviam se
organizado em grupos de cooperação
31
.
Segundo Navarro (1999) no período que compreendeu 1978 a 1985, foram criados 12
assentamentos na região do Alto Uruguai. O mesmo autor afirma que as ações do governo
federal nesse período resumiram-se à compra de terras de baixa qualidade e havia uma
ausência de recursos financeiros e técnicos, inviabilizando assim o impulso inicial à produção
nos novos assentamentos. O resultado foi o abandono ou troca de 33% dos lotes em busca de
melhores condições de vida.
De acordo com Gonh (1997. p.57), os próprios movimentos sociais desencadearam a
criação de ONGs que, na década de 80, serviram de apoio aos movimentos sociais passando
esses a ser os principais interlocutores nas relações entre Estado e sociedade civil. Esta
relação, no entanto, mostrou-se conflituosa, pois havia interesses destas ONGs em justificar
projetos de financiamento de instituições filantrópicas internacionais, fazendo com que o
MST e ONGs, de certa forma, disputassem o prestígio (frente a tais instituições) e o acesso às
mesmas fontes de recursos financeiros.
31
Nesse período as linhas de crédito oferecidas pelos bancos voltavam-se basicamente para a produção de
culturas para a exportação (NAVARRO, 1995), estando pouco acessíveis aos agricultores assentados, os quais
não dispunham de garantias frente aos bancos para solicitar financiamentos.
42
Embora houvesse divergências dentro do próprio Movimento acerca do melhor
formato tecnológico para os assentamentos (NAVARRO, 1995), tais dificuldades deram
suporte para que o Movimento e seus mediadores políticos (ONGs e instituições religiosas)
defendessem o uso de tecnologias alternativas de produção entre os agricultores assentados.
Essa seria uma tentativa de garantir a produção dentro dos assentamentos, livrando os
agricultores de dívidas em órgãos de financiamento e da possível dependência econômica
desses com as empresas multinacionais que dominavam o setor agrícola.
O MST coloca em xeque as novas técnicas modernas alertando os agricultores, através
de suas cartilhas, para que buscassem formas alternativas de produção. Nesse momento, o
Setor de Assentamentos do Movimento articula-se com outras entidades para a formação de
Centros de Tecnologias Alternativas, dentro de um Programa de Tecnologias Alternativas da
FASE
32
(MST, 1986. p.27. Caderno de Formação agrícola n.10).
Ultimamente começou a surgir uma reação de agrônomos, técnicos e agricultores
contra a utilização das técnicas impostas pelas multinacionais. A partir daí começou-
se a pensar em utilizar as tecnologias alternativas. Estas novas técnicas seriam
alternativas ao modelo insumista e destruidor das multinacionais de agrotóxicos,
buscaria o desenvolvimento e aplicação de técnicas a partir do conhecimento de
nossa agricultura, de nosso solo, de nossa natureza e de nosso clima, utilizando os
insumos industrializados sempre e quando representassem respeito ao equilíbrio da
natureza, ao efetivo aumento da produtividade e a preservação da saúde e do meio
ambiente. (MST, 1986:26-27. Caderno de Formação agrícola n.10).
De acordo com Navarro (1995), ao final da década de 80 os assentamentos passam a
ganhar visibilidade pública fazendo com que a questão produtiva assumisse maior
importância entre as preocupações do MST, das instituições públicas e da sociedade civil
32
A FASE consistia em uma rede de ONGs, associações ou grupos que tinham a “agricultura alternativa” e mais
tarde a agroecologia como princípio norteador para suas ações (ALMEIDA, 1999. p.86-88). Schimitt (2004),
afirma que muitas das iniciativas de produção ecológica hoje existentes no Sul do Brasil tiveram a contribuição
do Projeto Tecnologias Alternativas da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – PTA –
FASE, que, em 1990, torna-se autônomo em relação à FASE, passando a assumir a denominação de Assistência
e Serviços a Projetos de agricultura alternativa (AS-PTA).
43
organizada
33
. Pressionado pela opinião pública, em 1985, o então presidente José Sarney,
através do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD), elabora a
Primeira Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República, o I PNRA, que
em linhas gerais mostra-se favorável a “mudar a estrutura agrária do País”. As propostas
consistiam em assentar 7,1 milhões de famílias em 15 anos (meta que posteriormente foi
redimensionada para um número, aproximadamente, 5 vezes menor). Entre os contrários ao
plano estavam os grandes fazendeiros, que se organizam para fundar, em 1987, a União
Democrática Ruralista
34
. Acenando com esse Plano, o governo conseguiu diminuir as
pressões advindas da sociedade civil para a realização de uma reforma agrária, assim como
desmobilizar os movimentos sociais que, de certa forma, deram credibilidade ao plano
(BISCAIA, 2004).
Os avanços na implementação da proposta de reforma agrária são lentos, assim como
os estímulos (através de recursos) à produção dentro dos assentamentos já existentes, fazendo
com que em abril de 1986 os participantes do II Encontro Nacional dos Agricultores
Assentados retomem alguns princípios organizativos e objetivos do Movimento. Sua linha
política é orientada para ofensivas aos latifúndios e terras de multinacionais através da
organização dos trabalhadores do campo e da cidade. Medeiros (1989), afirma haver um clima
de denúncia ao abandono do governo, assim como, de conivência desse com os massacres que
estavam acontecendo no País contra os Sem Terra. Nesse encontro amplia-se a pauta de
reivindicações do MST, que passa a encampar as questões referentes à produção,
33
No início de 1986 é fundado o Centro de tecnologias alternativas e populares (Cetap), uma ONG com forte
ligação com os movimentos sociais no Rio Grande do Sul associada à rede de tecnologias alternativas. Segundo
Navarro (1995. p.113), o Cetap passa a prestar assessoria e assistência técnica a alguns assentamentos do Rio
Grande do Sul, especialmente, através do Programa especial de crédito para a reforma agrária – Procera.,
entretanto, o principal apoio financeiro à entidade provém de agências de cooperação internacional que, segundo
Almeida (1999. p71), contribuem com aproximadamente 70% do orçamento da entidade em 1990, decrescendo
desde então.
34
A UDR era composta basicamente por deputados, senadores e políticos de grande influência na política
nacional, cujos objetivos eram favorecer grande propriedade rural e inviabilizar qualquer processo de reforma
agrária.
44
comercialização e assistência técnica. Dentre outras resoluções do congresso surge a
proposição para o fortalecimento de uma agricultura de pequeno porte
35
(MST, 1986.
Cadernos de Formação n.10).
As experiências produtivas dos assentados, no entanto, continham uma “expectativa
modernizante” fazendo com que, contrariamente ao discurso de algumas lideranças do
Movimento e de suas organizações de apoio (setores da Igreja católica e luterana) e assessoria
(algumas ONGs), se firmasse dentro dos assentamentos um modelo muito longe daquele
“alternativo”
36
. A base técnica que vigorou, apoiada pela maioria dos agricultores e lideranças
do Movimento, priorizou a implantação de monoculturas, mecanização agrícola, integração
com agroindústrias e o uso de insumos agroindustriais para a produção (Navarro, 1995;).
É interessante notar que, de acordo com Paulilo (1994), ser pequeno produtor
tradicional
37
era algo não desejado nem pelos agricultores assentados, nem pelo próprio
Movimento. Os principais motivos residem na necessidade de demonstrar a viabilidade dos
assentamentos de reforma agrária. Para isso, lançou-se mão de todo o aparato tecnológico
disponível para não “ficar para trás”, exacerbando-se assim o critério econômico em
detrimento aspectos ambientais e sociais.
35
O termo “agricultura de pequeno porte” permite interpretações dúbias, tanto podendo estar relacionado a uma
agricultura de subsistência, como a uma agricultura que se contraponha aos latifúndios, portanto, não
necessariamente de subsistência. A dificuldade para esta interpretação decorre de um discurso, por vezes,
bastante “panfletário”.
36
Dados apresentados por Bergamasco (segundo NAVARRO, 1999. p.45-46) a partir do “I censo da reforma
agrária”, demonstram que, nos assentamentos do Incra no Rio Grande do Sul, as práticas agropecuárias estavam
baseadas em uma intensa utilização das técnicas de produção em “bases modernas”, tais como: uso de
mecanização, sementes selecionadas, adubação química e orgânica, defensivos agrícolas, práticas de correção de
solo e controle de sanidade animal. O uso de adubo químico nessas áreas atinge índices de 90,3% e de
defensivos agrícolas 65%.
37
Esse termo refere-se a agricultores com pouca disponibilidade de terra, aqueles que não implementaram
mecanização agrícola nem utilizam insumos modernos para a produção.
45
Com o argumento de que não havia mais espaço para uma cooperação espontânea e
isolada, que dirigia sua produção unicamente para o auto-sustento e venda dos excedentes
(MST, 1989: 28-29. Caderno de Cooperação Agrícola n.5), em janeiro de 1987, no III
Encontro Nacional do MST inaugurava-se uma “nova forma de cooperação agrícola”.
Acontece em fevereiro de 1989 o V Encontro Nacional do MST cujo lema é “ocupar,
resistir e produzir”. No período que seguiu, a motivação para implementar a proposta de
cooperação nos assentamentos passa a ser econômica, buscando acumular capital, e política,
para o suporte da estrutura do Movimento (GRADE, 1999. p.161). Essa última originaria
algumas lacunas dentro do Movimento – a profissionalização das lideranças, as quais irão
distanciar seus discursos em relação à sua base.
Pela primeira vez formula-se linhas políticas para a organização dos
assentados e para a organização da produção [...] Passamos a entender que
era impossível avanços organizando a produção apenas no nível de
subsistência. Isso não mexia com o capitalismo; ao contrário, ele nos
excluía. Surge o desafio de fazer uma produção que envolvesse a
subsistência e o mercado (MST, 1989: 31. Caderno de Cooperação Agrícola
n. 5).
Consolida-se a proposta de criar o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) e as
Cooperativas de Produção Agrícola (CPAs). As cooperativas representavam a principal
estratégia proposta pelo Movimento para viabilizar a produção e comercialização agrícola
dentro dos assentamentos. Pretendia-se promover “o avanço da ciência e da técnica para obter
maior produção e produtividade e ao mesmo tempo alcançar uma vida social digna” para os
agricultores assentados. (MST, 1987. Cadernos de Estudo n.11). Para Navarro (1995, p.112),
a participação comunitária é uma iniciativa geralmente aceita pelas populações migrantes
38
,
especialmente, diante de pressões advindas da crescente redução de seus horizontes de
38
Esta “cultura de participação” está presente, sobretudo entre aqueles agricultores de origem européia,
resultante das condições precárias do processo de colonização vivenciado que informa sobre a necessidade de
organizarem-se coletivamente para superar tais dificuldades (NAVARRO, 1995. p.112) .
46
reprodução. Este também foi fator contribuinte para que as proposições de cooperação
agrícola – mesmo em moldes distintos – fossem adiante dentro dos assentamentos.
2. A ideologização da produção
Ao final da década de 80, a coordenação do MST se aproxima de um ideário marxista-
leninista deslocando o eixo articulador de seus discursos e ações, do político-religioso para o
político-econômico (STRAPAZZON, 1996). Esse processo Navarro et al (1999) denominou
“ideologização da produção”. O discurso em favor da implantação de cooperativas
inteiramente coletivizadas viria como resposta para viabilizar economicamente o crescente
número de assentamentos organizados pelo MST. Em certa medida, essa mudança estratégica
possibilitou maior eficácia na conquista de melhores posições nos mercados e na luta por
incentivos à produção, mas de outro lado, aproximou o Movimento ao discurso hegemônico,
dotando-lhe de uma posição muito próxima ao regime de economia de mercado
(STRAPAZZON, 1996).
O Movimento enfatiza o caráter socialista e revolucionário da luta, deflagrando
alterações significativas nas suas estratégias de ação e objetivos. Intensificam-se as metas do
Movimento no sentido de integrar os agricultores assentados à economia de mercado,
definindo estratégias para atingir inclusive mercados externos (GOHN, 1997, p.148-149).
Fortemente inspirado por uma vertente marxista, e tendo as experiências das CPAs cubanas
como referencial empírico, a coordenação do Movimento passa a defender a organização e
estruturação das Cooperativas como premissa para a “superação do modelo capitalista de
produção”. Passa-se então a priorizar um modelo agrícola apoiado no uso de tecnologias e
47
insumos modernos, cuja expectativa era competir nos mercados através da criação de
empresas agrícolas coletivas
39
.
É importante ressaltar que dentro de uma perspectiva marxista (na qual a coordenação
do MST se apóia), as tecnologias não são vistas como um problema em si
40
. O problema
central reside na apropriação desigual dos benefícios gerados e no crescente monopólio dos
meios de produção (terra e capital)
41
. Assim, o que importava discutir não era a própria
tecnologia, mas o sistema social e econômico onde ela se encontrava. Justificava-se, assim,
utilizar um arranjo tecnológico na agricultura em bases “modernas”, que aumentassem a
produção e a produtividade dentro dos assentamentos, uma vez que as cooperativas
garantiriam o acesso aos meios de produção e promoveriam a divisão integral dos resultados
obtidos.
Com o fortalecimento das CPAs, pretendia-se promover ações como compra de
insumos, contratação de assistência técnica especializada, divisão de prejuízos em caso de
adversidades (secas, “pragas” e enchentes), assim como facilitar a reivindicação dos direitos
dos agricultores e viabilização da comercialização dos produtos agrícolas. É no interior dessa
concepção de cooperação agrícola que o MST define a sua lógica de organização e inserção
da produção dos assentamentos no modo de produção capitalista.
39
Este modelo estava amparado ideologicamente no modelo experimentado pela (ex) União Soviética e,
sobretudo, por Cuba. O MST preconizava uma metodologia de organização de produtores conhecida como
“laboratório experimental” , intensamente descrito por Morais (1986), ex-militante das ligas camponesas, no
documento intitulado “Elementos sobre a teoria da organização no campo” e amplamente difundido pelo
Movimento. Esta metodologia tinha por objetivos superar os “vícios” camponeses dos agricultores assentados.
40
Embora esta interpretação tenha gerado uma série de problemas, concorda-se com Winner (2002) ao afirmar
que a tecnologia em si é neutra, porém, mediada pela sociedade.
41
Caio Prado Júnior (1966) afirma que mesmo que estas relações afetem as condições de vida do trabalhador
rural “é preciso não confundir tecnologia desenvolvida com capitalismo”
48
Desta maneira, o MST, implicitamente, relega a segundo plano as tecnologias
alternativas de produção, dando entender que era preciso avançar na produção e na
produtividade dentro dos assentamentos, abolindo o caráter de agricultura de subsistência de
inspiração camponesa, tornando-os competitivos dentro dos mercados.
