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— Não, interrompeu o Tinhoso. Quero justamente o contrário. Há no jardim
uma árvore, que é a da ciência do Bem e do Mal; eles não devem tocar nela, nem
comer-lhe os frutos. Vai, entra, enrosca-te na árvore, e quando um deles ali passar,
chama-o de mansinho, tira uma fruta e oferece-lhe, dizendo que é a mais saborosa
fruta do mundo; se te responder que não, tu insistirás, dizendo que é bastante comê-
la para conhecer o próprio segredo da vida. Vai, vai...
— Vou; mas não falarei a Adão, falarei a Eva. Vou, vou. Que é o próprio
segredo da vida, não?
— Sim, o próprio segredo da vida. Vai, serpe das minhas entranhas, flor do
mal, e se te saíres bem, juro que terás a melhor parte na criação, que é a parte
humana, porque terás muito calcanhar de Eva que morder, muito sangue de Adão
em que deitar o vírus do mal... Vai, vai, não te esqueças...
Esquecer? Já levava tudo de cor. Foi, penetrou no paraíso, rastejou até a
árvore do Bem e do Mal, enroscou-se e esperou. Eva apareceu daí a pouco,
caminhando sozinha, esbelta, com a segurança de uma rainha que sabe que
ninguém lhe arrancará a coroa. A serpente, mordida de inveja, ia chamar a peçonha
à língua, mas advertiu que estava ali às ordens do Tinhoso, e, com a voz de mel,
chamou-a. Eva estremeceu.
— Quem me chama?
— Sou eu, estou comendo desta fruta...
— Desgraçada, é a árvore do Bem e do Mal!
— Justamente. Conheço agora tudo, a origem das coisas e o enigma da vida.
Anda, come e terás um grande poder na terra.
— Não, pérfida!
— Néscia! Para que recusas o resplendor dos tempos? Escuta-me, faze o
que te digo, e serás legião, fundarás cidades, e chamar-te-ás Cleópatra, Dido,
Semíramis; darás heróis do teu ventre, e serás Cornélia; ouvirás a voz do céu, e
serás Débora; cantarás e serás Safo. E um dia, se Deus quiser descer à terra,
escolherá as tuas entranhas, e chamar-te-ás Maria de Nazaré. Que mais queres tu?
Realeza, poesia, divindade, tudo trocas por uma estulta obediência. Nem será só
isso. Toda a natureza te fará bela e mais bela. Cores das folhas verdes, cores do
céu azul, vivas ou pálidas, cores da noite, hão de refletir nos teus olhos. A mesma
noite, de porfia com o sol, virá brincar nos teus cabelos. Os filhos do teu seio tecerão
para ti as melhores vestiduras, comporão os mais finos aromas, e as aves te darão
as suas plumas, e a terra as suas flores, tudo, tudo, tudo...
Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-os e confirmou a resposta de
Eva; nada valia a perda do paraíso, nem a ciência, nem o poder, nenhuma outra
ilusão da terra. Dizendo isto, deram as mãos um ao outro, e deixaram a serpente,
que saiu pressurosa para dar conta ao Tinhoso.
Deus, que ouvira tudo, disse a Gabriel:
— Vai, arcanjo meu, desce ao paraíso terrestre, onde vivem Adão e Eva, e
traze-os para a eterna bem-aventurança, que mereceram pela repulsa às instigações
do Tinhoso.
E logo o arcanjo, pondo na cabeça o elmo de diamante, que rutila como um
milhar de sóis, rasgou instantaneamente os ares, chegou a Adão e Eva, e disse-
lhes: