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ONUSIDA
Genebra, Suíça
Junho1999
ONUSIDA COLECÇÃO BOAS PRÁTICAS
Agir cedo
para evitar o SIDA:
O caso de Senegal
Agir cedo
para evitar o SIDA:
O caso de Senegal
Agir cedo
para evitar o SIDA:
O caso de Senegal
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ONUSIDA/99.34E (Original em Inglês, Junho de 1999)
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/SIDA (ONUSIDA)
ONUSIDA – 20 avenue Appia – 1211 Genebra 27 Suíça
Telefone: (+41 22) 791 46 51 – Fax (+41 22) 791 41 87
E-mail: [email protected] – Internet: http: //www.unaids.org
Reprodução Financiada Pela Embaixada da Dinamarca, em Maputo
© Programa Conjunto das Nações Unidas para
o HIV/SIDA (ONUSIDA) 2000. Reservados todos
os direitos. Este documento, que não é um do-
cumento oficial do ONUSIDA, pode ser livremen-
te comentada, citada, reproduzida ou traduzida,
Reconhecimento
Este relatório foi escrito por Elizabeth Pisani e coordenado por
Michel Caraël, com as contribuições de Ibrahim Ndoye, Nicolas
Meda, Souleymane M’Boup, Alpha Wade, Salif Ndiaye, Cheikh
Niang, Fatou Sarr e Idrissa Dioup.
parcial ou integralmente, desde que se menci-
one a sua origem. Não poderá ser vendido nem
utilizado com fins comerciais sem a autoriza-
ção prévia por escrito do ONUSIDA (contacto:
Centro de Informação da ONUSIDA, Genebra).
3
ONUSIDA
Índice
Introdução ................................................................................. 5
Fontes de informação .................................................................6
Antes do SIDA: A sociedade e as relações sexuais no Senegal ..................7
Desenvolvimento ....................................................................... 7
Organização social..................................................................... 7
O sector de saúde....................................................................... 7
Modelos de casamento ............................................................... 8
Relações sexuais antes do casamento .........................................9
Prostituição .............................................................................. 10
A resposta do Senegal ao advento do SIDA ............................................ 11
Liderança política ..................................................................... 11
Liderança religiosa ................................................................... 12
Liderança da comunitária ......................................................... 13
Estar em segurança: Jovens ....................................................... 13
Estar em segurança: trabalhadoras do sexo e seus
parceiros .................................................................................. 14
A resposta produziu alguma diferença? ..................................................16
Conhecimento sobre o SIDA e sobre como evitá-lo .................. 16
Actividade sexual ..................................................................... 17
Uso do preservativo.................................................................. 18
Prevalência de doenças de transmissão sexual ......................... 19
Prevalência do HIV .................................................................. 20
A resposta do Senegal ao HIV era realmente necessária? ....................... 22
Conclusão ................................................................................ 24
5
ONUSIDA
Introdução
A
pesar dos avanços recentes na terapia, o SIDA continua a
ser uma doença sem cura. A única maneira de controlar a
epidemia e a miséria que ela traz às famílias e às comunidades continua a ser a
prevenção de novas infecções de HIV.
Muito foi escrito sobre a importância de intervir cedo para conter a
propagação do vírus que causa SIDA antes que este se estabeleça firmemente no
seio da população. O centro das atenções continua a ser países como o Uganda
e a Tailândia, cujos esforços admiráveis de prevenção foram bem sucedidos na
redução dos níveis já galopantes de infecção com o HIV.
Será que não há exemplos de países em desenvolvimento que inter-
vieram cedo para evitar que o HIV se propagasse na população em geral? Não
necessariamente. Mas os cientistas têm às vezes evitado sublinhar estes exem-
plos porque não é possível estar absolutamente certo sobre o que aconteceria se
não tivessem tido lugar quaisquer esforços de prevenção. Portanto, se um país
intervir cedo e as taxas do HIV permanecerem baixas, é difícil dizer com confi-
ança científica que a baixa prevalência foi definitivamente consequência da in-
tervenção.
Contudo, em alguns casos há evidência sólida de que uma acção
atempada contribui de maneira significativa para o comportamento seguro que
mantém baixa a infecção do HIV. Este documento descreve a experiência do
Senegal, um país da África Ocidental que trabalhou duramente para evitar a
propagação do HIV e que manteve um dos mais baixos níveis de infecção na
África do Sub-Sahariana. O documento discute a situação no Senegal antes de o
SIDA ter começado a propagar-se rapidamente na maior parte da África. O do-
cumento fala da maneira como o país reagiu à ameaça da doença e examina se
tal reacção tivera algum efeito no comportamento das pessoas e, finalmente, fala
sobre as taxas de infecção do HIV no país.
6
Agir cedo para evitar o SIDA
Fontes de Informação
A
informação neste documento foi tirada de várias fontes. A
maior parte da informação sobre o casamento e a idade da activi-
dade sexual vem de Inquéritos Demográficos e de Saúde (IDS), um programa inter-
nacional de pesquisa que faz perguntas a uma amostra representativa nacional de
homens e mulheres. No Senegal, os IDS mais recentes foram feitos em 1997.
A informação sobre o comportamento sexual e a utilização de pre-
servativos vem de vários inquéritos sobre o comportamento sexual. O mais exaus-
tivo foi sobre um inquérito aleatório realizado ao domicílio sobre o comporta-
mento sexual, conhecimento e atitudes, feito em 1997 a cerca de 2000 homens
e mulheres na capital, Dakar, onde reside cerca de um quarto da população.
Duas fases de inquéritos dirigidos sobre o comportamento– realiza-
dos em 1997 e 1998, entre os estudantes e trabalhadoras do sexo, e em 1998,
entre os trabalhadores assalariados – proporcionam informação adicional sobre
o comportamento sexual e o conhecimento. Os respondentes foram selecciona-
dos aleatoriamente para se obter a maior representação possível dos grupos par-
ticulares a serem estudados.
Dados sobre doenças de transmissão sexual (DTS) entre as trabalha-
doras do sexo vêm de estudos clínicos especiais realizados em 1991 e 1996. Os
dados sobre a prevalência de HIV são providenciados por um sistema regular de
testes anónimos de mulheres grávidas nas consultas pré-natais, assim como tes-
tes regulares de trabalhadoras do sexo durante observações de saúde e homens
que recebem tratamento de DTS.
Dados socioeconómicos e indicadores de saúde são providenciados
pelo Banco Mundial.
Outra informação é providenciada pelo Programa Nacional de SIDA
e Organizações Não Governamentais (ONG) que trabalham na prevenção do
SIDA no Senegal.
As fontes de informação sobre outros países são semelhantes: pes-
quisas de IDS, inquéritos sectoriais sobre comportamento e atitudes sexuais, es-
tudos publicados e dados nacionais sobre a infecção do HIV.