A agricultura não conseguirá se desenvolver se cada assentamento ou
pequeno agricultor familiar continuar fazendo tudo sozinho ou com a
família. Fazendo desde o preparo do solo até a colheita. E cada um plantando
um pouco de tudo e criando tudo o que for “bicho” (MST, 1997: 21.
Caderno de cooperação agrícola n.5).
Para a coordenação do Movimento, a produção do camponês por ser basicamente
familiar e artesanal, em que se observa uma mínima divisão social do processo produtivo,
determinava um comportamento ideológico “reacionário, personalista e isolacionista” (MST,
1986. Caderno de Formação n.11), portanto, indesejável dentro dos assentamentos do MST,
uma vez que desaparecia o processo produtivo que, teoricamente, deveria estar socialmente
dividido. Conforme demonstra o depoimento de agricultores, os laboratórios experimentais se
difundiram em diversos assentamentos do MST nesse período.
Nós estávamos entre onze famílias que saíram da COOPAHUL que acabou
se quebrando. [risos] A idéia de ficar rico em poucos dias. Fizemos um
laboratório na Conquista [assentamento]. Noventa dias fazendo curso, [...]
esse tal laboratório é pra 95 [dias], pra nós participar, ver como é que nós ia
fazer na cooperativa, ver que tipo de cooperativa é [...] um monte de
argumento que nós ia ficar rico e tal [risos] [...] Tentamos fazer safra de
feijão e milho e coisa e se quebremo tudo (agricultor do assentamento Santa
Elmira).
Conforme ilustrado, as cooperativas agrícolas se disseminaram em alguns
assentamentos organizados pelo MST. Muitas famílias assentadas passaram a seguir uma
lógica de mercado, adotando estratégias de “economias de escala” como principal forma de
garantir sua reprodução e inserção nos mercados. A maioria dos agricultores assentados, no
entanto, não adotaram os preceitos da cooperação agrícola e muito menos da coletivização. Os
49
que seguiram as orientações do Movimento foram aqueles agricultores mais jovens, com
maior escolaridade e mais afinados com o discurso político do MST. As dificuldades, porém,
tornaram-se evidentes, conforme demonstra o depoimento de um agricultor que foi assentado
no final da década de 80.
Inventamos de fazer uma cooperativa, aí juntamos umas 40 famílias e
fizemos [...] aí nós dividimos, começou a vim os projetos e nós começamos a
comprar vaca, porco, aí fizemos um coletivão. Aí dividia: tantas pessoas
para cuidar das vacas, tantas pessoas pra cuidar das lavouras. [E porquê
acabou o coletivo?] Tinha dívida que ta loco [...] trabalhava um mês inteiro,
chegava o fim do mês recebia dois, três pila. Era dívida de financiamento, de
custeio, essas coisas que nós pegava e nós nunca tinha pra pagar [...] nos
últimos anos já não dava, tinha que comprar milho, comprar feijão, não
dava, o colono tinha que comprar tudo. (agricultor do Assentamento Santa
Elmira)
A tentativa de inserção no modelo de agricultura moderna, sem considerar os aspectos
ambientais e os diferentes traços culturais entre agricultores assentados, mostraram erros
estratégicos responsáveis por inúmeros fracassos dentro dos assentamentos do Movimento. A
especialização da produção impôs ao agricultor a tarefa de vender sua produção ao mercado
fazendo com que, de outro lado, ele tivesse que comprar parte da alimentação e seus
equipamentos para produzir. Isso fez com que gradativamente o agricultor fosse perdendo sua
capacidade de autonomia. Em contra partida, este “fracasso” será preponderante para que,
mais tarde, agricultores assentados busquem através da agroecologia restabelecer esta
autonomia (mesmo que relativa) dentro do processo produtivo. Almeida (2000) inscreve a
autonomia como principal manifestação contestadora em favor de uma “agricultura
alternativa”.
Embora não seja o propósito aqui aprofundar as discussões acerca dos problemas
decorrentes do modelo de cooperação agrícola adotado pelo MST, é importante notar que tal
estratégia, como bem abordaram Vilela e Wilkinson (2002, p.220), mostrou-se insuficiente
50
nas atividades tradicionais de produção de grãos, levando a níveis muito baixos de renda
líquida para os agricultores assentados.
Note-se ainda que, conforme ilustrado por Guanziroli (1994, p.52), grande parte do
crédito destinado às áreas reformadas
42
foram utilizados na estruturação dos assentamentos
(alimentação, construção de moradia) e não para a compra de insumos. Mesmo amplamente
preconizado pelo Movimento e pela assistência técnica oficial, esta base técnica moderna
encontrou dificuldades para se estabelecer dentro dos assentamentos. Isso se confirma na fala
deste agricultor:
Tinha muito indicativo da EMATER que tinha que comprar vaca [como o
dinheiro dos projetos]. Mais vaca de qualidade né, vaca boa. Daí eles
fizeram o projeto, que tinha que ser vaca boa [...] mas só que não tinha
pastagem, não tinha nada. Daí o que eu disse para ele [o técnico da Emater]
olha[...] com esse dinheiro o que eu ia fazer: Eu vou fazer uma casa para
morar, eu não vou fazer galpão [...] É muito bonito o cara morar dentro de
um barraco, ter um galpão pra botar vaca, e não ter onde morar! (agricultor
do Assentamento Santa Elmira)
Segundo os agricultores assentados, as dificuldades para a implementação de uma
agricultura em bases modernas decorriam da insuficiência de infra-estrutura básica para
produzir, da falta de recursos financeiros para a aquisição de animais, de sementes, de
equipamentos e máquinas
43
. A assistência técnica mostrou-se inadequada para atender uma
realidade de precariedade dos assentamentos, fazendo com que algumas famílias voltassem à
idéia inicial das chamadas tecnologias alternativas de produção. Este movimento surge não
só como contraponto ao pacote tecnológico da modernização da agricultura, mas
principalmente frente à impossibilidade de acesso às tecnologias modernas de produção. De
42
Como os destinados pelo extinto Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA), criado
em 1986.
43
A partir dos dados colhidos no “I Censo de Reforma agrária”, Navarro et al (1999) indicam que
aproximadamente 1/3 dos assentamentos localizados no Sul do Brasil (Rio grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná) possuíam uma assistência técnica deficitária. Segundo o mesmo autor, com a implantação do Projeto
Lumiar, em 1997, criam-se expectativas de melhorias para esta questão.
51
acordo com Schimitt (2004), tais ações iniciaram com o apoio das ONGs junto aos
agricultores familiares (assentados ou não) passando, posteriormente, a sofrer influência de
grupos de consumidores e profissionais de origem urbana inspirados em princípios ecologistas
e, mais recentemente, com a intervenção e apoio da EMATER-RS.
De acordo com Navarro (1994, p.96), na contramão do que as lideranças
preconizavam, a partir do início do Procera em 1986, o CETAP
44
consegue através de
convênio com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) efetivar
algumas ações voltadas para o desenvolvimento de tecnologias alternativas dentro dos
assentamentos do MST. Segundo o mesmo autor, “entre 1985 e 1988, gradualmente se
formariam argumentos e compreensões divergentes acerca do ‘melhor’ formato tecnológico
para os assentamentos”, fazendo com que o CETAP fosse reduzindo, paulatinamente, sua
presença técnica nas áreas reformadas, especialmente após o término do convênio referido,
mantendo suas ações apenas a grupos de agricultores receptivos às suas propostas.
De acordo com Navarro (1996), é apenas a partir da década de 90 que se consolidam
alguns focos de agricultores assentados receptivos às alternativas tecnológicas. Antes disso,
algumas ONGs tentaram – e pouco conseguiram – praticar algumas ações dentro dos
assentamentos de reforma agrária. Grande parte dos agricultores, e de grande parte das
lideranças do próprio MST – inspirados em princípios de coletivização e estruturação interna
das cooperativas similar à “grande propriedade empresarial” – mostraram-se impermeáveis a
tais tecnologias, evidenciando suas preferências para um modelo muito próximo ao difundido
pelo “pacote tecnológico da revolução verde”. Estas preferências podem ser explicadas pela
matriz ideológica do Movimento, que se empenhava em organizar agricultores em
44
Os profissionais do Cetap eram responsáveis, no estado do Rio Grande do Sul, pela assistência técnica dada
aos agricultores que recebiam os recursos do Procera (NAVARRO, 1995, p.96)
52
cooperativas para acessar as tecnologias e insumos modernos, quanto (e principalmente) pelas
expectativas modernizantes dos agricultores assentados, advindas da sua experiência de
escassez, que segundo Paulilo (1994), os informava sobre a necessidade de não “ficar
novamente de fora”.
A década de 90 é marcada pela criação de várias Cooperativas dentro dos
assentamentos visando contornar tais dificuldades. No Rio Grande do Sul, é constituída a
Cooperativa Central de Assentamentos do Rio Grande do Sul (COCEARGS), a primeira
Cooperativa de Central de Reforma Agrária, a qual constituía-se numa estratégia político-
organizativa e econômica para o Movimento. Reafirma-se dentro do MST a proposta de
fortalecimento das cooperativas quando é criada, em maio de 1992, a Confederação das
Cooperativas de Reforma Agrária (CONCRAB). A finalidade seria organizar a produção nos
assentamentos do MST, com atividades voltadas para a assessoria, assistência técnica e
acompanhamento da organização dos agricultores ligados ao Movimento, representando-os
politicamente e juridicamente (MST, 1997. Caderno de Cooperação Agrícola n.5). As
preferências ideológicas da CONCRAB voltaram-se para a coletivização das atividades
dentro dos assentamentos.
Mesmo que no interior dos assentamentos a base técnica moderna estivesse, ainda,
longe de concretizar-se – devido à insuficiência de recursos e capital – a especialização da
produção e seu conjunto de aparatos técnicos foram amplamente defendidos pela assistência
técnica oficial e pelo próprio Movimento. Durante um longo tempo, apoiou-se a reprodução
do padrão de monocultivo dominante, trazendo todos os problemas produtivos, ambientais e
sociais relacionados a este modelo.
53
Paralelo a isso, os eventos e materiais organizados pelo Movimento denunciam os
problemas sociais e ambientais que o modelo agrícola estava gerando. Entretanto, as
estratégias de “economias de escala” continuavam sendo defendidas pelo Movimento com o
objetivo de contornar os problemas de produção e comercialização e inserir os agricultores
nos mercados.
Contraditoriamente, os veículos de informação produzidos pelo Movimento (ver MST,
1991. Documento básico do MST) estimulavam o uso de tecnologias alternativas, atacando as
tecnologias “impostas pelas multinacionais” e a assistência técnica oficial, principal difusora
dos “pacotes tecnológicos modernos”. Instigavam a valorização do conhecimento do
agricultor e das práticas tradicionais, alertando sobre os problemas com a saúde dos
agricultores e consumidores causados pelo “uso abusivo de agrotóxicos”, e indicavam a
necessidade de avaliar as reais necessidades de uso destes insumos e as possibilidades de
produção de acordo com a realidade ambiental de cada região.
Assim, o Movimento versava sobre uma “agricultura alternativa” ao mesmo tempo em
que, inversamente, estimulava a implementação de estratégias de produção em escala,
investindo numa “agricultura moderna”. Explicar este paradoxo reside em perceber que a
experiência da escassez vivida pelas famílias assentadas permite que parte das lideranças do
Movimento dê sustentação – enquanto os agricultores estivessem estruturando suas
cooperativas – à adoção de um “modelo alternativo de produção”. Este modelo cumpriria
papel complementar no processo de inclusão social promovendo segurança alimentar através
da diversificação da produção e uma certa estabilidade econômica para estas famílias ao
garantir a produção dentro dos assentamentos.
54
Assim, o MST provaria a viabilidade de uma reforma agrária no País, desencadeando
alianças e apoio para a sua luta. Para o Movimento, os assentamentos são a vitrine do MST,
corroborando para estabelecer alianças importantes para o fortalecimento de suas lutas (MST
1997, p.12. Caderno de Cooperação Agrícola n.5). Desse modo, o que num primeiro momento
parece um contra-senso, começa a fazer sentido.
No período que compreendeu 1989/93, o Movimento preocupa-se em denunciar a
utilização de “insumos modernos” para a expansão de culturas homogêneas com objetivo de
exploração industrial e exportação, assim como da utilização irracional de recursos naturais,
prejudicando a conservação dos solos e o equilíbrio do meio ambiente (MST, 1991.
Documento básico do MST). Mas, ao mesmo tempo, estimula ações direcionadas para a
“mecanização em todas as atividades possíveis visando o aumento na escala de produção”
(MST, 1991, p.59. Documento básico do MST).
Poucas e isoladas foram as iniciativas de construção deste “modelo alternativo” de
produção. A regra foi continuar priorizando uma agricultura “moderna” através do
fortalecimento das CPAs, conforme explicitado em matéria publicada pelo Movimento
relativa à organização da produção de um assentamento.
Está decidido a usar os recursos do Procera na compra de uma ensiladeira e
na construção de uma plataforma de leite. Mas vem causando polemica a
idéia de fazer um condomínio utilizando um dos lotes de um assentado para
concentrar a criação de vacas de leite. Embora seja a solução que tornará
mais eficiente e viável a produção. (Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra. Nov/1995)
Se em nível nacional o Movimento indicava para a “utilização de tecnologias
adequadas e um modelo de produção alternativo”, as lideranças locais e regionais, com
algumas exceções, consideravam essa uma agricultura atrasada, de subsistência, portanto,
55
com pouca relevância econômica. Esse descompasso se deve, basicamente, pela transição na
orientação nacional para estas questões, às quais não foram acompanhadas por parte das
lideranças locais, formando uma camada intermediária (atuante nos espaços dos
assentamentos) que se manteve fiel à proposta de “modernização da agricultura” e à
“cooperação agrícola”.
É interessante ressaltar que segundo Gonh (1997, p.28-29):
A profissionalização ou “liberação” (estar apenas a serviço do movimento)
produziu efeitos contraditórios. Criou uma camada de dirigentes que cada
vez mais se distanciou das bases dos movimentos, se aproximou das ONGs e
se ocupou em elaborar pautas e agendas de encontros e seminários
(nacionais nos anos 80 e internacionais nos anos 90). Fora das agendas dos
encontros outra prioridade eram as eleições.
Na década de 90 a agenda do Movimento se amplia, passando a integrar a
coordenação de vários eventos em conjunto com as mais importantes organizações populares
do campo e da cidade, ONGs e entidades que se propunham a discutir os problemas da
sociedade moderna. Com isso, embora a imagem do Movimento estivesse em consonância
com entidades ambientalistas nacionais e internacionais, dentro dos assentamentos a realidade
é bastante diferente, reflexo de uma formulação teórica que chega ao agricultor (base) e às
lideranças locais de forma muito incipiente e que apenas recentemente, traduz-se em
mudanças no comportamento desses atores.
