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UNIVERSIDADE DE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
GLEICY DENISE VASQUES MOREIRA
AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIO NA
FRONTEIRA: O CASO DO ASSENTAMENTO RURAL
DORCELINA FOLADOR
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM AGRONEGÓCIOS
CAMPO GRANDE/MS BRASÍLIA/DF GOIÂNIA/GO
JULHO/2005
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GLEICY DENISE VASQUES MOREIRA
AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIO NA FRONTEIRA: O
CASO DO ASSENTAMENTO RURAL DORCELINA FOLADOR
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SUBMETIDA AO PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO MULTIINSTITUCIONAL EM
AGRONEGÓCIO. (CONSÓRCIO ENTRE A UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, A UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA E A UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIAS), COMO
PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO
GRAU DE MESTRE EM AGRONEGÓCIO, NA ÁREA DE
CONCENTRAÇÃO DE AGRICULTURA FAMILIAR E
AGRONEGÓCIO.
ORIENTADOR: PROF. TITO CARLOS MACHADO DE OLIVEIRA
CAMPO GRANDE/MS/BRASÍLIA/DF/GOIÂNIA/GO
JULHO/2005
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA E CATALOGAÇÃO
MOREIRA, G. D. V. Agricultura Familiar e Agronegócio na Fronteira: o caso do
Assentamento Rural Dorcelina Folador. Campo Grande: Mestrado em
Agronegócio Departamento de Economia e Administração, Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, 2005, 120 p. Dissertação de Mestrado.
Documento formal, autorizando reprodução desta dissertação de
mestrado para empréstimo ou comercialização, exclusivamente para
fins acadêmicos, foi passado pelo autor à Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, à Universidade de Brasília e à Universidade
Federal de Goiás e acha-se arquivado na Secretaria do Programa. O
autor reserva para si os outros direitos autorais, de publicação.
Nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser reproduzida
sem a prévia autorização, por escrito, do autor. Citações são
estimuladas, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Moreira, Gleicy Denise Vasques.
Agricultura Familiar e Agronegócio na Fronteira: o caso do
Assentamento Rural Dorcelina Folador./ Gleicy Denise Vasques
Moreira; orientação de Tito Carlos Machado de Oliveira. Campo
Grande, 2005. 120 p.
Dissertação de Mestrado (M) Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul/ Departamento de Economia e Administração
Mestrado em Agronegócio, 2005.
1. Agricultura Familiar. 2. Agronegócio. 3. Fronteira. 4. Assentamento
Rural. 5. Dorcelina Folador.
GLEICY DENISE VASQUES MOREIRA
AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIO NA FRONTEIRA: O
CASO DO ASSENTAMENTO RURAL DORCELINA FOLADOR
APROVADA POR:
___________________________________________
TITO CARLOS MACHADO DE OLIVEIRA, Doutor em Geografia Humana pela
USP (ORIENTADOR)
___________________________________________
LEONARDO FRANCISCO FIGUEIREDO NETO, Doutor em Engenharia de
Produção pela USP (EXAMINADOR INTERNO)
___________________________________________
MEDSON JANER DA SILVA, Doutor em Geografia Humana pela USP
(EXAMINADOR EXTERNO)
CAMPO GRANDE/MS/BRASÍLIA/DF/GOIÂNIA/GO, 28 de julho de 2005.
Dedicatória
À minha mãe Ludivina,
Pelo exemplo de coragem ao longo de todos estes anos,
Especialmente, nestes últimos 30 meses.
AGRADECIMENTOS
O ato de agradecer sem dúvida dignifica a obra de um escritor, especialmente em se tratando
de uma longa jornada que este escritor tem a percorrer, na senda do amadurecimento
intelectual.
Assim, meus sinceros agradecimentos:
Ao professor Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira, pela paciência e dedicação em dividir
comigo seus conhecimentos e instigar-me à luta incessante pelos resultados.
À equipe do IDATERRA, Edílson, Márcio, Ivan, Humberto, que se dispôs a fornecer-me
material de consulta necessário à elucidação de informações sobre o Assentamento Dorcelina
Folador.
Aos assentados do Dorcelina Folador, pelas entrevistas concedidas, nas visitas realizadas.
Aos professores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Departamento de Economia
e Administração, que ministraram disciplinas do mestrado em Agronegócios, em especial
professores Manoel Rebelo, Jaime César e Medson Janer, pela orientação em minha pesquisa.
Aos colegas do Mestrado em Agronegócios Zaida, Krisley, Fernanda, Francisco, Leonardo,
Reginaldo, Fabrício, Anderson, pelo apoio nestes meses.
Aos professores e colegas da UNIDERP e da UNAES, Leonel, Lourival, Marly, Ledi, Ronaldo
Chadid, Fernanda, Sérgio, Jaime Jordan, Dirce, Catiana, Catônio, Regina Sueiro e Daniel pela
compreensão e apoio.
Aos meus queridos alunos e colegas de pesquisa Andréia, Thais, Kelly, Neusa e França.
Ao meus irmãos Ricardo, Sidney e Sandra pelas diferentes formas de apoio e incentivo.
Ao meu digníssimo Walberto, pela paciência com meu stress.
A Deus, por mais uma vez, mostrar-me que a jornada pode ser difícil ou fácil, depende de
nossa disposição e companheirismo, com nossos semelhantes.
RESUMO
Destaca-se, para fins do presente estudo uma configuração peculiar, a saber, as aglomerações
situadas, simetricamente, ao longo dos limites internacionais, denominadas fronteiras. Em
seguida, selecionamos um segmento específico deste espaço fronteiriço, a saber a região
limítrofe entre Brasil e Paraguai. Procura-se descrever o funcionamento e a dinâmica de
evolução dos sistemas de produção a partir da chegada de Tomáz Laranjeira, na região hoje
conhecida como Ponta Porã, dando origem a exploração da erva-mate, bem como a
intensificação na ocupação do território, que após décadas de transformação, chega ao século
XXI, com contornos definidos pela história econômica: com a intensa utilização de braços
paraguaios, conjuntamente com a população brasileira, quanto de imigrantes paraguaios, vindo
a compor a parcela conhecida de “brasiguaios”.
Palavras-Chave: fronteiras, território, brasiguaios, Brasil, Paraguai.
ABSTRACT
It is accentuated, with the purpose of this present study a peculiar configuration, to wit, the
agglomerations situated, symmetrically, along international limits, designated borders. Soon
after, we selected a specific segment of this borderline space, to wit the abutting region
between Brazil and Paraguay. We pursuit to describe the functioning and the dynamic of
evolution of the production systems since the arrival of Tomaz Laranjeira, in the region known
as Ponta Porã, giving beginning to the exploitation of Paraguay tea, as well as the
intensification in the occupation of territory, that after decades of transformation, comes to the
XXI Century, with defined contours by the economic history: with the intense utilization of
Paraguayans arms, on the whole with Brazilian people, as Paraguayans immigrants, coming to
compose the parcel known as “Braziguayans”
Key words: borders, territory, brasiguayans, Brazil, Paraguay.
LISTA DE TABELAS
Número Descrição Pág.
Tabela 1.1 Evolução das Áreas de Pastagens e de Lavouras (em mil hectares) 19
Tabela 1.2 Estrutura Fundiária em Mato Grosso do Sul (1980 – 1996) 21
Tabela 1.3 Inflação, PIB e taxa de investimento nos Governos Figueiredo e Sarney 23
Tabela 1.4 Balança Comercial – 1980 – 1989 24
Tabela 1.5 Número de Estabelecimentos Agropecuários 26
Tabela 1.6 Distribuição de Empregos por Setores em Mato Grosso do Sul 29
Tabela 1.7 Evolução do Comércio em Mato Grosso do Sul com o Mercosul (US$
mil FOB)
32
Tabela 1.8 População brasileira em terras paraguaias (em hab) 38
Tabela 1.9 A Regionalização econômica do Paraguai em 1972, 1982, 1992 39
Tabela 1.10 Distribuição da População por Microrregião Geográfica em Mato
Grosso do Sul (2000)
45
Tabela 2.1 Distribuição do emprego por setores em Ponta Porã entre 1990 2003 56
Tabela 3.1 O agronegócio brasileiro de 1959 a custo de fatores (US$ milhões) 75
Tabela 3.2 O agronegócio brasileiro de 1970 a custo de fatores (US$ milhões) 75
Tabela 3.3 O agronegócio brasileiro de 1980 a custo de fatores (US$ milhões) 76
Tabela 3.4 O agronegócio brasileiro de 1990 a custo de fatores (US$ milhões) 77
Tabela 3.5 O agronegócio brasileiro de 1995 a custo de fatores (US$ milhões) 77
Tabela 3.6 Crédito previsto às famílias 98
Tabela 3.7 Quantidade de Erva-Mate (Folha Verde) produzida pela lavoura
permanente no Brasil, segundo estados produtores
100
Tabela 3.8 Produção Agrícola de Erva-Mate (Folha Verde) no Mato Grosso do Sul 100
Tabela 3.9 Principais produtos provenientes da Agricultura Familiar no Brasil 102
Tabela 3.10 Rebanho leiteiro e produção de leite, segundo bacias leiteiras de Mato
Grosso do Sul (2000)
104
Tabela 3.11 Resumo dos Recursos Provenientes do PRONAF, transferidos à Ponta
Porã entre 1998 a 2003
107
LISTA DE FIGURAS
Número Descrição Pág.
Figura 1.1 Área Ocupada pelos Cerrados 18
Figura 1.2 Evolução das Relações Comerciais do Mato Grosso do Sul com o
Mercosul
33
Figura 1.3 Distribuição do PIB per capita paraguaio em 1972 35
Figura 1.4 Distribuição do PIB per capita paraguaio em 1982 35
Figura 1.5 Distribuição do PIB per capita paraguaio em 1992 36
Figura 1.6 Faixa de Fronteira: Migração Síntese – 2000 41
Figura 1.7 Tipologia das Interações Fronteiriças 43
Figura 1.8 Mato Grosso do Sul: Densidade Econômica – Agricultura (2001) 47
Figura 3.1 Mapa dos Conflitos Agrários no Brasil e em Mato Grosso do Sul 90
Figura 3.2 Produção de Erva-Mate em Folha Verde (Nativa e Cultivada) em Mato
Grosso do Sul em 2003
101
LISTA DE QUADROS
Número Descrição Pág.
Quadro 2.1 Faixa de Fronteira na América do Sul 57
Quadro 2.2 Síntese da Legislação sobre Fronteira no Brasil 60
Quadro 3.1 Fazenda Entre Rios 91
Quadro 3.2 Fazenda Ita 91
Quadro 3.3 Fazenda Noroeste 92
Quadro 3.4 Fazenda Rabão 92
Quadro 3.5 Fazenda Siriema 92
Quadro 3.6 Fazenda Tucano 92
Quadro 3.7 Perfil da População do Assentamento Dorcelina Folador 96
Quadro 3.8 Descrição das habilidades da população do Assentamento Rural
Dorcelina Folador
96
Quadro 3.9 Perfil das Pessoas em Idade Escolar no Assentamento Dorcelina
Folador
97
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
1 OS ASSENTAMENTOS RURAIS EM MATO GROSSO DO SUL E A QUESTÃO DAS
FRONTEIRAS
16
1.1 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL E NO MATO GROSSO DO SUL A PARTIR DOS
ANOS OITENTA DO SÉCULO XX
16
1.2 O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE FRONTEIRA: A PROBLEMÁTICA
DOS BRASIGUAIOS
32
2 TERRITÓRIO E FRONTEIRA 49
2.1 SISTEMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO 49
2.2 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DE FRONTEIRA 54
2.3 ESPECIFICIDADES DO TERRITÓRIO DE ESTUDO 65
3 A AGRICULTURA FAMILIAR, O AGRONEGÓCIO E A GERAÇÃO DE RENDAS:
A IMPORTÂNCIA DO ASSENTAMENTO RURAL DORCELINA FOLADOR
74
3.1 O ASSENTAMENTO RURAL NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DO
AGRONEGÓCIO
74
3.2 A GERAÇÃO DE RENDAS, OS VAZIOS DEMOGRÁFICOS E A POBREZA RURAL
EM MATO GROSSO DO SUL
86
3.3 DORCELINA FOLADOR: CONSIDERAÇÕES SOBRE A AGRICULTURA FAMILIAR
DE MATO GROSSO DO SUL NA REGIÃO DE FRONTEIRA
91
3.3.1 Aspectos gerais do Assentamento Dorcelina Folador 93
3.3.2 Potencialidades relacionadas à cultura da Erva-Mate 98
3.3.3 Potencialidades relacionadas à produção do Leite 101
3.3.4 Agricultura Familiar e Agronegócio no Assentamento Dorcelina Folador 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 115
INTRODUÇÃO
A partir da observação preliminar dos espaços “vazios”, que configurariam a faixa de
fronteira; destaca-se, para fins do presente estudo, uma circunstância peculiar, a saber: as
aglomerações situadas, simetricamente, ao longo dos limites internacionais, denominadas
cidades-gêmeas. Esta escolha se deve, de um lado, à singularidade das interações espaciais
entre estes centros, em função, mesmo, de suas características posicionais e, de outro, ao fato
da ocorrência deste padrão de cidades ser uma feição marcante da região de fronteira, entre o
Brasil e os países que compõem a Bacia do Prata, a saber: Argentina, Uruguai, Paraguai e
Bolívia.
Esta primeira aproximação em relação à Bacia do Prata foi motivada, em grande medida,
pelo avanço do processo de constituição de um bloco supranacional o Mercosul,
englobando: a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e o Brasil. Em seguida, selecionamos um
segmento específico deste espaço fronteiriço, a saber: a área das cidades Ponta Porã, no
Brasil e Pedro Juan, no Paraguai. O Estado do Mato Grosso do Sul possui aproximadamente
1.200 quilômetros de fronteira com as nações: Bolívia e Paraguai; uma dúzia de municípios
localizados nesta faixa limítrofe, que juntos somam mais de ¼ da área total.
Este conjunto de municípios, cidades e vilas que, aparentemente, pouco representam nas
estatísticas oficiais de seus países, possuem uma dinâmica espacial própria e singular, pouco
conhecida (ou ignorada). Neste campo está localizada uma gama de produtos e serviços para
atendimento específico à condição de fronteira.
Ratifica essa peculiaridade: a existência de um comércio, uma pequena indústria e um
amontoado de serviços, que juntos denotam características específicas, modo de articulação
próprio e formas de comunicação que extrapolam os limites das interpretações sociais
tradicionais; que sustentam índices de crescimento estáveis e um movimento de transeuntes
muito superiores aos municípios de tamanho equivalente, distante da fronteira. Visível
especificidade comprova a necessidade de estudos científicos aprofundados em parâmetros
teóricos concernentes ao desenvolvimento local e territorial.
12
Conforme destaca MACHADO (2002), muito embora estes atores sociais estejam presos
a constituição de grandes conjuntos macrorregionais e supranacionais, ao lado das crescentes
exigências de uma progressiva descentralização das atividades econômicas, fazem renascer
nestes, e noutros locais, novas e inesperadas possibilidades de renovação e criação de
identidades, realizadas em articulações solidárias de convivência recíproca.
É necessário observar a que ponto esta parte do território do Mato Grosso do Sul
estabelece processos convergentes de aprendizagem, consistindo em um meio dinâmico, ou
em uma região ganhadora, segundo BENKO & LIPIETZ (1994).
Nesta perspectiva, necessário se faz entender estas minúsculas combinações, estudando,
com propósitos acadêmicos, e visando desprender a posição deste território no contexto
global. Com base em tais premissas, a estrutura urbana e a administrativa, bem como a
condição rural refletem, respaldam e se situam no âmbito desta dinâmica pouco lembrada. Sob
este prisma, procura-se analisar o funcionamento e a dinâmica de evolução dos sistemas de
produção agrários, bem como conhecer as diversas categorias sociais que dirigem esses
sistemas, objetivando: evidenciar suas relações com a terra, suas lógicas e estratégias no
desenvolvimento agrícola regional.
Do mesmo modo, demonstram-se os resultados do conjunto de políticas públicas
implementadas pelo Estado, através de sua intervenção direta na região; a partir destas, busca-
se as evidências sobre as possíveis modificações sócio-econômicas e culturais nas categorias
rurais.
Portanto, o trabalho reafirma a existência das especificidades dos fenômenos do meio
rural nas diferentes regiões brasileiras e, em especial, nas regiões de fronteira, como no
assentamento em questão, que sofre um processo de intervenção direta do Estado, bem como a
ação de outros agentes sociais de origem “externa”, por se localizarem numa região limítrofe,
entre dois países.
O objeto de estudo da presente pesquisa relaciona-se à dinâmica da Agricultura
Familiar na região de fronteira, mais especificamente na região limítrofe entre Brasil e
Paraguai, onde se localiza, um número significativo de cidades-gêmeas, ou seja, regiões com
limites políticos bem definidos, porém, com uma dinâmica de integração tão forte, que nos
remetem à questão central a ser estudada: podem se caracterizar, nestes vazios fronteiriços, um
13
contingente populacional e uma dinâmica comercial, cultural, e até mesmo educacional,
capazes de redimensionarem as formas de interpretação do espaço político delimitador de
fronteiras entre dois países?
Essa dinâmica, aparentemente decorrente de um processo de enfraquecimento das forças
produtivas e reprodutivas do capital, nos grandes centros ou cidades destes países, não
estariam originando novas formas de acumulação de capital, o que requer um entendimento
mais profundo e, conseqüentemente, uma transformação quanto aos modelos tradicionais de se
conceber o desenvolvimento regional?
E, finalmente, a agricultura familiar estaria ressurgindo, justamente em regiões à
margem do centro de produção capitalista, onde se concebe a idéia de mecanização,
modernização, intensificação técnica, mas que, na sua totalidade, são incapazes de absorver e
abastecer um mercado interno marginalizado e que, historicamente, vem buscando novas
formas de inserção neste sistema produtivo?
Constitui-se, enquanto objetivo geral da presente pesquisa, a compreensão da dinâmica
da agricultura familiar na região de fronteira entre os países vizinhos Brasil e Paraguai, onde
o Assentamento Rural Dorcelina Folador servirá como caso específico, em decorrência de
sua proximidade com a região fronteiriça, no qual localizam elementos caracterizadores e
denotadores das condições sócio-econômicas da região de fronteira, onde, conseqüentemente
poderão ser observados aspectos ativos da dinâmica territorial e do desenvolvimento espacial
do capital.
Constituem-se como objetivos específicos da presente pesquisa:
Dimensionar a economia sul-mato-grossense, dentro da economia brasileira, o
processo de reforma agrária e os níveis de integração entre Brasil e Paraguai,
enfocando a presença da mistura dos dois povos: os brasiguaios na fronteira.
Analisar o conjunto de transformações sócio-produtivas presentes na região de
fronteira, caracterizando sua forma de inserção no contexto territorial Brasil/ Paraguai,
resgatando a forma de ocupação e utilização da terra.
Avaliar a constituição e movimentação dos atores sociais, dentro do assentamento
Dorcelina Folador, levando em consideração a Agricultura Familiar e o Agronegócio
na Região de Fronteira.
14
Conforme salientado, o início do processo de investigação sobre fronteira no Mato
Grosso do Sul está diretamente relacionado ao trabalho de pesquisa realizado por alguns
autores, em diferentes territórios.
Cabe lembrar que, a característica da realidade territorial de uma região para outra se
apresenta insuficiente, diante dos acontecimentos que moldaram as relações (sociais,
econômicas e políticas) entre povos e nações. Assim, a metodologia tem a obrigação de ser
ampliada, revisada e melhorada, considerando novos pressupostos, bem como a nova
arquitetura da dimensão espacial do território de fronteira.
A metodologia está delineada da seguinte forma:
Coleta de dados secundários um trabalho de sistematização das informações
dispersas nos diversos Órgãos dentro da estrutura administrativa, tanto municipal,
estadual, quanto federal; ou seja, esta coleta, deverá conquistar informações no âmbito
das Prefeituras Municipais, como igualmente de instituições federais, (tais como
IBGE, INCRA, IDATERRA, SEPLANCT) e empresas de caráter público ou privado
que possuam relações com os desígnios deste projeto (Varejistas); além disto, deverá,
através de uma bibliografia consistente, sistematizar informações que esclareçam a
conjuntura e obedeçam a uma sistemática de compreensão das condições sistêmicas do
território.
Coleta de dados primários Enquanto parte mais importante do trabalho, esta coleta
deverá ser orientada para a consecução dos objetivos propostos, ou seja, através de
entrevistas.
Análise e interpretação de resultado Nesta fase, será necessária a reunião das
informações coletadas a campo, com a devida interpretação à luz das referências
teóricas revisadas, com vistas à formação de um texto, que contará com a utilização do
método histórico-crítico.
Quanto à distribuição dos capítulos, o relatório está estruturado da seguinte forma:
No primeiro capítulo, refletiu-se sobre os assentamentos rurais em Mato Grosso do
Sul e a questão das fronteiras.
15
A finalidade deste capítulo relaciona-se ao estudo do desenvolvimento agrário brasileiro
desde a década de 1980, levando-se em consideração: as questões de política econômica, a
reestruturação da atividade produtiva, a queda na geração de emprego e renda, situações estas,
que acarretaram um inchaço nos centros urbanos, resgatando a discussão sobre a reforma
agrária, com o conseqüente processo de ocupação por famílias rurais. Além disso, apresenta-se
desde a significativa relação estabelecida entre Brasil e Paraguai, desde os anos da ditadura
militar nestes dois países, focalizando a questão: dos fluxos migratórios, da pobreza rural, do
desenvolvimento agrícola centralizador de rendas e, conseqüentemente, o surgimento das
frestas oferecidas pelo comércio com a região na fronteira.
No segundo capítulo, focalizou-se o conceito de território e fronteira, primeiramente
resgatando-se a discussão sobre a sistematização de território e a conceituação do território
de fronteira, vislumbrando-se o fato de que a região em questão Brasil em fronteira com o
Paraguai se insere no contexto de desenvolvimento do modo capitalista de produção, como
uma significativa abastecedora dos mercados mundiais, com o destaque para a produção de
soja. Em contrapartida, o desenvolvimento da agricultura familiar denota, hoje, o reconhecível
mérito depositado nos assentamentos rurais, como reorganizadores da ocupação territorial,
rural e populacional.
O terceiro capítulo, concentrou-se na agricultura familiar e no agronegócio,
associados à forma de ocupação do espaço territorial e geradores de rendas na fronteira
Brasil/Paraguai, a partir do caso Dorcelina Folador.
Resgatando a problemática da terra, focalizou-se o planejamento público com vistas à
equalização dos problemas rurais, a implementação do Assentamento Rural Dorcelina
Folador, apresenta, em si, uma série de peculiaridades. A proximidade com a fronteira e a
significativa presença de brasiguaios, são elementos que o diferem de outros assentamentos
rurais, denotando a possibilidade de integração comercial, cultural e, até, familiar, entre seus
membros. Além disso, fez-se necessário a discussão, em linhas gerais, sobre o custo de
implementação de um Assentamento Rural e a capacidade de dinamização das rendas da
população ali residente. Com base nestas premissas, torna-se ainda mais instigante a discussão
sobre a relação entre: êxodo rural, inchaço urbano e pobreza na América Latina
particularmente o caso do Paraguai.
16
1 OS ASSENTAMENTOS RURAIS EM MATO GROSSO DO SUL E A QUESTÃO
DAS FRONTEIRAS
1.1 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL E NO MATO GROSSO DO SUL, A PARTIR
DOS ANOS OITENTA DO SÉCULO XX
A economia brasileira no final dos anos setenta atravessou um processo de significativas
contradições. De um lado, o país havia alcançado seu melhor desempenho em termos de
crescimento econômico, com a implementação do I PND. De outro lado, no entanto, com o
avento da crise do petróleo no ano de 1973, os rumos da economia mundial se transformaram
e o Brasil adotou como estratégia a execução do II PND. É neste contexto que vultosos
empréstimos são concedidos ao país, facilitando o lançamento de novos programas voltados à
continuidade do desempenho econômico alcançado no período de 1968/1973, onde o Brasil
atingia, em média, uma taxa de crescimento econômico superior a 10% ao ano GREMAUD
(2004).
Dentro das perspectivas do planejamento econômico, estavam a necessidade do
aperfeiçoamento tecnológico e a ocupação de novos eixos de integração regional, com a
criação de novos Estados, dando origem, conseqüentemente, a lei que criou o Estado de Mato
Grosso do Sul.
No transcorrer do lustro - 1974/1979, a economia externa, liderada pela Alemanha e pelo
Japão, passou por um intensivo processo de reestruturação produtiva, fenômeno que alguns
autores indicam como a Terceira Revolução Industrial, que garantiu a estes países
significativo crescimento de suas economias CARDOSO & HELWEGE (1993).
É neste contexto que os EUA, após alguns anos de crescimento, rastejante em virtude da
crise do Petróleo, iriam buscar a adoção de uma política econômica de transferência de
recursos com vistas à alavancagem de seu processo produtivo.
Porém, ao longo de toda a industrialização brasileira compreendida entre 1964 a 1979,
o planejamento econômico lançou mão da transferência de poupança externa, para fazer
frente às necessidades de investimento produtivo; o endividamento externo cresceu
17
significativamente e passou a ser renegociado pelo FMI, no final da década de setenta,
justamente como mecanismo de transferência de poupança para a reestruturação produtiva
norte-americana GREMAUD (2004).
Havia, na conjuntura externa, elementos bastante desfavoráveis ao Brasil, que se
refletiram, de maneira regionalizada, ao longo dos anos da década de oitenta. Cabe destacar
que, diante de um desequilíbrio nas contas externas, uma vez mais os setores de maior
envergadura para o mercado externo foram chamados a contribuir, de maneira mais
significativa, para o crescimento das exportações e, conseqüentemente, a política econômica
interna buscou privilegiar as regiões que se encaixavam neste contexto. O setor, ou, o grupo de
setores que mais destaque detinha no âmbito externo, ainda era fortemente concentrado em
torno das matérias-primas, o que reforçaria a posição sul-mato-grossense no cenário nacional
ARRUDA & SILVA & SOUZA (1997).
Retomando – a política econômica defendida pelo Ministério do Planejamento
1
, no
sentido de que a agricultura brasileira era fortemente prejudicada no setor externo pelo atraso
tecnológico agrícola, demandaria: um processo de intensivo investimento público em pesquisa
e implementação de novas tecnologias. Pode-se dizer, que o processo inaugurado durante o
início do regime militar teve, não continuidade, como também tendeu a ser reforçado ao
longo dos anos oitenta, diante das adversidades da economia brasileira, em âmbito externo
LANZANA (2002).
A política agrária brasileira, segundo SCHNEIDER (2003), esteve focalizada num
incessante processo de mecanização e intensificação de defensivos agrícolas, o que contribuiu,
significativamente, para um novo processo de êxodo rural, fortalecendo uma reconcentração
das terras e um inchaço de grupos sociais às margens dos campos e das cidades, o que daria
1
Antônio Delfim Neto, embora teoricamente ligado à escola monetarista neoclássica, ao liberalismo econômico e
ao antiestatismo, utilizou-se amplamente dos instrumentos de intervenção estatal na Economia. Em 1979 assumiu
o Ministério do Planejamento do governo Figueiredo. Para enfrentar a falência do “milagre”, a recessão do final
da década de 70, valeu-se fundamentalmente de recursos técnicos monetaristas, enfatizando o controle dos
salários como meio de combater a inflação. Com a elevação da dívida externa e, diante da impossibilidade de o
país saldar seus compromissos financeiros no exterior, conduziu as negociações com os credores estrangeiros e
com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em sua tese de doutoramento escreveu O Problema do Café no
Brasil, onde analisa as políticas dos governos brasileiros de valorização forçada do café, e aponta as distorções
que essas medidas acarretam para outros setores da economia. Defende a modernização da agricultura brasileira
como forma de superação de um entrave ao desenvolvimento econômico nacional.
18
origem aos movimentos sociais no campo resultando a criação do MST (Movimento dos Sem
Terra).