7
ONUSIDA
Antes do SIDA :
A sociedade e as relações sexuais no Senegal
Desenvolvimento
O
Senegal é um dos países mais pobres do mundo. O ren
dimento per capita está abaixo de US$600 por ano e a espe-
rança de vida é baixa. A maior parte dos homens não viverá até aos 50 anos; as
mulheres podem esperar viver até aos 52 anos. Apesar dos esforços para aumen-
tar o acesso à educação – o registo nas escolas primárias aumentou 30% para os
rapazes e duas vezes mais para as raparigas entre 1980 e 1995 – a alfabetização
nos adultos ainda constitui excepção. Cerca de 57 por cento de homens adultos
e 77 por cento de mulheres são analfabetos.
Organização social
O
Senegal é um país religiosamente coeso. Cerca de 93 por
cento da população é islâmica e os outros cinco por cento é
cristã. A maior parte das pessoas é participante activa nas actividades religiosas.
Tanto os líderes islâmicos como os cristãos promovem activamente normas fa-
miliares e sexuais tendentes a reduzir a transmissão do HIV. Mas,
indubitavelmente as tradições religiosas contribuem de outras formas para limi-
tar a rápida propagação do HIV no Senegal. Primeiro, a circuncisão é universal,
e os homens circuncidados parecem ter menor probabilidade de contrair ou
transmitir infecções de transmissão sexual, incluindo o HIV. Em Segundo lugar,
o consumo do álcool não é comum, de acordo com a tradição islâmica. No
estudo sobre o comportamento realizado em Dakar em 1997, somente três por
cento de mulheres e quatro por cento de homens mencionaram terem bebido
no mês anterior.
Muita actividade social é organizada em torno de associações reli-
giosas que são activas em muitos campos de desenvolvimento, incluindo a saú-
de e a educação. Outras organizações comunitárias, tais como grupos de mu-
lheres e clubes de jovens também contribuem para as campanhas de saúde e
educação. Eles juntam-se para promover, por exemplo, a imunização ou para
combater a malária.
O sector de saúde
O
Senegal enfatizou há muito tempo a prevenção e os cui
dados primários de saúde como a utilização mais racional
dos recursos limitados. Os gastos do sector público feitos na saúde são cerca de
US$1 per capita. Este valor é suplementado pelos fundos dos doadores, mas
pelo menos 40 por cento dos gastos com a saúde vêm dos orçamentos das famí-
lias. As famílias pobres no Senegal gastam mais na saúde do que em qualquer
outra coisa, com excepção de comida.
A saúde reprodutiva e a saúde da criança são prioridades bem
estabelecidas e estão reflectidas nos indicadores de saúde. As taxas de mortali-
8
Agir cedo para evitar o SIDA
dade infantil e de mortalidade de crianças com menos de 5 anos desceu signifi-
cativamente entre 1970 e 1996. Nesse período, a mortalidade infantil desceu de
135 para 60 por cada 1000 nascimentos, sendo que a mortalidade entre crian-
ças com menos de 5 anos era ainda maior. Os serviços de planeamento familiar
estão a expandir-se: a utilização de contraceptivos modernos duplicaram em
cinco anos até 1997. O programa de controle de DTS do país vai em breve
entrar na sua quarta década. A maternidade segura é activamente promovida,
com a maior parte das mulheres grávidas a irem para as consultas para cuidados
antes do parto. Isso proporciona uma importante oportunidade para a educação
da saúde sexual. Com o advento do SIDA, também proporciona uma infra-estru-
tura sólida para a monitoria da propagação da infecção.
As ONG estão especialmente activas no campo da saúde – pelo me-
nos um quarto das ONG a nível nacional investem nesta área. Isso foi importante
nos anos 1980 e nos princípios da década de 1990 quando a queda da economia
e a desvalorização da moeda resultaram no colapso de muitas infra-estruturas de
saúde do governo. O número de consultas médicas baixou em oito por cento
entre 1978 e 1986, apesar de a população ter crescido em 28 por cento no mesmo
período. As ONG viram-se obrigadas a prestar assistência e tornaram-se muito
activas em angariar apoio público para as campanhas de saúde.
Foi neste ambiente de aflição económica – um ambiente partilhado
por muitos outros países no continente – que o combate ao SIDA foi lançado no
Senegal.
Modelos de casamento
C
omo em muitos países da África Ocidental, a poligamia é
comum no Senegal. Em geral, perto de metade das mulheres
casadas partilham os seus maridos com outras mulheres. Em sociedades
poligâmicas, é uma regra geral que os homens se casem mais tarde que as mu-
lheres (visto que só um pequeno número de homens mais velhos e mais ricos
são capazes de obter um maior número de mulheres jovens). Este é particular-
mente o caso do Senegal, onde metade de todas as mulheres são casadas aos
vinte anos, mas metade dos homens ainda permanecem solteiros aos 31 anos.
No inquérito sobre o comportamento realizado em Dakar em 1997, das mulhe-
res respondentes estavam casadas em comparação com menos de um terço dos
homens respondentes.
As mulheres senegalesas tendem a ser relativamente mais velhas no
seu primeiro casamento em comparação com as mulheres de outros países da
África, e a idade de casamento tem estado a aumentar nos últimos anos. Há
vinte anos, de entre as raparigas com idades compreendidas entre 15 e 19 anos,
somente quatro em cada dez estavam ainda solteiras. Em 1997, acima de sete
em cada dez permaneciam solteiras nas últimas idades da adolescência. A idade
de casamento está a aumentar porque cada vez mais raparigas passam mais
tempo na escola do que anteriormente. De facto, as raparigas que não vão à
escola continuam a casar-se jovens: metade das raparigas não escolarizadas aos
18 anos já estão casadas. Para as mulheres com o nível secundário ou superior,
a idade média de casamento é de 10 anos acima desta.
9
ONUSIDA
Para os homens, a educação também faz diferença nos modelos de
casamento. Quanto mais instruído for o homem, menor probabilidade tem de
ter várias mulheres. Contudo, parece haver um tipo de compensação social para
a monogamia formal: mais homens instruídos têm maior probabilidade de ter
mais parceiras sexuais, no cômputo geral, do que os homens menos instruídos.
As mulheres casadas no Senegal raramente têm parceiros para além
dos maridos. No estudo de Dakar de 1997, 99 por cento das mulheres casadas
disseram não ter tido relações sexuais com qualquer outra pessoa além dos seus
maridos nos 12 meses antecedentes. Entre os homens, a proporção é maior:
cerca de 12 por cento de homens casados disseram ter tido parceiras sexuais que
não as suas esposas no ano antecedente. Infelizmente, estes dados não existem
para a era pré-SIDA. Contudo, como adiante se discutirá, estas taxas de activida-
des extra-maritais são baixas comparadas com as que foram encontradas nou-
tros países.