A Conferência Internacional “Terra, Ecologia e Direitos Humanos”, que aconteceu em
maio de 1992
45
, teve a participação de várias entidades, entre elas o MST, originando um
45
Nesta conferência, muitas agências de cooperação internacional com viés ecológico estão presentes. Fazem
parte da coordenação do evento o Departamento Nacional do Trabalhadores Rurais da Central Única dos
Trabalhadores (DNTR/CUT), a CPT, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), CETAP, Rhight Livelihood
Award Foundation (Fundação Prêmio Nobel Alternativo), entre outros. A meta era manifestar a opinião destes
setores em relação aos debates que aconteceriam em junho de 1992, no Rio de Janeiro, na Conferência sobre
56
documento que deveria balizar as ações dos agricultores assentados do Movimento. Nela são
apresentadas as principais idéias sobre “o sistema de miséria, exploração e opressão existente
nesses países [pobres] e sobre a destruição do meio ambiente” (MST, 1993, p.05. Terra, meio
ambiente, direitos humanos).
O documento foi criado para ser debatido massivamente dentro dos acampamentos e
assentamentos do MST. As reflexões que propõe englobam a pobreza e a destruição do meio
ambiente como tendo raízes no “modelo industrial capitalista”, cujas tecnologias propostas
são uma “armadilha para explorar e dominar ainda mais os países e as populações pobres”. As
pequenas propriedades rurais deveriam priorizar a produção de alimentos para o “povo”,
diferentemente das grandes propriedades que produzem “culturas extensivas para a
exportação”. As grandes empresas e os projetos agropecuários representam um risco para o
ambiente pois esta “produção predatória” visa apenas o “lucro fácil e rápido.” (MST, 1993,
p.14-15. Terra, meio ambiente, direitos humanos).
A divulgação do relatório FAO/Incra, em 1994, desencadeia o debate acerca da
produção familiar e sua relação com o desenvolvimento econômico nas áreas de reforma
agrária no Brasil. De acordo com Wilkinson (2004), a partir de então, a agricultura familiar é
apontada como alavanca de “um modelo econômico, ao mesmo tempo, mais eqüitativo (na
distribuição de renda) e mais eficiente (no abastecimento alimentar mais barato).” Nessa
mesma direção a tese de Abramovay (1992), dá as bases teóricas para que a agricultura
familiar deixe de ser pensada como sinônimo de pequena produção, de certa forma,
“rompendo” sua relação com o conceito de campesinato. Isso tem reflexo dentro do discurso
do próprio Movimento, que passaria a dar credibilidade para a agricultura familiar,
Meio Ambiente e Desenvolvimento convocada pela ONU. Nesta ocasião, estiveram presentes muitas das
agências de cooperação internacional que financiam o MST.
57
respeitando suas características particulares. Ou seja, sua capacidade de permanecer na
atividade produtiva gerando renda monetária através das atividades de subsistência casada
com outras atividades (mercantis) de inserção na economia local.
No III Congresso Nacional do MST, em 1995, o Movimento adota o lema “reforma
agrária: uma luta de todos”. Era o indicativo de que o Movimento estaria buscando o apoio
para sua luta em outros setores da sociedade civil organizada, pactuando alianças estratégicas,
que dariam ao Movimento visibilidade nacional e internacional e, conseqüentemente, força na
implantação de seu projeto político.
A Via Campesina, entidade que congrega organizações camponesas de todo o mundo,
entre elas o MST, é criada nesse mesmo ano durante os debates sobre os 500 anos de
resistência da América Latina. Em Congresso realizado na América Central, define seu
objetivo central como sendo o de “articular o pensamento e interesses camponeses nos fóruns
onde estão sendo tomadas as decisões” sobre as questões que permeiam o desenvolvimento da
agricultura e os problemas decorrentes da entrada do capitalismo no campo (Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, dez/1996. p.16).
No Brasil, o MST denuncia as políticas neoliberais do governo federal, que estaria
ocupado em implementar políticas de subordinação da economia brasileira ao capital
internacional e financeiro, promovendo o desmonte do setor público agrícola – de pesquisa,
extensão, crédito e regulação de estoques (MST, 2001. Construindo o Caminho). Em um
contexto
46
em que os movimentos populares brasileiros empenham uma campanha contra
46
O governo de FHC perdurou de 1994 a 2002. Em 1996, o governo anuncia a intenção de privatizar a
Companhia Vale do Rio Doce, desencadeando entre os movimentos populares uma campanha contra a
privatização de empresas estatais (CONDE, 2004, p.304) e pela manutenção dos recursos naturais como um bem
da humanidade. Em fevereiro do mesmo ano é aprovada pelo senado a “Lei da propriedade industrial”,
58
determinadas ações governamentais, o MST, através de matéria produzida pelo seu Jornal
“Camponeses do Mundo todo se unem contra o Neoliberalismo” (Jornal dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, ago/1996) norteia as ações que seguiriam.
É um período em que desencadeiam, em todo o mundo, ações contra uma globalização
que traz implícita a ideologia neoliberal. Dentro do discurso do MST são articulados
elementos políticos, econômicos, sociais, culturais que marcariam sua trajetória,
influenciando, definindo e/ou fortalecendo as estratégias políticas que seriam adotadas pelo
Movimento para contrapor-se às ações neoliberais.
Nesse sentido, a busca pela democratização da propriedade da terra, da tecnologia e
dos mercados; a oposição à apropriação dos recursos naturais por empresas privadas; as ações
contra a privatização de materiais genéticos, especialmente, contra a lei de patentes no Brasil;
a defesa da autonomia alimentar; e a luta pelo fim das políticas de exportação para geração de
divisas visando o pagamento da dívida externa dos países pobres, são parte do discurso e de
ações do MST contra as políticas neoliberais em andamento.
Na II Conferência da Via Campesina, em 1996, os integrantes do MST se organizam
para participar do Fórum das ONGs, evento que aconteceria paralelo ao encontro da FAO. Na
avaliação dessa conferência Paul Nicholson, representante Basco na Via Campesina, afirma:
“antes era muito comum as ONGs falarem pelos movimentos, mas depois desse encontro a
nossa voz saiu mais fortalecida”. (Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ago/1996) .
permitindo o patenteamento das novas sementes “transgênicas” a serem lançadas no mercado (Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, mar/1996). O MST assume uma posição de denúncia e contrariedade ao uso de
transgenia na agricultura.
59
Aparecem indicativos de que a relação entre ONGs e movimentos sociais apresenta-se de
certa forma conflitiva.
O MST participa, através da Via Campesina, do Fórum das ONGs que acontece
paralelamente à Conferência Mundial de Alimentação organizada pela FAO em 1996. Egidio
Brunetto, dirigente do MST, em entrevista afirma que:
O documento das ONGs aprovado no fórum é ambíguo pois tem algumas
posições importantes, mas outras complicadas. Nós defendemos soberania
alimentar e não segurança alimentar. Soberania passa pela questão do acesso
à terra. Segurança significa que não serão necessariamente os camponeses
que irão produzir e o que nós queremos é uma agricultura com camponeses.
Há também a questão da Reforma agrária pois os documentos das ONGs a
tratam de uma forma muito superficial, sem abordar o problema com a
profundidade que merece. (MST. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra. dez/1996)
Com isso, o MST ao mesmo tempo em que articula elementos comuns em seus
discursos, incorporando novos elementos que considera em consonância com a sua bandeira
de luta, mantém um certo clima de disputas e diferenças. Afirma que as ONGs, embora se
apresentem como modernas e renovadas, contém elementos dissonantes. A explicação para
isso pode ser encontrada no próprio papel das ONGs, que se colocam como mediadoras entre
a sociedade – excluída ou à margem do processo de desenvolvimento socioeconômico –, o
mercado e o Estado, atuando por meio de parcerias em políticas públicas (GONH, 1997,
p.52). Ou seja, as ONGs são instituições privadas – embora sem fins lucrativos –
formuladoras, articuladoras e executoras de projetos demandados pela sociedade.
Diferentemente dos movimentos que atuam na linha da militância, as ONGs muitas vezes,
pouco se preocupam com as questões ideológicas ou político-partidárias, mas sim com a
eficiência das ações e o êxito dos projetos demandados.
60
As reivindicações centrais da Via Campesina referem-se à não utilização do alimento
somente como artigo de compra, venda e acúmulo de capital; pela defesa incondicional dos
recursos naturais como um bem da humanidade; e contra a lei de patentes que acabaria com o
controle dos países pobres sobre seus recursos naturais. Reafirma ainda a necessidade de
internacionalização das lutas e de ocupar os espaços públicos para a denúncia das políticas
neoliberais.
A posição do Movimento pretende aproximar possíveis aliados na sua luta sem,
no entanto, desviar-se de suas questões políticas centrais.
Hoje com a globalização da economia especialmente com a globalização da
fome, os camponeses tem mais necessidades de ocupar os espaços de forma
inteligente. Como estamos organizados e concordamos nos principais
pontos, mostramos claramente nossa posição, tanto na conferência da FAO,
como também na conferência paralela e na imprensa internacional. (MST.
Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. dez/1996).
Em abril de 1997 acontece a Marcha Nacional por terra, emprego e justiça. A
caminhada iniciou em três diferentes pontos do país em direção a Brasília e durou dois meses.
A chegada de mais de trinta mil pessoas na capital, no dia 17, um ano após o Massacre de
Eldorado de Carajás
47
, repercutiu nacionalmente, tornando-se o principal assunto da mídia
(MST, 1998. Caderno de formação n.30, p.48.). Essa foi uma estratégia que reforçou a
visibilidade nacional e internacional do MST. O Movimento Sem Terra torna-se conhecido
internacionalmente, desencadeando apoio dos mais diversos segmentos da sociedade na luta
pela terra. Entram em cena mediadores políticos que, embora não alterem seu eixo principal
de luta, vão influenciar o discurso dos dirigentes do MST. A aproximação do MST com
instituições ambientalistas faz com que intensifique seu discurso em favor de iniciativas para
“um modelo alternativo” de produção, englobando aí o uso do termo agroecologia. Para
47
Em 17 de abril de 1996 ocorre um massacre em Eldorado dos Carajás, no estado do Pará, onde 19 sem terras
são motos e 69 feridos durante a Marcha por emprego e reforma agrária. Esta data torna-se dia internacional de
luta camponesa no calendário do MST (CONDE, 2004, p.301).
61
reforçar estas mudanças o Movimento toma, mais uma vez, como referência o exemplo de
Cuba, conforme demonstra documento publicado pelo Movimento.
O bloqueio econômico imposto pelos EUA deu origem a uma nova
transformação na agricultura cubana. Hoje Cuba conta com mais de cem mil
juntas de boi e a adubação orgânica ocupa um lugar de destaque substituindo
os herbicidas. Cuba tem seus maiores avanços no controle biológico de
pragas, começando a aumentar a produtividade. Esta capacidade de rever o
processo sem perder a dimensão socialista é que permite que as conquistas
da revolução sejam intocáveis. (Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
jun/1996).
A criação da BioNatur em 1997 é, sem dúvida, um marco importante na história do
MST. Sua constituição inicia em meados de 1993, quando alguns agricultores assentados na
região da Campanha do estado do Rio Grande do Sul, que produziam sementes de hortaliças
de forma integrada com Empresas privadas, passam a ser excluídos dos sistemas de
integração – por serem considerados “menos eficientes”. Para o Movimento a criação da
BioNatur, além de uma estratégia econômica importante contém um fundo político,
demonstrando a possibilidade de contrapor-se ao monopólio que as empresas multinacionais
haviam estabelecido frente ao mercado de sementes (CORREA, 2004). No entanto, mesmo
discutindo-se a importância estratégica que a BioNatur constitui para os agricultores e para o
Movimento, grande parte das famílias assentadas na região mantiveram-se produzindo de
forma integrada com empresas privadas. Os dados apresentados por García (2004) indicam
que na atualidade existam aproximadamente 55 famílias assentadas que através da BioNatur
produzem sementes ecológicas de variedades locais, tradicionais e comerciais de diferentes
espécies de hortaliças. Isso representa um universo muito pequeno, se considerarmos que o
número de famílias assentadas na região é superior a 2000, mas reforça a idéia de que a
concepção de que o modelo baseado em cooperativas e produção em escala para viabilizar os
assentamentos já não é mais hegemônico no interior do MST.
62
Paralelo a isso, em novembro de 1999, o MST lança no Rio de Janeiro o Projeto de
formação e educação ambiental e espera com isso adotar “uma reforma agroecológica” em 6
assentamentos desse estado, criando “um novo modelo de agricultura que seja produtivo
socialmente, não excludente e que assegure a preservação ambiental” (Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, dez/2000. p.07)
3. A influência do Estado na implementação da agroecologia
Com o apoio massivo dos Movimentos Sociais organizados (incluindo o MST) e de
outros segmentos da sociedade (sindicatos de trabalhadores), em 1998, Olívio Dutra é eleito
governador do Estado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Assumindo o cargo em 1999, cria
mecanismos de regulação e gestão pública do Estado, articulando políticas que redefinem os
caminhos do desenvolvimento, capazes de incluir os segmentos que historicamente foram
marginalizados na sociedade. Na agricultura, há reestruturação das instituições de pesquisa e
extensão
48
agropecuária, assim como, políticas de crédito voltadas para a construção de um
modelo agrícola com bases na agroecologia e na agricultura familiar, passam a ser
prioritários.
Com o apoio do governo do estado, em 2001, é realizada a I Conferência Estadual de
Reforma Agrária, demonstrando que se inaugurava uma espécie de trégua, um diálogo entre
Movimentos Sociais e Governo. Nesse quadro, a partir da promoção de encontros e palestras,
dentro dos acampamentos e nos assentamentos do Movimento, os agricultores passam a ser
orientados a construir uma matriz produtiva com base na agroecologia. Os assentamentos
48
Caporal (2002) relata o processo transição agroecológica que vem ocorrendo no meio rural do estado do Rio
Grande do Sul, e que, no período de 1999-2002, contou com a iniciativa dos trabalhadores da empresa de
Extensão Rural oficial deste estado, a EMATER/RS.
63
criados nesse período tiveram maior apoio do Estado (através de políticas de crédito e da
assistência técnica oficial) e do Setor de Produção e Meio-ambiente do MST.