ARRUDA & SILVA & SOUZA (1997) colocam que o Estado de Mato Grosso do Sul, à
época recém - criado, atravessava processos interessantes. Primeiro: no decorrer de sua
estabilização como Estado ficava caracterizada sua grande vocação agrícola, com vistas ao
abastecimento interno. Segundo: o insuficiente desenvolvimento de suas potencialidades e,
conseqüentemente, a também, insuficiente integração na economia nacional, se deve ao fato
de que o processo de desenvolvimento nacional se concentrou, basicamente, no litoral
2
.
Figura 1.1 – Área ocupada pelos cerrados
Fonte: Embrapa (1999)
A partir da análise da Figura 1.1 que trata da área ocupada pelos cerrados, é possível
perceber a grande importância econômica do Brasil Central (Mato Grosso, Mato Grosso do
2
No século XX, segundo ARRUDA et alli (1997), o primeiro grande movimento de integração do Brasil Central
se deu na década de 40, quando Getúlio Vargas implantou dois importantes projetos de reforma agrária – um, em
Ceres Goiás, em 1941, onde se instalou a Colônia Agrícola Nacional de Dourados, para onde se deslocaram
grandes contingentes populacionais, particularmente de nordestinos. O segundo deu-se na virada da década de 50
para 60, quando o governo de Juscelino Kubistcheck construiu Brasília no Planalto Central e, logo depois,
construiu também a rodovia Belém-Brasília.
19
Total Plantada Total Plantada Total Plantada
1970
44.734 10.633 21.613 3.637 55.483 9.073 9.601 11.028 2.403
1975
47.277 11.559 21.160 4.438 61.310 15.289 10.432 12.991 4.350
1980 43.638 16.185 21.313 5.634 67.665 24.665 12.116 14.571 6.480
1985 42.487 16.713 21.432 6.142 69.895 33.549 13.562 14.523 7.701
1995/1996 37.777 20.453 20.697 7.017 73.842 50.597 10.594 12.306 6.844
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário (1996)
Anos
Área utilizada para lavoura
Sudeste Sul
Área de pastagens
Sudeste Sul Centro-Oeste
Centro-
Oeste
Sul e Goiás), tendo em vista a fertilidade dos solos utilizáveis para a plantação de diferentes
culturas agrícolas, denotando assim o interesse estratégico em se ocupar e desenvolver esta
região.
Tabela 1.1 – Evolução das áreas de pastagens e de lavouras (em mil hectares)
Conforme coloca REZENDE (2002), a incorporação agrícola do cerrado sob a nova
tecnologia, que teve início na década de 1970 e vem se mantendo em ritmo acelerado desde
então, deve ser vista como um fenômeno estreitamente associado a essa “produção do solo” e
ao conseqüente baixo preço da terra nas regiões de cerrado vis-à-vis as demais regiões do
Centro-Sul.
A Tabela 1.1 mostra que a expansão agrícola do cerrado tem apresentado padrões tão
claramente concentradores, como indicado pela fraca absorção de mão-de-obra e pela estrutura
agrária, baseada na produção em grande escala. REZENDE (2002), argumenta que a
explicação disso deve ser buscada nas características peculiares da dotação de recursos
naturais, na tecnologia e no próprio baixo preço da terra, e não em supostas políticas públicas
inadequadas, e ao contrário do que comumente se pensa, as terras de cerrado não são passíveis
de utilização na política de assentamentos de reforma agrária do governo
3
.
3
Segundo GOODMAN (1978), que atribuiu às políticas públicas, especialmente ao crédito, a culpa pelo padrão
concentrador do moderno desenvolvimento agrícola do cerrado, já no seu período inicial, objeto de análise do
autor. O fato, contudo, é que as políticas, especialmente o crédito, mudaram dramaticamente ao longo da década
de 1980, e o padrão concentrador se manteve intacto, mostrando que fatores mais fundamentais, ligados aos
recursos naturais, à tecnologia e ao baixo preço da terra, é que, desde o início, já ditavam os rumos do
desenvolvimento agrícola no cerrado.
20
Assim, a região do Brasil Central despontava como forte promissora a um
desenvolvimento integrado e equilibrado; porém, o decorrer da década de oitenta delineou
traços que transformaram o caminho de Mato Grosso do Sul.
Como primeiro elemento, pode-se destacar que a vocação agrícola foi perseguida à
medida em que as culturas tradicionais foram passando por um processo de desaparecimento.
Tal processo é decorrente da combinação das políticas voltadas à transferência de recursos
para setores chave no comércio externo, combinados com a política de desenvolvimento
tecnológico para o campo. Neste sentido, as culturas tradicionais ou de subsistência, cultivadas
em pequenas ou médias propriedades, foram sendo lentamente absorvidas pelo grande
latifúndio ARRUDA & SILVA & SOUZA (1997).
Em segundo cabe destacar a importância dos fluxos migratórios neste processo. Não
apenas Mato Grosso do Sul, mas todo o país integrado na agricultura moderna, sofria com o
processo de reconcentração de terras, sendo que: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul e Paraná locais onde tradicionalmente prevaleciam baixos níveis de concentração de
terras, passaram a caracterizar redução das pequenas e médias propriedades, em benefício à
grande eficiência do latifúndio BATISTA (1990).
O Estado de Mato Grosso do Sul, a partir da década de oitenta, recebeu significativas
levas de migrantes
4
gaúchos, que recebiam terras concedidas pelo Governo Federal e
passariam anos, mais tarde, a reproduzir o sistema de agricultura moderna, existente em
outras regiões do país.
Em terceiro pode-se dizer que boa parte do excedente populacional migrante do Sul
não adquiriu terras e sequer emprego, mas serviu de maneira significativa para cumprir a meta
da proteção fronteiriça: este contingente populacional foi sendo paulatinamente absorvido pelo
Paraguai, diante da promessa de terras próprias para a produção agrícola BATISTA (1990).
4
Para GRESSLER & SWENSSON (1988), a partir da década de 60, a população do sul de Mato Grosso,
praticamente, triplicou. Este aumento foi provocado, em grande parte, por levas de agricultores provenientes da
região Sul do País, principalmente do Rio Grande do Sul, que vieram somar-se à população instalada, formada
por: nordestinos, imigrantes japoneses, paraguaios. Os nordestinos, geralmente de família numerosa, dedicavam-
se à agricultura de pequeno porte. Os paulistas, catarinenses e paranaenses, dedicaram-se às atividades vinculadas
à agricultura, como o comércio. O gaúcho, atraído pelo preço das terras, trouxe uma grande influência cultural,
uma tradição agrícola de alto nível e técnicas esmeradas no tratamento do solo, dedicando-se ao cultivo da soja,
do trigo e do arroz.
21
estabelec. área estabelec. área estabelec. área
18.731 142.695 20.618 145.354 14.240 112.037
11.247 499.929 13.048 589.710 12.683 564.807
12.034 4.489.243 14.674 5.406.314 15.423 5.992.676
4.565 9.658.768 5.056 10.618.680 5.803 11.983.312
751 5.167.478 702 4.825.928 690 4.694.074
506 10.785.618 457 9.522.824 409 7.595.866
109 - 76 - 175 -
47.943 30.743.731 54.631 31.108.816 49.423 30.942.772
1980 1980 1981
Período
Grupo de Área Total
0 - 20
20 - 100
100 - 1000
1000 - 5000
5000 - 10.000
Mais de 10.000
sem declaração
Total
Fonte: IBGE/Censos Agropecuários (1980/1985/1996)
Dentro ainda do contexto de desenvolvimento agrário brasileiro e sul-mato-grossense,
deve-se destacar a dinâmica econômica ao longo dos anos oitenta e início dos anos noventa,
em linhas gerais.
Tabela 1.2 – Estrutura Fundiária em Mato Grosso do Sul (1980-1996)
O processo de ocupação do território de Mato Grosso do Sul sempre acompanhou os
ciclos econômicos do País, com a expansão das atividades econômicas, como a mineração e as
fazendas de gado. A ocupação das fronteiras agrícolas em áreas de matas e, recentemente, em
áreas de cerrado, provocou atração de contingentes populacionais advindos de outras regiões,
que se acentuou a partir da década de 40, com o crescimento da ocupação das terras voltadas,
principalmente, para a criação extensiva de gado, atividade que predominou até a década de
60.
Tendo como parâmetros dados fornecidos pelo IBGE (1996) pode-se considerar que:
a) No período de 1940-1950, a estrutura fundiária do Estado era concentradora de áreas,
tanto que as propriedades com menos de 100 ha (37,5% dos estabelecimentos rurais)
ocupavam apenas 0,6% da área total das propriedades. No que se refere às propriedades entre
100 e 1.000 ha, representavam 71% dos estabelecimentos rurais e 7% da área, ao passo que as
propriedades com mais de 1.000 ha representavam 29% dos estabelecimentos rurais e 93% da
área.
b) A partir de 1960, a estrutura fundiária começou a apresentar sinais de mobilidade,
passando a sofrer alterações em todos os estratos de áreas, acentuando ainda mais a
concentração de terras, verificada em décadas anteriores.
22
As maiores alterações ocorreram nas propriedades com menos de 100 ha, que passaram a
representar 76% das propriedades e 2% da área total dos estabelecimentos rurais. Já, nos
estabelecimentos rurais entre 100 e menos de 1.000 ha, representavam 90% das propriedades
rurais e 11% da área, e os estabelecimentos com mais de 1.000 ha representavam 10% das
propriedades e 89% da área.
c) Durante a década de 70 não houve, praticamente, inversão expressiva na
concentrada estrutura fundiária do Estado, permanecendo a concentração de maior número de
propriedades, com área no intervalo de 100 ha a 1.000 hectares, e maior concentração de áreas
em propriedades com mais de 1.000 ha, com tendência de redução de área, e número de
propriedades com dimensão inferior a 100 ha.
d) No período entre 1980 e 1985, verificou-se uma pequena redistribuição de terras para
as propriedades com área inferior a 1.000 89% das propriedades, e ocupando uma área
representativa de 19%. Por outro lado, as propriedades com área inferior a 100 ha tiveram sua
participação reduzida, de 78% em 1970 para 62% no período de 1980/85, tendo também
sofrido redução na área ocupada, passando de 3% em 1970 para 2% em 1980/85. Nas áreas
acima de 1.000 ha, no período 1980/85, observa-se uma pequena evolução no número de
propriedades em relação a 1970, passando de 8% para 11% em 1980/85, sofrendo redução na
área ocupada, passando de 86% em 1970 para 81% em 1980/85, conforme demonstram os
dados da Tabela 1.2.
O Censo Agropecuário de 1996 demonstra que vem se acelerando, nos últimos anos, a
diminuição das pequenas propriedades com menos de 100 ha, que passaram de 33.666 em
1985, para 26.923 propriedades em 1996, sofrendo redução de 7% na participação em termos
de área no Estado, resultando na diminuição de 58.220 ha nessa estratificação. O principal
ganho em número de propriedades e áreas vem acontecendo nas empresas rurais que estão na
estratificação de 1.000 ha a 5.000 ha, tendo aumentado sua participação de 9, 2, % em 1985
para 11,7% em 1996, no total de propriedades, e de 34,1% para 39,0%, em relação à área
ocupada no Estado.
Do ponto de vista da política econômica brasileira pode-se dizer que o período de
1979/1985 apresentou dificuldades em suas contas externas. A taxa de crescimento do produto
23
Ano
Inflação
(em %)
Taxa de
PIB (em %)
Investimento
Interno Bruto
(em %)
Governo
1980
100,2
9,3
22,9
1981
109,9
-4,3
24,3
1982
95,4
0,8
23
Figueiredo
1983
154,5
-2,9
19,9
1984 220,6 5,4 18,9
1985
225,5
7,8
18
1986
142,3
7,5
20
1987
224,8
3,5
23,2
Sarney
1988
684,5
-0,1
24,3
1989 1320 3,2 26,9
Fonte: FGV/Conjuntura Econômica (abril/1999)
Elaborada por FILGUEIRAS (2000)
interno era insuficiente
5
e os setores agrários não alcançavam grande êxito em termos de
balança comercial. Além disso, do ponto de vista político, já existia uma lenta transição para o
regime civil, o que implicava também em uma lentidão quanto à tomada de decisões político-
econômicas.
A partir da crise cambial do México em 1982, começava a “crise da dívida externa”, que
atravessaria toda a década de oitenta e adentraria os anos noventa. Do ponto de vista cnico-
econômico, conforme ressalta FILGUEIRAS (2000), a argumentação do FMI, para explicar a
crise, era de que os países periféricos estavam em dificuldades, porque consumiam além de
suas capacidades produtivas, obrigando-os a importar a diferença entre consumo e produção, o
que por sua vez, implicava em grandes déficits na conta de transações correntes e no
endividamento externo, como forma de equilibrar seus balanços de pagamentos.
Tabela 1.3 – Inflação, PIB e Taxa de Investimento nos governos Figueiredo e Sarney.
O resultado para o Brasil foi um período de estagnação, que durou quase toda a primeira
metade da década de oitenta (Governo Figueiredo), com quedas de 4,3% do PIB em 1981, e
5
Para FILGUEIRAS (2000), a crise do modelo de Substituição de Importações se explicitou na década de
1980, na esteira da crise da dívida externa que alcançou todos os países da periferia. Do ponto de vista político,
foi uma década “ganha”, marcada pelo fim do Militarismo, à volta das eleições diretas para Presidente, a
ascensão do sindicalismo e dos movimentos sociais.
24
Ano Exportações Importações Saldo Governo
1980
20,1
23
-2,9
1981
23,3
22,1
1,2
1982
20,2
19,4
0,8
Figueiredo
1983
21,9
15,4
6,5
1984 27 13,9 13,1
1985
25,6
13,2
12,4
1986
22,3
14
8,3
1987
26,2
15,1
11,1
Sarney
1988
33,8
14,6
19,2
1989 34,4 18,3 16,1
Fonte: SECEX (1999)
Elaborada por FILGUEIRAS (2000)
de 2,9 % - em 1983, e redução das taxas de investimento, com destaque entre 1981 e 1985,
conforme dados da Tabela 1.3.
No decorrer do período de 1986/1989 (Governo Sarney), a situação começa a se
transformar. Com o fim do regime militar e com o reconhecimento dos problemas sociais e
econômicos que atingiam o país, o cenário era de propostas político-econômicas voltadas: a
alavancagem do produto brasileiro no mercado externo; ao combate do processo inflacionário
e à abertura econômica, a qual só seria possível após a renegociação da dívida externa.
Porém, apesar de significativos esforços a inflação não recrudesceu, o setor
agroexportador e o setor financeiro nacional reproduziam-se proporcionalmente mais do que o
setor produtivo nacional, em detrimento à renda e ao emprego, não no setor industrial,
como também no setor rural. O Estado de Mato Grosso do Sul recebia os mesmos reflexos,
com um nível de crescimento elevado, porém altamente centralizado.
Foi uma época de grandes superávits na Balança Comercial, com a queda das
importações e a elevação das exportações, e de grandes remessas de capitais para fora do país,
como se pode observar na Tabela 1.4.
Tabela 1.4 – Balança Comercial – 1980-1989
A partir da década de noventa, diante de um novo cenário internacional que apontava a
retomada do crescimento produtivo norte-americano, a busca de novos parceiros comerciais
25
para fazer frente à formação de blocos econômicos fortes, como o Mercado Comum Europeu,
começa, na América Latina, um intenso conjunto de planos de estabilização econômica,
voltado sobretudo, ao combate do processo inflacionário, à renegociação de dívidas externas
destes países e, é claro, à abertura comercial CARDOSO & HELWEGE (1993).
Assim, uma primeira tentativa de abertura comercial foi apresentada durante o governo
Collor, que geraria dois reflexos: de um lado – a constatação de que a competitividade
brasileira, em termos externos estava baixa, sendo necessários esforços significativos para a
retomada do crescimento industrial e, de outro esta política combinava elementos favoráveis
ao combate do processo inflacionário GREMAUD (2004).
Logo em seguida, com a implementação do Plano Real, a economia brasileira
conseguiria atingir a estabilidade econômica, através do controle da inflação, com reflexos
significativos para a entrada de capitais externos no país. Estes elementos são relevantes, à
medida que iriam causando transformações, do ponto de vista regional.
Na Tabela 1.5, pode-se avaliar o grau de concentração fundiária, segundo cada unidade
da Federação. Um dos pontos de destaque diz respeito à forte participação do número de
pequenas propriedades: os estabelecimentos com área menor que 20 hectares, ou seja, aqueles
que sofrem grande dificuldade para se viabilizarem, se explorados com tecnologia
convencional ou fora do contexto de associações ou cooperativas. Nessa categoria estão quase
3.104 mil estabelecimentos, ou seja, 64% do número total, mas representam, apenas, 3,3% da
área total dos estabelecimentos. Quando se analisa a linha que diz respeito à situação de Mato
Grosso do Sul observa-se a seguinte situação: na categoria de estabelecimentos com área
inferior a 20 hectares, estão cerca de 15 mil (estabelecimentos), o que significa cerca de 28%
do número total, mas representa apenas 1,6% da área total de estabelecimentos.
Com dados do Censo do IBGE, verifica-se que houve um encolhimento na quantidade de
estabelecimentos e de empregos no meio rural. Durante dez anos considerados, cerca de um
milhão de estabelecimentos desapareceram. Em 1985, havia 5.801 mil estabelecimentos; já em
1995, este número caiu para 4.859 mil.
26
Acre
2.587 3.386 11.636 5.860 319 23.788
Alagoas
79.923 21.570 9.868 3.487 190 115.038
Ama
700 461 887 1.152 75 3.275
Amazonas
29.581 27.914 20.364 4.910 253 83.022
Bahia
292.771 207.419 153.296 41.874 3.563 698.923
Cea
206.375 68.281 46.855 16.871 835 339.217
Distrito Federal
498 780 721 429 31 2.459
E. Santo
12.151 26.797 27.956 6.102 202 73.208
Goiás
6.336 16.997 44.266 38.728 5.437 111.764
Marano
262.207 20.188 49.065 20.796 1.681 353.937
M. Grosso
5.817 10.322 30.738 23.861 8.011 78.749
M. Grosso do Sul
5.864 8.376 12.683 15.423 6.902 49.248
Minas Gerais
102.675 146.422 166.827 75.805 4.529 496.258
Pa
47.453 39.077 82.743 34.476 2.450 206.199
Paraíba
80.246 37.143 20.886 7.760 420 146.455
Paraná
84.260 156.159 102.506 25.432 1.450 369.807
Pernambuco
150.184 63.488 34.669 9.703 439 258.483
Piauí
118.518 32.708 38.915 15.683 1.174 206.998
Rio de Janeiro
20.611 15.351 12.482 5.011 200 53.655
Rio Grande do
Norte
46.952 20.203 17.158 6.171 492 90.976
Rio Grande do Sul
70.744 198.140 126.700 30.727 3.072 429.383
Rondônia
11.252 14.283 35.664 14.874 881 76.954
Roraima
866 305 2.844 2.810 570 7.395
Santa Catarina
34.669 97.844 61.985 8.231 508 203.237
o Paulo
38.272 68.750 77.490 31.162 2.086 217.760
Sergipe
66.815 18.767 10.302 3.061 113 99.058
Tocantins
1.727 2.606 15.564 19.565 3.475 42.937
Brasil 1.780.054 1.323.737 1.215.070 469.964 49.358 4.838.183
Estado
20 a menos de
1000 ha.
100 a menos de
1.000 ha.
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário (1996)
Acima de
1.000 ha.
Total
Um a menos de
5 hectares
5 a menos de 20
hectares
Tabela 1.5 – Número de Estabelecimentos Agropecuários
27
A principal razão, segundo SANTO (2001), para mais de setenta anos de discussão
acirrada sobre a questão fundiária, é a extrema concentração fundiária. Para ele o índice de
Gini
6
ajuda a compreender esta situação. No caso brasileiro, o índice é de 0,84, sendo que na
Europa, a aplicação do mesmo coeficiente gera, como resultado, um índice em torno de 0,42.
Neste sentido, a estrutura agrária nacional foi sendo paulatinamente centralizada,
configurando novas relações entre o setor agrário e os setores industrias, que passavam a
integrar e internalizar o desenvolvimento de setores agroindustriais, determinando relações de
produção, cada vez mais, nos moldes da grande indústria capitalista: com elevados níveis de
produtividade, graças ao incremento tecnológico e altamente poupadora de mão-de-obra,
aumentando significativamente o exército de reserva na sociedade.
Para SANTO (2001), durante décadas, megapropriedades serviram mais como reserva de
valor e/ou para afirmação de poder político e econômico, do que para garantir produção e
produtividade, desconsiderando sua função social.
A Lei 4.504/64, conhecida como Estatuto da Terra, que quarenta anos vem
buscando a valorização desse princípio, o que enfatiza a idéia de que o problema não está na
falta de legislação, mas na forma como ela vem sendo aplicada. Torna-se clara a evidência de
que os conflitos agrários existentes muito tempo na estrutura deste país, tenderam a se
aprofundar, ao longo do período em questão, o que exigiria do governo medidas eficazes para
atenuar os conflitos de terra, em todo o país
7
.
O tema referente à posse e ao uso da terra é uma questão de poder político, além de
econômico, que remonta a algumas figuras históricas:
6
Medida de concentração, aplicável à propriedade fundiária. O coeficiente de Gini é medido pela relação ou
fórmula geral,
n
G = 1 - (Y
i
+ Y
i-1
) (X
i
– X
i – 1
), sendo Xi, a porcentagem acumulada da população (proprietários de terra);
i = 1
Yi, a porcentagem acumulada de área; e n, o número de extratos de área. Aumentando a concentração da
propriedade fundiária, o índice ou coeficiente de Gini se aproximaria de 1 refletindo o aumento da concentração.
7
Nos Estados Unidos, por exemplo, a questão da terra foi equacionada ao longo do século XIX, antes do
processo de industrialização do país. A enorme área no meio-norte, compreendendo os melhores solos, conhecida
como “corn belt”, teve uma ocupação baseada numa estruturação fundiária planejada. Glebas com menos de
150 acres, foram vendidas a preços pouco mais que simbólicos, ao longo de uma grande faixa de terras, desde o
estado de Michigan até o Arkansas. A cada 5 Km, construía-se uma escola e uma igreja. Assim, todos tinham
acesso a essas duas atividades básicas de sua cultura, sem grande esforço de deslocamento. Mais tarde, as glebas
foram aumentando de tamanho, até chegar ao tamanho médio atual da ordem de 400 hectares, que é o mais
adequado para lavouras de grãos com equipamentos modernos. HENDERSEN (1996)
28
a) a institucionalização do “coronel” com poderes de polícia em jurisdição definida,
substituindo a presença do Estado, que se declarava incapaz de prestar esse indispensável
serviço de natureza pública, pelo interior do país;
b) a “meação” – mediante a qual, troca-se o direito de plantio, pelo pagamento de parcela
da produção; e a concessão do “direito” de plantar, em troca de pagamento com serviço nas
terras do proprietário.
Outro ponto importante diz respeito à revolução tecnológica. O ritmo de
comercialização, em vigor, requer rotatividade mais rápida no ciclo de produção-
comercialização. Como salienta GASQUES & VERDE (1997), a produtividade do trabalho
tornou-se variável importante, conforme ocorrera no meio urbano. Os custos referentes às
obrigações trabalhistas, praticamente inviabilizaram o modelo antigo das grandes fazendas
com elevado número de trabalhadores e outras formas de agregados.
Por outro lado, salienta ALVES (2000), os pequenos estabelecimentos têm dificuldades
para incorporar novas tecnologias e equipamentos, os quais exigem nível de produtividade e
escala mínima de produção.
Os pequenos produtores, que não acompanham as transformações tecnológicas, são
rejeitados pelo mercado e derivam para um modelo de subsistência, com baixa produtividade e
renda. Suas chances de competir aumentam quando ingressam na trilha do associativismo e do
cooperativismo, onde podem usufruir, em grupo, das inovações tecnológicas.
A grande diversidade destes problemas agrários tem induzido a sociedade a cobrar uma
solução bastante salutar: uma expressiva Reforma Agrária.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o processo de reforma agrária foi
retomado, aumentando significativamente o número de assentamentos em todo o país
8
e
criando financiamento para o próprio setor, como foi o caso do PRONAF (Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Portanto, não se pode modificar a questão fundiária, levando-se em conta apenas uma
variável: a terra. Sua importância diminui como condição viabilizadora do desenvolvimento
8
SANTO (2001), estima que o custo total para assentar uma família é de aproximadamente R$ 38.000,00 (trinta
e oito mil reais). No período de 1995/2000, foram desapropriados 18,6 milhões de hectares. O número de famílias
assentadas alcançou os 430 mil a um custo total aproximado de R$ 16,4 bilhões
29
Setores/Anos 1999 2000 2001 2002 2003
Ind.Transformação
10%
10%
10%
11%
17%
Servos Indiretos
1%
1%
1%
1%
1%
Construção Civil
3%
4%
4%
4%
2%
Comércio
17%
17%
17%
18%
21%
Servos
25%
28%
24%
23%
23%
Adm. Pública
30%
26%
30%
30%
27%
Agropecuária
14%
14%
14%
13%
9%
Total
100%
100%
100%
100%
100%
Fonte: IBGE (2005)
Nota: dados extraídos da base de dados do IBGE, atravé do aplicativo SIDRA
rural. A utilização de tecnologia mais produtiva, capaz de acompanhar o padrão de produtos e
custos atuais, além da inserção no processo de comercialização passam a ser fatores
decisivos
9
.
Cabe destacar o papel do Estado de Mato Grosso do Sul neste conjunto de
transformações. Primeiramente, é evidente o reflexo das transformações nacionais se fizeram
presentes do ponto de vista regional e, na medida em que a economia buscava melhores
resultados, alcançava novos níveis de desempenho tecnológico e, conseqüentemente, redução
dos postos de trabalho ARRUDA & SILVA & SOUZA (1997).
Porém, este processo, em Mato Grosso do Sul, atravessa algumas peculiaridades: via de
regra, o desenvolvimento industrial de setores tradicionais, absorve o excedente de mão-de-
obra dos campos. Como o Estado, ainda hoje, é pouco industrializado, este excedente
populacional tende a vagar em busca de novas ocupações que, via de regra estejam
relacionadas ao setor agrário.
A partir dos dados da Tabela 1.6, sobre a distribuição de empregos no Estado de Mato
Grosso do Sul pode-se observar que nos últimos cinco anos prevaleceu uma tendência à
geração de postos de trabalho nos setores que compreendem os Serviços, Administração
Pública e Comércio são responsáveis por mais da metade das ocupações geradas no Estado.
Tabela 1.6- Distribuição de empregos, por setores, em Mato Grosso do Sul
9
A situação era bem diferente até a metade do século XX. Uma família rural, com numerosos filhos, numa
economia pouco monetizada e sem profusão de bens de consumo, sobrevivia com nível de vida razoável para a
época. A força de trabalho produzia o suficiente e em variedade para alimentar a todos e garantir pequenos
excedentes. SANTO (2001)
30
Embora a base da economia ainda se encontre no setor agrário, o mesmo é responsável
por uma média de 14% dos postos de trabalho gerados, sendo que durante os anos de 2002 e
2003 apresentou tendências consecutivas à queda, respectivamente 13% e 9%, o que denota a
transformação produtiva do setor.
Observa-se que a ocupação rural, ou ainda, a busca de novas terras para ocupação,
cumpre papel fundamental na estruturação desta região. Assim, na medida em que o processo
de reforma agrária foi avançando, o número de assentamentos rurais, no Estado de Mato
Grosso do Sul, tendeu também a crescer e tal proposição deve ser compreendida, a partir da
observação de alguns processos que se desenvolveram ao longo dos anos, nesta região, em
virtude de políticas anteriores e de sua proximidade com as fronteiras vizinhas.
A agricultura brasileira, assim como a sul-mato-grossense, nos últimos cinqüenta anos,
vem atravessando um forte processo de modernização, gerando uma proletarização dos
camponeses, através da sua expropriação como produtores independentes, convertendo-os a
uma situação de extrema instabilidade em suas rendas.
Segundo SILVA (2004), a instalação da agricultura empresarial no Estado de Mato
Grosso do Sul, teve como pólo o município de Dourados, expandindo-se para outras regiões,
ocupando todo o território sul-mato-grossense na década de noventa do século XX. SANTOS
(2000), considera o processo de reorganização do espaço agrário, em três momentos distintos:
1. A mudança da base cnica, a partir do final da década de cinqüenta, com a
intensificação do uso de insumos artificiais, em detrimento aos naturais, com a difusão
de inovações químicas, como: fertilizantes, agroquímicos, corretivos e, mecânicos,
como: tratores, arados, colheitadeiras.
2. O segundo momento é caracterizado por volta da década de sessenta, quando se tem a
apropriação do processo de produção agropecuária brasileira, por grandes corporações.
Nestas duas fases, o desenvolvimento da agricultura passa a girar em torno de um
padrão de acumulação industrial, conhecido como CAI’s (Complexos Agroindustriais),
com núcleos emergentes em todo o Brasil10. Este momento também coincide com a
excludência da agricultura familiar.
10
Pode-se observar como medida expressiva do aumento da produtividade o seguinte aspecto: enquanto na
agricultura nômade um hectare produz alimento básico para uma pessoa, na agricultura tradicional a taxa se eleva
31
3. A terceira fase, caracterizada pela reestruturação produtiva da agropecuária, em
meados da década de setenta, onde se observa um processo de integração de capitais, a
partir da centralização dos capitais industriais, bancários, agrários, com a expansão das
sociedades anônimas, cooperativas agrícolas, empresas integradas verticalmente
(agroindustriais ou agrocomerciais), bem como a organização de conglomerados
empresariais, por meio de fusões, organizações em holdings, cartéis e trustes, com
atuação direta nos Complexos Agroindustriais.
Toda esta transformação se fazia presente no Estado de Mato Grosso do Sul, em fins
dos anos setenta e ao longo dos anos oitenta, com a ocupação de cooperativas em municípios,
como: Dourados, Ponta Porã, Sidrolânia, São Gabriel, Chapadão do Sul, Campo Grande,
focalizando a magnitude da economia rural. O Banco Financial, como cita SILVA (2004), de
família abastada e tradicional do Estado, ocupa um lugar de destaque nesse novo cenário rural.
Tem-se a criação do primeiro curso de Agronomia na Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, em Dourados, formando técnicos, de acordo com a demanda de mercado; por
outro lado, deixava-se indícios da transformação dos agricultores familiares, em meros
empregados excluídos do moderno sistema agrícola, agravando-se a situação nos poucos
assentamentos da época e, nas populações segregadas, como: quilombolas e aldeias indígenas.
Cabe a sintetização, quanto ao fato de que as políticas públicas implementadas
procuraram aumentar o nível de produção e produtividade agrícola; mas, paradoxalmente
foram incapazes de observarem o crescimento da miséria e exclusão social, nos campos de
Mato Grosso do Sul.
para quatro a seis pessoas, na agricultura moderna a produção de cereais chega a alimentar 20 a 25 pessoas por
hectares/ano. Segundo estatísticas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), cada fazendeiro
norte-americano, produziu alimentos para 77,5 pessoas em 1980 e no Brasil esse número cai para menos de 50
pessoas. SILVA (2004).
32
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Argentina
12.145 5.567 7.217 15.228 22.872 41.208 30.286 17.407 22.427 18.860 27.722
Paraguai
4.004 4.302 7.381 9.217 12.848 10.151 9.136 6.681 7.846 8.896 7.661
Uruguai
10 2.548 1.003 10.978 11.406 14.395 24.690 18.564 13.817 12.214 6.468
Total
16.159 12.417 15.601 35.423 47.126 65.754 64.112 42.652 44.090 39.970 41.851
Argentina 5.155 1.085 5.267 9.880 14.387 6.345 6.280 10.122 1.901 4.045 5.617
Paraguai
10.879 29.714 28.312 13.581 9.526 14.934 13.094 9.085 24.401 18.921 35.204
Uruguai
0 0 0 0 2.695 1.223 1.657 158 77 418 2.499
Total
16.034 30.799 33.579 23.461 26.608 22.502 21.031 19.365 16.379 23.384 43.320
49.180
Anos
TOTAL DO FLUXO
EXPORTAÇÃO
País
IMPORTAÇÃO
32.193
Fonte: MDIC/SECEX (2004)
62.017 60.469 63.354 85.17158.884 73.734 88.256 85.14343.216
1.2 _O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE FRONTEIRA: A PROBLEMÁTICA
DOS BRASIGUAIOS
A partir das considerações sobre o desenvolvimento nacional e regional, cabe destacar
um processo paralelo e de profundas repercussões do ponto de vista estratégico e comercial: as
relações brasileiras com o Paraguai.
Cabe destacar que as relações comerciais recentes (a partir do ano de 1991), são reflexo
direto do avanço das relações políticas e sociais nestes países, como se pode perceber da
análise do MERCOSUL
11
(Mercado Comum do Cone Sul), que tem como objetivo a
integração comercial entre: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Os números apresentados pela Tabela 1.7 indicam o significativo peso em termos de
exportação e importação para os países do Grupo, sendo destaque o grande volume de
importações provenientes do Paraguai, o que denota laços de proximidade comercial, cultural
ou até mesmo familiar entre as regiões vizinhas.
Tabela 1.7 Evolução do Comércio do Mato Grosso do Sul com o Mercosul (US$ mil
FOB)
11
Para DELGADO [et al] (1996), a América Latina, ao longo dos anos noventa, passa a representar peso no
conjunto das exportações e importações realizadas pelos países do Mercosul, fato este, justificável diante do
quadro de distanciamento nos níveis de acumulação observados ao longo da década de oitenta, entre os países do
hemisfério norte e os países do hemisfério sul, reforçando a idéia da formação de blocos econômicos regionais.
33
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Valor do Comércio em US$
Mil
Exportação Importação Fluxo
Figura 1.2 – Evolução das relações comerciais do Mato Grosso do Sul com o Mercosul
A Figura 1.2 destaca a evolução das exportações de Mato Grosso do Sul para os Países
componentes do Mercosul, principalmente entre os anos de 1997/1999, sendo que a tendência
mais recente denota o equilíbrio entre exportações e importações.
É importante destacar que, muito embora, o Paraguai tenha proximidade comercial com
o Brasil, possui aspectos endógenos particulares. Para uma melhor compreensão do assunto,
faz-se necessária algumas breves considerações sobre o desenvolvimento do Paraguai ao
longo da ditadura Stroessner, momento determinante na aproximação entre Brasil e Paraguai,
o que, segundo alguns autores, representaria um novo tipo de hegemonia: o da economia
brasileira, em relação à paraguaia.
Porém, estes fatores ou condicionantes externos, muito embora simplifiquem a
explicação sobre o processo de integração, não são suficientes para que se compreenda a
verdadeira face da integração entre estes dois países e que melhor se espelha na dinâmica de
suas regiões fronteiriças, onde, sem sombras de dúvida, registram-se os aspectos internos que
aproximam as duas regiões.
Nos anos sessenta, o Paraguai passou por planos de desenvolvimento rural integrado, por
políticas econômicas ausentes de um maior intercâmbio regional e sem grandes obras de infra-
Fonte: MDIC/SECEX (2004)
34
estrutura o que acarretou, nas últimas três décadas, uma profunda discrepância entre as regiões
de fronteira e as regiões do interior do Paraguai.
Segundo MASI et alli (2000), nos anos sessenta e setenta, o Paraguai tinha planos de
Desenvolvimento Regional, como “Eje Esta”, com um grande impacto sobre a economia.
Desde então a ênfase da política econômica foi fortemente dirigida a lograr equilíbrios
macroeconômicos através do uso de políticas fiscal, monetária e cambial.
A partir da abertura política do ano de 1989, o governo estava para recuperar a
estabilidade macroeconômica
12
, tendo em vista a grande atenção dada aos crescentes déficits
das autoridades públicas.
Como anteriormente colocado, tanto em termos produtivos quanto em termos
populacionais, a situação do desenvolvimento regional paraguaio é díspare. A principal
atividade das regiões do interior é a agropecuária voltada ao consumo interno, enquanto a
agropecuária na região de fronteira está relacionada ao mercado de países vizinhos e ao
mercado externo.
A partir da análise da Figura 1.3, observa-se que, em 1972, a distribuição do PIB per
capita situa-se nas regiões fronteiriças com a Argentina, Bolívia e Brasil, com uma média de
US$ 418 (quatrocentos e dezoito dólares) de rendimento.
em 1982, a distribuição do PIB per capita sofre poucas variações, mas muda para a
região de fronteira com o Brasil, tendo uma média de US$ 2.222 (dois mil duzentos e vinte e
dois dólares) de rendimento.
Finalmente, em 1992, a distribuição do PIB per capita avança totalmente em direção à
fronteira com o Brasil e Argentina, concentrando-se em oito Departamentos, com uma média
de US$ 1.992 (mil novecentos e noventa e dois dólares), o que demonstra a grande disparidade
entre a região fronteiriça e o restante do País.
12
A nova constituição de 1992 introduziu um mandato de descentralização governamental e, em conseqüência,
instauraram-se 17 Governos Departamentais, que poderiam ter facilitado a execução de planos de
desenvolvimento local.
35
Figura 1.3 – Distribuição do PIB per capita paraguaio, em 1972
Fonte: MASI et alli (2000)
Figura 1.4 – Distribuição do PIB per capita paraguaio, em 1982
Fonte: MASI et alli (2000)
36
Figura 1.5 – Distribuição do PIB per capita paraguaio, em 1992
Fonte: MASI et alli (2000)
Assim, enquanto determinantes de ordem interna, observa-se que a dinâmica da
economia paraguaia tem como ponto de partida a década de setenta do século passado, onde se
observa a construção da usina hidrelétrica de Itaipu e o desenvolvimento crescente da
Agricultura, dedicada principalmente ao cultivo da soja e do algodão
13
, gerando como reflexos
o rápido crescimento da renda per capita em 5,2% ao ano, entre 1972/78, neste país.
Tendo em vista medidas de incentivo à imigração e uma política de financiamentos aos
pequenos proprietários, inúmeros brasileiros buscaram o Paraguai entre 1972/77, aumentando
as áreas cultivadas na região em 16% ao ano (25% para a soja, 30% para o algodão). As
facilidades para colonizar o Paraguai por meio do Brasil vincularam-se a um Tratado de
Amizade e Cooperação Econômica, assinados em dezembro de 1975, pelos presidentes Geisel
e Stroessner. A partir deste Tratado, previa-se a ajuda brasileira no campo tecnológico e na
13
Produtos que tiveram um crescimento de 300% no mercado internacional, entre 1970 e 1977.
37
área da segurança continental. A empresa Itaipu Binacional concretizou as relações
diplomáticas entre os dois países e suas ditaduras
14
.
Além disso, para garantir a segurança continental, impunha-se ocupar uma área de
121.889 Km
2
, o que equivale a 33% do território paraguaio, com uma população de 1.120.000
habitantes (45% da população total). Em outras palavras, este projeto aumentou
consideravelmente o número de brasiguaios (brasileiros que buscam terras para a
sobrevivência camponesa, no Paraguai), que serviram como forma de defesa dos “interesses
imperialistas”, como destaca BATISTA (1990).
Com um excelente nível de fertilidade dos solos, as terras paraguaias eram utilizadas
pelos brasiguaios com o intuito de exploração das florestas virgens, garantindo, assim, algum
dinheiro para o início da atividade agrícola. Porém, devido à intensificação no uso de capital
para investimento em tratores e moto-serras, muitos brasiguaios vendiam toda a sua parte da
terra, pela metade do preço, deixando para o madeireiro o corte e transporte e, é claro, a terra
para a agricultura.
O incentivo à produção de madeira, via legal permitia o surgimento de serrarias e
especuladores de mercado, que rapidamente enriqueceram a fronteira do Paraguai com o
Brasil, numa faixa que vai da região de Porto Murtinho (Mato Grosso do Sul) até a Argentina.
Boa parte destes imigrantes eram provenientes dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Minas Gerais.
Na Tabela 1.8, observa-se que os estrangeiros no Paraguai, em 1972, representavam
7,79% da população total; enfatiza-se que deste total, 6,53% eram representados por
brasileiros. Isto se explica pela presença de projetos de colonização pública e privada,
sobremaneira da empresa Itaipu, servindo para expandir, no país, o cultivo: da soja, do
algodão, do trigo, da pecuária e da menta.
14
Segundo BATISTA (1990), o entrelaçamento das amizades entre o Brasil e o Paraguai foi, efetivamente,
consolidado a partir dos Acordos assinados pelo governo Vargas no ano de 1941, quando, após sua visita a
Assuncion, foram assumidos compromissos que permitiram: a troca de livros e outras publicações; um porto livre
para o Paraguai, em Santos; estudo da navegação do rio Paraguai; abertura de crédito para o comércio; estudo
sobre a possibilidade da construção de uma ferrovia entre Concepcion e Pedro Juan Caballero e para criação de
uma frota brasileiro-paraguaia; e, por fim, um acordo cultural.
38
Departamento
População
Total
Estrangeiros Brasileiros E.U.A.
Alto Paraguai 15.080 563 414 5
Concepción
108.130
1.304
1.054
5
Amambay
65.111
10.736
10.027
31
Canendiyú 27.825 12.268 12.028 80
Alto Paraná
69.044
9.516
7.130
16
Caagua 202.596 3.637 1.216 -
Totais 487.786 38.024 31.869 192
Fonte: Batista (1990)
o censo do ano de 1982, no Paraguai demonstra a forte presença de brasiguaios, em
várias colônias da fronteira, destacando um número total de 251.000 brasiguaios que,
praticamente, vivem em condição de mera subsistência.
A predominância brasileira no Paraguai pode ser expressa, a partir dos dados referentes
ao censo do ano de 1972:
Tabela 1.8 – População brasileira em terras paraguaias (em hab.)
Quanto à formação territorial da fronteira
15
, cabe destacar que o projeto surge a partir de
meados da década de setenta do século XX, através do tratado de Itaipu. Segundo BATISTA
(1990), o Brasil passa através deste acordo, a ter forte influência no Paraguai, sendo que este
caracterizou a dependência do crescimento econômico e do expansionismo brasileiro na
América Latina, que acabou por beneficiar mais diretamente, a um grupo de empresas
multinacionais.
15
FOGEL (1993) nos chama a atenção para o fato de que, a partir dos anos sessenta, o Paraguai vem sofrendo um
grande fluxo migratório de japoneses e brasileiros. O autor justifica esta tendência, pela existência de brasiguaios
“posseiros” que se apropriaram de terras da região. Outros dados interessantes são os casos de aumento da
participação dos produtos brasileiros do lado paraguaio e o crescimento da participação de brasileiros nos setores
agropecuários paraguaios.
39
1972
Interior
1.091.139 46% 30%
Frontera 1.266.816 54% 70%
Assunción 388.958 16% 30%
Central
310.390 13% 15%
Alto Paraná 88.607 4% 4%
Itapúa 201.411 9% 10%
Resto 277.450 12% 10%
1982
Interior 1.204.840 40% 24%
Frontera
1.832.872 60% 76%
Assunción 457.210 15% 27%
Central 493.500 16% 20%
Alto Paraná 198.500 7% 8%
Itapúa
264.020 9% 10%
Resto 419.642 14% 11%
1992
Interior 1.251.829 30% 19%
Frontera 2.900.759 70% 81%
Assunción 500.938 12% 18%
Central
866.856 21% 25%
Alto Paraná 406.584 10% 14%
Itapúa 377.536 9% 9%
Resto 748.845 18% 14%
1.311
978
674
1.114
1.992
1.779
424
531
1.039
2.222
1.458
1.086
141.243
212
418
589
375
338
374
178.480
242.142
133.117
91.699
189.791
786.682
149.141
58.169
72.959
78.527
171.888
558.986
200.191
13.178
33.137
34.945
Regiones
Fonte: BCP (2000) - Banco Central do Paraguai
Participación
poblacn % del
PIB Gs. 1982 % del total Promedio Ponderado
PIB US$
per capita
101.879
233.183
100.695
51.228
Tabela 1.9 – A regionalização econômica do Paraguai em 1972, 1982,1992.
Na tabela 1.9, que trata da regionalização econômica do Paraguai, pode-se depreender
que, ao longo das últimas três décadas, a população migra intensamente para a região da
fronteira. Assim, no ano de 1972, que corresponde ao início do projeto Itaipu, cerca de 54% da
população ocupava a fronteira, enquanto que os 46% restantes distribuíam-se no interior.
40
Neste cenário, à população da fronteira competia a geração de 70% do PIB, enquanto que o
interior era responsável por 30% do PIB.
No ano de 1982, os habitantes da região fronteiriça correspondem a 60% da população
total e com uma participação de 76% na formação do PIB; enquanto isso, o interior verificava
uma queda da população para 40% e uma participação na formação do PIB de 24%, ou seja,
ao longo de uma década, a fronteira foi responsável por um crescimento de 6% no Produto
Interno do país. No ano de 1992, cerca de 70% ocupam a região fronteiriça, sendo
responsável pela participação em 81% da formação do Produto Interno Bruto, o que destaca a
tendência de aproximação da população de departamentos vizinhos, bem como da população
de países vizinhos BATISTA (1990).
Na Figura 1.6, observa-se o comportamento migratório para a Faixa de Fronteira, onde
se destaca, em Mato Grosso do Sul, a presença de dois processos:
O fluxo migratório internacional – que corresponde a mais de 10%;
O fluxo migratório extra-regional – que corresponde a mais de 70%, o que desta forma,
vai ao encontro do processo migratório que ocorre do outro lado da fronteira, ou seja, o
grande fluxo de paraguaios.
Esta tendência, sem dúvida, destaca a importância da fronteira; no entanto, a perpetuação
de um processo de esvaziamento populacional no interior, é que, obviamente denotará bolsões
de pobreza.
41
Figura 1.6 – Faixa de Fronteira: Migração Síntese – 2000
Fonte: MIN/RETIS/IGEO/UFRJ (2002)
42
Cabe destacar também, o importante papel desempenhado pela política agrária na
fronteira, tendo em vista ser este o grande mecanismo de ocupação territorial e geração de
rendas. A geopolítica vem cumprindo seu papel estratégico na política de fronteiras, de forma
que, desde o século XVIII, o Brasil vem adotando e consolidando territórios federais na
fronteira como área de segurança. Conforme salienta BATISTA (1990), estas áreas tiveram
como tarefa político-militar a adoção de uma consciência nacional de domínio e de
desenvolvimento do Brasil na América Latina, que destacam a força a serviço do imperialismo
e da transnacionalização do capital.
PEBAYLE (1994) destaca que quando se observa a trajetória política brasileira adotada
durante o regime militar, destaca-se a política de colonização da fronteira agrícola que
pressionaram camponeses a migrações forçadas, pelo processo de modernização da agricultura
nas terras colonizadas, principalmente Sul e Sudeste. Da Figura 1.6, observa-se a forte
influência da fronteira para a região sul-mato-grossense, cabendo destaque neste trabalho para
a região que se limita com o Paraguai.
A estratégia política nas fronteiras denotou um processo de facilitação à penetração do
capital transnacional e, ao mesmo tempo, a ocupação por um número significativo de
brasileiros em terras paraguaias, que não dispondo eles de melhores condições para o seu
cultivo, das mesmas terras, terminaram por vendê-las a um preço ínfimo, fortalecendo a
reconcentração de terras e, ao mesmo tempo, dando origem à formação de um número
significativo de sem-terras. Podemos considerar que o Estado de Mato Grosso do Sul possui
aproximadamente, 1.300 quilômetros com o Paraguai, onde uma série de cidades e vilas se
localizam próximas à linha de fronteira, distribuídas nos Departamentos de Alto Paraguay,
Concepción, Amambay e Cannideyú; onde a mais expressiva é a cidade de Pedro Juan
Caballero, que se separa de Ponta Porã, apenas por uma avenida MASI et alli (2000).
43
Figura 1.7 – Tipologia das Interações Fronteiriças
Fonte: MIN/RETIS/IGEO/UFRJ (2002)
44
A partir da Figura 1.7, que trata da conceituação dos tipos de interações fronteiriças,
pode-se observar a presença, em toda a região de fronteira brasileira, de uma série de
combinações; para o escopo do presente estudo, interessa-nos o conceito de Sinapse, que
segundo MACHADO (2000), refere-se à presença de alto grau de troca entre as populações
fronteiriças. Esse tipo de interação é ativamente apoiado pelos Estados contíguos, que
geralmente constroem, em certos lugares de comunicação e trânsito, infra-estrutura
especializada e operacional de suporte, mecanismos de apoio ao intercâmbio e regulamentação
de dinâmicas, principalmente mercantis. As cidades-gêmeas mais dinâmicas podem ser
caracterizadas de acordo com este modelo. No caso da sinapse, os fluxos comerciais
internacionais se justapõem aos locais. A articulação entre Foz do Iguaçu-Ciudad Del Este
(Paraguai), ou de Uruguaiana-Paso de los Libres (Argentina), é ilustrativa.
Além disso, a sinapse aponta para um regime fronteiriço amplo, onde não é incomum a
criação de assimetrias espaciais, caso da fronteira do Cone Sul-Mato-grossense e do Paraná
com o Paraguai (Departamentos de Canindeyú e Alto Paraná). Por outro lado, a interação de
tipo sináptico pode ser estrutural ou conjuntural. MACHADO (2000) aponta que no sudoeste
do Rio Grande do Sul (Campanha Gaúcha), na divisa com o Uruguai e a Argentina, as
interações são do tipo sináptico-estrutural: as relações, tanto no urbano como no rural, têm
uma longa história comum, com fazendas que se estendem de um lado a outro da fronteira
forte intercâmbio.
a fronteira entre o Paraguai e o Cone Sul-Mato-Grossense pode ser classificada como
sendo de sinapse conjuntural, estimulada não pela frente agrícola como pelo domínio da
produção e comércio ilícito da cannabis sativa por brasiguaios (Departamentos de Amambaí,
e Concepción).
Segundo OLIVEIRA (2003), este conjunto de cidades e vilas possuem uma dinâmica
espacial própria e singular, com uma lógica de atuação do capital quase sempre informal,
ajustadas nas múltiplas formas de manipulação de todas as estruturas sociais e políticas do
local.
A partir da observação dos dados fornecidos pela Tabela 10, observa-se o forte papel
desempenhado pelos municípios que compõem a Microrregião Geográfica de Campo Grande,
com um total de 34,8% na participação relativa do Estado. Porém, o maior destaque vai para a
45
Urbana Rural
83.982 20.046
67.504 30.755
107.963 16.367
75.029 25.393
691.131 32.831
38.169 9.064
331.725 75.787
140.036 62.412
54.404 19.247
56.789 13.967
100.365 25.026
1.747.106 330.895 2.078.001
Fonte: IBGE/Censo Demográfico (2000)
3,4
6,0
100
Três Lagoas
Total
125.391
104.028
98.259
124.330
100.422
723.962
47.233
407.512
5,0
4,7
6,0
4,8
34,8
2,3
19,6
3,5Nova Andradina
Paranaíba
73.651
70.756
Cassilândia
Dourados
Iguatemi 9,7
Participação
Relativa da
Região sobre o
População
Microrregiões
Geográficas
202.448
Total
Alto Taquari
Aquidauana
Baixo Pantanal
Bodoquena
Campo Grande
segunda Microrregião Geográfica que compreende os municípios de Dourados onde se situa a
grande maioria dos países que fazem fronteira com o Paraguai, dentre os quais se destaca,
Ponta Porã.
Procura-se demonstrar como a região de fronteira, também do lado brasileiro é capaz de
atrair o desenvolvimento econômico.Os diversos processos de integração sobrepostos
consolidam um espaço de articulação independente, onde um conjunto de articulações
binacionais não deixa de lado a ligação com os demais mercados (interno e externo).
OLIVEIRA (2003) destaca que as fronteiras sintetizam regiões que fogem ao controle
sistematizado da burocracia administrativa, muito embora estejam perfeitamente conectadas à
dinâmica de capitais nacionais e transnacionais.
Tabela 1.10 Distribuição da População Residente, por Microrregião Geográfica, em
Mato Grosso do Sul (2000)
A partir dos dados acima, observa-se a forte participação da microrregião de Campo
Grande, perfeitamente justificável pela presença da capital do Estado, nesta localização. No
entanto, a segunda microrregião geográfica, com maior participação é a de Dourados, com
46
19,6% da população total, sendo esta microrregião composta por municípios na faixa de
fronteira, como é o caso de Ponta Porã e Amambaí.
Para PÉBAYLE (1994), a fronteira platina é sustentada por duas ordens de fatores: os de
ordem estrutural, onde a aptidão produtiva caracteriza a circulação e trocas; e os de ordem
conjuntural, como as flutuações monetárias que sustentam o fluxo transfronteiriço. Mas, além
disso, pode-se observar uma grande quantidade de outras relações que se desenvolvem, como
migrações ilegais, contrabando e narcotráfico.
Seguindo OLIVEIRA (2003), Antônio João e Aral Moreira não possuem uma outra
cidade recíproca do lado paraguaio, sendo então prejudicadas; enquanto Bela Vista encontra-
se conurbada com Bella Vista Norte; observa-se que Ponta Porã se separa por uma avenida, de
Pedro Juan Caballero; por fim Coronel Sapucaia afasta-se alguns metros de Capitã Bado.
Dentro deste contexto, cabe destacar a forma específica com que cada uma destas
regiões de fronteira com o Brasil, permite uma aproximação na atuação e nos interesses das
partes
16
. Assim, é necessário destacar aspectos como: as características territoriais, o processo
de ocupação, a estrutura da propriedade além do destino da produção rural, dinâmica
populacional, infra-estrutura, dentre outros.
Toda esta região sustenta um contingente populacional de, aproximadamente, 250 mil
habitantes, com uma densidade demográfica próxima de 10 hab/km². PEBAYLE (1994),
destaca que os dois lados contam com uma mesma tradição histórica: extrativo,
beneficiamento e exportação da erva-mate (Ilex paraguariensis). A tradição do comércio
remonta ao ano de 1883, quando é assinado um tratado que permitia a livre entrada de
produtos paraguaios no Brasil e vice-versa e que deram origem a uma tradição muito antiga,
para que produtos europeus travestidos de paraguaios adentrassem ao território brasileiro.
16
GALEANO (2001) que faz uma abordagem sobre o processo de exclusão rural e política social, onde
contextualiza o fato de que alguns fatores sócio-econômicos são determinantes, como: o baixo nível de
crescimento do setor produtivo agrícola, a tendência crescente da concentração de terras nas áreas rurais, o
persistente crescimento da população campesina e o estancamento de outros setores produtivos não agrícolas
existentes no âmbito rural, além é claro, da ausência de políticas públicas que busquem minimizar estas questões
sociais. Com base na análise de tal autor, pode-se observar que o quadro político-econômico do lado do Paraguai,
em muito se aproxima da situação nacional, o que reforça a idéia de projetos de integração para áreas que
padecem do mesmo mal: falta de planejamento.
47
Mas, o que mais chama a atenção, em todo este processo, é a repetitividade de um
mesmo processo: a entrada de brasileiros em solo paraguaio.
Figura 1.8 – Mato Grosso do Sul: Densidade Econômica – Agricultura (2001)
Fonte: MIN/RETIS/IGEO/UFRJ (2002)
Como ficou demonstrado, o Paraguai passou por um intenso processo de migração
brasileira, tendo em vista duas finalidades básicas: proteção à fronteira brasileira e expansão
do capital transnacional
17
.
17
Partindo da concepção de MASI (2001), a desigualdade caracteriza diversos tipos de desenvolvimento entre as
nações e regiões do mundo e, é uma das principais causas de maior ou menor grau de pobreza. Assim, o
crescimento econômico poderia contribuir para superar veis altos de pobreza, porém não asseguraria uma
distribuição de rendas menos igualitária. É o caso do Paraguai, segundo o autor. Para ele, as políticas econômicas
iniciadas nos anos sessenta que deram lugar a uma industrialização e modernização da região, acompanhadas de
altas taxas de crescimento do produto, não se reverteram, necessariamente, em maiores níveis de bem-estar para a
população. Já as políticas de ajuste dos anos oitenta e noventa, puseram fim a um modelo de crescimento e deram
início a políticas de ajuste e estabilização, provocando um maior nível de desigualdade. Mas para este autor, o
maior nível de desigualdade se encontra nas regiões rurais, onde os níveis de educação são relativamente
inferiores e onde o tamanho das famílias é inversamente superior ao das famílias urbanas.
48
Porém, diante deste mesmo cenário, observou-se também uma intensiva busca de terras
por parte de brasileiros, provenientes, sobretudo dos Estados do Sul: Paraná, Rio Grande do
Sul e Santa Catarina, que sentiam o peso do processo de intensificação técnica e mecânica,
que gerava como conseqüência a desocupação do espaço agrário brasileiro em meados da
década de setenta do século passado.
Muitos desses brasileiros tornam-se então, brasiguaios
18
. Migram para a região
fronteiriça com o Paraguai, onde se localizavam terras férteis e pouco valorizadas, garantindo-
lhes condição de arrendamento e sustentação.
Na Figura 1.8, observa-se a densidade da agricultura na região de fronteira, com a forte
presença da soja, que como já foi observado também é destaque na produção paraguaia.
Observa-se, igualmente, a influência do capital externo dentro do território paraguaio,
em boa medida proveniente do Brasil. Desta forma, MASI (2001) coloca que ao longo de mais
ou menos duas décadas, a agricultura, que parecia se desenvolver com base num processo
rudimentar de intensiva utilização do trabalho humano, passa a ser paulatinamente substituída,
assim como no Brasil, por uma intensa mecanização e intensificação de implementos
químicos, caracterizando da mesma forma, uma expulsão dos camponeses, do sistema agrário.
Os então brasiguaios, após quase duas décadas em convivência em solo paraguaio,
acabaram por constituir famílias, gerando herdeiros das duas nações, mas, herdeiros sem-terra,
que regressariam ao solo brasileiro.
18
É cada vez maior o número de casamentos entre brasileiros e paraguaios, na fronteira. Segundo entrevistas
realizadas a campo, este processo tende a perpetuar a ligação cultural e até mesmo, as melhores condições na
prestação de serviços do lado brasileiro; é significativo o número de pessoas que atravessam a fronteira e recebe
serviços de educação e saúde, que são os mais procurados.
49
2 TERRITÓRIO E FRONTEIRA
2.1 SISTEMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
Diante da multiplicidade de transformações pelas quais o mundo vem passando desde o
último quartel do século XX, não se deve desprezar o fato de que os estudiosos da Geopolítica
e Geoeconomia venham desempenhando grande esforço no sentido de melhor caracterizar os
processos pelos quais passa a figura do Estado Nacional, o papel que ele desempenha,
fortalecendo ou enfraquecendo a sua soberania e o território sobre o qual exerce seu poder.
ANDRADE (1995) observa como fundamentais a análise do sistema de relações entre
Estados, Estado e Sociedade Civil, Estado e Empresas, Estado e Organizações não-
Governamentais, diante do processo de Globalização que o mundo atravessa.
Mas, antes que se possa aferir qualquer tipo de papel ao Estado, particularmente o
Estado Nacional, faz-se necessária uma breve retomada dos elementos essenciais constituintes
do Estado: o território, o povo e o governo. Assim, pode-se partir para uma conceituação de
território:
O conceito de território o deve ser confundido com o de espaço ou
de lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de
determinada área. Assim, deve-se ligar sempre a idéia de território à
idéia de poder, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer
ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por
grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas.
ANDRADE (1995, pág. 19).
A partir de tais considerações observa-se que a conceituação de território, sem sombra de
dúvidas, não está adstrita a um caráter estático, mas muito pelo contrário envolve a dinâmica
de uma série de elementos caracterizadores de seu processo de ocupação, dos quais decorrem
o maior ou menor poder do Estado, a partir do nível de integração dos partícipes do processo,
sejam eles empresas e/ou trabalhadores, que se transformam ao transcorrer do tempo.
50
Fazendo-se um breve parêntese, quanto à questão do Estado Nacional, em termos
contemporâneos, observa-se a contribuição de ESPÍNDOLA (2004), destacando que na sua
origem, o Estado via-se impregnado por um poder soberano e centralizado, apto a exercer o
monopólio da força em um determinado território e povo, no entanto, por força da
complexidade social e da pluralidade das sociedades democráticas, bem como devido ao
fenômeno da globalização e ao novo caráter dado às relações internacionais, questiona-se o
conceito da Soberania e a unidade nacional.
Desta forma, no contexto internacional, testemunha-se o estreitamento da colaboração
internacional, o surgimento de comunidades supranacionais e empresas multinacionais, o
avanço tecnológico e a ampliação dos meios de comunicação – responsáveis pela formação de
uma opinião pública mundial e pela imediatidade das informações. MENDEZ (2001),
discutindo a importância do território como determinante para um meio inovador, estabelece
uma série de elementos que inter-relacionados de forma sistêmica, ou de forma autônoma,
representariam uma determinada realidade:
Um substrato territorial, que mantém certo nível de homogeneidade interna e se
comporta como espaço de vida e trabalho;
Um conjunto de atores (empresários, instituições públicas, sindicatos, associações
privadas com fins diversos), com capacidade de decisão, que se identificam com este
espaço e são capazes de tomar decisões e abordar projetos de futuro;
Um conjunto de recursos materiais (infra-estrutura técnica, patrimônio urbano) e
imateriais (saber fazer, gerência cultural, coesão social), que são comuns e devem
identificar-se e valorizar-se.
Uma lógica de interação, pela qual se estabelecem relações entre os atores e existe
certa capacidade de chegarem a acordos;
Uma lógica de aprendizagem ou capacidade dos atores para modificar seu
comportamento ao longo do tempo, com o objetivo de adaptarem-se às transformações
em volta;
Pode-se avaliar que o nível de desenvolvimento territorial não está apenas adstrito a uma
variável-chave, como se poderia supor o nível de intervenção do Estado, mas a toda uma série
de condicionantes incidentes num certo período de tempo.
51
SANTOS & SILVEIRA (2004), entendem o território como extensão apropriada e
usada, num sentido mais amplo e como um nome político para o espaço de um país, num
sentido mais restrito. Considera-se como variáveis-chave na compreensão do território: os
movimentos da população; a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços; o
arcabouço normativo, incluídas as legislações civis, fiscais e financeiras que, em determinado
espaço de tempo, irão delinear a forma do território.
SANTOS & SILVEIRA (2004), classificam três grandes momentos que foram
construindo uma história dos usos no território nacional:
O meio natural: comandado pelas ações humanas de diversos grupos indígenas e pela
instalação dos europeus; um período pré-técnico, ou seja, com escassez de recursos
artificiais para a dominação da natureza;
O meio técnico: caracterizado pela mecanização seletiva de um verdadeiro conjunto de
“ilhas”, ou melhor, uma mecanização incompleta. Em seguida, com a possibilidade de
incorporação de máquinas ao território, tornar-se-ia mais fácil o processo de
urbanização, porém com uma significativa hegemonia paulista.
O meio técnico-científico-informacional: que, em um primeiro momento, seria
representado pelo avanço na área das telecomunicações e, logo em seguida, pelo
avanço nas áreas de informação e finanças; nesta fase, efetivamente, o meio técnico se
difunde, muito embora, agravam-se as diferenças regionais.
Destacando-se os elementos norteadores deste processo, observa-se no Brasil, o lento
processo de passagem do meio natural que aconteceu marcadamente, dos séculos XVI ao
XIX; o meio técnico predominante durante as décadas de 30 a 70 do século XX; e o meio
técnico-científico-informacional – vivenciado a partir da década de oitenta do século XX.
Como fatores também significativos, na caracterização do território nacional, é
importante frisar a diversidade regional não entrando no mérito das desigualdades sociais,
que obviamente são conseqüências de um processo anterior, diretamente relacionado ao uso
do território. Este esforço se faz necessário, na medida em que se observa que estes diferentes
componentes territoriais, como: imigrações, produção, troca, industrialização, e transporte,
direcionam-se para o território em estudo na presente pesquisa o Estado de Mato Grosso do
Sul, aflorado ainda pela questão das fronteiras com o território vizinho: o Paraguai.
52
Assim, poder-se-ia dizer que a ocupação territorial brasileira aponta para determinadas
nuances próprias, desde a sua gênese e que estas próprias peculiaridades, ao longo destes
vastos 500 anos de sua história, se mesclam, determinando novas configurações regionais,
com níveis de desenvolvimento bastante específicos.
Pode-se assim, exemplificar alguns processos marcantes no processo de ocupação
territorial, delimitando-os a partir do século XX, escolha feita em virtude de um processo mais
amplo de: industrialização, comercialização, disseminação dos meios de transporte
(ferroviário e depois rodoviário), urbanização, o que dariam especificidades próprias à questão
fundiária.
À medida que a população crescia e novos espaços iam sendo incorporados ao território
nacional, a questão fundiária ia ganhando contornos cada vez mais graves: o predomínio da
grande propriedade associado ao sistema de exploração de recursos naturais.
ANDRADE (1995) considera oito tipos de grandes propriedades no Brasil, sendo que,
em alguns casos, associa-se ao termo propriedade, a simples posse da terra.
1. Na Amazônia em virtude da descoberta do processo de vulcanização da borracha,
pelo mercado internacional, que passa a ser o grande demandante do produto e
conseqüentemente, gerando um processo migratório para a região em questão,
especialmente de nordestinos. Isso tem início em fins do séc. XIX, sendo arrastado ao
longo do séc. XX, com feições de “semi-escravismo”, tendo em vista a preponderância
do seringalista, em conseguir financiamento e apoio do Governo.
2. No Maranhão a entrada no circuito econômico internacional, através da criação da
Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, estimulando a grande lavoura de
arroz e algodão, destruindo grupos indígenas e levando grande quantidade de escravos
negros, por volta dos séculos XVIII e XIX, fez crescer o povoamento da região que,
porém, teve seu declínio em decorrência da lixiviação dos solos e da grande oscilação
dos preços dos produtos no mercado internacional, fazendo com que esta região
adentrasse o século XX, com uma ocupação territorial baseada na pecuária ultra-
extensiva, ou seja, caracterizadora de grandes propriedades.
53
3. No Nordeste semi-árido – ocorreu um processo de produção (gado e couro), voltado ao
abastecimento de outras áreas, produtoras de mercadorias para exportação (algodão),
principalmente a partir do século XVIII.
4. a região da Mata e do Recôncavo nordestinos esteve profundamente ligada ao
latifúndio, desde meados do século XVI, com a produção de cana-de-açúcar. Assim,
formou-se um grupo sólido, dando origem a uma oligarquia que atravessaria a colônia
e o império, controlando a posse da terra, chegando a esta condição até a segunda
metade do séc. XX, quando o território nordestino passa a fomentar um núcleo de
resistência e luta pela reforma agrária.
5. Na região de Minas e Goiás onde prevaleceu durante algum tempo a mineração,
houve a formação de um latifúndio voltado ao abastecimento do mercado interno, com
a produção de bovinos, suínos e, durante a Primeira República a consagração19 na
produção de leite, além, é claro, da grande riqueza mineral de Minas, que lhe permitiu
uma forte penetração do capitalismo industrial, inclusive estrangeiro, na produção de
ferro e cobre, delineando a formação de um contingente populacional expressivo.
6. Na região de São Paulo e Rio de Janeiro com o fim do tráfico negreiro e a abolição
da escravatura, além da explosão do café no mercado internacional, passaram a
representar, sem dúvida, o principal foco de convergência populacional, a partir de fins
do século XIX, criando uma configuração bastante interessante até a crise do café, na
década de trinta do século passado. Isto se deu, em virtude do grande fluxo migratório,
principalmente de italianos; começaram a delinear novas relações de trabalho, nesta
região, além de permitirem a permeabilidade entre fazendas de pequeno e grande porte.
7. No Mato Grosso a ocupação territorial teve como referencial a utilização dos rios da
bacia do Prata, pelo norte, por ocupantes que subiam os afluentes da margem direita do
Rio Amazonas, organizando seringais e castanhais e, pelo sul, por pecuaristas que
ocupavam campos do Pantanal e as florestas da Bacia do Paraná. As duas formas de
ocupação se faziam via latifúndio, sendo esta área integrada à economia brasileira,
após a construção da estrada de ferro que ligava Bauru a Corumbá.
19
Daí também a consagração da política café-com-leite, onde a dominação política era exercida pelos dois
estados mais ricos do país. São Paulo com a produção de café e Minas Gerais com a produção de leite.
ANDRADE (1995).
54
8. No Sul a porção ocidental foi ocupada, a partir do séc. XVII, pela pecuária, onde os
campos de criação eram continuados pelos territórios, inicialmente espanhóis, depois
argentinos e uruguaios. A porção oriental, caracterizada por grandes montanhas, teve a
ocupação feita por açorianos, introduzidos pelos portugueses no litoral, em meados do
séc. XVIII e alemães e italianos, no interior, em meados do séc. XIX e XX. Durante a
primeira república, com o intuito de garantir maior integração, intensificaram a
imigração, com a vinda de: russos, polacos, ucranianos, letos e lituanos, sendo que
aquela obedeceu a concessão de terras devolutas, caracterizando em todo o território
nacional, a maior concentração de pequenas propriedades.
A partir destas divisões, observa-se a forte preponderância do latifúndio em boa parte do
território nacional, sendo uma questão de destaque ao longo da primeira e da segunda
república, trazendo várias discussões, por parte de diferentes teóricos.
2.2 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DE FRONTEIRA
O avanço das comunicações ao longo das duas últimas décadas do séc. XX, foi, sem
dúvida, fator determinante para compreensão e rediscussão de antigos processos – como
caracterizar o território que compõe as fronteiras internacionais?
Não teríamos, a partir da revolução tecnológica no âmbito das comunicações e
teleinformática, o surgimento de um processo cada vez mais veloz de formação de redes
supranacionais, de comércio, finanças, serviços, cultura e outros mais elementos?
Em primeiro plano, faz-se necessário resgatar uma antiga discussão, existente nos
meios acadêmicos e ora elucidada por MACHADO (1998), sobre as diferenças entre os
conceitos de limites e fronteiras.
A palavra fronteira representa, etimologicamente, o que está na frente. Decorre de um
fenômeno da vida social, indicando “lugares de comunicação”. O sentido de fronteira era, não
de fim, mas do começo do Estado, o lugar para onde ele tenderia a se expandir. A palavra
limite, de origem latina, designa o fim daquilo que mantém a ligação interna de uma unidade
político-territorial. O moderno conceito de Estado, que tem como elemento constitutivo o
território, reforça esta idéia.
55
A fronteira está orientada “para fora” (forças centrífugas), enquanto os limites estão
orientados “para dentro” (forças centrípetas). De um lado a fronteira, que é considerada uma
fonte de perigo ou ameaça, porque pode desenvolver interesses distintos aos do governo
central; de outro, o limite jurídico do Estado, que é criado e mantido pelo governo central,
como uma abstração, distante das aspirações dos residentes da fronteira.
A fronteira expressa a capacidade de integração, uma zona de interpenetração mútua e de
constante transformação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas. O limite expressa
a capacidade de separar unidades políticas soberanas, e permanece como um obstáculo fixo,
não importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais.
Para elucidar melhor estas questões, faz-se uso, no presente tópico, da discussão sobre a
questão das fronteiras internacionais, que muito bem foi conceituada:
Se for certo que a determinação e defesa dos limites de uma possessão
ou de um Estado se encontram no domínio da alta política ou da alta
diplomacia, as fronteiras pertencem ao domínio dos povos. Enquanto
o limite jurídico do território é uma abstração, gerada e sustentada
pela ação institucional no sentido de controle efetivo do Estado
territorial, portanto, um instrumento de separação entre unidades
políticas soberanas, a fronteira é lugar de comunicação e troca. Os
povos podem se expandir para além do limite jurídico do Estado,
desafiar a lei territorial de cada Estado limítrofe e às vezes criar uma
situação de facto potencialmente conflituosa, obrigando a revisão dos
acordos diplomáticos. (MACHADO: 2000, pág. 09).
Assim, observa-se que este instigante assunto deve ser tratado com um nível de realidade
bastante próprio, dentro da discussão da presente pesquisa. O território de fronteira é assim
campo aberto à penetração de residentes de diferentes nações, como é o caso da região de
fronteira entre o Brasil e o Paraguai, onde se observa volta e meia, um livre fluxo de pessoas,
com finalidades distintas: paraguaios que vêm trabalhar do lado brasileiro; brasileiros que
possuem posses do lado paraguaio; além, é claro, dos brasiguaios frutos da miscigenação
destes dois povos e que encontram, na fronteira, sua identidade.
A fronteira teria, desta forma, uma finalidade atribuída pela história dos povos, de
delimitação de espaço entre dois países vizinhos, de onde poderiam resultar uma série de
56
Setores 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Extr. Mineral - - - - - - - - - - 18 10 - - - 2 1 - -
Ind. Transf. 489 613 521 429 442 208 171 255 313 568 501 589 559 264 204 260 248 273 346
Serv. Ind. UP 15 - 15 - 15 15 15 20 14 - 41 - - - 16 14 16 14 13
Constr. Civil 260 29 15 16 26 13 26 15 35 82 42 23 28 60 21 16 11 35 54
Comércio 1.245 1.583 1.492 1.438 1.461 1.381 1.338 1.310 1.310 1.400 1.355 1.374 1.224 1.197 1.233 1.761 1.816 1.626 1.863
Serviços 1.017 1.260 1.571 1.586 1.502 1.327 1.267 1.074 1.208 1.203 1.389 1.426 1.431 1.299 1.298 1.339 1.370 1.477 1.490
Adm. Pública 1.059 1.064 881 786 992 1.029 1.135 754 865 679 578 612 593 670 762 24 1.022 1.051 1.177
Agropecuária 1.749 1.394 513 494 609 1.475 1.250 1.456 1.492 1.877 1.877 1.355 1.323 1.419 1.259 1.301 1.198 1.205 1.289
Outros 1 3 47 179 196 318 433 488 609 212 4 2 3 - - - - - -
Total 5.835 5.946 5.055 4.928 5.243 5.766 5.635 5.372 5.846 6.021 5.805 5.391 5.161 4.909 4.793 4.717 5.682 5.681 6.232
Fonte: MTE (2005)
Elaborada pela autora, a partir dos dados extraídos da RAIS/CAGED, através do aplicativo PDET
relações comerciais, alfandegárias, que levariam a uma série de determinações jurídicas
20
, no
sentido de se estabelecer qual a legalidade das ações que se desenvolveriam nesta região ou,
em outras palavras, de quem era a prerrogativa estatal do domínio territorial.
Em se tratando das relações da fronteira Brasil-Paraguai, particularmente, tem-se que a
complementaridade entre uma região, tipicamente pobre, como o Paraguai, com uma região,
relativamente mais avançada, como o Mato Grosso do Sul, dão um caráter de intensivas
trocas, onde o Paraguai especializa-se em fornecer ao Brasil, produtos que aparentemente
saem mais em conta, enquanto o Brasil, oferece a esta população carente, condições melhores
de saúde, educação e fortuitamente, emprego.
Tabela 2.1 – Distribuição de emprego, por setores em Ponta Porã entre 1990 a 2003
A partir da observação dos dados da Tabela 2.1, observa-se que Ponta Porã, entre os
anos de 1990 a 2003, teve um nível de crescimento das ocupações relativamente estável, tendo
nos setores de Comércio, Serviços, Administração Pública e Agropecuária, os maiores
volumes de empregos gerados.
É importante destacar que os dados tabulados, fazem referência ao volume de emprego
formal criado nesta região, não sendo possível identificar o volume de atividades relacionadas
a entrada de paraguaios, que vem para o lado brasileiro em busca de emprego.
20
Na Idade Média européia um dos entraves à constituição do Estado como unidade econômica autônoma foi o
regime complexo e heterogêneo de pedágios estabelecidos pelos senhores da terra ou dos burgos. É o
desenvolvimento do capital mercantil e a necessidade de formar mercados unificados e “protegidos” que
finalmente assinalam o aparecimento do estado moderno. A renúncia dos Estados europeus ao controle sobre os
fluxos internos com o fim do regime de pedágios e passagens, e o deslocamento das barreiras fiscais para os
limites externos, favoreceram a delimitação do exercício das funções que hoje atribuímos ao estado territorial: as
funções de controle, legal, fiscal e militar (de defesa). RIBEIRO (2002).
57
País
Faixa de
Instrumento L egal
Argentina
Não tem
Constituição de 1994
Bolívia
50 Km
Constituição de 1997, reform ada
Brasil
150 K m
Constituição de 1988
Chile
Não tem
Constituição de 1980, reform ada
Colôm bia
Não específica
Constituição de 1991, reform ada
Equador
Não específica
Constituição de 1998
Guiana
Não tem
Constituição de 1980, reform ada
Guiana
-
-
Paraguai
Não tem
Constituição de 1992, alterada
Peru
50 Km
Constituição de 1993
Surinam e
Não tem
Constituição de 1987, reform ada
Uruguai
Não tem
Constituição de 1997
Venezuela
Não específica
Constituição de 1999
Fonte: Steiman (2002) - (*) sem dados
Trazendo os conceitos de fronteira para a realidade do território latino-americano,
observa-se que apenas cinco países, além do Brasil, dispõem de instrumento legal que
reconheça a zona de fronteira como um espaço específico, conforme se destaca no quadro 2.1.
Quadro 2.1 – Faixa de Fronteira na América do Sul
O território é algo com o qual se interage. É essa interação que define, tanto o limite
como a fronteira, e é ela que determina o sucesso ou fracasso de qualquer intento de controle
da condição de legalidade e ilegalidade, como coloca MACHADO (2000). Cabe ressaltar que,
no caso da lei paraguaia, até recentemente não havia previsão alguma sobre o limite da faixa
de fronteira, utilizável para a ocupação territorial de paraguaios ou migrantes. No entanto, a
partir da Lei 2.532, publicada em 24/02/2005, na “Gaceta Oficial de la Republica del
Paraguay”, ficam estabelecidas condições de uso do território a 50 Km da faixa de fronteira,
conforme preceitua seus arts. 1º e 2º:
Artículo 1º.- Se establece zona de seguridad fronteriza la franja de 50
kilómetros adyacente a las líneas de frontera terrestre y fluvial dentro
del territorio nacional.
Artículo 2º.- Salvo autorización por decreto del Poder Ejecutivo,
fundada en razones de interés público, como aquellas actividades que
generan ocupación de mano de obra en la zona de seguridad
58
fronteriza, los extranjeros oriundos de cualquiera de los países
limítrofes de la República o las personas jurídicas integradas
mayoritariamente por extranjeros oriundos de cualquiera de los
países limítrofes de la República, no podrán ser propietarios,
condóminos o usufructuarios de inmuebles rurales.
Além disso, é interessante que se observe o teor da Lei 2.535, publicada em 08/03/2005,
na “Gaceta de la Republica del Paraguay”, que em seu preâmbulo, estabelece:
Preocupados por la gravedad de los problemas y las amenazas que
plantea la corrupción para la estabilidad y seguridad de las
sociedades al socavar las instituciones y los valores de la democracia,
la ética y la justicia y al comprometer el desarrollo sostenible y el
imperio de la ley,
Preocupados también por los vínculos entre la corrupción y otras
formas de delincuencia, en particular la delincuencia organizada y la
delincuencia económica, incluido el blanqueo de dinero, Preocupados
asimismo por los casos de corrupción que entrañan vastas cantidades
de activos, los cuales pueden constituir una proporción importante de
los recursos de los Estados, y que amenazan la estabilidad política y
el desarrollo sostenible de esos Estados,
Convencidos de que la corrupción ha dejado de ser um problema
local para convertirse en un fenômeno transnacional que afecta a
todas las sociedades y economías, lo que hace esencial la cooperación
internacional para prevenirla y luchar contra ella,
Convencidos de que el enriquecimiento personal ilícito puede ser
particularmente nocivo para las instituciones democráticas, las
economías nacionales y el imperio de la ley,
Decididos a prevenir, detectar y disuadir con mayor eficácia las
transferencias internacionales de activos adquiridos ilícitamente y a
fortalecer la cooperación internacional para la recuperación de
activos,
59
A partir da leitura dos referidos textos, observa-se a mudança na atitude do governo
paraguaio, no sentido de estabelecer critérios mais rigorosos de controle aos fluxos diários de
pessoas, paraguaias ou não, com o intuito de realizarem as mais diferentes atividades, como:
compras, vendas, prestação de serviços, inclusive atividades ilícitas, como tráfico e
contrabando, o que, sem dúvida, vinha enfraquecendo a posição do governo frente a outros
países.
STEIMAN (2002), destaca ainda, que o estabelecimento das fronteiras políticas
internacionais fragmenta-se em três:
A delimitação, ou a fixação dos limites através de tratados internacionais;
A demarcação, ou a implantação física dos limites, por meio da construção de marcos
em pontos determinados;
A densificação ou caracterização, etapa na qual se realiza o aperfeiçoamento
sistemático da materialização da linha divisória, com o objetivo de torná-la cada vez
mais intervisível.
Uma breve retrospectiva sobre as leis referentes à faixa de fronteira no Brasil, mostram
claras as intenções dos governantes em diferentes situações históricas, conforme destaca
STEIMAN (2002). O quadro 2.2, que traz uma síntese sobre a legislação referente à fronteira,
mostra um cenário onde, inicialmente, se procurava delimitar territórios nacionais que
mantivessem o controle do governo sobre a faixa de fronteira, como mostram as leis até por
volta de 1946.
A partir de 1946, seguindo o mesmo quadro, observa-se a implantação de bases militares
na referida faixa de fronteira, o que denota a preocupação do governo federal, na época
Getúlio Vargas, em acompanhar o processo de exploração econômica e também a eventual
garantia contra qualquer disputa territorial.
60
Quadro 2.2 – Síntese da Legislação sobre Fronteira no Brasil
Legislação Finalidade
Lei nº 601, de 18 de
setembro de 1890.
Dispunha sobre terras devolutas, reservava uma faixa de 66 Km
(10 guas) ao longo dos limites do território nacional que
poderiam ser concedidas gratuitamente.
Constituição de 1934,
em seu artigo 166.
Delimitava uma faixa de 100 Km paralela às fronteiras brasileiras.
Dentro da faixa, nenhuma concessão de terras ou de vias de
comunicação poderia ser feita sem a audncia prévia do
Conselho Superior de Segurança Nacional.
Constituição de 1937,
em seu artigo 165.
Manteve
as
regras
de
concessão
e
utilização
da
terra,
bem
como
o
predomínio de brasileiros na exploração econômica, mas ampliou
a faixa de fronteira de 100 para 150 Km, largura que prevalece
a hoje.
Decreto-Lei nº 1164/39
Criou a Comiso Especial de Revisão da Conceso de Terras
pelos estados e munipios na faixa de fronteira
Decreto-Lei nº 1968/40
Determinaram a Comissão Especial realizar estudos e emitir
pareceres sobre instalações de empresas, implantações de vias de
comunicações e meios de transporte na referida faixa.
Constituição de 1946
Acrescentou a obrigatoriedade da nomeação dos prefeitos, pelos
governadores dos estados ou dos terririos, dos municípios que a
lei federal, mediante parecer do Conselho de Segurança Nacional,
declarar bases ou portos militares de excepcional importância
para a defesa externa do País.
Lei nº 2597/55
definiu as zonas indispensáveis à defesa nacional, mantendo entre
elas a faixa de fronteira de 150 Km como zona de segurança.
Além disso, estabeleceu, em seu artigo 3o, que a União deveria
aplicar nos municípios da faixa de fronteira, anualmente, no
nimo, 60% de sua arrecadação (da faixa).