Relações sexuais antes do casamento
P
ara as mulheres, relações sexuais antes do casamento não
eram tradicionalmente comuns. Contudo, houve excepções no
Senegal – mulheres que se casaram há algumas décadas reportaram uma idade
média para a primeira relação sexual inferior à do primeiro casamento, sugerin-
do que algumas delas eram sexualmente activas antes do casamento. Nos últi-
mos anos, quer a idade da primeira relação sexual, quer a do primeiro casamen-
to têm estado a aumentar. Mas a idade do casamento está a aumentar mais
rapidamente do que a idade da primeira relação sexual. Isso significa que apesar
de permanecerem virgens por mais tempo, as mulheres senegalesas têm maior
probabilidade de manter relações sexuais pré-maritais do que no passado.
Uma vez mais, a educação é um factor. Para as mulheres sem
instrução, a distância entre a idade da primeira relação sexual e a idade do
casamento continua pequena, como mostra o gráfico 1. Cada vez mais mulheres
com instrução esperam mais tempo para manterem relações sexuais, mas tam-
bém têm mais anos de relações sexuais antes do casamento do que as menos
instruídas. As mulheres com o nível secundário são virgens por pelo menos mais
seis anos, em média, do que as mulheres sem instrução, mas casam-se nove
anos mais tarde do que as mulheres sem instrução.
10
Agir cedo para evitar o SIDA
Gráfico 1. Idade média do primeiro casamento e da primeira relação sexual
para as mulheres actualmente com idades compreendidas entre os 20 e os
49 anos, em função do nível educacional
As mulheres têm uma probabilidades de manter relações sexuais
antes do casamento muito menor do que a dos homens. No estudo sobre o
comportamento realizado em Dakar, 68 por cento das mulheres disseram que
não tinham mantido relações sexuais antes do casamento. Entre os homens,
menos de 10 por cento eram virgens à altura do casamento. Isto talvez não seja
surpreendente, considerando a média da idade avançada nos casamentos dos
homens.
Prostituição
E
m muitos países a prostituição foi ignorada até ao advento
do SIDA, quando se tornou claro que as trabalhadoras do sexo
eram muito vulneráveis à infecção com o HIV e podiam rapidamente passar o
vírus para um grande número de pessoas.
Contudo, no Senegal, os serviços para as prostitutas existiam desde
que a profissão se tornou legal, em 1969. Desde então exige-se que as trabalha-
doras do sexo registadas tenham observação médica regular e recebem trata-
mento para DTS curáveis sempre que for necessário. Este sistema de registo
Secundária
Primária
Nenhuma
Nivel Estimado
Idade média em primeira relação sexual
Idade média em casamento
Idade média em casamento ou primeira relação Sexual
15 17 19 21 23 25 27
11
ONUSIDA
A resposta do Senegal
ao advento do SIDA
O
s primeiros casos reportados de SIDA no Senegal apare
ceram em 1986, quando seis casos foram identificados. A
resposta foi imediata. Foi estabelecido um programa nacional de SIDA e foram
rapidamente dados passos para proteger a população contra a exposição desne-
cessária ao vírus. Em 1987, por exemplo, um sistema fora estabelecido em todas
as 10 regiões do país para que todas as unidades de sangue para transfusão
pudessem ser testadas quanto à presença de anticorpos ao HIV.
Um forte interesse de uma comunidade científica bem estabelecida
ajudou a solidificar a resposta. Os investigadores senegaleses colaboraram com
parceiros de outros países no estabelecimento de projectos de pesquisa. Estes
projectos geraram dados credíveis muito cedo, dados que podiam ser utilizados
para gerar apoio político para uma resposta nesta área difícil.
Liderança política
E
nquanto os políticos em alguns países ignoraram a ameaça
do SIDA por temerem a alienação dos apoiantes conservado-
res, iniciando debates sobre relações sexuais sem risco, os políticos no Senegal
apoiaram os esforços para confrontar a epidemia. O governo em Dakar era a
força propulsora subjacente à declaração sobre o SIDA feita pelos chefes dos
estados membros da Organização da Unidade Africana em Junho de 1992. A
declaração centrou-se na necessidade de uma liderança política, religiosa e co-
munitária no combate à epidemia.
O governo sustentou com actos as suas opiniões. Em associação
com doadores internacionais, o governo investiu perto de 20 milhões de dólares
americanos em programas de prevenção do SIDA entre 1992 e 1996, tendo
removido os obstáculos que dificultavam o seu êxito. Por exemplo, um imposto
aduaneiro que quadruplicava o preço de preservativos para os consumidores
senegaleses baixou para ajudar as campanhas de promoção de preservativos.
Apoio político para a liderança do programa nacional do SIDA, liderança que
foi notoriamente consistente ao longo do tempo, também contribuiu para uma
resposta bem sucedida.
Mais recentemente foram feitos esforços para aumentar o âmbito do
apoio político para a prevenção do SIDA. Foram concebidas campanhas de in-
formação para acomodar as necessidades dos membros do parlamento, e em
Julho de 1996 realizou-se o primeiro encontro parlamentar sobre o SIDA – uma
sessão de informação de dois dias, envolvendo ONG, pessoas vivendo com HIV
e muitos outros actores na resposta nacional. Outros grupos de influência, tais
como os proprietários dos meios comunicação social, editores e jornalistas, tam-
bém foram alvos de informação e receberam formação sobre assuntos relacio-
nados com HIV.
12
Agir cedo para evitar o SIDA
Liderança religiosa
T
alvez o maior obstáculo para as actividades da prevenção
do SIDA em muitos países tenha sido a oposição, ou apenas o
medo da oposição das autoridades religiosas. A tendência dos líderes religiosos
para prescrever a abstinência e a monogamia mútua perante a incontornável
evidência de que este tipo de comportamento nem sempre é a norma foi obser-
vada em quase todos os cantos do mundo. O medo de ofender os poderosos fiéis
religiosos criou problemas em alguns governos nacionais e por boa razão.
Lobbies
conservadores demonstraram que podem obstruir tudo, desde a educação da
família para a vida até à promoção do preservativo, se assim quiserem.
Visto que quase todos os senegaleses são praticantes activos do Islão
ou do Cristianismo, os líderes religiosos têm obviamente um papel muito impor-
tante na vida nacional. O seu apoio nas actividades de prevenção do HIV era
vital para o sucesso das actividades. E estava claro que os líderes religiosos que-
riam envolver-se nesta área importante. Já em 1989, uma organização muçulma-
na, Jamra, aproximou-se do programa nacional de SIDA para discutir as estraté-
gias de prevenção do HIV. Embora inicialmente estivesse contra a ideia da
promoção do preservativo e alguns outros aspectos da prevenção do HIV, o gru-
po tornou-se um importante parceiro no diálogo entre os funcionários da saúde
pública e os líderes religiosos.
Para compreender melhor as necessidades dos fiéis religiosos, o go-
verno apoiou um inquérito a líderes muçulmanos e cristãos. Os resultados do
inquérito mostraram que os líderes religiosos achavam que estavam mal infor-
mados sobre o HIV e o SIDA e queriam mais informação que lhes permitisse dar
uma orientação mais clara aos seus seguidores. Eles também expressaram reser-
vas em relação ao que estavam preparados para apoiar. Por exemplo, estavam
relutantes em apoiar a utilização de preservativos entre os jovens solteiros, mas
estavam preparados para apoiá-los no casamento.