Partindo-se das idéias de Moreira (1999. p.37), ao afirmar que “a modernização
tecnológica não passa apenas pela adoção de determinadas tecnologias disponíveis em um
determinado momento na história, mas igualmente pelo jogo dos interesses econômicos e pelo
jogo político que é articulado na consecução desses interesses econômicos”, pode-se afirmar
que este governo, teve importante papel na construção das proposições agroecológicas nesse
período. Nesse sentido, as políticas públicas de incentivos, a exemplo o crédito agrícola, que
historicamente priorizaram a grande propriedade, se deslocam para iniciativas em favor da
agricultura familiar e de uma agricultura alternativa ao modelo dominante. Este processo
acabou refletindo dentro dos assentamentos do MST, permitindo avanços no debate em torno
das questões que envolvem a agroecologia e na implementação destas propostas, conforme
verificado nas entrevistas.
Daí surgiu essa área aqui do governo que era para ser um assentamento
coletivo e agroecológico [Quem definiu?] Quem definiu foi o governo e o
Movimento né?! Porque era perto de uma cidade grande [...] tinha critérios
para concorrer para essa área. (agricultor do assentamento Carlos
Marighella)
Nesse meio apareceu essa área do governo do Estado que foi definida pra um
grupo coletivo e a gente tinha na cabeça de produzir agroecológico[...] mas
pra nós a gente não tinha bem claro o que era produzir agroecológico a gente
entendia a questão de não prejudicar o ambiente[...] de comer tudo sem
veneno[...] a intenção de produzir produto saudável pra sociedade próximo
de nós[...] a população mais deficitada, melhor preço[...] essas coisas.
(agricultor do assentamento Carlos Marighella)
Nesse caso, a definição do modelo tecnológico a ser adotado pelos agricultores que
ocupariam a área aconteceu em conjunto com o governo do estado e o MST. Dentro do
acampamento, o grupo estava formado e o projeto estava em consonância com os critérios
64
pré-estabelecidos. Note-se ainda o apoio através de créditos orientados para a produção
agroecológica.
Daí veio o recurso, dinheiro pra calcário, dinheiro pra esterco orgânico. Veio
pelo governo. (agricultor do assentamento Carlos Marighella)
A partir de então, no Rio Grande do Sul, são efetivadas ações com finalidade de
fortalecer iniciativas em favor da agroecologia. As ações do Estado dão suporte às propostas
agroecológicas através da criação de linhas de crédito e da reestruturação, mesmo que
precária, da assistência técnica oficial. Parte dos técnicos da Emater passam a encampar as
práticas agroecológicas e buscar, junto com os agricultores, tecnologias alternativas de
produção.
Nós buscamos os técnicos da EMATER e na verdade eles também entraram
na experiência. Porque na faculdade, na universidade não se ensina muito
isso, o que se ensina é químico, é tudo para aquele lado, né[...] então a
agroecologia é uma experiência nova. (agricultora do assentamento Carlos
Marighella)
4. Ampliam-se ações em favor da agroecologia
Se antes as ONGs foram a única voz que se somou àquelas dos agricultores que por
diferentes razões não adotaram as “tecnologias modernas” de produção, agora, o Movimento
(especialmente através de suas lideranças) e a assistência técnica oficial (Emater) passam a
dar credibilidade para estes agricultores. Conforme a pesquisa indica, mesmo que desde
meados da década de 90 o Movimento já dê sinais (em seu discurso e documentos) da
necessidade construir um modelo alternativo de produção, é apenas recentemente que são
verificadas algumas mudanças nesse sentido dentro dos assentamentos.
Falar na coordenação [do movimento]. Às vezes discutem lá em cima na
região [...] várias vezes vem sobre isso [agroecologia] também. A nossa feira
tava indo mal por que não tinha [...] muita vontade das lideranças do
Movimento dando uma força, um apoio. A gente queria que [os técnicos do
65
CETAP], eles retornassem discutindo, cada mês mostrando um pouco [...] e
eles [lideranças do Movimento] não davam a mínima importância.
(agricultor do assentamento Santa Elmira)
A BioNatur também. Tinha um esquema de tantas famílias tocando, mas não
tinha aquela importância pro Movimento. Agora o Movimento se botou a
trabalhar junto. É mais ou menos um ano pra cá [2003 para 2004], não chega
a fazer um ano. Então eles começaram a dar importância. É coisa que não
tinha antigamente,[...] eu nem participava disso. Era um bloquinho, eu
participava aqui, levava para coordenação do grupo da semente [da
BioNatur] e hoje não. (agricultor do assentamento Santa Elmira)
Este parece ser um importante indicativo de mudanças nas bases do Movimento,
podendo desencadear transformações efetivas dentro dos assentamentos do MST. Mais
recentemente, no III Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2003, o MST em
conjunto com a Via Campesina lança uma campanha internacional, intitulada: “Sementes:
Patrimônio da Humanidade”, cujo objetivo é:
Garantir o direito a todos os agricultores familiares a produzirem suas
próprias sementes, de forma individual ou na sua comunidade – como é feito
na Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados (COOPERAL) no
estado do Rio Grande do Sul - além, é claro, de denunciar as empresas
multinacionais que querem controlar a produção de sementes no mundo e
pressionar para que a FAO e a UNESCO declarem as sementes como
Patrimônio Cultural de toda a Humanidade. (GARCÍA, 2004)
Esse tema passou a ser debatido tanto dentro dos assentamentos – entre lideranças
locais – quanto nacionalmente pelo MST desencadeando, no final de 2003, um projeto
chamado Diagnóstico Participativo de Biodiversidade nos Assentamentos e, simultaneamente,
na construção de uma rede nacional de produção de sementes ecológicas baseada na
experiência da
BioNatur (GARCÍA, 2004).
Acontece em maio de 2003 a II Jornada de agroecologia com o tema “Terra livre de
transgênicos e sem agrotóxicos”. Foram três dias de debates, oficinas e mobilização “contra
os transgênicos e pela construção de um projeto popular para a agricultura e o Brasil”, que
culminou com a destruição de uma estação experimental de soja transgênica no estado do RS
66
(Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, mai/2003. p.06). Esta ação política vem reforçar
a posição do Movimento contrária aos transgênicos e em favor da agroecologia. A partir de
então, começam a acontecer mudanças no comportamento de lideranças locais que até então
consideravam a agroecologia (ou a produção com baixo uso de insumos) como secundária
dentro dos assentamentos do Movimento. O MST intensifica sua participação na organização
de Encontros, Jornadas e Congressos voltados para a temática do desenvolvimento sustentável
e da agroecologia visando:
Promover a troca de conhecimentos técnicos e de experiências de manejo
agroecológico entre os agricultores e debater, em conjunto com os
movimentos sociais, as diretrizes do projeto popular para a agricultura,
incluindo o combate aos transgênicos, as organizações dos trabalhadores do
campo, a educação e a cultura camponesa (MST. Jornal dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. jun/2004).
Em 2004, a III Jornada de Agroecologia tem por tema “Construindo um Projeto
Popular e Soberano para a Agricultura Camponesa”. Essa jornada foi promovida por 21
entidades (entre elas o MST), possuindo como objetivo a implementação de um "projeto
popular soberano para a agricultura camponesa, fundamentado na agroecologia".
Os integrantes da atividade reafirmam a luta por uma terra livre de
transgênicos e sem agrotóxicos e criticam a instituição da propriedade da
terra pelo capitalismo, que causou o processo de apropriação privada da
natureza, sua contínua degradação, a escravidão e exploração dos povos,
rompendo os milênios de convivência equilibrada dos povos com seu
ambiente (MST. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. jun/2004).
Pode-se relatar um número considerável de eventos organizados ou apoiados pelo
MST em favor de uma agricultura alternativa, especialmente as “Jornadas de Agroecologia”,
nos últimos anos. O MST articula-se com outras entidades, mobilizando-se em favor da
agroecologia que, segundo ele, é uma realidade viva e em construção pelos povos das mais
diferentes etnias e culturas.
67
A partir dos últimos Congressos do MST, quando é construído um documento
intitulado um Projeto Popular para o Brasil, o MST evidencia não restar dúvidas sobre a
reforma agrária constituir-se o eixo central para a transformação social do País, apontando a
agroecologia como o “caminho para a reforma agrária e para a agricultura familiar”, conforme
indica a fala de Plínio Arruda Sampaio.
Essa produção ampliada de produtos alimentares não poderá ser realizada
com as técnicas atuais (os pacotes tecnológicos fornecidos pelas indústrias),
uma vez que isso acarretaria num grau de poluição simplesmente
insuportável. Contudo, uma produção mais natural, menos produtiva, mas
também menos cara e menos agressiva ao meio ambiente, subverte a lógica
de funcionamento das empresas que dominam atualmente o setor.
(SAMPAIO, 2001. p.17).
Na avaliação de Correa (2004), membro da coordenação nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, a luta pela terra já é uma luta pela sustentabilidade. Segundo
ele:
O acesso aos recursos naturais por toda a humanidade é a única forma de
preservar estes recursos. A reforma agrária, a agroecologia e o
desenvolvimento sustentável são lutas que se complementam, uma não
existe sem a outra. [...] Os produtos convencionais e ecológicos não são
questionados no mercado internacional, como ocorre com os alimentos
geneticamente modificados. O lobby destas grandes empresas não pode nos
forçar a abrir mão desta posição privilegiada (CORREA, 2004)
Embora até aqui estejamos realçando os contrastes e antagonismos que abrangem a
agroecologia e o projeto do MST, é preciso salientar que ambos orientam-se pela contestação
de um modelo excludente de desenvolvimento. A agroecologia assume uma importância
estratégica para o Movimento, apontando para busca de um caminho mais autônomo – para os
agricultores assentados – no interior do sistema econômico. Entende-se que estes sejam os
elos que permitem vincular a agroecologia a um projeto mais amplo de transformação da
sociedade, mesmo considerando seus limites para isso.
68
Para Castells (1999), a prática discursiva dos movimentos sociais são sua
autodefinição, ou seja, o movimento é aquilo que ele diz ser. Cabe ressaltar, entretanto, que o
discurso do MST tornou-se sofisticado para as questões ambientais, mas mostrou-se pouco
eficiente em ações nas áreas reformadas, uma vez que o número de assentamentos que
efetivamente trabalham nessa perspectiva ainda é bastante reduzido, embora crescente,
havendo uma multiplicidade de arranjos produtivos-tecnológicos sendo implementados nesses
espaços.
O estudo realizado por Leite et al (2004. p.204-205) em assentamentos de reforma
agrária distribuídos em cinco regiões distintas do Brasil, dá uma panorama geral no que se
refere ao uso de insumos e perfil tecnológico nessas áreas. Os dados revelam que 60% dos
lotes (do total de famílias assentadas pesquisadas) utilizam insumos químicos, incluindo o uso
de agrotóxicos (41%), medicamentos veterinários (42%) e fertilizantes químicos (37%).
Apenas 18% dos entrevistados declarou não utilizar qualquer tipo de insumo
49
e
aproximadamente 50% dos entrevistados utilizou apenas um ou dois tipos de insumos
(especialmente sementes/mudas compradas). Quando se toma como base a região localizada
no Sul do Brasil (oeste de Santa Catarina) os números se ampliam. O uso de insumos
50
atinge
patamares de 90% (especialmente para o uso de semente/mudas) no total de lotes
pesquisados. Em 80% dos lotes, são usados insumos veterinários, aproximadamente 65%
utilizam fertilizantes químicos e quase 60% utilizam agrotóxicos. O emprego deste último
está associado, especialmente, ao cultivo do fumo. Estes números vêm confirmar a afirmativa
de que ainda são poucos os assentamentos que utilizam na sua base produtiva os preceitos de
uma agricultura alternativa.
49
Estes dados referem-se à safra de 1998/99.
50
A exceção fica nos lotes de Dionísio Cerqueira que não registram utilização de agrotóxicos, chegando ao
extremo, em São José do Cedro/SC, onde 100% dos lotes pesquisados utilizam agrotóxicos.
69
Recentemente alguns assentamentos, alguns grupos ou mesmo algumas famílias
assentadas passam a orientar suas atividades para a produção com bases na agroecologia,
entretanto, é preciso ressaltar que as práticas utilizadas pelos agricultores assentados nem
sempre estiveram em consonância como o discurso veiculado pelo Movimento. Mesmo
quando as orientações centraram-se na adoção do “padrão de agricultura moderna” para estas
áreas, isso não se consolidou. Da mesma forma, quando o foco central do discurso foi a defesa
de uma “agricultura alternativa”, e a utilização de “tecnologias alternativas de produção”,
poucas e isoladas foram as ações nesse sentido dentro dos assentamentos do MST. Fica
evidente que as orientações políticas do Movimento para a produção dentro dos
assentamentos, embora se constituam num elemento importante, muitas vezes, não
representam força capaz de alterar a referência dos agricultores assentados na definição das
atividades produtivas
51
.
Para compreender as motivações em efetivar mudanças na forma de agir e pensar a
agricultura nesses espaços é preciso que estas mudanças sejam olhadas na sua complexidade,
ressaltando características particulares que permitiram avanços nas proposições
agroecológicas. Ou seja, perceber quais as reais motivações dos agricultores em utilizar (ou
não) a agroecologia dentro dos assentamentos, torna-se elemento central para auxiliar em tais
transformações. Este tema será discutido no capítulo seguinte.
51
Para exemplificar, pode-se recorrer ao estudo realizado por Leite et al (2004), que aponta os principais
produtos em participação no Valor Bruto da Produção Agropecuária em relação ao VBP total em assentamentos
da região Oeste de Santa Catarina. Nesse caso, milho, feijão, fumo e soja, são os cinco principais produtos
vegetais cultivados nessa região. Produtos como milho e feijão, representam uma importância estratégica para
estes agricultores, pois assumem um duplo sentido (comercial e autoconsumo). Já o fumo, constitui-se (nesse
estudo) o terceiro produto de maior valor bruto da produção (em % do valor da produção). Estes dados indicam
que diferentes –e diversas – referências são articuladas pelos agricultores a fim de orientar suas atividades
produtivas dentro dos assentamentos.
70
CAPÍTULO
III
Entre as virtudes do discurso e os desafios da prática
Pretende-se neste capítulo, ao dialogar com os atores envolvidos, descortinar as
motivações que impulsionam agricultores assentados a construir uma proposta produtiva-
tecnológica com base na agroecologia. As questões orientadoras são: o que figura por trás dos
discursos do conjunto de agricultores assentados que utilizam a agroecologia como referência
na atividade produtiva, quais as intenções e as necessidades que os levam a aderir a esse novo
modelo de agricultura.