Decreto-Lei nº 1094/70
Determinou
que
as
atribuões
da
Comissão
Especial
da
Faixa
de
Fronteira, previstas na Lei 2597/55 passam eno para a
competência da Secretaria Geral do Conselho de Segurança
Nacional
Constituição de 1988
A fronteira aparece em 5 artigos, sem, no entanto, haver alterão
significativa das normas já estabelecidas por lei.
Fonte: Steiman (2002)
Adpatado com as últimas mudanças nas legislações brasileiras.
Lei 10.466/2002
Dispõe
sobre
a
criação
do
Programa
Grande
Fronteira
do
Mercosul.
61
É interessante observar que, para o presente objeto de estudo, a transformação da
legislação sobre fronteiras terá um impacto significativo: é justamente a partir de meados de
1946, com a criação do território Federal de Ponta Porã, com a conseqüente entrada de
migrantes provenientes da região sul do país, que começa um insipiente processo de Reforma
Agrária, tendo como objetivo a ocupação territorial com a população nacional, transformando
a dinâmica estabelecida no sul de Mato Grosso até então.
Entre parênteses, Domingos José de Oliveira, historiador de origem de Ponta Porã, hoje
responsável pelo Museu da Erva-Mate, relata que após a Guerra da Tríplice Aliança (Guerra
do Paraguai, em 1870) e com a morte do Marechal Lopez, em Cerro Corá, celebrou-se um
acordo para a constituição dos Limites fronteiriços (Comissão Mista, 1872).
Tomáz Laranjeira e Ernesto Paiva, então caixeiros viajantes de um Armazém em Porto
Alegre propuseram-se a suprir com mantimentos a região em questão, durante a demarcação
de limites.
Com o fim da demarcação foram então chamados pelo patrão para o acerto de contas,
sendo que Tomáz Laranjeira recebeu como pagamento, três carretas, vindo para a região de
fronteira com mais três companheiros, dando início à exploração da Erva-Mate em terras
devolutas no Paraguai.
Em 1878, volta ao Brasil na região de Dominação de Julho, conhecida hoje como Aral
Moreira, onde se instalou para a exploração da Erva-Mate. Por volta de 1882, após várias
negociações com as autoridades governamentais, consegue a concessão de terras devolutas
para a exploração da erva, durante dez anos, numa área entre os rios Iguatemi e Amambaí, e
40 Km seguindo na faixa de fronteira (algo em torno de 30 a 40 mil hectares).
Porém, antes do término do período de concessão, outro pedido foi realizado, incluindo
novas extensões de terras, que iam do rio Dourados e Brilhante, até a Foz do Rio Ivinhema
(aproximadamente 100 Km
2
).
Em 1918 fundou a cidade de Campanário, primeira cidade do sul do Estado, hoje
pertencente ao Município de Caarapó.
A princípio, Tomáz Laranjeira era simplesmente um produtor individual de Erva-Mate,
mas, com o passar do tempo, começava a receber influências da família Murtinho, presidentes
62
do Banco Rio-São Paulo, primeiro banco criado no sul do Estado e também da família Mendez
Gonçalvez, industriais argentinos, que deram origem à constituição da Companhia Mate-
Laranjeira.
Esta Companhia tornou-se responsável não só pela exploração de Erva-Mate, como
também pela construção de estradas e o porto; o Porto de Murtinho foi criado com a finalidade
de transportar Erva-Mate.
Porém, com a criação do território Federal de Ponta Porã, por volta de 1943-46, durante
o governo de Getúlio Vargas e, com o intuito de ocupar a faixa de fronteira, a partir de um
processo insipiente de Reforma Agrária com a criação da Vila Vargas, a atividade de extração
da erva, começa a se enfraquecer.
Nestes termos, a Companhia Mate-Laranjeira, começa a perder parcela de seu território,
pois o Governo muda o sistema de concessão para um regime de arrendamento, onde a
população, que começava a ocupação territorial, não tinha o interesse precípuo na exploração
da erva, mas sim, na garantia de sua subsistência, o que segundo o historiador supracitado, deu
origem à oligarquia em nosso estado.
Este foi o processo que paulatinamente começava a enfraquecer a companhia Mate-
Laranjeira, mas que teve sua decadência com a crise de 1966, quando então a Argentina,
principal comprador de Erva-Mate começa, a criar barreiras a importação do produto.
Com base em tais considerações, observa-se que o processo de ocupação territorial no
sul do Estado de Mato Grosso teve como princípio a exploração da erva-mate, que se deu a
partir da utilização de mão-de-obra
21
do território vizinho (Paraguai) e que em meados da
década de quarenta do século passado, começou a receber influência do Governo Federal, a
partir do advento da Constituição Federal de 1946, delineando a relevância da ocupação na
fronteira.
21
Em sua maioria, os trabalhadores da Companhia eram paraguaios. O Paraguai tinha parte de sua economia
baseada na elaboração da erva-mate, e, ao findar o século XIX, a Industrial Paraguaia era a maior companhia de
mate do país. No início do século, a atividade ervateira foi implantada também no território de Misiones,
Argentina. No Brasil, o maior produtor de mate era o Paraná. Podemos, portanto, considerar toda a região platina
como tendo uma vasta tradição de trabalho na erva-mate (ECHEVERRIA, 1986).
63
Desta forma, com a decadência da Companhia
22
, a situação sócio-econômica que se
caracterizava basicamente pela extração vegetal, começa a configurar um retorno às antigas
relações de subsistência, enquanto a população entrante, proveniente, principalmente, dos
estados do sul, configuraria outros tipos de atividades produtivas.
Retomando a análise da tabela 2, quanto a Lei 2597/55, que trata da necessidade de
investimento por parte da União, nos municípios estabelecidos na faixa de fronteira, com um
montante de 60% de sua arrecadação, observa-se em linhas gerais, que pouco foi feito no
sentido de melhorar as condições de infra-estrutura, em particular no município de Ponta Porã,
tendo em vista que o mesmo não possui, até hoje, uma rede de saúde e de educação que
satisfaçam, até mesmo para atender à população migrante do Paraguai, que vem em busca
destes serviços.
o Decreto-Lei criado sob a égide do Regime Militar, apresentou obviamente traços de
significativa influência do Governo Federal na faixa de fronteira, em particular na região
Brasil-Paraguai, com o intuito da construção da Itaipu, o que denota o interesse na ocupação
fronteiriça, tendo em vista a consolidação da influência brasileira no Paraguai.
A Constituição de 1988 traz em seu bojo apenas cinco artigos referentes ao tema
fronteira, o que nada mais faz do que corroborar as leis até então alicerçadas.
No entanto, a partir da vigência da Lei 10.466/2002, que trata do Programa Grande
Fronteira do Mercosul, observa-se uma tentativa de avanço na ocupação territorial da
fronteira, com vistas à fixação do homem no campo (criação de assentamentos), criação de
parcerias entre o setor público e o privado (com vistas a investimentos), conforme preceitua
seu artigo 2º:
Art. 2
o
São objetivos do Programa Grande Fronteira do Mercosul:
I promover a fixação do homem no campo e desestimular o êxodo
rural, dotando os Municípios em que predomine população composta
22
A expectativa de que a atividade ervateira traria desenvolvimento imediato aos territórios fronteiriços do Mato
Grosso não se concretizou e, por muito tempo ainda, “essa fronteira teria seu desenvolvimento econômico
propriamente dito, retardatário, visto que uma de suas características principais, foi à sobrevivência de um
modelo tradicional e anacrônico de ocupação extensiva, e de exploração primitiva e predatória de seus recursos
naturais (CORRÊA, 1997, p. 27)”.
64
por pequenos e médios produtores rurais de centros de convivência
social;
II promover o fortalecimento da agricultura familiar pelo estímulo
ao cooperativismo e ao associativismo econômico;
III promover, mediante ações integradas das diferentes esferas de
governo, o desenvolvimento econômico e social da área de
abrangência, dotando-a das condições indispensáveis a sua inserção
no Mercado Comum do Sul e à competição internacional;
IV estabelecer modelos de desenvolvimento sustentável adequados
às características naturais, à vocação econômica e às potencialidades
de microrregiões homogêneas na área de abrangência;
V assegurar a aplicação de forma articulada de recursos públicos e
privados em áreas selecionadas para a criação de pólos de
desenvolvimento. (Fonte: Lei 10.466/02)
Então, em linhas gerais, após um longo processo de êxodo rural, pauperização,
migrações para o Paraguai, com vistas à garantia de subsistência, observa-se que finalmente o
governo Federal começa a sentir a relevância do desenvolvimento sócio-econômico para a
região fronteiriça, como se depreende da leitura do referido artigo.
Desta forma, trazendo a realidade territorial presente, observa-se uma dinâmica cada vez
mais veloz, de fluxos comerciais e alfandegários, e um questionamento cada vez maior por
parte dos Estados Nacionais, quanto à legalidade ou ilegalidade das operações que se realizam
num determinado território, em particular, um território de fronteira.
MACHADO (2000), identifica, na atualidade, a possibilidade de decomposição da
questão, em três componentes: institucional, conjuntural e estrutural.
a) Componente Institucional: seria o controle de limites e fronteiras, no âmbito das
instituições governamentais, através do exercício de soberania, por meio da segurança
e da diplomacia, que representariam a alta política. No Brasil, a implementação do
projeto SIVAM
23
demonstra um bom exemplo do avanço das relações institucionais na
fronteira.
23
O SIVAM apoiou-se numa concepção técnico-científico-informacional, prevendo a implantação de um sistema
informatizado de vigilância permanente e de controle do tráfego aéreo, inclusive do tráfego de baixa altitude,
65
b) Componente Conjuntural: o “deslizamento” da fronteira para dentro do território
nacional; além da criação de territórios “especiais”, caracterizaria formas alternativas
de regulação das fronteiras24. Ou seja, na esfera da baixa política, o Estado poderia
suspender total ou parcialmente a legislação nacional, como seguem os exemplos de
implementação de zonas de livre-comércio ou zonas francas, tendo como parâmetro o
princípio da extraterritorialidade.
c) Componente Estrutural: diz respeito ao uso dos princípios de legalidade/ilegalidade
dentro dos parâmetros políticos de um Estado Nacional, inserido numa economia
mundial, cada vez mais caracterizada por riscos. A distinção legal (o bem) e ilegal (o
mal) transformou-se numa "zona cinza", tanto no espaço global como nos espaços
nacionais, basta olhar para o comportamento e evolução do sistema financeiro mundial.
Os elementos citados servem como parâmetro para a elucidação do fenômeno em
questão: os aspectos determinantes das relações de fronteira entre o Brasil e o Paraguai.
2.3 ESPECIFICIDADES DO TERRITÓRIO DE ESTUDO
Observa-se que o território na atualidade é resgatado, não apenas como um dos
elementos constitutivos do Estado-Nacional, até porque ele tem extrapolado esta conceituação
à medida que possamos imaginar o processo de transnacionalização contínua do mesmo.
É a partir dessa realidade que encontramos, no território, hoje, novos
recortes, além da velha categoria região; e isso é um resultado da
nova construção do espaço e do novo funcionamento do território,
através daquilo que estou chamando de horizontalidades e
fundamentado em tecnologia de redes, satélites e radares, propostos pela Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE) e pelos Ministérios da Aeronáutica e da Justiça, em 1990, com o objetivo de romper com uma situação
extremamente defensiva do governo brasileiro frente às acusações internacionais de destruição do patrimônio
ecológico da Amazônia, que bloqueavam o financiamento externo para programas de desenvolvimento na região,
principalmente a construção de infra-estrutura. MACHADO (2000)
24
A fluidez das transações da faixa de fronteira beneficia a economia paralela dos países limítrofes. Caso
conhecido é de Ciudad del Este (Paraguai), vizinha a Foz de Iguaçu, onde comerciantes brasileiros procedentes
de inúmeros pontos do Brasil, de forma legal ou ilegal, compram mercadorias do outro lado da fronteira. Estes
produtos são vendidos em feiras populares nas cidades brasileiras, com preponderância dos entrepostos
paraguaios. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estimou em cerca de US$ 9 bilhões as importações
brasileiras via Paraguai sem pagamento de impostos (SANTOS, 1998).
66
verticalidades. As horizontalidades serão os domínios da
contigüidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma
continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas
por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e
processos sociais. SANTOS (1994).
Assim, muito embora existam várias especificidades sobre a ocupação no território
nacional, vale destacar o processo efetivo de ocupação na região do sul de Mato Grosso, em
particular dos municípios de fronteira, que obedecem a algumas ordens de fatores, como
salientado, mas que em termos analíticos, poderíamos sugerir a proximidade com o território
paraguaio, no qual se destaca:
A questão da terra;
A questão política;
Com o fim da Guerra, em 1870, instituiu-se no Paraguai, uma Constituição com traços
liberais, dando ao país abertura ao capital estrangeiro, concedendo-lhe a isenção de impostos e
o direito a possuir propriedades. Como demonstra a citação a seguir:
En el Paraguay la actual situación de la tierra en materia de
propriedad y tenencia reconoce su orígen en hechos ocurridos
después de la guerra de 1870, en la ideologia impuesta por los países
vencedores y especificamente en la venta de tierras públicas
producida con motivo de leyes dictadas durante los años 1883 y 1885.
Fue a raíz de esta indiscriminada venta que nacieron los grandes
latifundios del Paraguay que en su inmensa mayoria fueron parar a
manos de empresas extrangeras (GONZALEZ, 1964, p. 11).
Antes da guerra, o camponês paraguaio cultivava suas terras, respaldado em um regime
“quase feudal” que não lhe fornecia títulos ou outros documentos comprobatórios da
propriedade de pleno direito. Com o fim da guerra e o apogeu da legislação comentada acima,
a população rural simplesmente ficou a mercê do processo mercantilista, que se seguiu em
terras paraguaias, direcionando-se desta feita para as regiões vizinhas: terras de Mato Grosso,
da Argentina e do Uruguai.
... ciertas regiones del Brasil, representaban mejores opciones. Con la
enajenación de los yerbales y bosques se constituyen los latifundios de
67
las agro-indústrias ligadas al capital internacional y dedicadas a la
explotación de la yerba de los bosques, y del tanino (FOGEL, 1993, p.
8).
CORRÊA (1997), descreve a chegada dos paraguaios em Corumbá, como uma praga de
gafanhotos, uma calamidade, avalanche que desabou no meio da cidade. Aqueles que não
encontravam emprego na construção civil, nas lides do campo ou nas funções domésticas,
entregavam-se ao vício da embriaguez ou à prostituição.
O migrante paraguaio era acusado de indolência, rebeldia e propensão aos vícios. Essa
caracterização preconceituosa foi utilizada para justificar a exploração, que chegava às raias
da escravidão, pela classe detentora do poder, num sistema de produção, no qual eram
utilizados como braços para a lavoura e como contingente disponível e passível de
aproveitamento para as mais diversas atividades, até como braço armado nas lutas pela terra.
SOUZA (2001).
Ainda sobre os migrantes paraguaios recaia toda a responsabilidade pela violência
existente em Mato Grosso; eram também acusados dos freqüentes roubos de gado ocorridos
nas regiões de: Miranda, Nioaque, Bela Vista e Dourados, quando se encontravam assentados
em terras devolutas – em pequenos lotes nessas localidades; além de causarem impacto
ambiental negativo por meio de queimadas e desmatamentos.
A partir do período posterior à Guerra da Tríplice Aliança, temos também o histórico
problema da falta de democracia no país. A concepção primitiva da luta política, que concebia
a vitória somente pela eliminação física e econômica do adversário, aumentou a fila dos
migrantes.
Assim, desde o final do século XIX e durante todo o século XX, a democracia sempre
foi uma instituição muito frágil nas mãos da classe dirigente paraguaia, o que gerou sérios
problemas, incluindo aqueles referentes à posse da terra e outros de ordem política, quando a
opinião alheia não era levada em conta, havendo um histórico de eliminação sica de
adversários do regime e de prisões políticas abarrotadas, conforme preceitua. SOUZA (2001).
68
Após a Guerra do Chaco
25
, houve significativo crescimento do número de migrantes por
motivos políticos, formando, a partir de 1936, núcleos de população paraguaia na Argentina e
no Brasil, em razão dos problemas políticos vigentes no país.
Esclarecendo, duas questões fundamentais ocasionaram, e ocasionam, a migração
paraguaia: a falta de trabalho e de terras para o cultivo, e a fuga em decorrência de problemas
políticos.
26
Quanto à organização produtiva em terras paraguaias, vale destacar que ela sempre girou
em torno da subsistência da unidade familiar e comunitária, não sendo orientada para a
acumulação ou para a documentação da terra onde se plantava.
Na década de 1950, o Paraguai era um “país de homens sem terra e de terra sem
homens” (El Diário, Assunção, 28 nov. 1989, p. 16), o que revela sua baixa densidade
demográfica e o constante êxodo de seus habitantes.
Com o ditador Stroessner, houve o plano chamado “Segunda Reconstrução Nacional”,
que promoveu a criação de 204 colônias agrícolas destinadas a descongestionar a área urbana.
O plano foi recebido com grande aplauso pela população, no entanto, nasceu com um cio
original: sem créditos que lhe permitissem cultivar a terra e conseguir dinheiro para pagar os
lotes, como preceitua FOGEL (1993).
ALCARAZ (1983), coloca que a partir da década de 1970, leis favoráveis ao
investimento estrangeiro foram instituídas, como a lei n. 550, de 1975, chamada de “lei de
fomento de las inversiones” e que estabelecia, dentre outras prerrogativas:
A liberação total dos impostos e demais taxas sobre as operações de câmbio que
proviessem da incorporação de capitais;
25
Guerra na qual o Paraguai enfrentou a Bolívia (1932-1935) e que foi estimulada por companhias petrolíferas
transnacionais rivais do grupo das Sete Irmãs. O Paraguai venceu a Bolívia, mas perdeu 50 mil homens nos
campos de batalha (Enciclopédia do Mundo Contemporâneo, 2000, p. 461).
26
Ao responder à pergunta: Por qué vine a Argentina?, los inmigrantes paraguayos reflejam las causas que los
motivan a dejar su patria, y pueden sintetizarse en las siguientes: el problema de la tenencia y utilización de la
tierra; la falta de fuentes de trabajo; la marginalidad y la explotación socio-económica de los sectores pobres (
campesinos y obreros) en favor del sector rico minoritario; las amenazas y represión política; la violación de los
derechos humanos, y la carencia de garantía para desarrollar una vida digna” (Equipo Pastoral Paraguaya en
Argentina – EPPA, p. 1).
69
A liberação total dos encargos de câmbio e depósitos prévios sobre as importações de
capital;
A redução de 50% do imposto de renda por um período de cinco anos;
A liberação das taxas aduaneiras adicionais e complementares;
A liberação total dos impostos que incidiam sobre a constituição de empresas,
contratos de sociedades e inscrição no registro público de comércio e demais registros
nacionais e a emissão e transferência de ações.
Assim, tal lei transferiu poupança externa para o país, mas em contrapartida, provocou a
fuga de muitas pessoas que tiveram suas terras vendidas a estrangeiros. Em alguns casos, as
terras eram conseguidas à força; houve na época o registro da morte de famílias inteiras,
conforme aponta SOUZA (2001).
En efecto, entre los saldos más terribles de la Dictadura de
Stroessner, figura la fractura de nuestra sociedad debido a la salida
forzosa de miles y miles de compatriotas (se dice que llega a un millón
e medio), que debimos abandonar el país para salvar la vida, o
buscar el sustento y la libertad. Durante tres décadas se puede
afirmar que Paraguay fue una carcel que por mucho tiempo,
permaneció ignorada para la opinión pública mundial y que todos
esos compatriotas, más allá de nuestras fronteras constituímos y lo
seguimos constituyendo, un país exiliado... (Organismo Multisectorial
y pluralista en el exilio, 1990, p. 1)
A situação da migração paraguaia no Brasil, também segundo HEIKEL & BAHR
(1992), era a seguinte:
En Brasil, aún cuando sus propios datos censales no permiten
comparaciones directas com Argentina, se han podido contabilizar
20.025 paraguayos residiendo en 1970 y 17.560 en 1980, mostrando
una tendencia a disminuir que se mantiene hasta 1990 (1992, p. 6).
Em conseqüência das disparidades apresentadas, às migrações se intensificaram e outros
países aumentaram a recepção de migrantes paraguaios a partir de meados da década de
setenta do século XX, sendo o caso dos Estados Unidos e do Canadá, conforme nos mostra o
artigo do Correio Semanal, de Assunção in SOUZA (2001):
70
Aún cuando Paraguay siga siendo caracterizado como país de
expulsión migratoria es impossible desconocer el cambio en el saldo
migratorio entre los años 70 y 80. En efecto, mientras las tasas de
emigración, a los principales países, se mantiene alrededor del 11% y
10% respectivamente, los datos censales muestran que la proporción
de inmigrantes se incrementó de 3.6% en 1972 a 5.9% em 1982. Este
cambio en el balance migratorio se debe tanto al aumento del flujo de
inmigrantes desde los países limítrofes como a los nuevos
movimientos que recibe Paraguay a partir de la segunda mitad de la
década del 70 y que se intensifican a partir de los años 80 y al retorno
de paraguayos residentes en la Argentina (2 mar. 2000, p. 14).
The New York Times (20 fev. 1988) estampou a seguinte notícia: O povo sai e os
dólares chegam. Conforme comenta SOUZA (2001), o artigo referia-se à cidade de
Caraguatay, cuja população não conhecia a capital do Paraguai e falava usualmente o guarani,
mas quase todos tinham um parente em Nova York ou em outra cidade dos Estados Unidos.
Destacam-se também as construções e reformas de casas e igrejas, o que era possível,
graças aos dólares vindos do exterior.
Conforme aponta MIRANDA (1992), os migrantes paraguaios
27
enfrentam, como um de
seus maiores problemas, o baixo nível de escolaridade, pois os dados do censo de 1982
mostram que 40% dos paraguaios nativos não possuíam mais que três anos de escolaridade.
Sendo que os que chegavam ao Brasil, 43% do total de migrantes detinham menos de quatro
anos de estudos aprovados, havendo um número menor deles com estudos secundários
completos. as mulheres, apresentavam nível de escolaridade inferior ao dos homens, sendo
também mais jovens que os migrantes do sexo masculino. Além disso, os brasileiros que se
mudam para o Paraguai detêm menor grau de escolaridade que os paraguaios vindos para o
Brasil.
27
Conforme esclarece SOUZA (2001) a pouca valorização atribuída ao migrante paraguaio é um flagrante
desrespeito a qualquer norma internacional e humana, o que leva muitos deles a se esconderem, uma vez que não
possuem documentos paraguaios, por não estarem em seu território de origem; o que, por sua vez, não lhes é
permitido o ingresso legal nos países de acolhimento, permanecendo, conseqüentemente, na clandestinidade,
sendo explorados por empregadores cônscios de sua lastimável situação; vivem em condições precárias, além de
uma constante insegurança quanto à possibilidade de deportação.
71
Assim, a migração paraguaia destaca-se pela desorganização, uma vez que não houve, ou
projetos do país de origem, nem do receptor; a manutenção de um fluxo constante e
intenso; a persistência dos migrantes, pois, apesar dos problemas dos países de acolhimento,
eles se mantêm firmes em seu intento; e a dispersão, podendo-se encontrar migrantes
paraguaios em todas as partes do mundo; isto se explica, uma vez que, o migrante paraguaio
que vem do campo, normalmente é criador de gado ou agricultor, sem muita cultura,
habituado a uma vida no campo.
SOUZA (2001), destaca que a dependência mato-grossense gerou uma ligação intensa
com o Paraguai, do qual recebeu significativa influência, transformando a fronteira, além de
espaço de trocas comerciais, em local de intercâmbio cultural, onde foram incorporados
costumes, crenças, culinária, vestimentas e também a língua, todos fatores de identidade de
uma determinada nação, o que pode ser observado também do lado brasileiro.
Desta forma, o território em questão, antes de mero componente do Estado-Nacional
brasileiro, carrega consigo toda uma trajetória de migrações, ora no sentido Paraguai-Brasil,
ora no sentido inverso Brasil-Paraguai, o que acaba por dar total sentido às palavras de
SANTOS (1994):
Afirma-se, ainda mais, a dialética no território e, ousaria dizer, a
dialética do território já que usado o território é humano, podendo,
desse modo, comportar uma dialética. Essa dialética se afirma
mediante um controle "local" da parcela "técnica" da produção e um
controle remoto da parcela política da produção. A parcela técnica
da produção permite que as cidades locais ou regionais tenham um
certo controle sobre a porção de território que as rodeia.
De outro lado, vale destacar a forma de ocupação brasileira em terras paraguaias, onde se
observa, de certo modo, a influência da erva-mate no processo de ocupação territorial.
No Paraná, ao longo do século XIX, desenvolve-se uma política de exportação do mate
pelos ervateiros e a instalação da indústria da madeira incluindo-se um plano de colonização
com imigrantes estrangeiros para atender o mercado interno. Ao longo do século XX
intensificou-se a presença de cafeicultores paulistas e mineiros na colonização paranaense.
72
A partir da década de cinqüenta do séc. XX, quando predominava a pequena propriedade
voltada ao café ao norte, e cereais no sudoeste e no oeste, observou-se um processo de
ocupação cada vez mais intenso, caracterizando a prática de grilagem de terras, mediante a
usurpação de títulos dos posseiros, e conivência do próprio Governador do Estado
28
.
Durante a década de sessenta o processo de concentração de terras obedeceu às regras do
autoritarismo: a desestruturação rural foi marcante com a introdução de uma política
modernizadora, sendo as pequenas propriedades com áreas entre 10 a 15 hectares e até
menores, incorporadas a empresários ou subordinadas a estes.
Com isso, a modernização da agricultura paranaense e a expansão do cultivo da soja e
trigo trouxeram sérios problemas sociais e econômicos para o Estado, em decorrência da
desestruturação dos pequenos proprietários e dos trabalhadores rurais que viviam da cultura
cafeeira.
BATISTA (1990), destaca que, concomitante a modernização, houve a expansão da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao rural, o que impossibilitava aos pequenos
proprietários manterem os empregados tendo em vista os elevados custos sociais da legislação
em vigor, o que os transformariam em bóias-frias.
A partir da década de setenta, com a política integracionista no Brasil, estabeleceram-se
áreas pioneiras que precisavam ser rapidamente ocupadas, visando transformar o país num
forte exportador de produtos agropecuários e agrícolas.
Com o crescimento dos investimentos estrangeiros em grandes áreas com atividades
agroindustriais crescentes, o censo de 1970 registrou que cerca de 1.007.167 habitantes foram
expropriados das terras no Brasil, o que os levou a atravessar a fronteira com a América do Sul
– de aproximadamente 15.700 quilômetros, vindo a ocupar áreas na Argentina, no Uruguai, no
Paraguai, na Bolívia e na Venezuela, na tentativa de conseguirem terra para trabalhar.
Dito de outro modo: a solução foi ocupar terras paraguaias. A partir dos constantes
conflitos na fronteira do Paraná com o Paraguai, a próxima investida foi atravessar a fronteira
e ocupar as terras de Porto Salsa, no Paraguai.Com a construção da Usina Hidrelétrica de
28
Moisés Lupion no poder de 1946 a 1950 permitiu a desordem nos negócios de terras, pois isso beneficiava sua
empresa. A partir de 1951, através da CITLA (Companhia Clevelândia Industrial e Territorial LTDA) o governo
avançou nas terras dos pequenos proprietários, desprezando todos os seus direitos. Tal situação se intensifica a
partir do retorno de Lupion em 1956, desta vez apoiado por JK.
73
Itaipu, foram novamente desapropriados, recebendo, desta vez, em troca, qualquer quantia,
visto que, vivendo em outro país, não possuíam nenhum direito legal sobre as terras que
ocupavam, consolidando a população brasileira em terras paraguaias
29
.
Desta forma, com o intenso fluxo para terras paraguaias, até o momento em que a
própria agricultura paraguaia começou a se modernizar, significou a mestiçagem da população
que mais tarde regressaria ao Brasil: os brasiguaios.
Com a colonização na fronteira foi fundado o município de Mundo Novo, (MS) que se
situa exatamente na divisa com o Paraná e na fronteira com o Paraguai.
Porém, com as oscilações típicas das lavouras, os brasiguaios sofreram vários anos com
o baixo rendimento de sua produção e seu elevado custo, terminando por vender suas
propriedades para empresas mecanizadas, que começariam a modernizar a agricultura no
Paraguai, transformando as famílias em assalariados, meeiros, arrendatários e até bóias-frias.
Sintetizando: os dois fluxos migratórios a partir da década de oitenta do séc. XX,
sofreram com o aprofundamento da modernização agrícola: as duas correntes migratórias
foram “empurradas” para o território sul-mato-grossense, vindo a caracterizar um processo
cada vez mais amplo de “dialética territorial”: o Estado de Mato Grosso do Sul um dos
estados mais concentradores de terra do país, começava a aglutinar paulatinamente um
contingente de trabalhadores rurais sem terra, provenientes, ora do Paraguai, ora do Paraná,
mas, sem dúvida, territorialmente dispostos a ocuparem as terras de Mato Grosso do Sul.
29
Dois momentos marcaram a ocupação brasileira em terras paraguaias nesta fase: de 1950 a 1969
principalmente devido às vantagens com relação aos preços das terras e à fertilidade do solo; de 1970 a 1979
devido principalmente à modernização da agricultura brasileira e os incentivos do cultivo de soja que estava com
excelente cotação no mercado internacional.
74
3 A AGRICULTURA FAMILIAR, O AGRONEGÓCIO E A GERAÇÃO DE RENDAS:
A IMPORTÂNCIA DO ASSENTAMENTO RURAL DORCELINA FOLADOR.
3.1 O ASSENTAMENTO RURAL NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E
DO AGRONEGÓCIO
Um dos temas mais explorados na economia nacional é, sem dúvida, o Agronegócio. Em
certa parte decorrente de um processo lento, inserido em um contexto histórico, onde se
observa a gênese das Vantagens Comparativas no Brasil, com a exportação de matérias-
primas.
Mas daquela fase incipiente, por volta dos séculos XVIII, XIX e boa parte do século XX,
observam-se mudanças estruturais na relação de produção de matérias-primas, chegando-se ao
século XXI, dentro de uma perspectiva voltada à compreensão da agregação cada vez maior
de valor ao produto, distanciando cada vez mais, a produção de matérias-primas, do produto
final, proveniente do “rural”.
As atividades econômicas mais importantes que iniciaram a formação econômica do
Brasil são de origem rural, como a extração do pau-brasil, produção de cana-de-açúcar, a
cultura do café, fontes de geração de excedentes de produção, exportações e de divisas.
Em particular, a expansão do setor cafeeiro, entre 1890 e 1930, segundo TEDESCO
(2001), deu início ao estabelecimento das atividades industriais voltadas ao mercado interno,
como as primeiras agroindústrias de óleos vegetais, açúcar e álcool; a indústria têxtil
alcançava o espaço de grande indústria nacional.
No entanto, até 1930, a evolução da economia brasileira ainda se ajustava
significativamente aos fatos econômicos da economia mundial. É, a partir de então, que uma
nova estrutura com significativo fortalecimento, começou a abranger as faixas de produção de
bens de consumo duráveis, intermediários e de capital. Com isso, houve a necessidade da
integração dos mercados nacionais de alimentos, de trabalho e de matérias-primas,
culminando com a implementação do setor industrial produtor de bens de capital e insumos
básicos.
75
Participação Relativa
do Agronegócio no
PIB
I Montante
II
Prodão
Rural
III Jusante
Produção
Agroindustrial
1.504 22,11
Distribuição
Final
1.813 26,64
52,76
100100
Fonte: Tedesco (2001)
Produto Interno Bruto
513 7,54
2.975
3.317
6.805
12.899
100
Agregados do
Agronegócio
Valor Percentual
Valor Total do
Agronegócio
43,72
48,74
Participação Relativa
do Agronegócio no
PIB
I Montante
II
Produção
Rural
III Jusante
Produção
Agroindustrial
3.772 29,62
Distribuição
Final
3.126 24,55
38,97
100
Fonte: Tedesco (2001)
100
11,8
34,02
54,17
100
Valor do Agronecio
Produto Interno Bruto
1.503
4.333
6.898
12.734
32.673
Agregados do
Agronegócio
Total Percentual
Tabela 3.1 – O agronegócio brasileiro de 1959 a custo de fatores (US$ milhões)
para se ter uma idéia, o agronegócio brasileiro de 1959, seguindo a Tabela 3.1,
chegou a responder por 52,76% do PIB brasileiro, ou seja, vendia-se aos consumidores um
total de US$ 6.805 milhões de produção, dos quais, os produtores de insumos (montante)
recebiam US$ 513 milhões (7,54% do total); os produtores rurais, US$ 2.975 milhões (43,72%
do total) e os que armazenavam, processavam e distribuíam a produção rural (jusante)
recebiam US$ 3.317 milhões (48,74%) do total.
Tabela 3.2 – O agronegócio brasileiro de 1970 a custo de fatores (US$ milhões)
76
Participação do
Agronegócio no PIB
I
Montante
II
Produção
Rural
III
Jusante
Produção
Agroindustrial
16.784 21,8
Distribuição
Final
24.573 31,91
36,27
212.309 100
100
Fonte: Tedesco (2001)
18
28,28
53,71
100
Valor Total do
Agronecio
Produto Interno Bruto
13.860
21.778
41.356
76.994
Agregados do
Agronegócio
Total Percentual
Avançando-se no tempo, a partir da Tabela 3.2, em 1970, o agronegócio brasileiro
vendia um total de US$ 12.734 milhões de produção, dos quais US$ 1.503 milhões (ou
11,80%) eram compra de insumos ou gastos em custeio, feitos pelos agricultores (montante);
US$ 4.333 milhões (ou 34,02%) eram a renda ou valor adicionado, gerado pelos agricultores
(produção rural).
Os produtores rurais neste contexto gastaram US$ 1.503 milhão em insumos e
agregaram valor na ordem de US$ 4.333 milhões, como remuneração dos fatores de produção
terra (renda da terra, aluguéis), mão-de-obra (salário e pagamento dos autônomos familiares) e
capital (juros e lucros), além de impostos indiretos líquidos.
Tabela 3.3 – O agronegócio brasileiro de 1980 a custo de fatores (US$ milhões)
Pode-se dizer, já na década de 80, conforme dados da Tabela 3.3, o país contava com um
agronegócio que vendia aos consumidores US$ 76.994 milhões, assim distribuídos: US$
13.860 milhões (ou 18%) representavam o valor das compras de insumos dos produtores rurais
junto ao montante; US$ 21.778 milhões (ou 28,28%) eram a produção dos produtores rurais;
US$ 41.356 milhões (ou 53,71%) eram a produção dos setores que fazem parte do jusante do
agronegócio.
77
Participação do
Agronegócio no PIB
I
Montante
II
Produção
Rural
III
Jusante
Produção
Agroindustrial
34.328 18,29
Distribuição
Final
62.639 33,37
31,58
100
17,3
31,04
51,66
32.471
58.267
96.968
187.706
Valor do Agronecio
Produto Interno Bruto
Fonte: Tedesco (2001)
100
100594.391
Agregados do
Agronegócio
Total Percentual
Participação Relativa do
Agronegócio no PIB
I
Montante
II
Produção
Rural
III
Jusante
Produção
Agroindustrial
28.636 20,89
Distribuição
Final
52.147 38,04
34,74
100
100
100
Fonte: Tedesco (2001)
80.783
33.157
23.138 16,88
24,19
58,93
Valor do Agronegócio
Produto Interno Bruto
394.562
137.077
Agregados do
Agronegócio
Total Percentual
Tabela 3.4 – O agronegócio brasileiro de 1990 a custo de fatores (US$ milhões)
Conforme dados da Tabela 3.4, no ano de 1990, o país contava com um agronegócio que
vendia aos consumidores US$ 137.077 milhões, assim distribuídos: US$ 23.138 milhões (ou
16,88%) representavam o valor das compras de insumos dos produtores rurais junto ao
montante; US$ 33.157 milhões (ou 24,19%) corresponderiam à produção dos produtores
rurais; US$ 80.783 milhões (ou 58,93%) eram a produção dos setores que fazem parte do
jusante do agronegócio.
Tabela 3.5 – O agronegócio brasileiro de 1995 a custo de fatores (US$ milhões)
78
A partir dos dados da tabela 3.5, em 1995, o país contava com um agronegócio que
vendia aos consumidores US$ 187.706 milhões, assim distribuído: US$ 32.471 milhões (ou
17,30%) representavam o valor das compras de insumos dos produtores rurais junto ao
montante; US$ 58.267 milhões (ou 31,04%) eram a produção dos produtores rurais; US$
96.968 milhões (ou 51,66%) eram a produção dos setores que fazem parte do jusante do
agronegócio.
Os produtores rurais neste contexto gastaram US$ 32.471 milhões em insumos e
agregaram valor na ordem de US$ 58.267 milhões, como remuneração dos fatores de
produção terra (renda da terra, aluguéis), mão-de-obra (salário e pagamento dos autônomos
familiares) e capital (juros e lucros), além de impostos indiretos líquidos.
A partir da análise destas diversas tabelas, que tratam da questão da expansão do
Agronegócio no Brasil, observa-se que a valorização da grande indústria, principalmente os
setores mais intensamente desenvolvidos, foram amplamente beneficiados nesse processo.
Retomando o argumento levantado no capítulo 2, da presente pesquisa, onde se discutiu
a questão da expansão territorial nacional, observa-se que, à medida que o agronegócio foi
capaz de receber uma série de elementos tecnológicos, que foram década a década,
distanciando o produtor rural – responsável pela produção de matéria-prima, do produtor final
– responsável pela maior agregação de valor ao produto, tem-se uma relação territorial
bastante interessante.
Ao longo de décadas, a estrutura produtiva brasileira concentrou o grande centro
dinamizador da indústria, na região Centro-Sul, abarcando os estados do Sudeste e do Sul do
País. Ao restante, estados como o Mato Grosso do Sul, restou a reprodução territorial sob a
forma da grande estrutura latifundiária, aparentemente, desconexa dos setores industriais.
Porém, com a retração econômica vivenciada no Brasil, ao longo da década de oitenta
(conforme discutido no capítulo 1, desta pesquisa), os setores tradicionalmente responsáveis
pela alavancagem do setor externo nacional, foram chamados a participar mais
intensivamente. Este processo foi responsável por um aumento da concentração das terras,
intensificação tecnológica e, conseqüentemente, redução gradativa da ocupação no campo.
Restringindo-se ao estado de Mato Grosso do Sul, observa-se três décadas de
transformações territoriais:
79
Década de 80: quando a expansão territorial, proveniente da ocupação por migrantes
do sul e sudeste, marcou a modernização tecnológica e a dinamização da produção da
soja e de bovinos;
Década de 90: quando a expansão territorial, demonstrava marcas de desgaste, pois
parcela crescente da população migrante que não se inseria no contexto da grande
estrutura latifundiária, começa sua inserção nos grandes complexos agroindustriais, ao
mesmo tempo, em que as culturas de subsistência perdiam espaço;
Século XXI: desde o início do atual século, observa-se a tendência crescente quanto à
discussão da retomada da agricultura familiar, como forma de geração de emprego e
renda; ao mesmo tempo, o grande latifúndio tenta estabelecer conexões com a
agricultura familiar.
A renda dos agricultores familiares tende a diminuir sempre mais em relação aos outros
agregados do agronegócio, não por causa da propensão à concentração das indústrias da
jusante e da montante, mas também, como afirma TEDESCO (2001), por causa da
especialização no trabalho e pela baixa rentabilidade do capital, na atividade rural.
Caracterizando-se o tema Agricultura Familiar, tem-se que levar em consideração a
sua grande importância em países como o Brasil e talvez, e principalmente, em um país como
o Paraguai.
No entanto, para que não se caia no risco de definições desapropriadas, necessário se faz
um resgate de alguns requisitos para a caracterização do referido tema. TEDESCO (2001),
aponta os seguintes critérios:
Do ponto de vista empresarial: diz respeito a uma empresa que se identifica com uma
família há pelo menos duas gerações, sendo essa ligação de influência recíproca.
Do ponto de vista do crédito rural: o Manual de Crédito Rural (1997) preceitua que a
agricultura familiar, para fins de financiamento no Programa Nacional de Agricultura
Familiar (PRONAF):
a) a renda bruta familiar anual prevista não pode ultrapassar a R$
27.500,00 (vinte sete mil e quinhentos reais), com rebate de 50% para
atividades de agricultura, piscicultura, suinocultura e sericicultura,
80
sendo que a renda deverá, em 80%, ser proveniente da exploração
agrícola;
b) a propriedade não pode ter mais do que quatro módulos fiscais;
c) deve-se manter na propriedade, no ximo, dois empregados
permanentes, admitida a ajuda de terceiros, diante da necessidade
sazonal que a atividade exigir.
Do ponto de vista da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação) e INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no ano
de 1996, definiram três pontos de referência: a gerência da propriedade rural é feita
pela família; o trabalho, em sua maior parte, é desempenhado pela família; os fatores
de produção pertencem à família, com exceção cabível a terra, sendo passíveis de
sucessão em caso de falecimento ou aposentadoria dos gerentes.
Do ponto de vista do Estatuto da Terra (lei 4.504/64): a propriedade familiar constitui-
se de imóvel explorado pelo agricultor e sua família direta e pessoalmente, absorvendo
toda a força de trabalho, dando-lhes garantia de subsistência, progresso social e
econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, com
eventual ajuda de terceiros.
Tentando esmiuçar um pouco melhor o que positiva a lei, a FAO e o INCRA (1996),
delimitam em quatro fatores o universo da agricultura familiar:
a) a direção dos trabalhos exercida pelo produtor;
b) não foram realizadas despesas com serviços de empreitada;
c) sem empregados permanentes e com número médio de empregados
temporários menor ou igual a quatro com um empregado permanente
e número médio de empregados temporários menor ou igual a três;
d) com área total menor ou igual a quinhentos hectares para as
regiões Sul e Sudeste e mil hectares para as demais regiões.
Tais considerações se fazem necessárias devido à importância que o tema Agricultura
Familiar merece, diante da diversidade que apresenta em relação à típica empresa capitalista,
tendo em vista o peso que o trabalho familiar desempenha em seu processo produtivo,
destacando-se a questão da subsistência, progressão social e econômica da família.
81
Além disso, duas questões devem ser destacadas, quando se refere ao tema Agricultura
Familiar em Assentamentos Rurais. Em primeiro plano, a necessidade de se verificar a política
agrária implementada em nível federal; em segundo plano, a discussão sobre as possibilidades
de desenvolvimento dos assentamentos de produtores rurais surgidos recentemente e sua
sustentabilidade.
Esta discussão se deve ao fato de que a comunidade inserida no assentamento deve
desenvolver, desde o início, a capacidade de trabalhar de maneira integrada e participativa,
implementando o desenvolvimento endógeno, através da correta interpretação das
perspectivas, tanto dentro do contexto produtivo, como quanto à possibilidade de inserção
social.
GRAZIANO DA SILVA (1978), enfocando a questão da propriedade da terra, dentro de
um sistema capitalista pouco evoluído preceitua que a tendência do capital penetrar na
agricultura e transformá-la, significa que o preço dos produtos agrícolas deverão pressionar o
preço de produção, tendo em vista que parte do valor deverá ser retido pelo proprietário da
terra sob a forma de renda fundiária.
A partir disso, o preço das matérias-primas e dos alimentos será mais elevado do que
seria numa situação em que não houvesse o monopólio da propriedade fundiária, pois ele terá
que incluir, além do preço de produção, a renda da terra.
O maior preço dos alimentos resulta num aumento do custo de reprodução da força de
trabalho e, juntamente com o maior preço das matérias-primas, dificulta a acumulação de
capital. Desta forma, a contradição entre o capital e a propriedade fundiária, aumenta,
colocando-se a abolição desta como alternativa.
Assim, necessário se faz destacar que a estrutura de produção agrária, assim como a
estrutura de produção industrial, atravessa um processo de concentração, que de maneira
mais complexa e mais lenta. SANTOS (2000) de um lado coloca que, em virtude da
incorporação de pequenos lotes de terra a uma “empresa maior. De outro lado, às
transformações técnicas na agricultura, através da utilização de fertilizantes, defensivos,
maquinaria, irrigação, drenagem e a própria divisão do trabalho, trazendo à produção agrária
um significativo aumento de produção e produtividade.
82
No entanto, para grande parte da sociedade brasileira, o segundo processo não é ainda
regra, ou seja, os ganhos proporcionados pela produção agrária, perpassam necessariamente, a
intensa utilização da terra, diga-se de passagem, em caráter extensivo. Desta forma, a
distribuição da propriedade torna-se elemento determinante para caracterização deste sistema
agrícola.
Para melhor compreender esta questão, é importante que se diferencie “Reforma
Agrária” e “Assentamentos Rurais”, tendo em vista que, muitas vezes, são utilizados com o
mesmo significado.
Para MEDEIROS (1994), a reforma agrária relaciona-se a reforma fundiária, ou seja,
modificar a estrutura do campo, torná-la mais equânime. o assentamento rural, diria
respeito às ações práticas que se iniciariam com a seleção dos beneficiários da reforma agrária,
e se encerrariam no momento em que eles tomassem posse do lote de terra a eles destinado.
Sendo assim, o conceito de assentamento se expandiu ao longo do tempo, para incluir
toda a série de medidas necessárias à fixação e transformação dos novos proprietários de
terras, em efetivos produtores rurais.
MEDEIROS (1994), preceitua que o desempenho do processo de reforma agrária
depende, sobremaneira, da eficácia das ações que se desenvolvam em torno dos processos de
assentamento, destacando os seguintes princípios:
Racionalidade: programar e utilizar os recursos materiais, humanos e financeiros com
adequação e parcimônia, a fim de maximizar seus usos.
Objetividade: respeitar as indicações da realidade, ou seja, todos os agentes envolvidos
beneficiários e instituições, devem orientar suas ações baseados nas condições
objetivas do país, da comunidade assentada e das unidades produtivas.
Participação: a soma dos esforços institucionais, associados aos interesses e desejos
dos parceleiros, deve orientar a construção da unidade comunitária do assentamento.
Quanto às fases do Projeto de Assentamento, segundo a mesma autora:
Obtenção de recursos: aquisição de áreas, com a identificação e seleção de
beneficiários, a obtenção e adesão de instituições de ação complementar, com
disponibilidade de recursos materiais, financeiros e humanos.
83
Constituição do projeto e conhecimento dos recursos: os beneficiários e suas famílias
são instalados na área e, paralelamente, se faz à revisão das condições do projeto,
como a capacidade de uso do solo, bem como as condições de saúde, educação e
preparo para as atividades do projeto dos parceleiros e sua família.
Esta última etapa, segundo MEDEIROS (1994), não deve ultrapassar os seis meses, que
logo em seguida serão acompanhados por:
Habilitação de recursos: entre seis e dezoito meses de existência do assentamento, com
a implementação de algumas obras de infra-estrutura, como: estradas, armazéns,
mecanismos de provisionamento de bens de produção e de consumo.
Consolidação do assentamento: entre dezoito e sessenta meses, o projeto buscaauto-
suficiência, com a estruturação de suas bases produtivas e a consolidação da infra-
estrutura básica requerida.
Administração: progressivamente, todas as tarefas e decisões seriam assumidas pelos
assentados, mediante formas associativas que elegessem, como exemplos a associação
comunitária ou a cooperativa.
Pode-se assim compreender que o assentamento não se conclui com o acesso do
trabalhador à terra. Salvadas as devidas proporções em que estes procedimentos venham a se
desenvolver, é importante destacar que, se a noção de assentamento envolve a fixação do
homem na terra, não se pode desvincular disso o provimento das condições para torná-la
produtiva
Em uma sociedade capitalista, a satisfação das necessidades individuais requer o acesso
aos recursos monetários que permitem o pagamento pelo direito de uso ou consumo de
qualquer mercadoria. Neste caso, a renda torna-se fator decisivo para garantia do indivíduo ao
consumo e a sua reprodução social.
O desenvolvimento social recente revela características muito distintas dos anos setenta,
quando os estudiosos da pobreza rural buscavam entender como os pobres do campo se
inseririam no processo de modernização agrícola ou quais as suas perspectivas de reprodução
social fora deste setor, como trabalhadores da indústria. Atualmente, como preceitua
SCHNEIDER & FIALHO (2000), o estudo da pobreza rural passou também a se relacionar
84
com outros problemas como o desemprego crescente nos setores urbano-industriais, com a
pressão demográfica sobre as grandes cidades, com a violência urbana.
Amenizar a pobreza no meio rural passou a ser uma medida social de “quase-
confinamento” ou retenção do problema no seu local de origem; ou seja, a estratégia continua
a ser a de manter os pobres no campo (em décadas passadas falava-se em fixar o homem no
campo”), como se fosse possível estancar a sangria demográfica que vem alimentando o
inchaço populacional dos grandes centros urbanos.
Os territórios rurais são heterogêneos; cada território encerra uma diversidade de atores e
de interesses. Como preceitua SEPÚLVEDA (2003), é fundamental que os investimentos
públicos não se esgotem no investimento de caráter econômico. O investimento social é
decisivo para que se alcance melhores condições de vida da população. O acesso aos serviços
públicos básicos é condição para que o desenvolvimento se converta em um valor tangível
para as populações pobres.
Observa-se que a universalização do acesso à educação, à saúde, ao saneamento, à
moradia digna, à energia elétrica, à comunicação, ao transporte, aos direitos humanos, à
proteção à criança e ao idoso, ao trabalho são direitos que exigem investimentos públicos e
privados, o empenho da sociedade e o estímulo das políticas públicas.
Para serem eficazes, as estratégias de desenvolvimento devem incorporar, não somente
dimensões tecnológicas, mas, principalmente, questões sociais e econômicas. Somente
políticas e ações baseadas em tais estratégias podem fazer frente aos fatores estruturais e
sócio-econômicos que determinam a crise agrícola-ambiental e a miséria rural que ainda
existem no mundo em desenvolvimento.
COSTA & PIRES (2003), argumentando sobre a realidade dos assentamentos em Ponta
Porã, destacam a participação dos assentados nas fases iniciais do processo, como na escolha
do local para acampar, através da indicação dos grupos sociais a que estão ligados, a
demarcação da terra desapropriada, a instalação e a construção das casas, percebe-se a
solidariedade e realização de tarefas comuns.
No entanto, destacam que ao se elaborar o Projeto de Desenvolvimento para o
Assentamento começa o distanciamento dos assentados, pois a associação deveria estar
elaborando este projeto de acordo com os agentes locais e verificando suas potencialidades e
85
desejos; entretanto, desviando-se deste projeto ela se envolve politicamente, deixando de lado
os interesses dos seus associados, e começa a fazer o jogo político, visando apenas ao interesse
pessoal de seu dirigente.
Para estes autores, pela falta de vontade da associação em oportunizar o
desenvolvimento do assentamento, é que a grande maioria dos assentados presta serviços nas
fazendas vizinhas aos assentamentos para a subsistência das famílias. Contudo, destacam-se,
também, a clara falta de vontade dos Órgãos Oficiais, em realmente estar oferecerendo uma
assistência adequada, tem-se evidenciado na liberação dos recursos na época adequada para o
plantio, criando verdadeiras condições para o real desenvolvimento dos assentamentos.
Dentre os pontos de destaque na pesquisa dos referidos autores, diz respeito à articulação
dos assentados, tendo em vista suas diferentes origens. Os costumes e as tradições irão
influenciar na busca de uma alternativa que envolva toda a comunidade.
Neste particular, o papel das lideranças da comunidade é de suma importância no
trabalho de aparar as arestas, como articulador do processo de desenvolvimento dos
assentamentos e como ator coadjuvante.
O papel das lideranças, neste sentido, seria o de convencer os Órgãos políticos das
instâncias municipal, estadual e federal, sobre a importância desta forma de assentamentos
humanos como base para a produção nacional e que tenham uma visão econômica das frentes
de trabalho compostas por pequenos agricultores rurais.
No caso do assentamento “Dorcelina Folador”, pode-se observar a partir das visitas ao
assentamento aspectos que não se distanciam muito dos fatos acima relatados. Assim, observa-
se a forte presença de um traço integrador”, que é a origem fronteiriça da população, mas ao
mesmo tempo “desagregador”, pelo instinto individualista prevalecente entre as famílias, o
que dificulta, sobremaneira, a tomada de decisões em caráter coletivo, tendo em vista
benefícios comuns, como exemplo, a implementação de refrigeradores de leite e,
subseqüentemente, a construção de uma brica de derivados do leite, como se observa em
outros assentamentos do Estado.
86
3.2 A GERAÇÃO DE RENDAS, OS VAZIOS DEMOGRÁFICOS E A POBREZA RURAL
EM MATO GROSSO DO SUL.
Em uma sociedade capitalista, a satisfação das necessidades individuais passa,
sobremaneira, pelo acesso aos recursos monetários que permitem o pagamento pelo direito de
uso ou consumo de qualquer mercadoria. Neste sentido SCHNEIDER (2003), aponta que o
acesso à renda se constitui em fator decisivo para o indivíduo usufruir bens e serviços e, com
isso, garantir a sua reprodução social. Os estudiosos da pobreza fazem amplo uso dos
indicadores de renda para medir as condições dos membros de uma sociedade em satisfazer
suas necessidades básicas e, a partir daí, apontar as discrepâncias no acesso aos recursos que
existem entre indivíduos, grupos ou classes.
A pobreza tem sido descrita como um fenômeno complexo, de significados
multivariados para pessoas, instituições ou países, que pode ser identificada através de
indicadores de renda, saúde, habitação, educação, entre outros, segundo CORRÊA (1997).
Além disto, pode ser entendida como uma situação de carência de condições para satisfazer as
necessidades básicas (basic needs), capazes de permitir ao indivíduo ou a sua família recursos
para Supri-las.
ROCHA (2000), mostra que a desigualdade na distribuição da renda nacional vem se
ampliando nos últimos anos em função do esgotamento dos efeitos distributivos do Plano Real
e da desvalorização da moeda nacional (janeiro de 1999); em 1999 a pobreza brasileira
aumentou em 3,1 milhões de pessoas, considerando-se pobres aqueles indivíduos que não
conseguem satisfazer suas necessidades básicas; em 1998, 33,4% da população brasileira vivia
na pobreza sendo que, em 1999, este percentual passou para 35%, o que significa que 57,2
milhões de pessoas viviam sem condições de alimentar-se, vestir-se e garantir o acesso
satisfatório à saúde e à educação.
Na análise do território em questão, ou seja, a fronteira entre Mato Grosso do Sul e
Paraguai, pode-se perfeitamente apontar que o empobrecimento da população rural esteve
relacionado ao próprio processo de desenvolvimento agrícola, que teve alterado seu padrão
87
técnico-produtivo a partir de meados dos anos setenta e oitenta, quando teve início à chamada
modernização da agricultura
30
.
A pobreza rural revelada em Mato Grosso do Sul, na região fronteiriça com o Paraguai,
revela traços bem distintos de outros territórios dentro do Estado, ou mesmo do país. A partir
da expansão político-econômica vivenciada pelo estado de Mato Grosso do Sul, em fins da
década de setenta e, principalmente, ao longo dos anos oitenta, busca-se compreender que o
processo de concentração e reconcentração das terras, ao mesmo tempo em que recebe apoio
de políticas públicas, sob a forma de financiamento, também se mostra responsável pela
urgência da intervenção pública de caráter social MASI (2001).
Os pobres do campo, no caso específico da região fronteiriça de Mato Grosso do Sul,
não dispõem da mesma margem de inserção dentro da dinâmica industrial capitalista, como se
pensava em meados da década de setenta. Ao contrário, reforçam a relação com a terra, com a
cultura de subsistência, o baixo nível educacional, o que consequentemente reforça a pressão
destes grupos por serviços do estado GALEANO (2001).
No caso dos fronteiriços “brasiguaios”, é bastante notória a busca pelos serviços de
saúde e de educação do outro lado da fronteira. No Brasil, especificamente nos municípios de
fronteira, como Ponta Porã, Amambaí, Porto Murtinho e Mundo Novo, a pressão por maior
quantidade de leitos hospitalares e vagas nas escolas municipais é crescente.
A partir disso, a conexão da pobreza rural, com a reforma agrária, está se tornando uma
preocupação para o desempregado urbano das metrópoles (que não deseja mais candidatos às
escassas vagas), para a classe média impressionada com o aumento da violência nas cidades e
mesmo para os sem-terra do campo (que não podem mais migrar para as áreas de fronteira
agrícola e tampouco dividir os miúdos lotes familiares, quando estes existem). Para
SCHINEIDER (2000), talvez seja por estas razões que o combate à pobreza e à miséria rural
estejam sensibilizando várias categorias sociais e, com isso, alcançando legitimidade política.
O problema da desigualdade e da exclusão das populações rurais mais vulneráveis, é de
natureza estrutural e não representa uma novidade. O fato de a pobreza rural estar retornado à
30
No Brasil, o termo faz referência à implementação dos princípios da Revolução Verde, ao longo das últimas
décadas, onde os sistemas produtivos agrícolas sofreram transformações importantes, com ganhos de
produtividade via incorporação de novos fatores de produção, como o uso de sementes melhoradas, adubos
químicos, agrotóxicos e maquinaria agrícola.
88
agenda social e política nos anos recentes, tem a ver com o fracasso do ideário da
modernização produtivista da agricultura, disseminado nos anos setenta, e com o acirramento
dos protestos e das reivindicações sociais contestatórias a este modelo tecnológico, que
emergiram a partir de meados dos anos oitenta, vindo a produzir transformações de caráter
territorial, produtivo e ocupacional, nos anos noventa, arrastando-se até o presente século
GALEANO (2001).
Desta forma, a redução da pobreza rural também está associada à mudança da estrutura
social e econômica que a produz. Na década de 1970, as migrações eram uma das principais
alternativas que se apresentavam aos pobres do campo, para escapar da exclusão social.
O massivo êxodo rural, ocorrido nas regiões Sul e Nordeste, foi estimulado pelas
próprias possibilidades de acesso aos empregos urbanos, que então eram criados pelo setor
industrial e de serviços em expansão.
Os elementos relacionados à pobreza rural, ao longo das décadas de oitenta e noventa,
vieram a pressionar o grupo social em estudo composto de brasiguaios, em torno da questão
da distribuição das terras, da assistência a ser oferecida pelo Estado, via políticas públicas de
assentamento rural e produção sob regime de agricultura familiar.
Neste sentido surge o conflito social. Ele é parte das relações sociais e de poder. Deve
ser considerado, não como um fato social, mas, um fato-sendo-feito e, por isso, aberto às
circunstâncias do lugar e do tempo em que ocorre LEMTO (2005).
Ele é a manifestação concreta dos antagonismos de grupos e classes e por meio dele se
evidencia a experiência concreta de construção de sujeitos sociais, onde se configuram a
construção de identidades coletivas, de motivações e interesses compartilhados, estratégias de
luta, assim como formas de organização e manifestação.
Segundo relatório do LEMTO (2005), os tipos de manifestações são as formas pelas
quais os conflitos efetivamente se concretizam. Uma manifestação é a concretização da ação
desencadeada por um protagonista, é o conflito enquanto ato. A manifestação é o conflito
stricto sensu. São as manifestações que permitem uma expressão espacial desses grupos
sociais diante da sociedade.
89
Nesse sentido, a manifestação é, de certa forma, o ápice da ação dos protagonistas.
Existe todo um complexo e múltiplo processo de constituição do próprio protagonista (seus
valores, sua identidade coletiva, visão de mundo), na identificação dos seus inimigos e aliados,
na construção de um imaginário social.
Pode-se compreender que, é a partir das manifestações, que os protagonistas tentam
ocupar um espaço na arena política, enfim no espaço público, para se colocar como um sujeito
ativo da construção do dever social.
Segundo o mesmo grupo de pesquisa, todo o processo de articulação que vai, desde a
propagação ideológica, até a forma como esses protagonistas irão mobilizar e organizar uma
quantidade necessária de pessoas para uma atuação dentro das estratégias traçadas será levado
em consideração quando nos remetermos à forma como os diferentes atores
sociais/protagonistas se manifestam no espaço LEMTO (2005).
Conforme Figura 3.1, a questão dos conflitos no campo vem envolvendo número
crescente de famílias. No ano de 2004, foram registrados 1.543 conflitos, envolvendo uma
média de 1,9 milhão de pessoas, sendo 49 mil, o número de pessoas, expulsas pela pistolagem
e por ameaças de particulares.
O Estado de Mato Grosso do Sul apresenta um número de conflitos altíssimo (índice de
4,3), pois de acordo com a legenda, um índice onde o número de conflitos está acima de 4 é
considerado alto, com o envolvimento de famílias bastante alto (índice de 2,5) e um número
de famílias expulsas por pistoleiros ou particulares, também altíssimo (índice de 4,4),
colocando o Estado em lugar no ranking da violência no campo e o lugar no ranking da
concentração de terras, com 91,7%.
90
Figura 3.1 – Mapa dos conflitos Agrários no Brasil e em Mato Grosso do Sul
Fonte: Jornal o Globo (2005), com base no estudo do LEMTO (2005)
91
D i s c r i m i n a ç ã o V a l o r R$
Valor Total da Terra Nua (VTN) 897.182,58
Valor Médio da Terra Nua (VTN) 669,6
Valor Total das Benfeitorias 136.644,67
Valor Médio das Benfeitorias 101,98
Valor Total do Imóvel 1.033.827,25
Valor Médio do Imóvel/há 771,58
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
D i s c r i m i n a ç ã o V a l o r R$
Valor Total da Terra Nua (VTN) 933.176,50
Valor Médio da Terra Nua (VTN) 671,35
Valor Total das Benfeitorias 167.709,19
Valor Médio das Benfeitorias 120,65
Valor Total do Imóvel 1.100.885,69
Valor Médio do Imóvel/há 792
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
3.3 DORCELINA FOLADOR
31
: CONSIDERAÇÕES SOBRE A AGRICULTURA
FAMILIAR DE MATO GROSSO DO SUL NA REGIÃO DE FRONTEIRA
O assentamento rural “Dorcelina Folador”, criado em julho de 2001, é constituído de 06
glebas da Fazenda Santa Virgínia, sendo as fazendas: Entre Rios, Ita, Noroeste, Rabão,
Siriema e Tucano, totalizando 8.011,8556 ha. tendo sido adquiridas a partir do seguinte
detalhamento:
Quadro 3.1 - FAZENDA ENTRE RIOS
Quadro 3.2 - FAZENDA ITA
31
A denominação aprovada em assembléia foi em homenagem a DORCELINA FOLADOR “Companheira de
luta”, ex-assentada nos anos 1988 e 1989, eleita Prefeita do Município de Mundo Novo pelo Partido do
Trabalhadores (PT) e assassinada em 30 de outubro de 1999.
92
D i s c r i m i n a ç ã o V a l o r R$
Valor Total da Terra Nua (VTN) 886.771,54
Valor Médio da Terra Nua (VTN) 666,96
Valor Total das Benfeitorias 212.229,73
Valor Médio das Benfeitorias 159,62
Valor Total do Imóvel 1.099.001,27
Valor Médio do Imóvel/hectares 826,58
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
D i s c r i m i n a ç ã o V a l o r R$
Valor Total da Terra Nua (VTN) 929.679,05
Valor Médio da Terra Nua (VTN) 670,48
Valor Total das Benfeitorias 258.091,60
Valor Médio das Benfeitorias 186,13
Valor Total do Imóvel 1.187.770,65
Valor Médio do Imóvel/há 856,61
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
D i s c r i m i n a ç ã o V a l o r R$
Valor Total da Terra Nua (VTN) 852.319,65
Valor Médio da Terra Nua (VTN) 663,82
Valor Total das Benfeitorias 218.971,07
Valor Médio das Benfeitorias 170,54
Valor Total do Imóvel 1.071.290,72
Valor Médio do Ivel/ 834,36
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
D i s c r i m i n a ç ã o V a l o r R$
Valor Total da Terra Nua (VTN) 933.263,30
Valor Médio da Terra Nua (VTN) 672,23
Valor Total das Benfeitorias 193.182,90
Valor Médio das Benfeitorias 139,15
Valor Total do Imóvel 1.126.446,20
Valor Médio do Imóvel/há 811,38
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
Quadro 3.3 - FAZENDA NOROESTE
Quadro 3.4 - FAZENDA RABÃO
Quadro 3.5 - FAZENDA SIRIEMA
Quadro 3.6 - FAZENDA TUCANO
93
Foram gastos, com o processo de aquisição das Fazendas R$ 6.619.221,78 (seis milhões,
seiscentos e dezenove mil, duzentos e vinte e um reais e setenta e oito centavos), tendo em
vista o assentamento de 30 famílias de Ponta Porã, 166 famílias de Itaquiraí, 60 famílias de
Naviraí e ainda, 12 famílias removidas do Assentamento Tamarineiro de Corumbá e dois
funcionários, totalizando 270 famílias, ficando 44 excedentes.
Localizado na Fazenda Santa Virgínia, região Sudoeste do Estado de Mato Grosso do
Sul, mais precisamente na microrregião de Dourados, porém fazendo parte do Município de
Ponta Porã, Zona de fronteira Internacional com a República do Paraguai.
A partir da cidade de Ponta Porã, via MS - 164, em direção à Fazenda Itamarati – km 26
– Itaum à direita, chega-se ao Projeto de Assentamento DORCELINA FOLADOR. Ponta Porã
está ao Sul e a 340 km de Campo Grande – capital do Estado de Mato Grosso do Sul.
Com base em dados coletados na Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado de
Mato Grosso do Sul SDA/MS, PDA (2001) foi possível traçar um panorama geral sobre as
condições do assentamento em questão.
3.3.1 Aspectos gerais do assentamento Dorcelina Folador
Com relação ao clima da região onde se localiza o assentamento, caracteriza-se como
úmido, subtropical do Sul de Mato grosso do Sul.
A umidade relativa do ar oscila de 40% a 60%. Precipitação anual varia entre 1.750 a
2.000 mm anuais, com excedente hídrico de 1.200 a 1.400mm durante 07 a 08 meses e
deficiência hídrica de 200 a 350mm, durante 03 meses.
A temperatura média anual é de 20ºC a 22ºC nos meses mais quentes e 16,5 a 17,5 nos
meses frios. A dia das mínimas é de 16ºC, enquanto que a dia das máximas anuais é de
29ºC. Porém, cabe ressaltar que ocorrem temperaturas mínimas absolutas, próximas a 0ºC,
com conseqüente ocorrência de GEADAS. Segundo informações prestadas por técnicos da
EMBRAPA de Dourados, a região apresenta clima preferencial para as culturas de: soja,
feijão, mandioca, trigo, aveia e outras de ciclo anual. Particularmente no caso do milho, pode
ocorrer problema relacionado à disponibilidade de água, em períodos de estiagem.
94
Os solos são predominantemente constituídos, na sua grande maioria, de Latossolo Roxo
álico de textura argilosa (65%); cambissolo Distórfico com textura dia (+ ou menos 15%).
Ainda com uma ocorrência de solos Podzólicos vermelho – escuro textura média (+ ou menos
20%).
Em geral (+ ou menos 80%) destes solos apresentam baixa reserva de nutrientes;
restringindo sua utilização para muitas culturas.
Em resumo: são solos que apresentam elevada acidez, baixa disponibilidade de fósforo e
presença de alumínio (elemento tóxico para à maioria das plantas). Por apresentarem textura
de argilosa a muito argilosa, necessitam elevadas quantidades de calcário. Pesquisas com
objetivo de ampliar alternativas de explorações, denotam, principalmente, fruticultura e/ou
produtos olerícolas. Para que se proceda à correta correção do solo e futura construção desta
fertilidade, será realizada 270 amostragens (01/lote). Sabe-se que a necessidade de calcário
(ton/hectares) nesta região está em torno de 4,0 ton/hectares.
O assentamento pertence à sub-bacia do Rio Ivinhema, cujo afluente, o Rio Dourados
recebe todos os córregos presentes no assentamento em tela e são eles: ao Sul o Córrego Itá
e ao Norte – o Córrego São Domingos.
Internamente o assentamento, apresenta em torno de 25 nascentes, dos quais 10
desembocam no Rio São Domingos e 15 no Rio Itá, ambos afluentes do Rio São João, por sua
vez, afluente do Rio Dourados. O curso destas águas é de baixa sinuosidade e pouco
encaixados; o que possibilitam um grande aproveitamento deste recurso.
Em algumas áreas existe o risco relacionado com assoreamento decorrente do manejo
inadequado das pastagens/solo.
O assentamento “Dorcelina Folador” apresenta em sua área, aproximadamente (+ ou
menos 65%) gramíneas, cultivada por brachiárias decumbes e humidícolas, com forte ação
antrópica; porém, observa-se em áreas isoladas e/ou em sua área de Reserva legal e Área de
Preservação Permanente, espécies vegetais como: Peroba Rosa (Aspidosperma polyneuron),
Ipês (Tabebuia spp), Angico preto (Anadenanthera colubrina), Cedro (Cedrela fissilis), Erva-
mate (Ilex paraguariensis); algumas frutíferas como: Pequi (Caryocar brasiliense), Araticun
(Annona crassiflora), Guaviras ou gabiroba (Compomanesia cambessedeasa), Limão bravo
(Ximenia americana), o que evidência adversidade vegetal. Desde formações florestais
95
Semidecidual, Savana Arbórea Densa, Savana Parque e Savana Gramíneo Lenhosa, com
formação vegetal estritamente campestre.
Algumas áreas são destinadas a culturas permanentes, como: Erva-mate, fruticultura e/ou
pomares, Eucaliptos e outras espécies.
Estas ocorrências indicam-nos a riqueza de flora e fauna, colocadas em risco pelas
interferências humanas, nas últimas décadas.
Aproximadamente (35%) do assentamento nota-se formação de fisionomia campestre,
entremeada de plantas lenhosas, anãs e retorcidas, sem cobertura arbórea, exceto nas faixas
das florestas-de-galeria, nos vales (depressões). Essa vegetação caracteriza-se por apresentar
extrato graminoso com algumas formas subarbustivas, destacando-se espécies dos gêneros
Paspalum, Digitaria, Paricum, além de Cyperaceae, Eriocaulaceae e Xiridaceae. Essas
formações se relacionam ao parâmetro ecológico inibidor ou regulador do solo, ou seja, com
baixa fertilidade, onde o alumínio pode aparecer, como um elemento inibidor preponderante.
Do ponto de vista da produção, estão estruturados 20 grupos (Núcleos de Produção),
com média de 13 famílias/núcleo e orientados por uma Direção coletiva; cada grupo elege um
coordenador e suplente de acordo com os interesses e/ou assunto, sendo então formados as
equipes: Saúde, Educação, Produção, Alimentação, Liturgia, Comunicação, Esporte/lazer,
Gênero, Finanças, e outras, conforme demanda. Cada equipe possuí um representante de cada
Núcleo de Produção.
A mão de obra familiar emprega-se no sistema de produção dentro do próprio lote e
ainda, através de troca dos DSH (dia de serviço homem) excedentes, entre os próprios
parceleiros, quer seja por produtos e mesmo por compensação a outros DSHs. Existe também
a prestação de serviços a fazendeiros da região, entretanto sem haver vínculo empregatício,
sendo que costumeiramente o sistema de pagamento tem sido o de troca de DSH (fornecidos
pelos assentados) por horas de máquinas e implementos (contrapartida dos fazendeiros),
salientando que este sistema poderá viabilizar boa parte da implantação das lavouras de
culturas anuais.
96
Quadro 3.7 – Perfil da população no Assentamento Rural Dorcelina Folador
FAIXA ETÁRIA MASCULINO FEMININO TOTAL
Recém nascidos a 06
anos
76 92 168
07 anos a15 anos 128 124 252
16-21 anos 70 39 109
22-65 anos 255 219 474
Acima de 65 anos 4 3 7
TOTAL 533 477 1.010
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural
De modo geral, pode-se afirmar que para a implantação de sistemas de produção dotados
de tecnologias atualizadas e que proporcionem maiores rendimento/unidade, deverão passar
por programas de treinamento, com vistas a ampliar suas habilidades e conhecimentos,
direcionados para as atividades produtivas geradoras de renda, como demonstra a tabela
abaixo:
Quadro 3.8 – Descrição das Habilidades da População do Assentamento Rural Dorcelina
Folador
DESCRIÇÃO DAS HABILIDADES Nr. Pessoas
- Operador de maquina/serviços de mecanização em geral – 20% 54
- Preparo de derivados de leite: Queijo/manteiga – 70% 189
- Serviços de: ordenha e manejo de rebanho – 70% 189
- Serviços braçais: capina, plantio etc... – 90% 243
- Serviços de pulverização manual – 70% 189
- Conhecimento sico de técnicas agropecuárias/ + ou menos 20% 50
- Habilidade gerencial da propriedade rural 80
- Serviços braçais em geral- 540
TOTAL DE LOTES PESQUISADAS 270
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
Quanto às condições de Educação, o assentamento dispõe de 03 salas de aulas para 1
ª
à
4
ª
série, que funcionam nos períodos matutino e vespertino, em barracão de madeira com
telhas de amianto, totalmente inadequadas. aos alunos de 5
a
a 8
a
séries, é oferecido
transporte escolar até a cidade de Ponta Porã (25 km).
97
Em instrução
1a./8a.série
06 a 14 anos 420 21 207
Maiores de 14 anos 590 118 68
TOTAL 1.010 139 275
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina Folador
Faixa etária Nr. pessoas Analfabetos
Quadro 3.9 – Perfil das Pessoas em Idade Escolar no Assentamento Dorcelina Folador
A administração das Escolas, no que se refere à destinação de professores, treinamento
destes professores, acompanhamento pedagógico, adequação de currículo à realidade local,
transporte e merenda escolar dos estabelecimentos de ensino interno do assentamento, é de
responsabilidade do Município de Ponta Porã, não havendo, até o momento, nenhuma ação
prática, relacionada a cursos técnico-profissionalizantes.
Com relação ao atendimento médico, observa-se a participação de prefeitura com
cronograma mensal de atendimento por médico e equipe, realizado através Secretaria
Municipal de Saúde. As pessoas com graves problemas de saúde são levados para a cidade de
Ponta Porã e/ou cidades vizinhas.
O sistema de transportes de linha regular (2x/dia) de ônibus coletivo é feito através da
Empresa Viação Fronteira, no itinerário entre Ponta Porã, Cabeceira do Rio Apa, passando por
Antônio João, na MS-270 e MS-164, tendo em vista a grande freqüência de visitas feitas pelos
assentados ao Paraguai, para a aquisição de produtos do outro lado da fronteira.
Este aspecto, no decorrer das entrevistas com alguns assentados, mostrou-se bastante
recorrente, até pelo fato de que no assentamento Dorcelina Folador, cerca de 67% da
população total é de origem “brasiguaia”, o que reforça o intercâmbio.
Os meios de comunicação acessíveis aos assentados são: Rádio com estações
transmissoras de Dourados e Ponta Porã; Televisão que uma vez equipada com antena
parabólica, permite a sintonia de diversas retransmissoras. Os serviços de telefonia são feitos
por aparelhos celulares ou pelo aparelho público situado a uma distância média de 10 km.
98
Famílias
Crédito R$
(A)
(B)
Crédito Habitação Gov. Federal
270
2.500,00
675.000,00
Crédito para fomento Gov. Federal
270
1.000,00
270.000,00
Crédito para alimentação Gov.
270
400,00
108.000,00
Pronaf A Investimento
270
7.800,00
2.106.000,00
Pronaf A Custeio - Culturas
270
4.200,00
1.134.000,00
Total de Recursos para as famílias
270
15.900,00
4.293.000,00
Fonte: PDA/IDATERRA (2001) - Assentamento Rural Dorcelina
Folador
Discriminação
Valor Total R$
(A X B)
Tabela 3.6 – Créditos previstos às famílias
Com relação ao volume de créditos, cabe destacar que os recursos discriminados na
Tabela 3.6 foram destinados no início do processo de ocupação, pelas famílias; porém em
entrevistas realizadas com os assentados em julho de 2004, ou seja, passados 03 anos de
constituição dos assentamentos, algumas famílias, talvez a maioria apresenta dificuldades em
resgatar suas dívidas, o que inviabiliza a tomada de novas linhas de PRONAF.
Com relação aos aspectos de produção e inserção produtiva do Assentamento, observou-
se a possibilidade de inserção da produção do Assentamento Dorcelina Folador, em duas
cadeias produtivas:
3.3.2 Potencialidades relacionadas à Cultura da Erva-Mate
Conforme discutido no decorrer do capítulo 2, o processo de ocupação territorial, na
região hoje denominada Ponta Porã, cidade onde se localiza o assentamento Dorcelina
Folador, recebeu forte influência da atividade de exploração da Erva-Mate, desde fins do séc.
XIX até meados do séc. XX, com forte complementaridade à produção existente na Argentina
e no Paraguai.
Quando se observa a produção paraguaia, esta tem sua área produtora de erva-mate nos
seguintes departamentos, em ordem decrescente em produção: Itapuá, Guairá, Caazapá,
Canindeyú, Amambay, San Pedro, Alto Paraná, Caaguazú, Concepción, Misiones, Paraguarí,
Cordillera, Central e Neembuçú, segundo informações de Lezcano (2000).
99
O Ministério de Agricultura y Ganaderia MAG (2001), através de seu relatório de
Sínteses Estatísticas a respeito da Produção Agropecuária 2000/2001, informa que esse país
produziu 68.910 toneladas em uma superfície de 32.804 hectares, segundo estimativas do ano
de 2001, inscrito no Relatório do Banco Central do Paraguai – BCP (2003).
A Argentina, outro histórico produtor de erva-mate, segundo a Secretaria de Agricultura,
Ganadería, Pesca y Alimentos da República da Argentina SAGPyA (2004), através de seu
informe general referente à safra de 2003, revela que a erva-mate produzida na Argentina é
proveniente da Província de Misiones (85%) e de Corrientes (15%).
Na safra de 2003 foram produzidas 763.400 toneladas de folha verde, numa área colhida
de 155.550 hectares; em outras palavras, houve um rendimento dio da ordem de 4.900
kg/ha, logo proporcionando um montante perto de 252 mil toneladas de folha cancheada.
32
Naquele país, existem cerca de 102 empresas ervateiras, sendo que do total produzido
por estas empresas, 84% da produção se destina ao mercado interno, o restante 16% são
destinados à exportação. Além disto, o consumo interno per capita de erva-mate encontra-se
na faixa de 7 (sete) kg por ano.
Em se tratando do Brasil, observa-se uma produção que gira em torno de 830 mil
toneladas de folha verde anuais, correspondente a produções: lavoura permanente e à
produção extrativa vegetal.
A produção se concentra em 558 municípios, principalmente nos estados da Região Sul
do país e, também, no Mato Grosso do Sul, sendo que a maior parte da matéria prima provêm
dos ervais nativos, em especial do Estado do Paraná, tendo em vista ocorrer maior
concentração, segundo ANDRADE et alli (1999).
No Brasil, conforme demonstram dados da tabela 3.7, o Estado com maior produção de
Erva-Mate é o Rio Grande do Sul (48% no ano de 2003) e Mato Grosso do Sul, ocupa o
último lugar (2% no ano de 2003).
32
Segundo a SAGPyA (2004) o rendimento industrial na Argentina (processo de beneficiamento primário o qual
transforma a folha verde em cancheada), no ano de 2003 foi da ordem de 33%.
100
1.999 2.000 2.001 2.002 2.003
407 597 393 421 588
5.661 8.151 5.947 5.895 8.585
13.909 13.653 15.132 14.002 14.600
397 460 386 552 845
Nota: elaborada pela autora, a partir dos dados extraídos do aplicativo SIDRA
Rendimento médio (kg/ha)
Valor da Produção (em R$1.000,00)
Fonte: IBGE (2004) - Produção Agrícola Municipal (PAM)
Especificações
Ano
Área Colhida (ha)
Produção (ton.)
1999 2000 2001 2002 2003
Brasil
462.665 522.019 645.965 513.526 501.702
Rio Grande do Sul 218.183 244.477 252.045 240.252 238.949
(%) RS/BR 47 47 39 47 48
Paraná 167.509 206.188 339.139 221.779 201.694
(%) PR/BR 36 39 52 43 40
Santa Catarina 71.312 63.203 48.834 45.600 52.474
(%) SC/BR 16 12 8 9 10
Mato Grosso do Sul 5.661 8.151 5.947 5.895 8.585
(%) MS/BR 1 2 1 1 2
BRASIL/UF
Ano
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal (1999 a 2003)
Tabela 3.7 Quantidade de Erva-Mate (Folha Verde) produzida pela lavoura
permanente no Brasil, segundo estados produtores.
Segundo informações do IBGE, a região sul do Brasil é responsável por 97% da
produção nacional, enquanto que a contribuição do Mato Grosso é de apenas 3%. Nos últimos
anos ocorreu uma queda na produção de erva – com a conseqüente necessidade de importação
da matéria-prima de países vizinhos – devido à exaustão pela exploração contínua e ao avanço
das áreas de lavoura (como é o caso da soja) sobre as matas nativas.
Tabela 3.8 – Produção Agrícola de Erva-Mate (Folha Verde) no Mato Grosso do Sul
Mas, o que mais chama a atenção para a potencialidade desta cadeia é, sem dúvida, o
baixo nível de aperfeiçoamento tecnológico necessário para a produção de erva-mate, a cultura
de se beber o tereré, a proximidade com empresas beneficiadoras, no caso do Ponta Porã a
empresa Santo Antônio, que tem destaque crescente na produção de chás e mates, exportados
para outros Estados da Federação, o que torna viável o cultivo dos Ervais nos Assentamentos
101
de toda a região sul de Mato Grosso do Sul e, em particular, no Assentamento Dorcelina
Folador, conforme nos mostra a Figura 3.2.
Figura 3.2 – Produção de Erva-Mate em folha verde (nativa e cultivada) no Mato Grosso
do Sul em 2003
Fonte: SEPLANCT/WP (2004) – com base nos dados extraídos do aplicativo SIDRA do IBGE (ano-base 2003)
A partir destas breves considerações sobre a Cultura da Erva-Mate em Mato Grosso do
Sul, vislumbra-se que posteriormente, pesquisas mais específicas possam ser realizadas em
torno da exploração deste produto, no Assentamento em questão.
3.3.3 Potencialidades relacionadas à Produção do Leite
O leite desempenha um relevante papel social, principalmente na geração de empregos.
O país tem, hoje, acima de um milhão e cem mil propriedades que exploram leite, ocupando
diretamente 3,6 milhões de pessoas. Para a economia, a elevação na demanda final por
produtos lácteos em um milhão de reais, gera 195 empregos permanentes. Este impacto supera
102
Class.Prod. Nome Prod. Nº de estab. Área total (ha)
Pec. leite 1.489.135 61.937.299,00
Galinhas 2.603.148 72.341.690,90
Pec. corte 1.149.970 55.084.847,20
Milho 2.276.967 57.002.485,10
Soja 213.858 5.910.654,70
Suínos 1.247.913 37.683.556,50
Mandioca 1.036.527 22.066.785,50
Fumo 159.423 2.347.457,80
Feijão
1.894.171
38.735.130,40
BRASIL - Agricultura Familiar - Dez Principais Produtos
Fonte: Projeto INCRA/FAO - Tab.Especiais do Censo Agrop. de 1995-1996
o de setores tradicionalmente importantes, como o automobilístico, o de construção civil, o
siderúrgico e o têxtil.
A produção brasileira de leite nos últimos 25 anos aumentou 150%. Passamos de 8
bilhões (1975) para 19,8 bilhões de litros (2000). A expectativa é de que se tenha produzido
próximo a 21 bilhões de litros, em 2001.