Como resposta, foram elaborados materiais educacionais que res-
pondiam às necessidades dos líderes religiosos. Eles centraram-se em parte em
testemunhos de pessoas vivendo com SIDA – a face humana da epidemia, mui-
tas vezes escondida onde a prevalência é ainda baixa. Foram organizadas ses-
sões de formação para Imãs e professores de Árabe e foram produzidas brochu-
ras para os ajudar a disseminar informação. O SIDA tornou-se um tópico regular
nos sermões das sextas-feiras nas mesquitas em todo o Senegal e figuras religio-
sas de topo falavam sobre o assunto na televisão e na rádio.
Em Março de 1995, 260 altos líderes islâmicos reuniram-se para uma
conferência sobre SIDA. O resultado da conferência foi um claro apoio aos es-
forços da prevenção do SIDA. Os líderes religiosos afirmaram que o SIDA não
era uma retribuição divina para o comportamento imoral. Eles apoiaram os di-
reitos das pessoas vivendo com SIDA, incluindo a utilização do preservativo
para proteger da infecção no casamento se um dos parceiros estiver infectado.
Além disso, afirmaram que toda a gente devia ter acesso a informação exacta
sobre HIV e SIDA.
Entre os cristãos, e especialmente os católicos que se opõem à utili-
zação de qualquer tipo de contraceptivo, no princípio houve muita resistência à
13
ONUSIDA
prevenção do SIDA. Contudo, as organizações cristãs são provedoras importan-
tes de serviços de saúde no Senegal e o SIDA claramente ameaçou tornar-se um
problema de saúde maior se não fosse evitado. Lideradas por uma ONG católi-
ca, SIDA Service, as igrejas gradualmente desenvolveram uma atitude mais
colaborante em relação à prevenção. Elas proporcionaram aconselhamento im-
portante e apoio psicológico e frequentemente encaminharam os que estives-
sem necessitados para fornecedores alternativos onde não houvesse falta, por
exemplo, para a provisão de preservativos.
Em Janeiro de 1996, líderes cristãos reuniram-se numa outra confe-
rência sobre o SIDA. Todos os bispos do Senegal participaram. Uma vez mais o
resultado foi o consenso de que a prevenção do SIDA era uma actividade naci-
onal importante.
O apoio moral para a prevenção do SIDA concedido pelos líderes
religiosos permitiu que as autoridades seculares e de saúde trabalhassem produ-
tivamente na oferta de educação e serviços específicos de prevenção de HIV.
Liderança da comunitária
C
omo foi mencionado, a sociedade senegalesa tem uma tra
dição de envolvimento activo da comunidade em questões de
saúde e desenvolvimento. Quando se tornou claro que o SIDA era uma ameaça
potencial para o bem estar nacional, grupos religiosos, de mulheres e de jovens,
assim como outros grupos comunitários estavam bem estabelecidos para dar
uma resposta. Em 1995, 200 ONG estavam activas no combate ao SIDA. Mais
de 400 grupos de mulheres, com um total de meio milhão de membros também
apoiaram actividades relacionadas com o SIDA, que variavam de marchas naci-
onais sobre o SIDA a espectáculos de marionetes.
Este era, claramente, um novo campo para as ONG e as organiza-
ções da comunidade e muitas delas precisavam de apoio no desenvolvimento
de capacidades para o trabalho de prevenção do SIDA. Uma ONG de cobertura
geral foi estabelecida para providenciar apoio aos membros e para agir como
ligação com o programa nacional de SIDA. Providenciou-se formação para mais
de 100 organizações que queriam responder à ameaça do HIV, mas que acha-
vam que não tinham as habilidades necessárias.
Estar em segurança: Jovens
O
s fazedores de políticas rapidamente deram-se conta de
que os jovens tinham necessidade de informação sobre o
HIV e sobre o comportamento seguro antes de se tornarem sexualmente activos.
Embora a actividade sexual comece relativamente tarde no Senegal, foi feito um
esforço para introduzir educação sexual cedo. Em 1992, a educação sexual fa-
zia parte do currículo, tanto das escolas primárias, como das secundárias. Além
disso, foi feito um esforço para atingir os jovens que não estavam na escola, a
maior parte das vezes através de grupos de jovens.
Os jovens obtêm informação de muitas fontes, mas os pais podem
ser influentes de uma maneira especial. Através de organizações religiosas e não
14
Agir cedo para evitar o SIDA
governamentais, os pais eram encorajados a assumir a responsabilidade para
proteger a saúde sexual dos seus filhos, fornecendo-lhes informação completa e
apoio para um comportamento seguro.
As mensagens para os jovens tinham a tendência de centrar-se no
aumento de conhecimento sobre os riscos de relações sexuais desprotegidas e
no encorajamento de abstinência. Mas há uma certa preocupação de que a
provisão actual de serviços para os jovens que optem por uma vida sexual activa
não seja adequada.
Estar em segurança: Trabalhadoras do sexo e seus parceiros
O
registo de trabalhadoras do sexo era rotina no Senegal há
mais de 15 anos quando emergiu o SIDA. As trabalhadoras
do sexo registadas tinham que se submeter a observações médicas regulares e as
DTS eram tratadas sempre que fosse necessário. Isso significava que as trabalha-
doras do sexo estavam em contactos regulares com os serviços de saúde e a
propagação da infecção do HIV podia ser facilmente monitorada neste grupo.
Era evidente que as trabalhadoras do sexo corriam um alto risco
tanto de contrair o HIV, como o de passá-lo aos seus clientes. Foram imediata-
mente estabelecidas intervenções preventivas centradas na promoção da utili-
zação do preservativo com os clientes. Muitas trabalhadoras do sexo começa-
ram a juntar-se aos grupos de apoio para salvaguardar a sua saúde em face do
SIDA. Mais de 30 grupos do género foram estabelecidos. Os membros assistiam
a debates, filmes e outras sessões de informação sobre o HIV e o SIDA – geral-
mente cerca de cinco vezes por ano. Também agem como educadoras
extensionistas para as trabalhadoras do sexo que não se juntaram aos grupos de
apoio. Nestas incluem-se mulheres que não se registaram como trabalhadoras
do sexo. É muito difícil saber com exactidão quantas trabalhadoras do sexo não
registadas existem – estima-se que o número de trabalhadoras do sexo não
registadas seja o mesmo que o das registadas. Sabe-se também muito pouco
sobre a taxa de infecção ou o comportamento de risco entre estas mulheres. Elas
tornar-se-ão, certamente, cada vez mais um centro de atenção para os futuros
esforços de prevenção.
Existem também esforços renovados para atingir as populações que
podem ser fornecedoras ou consumidoras de relações sexuais ocasionais, seja
por dinheiro ou não. Nelas incluem-se populações móveis, tais como trabalha-
dores migrantes e trabalhadores dos transportes. Os locais onde podem ocorrer
relações sexuais ocasionais, tais como feiras semanais, estão também a tornar-se
alvos de esforços mais activos de prevenção.
Sabe-se desde há muito tempo que a presença de outras DTS torna
fácil a contracção ou a transmissão da infecção do HIV. Por isso, o tratamento
regular e adequado de DTS subiu na lista das prioridades de saúde desde que a
ameaça de uma epidemia de HIV se tornou evidente. A oferta de serviços para
DTS foi reforçada tanto entre as trabalhadoras do sexo como entre a população
em geral.
15
ONUSIDA
O Senegal foi um dos primeiros países em África a estabelecer um
programa nacional de controlo de DTS e um dos primeiros a integrar os cuida-
dos com as DTS nos seus serviços primários regulares de saúde. Em resposta à
ameaça do SIDA, o país levou a cabo uma formação massiva de trabalhadores
de saúde na gestão sindromática de DTS. A qualidade dos cuidados melhorou
consideravelmente depois da formação, em comparação com os estudos do ponto
de partida antes da formação. A disponibilização de um aconselhamento ade-
quado sobre a prevenção futura, assim como sobre a notificação de parceiros
aumentaram de uma maneira bem significativa.
16
Agir cedo para evitar o SIDA
A resposta produziu alguma diferença?
Q
ue diferença, se houve alguma, produziram todas estas
actividades de prevenção? Às vezes isto é difícil de dizer,
porque é impossível saber o que aconteceria sem as actividades de prevenção,
ou porque não sabemos o suficiente sobre a situação antes da epidemia do HIV.
Contudo, em algumas áreas o efeito é evidente. Por exemplo, a utilização do
preservativo aumentou de virtualmente nada antes da epidemia do HIV para 67
por cento entre os homens em relações sexuais ocasionais em 1997. Será conce-
bível que este aumento tivesse ocorrido sem as campanhas de educação e de
promoção do preservativo a que os homens foram expostos? Claro que não.
Esta secção examinará o estado actual do conhecimento, actividade
sexual, utilização do preservativo e prevalência de DTS e HIV no Senegal. Onde
possível, discutirá as tendências com o passar do tempo para tentar determinar
que efeito podem ter tido as actividades de prevenção.
Conhecimento sobre o SIDA e sobre como evitá-lo
A
s campanhas de consciencialização sobre o SIDA têm es
tado claramente a fazer o seu trabalho. Em pesquisas repeti-
das realizadas em várias áreas em 1997 e 1998, mais de 95 por cento de alunos
da escola secundária e 99 por cento de trabalhadoras do sexo sabiam sobre o
SIDA e podiam dizer pelo menos duas maneiras correctas de evitá-lo.
Altas percentagens deles também sabiam sobre assuntos mais com-
plexos, tais como a infecção assintomática. Quatro em cada cinco estudantes e
perto de 70 por cento das trabalhadoras do sexo sabiam que o HIV podia ser
transmitido por alguém que parece perfeitamente saudável.
Na população geral, em todo o país, mais homens do que mulheres
sabem sobre a transmissão sexual do HIV (81 por cento dos homens contra 76 por
cento das mulheres). Contudo, nas zonas urbanas não há diferença de conheci-
mento entre os homens e as mulheres. Não há também diferença entre os homens
e as mulheres que possuem mais do que a escolarização primária.
Tais níveis altos de conhecimento demonstram o sucesso das cam-
panhas ininterruptas de informação que atingiram o povo do Senegal em todo o
sítio, das salas de aulas às mesquitas, rádios e mercados. Contudo, essas campa-
nhas de informação não tiveram tanto êxito na redução dos conceitos errados.
Até cerca de um terço dos vários grupos populacionais inquiridos sobre o co-
nhecimento e comportamento em 1997 e 1998 pensava que podiam contrair
HIV/SIDA através de picada de mosquitos ou da partilha de casas de banho com
alguém que tivesse SIDA.
Por outro lado, as campanhas aparentemente foram bem sucedidas
na promoção de atitudes de apoio para as pessoas vivendo com HIV e SIDA.
Três quartos de estudantes do sexo feminino inquiridas em 1998 disseram que
acreditavam que aos estudantes HIV-positivos devia ser permitido frequentar a
escola.
17
ONUSIDA
Gráfico 2. Idade média da primeira relação sexual em mulheres actualmente
com idades entre os 20 e os 49 anos
Estudantes do sexo masculino eram muito mais sexualmente activos
do que as raparigas, mas só reportaram relações sexuais esporádicas e um nú-
mero limitado de parceiras. Apesar de que dois terços dos estudantes do sexo
masculino inquiridos em 1998 terem dito que não eram virgens, somente um
quarto deles tinha tido relações sexuais no ano precedente e menos de um em
cada 10 tinham tido mais do que uma parceira nos 12 meses precedentes.
Não obstante o acima exposto, na população em geral, as relações
sexuais antes do casamento não são uma coisa desconhecida. Cerca de 14 por
cento das mulheres solteiras num estudo baseado na população em Dakar disse-
ram que tinham mantido relações sexuais nos 12 meses precedentes e 38 por
cento dos homens afirmou o mesmo. Em parte, isto é devido ao aumento rápido
da idade do primeiro casamento, o que está descrito mais detalhadamente na
página. Vale a pena reiterar que enquanto as relações sexuais antes do casamen-
to parecem estar a aumentar, está a acontecer em idades mais avançadas. Uma
vez que mulheres mais jovens são mais susceptíveis à infecção do HIV do que as
mulheres com idades mais avançadas, é provável que o aumento na idade da
primeira relação sexual proporcione uma protecção adicional contra a infecção
do HIV.
Os jovens não parecem estar engajados em actividades sexuais de uma
noite. Num estudo, o tempo médio entre o primeiro encontro e a primeira relação
sexual era de três meses para os homens e cinco meses para as mulheres, e relações
Actividade sexual
H
á somente informação limitada sobre a actividade sexual
antes do SIDA. O que é evidente é que as mulheres estão a
optar por permanecer virgens por um período mais longo do que nas décadas
anteriores. A maior parte das mulheres que estavam no início da casa dos vinte
anos em 1997 não tinham tido relações sexuais até aos 19 anos ou mais. Para a
geração das suas mães, a idade média da primeira relação sexual era próxima dos
16 anos. Tal tendência ainda não foi vista noutros países africanos (vide o gráfico
2). Quanto mais instruída for uma rapariga, mais tempo esperará para ter relações
sexuais. Num estudo em estudantes do sexo feminino em 1998, 95 por cento
delas disseram que nunca tinham tido relações sexuais.
Senegal
Benin
Mali
Tanzânia
Zâmbia
Idade actual
Idade média da primeira relação sexual
19.0
18.5
18.0
17.5
17.0
16.5
16.0
15.5
15.0
20–21 20–21 30–21 35–21 40–44 20–21
18
Agir cedo para evitar o SIDA
ocasionais entre pessoas com menos de 25 anos tinha a tendência de durar cerca de
6 meses para as mulheres e metade para os homens.
Entre os casados, relações sexuais ocasionais são muito mais raras
do que nos não casados. Cerca de 99 por cento das mulheres casadas e 88 por
cento dos homens casados afirmaram, num estudo realizado em Dakar em 1997,
que não tinham mantido relações sexuais com qualquer outra pessoa senão os
esposos nos 12 meses precedentes. Das pessoas que tinham parceiros extra-
conjugais, a maior parte quer dos homens quer das mulheres só tinham tido um.
Infelizmente, não é possível saber até que ponto as campanhas de
prevenção de SIDA afectaram os relativamente baixos níveis de actividade sexual
fora de casamento recentemente registados no Senegal. Parece provável que rela-
ções sexuais fora do casamento nunca tenham sido frequentes nesta sociedade
coesa e activa em termos religiosos. Contudo, é possível que as campanhas de
prevenção do SIDA tenham reforçado estes padrões tradicionais de comporta-
mento, impedindo o aumento do volume de relações sexuais fora do casamento
em idades mais jovens que, de outro modo, poderia resultar de uma crescente
urbanização e mobilidade social e, talvez, das mudanças económicas que possi-
bilitam o acesso ao dinheiro por parte dos jovens.
Uso do preservativo
O
principal canal para a propagação do SIDA no Senegal,
assim como em muitos países da África Sub-Sahariana são as
relações sexuais não protegidas entre homens e mulheres, dos quais pelo menos
um tem outro parceiro não fiel. Apesar de a maior parte das campanhas de pre-
venção do SIDA terem como objectivo desencorajar relações sexuais com múl-
tiplos parceiros, elas também têm o objectivo de aumentar a utilização do pre-
servativo em parcerias que podem ser de risco.
Antes da epidemia do HIV, a utilização do preservativo no Senegal era
extremamente baixa: menos de um por cento. E, de facto, continua baixa como
um método de contracepção ou entre os esposos. Contudo, em relações sexuais
ocasionais – exactamente as que são alvo da campanha de prevenção do SIDA – a
utilização do preservativo aumentou drasticamente. Num inquérito feito na popu-
lação em 1997, em Dakar, mais de dois terços dos homens e cerca de metade das
mulheres que tinham tido relações ocasionais nos últimos 12 meses haviam usado
preservativo com os seus últimos parceiros de ocasião. Em estudos de grupos
populacionais específicos, um ano mais tarde, a taxa era ainda mais alta. Cerca de
81 por cento de trabalhadores e 67 por cento de rapazes estudantes disseram ter
usado preservativo na última vez que mantiveram uma relação sexual ocasional
(apesar de o número total dos rapazes sexualmente activos ser pequeno). E parece
que a utilização do preservativo é significativamente consistente. Perto de três
terços de estudantes do sexo masculino com parceiras não regulares afirmaram
que tinham usado o preservativo sempre que mantiveram relações sexuais com
uma parceira não regular no último ano. Somente um em cada dez disseram que
nunca tinham utilizado o preservativo em encontros ocasionais.
A informação e a promoção do preservativo dirigidas a trabalha-
doras do sexo parecem ter sido mais eficientes. Num estudo entre prostitutas
19
ONUSIDA
realizado em 1998, 99 por cento delas afirmou ter utilizado o preservativo
com o seu novo cliente mais recente, e 97 por cento com o cliente regular
mais recente. É comum em todo o mundo as prostitutas utilizarem o preser-
vativo menos frequentemente com os parceiros que não pagam do que com
os seus clientes, e o Senegal não é excepção. Contudo, mesmo com homens
que não são clientes, a utilização do preservativo permaneceu relativamente
alta: com 60 por cento.
Um dos factores conhecidos como os que aumentam o risco para
as trabalhadoras do sexo é, logicamente, o número de parceiros que têm.
Num estudo clínico de trabalhadoras do sexo em Dakar, a média do número
de parceiros que elas mencionaram era baixa: 2.2 por cento por semana.
Globalmente, 84 por cento das trabalhadoras do sexo neste grupo afirmaram
que tinham usado o preservativo com todos os clientes. Contudo, de um
pequeno número de mulheres que tinham muitos mais parceiros – sete ou
mais por semana –, 96 por cento disseram que utilizavam o preservativo com
todos os parceiros. Isto sugere que as mulheres aumentam o seu nível de
protecção em proporção directa com a sua exposição ao risco. Seria plausí-
vel assumir que elas tomam esta decisão em resposta à informação sobre os
riscos das relações sexuais desprotegidas com múltiplos parceiros.
Toda a informação sobre a utilização de preservativos depende do
facto de as pessoas falarem sobre o seu comportamento de uma maneira exacta.
Será possível que as pessoas estejam a afirmar que estão a utilizar mais o preser-
vativo somente como resposta a campanhas de prevenção e não porque estejam
realmente a utilizar mais o preservativo? Parece improvável, considerando o
aumento drástico da venda de preservativos. A venda de preservativos aumen-
tou de 800 000, em 1998, para sete milhões, em 1997. Esforços para melhorar a
distribuição de preservativos também parecem ter tido bons resultados. Pratica-
mente todas as trabalhadoras do sexo inquiridas afirmaram que podiam facil-
mente obter preservativos sempre que o quisessem. Mais de 85 por cento de
raparigas de escolas secundárias disseram o mesmo, apesar do facto de que este
grupo era o que tinha menor probabilidade de registar actividade sexual.
Prevalência de doenças de transmissão sexual
O
s dados sobre o comportamento sugerem que a activida
de sexual com múltiplos parceiros que não os esposos é bai-
xa e que uma alta percentagem de relações sexuais ocasionais (incluindo virtu-
almente todas as relações sexuais comerciais) são protegidas por preservativos.
Mas uma vez mais, a maior parte da informação depende do que as pessoas
falam sobre o seu comportamento de uma maneira exacta. Haverá alguma outra
evidência para suportar estas afirmações?
Sim. Visto que as DTS se propagam da mesma maneira que o HIV,
elas são um bom indicador da actividade de risco. E visto que são curáveis,
geralmente reflectem a actividade de risco num passado relativamente recente,
enquanto a infecção com o HIV pode ser causada por um comportamento de
risco de há vários anos atrás.
20
Agir cedo para evitar o SIDA
Um estudo sobre doenças de transmissão sexual efectuado entre tra-
balhadoras do sexo e mulheres grávidas em 1991 e 1996 demonstrou uma redu-
ção drástica na taxa de infecção para todas as DTS avaliadas e para ambos os
grupos de mulheres(trabalhadoras do sexo e mulheres grávidas), conforme indi-
cado no gráfico 3.