Ressalte-se que, embora a influência do MST seja fundamental nesse processo, o
agricultor assentado sustenta, ainda, outras referências para implementar estas mudanças. Para
Lamarche (ano, 230) a maior parte das explorações familiares situam-se
(...)em diferentes graus de autonomia em relação ao mercado e em diferentes
níveis de atuação, trazendo uma grande diversidade na composição desse
segmento. A coexistência de unidades produtivas, com diferentes dinâmicas
internas, inibe uma explicação geral para o funcionamento da produção
familiar.(LAMARCHE, 1998. p.230)
No caso estudado e em consonância com o apresentado com Lamarche (1998), a
atividade produtiva orienta-se fortemente pela lógica familiar, buscando superar a
dependência externa, principalmente no que diz respeito às tecnologias. Muitas vezes, estes
agricultores orientam suas ações tomando como parâmetro experiências vivenciadas,
encontrando aí respostas para a construção do novo. O agricultor familiar assentado monta,
assim, o contraponto que o protege do que julga ser as ameaças do presente. A agroecologia é
apresentada, assim, como possibilidade de contornar os efeitos da modernização da
71
agricultura, lugar de reavivamento onde atividades e valores perdidos no processo de
modernização da agricultura são retomados e ressignificados.
Estas atividades, no entanto, somente são recuperadas pelos agricultores assentados
quando elas passam a representar uma vantagem, ou seja, quando são “valorizadas” na
sociedade, perdendo sua conotação negativa e, assim, tomando um novo significado para estes
agricultores. A prática discursiva dos assentados aponta, de um lado, para aspirações de
mudanças nos paradigmas da sociedade moderna, mas, de outro, busca a inclusão e
manutenção das famílias assentadas no interior do tecido econômico e social. O movimento
em direção à agroecologia dentro dos assentamentos deve ser compreendido tanto pelo seu
lado inovador, por aquilo que ele contém enquanto proposta de uma nova sociedade, mas
igualmente por aquilo que – supostamente – tem de continuidade. Ou seja, pelos traços
contidos na herança cultural destes agricultores que os identifica enquanto agricultores
marginalizados. Esta última é a principal referência para efetivar mudanças no seu modo de
agir, os informando sobre a necessidade de mudanças – renovação – para garantir a sua
manutenção na atividade produtiva.
Este capítulo propõe debater o tema a partir destas duas dimensões que se entrecruzam
constantemente: 1) os assentamentos de reforma agrária enquanto espaços privilegiados de
configurações sociais singulares, fruto de situações de rupturas e luta; 2) os traços que
identificam os assentados enquanto agricultores familiares – historicamente marginalizados –
e que determinam comportamentos específicos entre estes indivíduos. Essas duas facetas
nunca aparecem separadas, ao contrário, militante e agricultor são figuras indissociáveis, uma
vez que seus discursos articulam – mesmo que precariamente – um conjunto de elementos
72
(sociais, econômicos, ambientais) que tornam as ações – em favor da agroecologia –
“harmônicas” com os ideais do Movimento.
O desafio está não somente em romper esta superficialidade, revelando a ambigüidade
que vive este agricultor ao orientar ações simultâneas de resistência e reinserção no tecido
econômico, mas principalmente trabalhar com o real, percebendo a agroecologia dentro de um
horizonte estratégico para os agricultores familiares assentados, ressaltando suas
possibilidades e limites.
1. Construindo uma vinculação com o alternativo
Fazer parte de um movimento social que pretende interferir na lógica da sociedade
capitalista atribuiu aos agricultores assentados organizados – neste caso pelo MST – a tarefa
de estar, constantemente, intervindo criticamente na sua realidade. Assim, o discurso em favor
da agroecologia é montado a partir da identificação do que acreditam ser as “armadilhas do
capital” – aqui representadas pelas empresas multinacionais de insumos industrializados.
A questão da agroecologia também nós já decidimos lá no acampamento[...]
que nós íamos trabalhar dessa forma. Apesar de que foi tomada uma decisão
meio ingênua, porque nós não tínhamos uma experiência concreta de
trabalhar de forma agroecológica. A gente tomou uma decisão política, né.
De que nós não íamos trabalhar com produtos químicos, que nós estaríamos
fomentando mais ainda o modelo econômico que ta aí né. Nós travamos esse
desafio (agricultor do assentamento Carlos Marighella).
Os agricultores constroem argumentações sobre o “sistema de dominação” da
sociedade industrial, que os coloca reféns “das indústrias e seus pacotes tecnológicos”. A
agroecologia assume um caráter positivo quando a ela são atribuídas características que
permitem a estes agricultores, subverter este sistema de dependência e exclusão a que – foram
e de certa forma – estão submetidos. A exemplo da política de cooperação agrícola, muitas
73
vezes este discurso (fragmentário) é construído ainda nos acampamentos do MST, alicerçando
idéias (e ideais) em favor da agroecologia.
Então fazíamos o debate da situação econômica do país, dos agricultores e o
que tava levando eles a quebrar. Então nós chegamos à conclusão que nós
estávamos quebrando por culpa nossa que estamos assimilando um modelo
que nós achamos que era fácil de trabalhar, usa adubo químico, veneno, é
prático. [...] consegue fazer tudo e na verdade a indústria é que leva a maior
parte do que nós produzíamos então nós fizemos a reflexão. Temos que parar
com isso, construir um modelo mais sustentável possível, então, levou nós a
trabalhar com a agroecologia. (agricultor do assentamento Carlos
Marighella)
O Movimento criou um discurso coerente com as proposições agroecológicas,
colocando as multinacionais de insumos industrializados como a principal responsável pelo
sistema de dominação a que estes agricultores estão submetidos, entretanto, este discurso
trouxe alguns problemas de ordem prática. Segundo os próprios entrevistados, a real
dimensão na decisão de trabalhar com base na agroecologia só é sentida pelos agricultores à
medida que eles são assentados.
Dentro dos setores [do MST] tem o setor de produção e meio ambiente[...] e
que faz algumas formações à respeito da agroecologia. As vantagens, o que
isso traz de bem pra saúde, pra natureza. [...] Claro que isso também não é
uma coisa muito tranqüila. Nos acampamentos o pessoal até vai, entende,
mas quando chega na terra a coisa muda. Até porque as questões da
agroecologia não ta no óbvio das pessoas. Enquanto movimento nós
queremos parar também de dar dinheiro pras multinacionais. Nós queremos
recurso, mas que ele seja aplicado pro bem nosso, não pra ser devolvido pras
multinacionais (agricultora do assentamento Carlos Marighella)
Há aqui um nítido distanciamento entre ideologia e prática, aquilo que Martins (2003,
p.19) chamou de o grande discurso histórico e o pequeno discurso vivencial. Este “discurso
militante” torna-se vazio de significados quando não consegue fazer costuras com a realidade
imediata dos agricultores. Ou seja, em alguns momentos o discurso dos agricultores/militantes
torna-se bastante genérico, especialmente quando denunciam o modelo econômico vigente, a
concentração fundiária, dependência com as indústrias de insumos e a exploração dos
74
trabalhadores rurais, sua condição de marginalização na economia e na sociedade, entre
outros. Para Navarro (1997, p.90), mesmo frente a um quadro de descompasso e distância
entre realidades regionais, o MST propõe uma agenda nacional universalizante, através de
chamadas genéricas, normalmente no campo dos direitos. Esta matriz discursiva parece querer
uniformizar e internacionalizar a luta destes agricultores, mas cria uma vinculação fraca com
o cotidiano dos assentados.
A passagem da condição de acampado (espaço da utopia) para a condição de agricultor
assentado, é seguida pela tentativa de construção de uma nova organização do seu entorno,
que, segundo Paulilo (1994), está permeada tanto pelas idéias novas como pelas experiências
passadas dos agricultores. Ser parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra por si
só não define sobre a disposição de cada agricultor, cada família, cada grupo ou cada
assentamento em trabalhar ou não com base na agroecologia. A influência direta – a partir de
orientações explícitas do Movimento – ou indireta – construindo valores avessos aos de uma
sociedade excludente – torna-se elemento secundário quando outros elementos sobressaem
entre os agricultores assentados.
Há diferentes fatores que ora jogam contra, ora à favor destas mudanças. Dentre estes
fatores encontram-se os valores culturais destes agricultores e o grau de rompimento que
estabelecem e que permitem uma nova conformação desse sujeito; as orientações de mercado
e mesmo as necessidades de reprodução dessa camada de agricultores marginais em nível
econômico e social.
75
Se os acampamentos são o espaço das utopias
52
, portanto bastante férteis
ideologicamente, os assentamentos são o espaço da vida concreta, que exige resultados
imediatos no plano da reprodução social. Isso não significa dizer que nos assentamentos as
utopias não estão presentes, mas que elas se tornam menos evidentes quando se revela uma
difícil realidade.
Ao deixar menos evidente esta unanimidade extraordinária, são encontrados
elementos do cotidiano dos agricultores familiares assentados capaz de construir uma
identificação mais sólida com o alternativo (ou com as proposições agroecológicas)
53
. Note-se
que a modernização da agricultura representou para estes agricultores a substituição de suas
atividades produtivas tradicionais, tornando-os gradativamente mais dependentes de fatores
externos para produzir e conseqüentemente integrando-os de forma subordinada à economia.
A atividade agrícola modificou-se, ampliaram-se os riscos principalmente econômicos devido
à instabilidade dos mercados, à baixa remuneração dos produtos agrícolas, a contratação de
dívidas com os bancos (para a compra de insumos e implementos agrícolas) e a ampliação dos
custos de produção. Conforme demonstram as entrevistas, a agroecologia surge como o
oposto (alternativo) possível para aqueles agricultores que não se adequaram às modificações
decorrentes na modernização da agricultura, permanecendo numa condição de marginalidade.
Quando a gente veio aqui para Tupã, no acampamento, foi surgindo a idéia
de fazer um contraponto com a agricultura [moderna]. Que aquele sistema
52
Utopia aqui não como algo presente no campo do irrealizável conforme pretendia Thomas Morus ao descrever
este lugar que não existe em parte alguma, não existiu e jamais existirá. Essa seria uma conotação simplificada
demais, descontextualizada do universo de contestação vivido pelos integrantes do MST. Então, a utopia aqui se
mostra como algo presente no campo do real ainda não realizado, que carrega em si um forte sentimento de
subversão à medida que se opõe às condições estabelecidas e nunca legitima a realidade existente. Traz,
portanto, um caráter motivador das transformações sociais, que não é trabalho de um só indivíduo, pois este
sozinho não poderá romper a situação histórica e social estabelecida.
53
Isso não quer dizer que o avanço do capitalismo no campo e seus resultados não sejam reais, o que se pretende
salientar aqui é a necessidade de encontrar no trabalho cotidiano dos agricultores assentados esta vinculação do
específico com o geral, caso contrário, este discurso que faz a ligação com o alternativo – corre os risco de
dissipar em médio e longo prazo, quando as dificuldades para manutenção destes agricultores na atividade
produtiva se acentuarem (retomaremos esta discussão mais adiante).
76
pra agricultura familiar não era viável. Como a gente já vem daquela
agricultura né, já viu que tinha vários problemas. Era muito trabalho e não
sobrava nada (agricultor do assentamento Carlos Marighella).
Note-se que a reorganização da atividade agrícola, provocada pela modernização da
agricultura, representou para estes agricultores a “otimização” dos tempos para o cultivo e a
necessidade de aumento na produtividade daqueles produtos destinados à comercialização em
detrimento de alimentos para o autoconsumo. Estas “proposições modernizantes” permitiriam
o “aumento na renda líquida” dos agricultores, garantindo acesso aos bens de consumo.
Entretanto, conforme demonstram as entrevistas, o resultados não foram suficientes para
garantir uma renda monetária adequada para os agricultores.
Tinha dívida que ta loco [...] trabalhava um mês inteiro, chegava o fim do
mês recebia dois, três pila. Era dívida de financiamento, de custeio, essas
coisas que nós pegava e nós nunca tinha pra pagar [...] nos últimos anos já
não dava, tinha que comprar milho, comprar feijão, não dava, o colono tinha
que comprar tudo. (agricultor do Assentamento Santa Elmira)
Note-se ainda que ser agricultor familiar – colono
54
– e passar a ter que “comprar os
alimento” para o consumo da família, constitui-se em uma prática inadmissível –
culturalmente – para os agricultores familiares assentados. Assim, (re)elaborar estratégias que
o tornem livre desta “armadilha” torna-se elemento fundamental para que este agricultor
busque nas proposições alternativas referentes uma solução.
A pesquisa indica que as ações destes agricultores em favor da agroecologia (e de
tecnologias alternativas de produção) tem como base não só as experiências passadas, mas sua
realidade imediata, orientando suas atividades com vistas a reprodução do núcleo familiar ou
do grupo de cooperação. Nesse caso, a redução de custos na atividade produtiva é parte no
54
Denominação usual para aqueles agricultores familiares proveniente da Europa que chegaram no Brasil através
das chamadas correntes migratórias iniciadas no século XIV.
77
conjunto de ações que eles executam buscando se inserir na economia visando garantir sua
manutenção na atividade agrícola.
A vantagem que tem é que tu não tem aquele gasto né, porque hoje se tu for
comprar o adubo 30-15 sai em torno de 50 reais o saco, a uréia hoje [...] ta na
média de 70 a 80 reais. [...] então o que eu vejo?! Eu boto as vacas a dormir
ali num lugar, junto esterco, levo para horta [...] eu pego a urina da vaca e
faço o mesmo da uréia. [...] Então o custo é baixo.O custo é eu pegar
[esterco]. Então tu tem vantagem de não estar desembolsando dinheiro do
bolso. Dinheiro que tu não tem às vezes. (Agricultor do assentamento Santa
Elmira)
A agroecologia aqui se transforma em uma tecnologia possível, o contraponto frente à
impossibilidade de aportar recursos financeiros para a aquisição de insumos para a atividade
agrícola. O caráter familiar da produção agrícola evidencia-se à medida que suas condições
técnicas são definidas com base num trabalho intensivo, muitas vezes penoso que, segundo
Wanderley (1999), exige uma disposição que somente os membros da família se dispõe a
aceitar. As vantagens da agroecologia se encontram, nesse caso, na garantia de bons
resultados econômicos pelo menor uso de insumos industrializados e pela ausente necessidade
(e disponibilidade) de recursos financeiros para investimentos.
Entre estes elementos de exclusão estão a freqüente ausência de recursos financeiros
para aquisição de insumos e implementos agrícolas para produzir; uma assistência técnica
portadora de um conhecimento incapaz de corresponder à realidade de precariedade vivida
pelos agricultores assentados e, enfim, a inadequação da agricultura familiar ao modelo de
agricultura dominante.
Conforme aponta esta pesquisa, a agroecologia insere-se nesse movimento de
contraposição aos efeitos da agricultura moderna, se tornando um instrumento de luta política
que pretende simultaneamente construir experiências produtivas alternativas capazes de
78
mitigar a situação de precariedade vivida pelos agricultores familiares assentados. A
multiplicidade de formas que a agroecologia assume, tem relação direta com cada situação de
exclusão vivenciada dentro de um contexto social definido. Ressalte-se que, para além da
negação do padrão de agricultura moderna, o discurso destes agricultores contém ações de
resistência frente ao processo de marginalização progressiva a que agricultores familiares
estão submetidos. Longe das teorias e ideologias a que este discurso se refere, sua prática
pretende garantir sua inserção e manutenção – ainda que precária – na economia e na
sociedade.
Esta (nova) realidade acaba por construir um sujeito ambíguo que engendra novas
contradições ao (re)propor sua inserção na economia através de uma alternativa viável para
estes setores marginalizados. De acordo com Mészáros (1981), buscar uma melhoria dentro
da estrutura dada, e por meios fornecidos pela mesma estrutura, torna estes personagens
sujeitos às mesmas contradições que pretendem neutralizar.
O discurso contra as multinacionais de insumos agroindustriais assemelha-se àquele
veiculado nas publicações do Movimento desde a década de 80. A diferença encontrada hoje é
que a cooperação agrícola não é apresentada como solução única e acabada, capaz de inserir
os agricultores nos mercados. A agroecologia aqui se torna parte na construção desse “novo
modelo”, tornando-se uma alternativa capaz de garantir não só a produção dentro das áreas
reformadas, mas permitindo relativa independência econômica destes agricultores e – em
grande medida – a apropriação integral dos resultados gerados na atividade produtiva.
A resposta encontrada para contornar tais dificuldades foi buscar, através da
agroecologia, uma situação mais confortável, com níveis de liberdade e independência
79
maiores, mesmo que não se constitua uma ruptura total com a economia e a sociedade
moderna. Muito mais que um “modelo de dominação imposto pelas multinacionais”,
avalizado pelo discurso do militante, são nas suas dificuldades (e possibilidades) cotidianas
que eles encontram respostas para enfrentar este momento de vertigem, garantindo a
persistência da agricultura familiar. Surgem propostas alternativas para aquela parcela da
população rural que as transformações econômicas historicamente marginalizaram.
Vamos produzir num tradicional, um convencional aí que nós já era filho de
agricultor e que nós não produzia porque não tinha recurso? E que avaliando
que desde a época de 60 pra frente foi passado máquina, essa produção aí
convencional né. E isso tava cada vez piorando mais a situação do agricultor
e da natureza. (agricultor do assentamento Carlos Marighella).
A agroecologia se inscreve nesse movimento que busca autonomia frente ao processo
produtivo dentro do sistema econômico vigente. Sua ação pressupõe frear o processo de
marginalização progressiva por que passam os agricultores familiares, onde a busca de
autonomia compõe ações que desejam libertá-los da dominação da racionalidade moderna. Os
agricultores encontram no seu passado e presente elementos de exclusão, construindo, assim,
o contraponto que permite esta uma “nova” forma de produzir na agricultura.
Deste modo, o extraordinário (inovador) se dilui naquilo que, supostamente, tem
continuidade, ou seja, no caráter familiar da organização da produção. .Uma forma de
produzir na agricultura com aporte reduzido de insumos e de capital externo (crédito para
aquisição desses bens); o retorno a práticas abandonadas durante o processo de modernização
da agricultura, capazes de diminuir determinados custos e conseqüentemente riscos e
incertezas frente a instabilidade dos mercados dos produtos agrícolas, convergem para
assegurar relativa autonomia aos agricultores familiares.
Conforme apresentado por Lamarche (1998):
80
A questão do caráter familiar da unidade de produção continua a se colocar
na atualidade, na medida em que continuam a existir nas sociedades
modernas unidades de produção cuja força de trabalho fundamental é
fornecida pela família proprietária. E isso mesmo quando a produção
familiar se moderniza e se integra ao processo global de acumulação do
capital na sociedade. Em segundo lugar, o reconhecimento de um processo
mais amplo e determinante de subordinação da produção agrícola ao
“movimento do capital” não é incompatível com o reconhecimento da
existência de um movimento interno da unidade de produção familiar, cujo
eixo é dado pelo seu caráter familiar e que tem como objetivo preservar uma
margem de autonomia da família proprietária que trabalha. (...) é possível
afirmar que ao longo desse período em que a agricultura sofreu um profundo
processo de transformação, a produção familiar permaneceu como um setor
importante da agricultura, inclusive em países de capitalismo avançado
(LAMARCHE, 1998. p. 42).
Essa análise torna-se importante, à medida que se observa que: mesmo a agricultura
familiar assentando suas bases no modo capitalista de produção, ela tinge na atualidade uma
complexidade e uma dinâmica própria, mantendo em sua essência a unidade familiar como
responsável pela organização da produção. Isso fica bastante evidente nas falas e práticas dos
agricultores.
Se tu vai pensar que tu vai plantar uma verdura, tu só comprando, que
nem[...] tu compra semente aí depois no outro ano, se tu não tira aquela
semente aí tu vai sempre gastar[...] Porque tu sempre vai depender do
mercado. Se tu não plantar e tirar pra ti comer e tirar a própria semente da
planta[...] pro próximo ano tu sempre vai depender do mercado. E assim não
(agricultora do assentamento Santa Elmira).
De acordo com os atores que defendem a agroecologia, ela vem garantindo a produção
agrícola com o baixo uso de insumos e recursos externos, assim como, o resgate de valores
referentes à manutenção da vida e do meio-ambiente, garantindo relativa autonomia como
condição para a reprodução do núcleo familiar.
A questão da autonomia[...] consegue produzir tua semente, não precisa de
grandes insumos de fora. Você consegue produzir tudo dentro da tua própria
propriedade[...] e outra é a própria saúde da pessoa[...] não contaminar o
ambiente. Tu consegue viver num ambiente mais sadio (técnica do
assentamento Carlos Marighella).
81
Buscar um sistema mais autônomo dentro do sistema dominante é o mesmo que
encontrar o elo perdido no processo de modernização da agricultura, admitindo a estes
agricultores re-elaborar sua identidade e, de acordo com Muller (segundo ALMEIDA, 2000),
“responder às suas tentativas pessoais de reencontrar a coerência do modelo camponês”. Este
não seria um retorno ao passado, mas a (re)significação de valores perdidos no processo de
modernização da agricultura capazes de protegê-los das ameaças do presente. Como bem
observou Wanderley (1999), esta autonomia é sempre relativa, pois na sociedade moderna,
este personagem necessita utilizar parte de seus recursos para efetuar trocas com o conjunto
da sociedade.
Mas este retorno a determinadas práticas produtivas não significa simplesmente
(re)visitar o passado. Esta ressocialização somente tornou-se possível porque atividades
perdidas ao longo do processo de modernização da agricultura ganharam novo significado na
sociedade moderna. Dizendo de outra forma, aquilo que foi proposto como perda durante a
modernização da agricultura hoje é valorizado pelo capital. Nesse sentido, o que é definido
como alternativo torna-se ajustamento ao sistema econômico dominante, mesmo que permita
– a estes setores marginalizados – um modo singular de inserção social, baseado em ações de
resistência e adaptação ao mesmo tempo.
2.Viabilização da agricultura familiar através da agroecologia
Note-se que trabalhar com bases na agroecologia, embora seja considerado pelos
agricultores um processo “mais lento” quando comparado à agricultura convencional, é
compensado pela perspectiva de benefícios econômicos.
Por que como eu te falei, ele é um processo muito demorado, muito lento
sabe? [...] Só que a agroecologia a gente sabe que é assim. Tu fazer 1 Kg de
82
soja, tu vai e vende por 2,50 [reais] um Kg de soja ecológico. O preço é
melhor, muito melhor. (agricultora do assentamento Carlos Marighella)
As iniciativas em favor da agroecologia encontram justificativas que extrapolam os
limites de um discurso ideológico. As respostas são encontradas na própria experiência destes
agricultores. A exemplo disso, note-se que os agricultores indicam que aqueles investimentos
com insumos industrializados nem sempre se traduzirão em resultados econômicos, visto a
instabilidade e insegurança que por vezes a natureza impõe à agricultura.
Eu perdi uma lavoura, o ano retrasado, de cebola. Eu tentei controlar só com
produto caseiro. Eu consegui controlar até uma altura, depois perdi tudo. Só
que as outras empresas aplicaram quatro vezes o herbicida e perderam toda a
lavoura igual. [...] Eu perdi, mas eu não investi. Eu perdi meu serviço de
plantar, limpar, cuidar e não dar nada. Foi o que eu perdi. Mas ele [outro
agricultor] além de perder todo o serviço, perdeu 4 mil e meio e não teve de
onde tirar dinheiro (agricultor do assentamento Santa Elmira).
De acordo com Abramovay (1992), a aversão a riscos é um comportamento inerente à
lógica da agricultura familiar, fazendo com que suas ações sejam orientadas segundo a
garantia de reprodução da unidade de produção. Por outro lado, esta característica acaba
tornando difícil qualquer mudança dentro da atividade produtiva. Esta dificuldade é descrita
por um técnico da seguinte forma:
Todo mundo queria fazer agroecologia , mas compreensão de como fazer era
muito pouco[...] conversava com o pessoal e o pessoal achava interessante,
mas no fundo, cada um trazia já dentro de si um jeito de fazer. Esse pessoal
se sentia incapaz, ele preferia pegar e fazer aquilo que ele sabia do que correr
o risco de se expor. Ele quer [mudar] mas se sente incapaz. (técnico do
assentamento Carlos Marighella)
Esta pressão pela urgência em obter resultados positivos no âmbito da produção e
reprodução destas famílias, muitas vezes, fez com que as aspirações – de transformação da
sociedade – se tornassem mais opacas, favorecendo dentro dos assentamentos a manutenção
83
de práticas que em nada se diferenciavam das preconizadas pela agricultura moderna,
conforme relato de um agricultor assentado.
Trabalhei uns quatro anos, cinco anos na coordenação da área de sementes
[da Bionatur] e eu sempre aonde que eu ia nos encontros, eu defendia a
agroecologia. Onde que o pessoal trabalhasse encima do lote ganhando
menos, mas não tendo problema [...] então hoje dá pra se dizer que dentro do
nosso assentamento é o único que conseguiu até agora travar a questão dos
produtos químicos e veneno. É o nosso, por que os outros vieram avançando
devagarinho. (liderança do assentamento Santa Elmira)
A aparente garantia de remuneração pelo produto e suporte técnico que as empresas
integradoras oferecem aos agricultores assentados, acabou dificultando a transição para uma
agricultura alternativa, fazendo com que muitos agricultores se mantivessem ou voltassem a
produzir de forma convencional. A demora em obter resultados imediatos no plano da
reprodução social acaba dificultando estas mudanças, conforme ilustrado na fala de um
agricultor:
Como a semente da BioNatur no estado não tinha o reconhecimento, e fora
também não tinha, daí a gente tinha que produzir semente bem abaixo [do
preço] das outras empresas pra ir colocando um pouquinho aqui, um
pouquinho ali até começar a pegar espaço. Então [...] o pessoal plantar
abóbora e pegar dois pila o quilo ninguém conhecia [...] plantar cebola, as
outras empresas vinham colocavam oito, dez reais o quilo. E daí quando gera
pra questão econômica é desgranido, não é fácil segurar. (agricultor do
assentamento Santa Elmira)
Conforme afirmam os próprios agricultores, quando a agroecologia passa a constituir-
se numa estratégia capaz de viabilizar economicamente estes agricultores através de melhor
remuneração do produto, ela passa a ser implementada com maior facilidade pelas famílias ou
pelo grupo.
Outra coisa que está [ajudando a fazer com que mais agricultores produzam
agroecológico] é o preço da semente da BioNatur. Está conseguindo, agora,
está começando a elevar. Tem algumas sementes que já está ultrapassando
das outras empresas, então já começa a incentivar o produtor. [...] cenoura,
as outras empresas pagam seis. Não, a BioNatur ta pagando oito agora [...]
então já começa a visualizar que dá pra ganhar dinheiro[...] É a mesma coisa
84
da feira, quando vê que ta ganhando pouquinho ele se encolhe [...] mas
quando vê que dá pra ganhar dinheiro (agricultor do assentamento Santa
Elmira).
A agroecologia reforça melhores oportunidades de remuneração para os produtos
através da ocupação de um segmento de mercado que prima pela qualidade dos produtos.
Mesmo que no caso das feiras não se pratique sobrepreço, a cotação dos produtos ecológicos
no mercado é maior, fazendo com que permaneça no horizonte do agricultor esta
possibilidade de remuneração. De outro lado, ao diversificar os cultivos este agricultor
minimiza os riscos e incertezas da atividade agrícola, utiliza menor quantidade de insumos
externos e, conseqüentemente, garante diminuição na dependência com os mercados.
Note-se ainda que através dos materiais produzidos pelo MST, os agricultores
assentados são motivados a buscar “um mercado alternativo”, com uma lógica diferente do
“mercado capitalista”, que deve “servir os trabalhadores e atender as suas necessidades”. Para
o Movimento, deveria ainda ter um caráter popular (de massa), local/regional e de
comercialização direta entre os trabalhadores e, sobretudo, conter um cunho ideológico para a
propaganda da reforma agrária. Afirma, ainda, que os agricultores assentados deveriam buscar
“nichos de mercado” para melhorar a qualidade de vida de suas famílias (MST, 1997: 39.
Caderno de Cooperação agrícola n.5).
Não podemos nos descuidar de possíveis nichos de mercado (espaços
comerciais onde comercializaremos produtos diferenciados de elevado valor
agregado), em vista de buscar uma qualidade de vida média/boa para os
assentados (MST, 1997: 39. Caderno de Cooperação agrícola n.5)
Há diferentes interpretações e posicionamentos para estas questões dentro do próprio
Movimento. Algumas lideranças, em consonância com ONGs e outras entidades
ambientalistas, encontram aqui uma brecha para que a agroecologia passe a figurar como uma
alternativa de inclusão social destes agricultores assentados, uma vez que os produtos
85
agroecológicos representam uma oportunidade de remuneração adequada para os agricultores
assentados.
O valor do produto é melhor, o que tu conseguir confirmar que é
agroecológico mesmo, tem um valor mais alto que os outros (agricultora do
assentamento Carlos Marighella)
Através da ocupação deste “nicho” de mercado, entretanto, cria-se um vínculo seletivo
com um determinado segmento da sociedade, perdendo assim seu caráter de mercado de
massas, acessível a toda a população. No entanto, tal estratégia passa ser “permitida” pelo
Movimento, à medida que é articulada dentro de um discurso que a justifica, apresentando-a
como uma estratégia de resistência dos agricultores frente a um modelo excludente de
produção.