Tabela 3.9 – Principais produtos provenientes da Agricultura Familiar no Brasil
Em se tratando de suas relações com a Agricultura Familiar, observa-se a partir dos
dados da Tabela 3.9, que o leite ocupa o primeiro lugar em termos de atividade produtiva para
este segmento, considerando a sua performance em nível de Brasil.
Segundo dados da SEPLANCT (2004), em seu relatório preliminar sobre a Cadeia
Produtiva do Leite, a dinamização das atividades desta cadeia concorre para a interiorização
do desenvolvimento, porque se refletem no aumento de rendas, dinamizando o território. Por
motivos climáticos, qualidade da produção e dificuldades de escoamento da produção, ainda
são estrangulamentos consideráveis.
No Mato Grosso do Sul, a produção do leite possui três elos importantes cujos atores
estão assim distribuídos:
Elo produção, formado por fornecedores de insumos e produtores;
103
Elo industrialização, formado pelas industrias de laticínios, usinas de beneficiamento;
Elo distribuição, empresas alimentícias atacadistas e varejistas.
O leite pode ser diferenciado através de sua forma de extração ou pela condição de
transporte ou acondicionamento. A diferenciação se dá em função do grau de contato utilizado
no seu manejo, seja pela indústria ou produtor. Quando da produção de leite tipo A, não existe
qualquer contato manual; da ordenha ao envaze seu processo é totalmente mecanizado.
Na produção do leite tipo B, a ordenha pode vir a ser mecânica, ou manual, porém, seu
resfriamento deve ser feito na propriedade produtora de leite e nela mantido, por um período
que não exceda às 48 horas, em uma temperatura igual ou inferior a 4ºC, que deverá ser
atingida, no máximo duas horas após o término da ordenha, e transportado para o
estabelecimento industrial para ser processado, devendo apresentar temperatura igual ou
inferior a 7ºC, no momento do seu recebimento. Em Mato Grosso do Sul, o tipo mais comum
em nosso estado é o leite C, que se apresenta de forma crua, ou refrigerado cru.
O leite cru não é submetido a qualquer tipo de tratamento técnico na fazenda leiteira
onde foi produzido; mantém-se inalterado quanto ao teor de gordura, geralmente transportado
em vasilhame adequado e individual com capacidade de a50 litros e que deve ser entregue
até as 10 horas do dia de sua obtenção, em posto de refrigeração de leite ou estabelecimento
industrial adequado, e nele ser resfriado e mantido em temperatura igual ou inferior a 4ºC.
Em Mato Grosso do Sul, no ano de 2002, houve um pequeno registro de produção de
leite tipo A, o que evidencia, ainda mais, a falta de investimento em tecnologia e
profissionalização do produtor de leite. Nesse sentido, o pequeno e médio produtor, quando
profissionalizados, poderão gerar resultados extremamente satisfatórios, a partir de pasto
irrigado, redução nos custos através do controle financeiro, tornando-o apto a administrar sua
atividade.
A atividade encontra-se dividida por regiões, sendo o Assentamento Dorcelina Folador,
localizado no município de Ponta Porã, fazendo parte da bacia leiteira de Dourados, que é
composta pelos municípios: Antonio João, Caarapó, Dourados, Douradina, Itaporã, Laguna
Caarapã, Maracaju, Ponta Porã e Rio Brilhante.
104
cabeças % Mil/litros % L/vaca/ano %
Cone Sul 34.305 7,73 33.151 7,76 966 100
Nova
Andradina
31.733 7,16 33.045 7,73 1.041 108
Glória de
Dourados
42.649 9,61 53.413 12,5 1.252 130
Dourados 40.053 9,03 41.924 9,81 1.047 109
Aquidauana 55.241 12,45 44.629 10,45 808 84
Campo
Grande
79.052 17,82 73.821 17,28 934 97
Centro Norte 53.166 11,98 48.195 11,28 907 94
Bolsão 107.424 24,22 99.080 23,19 922 96
Total do
Estado
443.623 100 427.258 100 963 100
Fonte: IBGE, Pesquisa da Pecuária Municipal. 2000.
Acesso em 3 de out.de 2001.* índice com base na média estadual (963 l/vaca/ano= 100)
MS - Rebanho leiteiro e produção de leite segundo as bacias leiteiras - 2000
Bacias
leiteiras
Vacas ordenhadas Prod. De leite Produtividade
O processo associativista ainda é pouco significativo na bacia leiteira de Dourados, pois,
existem na região apenas duas associações de produtores de leite.
No que se refere à produtividade do rebanho, o processo foi inverso. Na década de 90, a
produtividade cresceu, em média, 4,9% ao ano, passando de 1,9 litros/vaca/dia, em 1990, para
2,9 litros/vaca/dia no ano de 1999 e 2000, número este que superou a produtividade do Estado.
Tabela 3.10 - Rebanho leiteiro e produção de leite, segundo bacias leiteiras de Mato
Grosso do Sul - 2000
Com relação à Tabela 3.10, observa-se que a bacia leiteira de Dourados, muito embora
não possua um dos mais expressivos números em termos de produção de leite, sai à frente com
relação à produtividade do rebanho leiteiro.
105
A partir destas breves considerações sobre a produção do Leite em Mato Grosso do Sul,
vislumbra-se que posteriormente, pesquisas mais específicas possam ser realizadas em torno
da exploração deste produto, no Assentamento em questão.
3.3.4 Agricultura Familiar e Agronegócio no Assentamento Dorcelina Folador
Quando se observa a proposta existente dentro do PDA (Plano de Desenvolvimento do
Assentamento) Dorcelina Folador e compara-se com as observações empíricas, observa-se
certo nível de distanciamento, entre a proposta técnica, o aproveitamento dos recursos
disponíveis e a própria dinâmica de um Assentamento Rural.
Após vários elementos teóricos apontados ao longo desta pesquisa, como a questão da
territorialidade, muito bem expressa por SANTOS (1994) ou o território de fronteira,
detalhadamente descrito por MACHADO (2001), observa-se o sempre presente nível de
especificidade de um território em relação a outros.
Em particular, quando se trata de um objeto de estudo, significativamente heterogêneo e
também bastante peculiar, tenta-se demonstrar com sutileza quais seriam os pontos
nevrálgicos para a inserção desta produção em bases de Agricultura Familiar, dentro do
contexto do Agronegócio.
Tem-se assim como primeira característica tratar-se de um objeto de estudo heterogêneo
sim, pois os assentamentos rurais, particularmente tratando da realidade que conhecemos, que
é a brasileira e mais especificamente, do Estado de Mato Grosso do Sul, que como foi
colocado, trata-se do estado da federação, com maior volume de disputa por terras, merece um
destaque especial, pois retrata dinâmicas territoriais desgastadas pelo tempo, somatizadas ao
baixo nível de qualificação do elemento humano.
O elemento humano é condicionante para uma integração territorial, ou seja, é ele o
responsável pela troca e integração com a cidade, com os setores comerciais, industriais e
inclusive, estatais, no Assentamento em questão, observa-se que exclusivamente a presença de
antigos lavradores ou peões de fazenda.
106
Em detalhamento, sobre a razão destes assentados, terem abandonado o Paraguai, os
mesmos fazem referência ao fato de que a maioria dos compradores de terras no Paraguai
(concentradores) o brasileiros (gaúchos) que conseguiram mais facilmente financiamento
via empresas para que eles produzissem mais, tendo em vista a existência de firmas
americanas que compraram firmas paraguaias e pressionavam os pequenos proprietários a
venderem suas terras para os grandes.
O outro aspecto presente no presente objeto de estudo é a peculiaridade do Assentamento
localizado na Fronteira. Não nos 150 Km da faixa de fronteira, mas, na fronteira, ou seja, na
linha divisória entre dois países.
E então a pergunta: qual a razão de um assentamento localizar-se em paralelo a faixa de
fronteira?
Com certeza, pode-se apontar uma série de respostas, no entanto esta não foi à
motivação central desta pesquisa.
Porém, a partir de um certo número de observações feitas na pesquisa a campo, via
entrevistas, observa-se clara a existência da complementaridade entre os dois lados da
fronteira, esboçando determinados alicerces de ordem estrutural, como colocado em capítulos
anteriores por PÉBAYLE (1994), tendo em vista a sedimentação de um traço comum nesta
população
33
: a mestiçagem entre brasileiros e paraguaios.
Desta forma, observou-se que a produção no assentamento resume-se a produção para a
subsistência, mas, principalmente adquirem seus produtos em um mercado comum da cidade,
onde cada família realiza sua compra de maneira individualizada (este dado chama a atenção
para o fato de que, muito embora estejam em um mesmo assentamento, eles alegam que
adotam medidas individuais para resolução de seus problemas, pois alguns dos assentados
possuem dívidas e não conseguem recuperar o capital que foi investido em plantação).
Todos os parceleiros receberam, crédito do Pronaf A R$ 12.000,00, para investimento,
com prazo de carência de 7 anos para o pagamento do empréstimo e R$ 1.400,00 a fundo
perdido, como forma de incentivo a produção.
33
Um outro dado que merece destaque é de que, segundo o senhor Ramon, a grande maioria dos assentados
vieram do Paraguai, são brasiguaios, que trabalhavam na lavoura na condição de arrendatários de terras e, que em
virtude de conflitos com as autoridades paraguaias, acabaram voltando para o lado brasileiro, buscando terras e
trabalho no Paraná, vindo a se localizar em Mato Grosso do Sul, integrando assim os acampamentos de sem-terra.
107
Contr.
Valor
Contr.
Valor
Contr.
Valor
Contr.
Valor
Contr.
Valor
Contr.
Valor
1.1 Custeio (sub-total) 28 117.557 40 171.450 38 156.865 32 134.170 106 203.508 481 1.125.526
1.1.1 Agrícola 24 100.020 32 133.836 30 123.875 25 106.168 67 143.495 451 1.087.353
1.1.2 Pecuária 4 17.537 - - 8 32.990 7 28.002 39 60.013 30 38.174
1.2 Investimento (sub-total) 1 9.900 1 5.541 57 239.282 279 3.341.256 145 1.718.588 964 16.759.237
1.2.1 Agrícola 1 9.900 - - - - - - - - 889 15.636.248
1.2.2 Pecuária - - 1 5.541 57 239.282 279 3341256 145 1.718.588 75 1.122.989
Total (1.1 + 1.2) 29 127.457 41 176.991 95 396.147 311 3.475.426 251 1.922.096 1.445 17.884.763
28 117.557 41 176.991 95 396.147 311 3.475.426 192 1.831.694 1 13.000
2.2 Financiada - - - - - - - - 37 50.014 1.303 17.495.244
- - - - - - - - 22 40.388 - -
2.4 Sem Assistência - - - - - - - - - - 141 376.519
28 117.557 41 176.991 95 396.147 311 3.475.426 251 1.922.096 1.445 17.884.763
- - - - 3 6.938 1 3.089 52 81.123 445 1.063.823
29 127.457 41 176.991 92 389.209 310 3.472.337 199 1.840.973 1.000 16.820.940
29 127.457 41 176.991 95 396.147 311 3.475.426 251 1.922.096 1.445 17.884.763
29 127.457 41 176.991 95 396.147 311 3.475.426 250 1.910.109 1.339 17.606.059
4.2 Pequeno - - - - - - - - 1 11.987 106 278.704
4.3 Demais Produtores - - - - - - - - - - - -
4.4 Cooperativas - - - - - - - - - - - -
29 127.457 41 176.991 95 396.147 311 3.475.426 251 1.922.096 1.445 17.884.763
5.1 Algodão - - - - - - - - - - 73 168.584
- - - - - - - - - - 111 213.012
5.3 Bovinocultura - leite 3 14.897 7 34.974 6 25.400 5 20.412 68 411.714 30 38.174
5.4 Bovinocultura - mista 1 2.640 1 2.640 2 7.590 2 7.590 1 5.000 - -
- - - - 2 3.850 - - - - 1 4.997
- - - - - - - - - - 30 64.335
- - - - - - - - - - 1 4.905
5.8 Mandioca - - - - - - - - - - 83 216.147
4 16.060 8 33.484 6 25.327 6 25.328 23 33.716 38 78.643
15 66.450 18 71.698 15 61.017 13 52.036 40 90.022 107 306.625
5.13 Tomate 4 17.510 6 28.654 7 33.681 6 28.805 4 19.757 7 30.106
28
127.457
41
176.991
95
396.147
311
3.475.426
251
1.922.096
1.445
17.884.763
Fonte: Banco do Brasil (2004)
1.FINALIDADE
5.11 Milho
5.12 Soja
5.6 Feijão
5.7 Fumo
5.2 Arroz
4.1 Mini
3.2 Sem
2.1 Gratuita
2.3 Própria
3.1 Com
- - -
5.5 Custeio Agrícola - demais
-
1 5.541
- -
57 239.282 279 3.341.255 115
- - - - - - - -
5.14 Máquinas e
Equipamentos - Invest.
1 9.900 -
889 15.636.246
1.361.887
- - - -
75 1.122.989
Ano
5.10 Melhoramentos das
explorações - Invest. Agrícola
5.9 Melhoramentos das
explorações - Invest. Pecuário
Total
Total
Total
Total
- -
-
2001
2002
2003
5. ITEM FINANCIADO
4. PORTE DO PRODUT.
3. PROAGRO
2. ASSIST. TÉCNICA
1998
1999
2000
Este incentivo à produção foi investido na compra de reses, que hoje produzem leite, o
que vem garantindo a subsistência das famílias, mas ainda não garantem níveis de
sustentabilidade financeira aos assentados, nem ao assentamento.
Tabela 3.11 Resumo dos Recursos provenientes do PRONAF, transferidos à Ponta
Porã entre 1998 a 2003.
A partir da análise dos dados da Tabela 3.11, observa-se o crescimento substancial no
número de contratos com a finalidade custeio entre os anos de 1998 a 2003, saindo de 28 para
108
chegar em 481, no ano de 2003, denotando um crescimento em recursos financeiros da ordem
de quase dez vezes.
Quanto ao porte do produtor, observa-se a inexistência de financiamentos para
cooperativas, o que aumenta o risco para o tomador de empréstimo individual.
Os itens mais financiados são melhoramentos das explorações agrícolas, para o ano de
2003, item este até então não contemplado, assim como feijão, fumo, mandioca, algodão e
arroz, que só aparecem no ano de 2003.
A bovinocultura de leite é um item crescente nestes cinco anos, assim como a soja e em
menor parcela milho e tomate.
Esta questão é relevante, pois, todo o processo que envolve a criação de um
assentamento, conforme destacado no capítulo 2, tem em vista não a transferência de um
excedente populacional, via de regra excluído, para um pedaço de terra, via de regra
desapropriado para fins de reforma agrária.
Na realidade o que se pretende, principalmente a partir das desapropriações e
assentamentos realizados, a partir de meados da década de noventa, é garantir através da
utilização de recursos provenientes do PRONAF, o assentamento de famílias rurais, que
possuam condições de inserção via agricultura familiar, ao agronegócio, que conforme
também destacado no capítulo 2, é elemento crescente na economia brasileira.
No entanto, alguns dados mostram uma situação bastante incomoda: conforme relatório
recente INCRA/TERRAVIDA (2005), atualmente faltam recursos públicos para
desapropriação e compra de terras para a reforma agrária.
O custo médio para assentar uma família em Mato Grosso do Sul é superior a R$
100.000,00. Segundo estas informações, torna-se quase inviável a Reforma Agrária Estadual,
pois para atender a atual demanda superior a 20.000 famílias sem terra, seriam necessários
quase R$ 2 bilhões, nos próximos três anos.
Torna-se urgente, portanto, a redução do custo por assentamento, via implementação de
projetos cio-econômicos e prioritariamente, que as fontes financiadoras, não apenas
forneçam o recurso, mas, viabilizem a articulação territorial, com as empresas do agronegócio.
109
Dois pontos se tornam então importantes: de que estas famílias não vêm investindo em
lavouras, pois, muito embora tenham tentado a produção de soja, mandioca, feijão, milho e
arroz, alegam que a terra não é fértil para estas plantações, sendo necessária à utilização de
fertilizantes para o solo, o que, no entanto, chega ao assentamento pelas mãos do IDATERRA,
em um lapso de tempo que ultrapassa o momento do plantio, para que a colheita se realize
com sucesso.
Outro aspecto que denota a complementaridade com o outro lado da fronteira é o fato de
que muitos parceleiros compram adubos e fertilizantes em um mercado, do lado paraguaio,
tendo em vista a maior facilidade para pagamento, pois do lado de da fronteira (mercado
São Luiz) eles aceitam compras no antigo sistema de “cadernetas”, ou ainda, tem confiança
em venderem fiado, para os assentados de Ponta Porã.
Produtos como Adubo, Veneno, Arame farpado, materiais de construção, algo em torno
de 50% do que compram para a produção é proveniente do Paraguai, tendo um ônibus de
dentro do assentamento que toda segunda, quarta e sexta, leva os assentados às compras, do
outro lado da fronteira.
No que diz respeito às relações do assentamento com o setor urbano, estas se realizam
em virtude dos serviços dos quais os assentados dependem, como escolas, hospitais e também
de um pequeno fluxo de mercadorias, provenientes da agricultura familiar, como mandioca,
algodão, soja, abóbora, melancia, feijão, leite, algodão, que são produtos que ainda estão longe
de garantir, melhores níveis de renda, pelo fato dos assentados não estarem articulados com o
território, ou seja, com as empresas que podem incentivar maiores níveis de produção para a
compra em maiores proporções, conforme já destacado em se tratando do leite.
Um tipo de cultura bastante propícia para o clima da região é a cultura do Algodão, que
atualmente vem sendo escoada para a cooperativa dos produtores de algodão, localizada em
Ponta Porã.
A produção de soja ainda não possui grande representatividade, pois conforme relatado
por alguns dos assentados, em algumas safras, sofreram com o problema da estiagem, mas a
soja atualmente produzida, encontra mercado nas empresas Sperafico e Serrana, o que denota
o potencial de alavancagem desta cultura com o Agronegócio.
110
Com relação à produção de mandioca é interessante observar a conexão que ela possui
com o outro lado da fronteira: a mandioca produzida no assentamento é diretamente vendida
para uma fecularia do lado paraguaio, o que denota a relevância da cultura para os dois lados
da fronteira, com possibilidades de exploração dentro do Agronegócio.
Quanto às relações dos assentados com outros assentamentos, pode-se observar que são
poucas, tendo em vista a distância e mesmo as relações internas que prendem estes assentados
cotidianamente às suas terras.
Já quanto ao nível de discussão entre a proposta técnica oficial (IDATERRA) e a
dinâmica das relações internas, pode-se observar que a principal queixa destes assentados
focaliza-se na questão da liberação de recursos financeiros, que chegam a posteriori,
inviabilizando a plantação e ao mesmo tempo, além da falta de integração entre famílias no
sentido de mobilizarem-se para propositura de novas ações junto aos órgãos técnicos. (Talvez
isto também ocorra em virtude principalmente, da condição precária de onde estes vieram.
Esta afirmativa é feita, pois outros dois entrevistados que vieram da cidade estão
conseguindo precariamente, sucesso em seus empreendimentos).
Com relação às condições de subsistência, estas são extraídas da produção realizada no
próprio assentamento como, a produção de sendo o que sai do assentamento com destino ao
mercado urbano é muito pouco;
O que se desenvolve de maneira ainda mais precária é a produção de leite, onde em
média 50 parceleiros entregam diariamente uma média de 600 litros, vendidos a R$ 0,32
(trinta e dois centavos) o litro, e que são transferidos a um refrigerador instalado dentro do
assentamento por uma firma da cidade, o que lhes garante uma renda média mensal
34
de R$
120,00 (cento e vinte reais);
34
Em pesquisa realizada em um outro assentamento “Lagoa Grande”, localizado próximo da cidade de Dourados,
muito embora a produção agrícola não esteja vingando, a produção de leite vem garantindo precariamente, uma
produção média de 50 litros de leite por dia por família e uma renda média mensal para estas famílias de R$ 300
(trezentos reais); ainda sobre a produção de leite é interessante observar que, cada família no referido
assentamento possui em média 15 cabeças de gado e logo após tirarem o leite das vacas, o colocam em
resfriadores que se localizam dentro do assentamento, sendo que: um destes foi alugado da empresa de
processamento de leite NOGUEIRA e outros três também foram transferidos por esta empresa para dentro do
assentamento nestas mesmas condições; no entanto, dois resfriadores foram comprados da empresa SAGA, que
também é responsável pela compra do leite, demonstrando assim a potencialidade da produção do leite, bem
como o nível de articulação entre os parceleiros deste assentamento.
111
O consumo das famílias é satisfeito via compras no mercado São Luiz, do outro lado da
Fronteira, mas que são feitas individualmente por conta do nível de endividamento em que
alguns parceleiros se encontram; uma parte do leite produzido no assentamento vai para o
laticínio Cambi outra parte vai para as mãos de atravessadores.
Com relação ainda a crítica dos assentados em relação à proposta técnica, observa-se
que: dois anos e meio, eles receberam um pacote de financiamento distribuído entre, a
construção da casa R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); para a produção de gado R$
6.000,00 (seis mil reais); para colocação de cercas R$ 1.700,00 (mil e setecentos por mil
metros de cerca instalada), sendo que a crítica diz respeito ao fato de que alguns dos
parceleiros (não souberam precisar quantos) não deram a devida utilização ao recurso e hoje se
encontra endividados.
Além disso, ocorre ainda o problema da permutação, onde alguns assentados trocam suas
terras com assentados de outras regiões do Estado, por considerarem que as características de
outros assentamentos sejam melhores e vice-versa.
Este fato acarreta delongas, para verificação do verdadeiro ocupante do terreno e
conseqüentemente, por uma questão burocrática óbvia, emperra a liberação de recursos para os
parceleiros.
Um último depoimento prestado foi o do senhor Celso Siqueira, que afirma a
inexistência de uma união entre os assentados, para que possam planejar melhor suas
propostas e mesmo exigir do IDATERRA, uma assistência técnica condizente com as reais
necessidades dos assentados; ele afirma que a grande maioria possui um baixo nível de
instrução e conhecimento até mesmo sobre lavoura, sendo que poucos como é o caso dele,
conseguiu aproveitar os recursos investindo na produção leiteira, mas que ainda não permitem
uma conexão com a Agroindústria.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando a discussão preliminar desta pesquisa, observou-se ao longo destes capítulos,
que os espaços “vazios”, que configurariam a faixa de fronteira, são na prática, espaços de
trocas de caráter estrutural ou funcional, conforme destacado por PÉBAYLE (1994), ou seja,
vão desde relações históricas, sedimentadas em virtude de questões culturais, econômicas,
sociais como aponta relatos discutidos ao longo do ciclo da erva-mate, até relações de
caráter temporário, que se modificam ao longo das transformações de conjuntura dos ciclos
econômicos, vivenciados, tanto do lado brasileiro, quanto pelo lado paraguaio.
Neste aspecto peculiar, destacou-se o crescimento do comércio com o Paraguai, a partir
da estabilização monetária no Brasil, aflorando a bilateralidade das trocas entre estes países,
ao longo da década de noventa do século passado.
Partindo-se da observação feita sobre as transformações econômicas ocorridas mais
recentemente, pelo avanço do processo de constituição de um bloco supranacional, o
Mercosul, englobando a Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil, e tendo em vista o recorte dado
a este território, a saber, a área das cidades Ponta Porã, no Brasil e Pedro Juan, no Paraguai,
discutiu-se de forma mais intensa, o cerne do desenvolvimento econômico no Estado do Mato
Grosso do Sul, em proximidade com a dinâmica territorial do Paraguai, dando destaque, no
primeiro capítulo, para a expansão econômica vivenciada por aquele país, a partir da ditadura
de Stroessner.
Em particular, deve-se destacar a grande relevância para configuração do objeto de
estudo, a forma de ocupação do território sul-mato-grossense, ao longo da década de setenta,
bem como do território paraguaio.
Do lado brasileiro, observou-se o crescimento do êxodo rural nas regiões sul e sudeste, o
que “empurrou” parcela excedente da população para os solos férteis do sul de Mato Grosso.
Ao mesmo tempo, a região em questão, configurava, naquela época, traços bem delineados
pela exploração econômica, sob a forma de latifúndios, o que se tornou incongruente, diante
da expectativa de uma série de colonos, que vinham em busca de “um pedaço de terra” para a
produção, sob a perspectiva de subsistência.
113
Do lado paraguaio, concomitantemente, observou-se uma baixa concentração de terras,
caracterizadas, por excelente qualidade do solo, que viriam a contribuir para a “colonização”
brasileira em terras paraguaias, diante do acordo realizado em meados dos anos setenta, entre
o governo brasileiro e paraguaio, para a construção da hidrelétrica de Itaipu.
Portanto, delineado o objeto de pesquisa, resgatou-se uma série de elementos histórico-
críticos, fornecidos a partir da revisão bibliográfica de duas dissertações de mestrado,
originárias de Mato Grosso do Sul e que tratam da questão dos “brasiguaios”.
BATISTA (1990) enfocou a questão do contingente de mão-de-obra brasileira, que foi
em busca de terras paraguaias ao longo da década de setenta, provenientes, basicamente, do
estado do Paraná.
SOUZA (2001), enfocou a questão da identidade dos brasiguaios na fronteira, em virtude
de uma série de elementos históricos, que remontariam à época da exploração da erva-mate,
entre o final do século XIX e início do século XX, caracterizando uma crise da identidade
paraguaia, em decorrência de questões de ordem política e de forma de utilização do espaço
agrário.
Denota-se a grande presença de paraguaios, que saem de regiões centrais do Paraguai,
indo em busca dos departamentos mais próximos às fronteiras com o Brasil e a Argentina,
como é o caso dos departamentos de Alto Paraná, Concepción, Amambay e Cannideyú, que
fazem fronteira com o Brasil, suportando hoje, cerca de 70% da população paraguaia.
Observa-se a partir disso, o processo reverso, ou seja, o grande vazio demográfico nas
demais regiões, com aumento da pobreza e da miséria, em virtude do inchaço das cidades,
dentro de uma economia com pouca dinâmica industrial e fragmentada em culturas de
subsistência.
Este aspecto é relevante, pois o avanço da integração Brasil/Paraguai revelou a tendência
de forte imigração brasileira, ocupando terras paraguaias, caracterizando o forte crescimento
de brasiguaios.
Assim, observaram-se estes aspectos como fundamentais para a configuração da
dinâmica territorial na fronteira, em particular, as razões pelas quais o Assentamento
“Dorcelina Folador”, tende a ganhar destaque para a ocupação territorial, manutenção de
114
rendas e redimensionamento na forma de integração entre os dois países e suas administrações
públicas, com vistas à estruturação de políticas integradas, à solução de problemas comuns,
como saúde e educação.
A sistematização de conceitos e estudos realizados, sobre a questão do território de
fronteira, permitiu observar o nível de informalidade com que as relações sócio-produtivas
nele se desenvolvem, além dos propósitos recentes, de intermediação fronteiriça via
legislação.
Desta forma, considerou-se de suma importância às potencialidades presentes no
assentamento “Dorcelina Folador”, via produção agroindustrial, sua inter-relação com o lado
paraguaio, em virtude, mesmo, da herança histórica dos descendentes brasiguaios.
Neste sentido, é interessante observar como o Agronegócio tende a se expandir em
caráter macroeconômico, sob a condição do avanço tecnológico, más, sem dúvida de que
possui certas complementaridades com a produção proveniente da Agricultura Familiar.
115
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FONTES ORAIS – ENTREVISTAS
Celso Siqueira Silva. Assentado no Dorcelina Folador – depoimento em reunião de entrevista.
Produção: Gleicy Denise Vasques Moreira. Ponta Porã (MS). 20/01/2004.
Domingos José de Oliveira. Historiador e gerente do Museu da Erva-mate depoimento em
reunião de entrevista. Produção: Walberto Morais Santos & Gleicy Denise Vasques Moreira.
Ponta Porã (MS). 13/07/2004.
Ramão Lopes. Assentado no Dorcelina Folador – depoimento em reunião de entrevista.
Produção: Gleicy Denise Vasques Moreira. Ponta Porã (MS). 20/01/2004.
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