Estas constatações clínicas confirmam uma prevalência reportada
baixa de DTS. Num IDS nacional realizado em 1997, apenas 0.7 por cento de
mulheres e um por cento de homens afirmaram terem tido sintomas de DTS no
último ano. Visto que muitas infecções de transmissão sexual nas mulheres são
assintomáticas, é de esperar que as mulheres registem níveis de DTS mais baixos
do que os encontrados nos programas sistemáticos de teste. Num estudo basea-
do na população na capital no mesmo ano, 2,3 por cento dos homens afirmaram
ter tido sintomas de DTS no ano anterior.
Menos de metade das trabalhadoras do sexo inquiridas num estudo
de 1998 afirmaram ter tido alguma DTS nos doze meses anteriores, e somente oito
por cento reportaram mais de um episódio. Contudo, de nada vale que estes níveis
pareçam relativamente altos em face dos baixos níveis de troca de parceiros e dos
níveis extremamente altos de utilização do preservativo reportados pelas trabalha-
doras do sexo que responderam aos inquéritos.
Prevalência de HIV
C
om níveis tão baixos de relações sexuais ocasionais, taxas
de infecção de DTS a decair e altos níveis de uso do preserva-
tivo, poder-se-ia esperar que a infecção de HIV no Senegal tivesse permanecido
baixa. Uma possível excepção poderia ser entre as trabalhadoras do sexo, cujos
níveis de DTS sugerem um risco cumulativo alto de infecção com HIV, mesmo
quando a maior parte dos seus contactos sexuais sejam protegidos pela utiliza-
ção do preservativo.
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Trabalhadoras do sexo 1991
Trabalhadoras do sexo 199
6
Mulheres grávidas 1991
Tricomonas
Infecção clamidia
Gonorreia
sífilis
Mulheres grávidas
1996
Prevalência de DTS (%)
Gráfico 3. Doenças de transmissão sexual entre trabalhadoras do sexo e
mulheres grávidas em Dakar, Senegal
21
ONUSIDA
E na verdade, os dados de vigilância do HIV disponíveis mostram
estas expectativas. Os dados do programa nacional do SIDA demonstram que a
prevalência do HIV entre as mulheres grávidas era de 1.41 por cento nos finais
de 1996. Não houve qualquer tendência significativa ao longo do tempo neste
grupo populacional. O Gráfico 4 mostra as taxas de infecção com HIV entre as
mulheres grávidas na capital, Dakar. Há também postos de vigilância
epidemiológica nas consultas pré-natais em três outras grandes zonas urbanas –
Saint-Louis, Kaolack e Ziguinchor. Todos eles mostram taxas semelhantes, com o
nível de infecção com HIV abaixo de dois por cento em mulheres grávidas nos
anos entre 1989 e 1996, sem nenhuma tendência de subida na prevalência ao
longo do tempo.
Nos doentes masculinos a sofrerem de DTS, geralmente considerados
como um grupo representando alto risco de infecção, os níveis de infecção do
HIV permaneceram mais ou menos consistentemente abaixo de 5 por cento ao
longo do tempo em todos os locais. Somente entre as trabalhadoras do sexo, pro-
vavelmente o grupo em maior risco de infecção que os níveis de prevalência do
HIV aumentaram significativamente ao longo do tempo. No sul do país estão os
mais altos níveis – a infecção do HIV entre as trabalhadoras do sexo registadas na
cidade meridional de Ziguinchor atingiu perto de 35 por cento em 1996. Na capi-
tal, Dakar, a infecção com HIV entre as trabalhadoras do sexo parece ter permane-
cido estável em torno dos 17 por cento desde 1993.
A prevalência estável do HIV, é claro, não significa que não haja
novas infecções. Por cada pessoa que se afasta do grupo de pessoas que foram
testadas ao HIV – porque morreram, estão demasiado doentes para se apresenta-
rem aos estabelecimentos de saúde, já não são férteis ou por qualquer outra
razão – deve haver uma nova infecção para manter a prevalência estável. Mas
no caso do Senegal, não parece que a prevalência estável esteja a mascarar a
subida de incidência. Um estudo de incidência em trabalhadoras do sexo em
Dakar registou novas infecções com HIV em cerca de 1.1 por 100 pessoas por
ano de observação na década entre 1985 e 1995, sem aumentos significativos
nos níveis de infecção ao longo do tempo.
Entre as mulheres grávidas também parece não haver evidência de
altas taxas de infecção no grupo das mais novas – o grupo etário onde os níveis
de prevalência têm maior probabilidade de reflectir a incidência ou novas infec-
ções. Entre 1989 e 1996, somente uma em mais de 400 adolescentes grávidas
testadas ao HIV revelou estar infectada pelo vírus.
Gráfico 4. Prevalência do HIV entre as mulheres grávidas em Dakar, Senegal
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1989
4
3
2
1
0
HIV prevalência (%)
HIV-1
HIV-2
22
Agir cedo para evitar o SIDA
A actividade sexual pré-marital é também muito mais baixa no
Senegal do que em outros países com dados semelhantes, pelo menos para as
mulheres. Em Dakar, em 1997, cerca de 14 por cento das mulheres disseram que
tinham mantido relações sexuais com pelo menos uma pessoa no ano anterior.
Num inquérito IDS realizado na Zâmbia no ano anterior, a percentagem chega-
va a 40 por cento, enquanto na Tanzânia era de 35 por cento. Entre as mulheres
Gráfico 5 Percentagem de mulheres de idade entre os 15 e os 19 anos que
nunca mantiveram relações sexuais
65
55
45
35
25
15
Senegal Benin Mali Tanzânia Zâmbia
Percentagem
A resposta do senegal ao HIV era realmente
necessária?
Um dos maiores dilemas com os programas de prevenção em saúde pú-
blica é que nunca é possível estar certo do que aconteceria se os programas de preven-
ção não estivessem a ser levados a cabo. Isso é especialmente verdade para os progra-
mas ao nível nacional. Se um programa de prevenção atinge todo o país, então não há
grupo de população no país que possa ser utilizada como um grupo de comparação
para demonstrar o que aconteceria sem o programa. Nesta situação, o melhor a fazer
é comparar com outros países em situações semelhantes onde não houve intervenção.
Mas mesmo assim, isso não é tão fácil como parece. Primeiro, países sem intervenção
raramente têm sistemas de monitoria e avaliação para recolher dados que permitiriam
fazer as necessárias comparações. Segundo, talvez haja outros factores, além da inter-
venção, que diferem de um país para outro. Assim sendo, ainda há muito que apren-
der em relação a comparações entre países.
Uma das coisas que mudaram com o andar do tempo no Senegal foi a
idade da primeira relação sexual, que aumentou consideravelmente nos últimos
anos. Como é que se compara este facto com outros países? Como o gráfico 2 (p-)
mostra, a idade da primeira relação sexual aumentou muito mais rapidamente e em
níveis mais altos no Senegal em comparação com os outros países africanos onde os
dados estão disponíveis. Praticamente isso significa que menos adolescentes são
sexualmente activos e expostos à infecção pelo HIV no Senegal do que em outros
lugares. Isso é confirmado pelos dados apresentados no gráfico 5, que mostra a
percentagem de adolescentes entre os 15 e os 19 anos de idade que ainda são
virgens. Visto que o tipo mais seguro de relações sexuais é a abstenção, isto confirma
que as jovens senegalesas são menos vulneráveis à infecção pelo HIV ou outras DTS
do que as jovens dos outros países.