De acordo com De Jesus e De Assis (2002), a forma de contornar este impasse seria
possibilitar economia de escala à produção orgânica, de forma que esta não tenha sua
comercialização restrita a determinados nichos. Nesse caso, o foco passaria a ser apenas o
produto (resultado final), buscando a maximização de lucros independentemente dos demais
resultados a que se propõe a agroecologia. Como bem afirmou Wilkinson (2004), deve-se
considerar ainda que mesmo que as agriculturas alternativas (entre elas a agroecologia) sejam
apropriadas pela agricultura em escala, “no momento, elas criam um ambiente propício a uma
revalorização da produção familiar”, uma vez que se abre uma oportunidade para a inserção
destes agricultores em novos mercados, onde a qualidade é fortemente associada à produção
em forma artesanal e ao respeito à saúde de agricultores e consumidores.
Vive-se um momento em que os problemas ambientais passam a tomar uma dimensão
global. No Brasil e especialmente no Rio Grande do Sul, há uma conscientização crescente
86
sobre as práticas agrícolas que envolvem a produção e os benefícios de uma “produção
ecológica” para a saúde de consumidores e agricultores. Este mercado consumidor está cada
vez mais exigente sobre a qualidade dos alimentos e o impacto ambiental de sua produção.
Note-se que o capital se apropria daquilo que em outros momentos não foi remunerado (ou
valorizado) dentro da economia e na sociedade. Diferentemente hoje, grandes redes de super
mercados abrem sessões para a venda de produtos orgânicos (e agroecológicos), surgem feiras
de “produtores ecologistas” dedicados a atender exclusivamente essa demanda, que é
crescente segundo os agricultores.
A maioria do pessoal vai [nas feiras] porque sabe que é ecológico, já compra
o produto sabendo[...] tão começando a ver com outros olhos, ta começando
a se abrir espaço pra agroecologia. E a gente sabe que os outros produtos a
gente vai se intoxicando (agricultor do assentamento Carlos Marighella).
A vantagem é que o que a gente produz aqui tem mercado. Tem consumidor
[...] tem uns que vão comprar e não se interessam se é [...] compra pelos
olhos, pelo tamanho, mas tem uns que tão conscientes né. Já tem aquele
pessoal consciente que já vem direto comprar e que sabe (agricultor do
assentamento Carlos Marighella).
A agroecologia nesse contexto torna-se aliada em interesses comuns, uma vez que o
movimento de consumidores encontra entre estes agricultores respostas para suas
preocupações referentes à sua saúde e qualidade dos alimentos, associando a agricultura
convencional a riscos (pelo uso de agrotóxicos). De outro lado, os agricultores ligados ao
MST encontram sua aceitação dentro da sociedade moderna, tornando-se avalisadores dos
valores morais da vida e do bem comum.
Pra comercializar produto ecológico é tranqüilo. No começo a agente foi
vendendo lá na Cooesperança. Aí as pessoas viam que quem mais comprava
de nós eram as pessoas que tinham uma relação próxima com nós. O pessoal
da Emater deixava de comprar de todos os outros e comprava de nós. Eles
sabiam da forma como tava produzindo. O pessoal da Universidade que a
gente conhecia, o pessoal lá do projeto[...] Então a gente queria que viesse
cada vez mais gente para cá [visitar o assentamento] que aí a gente ia
contando e isso que foi dando mais credibilidade. Não adianta produzir uma
coisa ruim e vender pros outros. O Movimento tem essa ética né[...] que a
87
gente tem que produzir o que é bom pro consumidor. (agricultor do
assentamento Carlos Marighella)
Os valores da vida estão freqüentemente associados à não utilização de agrotóxicos,
tornando a agroecologia importante referência para o sistema cultural dos agricultores e
consumidores ecologistas.
Coisa muito boa trabalhar com agroecologia. Como nós trabalhava aí no
veneno. Deus o livre, saímos daquela perdição do veneno, chego me
emocionar. Deus o livre. Agora a gente pensa guria a gente botava veneno
em pepino tu imaginou? E transportar aquela carga de pepino com veneno,
menina do céu. Agora eu fico pensando assim[...] ai, quanta coisa com
veneno a gente vendia. [...] Agora é só no agroecológico. (agricultora do
assentamento Carlos Marighella)
Essa ética da salvação, amplamente referida em Weber (segundo Dickie, 2003) é
freqüente na fala dos agricultores assentados, que buscam constantemente libertar o homem
dos males que afligem o mundo. Os fatores que deram origem à crise ecológica dizem
respeito a práticas agrícolas “poluidoras e predatórias”, estabelecendo aí, o conflito com o
“modelo econômico dominante”. Assim, reintroduz-se a noção de natureza no espaço rural. O
espaço agrícola passa a abarcar, agora, o meio-ambiente que deve ser preservado como um
bem para a humanidade.
Os produtos agroecológicos passam a representar uma nova saída para os agricultores,
uma forma de melhorar o rendimento econômico da família ou do grupo. Mas não é somente
uma razão pragmática, ou seja, um valor utilitário que – em determinado momento da história
– permeia a adoção de determinadas práticas. De acordo com Sahlins (1979), diferentes
atividades econômicas racionais poderão ser concebidas visando suprir as necessidades dos
indivíduos. Estas motivações são guiadas basicamente por uma razão simbólica, ou seja,
adotar diferentes estratégias produtivas (a partir da diversidade de técnicas existentes) está,
88
sempre, mediada pela cultura. Nessa perspectiva a cultura pode conformar-se de acordo com
pressões materiais, mas o faz de acordo com um sistema simbólico definido.
3. Agroecologia e razão simbólica
A decisão em trabalhar com a agroecologia está guiada tanto pelas suas
particularidades pecuniárias, que lhe agregam um valor diferencial de venda, quanto pela sua
correlação com um sistema simbólico de valores. Assim, priorizar uma “alimentação
saudável” com “produtos de qualidade”, demonstra que existe esta razão simbólica
orientando a adoção da agroecologia como um modelo produtivo dentro desses
assentamentos.
Enquanto coletivo a gente avaliava como era nossa vida antes, os pequenos
agricultores que estão no grupo, trabalhando de arrendatário, já colocavam a
situação sobre o veneno né. E aí a gente começou a se dar conta, nós não
queremos isso para nós. Até porque dentro da organização a gente defende
muito os valores da vida né?! E o veneno vai contra esses valores. E aí a
gente foi amadurecendo, criando um projeto de agroecologia. (agricultora do
assentamento Carlos Marighella).
Achamos que era a saída, que pudesse viver, comer, se alimentar e ter uma
alimentação saudável e que a gente pudesse também vender o excedente da
produção na cidade. Um produto de qualidade (agricultor do assentamento
Carlos Marighella)
Conforme a pesquisa indica, a agroecologia não é pensada para além de uma
substituição de técnicas ou um produto com melhor remuneração no mercado, pois se
relaciona igualmente com o sistema de valores. De acordo co Florit (2003), a defesa da
natureza está freqüentemente associada à defesa de valores (morais). Para este autor, a busca
de uma “agricultura mais natural” está vinculada com os riscos e incertezas que a intervenção
humana desencadeia (através de sua base científica e tecnológica), fazendo com que a
natureza seja seguida como norma para evitar os riscos. Isso fica evidente na fala de um
agricultor assentado.
89
O primeiro motivo [para trabalhar com agroecologia] é a questão da saúde
da família. Graças a Deus não tinha nenhuma mãe, nenhuma companheira
aqui que tivesse problema de câncer ou causada por produtos químicos, mas
nós achamos que nossos filhos, nossa família [...] nós precisamos ter respeito
por nós mesmo. [...] Nós queríamos que nossos filhos, nossa família tivesse
alimento saudável, que não tivesse o risco daqui um ano, dois ou dez,
alguém dissesse assim. Vai no hospital e diga: comeu tal produto com
químico e hoje está[...] nós não queremos para os nossos filhos, para os
nossos netos, para ninguém. (agricultor do assentamento Carlos Marighella)
O aceso à informação tem um papel importante no aumento da percepção de riscos a
que os agricultores estão expostos, mas este sozinho não é um determinante para o não uso de
“venenos” entre os agricultores assentados. São nas experiências pessoais e cotidianas, que
estes agricultores constroem o que Guivant (1991) chamou de racionalidade cultural, que
informa que tais eventos apresentam um risco relevante. Segundo a mesma autora (op cit,
p.09), esta “racionalidade cultural não separa o risco de um contexto mais amplo”, pois os
agricultores “vinculam um evento de risco a outros eventos e fatores” através do código
cultural que compartilham, conforme ilustrado na fala de um agricultor.
Porque eu tinha o conhecimento de pessoas lá de fora, de usar veneno, lidar
com soja e coisa, e dava um monte de problema. Então tu trabalha com a
agroecologia hoje, tu garante que o que tu produzir tu come, não vai ter
problema (agricultor do assentamento Santa Elmira).
O risco para a saúde não é algo abstrato ou distante, ao contrário, está nas suas
preocupações presentes com relação ao futuro. De acordo com Wanderley (1999, p.29), “para
além da garantia de sobrevivência no presente, as relações no interior da família camponesa
têm como referencia o horizonte das gerações” . Dessa forma, a noção de risco, amplamente
discutida e, freqüentemente, associada à construção do patrimônio fundiário para a sucessão
de gerações, expande-se para a questão da saúde que, nesse caso, passa a ter papel central na
preocupação com manutenção do grupo ou do núcleo familiar. Para os agricultores
assentados, os riscos com a saúde dos agricultores e da própria família não são compensados
90
pelo uso de insumos industrializados (especialmente agrotóxicos) e aumento da produtividade
argumento amplamente utilizado para defender a agricultura moderna. A opção pela vida
(representada na agroecologia) relaciona-se com a reprodução do grupo ou núcleo familiar.
Aí chega no final tu tem 5 ou 6 mil só que de repente aqueles 3 mil que eles
ganham [...], ta comprometendo a saúde deles, as águas deles, os animais
que eles tem. Então isso eles não se dão por conta. Eles se dão por conta
quando um fica doente e vai lá pro hospital, um adoece e não consegue
curar. [...] Hoje tu ganha dinheiro, tu trabalha 4 ou 5 anos e fica o resto da
vida sofrendo as conseqüências do veneno. Que aquele dinheiro que tu
ganhou não vai resolver o problema (agricultor do assentamento Santa
Elmira)
Pra nós é importante saber que isso [veneno] não dá pra botar [...]. Já causa
uma doença, uma coisa assim. Se não causar pra nós vai causar pras
gerações futuras. É bem claro pra nós isso (agricultor do assentamento
Carlos Marighella)
A primeira coisa que acontece nas empresas é veneno, eles vendem o kit,
eles dão a semente e te dão o kit, um investimento em agroquímico, é tudo,
vem completo. Só que nisso não vem aquela receita dizendo, ó vocês se
cuidem que pode dar problema pros teus filhos, pra você e pra tua mulher.
Isso eles não dizem. (agricultor da assentamento Santa Elmira)
Diferentemente do encontrado por Guivant (1991), os agricultores assentados tecem
críticas tanto no que se refere aos venenos em si mesmos, mas igualmente ao sistema que
coloca os agricultores nesse círculo de consumo. A trajetória política do MST criou um
discurso coerente com os princípios agroecológicos, validando princípios contestadores do
modelo de desenvolvimento e ao mesmo tempo construindo uma relação ética – avalizadora
dos valores da vida – com a sociedade.
91
4. Os espaços de socialização e construção do conhecimento
Ambos os assentamentos utilizam as feiras de comercialização direta com o
consumidor ou o chamado circuito curto de comercialização
55
. As feiras ecológicas ocorrem
tanto em bairros periféricos de baixa renda, como em centros urbanos. Existem ainda canais
de comercialização alternativos, como a “Feira da Economia Popular Solidária”, realizada em
Santa Maria. Esta estreita relação com a comunidade local – aproximação entre consumidores
e agricultores – cria laços não só comerciais entre esses segmentos. Para Byé e Schmidt
(2001), é situado sobre novos segmentos de mercado ou “nichos” comerciais que se fortalece
uma agricultura autônoma e respeitosa do meio ambiente.
Para os agricultores entrevistados, o espaço das feiras torna-se importante à medida
que – ao aproximar agricultores e consumidores – coloca-se em pauta o tema reforma
agrária, constituindo-se aí espaços políticos importantes para os agricultores Sem Terra.
Até a própria questão política a gente tenta trabalhar bastante. É uma das
dificuldades que a gente encontra aqui também. Tanto por que a gente é do
Movimento Sem Terra[...] o pessoal aí da cidade. Ah! É produção dos Sem
Terra, eu não vou comprar[...] então é uma questão política também.
Mostrando que reforma agrária dá certo, que os produtos são bons.
(agricultor do assentamento Carlos Marighella)
As feiras são apontadas como um local de socialização, de permuta de experiências e
sementes com outros agricultores e de troca de informações com consumidores. Os
agricultores afirmam que esta “também é uma forma de mostrar que a gente está produzindo”.
É um espaço onde é possível veicular não só os produtos, mas a imagem da reforma agrária.
Esse elo com a comunidade vem permitindo a reconstrução da identidade (de agricultor) antes
dilacerada pela sua condição de exclusão.
55
Circuito curto refere-se às formas de comercialização direta do agricultor para o consumidor, sem a presença
de intermediários ou de outros operadores comerciais. Esta questão poderá ser melhor discutida consultando
Schmidt (2001).
92
Os agricultores assentados mantém um forte laço com o movimento social que eles
integram, cultivando uma imagem própria através dos seus símbolos. Ressaltam a importância
em criar uma imagem positiva do Movimento e conseguem isso através dos produtos
agroecológicos que a cada dia “estão sendo mais valorizados pela sociedade”. Através das
feiras, da organização do próprio MST e da Rede Ecovida de Agroecologia
56
é possível aos
agricultores ecologistas de todo estado intercambiar as diferentes experiências, práticas e
conhecimentos.
Nós estamos fazendo visitas nos companheiros de feira [...] agora domingo
tem aqui no sítio da vovó. Nós fomos também em Arroio Grande [São
reuniões da Ecovida?] é todas elas (agricultora do assentamento Carlos
Marighella)
Na questão de cursos nós tivemos assessoria do MST via as cooperativas do
Movimento. Os assentados mais antigos que produzem e conseguiram ter um
processo mais avançado [na agroecologia] [...] a COOPAC, o pessoal de
Sarandi, da região do Alto Uruguai. Eno todo esse pessoal já passaram por
aqui tentando ajudar nós a avançar (agricultor do assentamento Carlos
Marighella)
A participação nas feiras, encontros, e reuniões permitem que estes agricultores, além
da troca de experiências com outros agricultores (assentados ou não), conheçam com maior
profundidade a esfera política e instituições que regulam suas vidas. Esta mobilidade é sem
dúvida uma característica positiva, que retira o agricultor de seu universo isolado, dos limites
de sua propriedade, permitindo-o construir um amplo espaço de inserção social.