23
ONUSIDA
casadas também havia uma diferença, embora os níveis fossem baixos em toda
a parte. Somente um por cento das mulheres casadas, em Dakar, tinha mantido
relações sexuais com outro homem que não fosse o marido no ano anterior,
comparado com o dobro, na Zâmbia, e cinco vezes mais na Tanzânia. Na Costa
do Marfim e na Guiné Bissau, a percentagem de homens que afirmaram ter tido
duas ou mais parceiras ocasionais nos últimos 12 meses era três ou quatro vezes
mais alta do que em Dakar.
Embora o nível da actividade sexual fora de casamento seja muito
mais baixo no Senegal em comparação com os outros países estudados, a utiliza-
ção do preservativo em relações sexuais fora do casamento é muito mais alta. De
facto, o número de homens e mulheres que utilizaram o preservativo no último
contacto sexual não regular em Dakar é o dobro do que foi verificado nas outras
cidades africanas onde foram realizados estudos semelhantes. O único país em
África que tem níveis semelhantes de utilização do preservativo em relações sexu-
ais ocasionais é o Uganda, onde uma campanha de prevenção activa foi
estabelecida depois de centenas de milhares de ugandeses terem morrido de SIDA
e milhões de outras terem visto de perto os efeitos devastadores da doença.
Altos níveis de utilização do preservativo são apoiado por uma com-
parativamente boa disponibilidade de preservativos. Em 1997, cerca de sete mi-
lhões de preservativos foram disponibilizados no Senegal para fazer face às neces-
sidades de quatro milhões de pessoas na faixa etária dos 15 aos – 49 anos, que são
os mais activos sexualmente. Isso compara-se com os dois milhões de preservati-
vos para cinco milhões de pessoas no mesmo grupo etário em Burkina Faso. No
mesmo ano, na Tanzânia, mais de 19 milhões de preservativos foram importados
para servir uma população de 15.5 milhões de pessoas entre os 15 e os 49 anos.
Como é que estes diferentes níveis de actividade sexual e utilização
do preservativo se traduzem em infecção com o HIV? O ONUSIDA estima que
nos finais de 1997, a prevalência do HIV entre os adultos no Senegal era de 1.8
por cento, em Burkina Faso 7.2 por cento, na Tanzânia 9.4 por cento e na Zâmbia
19.1 por cento.
Em termos de níveis de infecção de HIV entre as mulheres grávidas
medidos em postos individuais de vigilância epidemiológica nas grandes cida-
des, a diferença também é grande. O Gráfico 6 mostra a tendência da prevalência
do HIV ao longo do tempo em postos de vigilância epidemiológica em algumas
cidades ou regiões africanas.
Gráfico 6. Infecção de HIV-1 entre mulheres grávidas em várias cidades
africanas
30
25
20
15
10
5
0
Dakar, Senegal
KwaZulu Natal, África do Sul
Kisii, Quénia
Bobo-Dioulasso, Burkina Faso
Percentagem de HIV Positivo
1989
1990
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997
24
Agir cedo para evitar o SIDA
Conclusão
D
e facto, parece que a infecção do HIV permaneceu baixa
no Senegal desde o começo da epidemia e não há nenhum
sinal de tendência de aumento da infecção. Mas esta revisão das evidências
conseguiu sugerir o porquê?
É possível identificar três grandes factores que determinam directa-
mente a exposição à infecção com o HIV e que resultaram nos baixos níveis
registados no Senegal. Primeiro, a actividade sexual começa relativamente tarde
e as relações sexuais fora do casamento são relativamente limitadas. Segundo, a
utilização do preservativo em relações sexuais fora do casamento e, especial-
mente, nas actividades de sexo comercial é alta. Terceiro, os programas de con-
trolo de DTS são aparentemente eficazes.
O segundo e o terceiro destes factores estão certamente ligados aos
esforços de prevenção do SIDA do país. O início tardio das relações sexuais e o
número limitado de relações sexuais extraconjugais são provavelmente deter-
minados mais por valores sociais e religiosos do que pelos programas e mensa-
gens de prevenção do SIDA. Contudo, é plausível imaginar que estes valores
estão a ser reforçados e mantidos por um programa de prevenção do SIDA no
qual os líderes religiosos, comunitários e políticos estão activamente empenha-
dos.
Parece, portanto, que os esforços de prevenção atempados e
abrangentes do Senegal tiveram uma grande contribuição para manter os níveis
de infecção baixos. Mas como é que o país foi capaz de desenvolver tal resposta
rápida em tão massiva escala num momento em que o país estava a debater-se
com uma situação económica difícil? A resposta deve estar, em parte, na lide-
rança política e, em parte, na organização social do país. A liderança política
fundou as bases para um diálogo produtivo com os líderes religiosos e outros
líderes comunitários. Uma tradição longa e activa de participação da comuni-
dade na saúde e no desenvolvimento foi mobilizada em torno das actividades
de prevenção do SIDA. Foi feita a utilização máxima das estruturas existentes
para fornecer informação e serviços às comunidades em alto risco, especial-
mente às trabalhadoras do sexo. Uma abordagem pragmática da saúde pública
– enfatizando a prevenção e a prestação de serviços essenciais – foram a base
para fortalecer os esforços de controlo de DTS e da expansão da promoção do
preservativo.
Assim, mesmo antes do advento do SIDA havia muitos aspectos na
estrutura social do Senegal, assim como na estrutura dos serviços de saúde que
favoreceram a resposta logo que a ameaça da epidemia se tornou clara. Mas foi
a utilização determinada dessas vantagens existentes para gerar uma resposta
nacional atempada a que se deve facto de nos finais da década de 90 o Senegal
ter um dos níveis mais baixos de infecção pelo HIV na África do Sub-Sahariana.
Produção Gráfica: Elográfico
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/SIDA (ONUSIDA) é o principal embaixador da
acção mundial contra o HIV/SIDA. Ele reúne numa só as actividades de sete organizações das Nações Unidas
em luta contra a epidemia: o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), o Programa
das Nações Unidas de Combate Internacional às Drogas (PNUCID), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e
o Banco Mundial.
A ONUSIDA mobiliza as acções contra a epidemia dos seus sete organismos co-patrocinadores, ao mesmo
tempo que alia iniciativas especiais a estes esforços. O seu objectivo é dirigir e apoiar o alargamento da acção
internacional contra o HIV em todas as frentes- médica, social, econômica, cultural, política, da saúde pública
e dos direitos humanos. A ONUSIDA trabalha com um largo leque de parceiros - governos e ONG, empresas,
especialistas e não especialistas – com vista ao intercâmbio de conhecimentos, competências e boas práticas
à escala mundial.