56
A Rede Ecovida começa a se constituir ao final de 1998, visando através da certificação participativa
legitimar e fortalecer os processos de comercialização na Região Sul do Brasil. De acordo com Schimitt (2004,
p.06), esta iniciativa se dá basicamente “frente às novas exigências do Ministério da Agricultura no que diz
respeito à produção, comercialização e certificação do produto orgânico; por outro, pela necessidade de articular
grupos, associações, cooperativas de produção, cooperativas de consumo, entidades de assessoria e profissionais
autônomos, envolvidos na produção, processamento e comercialização de produtos ecológicos, em função de
diferentes objetivos, incluindo aí a discussão e o encaminhamento de problemas relacionados à comercialização
do produto orgânico ou ecológico.”.
93
Conforme indica a fala de um agricultor, mesmo que ainda restem incertezas sobre
“como produzir” com bases na agroecologia, este conhecimento vai sendo construído,
tornando-se alicerce para novas experiências e troca de informações.
Uma coisa que eles [outros agricultores] dizem, tomate agroecológico não
produz, tem que ser com veneno[...]aí eu disse pra ele, olha, eu tenho minhas
dúvidas. Tu planta convencional, eu não planto. Vai chegar um dia que eu
vou te dizer se produz ou não[...] Eu produzi tomate aí que produzia nove
quilos por pé[...] A mesma coisa quando chegamos aqui, o pessoal que
morava aí dizia fruta não dá aqui, cana não dá, mandioca não dá, batata doce
não dá. Só que não plantavam[...] tu tem que fazer pra saber se vai dar ou
não (agricultor do assentamento Santa Elmira)
Esta troca de informações acaba permitindo que estes agricultores fortaleçam e
ampliem sua capacidade de resistência e auto-organização, fazendo com que os
conhecimentos e proposições agroecológicas sejam difundidas.
Uma das maiores dificuldades encontrados nas áreas de assentamentos é a inexistência
de um acúmulo de conhecimento agro-ambiental por parte dos agricultores, já que na maioria
das vezes, estes são alocados em um ambiente estranho ao seu local de origem. As lembranças
e experiências passadas se tornam pouco efetivas nesse novo entorno físico, ecológico e
social. Estes agricultores tentam, a partir das práticas já vivenciadas, construir um saber
ecológico local que lhes permita garantir a produção nestes espaços.
A gente não tinha muita noção de quais as dificuldades ia enfrentar, tanto
que quando a gente veio pra cá[...] a terra é fraca aqui, a gente sofreu
bastante. Agora que conseguiu alinhar um pouco, recuperar um pouco a terra
(agricultora do assentamento Carlos Marighella).
Nós chegamos à conclusão que a agroecologia não tinha muita coisa
diferente. Era só tentar resgatar como que a gente já trabalhava antes. A
minha região, lá onde eu vim, produz milho, muita coisa, quase que sem
nada, muito pouco adubo (agricultor do assentamento Carlos Marighella).
Buscar na memória estas práticas e reelaborá-las a partir dessa nova realidade foi o
caminho encontrado pelos agricultores para contornar tais dificuldades.
94
Antigamente produzia sem adubo, sem veneno. Através do conhecimento a
gente vai aprendendo. A gente vai custar mais pra ter um retorno. O adubo
orgânico ele demora mais, mas com o tempo vai (agricultor do assentamento
Carlos Marighella).
A produção depende cada vez mais da descoberta em que o (novo) conhecimento vai
sendo construído num longo processo de interação entre o agricultor e o espaço por ele
ocupado. Esta realidade desconhecida, esse novo e estranho entorno socio-ambiental, os
empurra a buscar novas experiências, um novo aprendizado, uma formulação de
conhecimentos específicos para este ambiente. Conforme indicam as entrevistas, o entorno é
lugar de troca, matriz de um processo intelectual, em que o processo de integração e
entendimento vai construindo um conhecimento (ainda que fragmentário) da nova realidade.
Morreu um pé de pêssego ali que no segundo ano que eu plantei produziu
pêssego muito bem. Depois nós plantamos os arvoredos[...] na horta aí, nós
produzimos tudo. Tem alguma coisa que tu tem que aprender pra fazer dar.
Porque a região é bem diferente daquela lá que o cara vivia [...] lá tu
plantava um pé de laranja e quando tu via tava produzindo. Plantava uma
bergamoteira e dava que era uma coisa. Lá é bem diferente daqui. Aqui tu
tem que ter um certo cuidado[...] tem que aprender pra tu fazer. A primeira
coisa é aprender pra depois fazer[...] plantando e vendo o que é possível.
(agricultor do assentamento Santa Elmira)
Nas palavras de Santos (1998, p.264), “a noção de espaço desconhecido perde a
conotação negativa e ganha um acento positivo, que vem do seu papel na produção da nova
história.”. Partindo-se do pressuposto que o saber é construído no interior das relações sociais
e seu conjunto, isto é, è uma produção coletiva dos homens em sua atividade real, então,
deve-se considerar os homens e sua atividade prática como ponto de partida para a produção
do conhecimento. O enfoque agroecológico permite que a questão tecnológica não seja uma
trajetória individual (por estar refletindo sobre o ambiente social global) e universal (por
demandar que sejam consideradas as particularidades locais), mas sim de um conhecimento
construído diariamente, que implica a participação dos atores através da observação do
ecossistema, do entorno econômico, social e cultural.
95
Os agricultores assentados que trabalham numa perspectiva agroecológica acreditam
que, por ora, ela tem permitido avanços no âmbito da produção, garantindo sua manutenção
na atividade agrícola e na economia a através da obtenção de renda. Ao mesmo tempo
constroem uma relação ética com a sociedade através da produção de alimentos saudáveis
para a população. Suas ações convergem para a construção de uma nova forma viver na
sociedade moderna, que está calcada basicamente na inclusão destes setores historicamente
marginalizados na economia e na sociedade.
Assim, o passado comparece como uma das condições para realização do evento – a
construção da agroecologia dentro das áreas reformadas –, mas é preciso considerar
igualmente que o dado dinâmico da produção da nova história é o próprio presente.
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da trajetória do MST notam-se mudanças significativas em seu discurso em
relação às questões produtivas e ambientais. Desde o final da década de 70 até meados da
década de 80 o Movimento sofre forte influência de mediadores religiosos e, portanto, a
questão produtiva é inserida dentro de um discurso que busca o retorno das condições de um
passado ideal e harmônico. Aqui, ainda inexiste a noção agroecologia, estando estas questões
restritas às tecnologias-alternativas de produção. A partir de então temos o deslocamento
deste discurso, aproximando-o do que se chamou ideologização da produção. Esse período é
marcado pelo número crescente de famílias assentadas, impondo ao MST o desafio de
viabilizá-las economicamente. O Movimento volta suas preferências para a organização dos
agricultores em cooperativas e grupos de cooperação agrícola, buscando produzir em escala e
agregar valor aos produtos para alcançar mercados nacionais e internacionais. As tecnologias
alternativas de produção, embora não desapareçam são relegadas a um segundo plano. A
forma como o Movimento passa a se organizar internamente – no início da década de 90 –
permite a mobilidade das lideranças que se aproximam de outros mediadores – como ONGs,
movimentos ambientalistas, entre outros. Nesse momento o MST passa de refratário a
receptivo às proposições agroecológicas e à agricultura familiar. A agroecologia substitui o
termo tecnologias alternativas, abrangendo preocupações com o ambiente e com a sociedade.
Note-se, entretanto, que essa unanimidade em favor da agroecologia não reflete
necessariamente as ações dentro dos assentamentos organizados por ele, uma vez que grande
parte desses assentamentos mantém uma base produtiva e tecnológica calcada nos padrões de
agricultura moderna. Este discurso sofisticado apresentou-se pouco eficiente em ações nas
97
áreas reformadas, refletindo apenas parcialmente a realidade existente dentro dos
assentamentos organizados pelo Movimento.
As motivações para implementar a agroecologia dentro dos assentamentos do MST
possuem, simultaneamente, experiências vivenciadas pelos agricultores – vinculadas a uma
situação específica de exclusão – e um conjunto de forças existentes em um determinado
momento da história (mercado, movimento de politização ecológica, entre outros). Ressalte-se
que o presente comparece para construir a agroecologia dentro dos assentamentos do MST,
ultrapassando um discurso ideologicamente construído. A realidade imediata destes
agricultores é fator determinante para sustentar uma vinculação com o alternativo, ou seja,
para além das aspirações que inicialmente a mobilizaram, a agroecologia tem permitido
construir uma faixa intermediária de alternativas econômicas e sociais para aqueles setores
historicamente marginalizados economicamente.
De forma geral, o MST (direção) e parcela dos agricultores assentados criaram um
discurso coerente com as proposições agroecológicas, vinculando a ela princípios
contestadores da sociedade capitalista e simultaneamente colocando-se como avalisadores dos
valores da vida. Este discurso em favor das proposições agroecológicas procura conformar a
prática de inserção destes agricultores familiares na economia, evidenciando sua faceta de
resistência e atenuando, assim, aquilo que contraria o ideológico. O contato com sua
realidade, no entanto, indica que isso não o torna livre de possíveis ajustamentos ao sistema
dominante, mesmo que se pretenda um modo singular de inserção social baseado em ações
concomitantes de resistência e adaptação.
98
Esta tensão inserção/resistência precisa ser olhada em sua complexidade, quando a
condição de marginalidade dos agricultores assentados e a necessidade de obter resultados
imediatos no plano da reprodução social despertam para uma forma de auto-organização que
busca constituir uma via mais autônoma no interior do sistema econômico. Especialmente,
quando estas práticas e valores ganham um caráter positivo na sociedade moderna, que
(re)valoriza elementos sociais e ecológicos abandonados ao longo do processo de
modernização da agricultura. Esse processo, ao mesmo tempo, vem permitindo que se
renovem valores presentes no sistema cultural dos agricultores familiares assentados. Assim, a
agroecologia torna-se não só uma resposta à crise da agricultura modernizada e condição de
reprodução social de uma camada de agricultores marginais em nível econômico, mas
especialmente espaço onde valores perdidos – que não tem como centro unicamente o
mercado – são retomados e ressignificados.
A agroecologia tem permitido avanços não apenas no que se refere à produção dentro
dos assentamentos, mas também na constituição de espaços sociais que estimulam a reflexão
sobre esta “indefinição” – tensão entre resistência e ressocialização – própria da racionalidade
moderna. Ou seja, estas modificações, manifestadas na prática destes agricultores, refletem (e
tem reflexos) no espaço social onde estão inseridos, podendo gerar resultados no campo
político, através de um confronto ideológico que permitiria avanços na construção de formas
alternativas de desenvolvimento. Pode-se afirmar, ainda, que através da agroecologia busca-se
aproximar trabalho e educação (construção de conhecimento), desenvolvendo capacidades
intelectuais relacionadas com as necessidades do sistema produtivo. A construção do
conhecimento se dá relacionando a prática dos agricultores e suas necessidades, permitindo a
ele apreender, compreender e transformar as circunstâncias ao mesmo tempo em que é
99
transformado por elas. Pensar a prática é exatamente uma forma de conhecer limites, buscar
alternativas e, sobretudo, definir estratégias.
Mesmo que exista o risco de acontecer a adoção de um “pacote agroecológico” em que
a agroecologia seria apenas uma “tecnologia limpa” interiorizada no plano da sociedade, ou
seja, o que é apresentado como uma aspiração maior dos entrevistados – afetar as estruturas
da sociedade – não se concretizaria, a agroecologia tem permitido a valorização da agricultura
familiar, ressocializando populações deixadas à margem do desenvolvimento econômico e
social ao longo das décadas. As ações dos agricultores assentados em favor da agroecologia
são motivadas por uma ânsia de mudar, mesmo que num primeiro momento mudar represente
se inserir numa economia que sempre os colocou na condição de excluído.
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106
MST. “Via Campesina participa da Conferência Mundial de Alimentação da FAO
Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ano XIV, n.164, dezembro 1996, p.16.
MST. “América latina: a volta da esquerda.” James Petras. Jornal dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. Ano XV, n.165, janeiro 1997, p.17.
MST. “MST lança projeto de educação ambiental.” Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra. Ano XIX, n.206, dezembro 2000/janeiro 2001, p.07.
MST. “Destruição de soja transgênica encerra Jornada de Agroecologia.” Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ano XXI, n.229 maio 2003. p.06.
MST. “Jornada de Agroecologia resgata cultura de sementes crioulas. Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ano XXII, n.241, junho 2004 disponível em
<
www.mst.org.br > acesso em 12 agosto 2004.
MST. Número de assentamentos organizados pelo MST no estado do Rio Grande do Sul,
disponível em <
www.mst.org.br> acesso em 15 janeiro 2005.
107
ANEXO 01
108
ANEXO 02
ROTEIRO ENTREVISTA AGRICULTOR
A
SSENTAMENTO
Ano de chegada no assentamento
Fazer um histórico desde o período que precedeu a entrada no MST
Falar sobre a região de onde vem, o que produziam, como produziam, diferenças de hoje.
Falar sobre o acampamento: os espaços de discussão, os projetos de como iriam produzir,
diferenças de hoje.
Falar sobre a chegada no assentamento: as questões produtivas, dificuldades, assistência
técnica, as lideranças.
Quando entra a agroecologia? Motivos, as pessoas envolvidas (técnicos, lideranças)
Recursos (havia?)
A orientação das lideranças para as questões produtivas
A importância da agroecologia?
O que é agroecologia?
As discussões dentro do MST (sobre agroecologia)
Falar sobre a assistência técnica: freqüência e dinâmica das visitas, mudanças,
posicionamento desses em relação à agroecologia.
Falar sobre as atividades de produção dentro do assentamento: o aprendizado, as atividades,
definição da dinâmica (porquê, quanto, como)
Falar sobre as feiras de comercialização: local, freqüência, tipo de consumidores, preço,
produtos, outros agricultores.
Produtos agroecológicos e consumidores,: falar sobre suas percepções.
Aspectos positivos, aspectos negativos
109
ANEXO 03
ROTEIRO ENTREVISTA DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA
A
SSENTAMENTO:
I
NSTITUIÇÃO/ ÓRGÃO/ ORGANIZAÇÃO:
Falar sobre o trabalho da entidade (histórico)
Histórico das atividades no assentamento: o início, relação com os agricultores e com as
lideranças do MST
Dificuldades financeiras (dos agricultores)
Freqüência e dinâmica das visitas
As dificuldades na implementação de propostas agroecológicas.
O que é a agroecologia?
Falar sobre os espaços de comercialização?
Hoje: Falar sobre a relação com as lideranças e com os agricultores?
Como vocês percebem o assentamento, quais as principais dificuldades (novas e velhas)?
O que avançou e o que precisa avançar em relação à agroecologia e ao próprio movimento?
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